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ARTIGO ARTICLE
da participação citadina
Pedro R. Jacobi 1
Abstract This text presents an analysis on the Resumo O objetivo deste texto é aprofundar
dimensions of participation and the possibil- a reflexão em torno das dimensões da partici-
ities of enlargement of citizenship, having as pação e das possibilidades de ampliação da ci-
reference public policies of education, health dadania. O tema articulador é a participação
and environment at the local level. The artic- popular na gestão pública e as transformações
ulating theme is popular participation in pub- qualitativas na relação Estado/Sociedade civil.
lic administration and the qualitative trans- O desafio que nos propomos é o de analisar, de
formations in the relationship between State um lado, os impactos de práticas participati-
and civil society, as a reference of a turning vas que apontam, a partir da manifestação do
point and strengthening of public policies cen- coletivo, para uma nova qualidade de cidada-
tered that emphasize active citizenship. Our nia que institui o cidadão como criador de di-
challenge is to analyze, on one side, the impacts reitos para abrir novos espaços de participação
of participatory practices that point out to new sociopolítica; e, de outro, os aspectos que con-
configurations of the quality of citizenship, figuram as barreiras que precisam ser supera-
and, on the other side, the characterization of das para multiplicar iniciativas de gestão que
those barriers that have to be overcome to en- articulam eficazmente a complexidade com a
able the multiplication of management expe- democracia. A análise se centra no fortaleci-
riences that articulate efficiently complexity mento do espaço público e na abertura da ges-
and democracy. The analysis is centered on the tão pública à participação da sociedade civil
strengthening of the public space and the open- na elaboração de suas políticas públicas; e na
ing of public administration to the participa- sempre complexa e contraditória instituciona-
tion of Civil Society in the formulation of pub- lização de práticas participativas inovadoras
lic policies, and in the always complex and con- que marcam rupturas com a dinâmica predo-
tradictory institutionalization of innovative minante, ultrapassando as ações de caráter uti-
participatory practices that establish ruptures litarista e clientelista.
with the existing process. Palavras-chave Participação, Cidadania,
1 Programa de
Pós-Graduação
Key words Participation, Citizenship, Social Políticas sociais, Estado, Sociedade civil
em Ciência Ambiental, policies, State, Civil society
Faculdade de Educação
da Universidade de São
Paulo. Rua Agisse 172/173.
05439-010 São Paulo SP.
prjacobi@terra.com.br
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Jacobi, P. R.
maior auto-organização social (Cunill Grau, renciada de participação na gestão da coisa pú-
1998). blica, na qual a representação não resume todo
A redefinição das relações entre Estado e so- o esforço de organização, mas configura uma
ciedade civil no Brasil, no final dos anos 70, im- parte de um processo em que a população cria
plica a constituição, com muitos percalços, de as condições para influenciar a dinâmica de
uma esfera societária autônoma. funcionamento de um órgão do Estado (Jacobi,
Os atores sociais que emergem na sociedade 1989).
civil após 1970, à revelia do Estado, criaram no- Com as mudanças político-institucionais
vos espaços e formas de participação e relacio- que ocorrem a partir de 1983, os movimentos
namento com o poder público. Estes espaços passam a enfrentar a tensão face à instituciona-
foram construídos, tanto pelos movimentos lização, configurada a partir da sua desconfian-
populares como pelas diversas instituições da ça face à participação política institucional.
sociedade civil que articulam demandas e alian- Entretanto a sua crescente importância no
ças de resistência popular e lutas pela conquista processo político se reflete com a eleição de pre-
de direitos civis e sociais. Os movimentos não feitos progressistas, na medida em que os mo-
só tiveram papel relevante no estabelecimento vimentos não só exercem pressão sobre a arena
de estruturas democráticas fundamentais pro- política, mas ampliam seu espaço de inserção e
pícias à participação popular, mas também conseguem também influenciar, às vezes, a
exerceram um impacto substancial sobre as for- agenda de gestões progressistas. Isto se verifica
mações normativas do eleitorado, e, portanto, pela expansão do seu potencial participativo em
sobre a arena política formal. Ao gerarem no- conselhos de gestão tripartite, comissões de pla-
vos elementos de conhecimento e de cultura, nejamento e outras formas específicas de repre-
muitos movimentos imprimiram sua marca e sentação.
