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Quarto volume
Nicola Abbagnano
DIGITALIZAÇÃO E ARRANJO:
ÂNGELO MIGUEL ABRANTES.
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
VOLUME IV
TRADUÇÃO DE:
JOSÉ GARCIA ABREU
CAPA DE: J. C.
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO
XIV
ALBERTO MAGNO
Mas esta situação modifica-se quando o aristotelismo encontra o homem que lhe
saberá dar o direito de cidadania na escolástica latina. Este homem é Alberto
Magno. Aquilo que Boécio fizera para o mundo latino do século VI, dando-lhe a
possibilidade de se acercar de Platão e Aristóteles; aquilo que Avicena
fizera para os muçulmanos do século XI oferecendo-lhes o pensamento de
Aristóteles e dos Gregos, fê-lo Alberto Magno para a escolástica latina do
século XIII, oferecendo-lhe a completa enciclopédia científica de
Aristóteles, numa exposição que faz com que o pensamento do Estagirita perca
aquele carácter de estranheza que o revestia aos olhos dos escolásticos
latinos. Através da imensa e paciente obra de Alberto Magno, abre-se a
possibilidade para que o aristotelismo se insira como um ramo vital do tronco
da escolástica latina, tal como havia vivido e prosperado nas escolásticas
muçulmana e judaica. Alberto Magno descobre e explora pela primeira vez o
caminho mediante o qual os pontos básicos do pensamento aristotélico
:L Esta proibição foi estabelecida por quatro vezes durante a primeira metade
do século XIII. Em 121.O aparece no Concílio provincial de Paris a primeira
proibição das obras de Aristóteles e seus comentários. Em 1215, Roberto de
Courçon legado pontifício, renova as proibições. Em 1231, Gregório XI proíbe
a Física e a Metafísica de Aristóteles e nomeia uma comissão -composta por
Guilherme de Auxerre, Simão d'Authie e Estêvão de Provins para revisão dos
textos. Em 1245 esta proibição passou a vigorar também na Universidade de
Toulouse. Porém já em 1252 se tornou obrigatório para os candidatos de
nacionalidade inglesa o conhecimento de De anima, e em 1255 tal obrigação foi
imposta a todos os candidatos e para todas as obras de Aristóteles. DENIFLE-
CI-1ATELAIN, Chartularium Universitatis Parisiensis, 1, 70, 78-79, 138, 227.
Com a sua obra, Alberto Magno anunciou esta possibilidade; mas só a realizou
parcialmente. Ã sua sistematização, falta a clareza e a profundidade de um
resultado definitivo. Um dos mais perspicazes dos seus críticos
contemporâneos, Roger Bacon (Opus minus, ed. Brewer, p. 325), acertadamente
assinalava já, falando do enorme sucesso de Alberto Magno, a deficiência
filosófica da sua obra. "Os escritos deste autor estão cheios de erros e
contém uma iinfinidade de coisas inúteis. Entrou muito jovem na ordem dos
pregadores; nunca ensinou filosofia, nunca pretendeu ensiná-la em nenhuma
escola; nunca frequentou nenhuma Universidade antes de se tornar teólogo;
nem teve possibilidade de ser instruído no seio da sua ordem, já que ele é,
de entre os seus irmãos, o primeiro mestre de filosofia". Na realidade, o
aristotelismo apresenta-se-lhe como um todo confuso, no qual não sabe
distinguir o pensamento original do mestre daquilo que lhe foi acrescentado
pelos intérpretes muçulmanos. Os erros históricos de Alberto Magno são
frequentes: considera Pitágoras como um Estóico, crê que Sócrates era
Macedónio, que Anaxágoras e EmpédocIeseram oriundos da Itália, chama a Platão
"prínceps stoicorum", e assim sucessivamente. Por outro lado, não chegou a
separar-se completamente do neoplatonismo agustiniano, do qual admite uma
doutrina típica: a concepção da matéria, não como simples potencialidade ou
privação de forma,
Além destas obras que repetem o traçado da obra aristotélica, Alberto Magno
foi ainda autor de escritos teológicos: um comentário às Sentenças de Pedro
Lombardo, uma Sumina de creaturis, uma Summa theologiae, um comentário ao
Pseudo-Dionísio, um Comentário ao Antigo e Novo Testamento. Contra a doutrina
averroística, compôs ainda a obra De unitate intellectus. Este último e a
Metafísica pertencem provàvelmente aos anos 1270-1275. Todo o comentário
aristotélico foi composto por
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do ser. Com efeito, Alberto Magno aceita a doutrina da distinção real entre a
essência e a existência. Todas as criaturas são compostas por uma quídidade
ou essência (quod est) e por um sujeito ou sustentáculo de tal quid~ "0 quod
est é a forma total; o quod est é o próprio todo a que pertence a forma"
(Sum. de creat., 1, 1, q. 2, a. 5). Esta composição é também própria das
criaturas espirituais, às quais Alberto Magno nega por vezes a composição de
matéria e forma, opondo-se a Avicebrão e aos escolásticos agustinianos. Ora o
princípio da individuação é precisamente o quod est, o sujeito da essência; a
qual, pelo contrário, é participável e comum a outras coisas. E, dado que nas
coisas corpóreas o quod est é a matéria, pode dizer-se que nelas o princípio
individualizante é a matéria, ainda que não enquanto matéria, mas enquanto
que, precisamente, sustentáculo da essência, substracto real da coisa (S.
th., 11, 1, q. 4, a.
1-2).
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ALBERTO MAGNO
com Deus, a qual coisa criada começa a ser a partir do nada (1b., a. 4).
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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XV
S. TOMÁS DE AQUINO
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claro nos seus detalhes. Neste trabalho especulativo, S. Tomás é ajudado por
um talento filológico nada comum: para ele, o aristotelismo já não é, como
era para Alberto Magno, um todo confuso formado pelas doutrinas originais e
pelas diversas interpretações dos filósofos muçulmanos. Ele procura
estabelecer o significado autêntico do aristotelismo, deduzindo-o dos textos
de Aristóteles, vale-se dos textos árabes como fontes independentes, cuja
fidelidade ao Estagirita analisa criticamente. Aristóteles aparece a S. Tomás
como o termo final da investigação filosófica. Ele foi até onde a razão
humana pode ir. Para além desse ponto só existe a verdade sobrenatural da fé.
Integrar a filosofia e a fé, a obra de Aristóteles e a verdade revelada por
Deus ao homem e de que a Igreja é depositária, -é a tarefa que S. Tomás se
propõe.
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Este princípio é pois, a chave da abóbada do sistema tomista. É ele que guia
S. Tomás na determinação das relações entre razão e fé e no estabelecimento
pela razão da regula fidei; no centrar a função cognoscitiva do homem à volta
da função da abstracção; na formulação das provas da existência de Deus; no
aclarar os dogmas fundamentais da fé. S. Tomás formulou este princípio na sua
primeira obra, De ente et essentia, como distinção real entre essência e
existência; mas é também expresso na fórmula da analogicidade do ser, da qual
também se utiliza muitas vezes.
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Mas a actividade principal é a que ele desenvolve nos anos do seu regresso a
Itália e da segunda permanência em Paris (1259-72). A este período pertencem:
o Comentário a Aristóteles, o Commentario al Liber de causis (no qual S.
Tomás pode reconhecer a tradução dos Elementos de teologia de Proclo, de que
Guilherme de Moerbecke lhe tinha
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natural subordina-se à fé, tal como no campo prático as inclinações naturais
se subordinam à caridade. É evidente que a razão não pode demonstrar o que
pertence ao âmbito da fé, porque então a fé perderia todo o mérito. Mas pode
servir a fé de três modos diferentes. Em primeiro lugar, demonstrando os
preâmbulos da fé, ou seja aquelas verdades cuja demonstração é necessária à
própria fé. Não se pode crer naquilo que Deus revelou, se não se sabe que
Deus existe. A razão natural demonstra que Deus existe, que é uno, que tem as
características e os atributos que podem inferir-se da consideração das
coisas por ele criadas. Em segundo lugar, a filosofia pode ser utilizada para
aclarar as verdades da fé mediante comparações. Em terceiro lugar, pode
rebater as objecções contra a fé, demonstrando que são falsas ou, pelo menos,
que não têm força demonstrativa (In Boet. De trinit., a. 3).
Por outro lado, porém, a razão tem a sua própria verdade. Os princípios que
lhe são intrínsecos e que são certíssimos sendo impossível pensar que são
falsos, foram infundidos pelo próprio Deus, que é o autor da natureza humana.
Estes princípios derivam portanto da Sapiência divina e fazem parte dela. A
verdade de razão nunca pode ser contrária à verdade revelada: a verdade não
pode contradizer a verdade. Quando surge uma contradição, é sinal de que não
se trata de uma verdade racional, mas de conclusões falsas ou, pelo menos,
não necessárias: a fé é a regra do recto proceder da razão (Contra Gent., 1,
7).
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aderência a uma coisa, com receio que a contrária seja verdadeira. "Mas este
acto que é o crer, diz S. Tomás (S. th., 11, 2, q. 2, a. 1), inclui a adesão
firme a uma das partes; no que o crente se assemelha ao que tem ciência ou
inteligência; o seu conhecimento, todavia, não é perfeito como o do que tem
uma visão evidente; no que ele se assemelha ao que duvida, suspeita ou opina.
E assim, é próprio do crente pensar com anuência". O assentimento implícito
na fé, se é semelhante pela sua firmeza ao que é implícito na inteligência e
na ciência, é diferente pelo seu móbil: dado que não é produzido pelo
objecto, mas por uma escolha voluntária que inclina o homem para um lado e
não para o outro. Com efeito, o objecto da fé não é "visto" nem pelos
sentidos nem pela inteligência, dado que a fé, como disse S. Paulo
(Ebrei, XI, 1), é "a prova das coisas que se não vêem" (S. th., 11, 2,
q. 7, a. 4). Deste modo S. Tomás, embora -reconhecendo à fé uma certeza
superior à do saber científico, funda essa certeza na vontade, reservando
somente à ciência a
certeza objectiva.
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S. TOMAS DE AQUINO
seja as espécies das próprias coisas. Porém a alma não é as coisas, porque,
por exemplo, na alma não está a pedra mas a espécie da pedra". Ora a espécie
(eidos) é a forma da coisa. Por conseguinte, "o intelecto é uma potência
receptora de todas as formas inteligíveis e o sentido é uma potência
receptora de todas as formas sensíveis". Deste modo, o princípio geral do
conhecimento é "cognitum est in cognoscente per modum cognoscentis" (o
objecto conhecido está no sujeito cognoscente em conformidade com a natureza
do sujeito cognoscente).
O processo através do qual o sujeito cognoscente recebe o objecto é a
abstracção.
a cor dum fruto, prescindindo do fruto, sem que por tal afirmemos que exista
separada do fruto; também podemos conhecer as formas ou espécies universais
do homem, do cavalo, da pedra, prescindindo dos princípios individuais a que
estão unidas; mas sem pretender que elas existam separadas destes. Portanto,
a abstracção não falsifica a realidade. Ela não afirma a separação real da
forma em relação à matéria individual: permite unicamente a consideração
separada da forma; e tal consideração é o conhecimento intelectual humano. É
de notar que esta consideração separa a forma não da matéria
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Com esta reforma radical da metafísica aristotélica, S. Tomás faz com que a
própria constituição das substâncias finitas exija a criação divina.
