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Espécie: Contos

MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade
Espécie: Contos
MARATONA UFG A palavra conto deriva do termo latino compŭtus, que significa “conta”.
Literatura O conceito faz referência a uma narrativa breve e fictícia. A sua
Órion (Edna)
especificidade não pode ser fixada com exatidão, pelo que a diferença
entre um conto extenso e uma novela é difícil de determinar.
NOME:______________________________________________ Um conto apresenta um grupo reduzido de personagens e um argumento
Lista 06 não demasiado complexo, uma vez que entre as suas características
Obra Completa- Murilo Rubião aparece a economia de recursos narrativos.
É possível distinguir entre dois grandes tipos de contos: o conto popular
Murilo Rubião – Biografia e o conto literário.
Murilo Eugênio Rubião nasceu em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de
Minas — MG, no ano de 1916. Formado em Direito, foi professor, O Universo Fantástico De Rubião
jornalista, diretor de jornal e de estação de rádio (Rádio Há tempos, as narrativas ficcionais perpassam pela história da
Inconfidência). Foi o responsável pela organização do Suplemento humanidade, desde aquelas cultuadas pelos antigos povos nas noites de
Literário de Minas Gerais (1966). Publicou seu primeiro livro de contos luar até atingir os parâmetros tidos como atuais e suas respectivas
"O ex-mágico" em 1947; "A estrela vermelha" (1953); "Os dragões e classificações- maravilhoso, fantástico, de terror, mistério, ficção
outros contos" (1965); "O pirotécnico Zacarias" e "O convidado" científica, policial, moderno, contemporâneo, tradicional, dentre outros.
(1974); "A casa do girassol vermelho" (1978); e "O homem do boné Há quem diga que o conto está para o romance, assim como a fotografia
cinzento e outras histórias" (1990). Teve seus principais contos está para o cinema, isto é, seja qual for a modalidade, se faz necessário
traduzidos para a língua inglesa, alemã e espanhola. Foram adaptado uma atenta percepção diante de uma situação, na qual o autor/produtor
para o cinema os contos: "A Armadilha", "O pirotécnico Zacarias", "O deverá extrair dela o máximo para compor sua criação. E, por assim
ex-mágico da Taberna Minhota" e "O bloqueio". Para o teatro, foram dizer, tanto o romance quanto o conto adquiriram novas roupagens ao
adaptados "O ex-mago", "The piranha lounge" (peça baseada em longo do tempo, passando de meras produções que visam ao
diversos contos) e "O ex-mago da Taberna Minhota". Sua obra já foi entretenimento a reflexões de cunho filosófico acerca das relações
objeto de dezenas de artigos publicados em jornais e revistas, além de humanas x sociedade
ter sido estudada em mais de quarenta teses de doutorado e O chamado “conto fantástico” não ficou à espreita de tais evoluções,
dissertações de mestrado, no Brasil e no exterior.O escritor faleceu em pois basta lembrarmo-nos de Franz Kafka e sua considerável obra – A
Belo Horizonte, em 1991, onde residiu a maior parte de sua vida. metamorfose–, na qual a temática gira em torno do conflito manifestado
pelo personagem Gregor Samsa que, de repente, se viu transformado em
OBRA COMPLETA – Murilo Rubião uma barata, bem ao gosto de uma análise metafísica que norteia o ser
humano mediante seu convívio em meio à turbulência manifestada pela
Gênero: Narrativo contemporaneidade.
