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ASPECTOS SIMBOLÓGICOS DO CONTO “SEQUÊNCIA”

CAMOCIM – CE

2019
Eliza Kauana de Oliveira Fontenele
Francisco Evair Silva das Chagas
Marina da Silva Lopes

ASPECTOS SIMBOLÓGICOS DO CONTO “SEQUÊNCIA”

Ensaio apresentado à disciplina de Literatura Brasileira IV


do curso de Letras do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), campus Camocim,
como pré-requisito para a obtenção da N2 da matéria
citada.
Professor Regente: Dr. Márcio Fonseca

CAMOCIM – CE

2019
ASPECTOS SIMBOLÓGICOS DO CONTO “SEQUÊNCIA”

Eliza Kauana de Oliveira Fontenele1


Francisco Evair Silva das Chagas2
Marina da Silva Lopes 3

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal analisar os aspectos simbológicos do conto
Sequência, de Guimarães Rosa, que integra o livro Primeiras Estórias (1962). A trama do
conto é aparentemente simples, porém, quando lida com mais atenção ela revela uma carga
mítica e simbológica que agrega a narrativa uma polissemia de interpretações. A análise foi
realizada a partir da leitura de Sequência e dos pressupostos teóricos de Faleiros (2011),
Motta (1999) Nunes (1969), Rónai (2011) e outros. No final, concluímos que a simbologia
empregada no em Sequência nos remete a um tema que é próprio da condição humana, que é
o da busca pelo amor e também que o belíssimo e árduo trabalho com as palavras, consegue
imprimir na narrativa plurissignificações ligadas a metafísica e a linguagem.
Palavras-Chave: Simbologia. Conto. Sequência. Guimarães Rosa

1 INTRODUÇÃO

Composto por 21 contos, o livro, Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa foi


publicado originalmente em 1962. Sobre a obra, Bosi (2013, p. 461) pontua que há “patente o
fascínio do alógico: são contos povoados de crianças, loucos e seres rústicos que cedem ao
encanto de uma iluminação junto à qual os conflitos perdem todo relevo e todo sentido”.
Os contos trabalhados na obra são apresentados de maneira cíclica, pois na primeira
narrativa, “As margens da alegria”, Guimarães apresenta um menino no seu processo de
amadurecimento que se vê às voltas com suas descobertas e perdas. Uma realidade até então
desconhecida – a visão de um peru – é descoberta e perdida em instantes simultâneos. Já em
“Os cismos”, ele retoma elementos da primeira estória e apresenta o mesmo menino do
primeiro texto, mas de forma mais amadurecida e experiente. Demais, Primeiras Estórias é

1
Graduanda em Letras – Português e Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), campus Camocim.
2
Graduando em Letras – Português e Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), campus Camocim.
3
Graduanda em Letras – Português e Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), campus Camocim
rodeada de temas ligados à transcendência, à purificação e a elevação do espírito sobre a
matéria, o que faz de sua leitura um processo de experiência. Isso é particularmente
importante se destacarmos que Guimarães sofria de problemas cardiovasculares que o
impediam de manter o mesmo ritmo de trabalho desde 1956 e, portanto, não podia mais se
lançar a projetos tão arrojados como Grande Sertão: Veredas (MOTTA, 2011). Isso
provavelmente contribuiu para a crise existencial que o fez se debruçar sobre temas
metafísicos. Sobre isso, Rosa expressa em correspondência ao tradutor francês J. J. Vilard:

Muito mais que uma coleção de estórias rústicas, Primeiras Estórias, é ou pretende
ser, um manual de metafísica, e uma série de poemas modernos. Quase cada palavra
nele assume pluralidade de direções e sentidos. Tem de ser tomado de um ângulo
poético, antiracionalista e anti-realista. Só aparentemente e enganosamente é que ele
finge de simples e livrinho
singelo. (FACÓ, 1982, p.27 apud OLIVEIRA E FALEIROS, 2011, p. 86 grifo
nosso)

Como não poderia deixar de ser, o jogo de linguagem se faz presente nas entrelinhas
dos contos, engendrando aspectos simbológicos que os conduz a plurissignificação, isso
ocorre principalmente porque os “espaços desertos são povoados pelos devaneios da
imaginação” (RÓNAI, 2011, p. 27). Levando em consideração todos os fatos supracitados, o
principal objetivo deste trabalho é analisar os aspectos simbológicos de Sequência, décimo
conto do livro Primeiras Estórias. Ressalva-se que focamos em três aspectos: A simbologia
da vaca vermelha, a simbologia do tempo e do espaço e a simbologia da travessia do Senhor-
moço.

