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ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA

Aprendizagem da língua materna: estrutura, uso como aceitável ou inaceitável. É o preço a pagar por poder definir
e funções. propriedades sintático-semânticas com suficiente precisão para que
Saber léxico-gramatical faça sentido pô-las à prova em confronto com todo o léxico. Essas
precauções evoluíram em função das necessidades e do
O léxico-gramática é simultaneamente um método e uma surgimento de novos meios técnicos. Por exemplo, a partir do
prática efetiva de descrição formal das línguas, desenvolvidos início dos anos 1990, os contribuidores do léxico-gramática
em paralelo por Maurice Gross a partir do fim dos anos 1960, o puderam cadavez mais facilmente aproveitar exemplos atestados em
método e a prática nutrindo-se mutuamente. corpus. Essa nova precaução acrescentou-se às precedentes, e o
A base teórica que fundamenta o léxico-gramática é o léxico-gramática passou a situar-se simultaneamente no âmbito da
distribucionalismo, e, em especial, a noção de transformação. linguística introspectiva e da linguística de corpus. Os projetos
As convenções de notação para a apresentação das informações americanos FrameNet e VerbNet, aliás, apresentam traços que
gramaticais são concebidas para ser o mais simples e manifestam uma relativa convergência para objetivos próximos dos
transparentes possível. A metodologia do léxico-gramática está do léxico-gramática.
inspirada nas ciências experimentais e dá enfoque à coleta dos
Formalização
fatos e, consequentemente, à conferição com a realidade dos
O léxico-gramática também prevê uma exigência de
usos linguísticos, do ponto de vista quantitativo (descrição
formalização. Os resultados da descrição devem ser formais o
metódica do léxico) e qualitativo (precauções metodológicas). O
suficiente para que possam ser:
léxico-gramática também prevê uma exigência de formalização.
- verificados por conferição com a realidade do uso,
Os resultados da descrição devem ser formais o suficiente
- postos em prática por informatas no processamento
para que possam ser postos em prática por informatas no
automático das línguas, entre outras através da realização de
processamento automático das línguas, entre outras através
analisadores sintáticos.
da realização de analisadores sintáticos. O modelo conceitual
Essa necessidade de formalização motivou a adoção de um
determina que os resultados da descrição tomam a forma de
modelo discretizado da sintaxe e da semântica. Por exemplo,
tabelas de dupla entrada, chamadas tabelas ou matrizes, que
a aceitabilidade é representada por uma propriedade binária:
cruzam itens lexicais com as propriedades sintático-semânticas.
para as necessidades da descrição, uma frase é considerada quer
Os resultados obtidos constituem uma base de informações
como aceitável, quer como inaceitável, como na gramática
sintático-semânticas. As experiências comprovaram que vários
gerativa e pelas mesmas razões. Além disso, a ambiguidade
indivíduos ou equipes podem alcançar uma cumulatividade de
lexical é representada através de uma cuidadosa separação de
suas descrições.
uma palavra em um número inteiro de itens lexicais, que são
Base teórica distintos uns dos outros como dois itens relativos a palavras
A base teórica que fundamenta o léxico-gramática é o morfologicamente diferentes: por exemplo, os diferentes
distribucionalismo, e, em especial, a noção de transformação no sentidos de jogar em jogar gamão, jogar moedas na fonte...
sentido. As convenções de notação para a apresentação das correspondem a itens distintos.
informações gramaticais são concebidas para ser o mais simples As propriedades sintático-semânticas dos itens (por
e transparentes possível. A vigilância sobre essa questão origina- exemplo, as estruturas de frase em que pode entrar um
se na teoria, que está orientada para a superfície diretamente determinado verbo, ou a distribuição de seu sujeito), formam
observável; é uma diferença com a gramática gerativa, que uma lista que é metodicamente testada com todos os itens.
normalmente recorre a estruturas abstratas como as estruturas As propriedades são identificadas por títulos relativamente
profundas. informais, como N_0 \, V \, N_1 \, W \, = \, N_1 \, V\, W, que
representa uma transformação entre duas estruturas de frases
Coleta dos fatos (ou construções sintáticas) que pertencem a um único item.
A metodologia do léxico-gramática está inspirada nas A noção de item lexical, pois, não é confundida com a de
ciências experimentais; dá enfoque à coleta dos fatos e, construção sintática. Por isso, evita-se o termo «quadro de
consequentemente, à conferição com a realidade dos usos subcategorização», frequentemente utilizado no contexto de
linguísticos, do ponto de vista quantitativo e qualitativo. modelos que tendem a considerar que existe uma bijecção entre
as duas noções. No quadro do léxico-gramática, as decisões de
Quantitativamente: o léxico-gramática inclui um programa classificação («subcategorização») de um item lexical não são
de descrição metódica do léxico. Trata-se, necessariamente, de baseadas, em geral, em uma única construção («quadro»), e sim
um trabalho em grande escala, realizável por equipes e não por no conjunto das construções sintáticas relacionadas ao item.
especialistas isolados. A busca exclusiva de regras de sintaxe Enfim, são tomadas em consideração unicamente as
gerais, independentes do material lexical que manuseiam, é propriedadesparaasquaisépossívelencontrarumprocedimento
denunciada como um impasse. É uma diferença com a gramática que permita determinar de uma forma suficientemente confiável
gerativa, que valoriza mais a noção de generalização. se um determinado item a possui ou não. Tal procedimento é
determinado experimentalmente, testando com um vocabulário
Qualitativamente: precauções metodológicas são aplicadas extenso a reprodutibilidade dos julgamentos.
para garantir uma boa reprodutibilidade das observações Uma propriedade, portanto, não é representada como um
e, em especial, para prevenir os riscos ligados aos exemplos continuum, e sim como binária. Com a adoção deste modelo,
construídos. Uma dessas precauções consiste em eleger como uma etapa essencial da descrição de uma língua com o método
unidade mínima de sentido a frase elementar. Isso é, uma palavra do léxico-gramática consiste em observar e registrar as
adquire um sentido preciso só dentro de um contexto; além propriedades dos itens lexicais.
disso, ao inserir uma palavra dentro de uma frase, ganha-se a Os resultados da descrição, portanto, tomam naturalmente
vantagem de manusear uma sequência passível de ser julgada a forma de tabelas de dupla entrada, chamadas tabelas, tábuas
ou matrizes, que cruzam os itens lexicais com as propriedades
sintático-semânticas.Adescriçãodaestruturadasfrasesnecessita
a identificação de um conjunto de argumentos característico de
cada item predicativo; especificamente, põem-se em aplicação
princípios para distinguir os argumentos (sujeito e objetos ou
complementos essenciais) dos complementos não essenciais
(adjuntos adverbiais ou complementos circunstanciais).

Resultados
Os resultados obtidos pela aplicação desse método por
algumas dezenas de linguistas durante algumas dezenas de
anos são uma base de informações sintático-semânticas para

Conhecimentos Específicos 1
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o processamento automático das línguas. Pode-se julgar a formas de expressividade de alunos. Todas estas contribuições
qualidade desta base de informações com base: podem ser implantadas na sala de aula, através da produção
- no seu volume, avaliado em número de itens, textual. Sendo desenvolvida por meio, principalmente da
- na riqueza dos fenômenos linguísticos tomados em conta, realidade escolar e depois passa para um campo linguístico mais
avaliada em número de propriedades, amplo.
- e no seu grau de formalização. A competência textual deve levar em consideração a leitura,
Em francês, mais de 75 000 itens foram estabelecidos; sendo a mesma não apenas um momento dedicado à percepção
descrições mais ou menos substanciais, conformes ao mesmo da escrita, muito mais que isso ela é oralidade em suas mais
modelo, existem para uma dezena de outras línguas, sendo diversas manifestações. Essa é uma tarefa que exige tempo e
melhor representados o português, o italiano, o grego moderno esforço de alunos, professores e escola.
e o coreano. Nesta construção de alunos competentes na produção
textual é importante lembrar o espaço multicultural dentro da
Foram efetuados e publicados estudos no quadro do léxico- escola, este espaço pode ser trabalhado na perspectiva do aluno
gramática sobre substantivos predicativos a partir dos anos manifestar, dessas culturas distintas, conhecimentos de mundo
1970, e sobre expressões fixas a partir dos anos 1980. diversos e internalizá-los, podendo ser trabalhado isto na escrita
A noção de substantivo predicativo procede dos trabalhos demonstrando domínio de linguagem nos diversos gêneros.
de Zellig Harris. Origina-se na ideia de que se, por exemplo, o A linguagem cria o meio social que é expresso pela língua
verbo estudar é analisado como sendo o predicado na frase: onde surge a necessidade da comunicação, oral ou escrita, para
Luca estuda os eclipses, é natural analisar o substantivo estudo fazer troca de discursos. Com isso, situamos a produção textual
(ou a sequência fazer um estudo) como sendo o predicado como o método coletivo que melhor atende à comunicação.
na frase: Luca faz um estudo sobre os eclipses. Em tal caso, o É importante a ideia de que sociedade e linguagem devem
referido substantivo é qualificado de predicativo. Já o verbo que ser trabalhadas na escola juntas para construção da competência
vem junto, no caso, fazer, é chamado verbo suporte. A ideia foi textual. É papel da escola compreender a relação entre social e
aplicada metodicamente no quadro do léxico-gramática a partir linguagem na produção de textos, já que língua é uma ferramenta
dos anos 1970. composta de características sociais, pois a atividade linguística é
Os contribuidores do léxico-gramática usam o termo de feita pelo próprio falante.
expressão idiomática, fixa ou cristalizada quando uma expressão Não devemos excluir da prática textual aspectos,
(por exemplo jogar fora) possui propriedades específicas (no psicológicos, sociais, culturais e históricos, eles podem para a
caso, o sentido) que justificam que se lhe dedique um item perspectiva da intertextualidade do aluno, fato tão presente na
lexical, embora seja constituída por vários elementos (jogar contemporaneidade em que o homem não se prende mais a uma
e fora) que, de uma forma ou de outra, podem ser descritos verdade absoluta, a necessidade de diversos pontos de vista é
como palavras. Um programa metódico de descrição dessas essencial para construção de sentidos.
expressões foi empreendido no quadro do léxico-gramática a Como a linguagem traz ancorada os aspectos citados acima,
partir dos anos 1980. a escola pode partir desse ponto para que alunos façam uma
reflexão crítica da língua. Podemos também tratar da produção
Cumulatividade de textos em diversos gêneros, tais como: carta, e-mail,
Essas experimentações comprovaram que vários indivíduos reportagem jornalística, outdoor, resenha e assim por diante.
ou equipes podem alcançar resultados idênticos. A resultante Os gêneros textuais, sobretudo, os de ordem tecnológica por
reprodutibilidade garante a cumulatividade das descrições. Este serem mais presentes no universo de alunos, sãoexcelentes bases
resultado é crucial para o futuro do processamento automático para o trabalho de desenvolvimento da escrita, nestes gêneros
das línguas: a quantidade de dados que devem ser acumulados estão presentes aspectos tanto gramaticais como agramaticais,
e representados dentro de um modelo coerente é tanta que que podem ser estudados como diversos considerando os
numerosas equipes de pesquisa e desenvolvimento devem aspectos sociais e culturais de quem escreveu.
cooperar, e deve ser possível fusionar seus resultados sem ter No desenvolvimento dessa prática é importante que
que reescrever partes substanciais da gramática e do léxico professores deixem claro que a linguagem é como roupa.
de cada língua. Está longe de ser fácil cumprir essa exigência, Existem aquelas que são usadas, somente, em determinadas
pois existem poucos exemplos de gramáticas de um tamanho festas, outras que podem circular por cenários diferentes
significativo que não sejam a obra de um único especialista. sem problema. Enfim, que se ressalte que linguagem não é
normatização, objetivando distinguir certo e errado, mas que é
Fontes: Boons, Jean-Paul ; Alain Guillet ; Christian adequação e o domínio do registro informal é tão importante
Leclère. 1976. La structure des phrases simples en français. quanto o do formal.
1. Constructions intransitives, Genève : Droz.Guillet, Alain ;
Christian Leclère. 1992. La structure des phrases simples en Saber linguístico-interacional
français. 2. Constructions transitives locatives, Genève : Droz.
Gross, Maurice. 1994. Constructing Lexicon-grammars, Características gerais da comunicação
in Computational Approaches to the Lexicon, Atkins and A Sociolinguística Interacional procura demonstrar que
Zampolli (eds.), Oxford University Press, pp. 213-263.Leclère, a fala-em-interação está sujeita a mudanças e interpretações
Christian. 2005. The lexicon-grammar of French verbs: a que podem variar de acordo com o comportamento linguístico
syntactic database, in Linguistic Informatics - State of the Art e paralinguístico (como pistas e marcadores), que, por sua
and the Future. Amsterdam/Philadelphia : Benjamins. pp. 29– vez, é controlado por (e controlador de) inúmeros contextos
45. Tokyo University of Foreign Studies, UBLI 1.(Adaptado) específicos, e estes podem ser mais bem apreendidos pelos
participantes (ou mesmo pelo analista) em função da situação
Saber pragmático – textual informada ou do “sentido comunicado” específicos que se
estejam perquirindo.
A linguagem é a base para o nosso meio de mudança e Assim, através de apreensões empíricas, revelam-se dados
interação social. Dominá-la, nos exige interdiscurso com as que permitam analisar melhor os modelos de interação,
diversas camadas sociolinguísticas, coisa que não é fácil, levando em conta o falante e o ouvinte in loco, em função de
mas possível, através de práticas de produção textual, não se comportamentos específicos na interação.
relacionando como a linguagem unicamente, situada no campo Desse modo, com pistas linguísticas e paralinguísticas, parte-
sintático, visando uma normatização da língua, que a linguagem se de convenções sociais que interferem sobremaneira no tipo de
vá além disso, alcançando o campo social no texto, assim atividade de fala – a unidade básica da comunicação. Além disso,
trabalhando também o que está fora da norma. a presença das implicaturas, que podem ser convencionais (não
A prática de produção textual sendo praticada deforma ligadas a itens léxicos específicos, mas a condições de uso sociais
efetiva, pode ampliar a capacidade da competência textual, específico) ou lexicais (ligadas a palavras e itens sintáticos), faz
tornar interessante a leitura e o estudo gramatical, e desenvolver o ouvinte inferir certas interpretações num contexto.

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Com efeito, a noção de comunicação como comportamento, pedagógica como esta), discute-se se há ou não necessidade
não partirá de fatos e evidências apriorísticos, mas, buscará, de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão
na apreensão empírica dos dados apresentados, o que verdadeira é o que, para que e como ensiná-la.”
normalmente se denomina de “fenômenos sociolinguísticos”, Segundo estas diretrizes, o novo olhar para o ensino de
respostas pertinentes à dinâmica do processo de comunicação, gramática que salta aos nossos olhos, não exclui o conteúdo
que, como foi dito, altera-se à medida que os participantes gramatical de língua portuguesa, até porque não há gramática
interagem, processo este que não é estanque ou determinado sem língua e nem mesmo língua sem gramática.
exclusivamente por fatores variacionistas prévios ou por O novo olhar mostra-nos, entre outras coisas, uma
noções idealistas que, portanto, pressuporiam um modelo de metodologia eficiente que faz o aluno refletir e identificar
certa forma “estático” de comunicação, na medida em que tal diversos gêneros discursivos baseados em textos que realmente
modelo poderia ser previamente delimitado, antes mesmo de os façam sentidos para eles, levando em consideração que a
dados empíricos serem recolhidos numa situação comunicada competência discursiva de um aluno não se dá de forma
específica. desarticulada e, para que este aluno seja capaz de usar a língua
Não se trata apenas, pois, da análise da capacidade ou em diversas situações, incluindo ele estar ante pessoas e
competência comunicativa de participantes se compreenderem situações que têm mais proximidade do mundo letrado, se faz
mutuamente levando em conta fatores convencionais diretos ou necessário que a abordagem gramatical se livre de terminologias
indiretos, como, de certa forma. Muito mais do que isso, o que antiquadas e de preconceitos descabidos, considerando o aluno
vai ocorrer é o fato de que: um falante fluente no seu idioma pátrio.
Podemos, portanto, referir-nos à comunicação humana
como canalizada e restringida por um sistema multinivelar de Observe mais este trecho do PCN do MEC:
sinais verbais e não-verbais, que são adquiridos, ao longo da
vida, automaticamente produzidos e intimamente coordenados. “Afinal, a aula deve ser o espaço privilegiado de
Os insights mais importantes sobre a respeito de como tais desenvolvimento de capacidade intelectual e linguística dos
sinais afetam a comunicação verbal se originaram em estudos alunos, oferecendo-lhes condições de desenvolvimento de sua
sobre a coordenação entre falantes e ouvintes. competência discursiva. Isso significa aprender a manipular
Assim, a Sociolinguística Interacional não possui visão textos escritos variados e adequar o registro oral às situações
idealizada do processo comunicativo, mas o vê como uma interlocutivas, o que, em certas circunstâncias, implica usar
construção que os participantes, durante a interação, promovem: padrões mais próximos da escrita”.
Os participantes de uma conversa, por exemplo, têm Sendo assim, o novo olhar para as aulas de gramática nas
expectativas convencionais sobre o que é considerado normal nossas escolas, não se refere ao abandono da competência
e o que é considerado marcado em termos de ritmo, volume da escrita, mas a uma nova metodologia de ensino, na qual são
voz, entoação e estilo de discurso. Ao sinalizar uma atividade considerados os conhecimentos de mundo que o aluno já
de fala, o falante também sinaliza as pressuposições sociais em possui, sendo que toda a abordagem gramatical deve trazer
termos das quais uma mensagem deve ser interpretada. uma linguagem clara sem definições ultrapassadas, livre de
Portanto, a conversa não é um evento coeso, mas uma preconceitos e mitos.
sucessão de atividades em contexto e em enquadres e esquemas Precisamos nos despir destes, pois defendem, entre outros
específicos. O conhecimento e a aplicação das noções propostas pontos, a existência de apenas um padrão correto para a fala,
por esses teóricos e por outros é o principal objetivo a ser levado estigmatizando pessoas que não se adéquam a ele, ao passo
a termo neste artigo, centradas numa conversa específica. que nós, profissionais comprometidos com um ensino não
excludente, sabemos que toda a fala está inserida dentro de um
Fonte:http://www.gostodeler.com.br/materia/9939/sociolinguistica_ contexto e deve ser respeitada nas suas muitas variantes.
interacional_enquadres_esquemas_alinhamentos_e_sequencialidade_numa_
entrevista_cultural_concedida_por_ana_maria_machado.html De acordo com Michele Tolentino, Muito se tem questionado
a respeito do ensino de gramática nas aulas de língua portuguesa,
afinal a gramática deve ou não ser ensinada? Diante de uma nova
Ensino e aprendizagem da gramática metodologia, como seria a reação de professores e alunos?
normativa.
Em vista disso, surge também outro questionamento, acerca
Ensino de Gramática do ensino de língua portuguesa nas escolas, pois ao educador
compete o ensino da gramática normativa para o cumprimento
Segundo Erika de Souza Bueno, as aulas de gramática nas dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais servem de
salas de aula de nosso Brasil têm tomado outras formas e nós, referência para o trabalho de todas as disciplinas nos três
profissionais ou estudantes, precisamos entendê-las, uma vez níveis para a formação escolar dos discentes. Observa-se uma
que quaisquer mudanças afetarão diretamente a nossa prática grande dificuldade em relação à aprendizagem, por parte
e a formação de nossos alunos. desses, de acordo com a norma culta imposta devido à cultura
Muitas discussões são feitas acerca do ensino da gramática dos estudantes que, muitas vezes, é incompatível levando os
na escola, uma vez que há algum tempo era natural o estudo mesmos a concluírem a vida escolar sem saberem ler e escrever
exaustivo de definições que só faziam sentido dentro do adequadamente.
ambiente escolar, no qual os alunos só decoravam o significado
de cada qual na única intenção de tirar uma boa nota na prova e Cônscio dessa realidade, o professor de língua portuguesa,
passar para o próximo ano letivo. deverá dedicar-se em adotar novos recursos didáticos, a fim de
Com isso, não fica difícil compreender que os conteúdos não garantir um ensino eficaz que leve o aluno a ter verdadeiramente
eram transferidos para a vida real e, ao que tudo indica, não uma aprendizagem significativa.
eram capazes de fazer de um aluno, um cidadão competente
para se posicionar diante de questões da vida real, dentro de sua Não há dúvida de que deve ensinar a gramática normativa
comunidade ou fora dela. nas aulas de língua portuguesa, embora sabe-se perfeitamente
Por questões como essas serem erguidas, alguns professores que ela em si não ensina ninguém a falar, ler e escrever com
chegaram a imaginar que a gramática estava definitivamente precisão. O dever da escola é ensiná-la oferecendo condições
abolida das aulas de língua portuguesa, contudo, segundo os ao aluno de adquirir competência para usá-la de acordo com
Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC, não é bem isso que a situação vivenciada. Não é com teoria gramatical que ela
ocorre: concretizará o seu objetivo, pois isto leva os estudantes ao
“... uma prática pedagógica quevai da metalíngua para a língua desinteresse pelo estudo da língua, por não terem condições
por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e de entender o conteúdo ministrado em sala de aula, resultando
memorização de terminologia. Em função disso (de uma prática assim frustrações, reprovações e recriminações que iniciam pela
própria escola e o preconceito linguístico.

Conhecimentos Específicos 3
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É importante enfatizar que a assimilação crítica dos estudos Há várias maneiras para que ocorra mudanças no ensino
linguísticos e a necessidade de se estabelecer um maior contato tradicional, uma delas é o professor tornar-se o mediador
do professor com a língua materna e a proposta da linguística; do conhecimento ao aluno, fragmentando a distância entre
valorizar a língua falada pelo aluno. Considerando que a o mesmo e o ensino de gramática, tornando-a prazerosa e
gramática não deve ser tida como uma verdade única, absoluta não somente obrigatória. Pois, será realmente um professor,
e acabada antes, porém seus conceitos devem ser relativizados, independentemente do conhecimento que possua se puder
para que alcance o educando do século XXI. transmitir tais informações de forma interativa e criativa,
estabelecendo a relação professor-aluno, acreditando sempre
Bagno opina que: “A gramática deve conter uma boa que o aluno é capaz de aprender e compreender a gramática.
quantidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno O aluno somente interioriza o conhecimento da estrutura
a produção de seu próprio conhecimento linguístico, como uma gramatical, se ela for contextualizada em situações ou
arma eficaz contra a reprodução irrefletida e acrítica da doutrina contextos comunicativos. O professor poderá utilizar recursos
gramatical normativa”. metodológicos, bem como, tecnológicos como cartazes, textos
de embalagens, revistas, jornais, oficinas, carta comercial
Através desse conceito, Bagno afirma que a gramática em si e pessoal, bilhete, romance, horóscopo, receita culinária,
não justifica seu papel de única fonte para o ensino da língua cardápio, outdoor, lista de compras, resenha, inquérito, edital de
nas escolas, tanto do ponto de vista teórico quanto do prático, concurso, piada, carta eletrônica, bate-papo online, data show,
bem como o código normativo da linguagem, tomado no geral. dentre outros. É importante despertar nos alunos a consciência
Os gramáticos levam ao estágio da angústia os professores e os da funcionalidade da leitura e escrita, e isso só será possível
alunos, para o estudo gramatical em virtude das divergências quando os professores levarem em conta a bagagem que o aluno
entre os mesmos. Então o professor deve deixar de lado o traz consigo, a respeito de sua língua materna. Dessa forma pode
comodismo e a repetição da doutrina gramatical e ser mais acontecer a união da norma culta e da norma coloquial sem criar
dinâmico ministrando o conteúdo de forma reflexiva em traumas ou defasagens na aprendizagem dos alunos, basta que
atividades contextualizadas, interdisciplinares, individuais ou os educadores busquem a formação continuada, não apenas
coletivas de forma que o aluno passa a conhecer as variedades teórica, mas também na prática e no contexto da realidade em
da língua através de pesquisas, as quais envolvam a leitura que ele está inserido, respeitando assim as diferenças.
e produção textual, construindo seu próprio conhecimento
linguístico. Segundo VYGOTSKY “O estudo da gramática é de grande
importância para o desenvolvimento mental da criança”. A
O ensino de gramática nas escolas, acontece de forma criança, embora domine a gramática de sua língua muito antes
arcaica, devido à aplicação de métodos totalmente teóricos, sem de entrar na escola, pois organiza sua fala de acordo com a
nenhuma significação na vida dos alunos que, por sua vez, não necessidade, esse domínio é inconsciente, ou seja, mesmo
conseguem estabelecer relação entre a teoria gramatical e a usando o tempo verbal correto ao se expressar, não saberá
prática de texto. rejeitar uma palavra quando isso lhe for solicitado. Em vista
disso, o ensino de gramática torna-se válido não só porque
A concepção de que língua e gramática são uma coisa só permite à criança de estar consciente do que está fazendo, mas
deriva do fato de, ingenuamente, se acreditar que a língua pode usar essas habilidades de forma precisa, além de permitir
constituída de um único componente: a gramática. Por essa o uso da fala com maior eficácia.
ótica, saber uma língua equivale a saber sua gramática; ou, por
outro lado, saber a gramática de uma língua equivale a dominar O ensino de gramática deve-se iniciar nos primeiros anos de
totalmente essa língua. Na mesma linha de raciocínio, consolida- escolaridade, pois a criança desenvolve seu pensamento a partir
se a crença de que o estudo de uma língua é o estudo de sua das descobertas que vai surgindo pelos conteúdos aplicados sem
gramática. sala de aula, os quais contribuem para o desenvolvimento da fala
e escrita. A partir dessas descobertas conclui-se que todas as
É importante ressaltar que o ensino de gramática, não deve matérias básicas são estimuladas pelo psicológico ao longo de
ocorrer apenas para proteger ou conservar a composição da um processo ensino-aprendizagem. Isso ocorre de forma lenta,
língua, mas para auxiliar o usuário e falante no conhecimento de interativa, coletiva e contextualizada.
sua própria língua materna, possibilitando-lhe as características
essenciais que pertencem à sua cultura. Deve ser também, um Ao ensinar a gramática, o professor deve levar em
ensino harmonioso na relação entre o ensino da gramática consideração algumas questões como: o estudo coletivo,
normativa e a contextualizada, sem descartar as nomenclaturas, a cooperação e a competição, os quais podem ajudar na
terminologias e regras, as quais são fundamentais para o aprendizagem no sentido de que as crianças com facilidade
desenvolvimento social e cultural dos alunos. colaboram com as demais, também pode haver uma competição
entre grupos, de forma em que um seja avaliado por outros,
Mediante a algumas situações ocorridas em sala de aula, recebendosugestõesereflexões para o próprio amadurecimento.
relacionadas à aprendizagem, faz-se necessário algumas
mudanças nos procedimentos adotados em relação ao ensino O ensino de gramática é importante tanto na escrita quanto
de língua portuguesa, pois sabe-se que os alunos pertencem a na fala, até porque nós estamos inseridos em uma sociedade
diferentes culturas e devem ser atendidos de acordo com suas contemporânea, na qual nossa aprendizagem é medida para
necessidades, baseando-se em suas possibilidades de leitura e ingressarmos no mercado de trabalho por meio de concursos
escrita levando em consideração o potencial gramatical que cada públicos que exigem dos concorrentes uma gramática
um tem ampliando, ou seja, enriquecendo o poder linguístico contextualizada, que depende das regras da gramática
através do ensino da gramática que tem por objetivo preparar o normativa. As provas são elaboradas baseadas nos currículos
aluno para uma produção textual obedecendo à norma padrão. escolares com propostas pedagógicas, onde a gramática
normativa está inserida. Neste caso o aluno deve conhecer a
Percebe-se que o ensino de língua portuguesa perpassa estrutura, os usos e o funcionamento de uma língua nos seus
por muitas dificuldades, não apenas com a forma de ensinar a diversos níveis: fonológico, morfológico, lexical e semântico. O
gramática, como também a maneira que o professor atua em professor de língua materna desde a alfabetização até o último
sua prática, ou seja, além de fornecer aos alunos uma orientação ano escolar deve estar atento a estas informações realizando sua
válida para a prática de produção de textos respaldadas pelas tarefa de educador com precisão e competência.
regras gramaticais, então deve-se encontrar métodos dinâmicos
e eficientes ao transmitir o conteúdo. Não há uma receita Diante do exposto, segue sugestão a ser trabalhada no
mágica nem respostas milagrosas, o que deve ser feito são novas ensino de língua portuguesa dentro da sala de aula, que poderá
práticas de ensino que vão propiciar ao corpo discente uma ser adaptada. O professor poderá trabalhar diversas áreas do
aprendizagem significativa. conteúdo de língua portuguesa, como por exemplo, gramática,

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produção textual, e leitura de forma contextualizada e dinâmica. Sabe-se que ser professor é uma profissão importantíssima e
A função de jogos e aulas dinâmicas é exatamente para que o mesmo com tantos problemas encarados por estes profissionais,
professor construa ferramentas, para que o aluno, através é possível ainda sonhar em mudar o ensino da nossa língua de
dessas aulas, construa sua visão de mundo. uma forma a que todos venham aprender e a valorizá-la, não é
um caminho fácil, não obstante também não é impossível, mas
O jogo chamado: “Produção textual a partir da história: A falta aplicar à prática o que nossa professora comenta em muitas
Bela e a Fera”, lembrando que o professor poderá adaptá-lo e de nossas aulas de Gramática, Descrição e Uso: está na hora de
usar outras histórias, por exemplo: A pequena sereia; Rapunzel; arregaçarmos as mangas em prol de um ensino de qualidade.
Chapeuzinho vermelho; Pinóquio, dentre outras. A história
deverá conter figuras, ilustrando os momentos, e o texto original, Tipos de gramática e ensino de língua: Gramática
os quais estão anexos. normativa; Gramática descritiva; Gramática reflexiva;
Gramática do uso
As regras do jogo deverão ser explicadas de modo que
a turma compreenda, que são: O professor fará um breve Quando se fala em gramática, logo vem à mente aquele
comentário sobre a história, colhendo os conhecimentos prévios conceito bem antigo de gramática tradicional, ou seja, um
dos alunos; Então divide-se a turma em grupos, sendo que a conjunto de normas, regras para um bom funcionamento da
quantidade de grupos fica a critério do professor, podendo ser língua, para falar e escrever corretamente. Essa definição é bem
desde quatro grupos, caso a turma seja pequena, ou em maior restrita diante dos fenômenos que cercam a língua.
quantidade de grupos, caso a turma contenha um número
grande de alunos, de modo que todos participem; Em seguida, Gramática normativa
distribui-se a história que estará recortada em figuras para que
os alunos coloquem-nas em sequência; Durante a montagem, o A Gramática Normativa ou Prescritiva estabelece normas a
professor acompanhará, se a ordem da história estiver correta, serem seguidas. Está ligada ao “certo e errado”, a uma forma que
tudo bem, se não, o professor orientará os grupos até que não reflete o código linguístico, afinal é uma lei a ser obedecida.
eles consigam organizá-las de forma correta, não falando que Conforme Travaglia (2001, p.30):
está incorreto e sim dando pistas, instigando o aluno a refletir
sobre o que foi dito durante a exposição inicial do professor; A gramática normativa, que é aquela que estuda apenas os
Montada a historinha, o professor pedirá que os alunos leiam o fatos da língua padrão, da norma culta de uma língua, norma que
texto original da historinha e, em seguida, que cada um crie sua se tornou oficial. Baseia-se em geral, mais nos fatos da língua
própria história, podendo mudá-la, e, finalmente, na próxima escrita e da pouca importância a variedade oral da norma culta,
aula o professor colocará o vídeo da história. que é vista, conscientemente, ou não, como idêntica a escrita.
Ao lado da descrição da norma ou variedade culta da língua
Os conhecimentos na área da linguística ocorrem durante (análise de estruturas, uma classificação de formas morfológicas
todo o processo escolar, pois o ensino gramatical se repete em e lexicais), a gramatica normativa apresenta e dita normas de
todos os anos escolares, numa prática diária em sala de aula, bem falar e escrever, normas para a correta utilização oral e
numa interação formal e contextualizada, na oralidade e na escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que não se deve
escrita. usar na língua. Essa gramática considera apenas uma variedade
da língua como válida, como sendo a língua verdadeira.
Nesse contexto, pode-se afirmar que o ensino da gramática
é importante, pois a mesma oferece condições para o aluno Então, esse tipo de gramática é o que mais os alunos veem
ampliar seu discurso linguístico em relação ao funcionamento nas escolas, aquela forma tradicional de estudar o conteúdo. Não
da língua padrão, através do conhecimento de regras gramaticais aceita nenhuma variedade que a língua apresenta. Impõe regras
trabalhadas em atividades aplicadas pelos professores que a serem obedecidas, por exemplo: o verbo tem que concordar
demonstram as variedades linguísticas levando o aluno a em gênero e número com o sujeito “Os homens trabalham”. Caso
entender a estrutura, o uso e o funcionamento da língua materna. alguém desobedeça a esse segmento e fale “Os homi trabaia”,
será visto como uma pessoa ignorante, que fala errado, não
Para a produção textual é importante primeiramente, que segue a concordância adequada. A gramática tradicional não se
o aluno tenha ampla visão de mundo, caso essa não seja a preocupa com a interação e nem com a variação que ocorre na
realidade do mesmo, é imprescindível que o professor aborde língua, trabalha apenas com o fator homogêneo.
o assunto determinado em sala de aula, através de debates e A Gramática Tradicional dedica-se exclusivamente a língua
pesquisas, para que o aluno construa seu próprio conhecimento escrita e passa a deixar de lado a língua falada. Então, detém as
de forma crítica e reflexiva. A partir de então, aplica-se o normas de bom uso, a variedade culta, padrão. Despreza a
conhecimento das normas gramaticais, que ajudará ao aluno na oralidade e outras variedades da língua. Por isso, surgem os
estruturação de seu texto, pois para escrever bem é necessário preconceitos linguísticos. Segundo Travaglia (2001, p.228):
o uso adequado das palavras que dão uma sequência lógica e Os critériosdequalidadedequesevale a gramática normativa
coesa ao texto. são muitas vezes, problemático e com frequência nada tem a ver
com a realidade da língua em si e em sua variação. A variedade
O que falta no ensino da gramática, de acordo com a didática que é considerada culta é normalmente a das classes sociais de
é a aplicabilidade, pois quando aprende-se algo que serve de prestigio econômico, político, cultural, etc., não considerando,
uso em nossas vidas, certamente ficará guardado dentro de portanto, a capacidade de qualquer variedade da língua de
nós, de maneira tal que não esqueceremos. Acredita-se que há cumprir uma função comunicacional.
possibilidade da gramática condizer com a nossa realidade, É necessário que em sala de aula o professor de Língua
utilizando a própria fala dos alunos para por isso em prática, por Portuguesa aprimore-se dos recursos da Gramática Normativa
exemplo, quando um aluno expressa algo comum na fala de sua porque mesmo tendo suas desvantagens apresenta também as
comunidade como os regionalismos e os neologismos, pode-se vantagens. Pois a partir de seu uso o aluno consegue dominar
aproveitar a oportunidade e intervir nessa fala, mostrando que, normas, escrever e se expressar melhor. É preciso que o
muitas vezes, há várias formas de dizer a mesma palavra, que professor não se detenha apenas na GT, mas também em outros
a Linguística explica todas essas variações e posteriormente tipos de Gramática, bem como: a Descritiva e a Reflexiva, para
demonstrar como a gramática normativa usa essa palavra. Outro assim desenvolver um resultado satisfatório enfocando a
ponto que falta no ensino de gramática é acabar com certas variação e mudança, com isso excluir os mitos que tem na língua.
“decorebas”, muitas vezes, aprende na escola que os verbos: ser, Já a Gramática Descritiva é um estudo da língua sob um olhar
estar, continuar, parecer, permanecer, dentro outros, sempre mais crítico, incluindo vários elementos. Faz uma descrição da
serão verbos de ligação, e ao chegar à faculdade leva-se um estrutura e do funcionamento da língua, de sua forma e função.
choque ao se deparar que depende do contexto do texto ou da Tem a preocupação em descrever, explicar as línguas como elas
frase para esse verbo ser realmente de ligação. são faladas. De acordo com Travaglia (2001, p.32):

Conhecimentos Específicos 5
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Gramática descritiva gramática é sensível às pressões do uso parece não poder ser
negada. Diz Du Bois (1993a) que o que equaciona as relações
A Gramática Descritiva é a que descreve e registra para uma entre discurso, ou uso, e gramática são as seguintes proposições:
determinada variedade da língua em um dado momento de sua a) a gramática molda o discurso;
existência (portanto numa abordagem sincrônica) as unidades b) o discurso molda a gramática; ou: “a gramática é feita à
e categorias linguísticas existentes, os tipos de construção imagem do discurso”; mas: “o discurso nunca é observado sem a
possíveis e a função desses elementos, o modo e as condições de roupagem da gramática” (p.ll).
usos dos mesmos. Portanto a gramática descritiva trabalha com É assim que as reflexões sobre o modo funcionalista de
qualquer variedade da língua e não apenas com a variedade culta investigação da linguagem têm de começar pelo próprio modelo
e dá preferência para a forma oral desta variedade. Podemos, de interação linguística. Na verdade, entender a gramática
então, ter gramática descritiva de qualquer variedade da língua. como sensível às pressões do uso - mais especificamente pela
Através dessa afirmação pode-se perceber que a Gramática capacidade de escolha do falante na sua produção linguística
Descritiva descreve as regras de como uma língua é realmente - é integrar a organização gramatical em uma teoria global
falada. Então, trabalha com outras variedades, como a informal. da interação. Concebendo a língua como instrumento que
Não tem o objetivo de apontar erros, mas de identificar todas estabelece relações comunicativas entre os usuários, o
as formas de expressão existentes. Diante da seguinte frase: “Os paradigma funcional (Dik, 1978; 1989) coloca a expressão
cachorro são dele, viu”, a gramática descritiva procura explicar linguística como mediação entre a intenção do falante e a
os usos da língua, e que não há línguas uniformes. Neste caso interpretação do destinatário. Assim, a expressão linguística
essas formas não seriam erros, mas variedades da forma oral. não pode ser analisada autonomamente sem a consideração
de que ela é função, de um lado, da intenção e da informação
Gramática reflexiva pragmática do falante, e, de outro, da informação pragmática do
destinatário, bem como de sua conjetura sobre qual tenha sido a
A Gramática Reflexiva seria um trabalho de reflexão diante intenção comunicativa do falante.
do que o aluno já domina. E também um trabalho de recursos Quando o falante diz algo, ele tem uma intenção
linguísticos que ainda não domina. O objeto de estudo dessa comunicativa, um plano mental relativo a alguma modificação
gramatica é levar o aluno a aprendizagem de novas habilidades na informação pragmática do destinatário, e isso vai determinar
linguísticas, daí promover um ensino produtivo. Aqui se estuda escolhas na formulação linguística: a formulação tem de ser
gramatica a partir de exemplos que facilitem o entendimento capaz de provocar no destinatário o desejo de modificação da
dos elementos da língua em atividade em sala de aula. Conforme informação pragmática tal como a pretendeu o falante, e este,
Travaglia (2001, p.33): por sua vez, tem de ter sido capaz de antecipar a interpretação
A gramática reflexiva é a gramática em explicitação. Esse que sua formulação poderia obter daquele destinatário,
conceito se refere mais ao processo do que aos resultados; naquele determinado estado de informação pragmática. Isso
representa as atividades de observação e reflexão sobre a língua implica dizer que, do lado do destinatário, a interpretação da
que buscam detectar, levantar suas unidades, regras e princípios, formulação linguística se faz basicamente segundo a informação
ou seja, a constituição e funcionamento da língua. Parte, pois, pragmática que ele já possui, enquanto, do lado do falante, a
das evidencias linguísticas para tentar dizer como é a gramática seleção do que deve constituir a expressão linguística, embora
implícita do falante, que é a gramática da língua. provenha de sua intenção comunicativa, depende da informação
Então, esse trabalho coma Gramática Reflexiva é mais voltado que ele possua sobre qual seja a informação pragmática de seu
para a inovação do ensino por uma mudança da metodologia. destinatário naquele momento. O que está implicado nesse
Pois, constroem-se atividades que o levem a redescobrir fatos modelo é uma integração de sintaxe e semântica, dentro de uma
já estabelecidos pelos linguistas. Diante disso, o livro apresenta teoria pragmática, o que envolve intervenção:
um título de como se faz o plural. É exposto o modelo, no qual os • dos papéis envolvidos nos estados de coisas designados
alunos observam que há frases no singular “O animal racional” e pelas predicações (funções semânticas);
depois o plural “Os animais racionais”. Através da observação os • da perspectiva selecionada para apresentação dos estados
alunos logo reconhecem que palavra terminada em AL, troca-se de coisas na expressão linguística (funções sintáticas);
o “L” por “IS”. Isso é um exemplo simples para formação do plural • do estatuto informacional dos constituintes dentro
que é feito a partir de uma análise simples que ajuda o aluno a do contexto comunicativo em que eles ocorrem (funções
utilizar a língua com mais facilidade. pragmáticas).
Outro tipo de trabalho com Gramática Reflexiva édesenvolver Trata-se, como diz Gebruers (1984), de uma teoria que
competência comunicativa. De acordo com Travaglia (2001, procura oferecer “um quadro para a descrição científica da
p.150) “[...] a gramática reflexiva é constituída por atividades organização linguística em termos das necessidades pragmáticas
que focalizam essencialmente os efeitos de sentido que os da interação verbal, na medida em que isso é possível” (p.349).
elementos linguísticos podem produzir na interlocução [...]”. A gramática é vista, então, como uma teoria de componentes
Partindo desse princípio seria uma reflexão voltada para a integrados, uma teoria funcional da sintaxe e da semântica, a
semântica e a pragmática. É uma análise das possibilidades e qual, entretanto, só pode ter um desenvolvimento satisfatório
não possibilidades que um enunciado ou uma língua pode gerar. dentro de uma teoria pragmática, isto é, dentro de uma teoria da
Preocupa-se mais com a forma de atuar usando a língua. interação verbal. Requer-sedela, pois, queseja “pragmaticamente
Diante desses três tipos de Gramática pode-se perceber que adequada” (Dik, 1978, p.6), embora se reconheça que a
servem como um forte instrumento de apoio em sala de aula. linguagem só pode funcionar comunicativamente por meio de
Para promover uma aprendizagem satisfatória e produtiva, o arranjos sintaticamente estruturados (Dik, 1980, p.2).
professor deve incorporar no seu trabalho tanto a Gramática A especificação gramatical de uma expressão, por outro
Normativa, quanto a Descritiva e a Reflexiva. Assim os alunos lado, inclui a descrição semântica, não se admitindo a existência
poderão perceber a diferença e a contribuição que cada uma de uma sintaxe autônoma (Dik, 1989, p.2). Qualquer uma das
apresenta ao ensino de língua. propostas funcionalistas pode ser invocada para verificar o
tratamento da frase enquanto ato de interação, enquanto peça de
Fonte:http://www.webartigos.com/artigos/analise-entre-as-gramaticas- comunicação real. Basta ver as “camadas” de Dik (predicação
normativa-descritiva-e-reflexiva-que-gramatica-cabe-a-escola-ensinar/87004/ - proposição - frase), ou as “funções” da frase, de Halliday, além
(adaptado)
da proposta De Lancey (1981) sobre as noções de “fluxo de
Gramática do uso atenção” e de ponto de vista”, ligadas à organização das frases
no discurso. Dik propõe níveis, ou camadas, de organização da
Um dos grandes temas em discussão nas reflexões sobre
estrutura subjacente da frase. No nível 1 está o predicador, que
linguagem de base funcionalista diz respeito às relações entre
designa relações e propriedades, e os termos, que se referem a
discurso e gramática. Se afirmações como “a gramática de hoje
entidades; no nível 2 se produz a predicação, que designa um
é o discurso de ontem” ou “o discurso de hoje é a gramática
estado de coisas, uma codificação linguística que o falante faz de
de amanhã” têm parecido muito extremadas, a noção de que a
uma situação; no nível 3 está uma estrutura de ordem mais alta,

Conhecimentos Específicos 6
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
a proposição, que designa um “conteúdo proposicional”, ou seja, sistêmica, os traços e as funções: o traço é uma categoria
um fato possível; a proposição revestida de força ilocucionária paradigmática, que relaciona um item com outros itens da
constitui, no nível 4, a frase (“clause”, em Dik), que corresponde língua que, sob algum aspecto relevante, são similares, enquanto
a um ato de fala. Nas três metafunções (isto é, tipos de função) a função é uma categoria sintagmática.
de Halliday, chamadas de “textual”, “ideacional” e “interpessoal”, Uma gramática sistêmica é, acima de tudo, paradigmática,
a “oração” é a “realização simultânea” de três “significados”: uma isto é, coloca nas unidades sintagmáticas apenas a realização,
“mensagem” (significado como relevância para o contexto), uma reservando, para o nível abstrato e profundo, as relações
“representação” (significado no sentido de “conteúdo”), e uma paradigmáticas. A consideração do sistêmico implica a
“troca” (significado como forma de ação). consideração de escolhas entre os termos do paradigma, sob a
Segundo Halliday (1985), diferentes redes sistêmicas ideia de que escolha produz significado. A gramática é, afinal,
codificam diferentes espécies de significado, ligando-se, o mecanismo linguístico que liga umas às outras as seleções
pois, às diferentes funções da linguagem. Assim, o sistema de significativas que derivam das várias funções da linguagem,
transitividade, especificando os papéis dos elementos da oração, e as realiza numa forma estrutural unificada (Halliday, 1973a,
como “ator”, “meta” etc., codifica a experiência do mundo, e liga- p.364). A gramática organiza as opções em alguns conjuntos
se, pois, com a função ideacional; o sistema de modo (do qual dentro dos quais o falante faz seleções simultâneas, seja qual
deriva o de modalidade), especificando funções como “sujeito”, for o uso que esteja fazendo da língua (1973b, p.365). A questão
“predicador”, “complemento”, “finitude”, diz respeito aos papéis das “escolhas” tem de ser vista, também, dentro da dicotomia
da fala, e liga-se, pois, com a função interpessoal; os sistemas restrições/escolhas que representa a própria duplicidade
de tema e de informação, especificando as relações dentro do básica implicada no complexo em que se constitui a atividade
próprio enunciado, ou entre o enunciado e a situação, dizem linguística dos falantes. Na verdade, a competência linguística
respeito à função linguisticamente intrínseca, a função textual. dos sujeitos é entendida, numa teoriafuncionalista da linguagem,
Dentro de cada sistema, as escolhas se fazem com respeito como a capacidade que os falantes têm não apenas de acionar a
a um determinado nível gramatical. Assim, no nível da frase, é produtividade da língua (jogar com as restrições), mas também -
obrigatória a escolha referente ao sistema de modo, já que toda e e primordialmente - de proceder a escolhas comunicativamente
qualquer frase há de ser ou declarativa, ou interrogativa, e assim adequadas (operar as variáveis dentro do condicionamento
por diante. Cada sistema maior implica subsistemas, nos quais o ditado pelo próprio processo de produção).
modo de operação se repete, levando a escolhas cada vez mais A primeira decorrência da adoção dessa dicotomia como
específicas. Cada elemento da língua é explicado por referência diretriz de investigação é o estabelecimento de duas asserções
à sua função no sistema linguístico total. Nesse sentido, uma aparentemente contraditórias:
gramática funcional é aquela que constrói todas as unidades de 1) As diversas modalidades de língua (falada e escrita), assim
uma língua - suas orações, suas expressões - como configurações como os diversos registros (tenso, frouxo etc.) têm as mesmas
orgânicas de funções, e, assim, tem cada parte interpretada regularidades (tanto nas estruturas como nos processos), e a
como funcional em relação ao todo. Hengeveld (1989) apresenta mesma gramática.
um modelo de análise da frase em dois níveis, no qual se pode 2) As diversas modalidades e os diversos registros têm,
ver uma certa integração do funcionalismo da escola da Holanda entretanto, características diferentes e peculiares, ligadas à
(Dik e seguidores) com o de Halliday: própria implementação das determinações do sistema, para a
1) Representacional (relacionado com o evento narrado): qual, em princípio, são relevantes as condições de produção.
o enunciatário compreende a que situação (real ou não) se faz Desse modo, pode-se dizer que o sistema é o mesmo, mas
referência. que o aproveitamento das possibilidades é dependente das
2) Interpessoal (relacionado com o evento de fala): o condições de produção. A gramática busca regularidades, busca
enunciatário reconhece a intenção comunicativa do enunciador. especificar a sistematicidade da atividade linguística, porque sua
No nível representacional estão os estados de coisas, finalidade não é dar conta de peculiaridades ou idiossincrasias
entidades às quais as sentenças (como “expressões referenciais”, de um determinado enunciado que um determinado falante
que ocorrem em algum tempo e lugar) se referem. No nível produz em uma determinada situação. O que se põe em exame
interpessoal há uma estrutura ilocucionária abstrata, que é a produção de sentido, e ela se opera no jogo que equilibra o
expressa a relação entre o falante, o destinatário e a mensagem, sistema: o jogo entre as restrições e as escolhas, estas inscritas
ou conteúdo transmitido. A “cláusula”, ou frase, representa na natureza da atividade linguística, bem como na sua função,
a combinação dos dois eventos, o narrado e o de fala; nessa suas condições de produção, suas estratégias, seu processo de
análise, a predicação preenche duas funções: produção, e até seu acabamento formal.
a) designa o estado de coisas no nível representacional (a Mackenzie (1992) afirma que a gramática funcional ocupa
“predicação” de Dik); uma posição intermediária em relação às abordagens que dão
b) representa o conteúdo do ato de fala no nível interpessoal conta apenas da sistematicidade da estrutura da língua ou
(a “proposição” de Dik). apenas da instrumentalidade do uso da língua. Ela tem como
hipótese fundamental a existência de uma relação não-arbitrária
De um ponto de partida que é a predicação, passa-se, entre a instrumentalidade do uso da língua (o funcional) e a
subsequentemente: sistematicidade da estrutura da língua (a gramática). Em outras
a) à expressão referencial; palavras, a gramática funcional visa explicar regularidades
b) à expressão referente à unidade de informação (ou dentro das línguas e através delas, em termos de aspectos
conteúdo transmitido em um ato de fala); recorrentes das circunstâncias sob as quais as pessoas usam
c) finalmente, à fala real. a língua. Como diz De Beaugrande (1993b, p.5), enquanto nas
No modelo de Halliday se encontra estabelecida uma relação gramáticas formais se tende a deixar certas especificações
sistemática entre a análise linguística e o contexto de ocorrência funcionais para o domínio fluído da semântica, da pragmática
dos enunciados, de tal modo que se pode encontrar, já nas e da estilística, nas gramáticas explicitamente “funcionais”, pelo
suas primeiras propostas (Halliday et al, 1964), três variáveis contrário, especificações funcionais ricas são acomodadas no
situacionais de registro associadas aos três componentes esquema, de tal modo que a “descrição gramatical” contenha
metafuncionais do sistema linguístico: o “campo” do discurso (a dados amplos para auxiliar uma descrição semântica,
atividade social implicada), ligado ao componente experiencial; pragmática e estilística. Na verdade, é evidente uma oposição
o “teor” do discurso (a distância social entre os participantes), entre o funcionalismo e o estruturalismo, que colocou sob
ligado ao componente interpessoal; o “modo” do discurso (o estudo a “langue” (a língua em si e por si mesma), descrevendo
canal entre os participantes), ligado ao componente textual. cada subdomínio (nível ou componente) por critérios internos,
Duas possibilidades alternativas são assentadas como base para o que levava a uma ênfase nos dados formais. Ao apresentar a
a organização da teoria linguística, numa gramática funcional oposição entre as duas correntes, De Beaugrande (1993a, p.19)
sistêmica, como a de Halliday: a “cadeia” (o sintagma) e a indica que o funcionalismo não aceitou essa atribuição dos dados
“escolha” (o paradigma) (Halliday, 1963). Gomo aponta Hudson funcionais ao uso da língua (à “parole”), ou à interação entre
(1986, p.809), há dois tipos de categorias em uma gramática os subdomínios, e defendeu uma perspectiva mais integrativa

Conhecimentos Específicos 7
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
na qual todas as unidades e os padrões da língua seriam resultados transparentes dos objetivos funcionais do falante).
compreendidos em termos de funções. Indica, ainda, que, desse Du Bois indica uma posição intermediária que postula a
modo, a “gramática” passa a incluir não somente os morfemas e interação de forças internas e externas em competição e que se
as estruturas sintagmáticas, mas o seu embasamento cognitivo resolvem no sistema.
no conhecimento que a comunidade tem de como os processos Afinal, exatamente por constituir uma estrutura cognitiva é
e seus participantes são organizados (por exemplo, se uma Ação que a gramática é sensível às pressões do uso; ou seja: flexível,
tem um Iniciador). porque ajustável (a partir de centros categoriais, ou núcleos
O “discurso”, por outro lado, é a rede total de eventos nocionais), a gramática é passível de acomodação sob pressões
comunicativos relevantes, incluindo gestos, expressões faciais, de ordem comunicativa. Assim, na resolução do equilíbrio entre
manifestações emocionais e outros. E os dois conjuntos de a determinação das forças externas e as estruturas, Du Bois
subdomínios estão relacionados não pelo tamanho e pela (1985) propõe que as gramáticas sejam tratadas como sistemas
constituição, mas por funções mutuamente controladoras, adaptáveis, isto é, como sistemas parcialmente autônomos (por
como as curvas de entonação que são típicas de certos padrões isso, sistemas) e parcialmente sensíveis a pressões externas
gramaticais em certos domínios do discurso (por exemplo, (por isso, adaptáveis).
discursos políticos). Na explicação das gramáticas como “sistemas adaptáveis”,
forças motivadoras originadasemfenômenosexternos penetram
Na gramática funcional, noções “pragmáticas” - relativas às no domínio da língua, onde se encontram com forças internas.
escolhas que o falante faz para distribuir a informação dentro Nessa visão, fenômenos reconhecidos como intrinsecamente
de seu enunciado - são entendidas como internas à gramática. linguísticos são tratados como forças dinâmicas, em vez de
Essa visão, que necessariamente relaciona padrões discursivos estruturas fixas, categorias, ou entidades. Um dos pontos
a padrões gramaticais, faz uma integração da pragmática na importantes na avaliação dessa posição é exatamente o fato de
gramática. O “fluxo de informação”, por exemplo, entra como que, concebendo as regras e os princípios da gramática mais
fenômeno a ser investigado na gramática, e organizações como a como tendências do que como regras absolutas com condições
de uma “estrutura argumentai preferida” (Du Bois, 1987,1993a, rígidasde aplicação, essa noção de uma competiçãode princípios,
1993b) são tomadas sob análise, uma análise que olha a forma que atua tanto dentro de uma mesma língua como entre línguas,
que a estrutura argumentai toma, e relaciona essa forma com a liga-se a uma aceitação da variabilidade da língua no espaço e
codificação da informação (nova ou velha). O fluxo de atenção, no tempo, isto é, à concepção - fundamental no estudo do uso
segundo Ghafe (1987), diz respeito aos aspectos cognitivos linguístico - de que as línguas têm um caráter dinâmico.
e sociais da “embalagem” que as pessoas fazem do conteúdo
ideacional, quando falam. Em outras palavras, mais do que com Linguagem: uso, funções, análise; língua
o conteúdo ideacional do enunciado, o fluxo de informação tem oral e escrita.
que ver com a organização que nele obtêm categorias como
“tópico e comentário”, “sujeito e predicado”, “informação dada e
informação nova”, ou, ainda, “unidades de entonação”, “orações”,
“frases” e “parágrafos”. O fluxo de informação determina a Linguagem
ordenação linear dos sintagmas nominais na frase, que se faz
na sequência que o falante considera adequada para obter a Como instrução geral, podemos dizer que uma hipótese
atenção do ouvinte, mas alterações da ordem podem atuar para interpretativa é aceitável sempre que o texto apresenta pista ou
controlar o fluxo de atenção. pistas que a confirmam e sustentam. O texto abaixo é bastante
apropriado.
Uma maneira de investigar a organização do fluxo de
informação é exatamente considerar o “fluxo de atenção”. “Aquela senhora tem um piano.
Levando-se em conta as noções de “fluxo de atenção” e de “ponto Que é agradável, mas não é o correr dos rios.
de vista” (De Lancey, 1981), entende-se que os eventos descritos Nem o murmúrio que as árvores fazem...
no discurso e as entidades neles envolvidas não têm todos a Por que é preciso ter um piano?
mesma importância comunicativa, dispondo a organização O melhor é ter ouvidos
discursivade mecanismos capazesde marcar arelevância relativa E amar a Natureza.”
dos diferentes eventos e entidades que se seguem no discurso.
De Lancey distingue um fluxo de atenção natural, referente Que simboliza o piano no poema?
às estruturas perceptuais, e um fluxo de atenção linguístico, Dentro do contexto que se insere o piano, representa um bem
referente aos mecanismos linguísticos pelos quais esses valores cultural, o que se percebe pela oposição que o texto estabelece
são marcados nas frases; do fluxo de atenção linguístico pode-se entre o som do piano (bem cultural) e o correr dos rios e o
dizer, por exemplo, que, seguindo a ordem natural, ele parte de murmúrio das árvores (bens naturais). O poema descarta a
Origem (Agente, Experimentador) para Meta, e que ele se situa necessidade do piano, dando preferência à fruição dos sons da
na posição mais à esquerda, na frase. O fluxo de atenção natural Natureza.
tem como base a ordenação temporal dos eventos, que deve ser
refletida na frase, a não ser que haja alguma motivação especial O que é a linguagem?
potencialmente ligada ao próprio ponto de vista - que cause a
não coincidência, e torne marcado o enunciado. Os pontos de É qualquer e todo sistema de signos que serve de meio
vista a partir dos quais se descreve uma cena são dois, o de de comunicação de ideias ou sentimentos através de signos
um observador externo e o de um dos participantes. Entende- convencionados, sonoros, gráficos, gestuais etc., podendo ser
se que os pontos de vista, valores essencialmente dêiticos, são percebida pelos diversos órgãos dos sentidos, o que leva a
especificados nas frases por meio de mecanismos linguísticos distinguirem-se várias espécies ou tipos: visual, auditiva, tátil,
apropriados que cada língua possui. O que se postula, nessas etc., ou, ainda, outras mais complexas, constituídas, ao mesmo
propostas de investigação, é uma relação entre gramática e tempo, de elementos diversos. Os elementos constitutivos da
discurso que entende que o comportamento sintático semântico linguagem são, pois, gestos, sinais, sons, símbolos ou palavras,
pode ser mais bem explicado dentro de um esquema que leve usados para representar conceitos de comunicação, ideias,
em conta a interação de forças internas e externas ao sistema. significados e pensamentos. Embora os animais também se
comuniquem, a linguagem verbal pertence apenas ao Homem.
Entretanto, à estrutura conceptual dos estruturalistas (na Não se devem confundir os conceitos de linguagem e de
qual as únicas forças que organizam a língua são as internas) língua. Enquanto aquela (linguagem) diz respeito à capacidade
não é necessário opor-se uma estrutura conceptual ligada ou faculdade de exercitar a comunicação, latente ou em ação ou
a um funcionalismo do tipo que Du Bois (1985) denomina exercício, esta última (língua ou idioma) refere-se a um conjunto
transparente, ou sincrônico (no qual se presume que todos de palavras e expressões usadas por um povo, por uma nação,
os fatos sintáticos aparentemente autônomos são realmente munido de regras próprias (sua gramática).

Conhecimentos Específicos 8
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Noutra acepção (anátomo-fisiológica), linguagem é função poder: um golpe, mas não uma palavra, é capaz de quebrar
cerebral que permite a qualquer ser humano adquirir e utilizar osso. Ora podemos desfazer facilmente essa visão simplista das
uma língua. coisas, analisando para que serve a linguagem.
Por extensão, chama-se linguagem de programação ao
conjunto de códigos usados em computação. - A linguagem é uma maneira de perceber o mundo.
O estudo da linguagem, que envolve os signos, de uma
forma geral, é chamado semiótica. A linguística é subordinada à “Este deve ser o bosque”, murmurou pensativamente (Alice),
semiótica porque seu objeto de estudo é a língua, que é apenas “onde as coisas não têm nomes”. (...)
um dos sinais estudados na semiótica. Ia devaneando dessa maneira quando chegou à entrada do
A respeito das origens da linguagem humana, alguns bosque, que parecia muito úmido e sombrio. “Bom, de qualquer
estudiosos defendem a tese de que a linguagem desenvolveu- modo é um alívio”, disse enquanto avançava em meio às árvores,
se a partir da comunicação gestual com as mãos. Posteriores “depois de tanto calor, entrar dentro do... dentro do... dentro do
alterações no aparelho fonador, os seres humanos passaram a quê?” Estava assombrada de não poder se lembrar do nome.
poder produzir uma variedade de sons muito maior do que a dos “Bom, isto é, estar debaixo das... debaixo das... debaixo disso aqui,
demais primatas. ora!”, disse, colocando a mão no tronco da árvore. “Como é que
De acordo com Kandel apesar das dificuldades de se apontar essa coisa se chama? É bem capaz de não ter nome nenhum... ora,
com precisão quando ou como a linguagem evoluiu há certo com certeza não tem mesmo!”
consenso quanto a algumas estruturas cerebrais constituírem- Ficou calada durante um minuto, pensando. Então, de repente,
se como pré-requisitos para a linguagem e que estas parecem exclamou: - Ah, então isso terminou acontecendo! E agora quem
ter surgido precocemente na evolução humana. Segundo esse sou eu? Eu quero me lembrar, se puder.
autor essa conclusão foi atingida após exame dos moldes
intracranianos de fósseis humanos. Na maioria dos indivíduos Lewis Carroll. Aventuras de Alice.
o hemisfério esquerdo é dominante para a linguagem; a área Trad. Sebastião Uchôa Leite.
cortical da fala do lobo temporal (o plano temporal) é maior 3ª ed. São Paulo, Summus, p 165-166
no hemisfério esquerdo que no direito. Visto que os giros e
sulcos importantes deixam com frequência impressões no Esse texto, reproduzido do livro “Através do espelho e o que
crânio, o registro fóssil foi estudado buscando-se as assimetrias Alice encontrou lá”, mostra que a protagonista, ao entrar no
morfológicas associadas à fala nos humanos modernos. Essas bosque em que as coisas não têm nome, é incapaz de apreender
assimetrias foram encontradas no homem de Neanderthal a realidade em torno dela, de saber o que as coisas são. Isso
(datando de cerca de 30.000 a 50.000 anos) e no Homo erectus significa que as coisas do mundo exterior só têm existência para
(datado de 300.000 a 500.000 anos), o predecessor de nossa os homens quando são nomeadas. A linguagem é uma forma de
própria espécie. apreender a realidade: só percebemos aquilo a que a língua dá
nome.
Para que serve a linguagem? Roberto Pompeu de Toledo, articulista da Veja, comenta
essa questão na edição de 26 de junho de 2002 (p. 130), ao
(...) falar da expressão “risco país”, usada para traduzir o grau
Ai, palavras, ai, palavras, de confiabilidade de um país entre credores ou investidores
que estranha potência, a vossa! internacionais:
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta; (...) As coisas não são coisas enquanto não são nomeadas. O
o mel do amor cristaliza que não se expressa não se conhece. Vive na inocência do limbo,
seu perfume em vossa rosa; no sono profundo da inexistência. Uma vez identificado, batizado
sois o sonho e sois a audácia, e devidamente etiquetado, o “risco país” passou a existir. E lá é
calúnia, fúria, derrota... possível viver num país em risco? Lá é possível dormir em paz num
país submetido à medição do perigo que oferece com a mesma
A liberdade das almas, assiduidade com que a um paciente se tira a pressão? É como
ai! Com letras se elabora... viajar num navio onde se apregoasse, num escandaloso placar
E dos venenos humanos luminoso, sujeito a tantas oscilações como as das ondas do mar,
sois a mais fina retorta: o “risco naufrágio”.
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa! - A linguagem é uma forma de interpretar a realidade.
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam... O segundo projeto era representado por um plano de abolir
(...) completamente todas as palavras, fossem elas quais fossem
(...). Em vista disso, propôs-se que, sendo as palavras apenas
Cecília Meireles. nomes para as coisas, seria mais conveniente que todos os
Romanceiro da Inconfidência. In: Obra poética. homens trouxessem consigo as coisas de que precisassem falar
Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1985, p. 442. ao discorrer sobre determinado assunto (...). ...muitos eruditos
e sábios aderiram ao novo plano de se expressarem por meio de
Esses versos foram extraídos do poema “Romance LIII ou coisas, cujo único inconveniente residia em que, se um homem
das palavras aéreas”, em que Cecília Meireles fala sobre o poder tivesse que falar sobre longos assuntos e de vária espécie, ver-se-ia
da palavra. Mostram que a palavra, apesar de frágil, por ser obrigado, em proporção, a carregar nas costas um grande fardo
constituída de sons, é ao mesmo tempo extremamente forte, de coisas, a menos de poder pagar um ou dois criados robustos
porque, com seu significado, derruba reis e impérios; serve para acompanhá-lo (...).
para construir a liberdade do ser humano e também para Outra grande vantagem oferecida pela invenção consiste em
envenenar a sua vida; serve para sussurrar declarações de amor, que ela serviria de língua universal, compreendida em todas as
para exprimir os sonhos, para impulsionar os desejos mais nações civilizadas, cujos utensílios e objetos são geralmente da
grandiosos, mas também para caluniar, para expor a raiva, para mesma espécie, ou tão parecidos que o seu emprego pode ser
impor a derrota. facilmente percebido.

- A linguagem é o traço definidor do ser humano, é a aptidão Jonathan Swift. Viagens de Gulliver.
que o distingue dos animais. Rio de Janeiro/São Paulo, Ediouro/Publifolha, p. 194-195.

O provérbio popular “Palavra não quebra osso”, contrapondo Esse trecho do livro “Viagens de Gulliver” narra um projeto
a palavra à ação, insinua que a linguagem não tem nenhum dos sábios de Balnibarbi: substituir as palavras – que, no seu

Conhecimentos Específicos 9
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
entender, têm o inconveniente de variar de língua para língua “Declaro aberta a sessão”, eles não estão constatando alguma
– pelas coisas. Quando alguém quisesse falar de uma cadeira, coisa do mundo, mas realizando uma ação. O ato de abrir uma
mostraria uma cadeira, quem desejasse discorrer sobre uma sessão realiza-se quando seu presidente a declara aberta; o
bolsa, mostraria uma bolsa, etc. Trata-se de uma ironia de Swift ato da promessa realiza-se quando se diz “Prometo”. Em casos
às concepções vulgares de que a compreensão da realidade como esses, o dizer se confunde com a própria ação e serve
independe da língua que a nomeia, como se as palavras fossem para demonstrar que a linguagem não é algo sem consequência,
etiquetas aplicadas a coisas classificadas independentemente porque ela também é ação.
da linguagem, quando, na verdade, a língua é uma forma de
categorizar o mundo, de interpretá-lo. Funções da Linguagem
O que inviabiliza o sistema imaginado pelos sábios de
Balnibarbi não é apenas o excesso de peso das coisas que cada Quando se pergunta a alguém para que serve a linguagem,
falante precisaria carregar: é o fato de que as coisas não podem a resposta mais comum é que ela serve para comunicar. Isso
substituir as palavras, porque a língua é bem mais que um está correto. No entanto, comunicar não é apenas transmitir
sistema de demonstração de objetos ou mera cópia do mundo informações. É também exprimir emoções, dar ordens, falar
natural. As coisas não designam tudo que uma língua pode apenas para não haver silêncio. Para que serve a linguagem?
expressar.
Mostrar um objeto, por exemplo, não indica sua inclusão - A linguagem serve para informar: Função Referencial.
numa dada classe. No léxico de uma língua, agrupamos os nomes
em classes. Maçã, pera, banana e laranja pertencem à classe das “Estados Unidos invadem o Iraque”
frutas. Ao mostrar uma fruta qualquer, não consigo exprimir a
ideia da classe fruta; não posso, então, expressar ideias mais Essa frase, numa manchete de jornal, informa-nos sobre um
gerais. Não produzimos palavras somente para designar as acontecimento do mundo.
coisas, mas para estabelecer relações entre elas e para comentá- Com a linguagem, armazenamos conhecimentos na memória,
las. Mostrar um objeto não exprime as categorias de quantidade, transmitimos esses conhecimentos a outras pessoas, ficamos
de gênero (masculino e feminino), de número (singular e plural); sabendo de experiências bem-sucedidas, somos prevenidos
não permite indicar sua localização no espaço (aqui/aí/lá), etc. contra as tentativas mal sucedidas de fazer alguma coisa. Graças
A língua não é um sistema de demonstração de objetos, pois à linguagem, um ser humano recebe de outro conhecimentos,
permite falar do que está presente e do que está ausente, do que aperfeiçoa-os e transmite-os.
existe e do que não existe; permite até criar novas realidades, Condillac, um pensador francês, diz: “Quereis aprender
mundos não existentes. ciências com facilidade? Começai a aprender vossa própria
A linguagem é uma atividade simbólica, o que significa língua!” Com efeito, a linguagem é a maneira como aprendemos
que as palavras criam conceitos, e eles ordenam a realidade, desde as mais banais informações do dia a dia até as teorias
categorizam o mundo. Por exemplo, criamos o conceito de pôr- científicas, as expressões artísticas e os sistemas filosóficos mais
do-sol. Sabemos que, do ponto de vista científico, o Sol não “se avançados.
põe”, uma vez que é a Terra que gira em torno dele. Contudo A função informativa da linguagem tem importância central
esse conceito, criado pela linguagem, determina uma realidade na vida das pessoas, consideradas individualmente ou como
que encanta a todos. Outro exemplo: apagar uma coisa escrita grupo social. Para cada indivíduo, ela permite conhecer o mundo;
no computador é uma atividade diferente de apagar o que foi para o grupo social, possibilita o acúmulo de conhecimentos
escrito a lápis, a caneta ou mesmo a máquina. Por isso, surgiu e a transferência de experiências. Por meio dessa função, a
uma nova palavra para denominar essa nova realidade, deletar. linguagem modela o intelecto.
No entanto, se essa palavra não existisse, não perceberíamos a É a função informativa que permite a realização do trabalho
atividade de apagar no computador como uma ação diferente de coletivo. Operar bem essa função da linguagem possibilita que
apagar o que foi escrito a lápis. Uma nova realidade, uma nova cada indivíduo continue sempre a aprender.
invenção, uma nova ideia exigem novas palavras, e estas é que A função informativa costuma ser chamada também de
lhes conferem existência para toda a comunidade de falantes. função referencial, pois seu principal propósito é fazer com que
As palavras formam um sistema independente das coisas as palavras revelem da maneira mais clara possível as coisas ou
nomeadas por elas, tanto é que cada língua pode ordenar o os eventos a que fazem referência.
mundo de maneira diversa, exprimir diferentes modos de
ver a realidade. O inglês, por exemplo, para expressar o que - A linguagem serve para influenciar e ser influenciado:
denominamos carneiro, tem duas palavras: sheep, que designa Função Conativa.
o animal, e mutton, que significa a carne do carneiro preparada
e servida à mesa. Em português, dizemos as duas coisas numa “Vem pra Caixa você também.”
palavra só: Este carneiro tem muita lã e Este carneiro está Essa frase fazia parte de uma campanha destinada a
apimentado, ou seja, não aplicamos a distinção que os falantes aumentar o número de correntistas da Caixa Econômica Federal.
da língua inglesa têm incorporada à sua visão de mundo. Para persuadir o público alvo da propaganda a adotar esse
Isso mostra que a linguagem é uma maneira de interpretar comportamento, formulou-se um convite com uma linguagem
o universo natural e segmentá-lo em categorias, segundo as bastante coloquial, usando, por exemplo, a forma vem, de
particularidades de cada cultura. Por essa razão, a linguagem segunda pessoa do imperativo, em lugar de venha, forma de
modela nossa maneira de perceber e de ordenar a realidade. terceira pessoa prescrita pela norma culta quando se usa você.
A linguagem expressa também as diferentes maneiras de Pela linguagem, as pessoas são induzidas a fazer
interpretar uma ocorrência. Querendo desculpar-se, o filho diz determinadas coisas, a crer em determinadas ideias, a sentir
para a mãe: O jarro de porcelana caiu e quebrou. A mãe replica: determinadas emoções, a ter determinados estados de alma
Você derrubou o jarro e, por isso, ele quebrou. Observe que, na (amor, desprezo, desdém, raiva, etc.). Por isso, pode-se dizer que
primeira formulação, não existe um responsável pela queda ela modela atitudes, convicções, sentimentos, emoções, paixões.
e pela quebra do objeto. É como se isso se devesse ao acaso. Quem ouve desavisada e reiteradamente a palavra negro
Na segunda formulação, atribui-se a responsabilidade pelo pronunciada em tom desdenhoso aprende a ter sentimentos
acontecimento a um agente. racistas; se a todo momento nos dizem, num tom pejorativo,
“Isso é coisa de mulher”, aprendemos os preconceitos contra a
- A linguagem é uma forma de ação. mulher.
Não se interfere no comportamento das pessoas apenas
Existem certas fórmulas linguísticas que servem para agir com a ordem, o pedido, a súplica. Há textos que nos influenciam
no mundo. Quando um padre diz aos noivos “Eu vos declaro de maneira bastante sutil, com tentações e seduções, como
marido e mulher”, quando alguém diz “Prometo estar aqui os anúncios publicitários que nos dizem como seremos bem
amanhã”, quando um leiloeiro proclama “Arrematado por mil sucedidos, atraentes e charmosos se usarmos determinadas
reais”, quando o presidente de alguma câmara municipal afirma marcas, se consumirmos certos produtos.