O termo “narrar” vem do latim “narratio” e quer dizer o ato de narrar Foi a partir do século XX (décadas de 1970 - 1980) que o fantástico se
acontecimentos reais ou fictícios. Na Antiguidade Clássica, os padrões incorporou no meio ficcional, época esta em que o Brasil vivia um
literários reconhecidos eram apenas o épico, o lírico e o dramático. Com período marcado pela repressão política, perseguições, prisões e
o passar dos anos surgiu dentro do gênero épico a variante: gênero censura. Em meio a este clima, importantes figuras, como, Murilo
narrativo, a qual apresentou concepções de prosa com características Rubião e José J. Veiga denunciaram em suas obras toda essa realidade
diferentes, o que fez com que surgissem divisões de outros gêneros opressiva. É o que podemos conferir por meio de alguns fragmentos
literários dentro do estilo narrativo: o romance, a novela, o conto, a pertencentes à obra intitulada - A hora dos ruminantes, de José J. Veiga.
crônica, a fábula. Porém, praticamente todas as obras narrativas O conto fantástico se constrói a partir da oposição entre dois planos: o
possuem elementos estruturais e estilísticos em comum e devem plano real dos personagens, em que ocorrem fatos comuns, e o plano
responder a questionamentos, como: quem?, que? quando? onde? por irreal, em que acontecimentos estranhos e incompreensíveis tendem a se
quê? Vejamos a seguir: manifestar.
• Narrador: é o que narra a história, pode ser onisciente (terceira
pessoa, observador, tem conhecimento da história e das personagens, A Cidade
observa e conta o que está acontecendo ou aconteceu) ou personagem O artigo analisa como a cidade é representada na ficção, de cunho
(em primeira pessoa; narra e participa da história e, contudo, narra os fantástico, do escritor Murilo Rubião. O objeto da pesquisa é o conto “A
fatos à medida em que acontecem, não pode prever o que acontecerá Cidade”. Nesse conto, Rubião materializa a cidade como o espaço do
com as demais personagens). diálogo impossível, da desconfiança mútua, da estigmatização. O leitor
Tempo: é um determinado momento em que as personagens vivenciam de Rubião é induzido a fazer a pergunta: que cidade é esta? O conto de
as suas experiências e ações. Pode ser cronológico (um dia, um mês, Rubião, portanto, não é uma resposta alegórica aos problemas do mundo
dois anos) ou psicológico (memória de quem narra, flash-back feito pelo real, mas é a problematização deste mesmo mundo.
narrador). Narra as aventuras de Cariba, único passageiro de um trem, que o leva
• Espaço: lugar onde as ações acontecem e se desenvolvem. compulsoriamente a uma cidade desconhecida. Ele chega e faz muitas
• Enredo: é a trama, o que está envolvido na trama que precisa ser perguntas, o que o leva à prisão.
resolvido, e a sua resolução, ou seja, todo enredo tem início, Através de um discurso implícito, é possível perceber que o conto é uma
desenvolvimento, clímax e desfecho. crítica à ditadura militar e os governos que não permitissem a liberdade
• Personagens: através das personagens, seres fictícios da trama, de pensamento e expressão. “A cidade” registra, de maneira velada ou
encadeiam-se os fatos que geram os conflitos e ações. À personagem não, as transformações políticas, sociais e econômicas por que passavam
principal dá-se o nome de protagonista e pode ser uma pessoa, animal a cidades brasileiras no período de ditadura militar. Enquanto que, pelo
ou objeto inanimado, como nas fábulas. viés da literatura fantástica, o autor do conto “ A cidade” expõe as
O que vimos foram os recursos que os estilos narrativos têm em comum, contradições e absurdos pelos quais passa o homem da cidade.
agora vejamos cada um deles e suas características separadamente: No conto “A cidade”, esse narrador, em terceira pessoa, não relata uma
• Romance: é uma narrativa longa, geralmente dividida em capítulos, experiência coletiva, e muito menos apresenta uma estória com conflito
possui personagens variadas em torno das quais acontece a história resolvido, mas reserva ao leitor um instigante papel de observador das
principal e também histórias paralelas a essa, pode apresentar espaço e caóticas situações a que são submetidas as personagens. Ao final da
tempo variados. narrativa, a impressão que fica é de incompletude: não há saída para
• Novela: é um módulo mais compilado do romance e também mais Cariba. Ele é preso por fazer perguntas, simples para ele, porém
dinâmico, é dividida em episódios, são contínuos e não têm impertinentes para o delegado da região “Quem são os donos desse
interrupções. município?” Num contexto de censura, os questionamentos de qualquer
• Conto: é uma narrativa curta que gira em torno de um só conflito, com ordem eram silenciados e punidos. Naquele lugar não se podia ter
poucos personagens. dúvidas, a curiosidade era caracterizada crime. É nesse sentido, que o
• Crônica: é uma narrativa breve que tem por objetivo comentar algo do autor do conto “ A cidade” tece artisticamente as agruras de um
cotidiano; é um relato pessoal do autor sobre determinado fato do dia a contexto político de repressão.
dia.
O Pirotécnico Zacarias “Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da
O narrador-protagonista( o próprio Zacarias) inicia o conto,dizendo que criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E
seus amigos e pessoas de suas relações não sabem se está vivo ou morto suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave
o pirotécnico Zacarias. Todas as pessoas do local tem dúvidas se o moléstia, tive medo de que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre.
Zacarias que passeia pela cidade é o mesmo que havia morrido em Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse
acidente. Devido a essa dúvida, o narrador-defunto decide contar como algo.”(Rubião,2010,p.28).
morreu. Trata-se nessa narrativa, de uma relação absurda. O elemento fantástico
“ A princípio foi azul,depois verde, amarelo e negro. Um negro do conto, é o fato de Bárbara, sempre insatisfeita com o que recebe do
espesso,cheio de listras vermelhas,de um vermelho compacto, marido,engordar até adquirir dimensões gigantescas.
semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos Neste sentido, o conto resgata, de certa forma, o amor cortês.Murilo
amarelados, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor (...) Rubião traz para o universo fantástico este amor Romântico, em que a
Quando tudo começava a ficar branco,veio um automóvel e me mulher está num patamar superior em ralação ao homem.
matou.(Rubião,2010,p.15-15)” Desta forma, o amor do narrador por Bárbara é incondicional, chegando
Neste conto, o tema da morte está presente desde a epígrafe bíblica do ao absurdo.
livro de Jó, que concebe a morte como um renascimento, até o fim da
narrativa em que o narrador, Zacarias, torna-se morto-vivo da cidade. A Os Dragões
fórmula (narrador = defunto) nos é familiar desde que Machado de Assis Este é um conto em que o fantástico dá lugar ao maravilhoso. O
cria o morto-vivo mais famoso da literatura, Brás Cubas, em seu aparecimento de dragões vai alterar a rotina e os costumes dos
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. habitantes de uma cidade tranqüila e pacata. Trata-se de um
A morte e o modo como as pessoas se relacionam com ela são questões acontecimento maravilhoso, porque não há hesitação ou dúvida sobre o
centrais da narrativa. A beleza do texto, porém, é que Murilo Rubião fenômeno ocorrido (elemento que gera o efeito fantástico), ou seja,
tem a maestria de tratar este tema, levando os leitores ao domínio do ninguém questiona a existência ou a presença desses seres na cidade.
fantástico, ou seja, ao universo da dúvida diante de um fato que foge do Seres aparentemente maléficos, aparecem neste conto como criaturas
real; um morto pode andar pela cidade como se estivesse vivo? benignas, ao passo que os homens, pelo contrário, são descritos como
Nesse sentido, apesar de vagar pelas ruas,tentando criaturas maléficas, isso fica claro no início da narrativa, quando o
provar,angustiado,que está vivo, Zacarias encara com ironia e humor a narrador-personagem diz que: “Os primeiros dragões que apareceram
sua morte, ao dizer que ir de carro para o cemitério era sugestão que na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes”
mais lhe convinha, “Afinal, as longas caminhadas cansam (Rubião,2010,p.47).
indistintamente defuntos e vivos.”(Rubião,2010,p.17). Contudo fica-lhe Como acontece no conto “O pirotécnico Zacarias”, ocorre nesta
o rancor de que as pessoas não percebem que se pode amar indivíduos narrativa que as pessoas da cidade não conseguem aceitar aquilo que é
diferente. É assim que o conto se torna uma alegoria da sociedade diferente. Todos na cidade, inclusive o padre hostilizam os dragões.
contemporânea do autor. Apenas o narrador-personagem e as crianças convivem sem reservas
com os novos habitantes. O convívio com os humanos é completamente
O Ex Mágico da Taberna Minhota maléfico aos seres voadores, que até chegam a adquirir hábitos
O narrador, que não diz seu nome, é um ex-mágico que, entediado com humanos. Os dragões são presos em um prédio abandonado.
a profissão, torna-se funcionário público. Contudo,a nova profissão São quase extintos por conta do alcoolismo, fornicação com as mulheres
também lhe oferece como existência entediante. Aliás, sua vida fora um humanas. O narrador, um professor, decide, então criar os dois dragões
tédio desde a infância, nunca gostou de viver. Ele relata, em tom que restaram. O Odorico, que vai morar com uma mulher casada e é
saudoso, as mágicas que fazia na Taberna Minhota e depois no Circo- morto pelo ex-marido. E João, que se aplica nos estudos, mas é tratado
Parque Andaluz. A vida de mágico não lhe agradava, pois seus como animal de carga ou festa religiosa.
“truques” não eram mágicas, eram naturais e não apenas ilusões. Ele Ao que indica, o conto demonstra que os humanos são inferiores e não
relata que, sem querer, foi ao banheiro da taberna e retirou do “bolso o dignos de conviverem com os dragões., pois os outros dragões pelo
dono do restaurante”, e tal fato surpreende o narrador. Quem ficou mesmo local não quiseram mais habitar aquela cidade.
perplexo foi o dono do restaurante, que lhe propôs emprego de mágico É como se os animais se recusassem a se humanizar.
na Taberna Minhota.
Neste conto, temos um personagem-narrador que é um sujeito inapto Teleco, o coelhinho
para a vida, um sujeito que tem várias crises de identidade, pois nada do Dois fatos inusitados se colocam, de imediato, na leitura desta narrativa:
que a vida lhe oferece o satisfaz e chega a declarar: um coelho que fala e , além do mais, que pede um cigarro ao narrador-
“Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, personagem. Será que ele que ser humano? Esta pergunta que se coloca
ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do na leitura do conto. O homem dá cigarro a Teleco, o coelho, e trava com
tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se a vicissitudes, ele uma conversa amigável. Ao perceber que Teleco não tem casa, e
através de um processo lento e gradativo de dissabores. Tal não encantando com a educação do animal, o personagem humano o convida
aconteceu comigo. Fui atirado á vida sem pais,infância ou para morarem juntos.
juventude.”(Rubião,2010,p.21). Teleco se metamorfoseia, o tempo todo, em outros animais. Ele alega
Trata-se portanto, de um sujeito que tende para a morte do que para a ser um sujeito instável por querer sempre agradar aos outros. O
vida. Neste sentido, o tema da morte surge nas várias tentativas de comportamento do coelho é, portanto, de alguém que vive buscando
suicídio que o narrador empreende. uma identidade. Com o passar do tempo a convivência com Teleco
Neste conto, temos portanto, um personagem instável e que não sabe torna-se insuportável. Motivo, Teleco vira canguru r arruma namorada
suportar a existência humana que, ora é prazerosa, ora é entediante. humana.
Trata-se portanto, de um sujeito próprio da pós-modernidade, que vive O narrador fica furioso, pois Teleco , o coelho, agora tem nome e sobre
uma intensa crise existencial e de identidade. nome, Antônio Barbosa. E nega nunca ter sido bicho. A hesitação em
reconhecer Teleco como homem ou animal fica evidenciada na fala do
Bárbara narrador: “Por mais que me parecesse, havia uma trágica sinceridade
O narrador é marido de Bárbara, uma esposa que tem a mórbida mania na voz deles. Eu me decidira, porém. Joguei Barbosa ao chão e lhe
de pedir as coisas mais absurdas para o marido. Do mais simples ao esmurrei a boca. Em seguida, enxotei-os”(Ruibião,2010,p.58).
mais exótico, ela queria e pedia.Fato estranho é que, à medida que pede, Teleco não se firma como humano, e se transforma em carneiro. Doente
ela engorda incrivelmente. É como se o saco de sua ambição não tivesse e triste , o carneiro adoece, angariando assim novamente o carinho do
fundo e cresce conforme suas vontades fossem atendidas. O marido, por narrador. Teleco tem um fim trágico, pois, na impossibilidade de firmar-
sua vez fica ressentido por não receber nada em troca por realizar todos se como homem, ele morre, transformando em uma criança. Suas
os pedidos de Bárbara. Ela exercia estranho poder sobre o marido. A virtudes foram perdidas no momento em que deixou de ser o simples e
mais simples recusa a fazia entristecer. Numa dessas tentativas de recusa agradável coelhinho.
do marido, ela emagrecera e um filho brotou de seu ventre. O filho foi a
solução dos problemas, pelo contrário, os cuidados do marido para com O edifício
Bárbara redobraram. O conto é dividido em sub capítulos e narra a construção de um fabuloso
edifício que teria um número ilimitado de andares. O elemento
fantástico da narrativa é que tal edifício é interminável. João Gaspar é o memórias, devo ainda esclarecer que esse meu ancestral, José Antônio
engenheiro contratado, pelo Conselho da Construção, para realizar a da Câmara Bulhões e Couto, morreu de desgosto ao descobrir que dois
obra. Com ar de mistério, no início do conto, o narrador diz que “Ao de seus bisavós tinham falecido em conseqência de cirrose hepática”(
engenheiro responsável, recém-contratado, nada falaram das Rubião,2010,p.119).
finalidades do prédio”. (Rubião,2010,p.60). Ele recorre a genealogia de sua família. Essa memória da genealogia do
Há também uma lenda a respeito da construção do 800º. João Gaspar, personagem Pedro Inácio é, também, um procedimento usado pó
para comemorar a “vitória” sobre a lenda, decide oferecer um baile aos Machado de Assis. Na obra de Rubião, essa memória familiar é uma
funcionários. João Gaspar decide abandonar a obra, mas por insistência forma de o narrador buscar, ironicamente, as origens para as suas
dos funcionários ele volta à obra. fraquezas.
Podemos ler neste conto, levando em consideração o intertexo com o Enfim, a influência machadiana é evidente e foi declarada pelo próprio
episódio bíblico da construção da Torre de Babael. A narrativa da Rubião em uma entrevista. Assim, com relação a epígrafe machadiana,
construção desta torre está no Livro de Gênesis. presente no conto, Rubião chega a dizer na entrevista que o nome de
Assim como acontece na narrativa bíblica, também acontece no conto de Machado de Assis é o único digno de ocupar um lugar junto às Sagradas
Rubião. João Gaspar é advertido pelo Conselho de Anciãos a não tentar Escrituras.
terminar a construção da obra.
Da mesma maneira que o homens desafiaram a Deus, ao construírem a A Diáspora
Torre de Babel, João Gaspar, também desobedece ao Conselho. Ele é É recorrente nos contos de Rubião a presença de construções e
vaidoso, e quer terminar a construção logo.A lenda se cumpre, e ele não edificações sem nenhuma explicação lógica para existir. Em “A
consegue terminar a obra. Há uma grande confusão de línguas. Tal Diáspora” , temos a questão da construção de uma ponte, cuja a razão de
como acontece na Torre de Babel, acontece também neste conto: o ser não é referida ou justificada. Essa construção pretende ligar um
interminável edifício em construção e uma confusão de discursos entre o lugarejo, isolado da civilização por montanhas e vales, à cidade. Como
engenheiro e seus subalternos. em “ A Casa do Girassol Vermelho” é um lugar mítico, por seu
isolamento e por se constituir por uma organização social singular e
A Casa do Girassol Vermelho independente – uma espécie de paraíso.
Em “ A Casa do Girassol Vermelho”, os personagens se localizam num Roque Diadema, é o engenheiro responsável pela obra em Mangora,
espaço fechado. É um lugar atrasado e distante da civilização. O único lugar mítico da narrativa. Ele é advertido pelo líder do povo de
espaço externo citado na narrativa é Ávila, onde moravam os filhos Mangora, uma espécie de líder carismático. É com ele que Roque
adotivos de Dª Belisária e Simeão. A Casa do Girassol Vermelho um Diadema tem que se entender sobre a construção da ponte: “ Aqui em
lugar mítico, onde acontecem coisas inusitadas. Isolado do resto da Mangora, não gostamos de chefes. Em todo o caso,converse com
civilização. Os habitantes são incivilizados, tudo neles é extremado. São Hebron. Ele é quem sabe das coisas. E apontaram para um senhor
sem limites, sem refinamento e urbanidade, vivem mais perto da idoso que vinha na direção deles.”(Rubião,2010,p.145). A sabedoria e
natureza.Um mundo de necessidades e escassez. Mundo ao mesmo idade de Hebron fazem com que ele se torne líder desta comunidade.
tempo de orgias, da festa e da punição, da perversão sexual. Com relação à ponte, não há referência sobre o motivo da construção.
O grupo é tribal: Simeão e Belisária são pais adotivos dos dois grupos Este silêncio é próprio daquilo que não tem explicação racional. Essa
de irmãos. O jogo da sexualidade oscila entre a mais completa repressão falta de razão para se explicar as coisas faz parte do insólito. Entende-se
(Belisária morre virgem porque "o marido considerava pecado o ato por insólito, tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor, tendo por
sexual" e Xixiu mergulha na represa para aí desaparecer) e a mais referência a sua realidade.É aquilo que foge à ordem e à lógica do senso
completa permissividade (incestos etc.) Nesse universo, a morte dos pais comum vigente. Numa definição específica,é tudo aquilo contrário aos
significa libertação e é festejada. costumes,às regras. É o inabitual e o incomum(AURÉLIO,1997). O
Após a morte de Simeão, os filhos comemoram dançando: a casa insólito é marcante traço da literatura e se coloca ao lado dos gêneros
respirava uma alegria desvairada". Surubi, o narrador, afirma que fantástico, maravilhoso, realismo-mágico,estranho,absurdo e outros
"Todos os acontecimentos alegres da nossa existência eram derivados dessa linha de “fuga da realidade referencial” que transmitem
comemorados com bailados coletivos". a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos.
O significado do título do conto, a simbologia mais conhecida da flor, O inusitado se manifesta em diversos estágios narrativos, o que é
segundo Chevalier & Cheerbrant(2002), carrega uma Ambiguidade,pois comum em textos sobre a influência insólita.
nos remete tanto à inocência quanto ao erotismo. O girassol traz a cor O segundo aspecto insólito, que está presente neste conto,refere-se ao
radiante, a força. Acrescente-se o fato de a cor vermelha dar, ao insólito como desumanização do caráter ordinário e lógico. Trata-se do
símbolo, um caráter mórbido,indicando sangue,ferida,dor. Também efeito desumanizador do caráter da personagem. O personagem carrega
conhecida do povo é a “casa da luz vermelha”, nome que sugere um o traço insólito como índice de fuga da ordem, da lógica do ser
ambiente de sexualidade e até mesmo de prostituição. humano.Desta forma, o insólito não caracteriza apenas uma
Dessa forma, se o espaço narrado é absurdo, por ao haver nele uma metamorfose, como ocorre no conto “ Teleco, o coelhinho”. A
lógica que o ser humano possa seguir, A Casa do Girassol Vermelho é o desumanização em “A diáspora” é moral e relaciona-se a figura de
espaço incivilizado, símbolo do aprisionamento e da desilusão das Hebron. Há uma banalização do personagem como líder comunitário e
personagens. até mesmo religioso.Em outras palavras, há uma perda de função do
personagem dentro a organização social de MANGORA. Assim Hebron
Memórias do Contabilista Pedro Inácio perde a sua autoridade e suas funções são destituídas.
Murilo Rubião foge à regra neste conto pelo seguinte motivo: além de Este é o sentimento do homem pós-moderno. Um sentimento de perda,
utilizar epígrafes bíblicas, neste relato o autor cita um trecho do livro pois não existe respeito com a hierarquia. Certas funções de liderança e
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A influência poder estão perdendo sua razão de ser no mundo contemporâneo.Em
da Machado de Assis nas obras de Murilo Rubião são recorrentes. outras palavras, a condição de indivíduo se perde, as identidades se
O trecho citado é uma firmação de Brás Cubas sobre a sua amante, confundem e não se configuram mais como uma uniformidade humana,
Marcela que o amou durante quinze meses e um conto de réis. Esse seja pelas ações, pelos sentimentos, pelos avanços tecnológicos, etc.
comentário contabilístico justifica o título do conto “Memórias do
contabilista Pedro Inácio”. O home do boné cinzento
O narrador é o próprio Pedro Inácio, que declara, ter duas paixões: o Um homem solteiro e muito rica se instala num prédio velho, atiçando a
amor e a contabilidade. Em um estilo bem Machadiano, o narrador curiosidade dos vizinhos. Anatólio é solteiro e magricela. Possui um
contabiliza todos os gastos que teve com cada uma de suas amantes boné cinzento, branco e cinza com quadrados amarelos, assim como o
(Jandira,Dora e Aspásia). céu. Sem qualquer explicação, este homem começa a, paulatinamente,
Assim como no livro de Machado, este é um relato de memórias, o emagrecer até sumir. Arthur, irmão de Roderico, o narrador , começa a
narrador , porém declara que se trata, também de uma crônica de ter obsessão pelo emagrecimento do vizinho e , no fim da narrativa,
família: “Tio Paulo, foi sumariamente Banido da crônica de nossa acaba por diminuir de tamanho e transforma-se numa esfera preta a rolar
família.”(Rubião,2010,p.121). pelas mãos de Roderico.
Está presente no conto, assim como em Memórias póstumas de Brás A história é contada por um narrador-personagem que testemunha a
Cubas, a metalinguagem. Momento em que o narrador utiliza a escrita metamorfose, tanto de Anatólio- seu vizinho, como de Arthur, seu
para se referir a própria escrita. “Para maior esclarecimento destas irmão, que observando obsessivamente o novo vizinho, também se
transforma. A narrativa é estruturada a partir da obsessão e observação experimentada. Esse tipo de leitura funciona como artifício de reflexão,
constante que Arthur dedica ao enigmático homem do boné cinzento. O remetendo a conflitos da realidade referencial.
principal evento insólito se instala na personagem que dá o título ao Em resumo, essa literatura, vista em algumas narrativas de Murilo
conto, surgindo como elemento de desequilíbrio.Anatólio possui Rubião sob o ponto de vista da desumanização das personagens, permite
atitudes estranhas e rotineiras. Conforme a narrativa vai se construir críticas interpretativas a respeito da sociedade pós-moderna,
desenvolvendo, ele vai emagrecendo, até desaparecer e, por fim, lança sob a abrangência do caráter efêmero, espantoso ou banalizador dos
um jato de fogo que varre a rua da cidade. seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a
Desde o início da narrativa, Anatólito é tratado como um ser humano metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinário
comum, porém suas características físicas já denunciam o insólito: na e passa a um grau imprevisível, sem limites para os acontecimentos
transparência, na cor do boné, nos dentes escuros e no corpo esquelético ilógicos, inesperados e insólitos.
e pequeno. Essa metamorfose o transforma em um ser sem No plano da ficção, o ser humano pode se configurar de forma que
características de ser humano. Ou seja, sem papel na sociedade, sem quiser, construindo um espaço crítico e mais amplo para o leitor. Tão
posição. Essa desumanização física, e não moral e funcional como no amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto à
conto “A diáspora”, corrobora para a instalação do insólito na narrativa, concretização da literatura como retrato desta era pós-moderna.
transformando-o em um ser sem identidade ou identificação.
“Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do
homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de
flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar
dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos
lados”(Rubião,2010,p.155).
O fenômeno da metamorfose também acontece com Arthur, que no fim
do texto se transforma em uma esfera, perdendo também a identificação,
desumanizando-o: “ Ficará reduzido a alguns centímetros(...) Retive-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a
rolar na minha mão.”(Rubião,2010,p.155).
Há nessa narrativa, uma precariedade das relações interpessoais, fator
característico da sociedade pós-moderna. Verifica-se tal atributo na
obsessão de Arthur, que, rotineiramente, dedicava seu tempo a vigiar a
vida de Anatólito, enquanto sua vida se tornava sem sentido, sem
humanidade.Ele perdia, assim a característica humana de zelar pelo que
é seu, não se importando com a saúde e com a própria vida.

O convidado
O enredo é centrado no personagem José Alferes que recebe um convite
para uma festa misteriosa . Cujo objetivo é a recepção de uma pessoa
também misteriosa. O traje que deve usar é bastante formal. O táxi que
irá levá-lo, o percurso e o local da festa, as pessoas e os diálogos, tudo
sugere um acontecimento que todos sabem o que é, menos José Alferes.
Acontece, que o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio
Alferes. Trata-se de um encontro com a morte. No fim da narrativa,
Alferes rende-se aos encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. Acontece, que
o convidado esperado, misteriosamente, é o próprio Alferes. Trata-se de
um encontro com a morte. No fim da narrativa, Alferes rende-se aos
encantos de uma mulher linda, mas terrível.
Esse conto, como os demais é antecedido por uma citação bíblica: “Vê
pois,que passam os meus breves anos, e eu caminho por uma vereda,
pela qual não voltarei” (Jó,XVI,23.) Rubião mostra seu poder de
prosador ao realizar um diálogo intertextual com a Bíblia. O Táxi de
Faetone, que recusa levar José Alferes de volta pra casa, também se liga
à morte. Faetone, na mitologia grega, é o carro que leva os para o além.
Ainda há a figura do cavalo, tema preferido das conversas dos
participantes da festa.
O cavalo tem sua simbologia ligada à morte. É com o cavalo que o xamã
obtém o êxtase necessário à viagem de iniciação do ritual. Nesse
sentido, o cavalo é uma imagem da morte, pois ele é que leva os mortos
para o outro lado, promovendo a ruptura deste mundo para o outro.
(Eliade,1993,p.364).
José Alferes é cercado pela ameaça da morte e tenta resistir
heroicamente. Quando o personagem se dá conta que o convidado (para
a morte) é ele mesmo e não outro que está por chegar, ele foge da festa e
da mulher terrível que quer seduzi-lo e levá-lo ao encontro da morte.
Assim, ao fugir de todo este esquema tenebroso,Alferes demonstra uma
atitude heróica diante de tudo aquilo que pode pôr fim a sua vida.

Considerações Finais
O leitor das narrativas de Murilo Rubião, que se estruturam a partir da
erupção de eventos fantásticos, insólitos, sobrenaturais e de caráter
ilógico, não pode aceitar pacificamente, tais eventos. Ele deve fazer,
então, uma leitura crítica, vinculada ao contexto de sua realidade

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