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Deleuze e
Cosmopolíticas e
Ecologias Radicais e
Nova Terra e…
Coleção Conexões
ISBN da Coleção: 978-85-61593-77-3
Editoração | Nelson Silva
Capa | Sebastian Wiedemann
Imagem capa | Gustavo Torrezan
Copyright © 2019
Organizadores:
Susana Oliveira Dias; Sebastian Wiedemann;
Antonio Carlos Rodrigues
Núcleo Editorial:
FE/UNICAMP – Av. Bertrand Russell, 801 –
Cidade Universitária – 13083-970 – Campinas – SP –
Tel: (19) 3521-5571 – E-mail: bibrose@unicamp.br
Tiragem: E-BOOK
Conselho Editorial
Alik Wunder (FE-Unicamp), Ana Godinho (IFil Nova - FCSH - UNL, Portugal),
Claudia Pffeifer (Labeurb-Nudecri-Unicamp), David Martin-Jones (University
of Glasgow, Scotland), Pasi Väliaho (Goldsmiths College, University of
London, UK), Renzo Taddei (Unifesp) e Sílvio Gallo (FE-Unicamp).
2019
Sumário
Apresentação ................................................................................................................. 1
Antonio Carlos Amorim
Introdução ..................................................................................................................... 3
Sebastian Wiedemann
Em direção a uma política da imediação ..................................................................... 9
Erin Manning
Imediação ilimitada .................................................................................................... 25
Brian Massumi
Texturas de superfície: o solo e a página.................................................................... 65
Tim Ingold
Mundos sob os fins que vêm....................................................................................... 85
Déborah Danowski
Que humanos são esses? Que exclusividade é essa de querer
imprimir no planeta a sua própria imagem? ............................................................. 97
Ailton Krenak
yvy axy gui roupyty yvy mara’e’y .............................................................................. 103
(Da terra imperfeita à terra sem mal)
Almires Martins Machado
Gaia como questão. Entre a terra e a dívida ............................................................. 123
Adrián Cangi
Cosmopolítica e entropia.......................................................................................... 137
Marco Antonio Valentim
Troca e participação na era do fim: revisão de conceitos à força dos
constrangimentos ecológicos-ambientais ............................................................... 151
Stelio Marras
Repensar abstrações.................................................................................................. 181
Luiz B. L. Orlandi
VII
Conexões: Deleuze e Cosmopolíticas e Ecologias Radicais e Nova Terra e…
VIII
Cosmopolítica e entropia
Marco Antonio Valentim1
1.
1
Doutor em Filosofia. Professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná.
E-mail: mavalentim@gmail.com.
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Há então uma flecha do tempo, mas essa flecha não aponta para o positivo,
e sim para o negativo: diminuição da diversidade per capita (menos lingua-
gens, menos religiões, menos sistemas de parentesco, menos estilos estéticos,
menos espécies naturais, menos animais e plantas), como acontece quando
uma floresta tropical arde para alimentar caldeiras ou bois – transformando
xamãs e guerreiros em mão-de-obra barata, amores-perfeitos em eucaliptos,
informação em energia (Almeida, 1999, p. 178-179).
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2.
2
“Ao reagir, a vida parece haver conseguido esfriar a superfície planetária de maneira a contrabalançar,
ou mais que isso, o superaquecimento provocado pelo Sol. Sobretudo, ao retirar da atmosfera os
gases de estufa, que aprisionam o calor, mas também ao modificar sua cor e forma superficiais, a vida
reagiu, prolongando sua própria sobrevivência” (Margulis; Sagan, 2002, p. 35). Para uma interpretação
crítica da teoria de Lovelock; Margulis (1974) em que Gaia é compreendida em sentido anti-holístico e
eminentemente político, como um complexo de agências locais e microconexões, tanto biogeofísicas
quanto socioculturais, sem unidade ontológica nem caráter orgânico, cf. Latour, 2015.
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3.
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inimigo dos humanos (“Povo do Frio”); (ii) como estrutura de uma sociedade
humana que recusa o poder coercitivo (“sociedade fria”); (iii) e, na extre-
midade oposta, como método de uma filosofia que procura impor ordem
ao cosmos (“filosofia fria”) – o mesmo se passa, só que inversamente, com
o quente. Juntas, essas dimensões compõem a temperatura de um mundo,
que varia segundo o grau de politização da “natureza” por ele suportado. É o
que evidencia o papel fundamental da categoria de sobrenatureza na “filoso-
fia quente” das sociedades frias:
3
No sentido da mesma conjectura, cf. Zamyatin, 1970, sobre a revolução como “heresia cósmica” contra
a “entropia do pensamento humano”; Foucault, 1994, sobre a “neguentropia do saber” promovida
pelos “jogos ardentes da ficção”; Le Guin, 1989, para um ensaio sobre a termodinâmica das utopias; e
Massumi, 1992, p. 116-117, para uma interpretação do fascismo como ordem “freneticamente” entrópica.
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O fogo culinário é o mediador entre o alto e o baixo, entre o sol e a terra. Con-
sequentemente, o desaninhador de pássaros, perdido a meio caminho entre
o alto e o baixo, e, enquanto cunhado ou filho, mediador entre um homem e
uma mulher, entre a aliança e o parentesco, pode ser aquele que introduz (ou
o que retira, em todo caso, o dono) o fogo culinário, que, no plano da cultura,
instaura uma ordem côngrua a outras ordens, sociológica, cósmica, ou ordens
situadas em níveis intermediários (Lévi-Strauss, 2004, p. 356).
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4.
Na floresta, a ecologia somos nós os humanos. Mas são também, tanto quanto
nós, os xapiri, os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento
e sol! […] sem eles, sem ecologia, a terra esquenta e permite que epidemias e
seres maléficos se aproximem de nós! (Kopenawa; Albert, 2015, p. 480).
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Cf. Pierri, 2013, para a interpretação de narrativas guarani-mbya contemporâneas como operadoras
de uma transformação estrutural da escatologia apapocúva descrita por Nimuendaju, transformação
marcada especialmente pela inclusão da agência destrutiva dos brancos na condição de motivo
antrópico principal para o desígnio catastrófico de Nhanderu (a “limpeza da terra”).
5
Um exemplo eloquente da referida assimetria é o equívoco ontológico que se impõe a propósito da
natureza do elemento intrusivo que desencadeia a catástrofe entre mundos: enquanto Stengers fala da
intrusão monstruosa de Gaia na cidade moderna, Kopenawa acusa a intrusão predatória do “povo da
mercadoria” na terra-floresta.
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Todos serão arrastados pela mesma catástrofe, a não ser que se compreenda
que o respeito pelo outro é a condição de sobrevivência de cada um. Lutan-
do desesperadamente para preservar suas crenças e ritos, o xamã yanomami
pensa trabalhar para o bem de todos, inclusive seus mais cruéis inimigos.
Formulada nos termos de uma metafísica que não é a nossa, essa concepção
da solidariedade e da diversidade humanas, e de sua implicação mútua, im-
pressiona pela grandeza. É emblemático que caiba a um dos últimos porta-
-vozes de uma sociedade em vias de extinção, como tantas outras, por nossa
causa, enunciar os princípios de uma sabedoria da qual também depende – e
somos ainda muito poucos a compreendê-lo – nossa própria sobrevivência
(Lévi-Strauss, 1993b, p. 7; Kopenawa; Albert, 2015, p. 5).
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