Conhecimentos Específicos 10
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Com essa função, a linguagem modela tanto bons cidadãos, - A linguagem serve para falar sobre a própria linguagem:
que colocam o respeito ao outro acima de tudo, quanto Função Metalinguística.
espertalhões, que só pensam em levar vantagem, e indivíduos
atemorizados, que se deixam conduzir sem questionar. Quando dizemos frases como “A palavra ‘cão’ é um
Emprega-se a expressão função conativa da linguagem substantivo”; “É errado dizer ‘a gente viemos’”; “Estou usando
quando esta é usada para interferir no comportamento das o termo ‘direção’ em dois sentidos”; “Não é muito elegante usar
pessoas por meio de uma ordem, um pedido ou uma sugestão. A palavrões”, não estamos falando de acontecimentos do mundo,
palavra conativo é proveniente de um verbo latino (conari) que mas estamos tecendo comentários sobre a própria linguagem. É
significa “esforçar-se” (para obter algo). o que chama função metalinguística. A atividade metalinguística
é inseparável da fala. Falamos sobre o mundo exterior e o
- A linguagem serve para expressar a subjetividade: mundo interior e ao mesmo tempo, fazemos comentários sobre
Função Emotiva. a nossa fala e a dos outros. Quando afirmamos como diz o
outro, estamos comentando o que declaramos: é um modo de
“Eu fico possesso com isso!” esclarecer que não temos o hábito de dizer uma coisa tão trivial
como a que estamos enunciando; inversamente, podemos usar
Nessa frase, quem fala está exprimindo sua indignação a metalinguagem como recurso para valorizar nosso modo de
com alguma coisa que aconteceu. Com palavras, objetivamos dizer. É o que se dá quando dizemos, por exemplo, Parodiando o
e expressamos nossos sentimentos e nossas emoções. padre Vieira ou Para usar uma expressão clássica, vou dizer que
Exprimimos a revolta e a alegria, sussurramos palavras de “peixes se pescam, homens é que se não podem pescar”.
amor e explodimos de raiva, manifestamos desespero, desdém, - A linguagem serve para criar outros universos.
desprezo, admiração, dor, tristeza. Muitas vezes, falamos para
exprimir poder ou para afirmarmo-nos socialmente. Durante o A linguagem não fala apenas daquilo que existe, fala também
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ouvíamos do que nunca existiu. Com ela, imaginamos novos mundos,
certos políticos dizerem “A intenção do Fernando é levar o outras realidades. Essa é a grande função da arte: mostrar que
país à prosperidade” ou “O Fernando tem mudado o país”. Essa outros modos de ser são possíveis, que outros universos podem
maneira informal de se referirem ao presidente era, na verdade, existir. O filme de Woody Allen “A rosa púrpura do Cairo” (1985)
uma maneira de insinuarem intimidade com ele e, portanto, mostra isso de maneira bem expressiva. Nele, conta-se a história
de exprimirem a importância que lhes seria atribuída pela de uma mulher que, para consolar-se do cotidiano sofrido e
proximidade com o poder. Inúmeras vezes, contamos coisas dos maus-tratos infligidos pelo marido, refugia-se no cinema,
que fizemos para afirmarmo-nos perante o grupo, para mostrar assistindo inúmeras vezes a um filme de amor em que a vida
nossa valentia ou nossa erudição, nossa capacidade intelectual é glamorosa, e o galã é carinhoso e romântico. Um dia, ele sai
ou nossa competência na conquista amorosa. da tela e ambos vão viver juntos uma série de aventuras. Nessa
Por meio do tipo de linguagem que usamos, do tom de voz outra realidade, os homens são gentis, a vida não é monótona, o
que empregamos, etc., transmitimos uma imagem nossa, não amor nunca diminui e assim por diante.
raro inconscientemente.
Emprega-se a expressão função emotiva para designar a - A linguagem serve como fonte de prazer: Função
utilização da linguagem para a manifestação do enunciador, isto Poética.
é, daquele que fala.
Brincamos com as palavras. Os jogos com o sentido e os sons
- A linguagem serve para criar e manter laços sociais: são formas de tornar a linguagem um lugar de prazer. Divertimo-
Função Fática. nos com eles. Manipulamos as palavras para delas extrairmos
satisfação.
Que calorão, hein? Oswald de Andrade, em seu “Manifesto antropófago”, diz
Também, tem chovido tão pouco. “Tupi or not tupi”; trata-se de um jogo com a frase shakespeariana
Acho que este ano tem feito mais calor do que nos outros. “To be or not to be”. Conta-se que o poeta Emílio de Menezes,
Eu não me lembro de já ter sentido tanto calor. quando soube que uma mulher muito gorda se sentara no banco
de um ônibus e este quebrara, fez o seguinte trocadilho: “É a
Esse é um típico diálogo de pessoas que se encontram num primeira vez que vejo um banco quebrar por excesso de fundos”.
elevador e devem manter uma conversa nos poucos instantes A palavra banco está usada em dois sentidos: “móvel comprido
em que estão juntas. Falam para nada dizer, apenas porque o para sentar-se” e “casa bancária”. Também está empregado em
silêncio poderia ser constrangedor ou parecer hostil. dois sentidos o termo fundos: “nádegas” e “capital”, “dinheiro”.
Quando estamos num grupo, numa festa, não podemos Observe-se o uso do verbo bater, em expressões diversas,
manter-nos em silêncio, olhando uns para os outros. Nessas com significados diferentes, nesta frase do deputado Virgílio
ocasiões, a conversação é obrigatória. Por isso, quando não se Guimarães:
tem assunto, fala-se do tempo, repetem-se histórias que todos
conhecem, contam-se anedotas velhas. A linguagem, nesse caso, “ACM bate boca porque está acostumado a bater: bateu
não tem nenhuma função que não seja manter os laços sociais. continência para os militares, bateu palmas para o Collor e quer
Quando encontramos alguém e lhe perguntamos “Tudo bem?”, bater chapa em 2002. Mas o que falta é que lhe bata uma dor de
em geral não queremos, de fato, saber se nosso interlocutor está consciência e bata em retirada.”
bem, se está doente, se está com problemas. A fórmula é uma (Folha de S. Paulo)
maneira de estabelecer um vínculo social.
Também os hinos têm a função de criar vínculos, seja entre Verifica-se que a linguagem pode ser usada utilitariamente
alunos de uma escola, entre torcedores de um time de futebol ou esteticamente. No primeiro caso, ela é utilizada para informar,
ou entre os habitantes de um país. Não importa que as pessoas para influenciar, para manter os laços sociais, etc. No segundo,
não entendam bem o significado da letra do Hino Nacional, pois para produzir um efeito prazeroso de descoberta de sentidos.
ele não tem função informativa: o importante é que, ao cantá-lo, Em função estética, o mais importante é como se diz, pois o
sentimo-nos participantes da comunidade de brasileiros. sentido também é criado pelo ritmo, pelo arranjo dos sons, pela
Na nomenclatura da linguística, usa-se a expressão função disposição das palavras, etc.
fática para indicar a utilização da linguagem para estabelecer ou Na estrofe abaixo, retirada do poema “A Cavalgada”, de
manter aberta a comunicação entre um falante e seu interlocutor. Raimundo Correia, a sucessão dos sons oclusivos /p/, /t/, /k/,
/b/, /d/, /g/ sugere o patear dos cavalos:

E o bosque estala, move-se, estremece...


Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

Conhecimentos Específicos 11
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Apud: Lêdo Ivo. Raimundo Correia: Poesia. 4ª ed. desenvolveu a língua de sinais adaptada pelos surdos em
Rio de Janeiro, Agir, p. 29. Coleção Nossos Clássicos. diferentes países, não só para melhorar a comunicação entre
surdos, mas também para utilizar em situações especiais,
Observe-se que a maior concentração de sons oclusivos como no teatro e entre navios ou pessoas e não animais que
ocorre no segundo verso, quando se afirma que o barulho dos se encontram fora do alcance do ouvido, mas que se podem
cavalos aumenta. observar entre si.
Quando se usam recursos da própria língua para acrescentar
sentidos ao conteúdo transmitido por ela, diz-se que estamos Potencialidades da Linguagem
usando a linguagem em sua função poética.
Depoisde analisar as funçõesda linguagem, conclui-sequeela
Para melhor compreensão das funções de linguagem, torna- é onipresente na vida de todos nós. Cerca-nos desde o despertar
se necessário o estudo dos elementos da comunicação. da consciência, ainda no berço, segue-nos durante toda a vida e
Antigamente, tinha-se a ideia que o diálogo era desenvolvido acompanha-nos até a hora da morte. Sem a linguagem, não se
de maneira “sistematizada” (alguém pergunta - alguém espera pode estruturar o mundo do trabalho, pois é ela que permite a
ouvir a pergunta, daí responde, enquanto outro escuta em troca de informações e de experiências e a cooperação entr e os
silêncio, etc). Exemplo: homens. Sem ela, o homem não pode conhecer-se nem conhecer
o mundo. Sem ela, não se exerce a cidadania, porque os eleitores
Elementos da comunicação não podem influenciar o governo. Sem ela não se pode aprender,
- Emissor - emite, codifica a mensagem; expressar os sentimentos, imaginar outras realidades, construir
- Receptor - recebe, decodifica a mensagem; as utopias e os sonhos. No entanto, a linguagem parece-nos uma
- Mensagem - conteúdo transmitido pelo emissor; coisa natural. Não prestamos muita atenção a ela. Nem sempre
- Código - conjunto de signos usado na transmissão e dedicamos muito tempo ao seu estudo. Conhecer bem a língua
recepção da mensagem; materna e línguas estrangeiras é uma necessidade.
- Referente - contexto relacionado a emissor e receptor; Que é saber bem uma língua? Evidentemente, não é saber
- Canal - meio pelo qual circula a mensagem. descrevê-la. A descrição gramatical de uma língua é um meio de
adquirir sobre ela um domínio crescente. Saber bem uma língua
Porém, com os estudos recentes dos linguistas, essa teoria é saber usá-la bem. No entanto, o emprego de palavras raras e
sofreu uma modificação, pois, chegou-se a conclusão que quando a correção gramatical não são sinônimos do uso adequado da
se trata da parole, entende-se que é um veículo democrático língua. Falar bem é atingir os propósitos de comunicação. Para
(observe a função fática), assim, admite-se um novo formato de isso, é preciso usar um nível de língua adequado, é necessário
locução, ou, interlocução (diálogo interativo): construir textos sem ambiguidades, coerentes, sem repetições
- locutor - quem fala (e responde); que não acrescentam nada ao sentido.
- locutário - quem ouve e responde; O texto que segue foi dito por um locutor esportivo:
- interlocução - diálogo
“Adentra o tapete verde o facultativo esmeraldino a fim de
As respostas, dos “interlocutores” podem ser gestuais, faciais pensar a contusão do filho do Divino Mestre, mola propulsora do
etc. por isso a mudança (aprimoração) na teoria. eleven periquito.”
As atitudes e reações dos comunicantes são também (Álvaro da Costa e Silva. In: Bundas, p.33.)
referentes e exercem influência sobre a comunicação
Lembramo-nos: O que o locutor quis dizer foi: Entra em campo o médico do
Palmeiras a fim de cuidar da contusão de Ademir da Guia (filho
- Emotiva (ou expressiva): a mensagem centra-se no “eu” do de Domingos da Guia), jogador de meio de campo do time do
emissor, é carregada de subjetividade. Ligada a esta função está, Parque Antártica. Certamente, aquele texto não seria entendido
por norma, a poesia lírica. pela maioria dos ouvintes. Portanto não é um bom texto, porque
- Função apelativa (imperativa): com este tipo de mensagem, não usa um nível de língua adequado à situação de comunicação.
o emissor atua sobre o receptor, afim de que este assuma Outros exemplos:
determinado comportamento; há frequente uso do vocativo e do
imperativo. Esta função da linguagem é frequentemente usada “As videolocadoras de São Carlos estão escondendo suas fitas
por oradores e agentes de publicidade. de sexo explícito. A decisão atende a uma portaria de dezembro
- Função metalinguística: função usada quando a língua de 1991, do Juizado de Menores, que proíbe que as casas de vídeo
explica a própria linguagem (exemplo: quando, na análise de aluguem, exponham e vendam fitas pornográficas a menores de
um texto, investigamos os seus aspectos morfo-sintáticos e/ou 18 anos. A portaria proíbe ainda os menores de 18 anos de irem a
semânticos). motéis e rodeios sem a companhia ou autorização dos pais.”
- Função informativa (ou referencial): função usada quando
o emissor informa objetivamente o receptor de uma realidade, (Jornal Folha do Sudoeste)
ou acontecimento.
- Função fática: pretende conseguir e manter a atenção dos Certamente a portaria não deveria obrigar os pais
interlocutores, muito usada em discursos políticos e textos a acompanhar os filhos aos motéis nem a dar-lhes uma
publicitários (centra-se no canal de comunicação). autorização por escrito para ser exibida na entrada desse tipo
- Função poética: embeleza, enriquecendo a mensagem com de estabelecimento.
figuras de estilo, palavras belas, expressivas, ritmos agradáveis, O jornal da USP publicou uma série de textos encontrados
etc. em comunicados de paróquias e templos. Todos são mal
Também podemos pensar que as primeiras falas conscientes escritos, embora neles não se encontrem erros de ortografia,
da raça humana ocorreu quando os sons emitidos evoluiram concordância, etc.:
para o que podemos reconhecer como “interjeições”. As - Não deixe a preocupação acabar com você. Deixe que a Igreja
primeiras ferramentas da fala humana. ajude.
- Terça-feira à noite: sopão dos pobres, depois oração e
A função biológica e cerebral da linguagem é aquilo que mais medicação.
profundamente distingue o homem dos outros animais. - (...) lembre-se de todos que estão tristes e cansados de nossa
Podemos considerar que o desenvolvimento desta função igreja e de nossa comunidade.
cerebral ocorre em estreita ligação com a bipedia e a libertação - Para aqueles que têm filhos e não sabem, nós temos uma
da mão, que permitiram o aumento do volume do cérebro, a par creche no segundo andar.
do desenvolvimento de órgãos fonadores e da mímica facial. - Quinta-feira às 5h haverá reunião do Clube das Jovens
Devido a estas capacidades, para além da linguagem falada Mamães. Todos aqueles que quiserem se tornar uma Jovem
e escrita, o homem, aprendendo pela observação de animais, Mamãe, devem contatar padre Cavalcante em seu escritório. (...)

Conhecimentos Específicos 12
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
(Jornal da USP, 9, p. 15) com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Humor à parte, esses exemplos comprovam que aprender Eu morro sufocado
não só a norma culta da língua, mas também os mecanismos de em terra estrangeira.
estruturação do texto. Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
A palavra texto é bastante usada na escola e também em mas custam cem mil réis a dúzia.
outras instituições sociais que trabalham com a linguagem. Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
É comum ouvirmos expressões como “O texto constitucional e ouvir um sabiá com certidão de idade!
desceu a detalhes que deveriam estar em leis ordinárias”; “Seu
texto ficou muito bom”; “O texto da prova de Português era muito Poesias (1925-1953). Rio de Janeiro,
longo e complexo”; “Os atores de novelas devem decorar textos José Olympio, 1959, p. 5.
enormes todos os dias”. Apesar de corrente, porém, o termo não é
de fácil definição: quando perguntamos qual é o seu significado, Tomando apenas os dois primeiros versos, pode-se pensar
percebemos que a maioria das pessoas é incapaz de responder que esse poema seja uma apologia do caráter universalista e
com precisão e clareza. cosmopolita da brasilidade: macieiras e gaturamos representam
Texto é um todo organizado de sentido, delimitado por dois a natureza vegetal e animal, respectivamente; Califórnia e
brancos e produzido por um sujeito num dado tempo e num Veneza são a imagem do espaço estrangeiro, e minha terra, a do
determinado espaço. solo pátrio. No Brasil, até a natureza acolhe o que é estrangeiro.
O texto é um todo organizado de sentido, isso quer dizer Pode-se ainda acrescentar, em apoio a essa tese, que esses
que ele não é um amontoado de frases simplesmente colocadas versos são calcados nos dois primeiros do poema homônimo de
umas depois das outras, mas um conjunto de frases costuradas Gonçalves Dias, que é uma glorificação da terra pátria:
entre si. Por isso o sentido de cada parte depende da sua relação
com as outras partes, isto é, o sentido de uma palavra ou de uma Minha terra tem palmeiras,
frase depende das outras palavras ou frases com que mantêm Onde canta o Sabiá;
relação. Em síntese, o sentido depende do contexto, entendido
como a unidade maior que compreende uma unidade menor, a Apud: Manuel Bandeira.
oração é contexto da palavra, o período é contexto da oração e Gonçalves Dias: Poesia. 7ª ed. Rio de Janeiro
assim sucessivamente. O contexto pode ser explícito (quando Agir, 1976, p. 18. Coleção Nossos Clássicos.
é exposto em palavras) ou implícito (quando é percebido na
situação em que o texto é produzido). Observe os três pequenos Essa hipótese de leitura, se não é absurda quando isolamos
textos abaixo: os versos em questão, não encontra amparo quando os
confrontamos com o restante do texto. Murilo Mendes mostra,
- Todos os dias ele fazia sua fezinha. Na noite de segunda-feira na verdade, que as características da brasilidade não têm valor
sonhou com um deserto e jogou seco no camelo. positivo, não concorrem para a exaltação da pátria: o poeta
- Nos desertos da Arábia, o camelo é ainda o principal meio de denuncia que a cultura brasileira é postiça, é uma miscelânea
transporte dos beduínos. de elementos advindos de vários países. Ele mostra que os
- O camelo aqui carrega a família inteira nas costas, porque lá “poetas são pretos que vivem em torres de ametista”, alienados
ninguém trabalha. num mundo idealizado, evitando as mazelas do mundo real,
sem se preocupar com os negros, que vivem, em geral, em
Em cada uma dessas frases a palavra camelo tem um sentido condições muito precárias (trata-se de uma referência irônica
diferente. Na primeira, significa “o oitavo grupo do jogo no bicho, ao Simbolismo e, principalmente, a Cruz e Sousa); que “os
que corresponde ao número 8 e inclui as dezenas 29, 30, 31 e sargentos do exército são monistas, cubistas”, ou seja, em vez da
32”; na segunda, “animal originário das regiões desérticas, de preocupação com seu ofício de garantir a segurança do território
grande porte, quadrúpede, de cor amarelada, de pescoço longo e nacional, têm pretensões de incursionar por teorias filosóficas
com duas saliências no dorso”; na terceira, “pessoa que trabalha e estéticas; que “os filósofos são polacos vendendo a prestações”,
muito”. O que determina essa diferença de sentido da palavra é são prostituídos (polaca é termo designativo de prostituta)
exatamente o contexto, o todo em que ela está inserida. No texto, pela venalidade barata; que “os oradores” se identificam com
portanto, o sentido de cada parte não é independente, tudo “os pernilongos” em sua oratória repetitiva; que o romantismo
são relações. Aliás, a palavra texto significa “tecido”, que não é gonçalvino estava certo ao afirmar que a natureza brasileira é
um amontoado de fios, mas uma trama arranjada de maneira pródiga, só que essa prodigalidade não é acessível à maioria
organizada. O sentido não é solitário, é solidário. Vejamos outros da população. A exclamação do final é, ao mesmo tempo, a
dois períodos: manifestação do desejo de ter contato com coisas genuinamente
brasileiras e um lamento, pois o poeta sabe que não se tornará
- Marcelinho é um bom atacante, mas é desagregador. realidade.
- Marcelinho é desagregador, mas é um bom atacante. O texto de Murilo faz referência ao de Gonçalves Dias,
mas, diferentemente do poema gonçalvino, não celebra
Esses períodos relacionam diferentemente as orações. No ufanisticamente a pátria. Ao contrário, ironiza-a, lamenta a
primeiro, a oração é “desagregador” é introduzida por “mas”, invasão estrangeira. O exílio é a própria terra, desnaturada a
enquanto no segundo é a oração “é um bom atacante” que ponto de parecer estrangeira.
é iniciada por essa conjunção. O sentido é completamente Desse modo, os dois primeiros versos não podem ser
diferente, pois o “mas” introduz o argumento mais forte e, por interpretados como um elogio ao caráter cosmopolita da cultura
conseguinte, determina a orientação argumentativa da frase. brasileira. Ao contrário, devem ser lidos como uma crítica
Isso significa que, quando afirmo, “não quero o jogador no meu ao caráter postiço da nossa cultura. Isso porque só a segunda
time”; quando digo, “acredito que todos os seus defeitos devem ser interpretação se encaixa coerentemente dentro do contexto.
desculpados”. Por exemplo, comprova-se que o significado das frases não é
Observe agora o poema “Canção do Exílio” de Murilo Mendes: autônomo. Num texto, o significado das partes depende do todo.
Por isso, cada frase tem um significado distinto, dependendo do
Minha terra tem macieiras da Califórnia contexto em que está inserida.
onde cantam gaturamos de Veneza. Que é que faz perceber que um conjunto de frases compõe um
Os poetas da minha terra texto? O primeiro fator é a coerência, ou seja, a compatibilidade
são pretos que vivem em torres de ametista, de sentido entre elas, de modo que não haja nada ilógico, nada
os sargentos de exército são monistas, cubistas, contraditório, nada desconexo. Outro fator é a ligação das frases
os filósofos são polacos vendendo a prestações. por certos elementos que recuperam passagens já ditas ou
A gente não pode dormir garantem a concatenação entre as partes. Assim, em “Não chove

Conhecimentos Específicos 13
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
há vários meses. Os pastos não poderiam, pois, estar verdes”, a A família de Regina era paupérrima.
palavra “pois” estabelece uma relação de decorrência lógica
entre uma e outra frase. O segundo fator, entretanto, é menos Outro, no entanto, pode optar por:
importante que o primeiro, pois mesmo sem esses elementos de
conexão, um conjunto de frases pode ser coerente e, portanto, A família de Regina era muito pobre.
um todo organizado de sentido.
As diferenças e semelhanças constatadas devem-se às
Tipos de Linguagem diversas manifestações da fala de cada um. Note, além disso, que
essas manifestações devem obedecer às regras gerais da língua
Linguagem é a capacidade que possuímos de expressar portuguesa, para não correrem o risco de produzir enunciados
nossos pensamentos, ideias, opiniões e sentimentos. Está incompreensíveis como:
relacionada a fenômenos comunicativos; onde há comunicação,
há linguagem. Podemos usar inúmeros tipos de linguagens Família a paupérrima de era Regina.
para estabelecermos atos de comunicação, tais como: sinais,
símbolos, sons, gestos e regras com sinais convencionais Não devemos confundir língua com escrita, pois são dois
(linguagem escrita e linguagem mímica, por exemplo). Num meios de comunicação distintos. A escrita representa um está-
sentido mais genérico, a linguagem pode ser classificada como gio posterior de uma língua. A língua falada é mais espontâ-
qualquer sistema de sinais que se valem os indivíduos para nea, abrange a comunicação linguística em toda sua totalidade.
comunicar-se. Além disso, é acompanhada pelo tom de voz, algumas vezes
A linguagem pode ser: por mímicas, incluindo-se fisionomias. A língua escrita não é
apenas a representação da língua falada, mas sim um sistema
- Verbal: aquela que faz uso das palavras para comunicar mais disciplinado e rígido, uma vez que não conta com o jogo
algo. fisionômico, as mímicas e o tom de voz do falante. No Brasil, por
exemplo, todos falam a língua portuguesa, mas existem usos di -
ferentes da língua devido a diversos fatores. Dentre eles, desta-
cam-se:

- Fatores Regionais: é possível notar a diferença do portu-


guês falado por um habitante da região nordeste e outro da re-
gião sudeste do Brasil. Dentro de uma mesma região, também há
variações no uso da língua. No estado do Rio Grande do Sul, por
exemplo, há diferenças entre a língua utilizada por um cidadão
que vive na capital e aquela utilizada por um cidadão do interior
do estado.
As figuras acima nos comunicam sua mensagem através da - Fatores Culturais: o grau de escolarização e a formação
linguagem verbal (usa palavras para transmitir a informação). cultural de um indivíduo também são fatores que colaboram
para os diferentes usos da língua. Uma pessoa escolarizada uti-
- Não Verbal: aquela que utiliza outros métodos de liza a língua de uma maneira diferente da pessoa que não teve
comunicação, que não são as palavras. Dentre elas estão: a acesso à escola.
linguagem de sinais, as placas e sinais de trânsito, a linguagem - Fatores Contextuais: nosso modo de falar varia de acordo
corporal, uma figura, a expressão facial, um gesto, etc. com a situação em que nos encontramos: quando conversamos
com nossos amigos, não usamos os termos que usaríamos se es-
tivéssemos discursando em uma solenidade de formatura.
- Fatores Profissionais: o exercício de algumas atividades
requer o domínio de certas formas de língua chamadas línguas
técnicas. Abundantes em termos específicos, essas formas têm
uso praticamente restrito ao intercâmbio técnico de engenhei-
ros, químicos, profissionais da área de direito e da informática,
biólogos, médicos, linguistas e outros especialistas.
- Fatores Naturais: o uso da língua pelos falantes sofre in-
fluência de fatores naturais, como idade e sexo. Uma criança não
utiliza a língua da mesma maneira que um adulto, daí falar-se
em linguagem infantil e linguagem adulta.

Fala
Essas figuras fazem uso apenas de imagens para comunicar É a utilização oral da língua pelo indivíduo. É um ato
o que representam. individual, pois cada indivíduo, para a manifestação da fala, pode
escolher os elementos da língua que lhe convém, conforme seu
A Língua é um instrumentodecomunicação, sendocomposta gosto e sua necessidade, de acordo com a situação, o contexto,
por regras gramaticais que possibilitam que determinado grupo sua personalidade, o ambiente sociocultural em que vive,
de falantes consiga produzir enunciados que lhes permitam etc. Desse modo, dentro da unidade da língua, há uma grande
comunicar-se e compreender-se. Por exemplo: falantes da diversificação nos mais variados níveis da fala. Cada indivíduo,
língua portuguesa. além de conhecer o que fala, conhece também o que os outros
A língua possui um caráter social: pertence a todo um falam; é por isso que somos capazes de dialogar com pessoas
conjunto de pessoas, as quais podem agir sobre ela. Cada dos mais variados graus de cultura, embora nem sempre a
membro da comunidade pode optar por esta ou aquela forma linguagem delas seja exatamente como a nossa.
de expressão. Por outro lado, não é possível criar uma língua Devido ao caráter individual da fala, é possível observar
particular e exigir que outros falantes a compreendam. Dessa alguns níveis:
forma, cada indivíduo pode usar de maneira particular a língua
comunitária, originando a fala. A fala está sempre condicionada - Nível Coloquial-Popular: é a fala que a maioria das pessoas
pelas regras socialmente estabelecidas da língua, mas é utiliza no seu dia a dia, principalmente em situações informais.
suficientemente ampla para permitir um exercício criativo da Esse nível da fala é mais espontâneo, ao utilizá-lo, não nos
comunicação. Um indivíduo pode pronunciar um enunciado da preocupamos em saber se falamos de acordo ou não com as
seguinte maneira: regras formais estabelecidas pela língua.

Conhecimentos Específicos 14
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- Nível Formal-Culto: é o nível da fala normalmente utilizado são signos?
pelas pessoas em situações formais. Caracteriza-se por um Signos são qualquer forma material (sons, linhas, cores,
cuidado maior com o vocabulário e pela obediência às regras volumes, imagens em movimento) que representam alguma
gramaticais estabelecidas pela língua. coisa diferente dela mesma. Em outras palavras, todo signo
é constituído de algo material, perceptível pelos órgãos dos
Signo sentidos (ouvido, olho) e de algo imaterial, uma representação
mental, inteligível. A dimensão material do signo costuma ser
É um elemento representativo que apresenta dois aspectos: designada por dois nomes: plano de expressão ou significante.
o significado e o significante. Ao escutar a palavra “cachorro”, A dimensão imaterial e inteligível é chamada por dois
reconhecemos a sequência de sons que formam essa palavra. nomes: plano de conteúdo ou significado. Por uma questão de
Esses sons se identificam com a lembrança deles que está em simplificação, usaremos a seguinte nomenclatura:
nossa memória. Essa lembrança constitui uma real imagem
sonora, armazenada em nosso cérebro que é o significante do Signo: qualquer tipo desinal material usado para representar
signo “cachorro”. Quando escutamosessa palavra, logo pensamos algo, isto é, tornar presente alguma coisa ausente.
em um animal irracional de quatro patas, com pelos, olhos,
orelhas, etc. Esse conceito que nos vem à mente é o significado Uma árvore plantada no bosque não é um signo, porque não
do signo “cachorro” e também se encontra armazenado em passa de uma árvore, não representa nada além de si mesma.
nossa memória. Prova disso é que não podemos trazer para este livro a árvore
Ao empregar os signos que formam a nossa língua, real, apenas uma representação dela, formada de cores e formas
devemos obedecer às regras gramaticais convencionadas pela sobre uma superfície de papel.
própria língua. Desse modo, por exemplo, é possível colocar o Que o signo não passa de representação da realidade é um
artigo indefinido “um” diante do signo “cachorro”, formando tema que tem sido objeto de debate entre os homens. O célebre
a sequência “um cachorro”, o mesmo não seria possível se pintor surrealista belga René Magritte (1898-1967), pintou
quiséssemos colocar o artigo “uma” diante do signo “cachorro”. A um cachimbo com requintes de pormenores, dando a máxima
sequência “uma cachorro” contraria uma regra de concordância impressão de realismo. Surpreendentemente, num jogo de
da língua portuguesa, o que faz com que essa sentença seja ironia, escreveu abaixo da pintura a frase Ceci n’est pás une pipe
rejeitada. Os signos que constituem a língua obedecem a padrões (“Isto não é um cachimbo”).
determinados de organização. O conhecimento de uma língua Aos que o contestavam, achando absurda a ideia de negar
engloba tanto a identificação de seus signos, como também o que aquilo fosse um cachimbo, conta-se que ele desafiava:
uso adequado de suas regras combinatórias.
Signo: elemento representativo que possui duas partes Então acenda-o e comece a fumá-lo.
indissolúveis: significado e significante. Significado (é o
conceito, a ideia transmitida pelo signo, a parte abstrata Após essas considerações, vamos fazer duas observações de
do signo) + Significante (é a imagem sonora, a forma, a parte ordem terminológica:
concreta do signo, suas letras e seus fonemas). - a representação do cachimbo é um signo do cachimbo, não
Língua: conjunto de sinais baseado em palavras que o objeto cachimbo;
obedecem às regras gramaticais. - ao objeto chamamos de referente, ou a coisa real.
Fala: uso individual da língua, aberto à criatividade e ao
desenvolvimento da liberdade de expressão e compreensão. Podemos, então, após esses dados, montar um esquema
daquilo que os estudiosos chamam de signo:
Estudo do Significado
Signo: é qualquer objeto, forma ou fenômeno material que
O papel essencial da linguagem, em quaisquer das suas representa a ideia de algo diferente dele mesmo.
formas, é a produção de significado: ao se relacionar com as
coisas, o homem faz uso de sinais que as representam. Assim sendo, o signo apresenta três dimensões:
A linguagem pode ser usada pelo homem para múltiplas
finalidades: para ajudá-lo a compreender a si mesmo, o mundo - Significante (ou plano de expressão): é a parte material do
físico e as pessoas que o rodeiam, para influenciar o outro e até signo (um objeto, uma forma ou um fenômeno perceptível pelos
para trapacear, fingindo uma intenção para esconder outra. A sensores do corpo humano).
linguagem pode também manifestar-se sob grande variedade de - Significado (ou plano de conteúdo): é o conceito, ou a forma
formas: mental criada no intelecto pelo significante.
- Sons produzidos pela voz (linguagem verbal) - Referente: é a coisa representada pelo signo. É dado de
- Cores, formas e volumes (linguagem visual) realidade trazido à mente por meio do signo.
- Movimentos do corpo (linguagem corporal, dança)
- Sons produzidos por instrumentos (linguagem musical) São os signos que nos permitem trazer para a lembrança
- Imagens em movimento (cinema), etc. referentes que já deixaram de existir. As palavras, por exemplo,
Para resumir, costumamos distinguir duas grandes divisões são signos e, por meio delas, podemos trazer para o presente
para definir as formas de linguagem: pessoas e fatos que já desapareceram. Tomemos, por exemplo,
uma palavra como Camões.
- Linguagem Verbal: mais especificamente constituída pela Trata-se de um signo, pois o referente (o poeta em carne
língua, seja ela oral, seja escrita. e osso) não existe mais. Significante: uma conjunto de sons,
- Linguagens não-verbais: constituídas por todas as outras representado pelo espectro de uma onda sonora. Significado:
modalidades diferentes da língua: pintura, escultura, música, o conceito associado no intelecto quando ouvimos essa
dança, cinema, etc. combinação de sons. O referente é o famoso poeta português
Luís Vaz de Camões, que, como se sabe, morreu faz tempo.
Hoje em dia, graças, sobretudo à facilidade de reprodução de Observação: A rigor, não é exato usar um retrato de Camões
sons, cores, movimentos e imagens, é muito comum a exploração para ilustrar o significado da palavra Camões, pois este, na
conjunta de várias formas de linguagem: a linguagem do cinema verdade, é de instância intelectual. Excluindo esse inconveniente,
e da televisão é uma demonstração eloquente da exploração a pintura, serve para sugerir o conceito que a combinação de
conjunta de sons musicais e da voz humana, de cores, de imagens sons (k – a – m – õ – e – s) cria no nosso intelecto.
em movimento. A conclusão mais importante de tudo isso é que usamos
Qualquer que seja a forma de manifestação, toda linguagem os signos no lugar das coisas e, pela linguagem, construímos
tem um ponto em comum: nenhuma opera com a realidade tal um universo paralelo ao universo real. Se levarmos em conta
que ela é, mas com representações da realidade. Dizendo de que as relações entre os homens são determinadas mais pelas
outra maneira, toda linguagem é constituída de signos. E o que representações que fazemos das coisas do que pelas coisas em

Conhecimentos Específicos 15
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
si, vamos compreender que interpretar e produzir significados é Na festa de aniversário da minha prima, eu era um peixe fora
a competência de maior importância para quem deseja dominar d’água.
os segredos da linguagem.
Relacionando o aprendizado do português com esses dados “Peixe”, nesse contexto, não fará sentido se não trocarmos o
preliminares, podemos encadear os seguintes raciocínios: traço semântico “não humano” por “humano”.
- A principal função de qualquer forma de linguagem é Em síntese, concluímos que, por ser constituído de feixes de
a construção de significados para atingir certos resultados traços semânticos, o sentido da palavra não é estável, podendo
planejados pelo construtor. sofrer variações de época para época, de lugar para lugar, de
- O português é uma forma de linguagem. contexto para contexto.
- Portanto a competência mais importante para os falantes Há contextos em que uma palavra não pode ser interpretada
da língua portuguesa é saber construir significados e decifrar os com todos os traços semânticos que comumente a definem.
significados produzidos por meio dela. Por isso é que os bons dicionários costumam dar os diferentes
sentidos possíveis de uma palavra, acompanhados do contexto
Esse é um dado de extrema importância tanto para quem em que ela adquire cada um dos seus vários sentidos.
ensina quanto para quem aprende não só o português como Tomemos como exemplo uma palavra como “cadeia” e
qualquer outra língua, com o propósito de usá-la para o mundo alguns de seus múltiplos sentidos no português:
do trabalho, para o exercício da cidadania e para aquisição de
novos conhecimentos. - Prisão: Sonegar imposto dá cadeia.
Para quem aprende uma língua com esse tipo de interesse, o - Rede, conjunto de emissoras: O presidente falará em cadeia
que mais importa é adquirir a capacidade de compreender, com nacional.
a máxima proficiência, os significados direcionados para atingir - Sequência: As ruínas são cercadas por uma cadeia de
os resultados programados. montanhas.
Resumindo tudo, para quem estuda uma língua do ponto
de vista de quem vai conviver e trabalhar com ela, o que mais Levando esses dados em consideração, torna-se mais
importa é a capacidade de produzir e compreender significados. fácil compreender as particularidades sobre o significado das
Todos os demais tipos de aprendizado linguístico estão palavras.
subordinados a essas duas competências mais amplas e mais
altas. Delimitações e Sujeito do Texto
A Semântica é um ramo da Linguística que se ocupa do
significado das formas linguísticas em geral. Por formas O texto é delimitado por dois brancos. Se ele é um todo
linguísticas vamos entender tanto as mínimas unidades de organizado de sentido, ele pode ser verbal, visual (um quadro),
significado constituintes das palavras (os prefixos e sufixos, por verbal e visual (um filme), sonoro (uma música), etc. Mas em
exemplo) quanto enunciados maiores, como orações e períodos. todos esses casos ele será delimitado por dois espaços de não-
Analisar, pois, uma palavra ou uma frase sob o ponto de vista sentido, dois brancos, um antes de começar o texto e outro
semântico equivale a tentar decifrar o que elas significam ou o depois. É o branco do papel; é o tempo de espera para que um
que querem dizer. filme comece e o que está depois da palavra FIM; é o silêncio que
Dado que a finalidade última de qualquer linguagem é a precede os primeiros acordes de uma melodia e que sucede às
produção de significado, não é preciso destacar a importância notas finais, etc.
fundamental da Semântica dentro dos estudos linguísticos. Nem O texto é produzido por um sujeito num dado tempo e num
é preciso também falar da importância desse tópico nas provas determinado espaço. Esse sujeito, por pertencer a um grupo
de concursos na matéria de língua portuguesa em geral. social que vive num dado tempo e num certo espaço, expõe em
Para facilitar a compreensão de certas particularidades seus textos as ideias, os anseios, os temores, as expectativas
relativas ao significado das palavras e das formas linguísticas em desse grupo. Todo texto, assim, relaciona-se com o contexto
geral, uma noção primária se impõe como necessária: a de que histórico e geográfico em que foi produzido, refletindo a
o significado de um signo não é constituído por uma peça única, realidade apreendida por seu autor, que sobre ela se pronuncia.
mas por um punhado de significados menores que se combinam
entre si para criar a noção com que representamos as coisas ou O poema de Murilo Mendes que comentamos anteriormente
os eventos do mundo. mostra o anseio de uma geração, no Brasil, em certa época, de
Dizemos de outra maneira, o significado das palavras não conhecer bem o país e revelar suas mazelas para transformá-lo.
é simples, mas complexo, constituído de um feixe de unidades
menores a que os estudiosos chamam de traços semânticos ou Não há texto que não reflita o seu tempo e o seu lugar.
traços de significado. Cabe lembrar, no entanto, que uma sociedade não produz uma
São os traços semânticos que usamos para definir o única forma de ver a realidade, um modo único de analisar os
significado das palavras. Tomemos um exemplo que já ficou problemas estabelecidos num dado contexto. Como a sociedade
clássico nos estudos de Semântica, usado pelo linguista francês é dividida em grupos sociais, que têm interesses muitas vezes
contemporâneo Bernard Pottier. Segundo ele, a palavra antagônicos, ela produz ideias divergentes entre si. A mesma
“cadeira” é um móvel doméstico que contém os seguintes traços sociedade que gera a ideia de que é preciso pôr abaixo a floresta
semânticos: amazônica para explorar suas riquezas, produz a ideia de que
- com encosto. preservá-la é mais rentável. É bem verdade, no entanto, que
- sobre pernas. algumas ideias, em certas épocas, exercem domínio sobre outras.
- para uma só pessoa.
- para sentar-se. É necessário entender as concepções correntes na época e
na sociedade em que o texto foi produzido, para não correr o
Se aos quatro traços da palavra “cadeira” acrescentarmos risco de entendê-lo de maneira distorcida. Como não há ideias
mais um, “com braços”, teremos a palavra “poltrona”. Uma puras, todas as ideias estão materializadas em textos, analisar a
mesma palavra pode, num dado contexto, trocar um traço relação de um texto com sua época é estudar a sua relação com
semântico por outro e ganhar novo sentido. É o que acontece, outros textos.
por exemplo, em:
É preciso que fiquem bem claras estas conclusões:
Peixe não vive fora d’água. - No texto, o sentido não é solitário, mas solidário.
- O texto está delimitado por dois espaços de não-sentido.
A palavra “peixe” é marcada, nesse contexto, pelo traço - O texto revela ideais, concepções, anseios, expectativas
semântico “não humano”. Esse traço pode ser trocado, por e temores de um grupo social numa determinada época, em
exemplo, por um traço “humano”, noutro contexto como este: determinado lugar.

Conhecimentos Específicos 16
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Língua Falada e Língua Escrita Diferenças existentes entre a língua falada e a escrita

Não devemos confundir língua com escrita, pois são dois Língua Falada:
meios de comunicação distintos. A escrita representa um estágio
posterior de uma língua. A língua falada é mais espontânea, Palavra sonora;
abrange a comunicação linguística em toda sua totalidade.
Além disso, é acompanhada pelo tom de voz, algumas vezes Requer a presença dos interlocutores;
por mímicas, incluindo-se fisionomias. A língua escrita não é
apenas a representação da língua falada, mas sim um sistema Ganha em vivacidade;
mais disciplinado e rígido, uma vez que não conta com o jogo
fisionômico, as mímicas e o tom de voz do falante. É espontânea e imediata;

No Brasil, por exemplo, todos falam a língua portuguesa, Uso de palavras-curinga, de frases feitas;
mas existem usos diferentes da língua devido a diversos fatores.
Dentre eles, destacam-se: É repetitiva e redundante;

Fatores regionais: é possível notar a diferença do português O contexto extralinguístico é importante;


falado por um habitante da região nordeste e outro da região
sudeste do Brasil. Dentro de uma mesma região, também há A expressividade permite prescindir de certas regras;
variações no uso da língua. No estado do Rio Grande do Sul, por
exemplo, há diferenças entre a língua utilizada por um cidadão A informação é permeada de subjetividade e influenciada
que vive na capital e aquela utilizada por um cidadão do interior pela presença do interlocutor.
do estado.
Recursos: signos acústicos e extralinguísticos, gestos,
Fatores culturais: o grau de escolarização e a formação entorno físico e psíquico
cultural de um indivíduo também são fatores que colaboram
para os diferentes usos da língua. Uma pessoa escolarizada Língua Escrita:
utiliza a língua de uma maneira diferente da pessoa que não teve
acesso à escola. Palavra gráfica

Fatores contextuais: nosso modo de falar varia de acordo É mais objetiva.


com a situação em que nos encontramos: quando conversamos
com nossos amigos, não usamos os termos que usaríamos se É possível esquecer o interlocutor
estivéssemos discursando em uma solenidade de formatura.
É mais sintética.
Fatores profissionais: o exercício de algumas atividades
requer o domínio de certas formas de língua chamadas A redundância é um recurso estilístico
línguas técnicas. Abundantes em termos específicos, essas
formas têm uso praticamente restrito ao intercâmbio técnico Comunicação unilateral.
de engenheiros, químicos, profissionais da área de direito e da
informática, biólogos, médicos, linguistas e outros especialistas. Ganha em permanência

Fatores naturais: o uso da língua pelos falantes sofre Mais correção na elaboração das frases.
influência de fatores naturais, como idade e sexo. Uma criança
não utiliza a língua da mesma maneira que um adulto, daí falar- Evita a improvisação
se em linguagem infantil e linguagem adulta.
Pobreza de recursos não-linguísticos; uso de letras, sinais de
Fala pontuação

É a utilização oral da língua pelo indivíduo. É um ato É mais precisa e elaborada.


individual, pois cada indivíduo, para a manifestação da fala, pode
escolher os elementos da língua que lhe convém, conforme seu Ausência de cacoetes linguísticos e vulgarismos
gosto e sua necessidade, de acordo com a situação, o contexto,
sua personalidade, o ambiente sociocultural em que vive, O contexto extralinguístico tem menos influência
etc. Desse modo, dentro da unidade da língua, há uma grande
diversificação nos mais variados níveis da fala. Cada indivíduo, Registros da língua falada
além de conhecer o que fala, conhece também o que os outros
falam; é por isso que somos capazes de dialogar com pessoas Há pelo menos dois níveis de língua falada: a culta ou padrão
dos mais variados graus de cultura, embora nem sempre a e a coloquial ou popular. A linguagem coloquial também aparece
linguagem delas seja exatamente como a nossa. nas gírias, na linguagem familiar, na linguagem vulgar e nos
regionalismos e dialetos.
Níveis da fala Essas variações são explicadas por vários fatores:
Devido ao caráter individual da fala, é possível observar Diversidade de situações em que se encontra o falante: uma
alguns níveis: solenidade ou uma festa entre amigos.
Grau de instrução do falante e também do ouvinte.
Nível coloquial-popular: é a fala que a maioria das pessoas Grupo a que pertence o falante. Este é um fator determinante
utiliza no seu dia a dia, principalmente em situações informais. na formação da gíria.
Esse nível da fala é mais espontâneo, ao utiizá-lo, não nos Localização geográfica: há muitas diferenças entre o falar de
preocupamos em saber se falamos de acordo ou não com as um nordestino e o de um gaúcho, por exemplo. Essas diferenças
regras formais estabelecidas pela língua. constituem os regionalismos e os dialetos.
Atenção: o dialeto é a variedade regional de uma língua.
Nível formal-culto: é o nível da fala normalmente utilizado Quando as diferenças regionais não são suficientes para
pelas pessoas em situações formais. Caracteriza-se por um constituir um dialeto, utiliza-se os termos regionalismos ou
cuidado maior com o vocabulário e pela obediência às regras falares para designá-las. E as pichações têm características da
gramaticais estabelecidas pela língua. linguagem falada.

Conhecimentos Específicos 17
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
A língua falada como recurso literário em que se percebe com mais nitidez a diferença entre uma
variante e outra. Entre esses casos, podemos citar:
A transcrição da língua falada é um recurso cada vez mais - a queda do “r” final dos verbos, muito comum na linguagem
explorado pela literatura graças à vivacidade que confere ao oral no português: falá, vendê, curti (em vez de curtir), compô.
texto. - o acréscimo de vogal no início de certas palavras: eu me
Observe, no trecho seguinte, algumas das características da alembro, o pássaro avoa, formas comuns na linguagem clássica,
língua falada, tais como o uso de gírias e de expressões populares hoje frequentes na fala caipira.
e regionais; incorreções gramaticais (erros na conjugação verbal - a queda de sons no início de palavras: ocê, cê, ta, tava,
e colocação de pronomes) e repetições: marelo (amarelo), margoso (amargoso), características na
linguagem oral coloquial.
Exemplo: - a redução de proparoxítonas a paroxítonas: Petrópis
“– Menino, eu nada disto sei dizer. A outro eu não falava, mas (Petrópolis), fórfi (fósforo), porva (pólvora), todas elas formas
a ti eu digo. Eu não sei que gosto tem esse bicho de mulher. Eu típicas de pessoas de baixa condição social.
vi Aparício se pegando nas danças, andar por aí atrás das outras, - A pronúncia do “l” final de sílaba como “u” (na maioria das
contar histórias de namoro. E eu nada. Pensei que fosse doença, regiões do Brasil) ou como “l” (em certas regiões do Rio Grande
e quem sabe não é? Cantador assim como eu, Bentinho, é mesmo do Sul e Santa Catarina) ou ainda como “r” (na linguagem
que novilho capado. Tenho desgosto. A voz de Domício era de caipira): quintau, quintar, quintal; pastéu, paster, pastel; faróu,
quem falava para se confessar: farór, farol.
– Desgosto eu tenho, pra que negar?... “ - deslocamento do “r” no interiordasílaba: largato, preguntar,
(Pedra Bonita, de José Lins do Rego) estrupo, cardeneta, típicos de pessoas de baixa condição social.

Registros da língua escrita Variações Morfológicas

Além dos dois grandes níveis – língua culta e língua São as que ocorrem nas formas constituintes da palavra.
coloquial –, os registros escritos são tão distintos quanto as Nesse domínio, as diferenças entre as variantes não são
necessidades humanas de comunicação. Destacam-se, entre tão numerosas quanto as de natureza fônica, mas não são
outros, os registros jornalísticos, jurídicos, científicos, literários desprezíveis. Como exemplos, podemos citar:
e epistolares. - o uso do prefixo hiper- em vez do sufixo -íssimo para criar
o superlativo de adjetivos, recurso muito característico da
Fontes: http://www.soportugues.com.br/secoes/seman/seman4. linguagem jovem urbana: um cara hiper-humano (em vez de
php humaníssimo), uma prova hiperdifícil (em vez de dificílima), um
http://www.vestibular1.com.br/redacao/red020.htm carro hiperpossante (em vez de possantíssimo).
- a conjugação de verbos irregulares pelo modelo dos
Variações linguísticas; norma padrão. regulares: ele interviu (interveio), se ele manter (mantiver), se
ele ver (vir) o recado, quando ele repor (repuser).
Variação Linguística - a conjugação de verbos regulares pelo modelo de
irregulares: vareia (varia), negoceia (negocia).
“Há uma grande diferença se fala um deus ou um herói; se - uso de substantivos masculinos como femininos ou vice-
um velho amadurecido ou um jovem impetuoso na flor da idade; versa: duzentas gramas de presunto (duzentos), a champanha
se uma matrona autoritária ou uma dedicada; se um mercador (o champanha), tive muita dó dela (muito dó), mistura do cal
errante ou um lavrador de pequeno campo fértil (...)” (da cal).
- a omissão do “s” como marca de plural de substantivos e
Todas as pessoas que falam uma determinada língua adjetivos (típicos do falar paulistano): os amigo e as amiga, os
conhecem as estruturas gerais, básicas, de funcionamento livro indicado, as noite fria, os caso mais comum.
podem sofrer variações devido à influência de inúmeros fatores. - o enfraquecimento do uso do modo subjuntivo: Espero
Tais variações, que às vezes são pouco perceptíveis e outras vezes que o Brasil reflete (reflita) sobre o que aconteceu nas últimas
bastante evidentes, recebem o nome genérico de variedades ou eleições; Se eu estava (estivesse) lá, não deixava acontecer; Não
variações linguísticas. é possível que ele esforçou (tenha se esforçado) mais que eu.
Nenhuma língua é usada de maneira uniforme por todos os
seus falantes em todos os lugares e em qualquer situação. Sabe- Variações Sintáticas
se que, numa mesma língua, há formas distintas para traduzir o
mesmo significado dentro de um mesmo contexto. Suponham- Dizem respeito às correlações entre as palavras da frase. No
se, por exemplo, os dois enunciados a seguir: domínio da sintaxe, como no da morfologia, não são tantas as
Veio me visitar um amigo que eu morei na casa dele faz diferenças entre uma variante e outra. Como exemplo, podemos
tempo. citar:
Veio visitar-me um amigo em cuja casa eu morei há anos. - o uso de pronomes do caso reto com outra função que não
Qualquer falante do português reconhecerá que os dois a de sujeito: encontrei ele (em vez de encontrei-o) na rua; não
enunciados pertencem ao seu idioma e têm o mesmo sentido, irão sem você e eu (em vez de mim); nada houve entre tu (em
mas também que há diferenças. Pode dizer, por exemplo, que o vez de ti) e ele.
segundo é de uma pessoa mais “estudada”. - o uso do pronome lhe como objeto direto: não lhe (em vez
Isso é prova de que, ainda que intuitivamente e sem saber de “o”) convidei; eu lhe (em vez de “o”) vi ontem.
dar grandes explicações, as pessoas têm noção de que existem - a ausência da preposição adequada antes do pronome
muitas maneiras de falar a mesma língua. É o que os teóricos relativo em função de complemento verbal: são pessoas que (em
chamam de variações linguísticas. vez de: de que) eu gosto muito; este é o melhor filme que (em vez
As variações que distinguem uma variante de outra se de a que) eu assisti; você é a pessoa que (em vez de em que) eu
manifestam em quatro planos distintos, a saber: fônico, mais confio.
morfológico, sintático e lexical. - a substituição do pronome relativo “cujo” pelo pronome
“que” no início da frase mais a combinação da preposição “de”
Variações Fônicas com o pronome “ele” (=dele): É um amigo que eu já conhecia a
São as que ocorrem no modo de pronunciar os sons família dele (em vez de cuja família eu já conhecia).
constituintes da palavra. Os exemplos de variação fônica são - a mistura de tratamento entre tu e você, sobretudo quando
abundantes e, ao lado do vocabulário, constituem os domínios se trata de verbos no imperativo: Entra, que eu quero falar com
você (em vez de contigo); Fala baixo que a sua (em vez de tua)
voz me irrita.

Conhecimentos Específicos 18
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- ausência de concordância do verbo com o sujeito: Eles é notícia dada em primeira mão. Quando o furo se revela falso,
chegou tarde (em grupos de baixa extração social); Faltou foi uma barriga. Entre os jornalistas é comum o uso do verbo
naquela semana muitos alunos; Comentou-se os episódios. repercutir como transitivo direto: Vá lá repercutir a notícia
de renúncia! (esse uso é considerado errado pela gramática
Variações Léxicas normativa).

É o conjunto de palavras de uma língua. As variantes - Gíria: é o vocabulário especial de um grupo que não
do plano do léxico, como as do plano fônico, são muito deseja ser entendido por outros grupos ou que pretende marcar
numerosas e caracterizam com nitidez uma variante em sua identidade por meio da linguagem. Existe a gíria de grupos
confronto com outra. Eis alguns, entre múltiplos exemplos marginalizados, de grupos jovens e de segmentos sociais de
possíveis de citar: contestação, sobretudo quando falam de atividades proibidas. A
- a escolha do adjetivo maior em vez do advérbio muito lista de gírias é numerosíssima em qualquer língua: ralado (no
para formar o grau superlativo dos adjetivos, características da sentido de afetado por algum prejuízo ou má-sorte), ir pro brejo
linguagem jovem de alguns centros urbanos: maior legal; maior (ser malsucedido, fracassar, prejudicar-se irremediavelmente),
difícil; Esse amigo é um carinha maior esforçado. cara ou cabra (indivíduo, pessoa), bicha (homossexual
- as diferenças lexicais entre Brasil e Portugal são tantas e, às masculino), levar um lero (conversar).
vezes, tão surpreendentes, que têm sido objeto de piada de lado
a lado do Oceano. Em Portugal chamam de cueca aquilo que no - Preciosismo: diz-se que é preciosista um léxico
Brasil chamamos de calcinha; o que chamamos de fila no Brasil, excessivamente erudito, muito raro, afetado: Escoimar (em vez
em Portugal chamam de bicha; café da manhã em Portugal se de corrigir); procrastinar (em vez de adiar); discrepar (em vez
diz pequeno almoço; camisola em Portugal traduz o mesmo que de discordar); cinesíforo (em vez de motorista); obnubilar (em
chamamos de suéter, malha, camiseta. vez de obscurecer ou embaçar); conúbio (em vez de casamento);
chufa (em vez de caçoada, troça).
Designações das Variantes Lexicais:
- Vulgarismo: é o contrário do preciosismo, ou seja, o uso de
- Arcaísmo: diz-se de palavras que já caíram de uso e, por um léxico vulgar, rasteiro, obsceno, grosseiro. É o caso de quem
isso, denunciam uma linguagem já ultrapassada e envelhecida. diz, por exemplo, de saco cheio (em vez de aborrecido), se ferrou
É o caso de reclame, em vez de anúncio publicitário; na década (em vez de se deu mal, arruinou-se), feder (em vez de cheirar
de 60, o rapaz chamava a namorada de broto (hoje se diz gatinha mal), ranho (em vez de muco, secreção do nariz).
ou forma semelhante), e um homem bonito era um pão; na
linguagem antiga, médico era designado pelo nome físico; um Tipos de Variação
bobalhão era chamado de coió ou bocó; em vez de refrigerante
usava-se gasosa; algo muito bom, de qualidade excelente, era Não tem sido fácil para os estudiosos encontrar para as
supimpa. variantes linguísticas um sistema de classificação que seja
simples e, ao mesmo tempo, capaz de dar conta de todas as
- Neologismo: é o contrário do arcaísmo. Trata-se de palavras diferenças que caracterizam os múltiplos modos de falar dentro
recém-criadas, muitas das quais mal ou nem entraram para os de uma comunidade linguística. O principal problema é que
dicionários. A moderna linguagem da computação tem vários os critérios adotados, muitas vezes, se superpõem, em vez de
exemplos, como escanear, deletar, printar; outros exemplos atuarem isoladamente.
extraídos da tecnologia moderna são mixar (fazer a combinação As variações mais importantes, para o interesse do concurso
de sons), robotizar, robotização. público, são os seguintes:

- Estrangeirismo: trata-se do emprego de palavras - Sócio-Cultural: Esse tipo de variação pode ser percebido
emprestadas de outra língua, que ainda não foram com certa facilidade. Por exemplo, alguém diz a seguinte frase:
aportuguesadas, preservando a forma de origem. Nesse caso,
há muitas expressões latinas, sobretudo da linguagem jurídica, “Tá na cara que eles não teve peito de encará os ladrão.” (frase
tais como: habeas-corpus (literalmente, “tenhas o corpo” ou, 1)
mais livremente, “estejas em liberdade”), ipso facto (“pelo
próprio fato de”, “por isso mesmo”), ipsis litteris (textualmente, Que tipo de pessoa comumente fala dessa maneira? Vamos
“com as mesmas letras”), grosso modo (“de modo grosseiro”, caracterizá-la, por exemplo, pela sua profissão: um advogado?
“impreciso”), sic (“assim, como está escrito”), data venia (“com Um trabalhador braçal de construção civil? Um médico? Um
sua permissão”). garimpeiro? Um repórter de televisão?
As palavras de origem inglesas são inúmeras: insight E quem usaria a frase abaixo?
(compreensão repentina de algo, uma percepção súbita), feeling
(“sensibilidade”, capacidade de percepção), briefing (conjunto “Obviamente faltou-lhe coragem para enfrentar os ladrões.”
de informações básicas), jingle (mensagem publicitária em (frase 2)
forma de música). Sem dúvida, associamos à frase 1 os falantes pertencentes
Do francês, hoje são poucos os estrangeirismos que ainda não a grupos sociais economicamente mais pobres. Pessoas que,
se aportuguesaram, mas há ocorrências: hors-concours (“fora muitas vezes, não frequentaram nem a escola primária, ou,
de concurso”, sem concorrer a prêmios), tête-à-tête (palestra quando muito, fizeram-no em condições não adequadas.
particular entre duas pessoas), esprit de corps (“espírito de Por outro lado, a frase 2 é mais comum aos falantes que
corpo”, corporativismo), menu (cardápio), à la carte (cardápio tiveram possibilidades sócio-econômicas melhores e puderam,
“à escolha do freguês”), physique du rôle (aparência adequada à por isso, ter um contato mais duradouro com a escola, com a
caracterização de um personagem). leitura, com pessoas de um nível cultural mais elevado e, dessa
forma, “aperfeiçoaram” o seu modo de utilização da língua.
- Jargão: é o vocabulário típico de um campo profissional Convém ficar claro, no entanto, que a diferenciação feita
como a medicina, a engenharia, a publicidade, o jornalismo. acima está bastante simplificada, uma vez que há diversos
No jargão médico temos uso tópico (para remédios que não outros fatores que interferem na maneira como o falante escolhe
devem ser ingeridos), apneia (interrupção da respiração), AVC as palavras e constrói as frases. Por exemplo, a situação de uso
ou acidente vascular cerebral (derrame cerebral). No jargão da língua: um advogado, num tribunal de júri, jamais usaria a
jornalístico chama-se de gralha, pastel ou caco o erro tipográfico expressão “tá na cara”, mas isso não significa que ele não possa
como a troca ou inversão de uma letra. A palavra lide é o nome usá-la numa situação informal (conversando com alguns amigos,
que se dá à abertura de uma notícia ou reportagem, onde se por exemplo).
apresenta sucintamente o assunto ou se destaca o fato essencial. Da comparação entre as frases 1 e 2, podemos concluir que
Quando o lide é muito prolixo, é chamado de nariz-de-cera. Furo as condições sociais influem no modo de falar dos indivíduos,

Conhecimentos Específicos 19
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
gerando, assim, certas variações na maneira de usar uma mesma Você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma
língua. A elas damos o nome de variações sócio-culturais. palavra ou locução atual, pelo seu ouvido, sem registrá-la.
Amanhã, pode precisar dela. E cuidado ao conversar com seu avô;
- Geográfica: é, no Brasil, bastante grande e pode ser talvez ele não entenda o que você diz.
facilmente notada. Ela se caracteriza pelo acento linguístico, que O malote, o cassete, o spray, o fuscão, o copião, a Vemaguet, a
é o conjunto das qualidades fisiológicas do som (altura, timbre, chacrete, o linóleo, o nylon, o nycron, o ditafone, a informática, a
intensidade), por isso é uma variante cujas marcas se notam dublagem, o sinteco, o telex... Existiam em 1940?
principalmente na pronúncia. Ao conjunto das características Ponha aí o computador, os anticoncepcionais, os mísseis, a
da pronúncia de uma determinada região dá-se o nome de motoneta, a Velo-Solex, o biquíni, o módulo lunar, o antibiótico, o
sotaque: sotaque mineiro, sotaque nordestino, sotaque gaúcho enfarte, a acupuntura, a biônica, o acrílico, o ta legal, a apartheid,
etc. A variação geográfica, além de ocorrer na pronúncia, pode o som pop, as estruturas e a infraestrutura.
também ser percebida no vocabulário, em certas estruturas de Não esqueça também (seria imperdoável) o Terceiro Mundo,
frases e nos sentidos diferentes que algumas palavras podem a descapitalização, o desenvolvimento, o unissex, o bandeirinha, o
assumir em diferentes regiões do país. mass media, o Ibope, a renda per capita, a mixagem.
Leia, como exemplo de variação geográfica, o trecho abaixo, Só? Não. Tem seu lugar ao sol a metalinguagem, o
em que Guimarães Rosa, no conto “São Marcos”, recria a fala de servomecanismo, as algias, a coca-cola, o superego, a Futurologia,
um típico sertanejo do centro-norte de Minas: a homeostasia, a Adecif, a Transamazônica, a Sudene, o Incra, a
Unesco, o Isop, a Oea, e a ONU.
“ Mas você tem medo dele... [de um feiticeiro chamado Estão reclamando, porque não citei a conotação, o
Mangolô!]. conglomerado, a diagramação, o ideologema, o idioleto, o ICM,
Há-de-o!... Agora, abusar e arrastar mala, não faço. Não a IBM, o falou, as operações triangulares, o zoom, e a guitarra
faço, porque não paga a pena... De primeiro, quando eu era moço, elétrica.
isso sim!... Já fui gente. Para ganhar aposta, já fui, de noite, foras Olhe aí na fila – quem? Embreagem, defasagem, barra tensora,
d’hora, em cemitério... (...). Quando a gente é novo, gosta de fazer vela de ignição, engarrafamento, Detran, poliéster, filhotes de
bonito, gosta de se comparecer. Hoje, não, estou percurando é bonificação, letra imobiliária, conservacionismo, carnet da girafa,
sossego...” poluição.
Fundos de investimento, e daí? Também os de incentivos
- Histórica: as línguas não são estáticas, fixas, imutáveis. fiscais. Knon-how. Barbeador elétrico de noventa microrranhuras.
Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso. Muda a Fenolite, Baquelite, LP e compacto. Alimentos super congelados.
forma de falar, mudam as palavras, a grafia e o sentido delas. Viagens pelo crediário, Circuito fechado de TV Rodoviária. Argh!
Essas alterações recebem o nome de variações históricas. Pow! Click!
Os dois textos a seguir são de Carlos Drummond de Andrade. Não havia nada disso no Jornal do tempo de Venceslau Brás, ou
Neles, o escritor, meio em tom de brincadeira, mostra como a mesmo, de Washington Luís. Algumas coisas começam a aparecer
língua vai mudando com o tempo. No texto I, ele fala das palavras sob Getúlio Vargas. Hoje estão ali na esquina, para consumo geral.
de antigamente e, no texto II, fala das palavras de hoje. A enumeração caótica não é uma invenção crítica de Leo Spitzer.
Está aí, na vida de todos os dias. Entre palavras circulamos,
Texto I vivemos, morremos, e palavras somos, finalmente, mas com que
significado?
Antigamente (Carlos Drummond de Andrade, Poesia e prosa,
Rio de Janeiro, Nova Aguiar, 1988)
Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram
todas mimosas e prendadas. Não fazia anos; completavam - De Situação: aquelas que são provocadas pelas alterações
primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo das circunstâncias em que se desenrola o ato de comunicação.
rapagões, faziam-lhespé-de-alferes, arrastandoaasa, mas ficavam Um modo de falar compatível com determinada situação é
longos meses debaixo do balaio. E se levantam tábua, o remédio incompatível com outra:
era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. (...) Os
mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a Ô mano, ta difícil de te entendê.
fresca; e também tomava cautela de não apanhar sereno. Os mais
jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, Esse modo de dizer, que é adequado a um diálogo em situação
chupando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; informal, não tem cabimento se o interlocutor é o professor em
os quais, de pouco siso, se metiam em camisas de onze varas, e até situação de aula.
em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’agua. Assim, um único indivíduo não fala de maneira uniforme
(...) Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos em todas as circunstâncias, excetuados alguns falantes da
queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão linguagem culta, que servem invariavelmente de uma linguagem
em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. formal, sendo, por isso mesmo, considerados excessivamente
A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe formais ou afetados.
faziam quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. São muitos os fatores de situação que interferem na fala de
Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; um indivíduo, tais como o tema sobre o qual ele discorre (em
chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: princípio ninguém fala da morte ou de suas crenças religiosas
verdadeiros cromos, umas teteias. como falaria de um jogo de futebol ou de uma briga que tenha
(...) Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os presenciado), o ambiente físico em que se dá um diálogo (num
meninos, lombrigas; asthma os gatos, os homens portavam templo não se usa a mesma linguagem que numa sauna), o grau
ceroulas, bortinas a capa de goma (...). Não havia fotógrafos, mas de intimidade entre os falantes (com um superior, a linguagem
retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam. é uma, com um colega de mesmo nível, é outra), o grau de
Mas tudo isso era antigamente, isto é, doutora. comprometimento que a fala implica para o falante (num
depoimento para um juiz no fórum escolhem-se as palavras,
Texto II num relato de uma conquista amorosa para um colega fala-se
com menos preocupação).
Entre Palavras As variações de acordo com a situação costumam ser
chamadas de níveis de fala ou, simplesmente, variações de estilo
Entre coisas e palavras – principalmente entre palavras – e são classificadas em duas grandes divisões:
circulamos. A maioria delas não figura nos dicionários de há trinta - Estilo Formal: aquele em que é alto o grau de reflexão sobre
anos, ou figura com outras acepções. A todo momento impõe-se o que se diz, bem como o estado de atenção e vigilância. É na
tornar conhecimento de novas palavras e combinações. linguagem escrita, em geral, que o grau de formalidade é mais
tenso.

Conhecimentos Específicos 20
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- Estilo Informal (ou coloquial): aquele em que se fala com gramática normativa, divulgada na escola e em outras instâncias
despreocupação e espontaneidade, em que o grau de reflexão (de repressão linguística) como o vestibular.
sobre o que se diz é mínimo. É na linguagem oral íntima e Isso é o que pensam os linguistas. E o povo – saberá ele fazer
familiar que esse estilo melhor se manifesta. a distinção entre as duas modalidades e os dois termos que as
Como exemplo de estilo coloquial vem a seguir um pequeno descrevem?
trecho da gravação de uma conversa telefônica entre duas Para os linguistas, a língua-padrão se estriba nas normas
universitárias paulistanas de classe média, transcrito do livro e convenções agregadas num corpo chamado de gramática
Tempos Linguísticos, de Fernando Tarallo. As reticências tradicional e que tem a veleidade de servir de modelo de
indicam as pausas. correção para toda e qualquer forma de expressão linguística.
Querer que todos falem e escrevam da mesma forma e de
Eu não sei tem dia... depende do meu estado de espírito, tem acordo com padrões gramaticais rígidos é esquecer-se que não
dia que minha voz... mais ta assim, sabe? taquara rachada? Fica pode haver homogeneidade quando o mundo real apresenta
assim aquela voz baixa. Outro dia eu fui lê um artigo, lê?! Um uma heterogeneidade de comportamentos linguísticos, todos
menino lá que faiz pós-graduação na, na GV, ele me, nóis ficamo igualmente corretos (não se pode associar “correto” somente a
até duas hora da manhã ele me explicando toda a matéria de culto).
economia, das nove da noite. Em suma: há uma realidade heterogênea que, por abrigar
diferenças de uso que refletem a dinâmica social, exclui a
Como se pode notar, não há preocupação com a pronúncia possibilidade de imposição ou adoção como única de uma
nem com a continuidade das ideias, nem com a escolha das língua-modelo baseada na gramática tradicional, a qual, por sua
palavras. Para exemplificar o estilo formal, eis um trecho vez, está ancorada nos grandes escritores da língua, sobretudo
da gravação de uma aula de português de uma professora os clássicos , sendo pois conservadora. E justamente por se valer
universitária do Rio de Janeiro, transcrito do livro de Dinah de escritores é que as prescrições gramaticais se impõem mais
Callou. A linguagem falada culta na cidade do Rio de Janeiro. As na escrita do que na fala.
pausas são marcadas com reticências. “ A cultura escrita, associada ao poder social , desencadeou
também, ao longo dahistória, um processo fortemente unificador
o que está ocorrendo com nossos alunos é uma fragmentação (que vai alcançar basicamente as atividades verbais escritas),
do ensino... ou seja... ele perde a noção do todo... e fica com uma que visou e visa uma relativa estabilização linguística, buscando
série... de aspectos teóricos... isolados... que ele não sabe vincular neutralizar a variação e controlar a mudança. Ao resultado desse
a realidade nenhuma de seu idioma... isto é válido também para processo, a esta norma estabilizada, costumamos dar o nome de
a faculdade de letras... ou seja... né? há uma série... de conceitos norma-padrão ou língua-padrão” (Faraco, Carlos Alberto).
teóricos... que têm nomes bonitos e sofisticados... mas que... na Aryon Rodrigues entra na discussão: “Frequentemente o
hora de serem empregados... deixam muito a desejar... padrão ideal é uma regra de comportamento para a qual tendem
os membros da sociedade, mas que nem todos cumprem, ou não
Nota-se que, por tratar-se de exposição oral, não há o grau cumprem integralmente”. Mais adiante, ao se referir à escola, ele
de formalidade e planejamento típico do texto escrito, mas trata- professa que nem mesmo os professores de Língua Portuguesa
se de um estilo bem mais formal e vigiado que o da menina ao escapam a esse destino: “Comumente, entretanto, o mesmo
telefone. professor que ensina essa gramática não consegue observá-la
Norma Culta e Língua-Padrão em sua própria fala nem mesmo na comunicação dentro de seu
grupo profissional ”.
De acordo com M. T. Piacentini, mesmo que não se mencione Vamos ilustrar os argumentos acima expostos. Não há
terminologia específica, é evidente que se lida no dia-a-dia com brasileiro – nem mesmo professores de português – que não fale
níveis diferentes de fala e escrita. É também verdade que as assim:
pessoas querem “falar e escrever melhor”, querem dominar a – Me conta como foi o fim de semana…
língua dita culta, a correta, a ideal, não importa o nome que se – Te enganaram, com certeza!
lhe dê. – Me explica uma coisa: você largou o emprego ou foi
O padrão de língua ideal a que as pessoas querem chegar é mandado embora?
aquele convencionalmente utilizado nas instâncias públicas de
uso da linguagem, como livros, revistas, documentos, jornais, Ou mesmo assim:
textos científicos e publicações oficiais; em suma, é a que circula – Tive que levar os gatos, pois encontrei eles bem
nos meios de comunicação, no âmbito oficial, nas esferas de machucados.
pesquisa e trabalhos acadêmicos. – Conheço ela há muito tempo – é ótima menina.
Não obstante, os linguistas entendem haver uma língua – Acho que já lhe conheço, rapaz.
circulante que é correta mas diferente da língua ideal e
imaginária, fixada nas fórmulas e sistematizações da gramática. Então, se os falantes cultos, aquelas pessoas que têm acesso
Eles fazem, pois, uma distinção entre o real e o ideal: a língua às regras padronizadas, incutidas no processo de escolarização,
concreta com todas suas variedades de um lado, e de outro um se exprimem desse modo, essa é a norma culta. Já as formas
padrão ou modelo abstrato do que é “bom” e “correto”, o que propugnadas pela gramática tradicional e que provavelmente só
conformaria, no seu entender, uma língua artificial, situada num se encontrariam na escrita (conta-me como foi /enganaram-te /
nível hipotético. explica-me uma coisa / pois os encontrei / conheço-a há tempos
Para os cientistas da língua, portanto, fica claro que há / acho que já o conheço) configuram a norma-padrão ou língua-
dois estratos diferenciados: um praticamente intangível, padrão.
representado nas normas preconizadas pela gramática Se para os cientistas da língua, portanto, existe uma
tradicional, que comporta as irregularidades e excrescências da polarização entre a norma-padrão (também denominada
língua, e outro concreto, o utilizado pelos falantes cultos, qual “norma canônica” por alguns linguistas) e o conjunto das
seja, a “linguagem concretamente empregada pelos cidadãos variedades existentes no Brasil, aí incluída a norma culta, no
que pertencem aos segmentos mais favorecidos da nossa senso comum não se faz distinção entre padrão e culta. Para os
população”, segundo Marcos Bagno. leigos, a população em geral, toda forma elevada de linguagem,
Convém esclarecer que para a ciência sociolinguística que se aproxime dos padrões de prestígio social, configura a
somente a pessoa que tiver formação universitária completa norma culta.
será caracterizada como falante culto(urbano).
Sendo assim, como são presumivelmente cultos os sujeitos Norma culta, norma padrão e norma popular
que produzem os jornais, a documentação oficial, os trabalhos
científicos, só pode ser culta a sua linguagem, mesmo que a A Norma é um uso linguístico concreto e corresponde ao
língua que tais pessoas falam e os textos que produzem nem dialeto social praticado pela classe de prestígio, representando
sempre se coadunem com as regras rígidas impostas pela a atitude que o falante assume em face da norma objetiva. A

Conhecimentos Específicos 21
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
normatização não existe por razões apenas linguísticas, mas A Norma Padrão subdivide-se em: Formal e Coloquial. A
também culturais, econômicas, sociais, ou seja, a Norma na Padrão Formal é o modelo culto utilizado na escrita, que segue
língua origina-se de fatores que envolvem diferenças de classes, rigidamente as regras gramaticais.
poder, acesso a educação escrita, e não da qualidade da forma Essa linguagem é mais elaborada, tanto porque o falante
da língua. Há um conceito amplo e um conceito estreito de tem mais tempo para se pronunciar de forma refletida como
Norma. No primeiro caso, ela é entendida como um fator de porque é supervalorizada na nossa cultura. É a história do vale o
coesão social. No segundo, corresponde concretamente aos que está escrito. Já a Padrão Coloquial é a versão oral da língua
usos e aspirações da classe social de prestígio. Num sentido culta e, por ser mais livre e espontânea, tem um pouco mais de
amplo, a norma corresponde à necessidade que um grupo liberdade e está menos presa à rigidez das regras gramaticais.
social experimenta de defender seu veículo de comunicação das Entretanto, a margem de afastamento dessas regras é estreita e,
alterações que poderiam advir no momento do seu aprendizado. embora exista, a permissividade com relação às transgressões é
Num sentido restrito, a Norma corresponde aos usos e atitudes pequena.
de determinado seguimento da sociedade, precisamente aquele Assim, na linguagem coloquial, admitem-se sem grandes
que desfruta de prestígio dentro da Nação, em virtude de razões traumas, construções como: ainda não vi ele; me passe o
políticas, econômicas e culturais. Segundo Lucchesi considera- arroz e não te falei que você iria conseguir?. Inadmissíveis na
se que a realidade linguística brasileira deve ser entendida como língua escrita. O falante culto, de modo geral, tem consciência
um contínuo de normas, dentro do quadro de bipolarização do dessa distinção e ao mesmo tempo em que usa naturalmente as
Português do Brasil. construções acima na comunicação oral, evita-as na escrita.
A existência da civilização dá-se com o surgimento da Contudo, como se disse, não são muitos os desvios admitidos
escrita. Suas regras são pautadas a partir da Norma Culta. Sendo e muitas formas peculiares da Norma Popular são condenadas
esta importante nos documentos formais que exigem a correta mesmo na linguagem oral. A Norma Popular é aquela linguagem
expressão do Português para que não haja mal entendido algum. que não é formal, ou seja, não segue padrões rígidos, é a
Ela nada mais é do que a modalidade linguística escolhida pela linguagem popular, falada no cotidiano.
elite de uma sociedade como modelo de comunicação escrita e O nível popular está associado à simplicidade da utilização
verbal. linguística em termos lexicais, fonéticos, sintáticos e semânticos.
A Norma Culta é uma expressão empregada pelos linguistas Esta decorrerá da espontaneidade própria do discurso oral e da
brasileiros para designar o conjunto de variantes linguísticas natural economia linguística. É utilizado em contextos informais.
efetivamente faladas, na vida cotidiana pelos falantes cultos, Dentre as características da Norma Popular podemos
sendo assim classificando os cidadãos nascidos e criados em destacar: economia nas marcas de gênero, número e pessoa;
zonas urbanas e com grau de instrução superior completo. redução das pessoas gramaticais do verbo; mistura da 2ª com
“Fundamentam-se as regras da Gramática Normativa nas obras a 3ª pessoa do singular; uso intenso da expressão a gente em
dos grandes escritores, em cuja linguagem a classe ilustrada põe lugar de eu e nós; redução dos tempos da conjugação verbal e de
o seu ideal de perfeição, porque nela é que se espelha o que o uso certas pessoas, como a perda quase total do futuro do presente
idiomático e consagrou”. (ROCHA LIMA). e do pretérito-mais-que-perfeito no indicativo; do presente do
Dentre as características que são pertinentes à Norma Culta subjuntivo; do infinitivo pessoal; falta de correlação verbal entre
podemos citar que é: a variante de maior prestígio social na os tempos; redução do processo subordinativo em benefício da
comunidade, sendo realizada com certa uniformidade pelos frase simples e da coordenação; maior emprego da voz ativa
membros do grupo social de padrão cultural mais elevado; em lugar da passiva; predomínio das regências verbais diretas;
cumpre o papel de impedir a fragmentação dialetal; ensinada simplificação gramatical da frase; emprego dos pronomes
pela escola; usada na escrita em gêneros discursivos em que há pessoais retos como objetos.
maior formalidade aproximando-a dos padrões da prescrição da Na visão de Preti, os falantes cultos “até em situação de
gramática tradicional; a mais empregada na literatura e também gravação consciente revelaram uma linguagem que, em geral,
pelas pessoas cultas em diferentes situações de formalidade; também pertence a falantes comuns”. Sendo mais espontânea e
indicada precisamente nas marcas de gênero, número e pessoa; criativa, a Norma Popular se afigura mais expressiva e dinâmica.
usada em todas as pessoas verbais, com exceção, talvez, da 2ª Temos, assim, alguns exemplos: estou preocupado (Norma
do plural, sendo utilizada principalmente na linguagem dos Culta); to preocupado (Norma Popular); to grilado (gíria, limite
sermões; empregada em todos os modos verbais em relação da Norma Popular).
verbal de tempos e modos; possuindo uma enorme riqueza Não basta conhecer apenas uma modalidade de língua; urge
de construção sintática, além de uma maior utilização da conhecer a língua popular, captando-lhe a espontaneidade,
voz passiva; grande o emprego de preposições nas regências expressividade e enorme criatividade para viver, necessitando
aproveitando a organização gramatical cuidada da frase. conhecer a língua culta para conviver.
De modo geral, um falante culto, em situação comunicativa
formal, buscará seguir as regras da norma explícita de sua Fonte:https://centraldefavoritos.wordpress.
língua e ainda procurará seguir, no que diz respeito ao léxico, com/2011/07/22/norma-padrao-e-nao-padrao/(Adaptado)
um repertório que, se não for erudito, também não será vulgar.
Isso configura o que se entende por norma culta. A Norma
Padrão está vinculada a uma língua modelo. Segue prescrições
representadas na gramática, mas é marcada pela língua
O texto:tipologia textual; intertextualidade;
produzida em certo momento da história e em uma determinada
sociedade. Como a língua está em constante mudança, diferentes coesão e coerência textuais; o texto e a prática de
formas de linguagem que hoje não são consideradas pela Norma análise linguística.
Padrão, com o tempo podem vir a se legitimar.
Dentro da Norma Padrão define-se um modelo de língua
idealizada prescrito pelas gramáticas normativas, como sendo
Tipos Textuais
uma receita que nenhum usuário da língua emprega na fala e
raramente utiliza na escrita. Sendo também uma referência
Para escrever um texto, necessitamos de técnicas que
para os falantes da Norma Culta, mas não passam de um ideal
implicam no domínio de capacidades linguísticas. Temos dois
a ser alcançado, pois é um padrão extremamente enriquecido
momentos: o de formular pensamentos (o que se quer dizer)
de língua. Assim, as gramáticas tradicionais descrevem a Norma
e o de expressá-los por escrito (o escrever propriamente dito).
Padrão, não refletindo o uso que se faz realmente do Português
Fazer um texto, seja ele de que tipo for, não significa apenas
no Brasil.
escrever de forma correta, mas sim, organizar ideias sobre
Marcos Bagno propõe, como alternativa, uma triangulação:
determinado assunto.
onde a Norma Popular teria menos prestígio opondo-se à Norma
E para expressarmos por escrito, existem alguns modelos de
Culta mais prestigiada, e a Norma Padrão se eleva sobre as duas
expressão escrita: Descrição – Narração – Dissertação.
anteriores servindo como um ideal imaginário e inatingível.