2 “SEQUÊNCIA”: ENRENDO E CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O décimo conto do livro Primeiras Estórias, expõe a partir de um narrador onisciente


a estória de uma rês fuja que foi vendida para um fazendeiro, Seo Rigério, dono da fazenda
Pedra, mas que abandona a propriedade para retornar à sua antiga morada, a fazenda
Pãodolhão: “a vaquinha se fugira, da Pedra, madrugadamente — entre o primeiro canto dos
melros e o terceiro dos galos [...]. Fazia parte de um gado, transportado, de boiadeiros, gado
de coração ativo. Viera do Pãodolhão — sua querência” (ROSA, 2001, p. 90) . Durante a
viagem, tanto a vaca quanto o jovem enfrentam caminhos tortuosos, rios, cercas, e outras
dificuldades.
Seo Rigério, ao saber da fuga interpela os filhos a fim de resgatar a vaquinha, mas
somente um deles se dispõe a tal empreitada, o Senhor-moço, que pondo-se a cavalo sai em
busca do animal: “Só um dos filhos, rapaz, senhor-moço, quis-se, de repente, para aquilo:
levar em brio e tomar em conta. Atou o laço na garupa [...] Pôs-se a cavalo” (ibid, 2001, p.
90). Perseguindo-a, o jovem filho de Seo Rigério traspõe todos os obstáculos que encontra até
que, induzido pelos caminhos que a vaca o levou a trilhar, chega à Pãodolhão, onde conhece a
filha de Major Quitério, por quem se apaixona e é correspondido.
É notável que o enredo do conto é simples, mas ao mesmo tempo instigante e
intrigante, à medida que um fato banal, como a fuga de uma vaca, transforma a narrativa em
uma necessidade de busca, que se realiza por meio de uma travessia. “E entrou — de peito
feito. Àquelas qüilas águas trans — às braças. Era um rio e seu além. Estava, já, do outro
lado” (ibid, 2001, p. 92). A linguagem bem trabalhada do conto dá margem a uma
interpretação simbólica pautada em pressupostos míticos e religiosos, principalmente levando
em consideração o que afirmou o próprio Guimarães em entrevista concedida a Günter Loren
em 1965: “Tudo tem de ir num ritmo sossegado, picadinho, devagarinho... Rezar é o que
importa. Como o sr. está vendo, coloco o centro da vida na RELIGIÃO. Com isso consigo
despreocupar-me”.
Em Sequência, cada elemento narrativo constrói-se de simbologias associadas ao
espaço, ao tempo e aos personagens e ao serem analisados em conjunto narram um mito,
definido por Eliade (1972, p. 1-6, grifo nosso) como:

uma história sagrada; que fornece os modelos para a conduta humana, conferindo,
por isso mesmo, significação e valor à existência. Em outros termos, o mito narra
como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir,
seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie
vegetal, um comportamento humano, uma instituição.

Além disso, é possível afirmar que Guimarães amplia as percepções entre significante
e significado, pois no conto “os signos são símbolos que se revelam por meio de indícios, ou
seja, esses indícios são de cunho metafórico [...] que configura a transcendência revelada
através da palavra” (FALEIROS E OLIVEIRA, 2011, p. 91).

2.1 TEMPO E ESPAÇO NO CONTO

O tempo no conto não é categoricamente delimitado, porém o narrador toma como


marco temporal o início da trajetória da vaquinha, que foge nos primeiros raios do dia, “a
vaquinha se fugira, da Pedra, madrugadamente — entre o primeiro canto dos melros e o
terceiro dos galos — o sol saindo à sua frente, num céu quase da sua cor” (ROSA, 2011, p.
90). À medida que a estória se desenvolve o narrador onisciente vai atribuindo ao elemento
sol a função de marcador temporal da narrativa, ainda que ele não o delimite explicitamente
assim. O leitor sabe que a vaca andou o dia todo de acordo com a luz do sol: “O dia era
grande, azul e branco, por cima de matos e poeiras. O sol inteiro” (ibid, 2011, p. 91). A
expressão “sol inteiro” indica que já passa do meio dia e o sol está completo e radiante no céu.
No fim da estória, momento em que o senhor moço está prestes a chegar à fazenda Pãodolhão
trazido pela vaca vermelha, entendemos que o dia já está no seu fim, como fica explícito no
trecho: “Iam-se, na ceguez da noite [...] Pelas vertentes, distante, e até ao cimo do monte, um
campo se incendiava: faíscas — as primeiras estrelas” (ibid, 2011, p. 93).
Em relação ao espaço, vale destacar como o ambiente torna o percurso um jogo de
simulação, em que a vaca vermelha parece se afastar do Senhor-moço para atraí-lo em uma
sequência que o levará até o rio, tornando-o um local simbólico. É perceptível também, que
sob a influência do sol, a trajetória das personagens vai nos fornecendo pistas de como o
tempo transcorre na narrativa, concomitantemente a paisagem descrita no conto torna possível
o leitor visualizar os caminhos percorridos tanto pela vaquinha quanto pelo jovem vaqueiro.
Além disso, (MOTTA, 1996, p. 144 apud MORAES, 19:) advoga que: “O deslocamento
espacial é um rito de passagem presente na obra de Guimarães Rosa, que se dá no meio do
caminho entre as duas fazendas, concretizando-se as diferenças entre o velho (Pedra) e o novo
(Pãodolhão)”. Para esclarecer melhor essas afirmações, observemos o trecho abaixo:

Se subia — cabeceava, num desconjuntado trabalho de si. Se descia — era beira-


abismos, patas abertas, se borneando. Após, no plano, trotava. Agora, lá num campal
[...] O dia era grande. O sol inteiro [...] Do ponto, descortinou que: aquela. A
vaquinha, respoeirando. Aí e lá, tomou-a em vista. O vulto, pé de pessoa, que a
cumeada do morro escalava. Reduzida, ocupou, um instante, a lomba linha do
espigão. Aí, se afundou para o de lá, e se escondeu de seus olhos. Transcendia ao
que se destinava. Foi uma mexidinha figura — quase que mal os dois chifres
nadando — a vaca vermelha o transpondo, a esse rio, de tardinha. (ROSA, 2011, p.
91-92 grifo nosso)

O sol do sertão, com toda a sua luminosidade, representa a vontade divina. Contudo, a
narrativa fala do homem, sua consciência e a busca da verdade, condições inerentes ao ser
humano. É possível afirmar que há então, a manifestação do kairós (em grego καιρός), que
segundo a teologia cristã denota um momento afortunado, sagrado, pois é ofertado por Deus.
Esse momento fica adormecido na consciência dos homens e para ser despertado exige uma
decisão humana (SOUZA, 2015). No conto, o filho do vaqueiro ao decidir ir atrás do animal
que havia fugido é agraciado pela providência divina e chega no tempo oportuno para
conhecer a filha do Major Quitério. Salienta-se ainda o que
Chronos representava o tempo linear, aquele que nos consome e nos conduz até a
morte [...] Kairos, por outro lado, simboliza o momento de felicidade, de mudança,
de inovação ativa, de oportunidade [...] pode ser visto, também, como um
experiência interior dos seres humanos, de distenção anímica. : (TISCARENÕ,
2009:226 apud SOUZA, 2015, p. 58)

A simbologia das palavras, nomes, lugares, dos animais são cheios de


plurissignificações. Além disso, os espaços no conto tomam formas e cenários diferentes para
representar etapas cumpridas no itinerário da vaquinha e do vaqueiro.

2.2 A VACA, O VERMELHO, E SUAS SIMBOLOGIAS

Em várias obras de sua autoria, Guimarães Rosa apresenta os animais, em especial


cavalos e vacas, como seres maravilhosos. Além disso, em suas histórias, eles ganham status
de personagem. Dessa forma, a vaquinha do conto Sequência, com sua imagem de servidão e
força pacífica tem poder decisivo no desenrolar dos fatos, passando a ser condutora do destino
do vaqueiro em uma inversão irônica que é a chave para a compreensão do conto. No início
da estória ela é apresentada ao leitor da seguinte maneira:

Vinha pelo meio do caminho, como uma criatura cristã. A vaquinha vermelha, a cor
grossa e afundada — o tom intenso de azamar. Ela solevava as ancas, no trote
balançado e manso, seus cascos no chão batiam poeira. (ROSA, 2011, p. 90)

