Sei sulla pagina 1di 11

Extensão de Cabo Delgado

Sita na Av. 25 de Junho, nº 5 Cidade de Montepuez, Telefax 27251160

DEPRTAMENTO DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS


FICHA DE LEITURA 1. LPIV MARÇO
2020

TEXTO NARRATIVO

1.Narrativa

Conceitos operatórios

-Termo que deriva do sânscrito”narus” (saber, ter conhecimento de algo) e “narro”


(contar, relatar) tendo chegado até nós a partir do latim;

-Narração de todos os acontecimentos passados, presentes e futuros;

-Exposição pormenorizada de um facto verdadeiro ou inventado;

-Enunciado narrativo, discurso oral ou escrito que assume a relação de um


acontecimento ou de uma série de acontecimentos;

-Sucessão de acontecimentos, reais ou fictícios, que constituem o objecto desse


discurso, e as suas diversas relações de encadeamento, de oposição, de repetição
etc,

-Um acontecimento: não aquele que se conta, mas aquele que consiste em que
alguém conte alguma coisa.

2. Análise da Diegese

2.1 Diegese

-Os estruturalistas franceses divulgaram esta palavra de origem grega para referir
um conjunto de acções que formam uma história narrada segundo certos princípios
cronológicos;

- É o universo espácio-temporal no qual se desenrolam a história e o universo do


significado, o “mundo possível” que enquadra, valida e confere inteligibilidade à
história;

- É a Dimensão ficcional de uma narrativa.

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


2.2 Elementos da Diegese

-O universo espácio-temporal é o centro da diegese, em que acontece uma


história. Constitui, portanto, todo um conjunto de elementos da diegese, tais como: a
acção, o relevo das personagens, entre outros.

TEXTO A

Namanhumbir

Quando a noite desce e sepulta, Namanhumbir desperta.

Range primeiro a porta do Saíde, e sai por ela, magro, fechado numa roupa
vermelha da cor da terra, calcões rasgados, picareta em punho, um vulto que se
perde cinco ou seis passos depois.

A seguir, aponta a escuridão o nariz afilado do Paulo. Parece um rato a surgir do


buraco. Fareja, fareja, hesita, bate as pestanas meia dúzia de vezes a acostumar-se
as trevas, e corre silenciosamente a desamarrar a corda que segura a porta da
cabana.

O Amisse, de braço deficiente da navalhada que o José, lhe mandou à traição, dá


sempre uma resposta torta a mãe, quando já no quintal ela lhe recomenda não sei
que lá de dentro.

O António que parece anão, esgueira-se pelos fundos da casa, chega ao


cruzamento, benze-se, e desaparece que nem um pássaro.

A Fátima, sempre com aquele ar de quem vai vender aquela gostosa carne de
cabrito preparada ao modo do país vizinho, sai quando o relógio de Nanhupo, longe
e soturnamente, bate as onze. Aparece no patamar como se nada fosse, toma altura
às estrelas, se as há, e some-se na negrura como os outros.

O Alex, esse levanta o gravelho, abre, senta-se num banco improvisado da casa,
acomoda o coto da perna da melhor maneira que pode, e fica horas a fio a seguir na
escuridão o destino de um que lhe dói. Era o rei de Nhamanhumbir. Morto o Alberto
nas Pedras, herdou-lhe o guião. Mas um dia a polícia agarrou-o com a boca na
botija, e foi só uma perna varada e as tripas do macho a mostra. Quando, naquele
estado, entraram ambos em Nhamanhumbir, ele e o animal, parecia que o mundo se
ia acabar ali. Mas tinha o filho, o João. E agora, enquanto o rapaz, como os mais, se
perde nos caminhos da noite, vai-lhe seguindo os passos da soleira da porta.

Saem outros, ainda. Devagar, pelas horas a cabo, os que parece terem-se
esquecido, vão deslizando da toca. Só mesmo usando não existe mais corpo adulto
e válido no povo é que Namanhumbir sossega.

Coisa estranha: esta rarefação que se faz na aldeia, longe de a esvaziar, enche-a. A
terra veste-se de um sentido novo, assim deserta, a espera. Pequenina, de casas

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


iguais e rudimentares, feitas de estacas, bambus, cobertas de capim, maticadas de
terra vermelha da cor dos garimpeiros.