orientaram sua ação pela defesa de práticas pau- Deve ser registrada a multiplicidade de di-
tadas pela sua autonomia, pela necessidade de nâmicas participativas nas estruturas de conse-
tornar visível a sua capacidade de auto-organi- lhos e colegiados criados a partir da Constitui-
zar-se e de desenvolver a democracia direta, ção de 1988. O fato diferenciador destas trans-
transformando as carências do seu entorno de formações é, segundo Melucci (1994), o fortale-
moradia em práticas reivindicatórias. cimento de novas instituições, as mudanças no
Os anos 80 trazem uma complexidade cres- relacionamento do quadro de pessoal com os
cente nas interações dos movimentos com os usuários e a nova mentalidade sobre a gestão da
órgãos públicos e uma importância maior das coisa pública, como aspectos constitutivos de
assessorias especializadas e das articulações in- uma nova cultura política. Nos anos 90, além
terinstitucionais. A crescente politização da es- das práticas participativas inovadoras que se
fera privada permite a construção de novos pa- institucionalizam cada vez mais, surgem novos
drões de valores, configurando freqüentemente movimentos baseados em ações solidárias al-
uma vinculação ideológica e política entre a ne- ternativas centradas em questões éticas ou de
cessidade e seus condicionantes estruturais. O revalorização da vida humana, como é o caso
processo de envolvimento dos moradores e a da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria
cada vez mais freqüente resposta do poder pú- e pela Vida (Jacobi, 1996).
blico face às demandas, somada à participação No Brasil, a reflexão sobre a cidadania se
dos profissionais e articuladores sociais e/ou centra nos obstáculos à sua extensão, decorren-
assessores, possibilitam a acumulação de co- tes da cultura política tradicional, e das pers-
nhecimento em torno das questões reivindica- pectivas da sua transformação. A nova dimen-
das, vinculando-as às pautas institucionaliza- são da cidadania inclui, de um lado, a constitui-
das da sociedade e criando condições para a ção de cidadãos no papel de sujeitos sociais ati-
formulação de demandas junto aos órgãos pú- vos, e, de outro lado, para a sociedade como um
blicos (Jacobi, 1990). todo, um aprendizado de convivência com esses
Deve-se destacar também o significado que cidadãos emergentes que recusam permanecer
as transformações do processo político mais nos lugares que lhes foram definidos social e
amplo provocam na feição do movimento, na culturalmente.
medida em que estes passam a ser reconheci- A partir de 1983, aumenta a participação
dos cada vez mais como interlocutores válidos. dos estados e municípios nos fundos federais,
Muitos movimentos apontam, a partir da re- o que tem resultado, entretanto, num conjunto
posição do coletivo, para uma qualidade dife- fragmentado e inorgânico de programas e pro-
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sar do esforço de garantir uma participação popu- de construção de novas identidades e de sujei-
lar pautada pela transparência, respeitando-se a au- tos portadores de direitos num contexto per-
tonomia dos movimentos populares, quando exis- meado pela prevalência de práticas clientelistas
tentes, os alcances são bastante limitados. e de posturas conservadoras na gestão da coisa
As complexidades da participação também são pública.
