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por trás da escrita e, para tal revelação, Gary se as visões dos jovens estão inseridas num contexto
apresenta de forma totalmente exposta; possivel- ainda pouco favorável para mudanças das relações
mente, não poderia ser de uma outra forma. Faz entre homens e mulheres; porém, existem jovens
questão de se colocar na primeira pessoa, de com- que tendem a questionar essas desigualdades e que
partilhar experiência de forja de sua masculinida- acham que os homens não devem ter mais poder
de e, portanto, seus medos em romper com os do que as mulheres. Outra discussão apontada nesse
scripts, suas expectativas em não ser rejeitado e a capítulo pelos jovens é de que as meninas das co-
sua coragem em poder superar o que estava colo- munidades pouco valorizam os rapazes se eles não
cado como hegemônico e só pode fazer isso ao são pertencentes aos grupos de gangues ou do trá-
deslocar ou relativizar os sujeitos que se encon- fico, pois eles terão menos dinheiro e poder nos
tram no lugar de dominadores, não justificando, espaços em que residem.
obviamente, mas sempre problematizando que as O capítulo IX é trabalhado de forma muito
armadilhas podem ser vias de mãos duplas. singular; aqui será discutida a questão do exercício
Do terceiro ao sétimo capítulos, são apresen- da paternidade. O autor dá, como sempre, voz aos
tados cenários que têm como recorte principal- jovens, buscando estabelecer uma análise e inter-
mente as discussões de classe, raça/etnia, passan- pretação dos processos das relações mais ocasio-
do por situações de sociabilidade masculina, em nais até as mais regulares e de longa duração. Como
que a violência (relação com gangues, tráficos e acontece esse processo, como esses jovens apren-
milícias) aparece fortemente num contexto em que dem a lidar com a paternidade e de que forma esta
há uma quase que total ausência do Estado em relação com seus filhos promove mudanças signi-
ofertar políticas públicas. Os homens jovens e ne- ficativas na vida desses jovens. São apresentadas
gros são invisíveis para o Estado, residem em loca- várias histórias de como foi fundamental ser pai
lidades, comunidades, bairros, territórios geográ- na juventude para que outras posturas, mais posi-
ficos sem nenhum ou pouquíssimo investimento tivas, pudessem ser adotadas por esses jovens, ou
estatal, mas assim como o restante da população, seja, o que a literatura diz em relação à paternidade
são contribuintes e isso não significa nenhuma di- precoce, Gary põe em cheque.
ferença. A rede socioassistencial nesses espaços será E, por fim, o capítulo X é a conclusão do autor
mínima; desta feita, o acesso e permanência nas sobre a trajetória desse processo etnográfico. De
escolas públicas serão sempre de muita dificulda- acordo com Gary, um dos principais desafios a se-
de, um sistema de educação que não consegue di- rem superados é o reconhecimento de que o pro-
alogar com esses jovens. Por sua vez, tanto a renda cesso de socialização dos homens e das mulheres
quanto a capacidade de uma inserção melhor no tende a colocar armadilhas para a humanidade
mercado formal de trabalho será ínfima. Com todo como um todo, como ele mesmo afirma [...] jovens
esse cenário desfavorável, os homens jovens do demais estão morrendo para se tornarem homens –
estudo apresentam uma outra inserção de ser e morrendo por efeito da violência, da aids, de aciden-
estar no mundo, diferente de exercer a violência tes de carro e de outras causas que têm pouco a ver
como a única possibilidade de expressão. com questões genéticas e biológicas e muito a ver com
Então, será a partir de um conjunto de relatos a maneira pela qual eles são socializados (p. 201).
e experiências compartilhadas desses jovens que Gary defende com fervor que é preciso acredi-
outras histórias são contadas, apresentando um tar na capacidade de mudança dos homens e das
universo que pouco tem sido explorado. mulheres em nossa sociedade. Assim, Homens na
O capítulo VIII relata as experiências de relacio- linha de fogo: juventude, masculinidade e exclusão
namentos sexuais em tempos de aids e das relações social é um trabalho que fala muito da vida, do
de desigualdade de gênero. Discute muito a presen- potencial de gerar produtos positivos e de que nós,
ça da tensão e conflito das relações entre homens e homens e mulheres, somos capazes de realizar tal
mulheres jovens e, em particular, na cidade do Rio feito, está em nós essa possibilidade. Um exercício
de Janeiro, os jovens apontam não terem exemplos necessário é se implicar e não aceitar o que “pode”
positivos dessas relações dos seus ambientes fami- parecer natural, é questionar e acreditar em outros
liares e mesmo do espaço mais amplo em que são processos de sociabilidade de ser e estar no mundo.
socializados, tendo por muitas vezes crescido em É uma obra que toca, pois fala do que é humano,
contextos de violência doméstica ou sido testemu- do que é complexo e do que é fundamental para
nha ocular da violência que suas mães sofriam por construirmos outras perspectivas de masculinida-
parte de seus pais ou padrastos ou mesmo vítimas des e também de feminilidades em nosso cotidiano.
dessas violências. Muito foi problematizado pelo Portanto, se faz um livro imperdível que nos toca e
autor acerca das desigualdades de gênero, em que nos emociona da primeira a última página.