Aristóteles, identificando com a forma a existência em acto, estabelece que
onde há forma há realidade em acto, e que por isso a forma é por si mesma
indestrutível e incriável, portanto, necessária e eterna como Deus. Garante
assim a eternidade da estrutura formal do universo (géneros, espécies,
formas e, duma maneira geral, substâncias). Do seu universo é excluída a
criação, assim como toda a intervenção activa de Deus na constituição, das
coisas. E precisamente por isto, o seu sistema parecia (e era)
irredutivelmente contrário ao cristianismo, e pouco adequado para lhe
exprimir as verdades fundamentais. A reforma tomista altera radicalmente a
metafísica aristotélica, transformando-a de estudo do ser necessário em
estudo do ser criado.
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mente impossível uma única ciência do ser, como o era a filosofia primeira
de Aristóteles, A ciência que trata das substâncias criadas e serve de
princípios evidentes à razão humana é a metafísica. Mas a ciência que, trata
do Ser necessário, a teologia, tem uma certeza superior e utiliza princípios
que procedem directamente da revelação divina; é por isso superior em
dignidade a todas as outras ciências (inclusivé a metafísica) que lhe são
subordinadas e servas (1b., 1, q. 1, a. 5).
Dado que o ser de todas as coisas (excepto Deus) é sempre um ser criado, a
criação, se é verdade de fé como início das coisas no tempo, é além disso
verdade demonstrada como produção das coisas do nada e como derivação, de
Deus, de todo o ser. De facto, e tal como vimos, Deus é o único ser que é tal
pela sua própria essência, isto é, que existe necessariamente e por si mesmo:
as outras coisas obtêm dele o seu ser, por participação; tal como o ferro se
torna ardente pelo fogo. Também a matéria-prima é criada. E todas as coisas
do mundo formam uma hierarquia ordenada segundo a sua maior ou menor
participação no ser de Deus. Deus é o termo e o fim supremo desta hierarquia.
Nele residem as ideias, ou seja, as formas exemplares das coisas criadas,
formas que, porém, não estão separadas da própria sapiência divina: logo,
deve dizer-se que Deus é o único exemplar de tudo (lb., 1, q. 44, aa. 1, 2,
4, 3).
A separação entre o ser criado e o ser eterno de Deus, própria de uma tal
metafísica, permite que S. Tomás salve a absoluta transcendência de Deus em
relação ao mundo e torne impossível qualquer forma de panteísmo que queira
identificar de algum modo o ser de Deus com o ser do mundo. S. Tomás alude
explicitamente, para as refutar, as duas formas de panteísmo aparecidas nos
finais do século XII, A prímeira é a de AmaIríco de Bene
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(§ 219) o qual considera Deus como "o princípio formal de todas as coisas",
ou seja, a essência ou natureza de todos os seres criados. A segunda é a de
David de Dinant (§ 219) que identificou Deus com a matéria-prima. Contra esta
forma de panteísmo, assim como contra a de origem estóica (mas que S. Tomás
conhecia por meio duma tese de Terêncio Varrão citada por Santo Agostinho, De
civ. Dei, VII, 6) segundo a qual Deus é a alma do mundo, S. Tomás opõe o
princípio de que Deus não pode ser de nenhum modo um elemento componente das
coisas do mundo. Como causa eficiente, Deus não se identifica nem com a forma
nem com a matéria das coisas de que é causa, o seu ser e a sua acção são
absolutamente primeiros, isto é, transcendentes, em relação a tais coisas (S.
th., 1, q. 3, a. 8).
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S. Tomás enumera cinco vias para passar dos efeitos sensíveis até à
existência de Deus, Estas vias já expostas na Summa contra Gentiles (1, 12,
13) encontram a sua formulação clássica na Summa theologiae (1, q. 2, a. 3.
A segunda via é a prova causal. Na série das causas eficientes não podemos
remontar até ao infinito, porque então não haveria uma causa primeira e,
portanto, nem uma causa última nem causas intermediárias: deve, por
conseguinte, haver uma causa eficiente primeira, que é Deus. Esta prova,
extraída de Aristóteles (Met., 11, 2) tinha recebido de Avicena uma nova
exposição.
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A quarta via é a dos graus. Encontra-se nas coisas mais ou menos de verdade,
de bem e de todas as outras perfeições: por conseguinte, também haverá o
máximo grau de tais perfeições e será ele a causa dos graus menores, como o
fogo, que é maximamente quente, é a causa de todas as coisas quentes. Ora a
causa do ser, da bondade e de todas as perfeições é Deus. Esta prova, de
origem platónica, é extraída de Aristóteles (Met., li, 1).
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notar que não estão unidas aos céus como as almas dos animais e das plantas
estão unidas aos corpos (que são formas dos próprios corpos): mas estão
unidas aos céus só com o fim de os mover, para lhes transmitir o impulso (per
contactum virtutis [S. th., I, q. 70, a. 3]). S. Tomás chega por isso à
existência das inteligências angélicas, separadas dos corpos, não através da
consideração do movimento dos céus (dado que pode ser directamente produzido
por Deus), mas através da consideração da perfeição do mundo, a qual requer a
existência de algumas criaturas incorpóreas. Efectivamente, estas criaturas
são, no mundo, as mais semelhantes a Deus, que é puro espírito, e através
delas o mundo, que é efeito de Deus, se assimila maximamente à sua Causa
(lb., 1, q. 50, a. 1).
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pela paternidade, isto é, pela relação com o Filho; o Filho pela filiação ou
geração, isto é, pela relação com o Pai; o Espírito Santo pelo amor, isto é,
pela relação recíproca de Pai e Filho. Ora estas relações em Deus não sã o
acidentais (nada pode haver de acidental em Deus) mas reais; subsistem
realmente na essência divina. Por conseguinte, a própria essência divina na
sua unidade, implicando a relação, implica a diversidade das pessoas (S. th.,
1, q. 27-32, e em especial q. 29, a. 4 c). Segundo S. Tomás, basta este
esclarecimento para mostrar que "o que a fé revela não é impossível". Isto é
tudo quanto deve fazer-se nestes assuntos; nos quais toda a tentativa de
demonstração é mais nociva que meritória, porque induz os incrédulos a
suporem que os cristãos se baseiam, para crer, em razões carentes de valor
necessário (1b., 1, q.
32, a. 1).
Quanto à encarnação a dificuldade consiste em poder entender a presença, na
única pessoa de Cristo, de duas naturezas, a divina e a humana. A Igreja
condenara já, no século V, duas interpretações opostas deste dogma,
interpretação às quais S. Tomás reduz todas as outras para as refutar. A
heresia de Êutiques (§ 154), insistindo sobre a unidade da pessoa de Cristo,
reduzia as duas naturezas a uma só: a divina. A heresia de Nestórío (§ 154),
pelo contrário, insistindo sobre a dualidade de naturezas, admitia em Cristo
duas pessoas simultaneamente coexistentes, sendo a pessoa humana como que
instrumento ou revestimento da divina. A distinção real entre essência e
existência nas criaturas, e a sua unidade em Deus, fornecem a S. Tomás a
chave da interpretação. A essência ou natureza divina identifica-se com o ser
de Deus; Portanto, Cristo, que tem uma natureza divina, é Deus, subsiste como
Deus, isto é, como pessoa divina; é, portanto, uma só pessoa, a divina. Por
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outro lado, dado que a natureza humana é separável da existência, ele pode
perfeitamente assumir a natureza humana (que é alma racional e corpo) sem ser
uma pessoa humana (Contra Gent., IV, 49). Assim se compreende como a natureza
humana pôde ser assumida por Cristo, que, revestindo-se dela, a enobreceu,
elevou e tomou novamente digna da graça divina (S. th., 111, q. 2, a. 5-,6).
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porque Deus podia criá-lo e porque a sua criação não era impossível; não se
pode daqui deduzir a existência de uma matéria. Aos outros argumentos também
tirados de Aristóteles, segundo os quais os céus são formados por uma
substância incriável e incorruptível e que, portanto, são eternos, responde
S. Tomás que a incriabilidade e a incorruptibilidade dos céus e, portanto, do
mundo, se entende per modum naturalem, isto é, em relação aos processos
naturais de formação das coisas, e não em relação à criação. De modo que os
argumentos que tendem a demonstrar a eternidade do mundo também não têm valor
necessário. A conclusão é que se não pode demonstrar nem o início no tempo
nem a eternidade do mundo; e isto deixa livre o caminho para crer na criação
no tempo: id credere maxíme expedit (S. th., 1, q. 46, a.
§ 279. S. TOMÁS: PSICOLOGIA
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Da quinta prova da existência de Deus resulta que Deus ordena todas as coisas
para o seu fim supremo, que é Ele mesmo, enquanto Sumo Bem.
O governo divino do mundo que ordena o mundo para o seu fim é a providência.
Todas as coisas, inclusivê: o homem, estão sujeitas à providência divina. Mas
isto não implica que tudo aconteça necessariamente e que o desígnio
providencial exclua a liberdade do homem. Aquele desígnio não só estabelece
que as coisas sucedem, mas ainda o modo como elas sucedem. Por isso ordena
previamente as causas necessárias para as coisas que devem suceder
necessariamente, e as causas contingentes para as coisas que devem suceder
contingentemente. Deste modo, a acção livre do homem faz parte da providência
divina (S. th., 1, q. 22, a, 4). E a liberdade do homem também não é
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nico. Segundo S. Tomás, há uma lei eterna, isto é, uma razão que governa todo
o universo e que existe na mente divina; a lei natural, que existe no homem,
é um reflexo ou uma "participação" dessa lei eterna (S. th., 11, 1, q. 91, a.
1-2). Esta lei natural concretiza-se em três inclinações fundamentais: 1.a
-a inclinação para o bem natural, que o homem tem em comum com qualquer
substância, a qual, enquanto tal, deseja a sua própria conservação; 2.a-a
inclinação especial para determinados actos, que são os que a natureza
ensinou a todos os animais, como a união do macho e da fêmea, a educação dos
filhos e outros semelhantes;
3 a-a inclinação para o bem segundo a natureza racional que é própria do
homem, como o é a inclinação para conhecer a verdade, a de viver em
sociedade, etc. (S. th., 11 1, q. 94, a. 2).
Além desta lei eterna, que é para o homem lei natural, existem duas outras
espécies de leis: a humana, "inventada pelos homens e pela qual se dispõem de
modo particular as coisas a que a lei natural já se refere" (1b., 11, 1, q.
91, a. 3); e a divina, que é necessária para dirigir o homem aos fins
sobrenaturais (lb., a. 4). S. Tomás afirma, de acordo com a teoria do direito
natural, que não é lei aquela que não é justa, e que, portanto, "da lei
natural, que é a primeira regra da razão, devem ser derivadas todas as leis
humanas" (1b., q. 95, a. 2).
Segundo S. Tomás, pertence à colectividade ditar as leis. "A lei, diz ele
(11, 1, q. 90, a. 3), tem como o seu fim primeiro e fundamental o dirigir
para o bem comum. Ora ordenar algo com vista ao bem comum é próprio de toda a
colectividade (multitudo) ou de quem faz as vezes de toda a colectividade.
Estabelecer as leis pertence portanto a toda a colectividade ou à pessoa
pública que cuida de toda a colectividade; porque em todas as coisas só pode
dirigir para um fim aquele a quem pertence
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Vido, que servem a razão; chamamos belas às coisas oisíveis e aos sons, mas
não aos sabores e aos dores. O que agrada, na beleza, não é o objecto mas a
apreensão (apprehellsio) do objecto (s. th., i, q_ 5, a. 4; 11, 1, q- 27 , a.
1).
mesmo que eJe seja feio. E neste sentido, S. Tomás- se- ,guindo Santo
Agostinho (De trin., VI, 10), vê a beleza perfeita no Verbo d e Deus que é
a imagem perfeita do Pai (S. th., 1, q. 39, a, 8).
