Sei sulla pagina 1di 12

443

Políticas sociais locais e os desafios

ARTIGO ARTICLE
da participação citadina

Local social policies and the challenges


of citizens participation

Pedro R. Jacobi 1

Abstract This text presents an analysis on the Resumo O objetivo deste texto é aprofundar
dimensions of participation and the possibil- a reflexão em torno das dimensões da partici-
ities of enlargement of citizenship, having as pação e das possibilidades de ampliação da ci-
reference public policies of education, health dadania. O tema articulador é a participação
and environment at the local level. The artic- popular na gestão pública e as transformações
ulating theme is popular participation in pub- qualitativas na relação Estado/Sociedade civil.
lic administration and the qualitative trans- O desafio que nos propomos é o de analisar, de
formations in the relationship between State um lado, os impactos de práticas participati-
and civil society, as a reference of a turning vas que apontam, a partir da manifestação do
point and strengthening of public policies cen- coletivo, para uma nova qualidade de cidada-
tered that emphasize active citizenship. Our nia que institui o cidadão como criador de di-
challenge is to analyze, on one side, the impacts reitos para abrir novos espaços de participação
of participatory practices that point out to new sociopolítica; e, de outro, os aspectos que con-
configurations of the quality of citizenship, figuram as barreiras que precisam ser supera-
and, on the other side, the characterization of das para multiplicar iniciativas de gestão que
those barriers that have to be overcome to en- articulam eficazmente a complexidade com a
able the multiplication of management expe- democracia. A análise se centra no fortaleci-
riences that articulate efficiently complexity mento do espaço público e na abertura da ges-
and democracy. The analysis is centered on the tão pública à participação da sociedade civil
strengthening of the public space and the open- na elaboração de suas políticas públicas; e na
ing of public administration to the participa- sempre complexa e contraditória instituciona-
tion of Civil Society in the formulation of pub- lização de práticas participativas inovadoras
lic policies, and in the always complex and con- que marcam rupturas com a dinâmica predo-
tradictory institutionalization of innovative minante, ultrapassando as ações de caráter uti-
participatory practices that establish ruptures litarista e clientelista.
with the existing process. Palavras-chave Participação, Cidadania,
1 Programa de
Pós-Graduação
Key words Participation, Citizenship, Social Políticas sociais, Estado, Sociedade civil
em Ciência Ambiental, policies, State, Civil society
Faculdade de Educação
da Universidade de São
Paulo. Rua Agisse 172/173.
05439-010 São Paulo SP.
prjacobi@terra.com.br
444
Jacobi, P. R.

Introdução mo nas que mantêm inalteradas as práticas tra-


dicionalmente desenvolvidas.
Este texto propõe o aprofundamento da refle- Os temas aqui desenvolvidos estão organi-
xão em torno das dimensões da participação e zados de forma a introduzir o leitor em um uni-
das possibilidades de ampliação da cidadania, verso de questões que, apesar da sua multipli-
tendo como referência experiências de gestão cidade, se centram na associação entre cidada-
em torno da educação, da saúde e do meio am- nia, democracia participativa, governabilidade
biente. Estes permitem, a partir da sua diversi- e sustentabilidade.
dade, estabelecer elementos de comparação so- A análise focaliza o fortalecimento do espa-
bre o papel dos diversos atores intervenientes, ço público e a abertura da gestão pública à par-
num contexto onde ainda convivem as formas ticipação da Sociedade civil na elaboração de
tradicionais de gestão e as experiências inova- suas políticas públicas; e a sempre complexa e
doras que começam a se legitimar aos olhos da contraditória institucionalização de práticas
população. participativas inovadoras que marcam rupturas
O tema articulador é a participação popu- com a dinâmica predominante, ultrapassando
lar na gestão pública e as transformações quali- as ações de caráter utilitarista e clientelista.
tativas na relação Estado/sociedade civil, como Nas conclusões apresentamos, com base nas
referência de um ponto de inflexão e reforço análises desenvolvidas, uma reflexão sobre os
das políticas públicas centradas na ampliação alcances e limites da participação. Isto é feito a
da cidadania ativa. partir dos resultados dos estudos que analisam
Esta escolha decorre da necessidade sentida a gestão como um todo pela voz dos atores in-
de aprofundar a reflexão em torno de um tema tervenientes, com particular ênfase no impacto
que, dada a sua atualidade, exige análises sobre das engenharias institucionais inovadoras e o
os seus alcances e limites, mas principalmente significado das mudanças qualitativas introdu-
sobre a potencialidade implícita na constitui- zidas no cenário político brasileiro.
ção de uma esfera pública não estatal. Isto se
consubstancia através da criação de instituições
voltadas para a produção e reprodução de polí- Reflexões em torno da engenharia
ticas públicas que não são controladas pelo Es- institucional para uma cidadania ativa
tado, mas têm um caráter indutivo, fiscalizador
e controlador sobre este. Na América Latina, a luta pela conquista de es-
O desafio proposto é realizarmos a análise paços para aumentar a participação social é,
não só dos impactos de práticas participativas sem dúvida, um dos aspectos mais desafiadores
que apontam, a partir da manifestação do cole- para a análise sobre os alcances da democracia
tivo, para uma nova qualidade de cidadania que nas relações entre o nível local de governo e a
institui o cidadão como criador de direitos para cidadania.
abrir novos espaços de participação sociopolíti- Desde o início da década de 1990 e até hoje
ca, mas também dos aspectos que configuram as a participação nas suas diversas dimensões vem
barreiras que precisam ser superadas para mul- sendo amparada e institucionalizada na Améri-
tiplicar iniciativas de gestão capazes de articular ca Latina dentro dos marcos das democracias re-
eficazmente a complexidade com a democracia. presentativas. A participação popular se trans-
Observa-se que a análise das práticas parti- forma no referencial de ampliação das possibi-
cipativas traz à tona, na maior parte das vezes, lidades de acesso dos setores populares dentro
uma leitura que oscila, de um lado, entre a apo- de uma perspectiva de desenvolvimento da so-
logia e o voluntarismo e, do outro, entre a indi- ciedade civil e de fortalecimento dos mecanis-
ferença e a subestimação, pouco contribuindo mos democráticos, mas também de garantia da
para a problematização dos complexos e diver- execução eficiente de programas de compensa-
sificados processos em curso. ção social no contexto das políticas de ajuste es-
Existe, portanto, uma crescente necessidade trutural e de liberalização da economia e de pri-
de entender as ambigüidades dos processos so- vatização do patrimônio do Estado. Entretanto,
ciais e os arranjos possíveis, mas principalmen- o que se observa é que, no geral, as propostas
te os limites, tendo como referência uma análise participativas ainda permanecem mais no pla-
qualitativa das práticas sociais e das atitudes dos no da retórica do que na prática.
diversos atores envolvidos, tanto nas experiên- Poucas são, de fato, as experiências de ges-
cias que inovam na gestão da coisa pública, co- tão municipal que assumem uma radicalidade
445

Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):443-454, 2002


democrática na gestão da coisa pública, assim Nossa referência são as teorias contemporâneas
como ampliam concretamente o potencial par- de sociedade civil, que enfatizam a idéia de or-
ticipativo. ganização da sociedade como autodefesa (Ara-
A análise dos processos existentes está per- to et al., 1994) e as possibilidades e limites dos
meada pelos condicionantes da cultura políti- projetos de ampliação da democracia, tomando
ca, tanto do Brasil como dos demais países da como base processos de democratização em di-
América Latina, marcados por tradições esta- versos contextos (notadamente na Europa do
tistas, centralizadoras, patrimonialistas e, por- Leste e na América Latina) onde atores sociais e
tanto, por padrões de relação clientelistas, me- políticos identificam a sua ação como parte da
ritocráticos e de interesses criados entre Socie- reação da sociedade civil ao Estado.
dade e Estado. Entretanto, estes condicionantes A esfera pública é apontada por Habermas
não têm sido necessariamente um fator impe- como ponto de encontro e local de disputa en-
ditivo para a emergência de uma diversidade de tre os princípios divergentes de organização da
formas de participação dos setores populares, sociabilidade; e os movimentos sociais se consti-
em que, com freqüência, muitas se situam no tuiriam nos atores que reagem à reificação e
escopo das práticas no contexto das tradições burocratização dos domínios de ação estrutu-
anteriormente descritas, enquanto outras as rados comunicativamente, defendendo a res-
contradizem abertamente. tauração das formas de solidariedade postas em
Ao identificar a participação citadina como risco pela racionalização sistêmica.
uma forma diferenciada da democracia repre- Arato e Cohen definem a sociedade política
sentativa – a que passa pelos partidos políticos, e econômica como um instrumento ofensivo da
eleições e integração formal dos governos –, sociedade civil contra sua própria colonização
pensamos o tema a partir da sua dimensão coti- pelo sistema. Para Avritzer (1993), a inclusão
diana e do seu impacto societário. Entendemos dos movimentos democratizantes estruturados
que a participação pode assumir duas faces: interativamente no interior do marco teórico
uma que coloca a sociedade em contato com o habermasiano e a possibilidade de sua extensão
Estado; e outra que a reconcentra em si mesma, aos países do Leste e da América Latina permi-
buscando seu fortalecimento e desenvolvimen- tem entender os movimentos democráticos nes-
to autônomo. O que está efetivamente em pauta tes países como reação aos processos de fusão
é o alcance da democratização do aparelho es- entre Estado e mercado e Estado e sociedade.
tatal, notadamente quanto à sua publicização. A possibilidade de alterar a institucionali-
Dito em outros termos, trata-se de pensar sobre dade pública está associada às demandas que se
a participação da população e a sua relação com estruturam na sociedade. Já a esfera pública re-
o fortalecimento de práticas políticas e de cons- presenta a construção da viabilidade ao exercí-
tituição de direitos que transcendem os proces- cio da influência da sociedade nas decisões pú-
sos eleitorais e seus freqüentemente ambíguos blicas assim como coloca uma demanda de pu-
e/ou contraditórios reflexos sobre a cidadania. blicização no Estado. O que está em jogo é a ne-
O tema dos direitos e da cidadania assume cessidade de atualização dos princípios ético-
dimensão relevante no contexto deste referen- políticos da democracia, onde o fortalecimento
cial analítico, na medida em que permite apro- do tecido associativo potencializa o fortaleci-
fundar o significado do impacto e das transfor- mento da democracia no resto das esferas da vi-
mações ocorridas na relação entre sociedade ci- da social. Para Putnam (1994), as práticas sociais
vil e Estado desde meados da década de 1980. que constroem cidadania representam a possi-
No limiar do século 21, as contradições em bilidade de se constituir num espaço privilegia-
torno do uso dos conceitos têm se acentuado, do para cultivar a responsabilidade pessoal, a
em virtude do que Santos (1996) entende como obrigação mútua e a cooperação voluntária. As
a continuidade do uso de uma análise dos pro- práticas sociais que lhe são inerentes relacio-
cessos de transformação social do fim do século nam-se com a solidariedade, e no encontro en-
XX com recurso a quadros conceptuais desenvol- tre direitos e deveres. A ampliação da esfera pú-
vidos no século XIX e adequados aos processos so- blica ocasiona uma demanda à sociedade para
ciais então em curso. obtenção de uma maior influência sobre o Es-
A nossa reflexão também se apóia nos con- tado, tanto como sua limitação, assumindo que
ceitos formulados por Arato e Cohen (1994), e a autonomia social supõe transcender as assi-
Avritzer (1993), que tomam como ponto de par- metrias na representação social, assim como
tida analítico a revitalização da sociedade civil. modificar as relações sociais em favor de uma
446
Jacobi, P. R.