Conhecimentos Específicos 22
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Descrição Exemplos:
(I) “De longe via a aleia onde a tarde era clara e redonda. Mas
a penumbra dos ramos cobria o atalho.
Expõe características dos seres ou das coisas, apresenta uma Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores,
visão; pequenas surpresas entre os cipós. Todo o jardim triturado
É um tipo de texto figurativo; pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o
meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de
Retrato de pessoas, ambientes, objetos;
abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.”
Predomínio de atributos;
(extraído de “Amor”, Laços de Família, Clarice Lispector)
Uso de verbos de ligação;
Frequente emprego de metáforas, comparações e outras (II) Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole,
figuras de linguagem; aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em
reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinquenta
Tem como resultado a imagem física ou psicológica. minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o
cérebro. Reunia a isso grande medo ao pai. Era uma criança fina,
Narração pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola
depois do pai e retiravase antes. O mestre era mais severo com
Expõe um fato, relaciona mudanças de situação, aponta ele do que conosco.
antes, durante e depois dos acontecimentos (geralmente);
(Machado de Assis. “Conto de escola”. Contos. 3ed. São
É um tipo de texto sequencial; Paulo, Ática, 1974, págs. 3132.)
Relato de fatos;
Esse texto traça o perfil de Raimundo, o filho do professor da
Presença de narrador, personagens, enredo, cenário, tempo; escola que o escritor frequentava.
Apresentação de um conflito; Deve-se notar:
- que todas as frases expõem ocorrências simultâneas (ao
Uso de verbos de ação; mesmo tempo que gastava duas horas para reter aquilo que os
Geralmente, é mesclada de descrições; outros levavam trinta ou cinquenta minutos, Raimundo tinha
grande medo ao pai);
O diálogo direto é frequente. - por isso, não existe uma ocorrência que possa ser
considerada cronologicamente anterior a outra do ponto de
Dissertação vista do relato (no nível dos acontecimentos, entrar na escola é
cronologicamente anterior a retirar-se dela; no nível do relato,
Expõe um tema, explica, avalia, classifica, analisa; porém, a ordem dessas duas ocorrências é indiferente: o que o
escritor quer é explicitar uma característica do menino, e não
É um tipo de texto argumentativo. traçar a cronologia de suas ações);
Defesa de um argumento: - ainda que se fale de ações (como entrava, retirava-se), todas
a) apresentação de uma tese que será defendida, elas estão no pretérito imperfeito, que indica concomitância em
b) desenvolvimento ou argumentação, relação a um marco temporal instalado no texto (no caso, o ano
c) fechamento; de 1840, em que o escritor frequentava a escola da Rua da Costa)
e, portanto, não denota nenhuma transformação de estado;
Predomínio da linguagem objetiva; - se invertêssemos a sequência dos enunciados, não
Prevalece a denotação. correríamos o risco de alterar nenhuma relação cronológica
poderíamos mesmo colocar o últímo período em primeiro lugar
Carta e ler o texto do fim para o começo: O mestre era mais severo com
ele do que conosco. Entrava na escola depois do pai e retirava-se
antes...
Esse é um tipo de texto que se caracteriza por envolver um
remetente e um destinatário; Características:
É normalmente escrita em primeira pessoa, e sempre visa um - Ao fazer a descrição enumeramos características,
tipo de leitor; comparações e inúmeros elementos sensoriais;
- As personagens podem ser caracterizadas física e
É necessário que se utilize uma linguagem adequada com psicologicamente, ou pelas ações;
o tipo de destinatário e que durante a carta não se perca a - A descrição pode ser considerada um dos elementos
visão daquele para quem o texto está sendo escrito. constitutivos da dissertação e da argumentação;
- é impossível separar narração de descrição;
Descrição - O que se espera não é tanto a riqueza de detalhes, mas sim a
capacidade de observação que deve revelar aquele que a realiza;
É a representação com palavras de um objeto, lugar, situação - Utilizam, preferencialmente, verbos de ligação. Exemplo:
ou coisa, onde procuramos mostrar os traços mais particulares “(...) Ângela tinha cerca de vinte anos; parecia mais velha pelo
ou individuais do que se descreve. É qualquer elemento que seja desenvolvimento das proporções. Grande, carnuda, sanguínea
apreendido pelos sentidos e transformado, com palavras, em e fogosa, era um desses exemplares excessivos do sexo que
imagens. parecem conformados expressamente para esposas da multidão
Sempre que se expõe com detalhes um objeto, uma pessoa (...)” (Raul Pompéia – O Ateneu);
ou uma paisagem a alguém, está fazendo uso da descrição. Não - Como na descrição o que se reproduz é simultâneo, não
é necessário que seja perfeita, uma vez que o ponto de vista do existe relação de anterioridade e posterioridade entre seus
observador varia de acordo com seu grau de percepção. Dessa enunciados;
forma, o que será importante ser analisado para um, não será - Devem-se evitar os verbos e, se isso não for possível, que
para outro. se usem então as formas nominais, o presente e o pretério
A vivência de quem descreve também influencia na hora de imperfeito do indicativo, dando-se sempre preferência aos
transmitir a impressão alcançada sobre determinado objeto, verbos que indiquem estado ou fenômeno.
pessoa, animal, cena, ambiente, emoção vivida ou sentimento. - Todavia deve predominar o emprego das comparações, dos
adjetivos e dos advérbios, que conferem colorido ao texto.

Conhecimentos Específicos 23
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
A característica fundamental de um texto descritivo é essa de-frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso, mandando
inexistência de progressão temporal. Pode-se apresentar, numa por lei, de sobregoverno.”
descrição, até mesmo ação ou movimento, desde que eles sejam (Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)
sempre simultâneos, não indicando progressão de uma situação
anterior para outra posterior. Tanto é que uma das marcas Os efeitos de sentido criados pela disposição dos elementos
linguísticas da descrição é o predomínio de verbos no presente descritivos:
ou no pretérito imperfeito do indicativo: o primeiro expressa Comosedisse anteriormente, do ponto devistada progressão
concomitância em relação ao momento da fala; o segundo, em temporal, a ordem dos enunciados na descrição é indiferente,
relação a um marco temporal pretérito instalado no texto. uma vez que eles indicam propriedades ou características que
Para transformar uma descrição numa narração, bastaria ocorrem simultaneamente. No entanto, ela não é indiferente do
introduzir um enunciado que indicasse a passagem de um ponto de vista dos efeitos de sentido: descrever de cima para
estado anterior para um posterior. No caso do texto II inicial, baixo ou viceversa, do detalhe para o todo ou do todo para o
para transformá-lo em narração, bastaria dizer: Reunia a isso detalhe cria efeitos de sentido distintos.
grande medo do pai. Mais tarde, Iibertou-se desse medo... Observe os dois quartetos do soneto “Retrato Próprio”, de
Bocage:
Características Linguísticas:
O enunciado narrativo, por ter a representação de Magro, de olhos azuis, carão moreno,
um acontecimento, fazer-transformador, é marcado pela bem servido de pés, meão de altura,
temporalidade, na relação situação inicial e situação final, triste de facha, o mesmo de figura,
enquanto que o enunciado descritivo, não tendo transformação, nariz alto no meio, e não pequeno.
é atemporal.
Na dimensão linguística, destacam-se marcas sintático- Incapaz de assistir num só terreno,
semânticasencontradas no texto quevão facilitar acompreensão: mais propenso ao furor do que à ternura;
- Predominância deverbos deestado, situação ou indicadores bebendo em níveas mãos por taça escura
de propriedades, atitudes, qualidades, usados principalmente de zelos infernais letal veneno.
no presente e no imperfeito do indicativo (ser, estar, haver,
situar-se, existir, ficar). Obras de Bocage. Porto, Lello & Irmão,1968, pág. 497.
- Ênfase na adjetivação para melhor caracterizar o que é
descrito; O poeta descreve-se das características físicas para as
- Emprego de figuras (metáforas, metonímias, comparações, características morais. Se fizesse o inverso, o sentido não seria
sinestesias). o mesmo, pois as características físicas perderiam qualquer
- Uso de advérbios de localização espacial. relevo.
O objetivo de um texto descritivo é levar o leitor a
Recursos: visualizar uma cena. É como traçar com palavras o retrato de
- Usar impressões cromáticas (cores) e sensações térmicas. um objeto, lugar, pessoa etc., apontando suas características
Ex: O dia transcorria amarelo, frio, ausente do calor alegre do exteriores, facilmente identificáveis (descrição objetiva), ou
sol. suas características psicológicas e até emocionais (descrição
- Usar o vigor e relevo de palavras fortes, próprias, exatas, subjetiva).
concretas. Ex: As criaturas humanas transpareciam um céu Uma descrição deve privilegiar o uso frequente de adjetivos,
sereno, uma pureza de cristal. também denominado adjetivação. Para facilitar o aprendizado
- As sensações de movimento e cor embelezam o poder da desta técnica, sugere-se que o concursando, após escrever seu
natureza e a figura do homem. Ex: Era um verde transparente texto, sublinhe todos os substantivos, acrescentando antes ou
que deslumbrava e enlouquecia qualquer um. depois deste um adjetivo ou uma locução adjetiva.
- A frase curta e penetrante dá um sentido de rapidez do
texto. Ex: Vida simples. Roupa simples. Tudo simples. O pessoal, Descrição de objetos constituídos de uma só parte:
muito crente. - Introdução: observações de caráter geral referentes à
procedência ou localização do objeto descrito.
A descrição pode ser apresentada sob duas formas: - Desenvolvimento: detalhes (lª parte) formato (comparação
Descrição Objetiva:quandooobjeto, oser, acena, apassagem com figuras geométricas e com objetos semelhantes); dimensões
são apresentadas como realmente são, concretamente. Ex: “Sua (largura, comprimento, altura, diâmetro etc.)
altura é 1,85m. Seu peso, 70 kg. Aparência atlética, ombros largos, - Desenvolvimento: detalhes (2ª parte) material, peso, cor/
pele bronzeada. Moreno, olhos negros, cabelos negros e lisos”. brilho, textura.
Não se dá qualquer tipo de opinião ou julgamento. Exemplo: - Conclusão: observações de caráter geral referentes a sua
“ A casa velha era enorme, toda em largura, com porta central utilidade ou qualquer outro comentário que envolva o objeto
que se alcançava por três degraus de pedra e quatro janelas de como um todo.
guilhotina para cada lado. Era feita de pau-a-pique barreado,
dentro de uma estrutura de cantos e apoios de madeira-de-lei. Descrição de objetos constituídos por várias partes:
Telhado de quatro águas. Pintada de roxo-claro. Devia ser mais - Introdução: observações de caráter geral referentes à
velha que Juiz de Fora, provavelmente sede de alguma fazenda procedência ou localização do objeto descrito.
que tivesse ficado, capricho da sorte, na linha de passagem da - Desenvolvimento: enumeração e rápidos comentários das
variante do Caminho Novo que veio a ser a Rua Principal, depois partes que compõem o objeto, associados à explicação de como
a Rua Direita – sobre a qual ela se punha um pouco de esguelha as partes se agrupam para formar o todo.
e fugindo ligeiramente do alinhamento (...).” (Pedro Nava – Baú - Desenvolvimento: detalhes do objeto visto como um todo
de Ossos) (externamente) formato, dimensões, material, peso, textura, cor
e brilho.
Descrição Subjetiva: quando há maior participação da - Conclusão: observações de caráter geral referentes a sua
emoção, ou seja, quando o objeto, o ser, a cena, a paisagem são utilidade ou qualquer outro comentário que envolva o objeto em
transfigurados pela emoção de quem escreve, podendo opinar sua totalidade.
ou expressar seus sentimentos. Ex: “Nas ocasiões de aparato é
que se podia tomar pulso ao homem. Não só as condecorações Descrição de ambientes:
gritavam-lhe no peito como uma couraçade grilos. Ateneu! Ateneu! - Introdução: comentário de caráter geral.
Aristarco todo era um anúncio; os gestos, calmos, soberanos, - Desenvolvimento: detalhes referentes à estrutura global do
calmos, eram de um rei...” (“O Ateneu”, Raul Pompéia) ambiente: paredes, janelas, portas, chão, teto, luminosidade e
“(...) Quando conheceu Joca Ramiro, então achou outra aroma (se houver).
esperança maior: para ele, Joca Ramiro era único homem, par -

Conhecimentos Específicos 24
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- Desenvolvimento: detalhes específicos em relação a objetos descrições de pessoas; cenários, paisagens, espaço; ambientes;
lá existentes: móveis, eletrodomésticos, quadros, esculturas ou situações e coisas. Vale lembrar que textos descritivos também
quaisquer outros objetos. podem ocorrer tanto em prosa como em verso.
- Conclusão: observações sobre a atmosfera que paira no
ambiente. Narração

Descrição de paisagens: A Narração é um tipo de texto que relata uma história real,
- Introdução: comentário sobre sua localização ou qualquer fictícia ou mescla dados reais e imaginários. O texto narrativo
outra referência de caráter geral. apresenta personagens que atuam em um tempo e em um
- Desenvolvimento: observação do plano de fundo espaço, organizados por uma narração feita por um narrador.
(explicação do que se vê ao longe). É uma série de fatos situados em um espaço e no tempo,
- Desenvolvimento: observação dos elementos mais tendo mudança de um estado para outro, segundo relações
próximos do observador explicação detalhada dos elementos de sequencialidade e causalidade, e não simultâneos como na
que compõem a paisagem, de acordo com determinada ordem. descrição. Expressa as relações entre os indivíduos, os conflitos e
- Conclusão: comentários de caráter geral, concluindo acerca as ligações afetivas entre esses indivíduos e o mundo, utilizando
da impressão que a paisagem causa em quem a contempla. situações que contêm essa vivência.
Todas as vezes que uma história é contada (é narrada),
Descrição de pessoas (I): o narrador acaba sempre contando onde, quando, como e
- Introdução: primeira impressão ou abordagem de qualquer com quem ocorreu o episódio. É por isso que numa narração
aspecto de caráter geral. predomina a ação: o texto narrativo é um conjunto de ações;
- Desenvolvimento: características físicas (altura, peso, cor assim sendo, a maioria dos verbos que compõem esse tipo de
da pele, idade, cabelos, olhos, nariz, boca, voz, roupas). texto são os verbos de ação. O conjunto de ações que compõem
- Desenvolvimento: características psicológicas o texto narrativo, ou seja, a história que é contada nesse tipo de
(personalidade, temperamento, caráter, preferências, texto recebe o nome de enredo.
inclinações, postura, objetivos). As ações contidas no texto narrativo são praticadas pelas
- Conclusão: retomada de qualquer outro aspecto de caráter personagens, que são justamente as pessoas envolvidas
geral. no episódio que está sendo contado. As personagens são
identificadas (nomeadas) no texto narrativo pelos substantivos
Descrição de pessoas (II): próprios.
- Introdução: primeira impressão ou abordagem de qualquer Quando o narrador conta um episódio, às vezes (mesmo sem
aspecto de caráter geral. querer) ele acaba contando “onde” (em que lugar) as ações do
- Desenvolvimento: análise das características físicas, enredo foram realizadas pelas personagens. O lugar onde ocorre
associadas às características psicológicas (1ª parte). uma ação ou ações é chamado de espaço, representado no texto
- Desenvolvimento: análise das características físicas, pelos advérbios de lugar.
associadas às características psicológicas (2ª parte). Além de contar onde, o narrador também pode esclarecer
- Conclusão: retomada de qualquer outro aspecto de caráter “quando” ocorreram as ações da história. Esse elemento da
geral. narrativa é o tempo, representado no texto narrativo através
dos tempos verbais, mas principalmente pelos advérbios de
A descrição, ao contrário da narrativa, não supõe ação. É uma tempo. É o tempo que ordena as ações no texto narrativo: é ele
estrutura pictórica, em que os aspectos sensoriais predominam. que indica ao leitor “como” o fato narrado aconteceu.
Porque toda técnica descritiva implica contemplação e A história contada, por isso, passa por uma introdução
apreensão de algo objetivo ou subjetivo, o redator, ao descrever, (parte inicial da história, também chamada de prólogo), pelo
precisa possuir certo grau de sensibilidade. Assim como o pintor desenvolvimento do enredo (é a história propriamente dita,
capta o mundo exterior ou interior em suas telas, o autor de uma o meio, o “miolo” da narrativa, também chamada de trama)
descrição focaliza cenas ou imagens, conforme o permita sua e termina com a conclusão da história (é o final ou epílogo).
sensibilidade. Aquele que conta a história é o narrador, que pode ser pessoal
(narra em 1ª pessoa: Eu) ou impessoal (narra em 3ª pessoa:
Conforme o objetivo a alcançar, a descrição pode ser não- Ele).
literária ou literária. Na descrição não-literária, há maior Assim, o texto narrativo é sempre estruturado por verbos
preocupação com a exatidão dos detalhes e a precisão vocabular. de ação, por advérbios de tempo, por advérbios de lugar e pelos
Por ser objetiva, há predominância da denotação. substantivos que nomeiam as personagens, que são os agentes
do texto, ou seja, aquelas pessoas que fazem as ações expressas
Textos descritivos não-literários: A descrição técnica é pelos verbos, formando uma rede: a própria história contada.
um tipo de descrição objetiva: ela recria o objeto usando uma Tudo na narrativa depende do narrador, da voz que conta a
linguagem científica, precisa. Esse tipo de texto é usado para história.
descrever aparelhos, o seu funcionamento, as peças que os
compõem, para descrever experiências, processos, etc. Elementos Estruturais (I):
Exemplo: - Enredo: desenrolar dos acontecimentos.
Folheto de propaganda de carro - Personagens: são seres que se movimentam, se relacionam
Conforto interno - É impossível falar de conforto sem incluir e dão lugar à trama que se estabelece na ação. Revelam-se por
o espaço interno. Os seus interiores são amplos, acomodando meio de características físicas ou psicológicas. Os personagens
tranquilamente passageiros e bagagens. O Passat e o Passat podem ser lineares (previsíveis), complexos, tipos sociais
Variant possuem direção hidráulica e ar condicionado de (trabalhador, estudante, burguês etc.) ou tipos humanos (o
elevada capacidade, proporcionando a climatização perfeita do medroso, o tímido, o avarento etc.), heróis ou antiheróis,
ambiente. protagonistas ou antagonistas.
Porta-malas - O compartimento de bagagens possui - Narrador: é quem conta a história.
capacidade de 465 litros, que pode ser ampliada para até 1500 - Espaço: local da ação. Pode ser físico ou psicológico.
litros, com o encosto do banco traseiro rebaixado. - Tempo: época em que se passa a ação. Cronológico: o
Tanque - O tanque de combustível é confeccionado em tempo convencional (horas, dias, meses); Psicológico: o tempo
plástico reciclável e posicionado entre as rodas traseiras, para interior, subjetivo.
evitar a deformação em caso de colisão.
Elementos Estruturais (II):
Textos descritivos literários: Na descrição literária Personagens Quem? Protagonista/Antagonista
predomina o aspecto subjetivo, com ênfase no conjunto de Acontecimento O quê? Fato
associações conotativas que podem ser exploradas a partir de Tempo Quando? Época em que ocorreu o fato

Conhecimentos Específicos 25
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Espaço Onde? Lugar onde ocorreu o fato Sequência Narrativa:
Modo Como? De que forma ocorreu o fato
Causa Por quê? Motivo pelo qual ocorreu o fato Uma narrativa não tem uma única mudança, mas várias:
Resultado - previsível ou imprevisível. uma coordenase a outra, uma implica a outra, uma subordinase
Final - Fechado ou Aberto. a outra.
A narrativa típica tem quatro mudanças de situação:
Esses elementos estruturais combinam-se e articulam-se - uma em que uma personagem passa a ter um querer ou um
de tal forma, que não é possível compreendê-los isoladamente, dever (um desejo ou uma necessidade de fazer algo);
como simples exemplos de uma narração. Há uma relação - uma em que ela adquire um saber ou um poder (uma
de implicação mútua entre eles, para garantir coerência e competência para fazer algo);
verossimilhança à história narrada. - uma em que a personagem executa aquilo que queria ou
Quanto aos elementos da narrativa, esses não estão, devia fazer (é a mudança principal da narrativa);
obrigatoriamente sempre presentes no discurso, exceto as - uma em que se constata que uma transformação se deu e
personagens ou o fato a ser narrado. em que se podem atribuir prêmios ou castigos às personagens
(geralmente os prêmios são para os bons, e os castigos, para os
Existem três tipos de foco narrativo: maus).

- Narrador-personagem: é aquele que conta a história na Toda narrativa tem essas quatro mudanças, pois elas se
qual é participante. Nesse caso ele é narrador e personagem ao pressupõem logicamente. Com efeito, quando se constata a
mesmo tempo, a história é contada em 1ª pessoa. realização de uma mudança é porque ela se verificou, e ela
- Narrador-observador: é aquele que conta a história como efetuase porque quem a realiza pode, sabe, quer ou deve fazêla.
alguém que observa tudo que acontece e transmite ao leitor, a Tomemos, por exemplo, o ato de comprar um apartamento:
história é contada em 3ª pessoa. quando se assina a escritura, realizase o ato de compra; para
- Narrador-onisciente: é o que sabe tudo sobre o enredo isso, é necessário poder (ter dinheiro) e querer ou dever
e as personagens, revelando seus pensamentos e sentimentos comprar (respectivamente, querer deixar de pagar aluguel ou
íntimos. Narra em 3ª pessoa e sua voz, muitas vezes, aparece ter necessidade de mudar, por ter sido despejado, por exemplo).
misturada com pensamentos dos personagens (discurso Algumas mudanças são necessárias para que outras se deem.
indireto livre). Assim, para apanhar uma fruta, é necessário apanhar um
bambu ou outro instrumento para derrubála. Para ter um carro,
Estrutura: é preciso antes conseguir o dinheiro.
- Apresentação: é a parte do texto em que são apresentados
alguns personagens e expostas algumas circunstâncias da Narrativa e Narração
história, como o momento e o lugar onde a ação se desenvolverá.
- Complicação: é a parte do texto em que se inicia Existe alguma diferença entre as duas? Sim. A narratividade
propriamente a ação. Encadeados, os episódios se sucedem, é um componente narrativo que pode existir em textos que
conduzindo ao clímax. não são narrações. A narrativa é a transformação de situações.
- Clímax: é o ponto da narrativa em que a ação atinge seu Por exemplo, quando se diz “Depois da abolição, incentivouse
momento crítico, tornando o desfecho inevitável. a imigração de europeus”, temos um texto dissertativo, que,
- Desfecho: é a solução do conflito produzido pelas ações no entanto, apresenta um componente narrativo, pois contém
dos personagens. uma mudança de situação: do não incentivo ao incentivo da
imigração européia.
Tipos de Personagens: Se a narrativa está presente em quase todos os tipos de texto,
Os personagens têm muita importância na construção de um o que é narração?
texto narrativo, são elementos vitais. Podem ser principais ou A narração é um tipo de narrativa. Temela três características:
secundários, conforme o papel que desempenham no enredo, - é um conjunto de transformações de situação (o texto de
podem ser apresentados direta ou indiretamente. Manuel Bandeira – “Porquinho-da-índia”, como vimos, preenche
A apresentação direta acontece quando o personagem essa condição);
aparece de forma clara no texto, retratando suas características - é um texto figurativo, isto é, opera com personagens e fatos
físicas e/ou psicológicas, já a apresentação indireta se dá quando concretos (o texto “Porquinho-daíndia» preenche também esse
os personagens aparecem aos poucos e o leitor vai construindo requisito);
a sua imagem com o desenrolar do enredo, ou seja, a partir de - as mudanças relatadas estão organizadas de maneira tal
suas ações, do que ela vai fazendo e do modo como vai fazendo. que, entre elas, existe sempre uma relação de anterioridade e
posterioridade (no texto “Porquinhodaíndia» o fato de ganhar
- Em 1ª pessoa: o animal é anterior ao de ele estar debaixo do fogão, que por
Personagem Principal: há um “eu” participante que conta a sua vez é anterior ao de o menino leválo para a sala, que por seu
história e é o protagonista. turno é anterior ao de o porquinhoda-índia voltar ao fogão).
Observador: é como se dissesse: É verdade, pode acreditar,
eu estava lá e vi. Essa relação de anterioridade e posterioridade é sempre
pertinente num texto narrativo, mesmo que a sequência linear
- Em 3ª pessoa: da temporalidade apareça alterada. Assim, por exemplo, no
romance machadiano Memórias póstumas de Brás Cubas,
Onisciente: não há um eu que conta; é uma terceira pessoa. quando o narrador começa contando sua morte para em
Narrador Objetivo: não se envolve, conta a história como seguida relatar sua vida, a sequência temporal foi modificada.
sendo vista por uma câmara ou filmadora. Exemplo: No entanto, o leitor reconstitui, ao longo da leitura, as relações
de anterioridade e de posterioridade.
Resumindo: na narração, as três características explicadas
Tipos de Discurso: acima (transformação de situações, figuratividade e relações
Discurso Direto: o narrador passa a palavra diretamente de anterioridade e posterioridade entre os episódios relatados)
para o personagem, sem a sua interferência. devem estar presentes conjuntamente. Um texto que tenha só
Discurso Indireto: o narrador conta o que o personagem uma ou duas dessas características não é uma narração.
diz, sem lhe passar diretamente a palavra.
Discurso Indireto-Livre: ocorre uma fusão entre a fala do Esquema que pode facilitar a elaboração de seu texto
personagem e a fala do narrador. É um recurso relativamente narrativo:
recente. Surgiu com romancistas inovadores do século XX. - Introdução: citar o fato, o tempo e o lugar, ou seja, o que
aconteceu, quando e onde.

Conhecimentos Específicos 26
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- Desenvolvimento: causa do fato e apresentação dos clareza, coerência, objetividade na exposição, um planejamento
personagens. de trabalho e uma habilidade de expressão.
- Desenvolvimento: detalhes do fato. É em função da capacidade crítica que se questionam
- Conclusão: consequências do fato. pontos da realidade social, histórica e psicológica do mundo
e dos semelhantes. Vemos também, que a dissertação no seu
Caracterização Formal: significado diz respeito a um tipo de texto em que a exposição
Em geral, a narrativa se desenvolve na prosa. O aspecto de uma ideia, através de argumentos, é feita com a finalidade
narrativo apresenta, até certo ponto, alguma subjetividade, de desenvolver um conteúdo científico, doutrinário ou artístico.
porquanto a criação e o colorido do contexto estão em função Observe-se que:
da individualidade e do estilo do narrador. Dependendo do - o texto é temático, pois analisa e interpreta a realidade
enfoque do redator, a narração terá diversas abordagens. Assim com conceitos abstratos e genéricos (não se fala de um homem
é de grande importância saber se o relato é feito em primeira particular e do que faz para chegar a ser primeiroministro, mas
pessoa ou terceira pessoa. No primeiro caso, há a participação do homem em geral e de todos os métodos para atingir o poder);
do narrador; segundo, há uma inferência do último através da - existe mudança de situação no texto (por exemplo, a
onipresença e onisciência. mudança de atitude dos que clamam contra a corrupção da corte
Quanto à temporalidade, não há rigor na ordenação dos no momento em que se tornam primeirosministros);
acontecimentos: esses podem oscilar no tempo, transgredindo - a progressão temporal dosenunciados não temimportância,
o aspecto linear e constituindo o que se denomina “flashback”. pois o que importa é a relação de implicação (clamar contra a
O narrador que usa essa técnica (característica comum no corrupção da corte implica ser corrupto depois da nomeação
cinema moderno) demonstra maior criatividade e originalidade, para primeiroministro).
podendo observar as ações ziguezagueando no tempo e no
espaço. Características:
- ao contrário do texto narrativo e do descritivo, ele é
Exemplo - Personagens temático;
- como o texto narrativo, ele mostra mudanças de situação;
“Aboletado na varanda, lendo Graciliano Ramos, O Dr. - ao contrário do texto narrativo, nele as relações de
Amâncio não viu a mulher chegar. anterioridade e de posterioridade dos enunciados não têm maior
Não quer que se carpa o quintal, moço? importância o que importa são suas relações lógicas: analogia,
Estava um caco: mal vestida, cheirando a fumaça, a face pertinência, causalidade, coexistência, correspondência,
escalavrada. Mas os olhos... (sempre guardam alguma coisa do implicação, etc.
passado, os olhos).” - a estética e a gramática são comuns a todos os tipos de
(Kiefer, Charles. A dentadura postiça. Porto Alegre: Mercado redação. Já a estrutura, o conteúdo e a estilística possuem
Aberto, p. 5O) características próprias a cada tipo de texto.
Exemplo - Espaço
São partes da dissertação: Introdução / Desenvolvimento
Considerarei longamente meu pequeno deserto, a redondeza / Conclusão.
escura e uniforme dos seixos. Seria o leito seco de algum rio. Não
havia, em todo o caso, como negarlhe a insipidez.” Introdução: em que se apresenta o assunto; se apresenta a
ideia principal, sem, no entanto, antecipar seu desenvolvimento.
(Linda, Ieda. As amazonas segundo tio Hermann. Porto Tipos:
Alegre: Movimento, 1981, p. 51) - Divisão: quando há dois ou mais termos a serem discutidos.
Exemplo - Tempo Ex: “Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que
olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...”
“Sete da manhã. Honorato Madeira acorda e lembrase: a - Alusão Histórica: um fato passado que se relaciona a um
mulher lhe pediu que a chamasse cedo.” fato presente. Ex: “A crise econômica que teve início no começo
dos anos 80, com os conhecidos altos índices de inflação que
(Veríssimo, Érico. Caminhos Cruzados. p.4) a década colecionou, agravou vários dos históricos problemas
sociais do país. Entre eles, a violência, principalmente a urbana,
Tipologia da Narrativa Ficcional: cuja escalada tem sido facilmente identificada pela população
- Romance brasileira.”
- Conto - Proposição: o autor explicita seus objetivos.
- Crônica - Convite: proposta ao leitor para que participe de alguma
- Fábula coisa apresentada no texto. Ex: Você quer estar “na sua”? Quer
- Lenda se sentir seguro, ter o sucesso pretendido? Não entre pelo cano!
- Parábola Faça parte desse time de vencedores desde a escolha desse
- Anedota momento!
- Poema Épico - Contestação: contestar uma ideia ou uma situação. Ex: “É
importante que o cidadão saiba que portar arma de fogo não é a
Tipologia da Narrativa NãoFiccional: solução no combate à insegurança.”
- Memorialismo - Características: caracterização de espaços ou aspectos.
- Notícias - Estatísticas: apresentação de dados estatísticos. Ex:
- Relatos “Em 1982, eram 15,8 milhões os domicílios brasileiros com
- História da Civilização televisores. Hoje, são 34 milhões (o sexto maior parque de
aparelhos receptores instalados do mundo). Ao todo, existem
Apresentação da Narrativa: no país 257 emissoras (aquelas capazes de gerar programas) e
- visual: texto escrito; legendas + desenhos (história em 2.624 repetidoras (que apenas retransmitem sinais recebidos).
quadrinhos) e desenhos. (...)”
- auditiva: narrativas radiofonizadas; fitas gravadas e discos. - Declaração Inicial: emitir um conceito sobre um fato.
- audiovisual: cinema; teatro e narrativas televisionadas. - Citação: opinião de alguém de destaque sobre o assunto do
texto. Ex: “A principal característica do déspota encontra-se no
Dissertação fato de ser ele o autor único e exclusivo das normas e das regras
que definem a vida familiar, isto é, o espaço privado. Seu poder,
A dissertação é uma exposição, discussão ou interpretação escreve Aristóteles, é arbitrário, pois decorre exclusivamente de
de uma determinada ideia. É, sobretudo, analisar algum tema. sua vontade, de seu prazer e de suas necessidades.”
Pressupõe um exame crítico do assunto, lógica, raciocínio, - Definição: desenvolve-se pela explicação dos termos que

Conhecimentos Específicos 27
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
compõem o texto. Ainda temos:
- Interrogação: questionamento. Ex: “Volta e meia se faz a Tema: compreende o assunto proposto para discussão, o
pergunta de praxe: afinal de contas, todo esse entusiasmo pelo assunto que vai ser abordado.
futebol não é uma prova de alienação?” Título: palavra ou expressão que sintetiza o conteúdo
- Suspense: alguma informação que faça aumentar a discutido.
curiosidade do leitor. Argumentação: é um conjunto de procedimentos
- Comparação: social e geográfica. linguísticos com os quais a pessoa que escreve sustenta suas
- Enumeração: enumerar as informações. Ex: “Ação à opiniões, de forma a torná-las aceitáveis pelo leitor. É fornecer
distância, velocidade, comunicação, linha de montagem, triunfo argumentos, ou seja, razões a favor ou contra uma determinada
das massas, Holocausto: através das metáforas e das realidades tese.
que marcaram esses 100 últimos anos, aparece a verdadeira
doença do século...” Estes assuntos serão vistos com mais afinco posteriormente.
- Narração: narrar um fato.
Alguns pontos essenciais desse tipo de texto são:
Desenvolvimento: é a argumentação da ideia inicial, - toda dissertação é uma demonstração, daí a necessidade de
de forma organizada e progressiva. É a parte maior e mais pleno domínio do assunto e habilidade de argumentação;
importante do texto. Podem ser desenvolvidos de várias formas: - em consequência disso, impõem-se à fidelidade ao tema;
- Trajetória Histórica: cultura geral é o que se prova com - a coerência é tida como regra de ouro da dissertação;
este tipo de abordagem. - impõem-se sempre o raciocínio lógico;
- Definição: não basta citar, mas é preciso desdobrar a ideia - a linguagem deve ser objetiva, denotativa; qualquer
principal ao máximo, esclarecendo o conceito ou a definição. ambiguidade pode ser um ponto vulnerável na demonstração
- Comparação: estabelecer analogias, confrontar situações do que se quer expor. Deve ser clara, precisa, natural, original,
distintas. nobre, correta gramaticalmente. O discurso deve ser impessoal
- Bilateralidade: quando o tema proposto apresenta pontos (evitar-se o uso da primeira pessoa).
favoráveis e desfavoráveis.
- Ilustração Narrativa ou Descritiva: narrar um fato ou O parágrafo é a unidade mínima do texto e deve apresentar:
descrever uma cena. uma frase contendo a ideia principal (frase nuclear) e uma ou
- Cifras e Dados Estatísticos: citar cifras e dados estatísticos. mais frases que explicitem tal ideia.
- Hipótese: antecipa uma previsão, apontando para Exemplo: “A televisão mostra uma realidade idealizada
prováveis resultados. (ideia central) porque oculta os problemas sociais realmente
- Interrogação: Toda sucessão de interrogações deve graves. (ideia secundária)”.
apresentar questionamento e reflexão. Vejamos:
- Refutação: questiona-se praticamente tudo: conceitos, Ideia central: A poluição atmosférica deve ser combatida
valores, juízos. urgentemente.
- Causa e Consequência: estruturar o texto através dos
porquês de uma determinada situação. Desenvolvimento: A poluição atmosférica deve ser
- Oposição: abordar um assunto de forma dialética. combatida urgentemente, pois a alta concentração de elementos
- Exemplificação: dar exemplos. tóxicos põe em risco a vida de milhares de pessoas, sobretudo
daquelas que sofrem de problemas respiratórios:
Conclusão: é uma avaliação final do assunto, um fechamento
integrado de tudo que se argumentou. Para ela convergem todas - A propaganda intensiva de cigarros e bebidas tem levado
as ideias anteriormente desenvolvidas. muita gente ao vício.
- Conclusão Fechada: recupera a ideia da tese. - A televisão é um dos mais eficazes meios de comunicação
- Conclusão Aberta: levanta uma hipótese, projeta um criados pelo homem.
pensamento ou faz uma proposta, incentivando a reflexão de - A violência tem aumentado assustadoramente nas cidades
quem lê. e hoje parece claro que esse problema não pode ser resolvido
apenas pela polícia.
1º Parágrafo – Introdução - O diálogo entre pais e filhos parece estar em crise
atualmente.
A. Tema: Desemprego no Brasil. - O problema dos sem-terra preocupa cada vez mais a
Contextualização: decorrência de um processo histórico sociedade brasileira.
problemático.
O parágrafo pode processar-se de diferentes maneiras:
2º ao 6º Parágrafo – Desenvolvimento
Enumeração: Caracteriza-se pela exposição de uma série de
B. Argumento 1: Exploram-se dados da realidade que coisas, uma a uma. Presta-se bem à indicação de características,
remetem a uma análise do tema em questão. funções, processos, situações, sempreoferecendoocomplemento
C. Argumento 2: Considerações a respeito de outro dado da necessário à afirmação estabelecida na frase nuclear. Pode-se
realidade. enumerar, seguindo-se os critérios de importância, preferência,
D. Argumento 3: Coloca-se sob suspeita a sinceridade de classificação ou aleatoriamente.
quem propõe soluções. Exemplo:
E. Argumento 4: Uso do raciocínio lógico de oposição.
1- O adolescente moderno está se tornando obeso por várias
7º Parágrafo: Conclusão causas: alimentação inadequada, falta de exercícios sistemáticos
F. Uma possível solução é apresentada. e demasiada permanência diante de computadores e aparelhos
G. O texto conclui que desigualdade não se casa com de Televisão.
modernidade.
2- Devido à expansão das igrejas evangélicas, é grande o
É bom lembrarmos que é praticamente impossível opinar número de emissoras que dedicam parte da sua programação à
sobre o que não se conhece. A leitura de bons textos é um dos veiculação de programas religiosos de crenças variadas.
recursos que permite uma segurança maior no momento de
dissertar sobre algum assunto. Debater e pesquisar são atitudes 3-
que favorecem o senso crítico, essencial no desenvolvimento de - A Santa Missa em seu lar.
um texto dissertativo. - Terço Bizantino.
- Despertar da Fé.

Conhecimentos Específicos 28
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- Palavra de Vida. da ordenação cronológica, da interrogação e da citação. No
- Igreja da Graça no Lar. desenvolvimento são usados tantos parágrafos quantos
forem necessários para a completa exposição da ideia. E esses
4- parágrafos podem ser estruturados das cinco maneiras expostas
- Inúmeras são as dificuldades com que se defronta o governo acima.
brasileiro diante de tantos desmatamentos, desequilíbrios Conclusão: é a retomada da ideia principal, que agora deve
sociológicos e poluição. aparecer de forma muito mais convincente, uma vez que já
- Existem várias razões que levam um homem a enveredar foi fundamentada durante o desenvolvimento da dissertação
pelos caminhos do crime. (um parágrafo). Deve, pois, conter de forma sintética, o
- A gravidez na adolescência é um problema seríssimo, objetivo proposto na instrução, a confirmação da hipótese ou
porque pode trazer muitas consequências indesejáveis. da tese, acrescida da argumentação básica empregada no
- O lazer é uma necessidade do cidadão para a sua desenvolvimento.
sobrevivência no mundo atual e vários são os tipos de lazer.
- O Novo Código Nacional de trânsito divide as faltas em Intertextualidade
várias categorias.
Diálogo entre dois ou mais textos, que não precisam ser
Comparação: A frase nuclear pode-se desenvolver através necessariamente de um mesmo gênero, a intertextualidade é
da comparação, que confronta ideias, fatos, fenômenos e um fenômeno que pode manifestar-se de diferentes maneiras.
apresenta-lhes a semelhança ou dessemelhança.
Exemplo: Essa ocorrência pode ser implícita ou explícita, feita por meio
de paródia ou por meio da paráfrase. O que esses variados tipos
“A juventude é uma infatigável aspiração de felicidade; a têm em comum? Todos eles resgatam referências nos chamados
velhice, pelo contrário, é dominada por um vago e persistente textos-fonte, que são aqueles textos considerados fundamentais
sentimento de dor, porque já estamos nos convencendo de que a em uma cultura.
felicidade é uma ilusão, que só o sofrimento é real”.
(Arthur Schopenhauer) Paraquevocê entendamelhoro conceitodeintertextualidade,
basta analisar a estrutura da palavra: inter é um sufixo de origem
Causa e Consequência: A frase nuclear, muitas vezes, latina e faz referência à noção de relação. Por isso, é correto
encontra no seu desenvolvimento um segmento causal (fato afirmar que a intertextualidade refere-se às relações entre os
motivador) e, em outras situações, um segmento indicando textos, assim como é correto afirmar que todo texto, em maior
consequências (fatos decorrentes). ou menor grau, é um intertexto, e isso acontece em virtude das
relações dialógicas firmadas. Veja só um exemplo:
Tempo e Espaço: Muitos parágrafos dissertativos marcam
temporal e espacialmente a evolução de ideias, processos. Bom conselho

Explicitação: Num parágrafo dissertativo pode-se Ouça um bom conselho


conceituar, exemplificar e aclarar as ideias para torná-las mais Que eu lhe dou de graça
compreensíveis. Inútil dormir que a dor não passa
Exemplo: “Artéria é um vaso que leva sangue proveniente do Espere sentado
coração para irrigar os tecidos. Exceto no cordão umbilical e na Ou você se cansa
ligação entre os pulmões e o coração, todas as artérias contém Está provado, quem espera nunca alcança
sangue vermelho-vivo, recém-oxigenado. Na artéria pulmonar,
porém, corre sangue venoso, mais escuro e desoxigenado, que o Venha, meu amigo
coração remete para os pulmões para receber oxigênio e liberar Deixe esse regaço
gás carbônico”. Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Antes de se iniciar a elaboração de uma dissertação, deve Faça como eu digo
delimitar-se o tema que será desenvolvido e que poderá ser Faça como eu faço
enfocado sob diversos aspectos. Se, por exemplo, o tema é a Aja duas vezes antes de pensar
questão indígena, ela poderá ser desenvolvida a partir das
seguintes ideias: Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
- A violência contra os povos indígenas é uma constante na Devagar é que não se vai longe
história do Brasil. Eu semeio o vento
- O surgimento de várias entidades de defesa das populações Na minha cidade
indígenas. Vou pra rua e bebo a tempestade.
- A visão idealizada que o europeu ainda tem do índio
brasileiro. Chico Buarque
- A invasão da Amazônia e a perda da cultura indígena.
Ao ler a letra da música composta por Chico Buarque,
Depois de delimitar o tema que você vai desenvolver, deve você notou algo familiar? Provavelmente sim! Isso aconteceu
fazer a estruturação do texto. porque o cantor e compositor apropriou-se de alguns ditados
populares, mas em vez de citá-los, isto é, empregá-los como eles
A estrutura do texto dissertativo constitui-se de: exatamente são, Chico optou por parodiá-los, invertendo seus
significados e atribuindo-lhes novos sentidos, o que confere à
Introdução: deve conter a ideia principal a ser desenvolvida música o efeito de humor. Esse tipo de estratégia textual é muito
(geralmente um ou dois parágrafos). É a abertura do texto, por comum na literatura brasileira, recorrente principalmente no
isso é fundamental. Deve ser clara e chamar a atenção para dois gênero poema. Veja outro exemplo de intertextualidade:
itens básicos: os objetivos do texto e o plano do desenvolvimento.
Contém a proposição do tema, seus limites, ângulo de análise e a Canção do Exílio
hipótese ou a tese a ser defendida. (Gonçalves Dias)
Desenvolvimento: exposição de elementos que vão
fundamentar a ideia principal que pode vir especificada Minha terra tem palmeiras,
através da argumentação, de pormenores, da ilustração, da Onde canta o Sabiá;
causa e da consequência, das definições, dos dados estatísticos, As aves, que aqui gorjeiam,

Conhecimentos Específicos 29
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Não gorjeiam como lá. entre outros casos. Saiba que todas essas situações representam
casos de intertextualidade. No entanto, ela pode estar presente
Nosso céu tem mais estrelas, em muitas outras circunstâncias, como é o caso dos anúncios
Nossas várzeas têm mais flores, publicitários. Veja alguns exemplos:
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;


Sem qu’inda aviste as palmeiras, A intertextualidade se encontra presente nos anúncios
Onde canta o Sabiá. publicitários: esse da ilustração se trata de uma marca de um
produto de limpeza (Bombril)
Canto de regresso à pátria
(Oswald de Andrade)

Minha terra tem palmares


Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas


E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas


Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
A intextualidade presente nos anúncios publicitários
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo Nesse exemplo temos um anúncio publicitário de um
Sem que veja a Rua 15 produto alimentício (Leite Moça) que faz referência à música de
E o progresso de São Paulo. Rita Lee, Mania de você.

No exemplo acima, o texto-fonte é o poema de Gonçalves


Dias, um dos principais representantes da primeira fase do
Romantismo brasileiro. A partir dele, Oswald de Andrade, que
integrou o movimento modernista, construiu uma paródia,
transportando o poema escrito no século XIX para a então
realidade da segunda década do século XX, dando-lhe assim um
ar de modernidade.
Como você pôde perceber, a intertextualidade pode
acontecer com textos dos variados gêneros: pode surgir em
uma letra de música, em um poema, nos textos em prosa e até
mesmo nos textos publicitários. Só é capaz de reconhecê-la o A intertextualidade fazendo alusão à pintura
leitor habilidoso, aquele que já entrou em contato com diversos
textos-fonte ao longo da vida. Isso significa que a interpretação Aqui temos a intertextualidade realizada entre a criação de
de texto não depende apenas do conhecimento do código (nossa Matt Groening, criador dos Simpsons, e a obra A persistência da
língua portuguesa), mas também das relações intertextuais que memória, de Salvador Dalí.
influenciam de maneira decisiva o processo de compreensão e
de produção de textos. Ao analisarmos todos esses exemplos, chegamos à conclusão
Nas nossas conversas do dia a dia, muitas vezes fazemos de que intertextualidade se conceitua como o diálogo que se
referência ao modo de dizer, aos gestos, às palavras ditas, estabelece entre os textos verbais e não verbais.
manifestados por uma determinada pessoa, seja aquele
personagem datelevisão, aquele amigo dequem gostamos muito, Fontes: brasilescola.uol.com.br/redacao/intertextualidade-.htm
alguém da família, enfim, várias são as pessoas às quais podemos escolakids.uol.com.br/intertextualidade.htm
nos referir. Quando escrevemos, também podemos proceder da http://exercicios.mundoeducacao.bol.uol.com.br/exercicios-
mesma forma, fazendo alusão (referência) às palavras ditas por redacao/exercicios-sobre-intertextualidade-explicita-implicita.htm
aquele escritor que admiramos, àquela canção de que gostamos,

Conhecimentos Específicos 30
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Questões Na letra da canção, Humberto Gessinger faz referência a
um famoso provérbio latino: si uis pacem, para bellum, cuja
01. (UERJ) tradução é Se queres paz, te prepara para a guerra. Nesse tipo de
Ideologia citação, encontramos o seguinte recurso:
a) intertextualidade explícita.
Meu partido b) intertextualidade implícita.
É um coração partido c) intertextualidade implícita e explícita.
E as ilusões estão todas perdidas d) tradução.
Os meus sonhos foram todos vendidos e) referência e alusão.
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito 03. (UEL)
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Frequenta agora as festas do “Grand Monde”

Meus heróis morreram de overdose


Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver
O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock ‘n’ roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Agora assiste a tudo em cima do muro

Meus heróis morreram de overdose


Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver
(Cazuza e Roberto Frejat)

E as ilusões estão todas perdidas (v. 3) Disponível em Super Interessante. Acesso em 10 out. 2014
Este verso pode ser lido como uma alusão a um livro intitulado
Ilusões perdidas, de Honoré de Balzac. Tal procedimento O gordo é o novo fumante
constitui o que se chama de:
a) intertextualidade Nunca houve tanta gente acima do peso – nem tanto
b) pertinência preconceito contra gordos.
c) pressuposição De um lado, o que há por trás é uma positiva discussão sobre
d) metáfora saúde. Por outro, algo de podre: o nascimento de uma nova
e) anáfora. eugenia.

02. (Adaptado de: Super Interessante. Editora Abril. 306.ed. jul.


Hora do mergulho 2012. p.21.)
Em relação ao texto, considere as afirmativas a seguir:
Feche a porta, esqueça o barulho I. O código não verbal, principalmente no que se refere
feche os olhos, tome ar: é hora do mergulho ao segundo desenho, revela o discurso preconceituoso e,
consequentemente, um aspecto ideológico.
eu sou moço, seu moço, e o poço não é tão fundo II. O sentido de proibição é captado por meio da
super-homem não supera a superfície intertextualidade estabelecida entre os códigos não verbais a
nós mortais viemos do fundo qual, por sua vez, revela aspectos ligados ao gênero do humor.
eu sou velho, meu velho, tão velho quanto o mundo III. O conteúdo expresso na placa revela que, futuramente,
indivíduos obesos sofrerão ainda mais discriminação social.
eu quero paz: IV. O efeito de sentido expresso pelo conteúdo não verbal
uma trégua do lilás-neon-Las Vegas serve para reforçar o caráter polissêmico da placa.
profundidade: 20.000 léguas
“se queres paz, te prepara para a guerra” Assinale a alternativa correta:
“se não queres nada, descansa em paz” a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
“luz” - pediu o poeta b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
(últimas palavras, lucidez completa) c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
depois: silêncio d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
esqueça a luz... respire o fundo
eu sou um déspota esclarecido 04. Sobre a intertextualidade, assinale a alternativa
nessa escura e profunda mediocracia. incorreta:
a) A intertextualidade implícita não se encontra na superfície
(Engenheiros do Hawaii, composição de Humberto textual, visto que não fornece para o leitor elementos que
Gessinger) possam ser imediatamente relacionados com algum outro tipo
de texto-fonte.

Conhecimentos Específicos 31
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
b) Todo texto, em maior ou menor grau, é um intertexto, pois 03. (D)
é normal que durante o processo da escrita aconteçam relações A alternativa IV está incorreta porque não há efeito
dialógicas entre o que estamos escrevendo e outros textos polissêmico no conteúdo não verbal, uma vez que as placas
previamente lidos por nós. devem ter um único sentido para não confundir pedestres e
c) Na intertextualidade explícita, ficam claras as fontes motoristas.
nas quais o texto baseou-se e acontece, obrigatoriamente, de
maneira intencional. Pode ser encontrada em textos do tipo 04. (D)
resumo, resenhas, citações e traduções. A intertextualidade pode acontecer de maneira proposital
d) A intertextualidade sempre acontece de maneira ou não, mas é certo que cada texto faz parte de uma corrente
proposital. É um recurso que deve ser evitado, pois privilegia de produções verbais e, conscientemente ou não, retomamos,
o plágio dos textos-fonte em detrimento de elementos que ou contestamos, os chamados textos-fonte, fundamentais na
confiram originalidade à escrita. memória coletiva de uma sociedade.

05. 05. (C)


Leia o poema e observe sua influência para a criação da
história em quadrinhos de Caulos:
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade

Coerência e Coesão

Não basta conhecer o conteúdo das partes de um trabalho:


introdução, desenvolvimento e conclusão. Além de saber o que
se deve (e o que não se deve) escrever em cada parte constituinte
do texto, é preciso saber escrever obedecendo às normas de
coerência e coesão. Antes de tudo, é necessário definir os termos:
coerência diz respeito à articulação do texto, à compatibilidade
das ideias, à lógica do raciocínio, a seu conteúdo. Coesão refere
- se à expressão linguística, ao nível gramatical, às estruturas
frasais e ao emprego do vocabulário.
Coerência e coesão relacionamse com o processo de
produção e compreensão do texto, a coesão contribui para
a coerência, mas nem sempre um texto coerente apresenta
coesão. Pode ocorrer que o texto sem coerência apresente
coesão, ou que um texto tenha coesão sem coerência. Em outras
palavras: um texto pode ser gramaticalmente bem construído,
com frases bem estruturadas, vocabulário correto, mas
A intertextualidade pode ser encontrada nos diversos apresentar ideias disparatadas, sem nexo, sem uma sequência
gêneros textuais, inclusive nas histórias em quadrinhos lógica: há coesão, mas não coerência. Por outro lado, um texto
pode apresentar ideias coerentes e bem encadeadas, sem que no
O cartum Vida de Passarinho, do cartunista Caulos, plano da expressão, as estruturas frasais sejam gramaticalmente
estabelece um interessante diálogo com um famoso texto-fonte aceitáveis: há coerência, mas não coesão.
de nossa literatura. Assinale a alternativa que cita esse texto- Na obra de Oswald de Andrade, por exemplo, encontramse
fonte: textos coerentessemcoesão, outextos coesos, mas semcoerência.
a) Canção do exílio, de Gonçalves Dias. Em Carlos Drummond de Andrade, há inúmeros exemplos de
b) Erro de português, de Oswald de Andrade. textos coerentes, sem coesão gramatical no plano sintático. A
c) No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade. linguagem literária admite essas liberdades, o que não vem ao
e) Não há vagas, de Ferreira Gullar. caso, pois na linguagem acadêmica, referencial, a obediência às
d) José, de Carlos Drummond de Andrade. normas de coerência e coesão são obrigatórias. Ainda assim,
para melhor esclarecimento do assunto, apresentamse exemplos
Respostas de coerência sem coesão e coesão sem coerência:

01. (A) “Cidadezinha Qualquer”


Entende-se por intertextualidade a criação de um texto a
partir de outro preexistente, do qual são retirados elementos, Casas entre bananeiras
como no caso da música Ideologia, em que Cazuza utiliza o título mulheres entre laranjeiras
do livro de Honoré de Balzac para ilustrar seu pessimismo. pomar amor cantar:

02. (B) Um homem vai devagar


Na letra da canção há uma referência a um famoso provérbio Um cachorro vai devagar.
latino: si uis pacem, para bellum, cuja tradução é Se queres paz, Um burro vai devagar
te prepara para a guerra, exemplificando, assim, aquilo que
chamamos de intertextualidade implícita, pois não foi feita a Devagar.. as janelas olham.
citação do texto-fonte. Eta vida besta, meu Deus.”
(Andrade, 1973, p. 67)

Conhecimentos Específicos 32
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Apesar da aparente falta de nexo, percebe - se nitidamente - estabelece relações de conteúdo entre palavras e frases.
a descrição de uma cidadezinha do interior: a paisagem rural,
o estilo de vida sossegado, o hábito de bisbilhotar, de vigiar Coesão
das janelas tudo o que se passa lá fora. No plano sintático, a
primeira estrofe contém apenas frases ou sintagmas nomi¬nais - assenta-se no plano gramatical e no nível frasal;
(cantar pode ser verbo ou substantivo os meu cantares = as - situa-se na superfície do texto, estabele conexão sequencial;
minhas canções); as demais, não apresentam coesão uma frase - relaciona-se com a microestrutura, trabalha com as partes
não se relaciona com outra, mas, pela forma de apresentação, componentes do texto;
colaboram para a coerência do texto. - Estabelece relações entre os vocábulos no interior das
frases.
“Do outro lado da parede”
Coerência e coesão são responsáveis pela inteligibilidade ou
Meu laço de botina. compreensão do texto. Um texto bem redigido tem parágrafos
Recebi a tua comunicação, escrita do beiral da viragem bem estruturados e articulados pelo encadeamento das ideias
sempieterna. Foi um tiro no alvo do coração, se bem que ele já neles contidas. As estruturas frasais devem ser coerentes
esteja treinado. e gramaticalmente corretas, no que respeita à sintaxe. O
A culpa de tudo quem temna é esse bandido desse coronel do vocabulário precisa ser adequado e essa adequação só se
Exército Brasileiro que nos inflicitou. consegue pelo conhecimento dos significados possíveis de
Reflete antes de te matares! Reflete Joaninha. Principalmente cada palavra. Talvez os erros mais comuns de redaçao sejam
se ainda é tempo! És uma tarada. devidos à impropriedade do vocabulário e ao mau emprego
Quando te conheci, Chez Hippolyte querias falecer dia e noite. dos conectivos (conjunções, que têm por função ligar uma frase
Enfim, adeus. ou período a outro). Eis alguns exemplos de impropriedade do
Nunca te esquecerei. Never more! Como dizem os corvos.” vocabulário, colhidos em redações sobre censura e os meios de
João da Slavonia comunicação e outras.
(Andrade, O., 1971, p. 201202)
“Nosso direito é frisado na Constituição.”
Embora as frases sejam sintaticamente coesas, nota - se que, Nosso direito é assegurado pela Constituição.
neste texto, não há coerência, não se observa uma linha lógica “Estabelecer os limites as quais a programação deveria estar
de raciocínio na expressão das ideias. Percebese vagamente exposta.”
que a personagem João Slavonia teria recebido uma mensagem Estabelecer os limites aos quais a programação deveria
de Joaninha (Recebi a tua comunicação), ameaçando cometer estar sujeita.
suicídio (Reflete antes de te matares!). A última frase contém
uma alusão ao poema “O corvo”, de Edgar Alan Poe. “A censura deveria punir as notícias sensacionalistas.”
A censura deveria proibir (ou coibir) as notícias
A respeito das relações entre coerência e coesão, Guimarães sensacionalistas ou punir os meios de comunicação que
diz: veiculam tais notícias.

“O exposto autorizanos a seguinte conclusão: ainda que “Retomada das rédeas da programação.”
distinguiveis (a coesão diz respeito aos modos de interconexão Retomada das rédeas dos meios de comunicação, no que diz
dos componentes textuais, a coerência refere - se aos modos como respeito a programação.
os elementos subjacentes à superfície textual tecem a rede do
sentido), trata - se de dois aspectos de um mesmo fenômeno a “Os meios de comunicação estão sendo apelativos,
coesão funcionando como efeito da coerência, ambas cúmplices vulgarizando e deteriorando indivíduos.”
no processamento da articulação do texto.” Os meios de comunicação estão recorrendo a expedientes
grosseiros vulgarizando o nível dos programas e desrespeitando
A coerência textual subjaz ao texto e é responsável pela os telespectadores.
hierarquização dos elementos textuais, ou seja, ela tem origem
nas estruturas profundas, no conhecimento do mundo de “A discussão deste assunto é inerente à sociedade.”
cada pessoa, aliada à competência linguística, que permitirá a A discussão deste assunto é tarefa da sociedade (compete à
expressão das ideias percebidas e organizadas, no processo sociedade).
de codificação referido na página... Deduz - se daí que é difícil,
senão impossível, ensinar coerência textual, intimamente “Na verdade, daquele autor eles pegaram apenas a
ligada à visão de mundo, à origem das ideias no pensamento. A nomenclatura...”
coesão, porém, refere - se à expressão linguística, aos processos Na verdade, daquele autor eles adotaram (utilizaram)
sintáticos e gramaticais do texto. apenas a nomenclatura...
O seguinte resumo caracteriza coerência e coesão:
“A ordem e forma de apresentação dos elementos das
Coerência: rede de sintonia entre as partes e o todo de um referências bibliográficas são mostradas na NBR 6023 da ABNT”
texto. Conjunto de unidades sistematizadas numa adequada (são regulamentadas pela NBR 6023 da ABNT).
relação semântica, que se manifesta na compatibilidade entre as
ideias. (Na linguagem popular: “dizer coisa com coisa” ou “uma O emprego de vocabulário inadequado prejudica muitas
coisa bate com outra”). vezes a compreensão das ideias. É importante, ao redigir,
Coesão: conjunto de elementos posicionados ao longo do empregar palavras cujo significado seja conhecido pelo
texto, numa linha de sequência e com os quais se estabelece um enunciador, e cujo emprego faça parte de seus conhecimentos
vínculo ou conexão sequencial. Se o vínculo coesivo se faz via linguísticos. Muitas vezes, quem redige conhece o significado de
gramática, fala-se em coesão gramatical. Se se faz por meio do determinada palavra, mas não sabe empregála adequadamente,
vocabulário, tem-se a coesão lexical. isso ocorre frequentemente com o emprego dos conectivos
(preposições e conjunções). Não basta saber que as preposições
Coerência ligam nomes ou sintagmas nominais no interior das frases e
que as conjunções ligam frases dentro do período; é necessário
- assenta-se no plano cognitivo, da inteligibilidade do texto; empregar adequadamente tanto umas como outras. É bem
- situa-se na subjacência do texto; estabelece conexão verdade que, na maioria das vezes, o emprego inadequado dos
conceitual; conectivos remete aos problemas de regência verbal e nominal.
- relaciona-se com a macroestrutura; trabalha com o todo,
com o aspecto global do texto;

Conhecimentos Específicos 33
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Exemplos: Encontrei belas palavras e não duvido da sensibilidade delas
(palavras cheias de sensibilidade).
“Coação aos meios de comunicação” tem o sentido de atuar
contra os meios de comunicação; os meios de comunicação sofrem “Dentro do envelope havia apenas um papel em branco onde
a ação verbal, são coagidos. atribui muitos significados”: havia apenas um papel em branco
“Coação dos meios de comunicação” significa que os meios de ao qual atribui muitos significados (onde significa lugar no qual).
comunicação é que exercem a ação de coagir.
“Havia recebido um envelope em meu nome e que não portava
“Estar inteirada com os fatos” significa participação, destinatário, apesar que em seu conteúdo havia uma folha em
interação. branco. ( .. )”
“Estar inteirada dos fatos” significa ter conhecimento dos Não se emprega apesar que, mas apesar de. E mais: apesar de
fatos, estar informada. não ligar corretamente as duas frases, não faz sentido, as frases
deveriam ser coordenadas por e: não portava destinatário e em
“Ir de encontro” significa divergir, não concordar. seu interior havia uma folha ou: havia recebido um envelope em
“Ir ao encontro” quer dizer concordar. meu nome, que não portava destinatário, cujo conteúdo era uma
folha em branco.
“Ameaça de liberdade de expressão e transmissão de ideias”
significa a liberdade não é ameaça; Essas e outras frases foram observadas em redações, quando
“Ameaça à liberdade de expressão e transmissão de ideias”, foi proposto o seguinte tema:
isto é, a liberdade fica ameaçada.
“Imagine a seguinte situação:
“A princípio” indica um fato anterior (A princípio, ela aceitava hoje você está completando dezoito anos.
as desculpas que Mário lhe dava, mas depois deixou de acreditar Nesta data, você recebe pelo correio uma folha de papel em
nele). branco, num envelope em seu nome, sem indicação do remetente.
“Em princípio” indica um fato de certeza provisória (Em Além disso, você ganha de presente um retrato seu e um disco.
princípio, faremos a reunião na quartafeira quer dizer que a Reflita sobre essa situação.
reunião será na quarta-feira, se todos concordarem, se houver
possibilidade, porém admite a ideia de mudar a data). A partir da reflexão feita, redija um texto em prosa, sem
“Por princípio” indica crença ou convicção (Por princípio, sou ultrapassar o espaço reservado para redação no caderno de
contra o racismo). respostas.”

Quanto à regência verbal, convém sempre consultar um Como de costume, muito se comentou, até nos jornais da
dicionário de verbos e regimes, pois muitos verbos admitem época, a falta de coerência, as frases sem clareza, pelo mau
duas ou três regências diferentes; cada uma, porém, tem um emprego dos conectivos, como as seguintes:
significado específico. Lembrese, a propósito, de que as dúvidas
sobre o emprego da crase decorrem do fato de considerar - se “Primeiramente achei gozado aqueles dois presentes, pois
crase como sinal de acentuação apenas, quando o problema concluo que nunca deveria esquecer minha infância.”
refere - se à regencia nominal e verbal. Há falta de nexo entre as duas frases, pois uma não é
Exemplos: conclusão da outra, nem ao menos estão relacionadas e gozado
O verbo assistir admite duas regências: deveria ser substituído por engraçado ou estranho.
assistir o/a (transitivo direto) significa dar ou prestar
assistência (O médico assiste o doente): “A folha pode estar amarrada num cesto de lixo mas o disco
Assistir ao (transitivo indireto): ser espectador (Assisti ao repete sempre a mesma música.”
jogo da seleção). A primeira frase não tem sentido e a segunda não se
relaciona com a primeira. O conectivo “mas” deveria sugerir
Inteirar o/a (transitivo direto) significa completar (Inteirei o ideia de oposição, o que não ocorre no exemplo anterior. Não se
dinheiro do presente). percebe relação entre “o disco repete sempre a mesma música” e
Inteirar do (transitivo direto e indireto), significa informar a primeira frase.
alguém de..., tomar ou dar conhecimento de algo para alguém “Mas, ao abrir a porta, era apenas o correio no qual viera
(Quero inteirála dos fatos ocorridos...). trazerme uma encomenda.”
Observase o emprego de no qual por o qual, melhor ainda
Pedir o (transitivo direto) significa solicitar, pleitear (Pedi o ficaria que, simplesmente: era apenas o correio que viera
jornal do dia). trazerme uma encomenda.
Pedir que contém uma ordem (A professora pediu que
fizessem silêncio). Poroutro lado, não mereceram comentários nem apareceram
Pedir para pedir permissão (Pediu para sair da classe); nos jornais boas redações como a que se segue:
significa também pedir em favor de alguém (A Diretora pediu
ajuda para os alunos carentes) em favor dos alunos, pedir algo “A vida hoje me cumprimentou, mandoume minha fotografia
a alguém (para si): (Pediu ao colega para ajudá - lo); pode de garoto, com olhos em expectativa admirando o mundo. Este
significar ainda exigir, reclamar (Os professores pedem aumento mundo sem respostas para os meus dezoito anos. Mundo carta
de salário). sem remetente, carta interrogativa para moço que aguarda o
futuro, saboreando o fruto do amanhã.
O mau emprego dos pronomes relativos também pode levar Recebi um disco, também, cuja música tem a sonoridade de
à falta de coesão gramatical. Frequentemente, empregase no passos marchando para o futuro, ao som de melodias de cirandas
qual ou ao qual em lugar do que, com prejuízo da clareza do esquecidas do meninomoço de outrora, e do moçohomem de hoje,
texto; outras vezes, o emprego é desnecessário ou inadequado. que completa dezoito anos.
Barbosa e Amaral (colaboradora) apresentam os seguintes Sou agora a certeza de uma resposta à carta sem remetente
exemplos: que me comunica a vida. Vejo, na fotografia de mim mesmo, o
homem que enfrentará a vida, que colherá com seu amor à luta e
“Pela manhã o carteiro chegou com um envelope para mim com seu espírito ambicioso, os frutos do destino.
no qual estava sem remetente”. (Chegou com um envelope que (o E a música dos passosfuturos na cadência do menino que
qual) estava sem remetente). deixou de ser, está o ritmo da vitória sobre as dificuldades, a minha
consagração futura do homem, que vencerá o destino e será uma
“Encontrei apenas belas palavras o qual não duvido da afirmação dentro da sociedade.” C. G.
sensibilidade...” Exemplo de: (Fonseca, 1981, p. 178)

Conhecimentos Específicos 34
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Para evitar a falta de coerência e coesão na articulação das 2. (TJ-PA - MÉDICO PSIQUIATRA - VUNESP - 2014). Leia o
frases, aconselhase levar em conta as seguintes sugestões para trecho do primeiro parágrafo para responder à questão.
o emprego correto dos articuladores sintáticos (conjunções,
preposições, locuções prepositivas e locuções conjuntivas). Meu amigo lusitano, Diniz, está traduzindo para o francês
Para dar ideia de oposição ou contradição, a articulação meus dois primeiros romances, Os Éguas e Moscow. Temos
sintática se faz por meio de conjunções adversativas: mas, porém, trocado e-mails muito interessantes, por conta de palavras e
todavia, contudo, no entanto, entretanto (nunca no entretanto). gírias comuns no meu Pará e absolutamente sem sentido para
Podem também ser empregadas as conjunções concessivas e ele. Às vezes é bem difícil explicar, como na cena em que alguém
locuções prepositivas para introduzir a ideia de oposição aliada empina papagaio e corta o adversário “no gasgo”.
à concessão: embora, ou muito embora, apesar de, ainda que, Os termos muito e bem, em destaque, atribuem aos termos
conquanto, posto que, a despeito de, não obstante. aos quais se subordinam sentido de:
A articulação sintática de causa pode ser feita por meio (A) comparação.
de conjunções e locuções conjuntivas: pois, porque, como, por (B) intensidade.
isso que, visto que, uma vez que, já que. Também podem ser (C) igualdade.
empregadas as preposições e locuções prepositivas: por, por (D) dúvida.
causa de, em vista de, em virtude de, devido a, em consequência (E) quantidade.
de, por motivo de, por razões de.
O principal articulador sintático de condição é o “se”: Se o 3. (TJ-PA - MÉDICO PSIQUIATRA - VUNESP - 2014).
time ganhar esse jogo, será campeão. Podese também expressar Assinale a alternativa em que a seguinte passagem – Mas o
condição pelo emprego dos conectivos: caso, contanto que, desde vento foi mais ágil e o papel se perdeu. (terceiro parágrafo) –
que, a menos que, a não ser que. está reescrita com o acréscimo de um termo que estabelece uma
O emprego da preposição “para” é a maneira mais comum de relação de conclusão, consequência, entre as orações.
expressar finalidade. “É necessário baixar as taxas de juros para (A) mas o vento foi mais ágil e, contudo, o papel se perdeu.
que a economia se estabilize” ou para a economia se estabilizar. (B) mas o vento foi mais ágil e, assim, o papel se perdeu.
“Teresa vai estudar bastante para fazer boa prova.” Há outros (C) mas o vento foi mais ágil e, todavia, o papel se perdeu
articuladores que expressam finalidade: afim de, com o propósito (D) mas o vento foi mais ágil e, entretanto, o papel se perdeu.
de, na finalidade de, com a intenção de, com o objetivo de, com o (E) mas o vento foi mais ágil e, porém, o papel se perdeu.
fito de, com o intuito de.
A ideia de conclusão pode ser introduzida por meio dos 4. (PREFEITURA DE PAULISTA/PE – RECEPCIONISTA –
articuladores: assim, desse modo, então, logo, portanto, pois, por UPENET/2014). Observe o fragmento de texto abaixo:
isso, por conseguinte, de modo que, em vista disso. Para introduzir “Mas o que fazer quando o conteúdo não é lembrado
mais um argumento a favor de determinada conclusão justamente na hora da prova?”
empregase ainda. Os articuladores, aliás, além do mais, além Sobre ele, analise as afirmativas abaixo:
disso, além de tudo, introduzem um argumento decisivo, cabal, I. O termo “Mas” é classificado como conjunção subordinativa
apresentado como um acréscimo, para justificar de forma e, nesse contexto, pode ser substituído por “desde que”.
incontestável o argumento contrário. II. Classifica-se o termo “quando” como conjunção
Para introduzir esclarecimentos, retificações ou subordinativa que exprime circunstância temporal.
desenvolvimento do que foi dito empregamse os articuladores: III. Acentua-se o “u” tônico do hiato existente na palavra
isto é, quer dizer, ou seja, em outras palavras. A conjunção “conteúdo”.
aditiva “e” anuncia não a repetição, mas o desenvolvimento do IV. Os termos “conteúdo”, “hora” e “prova” são palavras
discurso, pois acrescenta uma informação nova, um dado novo, invariáveis, classificadas como substantivos.
e se não acrescentar nada, é pura repetição e deve ser evitada. Está CORRETO apenas o que se afirma em:
Alguns articuladores servem para estabelecer uma gradação (A) I e III.
entre os correspondentes de determinada escala. No alto dessa (B) II e IV.
escala achamse: mesmo, até, até mesmo; outros situamse no (C) I e IV.
plano mais baixo: ao menos, pelo menos, no mínimo. (D) II e III.
(E) I e II.
Questões
5. (PREFEITURA DE OSASCO/SP - MOTORISTA DE
1. (CONAB - CONTABILIDADE - IADES - 2014). Assinale AMBULÂNCIA – FGV/2014).
a alternativa que preserva as relações morfossintáticas e
semânticas do período “Diante de sua rápida adaptação ao Dificuldades no combate à dengue
solo e ao clima, o produto adquiriu importância no mercado,
transformando-se em um dos principais itens de exportação, A epidemia da dengue tem feito estragos na cidade de São
desde o Império até os dias atuais.” (linhas de 3 a 6). Paulo. Só este ano, já foram registrados cerca de 15 mil casos da
(A) Em face de sua rápida adaptação ao solo e ao clima, o doença, segundo dados da Prefeitura.
produto adquiriu importância no mercado, porém transformou- As subprefeituras e a Vigilância Sanitária dizem que existe
se em um dos principais itens de exportação, desde o Império um protocolo para identificar os focos de reprodução do
até os dias atuais. mosquito transmissor, depois que uma pessoa é infectada. Mas
(B) O produto, em virtude de sua rápida adaptação ao solo quando alguém fica doente e avisa as autoridades, não é bem
e ao clima, adquiriu importância no mercado e transformou-se isso que acontece.
em um dos principais itens de exportação, desde o Império até (Saúde Uol).
os dias atuais. “Só este ano...” O ano a que a reportagem se refere é o ano
(C) O produto, por sua rápida adaptação ao solo e ao clima, (A) em que apareceu a dengue pela primeira vez.
adquiriu importância no mercado, todavia, desde o Império até (B) em que o texto foi produzido.
os dias atuais, transformou-se, consequentemente, em um dos (C) em que o leitor vai ler a reportagem.
principais itens de exportação. (D) em que a dengue foi extinta na cidade de São Paulo.
(D) Face sua rápida adaptação ao solo e ao clima, o produto (E) em que começaram a ser registrados os casos da doença.
adquiriu importância no mercado, e, conquanto, transformou-se
em um dos principais itens de exportação, desde o Império até Respostas
os dias atuais. 1. (B)
(E) O produto transformou-se, desde o Império até os dias O item que reproduz o enunciado de maneira adequada é: O
atuais, em um dos principais itens de exportação por que sua produto, em virtude de sua rápida adaptação ao solo e ao clima,
adaptação ao solo e ao clima foi rápida. adquiriu importância no mercado e transformou-se em um dos
principais itens de exportação, desde o Império até os dias atuais.