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SERTILLANGES, St. Th. dA., 3 vol., Paris, 1910; GILSON, St. Th. d'A., Paris,
1925; RoUGIER, La scolastique et le thomisme, Paris, 1925; MARITAIN, Le
doteur angélique, Paris, 1934; GRABMANN, Thomas von Aquin, Monaco, 1935;
CHENU, Introduction à Ilétude de St. Th. dIA., Montreal-Paris, 1950; DIApcY,
St. Th, dIA., Dublin-Londres, 1953; CRESSON, St. Th. dIA., Paris, 1957 3.
§ 274. Sobre a relação entre razão e fé: LABERTHONNIÈRE, St. Thomas et
le rapport entre ia science et Ia foi, in "Annales de phiI. ehrétienne" ,
1909, p.
599-621; LEFEBURE, Llacte de foi dIaprès Ia doctrine de St. Thomas dIA.,
Paris 1905, 2.1 ed., 1924; GILSON, ÉtwIes de phil. médiévale, p. 30 e
ss.; CHENU, St. Th. dIA., et Ia théologie, Paris, 1959.
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XVI
O AVERROISMO LATINO
DO AVERROISMO LATINO
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AVERROIS
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E UNIDADE DO INTELECTO
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Era assim eliminado o princípio que S. Tomás tinha utilizado para mostrar que
o ser das coisas finitas é um ser criado e supõe a acção activa de Deus; e
Siger regressava ao princípio aristotélico (conservado pelo averroísmo)
segundo o qual o ser, na sua estrutura universal, é necessário e eterno.
Consequentemente admitia a eternidade da matéria, do movimento e das
espécies, reafirmando o princípio de que nenhuma espécie de entes começa a
ser no tempo (De an. intell., ed. Mandonnet, 11, 159). Portanto, eterna é
inclusivamente a alma intelectiva, que não é de forma nenhuma uma parte ou
uma faculdade da alma humana. Está ligada ao corpo somente enquanto coopera
com ele num único trabalho (opus), que é o de entender. Mas é numericamente
una e idêntica em todos os homens porque, tendo o seu ser separado da
matéria, não se multiplica com a multiplicação da matéria ou com a
multiplicação dos corpos. Acontece com ela aquilo que acontece com todas as
espécies (por exemplo, "homem") que são participadas por vários indivíduos,
os quais diferem entre si material e numericamente, mas que, como forma
deles, permanece única e indivisa e não se multiplica com a multiplicação dos
indivíduos (De an. intel., 7).
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baseada como diz Siger "na experiência humana e na razão" e a verdade da fé,
baseada na revelação.
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que mal abandona estas razões ele deixa de ser filósofo. "A filosofia não se
baseia na revelação
nem nos milagres" (1b., p. 117). Mas aquilo que é impossível para a filosofia
não é impossível absolutamente ou em si, já que é dito impossível somente no
âmbito de um universo de discurso no qual valem como decisivas as razões
naturais e os princípios em que elas se baseiam. Fora deste universo, a
criação pode ser admitida como possível: isto é, possível para uma causa
"maior que qualquer causa natural": ou seja, que não conheça, ou transcenda,
as limitações ou os comportamentos próprios das causas naturais. A criação do
mundo, que é racionalmente impossível, pode ser possível a uma tal causa; e o
reconhecimento dos dois diferentes universos do discurso, paralelos e
irredutíveis e em que se situam aquela impossibilidade e esta possibilidade,
é a única "concordância" que, segundo Boécio de Dácia, pode haver entre a
filosofia e a fé.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 284. A figura de Siger de Brabante só recentemente pôde ser estudada. As
investigações de HAURÉAU ("Journal des savants", 1886, 176-183; Histoire
litt. de Ia France, vol. 30, 1988, 270-279; Notices et extraits, V, 88-89) e
de DENIFLE (Chart. Univ.
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BO]PCIO
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XVII
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modo ou com quo), nove sujeitos (Deus, anjo, céu, homem, imaginação,
sensíveis, vegetativos, elementares, instrumentais); e ainda nove virtudes e
nove vícios.
82
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 288. Sobre a polémica -entre a via antiga e a via moderna: PRANTI, Gesch.
der Logik, II, p. 261 ess.; II]@ p. 26, n. 103; IV, passim.
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É .1, 1,11
§ 290. A primeira edição completa das obras de Raimundo Lúlio foi impressa em
Estiasburgo (Argentorati), 1598, e depois reimpressa várias vezes. Uma
edição, não completa, foi organizada por Salzinger e impressa em Mogúncia,
1721-1742, e abrange 10 vGI. in-folio; além destas: Obras originales de R.
L., Palma de Maiorca, 1906 e ss.; Opera latina, Palma de Maiorca, 1952 e ss.;
Obras essencials, Barcelona, 1957-1960.
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XVIII
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S. Tomás defendia que a alma não tem conhecimento directo das coisas
singulares, alcançando-o somente "com uma certa reflexão" (§ 275). Mateus
afirma: "0 intelecto conhece as coisas singulares através das espécies
singulares, os universais através das espécies universais, e não basta a
espécie universal para também conhecer as coisas singulares" (ed. Quaracchi,
1903, 309).
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mediante uma "luz criada e natural que é irradiada por Deus" (ed. Quaracchi,
235). Ricardo também se afasta da corrente franciscana pela sua negação da
prova ontológica de Santo Anselmo.
Nesta mesma linha move-se Guilherme de Ware (ou de Guarra) que ensinou em
Paris nos fins do século XIII e foi mestre de Duns Escoto. Também ele
considera que a luz natural, dada à alma por Deus, basta para conhecer tudo o
que acontece no domínio do conhecimento natural sem necessidade de uma
imediata iluminação sobrenatural. A propósito da prova ontológica, afirma que
ainda que a proposição "Deus existe" seja conhecida por si própria, o homem
não pode apreendê-la a não ser com esforço (cum magno labore), daido que os
termos de que se compõe não são conhecidos por experiência.
93
O chefe da escola tomista de, Nápoles foi João de Nápoles ou de Regina que
estudou e ensinou em Paris e foi depois mestre na Universidade de Nápoles.
Autor de um Comentário às Sentenças (que porém. nunca se descobriu), de treze
Quodlibeta e quarenta e duas Quaestiones disputatae, é o máximo defensor do
tomismo desde os primeiros anos do século XIV até 1336, ano a que remontam as
últimas notícias que dele temos. A sua importância, especulativamente nula, é
notável sob o ponto de vista da difusão do tomismo em Itália e da defesa do
mesmo contra as escolas adversas, especialmente a escotista.
94
o chefe dos tomistas foi Egídio Romano, nascido em Roma em 1247 ou um pouco
antes, aluno de S. Tomás em Paris durante a segunda estadia deste nessa
cidade (1268-1272) e defensor do tomismo contra as condenações de Estevão
Tempier e Roberto de Kilwardby. Numa obra intitulada Liber contra gradus et
pluralitates formarum defende vivamente a unidade formal da alma humana
contra o ponto de vista agustiniano. Após a morte de Estêvão Tempier, Egídio
torna-se mestre em Paris; em
1295 foi consagrado arcebispo de Bourges por Bonifácio VIII. Faleceu em
Avinhão em 22 de Dozernbro de 1316. É autor de seis Quodlibeta, de
Quaestiones disputatae de ente et essentia, do De \nwnsura et cognitione
angelorum, dos Theoremata de corpore Christi, de um Comentário às Sentenças e
de numerosos escritos exegéticos. Egídio adopta uma certa liberdade frente à
doutrina tomista, que, no entanto, defende nos seus pontos essenciais.
Afasta-se dela, por exemplo, ao admitir que o intelecto agente é forma do
intelecto possível e que a causa principal do conhecimento intelectual em
acto é a espécie inteligível, à qual precisamente se deve a passagem a acto
do intelecto possível. Mas a importância fundamental de Egídio reside talvez
nos seus tratados políticos. O De regimine principum, que compôs para o seu
aluno e futuro rei, Filipe o Belo, e o De ecclesiastica sive Summi Pontificis
potestate constitum expressões típicas do curialismo, ou seja, da afirmação
da superioridade do poder papal sobre os príncipes temporais da terra. Parece
que a bula de Bonifácio, intitulada Unam sanctam e datada de
18 de Novembro de 1302, na qual se afirmava solenemente tal doutrina, se
baseou precisamente na obra de Egídio, a qual devia ter sido escrita pouco
tempo antes.
95
A sua biografia foi bastante renovada por estudos recentes. Nasceu em Gand (e
não em Muda, perto de Gand) nos princípios do século XIII. Não foi aluno de
Alberto o Magno em Colónia, tal como o afirma a lenda, antes se formou na
escola capitular de Tournai. Em 1267 era cônego em Tournai, em 1276 arcediago
de Bruges, e de Tournai em 1278. Em 1277 torna-se mestre de teologia na
Universidade de Paris, e como tal participou na reunião de profimsores de
teologia, convocada nesse mesmo ano por Estêvão Teimpier, pela qual foram
condenadas proposições averroístas e tomistas. Morreu em 29 de Junho de 1293.
A sua obra principal, composta entre 1276 e 1292, são os Quodlibeta (15
livros). Compôs também uma Summa theologica, que ficou incompleta, e que
trata das relações entre filosofia e teologia, da doutrina do conhecimento e
de Deus. Outras obras manuscritas são um Comentário à física aristotélica e
um Tratado de Lógica.
96
que lhe compete enquanto essência, sem a qual não seria uma essência, antes
se confundi-ria com o nada. O ser da existência, a realidade efectiva, pode
acrescentar-se ou não à essência, mas em ambos os casos, esta última é, por
si própria, uma forma ou grau de ser, A essência de Deus é tal que inclui
também o ser existencial e, portanto, Deus existe necessariamente. A essência
das criaturas não inclui o ser existencial, o qual lhos é comunicado por Deus
como causa eficiente. Mas isto não quer dizer que a essência e a existência
estejam nas coisas criadas como dois princípios realmente diferentes e
separáveis. A essência das criaturas não é indiferente à existência, no
sentido de não ter de facto nem o ser nem o não-ser e de estar
indiferentemente disposta quer para um quer para o outro. Só é indiferente no
sentido em que, mesmo que não exista actualmente, pode receber de outrem a
existência; e em que, mesmo que exista, pode perder essa existência se ela
deixar de lhe ser transmitida por outrem **(Qi,íodl,, 111, q. 9).
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
102
De Peckham, tudo o que se refere à tradição manuscrita in: LITTLE, The Grey
Friars in Oxford, Oxford, 1892, 156. Obras citadas: Collectaneum BibZiorum,
Paris, 1514, Colónia, 1541; Perspectiva communis, Medioliani, s/d, Veneza,
1501, 1593. Sete cartas foram editadas por Ehrle@, 1 e. A Quaestío sobre a
luz eterna como "ratio cognoscendi", in De humanae cognitionis ratione
anecdota quaedam Seraphici Doctoris S. Bonaventurae et nonnullorum ipsius
discipulorum, ad Claras Acquas (Quaracchi), 1883, p. 179-182. Canticum
pauperis, Quaracchi, 1905. Tractatus tres de paupertate, Aberdee,n, 1910;
Quaestiones De Anima, ed. Spettmann, in "Beitrãge", XIX, 5-6, 1918; Summa de
Esse et Essentia, ed. Delorme, Florença, 1928; Quodlibet Romanum, e,d.
Delorme, Roma, 1938; Tractatus de Anima, ed. Melani, Florença, 1948.
Sobre o Paradisus animae: The Paradise of the Soul, Londres, 1921; tradução
francesa de VANHAMME, Saint-Maximin, 1921.