Há milhares de anos a vaca é considerada um animal sagrado no Oriente. Sua


simbologia está ligada à maternidade, à fertilidade, à abundância, à doação e à Terra-Mãe. Na
tradição judaico-cristã ela é essencial para a purificação dos mortos, pois no momento em que
a alma se retira do corpo um vácuo é criado. E onde há um vazio, pode haver a penetração de
impurezas. Logo, a única forma de se retirar esta impureza é através das cinzas de uma vaca
vermelha (Pará Adumá).
Para os antigos egípcios, a deusa do amor e do matrimônio, Hathor, era representada
por uma vaca que tinha duas plumas e um disco solar entre os seus chifres, Silva (2012).
Enquanto isso, para a tradição védica a vaca tem função de psicopompo, ou seja, é ela quem
conduz as almas ao plano superior:

uma função de psicopompo, atestada na tradição védica que fazia com que uma vaca
fosse levada à cabeceira dos moribundos. Antes de expirar, o agonizante agarrava-se
à cauda do animal. [...] Uma vez acesa a fogueira, a assistência cantava pedindo à
vaca que subisse com o defunto ao reino dos bem-aventurados. (CHEVALIER &
GHEERBRANT, p. 927, 2009, apud OLIVEIRA & FALEIROS, 2011, p.92)

Em suma, a escolha de uma vaca vermelha como psicopompo para conduzir o filho de
Seo Rigério até seu destino nos sugere, então, que o conto significa mais do que uma captura
que não deu certo, pois ela conhece os caminhos que o rapaz deve tomar para encontrar o
amor, “Seguia, certa; por amor, não por acaso.” (ROSA, 2011, p. 90). Além disso, o
percurso feito pelo jovem vaqueiro assume caráter ritualístico, cuja travessia em busca da
vaca o prepara para o momento idílico.
Era um rio e seu além. Estava, já, do outro lado. — “A vaca?” — e apertava o
encalço — à boa espora, à rédea larga. [...] Iam-se, na ceguez da noite — à casa da
mãe do breu: a vaca, o homem, a vaca — transeuntes, galopando. — “Onde então o
Pãodolhão? Cujo dono? Vinhase a qual destinatário?” [...] Onde e aonde? A vaca,
essa, sabia: por amor desses lugares. Chegava, chegavam. Os pastos da vasta
fazenda. Tanto ele era o bem-chegado! (ROSA, 2011, p. 90-92, grifo nosso)

A cor vermelha do animal é outro símbolo que merece destaque, pois é a cor das
paixões, as boas e as más. Também está ligada diretamente a eros, deus grego do amor, “A
vaquinha vermelha, a cor grossa e afundada” (ROSA, 2011, p. 90). Ademais, “Foi a primeira
cor que o homem batizou, a mais antiga denominação cromática do mundo” (HELLER, 2013,
p.101). Agregando as simbologias da vaca e da cor vermelha no conto em pauta, o leitor terá
justamente a ideia de viagem para o amor ou para uma instituição maior, o casamento. Sobre
isso, Benedito Nunes comenta:

Paralelamente, invoquemos o vaqueiro da estória “Sequência”, que saindo à procura


de uma vaca extraviada, descobre, de repente, ao entrar no pátio da fazenda, para
onde se encaminhara a fugitiva, qual era o verdadeiro objeto da sua busca: o amor da
moça que se debruçava no alpendre da casa. O animal – “rês fuja” -, que abandona
os pastos, atravessa um rio, e percorre os atalhos, tem a sua razão oculta. Apenas um
elo mediador, a vaca é o signo de objeto amado. (NUNES, 1969, p.152)

2.3 SENHOR-MOÇO: A TRAVESSIA PARA O AMOR

A travessia da “Pedra” para as terras do “Pãodolhão” estrategicamente passa por um


rio, cuja simbologia agrega na estória a ideia de rito de passagem que marca um antes, o
velho, e o depois, o novo (MOTTA, 2011). De acordo com o dicionário dos símbolos, “A
travessia do rio simboliza um obstáculo que separa dois mundos: o mundo fenomenal e o
mundo dos sentidos”. Nesse sentido, é notável que após passar pelas águas correntes, o rapaz
deixa de perseguir a vaca para passar a segui-la, abandonando a busca material:

Por certo não passaria, sem o que ele mesmo não sabia — a oculta, súbita saudade.
Passo extremo! Pegou a descalçar as botas. E entrou — de peito feito. Àquelas
qüilas águas trans — às braças. Era um rio e seu além. Estava, já, do outro lado”.
(ROSA, 2011, p. 92)

