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13

Afrodescendentes relativas a essas populações 1.

na América Latina e Segundo os estudos demográficos, os


afrodescendentes constituem uma parte
Caribe: novos caminhos, significativa da totalidade da população
novas perspectivas em da América Latina e Caribe. Algumas
estimações oscilam entre 80 e 150 milhões de
um contexto global afrodescendentes em um total de 900 milhões
multicultural de habitantes de toda a região (BELLO,
Rebecca Lemos Igreja – CEPPAC - Universidade 2003; ANTON, 2009). Além da origem
de Brasília comum africana, as populações negras latino-
Carlos Agudelo - URMIS – Universidade Paris americanas e caribenhas compartilham uma
VII e Universidade de Nice e Instituto de Pesquisa série de situações históricas e socioculturais,
para o Desenvolvimento – IRD/ França como o contexto colonial e de escravidão no
qual foram inseridas. Destacam-se também
os processos de construção cultural e de
Nos últimos anos, vários países da
adaptação que essas populações vivenciaram
América Latina e do Caribe promoveram
no continente, que vão além das “huellas de
reformas legislativas e institucionais com
africanía” desveladas pelos estudos históricos e
o objetivo de reconhecer e afirmar o caráter
antropológicos. Outro elemento de confluência
multiétnico e multicultural da nação. Esse
observado está relacionado com as situações de
movimento foi identificado como um
racismo, segregação e exclusão impostas pelas
“giro multicultural” que começou a ser
sociedades coloniais, reproduzidas sob novas
implantado desde o final dos anos 80. Em
formas após a abolição definitiva da escravidão
boa parte desses países, a categoria de
e o advento das repúblicas independentes.
alteridade, antes atribuída especialmente
aos povos indígenas, foi estendida às 1 Existem múltiplos conceitos ou categorias de
populações de origem africana que, dessa representação e de autorrepresentação utilizados
para designar o conjunto de descendentes africanos
maneira, ganharam maior visibilidade (subsaarianos ou da também chamada África negra) que
chegaram às Américas, fundamentalmente no contexto
enquanto populações culturalmente
colonial. Essas distintas formas de designação são
diferenciadas. É nesse contexto que o produzidas em condições históricas e políticas específicas,
nas quais essas populações estão inseridas. Ressalta-se
conceito de afrodescendente adquire um que há um intenso debate público e acadêmico sobre a
status quase generalizado no seio das pertinência do uso desses conceitos ou categorias, contudo,
não é o propósito desse texto aprofundar em sua análise.
instituições internacionais e estatais e entre Considerando as especificidades locais dos estudos
aqui apresentados nesse dossiê e tendo como principal
os movimentos políticos, sociais e culturais objetivo oferecer uma descrição dos diferentes contextos
da região, sem que com isso desapareçam nacionais, serão utilizados indistintamente os termos:
populações de origem africana, afrodescendentes, afro-
outras formas de denominação nacional americanas, afro-latino-americanas, afro-caribenhas,
negras, afro-colombianas, afro-brasileiras, etc.
14

Não obstante, essas populações afrodescendentes final dos anos 80, expressões reivindicativas de
estão também diversificadas segundo as movimentos negros tornam-se mais visíveis e
particularidades dos processos históricos regionais são incluídas nessa discussão. Direitos culturais,
ou nacionais e das dinâmicas socioculturais em que territoriais e políticos das populações negras passam,
estão inseridas. Constituem populações rurais ou portanto, a ser parte das agendas políticas nacionais
urbanas, situadas em regiões costeiras e insulares e globais2. Observa-se atualmente, em vários países
ou no interior continental, que desenvolveram da região, o desenvolvimento de diferentes modos
práticas culturais e religiosidades específicas de reconhecimento institucional da diversidade
(como as religiões afro-brasileiras, afro-cubanas, cultural e étnica, assim como novas formas de
o vodu haitiano, os diferentes cultos aos ancestrais combate à discriminação racial e ao racismo, nos
dos garífunas da América Central, dos Saramaka quais são explicitamente incluídas suas populações
ou dos Dyuka do Suriname e mesmo algumas negras. Deve-se, contudo, sempre considerar com
formas particulares sincréticas de catolicismo cuidado as particularidades locais dessas formas de
popular); ou ao contrário, populações cujos reconhecimento e de atuação institucional.
comportamentos socioculturais e religiosos não
se diferenciam, em termos gerais, da maioria da O longo caminho para a inclusão
população da localidade, região ou país em que
habitam. As populações afrodescendentes estão, Mediante uma perspectiva histórica, pode-
portanto, inseridas em dinâmicas sociais diversas, se observar que as mobilizações políticas
relacionadas com as especificidades de sua coletivas dos afrodescendentes na região
inserção em cada país (implantação história, peso são episódicas. Constituem exemplos
demográfico, influencia cultural nas sociedades significativos de mobilização durante o
nacionais, políticas públicas relacionadas com período histórico da colonização, as formas de
elas e como se deram os processos de mobilização resistência desenvolvidas por eles para fazer
política e social). frente à escravidão e, de maneira especial, a
independência do Haiti. Com o advento das
Entre marcos de referência comuns e especificidades, repúblicas e os processos de construção nacional
cada país desenvolve seus próprios mecanismos de ao longo do século XIX, a prática política mais
integração e/ou exclusão de suas populações negras corrente das populações negras foi a militância
através de comportamentos sociais consolidados ou em forças partidárias nacionais. Se, em alguns
elaboração de políticas públicas. Se anteriormente, locais, observa-se a organização de partidos
como já mencionamos, a discussão na América
2 Adotamos o conceito de “global” como característico
Latina sobre direitos coletivos, diferenças culturais, do fenômeno da globalização ou mundialização, que
assumimos como sinônimos, que aludem não somente
identidades étnicas, políticas públicas de inclusão aos processos econômicos (sua acepção inicial), mas
e outros temas que desde uns 30 anos assumem também às dinâmicas culturais sociais e políticas. A
globalização gera mudanças significativas nas relações
também a denominação de multiculturais, tinha entre os indivíduos, as sociedades e os estados. Trata-se
de uma intensificação das relações em escala planetária
como referência os povos indígenas, a partir do (Giddens, 1994)
15