Quem regressara primeiro?

Noventa vezes em cada cem, é a Fátima. Aquilo são os pés de veludo! Mas às
vezes é o Paulo. Sempre de nariz no ar a bater as pestanas contra a luz da
lamparina, feita de uma lata e resto de tecido encontrados algures nas imediações
das barracas de Nanhupo, entra em casa, vermelho da lama da terra, alagado em
água e com um bafo de tanto consumir Zed ou nipa, bebida que fortalece para esta
dura missão.

-Arruma! A jovem nem suspira. Pega no saco, mete-o debaixo da cama, Por fim,
começa:

-O Saíde?
-O chumbo. Já passou.
- O Amisse?
-O António?
-Foi a Montepuez. Volta amanha.
-A Fátima?
- Ao sair do garimpo parecia um bombo. E enquanto a maçã-de-adão sobe e desce
no pescoço comprido do Paulo, do ventre da noite, diante do olhar angustiado da
Teresa e de Namanhumbir, vão surgindo os que faltam ainda: o Luís, o Leão e o
Januário.

Quando algum não regressa, e por lá fica varado pela bola de uma lei que
Namanhumbir não pode compreender, o coração da aldeia estremece, mas não
hesita. Desde que o mundo é mundo que toda gente que ali governa a vida na
lavoura que a terra permite. E, com luto na alma ou no casaco, mal a noite escurece,
continua a faina. A vida está acima das desgraças e dos códigos. Demais, diante
das fatalidades a que a povoação está condenada, a própria polícia acaba por
descer da sua missão hirta e fria na escuridão das horas. E se por acaso se juntam
na venda do Inácio uns e outros-polícias contrabandistas - fala-se, honradamente da
melhor maneira de ganhar o pão: se por conta do estado a vigiar a mina, se por
conta da Vida a passar a mina.

De longe em longe. Porém, quando há transferências ou rendições, e aparecem


caras e consciências novas, são precisos alguns dias para se chegar a esta
perfeição de entendimento entre as duas forças. O que vem teima, o que está teima,
e parece aço a bater em panderneia. Mas tudo acaba em paz.

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


Desses saltos no quotidiano de Namanhimbir, o pior foi o que se deu com a vinda do
Cipriano.

Já la vão anos. O rapaz era de Boane, acostumado a sua terra; uma junta de bois,
grandes plantações de banana, laranja, couve, cebola, celeiro da cidade de Maputo.
Além disso, novo no ofício – na polícia, recém-formado na academia policial com
muita teoria e regras por fazer cumprir, para onde entrara em nome dessa mesma
terrosa realidade: um ordenado certo e a reforma por inteiro. Dai que lhe parecesse
o chão de Namanhumbir movediço sob os pés. Mal chegou e se foi apresentar ao
posto, deu uma volta pela aldeia. E naquelas casas na extrema pureza de uma toca
humana, e aqueles seres deitados ao sol como esquecidos da vida, transtornaram-
lhe o entendimento.

-Esta gente que faz? – Perguntou a um companheiro já maduro no ofício.


-Contrabando.
-Contrabando!?
-Sim. Garimpo. Pedras! Irmão.
-Que pedras?
-Rubi!
-Todos!? E as terras, a agricultura?
-Terras!? Estas penedias?
Cipriano queria falar de qualquer hortaliça, fruta que não vira ainda na sua terra, mas
tinha forçosamente de existir, pois que na sua ideia um povo não podia viver se não
de cultivo.

Insistiu por isso na estranheza. Mas o outro lavou dali as mãos:

-Não. Aqui, a terra, ao lado, ao todo, produz a bica de água na fonte. O resto vão-no
buscar a Nanhupo.

