Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
CAMOCIM – CE
2019
Eliza Kauana de Oliveira Fontenele
Francisco Evair Silva das Chagas
Marina da Silva Lopes
CAMOCIM – CE
2019
ASPECTOS SIMBOLÓGICOS DO CONTO “SEQUÊNCIA”
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo principal analisar os aspectos simbológicos do conto
Sequência, de Guimarães Rosa, que integra o livro Primeiras Estórias (1962). A trama do
conto é aparentemente simples, porém, quando lida com mais atenção ela revela uma carga
mítica e simbológica que agrega a narrativa uma polissemia de interpretações. A análise foi
realizada a partir da leitura de Sequência e dos pressupostos teóricos de Faleiros (2011),
Motta (1999) Nunes (1969), Rónai (2011) e outros. No final, concluímos que a simbologia
empregada no em Sequência nos remete a um tema que é próprio da condição humana, que é
o da busca pelo amor e também que o belíssimo e árduo trabalho com as palavras, consegue
imprimir na narrativa plurissignificações ligadas a metafísica e a linguagem.
Palavras-Chave: Simbologia. Conto. Sequência. Guimarães Rosa
1 INTRODUÇÃO
1
Graduanda em Letras – Português e Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), campus Camocim.
2
Graduando em Letras – Português e Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), campus Camocim.
3
Graduanda em Letras – Português e Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), campus Camocim
rodeada de temas ligados à transcendência, à purificação e a elevação do espírito sobre a
matéria, o que faz de sua leitura um processo de experiência. Isso é particularmente
importante se destacarmos que Guimarães sofria de problemas cardiovasculares que o
impediam de manter o mesmo ritmo de trabalho desde 1956 e, portanto, não podia mais se
lançar a projetos tão arrojados como Grande Sertão: Veredas (MOTTA, 2011). Isso
provavelmente contribuiu para a crise existencial que o fez se debruçar sobre temas
metafísicos. Sobre isso, Rosa expressa em correspondência ao tradutor francês J. J. Vilard:
Muito mais que uma coleção de estórias rústicas, Primeiras Estórias, é ou pretende
ser, um manual de metafísica, e uma série de poemas modernos. Quase cada palavra
nele assume pluralidade de direções e sentidos. Tem de ser tomado de um ângulo
poético, antiracionalista e anti-realista. Só aparentemente e enganosamente é que ele
finge de simples e livrinho
singelo. (FACÓ, 1982, p.27 apud OLIVEIRA E FALEIROS, 2011, p. 86 grifo
nosso)
Como não poderia deixar de ser, o jogo de linguagem se faz presente nas entrelinhas
dos contos, engendrando aspectos simbológicos que os conduz a plurissignificação, isso
ocorre principalmente porque os “espaços desertos são povoados pelos devaneios da
imaginação” (RÓNAI, 2011, p. 27). Levando em consideração todos os fatos supracitados, o
principal objetivo deste trabalho é analisar os aspectos simbológicos de Sequência, décimo
conto do livro Primeiras Estórias. Ressalva-se que focamos em três aspectos: A simbologia
da vaca vermelha, a simbologia do tempo e do espaço e a simbologia da travessia do Senhor-
moço.
uma história sagrada; que fornece os modelos para a conduta humana, conferindo,
por isso mesmo, significação e valor à existência. Em outros termos, o mito narra
como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir,
seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie
vegetal, um comportamento humano, uma instituição.
Além disso, é possível afirmar que Guimarães amplia as percepções entre significante
e significado, pois no conto “os signos são símbolos que se revelam por meio de indícios, ou
seja, esses indícios são de cunho metafórico [...] que configura a transcendência revelada
através da palavra” (FALEIROS E OLIVEIRA, 2011, p. 91).
O sol do sertão, com toda a sua luminosidade, representa a vontade divina. Contudo, a
narrativa fala do homem, sua consciência e a busca da verdade, condições inerentes ao ser
humano. É possível afirmar que há então, a manifestação do kairós (em grego καιρός), que
segundo a teologia cristã denota um momento afortunado, sagrado, pois é ofertado por Deus.