Sobre Guilherme de Ia Mare: LITTLE, The Grey Friars in Oxford, 315, %S.;
EHERLE, Der Kampf und die Lehre des W. Thomas von Aquins in ersten fünfzig
Jahren nach seinen Tode, in "Archiv für Katholische
103
104
De Egídio Romano foram numerosas vezes editadas as obra.9 nos séculos XVI e
XVIII. Entre as edições recentes: De potestate ecelesiastica, ed. Scholz,
Weimar, 1929; Theoremata de ente et essentia, ed. Hocédez, Louvain, 1930;
outras questões publicadas por BRUNI, in "Analecta Augustiniana", 1939; De
erroribus philosophorum, ed. Koch, Milwaukee, 1944; De plurificatione
intellectus possibilis, ed. Bullotta Barracco, Roma,
1957. Sobre Egídio: BRUNI, Le opere di Egidio Romano, Florença, 1936; KNOX,
Giles of Rome, 1944.
105
XIX
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109
dos latinos capaz de entender os mais difíceis resultados desta ciência (Opus
tert., 13). Na sua Epistola, Pedro Peregrino afirma a necessidade da
experiência directa, da habilidade manual, a fim de facilmente corrigir erros
que não poderiam ser eliminados por considerações filosóficas e matemáticas.
As obras principais de Bacon são as intituladas Opus maius, Opus minus e Opus
tertium. Destas três obras, a ú nica completa é o Opus maius, que
provavelmente foi também a única que Bacon enviou a Clemente IV. O Opus minus
e o Opus tertium não passaram da forma de esboços. Bacon. concebera o
projecto grandioso duma completa enciclopédia das ciências, dado que
concebia a metafísica com a ciên-
110
Com base nesta atitude, Bacon podia fazer pouco ou nenhum caso do valor da
autoridade para o conhecimento. Se bem que coloque a autoridade ao lado da
razão e da experiência, entre as três vias pelas quais se pode atingir o
conhecimento, considera que na realidade a autoridade nada faz conhecer, a
não ser vindo acompanhada pela sua própria razão, e que por seu lado não nos
dá a inteligência mas sim a credulidade, sendo ainda uma das mais
111
comuns fontes de erro (Comp. stud. phil, p. 397). Restam portanto dois modos
de conhecer: a demonstração racional e a experiência. Mas a demonstração
racional, embora resolva e nos faça resolver as questões, não dá a certeza
nem climina a dúvid.-, já que a alma descansa no intuir da verdade se não a
encontra pela via da experiência. Muitos são os que aduzem argumentos
racionais para sustentar as coisas que conhecem; porém, não tendo experiência
delas, não sabem discernir nos seus conhecimentos os úteis e os nocivos. Pelo
contrário, o que conhece a razão e a causa por experiência, é perfeito em
sabedoria. Sem a experiência, nada se pode conhecer adequadamente (Op. maius,
VI, 1).
faz concluir uma questão", mas nega-lhe o valor real de instrumento efectivo
de investigação referente à realidade, a capacidade de fundamentar a certeza,
eliminar a dúvida e dar assim satisfação total à necessidade humana da
verdade.
113
aquilo que ilumina a nossa mente é agora chamado pelos teólogos intelecto
activo, segundo a palavra de filósofo no livro 111 do De anima, onde
distingue dois intelectos, activo e possível, eu sustento que o intelecto
agente é em primeiro lugar Deus, e em segundo lugar os anjos que nos
iluminam" (Opus tert., ed. Brewer, 74). E de facto o intelecto chama-se
activo enquanto influi sobre as almas humanas, iluminando-as para a ciência e
para a virtude. Em certo sentido, também o intelecto possível pode chamar-se
activo, enquanto é tal no acto de entender; mas o verdadeiro intelecto activo
é o que ilumina e influencia o intelecto possível para o conduzir ao
conhecimento da verdade. "E assim, segundo os maiores filósofos, o intelecto
activo não é uma parte da alma, mas uma substância intelectiva diferente e
separada por essência do intelecto possível" (Opus maius, 11, 5). É aqui
evidente a influência de Avicena. Mas não era nova a identificação do
intelecto activo com Deus: encontrámo-la já em Guilherme de Auvérnia (§ 253),
em João de Rupella (§ 257) e ultimamente em Rogério Marston (§ 293), e em
todos eles, como em Bacon, está relacionada com a doutrina da 4,*iluminação
divina.
A experiência interna, para Bacon, é a via mística: o seu mais alto grau é o
conhecimento extático. Bacon distingue sete graus na ciência interior. O
primeiro é o das iluminações puramente científicas.
O segundo consiste nas virtudes. O terceiro, nos sete dons do Espírito Santo.
O quarto, nas bem-aventuranças de que fala o Evangelho. O quinto, nos
sentidos espirituais. O sexto, nos frutos, entre os quais está a paz de Deus,
que superam todo o sentido. O sétimo consiste no rapto extático e nas suas
modalidades, porque cada um cai em extase à sua maneira e vê coisas que ao
homem não é consentido exprimir. "Aquele, acrescenta Bacon
114
(Opus maius, 11, 170 ss.), que se exercitou diligentemente nestas
experiências ou na maior parte delas, pode certificar-se e certificar os
outros, não só das ciências espirituais, mas de todas as ciências humanas".
115
§ 301. WITELO
A Perspectiva não foi a única obra escrita por Witelo, mas é a única de que
temos conhecimento; nela cita Witelo outras obras entre as quais uma Sobre a
filosofia natural e uma outra De ordine eniiuni, a qual foi identificada por
um historiador moderno com o Liber de intelligentiis, escrito anónimo que
expõe uma teoria da luz bastante semelhante à de Roberto Grosseteste (§ 256).
Mas esta obra é na realidade mais antiga, pois é já citada por S. Tomás de
Aquino (Quod., VI, q. 11, a
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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obras que com toda a segurança lhe podem ser atribuídas. São elas o tratado
De primo principio, as Quaestiones in Metaphysicam, o Opus oxoniense, os
Reportata parisiensia e um Quodlibet. As três primeiras pertencem à estadia
em Oxford, as outras duas são resultado do ensino parisiense. Os Reportala
parisensia, que são o texto do comentário às Sentenças feito por Escoto
naquela cidade, ficaram-nos em duas redacções, uma mais breve, outra mais
longa. A edição que deles fez o editor seiscentista de Escoto, Luca Waddinng,
é uma contaminação das duas redacções que não tem qualquer base nos
manuscritos.
123
Tudo o que transcende os limites da razão humana já não é ciência, mas acção
ou conhecimento prático: refere-se, não à ciência, mas ao fim a que o
homem deve tender, aos meios para o alcançar ou às normas que, em vista
dele, se
que foi destinado, nem dos meios para o conseguir. Que o homem esteja
destinado à visão e ao gozo de Deus, é coisa que não pode saber senão através
da revelação (Op. ox., prol., q. 1, n. 7). E porque não pode sabê-lo através
da razão natural? Porque não existe uma conexão necessária entre o fira
sobrenatural do homem e a natureza humana, tal como ela é nesta vida (lb.,
prol. q. 1, n. 11). Evidentemente, trata-se de um fim de Deus quis atribuir
livremente ao homem, que não se conecta necessariamente com a natureza do
homem e por -isso não pode ser demonstrado como sendo próprio dessa natureza,
enquanto que a demonstração suporia tal necessidade. Os limites que Escoto,
descobre no conhecimento humano não são acidentais para o próprio
conhecimento, mas sim constitutivos.
O homem não pode conhecer demonstrativamente aquilo que Deus decidiu em
virtude do seu livre arbítrio, e que, portanto, não possui vestígio algum
daquela necessidade- que torna possível o conhe-
124
Pelo seu carácter prático, a teologia não pode denominar-se uma ciência
em sentido próprio: com efeito, os seus princípios não dependem da
evidência do seu objecto (1b., 111, d. 24, q. 1, n. 13). Mas querendo
considerá-la como ciência, é necessário atribuir-lhe um lugar
especial, dado que ela não se subordina a nenhuma outra ciência e não
subordina a si mesma nenhuma outra ciência. Ainda que o seu objecto possa, de
certo modo, ser incluído no objecto da metafísica, ela não recebe os seus
princípios da metafísica, porque nenhuma proposição teológica é demonstrável
mediante os princípios do ser enquanto tal (objecto da metafísica), ou
mediante qualquer razão derivada da natureza do ser enquanto tal. Por outro
Ia-do, ela não subordina a si nenhuma outra ciência, porque nenhuma outra
ciência dela recebe os seus princípios. "Qualquer outra ciência, que pertença
ao conhecimento natural, tem o seu último fundamento em princípios imediata e
naturalmente evidentes" (Rep. par., prol., q. 3 n. 4).
126
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criada (lb., XVI, ri. 5); que coopera com as criaturas na sua actividade
(1b., ri. 6); que é imutável e imóvel (1b., ri. 11, 13); que carece de,
magnitude e de acidentes (lb., ri. 14-16); que é infinito no sentido da
potência (1b., ri. 17). Escoto considera impossível demonstrar todos os
atributos de Deus, e também, como veremos, a imortalidade da alma humana.
Deste modo, a certeza destas proposições converte-se em certeza prática, isto
é, baseada exclusivamente na sua livro aceitação por parte do homem. O ideal
aristotélico da ciência demonstrativa conduz aqui à expulsão definitiva para
fora do âmbito de investigação filosófica de fundamentos básicos da religião
católica. A escolástica encaminha-se para esvaziar de qualquer conteúdo o seu
próprio problema.
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DUNS ESCOTO
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132
ceitas não são duas realidades, duas coisas numericamente dislintas, embora
sejam realmente distintas. Escoto introduz aqui um tipo de distinção que
exclui a separação e a diversidade numérica dos termos distintos, se bem que
não seja uma pura distinção de razão mas sim uma distinção real. Tal é a
distinção formal, que ele considera existir a natureza e a entidade de um
ente qualquer: entendendo por natureza a substância comum indiferente, e por
entidade a completa realização do indivíduo com tal (Op. ox., 11, d. 3, q. 6,
n. 15). Esta solução do problema da indivIduação implica o reconhecer ao
indivíduo um valor metafísico que a tradição escolástica nunca lhe atribuíra.
A individualidade é a última perfeição da substância metafísica; constitui a
completude de tal substância, a sua actualidade plena.
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semelhante a essa perfeição, a não ser que se aDmita uma semelhança entre o
atributo divino e a perfeição criada semelhança que só se pode justificar
admitindo um conceito comum a Deus e às criaturas, conceito a que certamente
se não pode chegar ascendendo por via causal das criaturas até Deus (lb., 1,
d. 8, q. 3, n. 10). Por outro lado, que o ser deva atribuir-se univocamente a
Deus e às criaturas, não exclui a sua diversidade. Deus e as criaturas
diferem nas suas respectivas realidades. as quais nada têm em comum (Ib., I,
d. 8, q. 3, n. 11).
136
pete em virtude de um conceito próprio que o homem dele forma, somente deve
e pode ser demonstrada partindo da experiência. A priori, sabemos que, de um
modo qualquer, Deus existe, mas que ele seja o Sumo Bem ou o Ser necessário
ou infinito, só o podemos saber em virtude, de uma demonstração causal.
De tal natureza são, com efeito, as provas que Escoto apresenta para a
existência de Deus. Dado que o que há de produtível no mundo teve de ser
produzido por uma causa, e dado que não se pode ir até ao infinito na cadeia
das causas, temos de chegar a uma causa primeira ou, como diz Escoto, a uma
primaridade necessária, incausável e existente em acto. Esta prova é obtida
considerando a causa eficiente; é obtida uma outra considerando a causa
final. Existe um fim absoluto, que é absolutamente primeiro, isto é, não
subordinado a nenhum outro fim-, e também este fim absoluto é incausável e
actual. Finalmente, e eis uma terceira prova, deve existir uma natureza
eminente, primeira pela sua perfeição absoluta, e também ela deve ser
incausável e actual. Existem, portanto, três primazias, as quais são
inseparáveis e não podem encontrar-se senão numa única natureza, já que o ser
absoluta- mente primeiro não pode ser senão um (lb., 1, d.
2, q. 2, n. 11, 17; De primo princ., 3, 9, 11). As três primazias exprimem os
três aspectos da suma bondade que, necessariamente, coincidem: a suprema
comunicabilidade, a suprema amabilidade e a suprema perfeição.
137
Deus é sumo, damos-lhe uma determinação que lhe compete em relação às coisas
que são diferentes dele; é sumo entre todas as coisas existentes. Mas se
dizemos que é sumo na sua natureza intrínseca, então isto não significa senão
que é infinito, isto é, que transcende todo o grau possível de perfeição (Op.
ox., 1, d. 2, q. 2, n. 17).
138
outra: a ratio formalis de cada uma delas é diferente da das outras (1b., 1,
d. 8, q. 4, ri. 17).
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Escoto afirma com muita energia a liberdade da vontade humana. "A vontade,
enquanto acto primeiro, é livre para actos opostos; é também livre de tender,
mediante tais actos opostos, para objectos opostos, e, além disso, é livre de
produzir efeitos opostos" (1b., I, d. 39, q. 5, n. 15). Esta liberdade é
condicionada essencialmente pelo facto de que a vontade não tem outra causa
senão ela própria, já que é o único princípio de tudo o que acontece de uma
maneira contingente, isto é, não necessariamente (lb., 11, d. 25, q. 1, n.
22). No acto voluntário, o intelecto depende da vontade, dado que a vontade
dele se serve como instrumento e o submete às exigências da acção. Contra o
primado do intelecto afirmado por S. Tomás, Duns Escoto afirma, com Henrique
de Gand, o primado da vontade. A bondade do objecto não causa necessariamente
a anuência da vontade, mas a vontade escolhe livremente o bem, e livremente
opta pelo bem maior (1b.,
1, d. 1, q. 4, n. 16). Esta supremacia da vontade confere à vida moral do
homem um carácter de arbitrariedade irremediável.
A única lei moral é para o homem o mandato da vontade divina. "Deus não pode
querer nada que não seja justo, porque a vontade de Deus é a
143
,primeira regra" (lb., IV, d. 46, q. 1, n. 6). Dado que a causa da vontade
divina não é outra senão a própria vontade, Deus poderia agir de outra forma
e estabelecer para o homem uma lei diferente daquela que estabeleceu: em tal
caso, esta última seria a lei justa, dado que nenhuma lei é justa senão
enquanto é aceite pela vontade divina (lb., 1, d. 44, q. 1, n. 2). Trata-se
de consequências inevitáveis do princípio fundamental de que tudo o que é
prático é absolutamente livre e arbitrário. Este princípio, utilizado com
rígida coerência, leva a reduzir o valor da conduta humana à simples
conformidade com a lei estabelecida por Deus, e o valor desta lei ao simples
arbítrio divino.
Porém, é evidente que Escoto deve admitir uma excepção, e uma só, ao
princípio segundo o qual todas as regras de conduta se reduzem a mandamentos
divinos. Esta excepção refere-se à própria regra que impõe o respeito ao
mandamento divino; já que se esta última também só fosse válida em virtude de
um mandamento divino, não haveria para o homem nenhuma vida de acesso natural
à vida moral, e esta consistiria numa obediência ao mandamento divino também
ela prescrita somente por um mandamento divino. E tal é, com efeito, a
posição de Escoto a esse propósito. Começa, porém, por distinguir uma lei de
natureza, evidente naturalmente ao homem do mesmo modo que os princípios
especulativos, e uma lei positiva divina feita valer por um mandamento de
Deus (lb., III, d. 37, q. 1); mas logo restringe o campo da lei natural
distinguindo nela os princípios práticos que resultam evidentes pelos seus
próprios termos ou que são demonstrados necessariamente, daqueles que sendo
conformes a tais princípios, não são evidentes nem necessários; e considera
somente os primeiros como leis naturais em sentido restrito Ub., 111, d.
37, q. 1). Assim restringido, o domínio da lei natural com-
144
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?r, 0 .,
necessidade de que Cristo **reffiraisse o homem com a sua morte, a não ser uma
necessidade condicionada pela sua decisão de o querer redimir daquele modo. A
morte de Cristo foi contingente e devida unicamente a decisão divina (Ib., IV,
d. 15, q. 1, n. 7).
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 303. Todas as obras de Escoto foram publicadas em 1639 em Lyon por Luca
Wadding, autor de anais dos franciscanos. O De primo principio está no
volume 1'11; O Opus exoniense nos vois. V-X; os Reportata parisiensia no vol.
X1; o Quodlibet no vol. XII. Foram feitas edições mais recentes sob a
direcção dos padres franciscanos de Quaracchi: as Quaestiowes disputatae de
imaculata conceptione, Qauracchi, 1904; o De rerum principio, Quaracchi,
1910. Das Opera omnia pubIieadas pela Comissão Escotista sob a presidência de
C. Balic sairam, os primeiros quatro volumes, Roma,
1950 e seguintes.
Sobre a vida. e a obra: LITTLE, The Grey Friars in Oxford, Oxford, 1892, p.
210-222. Sobre a questão da autenticidade das obras: LONGPRÉ, La philosophie
du B. Duns Scot, Paris, 1924, 16-49, 288-291; e em particular sobre os
Theoremata E. GILSON, in "Arch. &Hist. doct. et litt. du Moyen Age", Paris,
1938, p. 5-86; C. BALIC, in "Riv. di Fil. Neo-Scol.>, 1938,
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da escomunhão que o papa lhos lançara. João de jandum morreu em 1328, o seu
amigo Marsílio de Pádua viveu ainda mais alguns anos.
João de Jandum escreveu um Comentário à Física e à Metafísica de Aristóteles
e vários tratados, um dos quais acerca do sentido activo (sensus agens).
Declara-se explicitamente discípulo de Aristóteles e de Averróis, mas a
característica fundamental da sua atitude filosófica é o cepticismo perante,
qualquer possibilidade de explicação dogmática e o puro e SIMples
reconhecimento do contraste entre fé e razão. Depois. de ter afirmado a
unidade numérica do intelecto nos diversos indivíduos, diz que: "Ainda que
esta opinião de Averróis. não possa ser refutada com razões demonstrativas,
eu, pelo contrário digo e afirmo que o intelecto não é numericamente uno em
todos os homens; mais ainda, é diferente nos diferentes indivíduos segundo o
número dos corpos humanos e a perfeição que lhos dá a realidade. Mas isto
não demonstro eu com nenhuma razão necessária porque não o considero
possível; e se alguém o conseguir demonstrar, que se alegro (gaudeat) com
isso. Esta conclusão afirmo eu ser verdadeira e considero-a indubitável
unicamente para
* fé" (De an., 111, q. 7). Assume a mesma atitude
* respeito de todos os pontos fundamentais da fé cristã. E repete o seu
irónico convite: "que se alegre quem o souber demonstrar"; ele, por seu lado,
limita-se a reconhecer a sua absoluta** incononiabilidado com os resultados
da investigação racional. O averroísmo age aqui como um factor de dissolução
da escolástica e tem somente o valor dum radical cepticismo teológico.
159
160
as duas alternativas que a teoria do direito natural periodicamente seguira
(ambas as quais se podiam já detectar nos Estóicos) S. Tomás considera que a
lei natural é simultaneamente instinto e razão porque abrange tanto as
inclinações que o homem tem em comum com os outros seres naturais como as
racionais, especificas do homem (Summa theol., 11,
1, q. 94, a. 2). Mas, duma forma ou doutra, esta doutrina nunca foi posta em
causa durante os séculos da Idade Média (e continuará a não o ser ainda
durante alguns séculos), é este o fundo comum de todas as discussões
políticas.
Por vezes, a discussão cai sobre a autoridade que melhor, mais directamente
ou eminentemente **incairria a lei natural, isto é, sobre o problema de se tal
autoridade será a do papa ou a do Imperador. A polémica filosófica segue ou
acompanha neste caso a grande luta política entre o papado e, o império. Da
teoria das "duas espadas", da qual o papa Gelásio 1 se servira, cerca dos
finais do século V, para reivindicar a autonomia da esfera religiosa em -
relação à autoridade política, o papado passara gradualmente a sustentar a
tese da superioridade absoluta do poder papal sobre o político, e da
dependência de qualquer autoridade mundana em relação à eclesiástica,
considerada a única directamente inspirada e patrocinada pela lei divina.
Foi sobretudo com Inocêncio 111 (1198-1216), cuja obra teve uma importância
enorme em toda a Europa, que começou a afirmar-se em todo o seu rigor a tese
da superioridade do poder eclesiástico; a partir desse momento, as discussões
filosóficas sobre a essência do direito e do estado passaram a incidir sobre
o tema da superioridade de um ou outro dos dois poderes. Pelos princípios do
século XIV, estas discussões tornam-se particularmente vivas e inflamadas. O
De ecclesiastica potes-
161
Por outro lado, nesse mesmo ano, João de Paris (1269-1306), no seu De
potestate regia et papali, negava a plenitude potestatis do Papa e
reivindicava para os indivíduos o direito de propriedade, atribuindo
unicamente ao Papa a função de um administrador responsável pelos bens
eclesiásticos. Uns anos depois, Dante, no De monarchia, preocupava-se
sobretudo em defender a independência do poder imperial frente ao poder
papal. "É, portanto, claro, dizia ele na conclusão da obra, que a autoridade
do monarca temporal desce até elo, sem nenhum intermediário, da fonte da
autoridade universal, a qual, única como é da fortaleza da sua simplicidade,
flui em inúmeros leitos dada a abundância da sua excelência" (111, 16). O
imponente conjunto das obras políticas de Occam (§ 322) procurava, por outro
lado, separar o conceito de Igreja do de papado, identificando a própria
Igreja com a comunidade histórica dos fiéis e atribuindo-lhe o privilégio de
estabelecer e defender as verdades religiosas, e rebaixando o papado a um
principado ministrativus, instituído exclusivamente para garantir aos fiéis a
liberdade que a lei de Cristo trouxe aos homens. Cada um destes escritores
anticlerialistas tem as suas características próprias, conforme o interesse
específico que pretende defender: interesse que, para João de Paris, é
essencialmente económico-social; para Dante, político; para Occam,
filosófico-religioso. Mas a totalidade destes interesses constitui o
interesse mais geral da nova classe burguesa que defende a sua liberdade de
iniciativa
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163
uma punição ou a uma recompensa a atribuir neste mundo" (1, 10, 4); e só
neste sentido ela é propriamente chamada "lei". São duas as características
desta doutrina que está na base de toda a obra de Marsílio: 1) O que é justo
ou injusto, vantajoso ou nocivo para a comunidade humana não é sugerido por
um instinto infalível posto no homem por Deus, nem pela própria razão divina,
mas descoberto pela razão humana, criadora da ciência do direito. Pode ver-se
neste aspecto do pensamento de Marsílio o primeiro sinal da passagem do velho
ao novo naturalismo jurídico, o qual incorporado no naturalismo jurídico do
século XVII: passagem, após a qual passa a ser atribuída à própria razão
humana o juízo acerca do que é vantajoso ou nocivo para a comunidade humana.
2) A limitação do conceito próprio de lei não ao simples juízo da razão (que
por si só constitui** tinicamente ciência ou doutrina) mas ao que se tornou
preceito coactivo ao coligar-se com uma sanção. Este segundo aspecto da
doutrina de Marsílio de Pádua fez dele um antecessor do que hoje se denomina
o positivismo jurídico. Dados estes pressupostos, a tarefa de Marsílio de
Pádua fica automaticamente restringida às considerações sobre unicamente
aquelas leis e governos que derivam duma forma imediata do arbítrio da mente
humana" e a sua instituição (1, 12, 1).
Sob este ponto de vista, o único legislador é o povo: considerado ou como "o
corpo total dos cidadãos" ou como a sua "parte prevalescente" (pars
valentior) que exprime a sua vontade numa assembleia geral e ordena que "algo
seja feito ou não seja feito a respeito dos actos civis humanos sob a ameaça
de uma pena ou punição temporal". Com a expressão "parte prevalescente",
Marsílio refere-se não só à quantidade mas também à qualidade das pessoas que
constituem a comunidade que ins-
164
titui a lei, no sentido em que a função legislativa pode ser deferida a uma
ou mais pessoas, embora nunca em sentido absoluto mas só relativamente e
salvo a autoridade do legislador primordial que é o povo (1, 12, 3). Ã lei
assim estabelecida todos estão igualmente sujeitos, incluindo os clérigos.
"0 facto de alguém ser ou não ser sacerdote não tem perante o juiz maior
importância do que se fosse camponês ou pedreiro, como não tem valor perante
o médico que seja ou não músico alguém que possa adoecer e curar-se" (11, 8,
7). Portanto a pretensão do papado em assumir a função legislativa e a
plenitude do poder não passa duma tentativa de usurpação que não produz e não
pode produzir senão cisões e conflitos (1, 19, 8 e seguintes). Analogamente,
para a definição das doutrinas respeitante-s a matéria de fé, definição
indispensável em todos os casos deixados duvidosos pela Sagrada Escritura, e
para evitar cisões e discórdias no seio dos fiéis, a autoridade legítima não
é a do Papa mas a do concílio convocado da devida forma, isto é, de modo a
que nele esteja presente, ou directamente ou por delegação, a "parte
prevalescente da cristandade" (11, 20, 2 e seguintes).
165
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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167
XXII
GUILHERME DE OCCAM
169
170
p. 427). Era a primeira vez que era feita uma tal reivindicação, e nela
inspirava Occam não só a sua investigação filosófica mas também a sua
actividade política. Durante vinte anos defendeu a causa imperial com um
imponente conjunto de obras, cujo principal intento é o de levar a Igreja à
condição de uma livre comunidade religiosa, alheia a interesses e finalidades
materiais, garantia e custódia da liberdade que Cristo reivindicou para os
homens. A Igreja, que é o domínio do espírito, deve ser o reino da liberdade;
o império, que segundo a velha concepção medieval, tem em seu poder não as
almas irias os corpos, pode e deve ter uma autoridade absoluta. Tal é a
essência das doutrinas políticas que Occam defende na luta entre o papado de
Avinhão e o império. Uma única atitude domina toda a sua actividade: a
aspiração à liberdade da investigação filosófica e da vida religiosa. Mas a
condição da liberdade de investigação filosófica é o empirismo, dado que uma
investigação que já não reconhece, como guia a verdade revelada não pode
senão tomar por guia a própria realidade em que o homem vive, a qual é dada
pela experiência.
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174
Com base numa teoria da experiência tão completa e amadurecida, que antecipa
a de Locke em todos os pontos fundamentais inclusivé na distinção entre
experiência interna e externa, nenhuma realidade poderia ser reconhecida ao
universal. Com efeito, Occam. afirma em. termos explícitos a individualidade
da realidade como tal; e faz uma crítica completa de todas as doutrinas que,
seja de que forma for, reconhecem ao universal um grau qualquer de realidade,
distinguindo entre as que o consideram real separadamente das coisas
singulares, e as que o consideram real em união com as próprias coisas. A
conclusão é a impossibilidade absoluta de considerar o universal como real
"Nenhuma coisa exterior à alma, nem por si nem por outra coisa real ou
simplesmente racional que se lhe acrescente, nem de qualquer maneira que a
consideremos ou entendamos, é universal; já que a impossibilidade de que
alguma coisa exterior à alma seja de qualquer modo universal é tão grande
como a impossibilidade de que o homem, por qualquer consideração ou sob
qualquer aspecto, seja o burro" (lb.,
1, d. 2, q. 7 S). Por outras palavras, a realidade do
175
Occam não nega que o conceito tenha uma realidade mental, isto é, que existia
subiective (substancialmente ou realmente) na alma. Mas esta realidade mental
não é senão o acto do intelecto; portanto, não é uma espécie nem sequer um
idolum ou fictum, isto é, uma imagem ou ficção que seja, duma forma qualquer,
distinta do acto intelectual. Mas esta realidade subjectiva do conceito é,
como qualquer outra realidade, determinada e singular (lb., 1, d. 2, q. 8 Q;
Quodl., IV, q. 35). A universalidade do conceito consiste, portanto, não na
realidade do acto intelectual, mas na sua função significante, para a qual
ele é uma intentio. O termo intentio exprime precisamente a função pela qual
o acto intelectual tende para uma realidade significada. Como intentio, o
conceito é um signo (signum) das coisas; e, como tal, está em lugar delas em
todos os juízos e raciocínios em que ocorre. Occam determina a função do
signo no conceito da suppositio (veja-se adiante).
176
tos e não outro qualquer, não é coisa que possa ter um fundamento na relação
destes objectos entre si e com o conceito, já que a própria relação não é
senão um conceito privado de realidade objectiva. A validade do conceito não
consiste na sua realidade objectiva. Occam abandona aqui (e é a primeira vez
que tal acontece na Idade Média) o critério platónico da objectividade. O
valor do conceito, a sua relação intrínseca com a realidade que simboliza,
está na sua génese: o conceito é o signo natural da própria coisa.
Diferentemente da palavra que é um signo instituído por convenção arbitrária
entre os homens, o conceito, é um signo natural predicável de várias coisas.
Significa a realidade "do mesmo modo que o fumo significa o fogo, o gemido do
enfermo a dor e o riso a alegria interior (Summa logicae, 1, 14). Esta
naturalidade do signo exprime simplesmente a sua dependência causal da
realidade significada. Ele é um produto, na alma, dessa mesma realidade: a
sua capacidade de representar o objecto não significa outra coisa (Quodl. IV,
q. 3). É este, sem dúvida, o traço mais acentuadamente empirista da teoria do
conceito de Occam: a relação do conceito com a coisa não é por ele
justificada metafisicamente, mas empiricamente explicada com a derivação do
próprio conceito da coisa, que por si só produz na mente o signo que a
representa.
177
reza o fundamento da indução científica que será teorizada pela primeira vez
na Idade Moderna por Bacon e analisada nos seus pressupostos por Stuart Mill.
OccaM considera a lógica como o estado das propriedades dos termos e das
condições de verdade das proposições e dos raciocínios em que eles ocorrem.
Os termos podem ser escritos, falados o concebidos (segundo a velha
classificação de Boécio). O termo concebido (conceptus) é "uma. intenção ou
afecção (intentio seu passio) que significa ou co-significa naturalmente
qualquer coisa, nascida para fazer parte de uma proposição mental o -para
estar em lugar daquilo que significa". A palavra é um signo subordinado do
termo concebido ou mental, enquanto que o termo escrito é signo da palavra. O
termo significa ou co-significa: significa quando tem um significado
determinado, como, por exemplo, o termo "homem"; co-significa quando não tem
um significado determinado mas o adquire em união com outros termos. Os
termos co-significantes (ou sincategoremáticos) são, por exemplo: qualquer,
nenhum, algum, tudo, à excepção de, somente, etc. Occam, analisa na sua
lógica os termos de segunda intenção, isto é, que se -referem a outros termos
(as intentiones primae, por seu turno, são as que se referem às coisas).
Intenções segundas são as categorias aristotélicas assim como as cinco vozes
de Pórfiro: género, espécie, diferença específica, propriedade e acidente. O
motivo dominante na análise de Occam é que nenhuma intenção segunda é real ou
é signo de uma coisa real: a lógica de Occam é rigorosamente nominalista
tal como a sua gnoseologia.
178
A propriedade fundamental dos termos é a suposição. "A suposição é como que a
posição em vez de qualquer outra coisa. Assim, se um termo está numa
proposição em vez de outra coisa, de modo que nos servimos dele em
substituição dela e que o termo (ou o seu nominativo se ele estiver noutro
caso) é verdadeiro para a própria coisa ou para o pronome demonstrativo que a
indica, então o termo supõe aquela coisa". Assim, com a proposição "o homem é
animal" denota-se que Sócrates é verdadeiramente animal pelo que é verdadeira
a proposição "isto é um animal" quando se indica Sócrates (Summa logicae, 1,
63).
A suposição é, pois, para Occam (e dum modo geral para toda a lógica
nominalista do século XIII) a dimensão semântica dos termos nas proposições,
isto é, a atribuição dos termos a objectos diferentes desses mesmos termos e
que podem ser coisas, pessoas ou outros termos. Esses objectos não podem pelo
contrário, ser entidades ou substâncias universais e metafísicas como a
"brancura", a "humanidade", etc. Com efeito, os objectos a que a suppositio
se refere devem ter um modo de existência determinado, ou como realidades
empíricas (coisas ou pessoas), ou como conceitos mentais ou como signos
escritos. A suposição pessoal é precisamente aquela pela qual os termos estão
em vez da coisa por eles significada, há uma suposição simples quando o termo
está em vez do conceito mas não tomado no seu significado, como quando se diz
"homem é uma espécie"; e há uma suposição material quando o termo não está
tomado no seu significado mas como signo verbal ou escrito, como quando se
diz "homem é um substantivo" ou se escreve "homem". Dado que os objectos a
que a suposição se refere devem ter um modo de ser determinados, quando se
formulam proposições a respeito de objectos inexistentes, essas proposições
179
são falsas porque os seus termos não estão em lugar de nada. Occam. considera
por isso que são falsas as próprias proposições tautológicas (que sob certo
aspecto podem ser consideradas as mais certas) como, por exemplo, "a quimera
é quimera", porque a quimera não existe (11. 14).
Tal como depois dele farão todos os lógicos nominalistas, Occam considera
como fundamental a teoria das consequências (consequentiae), isto é das
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impugnada por Occam no seu próprio fundamento, já que ele não considera ser
demonstrável que Deus seja causa eficiente, total ou parcial, dos fenómenos,
e que não bastem unicamente, as causas naturais para explicar os fenómenos
(Quodl., 11, q. 1). A conclusão é que tais provas, privadas como são de todo
o valor apodíctico, podem determinar no homem somente uma razoável
persuasão. Já que se Deus não exercesse nenhuma acção no mundo, com que fim
se lhe afirmaria a existência? A acção de Deus no mundo é pois um simples
postulado da fé, desprovido de valor racional (lb., 11, q. 1; In Sent., 11,
q. 5 K).
186
O princípio empirista vale para Occam como cânon crítico dos conceitos
metafísicos tradicionais. A substância só é conhecida através dos seus
acidentes (lb., 111, q. 6). Não conhecemos o fogo em si mesmo, mas sim o
calor que é acidente do fogo; por isso não temos da substância senão
conceitos conotativos e negativos como " o ser que subsiste por si", "o ser
que não existe em outrem", que "é sujeito dos acidentes", etc. Portanto, não
é senão o substrato desconhecido das qualidades que a experiência revela (In
Sent., 1, d. 3, q. 2). Tão- pouco possui validade empírica o outro
conceito metafísico fundamental, a causa. Do conhecimento de um fenómeno não
se pode nunca chegar ao conhecimento dum outro fenómeno que seja a causa ou o
efeito do primeiro; já que de nada se tem conhecimento senão através dum acto
de experiência, e causa e efeito são duas coisas diferentes, embora conexas,
que exigem, para ser conhecidas, dois actos de experiência diferentes (lb.,
prol., q. 9 F). A crítica que o empirismo inglês de Locke e Hume fez dos
conceitos de substância e de causa encontra aqui
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188
causa final; os agentes naturais actuam dum modo uniforme e necessário, e por
isso excluem todo o elemento contingente ou mutável, como seriam precisamente
o amor ou o desejo do fim (Quodl., IV, q, 2). E também não é demonstrável a
causalidade teleológica de Deus, já que os agentes naturais, privados como
são de conhecimento, produzem os seus efeitos independentemente do
conhecimento de Deus. A questão propter quid não tem lugar nos acontecimentos
naturais, não tem sentido perguntar com que fim se gera o fogo, já que não se
requer a existência do fim para que o efeito se produza (Quodl,, IV, q. 1).