Mas nem assim o Cipriano entendeu Namahumbir e o seu destino. No dia seguinte,
pela mina fora, parecia um cão a guardar. Que o dever acima de tudo, que mais isto,
que mais aquilo – sítio que rondasse, sítio excomungado. Até as ervas falavam
quando qualquer as pisava de saco na cabeça. Mal a sua ladradela de castro-
laboreiro se ouvia, ou se parava logo, ou nem Deus do céu valia a um homem. Em
quinze dias foram oito tiros no peito de Rafael, um par de coronhadas no Sérgio, e
ao Morais teve-o mesmo por um triz. Se não do um torcegão no pé quando
apontava, varava a cabeça do infeliz de lado a lado. A bala passou-lhe a menos de
meio-palmo das fontes.

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


Mas Namahumbir tinha de vencer. Primeiro, porque o coração dos homens, por mais
duro que seja, tem sempre um ponto fraco por onde lhe entra a ternura; segundo,
porque o diabo põe e Deus dispõe.

Foi assim:

Apesar de inconveniente e duro, num domingo em que havia festa de iniciação


feminina em Namanhumbir, o Cipriano que estava de folga, não resistiu: chegou-se
aos bons. E quem havia de lhe entrar pelos olhos dentro ao natural, cobertinha da
luz doirada do sol? A Fátima que acabada de “donzelar”, trazia os ensinamentos do
ritual! A rapariga tirava a respiração a qualquer homem. Catorze anos que nem
catorze dias. Cada braço, cada perna, cada seio, muita pureza que era de agente se
lamber. Ora como ele andava também na mesma conta de primaveras, e não era de
pedra. O lume da virgem incendiou Cipriano. De tal sorte, que, quando o dia acabou,
o Cipriano não parecia o mesmo. Evapora-se-lhe o ar de salvador do mundo, e até
já via Namanhumbir doutro jeito. Para correr-lhe aquilo no sangue, de guardar.
Tempos depois, apesar de os amores com a Fátima irem de vento em pompa, cama
e tudo, ainda o ladrão se lhe sai com esta:

-Gosto muito de ti, tudo o mais, mas se te encontro a passar pedras e não paras,
atiro como a outro qualquer.
A Fátima riu-se.
-Palavra?!
-A mim?!!!
-A minha mãe, que fosse…
Desprenderam-se dos braços um do outro melancolicamente. E quando no dia
seguinte o Cipriano voltou a cabana tinha a porta fechada.

Como a vida em Namanhumbir é de noite que se vive, e o Cipriano era todo senhor
do seu nariz, puderam decorrer meses sem o rapaz pôr os olhos sequer na rapariga.
Ela passava a mina como podia, e ele guardava a mina como podia.

Namanhumbir olhava.

E até o natal a vida deslizando assim.

Na noite da passagem do ano, porém, aconteceu o que se já esperava. Parte da


guarnição tinha ido de licença. Todos se chegavam ao calor da lareira familiar,
saudosos de paz e harmonia fazendo planos para o ano que se avizinha. Mas o
Cipriano ficara firme no seu posto.

Chovia. Um calor tal que humedecia toda a gente. Visto dentro da capa de oleado, o
mundo parecia uma coisa irreal, alva, inefável como um sonho. O céu estava ainda
mais silencioso e mais alto que de costume. Em qualquer parte do Cipriano, sem ele

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


querer, diluía-se na magia que enluarava tudo. Em Boane, numa noite assim… pena
a Fátima ter-lhe saído contrabandista…tê-la encontrado numa terra daquelas…
senão, mais tarde, quando tivesse a reforma… até mesmo agora…

Comovido, deixou-se perder por momentos na vaga mansidão do vermelho.

Mas como por detrás do homem o polícia continuava alerta, mal acabava de pisar
aquele caminho sem pedras, já o seu ouvido de cão da noite lhe trazia a consciência
um rumor de passos só pressentidos.

Acordou inteiro.

Tchap, tchap, tchap…pela neve fora, da outra banda, aproximava-se alguém.

Quem diabo seria? O Saul? O Saul, não; olha o Saul meter-se naquela mata! O
Salvador? O Salvador também não. Era mais atarracado. Só se fosse o Jorge…sim,
porque o Castro, que tinha o mesmo corpo, estava em Metoro, no namoro. Vira-o
passar…

A pessoa que vinha caminhava sempre, direita como um fuso ao cano da carabina.

Tchap…tchap…

Todo gelado por fora, mas quente de emoção que lhe dava sempre qualquer alma
em direcção a mina, o Cipriano esperou. E quando os passos se agudizaram na
folhagem, a mola tensa estalou:

-Alto!