Esse momento fica adormecido na consciência dos homens e para ser despertado exige uma
decisão humana (SOUZA, 2015). No conto, o filho do vaqueiro ao decidir ir atrás do animal
que havia fugido é agraciado pela providência divina e chega no tempo oportuno para
conhecer a filha do Major Quitério. Salienta-se ainda o que
Chronos representava o tempo linear, aquele que nos consome e nos conduz até a
morte [...] Kairos, por outro lado, simboliza o momento de felicidade, de mudança,
de inovação ativa, de oportunidade [...] pode ser visto, também, como um
experiência interior dos seres humanos, de distenção anímica. : (TISCARENÕ,
2009:226 apud SOUZA, 2015, p. 58)
Vinha pelo meio do caminho, como uma criatura cristã. A vaquinha vermelha, a cor
grossa e afundada — o tom intenso de azamar. Ela solevava as ancas, no trote
balançado e manso, seus cascos no chão batiam poeira. (ROSA, 2011, p. 90)
uma função de psicopompo, atestada na tradição védica que fazia com que uma vaca
fosse levada à cabeceira dos moribundos. Antes de expirar, o agonizante agarrava-se
à cauda do animal. [...] Uma vez acesa a fogueira, a assistência cantava pedindo à
vaca que subisse com o defunto ao reino dos bem-aventurados. (CHEVALIER &
GHEERBRANT, p. 927, 2009, apud OLIVEIRA & FALEIROS, 2011, p.92)
Em suma, a escolha de uma vaca vermelha como psicopompo para conduzir o filho de
Seo Rigério até seu destino nos sugere, então, que o conto significa mais do que uma captura
que não deu certo, pois ela conhece os caminhos que o rapaz deve tomar para encontrar o
amor, “Seguia, certa; por amor, não por acaso.” (ROSA, 2011, p. 90). Além disso, o
percurso feito pelo jovem vaqueiro assume caráter ritualístico, cuja travessia em busca da
vaca o prepara para o momento idílico.
Era um rio e seu além. Estava, já, do outro lado. — “A vaca?” — e apertava o
encalço — à boa espora, à rédea larga. [...] Iam-se, na ceguez da noite — à casa da
mãe do breu: a vaca, o homem, a vaca — transeuntes, galopando. — “Onde então o
Pãodolhão? Cujo dono? Vinhase a qual destinatário?” [...] Onde e aonde? A vaca,
essa, sabia: por amor desses lugares. Chegava, chegavam. Os pastos da vasta
fazenda. Tanto ele era o bem-chegado! (ROSA, 2011, p. 90-92, grifo nosso)
A cor vermelha do animal é outro símbolo que merece destaque, pois é a cor das
paixões, as boas e as más. Também está ligada diretamente a eros, deus grego do amor, “A
vaquinha vermelha, a cor grossa e afundada” (ROSA, 2011, p. 90). Ademais, “Foi a primeira
cor que o homem batizou, a mais antiga denominação cromática do mundo” (HELLER, 2013,
p.101). Agregando as simbologias da vaca e da cor vermelha no conto em pauta, o leitor terá
justamente a ideia de viagem para o amor ou para uma instituição maior, o casamento. Sobre
isso, Benedito Nunes comenta:
Por certo não passaria, sem o que ele mesmo não sabia — a oculta, súbita saudade.
Passo extremo! Pegou a descalçar as botas. E entrou — de peito feito. Àquelas
qüilas águas trans — às braças. Era um rio e seu além. Estava, já, do outro lado”.
(ROSA, 2011, p. 92)
Ao abdicar de sua perseguição, o filho de Seo Rigério nega a si e aos seus, situação
antecedida de maneira simbólica pelo autor dentro da própria narrativa: “entre o primeiro
canto dos melros e o terceiro dos galos [...] Três vezes esperta” (ROSA, 2011, p. 90-91 grifo
nosso). A simbologia do número três agregada a travessia do rio faz alusão a situação do
apóstolo Pedro, que nega Jesus três vezes antes do cantar do galo, ou seja, antes do final do
dia, que é o tempo de viagem do jovem vaqueiro.