maior auto-organização social (Cunill Grau, renciada de participação na gestão da coisa pú-
1998). blica, na qual a representação não resume todo
A redefinição das relações entre Estado e so- o esforço de organização, mas configura uma
ciedade civil no Brasil, no final dos anos 70, im- parte de um processo em que a população cria
plica a constituição, com muitos percalços, de as condições para influenciar a dinâmica de
uma esfera societária autônoma. funcionamento de um órgão do Estado (Jacobi,
Os atores sociais que emergem na sociedade 1989).
civil após 1970, à revelia do Estado, criaram no- Com as mudanças político-institucionais
vos espaços e formas de participação e relacio- que ocorrem a partir de 1983, os movimentos
namento com o poder público. Estes espaços passam a enfrentar a tensão face à instituciona-
foram construídos, tanto pelos movimentos lização, configurada a partir da sua desconfian-
populares como pelas diversas instituições da ça face à participação política institucional.
sociedade civil que articulam demandas e alian- Entretanto a sua crescente importância no
ças de resistência popular e lutas pela conquista processo político se reflete com a eleição de pre-
de direitos civis e sociais. Os movimentos não feitos progressistas, na medida em que os mo-
só tiveram papel relevante no estabelecimento vimentos não só exercem pressão sobre a arena
de estruturas democráticas fundamentais pro- política, mas ampliam seu espaço de inserção e
pícias à participação popular, mas também conseguem também influenciar, às vezes, a
exerceram um impacto substancial sobre as for- agenda de gestões progressistas. Isto se verifica
mações normativas do eleitorado, e, portanto, pela expansão do seu potencial participativo em
sobre a arena política formal. Ao gerarem no- conselhos de gestão tripartite, comissões de pla-
vos elementos de conhecimento e de cultura, nejamento e outras formas específicas de repre-
muitos movimentos imprimiram sua marca e sentação.
orientaram sua ação pela defesa de práticas pau- Deve ser registrada a multiplicidade de di-
tadas pela sua autonomia, pela necessidade de nâmicas participativas nas estruturas de conse-
tornar visível a sua capacidade de auto-organi- lhos e colegiados criados a partir da Constitui-
zar-se e de desenvolver a democracia direta, ção de 1988. O fato diferenciador destas trans-
transformando as carências do seu entorno de formações é, segundo Melucci (1994), o fortale-
moradia em práticas reivindicatórias. cimento de novas instituições, as mudanças no
Os anos 80 trazem uma complexidade cres- relacionamento do quadro de pessoal com os
cente nas interações dos movimentos com os usuários e a nova mentalidade sobre a gestão da
órgãos públicos e uma importância maior das coisa pública, como aspectos constitutivos de
assessorias especializadas e das articulações in- uma nova cultura política. Nos anos 90, além
terinstitucionais. A crescente politização da es- das práticas participativas inovadoras que se
fera privada permite a construção de novos pa- institucionalizam cada vez mais, surgem novos
drões de valores, configurando freqüentemente movimentos baseados em ações solidárias al-
uma vinculação ideológica e política entre a ne- ternativas centradas em questões éticas ou de
cessidade e seus condicionantes estruturais. O revalorização da vida humana, como é o caso
processo de envolvimento dos moradores e a da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria
cada vez mais freqüente resposta do poder pú- e pela Vida (Jacobi, 1996).
blico face às demandas, somada à participação No Brasil, a reflexão sobre a cidadania se
dos profissionais e articuladores sociais e/ou centra nos obstáculos à sua extensão, decorren-
assessores, possibilitam a acumulação de co- tes da cultura política tradicional, e das pers-
nhecimento em torno das questões reivindica- pectivas da sua transformação. A nova dimen-
das, vinculando-as às pautas institucionaliza- são da cidadania inclui, de um lado, a constitui-
das da sociedade e criando condições para a ção de cidadãos no papel de sujeitos sociais ati-
formulação de demandas junto aos órgãos pú- vos, e, de outro lado, para a sociedade como um
blicos (Jacobi, 1990). todo, um aprendizado de convivência com esses
Deve-se destacar também o significado que cidadãos emergentes que recusam permanecer
as transformações do processo político mais nos lugares que lhes foram definidos social e
amplo provocam na feição do movimento, na culturalmente.
medida em que estes passam a ser reconheci- A partir de 1983, aumenta a participação
dos cada vez mais como interlocutores válidos. dos estados e municípios nos fundos federais,
Muitos movimentos apontam, a partir da re- o que tem resultado, entretanto, num conjunto
posição do coletivo, para uma qualidade dife- fragmentado e inorgânico de programas e pro-
447

Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):443-454, 2002


jetos governamentais que configuram um pa- que aborda a participação, a partir da criação de
drão altamente diferenciado e heterogêneo na espaços e formas de articulação do Estado com
implementação da descentralização, oscilando os sujeitos sociais, configurando um instrumen-
entre iniciativas que inovam na lógica da gestão to de socialização da política, reforçando o seu
com participação e as que mantêm as fórmulas papel como meio para realizar interesses e direi-
tradicionais de clientelismo e patrimonialismo. tos sociais que demandam uma atuação pública.
Nessa direção, um dos aspectos mais comple- A concepção conciliar passa a ter uma pre-
xos e questionáveis está relacionado com uma sença crescente no Brasil a partir da legitimação
postura institucional de estimular a participa- do papel inovador dos diversos tipos de conse-
ção como um fator de substituição, buscando lhos, como facilitadores da presença da socieda-
envolver cada vez mais, e de forma direta, os ci- de civil na gestão pública. A institucionalização
dadãos na produção e/ou gerenciamento dos da participação ampliada ou neocorporativa
serviços públicos. ocorre através da inclusão de organizações co-
No contexto da transição pós-democrática munitárias e movimentos populares nos con-
no Brasil e pelas pressões de uma sociedade ci- selhos populares e fóruns, dentre os principais.
vil mais ativa e mais organizada, foram sendo Isto abre uma arena institucional para a inclu-
criados novos espaços públicos de interação, são de grupos sociais, onde todos os setores in-
mas principalmente de negociação. Nesse con- teressados numa determinada política pública
texto a participação citadina emerge, principal- possam discutir os seus objetivos num fórum
mente como referencial de rupturas e tensões, e com regras claras e transparentes, podendo re-
as práticas participativas associadas a uma mu- presentar também um avanço na promoção do
dança qualitativa da gestão assumem visibili- exercício efetivo de uma cidadania ativa.
dade pública e repercutem na sociedade. O arranjo institucional participativo am-
As transformações na dinâmica de gestão e pliado se consolida na medida em que viabiliza
o fortalecimento de práticas que tornam legíti- a capacidade dos grupos de interesse de influ-
ma a participação citadina estão, direta ou indi- enciar, direta ou indiretamente, a formulação e
retamente, associadas à necessidade de impri- gestão de políticas públicas. A ampliação da
mir também maior eficiência à ação governa- oferta citadina no processo assume um caráter
mental. diferenciador, não só quanto à legitimidade, mas
As transformações político-institucionais e principalmente quanto à garantia de governa-
a ampliação de canais de representatividade dos bilidade e de democratização da gestão dos bens
setores organizados para atuarem junto aos ór- públicos. As práticas participativas representam
gãos públicos, como conquista dos movimentos uma efetiva possibilidade de ampliação do es-
organizados da sociedade civil, mostram a po- paço do público. Muitas vezes, em nome de su-
tencialidade de construção de sujeitos sociais postos “interesses públicos“ mantêm-se estru-
identificados por objetivos comuns na trans- turas e gestões estatais verticalizadas e autori-
formação da gestão da coisa pública, associada tárias, que servem para garantir interesses cor-
à construção de uma nova institucionalidade. porativos, para a privatização de recursos orça-
A formulação mais recorrente está estrutu- mentários e para a concessão de benefícios po-
rada em torno do aprofundamento do processo líticos restritos a determinados grupos e indi-
democrático, e do seu impacto na ampliação da víduos.
capacidade de influência sobre os diversos pro- A consolidação de propostas participativas
cessos decisórios em todos os níveis da ativida- representa a potencialização e a ampliação de
de social e das instituições sociais. A participa- práticas comunitárias, através do estabelecimen-
ção social se enquadra no processo de redefini- to e ativação de um conjunto de mecanismos
ção entre o público e o privado, dentro da pers- institucionais que reconheçam direitos efetiva-
pectiva de redistribuir o poder em favor dos su- mente exercitáveis e estimulem estratégias de
jeitos sociais que geralmente não têm acesso. De envolvimento e co-responsabilização. Nesse sen-
um lado, a participação é identificada com os tido, um dos maiores desafios de uma proposta
argumentos da democratização que têm como participativa ampliada é o de garantir a defini-
referência o fortalecimento dos espaços de so- ção de critérios de representação, de forma a
cialização, de descentralização do poder e de impedir tanto a sua manipulação por grupos
crescente autonomização das decisões, portan- guiados por interesses particularizados, como a
to, enfatizando a importância de um papel mais possibilidade da sua instrumentalização pela
autônomo dos sujeitos sociais. O outro enfo- administração pública.
448
Jacobi, P. R.

Políticas sociais, descentralização iguais. Um dos grandes desafios era romper


e participação: o desafio de superar com a prática do clientelismo e da troca de fa-
a lógica tradicional e de construir vores, embora não se pudesse escamotear que a
uma nova institucionalidade grande maioria das organizações sociais ou é
relativamente frágil, ou extremamente especia-
Nas experiências municipais de gestão de polí- lizada, e que a população em geral tende a esta-
ticas sociais, o executivo se constitui no espaço belecer relações individuais e diretas com a ad-
privilegiado das decisões, exercendo uma fun- ministração.
ção catalisadora pouco inovadora. As dificul- A gestão se inicia com a intenção de gover-
dades na cooperação entre estado e município nar a partir de uma proposta fortemente anco-
impedem a ampliação do poder local na gestão, rada no ideário político-partidário presente na
o que, reforçado pela inoperância das instân- campanha eleitoral. Tal ideário centra-se no es-
cias participativas, reflete a prevalência dos ca- tímulo e apoio às iniciativas da população, com
nais informais e da lógica da cultura política o objetivo de criar Conselhos Populares autô-
tradicional destas administrações. nomos, mas resulta também de uma concepção
Nas experiências de prefeituras progressis- predominante nos setores populares mais or-
tas, e tomando como referência o caso de São ganizados, notadamente na área de saúde e
Paulo, durante a primeira gestão do PT (1989- educação.
1992), embora não houvesse um projeto plena- A experiência de governo na maioria das
mente estruturado sobre como viabilizar a par- administrações petistas, tanto nas que foram
ticipação popular nos diversos aspectos da ad- reeleitas como nas que foram derrotadas em
ministração municipal, é inegável que existiu 1992, mostra a visão pouco realista que existia
vontade política de incorporar a participação em torno da participação – a panacéia dos Con-
da população nas diversas instâncias criadas pa- selhos Populares. Trata-se de tema da maior
ra a tomada de decisões. complexidade e que está diretamente vinculado
O ponto de partida da gestão era o progra- à participação em instâncias conciliares e às for-
ma de governo apresentado na campanha ba- mas de representação. O esforço do executivo é
seado numa proposta “democrática e popular de reduzir ao máximo o voluntarismo, o espon-
de governo”, centrado num compromisso de in- taneismo e a aleatoriedade das práticas partici-
verter prioridades, reorientando os investimen- pativas, procurando implantar uma dinâmica
tos públicos de modo a atender prioritariamen- participativa mais realista e adequada aos limi-
te as necessidades e os direitos sociais dos seto- tes que retardam a promoção de avanços nesta
res mais carentes da população. questão.
A concepção de participação popular é par- Em São Paulo, a democratização da gestão
te componente de uma estratégia de ampliação educacional tem na participação da sociedade
de sua base social e política, que visa fortalecer um componente prioritário. A orientação é pa-
uma forma de governar a cidade introduzindo ra que a comunidade atue principalmente co-
novos atores, integrando a população excluída mo interlocutora privilegiada na gestão da po-
e segregada da cidade a um processo democrá- lítica tanto no nível local como municipal, bus-
tico de gestão. O marco de referência está dado cando reduzir, na medida do possível, os aspec-
pela enorme desigualdade socioeconômica en- tos fisiológicos e paternalistas freqüentemente
tre as classes sociais, pelo vazio de instituições implícitos em projetos participativos. A dina-
sociais e políticas, pelos problemas de represen- mização das instâncias participativas, apesar da
tação política e pela necessidade de avanços não resistência do funcionalismo, possibilitou um
só na democratização das relações sociais, mas avanço efetivo na autonomia administrativa,
principalmente na consolidação da cidadania financeira e pedagógica das escolas, refletindo
social. diferenças entre regiões. Os alcances da partici-
A questão da participação encerrava um pação, apesar do estímulo da administração, es-
conjunto de interrogações que só podiam ser tavam muito relacionados ao nível de mobiliza-
respondidas pela ativação de uma engenharia ção, organização e pressão existentes nos bair-
institucional que tinha, como uma de suas re- ros. Os Conselhos de Escola foram incentivados
ferências, a experiência acumulada pelos diver- pela administração, e seus resultados foram di-
sos movimentos sociais. E estes traziam, impli- versificados, principalmente pela inexistência
citamente, uma visão de participação na forma de um ethos efetivamente participacionista na
de democracia direta ou de participação entre população. A busca de uma participação quali-
449

Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):443-454, 2002


ficada é vista pela administração como referên- sempre que vinham à tona questões como con-
cia fundamental de ativação da cidadania. Não trole, fiscalização e deliberação por parte da co-
obstante, avanços mais substantivos no relacio- munidade.
namento escola-comunidade foram dificultados Os resultados heterogêneos no conjunto da
por resistências, principalmente dos diretores. cidade refletem as dificuldades de se modificar
O desafio proposto era o rompimento com uma cultura burocrática e centralizadora, que
as relações de poder existentes, valorizando e coloca entraves à democratização dos serviços
resgatando a noção de escola, acomodando a de- e aos mecanismos de fiscalização e controle so-
manda e estimulando mecanismos de co-res- cial da administração pública. A dinamização
ponsabilização da população na dinâmica da das instâncias colegiadas, como os Conselhos
gestão, na medida que estava em jogo o prota- de Escola, representa a possibilidade de estimu-
gonismo, principalmente dos setores mais ex- lar formas de cooperação com setores organi-
cluídos. As resistências se centravam, princi- zados e não-organizados da cidadania nas quais
palmente, no preconceito e no questionamento, não se percam de vista alguns temas essenciais
pelo corpo diretivo e docente, sobre o caráter à democratização da gestão. Estes temas se cen-
deliberativo do Conselho e sobre a descentrali- tram na possibilidade de reforçar a capacidade
zação do poder, cuja divisão provocou claras de crítica e de intervenção dos setores populares
resistências. através de um processo pedagógico e informa-
A participação estava muito vinculada à tivo de base relacional; e a capacidade de multi-
noção de utilidade/objetividade daquilo que era plicação e aproveitamento de potencial dos ci-
discutido e proposto, refletindo as dificuldades dadãos no processo decisório dentro de uma ló-
de romper com a cultura política predominan- gica não cooptativa.
te, apesar do esforço da gestão em introduzir A experiência de São Paulo mostra que os
uma nova qualidade do trabalho na educação. pais avançaram mais do que os professores na
A iniciativa de abrir canais de participação assimilação da proposta. Criaram-se condições
cria espaço para um importante questionamen- para que as relações com a clientela da escola se
to da relação entre estado e sociedade. Em pri- tornassem mais responsáveis. E demonstrou-se
meiro lugar, faz emergir a necessidade de a co- a viabilidade; apesar das grandes resistências, de
munidade, através de formas organizativas e re- construção de um espaço público onde o apren-
presentativas, enfrentar sua relação com as pro- dizado da cidadania ativa assume papel central.
postas de participação implantadas pela admi- Embora uma estrutura participativa tenha sido
nistração, dentro do conceito de democratizar e implantada no âmbito local, foram grandes as
inovar na gestão da coisa pública. As dinâmicas dificuldades para se institucionalizar a proposta.
de participação implantadas possibilitam um As resistências corporativas vinculam-se à im-
aumento do grau de informação sobre o fun- plementação de práticas participativas, sempre
cionamento dos serviços e da administração. que vêm à tona questões como controle, fisca-
Isto reforça a sua razão de ser como instâncias lização e deliberação por parte da comunidade.
com bases setoriais e territoriais, de concretiza- Na gestão da saúde, o grande desafio que se
ção de um exercício de controle mais perma- impunha era de fazer com que os funcionários
nente e consistente da coisa pública pelos usuá- superassem o medo da participação popular, do
rios, e representa uma referência de inovação e fato de seu serviço ser fiscalizado e da popula-
de construção de novas identidades dos atores ção estar mais presente no seu cotidiano, nota-
sociais envolvidos. damente nos problemas de recursos humanos.
Embora uma estrutura participativa tenha A significativa falta de entendimento pelos fun-
sido implantada no âmbito local, foram gran- cionários sobre o alcance da abertura de canais
des as dificuldades para institucionalizar a pro- tem como conseqüência o seu desconhecimen-
posta, na medida em que apesar da orientação e to acerca de direitos e deveres.
do suporte fornecido pela administração para a As dificuldades de implantação das comis-
implantação e consolidação dos colegiados nos sões gestoras e de sua legitimação, principal-
diversos níveis, as instâncias descentralizadas mente nas áreas mais carentes e desmobilizadas
mostraram resultados bastante diferenciados da cidade, decorrem em grande parte das defi-
quanto ao grau de participação. Além disso, fre- ciências da máquina administrativa – dificulda-
qüentemente, o baixo nível de institucionaliza- des de abastecimento de insumos médicos, de
ção esteve vinculado às resistências corporati- lotação de pessoal e a falta de eqüidade na rela-
vas à implementação de práticas participativas, ção da periferia com o resto do município. Ape-
450
Jacobi, P. R.