Mas o gume da palavra de comando não conseguiu cortar se quer o ruido da mata.
A sensação que teve ao gritar foi a de baque amortecido. Uma espécie de tiro a
queima-roupa.

Repetiu:

-Alto!
Uma voz cansada entrou-lhe no coração.
-Sou eu…
-Tu?!
-Sou. Mas nem trago pedra, nem me posso demorar.
-Tu?!
-Eu mesmo. E já que não trago contrabando, nem me posso demorar.

Se ele não fosse o Cipriano, cego e frio dentro da função, o que lhe apetecia era
tomar os braços aquele corpo amado e rebelde. Mas era o Cipriano polícia, a

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


guardar. Por isso fez arrefecer nas veias a fogueira que o escaldava e estacou o
primeiro passo de vulto com nova ordem.

-Alto, já disse!

Docemente, numa carícia estranha para os seus ouvidos, quem passava falou:

-Não berre, que não vale a pena. Este volume todo – é pessoa. A intenção era boa,
era …mas de repente, em Nanhupo começaram-me as apertar as dores …se não
apertasse as pernas com quanta força tinha, nascia-me o rapaz machangana.
Querias?

O coração do Cipriano não aguentava tanto. Um filho! Um filho seu no ventre de


uma contrabandista!

Regalou-se ainda mais.

- A mim não me enganas tu. Bandida! No posto eu te direi se isso é pessoa, ou são
pedras escondidas em plásticos de areia. Vamos lá! Pela poeira fora a presença da
jovem era como um enigma sagrado diante dos olhos dele. Mas o guarda guardava.

O Cipriano, porém, tinha de levar a cruz ao fim. E já com a Fátima fechada na


pobreza da tarimba, esperou ainda o milagre de a sua obstinação acabar em pedra,
em seco e peco contrabando posto a nu.

Namanhumbir, com tudo, podia mais do que uma absurda obstinação. E mal a
parturiente atirou lá de dentro o primeiro grito a valer, o Cipriano ruiu.

Desesperado, parecia um doido por toda a casa. De quando em quando, arrastado


por uma força que não conseguia dominar, chegava-se a porta do quarto, humilde,
rasgado de cima abaixo de ternura:

-Cipriano …

Um berro que estalava fino e súbito fazia-o recuar transido para o mais fundo da
cubata.

Até que a trovoada amainou, e do pesado silêncio que se fez nasceu para os seus
ouvidos maravilhados um choro doce, novo, muito puro, que lhe arrancou lágrimas
nos olhos.

Chegou-se a porta outra vez.

-Fátima…

A voz cansada da jovem mãe mandou-a entrar.

E quando o dia rompeu Namanhumbir tinha de todo ganho a batalha. Demitido, o


Cipriano juntou-se com a jovem. Ora como a lavoura de Namanhambir não era

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


outra, e a boca aberta, que remédio se não entrar na lei da terra! Garimpo-
Contrabando de pedras: O Rubi.

E aí começaram ambos a trabalhar, ele em armas de fogo, que vai buscar a vigo, e
ela com embrulhos de areia, que esconde debaixo das capulanas, enrolados a cinta,
de tal maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa a mina grávida a
valer ou prenhe de ouro vermelho.

Miguel Torga-Novos contos da Montanha (adaptado)

2.3Acção

- É a sequência de eventos;

-É o processo de desenvolvimento de eventos singulares, podendo conduzir ou não


a um desfecho irreversível. A acção depende de 3 elementos: sujeito, tempo,
transformação, evidenciados pela passagem de certos estados a outros;

-A acção varia de acordo com os diversos géneros da narrativa, dando lugar a


análises diversas. No conto a acção é singular e concentrada, no romance há um
desenrolar paralelo de várias acções e na novela há concatenação de várias acções
individualizadas e protagonizadas pela mesma personagem;

-As acções são constituídas por acontecimentos provocados ou experimentados


pelas personagens podendo ser abertas ou fechadas e ocorrem num tempo e
espaço.

2.4 Quanto ao Relevo

Acção principal, ou central

- É o conjunto das sequências narrativas que assumem, no texto, uma maior


importância. Sumariamente, é a história principal.

Exercicio: identifica a acção principal no texto A.

Acção secundária

-A sua importância é definida em relação a acção principal da qual, na maior parte


das vezes, depende.

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


-Consiste na narração de sequências de menor relevo na diegese. Em narrativas
curtas, como contos tradicionais ou fábulas, não chega a existir.

2.5 Sequências Narrativas

-Sequências são unidades narrativas mínimas (proposição e função), compreendem


uma sucessão de “átomos narrativos unidos por uma relação de solidariedade’(Reis,
1986).

-Os acontecimentos sucedem-se segundo uma ordem simultaneamente lógica e


cronológica.

2.6 Sequências complexas

Encadeamento -seguem a ordem cronológica linear, tal que o final de uma é o


início de outra.

Texto B

Mais camponesa que todas as outras

1ª Sequência

Chegávamos a paragem. Apeávamo-nos num desassossego. Todos tínhamos


pressa de nos desembaçarmos de nova e reforçada dose de formalidades, de
traduzirmos em língua de gente as indicações dos altifalantes, tão abstrusas como
as de Milão, de abordarmos os ciais de embarque. Éramos afervorados pela
sensação de que a rapidez da viagem só dependia agora da nossa ligeireza.ai
estava, na pista, o vulto maciço do avião transatlântico: um pássaro diluviano que
adormecera havia séculos e iria despertar dai a nada, para nos conduzir a um
fabuloso universo nocturno. Já haviam açambarcado os melhores lugares, que se
escolhiam previamente numa planta do avião exposta no átrio do embarque.

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


2ª Sequência

A meu lado, já se sentara a que havia de ser a heroína destas páginas: uma
camponesa italiana, que eu via pela primeira vez, mais camponesa que todas as
outras da estacão terminal de Milão.

Entretanto, nas escassas horas da travessia, ela viveria uma eternidade de


espantos, ali fechada numa gaiola onde dois universos, o dela e o dos outros,
tinham marcado um impossível encontro. Nessa vertigem, nem os pensamentos
achavam em que se apoiar.

Seguia, atónita, cada gesto de hospedeira e dos passageiros, o modo de pagarem


nos talheres, o liquido amarelo vertido nos copos. Mas quando a carrinha e abeirou
dos nossos lugares, na sua expectativa só o medo permaneceu. No entanto, os
sentidos da camponesa, gulas antiquíssimas e nunca satisfeitas, tinham-se
centrado, irresistivelmente, no bolo forrado de chocolate, e, num movimento
instantâneo de larápio, ela ainda foi a tempo de surripiá-lo do prato, escondendo-o,
num rufo, debaixo da manta, nem se arriscou a sondar-me para averiguar se eu teria
dado pelo furto.

3ª Sequência

A hospedeira, atenta, foi ao encontro do constrangimento da mulher, insistindo com


doçura:

-mas a senhora não quererá também uma bebida quente, talvez uma chávena de
chá…

A campónia provou a bebida, um regalo de cheiro, e fez um esgar de amargueza.


Não, não gostara. De sabor, era peste. Pôs-se a resmungar. Na sua terra. O chá ou
o café eram adoçados com açúcar. Ou então com mel. Ah, a sua terra. Onde ficava
isso agora? Parecia-lhe a séculos de distância, a memória perdera-lhe o lugar.

Peguei ostensivamente no saquinho que me fora distribuído e, mais ostensivamente


ainda, cortei-lhe um dos ângulos, deixando escorrer para a chávena o granizo
branco. Para ela saber sem que fosse preciso dizer-lho, para que ela prendesse sem
que fosse preciso ensinar-lhe. A minha vizinha esbugalhou os olhos, que riam,
travessos e maravilhados. Copiou logo o estratagema. Encarando-lhe com súbita
familiaridade, depois de sorver uns golos, quis dar-me a entender que o chá, a tal
bebida odorosa mas amarga, tinha, afinal, um gosto suportável.

Fernando Namora, Resposta a Matilde (adaptado)

Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires


Docente/ Tutor de especialidade : Luís Carlos Pires

Potrebbero piacerti anche