autônomos negros como resposta à persistência Organismos internacionais como o Banco


de formas de discriminação (HELG, 1995), Mundial (BM), o Banco Interamericano de
encontram-se também algumas experiências de Desenvolvimento (BID), a Organização das Nações
mobilização política ao longo do século XX, Unidas (ONU), o Programa de Nações Unidas
nas quais as características fundamentais eram para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização
as reivindicações feitas ao Estado por medidas Internacional de Trabalho (OIT), a Organização das
contra a discriminação e o racismo e pelo direito Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
a uma cidadania plena. É o caso, por exemplo, (UNESCO), a Organização dos Estados Americanos
da Frente Negra Brasileira dos anos 303. (OEA), grandes fundações e organizações
não governamentais (ONGs) de cooperação e
Em geral, é a partir dos anos 80, em um contexto
desenvolvimento, constituem atores primordiais que
marcado pela globalização, que são registradas
atuarão nas transformações das políticas públicas dos
gradualmente, por parte de alguns Estados latino-
países latino-americanos, principalmente no que diz
americanos e do Caribe, medidas que promovem
respeito à efetivação dos direitos de grupos racial ou
o reconhecimento institucionalizado do caráter
etnicamente diferenciados. O discurso dominante
diverso das sociedades, em ruptura com o
dessas instituições consolida nos anos 90 a inclusão
modelo universalista e republicano da cidadania
de variáveis étnico-raciais nos estudos, pesquisas e
homogeneizante ou de repúblicas mestiças (WADE,
estratégias de luta contra a exclusão, a pobreza, a
1997, Gros, 1997) 4. Nesse momento, afiança-se o
proteção do meio-ambiente e da biodiversidade.
reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e,
Nessa mesma perspectiva, sob influência do modelo
posteriormente, das populações negras. Embora as
neoliberal, os planos que circulam internacionalmente
mobilizações indígenas ganhem maior espaço nesse
sobre “governabilidade democrática” 5, redução do
cenário, as mobilizações de setores de populações
tamanho do Estado e descentralização vêm associados
negras também estão atuantes, ainda que com menor
com a necessidade de dar maior representatividade
visibilidade.
aos novos interlocutores sociais, dentre os quais terão
3 Agustín Lao Montes (2009) apresenta uma lugar destacados os grupos indígenas e negros.
periodização e categorização dessas experiências
para o conjunto das Américas, nas quais inclui nos
anos 20 e 30 a influência das correntes da Negritude, Os processos de mobilização nacional ou a
o Nacionalismo Negro de Marcus Garvey e outras
variantes pan-africanistas. Nos anos 60 e 70, a influência
discussão no espaço público das problemáticas
decorre das lutas antirracistas nos Estados Unidos e das populações negras vão se fortalecendo
contra o Apartheid na África do Sul e, em geral, das
lutas anticoloniais na África. Deve-se ressaltar que em ritmos diferenciados e em relação com
as influências desses processos sobre as comunidades
os contextos específicos de cada país. Em
e populações negras latino-americanas e caribenhas
foram, em termos gerais, marginais e restritas, sobretudo, uma dinâmica de mútua retroalimentação,
a alguns setores dos movimentos negros.
4 Os países nos quais são mais explícitas essas os ativismos nacionais apoiam-se nas
mudanças promoveram mudanças constitucionais mobilizações transnacionais das reivindicações
como Brasil, Colômbia, Nicarágua, Equador, Bolívia
e Venezuela. Os demais países da região elaboraram 5 Sobre a gênesis desse conceito no marco das
reformas, leis e mudanças no discurso oficial nos quais políticas de desenvolvimento aplicadas pelos organismos
se reconhecem as diversidades nacionais. internacionais na América Latina e Caribe ver Prats (2001).
16