sar do esforço de garantir uma participação popu- de construção de novas identidades e de sujei-
lar pautada pela transparência, respeitando-se a au- tos portadores de direitos num contexto per-
tonomia dos movimentos populares, quando exis- meado pela prevalência de práticas clientelistas
tentes, os alcances são bastante limitados. e de posturas conservadoras na gestão da coisa
As complexidades da participação também são pública.
avaliadas, como resultado de um desestímulo da Entretanto, a precária institucionalização da
população usuária face aos poucos resultados po- proposta junto aos usuários, as dificuldades do
sitivos e à lentidão na resposta da administração enraizamento da experiência de gestão (no âm-
frente às demandas dos setores mais carentes, refle- bito dos próprios movimentos sociais em virtu-
tindo-se numa dificuldade na hierarquização dos de das práticas mobilizatórias não serem unifor-
problemas da população. mes nas diversas regiões da cidade), e o predo-
A iniciativa de abrir canais de participação dei- mínio de uma visão imediatista em detrimento
xa espaço para problematizar em torno da relação de uma concepção mais abrangente centrada na
entre estado e sociedade. Isto traz à tona a necessi- participação possibilitam o desmonte de forma
dade de os usuários, através das suas formas de or- radical da política existente. Concorre decisiva-
ganização e representação, enfrentarem sua relação mente para esse desmonte a introdução de uma
com propostas de participação implantadas pela ad- proposta privatizante que estimulou a expan-
ministração dentro da sua concepção de democra- são de uma política de saúde. Desvinculada do
tização da gestão e de inovação da gestão da coisa SUS, essa política de saúde viabiliza a consoli-
pública. O rol das comissões gestoras se insere na ló- dação de uma rede de corrupção que deteriora
gica que preside a formulação da proposta de parti- totalmente o sistema municipal de saúde entre
cipação, como um processo educativo no qual bus- 1993 e 2001, provocando uma total degradação
ca não só envolver o funcionalismo, mas fortalecer na qualidade dos serviços. O espaço para que is-
a consciência de cidadania da população para que to ocorra resulta da pouca consolidação de um
esta possa assumir, de forma crescente, o papel de tecido associativo mais predisposto a reivindi-
sujeito na definição das diretrizes de gestão admi- car e preservar um direito adquirido de interfe-
nistrativa da cidade. rir na gestão. E isso facilita o esvaziamento dos
O aumento do grau de informação sobre o fun- instrumentos descentralizadores e de participa-
cionamento dos serviços e da administração reforça ção existentes, retomando a tradição da lógica
a razão de ser das comissões gestoras como instân- centralizada de gestão.
cias com bases setoriais e territoriais de consolida-
ção de um exercício de controle mais permanente
e consistente da coisa pública pelos usuários. Além Participação dos cidadãos – a necessária
disso, deve-se enfatizar que as comissões gestoras, busca da co-responsabilização
assim como outras instâncias de participação im-
plantadas, representam a referência da inovação e da A institucionalização da participação é permea-
construção de novas identidades dos atores sociais da de dificuldades decorrentes da heterogenei-
envolvidos. Trata-se de um estímulo à participação dade dos grupos comunitários e associativos, o
ativa baseado no pressuposto de estimular a co-res- que torna complexos os problemas de represen-
ponsabilização dos usuários e uma disponibilidade tação, criando tensões quanto aos critérios de
para maior interlocução e uma permeabilidade das escolha, acirrando a concorrência e trazendo à
propostas populares junto à administração. tona a pressão dos grupos organizados no sen-
Para romper com o círculo vicioso, vinculado tido de reforço das práticas neocorporativas. Is-
às dificuldades relacionadas à dinâmica de gestão so provoca, freqüentemente, um esvaziamento
dos recursos humanos e à mudança cultural que re- destes mecanismos de decisão coletiva.
presentava, desenvolve-se um grande esforço para Atualmente diversas experiências, e nota-
implantar uma nova qualidade de trabalho que esti- damente a de Porto Alegre, reforçam uma con-
mule, à imagem e semelhança dos usuários, uma co- cepção de democracia que articula representa-
responsabilização e uma motivação para construir ção política e participação direta como resposta
e consolidar uma nova prática de atenção à saúde. possível à privatização prevalecente na gestão da
O resultado deste processo revela o significado coisa pública. O discurso predominante acen-
da vontade política e de uma concepção de governo tua a importância da convergência de práticas,
baseada na ativação da cidadania e do risco assu- da socialização da política, do caráter oscilante
mido da inovação – resultado da permeabilidade da participação, da importância da institucio-
das propostas populares junto à administração – e nalidade, da convivência com o sistema repre-
451

Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):443-454, 2002


sentativo existente e da necessidade de governar mo de envolvimento dos setores desorganiza-
para toda a cidade. dos. O Orçamento Participativo está legitimado
A análise do caso de São Paulo mostra que o e consta da agenda pública como mola propul-
desafio para se garantir a eficácia e continuida- sora do processo decisório da ação governamen-
de de políticas públicas de caráter progressista tal (Jacobi, 1996). Isto está sendo construído
é o reforço dos meios para envolver a popula- dentro de uma lógica que não está apenas per-
ção e manter o seu interesse, e para dimensio- meada pelo imediatismo e o utilitarismo, mas
nar adequadamente os arranjos institucionais. por uma radicalização da democracia, que, alar-
A sua descontinuidade reforça o argumento de gando os direitos de cidadania no plano políti-
que gestão democrática e participação popular co e social, constrói efetivamente novas relações
requerem uma forma combinada de fortaleci- entre governantes e governados. Este processo
mento das formas de organização da sociedade de gestão através do ingresso da cidadania or-
civil, uma mudança na correlação de forças, ganizada na máquina do Estado possibilita co-
uma transformação qualitativa dos padrões de nhecer seu funcionamento e seus limites e esti-
gestão, enfim um processo real de democrati- mula a construção de uma relação de co-res-
zação do Estado e da sua gestão. Esta transfor- ponsabilização e de disputa, visando produzir
mação requer o que Arato e Cohen (1994) de- consensos cada vez mais qualificados.
finem como a existência de uma sociedade civil A experiência do Orçamento Participativo
organizada, diferenciada e adequadamente de- em Porto Alegre está diretamente vinculada
fendida, capaz de influenciar o Estado e em con- com a capacidade que a administração local tem
dições de garantir a manutenção de direitos es- de criar canais legítimos de participação, com-
senciais e de monitorar e influenciar os proces- binando elementos da democracia representa-
sos que se regulam pela lógica sistêmica. tiva e de democracia participativa. Trata-se de
O complexo processo de construção da ci- uma experiência que tem se multiplicado, co-
dadania no Brasil num contexto de agudização mo referência da adoção de um processo parti-
das desigualdades é perpassado por um con- cipativo, baseado no conceito de esfera pública
junto de questões que necessariamente impli- não-estatal que incide sobre o Estado, com ou
cam a superação das bases constitutivas das for- sem o suporte da representação política tradi-
mas de dominação e de uma cultura política ba- cional.
seada na tutela, no clientelismo e no patrimo- Nesse contexto, a participação adquire uma
nialismo político. A constituição de cidadãos, linguagem e uma prática de ruptura com o cor-
como sujeitos sociais ativos, se consubstancia porativismo territorialmente determinado, com
a partir da transformação das práticas sociais ênfase numa lógica presidida por uma aborda-
existentes e na sua substituição pela construção gem universal da cidade, criando para os setores
de novas formas de relação, que têm na partici- populares uma opção viável e altamente com-
pação um componente essencial. O enfrenta- petitiva de participação política alternativa às
mento do patrimonialismo político é uma tare- práticas clientelistas. A distribuição das obras
fa complexa e demorada em virtude do enrai- emerge de uma relação contratual previamente
zamento das práticas de instrumentalização. O estabelecida através de um regulamento que de-
desafio que se coloca é o de construir novos há- termina as regras básicas de negociação interna
bitos, de neutralizar o clientelismo e de aproxi- de cada região da cidade e entre regiões, dificul-
mar o cidadão do processo decisório. tando o clientelismo (Jacobi e Teixeira, 1996).
A efetiva participação da população nos Mas, apesar da sua repercussão positiva, tam-
processos decisórios, como é o caso do Orça- bém devem ser mostrados os seus limites, e estes
mento Participativo, que vem se constituindo residem, segundo os analistas, nas contradições
como um mecanismo ampliado de engajamen- associadas às dificuldades de ampliar a partici-
to da sociedade na gestão das políticas públicas, pação e à dependência em relação às autorida-
requer um esforço crescente de institucionali- des municipais para estruturar a dinâmica de
zação da possibilidade de atendimento das de- funcionamento (Navarro, 1999).
mandas em bases negociadas. Trata-se de pro- As dimensões diferenciadas de participação
cessar demandas e pressões e de implementar mostram a necessidade de superar ou conviver
mecanismos formais que contemplem tanto os com certos condicionantes sociopolíticos e cul-
setores organizados e mobilizados, estimulando turais, na medida em que o salto qualitativo co-
sua adequação à institucionalidade a partir do meça a ocorrer a partir de diferentes engenha-
respeito à autonomia e à auto-organização, co- rias institucionais, reforçando a importância de
452
Jacobi, P. R.