avaliadas, como resultado de um desestímulo da Entretanto, a precária institucionalização da
população usuária face aos poucos resultados po- proposta junto aos usuários, as dificuldades do
sitivos e à lentidão na resposta da administração enraizamento da experiência de gestão (no âm-
frente às demandas dos setores mais carentes, refle- bito dos próprios movimentos sociais em virtu-
tindo-se numa dificuldade na hierarquização dos de das práticas mobilizatórias não serem unifor-
problemas da população. mes nas diversas regiões da cidade), e o predo-
A iniciativa de abrir canais de participação dei- mínio de uma visão imediatista em detrimento
xa espaço para problematizar em torno da relação de uma concepção mais abrangente centrada na
entre estado e sociedade. Isto traz à tona a necessi- participação possibilitam o desmonte de forma
dade de os usuários, através das suas formas de or- radical da política existente. Concorre decisiva-
ganização e representação, enfrentarem sua relação mente para esse desmonte a introdução de uma
com propostas de participação implantadas pela ad- proposta privatizante que estimulou a expan-
ministração dentro da sua concepção de democra- são de uma política de saúde. Desvinculada do
tização da gestão e de inovação da gestão da coisa SUS, essa política de saúde viabiliza a consoli-
pública. O rol das comissões gestoras se insere na ló- dação de uma rede de corrupção que deteriora
gica que preside a formulação da proposta de parti- totalmente o sistema municipal de saúde entre
cipação, como um processo educativo no qual bus- 1993 e 2001, provocando uma total degradação
ca não só envolver o funcionalismo, mas fortalecer na qualidade dos serviços. O espaço para que is-
a consciência de cidadania da população para que to ocorra resulta da pouca consolidação de um
esta possa assumir, de forma crescente, o papel de tecido associativo mais predisposto a reivindi-
sujeito na definição das diretrizes de gestão admi- car e preservar um direito adquirido de interfe-
nistrativa da cidade. rir na gestão. E isso facilita o esvaziamento dos
O aumento do grau de informação sobre o fun- instrumentos descentralizadores e de participa-
cionamento dos serviços e da administração reforça ção existentes, retomando a tradição da lógica
a razão de ser das comissões gestoras como instân- centralizada de gestão.
cias com bases setoriais e territoriais de consolida-
ção de um exercício de controle mais permanente
e consistente da coisa pública pelos usuários. Além Participação dos cidadãos – a necessária
disso, deve-se enfatizar que as comissões gestoras, busca da co-responsabilização
assim como outras instâncias de participação im-
plantadas, representam a referência da inovação e da A institucionalização da participação é permea-
construção de novas identidades dos atores sociais da de dificuldades decorrentes da heterogenei-
envolvidos. Trata-se de um estímulo à participação dade dos grupos comunitários e associativos, o
ativa baseado no pressuposto de estimular a co-res- que torna complexos os problemas de represen-
ponsabilização dos usuários e uma disponibilidade tação, criando tensões quanto aos critérios de
para maior interlocução e uma permeabilidade das escolha, acirrando a concorrência e trazendo à
propostas populares junto à administração. tona a pressão dos grupos organizados no sen-
Para romper com o círculo vicioso, vinculado tido de reforço das práticas neocorporativas. Is-
às dificuldades relacionadas à dinâmica de gestão so provoca, freqüentemente, um esvaziamento
dos recursos humanos e à mudança cultural que re- destes mecanismos de decisão coletiva.
presentava, desenvolve-se um grande esforço para Atualmente diversas experiências, e nota-
implantar uma nova qualidade de trabalho que esti- damente a de Porto Alegre, reforçam uma con-
mule, à imagem e semelhança dos usuários, uma co- cepção de democracia que articula representa-
responsabilização e uma motivação para construir ção política e participação direta como resposta
e consolidar uma nova prática de atenção à saúde. possível à privatização prevalecente na gestão da
O resultado deste processo revela o significado coisa pública. O discurso predominante acen-
da vontade política e de uma concepção de governo tua a importância da convergência de práticas,
baseada na ativação da cidadania e do risco assu- da socialização da política, do caráter oscilante
mido da inovação – resultado da permeabilidade da participação, da importância da institucio-
das propostas populares junto à administração – e nalidade, da convivência com o sistema repre-
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pensar a participação como um método de go- poder público exercer um papel nucleador e es-
verno, o que pressupõe a realização de certas truturador das ações no desempenho da fun-
precondições necessárias à sua viabilização no ção de informar e orientar através de campa-
nível do possível, dadas as características da cul- nhas educativas; fiscalizar e monitorar a execu-
tura política brasileira. ção de políticas públicas; e estimular uma di-
Os complexos e desiguais avanços revelam nâmica de co-responsabilização da comunida-
que estas engenharias institucionais, baseadas de na prevenção da desordem e degradação am-
na criação de condições efetivas para multipli- biental, configurando a existência de um poten-
car experiências de gestão participativa que re- cial de oferta citadina orientada para uma atua-
forçam o significado da publicização das formas ção mais efetiva da defesa do interesse geral.