Conhecimentos Específicos 35
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
2. (B) porém há outros conceitos de gramática implícitos na prática
Muito interessantes / bem difícil = ambos os advérbios então sugerida. O próprio percurso metodológico proposto
mantêm relação com adjetivos, dando-lhes noção de intensidade. (USO -REFLEXÃO - USO) parte de uma gramática internalizada,
em direção a uma gramática descritiva reflexiva feita através
3. (B) de atividades epilinguísticas para, por fim, chegar à gramática
Nas alternativas A, C, D e E são apresentadas conjunções explícita ou às atividades metalinguísticas; a sugestão é que as
adversativas – que nos dão ideia contrária à apresentada atividades que envolvam metalinguagem sejam abordadas no
anteriormente; já na B, temos uma conjunção conclusiva (assim). quarto ciclo (7ª. e 8ª. séries), porém sem interesse normativo-
prescritivo, com o privilégio de alguns conteúdos pertinentes
4. (D) às especificidades dos gêneros discursivos/ textuais a serem
I. O termo “Mas” é classificado como conjunção subordinativa estudados e não de todos os conteúdos tradicionalmente dados
= é conjunção coordenativa adversativa por gramáticas normativas. De acordo com o documento:
II. Classifica-se o termo “quando” como conjunção A atividade mais importante, pois, é a de criar situações em
subordinativa que exprime circunstância temporal = correta que os alunos possam operar sobre a própria linguagem (...).
III. Acentua-se o “u” tônico do hiato existente na palavra É a partir do que os alunos conseguem intuir nesse trabalho
“conteúdo” = correta epilinguístico, tanto sobre os textos que produzem quanto
IV. “Os termos “conteúdo”, “hora” e “prova” são palavras sobre os textos que leem, que poderão falar e discutir sobre a
invariáveis, classificadas como substantivos = são substantivos, linguagem, registrando e organizando essas intuições: uma
mas variáveis (conteúdos, horas e provas. Lembrando que atividade metalinguística, que envolve a descrição dos aspectos
“prova” e “provas” podem ser verbo: Ele prova todos os doces! observados por meio da categorização e tratamento sistemático
Tu provas também?) dos diferentes conhecimentos construídos. (PCNs)
Se, nos ciclos anteriores [1ª. a 6ª. séries], priorizavam-se as
5. (B) atividades epilinguísticas, havendo desequilíbrio claro entre
O ano em questão corresponde ao ano em que foi feita a estas e as metalinguísticas, nesse momento [7ª. e 8ª. séries]
matéria. já pode haver maior equilíbrio: sem significar abandono das
primeiras ou uso exaustivo das segundas, os diversos aspectos
A prática de análise linguística nas aulas de língua do conhecimento linguístico podem, principalmente no quarto
portuguesa ciclo, merecer tratamento mais aprofundado na direção da
construção de novas formas de organizá-lo e representá-lo que
I) PCNS E A PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA impliquem a construção de categorias, intuitivas ou não. (PCNs)
Os alunos (...), ao se relacionarem com este ou aquele texto,
Segundo Daniela Manini, os PCNs sugerem, como sempre o farão segundo suas possibilidades: isto aponta para
metodologia para o trabalho com os objetos de ensino de Língua a necessidade de trabalhar com alguns conteúdos e não com
Portuguesa, partir de atividades que envolvam o uso da língua, todos. (PCNs)
como produção e compreensão de textos orais e escritos em Entre as várias influências que os referenciais trazem
diferentes gêneros discursivos/ textuais, seguidas de atividades para essa abordagem, destacamos os trabalhos de Geraldi.
de reflexão sobre a língua e a linguagem a fim de aprimorar as Nos Cadernos da Fidene, o autor propõe o ensino de gramática
possibilidades de uso. O tratamento didático proposto pode ser a partir de produções escritas dos alunos; a sugestão dos
assim esquematizado: conteúdos a serem trabalhados em cada série_ bastante fiel
às gramáticas normativas_ evidencia o quanto a tradição
USO REFLEXÃO USO gramatical era influente, à época; porém o autor destaca que,
a partir dos textos dos alunos, além dos aspectos ortográficos
O eixo da reflexão envolve as práticas de análise linguística. e sintáticos, o professor deveria considerar também os efeitos
De acordo com os PCNs, esta “não é uma nova denominação para de sentido e possibilitar que os alunos compartilhassem suas
o ensino de gramática”, pois, uma vez que toma o texto como produções escritas com toda a turma, não tendo apenas o
unidade de ensino, além dos aspectos ortográficos e sintáticos a professor como interlocutor. Em O texto na sala de aula (1984),
serem considerados, considera também os aspectos semânticos Geraldi usa pela primeira vez o termo “análise linguística” para
e pragmáticos que enquadram o texto em determinado gênero os estudos gramaticais feitos a partir do texto, o que aponta
discursivo/ textual. Dessa forma, os referenciais assumem para uma perspectiva processual, de construção e reflexão
uma perspectiva contrária à tradição gramatical, que analisa sobre os conhecimentos linguísticos, ainda que se destacasse, à
unidades menores como fonemas, classes de palavras, frases, época, a importância de conhecê-los visando à norma culta. Já
raramente chega ao texto e reproduz a “clássica metodologia de em Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação, o
definição, classificação e exercitação” (PCNs). autor propõe a reflexão sobre a língua e a linguagem em uso,
Outra evidência da postura contrária à tradição gramatical partindo das atividades epilingüísticas para as metalinguísticas.
é que, em nenhum momento, os PCNs fazem alusão ao As orientações metodológicas dadas pelos PCNs resultam,
aprimoramento dos conhecimentos linguísticos visando também, das concepções sobre língua, linguagem e ensino-
à norma culta ou se referem à dicotomia fala x escrita. Apontam, aprendizagem que assumem. Afinal, apesar do diferencial
sim, para a necessidade de a escola possibilitar ao aluno de não serem diretrizes, mas sim referenciais/ sugestões/
conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português, e orientações/ parâmetros, mantêm as características do gênero
também levá-lo ao domínio apropriado da leitura e da escrita, “proposta curricular de ensino de língua materna” ao elegerem
relacionando-as à oralidade quando necessário, para as o professor de Língua Portuguesa como interlocutor direto e
práticas sociais em que deverá fazer uso das mesmas. Há uma apontarem para a necessidade de haver, na prática docente, um
preocupação, portanto, em promover práticas significativas de posicionamento claro a respeito desses conceitos. Faremos uma
acesso à cultura letrada, garantindo a permanência e a circulação breve apresentação sobre como os PCNs os propõem a fim de
autônoma dos indivíduos em uma sociedade grafocêntrica; para entendermos, de modo mais abrangente, as orientações para o
isso, as práticas reflexivas sobre atividades de uso da língua e da trabalho com os objetos de ensino do eixo da reflexão.
linguagem são fundamentais. Ainda que não façam menções explícitas a respeito dos
Apoiados nos estudos de Rodrigues Silva, vemos uma conceitos teóricos que lhes servem de base, é possível dizer que
contradição nos PCNs quando afirmam que análise linguística as concepções sobre língua e linguagem que embasam os PCNs
não é ensino de gramática, pois, na apresentação sobre a área advêm da teoria da enunciação, dada por Bakhtin. De acordo
de Língua Portuguesa, há a seguinte colocação: “(...) discute-se com essa teoria, ao se apropriar do aparelho formal da língua,
se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma isto é, ao enunciar, o indivíduo coloca-se como locutor, revelando
falsa questão: a questão verdadeira é o que, para que e como sua individualidade, sempre marcada pelas condições sócio
ensiná-la” (PCNs). Entendemos que os referenciais negam a históricas em que se insere. Na enunciação, o indivíduo implanta
associação entre análise linguística e gramática normativa, o outro diante de si e, nesse momento, a língua passa a efetuar-

Conhecimentos Específicos 36
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
se em uma instância de discurso, através da qual ocorre a em função dos baixos salários, da excessiva jornada de trabalho
interação. Ao interagirem através da linguagem, as pessoas estão a que os professores têm que se sujeitar, da multiplicação e
sempre se constituindo e organizando suas atividades mentais, da diversidade de alunos por sala, entre outros fatores, como
ao mesmo tempo em que a língua se constitui e se organiza, muito bem mostra Soares. Portanto, ainda que seja expectativa
em um fazer e desfazer contínuo. Essa situação de produção, dos PCNs, é uma realidade pouco comum, sobretudo na escola
circulação e recepção é o que compõe os gêneros do discurso e pública, um professor que elabore seu próprio material didático,
mostra a língua como sendo viva e dinâmica. Nos referenciais, conceba e trabalhe o ensino de língua materna dentro de uma
tais concepções ficam evidentes em passagens como: perspectiva enunciativo/ discursiva e perceba os limites,
Linguagem aqui se entende, no fundamental, como ação necessidades e possibilidades de aprendizagem de seus
interindividual orientada por uma finalidade específica, um alunos. O mais comum, novamente de acordo com Rojo, é um
processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais profissional que estruture seu trabalho a partir do livro didático.
existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos Em função disso, nossa opção é considerar os atuais livros
momentos de sua história. Os homens e as mulheres interagem didáticos de Língua Portuguesa (doravante Lidos) como um
pela linguagem tanto numa conversa informal, entre amigos, ou gênero do discurso secundário (cg Bunsen) que pode funcionar
na redação de uma carta pessoal, quanto na produção de uma como mecanismo de transposição (Chevallard, apud Marandino)
crônica, uma novela, um poema, um relatório profissional. [...] das propostas dos PCNs e contribuir para a formação dos
(...) língua é um sistema de signos específico, histórico e professores em direção a uma prática reflexiva/ descritiva para
social, que possibilita a homens e mulheres significar o mundo o trabalho com os objetos de ensino de gramática.
e a sociedade. (PCN) A seguir, será feita a análise de dois Lidos voltados para a
Já a concepção sobre o processo ensino-aprendizagem quinta-série, diferenciados como “livro do professor” e que
fundamenta-se no interacionismo sócio-histórico proposto por indicam estar de acordo com os PCNs. Faremos uma espécie
Vygotsky. Dentre os principais pontos dessa teoria, destacamos de análise comparativa, pois um LDP pode ser considerado
os seguintes: i) todo aprendizado é mediado pela linguagem, “razoável” e outro, “muito bom”. Nosso enfoque será em como
portanto ocorre sempre em situações de interação; ii) o são dadas as orientações aos professores e como são propostas
aprendizado começa muito antes de o indivíduo frequentar a as atividades de análise linguística.
escola, por isso qualquer situação de aprendizado escolar
tem sempre uma história prévia; iii) o aprendizado escolar II) LDPS E AS ATIVIDADES DIDÁTICAS RELACIONADAS
produz algo novo no desenvolvimento do aprendiz, portanto AOS CONHECIMENTOS LINGUÍSTICOS
toda situação de aprendizagem escolar deve considerar a ZDP Com base nas definições de Choppin, esta análise privilegia
(zona de desenvolvimento proximal), que é “a distância entre o o livro didático em sua função referencial, pois considera em
nível de desenvolvimento real, determinado através da solução que medida os Lidos pautam-se pelas orientações curriculares
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento oficiais dadas pelos PCNs, e também em sua função instrumental,
potencial, determinado através da solução de problemas sob pois analisa como apresentam os objetos de ensino de gramática.
a orientação de um adulto ou em colaboração com outros
companheiros mais capazes” (Vygotsky) os processos de Os Lidos em análise são:
mudança do indivíduo, durante seu desenvolvimento, têm
origem na sociedade e na cultura. Essas ideias podem ser 1) TIEPOLO, E. V. & MEDEIROS, S. G. Arte e manhas da
percebidas nos referenciais a partir de trechos como: linguagem. Curitiba: Positivo. 5ª série – livro do professor.
A complexidade de determinado objeto deve ser considerada (Doravante AML)
em relação ao sujeito aprendiz e aos conhecimentos por ele já
construídos a respeito. (PCN) 2) SOARES, M. . Português, uma proposta para o letramento.
(...) há mudanças significativas na forma, no corpo, no São Paulo: Editora Moderna. 5ª série – livro do professor.
timbre da voz, na postura. Esse processo impõe ao adolescente (Doravante PPL)
a necessidade de reformulação de sua autoimagem, dado
que aquela que havia se construído ao longo da infância está Ambos foram aprovados na avaliação do Programa Nacional
desajustada aos novos esquemas corporais e às novas relações do Livro Didático (PNLD) em 2005 e isso indica que não trazem
afetivas, sociais e culturais que possa estabelecer. (PCN) uma abordagem totalmente transmissiva e descontextualizada
Os PCNs vislumbram um professor capaz de fundamentar- para o ensino de gramática, pois os critérios de avaliação do
se em tais conceitos e elaborar projetos de ensino e sequências Programa incidem sobre a necessidade de desenvolver os
didáticas. Nesse caso, sob influência dos estudos sobre conhecimentos linguísticos dos alunos relativos ao discurso,
Psicologia e Ciência da Educação da Universidade de Genebra, através de uma prática reflexiva, conforme propõem também
com destaque para o trabalho de Schneuwly, a proposta dos os PCNs. Vejamos como o manual do professor (doravante MP)
referenciais é que, tendo os gêneros discursivos/ textuais e a primeira unidade didática (doravante UD) de cada LDP
como objetos de ensino, através deles sejam desenvolvidas dialogam com o professor e apresentam os objetos de ensino do
as capacidades linguísticas dos alunos para produção e eixo da reflexão.
compreensão de textos orais e escritos e reflexão sobre a língua
e a linguagem. De acordo com Schneuwly & Dolz, para elaborar II. 1) A proposta de AML
um projeto de ensino ou uma sequência didática, o professor A coleção AML foi bem avaliada pelo PNLD/ 2005. Apesar
deve definir, previamente, quais as capacidades linguísticas a do Guia de livros didáticos 2005 (SEF/ MEC 2004) não trazer a
serem desenvolvidas, eleger um gênero discursivo/ textual, classificação por estrelas ou indicar como “recomendado”, “não
privilegiando a escolha entre aqueles dominados de modo recomendado” ou “recomendado como distinção”, como em
insuficiente pelos alunos, estudá-lo e depois retomá-lo de forma edições anteriores, a resenha que traz indica que a coleção
espiral. Os PCNs baseiam-se nesse modelo, principalmente no cumpriu de maneira satisfatória os critérios de avaliação e isso
sentido de retomar os conteúdos de forma espiral, mas apontam permite ao professor entender que se trata de um bom material,
mais para a diversidade dos gêneros discursivos/ textuais e portanto, recomendado.
um trabalho com as propriedades tipológicas que os envolvem, Porém, em nossa leitura do MP, identificamos, de início, uma
como leitura, produção de textos e análise linguística, do que incoerência, pois são apresentadas concepções teóricas sobre
para o estudo dos gêneros em progressão. língua e linguagem, “conteúdos essenciais” e metodologia de
Porém, como mostra Rojo, há um descompasso entre a ensino em Língua Portuguesa, dicas sobre “avaliação diagnóstica
formação docente e as sugestões dos PCNs, pois boa parte dos e processual”, ZDP, como trabalhar ortografia, oralidade,
cursos de formação inicial e continuada de professores de Língua gramática, textos literários, entre outras orientações dadas de
Portuguesa não aborda as teorias sobre língua/ linguagem maneira muito semelhante ao gênero “proposta curricular de
e ensino-aprendizagem que embasam os referenciais. Além ensino de língua materna” e, portanto, diferente do gênero
disso, nas três últimas décadas não têm sido proporcionadas as “manual do professor”, pois indica o que o professor tem que
condições necessárias para o exercício da profissão docente, seja fazer e não esclarece de modo razoável o que a coleção oferece

Conhecimentos Específicos 37
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
ou qual é a sua proposta; é quase como se o professor pudesse tipo “siga o modelo” ou “complete as lacunas”, o que não amplia
prescindir do LDP. as possibilidades de interpretação e uso da linguagem, não indo,
Outra incoerência é que, em alguns momentos, o MP portanto, da gramática implícita, para a descritiva/ reflexiva e
parece dialogar com um professor alfabetizador e não com um depois para a explícita, como sugerem os referenciais. Como
professor de Língua Portuguesa da 5ª série. Na longa seção exemplo disso, trazemos a seguinte atividade, proposta na
“Como trabalhar ortografia”, isso fica evidente através de dicas página 21:
como:
Para que as atividades com ortografia sejam produtivas, é
3. Releia estes dois versos do poema [Eu, Paulo Tatit]:
preciso que cada professor faça um levantamento dos erros mais
Se não fosse uma barata
comuns da turma e trabalhe partindo deles. [...]
É possível, também, combinar previamente com eles Ninguém teria gritado
algumas palavras que devem ser grafadas corretamente,
fixando uma lista num local bem visível. Assim, por exemplo, Agora copie em seu caderno e complete as frases a seguir
com as palavras dos parênteses. Faça as adequações
se a turma está trabalhando com textos que tratam de ‘bruxas’,
necessárias:
algumas palavras desse campo semântico serão selecionadas
para a lista: ‘vassoura, caldeirão, poção’. E quem desejar a) Se a moça não (gritar) de medo da barata, o moço
escrever alguma delas pode consultar a ‘cola’ para não nada (ouvir).
errar. (MP: 13, ênfases adicionadas) b) Se meu bisavô não me (contar) essa história, eu
Ou então na seção “Conteúdos essenciais”: não (ter) como saber.
É necessário trazer para a escola várias manifestações c) Se aquela moça esperta não (ter) passado por ali,
linguísticas (...) que fazem parte de nosso cotidiano, porque a meu bisavô não (existir).
criança, mesmo quando não sabe ler, está inserida em uma
sociedade letrada e já possui hipóteses sobre o uso da linguagem. O exercício não traz definições sobre tempos e modos
(MP: 05, ênfase adicionada) verbais, o que pode ser encarado como algo positivo; mas, por
O que pode ter garantido uma boa avaliação da coleção no outro lado, não sugere ao professor uma maneira de desenvolver
PNLD/ 2005 é o fato dela trazer, conforme explica no MP, um a atividade, não traz considerações sobre o sentido indicado pela
projeto que evita a fragmentação dos conteúdos da disciplina condicional “se” e as possibilidades de uso de formas verbais a
Língua Portuguesa na tentativa de mostrar a língua de modo partir dela e nem relaciona os versos ao texto que lhe serviu de
discursivo, tanto que não há, nas seis Duas do livro em questão, pretexto. É a clássica prática “siga o modelo”. Entendemos que a
separação entre as capacidades linguísticas a serem trabalhadas atividade considera a gramática implícita do aluno, expande para
a partir dos textos. Cada unidade traz textos de diferentes a possibilidade de testar o seu uso, mas não se dirige para uma
gêneros sobre um mesmo tema e, a partir deles, são propostas reflexão sobre ele, e isso não contribui para o desenvolvimento
questões que envolvem interpretação, produção de textos e de suas possibilidades e capacidades de aprendizagem (ZDP),
atividades de análise linguística. pois um aluno bem letrado pode fazê-la mecanicamente, sem até
Sobre a abordagem gramatical, a seção “Gramática x mesmo precisar da orientação do professor.
funcionamento dos padrões da língua oral e escrita” apresenta Este último, por sua vez, ao constatar que o livro não traz
como objetivos a reflexão e a comparação entre as diferentes um direcionamento claro sobre como abordar esse tipo de
formas de uso da língua e da linguagem a fim de construir os atividade, pode recorrer às clássicas definições gramaticais. Isso,
conhecimentos linguísticos dos alunos, e isso coincide com por um aspecto, pode levantar a hipótese de que AML apresenta
a proposta dos PCNs. Mas, em várias passagens, o MP faz uma metodologia de ensino não muito diferenciada de práticas
referências à necessidade de estudar Língua Portuguesa visando cristalizadas em aulas de gramática por supor um professor a
à norma culta, sugere que o professor recorra a explicações quem o método transmissivo-prescritivo faça mais sentido.
da gramática tradicional sem haver necessidade dos alunos Apesar de indicar em sua capa que está “De acordo com
“memorizá-las”, propõe que, nas atividades de reescrita de os PCNs”, o livro em questão, como se vê, preserva práticas
textos, o professor aproveite para “mostrar a paragrafação, tradicionais de ensino de língua materna, e não apenas no
a translineação, o emprego de maiúsculas e minúsculas, a que se refere aos aspectos gramaticais. Uma resposta para
pontuação e a marcação do discurso direto e indireto” (MP: sua avaliação positiva no PNLD/ 2005, além da apresentação
10) ou dê alguns “macetes” para o aluno memorizar regras das atividades didáticas evitando a fragmentação, conforme já
ortográficas; enfim são várias as explicações que parecem mencionamos, pode estar também no fato dessa avaliação não
manter a perspectiva tradicional de ensino de língua materna, considerar somente a relação entre os Lidos e os referenciais
pois objetiva a norma culta e privilegia aspectos estruturais do teóricos, mas sim as relações entre os próprios Lidos, de acordo
texto, esquecendo-se dos efeitos de sentido produzidos tanto com as conclusões de Bräkling.
nos textos dos alunos como nos trazidos pelo livro didático.
II. 2) A proposta de PPL
Isso evidencia uma falta de clareza nas orientações dadas ao
Esta coleção foi muito bem avaliada pelo PNLD/ 2005.
professor, já que mistura o discurso dos PCNs com um discurso
O professor habituado às classificações, após a leitura da
estruturalista sobre a linguagem.
resenha no Guia (SEF/MEC), entende que se trata de um
Essa confusão se reflete também nas Duas, principalmente
material recomendado com distinção e, portanto, bastante
porque o modo como se organizam não é bem explicado. A
coerente com as práticas renovadas de ensino de língua materna,
primeira delas, por exemplo, tem como tema a pergunta: “Você
sugeridas pelos PCNs e, em boa medida, implementadas nos
se conhece?”. É composta por quinze páginas, traz textos breves
critérios de avaliação do PNLD.
nos gêneros história em quadrinhos, entrevista, fábula, teste
O livro que hora analisamos não faz menção aos referenciais,
de revista, poesia, diário íntimo, instrucional e informativo,
mas em sua contracapa apresenta a coleção dizendo que ela
além de boxes com dicas de leitura aos alunos e com a seção
“tem uma unidade teórico-metodológica que cria condições para
“b@te p@po”, onde há perguntas sobre os textos e exercícios
que o aluno, ao longo do Ensino Fundamental, amplie, de forma
da unidade através das quais, supõe-se, o aluno pode refletir
progressiva e integrada, suas possibilidades de interação com a
individualmente sobre o que traz o livro. Há também várias
leitura e a escrita”. Além disso, o MP, dividido em duas partes,
imagens, principalmente em forma de ilustrações coloridas, que
traz na primeira os “Fundamentos da Coleção” através de breves
compõem com qualidade o discurso do livro. Porém quase não
explicações teóricas, seguidas de referências bibliográficas,
há instruções ao professor sobre quais os objetivos pretendidos
sobre a necessidade de um ensino integrado da alfabetização à
a partir de cada texto e das atividades propostas.
oitava série, o que é letramento e o ensino de língua materna
Especificamente sobre as práticas de análise linguística, há
várias atividades de reescrita envolvendo pontuação, sinonímia, tendo o texto como unidade onde possam se manifestar
flexões verbais, anáforas e concordância verbo-nominal a partir diferentes gêneros sobre um mesmo tema. O que vemos, então,
dos textos da UD, o que indica a perspectiva da língua em uso, é um material que assume, mesmo que não declaradamente,
como propõem os PCNs. Porém a abordagem é estrutural, do os pressupostos dos PCNs e encaminha, de maneira clara, o

Conhecimentos Específicos 38
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
professor nesse sentido. O objetivo da atividade é, de acordo com as orientações
A orientação ao professor é muito bem feita também na dadas ao professor, “enfatizar os recursos e as convenções
segunda parte do MP, que traz explicações sobre a organização para a escrita de diálogos” (PPL: 39). O caminho percorrido,
do LDP. Este se divide em quatro Duas, compostas por textos em como vemos, parte do uso (leitura da HQ), para a reflexão
diversos gêneros arespeito de um mesmo tema, a partir dosquais com o objetivo de aprimorar o uso (como estruturar diálogos
são propostas atividades nas seções de “leitura” (preparação em narrativas; comparar o texto construído pelos alunos com
para a leitura, leitura oral, leitura silenciosa, interpretação oral, o que serve de base à atividade, identificando as diferenças e
interpretação escrita, sugestões de leitura), “produção de texto”, estabelecendo as regras), seguindo a metodologia dos PCNs.
“linguagem oral”, “língua oral - língua escrita”, “vocabulário”, Além disso, durante as etapas de construção do conceito, o aluno
“reflexão sobre a língua”. O MP explica qual o objetivo pretendido é chamado o tempo todo a pensar sobre a língua e a linguagem,
com cada tipo de atividade, bem como a metodologia que o seja através das palavras em destaque nos exercícios ou das
professor pode adotar para desenvolvê-la, além de indicar a instruções: “veja”, “invente”, “escreva”, “leia”, “compare”. O fato da
referência bibliográfica em que se baseiam tais orientações, o sequência de atividades sugerir a realização em duplas amplia
que serve também como sugestão de leitura aos docentes. as possibilidades de análise e trabalha bem com as capacidades
A ordem e a ocorrência das seções variam de unidade para de aprendizagem a serem desenvolvidas (ZDP), mas, é claro,
unidade; o que as determina são as capacidades linguísticas a mediação do professor é fundamental, haja vista que são
que se pretende desenvolver a partir dos textos_ ao estilo atividades procedimentais e isso confirma que o LDP (neste
das propostas do grupo de Genebra. Além disso, esta divisão, caso, um bom LDP) “possui um alto grau de dependência da sala
como diz o próprio MP, tem fins didáticos, pois os limites de aula” (cf. Batista, 1999: 549).
entre as seções não são rígidos, “há grande fluidez e frequente A partir desses exemplos e considerações, é possível
sobreposição entre elas” (MP: 11). Os estudos gramaticais, por dizer que o professor que optar por PPL e se interessar pelas
exemplo, são especificamente reservados para a seção “reflexão informações dadas no MP e ao longo das Duas terá oportunidade
sobre a língua” que, como o próprio título indica, privilegia a de conhecer uma proposta enunciativa/ discursiva para o ensino
construção de conhecimentos linguísticos a partir da observação de língua materna, bem coerente com a sugestão dos PCNs.
e da análise da língua em uso_ bem de acordo com a proposta Isso certamente contribuirá para sua formação e, quem sabe,
dos PCNs _, mas também são realizados em outras seções. modificará suas práticas, principalmente se considerarmos as
Na primeira UD, que se desenvolve em quarenta e sete concepções abstratas e prescritivas de ensino de gramática,
páginas e tem como tema a pergunta: “Quem é que eu sou?”, ainda presentes em muitos Lidos (vide Bräkling, 2003) e salas
vemos atividades de reflexão sobre a língua em quase todas as de aula de língua materna. Podemos entender que PPL dirige-se
seções; seja para explicar sinais de pontuação nas propostas de a um professor interessado em práticas renovadas de ensino de
leitura silenciosa, ou na elaboração de regras de ortografia em Língua Portuguesa.
“vocabulário”, ou para construir a organização do discurso direto
em “língua oral – língua escrita”, ou para refletir a respeito das
variações no uso da língua através das gírias em “reflexão sobre a Apesar das diferenças entre os dois Lidos aqui analisados,
língua”, ou para considerar as flexões verbais de tempo e pessoa podemos dizer que, de certa forma, eles documentam as
também em “reflexão sobre a língua”. Em todas as atividades da propostas de mudança no ensino de língua materna sugeridas
UD há orientações sobre quais os objetivos esperados e como o pelos PCNs. Exemplo disso é o fato de articularem os objetos de
professor pode proceder. ensino de gramática às propostas de leitura e produção de texto
Como exemplo de um trabalho com os conhecimentos e orientarem os professores sobre as concepções teóricas que
linguísticos, apresentamos uma sequência de três exercícios, lhes servem de base.
dados na seção “língua oral – língua escrita”, à página 38, após a Em relação às inconsistências de AML, entendemos, por
leitura de uma história em quadrinhos: um lado, que há um padrão de qualidade desejado para o LDP
2. Se essa história fosse contada num texto narrativo, as e há os livros aceitos pelo PNLD; por outro lado, entendemos
falas seriam introduzidas por travessão e por palavras – também que o professor presumido pelo LDP muitas vezes é
verbos – que indicam o que está acontecendo e como está aquele que preserva práticas tradicionais de ensino e mostra-se
pouco interessado em práticas renovadas, tanto que Lidos muito
acontecendo: o personagem fala, pergunta, responde,
bem avaliados pelo PNLD têm impacto negativo na escolha
reclama, grita... Veja, como exemplo, o começo:
dos docentes, de acordo com Batista. Porém, isso não exime
a necessidade de uma ampla revisão na coleção organizada
O pai perguntou: por Tiepolo & Medeiros e também não isenta as pesquisas
_ Qual de vocês vai levar o lixo pra fora hoje? acadêmicas de um olhar sobre esse tipo de material, pois, de
O filho respondeu: acordo com Choppin, privilegiam-se os LDs muito bons ou muito
_ Ela. Ontem fui eu! ruins e se esquecem do “razoável”.
- O professor vai organizar a turma em duplas. Já PPL contribui para a renovação do ensino por cumprir o
- Cada dupla vai escrever o diálogo entre os personagens desafio dos atuais Lidos que, segundo Rangel, seria apresentar
da história, usando, para introduzir as falas, travessão e um “os novos objetos didáticos do ensino de língua materna: o
verbo escolhido entre os seguintes: discurso, os padrões de letramento, a língua oral, as gramáticas
de uma mesma língua” econduzir bem os professores no trabalho
com eles. Um trabalho a ser feito é orientar os professores, no
Dizer Exclamar Gritar Protestar Declarar
momento da escolha, para opção e uso de materiais como este,
Falar Perguntar Indagar Responder Reclamar
o que certamente contribuirá para sua formação e também
- Se quiserem, inventem nomes para os personagens.
lhes permitirá conhecer, e praticar, o que propõem os PCNs, ou
seja, uma metodologia baseada numa concepção enunciativa/
3. Algumas duplas leem em voz alta o diálogo que
discursiva de ensino de Língua Portuguesa, principalmente para
escreveram.
o ensino de gramática.
Agora, vocês estão de novo usando linguagem oral para ler as
Para finalizar, gostaríamos de dizer que é nesse sentido
falas dos personagens que foram escritas por vocês.
que pensamos a transposição dos PCNs via Lidos, pois sabemos,
4. Com a orientação do professor, comparem a apresentação
apoiados nos estudos de Bunsen, que vários fatores estão em
do diálogo na história em quadrinhos e no texto que vocês
jogo na elaboração de um LDP, como, por exemplo, os editores,
produziram em duplas: a sedimentação do currículo escolar e das práticas docentes,
- Como a história em quadrinhos representa o que os
a formação dos autores. Além disso, a História da disciplina
personagens falam e indicam como eles falam?
Língua Portuguesa, das organizações escolares e do LDP,
- Como os textos que vocês construíram em duplas conforme apresentamos no trabalho inicial para esta disciplina,
apresentam o que os personagens falam e indicam como eles
mostra-nos também que há questões político-culturais
falam?
envolvidas na didatização dos objetos de ensino. Portanto, não

Conhecimentos Específicos 39
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
cabe relegar apenas aos PCNs a configuração dos atuais Lidos, se enuncia algo”. E assim por diante, numa lista quilométrica.
mas entendemos que, após sua publicação, e também após Pode até parecer mais fácil e econômico trabalhar apenas com
as avaliações do PNLD, estabeleceram-se novas perspectivas os aspectos estruturais da língua, mas é garantido: a turma não
teóricas e metodológicas para o ensino de língua materna, vai aprender. “O que importa é fazer a garotada transitar entre
é isso que entendemos ser possível “transpor”, via LDP, aos as diferentes estruturas e funções dos textos como leitores e
professores, mesmo porque, de acordo com Rangel, “o ensino de escritores”, explica a linguista Beth Marcuschi, da Universidade
Português não pode mais desconhecer, nos passos e atividades Federal de Pernambuco (UFPE).
que propõe aos alunos, o que já se sabe sobre as condições
sócio interacionais e os mecanismos cognitivos envolvidos nos É por isso que não faz sentido pedir para os estudantes
processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem, tanto escreverem só para você ler (e avaliar). Quando alguém escreve
oral quanto escrita”. uma carta, é porque outra pessoa vai recebê-la. Quando alguém
redige uma notícia, é porque muitos vão lê-la. Quando alguém
produz um conto, uma crônica ou um romance, é porque espera
Leitura e produção de textos. emocionar, provocar ou simplesmente entreter diversos leitores.
E isso é perfeitamente possível de fazer na escola: a carta pode
ser enviada para amigos, parentes ou colegas de outras turmas; a
notícia pode ser divulgada num jornal distribuído internamente
Leitura e produção de texto
ou transformado em mural; o texto literário pode dar origem a
um livro, produzido de forma coletiva pela moçada.
Considerando que a leitura é uma construção ativa dos
sentidos, este curso justifica-se pela necessidade incessante de
Os especialistas dizem que os gêneros são, na verdade, uma
se (re)pensar o ensino da leitura e da escrita e seus processos de
“condição didática para trabalhar com os comportamentos
aprendizagem nos ensinos fundamental e médio.
leitores e escritores”. A sutileza - importantíssima - é que eles
devem estar a serviço dos verdadeiros Conteúdos os chamados
Ler ultrapassa a necessidade de busca de informações,
“comportamentos leitores e escritores” (ler para estudar,
muito menos fica no campo do passatempo, mas leitura, como
encontrar uma informação específica, tomar notas, organizar
diz Cecília Meireles, é nutrição. Muitas vezes, o professor
entrevistas, elaborar resumos, sublinhar as informações mais
anseia por novas metodologias de ensino dessa atividade que
relevantes, comparar dados entre textos e, claro, enfrentar o
é fator principal para a construção dos sentidos; dessa forma,
desafio de escrevê-los). “Cabe ao professor possibilitar que os
atualizar-se em teorias e metodologias é o papel do professor
alunos pratiquem esses comportamentos, utilizando textos de
contemporâneo atuante.
diferentes gêneros”, afirma Beatriz Gouveia, coordenadora do
Programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.
As novas tecnologias, constituem-se como ferramentas
indispensáveis para o aperfeiçoamento do professor. Outro
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/
ponto de sustentação para as discussões e práticas propostas por
pratica-pedagogica/generos-como-usar-488395.shtml
este curso é o pressuposto de que não há conhecimento neutro,
não há disciplina que se aprenda isolada de outros conteúdos.
Literatura brasileira.
Como usar os gêneros nas aulas de Língua Portuguesa

Todo dia, você acorda de manhã e pega o jornal para saber


das últimas novidades enquanto toma café. Em seguida, vai até a Panorama Geral da Literatura Portuguesa
caixa de correio e descobre que recebeu folhetos de propaganda
e (surpresa!) uma carta de um amigo que está morando em Trovadorismo
outro país. Depois, vai até a escola e separa livros para planejar
Trovadorismo, também conhecido como Primeira
uma atividade com seus alunos. No fim do dia, de volta a casa,
Época Medieval, é o primeiro movimento literário da língua
pega uma coletânea de poemas na estante e lê alguns antes de
portuguesa. Seu surgimento ocorreu no mesmo período em
dormir. Não é de hoje que nossa relação com os textos escritos
é assim: eles têm formato próprio, suporte específico, possíveis que Portugal começou a despontar como nação independente,
no século XII; porém, as suas origens deram-se na Occitânia, de
propósitos de leitura - em outras palavras, têm o que os
onde se espalhou por praticamente toda a Europa. Apesar disso,
especialistas chamam de “características sociocomunicativas”,
definidas pelo conteúdo, a função, o estilo e a composição a lírica medieval galaico-português possuiu características
próprias, uma grande produtividade e um número considerável
do material a ser lido. E é essa soma de características que
de autores conservados.
define os diferentes gêneros. Ou seja, se é um texto com função
comunicativa, tem um gênero.
Marco inicial
Na última década, a grande mudança nas aulas de O marco inicial do Trovadorismo é a “Cantiga da Ribeirinha”
Língua Portuguesa foi a “chegada” dos gêneros à escola. Essa (conhecida também como “Cantiga da Garvaia”), escrita
por Paio Soares de Taveirós no ano de 1189. Esta fase da
mudança é uma novidade a ser comemorada. Porém muitos
especialistas e formadores de professores destacam que há literatura portuguesa vai até o ano de 1418, quando começa o
uma pequena confusão na forma de trabalhar. Explorar apenas Quinhentismo.
as características de cada gênero (carta tem cabeçalho, data, Os trovadores de maior destaque na lírica galego-portuguesa
saudação inicial, despedida etc.) não faz com que ninguém são: Dom Duarte, Dom Dinis, Paio Soares de Taveirós, João Garcia
aprenda a, efetivamente, escrever uma carta. Falta discutir por de Guilhade, Aires Nunes e Meendinho.
que e para quem escrever a mensagem, certo? Afinal, quem vai O Trovadorismo foi um período da literatura portuguesa
se dar ao trabalho de escrever para guardá-la? Essa é a diferença compreendido entre 1189 e 1434. Nessa época Portugal estava
entre tratar os gêneros como conteúdos em si e ensiná-los no em processo de consolidação do estado português. Enquanto o
interior das práticas de leitura e escrita. mundo estava em pleno Feudalismo, e o Teocentrismo dominava
o planeta. Quanto ao contexto cultural e artístico, podemos
Essa postura equivocada tem raízes claras: é uma infeliz afirmar que toda a Idade Média foi fortemente influenciada pela
reedição do jeito de ensinar Língua Portuguesa que predominou Igreja, a qual detinha o poder político e econômico, mantendo-
durante a maior parte do século passado. A regra era falar se acima até de toda a nobreza feudal. Nesse ínterim, figurava
sobre o idioma e memorizar definições: “Adjetivo: palavra que uma visão de mundo baseada tão somente no teocentrismo,
modifica o substantivo, indicando qualidade, caráter, modo cuja ideologia afirmava que Deus era o centro de todas as coisas.
de ser ou estado. Sujeito: termo da oração a respeito do qual Assim, o homem mantinha-se totalmente crédulo e religioso,

Conhecimentos Específicos 40
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
cujos posicionamentos estavam sempre à mercê da vontade Guarvaya: manto vermelho que geralmente é usado pela
divina, assim como todos os fenômenos naturais. nobreza.
Na arquitetura, toda a produção artística esteve voltada para Alfaya: presente.
a construção de igrejas, mosteiros, abadias e catedrais, tanto Valia d’ua correa: objeto de pequeno valor.
na Alta Idade Média, na qual predominou o estilo romântico,
quanto na Baixa Idade Média, predominando o estilo gótico. Cantigas de amigo
No que tange às produções literárias, todas elas eram feitas em Surgidas na própria Península Ibérica, as cantigas de amigo
galego-português, denominadas de cantigas. eram inspiradas em cantigas populares, fato que as concebe
Os textos do Trovadorismo eram acompanhados de música como sendo mais ricas e mais variadas no que diz respeito à
e geralmente cantados em coro, por isso são chamados de temática e à forma, além de serem mais antigas. Diferentemente
cantigas. As cantigas podem ser classificadas em dois grandes da cantiga de amor, na qual o sentimento expresso é masculino,
grupos: cantigas líricas e cantigas satíricas. As líricas se a cantiga de amigo é expressa em uma voz feminina, embora
subdividem em cantigas de amor e de amigo; as satíricas em seja de autoria masculina, em virtude de que naquela época às
cantigas de escárnio e maldizer. mulheres não era concedido o direito de alfabetização.
Tais cantigas tinham como cenário a vida campesina ou
Cantigas de Amor nas aldeias, e geralmente exprimiam o sofrimento da mulher
As cantigas de amor são sempre escritas em primeira pessoa separada de seu amado (também chamado de amigo), vivendo
e o eu-poético declara seu amor a uma dama, tendo como pano sempre ausente em virtude de guerras ou viagens inexplicadas.
de fundo o ambiente de um palácio. A mulher é vista como um O eu lírico, materializado pela voz feminina, sempre tinha
ser inatingível, uma figura idealizada, a quem é dedicado um um confidente com o qual compartilhava seus sentimentos,
amor sublimado, idealizado. representado pela figura da mãe, amigas ou os próprios
Neste tipo de cantiga o trovador destaca todas as qualidades elementos da natureza, tais como pássaros, fontes, árvores ou o
da mulher amada, colocando-se numa posição inferior (de mar. Constatemos um exemplo:
vassalo) a ela. O tema mais comum é o amor não correspondido. Ai flores, ai flores do verde pinho
As cantigas de amor reproduzem o sistema hierárquico na época se sabedes novas do meu amigo,
do feudalismo, pois o trovador passa a ser o vassalo da amada ai deus, e u é?
(suserana) e espera receber um benefício em troca de seus Ai flores, ai flores do verde ramo,
“serviços” (as trovas, o amor dispensado, sofrimento pelo amor se sabedes novas do meu amado,
não correspondido). ai deus, e u é?
Tratam, geralmente, de um relacionamento amoroso, em Se sabedes novas do meu amigo,
que o trovador canta seu amor a uma dama, normalmente de aquele que mentiu do que pôs comigo,
posição social superior, inatingível. Refletindo a relação social ai deus, e u é?
de servidão, o trovador roga a dama que aceite sua dedicação e Se sabedes novas do meu amado,
submissão. Eu-lírico – masculino aquele que mentiu do que me há jurado
O sentimento oriundo da submissão entre o servo e o ai deus, e u é?
senhor feudal transformou-se no que chamamos de vassalagem (...)
amorosa, preconizando, assim, um amor cortês. O amante vive D. Dinis
sempre em estado de sofrimento, também chamado de coita,
visto que não é correspondido. Ainda assim dedica à mulher Cantigas satíricas
amada (senhor) fidelidade, respeito e submissão. Nesse cenário, De origem popular, essas cantigas retratavam uma temática
a mulher é tida como um ser inatingível, à qual o cavaleiro deseja originária de assuntos proferidos nas ruas, praças e feiras.
servir como vassalo. A título de ilustração, observemos, pois, um Tendo como suporte o mundo boêmio e marginal dos jograis,
exemplo: fidalgos, bailarinas, artistas da corte, aos quais se misturavam
até mesmo reis e religiosos, tinham por finalidade retratar os
Cantiga da Ribeirinha usos e costumes da época por meio de uma crítica mordaz.
No mundo non me sei parelha, Assim, havia duas categorias: a de escárnio e a de maldizer.
entre me for como me vai, Apesar de a diferença entre ambas ser sutil, as cantigas de
Cá já moiro por vós, e - ai! escárnio eram aquelas em que a crítica não era feita de forma
Mia senhor branca e vermelha. direta. Rebuscadas de uma linguagem conotativa, não indicavam
Queredes que vos retraya o nome da pessoa satirizada. Verifiquemos:
Quando vos eu vi em saya! Ai, dona fea, foste-vos queixar
Mau dia me levantei, que vos nunca louv[o] em meu cantar;
Que vos enton non vi fea! mais ora quero fazer um cantar
E, mia senhor, desdaqueldi, ai! em que vos loarei toda via;
Me foi a mi mui mal, e vedes como vos quero loar:
E vós, filha de don Paai dona fea, velha e sandia!...
Moniz, e bem vos semelha João Garcia de Guilhade
Dhaver eu por vós guarvaia,
Pois eu, mia senhor, dalfaia Nas cantigas de maldizer, como bem nos retrata o nome,
Nunca de vós houve nem hei a crítica era feita de maneira direta, e mencionava o nome da
Valia dua correa. pessoa satirizada. Assim, envolvidas por uma linguagem chula,
Paio Soares de Taveirós destacavam-se palavrões, geralmente envoltos por um tom de
obscenidade, fazendo referência a situações relacionadas a
Vocabulário: adultério, prostituição, imoralidade dos padres, entre outros
Nom me sei parelha: não conheço ninguém igual a mim. aspectos. Vejamos, pois:
Mentre: enquanto.
Ca: pois. Roi queimado morreu con amor
Branca e vermelha: a cor branca da pele, contrastando com Em seus cantares por Sancta Maria
o vermelho do rosto, rosada. por ua dona que gran bem queria
Retraya: descreva, pinte, retrate. e por se meter por mais trovador
En saya: na intimidade; sem manto. porque lhela non quis [o] benfazer
Que: pois. fez-sel en seus cantares morrer
Des: desde. mas ressurgiu depois ao tercer dia!...
Semelha: parece. Pero Garcia Burgalês
D’haver eu por vós: que eu vos cubra.

Conhecimentos Específicos 41
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Renascimento assim o desenvolvimento artístico e cultural. Por isso, a Itália
é conhecida como o berço do Renascimento. Porém, este
Contexto histórico movimento cultural não se limitou à Península Itálica. Espalhou-
O Renascimento em Portugal refere-se à influência e se para outros países europeus como, por exemplo, Inglaterra,
evolução do Renascimento em Portugal, de meados do século Espanha, Portugal, França e Países Baixos.
XV a finais do século XVI. O movimento cultural que assinalou o Principais representantes do Renascimento Italiano e suas
final da Idade Média e o início da Idade Moderna foi marcado por principais obras:
transformações em muitas áreas da vida humana. Renascimento, Michelangelo Buonarroti (1475-1564)- destacou-se em
nome que designa o período das grandes transformações arquitetura, pintura e escultura.
culturais, políticas e econômicas, ocorridas nos séculos XVI e Obras principais: Davi, Pietá, Moisés, pinturas da Capela
XVII. Essas transformações trouxeram profundas mudanças Sistina.
para toda a sociedade da época, o estabelecimento definitivo do
capitalismo, criou novas relações de trabalho, firmou o comércio Rafael Sanzio (1483-1520) - pintou várias madonas
e este passou a ter grande importância, introduziu novos valores, (representações da Virgem Maria com o menino Jesus).
tais como o dinheiro e a vida nas cidades, que não existiam no
período medieval, várias invenções e melhoramentos técnicos Leonardo da Vinci (1452-1519)- pintor, escultor, cientista,
foram criados em função da crescente procura de mercadorias. engenheiro, físico, escritor, etc obras principais :Mona Lisa,
Houve uma crise religiosa pois, a Igreja teve que enfrentar os Última Ceia.
protestantes liderados por Martinho Lutero, que contava com
o apoio da burguesia. Essa foi também a época dos grandes Na área científica
descobrimentos, que levaram o homem a encarar o Universo e Podemos mencionar a importância dos estudos de
o próprio homem de maneira diferente daquela pregada pela astronomia do polonês Nicolau Copérnico. Este defendeu a
Igreja. Foi inventada a imprensa, que possibilitou uma maior revolucionária ideia do heliocentrismo (teoria que defendia
circulação de escritos e portanto de cultura. Copérnico formulou que o Sol estava no centro do sistema solar). Copérnico também
a teoria do heliocentrismo que propunha o Sol como centro do estudou os movimentos das estrelas.
Universo e Galileu comprovou o duplo movimento da Terra. Nesta mesma área, o italiano Galileu Galilei desenvolveu
Todos esses fatores levaram a velha ordem feudal a um instrumentos ópticos, além de construir telescópios para
desgaste e consequente desmoronamento, sendo necessária aprimorar o estudo celeste. Este cientista também defendeu
uma nova organização nos planos político, econômico e social. a ideia de que a Terra girava em torno do Sol. Este motivo fez
As produções artísticas desse período refletem essas profundas com que Galileu fosse perseguido, preso e condenado pela Igreja
mudanças. Católica, que considerava esta ideia como sendo uma heresia.
Como pioneiro da exploração europeia, Portugal floresceu no Galileu teve que desmentir suas ideias para fugir da fogueira.
final do século XV com as navegações para o oriente, auferindo
lucros imensos que fizeram crescer a burguesia comercial e A Linguagem Clássico-Renascentista
enriquecer a nobreza, permitindo luxos e o cultivar do espírito. A linguagem clássico-renascentista é a expansão das ideias
O contato com o Renascimento chegou através da influência e dos sentimentos do homem do século XVI. Seus temas e sua
de ricos mercadores italianos e flamengos que investiam no construção traduzem, de um lado, o espírito de aventuras trazido
comércio marítimo. O contato comercial com a França, Espanha pelas navegações: de outro, refletem a busca dos modelos
e Inglaterra era assíduo, e o intercâmbio cultural se intensificou. literários greco-latinos e dos humanistas italianos.
Durante o período renascentistavárias mudanças ocorreram. Emprego da medida nova: Os humanistas passaram a
A princípio, a denominação deste movimento cultural propõe empregar sistematicamente o verso decassílabo, denominado
uma ressurreição do passado clássico, fonte de inspiração e então de medida nova, em oposição às redondilhas medievais,
modelo seguido. Durante os séculos XV e XVI intensificou-se, chamadas de medida velha.
na Europa, a produção artística e científica. Esse período ficou Gosto pelo soneto: No Renascimento também foi criado
conhecido como Renascimento ou Renascença. Logo, o homem o soneto, um tipo de composição poética formada por duas
é valorizado, bem como a natureza, pois é concreta e visível. O quadras e dois tercetos, com versos decassílabos, que até hoje
humanismo e antropocentrismo se despontam em oposição ao é cultivado pelos poetas. Essa nova forma de fazer poesia foi
teocentrismo, ao divino, ao sobrenatural. chamado de “dolce stil nuovo”, ou “doce novo estilo”, por Dante.
O ser humano começa a se vangloriar por sua razão, por sua Formas de inspiração clássica: Além de criarem o soneto, os
capacidade de raciocínio, por seu cientificismo. Logo, todas as humanistas italianos recuperaram outras formas, já cultivadas
formas de arte refletem esse ideário: a literatura, a filosofia, a pela literatura grega e latina:
escultura e a pintura. Nessa última destacam-se: Leonardo da A écloga: composição geralmente dialogada, em que o poeta
Vinci, Michelangelo, Rafael e Botticelli. idealiza assuntos sobre a vida no campo. Suas personagens são
pastores (éclogas pastoris), pescadores (éclogas pisctórias) ou
As características principais deste período são as caçadores (éclogas venatórias).
seguintes: A elegia: poema de fundo melancólico; A ode: composição
• Valorização da cultura greco-romana. Para os artistas da pequena, de caráter erudito, com elevação do pensamento,
época renascentista, os gregos e romanos possuíam uma visão sobre vários assuntos. As odes podem ser classificadas em
completa e humana da natureza, ao contrário dos homens pendáricas (cantam heróis ou acontecimentos grandiosos),
medievais; anacreônicas (cantam o amor e a beleza), e satíricas (celebram
• As qualidades mais valorizadas no ser humano passam a assuntos morais e / ou filosóficos); A epístola: composição em
ser a inteligência, o conhecimento e o dom artístico; que o autor expõe suas ideias e opiniões, em estilo calmo e
• Enquanto na Idade Média a vida do homem devia estar familiar. Pode ser doutrinária, amorosa ou satírica; O epitalâmio:
centrada em Deus (teocentrismo), nos séculos XV e XVI o homem composição em honra aos recém casados, própria para ser
passa a ser o principal personagem (antropocentrismo). recitada em bodas; A canção: composição erudita, de longas
• A razão e a natureza passam a ser valorizados com estrofes, versos decassílabos por vezes entremeados com
grande intensidade. O homem renascentista, principalmente outros de seis sílabas (heroicos) e de caráter amoroso;
os cientistas, passam a utilizar métodos experimentais e de O epigrama: composição de 2 ou 3 versos com pensamentos
observação da natureza e universo. engenhosos e de estilo cintilante; A sextilha: composição de
seis estrofes de seis versos com uma forma muito engenhosa,
Renascimento Cultural em que as palavras finais dos versos de todas as outras, apenas
Durante os séculos XIV e XV as cidades italianas como, com a ordem trocada; Os ditirâmos: canto festivo para celebrar
por exemplo Gênova, Veneza e Florença, passam a acumular o prazer dos banquetes.
grandes riquezas provenientes do comércio. Estes ricos
comerciantes começam a investir nas artes, aumentando

Conhecimentos Específicos 42
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Literatura Renascentista e na Idade Média (captadas em sentido evolutivo e sobretudo da
Nasce uma atitude antropocentrista, semelhante à da obra de Giotto que teve na sua arte do século XIII).
Antiguidade clássica, em oposição ao teocentrismo medieval. A
natureza é o modelo básico para o conhecimento humano. Gastronomia
A influência greco-romana está presente nos Lusíadas, de Servir refeições criativas e bonitas passou a ser uma
Luís de Camões, Luís de Camões (1525?-1580), frequenta a obrigação. Foi quando começaram a aparecer livros de culinária.
A carne de caça era coberta com molhos finos e as sopas, que
nobreza e os círculos boêmios de Lisboa. Viaja muito, chegando podiam ser de cebola, de favas, peixe ou mostarda, viraram
até a Índia e a China, quase sempre a serviço do governo moda.
português. Sua obra mais importante, Os Lusíadas (1572), funde
elementos épicos e líricos. Mescla fatos da história portuguesa às Fases do Renascimento
intrigas dos deuses do Olimpo, que buscam ajudar ou atrapalhar Costuma-se dividir o Renascimento em três grandes fases,
Portugal. Sintetiza duas importantes vertentes do renascimento correspondentes aos séculos XIV ao XVI.
português: as expedições ultramarinas e o humanismo.
Trecento
PRINCIPAIS AUTORESE OBRAS O Trecento (em referência ao século XIV) manifesta-se
Luís Vaz de Camões: (1525?-1580), O escritor mais conhecido predominantemente na Itália, mais especificamente na cidade
e destacado do classicismo português. Escreveu poesias líricas e de Florença, polo político, econômico e cultural da região.
épicas, além de várias peças teatrais. Giotto, Dante Alighieri, Boccaccio e Petrarca estão entre seus
representantes.
Obras - Obras de Camões
1572- Os Lusíadas, Lírica Características gerais:
1595 - Amor é fogo que arde sem se ver * rompimento com o imobilismo e a hierarquia da pintura
1595 - Eu cantarei o amor tão docemente medieval
1595 - Verdes são os campos * valorização do individualismo e dos detalhes humanos
1595 - Que me quereis, perpétuas saudades?
1595 - Sobolos rios que vão Quattrocento
1595 - Transforma-se o amador na cousa amada Durante o Quattrocento (século XV) o Renascimento
1595 - Sete anos de pastor Jacob servia espalha-se pela península itálica, atingindo seu auge. Neste
1595 - Alma minha gentil, que te partiste período atuam Masaccio, Mantegna, Botticelli, Leonardo da
1595 - Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades Vinci, Rafael e, no seu final, Michelangelo (que já prenuncia
1595 - Quem diz que Amor é falso ou enganoso Teatro certos ideais anticlássicos utilizando-se da linguagem clássica,
1587 - El-Rei Seleuco. o que caracteriza o Maneirismo, a etapa final do Renascimento),
1587 - Auto de Filodemo. considerados os três últimos o “trio sagrado” da Renascença.
1587 - Anfitriões
Características gerais:
Francisco de Miranda: (1495-1558), seus trabalhos giraram * inspiração greco-romana (paganismo e línguas clássicas),
em torno da poesia e a comédia. * racionalismo,
* experimentalismo.
Artes
Cinquecento
A obra renascentista tem, em geral, mais movimento O Renascimento torna-se no século XVI um movimento
que as figuras medievais anteriores. universal europeu, tendo, no entanto, iniciado sua decadência.
Arquitetura Renascentista Ocorrem as primeiras manifestações maneiristas e a Contra
Caracterizou-se pelos grandes monumentos e pelas reforma instaura o Barroco como estilo oficial da Igreja Católica.
construções de grande porte, destacando-se a Catedral de São Na literatura atuaram Ludovico Ariosto, Torquato Tasso e
Pedro, em Roma, obra magistral do arquiteto italiano Bramante Nicolau Maquiavel. Já na pintura, continuam se destacando
(1444 – 1514), da qual também participaram o pintor Rafael e o Rafael e Michelangelo.
arquiteto Michelangelo, autor da grandiosa Cúpula dessa Igreja.
Ideais do Renascimento
A escultura Renascentista Podem ser apontados como valores e ideais defendidos
Teve em Michelangelo sua maior expressão. Dentre suas pelo Renascimento o Antropocentrismo, o Hedonismo, o
obras destacam-se: David, Moisés e Pietá. Neste campo também Racionalismo, o Otimismo e o Individualismo, bem como um
sobressaíram Donatello (1386 – 1466), autor da primeira tratamento leigo dado a obras religiosas, uma valorização do
estátua equestre de caráter monumental; Guiberti (1378 – abstrato, expresso pelo matemático, além também de algumas
1455), que lavrou as portas de bronze do batistério de Florença; noções artísticas como proporção e profundidade, e, finalmente,
e Gian Lorenzo Bermini (1598 – 1680). a introdução de novas técnicas artísticas, como a pintura a óleo.

Pintura do Renascimento Algumas das características dos principais ideais do


A definição de Pintura renascentista surge em Itália durante Renascimento podem ser vistas aqui:
o século XV inserida, de um modo geral, no Renascimento. Esta
pintura funda um espírito novo, forjado de ideais novos e em Antropocentrismo
novas forças criadoras. Desenvolve-se nas cidades italianas O antropocentrismo é uma concepção que considera que a
de Roma, Nápoles, Mântua, Ferrara, Urbino e, sobretudo, em humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos
Florença e Veneza (principais centros que possuíam, entre humanos, isto é, tudo no universo deve ser avaliado de acordo
os séculos XV e XVI, condições económicas, políticas, sociais com a sua relação com o homem.
e culturais propícias ao desenvolvimento das artes como a O termo tem duas aplicações principais. Por um lado,
pintura). trata-se de um lugar comum na historiografia qualificar
Não se pode dizer, no entanto, que seja um estilo na como antropocêntrica a cultura renascentista e moderna, em
verdadeira acepção do termo, mas antes uma arte variada contraposição ao suposto teocentrismo da Idade Média. A
definida pelas individualidades que lhe transmitiram transição da cultura medieval à moderna é frequentemente
características estilísticas, técnicas e estéticas distintas. vista como a passagem de uma perspectiva filosófica e cultural
centrada em Deus a uma outra, centrada no homem – ainda
As raízes baseiam-se na Antiguidade Clássica (tomadas a que esse modelo tenha sido reiteradamente questionado por
partir da cultura e mitologia grega e romana, e dos vestígios quer numerosos autores que buscaram mostrar a continuidade entre
arquitetônicos quer escultóricos existentes na península itálica) a perspectiva medieval e a renascentista.

Conhecimentos Específicos 43
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Hedonismo objetivo atualizar, dinamizar e dar uma nova vida aos estudos
O hedonismo é uma teoria ou doutrina filosófico-moral tradicionais; empenham-se em fazer a reforma educacional.
que afirma ser o prazer individual e imediato o supremo bem
da vida humana. Surgiu na Grécia, na época pós-socrática, e um A produção literária portuguesa desse período pode ser
dos maiores defensores da doutrina foi Aristipo de Cirene. O subdividida em:
hedonismo moderno procura fundamentar-se numa concepção - Prosa: a) Crônicas de Fernão Lopes, b) Prosa doutrinária e
ampla de prazer entendida como felicidade para o maior número c) Novela de cavalaria
de pessoas. - Poesia: Poesia palaciana
- Teatro: Obra de Gil Vicente
Individualismo
É um conceito político, moral esocial queexprime a afirmação O humanismo foi uma época de transição entre a Idade
e liberdade do indivíduo frente a um grupo, especialmente à Média e o Renascimento.
sociedade e ao Estado. Usualmente toma-se por base a liberdade Como o próprio nome já diz, o ser humano passou a ser
no que concerne a propriedade privada e a limitação do poder valorizado.
do Estado. O individualismo em si opõe-se a toda forma de Foi nessa época que surgiu uma nova classe social:
autoridade, ou controle sobre os indivíduos; e coloca-se como a burguesia. Os burgueses não eram nem servos e nem
antítese do coletivismo. Conceituar o individualismo depende comerciantes.
muito da noção de indivíduo, que varia ao longo da história Com o aparecimento desta nova classe social foram
humana, e de sociedade para sociedade. aparecendo as cidades e muitos homens que moravam no campo
Não se deve confundir o individualismo com o egoísmo. se mudaram para morar nestas cidades, como consequência o
É compatível com o individualismo permanecer dentro regime feudal de servidão desapareceu.
de organizações, desde que o indivíduo e sua opinião seja Foram criadas novas leis e o poder parou nas mãos daqueles
preponderante. que, apesar de não serem nobres, eram ricos.
Embora, na prática, geralmente exista uma relação inversa O “status” econômico passou a ser muito valorizado, muito
entre individualismo e o tamanho de um Estado ou organização. mais do que o título de nobreza.
As Grandes Navegações trouxeram ao homem confiança
Optimismo de sua capacidade e vontade de conhecer e descobrir várias
Optimismo se caracteriza por ser uma forma de pensamento. coisas. A religião começou a decair (mas não desapareceu) e o
É sinónimo de pensamento positivo, ou seja, uma pessoa teocentrismo deu lugar ao antropocentrismo, ou seja, o homem
optimista é uma pessoa que vê as coisas pelo lado bom. O passou a ser o centro de tudo e não mais Deus.
optimismo é a posição contrária a do pessimismo. Os artistas começaram a dar mais valor às emoções humanas.
No Renascimento ele significa poder fazer tudo sem É bom ressaltar que todas essas mudanças não ocorreram
nenhuma restrição e abertura ao novo. do dia para a noite.

Racionalismo HUMANISMO = TEOCENTRISMO X ANTROPOCENTRISMO


O racionalismo é a corrente filosófica que iniciou com a Humanismo deriva, etimologicamente, da palavra francesa
definição do raciocínio que é a operação mental, discursiva e humanisme. Segundo alguns autores, Humanismo é a “doutrina
lógica. Este usa uma ou mais proposições para extrair conclusões dos humanistas da Renascença que ressuscitaram o culto
se uma ou outra proposição é verdadeira, falsa ou provável. Essa da línguas e das literaturas antigas”.
era a ideia central comum ao conjunto de doutrinas conhecidas No entanto, literariamente, convencionou-se relacionar
tradicionalmente como racionalismo. a palavra Humanismo ao movimento artístico iniciado na
Itália no século XIV. Petrarca, poeta italiano, é considerado o pai
Principais características do Renascimento do Humanismo, pois foi o principal precursor desse movimento
O interesse pelo homem e pelo que ele pode realizar de alto, que espalhou-se pela Europa, no período que corresponde à
profundo e glorioso(Humanismo) inspira o conceito de homem transição da Idade Média à Idade Moderna.
integral, senhor do mundo, sequioso para conhecê-lo totalmente O Humanismo abrange praticamente todas as artes como
e de fruir as delícias e os prazeres da vida. Daí a exaltação do por exemplo a pintura, a arquitetura, a escultura, a música
homem-aventura (Os Lusíadas), do homem-cortesão, que canta, e a literatura. As obras desse período tinham como centro de
sabe da música e da poesia, e do homem-soldado, que luta, não interesse o próprio homem. Assim, enquanto no Trovadorismo
para ganhar o céu, mas para deixar no mundo a sua presença. Deus era o centro de tudo (teocentrismo) no Humanismo
Equilíbrio e harmonia de forma e fundo. Clareza, mentalidade o homem passa a ser o centro de interesse da cultura
aberta, intensidade vital, ímpeto progressista, euforia, ânsia de (antropocentrismo).
glória e perenidade, apreço pelo humano, sentido do nu artístico, O Humanismo foi a própria alma do Renascimento. Era
ausência de afetações. um apelo ao homem universal. Traduzia-se sobretudo pelo
Universalismo, apego aos valores transcendentais (o enaltecimento da cultura da Antiguidade Clássica”.
Belo, o Bem, a Verdade, a Perfeição) e aos sistemas racionais; Os principais destaques do Humanismo são: na Itália,
simplificação por lucidez técnica, simetria. Cultivo da berço do Renascimento, Dante Alighieri, Giovanni Boccaccio e
antigüidade Greco-Latina. Deuses pagãos usados como figuras Francesco Petrarca.
literárias e claras alegorias. Em Portugal merece destaque o teatro poético de Gil Vicente

Humanismo O movimento Literário


O período compreendido como Humanismo na Literatura
O Humanismo português vai desde a nomeação de Fernão Portuguesa vai desde a nomeação de Fernão Lopes a cronista-
Lopes para o cargo de cronista-mor da Torre do Tombo, em mor da Torre do Tombo, em 1434, até o retorno de Francisco
1434, até o retorno de Sá de Miranda da Itália, em 1527, quando Sá de Miranda da Itália, quando introduziu uma nova estética, o
começou a introduzir em Portugal a nova estética clássica. Classicismo, em 1527.
O termo Humanismo literário é usado comumente para
designar o estudo das letras humanas em oposição à Teologia. Algumas manifestações
Na Idade Média, predomina a concepção teocêntrica, em - Teatro
que tudo gira em torno dos valores religiosos. A partir do O teatro foi a manifestação literária onde ficavam mais claras
Humanismo desenvolve-se uma nova concepção de vida: os as características desse período.
eruditos defendem a reforma total do homem; acentuam-se o Gil Vicente foi o nome que mais se destacou, ele escreveu
valor do homem na terra, tudo o que possa tornar conhecido mais de 40 peças.
o ser humano; preocupam-se com o desenvolvimento da Sua obra pode ser dividida em 2 blocos:
personalidade humana, das suas faculdades criadoras; têm como Autos: peças teatrais cujo assunto principal é a religião.

Conhecimentos Específicos 44
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
“Auto da alma” e “Trilogia das barcas” são alguns exemplos. do ambiente cultural. As grandes navegações alargaram a visão
Farsas: peças cômicas curtas. Enredo baseado no cotidiano. de mundo do europeu, que entrou em contato com culturas
“Farsa de Inês Pereira”, “Farsa do velho da horta”, “Quem tem diferentes. A matemática se desenvolveu, bem como o estudo das
farelos?” são alguns exemplos. línguas, surgindo as primeiras gramáticas de língua portuguesa.
Gil Vicente é considerado o criador do teatro português pela Todo esse contexto fez nascer uma visão antropocêntrica de
apresentação, em 1502 de seu Monologo do Vaqueiro (também mundo. Ou seja, o homem é visto como centro do universo. O
conhecido como Auto da Visitação). cristianismo continua imperando, mas o homem renascentista
Sobre a vida de Gil Vicente pouco se sabe. Supõe-se que tenha já não é tão angustiado com as questões religiosas como o era o
nascido por vota de 1465 e morrido cerca de 1536. A primeira homem medieval.
data seguramente ligada ao poeta é o ano de 1502, quando na Os artistas – pintores, escultores, arquitetos – inspiravam-se
noite de 7 para 8 de junho, recitou o Monologo do vaqueiro no nas obras dos antigos gregos e romanos, que se transformaram
quarto de D. Maria, esposa de D. Manuel, que acabava de dar em modelos. Por isso mesmo, dizia-se que a gloriosa arte antiga
a luz ao futuro rei D. João III. Durante 34 anos produziu textos estava renascendo.
teatrais e algumas poesias, sendo que sua última peça – Floresta Em seu conteúdo, mostravam o paganismo, o ideal platônico
de enganos – data de 1536. de amor e outras marcas específicas da tradição antiga. As notas
Se nada se sabe a respeito de sua origem, podemos afirmar medievais quinhentistas contêm um impulso que se tornou
com certeza que viveu a vida palaciana como funcionário da presente, explicitamente ou não, ao longo de toda a literatura
corte e que possuía bons conhecimentos da língua portuguesa, portuguesa, cruzando os séculos.
bem como do castelhano, do latim e de assuntos teológicos. Seus lirismos tradicionais, caracterizados por ser
O teatro vicentino é basicamente caracterizado pela sátira, antimetafísico, popular, sentimental e individualista, irá dialogar
criticando o comportamento de todas as camadas sociais: a com as novas modas e sobreviverá. A própria força da terra
nobreza, o clero e o povo. portuguesa, chamando os escritores para o seu convívio, explica
a permanência desse remoto lirismo através dos séculos. A
Poesia definição do novo ideário estético em Portugal deu-se em 1527,
Em 1516 foi publicada a obra “Cancioneiro Geral”, uma com o regresso de Sá de Miranda da Itália, trazendo uma valiosa
coletânea de poemas de época. bagagem doutrinária. Sua influência foi decisiva na produção e
O cancioneiro geral resume 2865 autores que tratam de promoção do novo gosto literário.
diversos assuntos em poemas amorosos, satíricos, religiosos
entre outros. Características

Prosa Busca do homem universal – passaram o mundo, o


Crônicas: registravam a vida dos personagens e homem e a vida a serem vistos sob o prisma da razão. O homem
acontecimentos históricos. renascentista procurou entender a harmonia do universo e
Fernão Lopes foi o mais importante cronista(historiador) da suas noções de Beleza, Bem e Verdade, sempre baseando seus
época, tendo sido considerado o “Pai da História de Portugal”. Foi conceitos no equilíbrio entre a razão e a emoção. Estavam longe
também o 1º cronista que atribuiu ao povo um papel importante de aceitar a “arte pela arte”, ao modo parnasiano do século XIX,
nas mudanças da história, essa importância era, anteriormente mas apresentavam um alto objetivo ético: o do aperfeiçoamento
atribuída somente à nobreza. do homem na contemplação das paixões humanas postas em
arte - a catarse grega.
Obras Valores greco-latinos – os renascentistas adotaram a
“Crônica d’El-Rei D. Pedro” mitologia pagã, própria dos antigos, recorrendo a entidades
“Crônica d’El-Rei D. Fernando” mitológicas para pedir inspiração, simbolizar emoções e
“Crônica d’El-Rei D. João I” exemplificar comportamentos. Consideravam que os antigos
haviam atingido a perfeição formal, desejando os artistas da
Classicismo Renascença reproduzi-la e perpetuá-la.

