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Literatura clássica e vidas possíveis.

Muito ouve-se dizer que um livro é uma viagem, uma fuga do mundo em torno, que a leitura
serve para nos desligar da realidade, que nos fecha em nosso pensamento ou coisas
semelhantes. Ledo engano.

Não se deve ir às obras de ficção para "viajar", "sair deste mundo" ou "voar nas asas da
imaginação". Pelo contrário, deve-se ler para recuperar o elo com a realidade outrora perdido.
Para estarmos cada vez mais com os pés firmes no chão e conscientes da situação em torno.
Cientes de nossas circunstâncias. Não se trata de sair do mundo, mas antes, de adentrar nele.
Parar de acreditar no mundo que criamos em nossa mente, com nossos pensamentos, e
compreender o mundo que se apresenta diante de nossos olhos. Tão real quanto à luz do sol
ou o calor do fogo que vêm de fora aquecer nossos corpos e iluminar as trevas de nossa
ignorância.

Os personagens da literatura expressam muito mais que um mero sonho, são modelos de
vidas possíveis inspirados na realidade e em situações verossímeis. Quem nunca cruzou com
um Lara Ribas por aí, sujeito que acha que, por ter inclinações à vida intelectual, não tem
obrigações com o sustento da família? Quem não conhece alguém que tenha casado com
alguma Emma Bovary, esposa que vive de aventuras amorosas fora do matrimônio? Quem
não já gastou quinze meses e onze contos de réis com alguma Marcela, mulher bonita e
interesseira, personagem de Machado de Assis? Ou ainda, quem não reconhece em Ivan
Ilitch, personagem de Tolstoi, um sujeito totalmente dominado por suas circunstâncias,
incapaz de controlá-las? Ou em Heitor, príncipe de Tróia, um arquétipo de herói, viril,
corajoso e justo?

Em suma, ter cultura literária significa bem mais que ter erudição. Literatura é bem mais que
passa-tempo ou distração, não se trata de um mundo diferente do nosso com vidas diferentes
da nossa; é, antes, um mundo possível com vidas que não são as nossas mais que poderiam
ter sido. Situações que poderíamos ter passado, decisões que poderíamos ter tomado e erros
que poderíamos ter cometido. São essas situações, reais ou possíveis, que formam nosso
imaginário e moldam nosso caráter. Sem isso, não somos mais que plagiários de
orangotangos, incapazes de olhar para a selva e ver-se perdido como Robson Crusoé; de
imaginar-se, ao ser traído por um amigo, como Edmond Dantès traído por Fernand; de
reconhecer as profundezas de uma mente inteiramente e verdadeiramente má, como a do
Conde Drácula de Bram Stoker. Quem não leu Shakespeare dificilmente saberá reconhecer as
sutilezas demoníacas do ciúme, ciúme que levou Otelo, o moro de Veneza, a tirar a vida da
inocente, doce e apaixonada Desdêmona. Se a vida imita a arte eu não sei, mas é certo que
sem arte não se pode bem viver.
Escreveu Eugen Rosenstock: “há em nós uma mudez que espera tornar-se linguagem”. A
cura para essa mudez não pode estar em outro lugar que não nos clássicos da literatura. Os
literatos são como guias ou faróis que iluminam o caminho. São capazes de expressar o que
sentimos, mas não sabemos dizer. Em diferentes estilos, sob diferentes formas e gêneros
literários. Seja nas peças de Shakspeare, nos contos das Mil e Uma Noites ou nos romances
de Dostoiévski, o literato põe na pena todo o conjunto de possíveis situações humanas.
Olavo de Carvalho tem toda a razão (pra variar) quando diz que se a literatura brasileira não
reflete em nada a realidade do Brasil, não mais fala ao brasileiro. E se não fala ao brasileiro,
fala a quem? Ainda poderá servir para algo quando tudo que tem a oferecer são explorações
banais da psiquê humana, situações artificiais e personagens nada verossímeis, estranhos ao
nosso cotidiano e vazios de dramas humanos universais? Uma literatura que não reflete
modelos de vida perdeu a razão de ser. Tornou-se panfletagem, retórica vazia, mero passa-
tempo.