Esta crítica de Occam, que preludia a famosa crítica de Espinoza, é animada
pelo mesmo espírito: o seu pressuposto é a convicção de que os acontecimentos
naturais se verificam em virtude de leis necessárias que lhes garantem a
uniformidade e excluem todo o arbítrio ou contingência.
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Occam faz a sua tese oposta à de Pelágio: nada há que possa constranger Deus
a salvar um homem: ele concede a salvação só com uma graça e livremente,
ainda que de potentia ordinata não possa regular-se senão pelas leis que ele
mesmo voluntária e contingentemente ordenou (In Sent., 1, d. 17, q. 1 M).
Mas Occam tira da liberdade de escolha divina que pode predestinar ou
condenar quem quiser, independentemente dos méritos humanos, uma consequência
paradoxal. Não é contraditório que Deus considere meritório um acto privado
de qualquer disposição sobrenatural; assim como ele voluntária e livremente
aceita como meritório um acto inspirado pela disposição sobrenatural da
caridade, também pode aceitar igualmente um acto voluntário privado de tal
disposição (1b., 1, d. 17, q. 2 D). Isto significa que a salvação não está
impedida para quem vive somente segundo os ditames da recta razão. "Não é
impossível, diz Occam (1b., 11, q- 8 C), que Deus ordene que aquele que vive
segundo os ditames da recta razão e não crê em nada que lhe não seja
demonstrado pela razão natural, seja digno da Vida eterna. Em tal caso,
também pode salvar-se aquele que na vida não teve outro guia senão a recta
razão". Esta é uma opinião que coloca Occam para além dos limites da Idade
Média: a fé já não é uma condição necessária da salvação. A livre
investigação filosófica confere ao homem tal nobreza que pode torná-lo digno
da vida eterna.
Que a vida eterna consista no gozo e na posse de Deus, é opinião de pura fé.
Não se pode demonstrar que tal gozo seja Possível ao homem. Não se pode
demonstrar que o homem não possa verdadeiramente repousar senão em Deus.
Finalmente, não se pode demonstrar que o homem possa, de qualquer modo,
repousar definitivamente, já que a vontade humana, pela sua liberdade, pode
sempre
196
que a lei de Cristo, pelo contrário, veio aperfeiçoar (De imp. et pont. pot.,
VI, ed. Scholz, 11, 460). Nem o papa nem o concílio têm capacidade para
restabelecer verdades que todos os fiéis tenham de aceitar; dado que a
infalibilidade do magistério religioso pertence somente à Igreja, que é "a
multidão de todos os católicos que têm existido desde os tempos dos profetas
e dos apóstolos até à actualidade" (Dial. inter mag. et disc., 1, tract. 1,
c. 4, ed. Goldast, 11, 402). A Igreja é, por outras palavras, a livre
comunidade dos fiéis, que reconhece e sanciona, no decurso da sua tradição
histórica, as verdades que constituem a sua vida e fundamento. Por este seu
ideal da Igreja combate Occam o papado de Avinhão. Um papado rico,
autoritário e despótico, que tende a subordinar a si a consciência religiosa
dos fiéis e a exercer igualmente um poder político absoluto, afirmando a sua
superioridade sobre todos os príncipes e poderes da terra, devia parecer a
Occam a negação do ideal cristão da Igreja como comunidade livre, alheia a
toda a preocupação mundana, em que a autoridade do papado seja unicamente a
protecção da livre fé dos seus membros. Indubitavelmente, o mesmo ideal de
Occam animava a ordem franciscana na sua luta contra o papado de Avinhão. A
tese da pobreza de Cristo e dos apóstolos foi a arma de que serviu a ordem
franciscana para defender este ideal. Não somente Cristo e os apóstolos não
quiseram fundar um reino ou domínio temporal, como até nem quiseram ter
nenhuma propriedade comum ou individual. Quiseram sim fundar uma comunidade
que, não tendo em vista senão a salvação espiritual dos seus membros,
renunciasse a toda a preocupação mundana e a todo o instrumento de domínio
material. Tal é também a preocupação polémica de Occam. As palavras que
segundo um escritor antigo Occam dirigiu a Luís o Bávaro quando se refugiou
198
na sua corte: "0 Imperator, defende me gladio et ego defendam te verbo", não
exprimem a essência da obra política de Occam. Mais do que deter-se a
defender o imperador, ele contrapõe a Igreja ao papado e defende os direitos
da própria Igreja contra o absolutismo papal que pretende erigir-se em
árbitro da consciência religiosa dos fiéis. A Igreja é para Occam uma
comunidade histórica, que vive como tradição, ininterrupta através dos
séculos, a esta tradição reforça e enriquece o património das suas verdades
fundamentais. O papa pode errar e cair em heresia; também o concílio pode
cair em heresia pois que é formado por homens falíveis, mas não pode **catir
em
heresia aquela comunidade universal que não pode ser dissolvida por nenhuma
vontade humana e que, segundo a palavra de Cristo, durará até ao fim dos
séculos (Dial., 1, tract. 11, c. 25, ed. Goldast, 11,
494-495).
Deste ponto de vista, a tese sustentada pelo papado de Avinhão segundo a qual
a autoridade imperial procede de Deus somente através do papa e, portanto, só
o papa possui a autoridade absoluta tanto nas coisas espirituais com nas
coisas tem. **porais, tal tese devia parecer herética. Com efeito, assim
parece
a Occam, que mostra como ela é infundada, observando que o império não foi
instituído pelo papa, visto que já existia antes da vinda de Cristo (Octo
quaest., 11, 6, ed. Goldast, 11, 339). O império fdi fundado pelos Romanos
que primeiro tiveram os reis, depois os cônsules, e por último **eleacram o
imperador para que dominasse sobre todos elos sem ulteriores mudanças. Dos
Romanos foi transferido para Carlos Magno, e em seguida foi transferido dos
Franceses para a nação alemã. São, portanto, os Romanos, ou os povos aos
quais eles transferiram o seu poder, que têm o direito de eleição imperial.
Occam defende a tese afirmada
199
NOTA BIBLIOGRÁFICA
200
Algumas destas obras tiveram também edições recentes. Sobre Occam, para além
das obras já citadas: GOTTFRIED MARTIN, W. v. O., Untersuchungen zur
Onto7ogie der Ordnungen, Berlim, 1949 (sobre as doutrinas lógico-matemáticas
de O.); E. HOCTISTETTER. P, VIGNAUx, G. MARTIN, P. BõHNER, A. B. WOLTER. J.
SALAmucflA, A. HAMMAN, R: HORN, V. HEYNCK, W. O.
201
§ 317. Sobre a lógica: MOODY, The Logic of W. of O., Londres-New York, 1935;
BõHNER, Ockham's Theory of Signification, in "Frane. Stud.", 1945; MOODY,
Truth and Consequence in Mediaeval Logie, Amsterdão, 1953.
§ 318. Sobre a teologia: ABBAGNANO, 0p. Cit. cap. VI; R. GUELLUY, Phil. et
théol. chez G. dIO., Louvain-Paris, 1947 (com bibl.).
§ 320. Sobre a física: DUHEM, Êtudes sur Léonard de Vinci, II, Paris, 1909,
p. 39-42, 76-79, 85-86,
257-259, 416; DELISLE BURNS, in "Mind", 1916, p. 506-512.
202
XXIII
O OCCAMISMO
203
1~
Univers. Paris., 11, 485, 505 e seguintes). Mas apesar das proibições e
condenações, o occamismo difundia-se rapidamente e bem depressa conquistava,
nas mais famosas Universidades, numerosos discípulos, os quais lhe acentuaram
a tendência crítica e negativa, não só nas questões teológicas mas também nas
filosóficas. O número das questões declaradas insolúveis sob o ponto de vista
da razão natural e dos princípios declarados desprovidos de qualquer base
experimental, aumentava continuamente. A escolástica conservava a sua
estrutura exterior, o seu proceder característico, o seu método de análise e
de discussão. Mas esta estrutura formal voltava-se contra o seu próprio
conteúdo, mostrando a inconsistência lógica ou a falta de fundamentação
empírica das doutrinas que tinham constituído a substância da sua tradição
secular. Todavia, à medida que os [problemas tradicionais se esvaziavam de
conteúdo, ia-se reforçando o interesse pelos problemas da natureza que já
haviam abrangido uma parte tão notável da especulação de Occam. Na usura a
que o occamismo submetia todo o conteúdo da tradição escolástica, iam
amadurecendo novas forças, forças que se vieram a desenvolver na filosofia do
Renascimento.
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207
NA ESCOLA OCCAMISTA
208
209
também ao movimento dos céus: estes podem perfeitamente ser movidos por um
impetus a eles comunicado pela potência divina, e que se conserva porque não
é diminuído ou destruído por forças opostas; isto torna inúteis as
inteligências motoras que Aristóteles admitira precisamente para explicar o
movimento dos céus. A astronomia moderna nascia assim na escola occamista.
210
211
§ 326. OCCAMISMO: OS "CALCULADORES" DE OXFORD
212
tes dedicam a esta escola de l¥ca, interesse que também permite uma avaliação
mais imparcial dessa mesma escola.
213
não é de admirar que o tratamento que lhe foi dado pelos lógicos de Oxford
tenha atraído as atenções dos estudiosos modernos; tanto mais que, ao
contrário dos escritores anteriores os quais, a começar em Rogério Bacon e a
acabar em Duns Escoto e Occam, tinham tratado esta noção nas dificuldades e
nos aparentes sofismas a que dava lugar, os lógicos de Oxford adoptaram pela
primeira vez, no tratamento que lhe deram, símbolos constituídos por letras e
dedicaram-se sobretudo a considerá-la em relação aos conceitos de movimento e
de velocidade chegando mesmo a formular alguns teoremas da cinemática
moderna. Para dar uma ,ideia da maneira como Heytesbury enfrenta os problemas
do infinito assim entendido, pode considerar-se o procedimento por ele
seguindo na sua discussão do máximo e do mim .mo para refutar uma
proposição como a seguinte: existe um peso máximo que Sócrates consegue
transportar. Seja a esse peso. Sócrates consegue transportar a, portanto, a
potência de Sócrates excede, com um excesso (excessus) qualquer, a resistência
do peso a. Mas dado que aquele excesso é divisível, com metade dele, Sócrates
pode transportar o peso a mais uma outra quantidade logo a não é o máximo que
Sócrates pode transportar. E, dado que, tal como se raciocina a respeito de a
do mesmo modo se pode raciocinar a respeito de qualquer peso
infinitèsimamente maior do que a, resulta que não existe um peso máximo que
Sócrates consegue transportar. Segundo Heytesbury, deve antes dizer-se que
existe um peso mínimo que Sócrates não consegue transportar. Considere-se,
com efeito, um peso que seja igual à potência de Sócrates e chame-se-lhe a.