Ao abdicar de sua perseguição, o filho de Seo Rigério nega a si e aos seus, situação
antecedida de maneira simbólica pelo autor dentro da própria narrativa: “entre o primeiro
canto dos melros e o terceiro dos galos [...] Três vezes esperta” (ROSA, 2011, p. 90-91 grifo
nosso). A simbologia do número três agregada a travessia do rio faz alusão a situação do
apóstolo Pedro, que nega Jesus três vezes antes do cantar do galo, ou seja, antes do final do
dia, que é o tempo de viagem do jovem vaqueiro.

Uma criada o viu sentado ali à luz do fogo. Olhou fixamente para ele e disse: “Este
homem estava com ele”. Mas ele negou: “Mulher, não o conheço”. Pouco depois,
um homem o viu e disse: “Você também é um deles”. “Homem, não sou!”,
respondeu Pedro. Cerca de uma hora mais tarde, outro afirmou: “Certamente este
homem estava com ele, pois é galileu”. Pedro respondeu: “Homem, não sei do que
você está falando!” Falava ele ainda, quando o galo cantou [...] Então Pedro se
lembrou da palavra que o Senhor lhe tinha dito: “Antes que o galo cante hoje, você
me negará três vezes” (A BÍBLIA, Lucas 22:54-62)

Além dessa, ao longo do conto há outras situações que assemelham a trajetória de


Senhor-moço com a de Pedro, tornando possível afirmar que há entre eles uma correlação.
Para comprovar essa correlação, vê-se a insegurança do jovem vaqueiro, que embora sentir-se
guiado por um chamado que beirava ao sagrado, “O rapaz, no vão do mundo, assim vocado e
ordenado” (ROSA, 2011, p. 92 grifo nosso), pensa em desistir, duvidoso de sua busca e
revoltado com a dificuldade de rastrear a vaca:

Ele agora se irritava. Pensou de arrepender caminho, suspender aquilo para mais
tarde. O estúpido em que se julgava. Desanimadamente, ele, malandante, podia tirar
atrás. [...] Voltasse sem ela, passava vergonha. Por que tinha assim tentado? (ibid,
2011, p. 92).

Pedro também, embora seguisse Jesus e buscasse seguir seus passos, era inseguro e
não foram raras as vezes em que tropeçou na caminhada ou que questionou sua fé. Certa vez,
logo após a multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus orientou os discípulos a atravessarem
de barco o mar de Tiberíades enquanto ele dispersava a multidão. Ao cair da noite, sucedeu-se
uma forte tempestade, e os discípulos lutaram contra ela para sobreviver, até que foram
surpreendidos pelo mestre andando sobre as águas. O absurdo que aquilo parecia ser fez com
que Pedro duvidasse e para fazê-lo crer, Jesus o “avocou”, ou seja, o chamou, para que ele
comprovasse por si mesmo. Contudo, ao primeiro sinal de insegurança e temor, o discípulo
fraqueja na fé. Vejamos:

[...] De madrugada, Jesus foi até onde eles estavam, andando sobre o mar [...] Então
Pedro disse: - Se é o Senhor mesmo, mande que eu vá até aí, andando sobre as
águas. Jesus disse: - Venha! E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas e foi
até Jesus. Reparando, porém, na força do vento, teve medo; e, começando a afundar,
gritou: - Salve-me, Senhor! E, prontamente, Jesus, estendendo a mão, o segurou e
disse: - Homem de pequena fé, por que você duvidou? (A Bíblia, Mateus 14:24-31)

Voltando ao rio, outra simbologia importante que ainda precisa ser mencionada é o seu
sentido bíblico ligado ao batismo. É nas águas do batismo, segundo a fé cristã, que uma
pessoa se purifica e passa a ter vida nova fluindo dentro de si, a partir daí, ela fica preparada
para um novo ciclo da vida. É isso que acontece com o filho de Seo Rigério, pois ao
atravessar a correnteza de “peito feito” muda os rumos de sua busca e deixa que a vaquinha
providencie seus caminhos e o leve até a figura amada, uma vez que “a vaca, essa, sabia: por
amor desses lugares” (ROSA, 2011, p. 93).
No desenlace do conto, quando o Senhor-moço e a vaquinha chegam ao destino final,
os pastos da fazenda Pãodolhão de Major Quitério, os pontos simbológicos distribuídos na
estória se encontram para deixar explícito que a verdadeira procura do rapaz era o verdadeiro
amor e que todo o percurso foi uma travessia para prepará-lo para quando fosse chegada a
hora. Fica evidente que tudo fora providenciado, a partir do plano do maravilhoso, pela rês.