Os clássicos da literatura são clássicos justamente por narrarem ao leitor algo mais que
simples e banais situações, eles expressam situações humanas universais, capazes de serem
reconhecidas por quem os lê. O leitor não vai a um clássico apenas para entreter-se com
alguma história, vai para aprender mais sobre seu país, entender os fatos da história e da
sociedade, sua cultura e até mesmo sua alma. Para ver modelos de vida e poder reconhecê-los
no mundo real.

Quando se lê dessa forma Aquiles deixa de ser um personagem fictício e distante, existente só
em nossas mentes, e passa a ser um esquema interpretativo do próprio mundo em que
vivemos. Emma Bovary, incapaz de buscar nos livros, esquemas de interpretação de sua vida,
usou-os como incentivo para distanciar-se da vida de mulher casada. Em vez de completar-se
pela leitura de romances, fragmentou-se ainda mais. Entregou-se à uma vida dupla, onde tudo
se tornou falso e caricatural. Não compreendeu que se deve buscar nas personagens, modelos.
Heitor, Ulisses, Enéias, Anna Karenina, Sherlock Holmes, Scrooge, Brás Cubas e tutti
quanti, são mais que fantasia, são esquemas, chaves de interpretação de dramas observados
ou vivenciados. Nesse sentido, quanto mais distante do mundo real for a obra, mais
descartável ela é.

As boas obras nos ensinam a separar o possível do impossível, o verossímil do absurdo,


preparam-nos para o mundo, põe-nos em contato com a maldade, frieza, inteligência,
sutileza, sacrifício e amor humanos. Nos fazem aprender a viver, a sermos de fato, parte da
humanidade. Por isso a suspensão da descrença. Um clássico é mais que entretenimento e
mais que uma proposta moral, é uma vida possível. É algo que você poderia ter feito, mas não
fez.
Por isso, é imprescindível que, na leitura, se viva na pele do personagem, mesmo os maus. É
fato, até maus exemplos nos ensinam. Assim sendo, uma leitura eivada de moralismo pode e
atrapalha bastante a compreensão, e principalmente, absorção da obra, que deve estar livre
desse tipo de julgamento. O que interessa, nas obras de literatura, não é fazer julgamento das
escolhas morais ou imorais dos personagens, mas aguçar, com elas, nossa percepção moral.
Expandir nosso imaginário e, assim, melhor julgar a nossa própria vida e ponderar nossas
próprias escolhas. A literatura, sobretudo a poesia, deve ser tomada como expressão
momentânea e possível de sentimentos e atitudes, não como propostas dogmáticas de moral e
conduta. Lê-las assim é não saber ler. É confundir Hamlet com um código de filosofia moral.

Obras da literatura não existem para serem condenadas ou absolvidas, pois, nos dois casos, há
julgamento. Existem para serem absorvidas, integradas à personalidade. Devemos ir aos
clássicos da literatura para maturar nossas posições, vencer nossos preconceitos, reconhecer o
mal, amar o bem, para sabermos expor melhor nossos sentimentos, ver a complexidade da
vida e, sobretudo, para tornar-nos humanos completos, pois, como o escritor cubano
Guillermo Cabrera Infante disse, em sua História do Conto, “o conto é tão antigo quanto o
homem”. E continua dizendo:
“Antes até que aquele anônimo artista de Altamira pintasse seus minuciosos murais, deve ter
existido um autor anônimo na região que contasse contos para seus companheiros de caverna
sentados em volta de uma fogueira. O homem, como sabemos, é o único animal que faz fogo.
O contista é o único ser humano que faz contos. Esses contos seriam, por exemplo, narrações
de um dia de caça perdido no encalço de um cervo branco com um chifre na testa. Os contos
não perduraram nas paredes da caverna, mas não se perderam: foram reencontrados,
contados, na memória coletiva”.

Sentar em volta da fogueira para ouvir sobre o mundo e suas aventuras (ou desventuras), sair
da prisão de nossos pensamentos, creio ser o principal convite que nos faz a literatura. Afinal,
nascemos em duplas trevas: pecado e ignorância, a salvação para ambos vem de fora: da
graça redentora do batismo e da leitura atenciosa dos clássicos. Um clássico tem a dupla
missão de nos fazer conhecer melhor o mundo e a nós mesmos.

Leiamos, sim, mas como disse alguém certa vez: com a cabeça nas nuvens e os pés no chão.

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