das populações negras, ao mesmo tempo em que Ainda nesses anos, as redes transnacionais
são, igualmente, o sustento dessas mobilizações. dos movimentos negros continuaram se
Momento importante que deu maior visibilidade multiplicando: em 1994 surge a “Red
às mobilizações negras na América Latina foi Continental de Organizaciones Afroamericanas”
a participação de alguns setores no âmbito do no Uruguai; em 1995 surge a “Organización
movimento que confrontou a celebração dos Negra Centroamericana” (ONECA). A rede
“500 anos de descobrimento. Encontro de dois “Afromérica XXI” surgirá no ano seguinte, em
mundos”, promovido por governos latino- 1996. Em geral, essas redes coincidem-se na
americanos e o governo espanhol em 1992. denúncia da discriminação racial que sofrem
A contestação do movimento indígena a essa as populações negras na região; na valorização
celebração mediante a alteração do lema para das origens africanas e das contribuições que
“500 anos de resistência indígena” e a promoção essas populações fizeram para a construção das
de mobilizações em âmbito continental ampliou- sociedades nacionais, até então invisibilizadas
se com a união de setores do movimento negro, pela história oficial; na consolidação da
alterando o lema, mais uma vez, para “500 memória das formas de resistência à escravidão;
anos de resistência indígena, negra e popular e, finalmente, na demanda aos estados nacionais
na América”. Em 1992, também surge a “Red e organismos internacionais de elaboração de
de mujeres afrolatinoamericanas y caribeñas” políticas públicas de inclusão social que visem
no âmbito do “Primer encuentro de mujeres à superação dos obstáculos que situam as
negras” realizado na República Dominicana. Em populações negras nos setores de maior grau de
1994, a Organização das Nações Unidas para marginalização. Os processos de mobilizações e
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) os avanços em matéria de reconhecimento que vão
lança o programa “A Rota dos Escravos” alcançar as mobilizações indígenas influenciarão e
incentivando a criação de uma rede transnacional incidirão diretamente na dinâmica que tomará as
de pesquisa que realce a história do tráfico de ações do movimento negro.
escravos. A história e a memória da escravidão
Como parte do processo de preparação da
e, sobretudo, as formas de resistência das
Organização das Nações Unidas (ONU)
populações negras escravizadas, constituem um
da “Conferência Mundial de Combate ao
elemento fundamental do discurso político do
Racismo, Discriminação Racial, Discriminação
movimento negro. Por essa razão, as atividades
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata”
e a produção bibliográfica do programa “A Rota
que acontece em Durban – África do Sul em
dos Escravos” constituem um apoio essencial
setembro de 2001, é realizada uma série de
para dar fundamento e legitimar esse discurso6.
reuniões nacionais, sub-regionais e do conjunto
6 A Rota de Escravos promove uma série de eventos
na América Latina, no Caribe e na África, nos quais da América Latina e Caribe. Ali conflui a
participam historiadores e intelectuais especialistas no grande maioria das organizações negras
tema, alguns deles líderes e ativistas de movimentos
negros em seus respectivos países. nacionais, assim como as redes transnacionais
17

que acabamos de mencionar. No âmbito dessas generalizada pela maioria dos organismos
atividades surge no ano 2000 uma nova rede, internacionais, começando pela Organização
a “Alianza estratégica afrolatinoamericana das Nações Unidas (ONU), e por boa parte do
y caribeña”, conformada pelas organizações movimento político negro, não esgota, contudo,
mais importantes da região e a qual se integram o debate e o uso de outras formas de nomear
algumas das redes preexistentes7. as populações negras. Entre muitos setores,
a utilização do termo negro e a afirmação
O evento mais significativo desse processo de
combinada da origem africana com a do país
preparação da Conferência foi a “Pré-conferência
ou região específica de implantação (afro-
de las Américas contra el racismo” realizada em
equatoriano, afro-caribe, etc.) continuam sendo
Santiago do Chile em 2000. Essa reunião contou
reivindicadas como legítimos.8
com a presença de representantes da maioria
dos governos latino-americanos e do Caribe. Na Com o impulso da Organização das Nações
pré-conferência de Santiago foram delineados Unidas (ONU) e as demais instituições
os elementos que conformariam a posição dos internacionais, que já estavam implicadas no
movimentos indígenas e negros em relação tema9, e a dinâmica de mobilização negra nos
aos objetivos da Conferência de Durban. A diferentes países são criadas as condições para
intenção foi comprometer os Estados da região, que os governos expressem sua vontade política
assim como as instituições internacionais, de se comprometerem com as orientações em
com uma agenda política para a superação da matéria de luta contra a exclusão e o racismo
discriminação racial e a exclusão social. Um preconizadas na Conferência de Durban.
dos aspectos de significação política e simbólica
Outra mobilização política negra importante
de importância da pré-conferência de Santiago
surge em 2003, com as reuniões de congressistas
foi a oficialização do conceito afrodescendente
afrodescendentes da América Latina e Caribe. A
que é adotado como a forma genérica mais
primeira reunião foi realizada em Brasília em
apropriada para designar as populações de
2003, a segunda em Bogotá em 2004, em 2005
origem africana na América Latina e Caribe. O
foi a vez de San José e Limón na Costa Rica, em
objetivo é, por um lado, usar o conceito para se
2006 no Panamá e, finalmente, foi realizada uma
diferenciar da denominação “african-american”
reunião em Cali, Colômbia, em 2008. O propósito
ou afro-americanos das populações negras dos
geral destacado nos diferentes encontros foi o de
Estados Unidos; por outro lado, encontrar um
construir mecanismos de coordenação das suas
conceito genérico para superar o debate sobre
atividades, definidas como voltadas ao apoio e à
a pertinência política e histórica da categoria
8 Como explicamos a princípio desse texto, as
negro e de outras acepções nacionais como
diferentes formas de denominar essas populações
afro-colombiano, afro-brasileiro, etc. A adoção surgiram em contextos históricos e políticos precisos.
9 Como o Banco Mundial, o Banco Interamericano
do termo afrodescendente, usado de forma de Desenvolvimento (BID), a Organização das Nações
7 Para ver de forma mais detalhada as características Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
de cada uma dessas redes ver (Agudelo, 2006,2010) e outras instituições já mencionadas anteriormente.
18

participação ativa em todas as reivindicações de apresenta como uma aliança contra o racismo,
direitos das populações negras do continente. O o imperialismo e a globalização neoliberal
objetivo era pressionar os parlamentos de seus capitalista. Como veremos mais adiante, essa
países para que se comprometessem em atender nova instância é a expressão de um esforço de
essas reivindicações. Um aspecto importante demarcação ideológica e política no interior dos
destacado e denunciado pelos parlamentares movimentos negros da região.
que se envolveram nessa mobilização é a sub-
Essas diversas redes representam uma forma
representação política das populações negras na
organizativa transnacional com funcionamento
região (Agudelo, 2005).
intermitente, em razão dos muitos fatores que
Em 2004, por iniciativa da organização uruguaia condicionam a sua ação. As possibilidades
Mundo Afro, surge uma nova rede, as “Oficinas materiais para o seu desenvolvimento têm
Regionales de Análisis y Promoción de Políticas dependido, em grande medida, do apoio
Públicas en Equidad Racial” (ORAPPER). das agências internacionais de cooperação
Atualmente, as Oficinas estão presentes na Costa e, portanto, das mudanças nas relações com
Rica, Nicarágua, Panamá, Venezuela, Colômbia, as mesmas. Contudo, as prioridades de seus
Equador, Bolívia, Peru, Chile, Uruguai, Argentina, integrantes, que por momentos têm optado
Paraguai e Canadá. ORAPPER promove, por sua ou se sentido obrigados a optarem pelas lutas
vez, a criação de uma nova rede, a “Coalición nacionais, são outro fator que explicam o
Latinoamericana y Caribeña de Ciudades contra surgimento ou desaparecimento de ditos espaços
el Racismo, la Discriminación y la Xenofobia” transnacionais de mobilização (Agudelo,
com apoio da Organização das Nações 2006). Além dos limites que podem ter essa forma
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura de funcionamento das redes transnacionais,
(UNESCO) e o governo do Equador. Apoiando- elas representam apenas uma das facetas dos
se nos discursos das anteriores redes (Alianza processos de interação global, nos que intervêm
estratégica, Afroamérica XXI, etc.), ORAPPER diferentes tipos de atores (instituições, ONGs,
e a Coalición privilegiam um trabalho de pressão estados, movimentos políticos, etc.) implicados
política sobre as instituições públicas (prefeituras, na problemática das populações negras.
ministérios, institutos descentralizados, etc.) para
que elas tomem medidas concretas em relação às Durban, instrumento estratégico
situações de desigualdade racial em matéria de
acesso a serviços públicos, emprego, educação, Da Conferência de Durban surgirá um
participação política e visibilidade cultural. instrumento reivindicativo que será
mobilizado por todas as expressões do
Em novembro de 2012 foi ativada em Cuba a movimento negro na América Latina, tanto nas
“Articulación Regional Afrodescendente de suas redes transnacionais como nos espaços
América Latina y el Caribe (ARAAC)”, que se nacionais: a “Declaração e plano de ação de
19

Durban”.10 Nesse documento estão plasmados Por conseguinte, em março de 2008, é


os compromissos que o conjunto dos Estados realizado no Panamá o seminário “Poblaciones
de América Latina, presentes em dita Afrodescendientes en América Latina”,
conferência, subscreveram para lutar contra a convocado pela Secretaria Geral Iberoamericana
discriminação e o racismo manifestado contra (SEGIB). Esse encontro surge do mandato da
os grupos étnicos e as minorias.11 “XVII Cumbre Iberoamericana de Jefes de
Estado y de Gobierno” realizada em Santiago
O protagonismo nesse processo de visibilidade
do Chile em 2007, onde é recomendada “a
da problemática negra na América Latina,
realização de um compêndio de informação
que nos anos 90 instituições como o Banco
sobre a situação da população afrodescendente
Mundial e o Banco Interamericano de
de Iberoamérica”.13 Consultores da CEPAL
Desenvolvimento (BID) avocaram, é assumido
apresentaram no evento relatórios de diagnóstico
nos anos subsequentes a Durban por instituições
que foram, então, discutidos com representantes
como o Programa das Nações Unidas para
da maioria dos movimentos negros da região.14
o Desenvolvimento (PNUD) ou a Secretaria
Como continuidade desse encontro, o Programa
Geral Iberoamericana (SEGIB), a “Agencia
das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Española de Cooperación Internacional para el
(PNUD) elabora o projeto regional “Población
Desarrollo”- (AECID) , a Comissão Econômica
Afrodescendiente de América Latina”. Para a
para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a
apresentação dos resultados de dito projeto,
Organização dos Estados Americanos (OEA)
é organizado no Panamá, em novembro de
e a “United States Agency for International
2009, o seminário “Derechos de la población
Development” (USAID) entre outras, que
afrodescendiente de América Latina: Desafíos
mantêm a dinâmica de promoção de políticas de
para su Implementación”15. Esses eventos
cooperação e que acompanham as mobilizações
promovem avaliações sobre o respeito aos
de setores do movimento negro.12
direitos das populações afrodescendentes,
10 http://www.un.org/spanish/comun/docs/?symbol=A/
CONF.189/12 (15/07/2013). tendo como referência a agenda global que
11 Para o caso da América Latina, incluem-se nos ganhou legitimidade nos anos 90 e, em
grupos étnicos, os povos indígenas, os afrodescendentes
e os ciganos (cuja presença é invisível em alguns países). fundos do BID ou o “Programa Nacional de Recursos
Em geral, o conceito “minorias” está relacionado aos Naturais do Banco Mundial, igualmente para a região
migrantes, homossexuais e pode também fazer alusão a do Pacífico colombiano, habitado majoritariamente por
minorias religiosas ou outros grupos considerados como populações negras (Agudelo, 2004 e 2005). Contudo,
potenciais vítimas de discriminação. esses organismos desenvolvem projetos similares em
12 O Banco Mundial e o BID mantêm ainda alguns outros países e regiões como o Brasil e América Central.
programas destinados às populações negras na região, As análises da origem e evolução das políticas dessas
mas suas atuações têm diminuído expressivamente instituições destinadas às populações negras merecem
em relação ao início dos anos 90. Essas instituições uma investigação específica.
promoveram projetos de desenvolvimento para zonas 13 http://segib.org/upload/File/Infordelseminario_
de forte presença de populações negras em situações AFro.pdf (15/07/2013).
de marginalidade e pobreza extrema através de 14 Ver os documentos em http://segib.org/es/node/4433
mecanismos de microcrédito, combinados com políticas (15/07/2013).
de cooperação. Para o caso de Colômbia, está o exemplo 15 http://www.afrodescendientes-undp.org/page.
do “Plan de Desarrollo del Pacífico” realizado com php?page=3 (17/07/2013).
20

particular, os compromissos da Conferência de nível de políticas públicas de inclusão para suas


Durban. O Programa das Nações Unidas para o populações negras, é a persistência de diferenças
Desenvolvimento (PNUD) contribui com esse de condições socioeconômicas entre brancos e
processo avaliativo incluindo como referência o negros, que mantem a maioria dos negros na base
cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento da pirâmide social, com altos graus de pobreza,
do Milênio - ODM16, nos quais os afrodescendentes segregação e marginalidade. Os diversos
são considerados como uma das prioridades das estudos e diagnósticos realizados tanto em âmbito
Nações Unidas, considerando que constituem nacional quanto em toda a região coincidem ao
uma parte majoritária dos setores mais pobres e demonstrarem indicadores sociais negativos para
desfavorecidos das sociedades latino-americanas. os afrodescendentes17. As estatísticas em matéria
de acesso aos serviços básicos como saúde,
Em geral, as avaliações demonstram
moradia, água potável, saneamento, eletricidade,
mudanças qualitativas em termos de inclusão
educação, emprego, recreação, etc, confirmam
da problemática afro-latino-americana nas
que as políticas elaboradas com o objetivo de
agendas políticas globais (especialmente dos
superar esses índices negativos não deram ainda
organismos internacionais) e nas agendas
os resultados positivos esperados. Para o caso
da maioria dos governos da região que, em
do Brasil, essa constatação está fundamentada
alguns casos, manifestam-se mediante reformas
em estatísticas econômicas sólidas e com grande
constitucionais e, em outros casos, por meio
legitimidade nacional18.
de leis e decretos ou a criação de instâncias
específicas dos governos que tratam de seus A existência desses dados consolidados no
assuntos. Nesse sentido, em alguns países, a Brasil, demonstrando as lacunas existentes
visibilidade adquirida pelas expressões políticas entre as condições socioeconômicas de
ou associativas negras representa um avanço brancos e negros, deu suporte à elaboração de
em relação ao panorama de finais dos anos políticas de ações afirmativas, especialmente ao
80. Superando uma espécie de invisibilidade estabelecimento de cotas raciais na admissão
política, os movimentos negros passam a fazer na universidade e no serviço público. Deve-se
parte dos interlocutores do debate político ressaltar a importância das reuniões brasileiras
nacional, uma vez que o tema das políticas de preparatórias para a Conferência de Durban e
reconhecimento e a luta contra a discriminação a posterior realização da conferência como
racial ocupam, desde então, um lugar primordial motivadoras para a organização desses dados.
nas agendas dos governos da região. Além disso, esses eventos ofereceram, como em
17 Ver (CEPAL, 2012) e igualmente um estudo
Não obstante, um aspecto que ainda corrobora da CEPAL e SEGIB, baseados em múltiplos estudos
uma avaliação claramente negativa, mesmo nacionais realiza uma sínteses dos resultados obtidos
(Bello, Paixâo, 2008).
em países como o Brasil que apresenta o maior 18 Destacam-se os trabalhos do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e o Instituto Brasileiro de
16 http://www.pnud.org.br/ODM.aspx Geografia e Estatística (IBGE).
21

outros países latino-americanos, o fundamento uma das reivindicações que mais mobilizam os
necessário e legitimador para as reivindicações movimentos negros e que conta com o respaldo
das populações negras brasileiras e para a das instituições internacionais é a necessidade
elaboração de políticas públicas voltadas para de que os Estados instituam ou melhorem os
elas19. No caso das ações afirmativas, elas sistemas estatísticos para que deem conta, de
são vistas, nesse contexto, como políticas forma concreta, dos níveis socioeconômicos
compensatórias que visam reparar as injustiças e outras variáveis que determinem o grau de
do passado, herdeiras da escravidão, e promover inclusão social dos afrodescendentes20.
a inserção dos afrodescendentes em espaços dos
Apesar da presença nos eventos latino-
quais estão excluídos e que são fundamentais
americanos de ativistas de muitas organizações
para a sua inclusão social. Não se trataria,
que surgiram na década passada, nota-se
portanto, de políticas multiculturalistas que
um refluxo dos processos transnacionais de
aportam alguma forma de reconhecimento
coordenação e uma maior concentração nas
étnico e cultural. Contudo, essas iniciativas
agendas nacionais. Essa situação é própria
são adotadas no mesmo âmbito de discussão
do caráter intermitente, já observado, do
sobre propostas multiculturalistas, muitas vezes
funcionamento das redes transnacionais.
consideradas como políticas complementares,
Nas dinâmicas nacionais o balanço é
motivadas e apoiadas igualmente pelas
contrastante: embora haja maior visibilidade
instituições internacionais (IGREJA, 2005).
das populações negras, suas organizações
Outros países do continente vão introduzindo e suas problemáticas, também se verificam
gradualmente variáveis etnorraciais nos processos de enfraquecimento e desgaste. A
levantamentos de dados e posteriores análises das falta de resultados positivos das políticas de
condições socioeconômicas de suas populações reconhecimento em matéria de inclusão social
para que, de forma confiável, possam atestar, ou acaba por não incentivar o crescimento da
não, essa tendência generalizada de manutenção adesão dos representantes negros ao discurso
do desnível existente entre brancos e negros. político multicultural.
Não obstante, muitos países da região enfrentam
Tanto nos espaços de intercâmbio transnacional
ainda uma grande dificuldade para elaboração
quanto no âmbito nacional, o slogan central
desses insumos estatísticos. Por essa razão,
continua sendo o pleito pela efetivação dos
19 A participação da delegação brasileira foi uma das compromissos dos Estados com a Declaração e
maiores presentes em Durban. Além disso, o relatório
apresentado pelo governo do país foi considerado bastante Plano de Ação de Durban. Ante a evidência do
aberto, pois nele o Estado brasileiro comprometeu-
se a reconhecer sua responsabilidade histórica pelo 20 As populações negras compartilham esses índices
escravismo; a efetivar o reconhecimento das terras negativos com as populações indígenas e outros setores
quilombolas; a criar um foro afro-indígena para a marginalizados em cada país, ainda que a representação
definição conjunta de políticas específicas de inclusão por grupos sociais mostre claramente a presença
social; e, por fim, a adotar as cotas e outras medidas majoritária dos negros e indígenas em situação de
afirmativas (IGREJA,2005). marginalidade (Bello,Paixâo, 2008).
22

resultado deficiente em matéria de cumprimento dessa celebração era “(...) fortalecer as medidas
de tais obrigações, a maioria dos setores dos nacionais e a cooperação regional e internacional
movimentos étnicos promoveu a realização em benefício dos afrodescendentes, em relação ao
de uma nova avaliação e o relançamento do gozo pleno de seus direitos econômicos, culturais,
Plano. Organizada pela ONU, a Conferência sociais, civis e políticos” 24. Os compromissos de
de Exame de Durban foi realizada em abril de Durban continuavam sendo o marco de referência
2009 em Genebra21. Todavia, a Conferência foi fundamental no qual essa resolução apoiou-se.
considerada por parte das organizações negras
Ao longo do mesmo ano, multiplicaram-
presentes como improdutiva. Ainda que os
se os foros, encontros, seminários, cúpulas,
Estados latino-americanos signatários tenham
tanto na esfera nacional quanto internacional.
reafirmado seus compromissos com o Plano de
Entre os que alcançaram maior visibilidade
Ação de Durban, os participantes denunciaram
podemos mencionar, em ordem cronológica,
a falta de uma implicação mais consequente
o “IV Encuentro de Afrodescendientes y las
por parte das Organizações das Nações Unidas
Transformaciones Revolucionarias en América
(ONU) e dos países que boicotaram a reunião
y el Caribe” realizado em Caracas de 19 a 22 de
com sua ausência22. Além disso, muitas
junho; a “Cumbre Mundial deAfrodescendientes,
organizações indígenas e negras não contaram
Desarrollo Integral, sostenible con Identidad”
com o apoio necessário para sua participação.
em Ceiba, Honduras, de 18 a 21 de agosto; o
O que se constatou é que a visibilidade de tal
“Foro sobre acaparamiento de territorios en
encontro foi marginal.23
África y América Latina” também realizado em
Ceiba, Honduras nos dias 18 e 19 de agosto;
Do ano ao decênio dos
a “Reunião de Alto Nível para comemorar os
afrodescendentes
10 anos da declaração de Durban” em 22 de
A Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), setembro, no marco da Assembleia Geral da
durante o 65º período ordinário de sessões, ONU em Nova York; a “Cumbre mundial de la
proclamou 2011 como o Ano Internacional dos juventud afrodescendiente” realizada entre 5 e 7
Afrodescendentes. Segundo a resolução, o propósito de outubro; o “Dialogo regional de Juventudes
21 http://www.un.org/es/durbanreview2009/ Afrodescendientes sobre Democracia y
(18/07/2013).
22 Os países que não participaram foram Austrália, Ciudadanía” ocorrido em Quito nos dias 20
Canadá, Alemanha, Israel, Itália, Holanda, Estados e 21 de outubro de 2011 e organizado pelo
Unidos e Nova Zelândia. A origem do boicote foi o
desacordo em relação à posição da Conferência que PNUD; o “Encontro AFROXXI” e o “Encontro
considera a conduta de Israel com o povo da Palestina
como racista. Israel e os demais países que boicotaram a
Ibero-americano do Ano Internacional dos
reunião consideraram tal posição como antissemita. Afrodescendentes” que aconteceu entre 17 e 19
23 Declarações de Mercedes Moya, representante
do “Proceso de Comunidades Negras”(PCN) e a rede
“Alianza Estratégica afrolatinoamericana y caribenha” 24 Resolução 64/169 da AGNU,
http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N09/471/97/
em Genebra. Entrevista pessoal realizada em Genebra,
PDF/N0947197.pdf?OpenElement (19/07/2013).
Novembro de 2009.
23