Classicismo, ou Quinhentismo (século XV) é o nome dado Novas medidas e formatos – surgiram novas formas de
ao período literário que surgiu na época do Renascimento composição, como o soneto, o verso decassílabo e a oitava rima,
(Europa séc. XV a XVI). Um período de grandes transformações que foram introduzidas em Portugal por Sá de Miranda.
culturais, políticas e econômicas. Racionalismo: a razão predomina sobre o sentimento, ou
Vários foram os fatores que levaram a tais transformações, seja, a expressão dos sentimentos era controlada pela razão.
dentreelesacrisereligiosa(eraaépocada Reforma Protestante, - Universalismo: os assuntos pessoais ficaram de lado e as
liderada por Lutero), as grandes navegações (onde o homem verdades universais (de preocupação universal) passaram a ser
foi além dos limites da sua terra) e a invenção da Imprensa privilegiadas.
que contribuiu muito para a divulgação das obras de vários - Perfeição formal: métrica, rima, correção gramatical, tudo
autores gregos e latinos (cultura clássica) proporcionando mais isso passa a ser motivo de atenção e preocupação.
conhecimento para todos. - Presença da mitologia greco-latina
O Classicismo foi consequência do Renascimento, importante - Humanismo: o homem dessa época se liberta dos dogmas
movimento de renovação científica e cultural ocorrido na Europa da Igreja e passa a se preocupar com si próprio, valorizando a
que marca o nascimento da Idade Moderna. sua vida aqui na Terra e cultivando a sua capacidade de produzir
O classicismo é profundamente influenciado pelos ideais e conquistar. Porém, a religiosidade não desapareceu por
humanistas, que colocam o homem como o centro do Universo. completo.
Reproduz o mundo real, de forma verossímil, mas moldando-o
segundo o que é considerado ideal. É importante que as obras Classicismo em Portugal
sejam harmônicas e reflitam determinados princípios, como O marco inicial do Classicismo português é em 1527, quando
ordem, lógica, equilíbrio, simetria, contenção, objetividade, se dá o retorno do escritor Sá de Miranda de uma viagem feita
refinamento e decoro. A razão tem mais importância do que a à Itália, de onde trouxe as ideias de renovação literária e as
emoção. As adaptações aos ideais e aos problemas dos novos novas formas de composição poética, como o soneto. O período
tempos fazem com que o classicismo não seja mera imitação encerra em 1580, ano da morte de Luís Vaz de Camões e do
da Antiguidade. Na época renascentista, por exemplo, a alta domínio espanhol sobre Portugal.
burguesia italiana em ascensão, na disputa de luxo e poder com
a nobreza, identifica-se com os valores laicos da arte greco- Classicismo Literário
romana. Os escritores classicistas retomaram a ideia de que a arte
O aperfeiçoamento da imprensa possibilitou uma maior deve fundamentar-se na razão, que controla a expressão das
difusão de ideias novas, contribuindo para o enriquecimento emoções. Por isso, buscavam o equilíbrio entre os sentimentos e

Conhecimentos Específicos 45
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
a razão, procurando assim alcançar uma representação universal A Epopeia Camoniana
da realidade, desprezando o que fosse puramente ocasional ou Os Lusíadas, que narra a aventura marítima de Vasco da
particular. Gama, é a grande epopeia do povo lusitano. Publicada em
Os versos deixam de ser escritos em redondilhas (cinco ou 1572, é considerada o maior poema épico escrito em língua
sete sílabas poéticas) – que passa a ser chamada medida velha portuguesa, não por conter oito mil e oitocentos e dezesseis
– e passam a ser escritos em decassílabos (dez sílabas poéticas) verbos decassílabos distribuídos em 1102 estrofes de oito
– que recebeu a denominação de medida nova. Introduz-se o versos cada, mas pelo seu valor poético e histórico. Obedecendo
soneto, 14 versos decassilábicos distribuídos em dois quartetos com rigor às regras da Antiguidade clássica apresentam em suas
e dois tercetos. estrofes os aspectos formais (métrica, ritmo e rima) com extrema
regularidade, demonstrando o engenho e a arte do poeta. Todas
Luís de Camões (1525-1580): poeta soldado Escritor de as estrofes apresentam o esquema conhecido como oitava-rima,
dados biográficos muito obscuros, Camões é o maior autor do com três rimas cruzadas seguidas de uma emparelhada (AB AB
período. Sabe-se que, em 1547, embarcou como soldado para a AB CC). A palavra lusíadas significa “lusitanos”, e Camões foi
África, onde, em combate, perdeu o olho direito. Em 1553, voltou buscá-la numa epístola de André de Resende. Os Lusíadas são os
a embarcar, dessa vez para as Índias, onde participou de várias próprios lusos, tanto em sua alma como em sua ação. O herói da
expedições militares. Em 1572, Camões publica Os Lusíadas, epopeia é o próprio povo português e não apenas Vasco da Gama,
poema que celebrava os recentes feitos marítimos e guerreiros como pode parecer à uma leitura superficial da obra. Ao cantar
de Portugal. A obra fez tanto sucesso que o escritor recebeu do “as armas e os barões assinalados” que navegaram “por mares
rei D. Sebastião uma pensão anual – que mesmo assim não o nunca dantes navegados”, Camões engloba todo o povo lusitano
livrou da extrema pobreza que vivia. Camões morreu no dia 10 navegador, que enfrentou a morte pelos mares desconhecidos.
de junho de 1580. Pode-se afirmar, então, que o poema épico apresenta um herói
A Poesia Épica de Camões coletivo.
Como tema para o seu poema épico, Luís de Camões escolheu O poeta deixou expresso o tema da epopeia já nas duas
a história de Portugal, intenção explicitada no título do poema: primeiras estrofes: a glória do povo navegador português, que
Os lusíadas. O cerne da ação desenvolve-se em torno da viagem conquistou as Índias e edificou o Império Português no Oriente,
de Vasco da Gama às Índias. bem como a memória dos reis portugueses, que tentaram
ampliar o Império. Portanto, Camões cantou as conquistas de
A palavra “lusíada” é um neologismo inventado por André de Portugal, a glória de seus navegadores e os reis do passado.
Resende para designar os portugueses como descendentes de Cantou, enfim, a História de Portugal.
Luso (filho ou companheiro do deus Baco).
Características de uma epopeia
A Estrutura - É escrita em versos.
Os lusíadas apresenta 1102 estrofes, todas em oitava-rima - O tema é sempre grandioso e heroico e refere-se à história
(esquema ABABABCC), organizadas em dez cantos. de um povo.
Divisão dos Cantos - É composta de proposição, invocação, dedicatória, narração
1ª parte: Introdução e epílogo.
Estende-se pelas 18 estrofes do Canto I e subdivide-se em:
Ø Proposição: é a apresentação do poema, com aidentificação Principais Autores e Obras
do tema e do herói (constituem as três primeiras estrofes do - Luís Vaz de Camões
canto I). Um dos maiores nomes da Literatura Universal, e
Ø Invocação: o poeta invoca as Tágides, ninfas do rio Tejo, certamente, o maior nome da Literatura Portuguesa.
pedindo a elas inspiração para fazer o poema. Escreveu poesias (líricas e épicas) e peças teatrais, porém
Ø Dedicatória: o poeta dedica o poema a D. Sebastião, rei de sua obra mais conhecida e consagrada é a epopeia “Os Lusíadas”
Portugal. considerada uma obra-prima.
Essa obra é dividida em 10 partes (cantos) com 8816 versos
2ª parte: Narração distribuídos em 1120 estrofes e narra a viagem de Vasco da
Na narração (da estrofe 19 do Canto I até a estrofe 144 Gama às Índias enfatizando alguns momentos importantes da
do Canto X), o poeta relata a viagem propriamente dita dos história de Portugal.
portugueses ao Oriente. Outros escritores existiram, porém não tiveram tanto
destaque quanto Camões, são eles: Sá de Miranda, Bernardim
3ª parte: Epílogo Ribeiro e Antonio Ferreira.
É a conclusão do poema (estrofes 145 a 156 do Canto X), em O Classicismo terminou em 1580, com a passagem de
que o poeta pede às musas que o inspiraram que calem a voz de Portugal ao domínio espanhol e também com a morte de Camões.
sua lira, pois está desiludido com uma pátria que já não merece
as glórias do seu canto. Barroco

A Lírica Camoniana Teve início em 1580 após a morte de Camões, quando


Camões escreveu versos tanto na medida velha quanto Portugal entra em decadência após o desaparecimento do Rei D.
na medida nova. Seus poemas heptassílabos geralmente são Sebastião motivo pelo qual Portugal nunca mais teve o mesmo
compostos por um mote e uma ou mais estrofes que constituíam prestígio (início do Sebastianismo).
glosas (ou voltas a ele). O tempo barroco denomina genericamente todas as
Os sonetos, porém, são a parte mais conhecida da lírica manifestações artísticas dos anos 1600 e início dos anos 1700.
camoniana. Com estrutura tipicamente silogística, normalmente Além da literatura, estende-se à música, pintura, escultura e
apresentam duas premissas e uma conclusão, que costuma ser arquitetura da época.
revelada no último terceto, fechando, assim, o raciocínio. A base para esse movimento foi o drama humano, que
Camões demonstra, em seus sonetos, uma luta constante na pintura barroca foi bem encenado com gestos teatrais
entre o amor material, manifestação da carnalidade e do desejo, muitíssimo expressivos, sendo iluminado por um extraordinário
e o amor idealizado, puro, espiritualizado, capaz de conduzir o claro-escuro e caracterizado por fortes combinações cromáticas.
homem à realização plena. Nessa perspectiva, o poeta concilia O termo Barroco é usado para designar o estilo que, partindo
o amor como idéia e o amor como forma, tendo a mulher como das artes plásticas teve seu apogeu literário no século XVII,
exemplo de perfeição, ansiando pelo amor em sua integridade e prolongando-se até meados do século XVIII.
universalidade. Essa época foi marcada pelas oposições e pelos conflitos
espirituais. Esse contexto histórico acabou influenciando na
produção literária, gerando o fenômeno do barroco. As obras são
marcadas pela angústia e pela oposição entre o mundo material

Conhecimentos Específicos 46
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
e o espiritual. Metáforas, antíteses e hipérboles são as figuras O poema acima é formado por 2 quartetos e 2 tercetos, num
de linguagem mais usadas neste período. Podemos citar como total de 14 versos. Esta é a estrutura de um soneto. Se notarmos
principais representantes desta época: Bento Teixeira, autor bem veremos que há uma figura constante: a antítese. Figura
de Prosopopeia; Gregório de Matos Guerra (Boca do Inferno pela qual se faz a contraposição de palavras.
), autor de várias poesias críticas e satíricas; e padre Antônio Exemplos.
Vieira, autor de Sermão de Santo Antônio ou dos Peixes. Verso 1: vida/morte
Num cenário em que se tenta fundir ideias opostas, as Verso 2: claro/escuro
obras tratam de amor e sofrimento, vida e morte, religiosidade Verso 3: feio/belo
e erotismo. São frequentes a sátira social e a humanização do Verso 4: tristeza/alegria
sobrenatural. Há convicção de que é preciso aproveitar a vida, Verso 11: tristeza/alegria
porque valores e sentimentos são mutáveis. A maior produção
é a de poesia. A prosa se restringe aos sermões, cujo principal O traço comum a todos os versos da segunda estrofe é a
autor no Brasil é o orador sacro e missionário jesuíta português interrogação, a dúvida e a incerteza.
Antônio Vieira. O Barroco enfatiza tudo que é inconstante, que muda de
Período literário caracterizado pelos contrastes, oposições e aparência, que está em movimento.
dilemas.
O homem do barroco buscava a salvação ao mesmo tempo Padre Antônio Vieira (Lisboa, 1608 – Maranhão, 1697).
que queria usufruir dos prazeres mundanos, daí surgiram Menino, veio com os pais para a Bahia. Estudou no Colégio dos
os conflitos. É o antropocentrismo (homem) opondo-se ao Jesuítas, ordenando-se em 1634. Com a restauração portuguesa,
Teocentrismo (Deus). após 60 anos de domínio espanhol, mudou-se para Portugal.
O homem deste período está entre o céu e a Terra. Mesmo se Duas ideias messiânicas, impregnadas de sebastianismo, sobre
valorizando, ele vivia atormentado pela ideia do pecado, então um Império Português e católico – o 5º Império – de ascendência
vivia buscando a salvação. sobre o mundo entraram em choque com a realidade da corte
lusitana e o momento histórico de Portugal, que caminhava para
CARACTERÍSTICAS a decadência.
1-Culto dos contrastes. Presença da antítese. Vieira também entrou em choque com a Inquisição por
claro/escuro causa dos cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo);
vida/morte ficou preso por dois anos e foi-lhe cassado o direito de pregar.
tristeza/alegria Voltou ao Brasil, para o Maranhão, e entrou em choque com os
2-Pessimismo colonos por fazer defesa dos nativos e também dos escravos
3-Intensidade = presença da hipérbole (figura de linguagem negros. Morreu aos 89 anos.
caracterizada pelo exagero da expressão)
4-Linguagem muito rebuscada Características:
Pertence à literatura brasileira e portuguesa.
Autores e obras O maior orador do Barroco, no Brasil e em Portugal, o maior
Gregório de Matos (Bahia, 1636 – Recife, 1696). Filho de da língua portuguesa e um dos maiores da cultura ocidental.
família abastada, estudou com os jesuítas em Salvador. Aos A mais alta expressão da prosa conceptista em nossa
14 anos, foi estudar em Portugal, formando-se em Direito na literatura.
Universidade de Coimbra. Casou-se, tornou-se juiz, morou Seus sermões apresentam termos religiosos e também
na metrópole até 1681. Viúvo, voltou ao Brasil. Em Salvador, político-sociais.
sobreviveu precariamente: advogado ser recursos, boêmio Além de complexos esquemas lógicos, de jogos sutis de
inveterado, satírico arrasador. Exilado em Angola, voltou ao raciocínio – típicos do conceptismo -, seus sermões apresentam
Brasil em 1695, para o Recife. Morreu no ano seguinte. Durante muitas analogias entre passagens da Bíblia e fatos do cotidiano.
sua vida, sua obra permaneceu inédita.
Neoclassicismo / Arcadismo
Características:
A primeira grande voz da poesia brasileira. O Neoclassicismo foi um movimento cultural nascido na
Obra poética de múltiplas faces: lírica, satírica, filosófica, Europa em meados do século XVIII, que teve larga influência em
religiosa, pornográfica, encomiástica (elogiosa). toda a arte e cultura do ocidente até meados do século XIX. Teve
Influenciado pela tradição portuguesa e espanhola e, ao como base os ideais do Iluminismo e um renovado interesse
mesmo tempo, inventivo e original. pela cultura da Antiguidade clássica, advogando os princípios da
Introdutor da linguagem coloquial, popular, “mestiça”, das moderação, equilíbrio e idealismo como uma reação contra os
ruas, na poesia brasileira. excessos de decoração e dramáticos do Barroco e Rococó.
Poeta maldito – conhecido como “Boca do Inferno”, o maior Movimento literário, derivado do espírito crítico do
satírico da literatura brasileira. Iluminismo, que visa à reabilitação e restauração dos géneros,
das formas, “das técnicas e da expressão clássicas”, que vingaram
ANÁLISE DO POEMA “A INSTABILIDADE DAS COUSAS DO em Portugal no séc. XVI. Esta renovação faz-se acompanhar
MUNDO” DE GREGÓRIO DE MATOS duma severa disciplina estética e dum purismo estreme, que
procura libertar a língua de termos estranhos, restituindo-lhe
Nasce o sol e não dura mais que um dia. (antítese vida/ uma sobriedade castiça e o rigor do sentido.
morte) O Neoclassicismo propõe um retorno à simplicidade e
Depois da luz, se segue a noite escura, (ant. claro/escuro) perfeição do primeiro Classicismo e a condenação do Barroco.
Em tristes sombras morre a formosura, (ant.feio/belo) A rima, como mero artifício sonoro deve ser abolida e a
Em contínuas tristezas a alegria. (ant. tristeza/alegria) mitologia suavemente usada. A grande mestra é a Natureza, que
Porém, se acaba o sol, porque nascia? (dúvida) deve ser imitada como o fizeram os Antigos. A poesia tem um
Se é tão formosa a luz, porque não dura? Como a beleza assim elevado papel didático, contribuindo para a transformação das
se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? (sofrimento) mentalidades. Tudo isto deve ser orientado pelos critérios da
Mas no sol e na luz falta a firmeza; Na formosura, não se dê razão e da verdade.
constância As Arcádias - a Lusitana, a Portuense e a Nova Arcádia -
E, na alegria, sinta-se tristeza. (ant. tristeza/alegria) tiveram um papel relevante na exposição e divulgação desses
Começa o mundo, enfim pela ignorância, E tem qualquer dos ideais. Contudo, o grande número de normas impostas aos
bens por natureza: A firmeza somente na inconstância. escritores limitou muito a sua criatividade e imaginação.
A Arcádia Lusitana, fundada em Março de 1756, é uma
(Gregório de Matos. Obra Completa.) assembleia de escritores portugueses do séc. XVIII, que tomam
o nome de velhos pastores da Grécia, querendo significar com

Conhecimentos Específicos 47
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
isso que desejam regressar ao viver chão da Natureza e eu do rigor do Classicismo anterior. A principal expressão do
estão dispostos a levar a arte literária a uma correspondente movimento na literatura é o Arcadismo, manifestado na Itália,
simplicidade de expressão. O seu emblema era um lírio branco e em Portugal e no Brasil.
usava como divisa a frase latina “inutilia truncat” - corta o inútil. A sua principal expressão na literatura, o Arcadismo foi um
movimento literário que buscava basicamente a simplicidade,
Origens e contexto oposto a confusão e do retrocesso Barroco. Retrata a vida
O nascimento do Neoclassicismo se deve em linhas gerais ao pastoril e harmônica do campo. As referências clássicas voltam,
crescente interesse pela antiguidade clássica que se observou na e as obras são recheadas de seres da mitologia grega. Porém se
Europa em meados do século XVIII, associado com a influência observa que a mitologia, que era um acervo cultural concreto
dos ideais do Iluminismo, que tinham base no racionalismo, de Grécia, Roma e mesmo do Renascimento, agora se converte
combatiam as superstições e dogmas religiosos, e enfatizavam apenas num recurso poético de valor duvidoso. Também se
o aperfeiçoamento pessoal e o progresso social dentro de uma destaca Éclogas de Virgílio e dos Idílios de Teócrito, obras
forte moldura ética. Os acadêmicos da época iniciaram pesquisas clássicas que retratam a natureza harmônica, e por isso são os
mais sistemáticas da arte e cultura antiga, incluindo escavações dois autores mais imitados pelos árcades.
arqueológicas, formaram-se importantes coleções públicas Os árcades, ao contrario do Barroco, preferiam uma visão
e privadas de arte e artefatos antigos, e o número de estudos equilibrada do mundo. Sem exageros, sem conflitos, apenas a
especializados cresceu significativamente. simplicidade.
O movimento teve também conotações políticas, já que
a origem da inspiração neoclássica era a cultura grega e sua Artes plásticas
democracia, e a romana com sua república, com os valores A arte neoclássica busca inspiração no equilíbrio e na
associados de honra, dever, heroísmo, civismo e patriotismo. simplicidade, bases da criação na Antiguidade. As características
Como consequência, o estilo neoclássico foi adotado pelo marcantes são o caráter ilustrativo e literário, marcados pelo
governo revolucionário francês, assumindo os nomes sucessivos formalismo e pela linearidade, poses escultóricas, com anatomia
de estilo Diretório, estilo Convenção e mais tarde, sob Napoleão, correta e exatidão nos contornos, temas “dignos” e clareza. A arte
estilo Império, influenciando outros países. Nos Estados neoclássica nasceu na Europa, nas últimas décadas do século
Unidos, no tumultuado processo de conquista de sua própria XVIII e nas três primeiras décadas do século XIX, foi uma reação
independência e inspirados no modelo da Roma republicana, o ao barroco e ao rococó. Não foi apenas um movimento artístico
Neoclassicismo se tornou um padrão e foi conhecido como estilo mas também cultural que refletiu as mudanças que ocorriam
Federal. Entretanto, desde logo o Neoclassicismo se tornou na época marcadas pela ascensão da burguesia. Este estilo
também um estilo cortesão, e em virtude de suas associações procurou expressar e interpretar os interesses, a mentalidade e
com o glorioso passado clássico, foi usado pelos monarcas e os hábitos da burguesia manufatureira e mercantil da época da
príncipes como veículo de propaganda para suas personalidades revolução francesa e do Império Napoleônico.
e feitos.
Pintura
Características histórico-político-sociais e estéticas Uma amostra de pintura neoclássica nesse período é O
Revalorização dos ideais clássicos: o equilíbrio, o bom senso, Juramento dos Horácios, do francês Jacques-Louis David (1748-
a apologia da experiência; 1825). A pintura neoclássica de David dominou o panorama
Referência ao despotismo esclarecido, ao iluminismo e aos artístico francês durante quase meio século, fazendo com que
estrangeirados; ele, acima das contingências políticas, fosse o pintor oficial da
Predominância dos motivos e temas clássicos: o locus revolução francesa e, depois, do regime de Napoleão Bonaparte.
amoenus, o ideal da aurea mediocritas, o carpe diem, referências Outro pintor de destaque é Dominique Ingres (1780-1867), de
mitológicas... A Banhista de Valpinçon. Entre os italianos, sobressai Tiepolo
Uso exclusivo de formas poéticas clássicas: soneto, odes, (1696-1770).
epigramas, epístolas, cantatas, canções, elegias, sátiras;
Reação contra os excessos ideológico-formais do Barroco Escultura
(Séc. XVII) através da criação das academias; Na escultura o movimento buscava inspiração no passado.
Papel preponderante dos salões literários e dos cafés A estatuária grega foi o modelo favorito pela harmonia das
na animação cultural do país e na transmissão de uma nova proporções, regularidade das formas e serenidade da expressão.
sensibilidade que se adivinha: o Pré-Romantismo (Segunda Apesar disso, não atingiram a amplitude nem o espírito da
metade do século XVIII); escultura grega. Também foi menos ousada que a pintura
Época de grandes mudanças a nível mundial (independência e arquitetura de seu tempo. Entre os principais escultores
dos EUA em 1776 e Revolução Francesa em 1789); destaca-se o italiano Antonio Canova (1757-1822), que retrata
Valorização da liberdade, quer a nível social, quer estético e personagens contemporâneos como divindades mitológicas
individual. como Pauline Bonaparte Borghese como Vênus.

Principais características do Neoclassicismo Música


Formalismo e racionalismo O período normalmente designado como neoclássico é, em
Exatidão nos contornos música, reconhecido como classicismo, ou período clássico.
Harmonia do colorido Grosso modo, a segunda metade do século XVIII, período
Retorno ao estilo greco-romano marcado pela simplificação das estruturas Barrocas, tornando
Academicismo e técnicas apuradas a música mais simples através da mudança de um estilo
Culto a teoria de Aristóteles contrapontístico para outro homofônico. São considerados o
Ideal da época: democracia auge deste estilo os compositores Mozart e Haydn, pelo modo
Pinceladas que não marcavam a superfície como sintetizaram os trabalhos de seus antecessores, dando
Volta ao equilíbrio renascentista. forma definida à Sonata, à música de câmara, ao concerto e à
Todo conhecimento vem da experiência e da reflexão. Sinfonia. Beethoven é considerado o compositor responsável
Afrancesamento da arte, da cultura e da vida. pela transição do estilo clássico para o romântico.
Campestre, bucólico e pastoril.
Razão e inteligência. Arquitetura neoclássica
Objetivismo. A Arquitetura neoclássica foi produto da reação antibarroco
Temas pagãos e greco-latino, como a mitologia. e antirococó, levada a cabo pelos novos artistas-intelectuais
do século XVIII. Os Arquitetos formados no clima cultural do
Literatura racionalismo iluminista e educados no entusiasmo crescente
Os textos empregam linguagem clara, sintética, pela Civilização Clássica, cada vez mais conhecida e estudada
gramaticalmente correta e nobre. A forma liberta-se um pouco devido aos progressos da Arqueologia e da História.

Conhecimentos Específicos 48
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Algumas características deste movimento artístico na Características do Romantismo
arquitetura são: Subjetivismo: o autor trata os assuntos de uma forma
Materiais nobres (pedra, mármore, granito, madeiras) pessoal, de acordo com o que sente, aproximando-se da fantasia.
Processos técnicos avançados Sentimentalismo: exaltam-se os sentidos, e tudo o que é
Sistemas construtivos simples provocado pelo impulso é permitido.
Esquemas mais complexos, a par das linhas ortogonais Culto ao fantástico: a presença do mistério, do sobrenatural,
Formas regulares, geométricas e simétricas representando o sonho, a imaginação; frutos da pura fantasia,
Volumes corpóreos, maciços, bem definidos por planos que não carecem de fundamentação lógica, do uso da razão.
murais lisos Idealização: motivado pela fantasia e pela imaginação, o
Uso de abóbada de berço ou de aresta artista romântico passa a idealizar tudo; as coisas não são vistas
Uso de cúpulas, com frequência marcadas pela como realmente são, mas como deveriam ser segundo uma ótica
monumentalidade pessoal.
Espaços interiores organizados segundo critérios Egocentrismo: cultua-se o “eu” interior, atitude narcisista,
geométricos e formais de grande racionalidade em que o individualismo prevalece; microcosmos (mundo
Pórticos colunados interior) X macrocosmos (mundo exterior).
Entablamentos direitos Escapismo psicológico: espécie de fuga. Já que o romântico
Frontões triangulares não aceita a realidade, procura modos de refugiar-se, por
A decoração recorreu a elementos estruturais com formas exemplo, no passado, no sonho ou na morte.
clássicas, à pintura rural e ao relevo em estuque Liberdade de criação: O escritor romântico recusa formas
Valorizou a intimidade e o conforto nas mansões familiares poéticas, usa o verso livre e branco, libertando-se dos modelos
Decoração de caráter estrutural greco-latinos, tão valorizados pelos clássicos, e aproximando-se
da linguagem coloquial.
Teatro Medievalismo: há um grande interesse dos românticos
No teatro neoclássico a racionalidade predomina, pelas origens de seu país, de seu povo. Na Europa, retornam à
revalorizam-se o texto e a linguagem poética. A tragédia mantém idade média e cultuam seus valores, por ser uma época obscura.
o padrão solene da Antiguidade. Entre os principais autores está Condoreirismo: corrente de poesia político-social os autores
Voltaire. A comédia revitaliza-se com o francês Pierre Marivaux defendem a justiça social e a liberdade.
(1688-1763), autor de O Jogo do Amor e do Acaso. Os italianos Nativismo: fascinação pela natureza. Muitas vezes, o
Carlo Goldoni (1707-1793), de A Viúva Astuciosa, e Carlo nacionalismo romântico é exaltado através da natureza, da força
Gozzi (1720-1806), de O Amor de Três Laranjas, estão entre os da paisagem.
principais dramaturgos do gênero. Outro importante autor de Luta entre o liberalismo e o absolutismo: poder do povo
comédias é o francês Caron de Beaumarchais (1732-1799), X poder da monarquia. Até na escolha do herói, o romântico
de O Barbeiro de Sevilha e de As Bodas de Fígaro, retratos da dificilmente optava por um nobre. Geralmente, adotava heróis
decadência do Antigo Regime e uma inspiração para as óperas grandiosos, muitas vezes personagens históricos, que foram de
de Mozart (1756-1791) e Rossini (1792-1868). algum modo infelizes: vida trágica, amantes recusados, patriotas
exilados.
Romantismo Byronismo: atitude amplamente cultivada entre os poetas
da segunda geração romântica e relacionada ao poeta inglês
Romantismo, foi um movimento artístico, político e Lord Byron. Caracteriza-se por mostrar um estilo de vida e uma
filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa forma particular de ver o mundo; um estilo de vida boêmia,
que perdurou por grande parte do século XIX. Caracterizou- noturna, voltada para o vício e os prazeres da bebida, do fumo
se como uma visão de mundo contrária ao racionalismo e ao e do sexo. Sua forma de ver o mundo é egocêntrica, pessimista,
iluminismo e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os angustiada e, por vezes, satânica.
estados nacionais na Europa. Religiosidade: como uma reação ao racionalismo
Inicialmente apenas uma atitude, um estado de espírito, o materialista dos clássicos, a vida espiritual e a crença em Deus
Romantismo toma mais tarde a forma de um movimento, e o são enfocadas como pontos de apoio ou válvulas de escape
espírito romântico passa a designar toda uma visão de mundo diante das frustrações do mundo real.
centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada Nacionalismo (também denominado patriotismo): é a
vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores exaltação da Pátria, de forma exagerada, em que somente as
trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século qualidades são enaltecidas.
XVIII foi marcado pela objetividade, pelo Iluminismo e pela Pessimismo: também conhecido como o “mal-do-século”. O
razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela artista vê-se diante da impossibilidade de realizar o sonho do
subjetividade, pela emoção e pelo eu. “eu” e, desse modo, cai em profunda tristeza, angústia, solidão,
O termo romântico refere-se ao movimento estético ou, em inquietação, desespero, frustração, levando-o, muitas vezes, ao
um sentido mais lato, à tendência idealista ou poética de alguém suicídio, solução definitiva para o mal-do-século.
que carece de sentido objetivo. Fusão do grotesco e do sublime: o romantismo procura
O Romantismo é a arte do sonho e fantasia. Valoriza as forças captar o homem em sua plenitude, enfocando também o lado
criativas do indivíduo e da imaginação popular. Opõe-se à arte feio e obscuro de cada ser humano.
equilibrada dos clássicos e baseia-se na inspiração fugaz dos
momentos fortes da vida subjetiva: na fé, no sonho, na paixão, na Primeira geração
intuição, na saudade, no sentimento da natureza e na força das Entre os anos de 1825 e 1840.
lendas nacionais Bastante ligado ao Classicismo, contribui para a consolidação
do liberalismo em Portugal.
Contexto histórico Os ideais românticos dessa geração estão embasados
Em Portugal o Romantismo durou cerca de 40 anos 1825 a na pureza e Originalidade, Subjetivismo, Idealização da
1865. mulher, do amor e da natureza, Nacionalismo, Historicismo
A Invasão de Napoleão fez com que a corte portuguesa e Medievalismo.
fugisse para o Brasil. Principais autores
Absolutistas versus Liberais
D. Pedro IV foi defensor de uma constituição liberal e seu Alexandre Herculano
irmão D. Miguel defendia idéias absolutistas. Por isso D. Pedro Alexandre Herculano nasceu em 1810 e faleceu em 1877.
reuniu um exército para enfrentar seu irmão. Ficou conhecido por suas narrativas históricas. Lutou contra
Independência do Brasil democratas (nome que se dava na altura aos defensores da
D. Pedro IV declara a independência do Brasil e se proclama “democracia de massas”) e tornou-se defensor das ideias liberais
imperador, como D. Pedro I. conservadoras.

Conhecimentos Específicos 49
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Tendências: Medievalismo, Ficção e Nacionalismo. Também conhecido como Ultrarromantismo.
Obras: Marcado pelo Exagero, Desequilíbrio, Sentimentalismo.
Historiografia Maior emoção nas obras, dando valor ao: tédio, melancolia,
História de Portugal desespero, pessimismo, fantasia.
História da origem e estabelecimento da inquisição em Liberdade de expressão.
Portugal
Polémicas Principais autores
Eu e o Clero
Opúsculos Camilo Castelo Branco
Estudo sobre o casamento civil Nasceu em 1825. Faleceu em 1890. Acontecimentos de sua
A voz do profeta vida são retratados no enredo de seus livros.
A ciência arábica-acadêmica Tendências: situações ridículas e originais, novelas
Poesia passionais, acontecimentos dramáticos e finais trágicos.
A semana Santa Obras:
A voz Ultra românticas
Poema Amor de Perdição
A Harpa do Crente Amor de Salvação
Prosa Carlota Ângela
Eurico, o Presbítero O romance de um homem rico
O Monge do Cister A Doida do Candal
Lendas e Narrativas Obras satíricas
O Bobo A Queda de um Anjo
Coração, Cabeça e Estômago
Almeida Garrett Eusébio Macário
Nasceu em 1799 em Porto. Faleceu em 1854 em Lisboa. A Corja
Considerado o iniciador do romantismo. Dedicou-se também a
literatura e ao jornalismo. Lutou contra absolutismo ao lado de Soares de Passos
Pedro I. Foi exilado duas vezes. Soares de Passos nasceu em Porto em 1826. Faleceu em 1860.
Tendências: Nacionalismo e Ideologia Liberal. Estudou na Universidade de Coimbra onde fundou o jornal “O
Obras: Novo Trovador”. Nele muitos poetas da época publicaram algo.
Poesia E em 1856, Soares Passos reuniu todas essas poesias publicadas
Camões em um livro chamado “Poesias”. Mesmo tendo uma vida curta, é
Dona Branca considerado um dos poetas ultrarromânticos portugueses mais
Lírica de João Mínimo importantes.
Flores sem fruto Tendências: Liberdade, exaltação cívica, confiante na
Folhas caídas vitória do homem, poesia delicada, reflexo da dor pessoal.
Prosa
Viagens na minha terra Obras:
O Arco de Sant’Ana Poesia
Teatro O firmamento
Catão A Camões
Mérope
Um auto de Gil Vicente Terceira geração
O alfageme de Santarém Entre os anos 1860 a 1870
Frei Luís de Sousa É considerado momento de transição, por já anunciar o
D. Filipa de Vilhena Realismo.
Falar verdade a mentir Traz um Romantismo mais equilibrado, regenerado
(corrigido, reconstituído).
António Feliciano de Castilho Autores pré-realistas.
Nasceu em 1800. Faleceu em 1875. Perdeu a visão quase Lirismo simples e sincero
completamente aos 6 anos. Contou com o apoio de seu irmão,
Augusto Frederico de Castilho, que o incentivou a continuar a Principais autores
estudar. Com muita força de vontade conseguiu se formar em
Direito na Universidade de Coimbra. Além disso era tradutor. A Júlio Dinis
partir de 1842 passou a dirigir a “Revista Universal Lisbonense”, Nasceu em 1839. Faleceu em 1871. Visão detalhada do
o que lhe permitiu exercer influência sobre o meio cultural ambiente. Romances ambientados no campo.
português. Tendências: Pré-realista.
Obras: Obras:
Cartas de Eco a Narciso, 1821 Romances
A Primavera, 1822 As Pupilas do Senhor Reitor
Amor e Melancolia ou a Novíssima Heloísa, 1828 Uma família inglesa
A Noite do Castelo, 1836 Sertões da província
Os Ciúmes do Bardo, 1836 A Morgadinha dos canaviais
Quadros Históricos de Portugal, 1838 Os fidalgos da Casa Mourisca
Escavações Poéticas, 1844 Inédito e esparsos
Mil e Um Mistérios, 1845 Poesias
Crónica Certa e Muito Verdadeira de Maria da Fonte, 1846 Poesias
A Felicidade pela Agricultura, 1849 Teatro
Tratado de Versificação Portuguesa, 1851 Teatro inédito
Felicidade pela Instrução, 1854
A Chave do Enigma, 1861 João de Deus
O Outono, 1863! Nasceu em 1830. Faleceu em 1896. Retomou a tradição
lírica portuguesa. Foi admirado pelos realistas. Teófilo Braga foi
Segunda geração quem reuniu seus poemas e os publicou sob o título “Campos de
Entre os anos 1840 e 1860 Flores” (1893).

Conhecimentos Específicos 50
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Tendências: Pré-Realistas, Idealismo amoroso, a visão Eugênio de Castro
espiritualizada da mulher. Eugênio de Castro é um autor português e foi o responsável
por inaugurar o Simbolismo português. As obras de Eugênio de
Realismo ao simbolismo Castro possuem versos livres, vocabulário erudito, pessimismo
O simbolismo foi um movimento que se desenvolveu nas e ambiguidade nos temas trabalhados.
artes plásticas, teatro e literatura. Surgiu na França, no final do Obras: Oaristo (1890), Horas (1891), Silva e Interlúdio
século XIX, em oposição ao Naturalismo e ao Realismo. (1894).
O Simbolismo foi um movimento literário que surgiu antes
da Primeira Guerra Mundial, e surgiu como uma reação às Realismo
correntes materialistas e cientificistas daquela época.
O Realismo teve seu início na França em 1857, quando
Características do Simbolismo Gustave Flaubert publicou sua obra Madame Bovary, em que sua
- Ênfase em temas místicos, imaginários e subjetivos; principal personagem buscava um amor romântico, perfeito e
- Caráter individualista impossível, mas a dura realidade, sem emoções, não permitia
- Desconsideração das questões sociais abordadas pelo realizar suas pretensões, e ela acabou por se suicidar.
Realismo e Naturalismo; O Realismo se iniciou em Portugal com a Questão Coimbrã,
- Estética marcada pela musicalidade (a poesia aproxima-se polêmica literária entre Antero de Quental, Teófilo Braga
da música); e os jovens literatos que surgiram na década de 1860, e os
- Produção de obras de arte baseadas na intuição, representantes da geração anterior, entre os quais se destacava
descartando a lógica e a razão Castilho.
- Utilização de recursos literários como, por exemplo, a As características principais do Realismo incluíam a busca
aliteração (repetição de um fonema consonantal) e a assonância da realidade de vida, mostrada como realmente é, com os lados
(repetição de fonemas vocálicos). positivos e negativos; um pessimismo latente, onde as criaturas
Retorno à segunda fase romântica que ficou conhecida como eram más e mal intencionadas, ao contrário do Romantismo,
mal do século. No entanto, o Simbolismo foi mais profundo no onde eram tratadas como bondosas; uso de temas de caráter
universo metafísico do que a geração marcada por Álvares de grosseiro, para chocar os padrões morais do leitor; preocupação
Azevedo. em relatar os fatos comuns do dia-a-dia, que no Romantismo
Apesar da métrica definida, o Simbolismo desrespeitava a eram preteridos pelo extraordinário, pelo invulgar; tudo
gramática com o intuito de não limitar o artista. descrito com minúcias, muitas vezes em demasia.
Atenção exclusiva ao “eu”, explorando-o através de uma O Realismo não foi tanto uma escola literária como um
linguagem pessimista e musical, de modo que a carga emotiva sentimento novo, uma nova atitude espiritual em que couberam
das palavras é ressaltada. A poesia é aproximada da música pelo direções muito divergentes, que se alçou contra um idealismo
uso de aliterações. sem ideias. A sua consequência mais vital e duradoura foi romper
com o patriotismo provinciano dos ultrarromânticos, abrindo
Misticismo e espiritualismo: o espírito nacional a todas influências externas e ampliando a
Os simbolistas negam o espírito científico e materialista dos gama de escolha dos motivos literários.
realistas/naturalistas, valorizando as manifestações místicas e Em Portugal, as semelhanças entre Realismo e Naturalismo
mesmo sobrenaturais do ser humano. eram muito fortes. O principal representante do Realismo
português foi Eça de Queirós, com a publicação do conto
Subjetivismo: Singularidades duma rapariga loira que, na opinião de Fialho de
Os simbolistas terão maior interesse pelo particular e Almeida, foi a primeira narrativa realista escrita em português.
individual do que pelo geral e universal. A visão objetiva Com o aparecimento de O crime do padre Amaro e de O primo
da realidade não desperta mais interesse, e sim a realidade Basílio, ambos de Eça de Queirós, onde Realismo e Naturalismo
focalizada sob o ponto de vista de una indivíduo. se confundem, a nova escola implantava-se definitivamente. Mas
na década de 1890, o Realismo, cada vez mais confundido com o
Tentativa de aproximar a poesia da música: Naturalismo, já havia perdido muito de sua força.
Para conseguir aproximação da poesia com a música, os
simbolistas lançaram mão de alguns recursos, como a aliteração, CONTEXTO HISTÓRICO
por exemplo. - Surgiu a partir da segunda metade do século XIX.
- As ideias do Liberalismo e Democracia ganham mais
Expressão da realidade de maneira vaga e imprecisa; espaço.
- As ciências evoluem e os métodos de experimentação e
Ênfase na sugestão: Um dos princípios básicos dos observação da realidade passam a ser vistos como os únicos
simbolistas era sugerir através das palavras sem nomear capazes de explicar o mundo físico.
objetivamente os elementos da realidade. Ênfase no imaginário - Em 1870, iniciam-se os primeiros sintomas da agitação
e na fantasia cultural, sobretudo nas academias de Recife, SP, Bahia e RJ,
devido aos seus contatos frequentes com as grandes cidades
Percepção intuitiva da realidade europeias.
Para interpretar a realidade, os simbolistas se valem da - Houve também uma transformação no aspecto social com o
intuição e não da razão ou da lógica. surgimento da população urbana, a desigualdade econômica e o
aparecimento do proletariado.
Principais autores
Características do Realismo
Cruz e Souza - Oposição ao idealismo romântico. Não há envolvimento
Cruz e Souza era brasileiro e é um dos principais sentimental
representantes do Simbolismo no Brasil. Seus textos eram - Representação mais fiel da realidade
carregados de erotismo e satanismo, e de vez quando misticismo; - Romance como meio de combate e crítica às instituições
apresentavam uma visão trágica da vida. Cruz e Souza tinha uma sociais decadentes, como o casamento, por exemplo.
obsessão pela cor branca, e criava analogias e entre o abstrato e - Análise dos valores burgueses com visão crítica
o concreto. denunciando a hipocrisia e corrupção da classe
Obras: Tropos e Fantasias; Missal e Broquéis, 1893 (poesia); - Influência dos métodos experimentais
Evocações, 1898(prosa); Faróis, 1900 (poesia); Últimos Sonetos, - Narrativa minuciosa (com muitos detalhes)
1905 (poesia). - Personagens analisadas psicologicamente

Conhecimentos Específicos 51
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Objetivismo, impassibilidade, observação e análise. surgiram desenvolvimentos como a Teoria da Relatividade
Busca de uma explicação lógica e cientificamente aceitável para na física, o aumento da integração do combustível interno na
os fatos e ações. industrialização.
Sensorialismo. Impressões sensoriais nítidas e precisas. As teorias de Freud foram influenciadas pelo modernismo,
Predomínio da descrição objetiva. Narrativa lenta, devido ao que argumentou que a mente tinha uma estrutura básica e
acúmulo de pormenores. A ação eo enredo perdem aimportância fundamental, e que essa experiência subjetiva fora baseada na
para a caracterização das personagens. Personagens esféricas, interação das partes do cérebro. Isto representou o corte com o
complexas, multiformes, imprevisíveis e dinâmicas. Densidade passado, antes acreditava-se que a realidade externa e absoluta
psicológica. Ruptura com a linearidade das personagens podia imprimir ela mesmo no indivíduo, como, por exemplo, na
românticas (Herói x Vilão, Bem x Mal). O autor ausenta-se da doutrina da tábua rasa de John Locke.
narrativa, colocando-se como observador neutro. O “romance A influência da comunicação, transportes e do rápido
que se narra a si mesmo” (Flaubert). desenvolvimento científico começaram a melhorar os estilos
Temas Contemporâneos. Crítica social à burguesia, ao arquiteturais, nos quais a construção era mais barata e menos
clero, ao obscurantismo provinciano; ao capitalismo selvagem, ornamentada.
ao preconceito racial, à monarquia. Romance social, psicológico A escrita era mais curta, mais clara, e fácil de ler. A origem do
e de tese. Sexo, adultério, degradação das personagens, cinema na primeira década do século vinte deu ao modernismo
assassinatos, triunfo do mal. uma forma de arte que era unicamente dele Esta onda e tentou
Preocupação formal. Clareza, concisão, precisão lexical, redefinir as várias formas de arte de uma forma radical.
purismo, vernaculidade. Predomínio da denotação. A metáfora O marco inicial do Modernismo em Portugal foi a
cede lugar à metonímia. publicação da revista Orpheu, em 1915, influenciada pelas
As características da literatura realista se contrapõem grandes correntes estéticas europeias, como o Futurismo, o
com as românticas. Os cenários passaram a ser urbanos e o Expressionismo, etc., reunindo Fernando Pessoa, Mário de Sá
ambiente social passou a ser valorizado ao invés do natural. Carneiro e Almada Negreiros, entre outros.
O amor e o casamento, os quais eram elementos de felicidade
no Romantismo, transformaram-se em convenções sociais de Características:
aparência. Atitude irreverente em relação aos padrões estabelecidos;
Reação contra o passado, o clássico e o estático;
O Simbolismo em Portugal Temática mais particular, individual e não tanto universal e
genérica;
Com a publicação de Oaristos, de Eugenio de Castro, em 1890, Preferência pelo dinamismo e velocidade vitais;
inicia-se oficialmente o Simbolismo português, durando até Busca do imprevisível e insólito
1915, época do surgimento da geração Orpheu, que desencadeia Abstenção do sentimentalismo fácil e falso;
a revolução modernista no país, em muitos aspectos baseada Comunicação direta das ideias: linguagem cotidiana.
nas conquistas da nova estética. Esforço de originalidade e autenticidade;
Conhecidos como adeptos do Nefelibatismo (espécie de Interesse pela vida interior (estados de alma, espírito...)
adaptação portuguesa do Decadentismo e do Simbolismo Aparente hermetismo, expressão indireta pela sugestão e
francês), e, portanto como nefelibatas (pessoas que andam associação verbal em vez de absoluta clareza.
com a cabeça nas nuvens), os poetas simbolistas portugueses Valorização do prosaico e bom humor;
vivenciam um momento múltiplo e vário, de intensa agitação Liberdade forma: verso livre, ritmo livre, sem rima, sem
social, política, cultural e artística. Com o episódio do estrofe preestabelecida.
Ultimatum inglês, aceleram-se as manifestações nacionalistas e Esquecimento do passado e o propósito de construir e criar
republicanas, que culminarão com a proclamação da República, o futuro;
em 1910. O desprezo por tudo o que é clássico, tradicional e estático
Portanto, os principais autores desse estilo em Portugal (museus, academias, servilismo aos mestres, etc.);
seguem linhas diversas, que vão do esteticismo de Eugênio de Repúdio de sentimentalismo pelo ingresso frenético na vida
Castro ao nacionalismo de Antônio Nobre e outros, até atingirem ativa através da exaltação do homem de ação e simultaneamente
maioridade estilística com Camilo Pessanha: o mais importante através do repúdio do homem contemplativo;
poeta simbolista português. Culto da liberdade, da veracidade, da energia, da força física,
da máquina, da violência, do perigo;
Principais autores e obras: Culto da originalidade através de uma busca incessante de
Além de Raul Brandão, um dos raros escritores de prosa expressividade máxima;
simbolista, na verdade prosa poética, representada pela trilogia Novo conceito de arte: deve ser a força, o dinamismo, o
que compreende as obras A farsa, Os pobres e Húmus, Eugênio domínio dos outros;
de Castro, Antônio Nobre e Camilo Pessanha são os poetas mais O universalismo.
expressivos do simbolismo em Portugal.
Três grandes gerações de autores:
Modernismo em Portugal 1ª geração - o Orfismo : Fernando Pessoa, Mário de Sá
Carneiro, Almada Negreiros e outros;
Movimento artístico e literário que se desenvolveu na 2ª geração - o Presencismo: José Régio, João Gaspar Simões,
última década do séc. XIX e na primeira metade do séc. XX, que Branquinho da Fonseca e outros;
surgiu por oposição ao tradicional ou clássico. Caracterizou- 3ª geração - o Neo-Realismo: Alves Redol, Ferreira de Castro,
se fundamental pelo progresso, da aceleração das inovações Jorge de Sena e outros.
e experiências conduzidas pelos movimentos da vanguarda,
em função da ideologia do novo como valor ético e estético, da As grandes revelações literárias desse período, Mário
autonomia da arte, e da recusa da realidade como modelo para de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, surgem justamente nas
esta última. páginas de Orpheu.
Do ponto de vista literário, o modernismo apresenta
várias correntes ou subcorrentes, de inspiração ideológica Mário de Sá-Carneiro (1890 – 1916) - influenciado pelo
profundamente divergente: do saudosismo e decadentismo ao decadentismo e pela estética simbolista, construiu uma obra
futurismo, ao paulismo e ao interseccionismo, passando pelo marcada por inesperada e inquietante angustia existencialista.
simbolismoe existencialismo. Afastando-se da preocupação meramente estética, aborda
No início da década de 1890, pensou-se que seria o tema da cisão do sujeito na enunciação de si próprio e na
necessário mudar completamente as normas, e em vez de formulação de sua percepção de mundo.
apenas rever o conhecimento passado à luz das novas técnicas, Fernando Pessoa (1888 – 1935) - sua obra é caracterizada
seria necessário fazer mudanças profundas. Paralelamente pela busca da despersonalização e da fragmentação do “eu” do

Conhecimentos Específicos 52
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
poeta em múltiplas personalidades – o que possibilita a criação Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910-1968):
de um universo literário em que sinceridade e fingimento são nascido em Moçambique, mudou-se para Angola, lugar que
discutidos de maneira rica, densa e intrigante. Para compreendê- o inspirou a escrever sua obra-prima, “A terra morta”, em que
lo é fundamental conhecer a produção de seus heterônimos. caracteriza a cultura africana (em especial, a religião, com seus
deuses e mitos)
Heterônimos de Fernando Pessoa
Alberto Caeiro: poeta bucólico, está em contato direto com a José Maria Ferreira de Castro (1898-1974): é considerado
natureza, aproximando a sua lógica da ordem natural das coisas. o melhor e mais importante neorrealista português. Em sua
Caeiro “pensa” com os sentidos e vê as coisas como elas são, obra “A Selva”, retrata a exploração e os perigos por que passa o
desprovidas de conceitos e valores pré-concebidos. seringueiro na selva amazônica. Escreveu também “Emigrantes”
Ricardo Reis - poeta de inspiração neoclássica, é um latinista (retirantes da seca do nordeste do Brasil).
cuja preocupação em gozar o momento remete ao carpe diem.
Para ele, é preciso estar atento para aproveitar os instantes Aquilino Ribeiro (1885-1963): era filósofo e quando morreu
volúveis da vida, com serenidade e sem excessos. estava em liberdade condicional por causa de um processo
Álvaro de Campos - poeta inquieto e adepto do oriundo da publicação da obra “Quando os lobos uivam “. Sua
decadentismo, constrói sua obra a partir de experiências obra-prima é “Estrada de Santiago”, em que se destaca o conto
futuristas, nas quais é nítida a influência do norte americano “Malhadinhas”
Walt Whitman. Mas Campos esgota essa vertente e adere à
poesia intimista e melancólica, evoluindo ao sensacionismo – O Modernismo na Literatura
para o qual a sensação é a única realidade da vida.
Fernando Pessoa (ele mesmo) - considerado por alguns O modernismo na literatura foi praticado por duas gerações
críticos também uma espécie de heterônimo, o Fernando Pessoa de intelectuais ligados a duas publicações literárias: um primeiro
ortônimo produz uma poesia lírica de tendência saudosista e modernismo surgido em 1915, em torno da revista Orpheu; um
nacionalista. segundo modernismo organizado em 1927, em torno da revista
Presença.
PRINCIPAIS AUTORES/OBRAS DO MODERNISMO EM
PORTUGAL O Primeiro Modernismo – a Revista Orpheu
Os únicos dois números desta revista, lançados em Março
Primeira Geração: GERAÇÃO ORPHEU (predomínio da e Junho de 1915, marcaram a introdução do modernismo em
poesia) Portugal.
Mário de Sá Carneiro (1890-1916) Tratava-se de uma revista onde Mário de Sá-Carneiro,
Poemas: “Dispersão”, “Indícios de Oiro “ Almada Negreiros e Fernando Pessoa, entre outros intelectuais
Prosa: “Princípio”, “Céu em Fogo” e “A Confissão de Lúcio” de menor vulto, subordinados às novas formas e aos novos
Teatro; “Amizade” temas, publicaram os seus primeiros poemas de intervenção na
contestação da velha ordem literária.
José Sobral de Almada Negreiros (1893-1970) O primeiro número provocou o escândalo e a troça dos
Poemas: “A Cena do Ódio” - Prosa : “Nome de Guerra” críticos, conforme era desejo dos autores. O segundo número,
Criador de quadros e gravuras de Fernando Pessoa. que já incluiu também pinturas futuristas de Santa-Rita Pintor,
suscitou as mesmas reacções. Perante o insucesso financeiro, a
Segunda Geração: GERAÇÃO PRESENÇA (predomínio da revista teve de «fechar portas».
poesia) No entanto, não se desfez o movimento organizado em torno
da publicação. Pelo contrário, reforçou-se com a adesão de novos
José Maria dos Reis Pereira, ou José Régio (1901-1969) criadores e passou a desenvolver intensa actividade na denúncia
Poemas: “Poemas de Deus e do Diabo “, ‘As encruzilhadas de inconformista da crise de consciência intelectual disfarçada pela
Deus”, “Fado “, “Mas Deus é grande “, “A chaga do Fado” e “O Filho mediocridade académica e provinciana da produção literária
do Homem”. instalada na cultura portuguesa desde o fim da geração de 70,
Prosa: “Jogo da Cabra Cega”, “O Príncipe com orelhas de de que Júlio Dantas (alvo do Manifesto Anti-Dantas, de Almada)
burro” (ambos infantis) e “A casa velha”. constituia um bom exemplo.
Teatro: “Jacob e o Anjo” e “Benilde”
O Segundo Modernismo – a revista Presença
Adolfo Correia da Rocha ou Miguel Torga (1907) A revista Presença, ou «folha de arte e crítica», foi fundada
Poesia: “Ansiedade”, “Tributo” Cantiga do Homem” e “Orpheu em 1927, em Coimbra, por Branquinho da Fonseca, João Gaspar
rebelde” Simões e José Régio. Não obstante ter passado tempos difíceis,
Prosa: “A criação do mundo” e “Bichos” não só financeira como intelectualmente, foi publicada até 1940.
O movimento que surgiu em torno desta publicação inseriu-
Adolfo Casais Monteiro (1908-1972, no Brasil) se intelectualmente na linha de pensamento e intervenção
Poesia: “Confusão”, “Poemas do tempo incerto”, “Sempre e iniciada com o movimento Orpheu, que acabou por integrar.
sem fim “, “Canções da terra”, “Voo sem pássaro dentro” Continuou a luta pela crítica livre contra o academismo literário
Destaque: é o primeiro a estudar Fernando Pessoa e seus e, inspirados na psicanálise de Freud, os seus intelectuais
heterônimos bateram-se pelo primado do individual sobre o colectivo, do
psicológico sobre o social, da intuição sobre a razão.
Antônio Tomás Botto (1902-1959, no Brasil), com seu livros Além da produção nacional, a presença divulgou também
de poemas “Canções” textos de escritores europeus, sobretudo franceses.
Escritores do Segundo Modernismo: Miguel Torga, Adolfo
Terceira Geração: GERAÇÃO NEO-REALISTA (predomínio Casais Monteiro, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Vitorino
da Prosa) Nemésio, Pedro Homem de Mello, Tomás de Figueiredo e Eça
Antônio Alves Redol (1911-1969): sua obra “Gaibéus” Leal.
inaugura a prosa neorrealista portuguesa, mas sua obra-prima
é o romance “Barranco dos Cegos”. Neorrealismo

Fernando Namora (1919): com os romances “Retalhos da Corrente literária de influência italiana que anexa algumas
vida de um médico’, que o tornou famoso, “Casa de Malta” e o componentes da literatura brasileira, nomeadamente a da
mais lido do autor; “Domingo à tarde”. denúncia das injustiças sociais do romance nordestino. Quer na
poesia, quer na prosa, o neorrealismo assume uma dimensão de
intervenção social, agudizada pelo pós-guerra e pela sedução

Conhecimentos Específicos 53
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
dos sistemas socialistas que o clima português de ditadura modernismo, marxismo e da psicanálise freudiana.
mitifica. O determinismo social e psicológico do naturalismo é
A sua matriz poética concentra-se no grupo do Novo mantido, assim como a analogia entre o homem e o bicho
Cancioneiro, coleção de poesia, com Sidónio Muralha, João (vide Angústia - Filme, de 1936), a busca pela objetividade e
José Cochofel, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Mário neutralidade como formas de dar credibilidade à narração.
Dionísio, Fernando Namora e outros. Entretanto, se no naturalismo as mazelas da sociedade
No romance, Soeiro Pereira Gomes, com Esteiros, e Alves eram expostas pelos romancistas com algum pessimismo, sem
Redol, com Gaibéus, de 1940, inauguraram, na ficção, uma obra perspectiva de solução a não ser o resgate ao passado A Ilustre
extensa e representativa, que também muitos dos outros poetas Casa de Ramires, os escritores neorrealistas são sobretudo
mencionados (sobretudo os quatro primeiros) contribuíram ativistas políticos, leitores de Marx, da prosa revolucionária de
para enriquecer. Górki e tomam posição na chamada luta de classes, denunciando
O romance neorrealista reativa os mecanismos da as desigualdades sociais e os desmandos das elites. Vale
representação narrativa, inspirando-se das categorias marxistas lembrar que a industrialização somente no século XX deixou
de consciência de classe e de luta de classes, fundando-se nos escancarada a distância entre os donos dos meios de produção e
conflitos sociais que põem sobretudo em cena camponeses, os trabalhadores. Enquanto internacionalmente a crise de 1929
operários, patrões e senhores da terra, mas os melhores dos seus foi estopim para o neorrealismo italiano e depois português,
textos analisam de forma acutilante as facetas diversas dessas no Brasil a situação precária dos nordestinos foi retratada já a
diversas entidades, o que se pode verificar, nomeadamente, em partir de A bagaceira, de 1928.
Uma Abelha na Chuva, de Carlos de Oliveira, Seara de Vento, E se o neorrealismo optou pela ficção, tanto no Brasil quanto
de Manuel da Fonseca, O Dia Cinzento, de Mário Dionísio e em Portugal, se deve principalmente aos governos ditatoriais,
Domingo à Tarde, de Fernando Namora. quais sejam o Estado Novo de Getúlio Vargas no Brasil e o
Na confluência com o existencialismo e com certas Salazarismo em Portugal.
componentes da modernidade, são de salientar as obras mais Essa ficção neorrealista e pós modernista (no sentido de
tardias de José Cardoso Pires, O Anjo Ancorado e O Hóspede ser posterior ao movimento modernista) sofre as influências do
de Job, de Urbano Tavares Rodrigues, Bastardos do Sol, de Modernismo, especialmente a liberdade linguística e o intimismo
Alexandre Pinheiro Torres, A Nau de Quixibá, ou de Orlando freudiano à Virginia Woolf. Elementos que se tornarão mais
da Costa, Podem Chamar-me Eurídice. fortes num segundo momento do neorrealismo, culminando na
O neorrealismo foi uma corrente artística de meados prosa existencialista do meio do século XX.
do século XX, com um caráter ideológico marcadamente de
esquerda / marxista, que teve ramificações em várias formas Neorrealismo na pintura
de arte (literatura, pintura, música) mas atingiu o seu expoente O neorrealismo marcou as propostas de pintura de pendor
máximo no Cinema neorrealista, sobretudo no realismo poético social dos anos 30 e 40. Ligada às questões de carácter social
francês e no neorrealismo italiano. e de denúncia, marcada pelo fervor revolucionário comunista,
Quer na poesia, quer na prosa, o neorrealismo assume uma pelas vontades de demarcação das massas, pintores como
dimensão de intervenção social, firmada pelo pós-guerra e Orozco e Rivera no México (exaltam o povo mexicano e as suas
pela sedução dos sistemas socialistas que o clima português de origens pré-colombianas, valorizando o seu esforço na luta
ditadura mitifica. pela liberdade-anticolonialismo e na construção do progresso
Sua matriz poética concentra-se no grupo do Novo do seu país), Cândido Portinari no Brasil, artistas soviéticos e
Cancioneiro, coleção de poesia, com Sidónio Muralha, João José portugueses aproveitaram para gravar em grandes murais, no
Cochofel, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, caso da América Latina sobretudo, os grandes acontecimentos
Fernando Namora e outros. sociais e históricos que marcaram a época. Pintura mural
O romance neorrealista reativa os mecanismos da figurativa de grandes dimensões em edifícios de encomenda
representação narrativa, inspirando-se das categorias marxistas pública.
de consciência de classe e de luta de classes, fundando-se nos
conflitos sociais que põem sobretudo em cena camponeses, Cinema neorrealista Português
operários, patrões e senhores da terra, mas os melhores dos O Verismo havia decidido abrir mão dos floreios e ir direto
seus textos analisam de forma aguda as facetas diversas dessas ao ponto. Mas como “Riso Amaro”, no entanto, aponta para um
várias entidades, o que se pode verificar, nomeadamente, em retorno ao melodrama e ao estrelismo glamoroso, o movimento é
Uma Abelha na Chuva, de Carlos de Oliveira, Seara de Vento, de posto em xeque. O “uso” (indevido?) de uma estética, construída
Manuel da Fonseca, O Dia Cinzento, de Mário Dionísio e Domingo com firmes propósitos contestadores, para uma indústria
à Tarde, de Fernando Namora. cultural que, no final das contas, servia à manutenção do status
quo, decepciona alguns dos mais engajados. Afinal, “a batalha
Características gerais do Neorrealismo Português foi perdida”? O Cinema submeteu-se à indústria? Não valeu o
Literatura “engajada”, antifascista, de denúncia social. Busca esforço de tentar despir a sociedade?
a conscientização do leitor, a realidade social e a miséria moral. O Cinema, como instrumento de mobilização, foi percebido
Tensão dialética: literatura ativa - instrumento de transformação logo de início por vários realizadores (e forças políticas).
social. Bastaria citar o uso que os soviéticos e os nazistas fizeram dos
Reação contra a “alienação” e o evasionismo da Geração filmes para corroborar essa afirmação. É discutível, porém, até
Presença. Negação da “arte pela arte”, privilegiando o conteúdo que ponto esse potencial de influência cultural/ideológica se
e a função social da arte. manteve, se reduziu ou se ampliou a partir da introdução da
Simplificando da expressão artística, aproximações com a televisão como meio de comunicação de massa, da década de
técnica jornalística e com a linguagem cinematográfica, visando 1950 em diante.
à comunicação com o grande público. Em seu limite inferior, o Talvez houvesse, entre os cineastas Neorrealistas, um alto
neorrealismo resvala no panfletário, na literatura “de comício”, grau de ingenuidade em acreditar que a simples exposição das
desvitalizando o propósito de denúncia pela dissociação entre o mazelas sociais fosse mobilizar a sociedade italiana para uma
conteúdo e a forma artística. reforma radical espontânea. Não basta conhecer um problema
Influências Norte-Americanas (Steinbeck, Hemingway e John para querer (e poder) resolvê-lo. Ao mesmo tempo, não há como
dos Passos), francesas (o Existencialismo e o “novo romance”) e negar, por exemplo, a alta penetração que as esquerdas críticas
brasileiras (José Lins, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo e Jorge (desalinhadas com Moscou) tiveram entre os trabalhadores
Amado). italianos no pós-Guerra, e é impossível desligar esse fato, nessa
época, do comprometimento crítico da arte e da cultura (não só
Neorrealismo na literatura o cinema Neorrealista).
A literatura neorrealista teve no Brasil e em Portugal Os realizadores de um filme, quando inseridos numa
motivações semelhantes, resgatando valores do realismo indústria cultural que serve ao modo de produção capitalista,
e naturalismo do fim do século XIX com forte influência do podem não perceber seu papel de “doutrinadores” (ou agentes

Conhecimentos Específicos 54
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
de um doutrinamento) ou, se percebem, não combatem o Coimbra em Ciências Histórico-Filosóficas. A sua obra poética e
sistema ao qual pertencem. Por outro lado, é mais do que claro ficcional centra-se na vida campestre. Obras poéticas: Turismo
que o cineasta que identifica esse sistema e decide “nadar contra (1942), Mãe Pobre (1945), Descida aos Infernos (1949), Terra
a corrente” tem noção exata do seu alcance e é consciente da de harmonia (1950), Cantata (1960), Sobre o Lado Esquerdo
sua capacidade de mobilizar através da exposição pública do (1968), Micro paisagem (1969), Entre Duas Memórias (1971),
seu trabalho. Ele é, ao mesmo tempo, artista e comunicador, e Trabalho Poético (2 vols., 1977-1978), Pastoral (1977). Obras
o produto audiovisual é tanto seu suporte artístico como sua de ficção: Casa na Duna (1943), Alcateia (1944), Pequenos
mídia. Analogamente, o cineasta e o designer gráfico são ambos, Burgueses (1948), Uma Abelha na Chuva (1953), Finisterra
em última análise, comunicadores visuais, convergindo nos fins (1978). Crónicas: O Aprendiz de Feiticeiro (1971).
e divergindo nos meios (o suporte).
Toda forma de arte pressupõe sua materialização em Surrealismo
obras de arte. Se o Cinema é a “Sétima Arte”, o filme é a obra
— material — à qual se aplicam todas as “leis” do universo O Surrealismo foi um movimento artístico e literário
da Arte. Entendendo uma obra como reflexo inevitável das surgido primeiramente em Paris nos anos 20, inserido no
condições em que é produzido (o seu tempo, o seu local, o seu contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo
autor, o seu público...), é possível deduzir dela a visão de mundo no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Reúne
predominante na sua origem. O filme Neorrealista, assim, é uma artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo ganhando
forma de encarar a realidade que atendia ao momento e espaço dimensão internacional. Fortemente influenciado pelas teorias
da Itália arrasada do pós-Guerra, influenciada, em muito, por psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo
uma óptica marxista e opositora da artificialidade da cultura de enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Um dos
massas. seus objetivos foi produzir uma arte que, segundo o movimento,
estava sendo destruída pelo racionalismo. O poeta e crítico
Principais autores da poesia Neorrealista André Breton (1896-1966) é o principal líder e mentor deste
movimento.
João José Cochofel A palavra surrealismo supõe-se ter sido criada em 1917 pelo
João José Cochofel (1919-1982) natural de Coimbra onde se poeta Guillaume Apollinaire (1886-1918), jovem artista ligado
licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas. ao Cubismo, e autor da peça teatral As Mamas de Tirésias (1917),
Algumas das suas obras: Os Dias Íntimos, poesia, Coimbra, considerada uma precursora do movimento.
1950; Uma Rosa no Tempo, poesia, Lisboa, 1970; Obra Poética, Um dos principais manifestos do movimento é o Manifesto
Lisboa, 1988 Surrealista de (1924). Além de Breton, seus representantes
mais conhecidos são Antonin Artaud no teatro, Luis Buñuel no
Joaquim Namorado cinema e Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das
Joaquim Namorado (1914-1986) nasceu em Alter do artes plásticas.
Chão, Alentejo. Licenciou-se em Ciências Matemáticas pela Vale lembrar que nesse momento, o pensamento do
Universidade de Coimbra, dedicando-se ao ensino. Notabilizou- psicanalista Sigmund Freud trazia inovações ao revelar que
se como poeta neorrealista, tendo colaborado nas revistas muitos dos atos humanos não estão ligados ao encadeamento
Seara Nova, Sol Nascente, Vértice, etc. Obras poéticas: Aviso à lógico. A ausência de controle exercido pela razão e o
Navegação (1941), Incomodidade (1945), A Poesia Necessária “automatismo psíquico puro” indicavam os novos rumos da arte.
(1966). Ensaio: Uma Poética da Cultura (1994). O marco de início do surrealismo foi a publicação do
Manifesto Surrealista, feito pelo poeta e psiquiatra francês
José Gomes Ferreira André Breton, em 1924. Neste manifesto, foram declarados
José Gomes Ferreira (1900-1985) nasceu no Porto e faleceu os principais princípios do movimento surrealista: ausência
em Lisboa. Foi poeta e ficcionista, tendo evoluído de um da lógica, adoção de uma realidade “maravilhosa” (superior),
romantismo saudosista para uma postura literária de algum exaltação da liberdade de criação, entre outros.
modo ligada ao Neorrealismo. A sua poesia encontra-se reunida Os artistas ligados ao surrealismo, além de rejeitarem os
em Poesia Militante (volumes I, II e III). Aventuras de João valores ditados pela burguesia, vão criar obras repletas de
Sem Medo (histórias humorísticas do mundo juvenil), Tempo humor, sonhos, utopias e qualquer informação contrária a lógica.
Escandinavo (contos, 1969) e O Sabor das Trevas (romance- Outros marcos importantes do surrealismo foram a
alegoria, 1976) são algumas das suas obras de ficção. Dedicou- publicação da revista A Revolução Socialista e o segundo
se igualmente à literatura de memórias, tendo escrito: Imitação Manifesto Surrealista, ambos de 1929. Os artistas do surrealismo
dos Dias – Diário Inventado (1965), A Memória das Palavras que de destacaram mais na década de 1920 foram: o escultor
ou o Gosto de Falar de Mim (1965), Calçada do Sol (1983), italiano Alberto Giacometti, o dramaturgo francês Antonin
Dias Comuns – I. Passos Efémeros (obra póstuma, 1990), Dias Artaud, os pintores espanhóis Salvador Dalí e Joan Miró, o belga
Comuns – II. A Idade do Malogro (obra póstuma, 1998). René Magritte, o alemão Max Ernst, e o cineasta espanhol Luis
Buñuel e os escritores franceses Paul Éluard, Louis Aragon e
Manuel da Fonseca Jacques Prévert.
Manuel Dias da Fonseca nasceu no dia 15 de Outubro de A década de 1930 é conhecida como o período de expansão
1911 em Santiago do Cacém e faleceu no dia 11 de Março de surrealista pelo mundo. Artistas, cineastas, dramaturgos e
1993. Fez os estudos secundários em Lisboa, tendo-se dedicado escritores do mundo todo assimilam as idéias e o estilo do
desde cedo ao jornalismo. Colaborou em várias publicações, surrealismo. Porém, no final da década de 1960 o grupo entra
de que se destacam as revistas Afinidades, Altitude, Árvore, em crise e acaba se dissolvendo.
Vértice e os jornais O Diabo e Diário. Juntou-se ao grupo de
escritores neorrealistas que publicaram no Novo Cancioneiro. Características do Surrealismo:
Estreou-se em livro com a coletânea poética Rosa dos Ventos Valoriza a intervenção fantasiosa na realidade; ressalta o
(1940). Publicou ainda, em poesia, as seguintes obras: Planície automatismo contra o domínio da consciência; as formas da
(1941), Poemas Completos (1958) e Poemas Dispersos (1958). realidade são completamente abandonadas.
Em ficção, publicou: Aldeia Nova (contos, 1942), Cerromaior Explorar o inconsciente, o sonho, a loucura; aproximar-se de
(romance, 1943), O Fogo e as Cinzas (contos, 1951), Seara de tudo que fosse antagônico à lógica e estivesse fora do controle
Vento (romance, 1958), Um Anjo no Trapézio (novela e contos, da consciência.
1968), Tempo de Solidão (contos, 1973). Publicou ainda a Atividade experimental na prática do automatismo e na
coletânea de crónicas intitulada Crónicas Algarvias (1986). prospecção dos estados segundos, através da escrita automática
e do sono provocado ou hipnótico.
Carlos de Oliveira Preocupação em explorar o inconsciente
Carlos de Oliveira (1921-1981) nasceu em Belém do Pará, Prospecção sistemática dos sonhos, das coincidências, de
Brasil, e faleceu em Lisboa. Licenciou-se na Universidade de fenómenos do acaso

Conhecimentos Específicos 55
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Psicanálise continuem a progredir.
Inquéritos acerca da sexualidade e do amor Na década de 60 e início da de 70, as propostas de
reformulação do ensino de Língua Portuguesa indicavam,
Atividade lúdica - sobretudo através de jogos, como o fundamentalmente, mudanças no modo de ensinar, pouco
cadáver esquisito considerando os conteúdos de ensino. Acreditava-se que
Escrito e desenhado valorizar a criatividade seria condição suficiente para
Esoterismo e magia desenvolver a eficiência da comunicação e expressão do aluno.
Humor negro, cuja presença corrosiva é, por excelência, o Além disso, tais propostas se restringiam aos setores médios da
princípio de subversão da linguagem. sociedade, sem se dar conta das consequências profundas que a
incorporação dos filhos das camadas pobres implicava. O ensino
Os artistas do surrealismo que de destacaram mais na de Língua Portuguesa orientado pela perspectiva gramatical
década de 1920 foram: o escultor italiano Alberto Giacometti, ainda parecia adequado, dado que os alunos que frequentavam
o dramaturgo francês Antonin Artaud, os pintores espanhóis a escola falavam uma variedade linguística bastante próxima
Salvador Dalí e Joan Miró, o belga René Magritte, o alemão Max da chamada variedade padrão e traziam representações de
Ernst, e o cineasta espanhol Luis Buñuel e os escritores franceses mundo e de língua semelhantes às que ofereciam livros e textos
Paul Éluard, Louis Aragon e Jacques Prévert. didáticos.
A nova crítica do ensino de Língua Portuguesa, no entanto,
Surrealismo: O amor, o sonho, a liberdade. só se estabeleceria mais consistentemente no início dos anos
Superação da destrutividade radical da arte dadá e 80, quando as pesquisas produzidas por uma linguística
inaugurada de um novo conceito do real: o surreal. independente da tradição normativa e filológica e os estudos
Principais expoentes: na literatura: André Breton; na desenvolvidos em variação linguística e psicolinguística,
pintura: Salvador Dali. entre outras, possibilitaram avanços nas áreas de educação e
Não será o temor da loucura que nos forçará a hastear a psicologia da aprendizagem, principalmente no que se refere à
bandeira da imaginação a meio pau(...) aquisição da escrita. Este novo quadro permitiu a emersão de
Surrealismo: automatismo psíquico pelo qual alguém se um corpo relativamente coeso de reflexões sobre a finalidade e
propõe a exprimir seja verbalmente, seja por escrito, seja de os conteúdos do ensino de língua materna.
qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Entre as críticas mais frequentes que se faziam ao ensino
Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido tradicional destacavam-se:
pela razão, fora de qualquer preocupação estética ou moral.
O Surrealismo assenta na crença da realidade superior de - a desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos;
certas formas de associação, negligenciadas até aqui, no sonho - a excessiva escolarização das atividades de leitura e de
todo-poderoso, no jogo desinteressado do pensamento. Tende a produção de texto;
arruinar definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos - o uso do texto como expediente para ensinar valores morais
e a substituir-se a eles na solução dos principais problemas da e como pretexto para o tratamento de aspectos gramaticais;
vida (...) - a excessiva valorização da gramática normativa e a
(Gilberto Mendonça Teles ) insistência nas regras deexceção, comoconseqüente preconceito
contra as formas de oralidade e as variedades não-padrão;
O surrealismo, na sua origem, quis ser libertação integral da - o ensino descontextualizado da metalinguagem,
poesia, e, através dela, da vida. normalmente associado a exercícios mecânicos de identificação
O que queremos: a independência da arte para a revolução, de fragmentos linguísticos em frases soltas;
para a libertação definitiva da arte. (André Breton) - a apresentação de uma teoria gramatical inconsistente –
uma espécie de gramática tradicional mitigada e facilitada.