Sócrates não consegue transportar a mas pode transportar qualquer peso
214
Suisoth foi o mais famoso dos lógicos da escola de Oxford e, por isso, foi
denominado por antonomásia o Calculator. Foi sobretudo em Itália que a lógica
de Oxford encontrou mais numerosos seguidores, ficando em voga durante mais
dum século. Podem recordar-se os nomes de Poduro de Mântua (falecido em 1400)
autor de um De instanti e de uma Lógica; de Paulo Veneto (falecido em 1429)
autor de uma Summa naturalium que foi impressa em Veneza em 1476 e de uma
colecção de Sophismata; de Caetano Tffiene (falecido em 1465) que ensinou em
Pádua de 1422 a 1465, e cujo comentário às Regulae de Heytesbury foi editado
conjuntamente com elas em 1494, de Paulo de Pergola (falecido em 1451) autor
de uma Lógica e de um Tratado sobre o sentido composto e dividido. Mas o mais
famoso foi Biagio Pelacani de Parma que ensinou em Pavia, Pádua, Bolonha e
Florença e morreu em 1416. Biagio foi um averroísta que ensinava um rígido
determinismo astrológico, a unidade do intelecto activo e a eternidade do
mundo. Mas ocupou--se sobretudo de questões científicas relativas ao
movimento dos projécteis (no sentido de Buridan e de Oresme), ao movimento e
contacto dos corpos e à óptica. Nas Quaestiones de latitudinibus formarum
trata dos mesmos problemas considerados por Heytesbury e chega a conclusões
semelhantes. A sua característica fundamental é a mistura que apresenta de
averroísmo e occamismo: os aspectos mais interessantes da sua obra são os
científicos e especialmente os seus contributos para a elaboração duma óptica
geométrica.
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219
NOTA BIBLIOGRÁFICA
220
221
O Epítome de Gabriel Biel foi impresso pela primeira vez em 1501 e teve
depois várias edições: PRANTL, Gesch. d. Log., IV, p. 231 ss.
222
xxIV
O MISTICISMO ALEMÃO
223
224
Alemanha vários cargos na sua ordem, mas a sua principal actividade foi a
pregação. Depois de 1310 não voltamos a ter mais dados sobre ele; pouco
depois desse ano, deve, portanto, situar-se a data da sua morte. Mestre
Dietrich escreveu numerosas obras de metafísica, lógica, física, óptica e
psicologia, obras que ficaram inéditas e das quais só recentemente algumas
foram publicadas. A sua especulação relaciona-se dum modo geral com a
tradição agustiniana; mas a sua fonte principal é Proclo, cujos Elementos de
teologia tinham sido traduzidos em 1268 por Guilherme de Moerbek-e. Como
Proclo, admite quatro ordens de realidades: o Uno, a natureza intelectual, as
almas e os corpos, que derivam umas das outras por um processo de emanação,
interpretada, num sentido cristão, como criação. Tal criação é determinada
pela superabundância do ser divino que se derrama fora de si próprio, sobre
os graus inferiores da realidade, criando-os e governando-os (De intellectu
et intelligibili, 1, 9, ed. Krebs, p. 130). Dietrich propende para a
interpretação que Avicena tinha dado da teoria neo-platónica da emanação,
segundo a qual a acção de Deus sobre as coisas do mundo se exerce mediante as
inteligências motoras das esferas celestes, de modo que cada uma delas
depende da superior, e que da última e mais baixa dependem as coisas
sublunares. Mas ele declara não afirmar decididamente tal doutrina ,porque
não lhe encontra confirmação explícita na Sagrada Escritura.
225
tinho, está presente no homem como norma de todo o seu conhecimento (De
visione beatifica, ed. Krebs, p. 77). O intelecto possível é, pelo
contrário, uma pura possibilidade, sem natureza positiva. As espécies
inteligíveis vêm à alma, não por abstracção das coisas sensíveis, como
sustentara S. Tomás, mas pelo intelecto agente, segundo a doutrina de
Avicena. E, dado que o intelecto agente é a directa emanação de Deus,
Dietrich aceita, neste sentido a doutrina agustiniana da iluminação divina (De
inteil. et intellig.
111, 35, p. 203). Ora, precisamente por meio do intelecto agente o homem está
em condições de regressar a Deus e de se unir com ele. Para esta união,
Dietrich não considera necessário aquele lumen gloriae que S. Tomás havia
considerado como sua condição (S. th., 1, q. 13, a. 4); basta a acção natural
do intelecto agente. " O mesmo intelecto agente. "0 mesmo intelecto agente,
diz ele (De intell. et intellig., 11, 31, p. 162), é aquele princípio
beatífico, pelo qua-l, quando estamos informados- isto é, quando ele se torna
a nossa forma-, nos tornamos bem-aventurados, o nos unimos a Deus mediante a
imediata contemplação beatífica, com a qual vemos a própria essência de
Deus".
226
Para fundamentar tal relação, Eckhart deve, por um lado, negar que as
criaturas tenham, enquanto tais, uma realidade própria; por outro lado,
reduzir o ser das criaturas ao ser de Deus. Tais são, com efeito. os pontos
fundamentais da sua metafísica,, "Todas as criaturas, são um puro nada, diz
ele. Não
227
m,41,11^k%o que sejam uma coisa pequena ou sem **impersão um puro nada. O que
não tem ser,
**-ras tem ser porque ,não existe. Nenhuma das criatu1 o wU ser depende da
presença de Deus. Se Deus se afastasse das criaturas por um só instante, elas
cairiam no nada. Disse já outras vezes e é verdade: quem agarrasse no mundo e
em Deus nada mais teria do que se só tivesse Deus" (Pred., IV, ed. Quint, p.
69-70). Frente à nulidade das criaturas, Deus é o ser, todo o ser. "0 sor é
Deus. Esta proposição é evidente, em primeiro lugar, porque se o ser é
diferente de Deus, Deus não existe nem é Deus. Com efeito, de que modo
poderia ser, e ser algo, se o ser fosse diferente, estranho e distinto dele?
Ou então, se é Deus, é Deus por causa de outrem, se o ser é outro que não
ele. Portanto, Deus e o ser são idênticos, pois de outro modo Deus receberia
o ser de outrem" (Prologus generalis in opus tripartitum, n. 12).
228
do mundo com Deus: "Não se deve imaginar, como muitos fazem, que Deus tenha
criado e produzido todas as coisas não em si mas fora de si; criou-as e
produziu-as por si e em si primordialmente, já que aquilo que existe fora de
Deus existe fora do ser e, assim, não existe e não poderia ter sido criado
nem produzido. Em segundo lugar, o que existe fora de Deus é nada. Por isso,
se as criaturas ou todas as coisas produzidas se colhessem ou nascessem fora
de Deus, seriam produzidas do ser para o nada, e não haveria produção ou
criação mas corrupção: a corrupção, com efeito, é a via que vai do ser para o
não ser, isto é, para o nada" (In Sap., VI, 8).
Deus é, portanto, o ser, todo o ser na sua absoluta unidade. Como tal, é a
negação de todo o ser particular, determinado e múltiplo; é o não-ser de tudo
o que existe de qualquer modo diferente dele. Mesmo o seu nome é
inexprimível: Eckhart serve-se de boa vontade da teologia negativa
(apofatica) de Dinis o Areopagita, da qual se servira já Escoto de Erígena no
principio da Escolástica. "Deus não tem nome, já que ninguém pode dizer nem
entender nada sobre ele. Se eu digo: Deus é bom, será mais ,verdadeiro dizer:
eu sou bom, Deus não é bom. Se eu digo: Deus é sábio. não será verdadeiro
dizer: eu sou sábio. Eu digo, portanto: não é verdadeiro que Deus seja uma
essência. Ele é uma essência superessencial e um nada superexistente"
(Werke, ed. Pfeiffer, p. 318-319). Como tal, Ele, mais do que Deus, é a
divindade, a essência em si que é o fundamento comum das três pessoas
divinas, **wneriores às suas relações, à sua distinção, à sua actividade
criadora; é um repouso desértico, no qual só há unidade.
Mas, precisamente para este centro e para este fundamento último da vida
divina, precisamente para este repouso desértico, que está para além da
229
230
231,
motivos da **Úadição escolástica; mas tais tomas e motivos são por ele
transfigurados e entendidos segundo uma perspectiva que já não é a que
representa o seu significado genuíno. Quanto à sua ortodoxia, ele aparecerá
não como ortodoxo, desde que se utilize como medida da ortodoxia o tomismo
Discípulos imediatos de Eckhart são João Tauler e Henrique Suso. João Tauler
nasceu cerca de
1300 em Estrasburgo e pertenceu à ordem dominicana. Na luta entre Luís o
Bávaro e o papa, esteve do lado do papa. A sua actividade desenvolveu-se como
pregador em Estrasburgo, Basileia e Colónia. Morreu em Estrasburgo em 1361. A
doutrina exposta nos seus Ser~- s é substancialmente a de Eckhart. Como
Eckhart, distingue Deus, como Trindade e actividade criadora, da essência
divina que,
232
JOÃO TAULER
233
da pedra é a divina ou a das outras criaturas (Ib., p. 354). Por isso, também
a unidade do homem com Deus é inferior à unidade de Deus consigo mesmo, do
Filho com o Pai. E, com efeito, o Filho de Deus é tal por sua natureza e não
tem uma personalidade independente desta sua natureza; o homem, pelo
contrário, tem uma personalidade natural, que o distingue de Deus; o seu
nascimento como filho de Deus é, portanto, só um renascer (1b., @p. 355).
234
NOTA BIBLIOGRÁFICA
235
As obras em que Eckhart defende as proposições Imputa~ heréticas foram
editadas primeiro por DANILS, In "Beitrãge", XXIII, 5, 1923, depois por
THÉRY, In "Archives d'hist. doctrinale et littéraire du moyen áge", 1926-
19271 p. 229-268.
O texto crítico das obras de Henrique Suso foi editado por BIHLMEYER:
Deutsche Schriften, Stuttgart,
1907.
A Teologia alemã foi novamente editada por PFEIFFER, Stuttgart, 1851, 5.,
ed., 1924.
236
INDICE
Aquino ... ... ... ... ... ... 23 § 273. Vida e Obra ...
... ... ... 26 § 274. Razão e Fé ... ... ... .. . ... 29 §
275. Teoria do conhecimento ... ... 32 § 276. Metafísica
... ... ... ... ... 39 § 277. As provas da existência de Deus
44 § 278. Teologia ... ... .. . ... ... 47 § 279.
Psicologia ... ... ... ... ... 50 § 280. ntica ... ... ...
... ... ... 52 § 281. Politica ... ... ... ... ... ... 55 §
282. Estética ... ... ... ... . .. 57
237
latino ... ... ... ... ... ... 61 § 284. Siger de Brabante:
Vida e Obra 64 § 285. Siger: Necessidade do ser e
238
pologia ... ... ... ... ... ... 99 § 297. Godofredo de Fontaines
... ... 101
§ 302. Doctor subtilis ... ... ... ... 119 § 303. Vida e Obras
... ... ... ... 121 § 304. Ciência e Fé ... ... ... ...
123
239
TICA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIV ... ... ... ... ... ...
149
escolástica ... ... ... ... ... 149 §309. Durand de Saint-
Pourçain ... 150 §310. Pedro Auréolo ... ... ... ...
153 §311. A escola escotista, ... ... ... 154 §312. Os últimos
averroistas medie-
vais .. . ... ... ... ... ... 157 §313. Marsílio de Pádua e a
Filosofia
240
mista ... ... ... ... ... ... 208 § 326. Os "calculadores" de
Oxford ... 212 § 327. A esco'a occamista. ... ... ...
217
241
23,5
242
na
Tipografia Nunes
Porto
14