de decisão e de consolidação de espaços públi- Os desafios para ampliar a participação es-
cos democráticos, ocorrem pela superação das tão intrinsecamente vinculados à predisposi-
assimetrias de informação e pela afirmação de ção dos governos locais de criar espaços públi-
uma nova cultura de direitos. Estas experiên- cos e plurais de articulação e participação, nos
cias que denominamos inovadoras fortalecem a quais os conflitos se tornam visíveis e as dife-
capacidade de crítica e de interveniência dos se- renças se confrontam, como base constitutiva
tores de baixa renda através de um processo pe- da legitimidade dos diversos interesses em jogo.
dagógico e informativo de base relacional, as- A questão se refere ao papel do Estado como
sim como a capacidade de multiplicação e apro- agente de controle ou participação, notadamen-
veitamento do potencial dos cidadãos no pro- te quanto à criação de um ambiente facilitador
cesso decisório dentro de uma lógica não coop- – capacidade de mobilizar energias e recursos
tativa. Isto mostra que existem condições favo- da sociedade, estimulando diversos tipos de
ráveis para cidadanizar a política, deslocando parcerias público/privado – e à garantia de im-
seu eixo do âmbito estatal para o cidadão. plantação de políticas que privilegiam um es-
Entretanto, estas experiências que inovam treito relacionamento entre eqüidade e partici-
na relação entre Estado e sociedade civil ainda pação. As possibilidades de reverter de forma
estão longe de representar um paradigma de significativa o atual quadro estão associadas, de
significativa repercussão no atual quadro bra- um lado, à necessidade de uma reinvenção soli-
sileiro, principalmente em virtude da falta de dária e participativa do Estado. De outro, à difí-
vontade política dos governantes e da fragilida- cil tarefa das organizações da sociedade civil,
de do tecido associativo. Os grupos organizados num contexto de erosão de direitos, de consoli-
que interagem e pressionam, representam ini- dar práticas que fortaleçam a sua capacidade de
ciativas fragmentárias que não atingem o cerne interlocução na definição de políticas públicas
de uma sociedade refratária a práticas coleti- e na partilha dos recursos provenientes dos fun-
vas. A realidade brasileira é marcada por confi- dos públicos.
gurar um contexto de baixa institucionalização, A alternativa da participação deve ser vista
no qual a maioria da população pouco se mo- pela ótica dos níveis de concessão dos espaços
biliza para explicitar sua disposição de utilizar de poder e, portanto, pela sua maior ou menor
os instrumentos da democracia participativa vi- ruptura com estruturas tradicionais, patrimo-
sando romper com o autoritarismo social que nialistas e autoritárias. Isto configura a possibi-
prevalece. lidade de os cidadãos assumirem um papel rele-
A resposta a esta questão se torna ainda mais vante no processo de dinamização da sociedade,
complexa na medida em que tomamos como e vem reforçar o exercício de um controle mais
uma referência possível e contraditória uma permanente e consistente dos usuários na ges-
pesquisa sobre as práticas sociais face aos pro- tão da coisa pública, sustentado no acesso à in-
blemas ambientais na cidade de São Paulo (Ja- formação sobre o funcionamento do governo
cobi, 1999). Os resultados mostram que mais da cidade a todos os grupos sociais.
de 80% dos moradores de São Paulo, quando A possibilidade de criar as condições para a
consultados sobre o meio de ação mais efetivo ruptura com a cultura política dominante e pa-
para resolver os problemas ambientais no nível ra uma nova proposta de sociabilidade baseada
domiciliar e do bairro, indicam a ação governa- na educação voltada à participação se concreti-
mental, sendo a opção pela ação comunitária zará principalmente pela presença crescente de
quase sete vezes menor. Isto abre um estimulan- uma pluralidade de atores. Através da ativação
te campo de reflexão. Cabe ressaltar, entretanto, do seu potencial de participação, esses atores te-
que, as respostas enfatizam a importância de o rão cada vez mais condições de intervir consis-
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Jacobi P 2000. Políticas sociais e ampliação da cidadania.
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Artigo apresentado em 5/1/2002
Versão final apresentada em 21/3/2002
Aprovado em 21/5/2002