de novembro em Salvador, Brasil. Esse evento Incertezas, desafios e perspectivas


foi organizado pela SEGIB e pelo governo
As políticas de reconhecimento ou multiculturais
brasileiro, com o apoio da ONU. Em termos
são o resultado de uma interação complexa entre
gerais e com diferentes matizes, os conteúdos
o Estado e diversos atores (organizações sociais,
programáticos e reivindicativos preconizados em
movimentos políticos, ONG, autoridades
Durban foram reiterados nesses espaços. Entre
locais, organismos internacionais, agentes de
algumas proposições aprovadas destaca-se a
cooperação para o desenvolvimento, etc.). A
proposta da ONU de proclamação do “Decênio
dinâmica dessa interação, originada no contexto
dos afrodescendentes”. A proposta foi apresentada
da globalização, será determinante para os
na Assembleia Geral de 2013, quando foi adotada,
posicionamentos assumidos pela agenda política
por consenso, uma resolução que estabelece a
nacional e internacional em relação ao tema. É
celebração do Decênio de 1 de janeiro de 2015 a
nesse contexto que se situam os diversos eventos,
31 de dezembro de 2024. O propósito é priorizar,
programas e atividades, como a celebração em
durante esse período de tempo, as medidas
1992 dos “500 anos de resistência indígena,
necessárias para lograr as reivindicações das
negra e popular nas Américas”; o programa “A
populações negras em escala mundial.
Rota dos Escravos” da UNESCO; a constituição
É mencionada também de forma reiterada em de distintas redes transnacionais; os diversos
vários desses eventos, a necessidade de se criar foros sobre o tema, em especial, a preparação
um Fundo Internacional de recursos destinado a e realização da Conferência de Durban; e
apoiar a elaboração de políticas públicas nacionais iniciativas como o ano e o decênio internacional
que visem à concretização das reivindicações dos afrodescendentes. Da conferência de
apresentadas. Embora essa demanda não conste Durban surge a “Declaração e Plano de ação de
na resolução da ONU sobre o decênio dos Durban”, documento que sintetiza de forma mais
afrodescendentes, é um assunto constantemente aperfeiçoada as reivindicações das populações
debatido por diferentes expressões do movimento negras, em sua luta contra a discriminação racial
negro nesses eventos transnacionais. Não existe, e pela inclusão social.
contudo, unanimidade em torno da modalidade e
Embora seja certo que nos últimos 20 anos
os mecanismos que devem ser estabelecidos para
houve o traspasse de uma “invisibilidade”
a efetivação de tal Fundo. 25
25 Na Conferência de Durban debateu-se sobre o
oficial dos afrodescendentes latino-americanos
Fundo de forma conjunta com a reivindicação das a formas de reconhecimento institucional, ainda
“reparações” para os povos africanos e afrodescendentes
pelo impacto negativo da escravidão. Embora a permanece sem resposta satisfatória a maior
legitimidade da reivindicação tenha sido reconhecida, parte das reivindicações sociais e políticas
o tema da reparação foi finalmente retirado de pauta
por falta de acordo e divergências entre os setores dos presentes nos discursos dos diferentes atores
movimentos negros latino-americanos, estadunidenses e
africanos sobre as modalidades de sua implementação. que interatuam nesse processo de instauração
Esse ponto é um tema permanente de estudo e debate do multiculturalismo. Os números continuam
nas instâncias criadas pela Conferência de Durban. Ver:
http://alainet.org/active/2818&lang=es (19/07/2013). corroborando que a maioria das populações
24

negras na região encontra-se em condições de elementos que são apresentados deem conta de
pobreza, marginalidade e exclusão social. As um processo de transformações significativo em
explicações para os fracos resultados em matéria matéria de debate público e de ações relacionadas
de inclusão social são objeto constante de debate. com as reivindicações de reconhecimento
e inclusão das populações negras, também
Alguns setores do movimento negro assumem
explicitam as ambiguidades ou limites dessas
posições críticas ao multiculturalismo,
políticas multiculturais. Finalmente, fica ainda
considerando a tendência neoliberal que marca
em aberto a interrogação sobre as perspectivas
a elaboração das políticas de reconhecimento,
que são apresentadas pela problemática da plena
que finalmente não são suficientes para atacar as
inclusão cidadã das populações negras no marco
causas estruturais da exclusão das populações
das políticas multiculturais vigentes na região.
negras. Até o presente, a análise das formas
Nesse sentido é que defendemos que os processos
de comportamento político das diferentes
de reconhecimento de direitos dessas populações
expressões do movimento negro mostra uma
enfrentam uma encruzilhada na qual se continua a
variedade de posicionamentos em função das
debater sobre os rumos a serem tomados, tanto na
conjunturas e contextos específicos. Afora os
forma como no conteúdo dos mesmos.
matizes ideológicos e políticos que se explicitam
no interior desses movimentos, elementos Como mencionamos, de forma diferenciada a
de confluência entre eles continuam a ser esse enfoque nas políticas de reconhecimento
afirmados como, por exemplo, a reivindicação multicultural, temos o exemplo do Brasil, país
da agenda de Durban que, até o presente, que aposta essencialmente na promoção de
continua a ser o referencial mais significativo políticas de ações afirmativas, embora tenha
e legitimador da mobilização. Enquanto isso, implementado, igualmente, políticas dirigidas
o reiterado compromisso dos Estados e as ao reconhecimento cultural e a titulação de
instituições internacionais ao redor de Durban terras de comunidades quilombolas. Essa
mostra um desnivelamento entre as declarações opção responde às especificidades do contexto
de princípios e de respaldo e a vontade e histórico e sociocultural brasileiro e a forma
determinação necessárias para não somente em que se estabeleceram as relações raciais no
impulsar, mas também e, sobretudo, executar país, determinante para a explicação da posição
medidas concretas que se consolidem em avanços socioeconômica desprivilegiada da população
tangíveis na inclusão dos afrodescendentes. negra. Embora tenha significado um avanço
importante no tratamento da questão racial
Através das reflexões expostas evidencia-se
no país, a introdução das ações afirmativas
o papel que exerce os espaços transnacionais
demonstra ser insuficiente para a correção das
de ação e suas influências sobre a dinâmica
condições desiguais entre brancos e negros e
de elaboração das políticas de reconhecimento
para a superação do racismo e da discriminação.
das populações negras da região. Embora os
Pode-se afirmar que a concentração do debate
25

público e das ações institucionais nessas “Identidades y Movilidades. Una comparacion


políticas têm desconsiderado outras políticas Colombia - Mexico” que teve a participação
antirracistas e demais ações valorativas que de pesquisadores e instituições do México,
possam contribuir para o enfrentamento da Colômbia e França (CIESAS, ICANH, IRD);
discriminação e do racismo. Assim, ficam o projeto “Afrodescendientes y esclavitudes en
também pendentes novas propostas que possam las Américas” (AFRODESC) coordenado pela
complementar essas políticas na busca de “Agence nationale de la recherche” (Agência
inclusão dessas populações. nacional de pesquisa – ANR/França), que incluiu
pesquisadores da América Central, México e
Colômbia e foi desenvolvido igualmente por
Sobre o conteúdo do dossiê uma equipe multidisciplinar e plurinacional.
Podemos mencionar também o trabalho sobre
Dando continuidade a essas reflexões
o tema desenvolvido pela Universidade de
introdutórias e reafirmando o fato de que são
Austin – Texas e, em particular, o “Consejo
variadas as experiências do caminho percorrido
de Investigaciones sobre Centroamérica y el
pelas populações afrodescendentes nas
Caribe” (CCARC); para os países andinos,
sociedades latino-americanas e caribenhas, o
a “Catedra de Estudios afro-andinos” da
dossiê que aqui se apresenta é uma contribuição
Universidade Andina Simon Bolívar no
significativa para a busca de compreensão
Equador; finalmente, os trabalhos do programa
dessa problemática. Os artigos que o compõem
de estudos sobre África e diáspora africana
oferecem dados, informações e resultados de
(AADS) da Universidade Internacional da
pesquisas realizadas em vários países da região.
Flórida (FIU). Em todos os casos mencionados,
Ressaltamos que com a influência e motivação trata-se de estudos e pesquisas desenvolvidas
da “onda multicultural” que se afirmou na por equipes multidisciplinares e plurinacionais.
América Latina desde os anos 90, multiplicaram-
O dossiê também possui caráter pluridisciplinar,
se os programas de pesquisa e difusão de
composto por contribuições a partir da história,
resultados através de diferentes formatos,
a antropologia, a geografia, a sociologia e as
tanto no âmbito nacional como transnacional,
ciências políticas. Buscamos incluir estudos
envolvendo vários países da região. Sem
sobre as populações afrodescendentes cuja
pretender ser exaustivos, podemos mencionar
difusão normalmente é restrita aos espaços
algumas dessas iniciativas nas que participamos
nacionais ou é pouco conhecida no meio latino-
a maioria dos autores desse dossiê: os projetos
americano. É o caso das contribuições sobre
desenvolvidos pela UNESCO na América
Nicarágua, Belize, Honduras, Costa Rica,
Central (Del Olvido a la Memoria) e o já citado
México, Argentina, Cuba, e as partes sobre
“A Rota dos Escravos” concernente a toda
Bolívia, Chile, Peru e Equador que se encontram
região latino-americana e caribenha; o projeto
no artigo de Rahier y Douge-Prosper. Esses
26

artigos estão acompanhados pelos estudos sobre adaptabilidade das ações afirmativas ao contexto
a Colômbia e Brasil que, por sua vez, possuem brasileiro e a comparação com os Estados
um sólido e amplamente difundido campo de Unidos, criou importantes antagonismos entre
estudos sobre as relações raciais. os favoráveis e opositores a essas políticas,
contribuindo para enclausurar o tema no âmbito
Ressaltamos que o propósito principal
nacional. Por consequência, a participação de
desse dossiê é contribuir para romper o
intelectuais e representantes negros nos cenários
desconhecimento que existe, especialmente
transnacionais latino-americanos, como os que
no Brasil, sobre a realidade das condições e
descrevemos aqui, foi bastante reduzida. Assim
reivindicações das populações afrodescendentes
sendo, cremos que pouco foi explorado sobre as
em países da América Central, do Caribe, ou
confluências do contexto racial brasileiro e os
ainda mais próximos, como os outros países da
demais países latino-americanos e caribenhos, o
América do Sul. Embora os estudos sobre raça
que poderia ter contribuído para o enriquecimento
e racismo no Brasil, assim como o debate sobre
da discussão sobre o tema no país.
as ações afirmativas, demonstrem uma grande
vitalidade, ficaram, sobretudo, circunscritos ao
contexto nacional ou ao diálogo com a experiência BIBLIOGRAFIA
estadunidense, estabelecendo pouco contato
com as experiências dos demais países latino- Agudelo, Carlos (a). « Le comportement
americanos. Especificamente, o debate sobre électoral des populations noires en Amérique
as ações afirmativas esteve preso à discussão latine. Un regard à partir du cas colombien
sobre a compatibilidade dessas políticas com a ». Voter dans les Amériques, sous la dir. de
particularidade das relações raciais brasileiras, Blanquer, Jean-Michel et al. Paris : Editions
concebidas normalmente como sendo relações de l’Institut des Amériques, IHEAL, Paris III,
mais “fluídas” e “ambíguas”, inseridas em um 2005.
contexto historicamente marcado por discursos
Agudelo, Carlos. « Les réseaux
oficiais de miscigenação e de democracia
transnationaux comme forme d’action chez les
racial (Grin 2001). Além disso, a política
mouvements noirs d’Amérique latine ». Cahiers
de cotas raciais implementadas colocou em
de l’Amérique latine 51-52, 2006.
evidência uma comparação do Brasil com os
Estados Unidos, já que, para muitos críticos, __________________. “Génesis de redes
seria uma política mais adaptada ao sistema transnacionales. Movimientos afrolatinoamericanos
“segregacionista” e “racista” tipicamente en América Central” in Hoffmann, Odile (ed.),
estadunidense, possuindo, portanto, um caráter Política e Identidad. Afrodescendientes en México
de algo importado no contexto brasileiro y América Central, INAH, UNAM, CEMCA, IRD,
(Bourdieu e Wacquant, 1999). O México, 2010
debate em torno dessas questões, ou seja, a
27

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