Uma criada o viu sentado ali à luz do fogo. Olhou fixamente para ele e disse: “Este
homem estava com ele”. Mas ele negou: “Mulher, não o conheço”. Pouco depois,
um homem o viu e disse: “Você também é um deles”. “Homem, não sou!”,
respondeu Pedro. Cerca de uma hora mais tarde, outro afirmou: “Certamente este
homem estava com ele, pois é galileu”. Pedro respondeu: “Homem, não sei do que
você está falando!” Falava ele ainda, quando o galo cantou [...] Então Pedro se
lembrou da palavra que o Senhor lhe tinha dito: “Antes que o galo cante hoje, você
me negará três vezes” (A BÍBLIA, Lucas 22:54-62)
Ele agora se irritava. Pensou de arrepender caminho, suspender aquilo para mais
tarde. O estúpido em que se julgava. Desanimadamente, ele, malandante, podia tirar
atrás. [...] Voltasse sem ela, passava vergonha. Por que tinha assim tentado? (ibid,
2011, p. 92).
Pedro também, embora seguisse Jesus e buscasse seguir seus passos, era inseguro e
não foram raras as vezes em que tropeçou na caminhada ou que questionou sua fé. Certa vez,
logo após a multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus orientou os discípulos a atravessarem
de barco o mar de Tiberíades enquanto ele dispersava a multidão. Ao cair da noite, sucedeu-se
uma forte tempestade, e os discípulos lutaram contra ela para sobreviver, até que foram
surpreendidos pelo mestre andando sobre as águas. O absurdo que aquilo parecia ser fez com
que Pedro duvidasse e para fazê-lo crer, Jesus o “avocou”, ou seja, o chamou, para que ele
comprovasse por si mesmo. Contudo, ao primeiro sinal de insegurança e temor, o discípulo
fraqueja na fé. Vejamos:
[...] De madrugada, Jesus foi até onde eles estavam, andando sobre o mar [...] Então
Pedro disse: - Se é o Senhor mesmo, mande que eu vá até aí, andando sobre as
águas. Jesus disse: - Venha! E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas e foi
até Jesus. Reparando, porém, na força do vento, teve medo; e, começando a afundar,
gritou: - Salve-me, Senhor! E, prontamente, Jesus, estendendo a mão, o segurou e
disse: - Homem de pequena fé, por que você duvidou? (A Bíblia, Mateus 14:24-31)
Voltando ao rio, outra simbologia importante que ainda precisa ser mencionada é o seu
sentido bíblico ligado ao batismo. É nas águas do batismo, segundo a fé cristã, que uma
pessoa se purifica e passa a ter vida nova fluindo dentro de si, a partir daí, ela fica preparada
para um novo ciclo da vida. É isso que acontece com o filho de Seo Rigério, pois ao
atravessar a correnteza de “peito feito” muda os rumos de sua busca e deixa que a vaquinha
providencie seus caminhos e o leve até a figura amada, uma vez que “a vaca, essa, sabia: por
amor desses lugares” (ROSA, 2011, p. 93).
No desenlace do conto, quando o Senhor-moço e a vaquinha chegam ao destino final,
os pastos da fazenda Pãodolhão de Major Quitério, os pontos simbológicos distribuídos na
estória se encontram para deixar explícito que a verdadeira procura do rapaz era o verdadeiro
amor e que todo o percurso foi uma travessia para prepará-lo para quando fosse chegada a
hora. Fica evidente que tudo fora providenciado, a partir do plano do maravilhoso, pela rês.
Guimarães, apesar de se abster de escrever o que acontece após a chegada dos dois
personagens a fazenda, entrega o panorama do que virá a seguir no seguinte trecho: “O mel do
maravilhoso, vindo a tais horas de estórias, o anel dos maravilhados. Amavam-se.” (ROSA,
2011, p. 93). O “o mel dos maravilhados” indica lua de mel e isso leva o leitor a entender que
na sequência uma nova história de amor se inicia.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS