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Análise Psicológica (1998), 3 (XVI): 365-371

Sobre a maternidade

MARIA DE JESUS CORREIA (*)

«... a Maternidade é, ainda hoje, um tema sagrado... e a mãe continua, no


nosso inconsciente colectivo, a ser identificada com Maria, símbolo do
indefectível amor-dedicação.»1

INTRODUÇÃO actividade multidimensional» (S. Kitzinger,


1978).
A Maternidade é alvo de investigações, en- Reflectir sobre os aspectos psicológicos da
saios e dissertações realizadas pelas diferentes maternidade, no nosso tempo, só adquire um
áreas que se interessam pelo estudo do Homem; sentido completo se o fizermos de uma forma
Antropologia, História, Sociologia, Psicanálise e enquadrada aos níveis: histórico, antropológico e
Psicologia são alguns exemplos. social.
Nenhuma delas fornece um quadro completo
de respostas. A Maternidade surge-nos como um
fenómeno demasiado complexo para que qual- 1. ABORDAGENS/EVOLUÇÕES
quer uma das referidas áreas de per se possa
fornecer elementos explicativos para toda a sua Ter um filho é considerado em cada civiliza-
dinâmica. É necessário recorrer aos contributos ção de um modo diferente; ser mãe pode ser vis-
que cada uma nos pode dar para se atingir um to como uma experiência perigosa, dolorosa,
mais completo entendimento do fenómeno. interessante, satisfatória ou importante, numa de-
«Basta-nos olhar para as diferentes manifes- terminada mulher, numa determinada civiliza-
tações do papel de mãe noutras civilizações para ção. A forma de a vivenciar associa-se quer às
compreender que a Maternidade também é uma suas características individuais quer à atmosfera
cultural que a circunda.
«A maternidade, tem como pano de fundo a
dinâmica da sociedade num certo momento his-
(*) Psicóloga Clínica na Maternidade Dr. Alfredo da
Costa, Lisboa.
toricamente determinado. Inscreve-se, deste mo-
1
Elisabeth Badinter (1980), O Amor Incerto. Lis- do, em padrões de cultura nos quais concepções
boa: Relógio d´Água. como “infância”, “qualidade de vida”, “direitos e

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deveres dos cidadãos” têm uma importância pri- dádiva de Deus e depreciou-se a infertilidade ti-
mordial» (Isabel Leal, 1990). da como um castigo.
«O estilo de maternidade, é uma expressão da A atitude perante a concepção e perante a gra-
cultura e engloba um sistema de valores relacio- videz varia no mundo. Numas sociedades, a
nados com o que é a mulher e, também com o gravidez é festejada como a prova de fertilidade,
que é o filho; as atitudes para com ela variam de noutras nem tanto mas, em todas é importante
acordo com as classes sociais» (S. Kitzinger, que a criança seja aceite por um homem enquan-
1978). to filho; por vezes, pouco importa se é ou não o
Para E. Badinter (1980) e contrariamente às pai biológico.
ideias dominantes, o amor maternal não se en- Em muitas sociedades, é quando a mulher está
contra inscrito na profundidade da natureza grávida que se estabelece a relação do casal en-
feminina. Refere que quando observamos a evo- quanto casamento. Por exemplo, entre os pig-
lução das atitudes maternas verificamos que o meus Mbuti do Congo quando uma rapariga
interesse e a dedicação à criança ora se manifes- fica grávida a união é reconhecida como unidade
tam ora não. Neste sentido, será em função das de estrutura social sendo a separação quase im-
exigências e dos valores dominantes de uma possível (Kitzinger, 1978).
sociedade determinada que são determinados os Em algumas civilizações africanas as grávidas
papéis respectivos do pai, da mãe, da criança. solteiras são tratadas com severidade.
Ainda para a mesma autora (1992) o amor Em muitas sociedades a gravidez é um estado
maternal é algo infinitamente complexo e imper- ritual, a futura mãe tem uma relação ritual espe-
feito; longe de ser instinto é condicionado por cial com toda a sociedade.
Existem cerimónias de gravidez, para procla-
múltiplos factores, independentes da «boa na-
mação, com a função de integração na sociedade
tureza» ou «boa vontade» da mãe; seria preciso
mas, mais ainda, com a função de ligação do
um milagre para que este amor fosse como se
presente ao passado, do humano ao divino.
tem escrito. Segundo ela, depende não só da his-
Outras civilizações consideram a grávida nu-
tória pessoal de cada mulher, da oportunidade da
ma condição ritual especial que liga as mulheres
gravidez, do seu desejo da criança, da relação
e os bebés que vão nascer à terra e aos deuses.
com o pai mas também de factores sociais, cultu-
Assim, as mulheres continuam as suas ocupa-
rais e profissionais. ções habituais desde que tenham o cuidado de
Falar de Maternidade leva-nos de imediato a atender aos tabus que a protegem e ao bebé (Kit-
pensar num outro conceito – o de Gravidez. Fre- zinger, 1978).
quentemente são tidos como sinónimos mas Na Grécia Antiga, a casa da mulher grávida
«traduzem duas realidades bem diferenciadas era considerada um lugar de asilo inviolável, um
entre si, tecidas que são em imaginários diferen- santuário sagrado onde até os criminosos encon-
tes» (I. Leal, 1990). travam abrigo.
Gravidez será o período de cerca de quarenta Entre os Romanos, à porta das suas moradas,
semanas entre o momento da concepção e o as grávidas suspendiam grinaldas ou folhas de
parto; é uma fase temporalizada e que se caracte- louro para evitar visitas incómodas, ficando as
riza por modificações no corpo, acompanhadas suas casas interditas aos próprios oficiais de
das consequentes vivências psicológicas. justiça e credores.
Maternidade não corresponde a um aconteci- Entre os Índios Guayaku do Paraguai a grávi-
mento biológico mas a uma vivência inscrita nu- da possui numerosas virtudes mágicas pois en-
ma dinâmica sócio-histórica. Envolve prestação contra-se estreitamente ligada ao seu filho (ainda
de cuidados, envolvimento afectivo... em medi- por nascer) e este está em comunicação com o
das variáveis. mundo dos espíritos; é-lhe atribuído o conheci-
Mas, a vivência de ambas depende não só das mento de numerosos segredos, de prever o futuro
características individuais de cada mulher mas e de predizer a morte de parentes (Barbaut,
também do seu enquadramento socio-histórico. 1990).
Durante milhares de anos, por todo o mundo, Na nossa sociedade, não existem rituais deste
valorizou-se a fertilidade, tomada como uma tipo mas, a grávida torna-se «doente» e necessi-

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tada de cuidados médicos como alguém com samos das sociedades primitivas. Nestas, antes
problemas de saúde. Isto acarreta uma diminui- pelo contrário, ele é rodeado por rituais, mitos,
ção de confiança em si próprias quanto à sua ca- preceitos, proibições e tabus.
pacidade de prosseguir uma gravidez e dar à luz Kitzinger considera o parto humano um acto
sem intervenção médica. social e cultural onde um contexto de costumes
Os Arapesh da Nova Guiné confiam na sua tem lugar num conjunto de processos fisiológi-
saúde e bem estar do bebé; para eles, ter um fi- cos espontâneos.
lho, é uma expressão aplicada ao homem e à mu- Assim, é frequente a vontade de apressar o
lher. O pai está muito envolvido, e intervém di- trabalho de parto havendo em torno destes mo-
rectamente nos preparativos (S. Kitzinger, 1978). mentos práticas «mágicas» consideradas como
Na nossa civilização, o papel do homem é se- facilitadoras. Por exemplo, «deve a grávida be-
cundário; mesmo quando assiste ao parto, fá-lo ber dente de cão pulverizado e misturado com
frequentemente como observador. vinho. As dores serão acalmadas e o feto será
Estudos e observações citados por Kitzinger expelido com mais facilidade» (excerto de «A
mostram que em diferentes civilizações é co- gravidez» in Lima, FCP, Arquivo de Medicina
mum a aproximação emocional da grávida à Popular II de Alexandre Carneiro citado por
sua mãe, identificando-se com ela, como se a Teresa Joaquim, 1983).
gravidez unisse gerações; a grávida, revive atra- Desde a condenação de Eva feita por Deus e
vés do seu corpo uma experiência universal e citada por Génesis, III, 16, que se considera que
partilhada pela maioria das mulheres. A mãe, a mulher sofre como castigo os padecimentos da
mulher mais velha, revive através da recordação gravidez e as inevitáveis dores do parto.
as emoções da gravidez e do parto. Já as representações da mulher datadas da
Hélene Deutsch (1949) refere que «em rela-
Antiguidade representam um corpo que, em par-
ção aos filhos, todas as mulheres repetem a
to, sofre: sofre com dor, sofre com medo.
história da sua própria relação com a sua mãe».
Todas as representações do parto se cons-
Falar de gravidez implica não esquecer um
troem em torno da dor: «parir é dor, criar é
outro momento a ela associado – o parto.
amor», ou «nascido sem dor, criado sem amor»
Não podemos considerar o parto como um
ou ainda «a dor ensina a parir» são ditos popu-
simples acto biológico; também ele tem múlti-
lares bem exemplificativos (citados por Teresa
plas influências do funcionamento psicológico e
do ambiente sócio-cultural. Joaquim, 1983).
Em algumas sociedades, é o nascimento do A estreita ligação entre vida e morte no cru-
bebé e não a relação sexual que consuma o casa- cial momento do parto são um tema universal.
mento (Kitzinger, 1978). Em Esparta, a mulher que morria durante o
O parto, funciona assim como um aconte- parto era identificada com o homem que morria
cimento que afecta não só a relação homem/mu- em combate por defesa da pátria e tinha direito
lher mas também a relação com os membros do às mesmas honras (Barbaut, 1990).
clã em que se inserem. Define também a nova Até ao séc. XVII o parto era considerado
identidade da mulher que passa agora a mãe. «assunto de mulheres»; a parteira e a mãe ajuda-
Uma parte do que acontece no parto é fisio- vam a criar um clima de confiança emocional
lógico mas a influência da cultura torna, por ve- que funcionava como mais tranquilizador para a
zes, confusa a distinção de quais os elementos fi- parturiente.
siológicos que o compõem. Usavam-se frequentemente talismãs, orações
Estas influências, sejam elas nas sociedades e receitas mágicas como auxiliares para a dor.
primitivas pelos feiticeiros ou nas modernas A profissão de parteira é já referida no Antigo
pelos médicos, tornam-se frequentemente num Testamento sendo portanto um dos mais velhos
controlo que não permite à mulher dar a resposta ofícios do mundo onde apenas lhe é exigida uma
vinda do seu próprio corpo. conduta irrepreensível no plano dos costumes
Revelações de antropólogos citados por Kit- (Barbaut, 1990).
zinger mostram que o parto raramente é a casual Os homens eram, em geral, excluídos do par-
expulsão de um bebé como frequentemente pen- to. Só no séc. XVII surge o médico na assistên-

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cia ao parto e começa a considerar-se a cesariana ou pela morte da criança. O recurso ao abandono
separada da morte da parturiente. funcionava como um modo de fazer morrer uma
Paradoxal é que é aos homens que é conferido criança indesejável; segundo pensavam, era um
inicialmente o poder de ser médico obstetra pas- modo de deixar aos deuses a responsabilidade
sando assim o homem a não ter uma presença te- última da vida ou da morte (C. Bonnet, 1990).
mível, presença que anteriormente levava a con- É apenas no séc. XVIII (no último terço) que
siderar-se a mulher como desonesta, indecente e se dá uma revolução de mentalidades que conduz
desprezível. a uma alteração na imagem de mãe, no seu
Conta-se, que foi Luís XIV que em 1663 papel e na sua importância.
chamou um cirurgião para ajudar ao parto da sua Só após 1760 surgem publicações que reco-
amante principal iniciando assim a presença dos mendam às mães que cuidem pessoalmente dos
homens num parto. filhos e os amamentem elas próprias.
Também a forma como é vivenciada a Mater- O séc. XIX é, consequentemente, um impor-
nidade vem variando em função das exigências e tante marco na origem de uma «nova mulher»:
dos valores que dominam numa determinada educadora, mãe, criadora da sociedade futura.
sociedade num determinado momento. Verifica- Passou a esperar-se uma quase omnipotência
mos que a instauração do patriarcado fez com por parte da mulher.
que a mulher, até então detentora do poder, o Cria-se assim à mulher a obrigação de, antes
perdesse em detrimento do homem, que passa a de tudo o mais, ser mãe.
estabelecer as regras do parentesco da coesão Segundo Badinter (1980) este é o início do
social e do poder no grupo. (Anteriormente, a mito que, ainda hoje, quase duzentos anos mais
mulher, através da maternidade, era quem definia tarde, continua vivo – o do amor maternal en-
o grupo.) quanto amor espontâneo.
Durante séculos foi assim: valorizou-se o Temos portanto o surgimento de um novo
masculino sendo o feminino visto como algo que conceito – Amor Materno.
lhe está subordinado não se atribuindo valor es- Deste modo, é o séc. XVIII o início da cons-
pecial à função materna. trução da nova imagem de mãe, cujas linhas se
Antecedendo o meio do séc. XVIII predomina vão tornando mais marcadas nos séculos se-
a «ausência de amor» enquanto valor familiar e guintes. Começa a considerar-se a criança o ob-
social; isto não significa que o amor não existis- jecto de valor privilegiado na atenção materna;
se, o que era verdade era que não lhe era dado o insiste-se em que a mulher se sacrifique para a
estatuto e a importância da actualidade (Badin- melhor qualidade de vida do seu filho.
ter, 1990). Obviamente que isto se liga ao modo A amamentação é um dos primeiros indicado-
como se vive a família e, consequentemente ao res de mudança no comportamento da mãe.
modo como estão ligados pais e filhos. Obviamente que isto se liga às grandes mu-
Mesmo quando a fertilidade era valorizada o danças nas vivências familiares que surgem no
infanticídio era praticado em situações de misé- final do séc. XVIII e durante o séc. XIX com a
ria. Os bebés eram «acidentalmente» sufocados valorização dos laços afectivos em especial em
ou deixados cair de cabeça (Kitzinger, 1978). torno da figura da mãe. Há um clima centrado no
Na Idade Média, o infanticídio era mesmo interior, no dentro, no afecto «in» da família.
preferido ao aborto sendo o mais usado para Começou a dar-se um sentido diferente à ma-
limitar o número de filhos. Era considerado ternidade, alargada e estendida à vivência da fa-
como tendo os méritos de preservar a vida da mília muito para além dos nove meses de gravi-
mulher, posta em perigo com o aborto, e de sal- dez.
var para uma vida celeste a criança (C. Bonnet, A Psicanálise, irá promover a mãe, a grande
1990). responsável pela felicidade do seu filho que
É na Renascença que se dá a legalização da passará a ser uma grande marca na definição do
proibição do infanticídio. seu papel.
Também o abandono foi uma prática banal A nova imagem da mulher «normal» será a da
durante a Antiguidade. Em certas sociedades o dedicação e do sacrifício, características estas
pai de família tinha o direito de escolha pela vida que alguns psicanalistas descreviam como per-

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tencendo à «natureza» da mulher (Badinter, ponsável mesmo pelo equilíbrio psíquico do fi-
1980). lho.
Isto trouxe uma contrapartida complicada pa- H. Deutsch (1949) vem definir «boa mãe» co-
ra as mulheres «que não atingiam» a nobreza mo a mulher feminina que permite a interacção
destas novas tarefas associadas à maternidade e harmoniosa das tendências narcísicas com as
que, perante uma dificuldade infantil eram ime- aptidões masoquistas para, assim, suportar o so-
diatamente culpabilizadas. frimento. O desejo narcisíco de ser amada meta-
De um modo geral podemos considerar que morfoseia-se na mulher maternal por uma trans-
esta mudança de mentalidade teve repercussões ferência do Eu para a criança que não é mais do
em duas grandes linhas: por um lado, permitiu a que uma substituta do Eu.
muitas mulheres viver a maternidade alegre e Este aumento da responsabilidade da mulher
orgulhosamente, realizando-se numa actividade pelos finais do séc. XIX levou ao decréscimo da
sentida como útil e gratificante. No entanto, por importância da imagem do pai (autoritária).
outro lado, desencadeou noutras mulheres um Atendendo aos textos de Winnicott observa-
certo mal estar pois, por uma espécie de pressão mos o pouco relevo que dá ao pai, na vida da
ideológica sentiram-se obrigadas a ser mães sem criança; Winnicott valoriza apenas a importância
que esse fosse um real desejo. Consequentemen- da sua presença viva durante os primeiros anos
te, a sua vivência da maternidade caracteriza-se de vida do bebé.
por uma certa culpabilidade e frustração não en- Autores psicanalistas mais recentes (por
contrando neste papel satisfação pessoal. (Na exemplo Lacan ou F. Dolto) dão novo ênfase ao
perspectiva de Badinter isto poderá estar associa- pai fazendo, no entanto, uma dissociação entre o
do à origem de muitas neuroses nas crianças e pai simbólico e o pai físico. Lacan desenvolve o
em suas mães)
conceito «nome do pai», significante que vem a
Pelo séc. XIX era impossível conceptualizar
representar no inconsciente da criança o pai
mães boas e más; não existia um grau intermé-
simbólico – suporte da lei.
dio; as mulheres ou eram consideradas boas ou
A grande responsabilidade posta na mulher
incapazes e indignas.
relativamente ao desenvolvimento da criança
Badinter considera que a personagem Rennée
era acompanhada de uma dinâmica familiar em
de L’Estorade, de Balzac, («Memórias de duas
que a mulher era subordinada ao marido.
recém-casadas») como um dos melhores exem-
plos de uma «boa mãe» e dos seus sentimentos: Com a I Guerra Mundial a mulher viu-se de-
«Rennée de L’Estorade poderia ser o modelo de safiada a ocupar o lugar do homem que ia para a
todas as mulheres do seu século e mesmo do guerra. Constatou a sua capacidade de ir mais
nosso» – diz Badinter. Esta personagem, perten- além do que ter filhos e educá-los.
ce ao tipo de mulheres que tudo investiram na Quando regressaram da guerra os homens de-
maternidade, numa vida sem paixão, ambição ou pararam com as conquistas das mulheres que,
sexualidade. A maternidade é por ela vivida agora, dificilmente voltariam para casa depois de
com a complexidade «normal», complexidade se reconhecerem com outras capacidades.
que acarreta sentimentos contraditórios mas com A mulher assegura assim a sua independência
os quais ela própria sabe lidar, convertendo o através da actividade profissional o que vem al-
sofrimento em felicidade de um modo exemplar. terar o tipo de relação que vinha mantendo com
Diz Rennée «uma mulher sem filhos é uma o homem.
monstruosidade: nós somos feitas somente para É nos anos 60 que nasce um movimento femi-
ser mães». nista que se estende pelo mundo ocidental.
Considera-se, portanto, que Rennée é a norma Surge um novo discurso feminino – destrói-se
que toda a mulher deve imitar pois só assim assim o mito da passividade da mulher, das suas
respeitará a sua verdadeira natureza. características masoquistas; morre a teoria da
Nas palavras de Badinter esta seria a mãe mãe espontaneamente dedicada e sacrificada.
ideal para Freud, Winnicott e H. Deutsch. Deste As mulheres começam a recusar a maternida-
modo, o discurso psicanalítico vai contribuir de como a única razão para a sua felicidade e
para tornar a mãe a figura central da família, res- realização; começam a «exigir» aos homens a

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partilha dos encargos da maternidade e da educa- distantes do tempo em que realizar o Feminino
ção. passava pela realização do Materno.
A maternidade deixa de ser a primeira e única Ao ideal de Maternidade anteriormente aspi-
preocupação da mulher; a par dela vêm outros rado por qualquer mulher (sentido mesmo como
ideais. a confirmação da sua feminilidade) acresce-se
Isto, é concomitante com a mudança também um vasto número de outros ideais igualmente
no homem, com uma certa revolução na mentali- importantes.
dade masculina; o homem, começa a participar Langer (1986) analisa esta questão de um
na gravidez da mulher, compartilha o nascimento outro modo: «A natureza humana tem uma gran-
e as tarefas exigidas pelo bebé pois agora par- de maleabilidade que vai respondendo adequa-
tilha a sua vida com uma mulher que não quer damente às diferentes culturas e às diferentes
ser mãe a tempo inteiro. épocas mas, a maleabilidade tem limites...».
Tudo isto, pode parecer brusco e inesperado Neste sentido, considera que, à mulher actual,
mas vem sendo resultado de longos processos se exige um esforço de adaptação a uma socie-
em que intervém uma interacção de vários dade que, descreve como anti-maternal.
factores. A exigência de uma integração interna har-
Actualmente, a decisão de ter filhos é algo moniosa entre satisfação profissional, satisfação
pensado e repensado; com a proliferação dos amorosa e satisfação maternal nem sempre é fá-
anticoncepcionais a/o mulher/casal, tem filhos se cil de conseguir.
o quer e quando quer; a maternidade acontece Considera, portanto, que a mulher dos nossos
tempos vive, de um certo modo, em conflito con-
predominantemente num contexto de projecto
sigo própria.
em conjunto com outros projectos (profissionais,
A expressão desse conflito pode surgir, na sua
económicos ...).
opinião, dos seguintes modos: dificuldade no re-
Neste sentido, vai o aumento do número de
lacionamento com os filhos, complicações várias
mulheres que tem o primeiro filho para além dos
na vida fértil ou, tratando-se de um conflito de-
35 anos (habitualmente designado primiparidade
masiado grave, na total rejeição da maternidade.
tardia) o que, na actualidade, é função do nível
Para F. Dolto (1981) o sentimento materno,
de diferenciação socio-económica em todo o por mais atento e amoroso que seja só é vivifi-
mundo. cante para a criança quando coexiste na sua
«A mulher a que Simone de Beauvoir chama mãe com sentimentos conjugais e com interesses
independente, estuda, tira um curso, ingressa nu- culturais e sociais; na sua opinião isto só é pos-
ma carreira profissional; atendendo às dificul- sível numa mulher tornada adulta no plano narcí-
dades de conciliação irá adiar cada vez mais o sico.
ser mãe» (M. J. Correia, & I. Leal, 1989). Para Langer (1986), o insucesso da gravidez
(conducente à não concretização da maternidade)
poderá ser um exemplo da dificuldade de inte-
2. MATERNIDADE ACTUAL: ALGUMAS gração de múltiplos ideais da mulher.
CONTINGÊNCIAS PSICOLÓGICAS Considera que «a defesa psicossomática mais
radical contra as angústias provocadas pelo de-
O conceito de maternidade actualmente é en- senvolvimento de uma gravidez consiste no
carado de uma nova forma apesar de ainda se aborto – expulsão prematura de um embrião
assistir «à lógica ancestral de que o feminino se não integrado psicologicamente».
cumpre no materno; como se o materno não É frequente que estudos obstétricos com mu-
fosse uma possibilidade do feminino mas o femi- lheres em situação de morte fetal ou de aborto,
nino ele mesmo» (I. Leal, 1995). não encontrem causas orgânicas explicativas.
Como já referi anteriormente, exercer a mater- Cabem aqui as causas psicológicas.
nidade vem sendo cada vez mais uma opção en- Estes insucessos de gravidez revelam-nos
tre outras na vida da mulher o que nos enca- então uma impossibilidade no vivenciar da
minha para uma maior distância da relação di- gravidez e/ou da maternidade; uma incapacidade
recta entre Maternidade e Feminino. Estamos já no conseguir representar-se como grávida e/ou

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como mãe. Estar grávida, no caminho de ser REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
mãe, coloca estas mulheres numa situação de
conflito que não conseguem elaborar utilizando Badinter, E. (1980). O amor incerto. Lisboa: Relógio
d’Água.
como forma de expressão a via psicossomática.
Badinter, E. (1992). XY Identidade masculina. Porto:
Ed. Asa.
Barbaut, J. (1990). O nascimento através dos tempos e
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS dos povos. Lisboa: Terramar.
Barreno, I. (1992). Maternidade, mitos e realidade.
O modo como a mulher vive a gravidez e a Cadernos da Comissão da Condição Feminina, 36.
Lisboa.
maternidade pode relacionar-se com duas ordens Bonnet, C. (1990). Geste d’amour. L’accouchement
de factores. Por um lado uma componente cul- sous X. Paris: Ed. Odile Jacob.
tural que influencia o sentir e o agir da mulher Correia, M. J., & Leal, I. (1989). Primiparidade tardia:
nesses períodos; por outro lado, os componentes Estudo exploratório. Revista Arquivos da Materni-
intrínsecos da própria mulher que têm a ver dade Dr. Alfredo da Costa. 1, 52-55.
Deutsch, H. (1949). La psychologie des femmes. Vol. II,
com as suas características de personalidade. Maternité. Paris: PUF.
Pensar e reflectir sobre a maternidade implica Dolto, F. (1981). No jogo do desejo. Rio de Janeiro:
ter em conta a forte interelação destas duas li- Imago.
nhas, nem sempre fáceis de destrinçar. Joaquim, T. (1978). Dar à luz. Lisboa: Publicações D.
Na abordagem histórica e antropológica das Quixote.
Kitzinger, S. (1978). Mães. Um estudo antropológico
atitudes maternas não se encontra um comporta-
da maternidade. Lisboa: Ed. Presença.
mento universal e necessário por parte da mãe. Langer, M. (1986). Maternidade e sexo. Porto Alegre:
Verifica-se, isso sim, a grande variabilidade na Artes Médicas.
sua expressão segundo as suas experiências, a Leal, I. (1990). Nota de abertura. Análise Psicológica, 8
sua cultura, as suas ambições, os seus projectos, (4), 365-366.
Leal, I. (1995). Nota de abertura. Análise Psicológica,
o seu funcionamento afectivo-emocional.
12 (1-2), 3-4.
A evolução das sociedades tem um ritmo len-
to e, processa-se devido a uma complexidade de
factores que, frequentemente escapam ao ime- RESUMO
diato controlo dos indivíduos.
Neste momento, assistimos à contextualização A Maternidade nos nossos dias é, para a mulher,
técnica do nascimento; o nosso imaginário é po- uma de entre várias opções para a sua realização pes-
voado de tecnologia, de aparelhos, de técnicos soal. Nem sempre foi assim. Neste artigo, a autora
apresenta-nos uma breve evolução histórica e antropo-
sabedores. lógica do conceito de Maternidade. Refere ainda as
Por outro lado, vivemos um momento de tran- eventuais repercussões psicológicas inerentes ao modo
sição: estamos a tentar apagar do imaginário co- como actualmente ela é vivenciada.
lectivo a figura suprema de Mulher/Mãe do pas- Palavras-chave: Maternidade, momento histórico,
sado (que, frequentemente ainda nos assalta) sociedade, implicações psicológicas.
para a substituir por uma outra que divide o es-
paço do nosso imaginário com um outro alguém
ABSTRACT
– o Pai.
Toda esta transição na vivência da Materni- Nowadays, maternity is but one of many options
dade, na qual se implicam movimentos sociais, open to women in search of personal fulfilment. It
culturais e psicológicos é, obviamente, exigente wasn’t allways so. In the article the author presents a
em termos de mecanismos adaptativos do Eu. brief review of the historical and anthropological evo-
Para esta exigência nem sempre se conseguem as lution of the maternity concept. The possible psycho-
logical consequences of the different ways for women
respostas adequadas; podem, por exemplo, so- to live maternity nowadays are also approached.
brevir conflitos psicológicos que apenas encon- Key words: Maternity, historical moment, society,
tram a sua expressão no sintoma psicossomático. psychological implications.

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