É neste período que ganha espaço um conjunto de teses


Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). que passam a ser incorporadas e admitidas, pelo menos em
teoria, por instâncias públicas oficiais. A divulgação dessas teses
desencadeou um esforço de revisão das práticas de ensino da
1ª PARTE língua, na direção de orientá-las para a ressignificação da noção
de erro, para a admissão das variedades linguísticas próprias
APRESENTAÇÃO DA ÁREA DE LÍNGUA PORTUGUESA dos alunos, muitas delas marcadas pelo estigma social, e para a
valorização das hipóteses linguísticas elaboradas pelos alunos
A discussão acerca da necessidade de reorganização do no processo de reflexão sobre a linguagem e para o trabalho com
ensino fundamental no Brasil é relativamente antiga, estando textos reais, ao invés de textos especialmente construídos para o
intrinsecamente associada ao processo de universalização da aprendizado da escrita. O resultado mais imediato desse esforço
educação básica que se impôs como necessidade política para de revisão foi a incorporação dessas ideias por um número
as nações do Terceiro Mundo a partir da metade do século XX. significativo de secretarias de educação estaduais e municipais,
A nova realidade social, conseqüente da industrialização e no estabelecimento de novos currículos e na promoção de
da urbanização crescentes, da enorme ampliação da utilização cursos de formação e aperfeiçoamento de professores.
da escrita, da expansão dos meios de comunicação eletrônicos Pode-se dizer que, apesar de ainda imperar no tecido
e da incorporação de contingentes cada vez maiores de alunos social uma atitude “corretiva” e preconceituosa em relação às
pela escola regular colocou novas demandas e necessidades, formas não canônicas de expressão linguística, as propostas de
tornando anacrônicos os métodos e conteúdos tradicionais. Os transformação do ensino de Língua Portuguesa consolidaram-se
índices brasileiros de evasão e de repetência — inaceitáveis em práticas de ensino em que tanto o ponto de partida quanto
mesmo em países muito mais pobres — são a prova cabal do o ponto de chegada é o uso da linguagem. Pode-se dizer que
fracasso escolar. hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir
O ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas
70, o centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas
qualidade de ensino no país. O eixo dessa discussão no ensino aos padrões da escrita, sempre considerando que:
fundamental centra-se, principalmente, no domínio da leitura e
da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar que se - a razão de ser das propostas de leitura e escuta é a
expressa com clareza nos dois funis em que se concentra a maior compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio;
parte da repetência: na primeira série (ou nas duas primeiras) e - a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é
na quinta série. No primeiro, pela dificuldade de alfabetizar; no a interlocução efetiva, e não a produção de textos para serem
segundo, por não se conseguir levar os alunos ao uso apropriado objetos de correção;
de padrões da linguagem escrita, condição primordial para que

Conhecimentos Específicos 56
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a histórico e social, que possibilita a homens e mulheres significar
pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la o mundo e a sociedade. Aprendê-la é aprender não somente
apropriadamente às situações e aos propósitos definidos. palavras e saber combiná-las em expressões complexas, mas
apreender pragmaticamente seus significados culturais e, com
Nos dois primeiros ciclos do ensino fundamental, a prática e eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a
a reflexão pedagógica encontram-se relativamente organizadas. realidade e a si mesmas.
Entretanto, nos dois últimos ciclos, essa prática e reflexão
ainda não estão consolidadas. Os Parâmetros Curriculares Discurso e suas condições de produção, gênero e texto
Nacionais de Língua Portuguesa configuram-se como síntese
do que foi possível aprender e avançar nesta década, em que a Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade
democratização das oportunidades educacionais começa a ser discursiva: dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada
levada em consideração em sua dimensão política, também no forma, num determinado contexto histórico e em determinadas
que diz respeito aos aspectos interescolares. circunstâncias de interlocução. Isso significa que as escolhas
feitas ao produzir um discurso não são aleatórias — ainda que
Ensino e natureza da linguagem possam ser inconscientes —, mas decorrentes das condições
em que o discurso é realizado. Quer dizer: quando um sujeito
O domínio da linguagem, como atividade discursiva e interage verbalmente com outro, o discurso se organiza a partir
cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico das finalidades e intenções do locutor, dos conhecimentos que
utilizado por uma comunidade linguística, são condições de acredita que o interlocutor possua sobre o assunto, do que
possibilidade de plena participação social. Pela linguagem os supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias,
homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, da relação de afinidade e do grau de familiaridade que têm, da
expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem posição social e hierárquica que ocupam. Isso tudo determina
visões de mundo, produzem cultura. Assim, um projeto educativo as escolhas do gênero no qual o discurso se realizará, dos
comprometido com a democratização social e cultural atribui à procedimentos de estruturação e da seleção de recursos
escola a função e a responsabilidade de contribuir para garantir linguísticos. É evidente que, num processo de interlocução,
a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários isso nem sempre ocorre de forma deliberada ou de maneira
para o exercício da cidadania. a antecipar-se à elocução. Em geral, é durante o processo de
Essa responsabilidade é tanto maior quanto menor for produção que as escolhas são feitas, nem sempre (e nem todas)
o grau de letramento das comunidades em que vivem os de maneira consciente.
alunos. Considerando os diferentes níveis de conhecimento O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente
prévio, cabe à escola promover sua ampliação de forma que, por meio de textos. O produto da atividade discursiva oral ou
progressivamente, durante os oito anos do ensino fundamental, escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja sua
cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que extensão, é o texto, uma sequência verbal constituída por um
circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da
produzir textos eficazes nas mais variadas situações. coerência. Em outras palavras, um texto só é um texto quando
Linguagem aqui se entende, no fundamental, como ação pode ser compreendido como unidade significativa global. Caso
interindividual orientada por uma finalidade específica, um contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados.
processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais A produção de discursos não acontece no vazio. Ao contrário,
existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos todo discurso se relaciona, de alguma forma, com os que já
momentos de sua história. Os homens e as mulheres interagem foram produzidos. Nesse sentido, os textos, como resultantes
pela linguagem tanto numa conversa informal, entre amigos, ou da atividade discursiva, estão em constante e contínua relação
na redação de uma carta pessoal, quanto na produção de uma uns com os outros, ainda que, em sua linearidade, isso não se
crônica, uma novela, um poema, um relatório profissional. explicite. A esta relação entre o texto produzido e os outros
Cada uma dessas práticas se diferencia historicamente textos é que se tem chamado intertextualidade.
e depende das condições da situação comunicativa, nestas Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em
incluídas as características sociais dos envolvidos na função das intenções comunicativas, como parte das condições
interlocução. Hoje, por exemplo, a conversa informal não é a que de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que
se ouviria há um século, tanto em relação ao assunto quanto à os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados
forma de dizer, propriamente — características específicas do historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de
momento histórico. Além disso, uma conversa informal entre enunciados, disponíveis na cultura. São caracterizados por três
economistas pode diferenciar-se daquela que ocorre entre elementos:
professores ou operários de uma construção, tanto em função
do registro e do conhecimento linguístico quanto em relação ao - conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por
assunto em pauta. O mesmo se pode dizer sobre o conteúdo e a meio do gênero;
forma dos gêneros de texto escrito. Basta pensar nas diferenças - construção composicional: estrutura particular dos textos
entre uma carta de amor de hoje e de ontem, entre um poema de pertencentes ao gênero;
Camões e um poema de Drummond, e assim por diante. - estilo: configurações específicas das unidades de linguagem
Em síntese, pela linguagem se expressam ideias, derivadas, sobretudo, da posição enunciativa do locutor; conjuntos
pensamentos e intenções, se estabelecem relações interpessoais particulares de seqüências3 que compõem o texto etc.
anteriormente inexistentes e se influencia o outro, alterando
suas representações da realidade e da sociedade e o rumo de A noção de gênero refere-se, assim, a famílias de textos que
suas (re)ações. compartilham características comuns, embora heterogêneas,
Isso aponta para outra dimensão da atividade da linguagem como visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de
que conserva um vínculo muito estreito com o pensamento. suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por
Por um lado, se constroem, por meio da linguagem, quadros exemplo, existindo em número quase ilimitado.
de referência culturais – representações, “teorias” populares, Aprender e ensinar Língua Portuguesa na escola
mitos, conhecimento científico, arte, concepções e orientações
ideológicas, inclusive preconceitos – pelos quais se interpretam VARIÁVEIS DO ENSINO-APRENDIZAGEM
a realidade e as expressões linguísticas. Por outro lado, como
atividade sobre símbolos e representações, a linguagem torna Pode-se considerar o ensino e a aprendizagem de Língua
possível o pensamento abstrato, a construção de sistemas Portuguesa, como prática pedagógica, resultantes da articulação
descritivoseexplicativos eacapacidadede alterá-los, reorganizá- de três variáveis:
los, substituir uns por outros. Nesse sentido, a linguagem contém - o aluno;
em si a fonte dialética da tradição e da mudança. - os conhecimentos com os quais se opera nas práticas de
Nessa perspectiva, língua é um sistema de signos específico, linguagem;

Conhecimentos Específicos 57
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- a mediação do professor. diferentes formas.
A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral
O primeiro elemento dessa tríade – o aluno – é o sujeito e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem
da ação de aprender, aquele que age com e sobre o objeto de o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser
conhecimento. O segundo elemento – o objeto de conhecimento enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença
– são os conhecimentos discursivo-textuais e linguísticos na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar
implicados nas práticas sociais de linguagem. O terceiro todos os gêneros em circulação social.
elemento da tríade é a prática educacional do professor e
da escola que organiza a mediação entre sujeito e objeto do A Seleção de Textos
conhecimento.
O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o Os gêneros existem em número quase ilimitado, variando
conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera em função da época (epopeia, cartoon), das culturas (haikai,
ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. cordel) das finalidades sociais (entreter, informar), de modo
Organizar situações de aprendizado, nessa perspectiva, supõe: que, mesmo que a escola se impusesse a tarefa de tratar de
planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos todos, isso não seria possível. Portanto, é preciso priorizar os
sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que gêneros que merecerão abordagem mais aprofundada.
procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros Sem negar a importância dos textos que respondem a
espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade exigências das situações privadas de interlocução, em função
e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; dos compromissos de assegurar ao aluno o exercício pleno da
saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas cidadania, é preciso que as situações escolares de ensino de
sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizam os
características bastante específicas em função de sua finalidade: usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são
o ensino. aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer
Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais
atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos
e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno, procurando artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena
garantir aprendizagem efetiva. Cabe também assumir o papel de participação numa sociedade letrada.
informante e de interlocutor privilegiado, que tematiza aspectos
prioritários em função das necessidades dos alunos e de suas Textos orais
possibilidades de aprendizagem.
Ao ingressarem na escola, os alunos já dispõem de
Condições para o Tratamento do Objeto de Ensino: O competência discursiva e linguística para comunicar-se em
Texto Como Unidade e a Diversidade de Gêneros interações que envolvem relações sociais de seu dia-a-dia,
inclusive as que se estabelecem em sua vida escolar. Acreditando
Toda educação comprometida com o exercício da cidadania que a aprendizagem da língua oral, por se dar no espaço
precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua doméstico, não é tarefa da escola, as situações de ensino vêm
competência discursiva. utilizando a modalidade oral da linguagem unicamente como
Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito instrumento para permitir o tratamento dos diversos conteúdos.
ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir Uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre
diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estratégia
situações de interlocução oral e escrita. É o que aqui se chama de construção do conhecimento, pois permite a troca de
de competência linguística e estilística. Isso, por um lado, coloca informações, o confronto de opiniões, a negociação dos sentidos,
em evidência as virtualidades das línguas humanas: o fato de a avaliação dos processos pedagógicos em que estão envolvidos.
que são instrumentos flexíveis que permitem referir o mundo Mas, se o que se busca é que o aluno seja um usuário competente
de diferentes formas e perspectivas; por outro lado, adverte da linguagem no exercício da cidadania, crer que essa interação
contra uma concepção de língua como sistema homogêneo, dialogal que ocorre durante as aulas dê conta das múltiplas
dominado ativa e passivamente por toda a comunidade que o exigências que os gêneros do oral colocam, principalmente
utiliza. Sobre o desenvolvimento da competência discursiva, em instâncias públicas, é um engano. Ainda que o espaço da
deve a escola organizar as atividades curriculares relativas ao sala de aula não seja um espaço privado, é um espaço público
ensino-aprendizagem da língua e da linguagem. diferenciado: não implica, necessariamente, a interação com
A importância e o valor dos usos da linguagem são interlocutores que possam não compartilhar as mesmas
determinados historicamente segundo as demandas sociais de referências (valores, conhecimento de mundo).
cada momento. Atualmente, exigem-se níveis de leitura e de No entanto, nas inúmeras situações sociais do exercício
escrita diferentes dos que satisfizeram as demandas sociais até da cidadania que se colocam fora dos muros da escola – a
há bem pouco tempo – e tudo indica que essa exigência tende a busca de serviços, as tarefas profissionais, os encontros
ser crescente. A necessidade de atender a essa demanda, obriga institucionalizados, a defesa de seus direitos e opiniões –
à revisão substantiva dos métodos de ensino e à constituição os alunos serão avaliados (em outros termos, aceitos ou
de práticas que possibilitem ao aluno ampliar sua competência discriminados) à medida que forem capazes de responder a
discursiva na interlocução. diferentes exigências de fala e de adequação às características
Nessa perspectiva, não é possível tomar como unidades próprias de diferentes gêneros do oral. Reduzir o tratamento da
básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise modalidade oral da linguagem a uma abordagem instrumental
de estratos – letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, é insuficiente, pois, para capacitar os alunos a dominarem a fala
frases – que, descontextualizados, são normalmente tomados pública demandada por tais situações.
como exemplos de estudo gramatical e pouco têm a ver com a Dessa forma, cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a
competência discursiva. Dentro desse marco, a unidade básica linguagem oral no planejamento e realização de apresentações
do ensino só pode ser o texto. públicas: realização de entrevistas, debates, seminários,
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições apresentações teatrais etc. Trata-se de propor situações
de natureza temática, composicional e estilística, que os didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois
caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomado como
modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser mais apropriado para todas as situações. A aprendizagem de
tomada como objeto de ensino. procedimentos apropriados de fala e de escuta, em contextos
Nessa perspectiva, necessário contemplar, nas atividades públicos, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a
de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em tarefa de promovê-la.
função de sua relevância social, mas também pelo fato de que
textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de

Conhecimentos Específicos 58
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Textos escritos em que as invenções da linguagem, a instauração de pontos de
vista particulares, a expressão da subjetividade podem estar
Analisando os textos escritos que costumam ser misturadas a citações do cotidiano, a referências indiciais
considerados adequados para os leitores iniciantes, verifica-se e, mesmo, a procedimentos racionalizantes. Nesse sentido,
que, na grande maioria, são curtos, às vezes apenas fragmentos enraizando-se na imaginação e construindo novas hipóteses e
de um texto maior – sem unidade semântica e/ou estrutural metáforas explicativas, o texto literário é outra forma/fonte de
–, simplificados, em alguns casos, até o limite da indigência. produção/apreensão de conhecimento.
Confunde-se capacidade de interpretar e produzir discurso com Do ponto de vista linguístico, o texto literário também
capacidade de ler e escrever sozinho. apresenta características diferenciadas. Embora, em muitos
A visão do que seja um texto adequado ao leitor iniciante casos, os aspectos formais do texto se conformem aos padrões
transbordou os limites da escola e influiu até na produção da escrita, sempre a composição verbal e a seleção dos recursos
editorial. A possibilidade de se divertir com alguns dos textos linguísticos obedecem à sensibilidade e a preocupações
da chamada literatura infantil ou infanto-juvenil, de se comover estéticas. Nesse processo construtivo original, o texto literário
com eles, de fruí-los esteticamente é limitada. Por trás da boa está livre para romper os limites fonológicos, lexicais, sintáticos
intenção de promover a aproximação entre alunos e textos, e semânticos traçados pela língua: esta se torna matéria-prima
há um equívoco de origem: tenta-se aproximar os textos – (mais que instrumento de comunicação e expressão) de outro
simplificando-os – aos alunos, no lugar de aproximar os alunos plano semiótico – na exploração da sonoridade e do ritmo, na
a textos de qualidade. criação e recomposição das palavras, na reinvenção e descoberta
Para boa parte das crianças e dos jovens brasileiros, a escola de estruturas sintáticas singulares, na abertura intencional a
é o único espaço que pode proporcionar acesso a textos escritos, múltiplas leituras pela ambiguidade, pela indeterminação e pelo
textos estes que se converterão, inevitavelmente, em modelos jogo de imagens e figuras. Tudo pode tornar-se fonte virtual de
para a produção. Se é de esperar que o escritor iniciante redija sentidos, mesmo o espaço gráfico e signos não-verbais, como em
seus textos usando como referência estratégias de organização algumas manifestações da poesia contemporânea.
típicas da oralidade, a possibilidade de que venha a construir O tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o
uma representação do que seja a escrita só estará colocada se as exercício de reconhecimento de singularidades e propriedades
atividades escolares lhe oferecerem uma rica convivência com que matizam um tipo particular de uso da linguagem. É possível
a diversidade de textos que caracterizam as práticas sociais. É afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes
mínima a possibilidade de que o aluno venha a compreender as na escola em relação aos textos literários, ou seja, tomá-los
especificidades que a modalidade escrita assume nos diversos como pretexto para o tratamento de questões outras (valores
gêneros, a partir de textos banalizados, que falseiem sua morais, tópicos gramaticais) que não aquelas que contribuem
complexidade. para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas,
A partir dos critérios propostos na parte introdutória deste as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das
item, a seleção de textos deve privilegiar textos de gêneros que construções literárias.
aparecem com maior frequência na realidade social e no universo
escolar, tais como notícias, editoriais, cartas argumentativas, A Reflexão Sobre a Linguagem
artigos de divulgação científica, verbetes enciclopédicos, contos,
romances, entre outros. Tomando-se a linguagem como atividade discursiva, o
Vale considerar que a inclusão da heterogeneidade texto como unidade de ensino e a noção de gramática como
textual não pode ficar refém de uma prática estrangulada na relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem,
homogeneidade de tratamento didático, que submete a um as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem,
mesmo roteiro cristalizado de abordagem uma notícia, um principalmente, a atividades discursivas: uma prática constante
artigo de divulgação científica e um poema. A diversidade não de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de produção
deve contemplar apenas a seleção dos textos; deve contemplar, de textos orais e escritos, que devem permitir, por meio da
também, a diversidade que acompanha a recepção a que os análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a
diversos textos são submetidos nas práticas sociais de leitura. expansão e construção de instrumentos que permitam ao aluno,
O tratamento didático, portanto, precisa orientar-se de progressivamente, ampliar sua competência discursiva.
maneira heterogênea: a leitura de um artigo de divulgação Deve-se ter em mente que tal ampliação não pode ficar
científica, pressupõe, para muitos leitores, em função de sua reduzida apenas ao trabalho sistemático com a matéria
finalidade, a realização de anotações à margem, a elaboração gramatical. Aprender a pensar e falar sobre a própria linguagem,
de esquemas e de sínteses, práticas ausentes, de modo geral, na realizar uma atividade de natureza reflexiva, uma atividade de
leitura de uma notícia ou de um conto. análise linguística supõe o planejamento de situações didáticas
que possibilitem a reflexão não apenas sobre os diferentes
A especificidade do texto literário recursos expressivos utilizados pelo autor do texto, mas também
sobre a forma pela qual a seleção de tais recursos reflete as
O texto literário constitui uma forma peculiar de condições de produção do discurso e as restrições impostas pelo
representação e estilo em que predominam a força criativa da gênero e pelo suporte. Supõe, também, tomar como objeto de
imaginação e a intenção estética. Não é mera fantasia que nada reflexão os procedimentos de planejamento, de elaboração e de
tem a ver com o que se entende por realidade, nem é puro refacção dos textos.
exercício lúdico sobre as formas e sentidos da linguagem e da A atividade mais importante, pois, é a de criar situações
língua. em que os alunos possam operar sobre a própria linguagem,
Como representação — um modo particular de dar forma construindo pouco a pouco, no curso dos vários anos de
às experiências humanas —, o texto literário não está limitado escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua comunidade,
a critérios de observação fatual (ao que ocorre e ao que se colocando atenção sobre similaridades, regularidades e
testemunha), nem às categorias e relações que constituem diferenças de formas e de usos linguísticos, levantando hipóteses
os padrões dos modos de ver a realidade e, menos ainda, às sobre as condições contextuais e estruturais em que se dão.
famílias de noções/conceitos com que se pretende descrever e É, a partir do que os alunos conseguem intuir nesse trabalho
explicar diferentes planos da realidade (o discurso científico). epilinguístico, tanto sobre os textos que produzem como sobre
Ele os ultrapassa e transgride para constituir outra mediação de os textos que escutam ou leem, que poderão falar e discutir
sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, sobre a linguagem, registrando e organizando essas intuições:
mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo uma atividade metalingüística, que envolve a descrição dos
atual e dos mundos possíveis. aspectos observados por meio da categorização e tratamento
Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia sistemático dos diferentes conhecimentos construídos.
ante outros modos de apreensão e interpretação do real
corresponde a dizer que se está diante de um inusitado tipo
de diálogo, regido por jogos de aproximação e afastamento,

Conhecimentos Específicos 59
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Reflexão Gramatical na Prática Pedagógica E isso por duas razões básicas. Em primeiro lugar, está o
fato de que ninguém escreve como fala, ainda que em certas
Na perspectiva de uma didática voltada para a produção circunstâncias se possa falar um texto previamente escrito
e interpretação de textos, a atividade metalinguística deve (é o que ocorre, por exemplo, no caso de uma conferência, de
ser instrumento de apoio para a discussão dos aspectos da um discurso formal, dos telejornais) ou mesmo falar tendo por
língua que o professor seleciona e ordena no curso do ensino- referência padrões próprios da escrita, como em uma exposição
aprendizagem. de um tema para auditório desconhecido, em uma entrevista,
Assim, não se justifica tratar o ensino gramatical em uma solicitação de serviço junto a pessoas estranhas. Há
desarticulado das práticas de linguagem. É o caso, por exemplo, casos ainda em que a fala ganha contornos ritualizados, como
da gramática que, ensinada de forma descontextualizada, nas cerimônias religiosas, comunicados formais, casamentos,
tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, velórios etc. No dia-a-dia, contudo, a organização da fala,
do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano – uma incluindo a escolha de palavras e a organização sintática do
prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio discurso, segue padrões significativamente diferentes daqueles
de exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização que se usam na produção de textos escritos.
de terminologia. Em função disso, discute-se se há ou não Em segundo lugar, está o fato de que, nas sociedades letradas
necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: (aquelas que usam intensamente a escrita), há a tendência de
a questão verdadeira é o que, para que e como ensiná-la. tomarem-se as regras estabelecidas para o sistema de escrita
Deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de análise como padrões de correção de todas as formas linguísticas. Esse
linguística, que a referência não pode ser a gramática fenômeno, quetem na gramática tradicional sua maior expressão,
tradicional. A preocupação não é reconstruir com os alunos o muitas vezes faz com que se confunda falar apropriadamente à
quadro descritivo constante dos manuais de gramática escolar situação com falar segundo as regras de “bem dizer e escrever”, o
(por exemplo, o estudo ordenado das classes de palavras que, por sua vez, faz com que se aceite a ideia despropositada de
com suas múltiplas subdivisões, a construção de paradigmas que “ninguém fala corretamente no Brasil” e que se insista em
morfológicos, como as conjugações verbais estudadas de um ensinar padrões gramaticais anacrônicos e artificiais.
fôlego em todas as suas formas temporais e modais, ou de Assim, por exemplo, professores e gramáticos puristas
pontos de gramática, como todas as regras de concordância, com continuam a exigir que se escreva (e até que se fale no Brasil!):
suas exceções reconhecidas). O livro de que eu gosto não estava na biblioteca,
O que deve ser ensinado não responde às imposições de Vocês vão assistir a um filme maravilhoso, O garoto cujo pai
organização clássica de conteúdos na gramática escolar, mas conheci ontem é meu aluno,
aos aspectos que precisam ser tematizados em função das Eles se vão lavar / vão lavar-se naquela pia, quando já se fixou
necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de na fala e já se estendeu à escrita, independentemente de classe
produção, leitura e escuta de textos. social ou grau de formalidade da situação discursiva, o emprego
O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica de:
metodologia de definição, classificação e exercitação, mas O livro que eu gosto não estava na biblioteca,
corresponde a uma prática que parte da reflexão produzida Vocês vão assistir um filme maravilhoso, O garoto que eu
pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples conheci ontem o pai é meu aluno, Eles vão se lavar na pia.
e se aproxima, progressivamente, pela mediação do professor,
do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas Tomar a língua escrita e o que se tem chamado de língua
vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela padrão como objetos privilegiados de ensino-aprendizagem
gramática tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, na escola se justifica, na medida em que não faz sentido propor
não corresponde aos usos atuais da linguagem, o que coloca a aos alunos que aprendam o que já sabem. Afinal, a aula deve
necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes. ser o espaço privilegiado de desenvolvimento de capacidade
intelectual e linguística dos alunos, oferecendo-lhes condições
Implicações da questão da variação linguística para a prática de desenvolvimento de sua competência discursiva. Isso
pedagógica significa aprender a manipular textos escritos variados e
adequar o registro oral às situações interlocutivas, o que, em
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo certas circunstâncias, implica usar padrões mais próximos da
em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, escrita.
independentemente de qualquer ação normativa. Assim, Contudo, não se pode mais insistir na ideia de que o modelo
quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma de correção estabelecido pela gramática tradicional seja o nível
unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no padrão de língua ou que corresponda à variedade linguística
Brasil haja relativa unidade linguística e apenas uma língua de prestígio. Há, isso sim, muito preconceito decorrente do
nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de emprego de valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado às
palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as quais não variedades não-padrão, consideradas inferiores ou erradas pela
somente identificam os falantes de comunidades linguísticas em gramática. Essas diferenças não sãoimediatamentereconhecidas
diferentes regiões, como ainda se multiplicam em uma mesma e, quando são, não são objeto de avaliação negativa.
comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades fixas: Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua
em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe
variedades linguística, geralmente associadas a diferentes uma forma “correta” de falar, o de que a fala de uma região é
valores sociais. Mais ainda, em uma sociedade como a brasileira, melhor da que a de outras, o de que a fala “correta” é a que
marcada por intensa movimentação de pessoas e intercâmbio se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o
cultural constante, o que se identifica é um intenso fenômeno de português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é
mescla linguística, isto é, em um mesmo espaço social convivem preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva
mescladas diferentes variedades linguísticas, geralmente errado.
associadas a diferentes valores sociais. Essas crenças insustentáveis produziram uma prática de
O uso de uma ou outra forma de expressão depende, mutilação cultural que, além de desvalorizar a fala que identifica
sobretudo, de fatores geográficos, socioeconômicos, de faixa o aluno a sua comunidade, como se esta fosse formada de
etária, de gênero (sexo), da relação estabelecida entre os incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma
falantes e do contexto de fala. A imagem de uma língua única, língua não corresponde a nenhuma de suas variedades, por mais
mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente prestígio que uma delas possa ter. Ainda se ignora um princípio
às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e elementar relativo ao desenvolvimento da linguagem: o domínio
mesmo dos programas de difusão da mídia sobre “o que se deve de outras modalidades de fala e dos padrões de escrita (e
e o que não se deve falar e escrever”, não se sustenta na análise mesmo de outras línguas) não se faz por substituição, mas por
empírica dos usos da língua. extensão da competência linguística e pela construção ativa de
subsistemas gramaticais sobre o sistema já adquirido.

Conhecimentos Específicos 60
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e - inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no
escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas texto;
permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando - identificando referências intertextuais presentes no texto;
as características e condições do contexto de produção, ou seja, - percebendo os processos de convencimento utilizados para
é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e atuar sobre o interlocutor/leitor;
o estilo às diferentes situações comunicativas: saber coordenar - identificando e repensando juízos de valor tanto
satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber socioideológicos (preconceituosos ou não) quanto histórico-
que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção culturais (inclusive estéticos) associados à linguagem e à língua;
enunciativa – dado o contexto e os interlocutores a quem o - reafirmando sua identidade pessoal e social;
texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às - conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português,
circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem. procurando combater o preconceito linguístico;
- reconhecer e valorizar a linguagem de seu grupo social
Língua Portuguesa e as Diversas Áreas como instrumento adequado e eficiente na comunicação
cotidiana, na elaboração artística e mesmo nas interações com
A língua, sistema de representação do mundo, está presente pessoas de outros grupos sociais que se expressem por meio de
em todas as áreas de conhecimento. A tarefa de formar leitores outras variedades;
e usuários competentes da escrita não se restringe, portanto, à - usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de
área de Língua Portuguesa, já que todo professor depende da análise linguística para expandir sua capacidade de monitoração
linguagem para desenvolver os aspectos conceituais de sua das possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade
disciplina. de análise crítica.
A ideia de que se expressar com propriedade oralmente ou
por escrito é “coisa para a aula de Língua Portuguesa”, enquanto Princípios Organizadores
as demais disciplinas se preocupam com o “conteúdo”, não
encontra ressonância nas práticas sociais das diversas ciências. Os sujeitos se apropriam dos conteúdos, transformando-os
Um texto acadêmico, ou mesmo de divulgação científica, é em conhecimento próprio, por meio da ação sobre eles, mediada
produzido com rigor e cuidado, para que o enunciador possa pela interação com o outro. Não é diferente no processo de
orientar o mais possível os processos de leitura do receptor. aquisição e desenvolvimento da linguagem. É nas práticas
Não é possível esperar que os textos que subsidiam o sociais, em situações linguisticamente significativas, que se dá
trabalho das diversas disciplinas sejam autoexplicativos. Sua a expansão da capacidade de uso da linguagem e a construção
compreensão depende necessariamente do conhecimento ativa de novas capacidades que possibilitam o domínio cada vez
prévio que o leitor tiver sobre o tema e da familiaridade que maior de diferentes padrões de fala e de escrita.
tiver construído com a leitura de textos do gênero. É tarefa de Ao tomar a língua materna como objeto de ensino, a
todo professor, portanto, independentemente da área, ensinar, dimensão de como os sujeitos aprendem e de como os sujeitos
também, os procedimentos de que o aluno precisa dispor desenvolvem sua competência discursiva não pode ser perdida.
para acessar os conteúdos da disciplina que estuda. Produzir O ensino de Língua Portuguesa deve se dar num espaço em
esquemas, resumos que orientem o processo de compreensão que as práticas de uso da linguagem sejam compreendidas em
dos textos, bem como apresentar roteiros que indiquem os sua dimensão histórica e em que a necessidade de análise e
objetivos e expectativas que cercam o texto que se espera ver sistematização teórica dos conhecimentos linguísticos decorra
analisado ou produzido não pode ser tarefa delegada a outro dessas mesmas práticas.
professor que não o da própria área. Entretanto, as práticas de linguagem que ocorrem no espaço
Muito do fracasso dos objetivos relacionados à formação escolar diferem das demais porque devem, necessariamente,
de leitores e usuários competentes da escrita é atribuído à tomar as dimensões discursiva e pragmática da linguagem
omissão da escola e da sociedade diante de questão tão sensível como objeto de reflexão, de maneira explícita e organizada, de
à cidadania. modo a construir, progressivamente, categorias explicativas
Objetivos gerais de Língua Portuguesa para o ensino de seu funcionamento. Ainda que a reflexão seja constitutiva
fundamental da atividade discursiva, no espaço escolar reveste-se de maior
No processo de ensino-aprendizagem dos diferentes importância, pois é na prática de reflexão sobre a língua e
ciclos do ensino fundamental, espera-se que o aluno amplie o a linguagem que pode se dar a construção de instrumentos
domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, que permitirão ao sujeito o desenvolvimento da competência
sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de discursiva para falar, escutar, ler e escrever nas diversas
modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, situações de interação.
ampliando suas possibilidades de participação social no Em decorrência disso, os conteúdos de Língua Portuguesa
exercício da cidadania. articulam-se em torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral
Para isso, a escola deverá organizar um conjunto de e escrita, e a reflexão sobre a língua e a linguagem, conforme
atividades que, progressivamente, possibilite ao aluno: esquema abaixo:
- utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais
e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a
múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos
comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes
condições de produção do discurso;
- utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar
a realidade, operando sobre as representações construídas em
várias áreas do conhecimento:
- sabendo como proceder para ter acesso, compreender e
fazer uso de informações contidas nos textos, reconstruindo o
modo pelo qual se organizam em sistemas coerentes; De maneira mais específica, considerar a articulação dos
- sendo capaz de operar sobre o conteúdo representacional conteúdos nos eixos citados significa compreender que tanto
- dos textos, identificando aspectos relevantes, organizando o ponto de partida como a finalidade do ensino da língua é a
notas, elaborando roteiros, resumos, índices, esquemas etc.; produção/recepção de discursos. Quer dizer: as situações
- aumentando e aprofundando seus esquemas cognitivos didáticas são organizadas em função da análise que se faz dos
pela ampliação do léxico e de suas respectivas redes semânticas; produtos obtidos nesse processo e do próprio processo. Essa
- analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o análise permite ao professor levantar necessidades, dificuldades
próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos: e facilidades dos alunos e priorizar os aspectos que serão
- contrapondo sua interpretação da realidade a diferentes abordados. Isso favorece a revisão dos procedimentos e dos
opiniões; recursos linguísticos utilizados na produção e a aprendizagem

Conhecimentos Específicos 61
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
de novos procedimentos/ recursos a serem utilizados em devem considerar as especificidades de cada uma das práticas
produções futuras. de linguagem em função da articulação que estabelecem entre
Em função de tais eixos, os conteúdos propostos neste si.
documento estão organizados, por um lado, em Prática de escuta A seleção de textos para leitura ou escuta oferece modelos
e de leitura de textos e Prática de produção de textos orais e para o aluno construir representações cada vez mais sofisticadas
escritos, ambas articuladas no eixo USO; e, por outro, em Prática sobre o funcionamento da linguagem (modos de garantir a
de análise linguística, organizada no eixo REFLEXÃO. continuidade temática nos diferentes gêneros, operadores
específicos para estabelecer a progressão lógica), articulando-se
à prática de produção de textos e à de análise linguística.
O texto produzido pelo aluno, seja oral ou escrito, permite
identificar os recursos linguísticos que ele já domina e os
que precisa aprender a dominar, indicando quais conteúdos
precisam ser tematizados, articulando-se às práticas de escuta
e leitura e de análise linguística.
Nessa perspectiva, os conteúdos de língua e linguagem
não são selecionados em função da tradição escolar que
predetermina o que deve ser abordado em cada série, mas em
função das necessidades e possibilidades do aluno, de modo
Os conteúdos das práticas que constituem o eixo USO a permitir que ele, em sucessivas aproximações, se aproprie
dizem respeito aos aspectos que caracterizam o processo de dos instrumentos que possam ampliar sua capacidade de ler,
interlocução. São eles: escrever, falar e escutar.
A seleção e priorização deve considerar, pois, dois critérios
1. historicidade da linguagem e da língua; fundamentais: as necessidades dos alunos e suas possibilidades
2. constituição do contexto de produção, representações de de aprendizagem. Estes, articulados ao projeto educativo da
mundo e interações sociais: escola – que se diferencia em função das características e
- sujeito enunciador; expectativas específicas de cada comunidade escolar, de cada
- interlocutor; região do país –, devem ser as referências fundamentais para o
- finalidade da interação; estabelecimento da sequenciação dos conteúdos.
- lugar e momento de produção. As necessidades dos alunos definem-se a partir dos objetivos
colocados para o ensino. As possibilidades de aprendizagem, por
3. implicações do contexto de produção na organização sua vez, definem-se a partir do grau de complexidade do objeto
dos discursos: restrições de conteúdo e forma decorrentes da e das exigências da tarefa proposta. Ambas – necessidades e
escolha dos gêneros e suportes. possibilidades – são determinadas pelos conhecimentos já
4. implicações do contexto de produção no processo de construídos pelos alunos.
significação: O grau de complexidade do objeto refere-se,
- representações dos interlocutores no processo de fundamentalmente, à dificuldade posta para o aluno ao se
construção dos sentidos; relacionar com os diversos aspectos do conhecimento discursivo
- articulação entre texto e contexto no processo de e linguístico nas práticas de recepção e produção de linguagem:
compreensão;
- relações intertextuais. - determinações do gênero e das condições de produção do
texto (maior ou menor familiaridade com o interlocutor, maior ou
Os conteúdos do eixo REFLEXÃO, desenvolvidos sobre os do menor distanciamento temporal ou espacial do sujeito em relação
eixo USO, referem-se à construção de instrumentos para análise ao momento e lugar de produção);
do funcionamento da linguagem em situações de interlocução, - seleção lexical (maior ou menor presença de vocábulos de
na escuta, leitura e produção, privilegiando alguns aspectos uso comum, maior ou menor presença de termos técnicos);
linguísticos que possam ampliar a competência discursiva do - organização sintática dos enunciados (tamanho das frases,
sujeito. São estes: ordem dos constituintes, inversão, deslocamento, relação de
1. variação linguística: modalidades, variedades, registros; coordenação e subordinação);
2. organização estrutural dos enunciados; - temática desenvolvida (relação entre tema e faixa etária,
3. léxico e redes semânticas; tema e cultura, vulgarização do tema, familiaridade com o tema);
4. processos de construção de significação; - referencialidade do texto (um diário íntimo de adolescente,
5. modos de organização dos discursos. que manifesta uma percepção da realidade ancorada no cotidiano,
é, frequentemente, mais simples do que a definição de um objeto
Na segunda parte do documento, que se refere às dada por um dicionário);
especificidades de cada ciclo, os conteúdos aqui relacionados - explicitação das informações (maior ou menor exigência de
em torno dos eixos serão distribuídos e expandidos nas práticas, operar com pressuposições e subentendidos);
de modo a possibilitar dois desdobramentos: a explicitação - recursos figurativos (uso de elementos conotativos,
necessária de sua dimensão procedimental – saber fazer – e a metafóricos, metonímicos, entre outros).
discretização dos múltiplos aspectos conceituais envolvidos em
cada um deles, em função das necessidades e possibilidades dos A complexidade de determinado objeto deve ser considerada
alunos no interior de cada ciclo. em relação ao sujeito aprendiz e aos conhecimentos por ele
já construídos a respeito. Também não é homogênea: tanto
Critérios para Sequenciação dos Conteúdos diferentes aspectos de um mesmo objeto podem ter graus de
complexidade diferenciados para o sujeito, num único momento
As práticas de linguagem são uma totalidade; não podem, do processo de aprendizado, quanto um mesmo aspecto pode
na escola, ser apresentadas de maneira fragmentada, sob pena representardificuldades variadas para um sujeito, em momentos
de não se tornarem reconhecíveis e de terem sua aprendizagem diferentes do processo de aprendizado.
inviabilizada. Ainda que didaticamente seja necessário O grau de exigência da tarefa refere-se aos conhecimentos de
realizar recortes e descolamentos para melhor compreender o natureza conceitual e procedimental que o sujeito precisa ativar
funcionamento da linguagem, é fato que a observação e análise para resolver o problema proposto pela atividade. Produzir um
de um aspecto demandam o exercício constante de articulação texto, por exemplo, implica a realização e articulação de tarefas
com os demais aspectos envolvidos no processo. Ao invés de diversas: planejar o texto em função dos objetivos colocados,
organizar o ensino em unidades formatadas em “texto”, “tópicos do leitor, das especificidades do gênero e do suporte; grafar o
de gramática” e “redação”, fechadas em si mesmas de maneira texto, articulando conhecimentos linguísticos diferenciados
desarticulada, as atividades propostas no ambiente escolar (gramaticais, da convenção, de pontuação e paragrafação);

Conhecimentos Específicos 62
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
revisar o texto. A leitura de um texto, compreende, por exemplo,
pré-leitura, identificação de informações, articulação de
informações internas e externas ao texto, realização e validação
de inferências e antecipações, apropriação das características do
gênero.
As possibilidades de aprendizagem dos alunos, articuladas
com o grau de complexidade do objeto e com o grau de
exigências da tarefa proposta, determinam graus de autonomia
do sujeito diferentes em relação à utilização dos diferentes
saberes envolvidos nas práticas de linguagem.
Ler um conto policial é uma tarefa que pode apresentar
graus de dificuldade diversos. Pode ser mais ou menos complexa
tanto com relação ao tema abordado quanto no que se refere às
estratégias de criação de suspense utilizadas pelo escritor e,
ainda, em relação à estruturação sintática e escolhas lexicais. Conteúdos de Língua Portuguesa e temas transversais
Alguns fatores tornam a exposição sobre determinado assunto
uma atividade mais ou menos complexa para o sujeito: a Organizados em torno do eixo USO à REFLEXÃO à USO
familiaridade com o gênero, a maior ou menor intimidade com e reintroduzidos nas práticas de escuta de textos orais e de
a plateia, as exigências de seleção lexical projetadas pelo tema. leitura de textos escritos, de produção de textos orais e escritos
As possibilidades de aprendizagem dos alunos colocam e de análise linguística, os conteúdos de Língua Portuguesa
limites claros para o tratamento que dado conteúdo deve apresentam estreita relação com os usos efetivos da linguagem
receber. Uma abordagem pode não esgotar as possibilidades de socialmente construídos nas múltiplas práticas discursivas.
exploração do conhecimento priorizado, o que torna possível Isso significa que também são conteúdos da área os modos
retomá-lo em diferentes etapas do processo de aprendizagem a como, por meio da palavra, a sociedade vem construindo suas
partir de tratamentos diferenciados – grau de aprofundamento, representações a respeito do mundo. Não há como separar o
relações estabelecidas. plano do conteúdo, do plano da expressão.
No que diz respeito à prática de leitura de texto, por exemplo, O trabalho desenvolvido a partir dos temas transversais
a estipulação da leitura de um mesmo gênero por alunos de (Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orientação
diferentes ciclos, ou num mesmo ciclo em diferentes momentos, Sexual, Trabalho e Consumo) demanda participação efetiva e
não implica que o texto selecionado deva ser o mesmo, ou, no responsável dos cidadãos, tanto na capacidade de análise crítica
caso de ser o mesmo, que a leitura se dê da mesma maneira. Uma e reflexão sobre os valores e concepções veiculados quanto nas
charge política, por exemplo, supõe conhecimento de mundo e possibilidades de participação e de transformação das questões
experiência político-social que podem não estar presentes para envolvidas.
um aluno de 11 anos. Dessa forma, sua leitura pode diferenciar- Por tratarem de questões sociais contemporâneas, que
se tanto da que for realizada por um aluno de 14 anos quanto tocam profundamente o exercício de cidadania, os temas
da que for feita por um de 17. O mesmo raciocínio se aplica a transversais oferecem inúmeras possibilidades para o uso vivo
um poema, uma crônica, uma notícia, uma carta de solicitação da palavra, permitindo muitas articulações com a área de Língua
ou uma reportagem. Nesse sentido, a intervenção do professor Portuguesa, como:
e, consequentemente os aspectos a serem tematizados, tanto
poderão ser diferentes quanto poderão ser os mesmos, tratados - a possibilidade de poder expressar-se autenticamente sobre
com graus diversos de aprofundamento. questões efetivas;
No que concerne à prática de produção de texto, aplica-se - a diversidade dos pontos de vista e as formas de enunciá-los;
o mesmo raciocínio: a produção de um artigo de opinião, por - a convivência com outras posições ideológicas, permitindo o
exemplo, pode estar colocada em diferentes ciclos, ou, ainda exercício democrático;
em diferentes momentos do mesmo ciclo, pressupondo níveis - os domínios lexicais articulados às diversas temáticas.
diferenciados de domínio do gênero. Pode-se tanto priorizar
aspectos a serem abordados nas diferentes ocasiões quanto Os temas transversais abrem a possibilidade de um trabalho
estabelecer graus de aprofundamentos diferentes para os integrado de várias áreas. Não é o caso de, como muitas
mesmos aspectos nas diferentes situações. vezes ocorre em projetos interdisciplinares, atribuir à Língua
A articulação desses fatores – necessidades dos alunos, Portuguesa o valor meramente instrumental de ler, produzir,
possibilidades de aprendizagem, grau de complexidade do revisar e corrigir textos, enquanto outras áreas se ocupam do
objeto e das exigências da tarefa – possibilita o estabelecimento tratamento dos conteúdos. Adotar tal concepção é postular
de uma sequenciação não a partir da apresentação linear de a neutralidade da linguagem, o que é incompatível com os
conhecimentos, mas do tratamento em espiral, sequenciação princípios que norteiam estes parâmetros. Um texto produzido
que considere a reapresentação de tópicos, na qual a progressão é sempre produzido a partir de determinado lugar, marcado por
também se coloque no nível de aprofundamento com que suas condições de produção. Não há como separar o sujeito, a
tais aspectos serão abordados e no tratamento didático que história e o mundo das práticas de linguagem. Compreender
receberão. um texto é buscar as marcas do enunciador projetadas nesse
À escola e ao professor cabe a tarefa de articular tais fatores, texto, é reconhecer a maneira singular de como se constrói uma
não apenas no sentido de planejar situações didáticas de representação a respeito do mundo e da história, é relacionar o
aprendizagem, mas organizar a sequenciação dos conteúdos que texto a outros textos que traduzem outras vozes, outros lugares.
for, de um lado, possível a seus alunos e, de outro, necessária, em Dada a importância da linguagem na mediação do
função do projeto educativo escolar. conhecimento, é atribuição de todas as áreas, e não só da de
A organização e sequenciação dos conteúdos no ensino Língua Portuguesa, o trabalho com a escrita e a oralidade do
fundamental deve ser decidida pela escola e pelo professor, aluno no que for essencial ao tratamento dos conteúdos.
Não se trata, tampouco, de supor que qualquer tema possa
considerando o contexto de atuação educativa e os seguintes
receber igual tratamento em Língua Portuguesa. Alguns,
aspectos:
em função de sua natureza temática, são mais facilmente
incorporáveis ao trabalho da área.
Os aspectos polêmicos inerentes aos temas sociais,
por exemplo, abrem possibilidades para o trabalho com a
argumentação – capacidade relevante para o exercício da
cidadania –, por meio da análise das formas de convencimento
empregadas nos textos, da percepção da orientação
argumentativa que sugerem, da identificação dos preconceitos

Conhecimentos Específicos 63
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
que possam veicular no tratamento de questões sociais etc. convivência e socialização possibilita ao adolescente a ampliação
Procurando desenvolver no aluno a capacidade de de sua visão de mundo, na qual se incluem questões de gênero,
compreender textos orais e escritos e de assumir a palavra, etnia, origem e possibilidades sociais e a rediscussão de valores
produzindo textos em situações de participação social, o que que, reinterpretados, passam a constituir sua nova identidade.
se propõe ao ensinar os diferentes usos da linguagem é o Desse ponto de vista, a formação do adolescente implica maior
desenvolvimento da capacidade construtiva e transformadora. autonomia nas tomadas de decisão e no desempenho de suas
O exercício do diálogo na explicitação, contraposição e atividades. Implica, ainda – a partir da nova percepção da
argumentação de ideias é fundamental na aprendizagem da realidade, dos direitos e deveres sociais e da responsabilidade
cooperação e no desenvolvimento de atitudes de confiança, de crescente por seus atos –, a constituição ou reformulação de
capacidade para interagir e de respeito ao outro. A aprendizagem valores e novos desdobramentos para o exercício da cidadania.
desses aspectos precisa, necessariamente, estar inserida em Na cultura brasileira, a diferença entre criança e adulto tende
situações reais de intervenção, começando no âmbito da própria a ser profundamente acentuada e reforçada por instituições
escola. legais e sociais. Em geral, parece existir descontinuidade entre
os papéis do adulto e da criança – sobretudo no que se refere
2ª PARTE à conquista da independência e autonomia. A passagem do
universo infantil para o adulto costuma gerar conflitos para o
LÍNGUA PORTUGUESA NO TERCEIRO E NO QUARTO adolescente, que está, por assim dizer, a meio caminho. Deve-se
CICLO advertir que tais conflitos, ainda que apresentem características
gerais, se manifestam de formas diferentes em função da
Ensino e aprendizagem condição social, uma vez que são diferentes as possibilidades
e exigências que se colocam para o sujeito adolescente. Para
Pensar sobre o ensino de Língua Portuguesa no terceiro e significativa parcela da sociedade brasileira, já na adolescência
no quarto ciclo requer a compreensão da adolescência como o impõe-se a necessidade de trabalhar, seja para assumir
período da vida explicitamente marcado por transformações que objetivamente compromissos e responsabilidades do mundo
ocorrem em várias dimensões: sociocultural, afetivo-emocional, adulto, seja para experimentar a possibilidade de dispor de bens
cognitiva e corporal. Requer esforço de articulação dos aspectos de consumo para os quais há grande apelo social, por meio da
envolvidos nesse processo, considerando as características do mídia e da divulgação do modus vivendi da classe média.
objeto de conhecimento em questão – as práticas sociais da As transformações citadas articulam-se com aquelas relativas
linguagem –, em situações didáticas que possam contribuir para ao desenvolvimento cognitivo. Sob esse aspecto, a adolescência
a formação do sujeito. implica a ampliação de formas de raciocínio, organização
Organizar o aprendizado de Língua Portuguesa nesses ciclos e representação de observações e opiniões, bem como o
requer que se reconheçam e se considerem as características desenvolvimento da capacidade de investigação, levantamento
próprias do aluno adolescente, aespecificidade doespaçoescolar, de hipóteses, abstração, análise e síntese na direção de raciocínio
no que se refere à possibilidade de constituição de sentidos e cada vez mais formal, o que traz a possibilidade de constituição
referências nele colocada, e a natureza e peculiaridades da de conceitos mais próximos dos científicos.
linguagem e de suas práticas. Finalmente, é preciso considerar ofato dequeos adolescentes
desenvolvem um tipo de comportamento e um conjunto de
O ALUNO ADOLESCENTE E O TRABALHO COM A valores que atuam como forma de identidade, tanto no que diz
LINGUAGEM respeito ao lugar que ocupam na sociedade e nas relações que
estabelecem com o mundo adulto quanto no que se refere a sua
Os alunos doterceiroedoquartociclodoensinofundamental, inclusão no interior de grupos específicos de convivência. Esse
idealmente, apresentam-se na idade entre 11 e 15 anos, ainda processo, naturalmente, tem repercussão no tipo de linguagem
que, infelizmente, muitas vezes, por causa das dificuldades que por eles usada, com a incorporação e criação de modismos,
enfrentam na vida e na escola, os estudantes possam ser mais vocabulário específico, formas de expressão etc. São exemplos
velhos. Pode-se dizer, de modo geral, que esta fase da educação típicos as falas das “tribos” – grupos de adolescentes formados
escolar compreende a adolescência e a juventude. em função de uma atividade (surfistas, skatistas, funkeiros etc.).
Trata-se de um período da vida em que o desenvolvimento É possível, assim, falar em uma linguagem de adolescentes,
do sujeito é marcado pelo processo de (re)constituição da se se entender por isso não uma língua diferente, mas sim um
identidade, para o qual concorrem transformações corporais, jargão, um estilo, uma forma de expressão. Tal linguagem é
afetivo-emocionais, cognitivas e socioculturais. apropriada e explorada pela mídia, como, por exemplo, em
As transformações corporais, com pequena variação, propagandas voltadas para jovens, em programas televisivos
provocam desajustes na locomoção e coordenação de específicos, na fala de disc-jóqueis, nos suplementos de jornais,
movimentos, demandando adaptações constantes; a sexualidade revistas e nos textos paradidáticos e de ficção para adolescentes.
apresenta sensações, desejos e possibilidades até então não No caso do ensino de Língua Portuguesa, considerar a
experimentados; há mudanças significativas na forma do condição afetiva, cognitiva e social do adolescente implica
corpo, no timbre da voz e na postura. Esse processo impõe ao colocar a possibilidade de um fazer reflexivo, em que não apenas
adolescente a necessidade de reformulação de sua autoimagem, se opera concretamente com a linguagem, mas também se busca
dado que aquela que se havia constituído ao longo da infância construir um saber sobre a língua e a linguagem e sobre os modos
está desajustada aos novos esquemas corporais e às novas como as opiniões, valores e saberes são veiculados nos discursos
relações afetivas, sociais e culturais que passa a estabelecer. orais e escritos. Tal possibilidade ganha particular importância
As demais transformações, no entanto, variam de cultura na medida em que o acesso a textos escritos mais complexos,
para cultura, de grupo social para grupo social e de sujeito para com padrões linguísticos mais distanciados daqueles da
sujeito. oralidade e com sistemas de referência mais distantes do senso
A dimensão afetivo-emocional do adolescente implica a comum e das atividades da vida diária, impõe a necessidade de
busca de referências para constituição de valores próprios, percepção da diversidade do fenômeno linguístico e dos valores
as quais possibilitam novas formas de compreensão das constituídos em torno das formas de expressão.
experiências por que passa – sobretudo daquelas relacionadas Considerando-se que, para o adolescente, a necessidade
ao desenvolvimento da sexualidade – e trazem possibilidades fundamental que se coloca é a da reconstituição de sua
mais assertivas de tomada de decisão acerca de seus problemas. identidade na direção da construção de sua autonomia e que,
Isso se concretiza na busca tanto de ampliação da visão para tanto, é indispensável o conhecimento de novas formas de
que tem acerca das relações afetivas e familiares quanto do enxergar e interpretar os problemas que enfrenta, o trabalho
estabelecimento de novas e diferentes relações afetivas e de reflexão deve permitir-lhe tanto o reconhecimento de sua
sexuais. linguagem e de seu lugar no mundo quanto a percepção das
A busca de reinterpretação das experiências já vividas outras formas de organização do discurso, particularmente
e das que passa a viver a partir da ampliação dos espaços de daquelas manifestas nos textos escritos. Assim como seria

Conhecimentos Específicos 64
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
um equívoco desconsiderar a condição de adolescente, suas O desenvolvimento da capacidade do adolescente de análise
expectativas e interesses, sua forma de expressão, enfim, seu e investigação, bem como de sua possibilidade de tratar dados
universo imediato, seria igualmente um grave equívoco enfocar com abstração crescente, permitem ao professor abordar os
exclusiva ou privilegiadamente essa condição. É fato que há toda conhecimentos linguísticos de forma diferenciada. Se, nos
uma produção cultural, que vai de músicas à roupas, voltada para ciclos anteriores, priorizavam-se as atividades epilinguísticas,
o público jovem. O papel da escola, no entanto, diferentemente havendo desequilíbrio claro entre estas e as metalinguísticas,
de outros agentes sociais, é o de permitir que o sujeito supere nesse momento já pode haver maior equilíbrio: sem significar
sua condição imediata. abandono das primeiras ou uso exaustivo das segundas,
os diversos aspectos do conhecimento linguístico podem,
A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR NO TRABALHO COM A principalmente no quarto ciclo, merecer tratamento mais
LINGUAGEM aprofundado na direção da construção de novas formas de
organizá-lo e representá-lo que impliquem a construção de
Nas situações de ensino de língua, a mediação do professor categorias, intuitivas ou não.
é fundamental: cabe a ele mostrar ao aluno a importância que, A forma de abordagem dos conteúdos não será a mesma para
no processo de interlocução, a consideração real da palavra do todos os aspectos: considerando o princípio de que a constituição
outro assume, concorde-se com ela ou não. Por um lado, porque de conceitos acontece num movimento espiralado e progressivo,
as opiniões do outro apresentam possibilidades de análise e por meio do qual se pretende a aproximação crescente de
reflexão sobre as suas próprias; por outro lado, porque, ao ter conceitos mais complexos ou sofisticados, os aspectos do
consideração pelo dizer do outro, o que o aluno demonstra é conhecimento receberão um tratamento que será tanto mais
consideração pelo outro. metalinguístico quando maior o nível de aprofundamento que
A escola deve assumir o compromisso de procurar garantir exigir e suas características específicas permitirem.
queasalade aula seja um espaçoondecadasujeito tenhao direito
à palavra reconhecido como legítimo, e essa palavra encontre Objetivos de ensino
ressonância no discurso do outro. Trata-se de instaurar um
espaço de reflexão em que seja possibilitado o contato efetivo No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes
de diferentes opiniões, onde a divergência seja explicitada e práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades
o conflito possa emergir; um espaço em que o diferente não que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão
seja nem melhor nem pior, mas apenas diferente, e que, por oral e escrita em situações de uso público da linguagem,
isso mesmo, precise ser considerado pelas possibilidades de levando em conta a situação de produção social e material do
reinterpretação do real que apresenta; um espaço em que texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s);
seja possível compreender a diferença como constitutiva dos destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do
sujeitos. autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e
A mediação do professor, nesse sentido, cumpre o papel selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção
fundamental de organizar ações que possibilitem aos alunos o do texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e
contato crítico e reflexivo com o diferente e o desvelamento dos gramatical.
implícitos das práticas de linguagem, inclusive sobre aspectos No processo de escuta de textos orais, espera-se que o aluno:
não percebidos inicialmente pelo grupo – intenções, valores, - amplie, progressivamente, o conjunto de conhecimentos
preconceitos que veicula, explicitação de mecanismos de discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção
desqualificação de posições – articulados ao conhecimento dos dos sentidos do texto;
recursos discursivos e linguísticos. - reconheça a contribuição complementar dos elementos não
Particularmente, a consideração das especificidades das verbais (gestos, expressões faciais, postura corporal);
situações de comunicação – os gêneros nos quais os discursos se - utilize a linguagem escrita, quando for necessário, como
organizarão e as restrições e possibilidades disso decorrentes; apoio para registro, documentação e análise;
as finalidades colocadas; os possíveis conhecimentos - amplie a capacidade de reconhecer as intenções do
compartilhados e não compartilhados pelos interlocutores – enunciador, sendo capaz de aderir a ou recusar as posições
coloca-se como aspecto fundamental a ser tematizado, dado que ideológicas sustentadas em seu discurso.
a possibilidade de o sujeito ter seu discurso legitimado passa
por sua habilidade de organizá-lo adequadamente. No processo de leitura de textos escritos, espera-se que o
Ao organizar o ensino, é fundamental que o professor tenha aluno:
instrumentos para descrever a competência discursiva de seus - saibaselecionar textos segundoseuinteressee necessidade;
alunos, no que diz respeito à escuta, leitura e produção de - leia, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com
textos, de tal forma que não planeje o trabalho em função de os quais tenha construído familiaridade:
um aluno ideal para o ciclo, muitas vezes padronizado pelos - selecionando procedimentos de leitura adequados a
manuais didáticos, sob pena de ensinar o que os alunos já sabem diferentes objetivos e interesses, e a características do gênero
ou apresentar situações muito aquém de suas possibilidades e suporte;
e, dessa forma, não contribuir para o avanço necessário. Nessa - desenvolvendo sua capacidade de construir um conjunto
perspectiva, pode-se dizer que a boa situação de aprendizagem de expectativas (pressuposições antecipadoras dos sentidos, da
é aquela que apresenta conteúdos novos ou possibilidades forma e da função do texto), apoiando-se em seus conhecimentos
de aprofundamento de conteúdos já tematizados, estando prévios sobre gênero, suporte e universo temático, bem como
ancorada em conteúdos já constituídos. Organizá-la requer sobre saliências textuais – recursos gráficos, imagens, dados da
que o professor tenha clareza das finalidades colocadas para o própria obra (índice, prefácio etc.);
ensino e dos conhecimentos que precisam ser construídos para - confirmando antecipações e inferências realizadas antes e
alcançá-las. durante a leitura;
Nesse processo, ainda que a unidade de trabalho seja o - articulando o maior número possível de índices textuais e
texto, é necessário que se possa dispor tanto de uma descrição contextuais na construção do sentido do texto, de modo a:
dos elementos regulares e constitutivos do gênero quanto das a) utilizar inferências pragmáticas para dar sentido a
particularidades do texto selecionado, dado que a intervenção expressões que não pertençam a seu repertório linguístico ou
precisa ser orientada por esses aspectos discretizados. A estejam empregadas de forma não usual em sua linguagem;
discretização de conteúdos, ainda que possa provocar maior b) extrair informações não explicitadas, apoiando-se em
distanciamento entre o aspecto tematizado e a totalidade deduções;
do texto, possibilita a ampliação e apropriação dos recursos c) estabelecer a progressão temática;
expressivos e dos procedimentos de compreensão, interpretação d) integrar e sintetizar informações, expressando-as em
e produção dos textos, bem como de instrumentos de análise linguagem própria, oralmente ou por escrito;
linguística. e) interpretar recursos figurativos tais como: metáforas,
metonímias, eufemismos, hipérboles etc.;

Conhecimentos Específicos 65
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- delimitando um problema levantado durante a leitura e objetivos gerais apresentados para o ensino fundamental, aos
localizando as fontes de informação pertinentes para resolvê-lo; quais aqueles se articulam.
- seja receptivo a textos que rompam com seu universo Em decorrência da compreensão que se tem acerca do
de expectativas, por meio de leituras desafiadoras para sua processo de aprendizagem e constituição de conhecimento e,
condição atual, apoiando-se em marcas formais do próprio texto sobretudo, da natureza do conhecimento linguístico em questão
ou em orientações oferecidas pelo professor; – aqueles com os quais se opera nas práticas de linguagem –, os
- troque impressões com outros leitores a respeito dos textos conteúdos serão apresentados numa relação única. Dessa forma,
lidos, posicionando-se diante da crítica, tanto a partir do próprio sua sequenciação, tanto internamente nos ciclos quanto entre
texto como de sua prática enquanto leitor; estes, deverá orientar-se considerando os critérios apresentados
- compreenda a leitura em suas diferentes dimensões – o neste documento e o projeto educativo da escola.
dever de ler, a necessidade de ler e o prazer de ler; Inicialmente serão apresentados os conteúdos conceituais
- seja capaz de aderir ou recusar as posições ideológicas que e procedimentais referentes a cada uma das Práticas, todos
reconheça nos textos que lê. considerados de fundamental importância para a conquista
dos objetivos propostos. Posteriormente, os conteúdos sobre
No processo de produção de textos orais, espera-se que o o desenvolvimento de valores e atitudes, que não devem ser
aluno: tratados de maneira isolada por permearem todo o trabalho
- planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função escolar.
das exigências da situação e dos objetivos estabelecidos;
- considere os papéis assumidos pelos participantes, CONCEITOS E PROCEDIMENTOS SUBJACENTES ÀS
ajustando o texto à variedade linguística adequada; PRÁTICAS DE LINGUAGEM
- saiba utilizar e valorizar o repertório linguístico de sua
comunidade na produção de textos; Antes de apresentar os conteúdos a serem desenvolvidos nas
- monitore seudesempenhooral, levando emcontaaintenção Práticas de escuta de textos orais e de Leitura de textos escritos
comunicativa e a reação dos interlocutores e reformulando o e Produção de textos orais e escritos, são sugeridos alguns
planejamento prévio, quando necessário; gêneros como referência básica a partir da qual o trabalho com
- considere possíveis efeitos de sentido produzidos pela os textos – unidade básica de ensino – precisará se organizar,
utilização de elementos não-verbais. projetando a seleção de conteúdos para a Prática de análise
linguística.
No processo de produção de textos escritos, espera-se que A grande diversidade de gêneros, praticamente ilimitada,
o aluno: impede que a escola trate todos eles como objeto de ensino;
- redija diferentes tipos de textos, estruturando-os de assim, uma seleção é necessária. Neste documento, foram
maneira a garantir: priorizados aqueles cujo domínio é fundamental à efetiva
- a relevância das partes e dos tópicos em relação ao tema e participação social, encontrando-se agrupados, em função
propósitos do texto; de sua circulação social, em gêneros literários, de imprensa,
- a continuidade temática; publicitários, de divulgação científica, comumente presentes no
- a explicitação de informações contextuais ou de premissas universo escolar.
indispensáveis à interpretação; No entanto, não se deve considerar a relação apresentada
- a explicitação de relações entre expressões mediante como exaustiva. Ao contrário, em função do projeto da escola, do
recursos linguísticos apropriados (retomadas, anáforas, trabalho em desenvolvimento e das necessidades específicas do
conectivos), que possibilitem a recuperação da referência por grupo de alunos, outras escolhas poderão ser feitas.
parte do destinatário; Ainda queseconsidereque, no espaçoescolar, muitas vezes as
- realize escolhas de elementos lexicais, sintáticos, figurativos atividades de produção de textos – orais ou escritos – destinam-
e ilustrativos, ajustando-as às circunstâncias, formalidade e se a possibilitar que os alunos desenvolvam melhor competência
propósitos da interação; para a recepção, a discrepância entre as indicações de gêneros
- utilize com propriedade e desenvoltura os padrões da apresentadas para a prática de escuta e leitura e para a de
escrita em função das exigências do gênero e das condições de produção procura levar em conta os usos sociais mais frequentes
produção; dos textos, no que se refere aos gêneros selecionados, pode-se
- analise e revise o próprio texto em função dos objetivos dizer que as pessoas leem muito mais do que escrevem, escutam
estabelecidos, da intenção comunicativa e do leitor a que se muito mais do que falam.
destina, redigindo tantas quantas forem as versões necessárias
para considerar o texto produzido bem escrito.

No processo de análise linguística, espera-se que o aluno:


- constitua um conjunto de conhecimentos sobre o
funcionamento da linguagem e sobre o sistema linguístico
relevantes para as práticas de escuta, leitura e produção de
textos;
- aproprie-se dos instrumentos de natureza procedimental
e conceitual necessários para a análise e reflexão linguística
(delimitação e identificação de unidades, compreensão
das relações estabelecidas entre as unidades e das funções
discursivas associadas a elas no contexto);
- seja capaz de verificar as regularidades das diferentes
variedades do Português, reconhecendo os valores sociais nelas
implicados e, consequentemente, o preconceito contra as formas
populares em oposição às formas dos grupos socialmente
favorecidos.

Conteúdos

Os conteúdos que serão apresentados para o ensino


fundamental no terceiro e no quarto ciclo são aqueles
considerados como relevantes para aconstituição da proficiência
discursiva e linguística do aluno em função tanto dos objetivos
específicos colocados para os ciclos em questão quanto dos

Conhecimentos Específicos 66
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
processamento de leitura:
- formular hipóteses a respeito do conteúdo do texto, antes
ou durante a leitura;
- validar ou reformular as hipóteses levantadas a partir das
novas informações obtidas durante o processo da leitura;
- avançar ou retroceder durante a leitura em busca de
informações esclarecedoras;
- construir sínteses parciais de partes do texto para poder
prosseguir na leitura;
- inferir o sentido de palavras a partir do contexto;
- consultar outras fontes em busca de informações
complementares (dicionários, enciclopédias, outro leitor);
- articulação entre conhecimentos prévios e informações
textuais, inclusive as que dependem de pressuposições e
inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo texto,
para dar conta de ambiguidades, ironias e expressões figuradas,
opiniões e valores implícitos, bem como das intenções do autor;
- estabelecimento de relações entre os diversos segmentos
do próprio texto, entre o texto e outros textos diretamente
implicados pelo primeiro, a partir de informações adicionais
oferecidas pelo professor ou consequentes da história de leitura
do sujeito;
- articulação dos enunciados estabelecendo a progressão
temática, em função das características das sequências
predominantes (narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa
e conversacional) e de suas especificidades no interior do
gênero;
- estabelecimento da progressão temática em função das
marcas de segmentação textual, tais como: mudança de capítulo
ou de parágrafo, títulos e subtítulos, para textos em prosa;
colocação em estrofes e versos, para textos em versos;
- estabelecimento das relações necessárias entre o texto
e outros textos e recursos de natureza suplementar que o
acompanham (gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes) no
processo de compreensão e interpretação do texto;
Prática de escuta de textos orais e leitura de textos escritos - levantamento e análise de indicadores linguísticos e
extralinguísticos presentes no texto para identificar as várias
Antes dos conteúdos para as práticas de escuta e leitura vozes do discurso e o ponto de vista que determina o tratamento
de textos, será apresentada a tabela que organiza os gêneros dado ao conteúdo, com a finalidade de:
privilegiados para o trabalho, conforme critérios apresentados - confrontá-lo com o de outros textos;
anteriormente. - confrontá-lo com outras opiniões;
- posicionar-se criticamente diante dele;
Escuta de textos orais: - reconhecimento dos diferentes recursos expressivos
utilizados na produção de um texto e seu papel no
- compreensão dos gêneros do oral previstos para os ciclos estabelecimento do estilo do próprio texto ou de seu autor.
articulando elementos linguísticos a outros de natureza não Prática de produção de textos orais e escritos
verbal; Antes dos conteúdos referentes à prática de produção de
- identificação de marcas discursivas para o reconhecimento textos orais e escritos, será apresentada a tabela que organiza
de intenções, valores, preconceitos veiculados no discurso; os gêneros privilegiados para o trabalho, conforme critérios
- emprego de estratégias de registro e documentação escrita apresentados anteriormente.
na compreensão de textos orais, quando necessário;
- identificação das formas particulares dos gêneros literários
do oral que se distinguem do falar cotidiano.