Chegava, chegavam. Os pastos da vasta fazenda. A vaca surgia-se na treva. Mugiu,


arrancadamente. Remugiu em fim. [...] O rapaz e a vaca se entravam pela porteira-
mestra dos currais [...] tanto ele era o bem-chegado! A uma roda de pessoas. Às
quatro moças da casa. A uma delas, a segunda. Era alta, alva, amável. Ela se
desescondia dele. Inesperavam-se? O moço compreendeu-se. Aquilo mudava o
acontecido. [...] E a vaca — vitória, em seus ondes, por seus passos. (ROSA, 2011,
p. 93)

O nome Pãodolhão também é encoberto de simbologia, pois remete-se a Cristo, que é


o pão da vida. Ou seja, é para ele que os homens devem se voltar se quiserem ser realmente
felizes e é isso acontece com Senhor-moço quando ele abandona tudo o que conhece, negando
a si e aos seus para dar início a uma nova vida ao lado da jovem moça, filha de Major
Quitério, como fica evidente no trecho:
A uma roda de pessoas. Às quatro moças da casa. A uma delas, a segunda. Era alta,
alva, amável. Ela se desescondia dele. Inesperavam-se? O moço compreendeu-se.
Aquilo mudava o acontecido. Da vaca, ele a ela diria: — “É sua.” Suas duas almas
se transformavam? E tudo à sazão do ser. (ROSA, 2011, p. 93)

Guimarães, apesar de se abster de escrever o que acontece após a chegada dos dois
personagens a fazenda, entrega o panorama do que virá a seguir no seguinte trecho: “O mel do
maravilhoso, vindo a tais horas de estórias, o anel dos maravilhados. Amavam-se.” (ROSA,
2011, p. 93). O “o mel dos maravilhados” indica lua de mel e isso leva o leitor a entender que
na sequência uma nova história de amor se inicia.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível concluir que a simbologia empregada no conto Sequência nos remete a um


tema que é próprio da condição humana, que é o da busca pelo amor. Guimarães, a partir do
belíssimo e árduo trabalho com as palavras, consegue imprimir na narrativa interpretações
polissêmicas, ainda que ligadas a simbologia e a metafísica. É notável também, que o autor
empregou de maneira coesa todo o conhecimento que tinha sobre diversas culturas, tanto
oriental quanto ocidental, o que faz com que a leitura de seu conto abandone a falsa ideia de
simplicidade para torna-se uma difícil tarefa que exige do leitor um alto nível de dedicação e
atenção.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia Online. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/busca?


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BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 49ª ed. São Paulo: Cultrix, 2013.
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ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Dispoível em:
https://revistasofosunirio.files.wordpress.com/2012/03/mircea-eliade-mito-e-realidade-a.pdf.
Acesso em: 23-08-2019
FALEIROS, Monica de Oliveira, et al. NARRATIVA, MITO E POESIA: uma leitura do
conto “Sequência” de Guimarães Rosa. R.E.L.: Revista Eletrônica de Letras, v. 4, n. 1,
2011
HELLER, Eva. Psicologia das cores: Como as cores afetam as emoções. 1ª ed. São Paulo:
Gustavo Gili, SL, 2014
LORENZ, Günter W. Diálogo com Guimarães Rosa. In: COUTINHO, Eduardo F.
(org.). Guimarães Rosa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 62-97
MOTTA, S.V. “Seqüência”: A viagem do eterno retorno a uma paisagem mítica. In:
Revista de Letras. São Paulo, 39: 65-82, 1999.
NUNES, Benedito. O dorso do tigre. São Paulo: Perspectiva, 1969.
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ROSA, Guimarães. Primeiras Estórias. 15ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. ISBN
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SOUZA, Tamara Pereira de. Kairós e Tempo Ritual Sagrado em Edmund Leach: Uma
investigação à luz do Mito de Kairós. Disponível em:
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/1962/1/Tamara%20Pereira%20de%20Souza.pdf.
Acesso em: 17-08-2019

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