pensar a participação como um método de go- poder público exercer um papel nucleador e es-
verno, o que pressupõe a realização de certas truturador das ações no desempenho da fun-
precondições necessárias à sua viabilização no ção de informar e orientar através de campa-
nível do possível, dadas as características da cul- nhas educativas; fiscalizar e monitorar a execu-
tura política brasileira. ção de políticas públicas; e estimular uma di-
Os complexos e desiguais avanços revelam nâmica de co-responsabilização da comunida-
que estas engenharias institucionais, baseadas de na prevenção da desordem e degradação am-
na criação de condições efetivas para multipli- biental, configurando a existência de um poten-
car experiências de gestão participativa que re- cial de oferta citadina orientada para uma atua-
forçam o significado da publicização das formas ção mais efetiva da defesa do interesse geral.
de decisão e de consolidação de espaços públi- Os desafios para ampliar a participação es-
cos democráticos, ocorrem pela superação das tão intrinsecamente vinculados à predisposi-
assimetrias de informação e pela afirmação de ção dos governos locais de criar espaços públi-
uma nova cultura de direitos. Estas experiên- cos e plurais de articulação e participação, nos
cias que denominamos inovadoras fortalecem a quais os conflitos se tornam visíveis e as dife-
capacidade de crítica e de interveniência dos se- renças se confrontam, como base constitutiva
tores de baixa renda através de um processo pe- da legitimidade dos diversos interesses em jogo.
dagógico e informativo de base relacional, as- A questão se refere ao papel do Estado como
sim como a capacidade de multiplicação e apro- agente de controle ou participação, notadamen-
veitamento do potencial dos cidadãos no pro- te quanto à criação de um ambiente facilitador
cesso decisório dentro de uma lógica não coop- – capacidade de mobilizar energias e recursos
tativa. Isto mostra que existem condições favo- da sociedade, estimulando diversos tipos de
ráveis para cidadanizar a política, deslocando parcerias público/privado – e à garantia de im-
seu eixo do âmbito estatal para o cidadão. plantação de políticas que privilegiam um es-
Entretanto, estas experiências que inovam treito relacionamento entre eqüidade e partici-
na relação entre Estado e sociedade civil ainda pação. As possibilidades de reverter de forma
estão longe de representar um paradigma de significativa o atual quadro estão associadas, de
significativa repercussão no atual quadro bra- um lado, à necessidade de uma reinvenção soli-
sileiro, principalmente em virtude da falta de dária e participativa do Estado. De outro, à difí-
vontade política dos governantes e da fragilida- cil tarefa das organizações da sociedade civil,
de do tecido associativo. Os grupos organizados num contexto de erosão de direitos, de consoli-
que interagem e pressionam, representam ini- dar práticas que fortaleçam a sua capacidade de
ciativas fragmentárias que não atingem o cerne interlocução na definição de políticas públicas
de uma sociedade refratária a práticas coleti- e na partilha dos recursos provenientes dos fun-
vas. A realidade brasileira é marcada por confi- dos públicos.
gurar um contexto de baixa institucionalização, A alternativa da participação deve ser vista
no qual a maioria da população pouco se mo- pela ótica dos níveis de concessão dos espaços
biliza para explicitar sua disposição de utilizar de poder e, portanto, pela sua maior ou menor
os instrumentos da democracia participativa vi- ruptura com estruturas tradicionais, patrimo-
sando romper com o autoritarismo social que nialistas e autoritárias. Isto configura a possibi-
prevalece. lidade de os cidadãos assumirem um papel rele-
A resposta a esta questão se torna ainda mais vante no processo de dinamização da sociedade,
complexa na medida em que tomamos como e vem reforçar o exercício de um controle mais
uma referência possível e contraditória uma permanente e consistente dos usuários na ges-
pesquisa sobre as práticas sociais face aos pro- tão da coisa pública, sustentado no acesso à in-
blemas ambientais na cidade de São Paulo (Ja- formação sobre o funcionamento do governo
cobi, 1999). Os resultados mostram que mais da cidade a todos os grupos sociais.
de 80% dos moradores de São Paulo, quando A possibilidade de criar as condições para a
consultados sobre o meio de ação mais efetivo ruptura com a cultura política dominante e pa-
para resolver os problemas ambientais no nível ra uma nova proposta de sociabilidade baseada
domiciliar e do bairro, indicam a ação governa- na educação voltada à participação se concreti-
mental, sendo a opção pela ação comunitária zará principalmente pela presença crescente de
quase sete vezes menor. Isto abre um estimulan- uma pluralidade de atores. Através da ativação
te campo de reflexão. Cabe ressaltar, entretanto, do seu potencial de participação, esses atores te-
que, as respostas enfatizam a importância de o rão cada vez mais condições de intervir consis-
453

Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):443-454, 2002


tentemente e sem tutela nos processos decisó- público. Para tanto, existe a necessidade de le-
rios de interesse público, legitimando e consoli- var em consideração o nível de informação e/
dando propostas de gestão baseadas na garantia ou desinformação dos moradores a respeito das
do acesso à informação, e na consolidação de necessárias inter-relações com os temas da ci-
canais abertos para a participação, que, por sua dade e seu envolvimento com uma perspectiva
vez, são precondições básicas para a institucio- que enfatize o interesse geral. Este entendimento
nalização do controle social. da questão pode ajudar a eliminar algumas das
A modernização dos instrumentos de ges- barreiras socioculturais que, freqüentemente,
tão e de articulação requer uma engenharia so- obstruem iniciativas formuladas para implan-
cioinstitucional complexa apoiada em proces- tar melhoramentos no contexto urbano. Mas,
sos educativos e pedagógicos para garantir aos que não são necessariamente bem-sucedidas,
diversos atores envolvidos, notadamente aos em virtude da falta de legitimidade e/ou consen-
grupos sociais mais vulneráveis, condições de so pelos diferentes atores relevantes, privados ou
acesso às informações em torno dos serviços de públicos, e que podem vir a ter um importante
saneamento ambiental e dos impactos dos pro- papel e impacto nos problemas e soluções.
blemas ambientais. No atual quadro urbano brasileiro, é in-
O desafio que enfrenta é o de limitar, preve- questionável a necessidade de implementar po-
nir, minimizar e, se possível, eliminar os riscos líticas públicas orientadas para tornar as cida-
através da disseminação de práticas sociais di- des social e ambientalmente sustentáveis, como
versificadas. Isto implica a necessidade de multi- uma forma de se contrapor ao quadro de dete-
plicação de iniciativas pautadas pela ampliação rioração crescente das condições de vida. Uma
do direito à informação numa perspectiva in- agenda para a sustentabilidade urbana deve ter
tegradora, assim como a formação de cidadãos, como um dos seus objetivos gerar empregos
como portadores de um papel social constituí- com práticas sustentáveis e ampliar o nível de
do através da criação de espaços sociais de luta consciência ambiental, estimulando a popula-
e na institucionalização de práticas de cidadania ção a participar mais intensamente nos proces-
ativa que garantam a expressão e representação sos decisórios como um meio de fortalecer a sua
de interesses coletivos dos setores mais per- co-responsabilização no monitoramento dos
meáveis à desigual distribuição dos riscos e da agentes responsáveis pela degradação socioam-
renda. biental.
O desafio existente é o de superar as barrei- Isto estimulará o fortalecimento das organi-
ras socioinstitucionais e fortalecer políticas pau- zações sociais e comunitárias, a redistribuição
tadas pela inclusão da noção de interesse geral. de recursos através de parcerias, a disseminação
Esta se concretiza na medida em que o tema da de informação, e a capacitação para participar
cidadania é assumido como um ponto nodal crescentemente dos espaços públicos de deci-
para a institucionalização da participação dos são e da construção de instituições pautadas por
cidadãos em processos decisórios de interesse uma lógica de sustentabilidade.
454
Jacobi, P. R.

Referências bibliográficas
Arato A & Cohen J 1994. Sociedade civil e teoria social. In Jacobi P e Teixeira MA 1996. Orçamento participativo: o
Avritzer L. Sociedade civil e democratização. Del Rey, caso de São Paulo (1989-1992), à luz das experiências
Belo Horizonte. de Porto Alegre e Belo Horizonte. CEDEC, São Paulo,
Avritzer L 1993. Cohen, Arato e Habermas: além da dico- mimeo, 31pp.
tomia Estado/mercado. Revista Novos Estudos CE- Melucci A 1994. Movimentos sociais, renovação cultural e
BRAP vol. 36:213-222. CEBRAP, São Paulo. o papel do conhecimento. Entrevista feita por Avritzer,
Cunill Grau N 1998. Repensando o público através da so- L. e Lyra, T. Revista Novos Estudos CEBRAP vol. 40:
ciedade. Editora Revan/ENAP, Rio de Janeiro, 299pp. 152-166.
Jacobi P 1989. Movimentos sociais e políticas públicas. Navarro Z 1999. Democracia e controle social de fundos
Cortez Editora, São Paulo, 175pp. públicos: o caso do “orçamento participativo” de Por-
Jacobi P 1990. Descentralização municipal e participação to Alegre (Brasil), pp. 293-334. In Bresser Pereira et al.
dos cidadãos: apontamentos para o debate. Revista (orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado.
Lua Nova vol. 20:121-144. Editora da Fundação Getúlio Vargas/CLAD, Rio de
Jacobi P 1996. Ação da Cidadania contra a Fome, a Misé- Janeiro.
ria e pela Vida: um registro necessário. Revista Pro- Putnam R 1994. Making democracy work. Princeton Uni-
posta, ano 23 no 67: 27-33. versity Press, Nova Jersey, 255pp.
Jacobi P 1999. Cidade e meio ambiente. Annablume Edi- Santos B 1996. Pela mão de Alice. Cortez Editora, São
tora, São Paulo, 191pp. Paulo, 348pp.
Jacobi P 2000. Políticas sociais e ampliação da cidadania.
FGV Editora, Rio de Janeiro, 152pp.
Artigo apresentado em 5/1/2002
Versão final apresentada em 21/3/2002
Aprovado em 21/5/2002

Potrebbero piacerti anche