Leitura de textos escritos:

- explicitação de expectativas quanto à forma e ao conteúdo


do texto em função das características do gênero, do suporte, do
autor etc.;
- seleção de procedimentos de leitura em função
dos diferentes objetivos e interesses do sujeito (estudo,
formação pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e das
características do gênero e suporte:
- leitura integral: fazer a leitura sequenciada e extensiva de
um texto;
- leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de
textos para leitura posterior;
- leitura tópica: identificar informações pontuais no texto,
localizar verbetes em um dicionário ou enciclopédia;
- leitura de revisão: identificar e corrigir, num texto
dado, determinadas inadequações em relação a um padrão
estabelecido;
- leitura item a item: realizar uma tarefa seguindo comandos - Produção de textos orais:
que pressupõem uma ordenação necessária; - planejamento prévio da fala em função da intencionalidade
- emprego de estratégias não-lineares durante o

Conhecimentos Específicos 67
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
do locutor, das características do receptor, das exigências da operadores lógicos e argumentativos, esquema dos tempos
situação e dos objetivos estabelecidos; verbais, dêiticos etc.).
- seleção, adequada ao gênero, de recursos discursivos, - Observação da língua em uso de maneira a dar conta da
semânticos e gramaticais, prosódicos e gestuais; variação intrínseca ao processo linguístico, no que diz respeito:
- emprego de recursos escritos (gráficos, esquemas, tabelas) - aos fatores geográficos (variedades regionais, variedades
como apoio para a manutenção da continuidade da exposição; urbanas e rurais), históricos (linguagem do passado e do
- ajuste da fala em função da reação dos interlocutores, como presente), sociológicos (gênero, gerações, classe social), técnicos
levar em conta o ponto de vista do outro para acatá-lo, refutá-lo (diferentes domínios da ciência e da tecnologia);
ou negociá-lo. - às diferenças entre os padrões da linguagem oral e os
- Produção de textos escritos: padrões da linguagem escrita;
- redação de textos considerando suas condições de - à seleção de registros em função da situação interlocutiva
produção: (formal, informal);
- finalidade; - aos diferentes componentes do sistema linguístico em que
- especificidade do gênero; a variação se manifesta: na fonética (diferentes pronúncias),
- lugares preferenciais de circulação; no léxico (diferentes empregos de palavras), na morfologia
- interlocutor eleito; (variantes e reduções no sistema flexional e derivacional), na
- utilização de procedimentos diferenciados para a sintaxe (estruturação das sentenças e concordância).
elaboração do texto: - Comparação dos fenômenos linguísticos observados na
- estabelecimento de tema; fala e na escrita nas diferentes variedades, privilegiando os
- levantamento de ideias e dados; seguintes domínios:
- planejamento; - sistema pronominal (diferentes quadros pronominais
- rascunho; em função do gênero): preenchimento da posição de sujeito,
- revisão (com intervenção do professor); extensão do emprego dos pronomes tônicos na posição de
- versão final; - objeto, desaparecimento dos clíticos, emprego dos
- utilização de mecanismos discursivos e linguísticos de reflexivos etc.;
coerência e coesão textuais, conforme o gênero e os propósitos - sistema dos tempos verbais (redução do paradigma no
do texto, desenvolvendo diferentes critérios: vernáculo) e emprego dos tempos verbais (predominância das
- de manutenção da continuidade do tema e ordenação de formas compostas no futuro e no mais que perfeito, emprego
suas partes; do imperfeito pelo “condicional”, predominância do modo
- de seleção apropriada do léxico em função do eixo temático; indicativo etc.);
- de manutenção do paralelismo sintático e/ou semântico; - predominância de verbos de significação mais abrangente
- de suficiência (economia) e relevância dos tópicos e (ser, ter, estar, ficar, pôr, dar) em vez de verbos com significação
informações em relação ao tema e ao ponto de vista assumido; mais específica;
- de avaliação da orientação e força dos argumentos; - emprego de elementos dêiticos e de elementos anafóricos
- de propriedade dos recursos linguísticos (repetição, sem relação explícita com situações ou expressões que permitam
retomadas, anáforas, conectivos) na expressão da relação entre identificar a referência;
constituintes do texto; - casos mais gerais de concordância nominal e verbal para
- utilização de marcas de segmentação em função do projeto recuperação da referência e manutenção da coesão;
textual: - predominância da parataxe e da coordenação sobre as
- título e subtítulo; estruturas de subordinação.
- paragrafação; - Realização de operações sintáticas que permitam analisar
- periodização; as implicações discursivas decorrentes de possíveis relações
- pontuação (ponto, vírgula, ponto-e-vírgula, dois-pontos, estabelecidas entre forma e sentido, de modo a ampliar os
ponto-de-exclamação, ponto-de-interrogação, reticências); recursos expressivos:
- outros sinais gráficos (aspas, travessão, parênteses); - expansão dos sintagmas para expressar sinteticamente
- utilização de recursos gráficos orientadores da elementos dispersos no texto que predicam um mesmo núcleo
interpretação do interlocutor, possíveis aos instrumentos ou o modificam;
empregados no registro do texto (lápis, caneta, máquina de - integração à sentença mediante nominalizações da
escrever, computador): expressão de eventos, resultados de eventos, qualificações e
- fonte (tipo de letra, estilo – negrito, itálico –, tamanho da relações;
letra, sublinhado, caixa alta, cor); - reordenação dos constituintes da sentença e do texto
- divisão em colunas; para expressar diferentes pontos de vista discursivos, como a
- caixa de texto; topicalidade, a informação nova, a ênfase;
- marcadores de enumeração; - expansão mediante coordenação e subordinação de
- utilização dos padrões da escrita em função do projeto relações entre sentenças em parataxe (simplesmente colocadas
textual e das condições de produção. lado a lado na sequência discursiva);
- utilização de recursos sintáticos e morfológicos que
Prática de análise linguística permitam alterar a estrutura da sentença para expressar
diferentes pontos de vista discursivos, como, por exemplo, uma
- Reconhecimento das características dos diferentes diferente topicalidade ou o ocultamento do agente (construções
gêneros de texto, quanto ao conteúdo temático, construção passivas, utilização do clítico “se” ou verbo na terceira
composicional e ao estilo: pessoa do plural), o efeito do emprego ou não de operadores
- reconhecimento do universo discursivo dentro do qual cada argumentativos e de modalizadores;
texto e gêneros de texto se inserem, considerando as intenções - redução do texto (omissões, apagamentos, elipses) seja
do enunciador, os interlocutores, os procedimentos narrativos, como marca de estilo, seja para diminuir redundâncias ou para
descritivos, expositivos, argumentativos e conversacionais que evitar recorrências que não tenham caráter funcional ou não
privilegiam, e a intertextualidade (explícita ou não); produzam desejados efeitos de sentido.
- levantamento das restrições que diferentes suportes e - Ampliação do repertório lexical pelo ensino-aprendizagem
espaços de circulação impõem à estruturação de textos; de novas palavras, de modo a permitir:
- análise das sequências discursivas predominantes - escolha, entre diferentes palavras, daquelas que sejam mais
(narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa e apropriadas ao que se quer dizer ou em relação de sinonímia no
conversacional) e dos recursos expressivos recorrentes no contexto em que se inserem ou mais genéricas/mais específicas
interior de cada gênero; (hiperônimos e hipônimos);
- reconhecimento das marcas linguísticas específicas - escolha mais adequada em relação à modalidade falada ou
(seleção de processos anafóricos, marcadores temporais, escrita ou no nível de formalidade e finalidade social do texto;

Conhecimentos Específicos 68
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
- organização das palavras em conjuntos estruturados em - Reconhecimento da necessidade e importância da língua
relação a um determinado tema, acontecimento, processo, escrita no processo de planejamento prévio de textos orais.
fenômeno ou mesmo objeto, como possíveis elementos de um - Preocupação com a qualidade das produções escritas
texto; próprias, tanto no que se refere aos aspectos formais –
- capacidade de projetar, a partir do elemento lexical discursivos, textuais, gramaticais, convencionais – quanto à
(sobretudo verbos), a estrutura complexa associada a seu apresentação estética.
sentido, bem como os traços de sentido que atribuem aos - Valorização da linguagem escrita como instrumento que
elementos (sujeito, complementos) que preencham essa possibilita o distanciamento do sujeito em relação a ideias e
estrutura; conhecimentos expressos, permitindo formas de reflexão mais
- emprego adequado de palavras limitadas a certas condições aprofundadas.
histórico-sociais (regionalismos, estrangeirismos, arcaísmos,
neologismos, jargões, gíria); Tratamento didático dos conteúdos
- elaboração de glossários, identificação de palavras-chave,
consulta ao dicionário. Há estreita relação entre o que e como ensinar: determinados
- Descrição de fenômenos linguísticos com os quais os objetivos só podem ser conquistados se os conteúdos tiverem
alunos tenham operado, por meio de agrupamento, aplicação tratamento didático específico. A questão não é apenas qual
de modelos, comparações e análise das formas linguísticas, informação deve ser oferecida, mas, principalmente, que tipo de
de modo a inventariar elementos de uma mesma classe de tratamento deve ser dado à informação que se oferece. A própria
fenômenos e construir paradigmas contrastivos em diferentes definição dos conteúdos já é, em si, uma questão didática que
modalidades de fala e escrita, com base: tem relação direta com os objetivos colocados.
- em propriedades morfológicas (flexão nominal, verbal; Os princípios organizadores dos conteúdos de Língua
processos derivacionais de prefixação e de sufixação); Portuguesa (USO à REFLEXÃO à USO), além de orientarem a
- no papel funcional assumido pelos elementos na estrutura seleção dos aspectos a serem abordados, definem, também,
da sentença ou nos sintagmas constituintes (sujeito, predicado, a linha geral de tratamento que tais conteúdos receberão,
complemento, adjunto, determinante, quantificador); pois caracterizam um movimento metodológico de AÇÃO à
- no significado prototípico dessas classes. REFLEXÃO à AÇÃO que incorpora a reflexão às atividades
- Utilização daintuição sobre unidades linguísticas (períodos, linguísticas do aluno, de tal forma que ele venha a ampliar sua
sentenças, sintagmas) como parte das estratégias de solução de competência discursiva para as práticas de escuta, leitura e
problemas de pontuação. produção de textos.
- Utilização das regularidades observadas em paradigmas Nesse sentido, o professor, ao planejar sua ação, precisa
morfológicos como parte das estratégias de solução de considerar de que modo as capacidades pretendidas para
problemas de ortografia e de acentuação gráfica. os alunos ao final do ensino fundamental são traduzidas em
objetivos no interior do projeto educativo da escola. São essas
VALORES E ATITUDES SUBJACENTES ÀS PRÁTICAS DE finalidades que devem orientar a seleção dos conteúdos e o
LINGUAGEM tratamento didático que estes receberão nas práticas educativas.
Considerando que o tratamento didático não é mero
- Valorização das variedades linguísticas que caracterizam a coadjuvante no processo de aprendizagem, é preciso avaliar
comunidade dos falantes da Língua Portuguesa nas diferentes sistematicamente seus efeitos no processo de ensino,
regiões do país. verificando se está contribuindo para as aprendizagens que
- Valorização das diferentes opiniões e informações se espera alcançar. Por exemplo, o conteúdo selecionado pode
veiculadas nos textos – orais ou escritos – como possibilidades ter recebido tratamento didático inadequado e, desse modo, os
diferenciadas de compreensão do mundo. efeitos pretendidos podem não ter sido atingidos; a atividade
- Posicionamento crítico diante de textos, de modo a realizada pode ter sido muito interessante, mas não ter
reconhecer a pertinência dos argumentos utilizados, posições permitido a apropriação do conteúdo e, nesse caso, os resultados
ideológicas subjacentes e possíveis conteúdos discriminatórios podem não ser satisfatórios; os conteúdos selecionados podem
neles veiculados. não corresponder às necessidades dos alunos – ou porque se
- Interesse, iniciativa e autonomia para ler textos diversos referem a aspectos que já fazem parte de seu repertório, ou
adequados à condição atual do aluno. porque pressupõem o domínio de procedimentos ou de outros
- Atitude receptiva diante de leituras desafiadoras e conteúdos que não tenham, ainda, se constituído para o aprendiz
disponibilidade para a ampliação do repertório a partir de –, de modo que a realização das atividades pouco contribuirá
experiências com material diversificado e recomendações de para o desenvolvimento das capacidades pretendidas.
terceiros. No caso de Língua Portuguesa, além dos aspectos já
- Interesse pela leitura e escrita como fontes de informação, apontados, são decisivas para a aprendizagem as imagens que
aprendizagem, lazer e arte. os alunos constituem sobre a relação que o professor estabelece
- Interesse pela literatura, considerando-a forma de com a própria linguagem. Por ter experiência mais ampla com
expressão da cultura de um povo. a linguagem, principalmente se for, de fato, usuário da escrita,
- Interesse por trocar impressões e informações com outros tendo boa relação com a leitura, gostando verdadeiramente de
leitores, posicionando-se a respeito dos textos lidos, fornecendo escrever, o professor pode se constituir em referência para o
indicações de leitura e considerando os novos dados recebidos. aluno. Além de ser quem ensina os conteúdos, é quem ensina,
- Interesse por frequentar os espaços mediadores de leitura – pela maneira como se relaciona com o texto e com o outro, o
bibliotecas, livrarias, distribuidoras, editoras, bancas de revistas, valor que a linguagem e o outro têm para si.
lançamentos, exposições, palestras, debates, depoimentos de Para os alunos que provêm de comunidades com pouco ou
autores –, sabendo orientar-se dentro da especificidade desses nenhum acesso a materiais de leitura, ou que oferecem poucas
espaços e sendo capaz de localizar um texto desejado. possibilidades de participação em atos de leitura e escrita junto
- Reconhecimento da necessidade de dominar os saberes a adultos experientes, a escola poderá ser a única referência
envolvidos nas práticas sociais mediadas pela linguagem como para a construção de um modelo de leitor e escritor. Isso só
ferramenta para a continuidade de aprendizagem fora da escola. será possível se o professor assumir sua condição de locutor
- Reconhecimento de que o domínio dos usos sociais da privilegiado, que se coloca em disponibilidade para ensinar
linguagem oral e escrita pode possibilitar a participação política fazendo.
- e cidadã do sujeito, bem como transformar as condições Entretanto, há limites para a atuação do professor.
dessa participação, conferindo-lhe melhor qualidade. Muitas das metas colocadas para o ensino não são possíveis
- Reconhecimento de que o domínio da linguagem oral e de serem alcançadas em uma única série: não se forma um leitor
escrita pode oferecer ao sujeito melhores possibilidades de e um escritor em um ano escolar. Assim sendo, é necessário
acesso ao trabalho. dar coerência à ação docente, organizando os conteúdos e
seu tratamento didático ao longo do ensino fundamental,

Conhecimentos Específicos 69
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
e articulando em torno dos objetivos colocados a ação dos apropriados ao uso do oral nas circunstâncias previstas.
diferentes professores que coordenarão o trabalho ao longo da É condição fundamental para que o trabalho possa
escolaridade. ser realizado a constituição de um corpus de textos orais
Tal organização exige que a escola tenha claro o que pode correspondentes aos gêneros previstos, a partir dos quais
esperar do aluno em cada momento e quais aspectos do as atividades de escuta (e também de produção de textos
conteúdo devem ser privilegiados em cada etapa. Ensinar supõe, orais) sejam organizadas, de modo a possibilitar aos alunos a
assim, discretizar conteúdos, organizando-os em atividades construção de referências modelizadoras. Esse corpus pode
sequenciadas para trabalhar intensivamente sobre o aspecto ser organizado a partir de registros audiovisuais (cassete,
selecionado, procurando assegurar sua aprendizagem. Em videocassete) e da promoção de debates, entrevistas, palestras,
Língua Portuguesa, levando em conta que o texto, unidade leituras dramáticas, saraus literários organizados pela escola
de trabalho, coloca o aluno sempre frente a tarefas globais e ou por outra instituição, que envolvam aspectos temáticos de
complexas, para garantir a apropriação efetiva dos múltiplos projetos em andamento em Língua Portuguesa ou em outras
aspectos envolvidos, é necessário reintroduzi-los nas práticas áreas.
de escuta, leitura e produção. Seguem algumas possibilidades de organização de situações
Além dos novos conteúdos a serem apresentados, a didáticas de escuta de textos.
frequentação a diferentes textos de diferentes gêneros é - Escuta orientada de textos em situações autênticas de
essencial para que o aluno construa os diversos conceitos e interlocução, simultaneamente ao processo de produção, com
procedimentos envolvidos na recepção e produção de cada um apoio de roteiros orientadores para registro de informações
deles. Dessa forma, a reapresentação dos conteúdos é, mais do enunciadas de modo a garantir melhor apreensão de aspectos
que inevitável, necessária, e a ela devem correspondersucessivos determinados, relativos ao plano temático, aos usos da linguagem
aprofundamentos, tanto no que diz respeito aos gêneros textuais característicos do gênero e a suas regras de funcionamento.
privilegiados quanto aos conteúdos referentes às dimensões A presença nessas situações permite, conforme o gênero,
discursiva e linguística que serão objeto de reflexão. interessantes articulações com a produção de textos orais, pois
Essa reapresentação não pode, em hipótese alguma, ser o aluno pode intervir com perguntas e colocações.
sinônimo de redundância. Porém, esse é um sério risco que se - Escuta orientada, parcial ou integral, de textos gravados em
corre quando o trabalho da escola corresponde apenas à soma situações autênticas deinterlocução, também comafinalidadede
do trabalho isolado de cada professor e não ao produto da ação focalizar os aspectos mencionados no item anterior. A gravação,
coletiva dos educadores. pela especificidade do suporte, permite, no processo de análise,
Construir a organização do currículo de Língua Portuguesa que se volte a trechos que tenham dado margem à ambiguidade,
na escola, estabelecendo com clareza a tarefa que cabe a cada tenham apresentado problemas para a compreensão etc.
professor no interior da série em função das finalidades do Para melhorar a qualidade da intervenção do professor na
ensino, não é tarefa de um único educador. Daí a importância das discussão, sempre que possível, é interessante dispor também
condições que a escola proporciona para o trabalho do professor de transcrições (integrais ou esquemáticas) dos textos gravados,
e da construção coletiva do projeto educativo. o que permite a ele ter clara a progressão temática do texto para
Muitas das sugestões oferecidas neste documento não resolver dúvidas, antecipar passagens em que a expressão facial
pretendem ser originais; traduzem o esforço de registrar o que se contrapõe ao conteúdo verbal, identificar trechos em que
foi possível construir na reflexão didático-pedagógica sobre o um interlocutor desqualifica o outro, localizar enunciados que
trabalho no terceiro e no quarto ciclo. Entretanto, sabe-se que se caracterizam como contradições a argumentos sustentados
muitos de seus pressupostos, quer de natureza didática, quer anteriormente etc.
de natureza linguística, não fizeram parte da formação inicial de - Escuta orientada de diferentes textos gravados de um
muitos docentes. mesmo gênero, produzidos em circunstâncias diferentes (debate
A formação de professores se coloca, portanto, como radiofônico, televisivo, realizado na escola) para comparação e
necessária para que a efetiva transformação do ensino se realize. levantamento das especificidades que assumem em função dos
Isso implica revisão e atualização dos currículos oferecidos na canais, dos interlocutores etc.
formação inicial do professor e a implementação de programas - Escuta orientada de textos produzidos pelos alunos – de
de formação continuada que cumpram não apenas a função de preferência a partir da análise de gravações em vídeo ou cassete
suprir as deficiências da formação inicial, mas que se constituam – para a avaliação das atividades desenvolvidas, buscando
em espaços privilegiados de investigação didática, orientada discutir tecnicamente os recursos utilizados e os efeitos obtidos.
para a produção de novos materiais, para a análise e reflexão Tomar o texto do aluno como objeto de escuta é fundamental,
sobre a prática docente, para a transposição didática dos pois permite a ele o controle cada vez maior de seu desempenho.
resultados de pesquisas realizadas na linguística e na educação - Preparação dos alunos para os aspectos temáticos que
em geral. estarão envolvidos na escuta de textos. O professor pode
A seguir serão apresentados alguns princípios e orientações antecipar algumas informações sobre o tema que será tratado
para o trabalho didático com os conteúdos. de modo a constituir um repertório de conhecimentos que
contribua para melhor compreensão dos textos e oriente o
Prática de escuta de textos orais e leitura de textos processo de tomar notas.
escritos - Preparação dos alunos para a escuta ativa e crítica dos
textos por meio do registro de dúvidas a respeito de passagens
Escuta de textos orais de uma exposição ou palestra, de divergências em relação a
posições assumidas pelo expositor etc.
Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar - Preparação dos alunos quanto a procedimentos de
acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, participação em função do caráter convencional do gênero: numa
que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, palestra, considerar os acordos iniciais sobre o regulamento de
tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública controle de participação do auditório; saber escutar a fala do
tem no exercício da cidadania. outro, compreendendo o silêncio como parte da interação etc.
Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de - Organização de atividades de escuta de textos que permitam
falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros ensinar a tomar notas durante uma aula, exposição ou palestra,
que apoiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de como recurso possível para a compreensão e interpretação do
outras áreas (exposição, relatório de experiência, entrevista, texto oral, especialmente nas situações que envolvam produção
debate etc.) e, também, os gêneros da vida pública no sentido simultânea.
mais amplo do termo (debate, teatro, palestra, entrevista etc.).
Já que os alunos têm menos acesso a esses gêneros nos usos Leitura de textos escritos
espontâneos da linguagem oral, é fundamental desenvolver,
na escola, uma série de atividades de escuta orientada, que A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho
possibilitem a eles construir, progressivamente, modelos ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus

Conhecimentos Específicos 70
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, culturais da sociedade.
de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair Para ampliar os modos de ler, o trabalho com a literatura
informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. deve permitir que progressivamente ocorra a passagem gradual
Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, da leitura esporádica de títulos de um determinado gênero,
antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível época, autor para a leitura mais extensiva, de modo que o aluno
proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita possa estabelecer vínculos cada vez mais estreitos entre o texto
controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões e outros textos, construindo referências sobre o funcionamento
diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de da literatura e entre esta e o conjunto cultural; da leitura
esclarecimentos, validar no texto suposições feitas. circunscrita à experiência possível ao aluno naquele momento,
Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos para a leitura mais histórica por meio da incorporação de
que circulam socialmente, aqueles que podem atender às outros elementos, que o aluno venha a descobrir ou perceber
suas necessidades, conseguindo estabelecer as estratégias com a mediação do professor ou de outro leitor; da leitura mais
adequadas para abordar tais textos. O leitor competente é capaz ingênua que trate o texto como mera transposição do mundo
de ler as entrelinhas, identificando, a partir do que está escrito, natural para a leitura mais cultural e estética, que reconheça o
elementos implícitos, estabelecendo relações entre o texto e caráter ficcional e a natureza cultural da literatura.
seus conhecimentos prévios ou entre o texto e outros textos já Formar leitores é algo que requer condições favoráveis,
lidos. não só em relação aos recursos materiais disponíveis, mas,
O terceiro e quarto ciclos têm papel decisivo na formação de principalmente, em relação ao uso que se faz deles nas práticas
leitores, pois é no interior destes que muitos alunos ou desistem de leitura. A seguir encontram-se apresentadas algumas dessas
de ler por não conseguirem responder às demandas de leitura condições.
colocadas pela escola, ou passam a utilizar os procedimentos
construídos nos ciclos anteriores para lidar com os desafios - A escola deve dispor de uma biblioteca em que sejam
postos pela leitura, com autonomia cada vez maior. Assumir a colocados à disposição dos alunos, inclusive para empréstimo,
tarefa de formar leitores impõe à escola a responsabilidade de textos de gêneros variados, materiais de consulta nas diversas
organizar-se em torno de um projeto educativo comprometido áreas do conhecimento, almanaques, revistas, entre outros.
com a intermediação da passagem do leitor de textos facilitados - É desejável que as salas de aula disponham de um acervo de
(infantis ou infanto-juvenis) para o leitor de textos de livros e de outros materiais de leitura. Mais do que a quantidade,
complexidade real, tal como circulam socialmente na literatura nesse caso, o importante é a variedade que permitirá a
e nos jornais; do leitor de adaptações ou de fragmentos para o diversificação de situações de leitura por parte dos alunos.
leitor de textos originais e integrais. - O professor deve organizar momentos de leitura livre em que
De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse também ele próprio leia, criando um circuito de leitura em que
aquilo que deve aprender. Entre a condição de destinatário se fala sobre o que se leu, trocam-se sugestões, aprende-se com a
de textos escritos e a falta de habilidade temporária para ler experiência do outro.
autonomamente é que reside a possibilidade de, com a ajuda - O professor deve planejar atividades regulares de leitura,
do professor e de outros leitores, desenvolver a competência assegurando que tenham a mesma importância dada às demais.
leitora, pela prática de leitura. Nessas situações, o aluno deve - Ler por si só já é um trabalho, não é preciso que a cada texto
pôr em jogo tudo o que sabe para descobrir o que não sabe. Essa lido se siga um conjunto de tarefas a serem realizadas.
atividade só poderá ocorrer com a intervenção do professor, que - O professor deve permitir que também os alunos escolham
deverá colocar-se na situação de principal parceiro, favorecendo suas leituras. Fora da escola, os leitores escolhem o que leem. É
a circulação de informações. preciso trabalhar o componente livre da leitura, caso contrário,
Nessa condição, o professor deve preocupar-se com a ao sair da escola, os livros ficarão para trás.
diversidade das práticas de recepção dos textos: não se lê uma - A escola deve organizar-se em torno de uma política de
notícia da mesma forma que se consulta um dicionário; não se formação de leitores, envolvendo toda a comunidade escolar. Mais
lê um romance da mesma forma que se estuda. Boa parte dos do que a mobilização para aquisição e preservação do acervo,
materiais didáticos disponíveis no mercado, ainda que venham é fundamental um projeto coerente de todo o trabalho escolar
incluindo textos de diversos gêneros, ignoram a diversidade e em torno da leitura. Todo professor, não apenas o de Língua
submetem todos os textos a um tratamento uniforme. Portuguesa, é também professor de leitura.
Para considerar a diversidade dos gêneros, não ignorando a
diversidade de recepção que supõem, as atividades organizadas Levando em conta o grau de independência do aluno para a
para a prática de leitura devem se diferenciar, sob pena de tarefa, o professor pode selecionarsituaçõesdidáticas adequadas
trabalharem contra a formação de leitores. Produzir esquemas e que permitam ao aluno, ora exercitar-se na leitura de tipos de
resumos pode ajudar a apreensão dos tópicos mais importantes texto para os quais já tenha construído uma competência, ora
quando se trata de textos de divulgação científica; no entanto, empenhar-se no desenvolvimento de novas estratégias para
aplicar tal procedimento a um texto literário é desastroso, poder ler textos menos familiares, o que demandará maior
pois apagaria o essencial – o tratamento estilístico que o tema interferência do professor. Tais atividades podem ocorrer com
recebeu do autor. Também não se formará um leitor de textos de maior ou menor frequência, em função dos objetivos de ensino-
imprensa, do qual se espera, senão uma leitura diária, ao menos aprendizagem.
uma leitura regular dos jornais, lendo-se notícias apenas no A seguir são apresentadas algumas sugestões didáticas
primeiro bimestre. orientadas especificamente para a formação de leitores.
Além disso, se os sentidos construídos são resultados da
articulação entre as informações do texto e os conhecimentos - Leitura autônoma
ativados pelo leitor no processo de leitura, o texto não está A leitura autônoma envolve a oportunidade de o aluno
pronto quando escrito: o modo de ler é também um modo de poder ler, de preferência silenciosamente, textos para os quais
produzir sentidos. Assim, a tarefa da escola, nestes ciclos, é, além já tenha desenvolvido uma certa proficiência. Vivenciando
de expandir os procedimentos básicos aprendidos nos ciclos situações de leitura com crescente independência da mediação
anteriores, explorar, principalmente no que se refere ao texto do professor, o aluno aumenta a confiança que tem em si como
literário, a funcionalidade dos elementos constitutivos da obra leitor, encorajando-se para aceitar desafios mais complexos.
e sua relação com seu contexto de criação.
Tomando como ponto de partida as obras apreciadas - Leitura colaborativa
pelo aluno, a escola deve construir pontes entre textos de A leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê
entretenimento e textos mais complexos, estabelecendo as um texto com a classe e, durante a leitura, questiona os alunos
conexões necessárias para ascender a outras formas culturais. sobre os índices linguísticos que dão sustentação aos sentidos
Trata-se de uma educação literária, não com a finalidade de atribuídos. É uma excelente estratégia didática para o trabalho
desenvolver uma historiografia, mas de desenvolver propostas de formação de leitores, principalmente para o tratamento dos
que relacionem a recepção e a criação literárias às formas textos que se distanciem muito do nível de autonomia dos alunos.

Conhecimentos Específicos 71
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
É particularmente importante que os alunos envolvidos na previamente, levando-se em conta os parâmetros da situação
atividade possam explicitar os procedimentos que utilizam para comunicativa (o espaço, o tempo, os interlocutores e seu lugar
atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas linguísticas social, os objetivos, o gênero) e, simultaneamente, levando-se
lhes foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar em conta as reações do interlocutor, ajustando a fala no próprio
determinados acontecimentos, validar antecipações feitas etc. momento de produção.
A possibilidade de interrogar o texto, a diferenciação entre Dessa forma, ensinar a produzir textos orais significa,
realidade e ficção, a identificação de elementos que veiculem sobretudo, organizar situações que possibilitem o
preconceitos e de recursos persuasivos, a interpretação de desenvolvimento de procedimentos de preparação prévia e
sentido figurado, a inferência sobre a intenção do autor, são monitoramento simultâneo da fala que:
alguns dos aspectos dos conteúdos relacionados à compreensão a) partam das capacidades comunicativas dos alunos antes
de textos, para os quais a leitura colaborativa tem muito a do ensino;
contribuir. A compreensão crítica depende em grande medida b) ofereçam um corpus de textos organizados nos gêneros
desses procedimentos. previstos como referência modelizadora;
- Leitura em voz alta pelo professor c) proponham atividades no interior de um projeto que deixe
Além das atividades de leitura realizadas pelos alunos e claro para o aluno os parâmetros da situação de comunicação;
coordenadas pelo professor, há as que podem ser realizadas d) isolem os diferentes componentes do gênero a ser
basicamente pelo professor. É o caso da leitura compartilhada trabalhado e organizem o ensino dos conteúdos, estabelecendo
de livros em capítulos que possibilita ao aluno o acesso a textos progressão coerente;
longos (e às vezes difíceis) que, por sua qualidade e beleza, e) reintroduzam os componentes trabalhados isoladamente
podem vir a encantá-lo, mas que, talvez, sozinho não o fizesse. no interior de novas atividades de produção de textos orais, o
A leitura em voz alta feita pelo professor não é prática comum que possibilita avaliar a apropriação dos conhecimentos pelo
na escola. E, quanto mais avançam as séries, mais incomum se aluno e as estratégias de ensino.
torna, o que não deveria acontecer, pois, muitas vezes, são os Possibilitar ao aluno a preparação prévia da enunciação
alunos maiores que mais precisam de bons modelos de leitores. de textos orais significa ensinar procedimentos que possam
ancorar a fala do locutor, orientando-a em função da situação
- Leitura programada de comunicação e das especificidades do gênero, como, por
A leitura programada é uma situação didática adequada exemplo:
para discutir coletivamente um título considerado difícil para
a condição atual dos alunos, pois permite reduzir parte da - elaboração de esquemas para planejar previamente a
complexidade da tarefa, compartilhando a responsabilidade. exposição;
O professor segmenta a obra em partes em função de algum - preparação de cartazes ou transparências para assegurar
critério, propondo a leitura sequenciada de cada uma delas. Os melhor controle da própria fala durante a exposição;
alunos realizam a leitura do trecho combinado, para discuti-lo - elaboração de roteiros para realização de entrevistas ou
posteriormente em classe com a mediação do professor. Durante encenação de jogos dramáticos improvisados;
a discussão, além da compreensão e análise do trecho lido, que - preparação prévia de leitura expressiva de textos dramáticos
poderá facilitar a leitura dos trechos seguintes, os alunos podem ou poéticos;
ser estimulados a antecipar eventuais rumos que a narrativa - memorização de textos dramáticos ou poéticos a serem
possa tomar, criando expectativas para a leitura dos segmentos apresentados publicamente sem apoio escrito.
seguintes. Também durante a discussão, o professor pode
introduzir informações a respeito da obra, do contexto em que Ensinar o planejamento simultâneo da produção ou
foi produzida, da articulação que estabelece com outras, dados enunciação do texto oral supõe:
que possam contribuir para a realização de uma leitura que não a) a participação regular do aluno em situações de
se detenha apenas no plano do enunciado, mas que articule interlocução que contemplem as especificidades dos diferentes
elementos do plano expressivo e estético. gêneros previstos, tais como:
- discussão improvisada ou planejada sobre tema polêmico;
- Leitura de escolha pessoal - entrevista com alguém em posição de poder ajudar
São situações didáticas, propostas com regularidade, a compreender um tema, argumentar a favor ou contra
adequadas para desenvolver o comportamento do leitor, determinada posição;
ou seja, atitudes e procedimentos que os leitores assíduos - debate em que se confrontam posições diferentes a respeito
desenvolvem a partir da prática de leitura: formação de critérios de tema polêmico;
para selecionar o material a ser lido, rastreamento da obra de - exposição, em público, de tema preparado previamente,
escritores preferidos etc. Neste caso, o objetivo explícito é a considerando o conhecimento prévio do interlocutor e, se em
leitura em si, é a criação de oportunidades para a constituição de grupo, coordenando a própria fala com a dos colegas;
padrões de gosto pessoal. Nessas atividades de leitura, pode-se, - representação de textos teatrais ou de adaptações de outros
temporariamente, eleger um gênero específico, um determinado gêneros, permitindo explorar, entre outros aspectos, o plano
autor ou um tema de interesse. A partir daí, os alunos escolhem expressivo da própria entoação: tom de voz, ritmo, aceleração,
o que desejam ler, tomam emprestado o livro (do acervo de timbre;
classe ou da biblioteca da escola) para ler em casa e, no dia - leitura expressiva ou recitação pública de poemas.
combinado, parte deles relata suas impressões, comenta o que
gostou ou não, o que pensou, sugere outros títulos do mesmo b) a análise da atividade discursiva realizada pelos alunos,
autor, tema ou tipo. Dependendo do gênero selecionado, alguns tanto a partir de gravações quanto de observações de terceiros.
alunos podem preparar, com antecedência, a leitura em voz alta Tais situações permitem ao professor e ao aluno avaliar as
dos textos escolhidos. facilidades e dificuldades encontradas no processo enunciativo,
a reação da audiência em função dos efeitos pretendidos, entre
PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS outros, de modo a instrumentalizar o aluno para melhorar seu
desempenho.
Produção de textos orais
Produção de textos escritos
O texto oral, diferentementedoescrito, uma vez dito não pode
ser retomado ou reconstruído, a não ser em casos excepcionais Ao produzir um texto, o autor precisa coordenar uma
de montagens para rádio ou TV. O planejamento de um texto série de aspectos: o que dizer, a quem dizer, como dizer. Ao
oral, ainda que possa se apoiar em materiais escritos, se dá escrever profissionalmente, raras vezes o autor realiza tais
concomitantemente ao processo de produção: uma correção não tarefas sozinho. Tão logo tenha colocado no papel o que tem a
pode ser apagada, é sempre percebida pelo interlocutor. Assim, dizer a seus potenciais leitores, verá seu texto, ainda em versão
o controle do texto oral só pode ocorrer de duas maneiras: preliminar, ser submetido a uma série de profissionais: a leitores

Conhecimentos Específicos 72
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
críticos, que analisarão relevância e adequação; a preparadores margens, comentários nem sempre compreendidos pelos alunos.
de originais, que promoverão eventuais ajustes na redação; a Mesmo quando se exige releitura, muitos alunos não identificam
revisores, que farão uma varredura nos originais para localizar seus erros, ou, quando o fazem, se concentram em aspectos
e corrigir possíveis deslizes no uso da norma; a coordenadores periféricos, como ortografia e acentuação, reproduzindo, muitas
editoriais, que planejarão a composição final que o texto terá ao vezes, a própria prática escolar.
ser impresso. Entretanto, a refacção faz parte do processo de escrita:
Bem desigual é a tarefa do aprendiz. Espera-se que o aluno durante a elaboração de um texto, se releem trechos para
coordene sozinho todos esses aspectos. Pensar em atividades prosseguir a redação, se reformulam passagens. Um texto
para ensinar a escrever é, inicialmente, identificar os múltiplos pronto será quase sempre produto de sucessivas versões. Tais
aspectos envolvidos na produção de textos, para propor procedimentos devem ser ensinados e podem ser aprendidos.
atividades sequenciadas, que reduzam parte da complexidade Separar, no tempo, o momento de produção do momento
da tarefa no que se refere tanto ao processo de redação quanto de refacção produz efeitos interessantes para o ensino e a
ao de refacção. aprendizagem de um determinado gênero:
Atividades de transcrição exigem do aluno que as realiza - permite que o aluno se distancie de seu próprio texto, de
atenção para garantir a fidelidade do registro e domínio das maneira a poder atuar sobre ele criticamente;
convenções gráficas da escrita. O que dizer e o como dizer já - possibilita que o professor possa elaborar atividades e
estão determinados pelo texto original. exercícios que forneçam os instrumentos linguísticos para o
Atividades que envolvam reproduções, paráfrases, resumos aluno poder revisar o texto.
permitem que o aluno fique, em parte, liberado da tarefa de Nesta perspectiva, a refacção que se opera não é mera
pensar sobre o que escrever, pois o plano do conteúdo já está higienização, mas profunda reestruturação do texto, já que entre
definido pelo texto modelo. A atividade oferece possibilidades a primeira versão e a definitiva uma série de atividades foi
de tratar de aspectos coesivos da língua, de aspectos do plano da realizada.
expressão – como dizer. Os procedimentos de refacção começam de maneira externa,
As práticas de decalque funcionam quase como modelos pela mediação do professor que elabora os instrumentos e
lacunados: as questões formais já estão em parte definidas pelo organiza as atividades que permitem aos alunos sairdo complexo
caráter altamente convencionalizado dos gêneros, como nos (o texto), ir ao simples (as questões linguísticas e discursivas
requerimentos ou cartas comerciais. Em suas aplicações mais que estão sendo estudadas) e retornar ao complexo (o texto).
criativas – paródias – preservam boa parte da estrutura formal Graças à mediação do professor, os alunos aprendem não só
do texto modelo, permitindo que o aluno se concentre no que um conjunto de instrumentos linguístico-discursivos, como
tem a dizer. também técnicas de revisão (rasurar, substituir, desprezar).
Nas atividades de produção que envolvem autoria ou criação, Por meio dessas práticas mediadas, os alunos se apropriam,
a tarefa do sujeito torna-se mais complexa, porque precisa progressivamente, das habilidades necessárias à autocorreção.
articular ambos os planos: o do conteúdo – o que dizer – e o da
expressão – como dizer. Prática de análise linguística

Durante os últimos anos, a crítica ao ensino de Língua


Portuguesa centrado em tópicos de gramática escolar e as
alternativas teóricas apresentadas pelos estudos linguísticos,
principalmente no que se refere à consciência dos fenômenos
enunciativos e à análise tipológica dos textos, permitiram uma
visão muito mais funcional da língua, o que provocou alterações
nas práticas escolares, representando, em alguns casos, o
abandono do tratamento dos aspectos gramaticais e da reflexão
sistemática sobre os aspectos discursivos do funcionamento da
linguagem. Para ampliar a competência discursiva dos alunos,
no entanto, a criação de contextos efetivos de uso da linguagem
é condição necessária, porém não suficiente, sobretudo no que
se refere ao domínio pleno da modalidade escrita.
As categorias propostas para ensinar a produzir textos Além da escuta, leitura e produção de textos, parece ser
permitem que, de diferentes maneiras, os alunos possam necessária a realização tanto de atividades epilinguístico,
construir os padrões da escrita, apropriando-se das estruturas que envolvam manifestações de um trabalho sobre a língua e
composicionais, do universo temático e estilístico dos autores suas propriedades, como de atividades metalinguísticas, que
que transcrevem, reproduzem, imitam. É por meio da escrita envolvam o trabalho de observação, descrição e categorização,
do outro que, durante as práticas de produção, cada aluno vai por meio do qual se constroem explicações para os fenômenos
desenvolver seu estilo, suas preferências, tornando suas as linguísticos característicos das práticas discursivas.
palavras do outro. Por outro lado, não se podem desprezar as possibilidades
Não se trata de estabelecer uma progressão linear entre essas que a reflexão linguística apresenta para o desenvolvimento
categorias didáticas, privilegiando inicialmente a transcrição, dos processos mentais do sujeito, por meio da capacidade de
depois a reprodução, o decalque e, finalmente, o texto de formular explicações para explicitar as regularidades dos dados
autoria. É em função do que os alunos precisam aprender que que se observam a partir do conhecimento gramatical implícito.
se selecionam as categorias didáticas mais adequadas. Para Entretanto, prática de análise linguística não é uma nova
esta análise, o olhar do educador para o texto do aluno precisa denominação para ensino de gramática.
deslocar-se da correção para a interpretação; do levantamento Quando se toma o texto como unidade de ensino, os
das faltas cometidas para a apreciação dos recursos que o aluno aspectos a serem tematizados não se referem somente à
já consegue manobrar. dimensão gramatical. Há conteúdos relacionados às dimensões
Entretanto, começa-se e termina-se pela tarefa mais pragmática e semântica da linguagem, que por serem inerentes
complexa, o texto de autoria do aluno: para poder mapear o que à própria atividade discursiva, precisam, na escola, ser tratados
sabe sobre o gênero que está sendo estudado e o que precisa de maneira articulada e simultânea no desenvolvimento das
aprender, projetando as ações didáticas necessárias ou para práticas de produção e recepção de textos.
avaliar os efeitos do trabalho realizado. Quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda
que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar
A refacção na produção de textos uma categorização preestabelecida. Os textos submetem-se às
Na escola, a tarefa de corrigir, em geral, é do professor. É regularidades linguísticas dos gêneros em que se organizam e
ele quem assinala os erros de norma e de estilo, anotando, às às especificidades de suas condições de produção: isto aponta
para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não

Conhecimentos Específicos 73
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
de outros. Os alunos, por sua vez, ao se relacionarem com este função de critérios de legitimidade e de eficácia comunicativa.
ou aquele texto, sempre o farão segundo suas possibilidades: Nesta etapa é importante assegurar que os alunos possam ter
isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns desses acesso a materiais de consulta (dicionários, gramáticas e outros
conteúdos e não com todos. textos), para aprofundamento dos temas tratados.
Aoorganizaratividadesdeanáliselinguística parapossibilitar - Reelaboração do texto, incorporando as alterações
aos alunos a aprendizagem dos conteúdos selecionados, propostas.
alguns procedimentos metodológicos são fundamentais para o
planejamento do ensino: Nas atividades de refacção de textos, alguns cuidados são
- isolamento, entre os diversos componentes da expressão fundamentais:
oral ou escrita, do fato linguístico a ser estudado, tomando como - a atividade de discussão coletiva de textos produzidos pelos
ponto de partida as capacidades já dominadas pelos alunos: o próprios alunos pressupõe que o professor tenha constituído
ensino deve centrar-se na tarefa de instrumentalizar o aluno vínculosdeconfiançacomo grupo e um ambiente de acolhimento,
para o domínio cada vez maior da linguagem; de maneira a não provocar estigmas e constrangimentos;
- construção de um corpus que leve em conta a relevância, - se os objetivos da refacção não envolverem conteúdos
a simplicidade, bem como a quantidade dos dados, para que o ligados a aspectos ortográficos ou morfossintáticos, por
aluno possa perceber o que é regular; exemplo, apresentar, corrigida, a versão para o trabalho, para
- análise do corpus, promovendo o agrupamento dos dados facilitar a concentração dos alunos nos temas propostos;
a partir dos critérios construídos para apontar as regularidades - se os objetivos da refacção envolverem conteúdos com os
observadas; quais os alunos tenham pouca familiaridade, assinalar no texto
- organização e registro das conclusões a que os alunos escolhido as passagens problemáticas. Assim, os alunos, livres
tenham chegado; da tarefa de localizar as impropriedades, podem dedicar-se mais
- apresentação da metalinguagem, após diversasexperiências intensamente a pensar sobre alternativas para sua reformulação;
de manipulação e exploração do aspecto selecionado, o que, além - se a refacção pretende explorar aspectos morfossintáticos,
de apresentar a possibilidade de tratamento mais econômico o professor pode, em lugar de apresentar um texto completo,
para os fatos da língua, valida socialmente o conhecimento selecionar um conjunto de trechos de vários alunos para
produzido. Para esta passagem, o professor precisa possibilitar desenvolver com mais profundidade o assunto;
ao aluno o acesso a diversos textos que abordem os conteúdos - quando os alunos já tiverem realizado bom número de
estudados; práticas de refacção coletiva, o professor pode, gradativamente,
- exercitação sobre os conteúdos estudados, de modo a ampliar o grau de complexidade da tarefa, propondo sua
permitir que o aluno se aproprie efetivamente das descobertas realização em duplas, em pequenos grupos, encaminhando-se
realizadas; para a autocorreção;
- reinvestimento dos diferentes conteúdos exercitados em - ao encaminhar as atividades de refacção, o professor pode
atividades mais complexas, na prática de escuta e de leitura ou usar o trabalho em duplas ou em pequenos grupos, também
na prática de produção de textos orais e escritos. como forma de organizar atividades em torno de dúvidas mais
particulares: como em uma oficina, cada grupo trabalharia em
A refacção de textos na análise linguística torno de questões específicas.

O estudo dos tópicos da gramática escolar não garante que o Orientações didáticas específicas para alguns
aluno possa se apropriar deles na produção de textos, ampliando, conteúdos
efetivamente, os instrumentos expressivos de que dispõe para
produzir textos adequados às finalidades e às especificidades Variação linguística
da situação interlocutiva. É importante reinvestir os conceitos
estudados em atividades mais complexas. A Língua Portuguesa é uma unidade composta de muitas
Um dos aspectos fundamentais da prática de análise variedades. O aluno, ao entrar na escola, já sabe pelo menos
linguística é a refacção dos textos produzidos pelos alunos. uma dessas variedades — aquela que aprendeu pelo fato de
Tomando como ponto de partida o texto produzido pelo aluno, estar inserido em uma comunidade de falantes. Certamente,
o professor pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às ele é capaz de perceber que as formas da língua apresentam
características estruturais dos diversos tipos textuais como variação e que determinadas expressões ou modos de dizer
também os aspectos gramaticais que possam instrumentalizar o podem ser apropriados para certas circunstâncias, mas não para
aluno no domínio da modalidade escrita da língua. outras. Sabe, por exemplo, que existem formas mais ou menos
Cabe ao professor desenvolver, na análise das redações, a delicadas de se dirigir a alguém, falas mais cuidadas e refletidas,
sensibilidade para os fatos linguísticos, perguntando-se sempre: falas cerimoniosas. Pode ser que saiba, inclusive, que certos
o que me leva a corrigir esta ou aquela forma? O que me leva falares são discriminados e, eventualmente, até ter vivido essa
a sugerir mudanças no texto? Como fazê-lo sem discriminar experiência.
a linguagem dos alunos? Sobre que aspecto devo insistir Frente aos fenômenos da variação, não basta somente uma
inicialmente? Como levar os alunos a saber avaliar a adequação mudança de atitudes; a escola precisa cuidar para que não se
do uso de uma forma ou de outra? reproduza em seu espaço a discriminação linguística. Desse
Os procedimentos a seguir sugerem encaminhamentos modo, não pode tratar as variedades linguísticas que mais se
possíveis para a tarefa. afastam dos padrões estabelecidos pela gramática tradicional e
- Seleção de um dos textos produzidos pelos alunos, que das formas diferentes daquelas que se fixaram na escrita como
seja representativo das dificuldades coletivas e apresente se fossem desvios ou incorreções. E não apenas por uma questão
possibilidades para discussão dos aspectos priorizados e metodológica: é enorme a gama de variação e, em função dos
encaminhamento de soluções. usos e das mesclas constantes, não é tarefa simples dizer qual é
- Apresentação do texto para leitura, transcrevendo-o na a forma padrão (efetivamente, os padrões também são variados
lousa, reproduzindo-o, usando papel, transparências ou a tela e dependem das situações de uso). Além disso, os padrões
do computador. próprios da tradição escrita não são os mesmos que os padrões
- Análise e discussão de problemas selecionados. Em função de uso oral, ainda que haja situações de fala orientadas pela
da complexidade da tarefa, não é possível explorar todos os escrita.
aspectos a cada vez. Para que o aluno possa aprender com a A discriminação de algumas variedades linguísticas, tratadas
experiência, é importante selecionar alguns, propondo questões de modo preconceituoso e anticientífico, expressa os próprios
que orientem o trabalho. A revisão exaustiva deve ser reservada conflitos existentes no interior da sociedade. Por isso mesmo,
para situações em que a produção do texto esteja articulada a o preconceito linguístico, como qualquer outro preconceito,
algum projeto que implique sua circulação. resulta de avaliações subjetivas dos grupos sociais e deve ser
- Registro das respostas apresentadas pelos alunos às combatido com vigor e energia. É importante que o aluno, ao
questões propostas e discussão das diferentes possibilidades em aprender novas formas linguísticas, particularmente a escrita

Conhecimentos Específicos 74
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
e o padrão de oralidade mais formal orientado pela tradição para a constituição do sentido. E, por outro, que, dificilmente,
gramatical, entenda que todas as variedades linguísticas são podemos dizer o que uma palavra significa, tomando-a
legítimas e próprias da história e da cultura humana. isoladamente: o sentido, em geral, decorre da articulação
Para isso, o estudo da variação cumpre papel fundamental da palavra com outras na frase e, por vezes, na relação com o
na formação da consciência linguística e no desenvolvimento exterior linguístico, em função do contexto situacional.
da competência discursiva do aluno, devendo estar A seguir são indicadas atividades que podem orientar
sistematicamente presente nas atividades de Língua Portuguesa. o aluno na construção de relações lexicais, de modo a,
A seguir relacionam-se algumas propostas de atividades que progressivamente, construir um conjunto de estratégias de
permitem explorar mais intensamente questões de variação manipulação e processamento das palavras:
linguística:
- transcrição de textos orais, gravados em vídeo ou cassete, - explorar ativamente um corpus que apresente palavras
para permitir identificação dos recursos linguísticos próprios da que tenham o mesmo afixo ou desinência, para determinar o
fala; significado de unidades inferiores à palavra;
- edição de textos orais para apresentação, em gênero da - aplicar os mecanismos de derivação e construir famílias de
modalidade escrita, para permitir que o aluno possa perceber palavras;
algumas das diferenças entre a fala e a escrita; - apresentar textos lacunados para, por meio das propriedades
- análise da força expressiva da linguagem popular na semânticas e das restrições selecionais, explicitar a natureza do
comunicação cotidiana, na mídia e nas artes, analisando termo ausente;
depoimentos, filmes, peças de teatro, novelas televisivas, música - apresentar um conjunto de hipônimos e pedir ao aluno para
popular, romances e poemas; apresentar o hiperônimo correspondente;
- levantamento das marcas de variação linguística ligadas a - apresentar um conjunto de palavras em que uma não é
gênero, gerações, grupos profissionais, classe social e área de hipônimo e pedir que o aluno a exclua, explicitando suas razões;
conhecimento, por meio da comparação de textos que tratem - inventariar as palavras de determinado campo semântico,
- de um mesmo assunto para públicos com características presentes em determinado texto, e analisar os efeitos de sentido
diferentes: obtidos com o emprego;
- elaboração de textos procurando incorporar na redação - inventariar as palavras de determinada variedade ou
traços da linguagem de grupos específicos; registro, presentes em um texto, e analisar os efeitos obtidos com
- estudo de textos em função da área de conhecimento, o emprego;
identificando jargões próprios da atividade em análise; - identificar, em textos, palavras ou expressões que instalam
- comparação de textos sobre o mesmo tema veiculados em pressuposições e subentendidos e analisar as implicações
diferentes publicações (por exemplo, uma matéria sobre meio discursivas;
ambiente para uma revista de divulgação científica e outra para - identificar eanalisar a funcionalidade de empregos figurados
o suplemento infantil); de palavras ou expressões;
- comparação entre textos sobre o mesmo tema, produzidos - identificar os termos-chave de um texto, vinculando-os a
em épocas diferentes; redes semânticas que permitam a produção de esquemas e de
- comparação de duas traduções de um mesmo texto original, resumos.
analisando as escolhas estilísticas feitas pelos tradutores;
- comparação entre um texto original e uma versão adaptada Todos esses procedimentos precisam ser incorporados à
do mesmo texto, analisando as mudanças produzidas; produção textual. A elaboração de paráfrases e de resumos
- comparação de textos de um mesmo autor, produzido em permite a criação de boas oportunidades para a discussão a
condições diferentes (um artigo para uma revista acadêmica e respeito das escolhas lexicais e de suas implicações semântico-
outro para uma revista de vulgarização científica); discursivas. Indiscutivelmente, a prática de refacção mobiliza
- análise de fatos de variação presentes nos textos dos alunos; intenso trabalho com essas questões. Não se trata de estimular
- análise e discussão de textos de publicidade ou de imprensa o uso de palavras difíceis ou raras, mas de apreciar as escolhas
que veiculem qualquer tipo de preconceito linguístico; em função da situação interlocutiva e dos efeitos de sentido que
- análise comparativa entre registro da fala ou de escrita e os se quer produzir.
preceitos normativos estabelecidos pela gramática tradicional.
Ortografia
Léxico
Infelizmente, a ortografia ainda vem sendo tratada, na
O trabalho com o léxico não se reduz a apresentar sinônimos maioria das escolas do ensino fundamental, por meio de
de um conjunto de palavras desconhecidas pelo aluno. Isolando atividades de identificação, correção de palavra errada, seguidas
a palavra e associando-a a outra apresentada como idêntica, de cópia e de enfadonhos exercícios de preenchimento de
acaba-se por tratar a palavra como “portadora de significado lacunas.
absoluto”, e não como índice para a construção do sentido, Entretanto, é possível desenvolver um trabalho que permita
já que as propriedades semânticas das palavras projetam ao aluno descobrir o funcionamento do sistema grafo-fonêmico
restrições selecionais. Esse tratamento, que privilegia apenas da língua e as convenções ortográficas, analisando as relações
os itens lexicais (substantivos, adjetivos, verbos e advérbios), entre a fala e a escrita, as restrições que o contexto impõe ao
acaba negligenciando todo um outro grupo de palavras com emprego das letras, os aspectos morfossintáticos, tratando a
função conectiva, que são responsáveis por estabelecer relações ortografia como porta de entrada para uma reflexão a respeito
e articulações entre as proposições do texto, o que contribui da língua, particularmente, da modalidade escrita.
muito pouco para ajudar o aluno na construção dos sentidos. Para que tal reflexão possa ocorrer, as estratégias de ensino
Considerando a densidade lexical dos universos devem se articular em torno de dois eixos:
especializados, em que a carga de sentidos novos supera a a) privilégio do que é “regular”, permitindo que, por meio
capacidade do receptor de processá-los, o domínio de amplo da manipulação de um conjunto de palavras, o aluno possa,
vocabulário cumpre papel essencial entre as habilidades do agrupando-as e classificando-as, inferir as regularidades que
leitor proficiente. A escola deve, portanto, organizar situações caracterizam o emprego de determinada letra;
didáticas para que o aluno possa aprender novas palavras e b) preferência, no tratamento das ocorrências “irregulares”,
empregá-las com propriedade. dos casos de frequência e maior relevância temática.
Do queseveio afirmando, é possível depreender um princípio O aprendizado de novas palavras, inclusive de sua forma
orientador: não são apenas as palavras difíceis que precisam gráfica, não se esgota nunca. Assim, mais do que investir em
ser objeto de estudo; a formação de glossários é, apenas, uma ações intensivas e pontuais, é preferível optar por um trabalho
das tarefas. É preciso entender, por um lado, que, ainda que se regular e frequente, articulado à seleção lexical imposta pelo
trate a palavra como unidade, muitas vezes ela é um conjunto de universo temático dos textos selecionados.
unidades menores (radicais, afixos, desinências) que concorrem

Conhecimentos Específicos 75
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Ainda que o trabalho com as formas regulares e irregulares promoção de eventos de leitura numa feira cultural ou exposição
precise ocorrer paralelamente, pois, nos textos lidos ou de trabalhos, coletânea de textos de um mesmo gênero (poemas,
produzidos, são empregados tanto o que é regular como o contos), livro sobre um tema pesquisado, revista sobre vários
que é irregular, é importante dar ênfase à construção das temas estudados, mural, jornal, folheto informativo etc.
regularidades. Afinal, não se aprende a escrever as palavras uma Além de oferecerem condições reais para a escuta, leitura
a uma. e produção de textos orais e escritos, os projetos carregam
Portanto, ao realizar atividades de análise e reflexão sobre a exigências de grande valor pedagógico, pois:
língua, os alunos necessitam: - criam a necessidade de ler e analisar grande variedade de
- identificar e analisar as interferências da fala na escrita, textos e suportes do tipo que se vai produzir: como se organizam,
principalmente em contextos de sílabas que fogem ao padrão que características possuem ou quais têm mais qualidade. Trata-
consoante/vogal; se de uma atividade de reflexão sobre aspectos próprios do
- explorar ativamente um corpus de palavras, para explicitar gênero que será produzido e de suas relações com o suporte;
as regularidades ortográficas no que se refere às regras - permitem que o aluno aprenda a produzir textos escritos
contextuais; mais adequados às condições de produção, pelo exercício que o
- explorar ativamente um corpus de palavras, para descobrir aluno-escritor realiza para ajustar o texto à imagem que faz do
as regularidades de natureza morfossintática, que, por serem leitor fisicamente ausente;
recorrentes, apresentam alto grau de generalização. Ao invés - colocam de maneira mais acentuada a necessidade de
de sobrecarregar o aluno com pesada metalinguagem (radical, refacção e de cuidado com o trabalho, pois, quando há leitores de
vogal temática, desinências, afixos), deve-se insistir no uso do fato para a escrita dos alunos, a legibilidade passa a ser objetivo
paradigma morfossintático para a construção de regularidades deles também, e não só do professor;
ortográficas; - permitem interseção entre conteúdos de diferentes áreas
- apoiar-se no conhecimento morfológico para resolver e/ou entre estes e o tratamento dos temas transversais nessas
questões de natureza ortográfica; áreas.
- analisar as restrições impostas pelo contexto e, em caso
de dúvida entre as possibilidades de preenchimento, adotar Módulos didáticos
procedimentos de consulta.
Para descobrir tais regularidades, é preciso deslocar-se do Módulos didáticos são sequências de atividades e exercícios,
texto, pois é muito difícil construir um inventário significativo organizados de maneira gradual para permitir que os alunos
de palavras a partir do léxico de um texto em particular e, ainda possam, progressivamente, apropriar-se das características
que fosse possível, o objetivo da proposta não é o funcionamento discursivas e linguísticas dos gêneros estudados, ao produzir
do léxico no texto, mas a própria composição gráfica ou seus próprios textos.
morfossintática da palavra. O planejamento dos módulos didáticos parte do diagnóstico
É sabido que: das capacidades iniciais dos alunos, permitindo identificar quais
a) a verbalização da regra não assegura o emprego instrumentos de ensino podem promover a aprendizagem e a
correto de palavras a ela relacionadas em textos produzidos; superação dos problemas apresentados. Assim, a organização
b) o bom desempenho em exercícios especialmente de sequências didáticas exige:
elaborados para tratar de questões ortográficas também não é - elaborar atividades sobre aspectos discursivose linguísticos
garantia de emprego correto em textos produzidos. do gênero priorizado, em função das necessidades apresentadas
Assim, a construção de regras ou as atividades preparadas pelos alunos;
para que o aluno possa se apropriar das regularidades - programar as atividades em módulos que explorem cada
descobertas não têm um fim em si mesmas. Se o objetivo é que um dos aspectos do conteúdo a serem trabalhados, procurando
os alunos escrevam com correção nos textos que produzem, é reduzir parte de sua complexidade a cada fase, considerando as
preciso reintroduzir as competências desenvolvidas no texto. possibilidades de aprendizagem dos alunos;
- deixar claro para os alunos as finalidades das atividades
ORGANIZAÇÕES DIDÁTICAS ESPECIAIS propostas;
- distribuir as atividades deensino num tempo que possibilite
Projetos a aprendizagem;
- planejar atividades em duplas ou em pequenos grupos,
A característica básica de um projeto é que ele tem um para permitir que a troca entre os alunos facilite a apropriação
objetivo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa dos conteúdos;
num produto final em função do qual todos trabalham e que - interagir com os alunos para ajudá-los a superar
terá, necessariamente, destinação, divulgação e circulação social dificuldades;
internamente na escola ou fora dela. Além disso, os projetos - elaborar com os alunos instrumentos de registro e síntese
permitem dispor do tempo de forma flexível, pois o tempo tem dos conteúdos aprendidos, que se constituirão em referências
o tamanho necessário para conquistar o objetivo: pode ser de para produções futuras;
alguns dias ou de alguns meses. Quando são de longa duração, - avaliar as transformações produzidas.
têm a vantagem adicional de permitir que os alunos se envolvam
no planejamento das atividades, aprendendo a controlar o Tecnologias da informação e Língua Portuguesa
tempo, dividir e redimensionar as tarefas, avaliar os resultados
em função do plano inicial. A afirmação de que a imagem substituiria a escrita é quase
Os projetos favorecem, assim, o necessário compromisso do lugar-comum. Desde a existência da televisão, afirma-se que
aluno com sua própria aprendizagem, pois contribuem muito o número de leitores diminui, à medida que aumenta o de
mais para o engajamento do aluno nas tarefas como um todo, do espectadores. Recentemente, o desenvolvimento tecnológico,
que quando essas são definidas apenas pelo professor. que tornou possível aproximar os lugares mais distantes com
São situações em que as atividades de escuta, leitura e o simples apertar de um botão, produziu a impressão de que a
produção de textos orais e escritos, bem como as de análise leitura e a escrita estavam com os dias contados.
linguística se inter-relacionam de forma contextualizada, pois A análise mais rigorosa da questão, na realidade atual, não
quase sempre envolvem tarefas que articulam essas diferentes coincide com tais previsões, pois a leitura e a escrita continuam
práticas, nas quais faz sentido, por exemplo, ler para escrever, muito presentes na sociedade e, em particular, no âmbito do
escrever para ler, decorar para representar ou recitar, escrever trabalho. Porém, não há como negar que as novas tecnologias
para não esquecer, ler em voz alta, falar para analisar depois etc. da informação cumprem cada vez mais o papel de mediar o que
Alguns exemplos de projetos: produção de fita cassete acontece no mundo, “editando” a realidade.
de contos ou poemas lidos para a biblioteca escolar ou para A presença crescente dos meios de comunicação na vida
outras instituições; produção de vídeos (ou fitas cassete) de cotidiana coloca, para a sociedade em geral e para a escola em
curiosidades gerais sobre assuntos estudados ou de interesse; particular, a tarefa de educar crianças e jovens para a recepção

Conhecimentos Específicos 76
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
dos meios. Para o desenvolvimento de uma ação mais efetiva, é É importante, ainda, no trabalho escolar, analisar
preciso ultrapassar alguns estereótipos e considerar que: criticamente a sedução do meio. Uma das possibilidades é a
- a relação dos receptores com os meios não é unilateral, mas produção de CD-ROMs pelos próprios alunos, que permite
mediada pela inserção social do sujeito e por suas estruturas revelar e compreender a funcionalidade de elementos presentes
cognitivas; na dinâmica do suporte para a representação do real: articulação
- a recepção é um processo, não é o ato de usar um meio. entre a linearidade do texto verbal e a possibilidade de abrir
Inicia-se antes dele, com as expectativas do sujeito, e segue-se janelas, possibilidade de introduzir informações suplementares
a ele, pois incorpora os comentários e discussões a respeito do em outras linguagens (preparação de imagens, de sons, de
que foi visto; animação) etc.
- o significado de um meio não é único, é produzido pelos
diversos receptores. O RÁDIO
Não se trata, porém, de tomar os meios como eventuais
recursos didáticos para o trabalho pedagógico, mas de O rádio, o mais abrangente veículo de comunicação presente
considerar as práticas sociais nas quais estejam inseridos para: no cotidiano, abre diversas possibilidades para o trabalho com
- conhecer a linguagem vide tecnológica própria desse meio; os sons e a palavra falada em Língua Portuguesa:
- analisar criticamente os conteúdos das mensagens, - estudando a programação das emissoras (AM/FM) e as
identificando valores e conotações que veiculam; marcas que caracterizam a fala dos diversos apresentadores e
- fortalecer a capacidade crítica dos receptores, avaliando as disc-jóqueis, por meio de gravações e transcrições;
mensagens; - analisando o rádio jornalismo e confrontando-o com outras
- produzir mensagens próprias, interagindo com os meios. mídias;
- produzindo programas radiofônicos com os alunos — a
O COMPUTADOR Rádio Recreio.

O processador de textos A TELEVISÃO


Eliminar, alterar, deslocar palavras, expressões e trechos são
tarefas que marcam as sucessivas rescrituras a que um texto Além das possibilidades de trabalho com a programação,
é submetido até a versão final. Tais tarefas encontram maior associadas ao videocassete gravando ou reproduzindo um
flexibilidade com o uso dos processadores de texto. Retirando programa específico, a TV pode introduzir ou complementar os
de tais tarefas o peso das sucessivas refacções, o usuário pode conteúdos trabalhados por meio do substrato educativo-cultural
concentrar-se na produção mais elaborada do texto de maneira da programação, como também abrir espaço para discutir
a atender a seus objetivos, sem o ônus de copiar inúmeras vezes temas que o veículo projeta para a sociedade, desenvolvendo a
as passagens que deseja manter. construção de valores que permitam recepção mais crítica.
O uso do corretor ortográfico durante o processo de revisão Algumas propostas para discutir o veículo:
não libera, como se poderia imaginar, o usuário das tarefas de - análise das transformações sofridas por uma obra literária
pensar acerca dasquestõesortográficas. Da simplesidentificação ao ser adaptada para a TV;
de caracteres incorretos, à decisão de incluir termos não - análise das transformações sofridas por um filme produzido
pertencentes ao inventário disponível, cabe ao usuário realizar para o cinema, ao ser transmitido na TV;
a escolha, confrontando sua forma com a opção sugerida pelo - identificação de relações de imitação-interpretação-
equipamento. É importante considerar ainda que há uma série adulteração da realidade;
de aspectos da chamada revisão das convenções da escrita que - análise da recepção e efeitos produzidos no receptor.
escapam da identificação: problemas envolvendo a segmentação
de palavras cujo resultado produza outras palavras possíveis na O VÍDEO
língua, por exemplo “com seguiu” (para conseguiu); aspectos
relativos à concordância e regência, ao emprego da pontuação Partindo do que toca os sentidos, a linguagem da TV e
que não dispensam a ação atenta do sujeito. vídeo responde à sensibilidade dos jovens. Projetando outras
Além disso, tais aplicativos possibilitam a obtenção de um realidades, outros tempos e espaços, no vídeo interagem
layout bastante próximo daquele usado nos textos impressos superpostas diversas linguagens: a visual, a falada, a sonora e até
de circulação social, pois permitem a seleção da fonte, dos a escrita, principalmente na legenda de filmes e nas traduções
caracteres, a distribuição do texto em colunas, a inclusão de de entrevistas.
gráficos e tabelas, a inserção de figuras, moldura etc. Isso torna O vídeo possibilita desenvolver múltiplas atitudes
possível a publicação de jornais, revistas, folhetos utilizando-se receptivas, pois permite que se interrompa a projeção para fazer
a editoração eletrônica. Produtos mais bem acabados são, sem um comentário; que se volte a fita, após a projeção, para rever
dúvida, fonte de satisfação para seus produtores. cenas importantes ou difíceis; que se passe quadro a quadro
Um outro aspecto interessante é a possibilidade de, imagens significativas; que se exiba a fita outras vezes para
estando conectado com alguma rede, poder destinar os textos apreciar aspectos relacionados à trilha sonora, efeitos visuais,
produzidos a leitores reais, ou interagir com outros colegas, diálogos etc.
também via rede, ampliando as possibilidades de interlocução Pode ser usado de muitas formas em sala de aula:
por meio da escrita e permitindo acesso on line ao conhecimento - como ponto de partida para a introdução de um tema;
enciclopédico acumulado pela humanidade. - como exemplo de aspectos relacionados ao assunto
Há uma série de softwares disponíveis no mercado, discutido em classe;
produzidos com a finalidade de trabalhar aspectos específicos - para registro e documentação de projetos desenvolvidos;
de Língua Portuguesa. Como qualquer recurso didático, - para que os alunos realizem produções em vídeo:
devem ser analisados com cuidado e selecionados em função encenações, programas informativos, entrevistas;
das necessidades colocadas pelas situações de ensino e de - como avaliação, permitindo o exame de exposições orais;
aprendizagem. - como suporte da televisão e do cinema:
CD-ROM, multimídia e hipertexto - gravando programas para utilização em classe;
Por combinarem diferentes linguagens e atividades - exibindo filmes de longa-metragem e documentários
multidisciplinares,favorecemaconstruçãodeumarepresentação relacionados a aspectos do trabalho desenvolvido;
não-linear do conhecimento, permitindo que cada um, segundo - exibindo filmes baseados em obras literárias lidas para
seu ritmo e interesse, possa dirigir sua aprendizagem: buscando comparação das diferentes linguagens.
informação complementar, selecionando em um texto uma
ligação com outro documento, por uma palavra ou expressão Ensino, aprendizagem e avaliação
ressaltada; buscando representações em outras linguagens
– imagem, som, animação – com as quais pode interagir na
construção de uma representação mais realista.

Conhecimentos Específicos 77
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
A AVALIAÇÃO NA PRÁTICA EDUCATIVA dos conteúdos. Critérios claramente definidos e compartilhados
permitem tanto ao professor tornar sua prática mais eficiente
A avaliação deve ser compreendida como conjunto de ações pela possibilidade de obter indicadores mais confiáveis sobre o
organizadas com a finalidade de obter informações sobre o que o processo de aprendizagem quanto permitem aos alunos centrar
aluno aprendeu, de que forma e em quais condições. Para tanto, sua atenção nos aspectos focalizados, o que, em geral, confere a
é preciso elaborar um conjunto de procedimentos investigativos sua produção melhor qualidade.
que possibilitem o ajuste e a orientação da intervenção Neste documento, serão apresentados critérios que têm
pedagógica para tornar possível o ensino e a aprendizagem de como referência os objetivos especificados para o terceiro e
melhor qualidade. quarto ciclos e representam as aprendizagens imprescindíveis
Deve funcionar, por um lado, como instrumento que ao final desse período, possíveis e desejáveis à imensa maioria
possibilite ao professor analisar criticamente sua prática dos alunos submetidos a um ensino como o proposto. Não
educativa; e, por outro, como instrumento que apresente ao são, portanto, coincidentes com todas as expectativas de
aluno a possibilidade de saber sobre seus avanços, dificuldades aprendizagem. Estas estão expressas nos objetivos, cuja função
e possibilidades. Nesse sentido, deve ocorrer durante todo o é orientar o ensino.
processo de ensino e aprendizagem, e não apenas em momentos Os critérios de avaliação referem-se ao que é necessário
específicos caracterizados como fechamento de grandes etapas aprender, enquanto os objetivos, ao que é possível aprender.
de trabalho. Os critérios não podem, de forma alguma, ser tomados como
A avaliação deve ser compreendida como constitutiva da objetivos, pois isso representaria injustificável rebaixamento
prática educativa, dado que é a análise das informações obtidas da oferta de ensino e, consequentemente, a não garantia da
ao longo do processo de aprendizagem – o que os alunos sabem conquista das aprendizagens consideradas essenciais.
e como – que possibilita ao professor a organização de sua ação Para avaliar, segundo os critérios estabelecidos, é necessário
de maneira adequada e com melhor qualidade. considerar indicadores bastante precisos que sirvam para
Por caracterizar-se como uma resposta à compreensão identificar, de fato, as aprendizagens realizadas. No entanto, é
que o aluno tem sobre os aspectos do conhecimento a serem importante não perder de vista que um progresso relacionado a
trabalhados, é, também, responsiva, atuando como elemento um critério específico pode manifestar-se de diferentes formas,
balizador das pautas interacionais e das intervenções em diferentes alunos, e que uma mesma ação pode, para um
pedagógicas, sendo dialeticamente constitutiva dos sujeitos aluno, indicar avanço em relação a um critério estabelecido e,
envolvidos no processo de aprendizagem. para outro, não. Por isso, além de necessitarem de indicadores
A avaliação precisa acontecer num contexto em que seja precisos, os critérios de avaliação devem ser tomados em seu
possibilitada ao aluno a reflexão tanto sobre os conhecimentos conjunto, considerados de forma contextual e analisados à luz
construídos – o que sabe –, quanto sobre os processos pelos dos objetivos que realmente orientaram o ensino oferecido aos
quais isso ocorreu – como conseguiu aprender. Ao identificar o alunos.
que sabe, o aluno tem a possibilidade de delimitar o que precisa, É nesse contexto, portanto, que os critérios de avaliação
ainda, aprender. Ao reconhecer como conseguiu aprender, o devem ser compreendidos: por um lado, como aprendizagens
aluno tem a possibilidade de descobrir que podem existir outros indispensáveis ao final de um período. Por outro, como
modos de aprender, conhecer e de fazer. A apropriação de novos referências que permitem – se comparados aos objetivos do
conceitos e procedimentos permite que o aluno possa realizar as ensino e ao conhecimento prévio com que o aluno iniciou a
atividades propostas com maior eficiência e autonomia. Nesse aprendizagem – a análise de seus avanços ao longo do processo,
sentido, a avaliação precisa ser compreendida como reflexiva e considerando que as manifestações desses avanços não são
autonomizadora. lineares, nem idênticas, em diferentes sujeitos.
Finalmente, é necessário considerar que os critérios
Ao se avaliar, devem-se buscar informações não apenas indicados neste documento são adequados e úteis para avaliar
referentes ao tipo de conhecimento que o aluno construiu, mas a aprendizagem de alunos submetidos a práticas educativas
também e, sobretudo, responder a questões sobre por que os orientadas pelos princípios teóricos e metodológicos aqui
alunos aprenderam o que aprenderam naquela situação de especificados. A adoção destes critérios pressupõe a adoção
aprendizagem, como aprenderam, o que mais aprenderam também dos objetivos propostos nos Parâmetros Curriculares
e o que deixaram de aprender. Para isso, o professor precisa Nacionais e, às adaptações dos objetivos que cada equipe
construir formas de registro qualitativamente diferentes das escolar julgar necessárias, precisam corresponder adaptações
que têm sido utilizadas tradicionalmente pela escola, para obter dos critérios.
informações relevantes para a organização da ação pedagógica.
É necessário, também, que o aluno seja informado de DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO DA
maneira qualitativamente diferente das já usuais sobre o que APRENDIZAGEM
precisa aprender, o que precisa saber fazer melhor.
Assim, as anotações, correções e comentários do professor - Demonstrar compreensão de textos orais, nos gêneros
sobre as produções do aluno devem oferecer indicações claras previstos para o ciclo, por meio de retomada dos tópicos do
para que este possa efetivamente melhorar. texto.
Além disso, para a constituição da autonomia do aluno, Espera-se que o aluno realize, oralmente ou por escrito,
coloca-se a necessidade de construção de instrumentos de retomadas de textos ouvidos (resumo, por exemplo), de forma
autoavaliação que lhe possibilitem a tomada de consciência que sejam preservadas as ideias principais. Nesse processo,
sobre o que sabe, o que deve aprender, o que precisa saber fazer devem ser considerados possíveis efeitos de sentido produzidos
melhor e que favoreçam maior controle da atividade, a partir da por elementos não-verbais e que sejam utilizados como apoio,
autoanálise de seu desempenho. quando for o caso, registros escritos realizados durante a escuta.
A avaliação não é, portanto, unilateral ou monológica, - Atribuir sentido a textos orais e escritos, posicionando-se
mas dialógica. Deve realizar-se num espaço em que sejam criticamente diante deles.
considerados aquele que ensina, aquele que aprende e a relação Espera-se que o aluno, a partir da identificação do ponto
intrínseca que se estabelece entre todos os participantes do de vista que determina o tratamento dado ao conteúdo,
processo de aprendizado. Portanto, não se aplica apenas ao aluno, possa confrontar o texto lido com outros textos e opiniões,
considerando unicamente as expectativas de aprendizagem, mas posicionando-se criticamente diante dele.
aplica-se às condições oferecidas para que isso ocorra: avaliar a - Ler de maneira independente textos com os quais tenha
aprendizagem implica avaliar também o ensino oferecido. construído familiaridade.
Espera-se que o aluno leia, sem que precise da ajuda de
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO terceiros, textos que demandem conhecimentos familiares,
tanto no que se refere ao gênero quanto ao tema abordado.
Os objetivos do ensino balizam a avaliação. São eles que - Compreender textos a partir do estabelecimento de
permitem a elaboração de critérios para avaliar a aprendizagem relações entre diversos segmentos do próprio texto e entre o

Conhecimentos Específicos 78
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
exto e outros diretamente implicados por ele. especial. Espera-se que o aluno produza textos ortograficamente
Espera-se que o aluno, no processo de leitura, consiga corretos, considerando casos não regulares apenas em palavras
articular informações presentes nos diferentes segmentos de de frequência alta, sabendo utilizar o dicionário e outras fontes
um texto e estabeleça relações entre o texto e outros aos quais impressas para resolver as dúvidas relacionadas às demais
esse primeiro possa se referir, mesmo que indiretamente, ainda irregularidades.
que a partir de informações oferecidas pelo professor. - Revisar os próprios textos com o objetivo de aprimorá-los.
- Selecionar procedimentos de leitura adequados a Espera-se que o aluno, tanto durante a produção dos textos
diferentes objetivos e interesses (estudo, formação pessoal, quanto após terminá-los, analise-os e revise-os em função dos
entretenimento, realização de tarefa) e a características do objetivos estabelecidos, da intenção comunicativa, e do leitor
gênero e suporte. a que se destina, redigindo tantas versões quantas forem
Espera-se que o aluno seja capaz de ajustar sua leitura a necessárias para considerar o texto bem escrito. Espera-se que,
diferentes objetivos utilizando os procedimentos adequados nesse processo, o aluno incorpore os conhecimentos discutidos
— leitura extensiva, inspecional, tópica, de revisão, item a item e produzidos na prática de análise linguística.
—, consideradas as especificidades do gênero no qual o texto se - Utilizar os conceitos e procedimentos constituídos na
organiza e do suporte. prática de análise linguística.
- Coordenar estratégias de leitura não-lineares utilizando Espera-se que o aluno opere com os procedimentos
procedimentosadequadospararesolverdúvidasnacompreensão metodológicos empregados na análise dos fatos da linguagem
e articulando informações textuais com conhecimentos prévios. (elaboração de inventário, classificação, comparação,
Espera-se que o aluno, ao realizar uma leitura, utilize levantamento de regularidades, organização de registro), bem
coordenadamente procedimentos necessários para a como utilize os conceitos referentes à delimitação e identificação
compreensão do texto. Assim, se realizou uma antecipação de unidades, à compreensão das relações estabelecidas entre as
ou inferência, é necessário que busque no texto pistas que unidades e às funções discursivas associadas a elas no contexto,
confirmem ou não a antecipação ou inferência realizada. Da empregando uma metalinguagem quando esta se revelar
mesma forma, espera-se que o aluno, a partir da articulação funcional.
entre seus conhecimentos prévios e as informações textuais, Questão
deduza do texto informações implícitas.
- Produzir textos orais nos gêneros previstos para o ciclo, 01. (Prefeitura de Congonhas – MG - Professor -
considerando as especificidades das condições de produção. Língua Portuguesa – CONSULPLAN) Segundo os Parâmetros
Espera-se que o aluno produza textos orais, planejando-os Curriculares Nacionais (PCN’s) a disciplina Língua Portuguesa
previamente em função dos objetivos estabelecidos, com apoio é apresentada:
da linguagem escrita e de recursos gráficos, quando for o caso. (A) Como Língua Moderna, inserindo na mesma o conteúdo
Nesse processo, espera-se que sejam considerados os seguintes Arte.
aspectos: as especificidades do gênero, os papéis assumidos (B) Como desenvolvimento de competências específicas de
pelos interlocutores na situação comunicativa, possíveis efeitos representações.
de sentido produzidos por elementos não-verbais, a utilização (C) Para desenvolver o vocabulário dos sujeitos, visando à
da variedade linguística adequada. Espera-se, ainda, que o aluno formação para a cidadania.
consiga monitorar seu desempenho durante o processo de (D) Para desenvolver a codificação e decodificação de
produção, em função da reação dos interlocutores. símbolos.
- Redigir textos na modalidade escrita nos gêneros previstos (E) Como constitutiva da área de Linguagens, códigos e suas
para o ciclo, considerando as especificidades das condições de tecnologias
produção. Resposta
Espera-se que o aluno produza textos considerando as
finalidades estabelecidas, as especificidades do gênero e 01. Resposta: E
do suporte, os papéis assumidos pelos interlocutores, os Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) a
conhecimentos presumidos do interlocutor, bem como as disciplina Língua Portuguesa:
restrições impostas pelos lugares de circulação previstos para - compõem esta área de conhecimento e têm por objetivo
o texto. tornar o aluno capaz de aplicar as tecnologias da comunicação
- Escrever textos coerentes e coesos, observando as e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos
restrições impostas pelo gênero. relevantes para suavida; conhecere usar língua(s) estrangeira(s)
Espera-se que o aluno produza textos, procurando garantir: a moderna(s) como instrumento de acesso a informações;
relevância das informações em relação ao tema e aos propósitos compreender e usar a linguagem corporal; compreender a arte
do texto; a continuidade temática; a explicitação de dados ou como saber cultural e estético, analisar, interpretar e aplicar
premissas indispensáveis à interpretação; a explicitação de recursos expressivos das linguagens, compreender e usar os
relações entre expressões pela utilização de recursos linguísticos sistemas simbólicos das diferentes linguagens, compreender
apropriados (retomadas, anáforas, conectivos). Espera-se, e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora
também, que o aluno saiba avaliar a pertinência da utilização de significação e integradora da organização do mundo e da
de recursos que não sejam próprios da modalidade escrita da própria identidade. Ou seja, o Texto é apenas um exemplo de
linguagem, analisando possíveis efeitos de sentido produzidos utilização da Língua Portuguesa, sem influenciar em nada para
por esses recursos. Resolução da Questão, acredito que este texto esteja ligado
- Redigir textos utilizando alguns recursos próprios do a outros quesitos, caso contrário é apenas um artificio para o
padrão escrito relativos à paragrafação, pontuação e outros candidato perder seu precioso tempo de Prova.
sinais gráficos, em função do projeto textual.
Espera-se que o aluno, ao redigir textos, coerentemente
com o projeto textual em desenvolvimento, saiba organizá- Base Nacional Comum Curricular.
los em parágrafos, estruturando adequadamente os períodos
e utilizando recursos do sistema de pontuação e outros sinais
gráficos.
- Escrever textos sabendo utilizar os padrões da escrita, BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)1
observando regularidades linguísticas e ortográficas.
Espera-se que o aluno empregue adequadamente os tempos APRESENTAÇÃO
verbais em função de sequências textuais; que estabeleça Ao homologar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
as relações lógico-temporais, utilizando adequadamente os para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, o Brasil inicia
conectivos; e que faça a concordância verbal e nominal, inclusive uma nova era na educação brasileira e se alinha aos melhores e
em casos em que haja inversão sintática ou distanciamento entre mais qualificados sistemas educacionais do mundo.
sujeito e verbo, desconsiderando-se os casos de concordância
1 http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf

Conhecimentos Específicos 79
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Prevista na Constituição de 1988, na LDB de 1996 e no fragmentação das políticas educacionais, enseje o fortalecimento
Plano Nacional de Educação de 2014, a BNCC foi preparada do regime de colaboração entre as três esferas de governo e
por especialistas de cada área do conhecimento, com a valiosa seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da
participação crítica e propositiva de profissionais de ensino e garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que
da sociedade civil. Em abril de 2017, considerando as versões sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de
anteriores do documento, o Ministério da Educação (MEC) aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC
concluiu a sistematização e encaminhou a terceira e última é instrumento fundamental.
versão ao Conselho Nacional de Educação (CNE). A BNCC pôde Ao longo da Educação Básica, as aprendizagens essenciais
então receber novas sugestões para seu aprimoramento, por definidas na BNCC devem concorrer para assegurar aos
meio das audiências públicas realizadas nas cinco regiões do estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais,
País, com participação ampla da sociedade. que consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de
É com muita satisfação que apresentamos o resultado aprendizagem e desenvolvimento.
desse grande avanço para a educação brasileira. A BNCC é um Na BNCC, competência é definida como a mobilização
documento plural, contemporâneo, e estabelece com clareza o de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades
conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores
todos os estudantes, crianças, jovens e adultos, têm direito. para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
Com ela, redes de ensino e instituições escolares públicas e exercício da cidadania e do mundo do trabalho.
particulares passam a ter uma referência nacional obrigatória Ao definir essas competências, a BNCC reconhece que a
para a elaboração ou adequação de seus currículos e propostas “educação deve afirmar valores eestimular ações quecontribuam
pedagógicas. Essa referência é o ponto ao qual se quer chegar para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana,
em cada etapa da Educação Básica, enquanto os currículos socialmente justa e, também, voltada para a preservação da
traçam o caminho até lá. natureza” (BRASIL, 2013) 4, mostrando-se também alinhada à
Trata-se, portanto, da implantação de uma política Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) 5.
educacional articulada e integrada. Para isso, o MEC será É imprescindível destacar que as competências gerais da
parceiro permanente dos Estados, do Distrito Federal e dos BNCC, apresentadas a seguir, inter-relacionam-se e desdobram-
municípios, trabalhando em conjunto para garantir que as se no tratamento didático proposto para as três etapas da
mudanças cheguem às salas de aula. As instituições escolares, as Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e
redes de ensino e os professores serão os grandes protagonistas Ensino Médio), articulando-se na construção de conhecimentos,
dessa transformação. no desenvolvimento de habilidades e na formação de atitudes e
A BNCC expressa o compromisso do Estado Brasileiro com valores, nos termos da LDB.
a promoção de uma educação integral voltada ao acolhimento,
reconhecimento e desenvolvimento pleno de todos os COMPETÊNCIAS GERAIS DA BASE NACIONAL COMUM
estudantes, com respeito às diferenças e enfrentamento à CURRICULAR
discriminação e ao preconceito. Assim, para cada uma das redes 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente
de ensino e das instituições escolares, este será um documento construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital
valioso tanto para adequar ou construir seus currículos como para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e
para reafirmar o compromisso de todos com a redução das colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática
desigualdades educacionais no Brasil e a promoção da equidade e inclusiva.
e da qualidade das aprendizagens dos estudantes brasileiros. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem
própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a
1. INTRODUÇÃO análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar
Base Nacional Comum Curricular causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base
de caráter normativo que define o conjunto orgânico e nos conhecimentos das diferentes áreas.
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas
alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades e culturais, das locais às mundiais, e também participar de
da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-
com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital
documento normativo aplica-se exclusivamente à educação –, bem como conhecimentosdas linguagens artística, matemática
escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e científica, para se expressar e partilhar informações,
e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996) 2, e está experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
à formação humana integral e à construção de uma sociedade 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de
justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas informação e comunicação de forma crítica, significativa,
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN)3. reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as
Referência nacional para a formulação dos currículos dos escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer
e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
escolares, a BNCC integra a política nacional da Educação 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais
Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe
e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentes à possibilitem entender as relações próprias do mundo do
formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e
educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
adequada para o pleno desenvolvimento da educação. crítica e responsabilidade.
Nesse sentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações
2 BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as dire-
trizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro 4 BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Repú-
de 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. blica. Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação em Direitos Hu-
Acesso em: 23 mar. 2017. manos: Diretrizes Nacionais. Brasília: Coordenação Geral de Educação em SDH/
3 BRASIL. Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica; Se- PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Hu-
cretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão; Secretaria manos, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index. php?option=com_
de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional de Educação; Câmara docm a n&vie w= downl oad&a lias=3 2131 -e duca ca o -dh-diret rizes na ciona is-
de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 23 mar. 2017.
Brasília: MEC; SEB; DICEI, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index. 5 ONU. Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo:
php?option=com_docman&view=download&alias=13448diretrizes -curiculares-na- a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: < https://nacoe -
cionais-2013-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 16 out. 2017. sunidas.org/pos2015/ agenda2030/>. Acesso em: 7 nov. 2017.

Conhecimentos Específicos 80
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de CNE/CEB nº 7/20107.
vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos Em 2014, a Lei nº 13.005/20148 promulgou o Plano Nacional
humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável de Educação (PNE), que reitera a necessidade de estabelecer e
em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em implantar, mediante pactuação interfederativa [União, Estados,
relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. Distrito Federal e Municípios], diretrizes pedagógicas para a
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física educação básica e a base nacional comum dos currículos, com
e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as)
reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e Médio,
capacidade para lidar com elas. respeitadas as diversidades regional, estadual e local (BRASIL,
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e 2014).
a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao Nesse sentido, consoante aos marcos legais anteriores, o PNE
outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização afirma a importância de uma base nacional comum curricular
da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, para o Brasil, com o foco na aprendizagem como estratégia para
identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de fomentar a qualidade da Educação Básica em todas as etapas
qualquer natureza. e modalidades (meta 7), referindo-se a direitos e objetivos de
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, aprendizagem e desenvolvimento.
responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, Em 2017, com a alteração da LDB por força da Lei
tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, nº 13.415/2017, a legislação brasileira passa a utilizar,
inclusivos, sustentáveis e solidários. concomitantemente, duas nomenclaturas para se referir às
finalidades da educação:
Os marcos legais que embasam a BNCC Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá
A Constituição Federal de 19886 , em seu Artigo 205, direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio,
reconhece a educação como direito fundamental compartilhado conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas
entre Estado, família e sociedade ao determinar que a educação, seguintes áreas do conhecimento [...]
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida Art. 36. § 1º A organização das áreas de que trata o caput
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno e das respectivas competências e habilidades será feita de
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino
cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). (BRASIL, 20179; ênfases adicionadas).
Para atender a tais finalidades no âmbito da educação Trata-se, portanto, de maneiras diferentes e intercambiáveis
escolar, a Carta Constitucional, no Artigo 210, já reconhece a para designar algo comum, ou seja, aquilo que os estudantes
necessidade de que sejam “fixados conteúdos mínimos para o devem aprender na Educação Básica, o que inclui tanto os
ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica saberes quanto a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los.
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais” (BRASIL, 1988). Os fundamentos pedagógicos da BNCC
Com base nesses marcos constitucionais, a LDB, no Inciso Foco no desenvolvimento de competências
IV de seu Artigo 9º, afirma que cabe à União estabelecer, em O conceito de competência, adotado pela BNCC, marca a
colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, discussão pedagógica e social das últimas décadas e pode ser
competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino inferido no texto da LDB, especialmente quando se estabelecem
Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e as finalidades gerais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica (Artigos 32 e 35).
comum (BRASIL, 1996; ênfase adicionada). Além disso, desde as décadas finais do século XX e ao
Nesse artigo, a LDB deixa claros dois conceitos decisivos longo deste início do século XXI10, o foco no desenvolvimento
para todo o desenvolvimento da questão curricular no Brasil. O de competências tem orientado a maioria dos Estados e
primeiro, já antecipado pela Constituição, estabelece a relação Municípios brasileiros e diferentes países na construção
entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria de seus currículos11. É esse também o enfoque adotado nas
curricular: as competências e diretrizes são comuns, os avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e
currículos são diversos. O segundo se refere ao foco do Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa
currículo. Ao dizer que os conteúdos curriculares estão a serviço Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês)12,
do desenvolvimento de competências, a LDB orienta a definição 7 BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmera de Educação Básica.
das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos Parecer nº 7, de 7 de abril de 2010. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para
mínimos a ser ensinados. Essas são duas noções fundantes da a Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de julho de 2010, Seção 1, p.
BNCC. 10. Disponível em: <http://pactoensinomedio. mec. gov.br/images/pdf/pceb007_10.
pdf>. Acesso em: 23 mar. 2017.
A relação entre o que é básico-comum e o que é diverso é 8 BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacio-
retomada no Artigo 26 da LDB, que determina que os currículos nal de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 26
da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio de junho de 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
devem ter base nacional comum, a ser complementada, em 2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 23 mar. 2017.
cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por 9 BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
uma parte diversificada, exigida pelas características regionais
nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção
e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educa-
(BRASIL, 1996; ênfase adicionada). ção, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452,
Essa orientação induziu à concepção do conhecimento de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a
curricular contextualizado pela realidade local, social e Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementa-
ção de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília,
individual da escola e do seu alunado, que foi o norte das
17 de fevereiro de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
diretrizes curriculares traçadas pelo Conselho Nacional de ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Educação (CNE) ao longo da década de 1990, bem como de sua 10 Segundo a pesquisa elaborada pelo Cenpec, das 16 Unidades da Federa-
revisão nos anos 2000. ção cujos documentos curriculares foram analisados, 10 delas explicitam uma visão
Em 2010, o CNE promulgou novas DCN, ampliando e de ensino por competências, recorrendo aos termos “competência” e “habilidade” (ou
organizando o conceito de contextualização como “a inclusão, equivalentes, como “capacidade”, “expectativa de aprendizagem” ou “o que os alunos
devem aprender”). “O ensino por competências aparece mais claramente derivado
a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade dos PCN” (p. 75). CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura
e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias e Ação Comunitária. Currículos para os anos finais do Ensino Fundamental:
manifestações de cada comunidade”, conforme destaca o Parecer concepções, modos de implantação e usos. São Paulo: Cenpec, 2015. Disponível em:
<http://www.cenpec.org.br/ wp-content/uploads/2015/09/Relatorio_Pesquisa_
Curriculos_EF2_Final.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2017.
6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 11 Austrália, Portugal, França, Colúmbia Britânica, Polônia, Estados Uni-
Brasília, DF: Senado Federal, 1988 . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ dos da América, Chile, Peru, entre outros.
ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado. htm>. Acesso em: 23 mar. 2017. 12 OECD. Global Competency for an Inclusive World. Paris: OECD, 2016.

Conhecimentos Específicos 81
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e O pacto interfederativo e a implementação da BNCC
a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório
Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a Base Nacional Comum Curricular: igualdade, diversidade
América Latina (LLECE, na sigla em espanhol)13. e equidade
Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões No Brasil, um país caracterizado pela autonomia dos
pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento entes federados, acentuada diversidade cultural e profundas
de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos desigualdades sociais, os sistemas e redes de ensino devem
devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, construir currículos, e as escolas precisam elaborar propostas
habilidades, atitudes evalores) e, sobretudo, doquedevem “saber pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades
fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, e os interesses dos estudantes, assim como suas identidades
habilidades, atitudes e valores para resolver demandas linguísticas, étnicas e culturais.
complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e Nesse processo, a BNCC desempenha papel fundamental,
do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece pois explicita as aprendizagens essenciais que todos os
referências para o fortalecimento de ações que assegurem as estudantes devem desenvolver e expressa, portanto, a
aprendizagens essenciais definidas na BNCC. igualdade educacional sobre a qual as singularidades devem
ser consideradas e atendidas. Essa igualdade deve valer também
O compromisso com a educação integral para as oportunidades de ingresso e permanência em uma
A sociedade contemporânea impõe um olhar inovador e escola de Educação Básica, sem o que o direito de aprender não
inclusivo a questões centrais do processo educativo: o que se concretiza.
aprender, para que aprender, como ensinar, como promover O Brasil, ao longo de sua história, naturalizou desigualdades
redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o educacionais em relação ao acesso à escola, à permanência dos
aprendizado. estudantes e ao seu aprendizado. São amplamente conhecidas as
No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto enormes desigualdades entre os grupos de estudantes definidos
histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico- por raça, sexo e condição socioeconômica de suas famílias.
crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, Diante desse quadro, as decisões curriculares e didático -
produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de pedagógicas das Secretarias de Educação, o planejamento
informações. Requer o desenvolvimento de competências para do trabalho anual das instituições escolares e as rotinas e os
aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez eventos do cotidiano escolar devem levar em consideração a
mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade necessidade de superação dessas desigualdades. Para isso, os
nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos sistemas e redes de ensino e as instituições escolares devem
para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, se planejar com um claro foco na equidade, que pressupõe
ser proativo para identificar os dados de uma situação e reconhecer que as necessidades dos estudantes são diferentes.
buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as De forma particular, um planejamento com foco na equidade
diversidades. também exige um claro compromisso de reverter a situação
Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu de exclusão histórica que marginaliza grupos – como os
compromisso com a educação integral14. Reconhece, povos indígenas originários e as populações das comunidades
assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao remanescentes de quilombos e demais afrodescendentes – e as
desenvolvimento humano global, o que implica compreender pessoas que não puderam estudarou completar sua escolaridade
a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, na idade própria. Igualmente, requer o compromisso com os
rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a alunos com deficiência, reconhecendo a necessidade de práticas
dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular, conforme
ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, estabelecido na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como Deficiência (Lei nº 13.146/2015)15.
sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada
ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, Base Nacional Comum Curricular e currículos
nas suas singularidades e diversidades. Além disso, a escola, A BNCC e os currículos se identificam na comunhão de
como espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve princípios e valores que, como já mencionado, orientam a LDB
se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não e as DCN. Dessa maneira, reconhecem que a educação tem um
preconceito e respeito às diferenças e diversidades. compromisso com a formação e o desenvolvimento humano
Independentemente daduração da jornada escolar, oconceito global, em suas dimensões intelectual, física, afetiva, social, ética,
de educação integral com o qual a BNCC está comprometida se moral e simbólica.
refere à construção intencional de processos educativos que Além disso, BNCC e currículos têm papéis complementares
promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada
possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os etapa da Educação Básica, uma vez que tais aprendizagens só se
desafios da sociedade contemporânea. Isso supõe considerar as materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam
diferentes infâncias e juventudes, as diversas culturas juvenis e o currículo em ação. São essas decisões que vão adequar as
seu potencial de criar novas formas de existir. proposições da BNCC àrealidade local, considerando a autonomia
Assim, a BNCC propõe a superação da fragmentação dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares,
radicalmente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua como também o contexto e as características dos alunos. Essas
aplicação na vida real, a importância do contexto para dar decisões, que resultam de um processo de envolvimento e
sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em participação das famílias e da comunidade, referem-se, entre
sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida. outras ações, a:
- contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares,
identificando estratégias para apresentá-los, representá-los,
exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com base
na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens
Disponível em: estão situadas;
<http://www.oecd.org/pisa/aboutpisa/Global-competency-for-an-inclusive-world. - decidir sobre formas de organização interdisciplinar
pdf>. Acesso em: 23 mar. 2017.
13 UNESCO. Oficina Regional de Educación de la Unesco para América La-
dos componentes curriculares e fortalecer a competência
tina y el Caribe. Laboratorio Latinoamericano de Evaluación de la Calidad de pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais
la Educación (LLECE). Disponível em: <http://www.unesco.org/new/es/santiago/
education/education-assessment-llece>. Acesso em: 23 mar. 2017. 15 BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasi-
14 Na história educacional brasileira, as primeiras referências à educação leira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiên-
integral remontam à década de 1930, incorporadas ao movimento dos Pioneiros da cia). Diário Oficial da União, Brasília, 7 de julho de 2015. Disponível em: <http://
Educação Nova e em outras correntes políticas da época, nem sempre com o mesmo www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/ L13146.htm>. Acesso
entendimento sobre o seu significado. em: 23 mar. 2017.

Conhecimentos Específicos 82
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do CP nº 1/201221), educação das relações étnico-raciais e ensino
ensino e da aprendizagem; de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena (Leis
- selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático- nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer CNE/CP nº 3/2004 e
pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados Resolução CNE/CP nº 1/200422), bem como saúde, vida familiar
e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar e social, educação para o consumo, educação financeira e fiscal,
com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas trabalho, ciência e tecnologia e diversidade cultural (Parecer
famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos de CNE/CEB nº 11/2010 e Resolução CNE/CEB nº 7/201023). Na
socialização etc.; BNCC, essas temáticas são contempladas em habilidades dos
- conceber e pôr em prática situações e procedimentos para componentes curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e
motivar e engajar os alunos nas aprendizagens; escolas, de acordo com suas especificidades, tratá-las de forma
- construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa contextualizada.
de processo ou de resultado que levem em conta os contextos
e as condições de aprendizagem, tomando tais registros Base Nacional Comum Curricular e regime de colaboração
como referência para melhorar o desempenho da escola, dos Legitimada pelo pacto interfederativo, nos termos da Lei
professores e dos alunos; nº 13.005/ 2014, que promulgou o PNE, a BNCC depende
- selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e do adequado funcionamento do regime d e
tecnológicos para apoiar o processo de ensinar e aprender; colaboração para alcançar seus objetivos. Sua formulação, sob
- criar e disponibilizar materiais de orientação para os coordenação do MEC, contou com a participação dos Estados
professores, bem como manter processos permanentes de do Distrito Federal e dos Municípios, depois de ampla consulta
formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento à comunidade educacional e à sociedade, conforme consta da
dos processos de ensino e aprendizagem; apresentação do presente documento.
- manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão Com a homologação da BNCC, as redes de ensino e escolas
pedagógica e curricular para os demais educadores, no âmbito particulares terão diante de si a tarefa de construir currículos,
das escolas e sistemas de ensino. com base nas aprendizagens essenciais estabelecidas na BNCC,
passando, assim, do plano normativo propositivo para o plano
Essas decisões precisam, igualmente, ser consideradas na da ação e da gestão curricular que envolve todo o conjunto de
organização de currículos e propostas adequados às diferentes decisões e ações definidoras do currículo e de sua dinâmica.
modalidades de ensino (Educação Especial, Educação de Jovens Embora a implementação seja prerrogativa dos sistemas e
e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, das redes de ensino, a dimensão e a complexidade da tarefa vão
Educação Escolar Quilombola, Educaçãoa Distância), atendendo- exigir que União, Estados, Distrito Federal e Municípios somem
se às orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais. No esforços. Nesse regime de colaboração, as responsabilidades dos
caso da Educação Escolar Indígena, por exemplo, isso significa entes federados serão diferentes e complementares, e a União
assegurar competências específicas com base nos princípios continuará a exercer seu papel de coordenação do processo e de
da coletividade, reciprocidade, integralidade, espiritualidade correção das desigualdades.
e alteridade indígena, a serem desenvolvidas a partir de suas A primeira tarefa de responsabilidade direta da União será
culturas tradicionais reconhecidas nos currículos dos sistemas a revisão da formação inicial e continuada dos professores para
de ensino e propostas pedagógicas das instituições escolares. alinhá-las à BNCC. A ação nacional será crucial nessa iniciativa,
Significa também, em uma perspectiva intercultural, considerar já que se trata da esfera que responde pela regulação do
seus projetos educativos, suas cosmologias, suas lógicas, seus ensino superior, nível no qual se prepara grande parte desses
valores e princípios pedagógicos próprios (em consonância com profissionais. Diante das evidências sobre a relevância dos
a Constituição Federal, com as Diretrizes Internacionais da OIT professores e demais membros da equipe escolar para o sucesso
– Convenção 169 e com documentos da ONU e Unesco sobre dos alunos, essa é uma ação fundamental para a implementação
os direitos indígenas) e suas referências específicas, tais como: eficaz da BNCC.
construir currículos interculturais, diferenciados e bilíngues, Compete ainda à União, como anteriormente anunciado,
seus sistemas próprios de ensino e aprendizagem, tanto dos promover e coordenar ações e políticas em âmbito federal,
conteúdos universais quanto dos conhecimentos indígenas, bem estadual e municipal, referentes à avaliação, à elaboração
como o ensino da língua indígena como primeira língua15. de materiais pedagógicos e aos critérios para a oferta de
É também da alçada dos entes federados responsáveis pela infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da
implementação da BNCC o reconhecimento da experiência educação.
curricular existente em seu âmbito de atuação. Nas duas últimas Por se constituir em uma política nacional, a implementação
décadas, mais da metade dos Estados e muitos Municípios da BNCC requer, ainda, o monitoramento pelo MEC em
vêm elaborando currículos para seus respectivos sistemas de colaboração com os organismos nacionais da área – CNE, Consed
ensino, inclusive para atender às especificidades das diferentes e Undime. Em um país com a dimensão e a desigualdade do
modalidades. Muitas escolas públicas e particulares também Brasil, a permanência e a sustentabilidade de um projeto como
acumularam experiências de desenvolvimento curricular e a BNCC dependem da criação e do fortalecimento de instâncias
de criação de materiais de apoio ao currículo, assim como técnico-pedagógicas nas redes de ensino, priorizando aqueles
instituições de ensino superior construíram experiências de com menores recursos, tanto técnicos quanto financeiros. Essa
consultoria e de apoio técnico ao desenvolvimento curricular. função deverá ser exercida pelo MEC, em parceria com o Consed
Inventariar e avaliar toda essa experiência pode contribuir e a Undime, respeitada a autonomia dos entes federados.
para aprender com acertos e erros e incorporar práticas que A atuação do MEC, além do apoio técnico e financeiro, deve
propiciaram bons resultados. incluir também o fomento a inovações e a disseminação de casos
Por fim, cabe aos sistemas e redes de ensino, assim de sucesso; o apoio a experiências curriculares inovadoras;
como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia a criação de oportunidades de acesso a conhecimentos e
e competência, incorporar aos currículos e às propostas experiências de outros países; e, ainda, o fomento de estudos e
pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que pesquisas sobre currículos e temas afins.
afetam a vida humana em escala local, regional e global,
preferencialmente de forma transversal e integradora. Entre 2. ESTRUTURA DA BNCC
esses temas, destacam-se: direitos da criança e do adolescente Em conformidade com os fundamentos pedagógicos
(Lei nº 8.069/199016), educação para o trânsito (Lei nº apresentados na Introdução deste documento, a BNCC está
9.503/199717), educação ambiental (Lei nº 9.795/1999, estruturada de modo a explicitar as competências que os alunos
Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/201218), devem desenvolver ao longo de toda a Educação Básica e em
educação alimentar e nutricional (Lei nº 11.947/200919), cada etapa da escolaridade, como expressão dos direitos de
processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso (Lei aprendizagem e desenvolvimento de todos os estudantes.
nº 10.741/200320), educação em direitos humanos (Decreto Na próxima página, apresenta-se a estrutura geral da BNCC
nº 7.037/2009, Parecer CNE/CP nº 8/2012 e Resolução CNE/ para as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino

Conhecimentos Específicos 83
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Fundamental e Ensino Médio), já com o detalhamento referente • O eu, o outro e o nós
às etapas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, cujos • Corpo, gestos e movimentos
documentos são ora apresentados. O detalhamento relativo ao • Traços, sons, cores e formas
Ensino Médio comporá essa estrutura posteriormente, quando • Escuta, fala, pensamento e imaginação
da aprovação do documento referente a essa etapa16. • Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações
Também se esclarece como as aprendizagens estão
organizadas em cada uma dessas etapas e se explica a Em cada campo de experiências, são definidos objetivos
composição dos códigos alfanuméricos criados para identificar de aprendizagem e desenvolvimento organizados em três
tais aprendizagens. grupos por faixa etária.
- Bebês (0-1a6m)
- Crianças bem pequenas (1a7m - 3a11m)
- Crianças pequenas (4a-5a11m)

Portanto, na Educação Infantil, o quadro de cada campo de


experiências se organiza em três colunas – relativas aos grupos
por faixa etária –, nas quais estão detalhados os objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento. Em cada linha da coluna, os
objetivos definidos para os diferentes grupos referem-se a um
mesmo aspecto do campo de experiências, conforme ilustrado
a seguir.

CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “TRAÇOS, SONS, CORES E


FORMAS”
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11


Bebês (zero a 1 ano e 6 meses)
3 anos e 11 meses) meses )

(EI03TS01)
(EI02TS01)
(EI01TS01) Utilizar sons produzidos por materiais,
Criar sons com materiais, objetos e
Explorar sons produzidos com o próprio objetos e instrumentos musicais durante
instrumentos musicais, para acompanhar
corpo e com objetos do ambiente. brincadeiras de faz de conta, encenações,
diversos ritmos de música.
criações musicais, festas.

Como é possível observar no exemplo apresentado, cada


objetivo de aprendizagem e desenvolvimento é identificado por
um código alfanumérico cuja composição é explicada a seguir:

EDUCAÇÃO BÁSICA
COMPETÊNCIAS GERAIS DA BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR
Ao longo da Educação Básica – na Educação Infantil, no
Ensino Fundamental e no Ensino Médio –, os alunos devem
desenvolver as dez competências gerais que pretendem
assegurar, como resultado do seu processo de aprendizagem e
desenvolvimento, uma formação humana integral que visa à
construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
Segundo esse critério, o código EI02TS01 refere-se ao
Na primeira etapa da Educação Básica, e de acordo primeiro objetivo de aprendizagem e desenvolvimento proposto
no campo de experiências “Traços, sons, cores e formas” para
com os eixos estruturantes da Educação Infantil interações
e brincadeira), devem ser assegurados seis direitos de as crianças bem pequenas (de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
aprendizagem e desenvolvimento, para que as crianças meses).
Cumpre destacar que a numeração sequencial dos códigos
tenham condições de aprender e se desenvolver.
alfanuméricos não sugere ordem ou hierarquia entre os
- Conviver
- Brincar objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.
- Participar
- Explorar
- Expressar
Conhecer-se

Considerandoosdireitosdeaprendizagemedesenvolvimento,
a BNCC estabelece cinco campos de experiências, nos quais as
crianças podem aprender e se desenvolver.
16 Durante o processo de elaboração da versão da BNCC encami-
nhada para apreciação do CNE em 6 de abril de 2017, a estrutura do Ensino
Médio foi significativamente alterada por força da Medida Provisória nº 446, de
22 de setembro de 2016, posteriormente convertida na Lei nº 13.415, de 16 de
fevereiro de 2017. Em virtude da magnitude dessa mudança, e tendo em vista
não adiar a discussão e a aprovação da BNCC para a Educação Infantil e para
o Ensino Fundamental, o Ministério da Educação decidiu postergar a elabora-
ção – e posterior envio ao CNE – do documento relativo ao Ensino Médio, que
se assentará sobre os mesmos princípios legais e pedagógicos inscritos neste
documento, respeitando-se as especificidades dessa etapa e de seu alunado.

Conhecimentos Específicos 84
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Cada área de conhecimento estabelece competências
específicas de área, cujo desenvolvimento deve ser promovido
ao longo dos nove anos. Essas competências explicitam como as
dez competências gerais se expressam nessas áreas.
Nas áreas que abrigam mais de um componente curricular
(Linguagens e Ciências Humanas), também são definidas
competências específicas do componente (Língua
Portuguesa, Arte, Educação Física, Língua Inglesa, Geografia e
História) a ser desenvolvidas pelos alunos ao longo dessa etapa
de escolarização.
As competências específicas possibilitam a articulação
horizontal entre as áreas, perpassando todos os componentes
curriculares, e também a articulação vertical, ou seja, a
progressão entre o Ensino Fundamental – Anos Iniciais e
o Ensino Fundamental – Anos Finais e a continuidade das
experiências dos alunos, considerando suas especificidades.
Para garantir o desenvolvimento das competências
específicas, cada componente curricular apresenta um
conjunto de habilidades. Essas habilidades estão relacionadas
a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos
como conteúdos, conceitos e processos –, que, por sua vez, são
organizados em unidades temáticas.

Respeitando as muitas possibilidades de organização do


conhecimento escolar, as unidades temáticas definem um
arranjo dos objetos de conhecimento ao longo do Ensino
Fundamental adequado às especificidades dos diferentes
Na BNCC, o Ensino Fundamental está organizado em cinco componentes curriculares. Cada unidade temática contempla
áreas do conhecimento. uma gama maior ou menor de objetos de conhecimento, assim
Essas áreas, como bem aponta o Parecer CNE/CEB nº como cada objeto de conhecimento se relaciona a um número
11/201025,“favorecem a comunicação entre os conhecimentos variável de habilidades, conforme ilustrado a seguir.
e saberes dos diferentes componentes curriculares” (BRASIL,
2010). CIÊNCIAS – 1º ANO
Elas se intersectam na formação dos alunos, embora se
preservem as especificidades e os saberes próprios construídos
e sistematizados nos diversos componentes.
Nos textos de apresentação, cada área de conhecimento
explicita seu papel na formação integral dos alunos do Ensino
Fundamental e destaca particularidades para o Ensino
Fundamental – Anos Iniciais e o Ensino Fundamental – Anos
Finais, considerando tanto as características do alunado quanto
as especificidades e demandas pedagógicas dessas fases da
escolarização.

As habilidades expressam as aprendizagens essenciais que


devem ser asseguradas aos alunos nos diferentes contextos
escolares. Para tanto, elas são descritas de acordo com uma
determinada estrutura, conforme ilustrado no exemplo a seguir,
de História (EF06HI14).

Os modificadores devem ser entendidos como a


explicitação da situação ou condição em que a habilidade
deve ser desenvolvida, considerando a faixa etária dos
alunos. Ainda assim, as habilidades não descrevem ações ou
condutas esperadas do professor, nem induzem à opção
por abordagens ou metodologias. Essas escolhas estão no
âmbito dos currículos e dos projetos pedagógicos, que, como já
mencionado, devem ser adequados à realidade de cada sistema
ou rede de ensino e a cada instituição escolar, considerando o
contexto e as características dos seus alunos.
Nos quadros que apresentam as unidades temáticas, os
objetos de conhecimento e as habilidades definidas para cada
ano (ou bloco de anos), cada habilidade é identificada por um
código alfanumérico cuja composição é a seguinte:

Conhecimentos Específicos 85
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
de 4 e 5 anos em instituições de Educação Infantil.
Com a inclusão da Educação Infantil na BNCC, mais um
importante passo é dado nesse processo histórico de sua
integração ao conjunto da Educação Básica.

A Educação Infantil no contexto da Educação Básica


Como primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil
é o início e o fundamento do processo educacional. A entrada
na creche ou na pré-escola significa, na maioria das vezes, a
primeira separação das crianças dos seus vínculos afetivos
familiares para se incorporarem a uma situação de socialização
estruturada.
Nas últimas décadas, vem se consolidando, na Educação
Infantil, a concepção que vincula educar e cuidar, entendendo
o cuidado como algo indissociável do processo educativo. Nesse
contexto, as creches e pré-escolas, ao acolher as vivências e
os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da
família e no contexto de sua comunidade, e articulá-los em suas
Segundo esse critério, o código EF67EF01, por exemplo, propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo
refere-se à primeira habilidade proposta em Educação Física no de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças,
bloco relativo ao 6º e 7º anos, enquanto o código EF04MA10 diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando
indica a décima habilidade do 4º ano de Matemática. de maneira complementar à educação familiar – especialmente
Vale destacar que o uso de numeração sequencial quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem
para identificar as habilidades de cada ano ou bloco de anos pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois
não representa uma ordem ou hierarquia esperada das contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia
aprendizagens. A progressão das aprendizagens, que se e a comunicação.
explicita na comparação entre os quadros relativos a cada ano Nessa direção, e para potencializar as aprendizagens
(ou bloco de anos), pode tanto estar relacionada aos processos e o desenvolvimento das crianças, a prática do diálogo e o
cognitivos em jogo – sendo expressa por verbos que indicam compartilhamento de responsabilidades entre a instituição
processos cada vez mais ativos ou exigentes – quanto aos de Educação Infantil e a família são essenciais. Além disso, a
objetos de conhecimento – que podem apresentar crescente instituição precisa conhecer e trabalhar com as culturas plurais,
sofisticação ou complexidade –, ou, ainda, aos modificadores dialogando com a riqueza/diversidade cultural das famílias e da
– que, por exemplo, podem fazer referência a contextos mais comunidade.
familiares aos alunos e, aos poucos, expandir-se para contextos As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil
mais amplos. (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009)18, em seu Artigo 4º,
Também é preciso enfatizar que os critérios de organização definem a criança como “sujeito histórico e de direitos, que, nas
das habilidades descritos na BNCC (com a explicitação interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói
dos objetos de conhecimento aos quais se relacionam e do sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia,
agrupamento desses objetos em unidades temáticas) expressam deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
um arranjo possível (dentre outros). Portanto, os agrupamentos constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo
propostos não devem ser tomados como modelo obrigatório cultura” (BRASIL, 2009).
para o desenho dos currículos. A forma de apresentação Ainda de acordo com as DCNEI, em seu Artigo 9º, os eixos
adotada na BNCC tem por objetivo assegurar a clareza, a estruturantes das práticas pedagógicas dessa
precisão e a explicitação do que se espera que todos os etapa da Educação Básica são as interações e a brincadeira,
alunos aprendam na Educação Básica, fornecendo orientações experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar -
para a elaboração de currículos em todo o País, adequados aos se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com
diferentes contextos. seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens,
desenvolvimento e socialização.
3. A ETAPA DA EDUCAÇÃO INFANTIL A interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da
A Educação Infantil na Base Nacional Comum Curricular infância, trazendo consigo muitas aprendizagens e potenciais
A expressão educação “pré-escolar”, utilizada no Brasil até a para o desenvolvimento integral das crianças. Ao observar
década de 1980, expressava o entendimento de que a Educação as interações e a brincadeira entre as crianças e delas com os
Infantil era uma etapa anterior, independente e preparatória adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos
para a escolarização, que só teria seu começo no Ensino afetos, a mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a
Fundamental. Situava-se, portanto, fora da educação formal. regulação das emoções.
Com a Constituição Federal de 1988, o atendimento em Tendo em vista os eixos estruturantes das práticas
creche e pré-escola às crianças de zero a 6 anos de idade torna- pedagógicas e as competências gerais da Educação Básica
se dever do Estado. Posteriormente, com a promulgação da propostas pela BNCC, seis direitos de aprendizagem e
LDB, em 1996, a Educação Infantil passa a ser parte integrante desenvolvimento asseguram, na Educação Infantil, as condições
da Educação Básica, situando-se no mesmo patamar que o para que as crianças aprendam em situações nas quais possam
Ensino Fundamental e o Ensino Médio. E a partir da modificação desempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem
introduzida na LDB em 2006, que antecipou o acesso ao Ensino a vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los,
Fundamental para os 6 anos de idade, a Educação Infantil passa nas quais possam construir significados sobre si, os outros e o
a atender a faixa etária de zero a 5 anos. mundo social e natural.
Entretanto, embora reconhecida como direito de todas as
crianças e dever do Estado, a Educação Infantil passa a ser DIREITOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA
obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos apenas com a Emenda EDUCAÇÃO INFANTIL
Constitucional nº 59/2009 17, que determina a obrigatoriedade - Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e
da Educação Básica dos 4 aos 17 anos. Essa extensão da grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o
obrigatoriedade é incluída na LDB em 2013, consagrando 18 BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação
plenamente a obrigatoriedade de matrícula de todas as crianças Básica. Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curri-
culares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18
17 BRASIL. Emenda constitucional nº 59, de 11 de novembro de de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.
2009. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de novembro de 2009, Seção 1, p. br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2298-rceb00509
8. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/emendas/ &category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 23 mar.
emc/emc59.htm>. Acesso em: 23 mar. 2017. 2017.

Conhecimentos Específicos 86
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e A definição e a denominação dos campos de experiências
às diferenças entre as pessoas. também se baseiam no que dispõem as DCNEI em relação aos
- Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes saberes e conhecimentos fundamentais a ser propiciados às
espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), crianças e associados às suas experiências. Considerando esses
ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, saberes e conhecimentos, os campos de experiências em que se
seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas organiza a BNCC são:
experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas,
cognitivas, sociais e relacionais. O eu, o outro e o nós – É na interação com os pares e com
- Participar ativamente, com adultos e outras crianças, adultos que as crianças vão constituindo um modo próprio
tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades de agir, sentir e pensar e vão descobrindo que existem outros
propostas pelo educador quanto da realização das atividades modos de vida, pessoas diferentes, com outros pontos de vista.
da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos Conforme vivem suas primeiras experiências sociais (na família,
materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens na instituição escolar, na coletividade), constroem percepções
e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando. e questionamentos sobre si e sobre os outros, diferenciando-se
- Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, e, simultaneamente, identificando-se como seres individuais e
palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, sociais. Ao mesmo tempo que participam de relações sociais e
objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando de cuidados pessoais, as crianças constroem sua autonomia e
seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as senso de autocuidado, de reciprocidade e de interdependência
artes, a escrita, a ciência e a tecnologia. com o meio. Por sua vez, na Educação Infantil, é preciso criar
- Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, oportunidades para que as crianças entrem em contato com
suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida,
descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do
linguagens. grupo, costumes, celebrações e narrativas. Nessas experiências,
- Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social elas podem ampliar o modo de perceber a si mesmas e ao outro,
e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus valorizar sua identidade, respeitar os outros e reconhecer as
grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, diferenças que nos constituem como seres humanos.
interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição
escolar e em seu contexto familiar e comunitário. Corpo, gestos e movimentos – Com o corpo (por meio
Essa concepção de criança como ser que observa, questiona, dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais,
levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram
e que constrói conhecimentos e se apropria do conhecimento o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem
sistematizado por meio da ação e nas interações com o mundo relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos
físico e social não deve resultar no confinamento dessas sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural,
aprendizagens a um processo de desenvolvimento natural ou tornando-se, progressivamente, conscientesdessacorporeidade.
espontâneo. Ao contrário, impõe a necessidade de imprimir Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o
intencionalidade educativa às práticas pedagógicas na teatro, as brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se
Educação Infantil, tanto na creche quanto na pré-escola. expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem.
Essa intencionalidade consiste na organização e proposição, As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções
pelo educador, de experiências que permitam às crianças de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam
conhecer a si e ao outro e de conhecer e compreender as relações suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo
com a natureza, com a cultura e com a produção científica, que tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um
se traduzem nas práticas de cuidados pessoais (alimentar-se, risco à sua integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das
vestir-se, higienizar-se), nas brincadeiras, nas experimentações crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado
com materiais variados, na aproximação com a literatura e no das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a
encontro com as pessoas. emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a
Parte do trabalho do educador é refletir, selecionar, instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para
organizar, planejar, mediar e monitorar o conjunto das práticas e que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico
interações, garantindo a pluralidade de situações que promovam e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo
o desenvolvimento pleno das crianças. repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com
Ainda, é preciso acompanhar tanto essas práticas quanto o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso
as aprendizagens das crianças, realizando a observação da do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar,
trajetória de cada criança e de todo o grupo – suas conquistas, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas
avanços, possibilidades e aprendizagens. Por meio de diversos e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas,
registros, feitos em diferentes momentos tanto pelos professores alongar-se etc.).
quanto pelas crianças (como relatórios, portfólios, fotografias, Traços, sons, cores e formas – Conviver com diferentes
desenhos e textos), é possível evidenciar a progressão ocorrida manifestações artísticas, culturais e científicas, locais e
durante o período observado, sem intenção de seleção, universais, no cotidiano da instituição escolar, possibilita às
promoção ou classificação de crianças em “aptas” e “não aptas”, crianças, por meio de experiências diversificadas, vivenciar
“prontas” ou “não prontas”, “maduras” ou “imaturas”. Trata-se de diversas formas de expressão e linguagens, como as artes
reunir elementos para reorganizar tempos, espaços e situações visuais (pintura, modelagem, colagem, fotografia etc.), a
que garantam os direitos de aprendizagem de todas as crianças. música, o teatro, a dança e o audiovisual, entre outras. Com
base nessas experiências, elas se expressam por várias
3.1. OS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS linguagens, criando suas próprias produções artísticas ou
Considerando que, na Educação Infantil, as aprendizagens e culturais, exercitando a autoria (coletiva e individual) com
o desenvolvimento das crianças têm como eixos estruturantes sons, traços, gestos, danças, mímicas, encenações, canções,
as interações e a brincadeira, assegurando-lhes os direitos de desenhos, modelagens, manipulação de diversos materiais e
conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer- de recursos tecnológicos. Essas experiências contribuem para
se, a organização curricular da Educação Infantil na BNCC está que, desde muito pequenas, as crianças desenvolvam senso
estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito estético e crítico, o conhecimento de si mesmas, dos outros e
dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e da realidade que as cerca. Portanto, a Educação Infantil precisa
desenvolvimento. Os campos de experiências constituem um promover a participação das crianças em tempos e espaços
arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências para a produção, manifestação e apreciação artística, de modo a
concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, favorecer o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade e
entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do da expressão pessoal das crianças, permitindo que se apropriem
patrimônio cultural. e reconfigurem, permanentemente, a cultura e potencializem

Conhecimentos Específicos 87
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
suas singularidades, ao ampliar repertórios e interpretar suas conhecimentos quanto vivências que promovem aprendizagem
experiências e vivências artísticas. e desenvolvimento nos diversos campos de experiências, sempre
tomando as interações e a brincadeira como eixos estruturantes.
Escuta, fala, pensamento e imaginação – Desde o Essas aprendizagens, portanto, constituem-se como objetivos
nascimento, as crianças participam de situações comunicativas de aprendizagem e desenvolvimento.
cotidianas com as pessoas com as quais interagem. As primeiras Reconhecendo as especificidades dos diferentes grupos
formas de interação do bebê são os movimentos do seu etários que constituem a etapa da Educação Infantil, os objetivos
corpo, o olhar, a postura corporal, o sorriso, o choro e outros de aprendizagem e desenvolvimento estão sequencialmente
recursos vocais, que ganham sentido com a interpretação organizados em três grupos por faixa etária, quecorrespondem,
do outro. Progressivamente, as crianças vão ampliando e aproximadamente, às possibilidades de aprendizagem e às
enriquecendo seu vocabulário e demais recursos de expressão características do desenvolvimento das crianças, conforme
e de compreensão, apropriando-se da língua materna – que indicado na figura a seguir. Todavia, esses grupos não podem ser
se torna, pouco a pouco, seu veículo privilegiado de interação. considerados de forma rígida, já que há diferenças de ritmo na
Na Educação Infantil, é importante promover experiências aprendizagem e no desenvolvimento das crianças que precisam
nas quais as crianças possam falar e ouvir, potencializando ser consideradas na prática pedagógica.
sua participação na cultura oral, pois é na escuta de histórias,
na participação em conversas, nas descrições, nas narrativas
elaboradas individualmente ou em grupo e nas implicações com
as múltiplas linguagens que a criança se constitui ativamente
como sujeito singular e pertencente a um grupo social.
Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à
cultura escrita: ao ouvir e acompanhar a leitura de textos, ao
observar os muitos textos que circulam no contexto familiar, CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “O EU, O OUTRO E O NÓS”
comunitárioeescolar, elavai construindosua concepçãodelíngua
escrita, reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos
gêneros, suportes e portadores. Na Educação Infantil, a imersão
na cultura escrita deve partir do que as crianças conhecem e
das curiosidades que deixam transparecer. As experiências com
a literatura infantil, propostas pelo educador, mediador entre
os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do
gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do
conhecimento de mundo. Além disso, o contato com histórias,
contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade
com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação
entre ilustrações e escrita, a aprendizagem da direção da escrita
e as formas corretas de manipulação de livros. Nesse convívio
com textos escritos, as crianças vão construindo hipóteses sobre
a escrita que se revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas e,
à medida que vão conhecendo letras, em escritas espontâneas,
não convencionais, mas já indicativas da compreensão da escrita
como sistema de representação da língua.

Espaços, tempos, quantidades, relações e


transformações – As crianças vivem inseridas em espaços e
tempos de diferentes dimensões, em um mundo constituído de
fenômenos naturais e socioculturais. Desde muito pequenas,
elas procuram se situar em diversos espaços (rua, bairro,
cidade etc.) e tempos (dia e noite; hoje, ontem e amanhã etc.).
Demonstram também curiosidade sobre o mundo físico (seu
próprio corpo, os fenômenos atmosféricos, os animais, as
plantas, as transformações da natureza, os diferentes tipos
de materiais e as possibilidades de sua manipulação etc.) e o
mundo sociocultural (as relações de parentesco e sociais entre
as pessoas que conhece; como vivem e em que trabalham essas
pessoas; quais suas tradições e seus costumes; a diversidade
entre elas etc.). Além disso, nessas experiências e em muitas
outras, as crianças também se deparam, frequentemente, com
conhecimentos matemáticos (contagem, ordenação, relações
entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos
e de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento
de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de
numerais cardinais e ordinais etc.) que igualmente aguçam a
curiosidade. Portanto, a Educação Infantil precisa promover
experiências nas quais as crianças possam fazer observações,
manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar
hipóteseseconsultarfontesdeinformação para buscar respostas
às suas curiosidades e indagações. Assim, a instituição escolar
está criando oportunidades para que as crianças ampliem seus
conhecimentos do mundo físico e sociocultural e possam utilizá-
los em seu cotidiano.

3.2. OS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E


DESENVOLVIMENTO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
Na Educação Infantil, as aprendizagens essenciais
compreendem tanto comportamentos, habilidades e

Conhecimentos Específicos 88
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “CORPO, GESTOS E CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “ESCUTA, FALA, PENSAMENTO
MOVIMENTOS” E IMAGINAÇÃO”

CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “TRAÇOS, SONS, CORES E


FORMAS”

Conhecimentos Específicos 89
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “ESPAÇOS, TEMPOS, a fragmentação e a descontinuidade do trabalho pedagógico.
QUANTIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES” Nessa direção, considerando os direitos e os objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento, apresenta-se a síntese das
aprendizagens esperadas em cada campo de experiências. Essa
síntese deve ser compreendida como elemento balizador e
indicativo de objetivos a ser explorados em todo o segmento
da Educação Infantil, e que serão ampliados e aprofundados no
Ensino Fundamental, e não como condição ou pré-requisito para
o acesso ao Ensino Fundamental.

3.3. A TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O ENSINO


FUNDAMENTAL
A transição entre essas duas etapas da Educação Básica
requer muita atenção, para quehajaequilíbrioentre as mudanças
introduzidas, garantindo integração e continuidade dos 4. A ETAPA DO ENSINO FUNDAMENTAL
processos de aprendizagens das crianças, respeitando suas O Ensino Fundamental no contexto da Educação Básica
singularidades e as diferentes relações que elas estabelecem O Ensino Fundamental, com nove anos de duração, é a etapa
com os conhecimentos, assim como a natureza das mediações mais longa da Educação Básica, atendendo estudantes entre 6
de cada etapa. Torna-se necessário estabelecer estratégias de e 14 anos. Há, portanto, crianças e adolescentes que, ao longo
acolhimento e adaptação tanto para as crianças quanto para os desse período, passam por uma série de mudanças relacionadas
docentes, de modo que a nova etapa se construa com base no a aspectos físicos, cognitivos, afetivos, sociais, emocionais, entre
que a criança sabe e é capaz de fazer, em uma perspectiva de outros. Como já indicado nas Diretrizes Curriculares Nacionais
continuidade de seu percurso educativo. para o Ensino Fundamental de Nove Anos (Resolução CNE/CEB
Para isso, as informações contidas em relatórios, portfólios nº 7/2010)19, essas mudanças impõem desafios à elaboração de
ou outros registros que evidenciem os processos vivenciados currículos para essa etapa de escolarização, de modo a superar
pelas crianças ao longo de sua trajetória na Educação Infantil as rupturas que ocorrem na passagem não somente entre as
podem contribuir para a compreensão da história de vida etapas da Educação Básica, mas também entre as duas fases do
escolar de cada aluno do Ensino Fundamental. Conversas ou Ensino Fundamental: Anos Iniciais e Anos Finais.
visitas e troca de materiais entre os professores das escolas A BNCC do Ensino Fundamental Anos Iniciais, ao valorizar
de Educação Infantil e de Ensino Fundamental – Anos Iniciais as situações lúdicas de aprendizagem, aponta para a necessária
também são importantes para facilitar a inserção das crianças articulação com as experiências vivenciadas na Educação
nessa nova etapa da vida escolar. Infantil. Tal articulação precisa prever tanto a progressiva
Além disso, para que as crianças superem com sucesso os 19 BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação
desafios da transição, é indispensável um equilíbrio entre as Básica. Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010. Fixa Diretrizes Curri-
mudanças introduzidas, a continuidade das aprendizagens e o culares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Diário Oficial
acolhimento afetivo, de modo que a nova etapa se construa com da União, Brasília, 15 de dezembro de 2010, Seção 1, p. 34. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb007_10.pdf>. Acesso em: 23 mar.
base no que os educandos sabem e são capazes de fazer, evitando
2017.

Conhecimentos Específicos 90
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento, a história, com a cultura, com as tecnologias e com o ambiente.
pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas Além desses aspectos relativos à aprendizagem e ao
possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, desenvolvimento, na elaboração dos currículos e das propostas
de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma pedagógicas devem ainda ser consideradas medidas para
atitude ativa na construção de conhecimentos. assegurar aos alunos um percurso contínuo de aprendizagens
Nesse período da vida, as crianças estão vivendo mudanças entre as duas fases do Ensino Fundamental, de modo
importantes em seu processo de desenvolvimento que a promover uma maior integração entre elas. Afinal, essa
repercutem em suas relações consigo mesmas, com os outros transição se caracteriza por mudanças pedagógicas na estrutura
e com o mundo. Como destacam as DCN, a maior desenvoltura educacional, decorrentes principalmente da diferenciação dos
e a maior autonomia nos movimentos e deslocamentos componentes curriculares. Como bem destaca o Parecer
ampliam suas interações com o espaço; a relação com múltiplas CNE/CEB nº 11/2010, “os alunos, ao mudarem do professor
linguagens, incluindo os usos sociais da escrita e da matemática, generalista dos anos iniciais para os professores especialistas
permite a participação no mundo letrado e a construção de dos diferentes componentes curriculares, costumam se
novas aprendizagens, na escola e para além dela; a afirmação de ressentir diante das muitas exigências que têm de atender,
sua identidade em relação ao coletivo no qual se inserem resulta feitas pelo grande número de docentes dos anos finais” (BRASIL,
em formas mais ativas de se relacionarem com esse coletivo e 2010). Realizar as necessárias adaptações e articulações, tanto
com as normas que regem as relações entre as pessoas dentro no 5º quanto no 6º ano, para apoiar os alunos nesse processo de
e fora da escola, pelo reconhecimento de suas potencialidades e transição, pode evitar ruptura no processo de aprendizagem,
pelo acolhimento e pela valorização das diferenças. garantindo-lhes maiores condições de sucesso.
Ampliam-se também as experiências para o desenvolvimento Ao longo do Ensino Fundamental Ano Finais, os
da oralidade e dos processos de percepção, compreensão e estudantes
representação, elementos importantes para a apropriação se deparam com desafios de maior complexidade, sobretudo
do sistema de escrita alfabética e de outros sistemas de devido à necessidade de se apropriarem das diferentes lógicas
representação, como os signos matemáticos, os registros de organização dos conhecimentos relacionados às áreas.
artísticos, midiáticos e científicos e as formas de representação Tendo em vista essa maior especialização, é importante, nos
do tempo e do espaço. Os alunos se deparam com uma variedade vários componentes curriculares, retomar e ressignificar as
de situações que envolvem conceitos e fazeres científicos, aprendizagens do Ensino Fundamental – Anos Iniciais no
desenvolvendo observações, análises, argumentações e contexto das diferentes áreas, visando ao aprofundamento e
potencializando descobertas. à ampliação de repertórios dos estudantes.
As experiências das crianças em seu contexto familiar, social Nesse sentido, também é importante fortalecer a
e cultural, suas memórias, seu pertencimento a um grupo e autonomia desses adolescentes, oferecendo-lhes condições e
sua interação com as mais diversas tecnologias de informação ferramentas para acessar e interagir criticamente com diferentes
e comunicação são fontes que estimulam sua curiosidade e a conhecimentos e fontes de informação.
formulação de perguntas. O estímulo ao pensamento criativo, Os estudantes dessa fase inserem-se em uma faixa etária
lógico e crítico, por meio da construção e do fortalecimento que corresponde à transição entre infância e adolescência,
da capacidade de fazer perguntas e de avaliar respostas, de marcada por intensas mudanças decorrentes de transformações
argumentar, de interagir com diversas produções culturais, biológicas, psicológicas, sociais e emocionais. Nesse período
de fazer uso de tecnologias de informação e comunicação, de vida, como bem aponta o Parecer CNE/CEB nº 11/2010,
possibilita aos alunos ampliar sua compreensão de si mesmos, ampliam-se os vínculos sociais e os laços afetivos, as
do mundo natural e social, das relações dos seres humanos entre possibilidades intelectuais e a capacidade de raciocínios mais
si e com a natureza. abstratos. Os estudantes tornam-se mais capazes de ver e avaliar
As características dessa faixa etária demandam um os fatos pelo ponto de vista do outro, exercendo a capacidade
trabalho no ambiente escolar que se organize em torno dos de descentração, “importante na construção da autonomia e na
interesses manifestos pelas crianças, de suas vivências mais aquisição de valores morais e éticos” ( BRASIL, 2010).
imediatas para que, com base nessas vivências, elas possam, As mudanças próprias dessa fase da vida implicam a
progressivamente, ampliar essa compreensão, o que se dá pela compreensão do adolescente como sujeito em desenvolvimento,
mobilização de operações cognitivas cada vez mais complexas e com singularidades e formações identitárias e culturais próprias,
pela sensibilidade para apreender o mundo, expressar-se sobre que demandam práticas escolares diferenciadas, capazes de
ele e nele atuar. contemplar suas necessidades e diferentes modos de inserção
Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação social. Conforme reconhecem as DCN, é frequente, nessa etapa,
pedagógica deve ter como foco a alfabetização, a fim de garantir observar forte adesão aos padrões de comportamento dos
amplas oportunidades para que os alunos se apropriem jovens da mesma idade, o que é evidenciado pela forma de se
do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao vestir e também pela linguagem utilizada por eles. Isso requer
desenvolvimento de outras habilidades de leitura e de escrita e dos educadores maior disposição para entender e dialogar com
ao seu envolvimento em práticas diversificadas de letramentos. as formas próprias de expressão das culturas juvenis, cujos
Como aponta o Parecer CNE/CEB nº 11/201020, “os conteúdos traços são mais visíveis, sobretudo, nas áreas urbanas mais
dos diversos componentes curriculares [...], ao descortinarem às densamente povoadas (BRASIL, 2010).
crianças o conhecimento do mundo por meio de novos olhares, Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem
lhes oferecem oportunidades de exercitar a leitura e a escrita de promovido mudanças sociais significativas nas sociedades
um modo mais significativo” (BRASIL, 2010). contemporâneas. Em decorrência do avanço e da multiplicação
Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, a progressão das tecnologias de informação e comunicação e do crescente
do conhecimento ocorre pela consolidação das aprendizagens acesso a elas pela maior disponibilidade de computadores,
anteriores e pela ampliação das práticas de linguagem e da telefones celulares, tablets e afins, os estudantes estão
experiência estética e intercultural das crianças, considerando dinamicamente inseridos nessa cultura, não somente como
tanto seus interesses e suas expectativas quanto o que ainda consumidores. Os jovens têm se engajado cada vez mais como
precisam aprender. Ampliam-se a autonomia intelectual, a protagonistas da cultura digital, envolvendo-se diretamente em
compreensão de normas e os interesses pela vida social, o que novas formas de interação multimidiática e multimodal e de
lhes possibilita lidar com sistemas mais amplos, que dizem atuação social em rede, que se realizam de modo cada vez mais
respeito às relações dos sujeitos entre si, com a natureza, com ágil. Por sua vez, essa cultura também apresenta forte apelo
20 BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação emocional e induz ao imediatismo de respostas e à efemeridade
Básica. Parecer nº 11, de 7 de julho de 2010. Diretrizes Curriculares Nacio- das informações, privilegiando análises superficiais e o uso de
nais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Diário Oficial da União, imagens e formas de expressão mais sintéticas, diferentes dos
Brasília, 9 de dezembro de 2010, Seção 1, p. 28. Disponível em: <http://portal. modos de dizer e argumentar característicos da vida escolar.
mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6324pc
Todo esse quadro impõe à escola desafios ao cumprimento
eb011-10&category_slug=agosto-2010-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 23
mar. 2017. do seu papel em relação à formação das novas gerações. É
importante que a instituição escolar preserve seu compromisso
Conhecimentos Específicos 91
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
de estimular a reflexão e a análise aprofundada e contribua .................................................................................
para o desenvolvimento, no estudante, de uma atitude § 1º A carga horária mínima anual de que trata o inciso I
crítica em relação ao conteúdo e à multiplicidade de ofertas do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino
midiáticas e digitais. Contudo, também é imprescindível que médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de
a escola compreenda e incorpore mais as novas linguagens e ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil
seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017.
de comunicação (e também de manipulação), e que eduque § 2º Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de
para usos mais democráticos das tecnologias e para uma educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular,
participação mais consciente na cultura digital. Ao aproveitar adequado às condições do educando, conforme o inciso VI do
o potencial de comunicação do universo digital, a escola pode art. 4º.” (NR)
instituir novos modos de promover a aprendizagem, a interação
e o compartilhamento de significados entre professores e Art. 2º O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
estudantes. passa a vigorar com as seguintes alterações:
Além disso, e tendo por base o compromisso da escola
de propiciar uma formação integral, balizada pelos direitos “Art. 26. ...........................................................
humanos e princípios democráticos, é preciso considerar a
necessidade de desnaturalizar qualquer forma de violência nas .................................................................................
sociedades contemporâneas, incluindo a violência simbólica de § 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões
grupos sociais que impõem normas, valores e conhecimentos regionais, constituirá componente curricular obrigatório da
tidos como universais e que não estabelecem diálogo entre as educação básica.
diferentes culturas presentes na comunidade e na escola. .................................................................................
Em todas as etapas de escolarização, mas de modo especial § 5º No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto
entre os estudantes dessa fase do Ensino Fundamental, esses ano, será ofertada a língua inglesa.
fatores frequentemente dificultam a convivência cotidiana e a .................................................................................
aprendizagem, conduzindo ao desinteresse e à alienação e, não § 7º A integralização curricular poderá incluir, a critério dos
raro, à agressividade e ao fracasso escolar. Atenta a culturas sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas
distintas, não uniformes nem contínuas dos estudantes dessa transversais de que trata o caput.
etapa, é necessário que a escola dialogue com a diversidade de .................................................................................
formação e vivências para enfrentar com sucesso os desafios de § 10. A inclusão de novos componentes curriculares de
seus propósitos educativos. A compreensão dos estudantes como caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular
sujeitos com histórias e saberes construídos nas interações com dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e
outras pessoas, tanto do entorno social mais próximo quanto de homologação pelo Ministro de Estado da Educação.” (NR)
do universo da cultura midiática e digital, fortalece o potencial
da escola como espaço formador e orientador para a cidadania Art. 3º A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a
consciente, crítica e participativa. vigorar acrescida do seguinte art. 35-A:
Nessa direção, no Ensino Fundamental - Anos Finais, a
escola pode contribuir para o delineamento do projeto de vida “Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá
dos estudantes, ao estabelecer uma articulação não somente direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme
com os anseios desses jovens em relação ao seu futuro, como diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes
também com a continuidade dos estudos no Ensino Médio. áreas do conhecimento:
Esse processo de reflexão sobre o que cada jovem quer ser no I - linguagens e suas tecnologias;
futuro, e de planejamento de ações para construir esse futuro, II - matemática e suas tecnologias;
pode representar mais uma possibilidade de desenvolvimento III - ciências da natureza e suas tecnologias;
pessoal e social. IV - ciências humanas e sociais aplicadas.
§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput
do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar
Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. harmonizada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada
a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e
cultural.
LEI Nº 13.415, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2017 § 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino
médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação
Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que física, arte, sociologia e filosofia.
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, § 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho línguas maternas.
- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de § 4º Os currículos do ensino médio incluirão,
1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão
a Lei no 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo,
de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade
Tempo Integral. de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.
§ 5º A carga horária destinada ao cumprimento da Base
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de
acordo com a definição dos sistemas de ensino.
Art. 1º O art. 24 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, § 6º A União estabelecerá os padrões de desempenho
passa a vigorar com as seguintes alterações: esperados para o ensino médio, que serão referência nos
processos nacionais de avaliação, a partir da Base Nacional
“Art. 24. ........................................................... Comum Curricular.
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas § 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a
para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho
por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua
excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver; formação nos aspectos físicos, cognitivos e sócio-emocionais.
§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação
processual e formativa serão organizados nas redes de ensino

Conhecimentos Específicos 92
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e III - atividades de educação técnica oferecidas em outras
escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma instituições de ensino credenciadas;
que ao final do ensino médio o educando demonstre: IV - cursos oferecidos por centros ou programas
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que ocupacionais;
presidem a produção moderna; V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais
II - conhecimento dasformascontemporâneas de linguagem.” ou estrangeiras;
VI - cursos realizados por meio de educação a distância ou
Art. 4º O art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, educação presencial mediada por tecnologias.
passa a vigorar com as seguintes alterações: § 12. As escolas deverão orientar os alunos no processo de
escolha das áreas de conhecimento ou de atuação profissional
“Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela previstas no caput.” (NR)
Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos,
que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes Art. 5º O art. 44 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:
local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I - linguagens e suas tecnologias; “Art. 44. ...........................................................
II - matemática e suas tecnologias; ..................................................................................
III - ciências da natureza e suas tecnologias; § 3º O processo seletivo referido no inciso II considerará
IV - ciências humanas e sociais aplicadas; as competências e as habilidades definidas na Base Nacional
V - formação técnica e profissional. Comum Curricular.” (NR)
§ 1º A organização das áreas de que trata o caput e das
respectivas competências e habilidades será feita de acordo com Art. 6º O art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
critérios estabelecidos em cada sistema de ensino. passa a vigorar com as seguintes alterações:
I - (revogado);
II - (revogado); “Art. 61. ...........................................................
.................................................................................
§ 3º A critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto .................................................................................
itinerário formativo integrado, que se traduz na composição de IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos
componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de
- BNCC e dos itinerários formativos, considerando os incisos I a áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados
V do caput. por titulação específica ou prática de ensino em unidades
.................................................................................. educacionais da rede pública ou privada ou das corporações
§ 5º Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender
vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino ao inciso V do caput do art. 36;
médio cursar mais um itinerário formativo de que trata o caput. V - profissionais graduados que tenham feito
§ 6º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho
com ênfase técnica e profissional considerará: Nacional de Educação.
........................................................................” (NR)
I - a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor
produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo Art. 7º O art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos passa a vigorar com as seguintes alterações:
estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional;
II - a possibilidade de concessão de certificados “Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação
intermediários de qualificação para o trabalho, quando básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura
a formação for estruturada e organizada em etapas com plena, admitida, como formação mínima para o exercício do
terminalidade. magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do
§ 7º A oferta de formações experimentais relacionadas ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
ao inciso V do caput, em áreas que não constem do Catálogo normal.
Nacional dos Cursos Técnicos, dependerá, para sua continuidade, ..................................................................................
do reconhecimento pelo respectivo Conselho Estadual de § 8º Os currículos dos cursos de formação de docentes terão
Educação, no prazo de três anos, e da inserção no Catálogo por referência a Base Nacional Comum Curricular.” (NR)
Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados
da data de oferta inicial da formação. Art. 8º O art. 318 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
§ 8º A oferta de formação técnica e profissional a que se aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943,
refere o inciso V do caput, realizada na própria instituição passa a vigorar com a seguinte redação:
ou em parceria com outras instituições, deverá ser aprovada
previamente pelo Conselho Estadual de Educação, homologada “Art. 318. O professor poderá lecionar em um mesmo
pelo Secretário Estadual de Educação e certificada pelos estabelecimento por mais de um turno, desde que não ultrapasse
sistemas de ensino. a jornada de trabalho semanal estabelecida legalmente,
§ 9º As instituições de ensino emitirão certificado com assegurado e não computado o intervalo para refeição.” (NR)
validade nacional, que habilitará o concluinte do ensino médio
ao prosseguimento dos estudos em nível superior ou em outros Art. 9º O caput do art. 10 da Lei no 11.494, de 20 de junho de
cursos ou formações para os quais a conclusão do ensino médio 2007, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XVIII:
seja etapa obrigatória.
§ 10. Além das formas de organização previstas no art. 23, “Art. 10. ...........................................................
o ensino médio poderá ser organizado em módulos e adotar o ................................................................................
sistema de créditos com terminalidade específica. XVIII - formação técnica e profissional prevista no inciso V
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do caput do art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer ........................................................................” (NR)
competências e firmar convênios com instituições de educação
a distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes Art. 10. O art. 16 do Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro
formas de comprovação: de 1967, passa a vigorar com as seguintes alterações:
I - demonstração prática;
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra “Art. 16. ...........................................................
experiência adquirida fora do ambiente escolar; .................................................................................

Conhecimentos Específicos 93
ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
§ 2º Os programas educacionais obrigatórios deverão ser § 4º Na hipótese de o Distrito Federal ou de o Estado ter,
transmitidos em horários compreendidos entre as sete e as no momento do repasse do apoio financeiro suplementar
vinte e uma horas. de que trata o caput, saldo em conta de recursos repassados
§ 3º O Ministério da Educação poderá celebrar convênios anteriormente, esse montante, a ser verificado no último dia
com entidades representativas do setor de radiodifusão, que do mês anterior ao do repasse, será subtraído do valor a ser
visem ao cumprimento do disposto no caput, para a divulgação repassado como apoio financeiro suplementar do exercício
gratuita dos programas e ações educacionais do Ministério da corrente.
Educação, bem como à definição da forma de distribuição dos § 5º Serão desconsiderados do desconto previsto no § 4º
programas relativos à educação básica, profissional, tecnológica os recursos referentes ao apoio financeiro suplementar, de que
e superior e a outras matérias de interesse da educação. trata o caput, transferidos nos últimos doze meses.
§ 4º As inserções previstas no caput destinam-se
exclusivamente à veiculação de mensagens do Ministério da Art. 15. Os recursos de que trata o parágrafo único do
Educação, com caráter de utilidade pública ou de divulgação de art. 13 serão transferidos pelo Ministério da Educação ao
programas e ações educacionais.” (NR) Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação - FNDE,
independentemente da celebração de termo específico.
Art. 11. O disposto no § 8º do art. 62 da Lei no 9.394, de Art. 16. Ato do Ministro de Estado da Educação disporá sobre
20 de dezembro de 1996, deverá ser implementado no prazo o acompanhamento da implementação do apoio financeiro
de dois anos, contado da publicação da Base Nacional Comum suplementar de que trata o parágrafo único do art. 13.
Curricular.
Art. 17. A transferência de recursos financeiros prevista no
Art. 12. Os sistemas de ensino deverão estabelecer parágrafo único do art. 13 será efetivada automaticamente pelo
cronograma de implementação das alterações na Lei no 9.394, FNDE, dispensada a celebração de convênio, acordo, contrato ou
de 20 de dezembro de 1996, conforme os arts. 2º, 3º e 4º desta instrumento congênere, mediante depósitos em conta corrente
Lei, no primeiro ano letivo subsequente à data de publicação específica.
da Base Nacional Comum Curricular, e iniciar o processo de Parágrafo único. O Conselho Deliberativo do FNDE disporá,
implementação, conforme o referido cronograma, a partir do em ato próprio, sobre condições, critérios operacionais
segundo ano letivo subsequente à data de homologação da Base de distribuição, repasse, execução e prestação de contas
Nacional Comum Curricular. simplificada do apoio financeiro.

Art. 13. Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, Art. 18. Os Estados e o Distrito Federal deverão fornecer,
a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino sempre que solicitados, a documentação relativa à execução
Médio em Tempo Integral. dos recursos recebidos com base no parágrafo único do art.
13 ao Tribunal de Contas da União, ao FNDE, aos órgãos de
Parágrafo único. A Política de Fomento de que trata o caput controle interno do Poder Executivo federal e aos conselhos de
prevê o repasse de recursos do Ministério da Educação para os acompanhamento e controle social.
Estados e para o Distrito Federal pelo prazo de dez anos por
escola, contado da data de início da implementação do ensino Art. 19. O acompanhamento e o controle social sobre a
médio integral na respectiva escola, de acordo com termo de transferência e a aplicação dos recursos repassados com base no
compromisso a ser formalizado entre as partes, que deverá parágrafo único do art. 13 serão exercidos no âmbito dos Estados
conter, no mínimo: e do Distrito Federal pelos respectivos conselhos previstos no
I - identificação e delimitação das ações a serem financiadas; art. 24 da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007.
II - metas quantitativas; Parágrafo único. Os conselhos a que se refere o caput
III - cronograma de execução físico-financeira; analisarão as prestações de contas dos recursos repassados
IV - previsão de início e fim de execução das ações e da no âmbito desta Lei, formularão parecer conclusivo acerca da
conclusão das etapas ou fases programadas. aplicação desses recursos e o encaminharão ao FNDE.

Art. 14. São obrigatórias as transferências de recursos da Art. 20. Os recursos financeiros correspondentes ao apoio
União aos Estados e ao Distrito Federal, desde que cumpridos financeiro de que trata o parágrafo único do art. 13 correrão
os critérios de elegibilidade estabelecidos nesta Lei e no à conta de dotação consignada nos orçamentos do FNDE e do
regulamento, com a finalidade de prestar apoio financeiro para Ministério da Educação, observados os limites de movimentação,
o atendimento de escolas públicas de ensino médio em tempo de empenho e de pagamento da programação orçamentária e
integral cadastradas no Censo Escolar da Educação Básica, e financeira anual.
que:
I - tenham iniciado a oferta de atendimento em tempo Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
integral a partir da vigência desta Lei de acordo com os
critérios de elegibilidade no âmbito da Política de Fomento, Art. 22. Fica revogada a Lei no 11.161, de 5 de agosto de
devendo ser dada prioridade às regiões com menores índices 2005.
de desenvolvimento humano e com resultados mais baixos nos
processos nacionais de avaliação do ensino médio; e Brasília, 16 de fevereiro de 2017; 196º da Independência e
II - tenham projeto político-pedagógico que obedeça ao 129º da República.
disposto no art. 36 da Lei no 9.394, de 20 dezembro de 1996.
§ 1º A transferência de recursos de que trata o caput será MICHEL TEMER
realizada com base no número de matrículas cadastradas pelos
Estados e pelo Distrito Federal no Censo Escolar da Educação Questões
Básica, desde que tenham sido atendidos, de forma cumulativa,
os requisitos dos incisos I e II do caput. 01. A carga horária mínima anual será de oitocentas horas
para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas
por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar,
§ 2º A transferência de recursos será realizada anualmente, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade
orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do ( ) Certo ( ) Errado
Ministro de Estado da Educação.
§ 3º Os recursos transferidos nos termos do caput poderão 02. Com base na Lei 13.415/2017, julgue o item abaixo:
ser aplicados nas despesas de manutenção e desenvolvimento O Conselho Deliberativo do FNDE disporá, em ato próprio,
previstas nos incisos I, II, III, V e VIII do caput do art. 70 da Lei sobre condições, critérios operacionais de distribuição, repasse,
no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, das escolas públicas execução e prestação de contas simplificada do apoio financeiro.
participantes da Política de Fomento. ( ) Certo ( ) Errado

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ESPECÍFICA LÍNGUA PORTUGUESA
Respostas

01. Certo. Lei 13.415/2017. “Art. 24.


I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas
para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas
por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar,
excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;

02. Certo. Lei 13.415/2017. Art. 17. A transferência de


recursos financeiros prevista no parágrafo único do art. 13 será
efetivada automaticamente pelo FNDE, dispensada a celebração
de convênio, acordo, contrato ou instrumento congênere,
mediante depósitos em conta corrente específica.
Parágrafo único. O Conselho Deliberativo do FNDE disporá,
em ato próprio, sobre condições, critérios operacionais
de distribuição, repasse, execução e prestação de contas
simplificda do apoio financeiro.

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