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O direito à vida privada: ponto de convergência entre os direitos fundamentais e os

1
direitos da personalidade (Hidemberg Alves da Frota)

O direito à vida privada: ponto de convergência entre os direitos


fundamentais e os direitos da personalidade1

Hidemberg Alves da Frota

http://tematicasjuridicas.wordpress.com

Sendo o princípio da dignidade da pessoa humana a nascente2 dos


direitos humanos, dele se desdobra o direito à vida privada, no bojo dos direitos
civis avistados em companhia dos direitos políticos pelo constitucionalismo
ocidental na alvorada do Estado Liberal de Direito, no século XVIII, motivo
pelo qual a contemporânea3 Ciência do Direito Constitucional nomina-os
direitos fundamentais de primeira dimensão4, os também chamados “direitos

1
Estudo originalmente encartado neste texto monográfico: FROTA, Hidemberg Alves da. O direito à
intimidade como limite aos poderes de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito, à luz da
Constituição Federal de 1988. 264 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) — Curso de Direito, Centro
Universitário de Ensino Superior do Amazonas, Manaus, 2004. Revisado em 25 de dezembro de 2010.
2
Valor maior em torno do qual orbita a ordem constitucional de 1988, situa-se no centro do ordenamento
jurídico pátrio . Enquistado no art. 1º, inc. III, da CF/88, de lá se espraia para o resto do nosso sistema jurídico.
Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. São Paulo: Max
Limonad, 2000, p. 53. Nesse sentido: Id. A Constituição de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos
direitos humanos. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 47/48, jan.-dez.
1997, p. 103; Id. A proteção dos direitos humanos no sistema constitucional brasileiro. Revista da
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 51/52, jan.-dez. 1999, p. 86; Id. O direito
internacional dos direitos humanos e a redefinição da cidadania no Brasil. Revista da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo, São Paulo, n. 45/46, jan.-dez. 1996, p. 46. Em sentido diverso, considerando o princípio
da dignidade da pessoa humana adstrito “à estrutura do ordenamento constitucional, portanto mais limitado do
que os princípios constitucionais gerais, que envolvem toda a ordenação jurídica”, mas, ao mesmo tempo,
postulado informador da ordem jurídica, política, social, econômica e cultural, cf. AFONSO DA SILVA, José.
Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 147.
3
A atual doutrina do Direito Constitucional evita a tradicional classificação cronológica estribada em gerações, a
fim de não transmitir “a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra” e não olvidar “o
processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância” do “reconhecimento progressivo de novos
direitos fundamentais”. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 54. Lima vai além: “Todos os direitos fundamentais (civis, políticos,
sociais, econômicos, culturais, ambientais etc.) devem ser analisados em todas as dimensões, a saber: na
dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de
solidariedade e fraternidade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). Cada uma dessas
dimensões é capaz de fornecer uma nova forma de conceber um dado direito.” Cf. LIMA, George Marmelstein.
Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Circulus: Revista da Justiça
Federal do Amazonas, Manaus, v. 2, n. 3, jan.-jun. 2004, p. 92.
4
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., loc. cit.
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direitos da personalidade (Hidemberg Alves da Frota)

individuais5”6, “direitos da liberdade”7, “liberdades públicas”8, “liberdades civis


e liberdades-autonomia9 (liberdade, igualdade, segurança, propriedade)”10,
porque “valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades
abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade
civil, da linguagem jurídica mais atual”11.
Centrados nos interesses do indivíduo, em detrimento dos interesses do
Estado, de segmentos da coletividade e do todo social, os direitos de primeira
dimensão são tidos pela corrente doutrinária purista de Alexy como os únicos
direitos humanos propriamente ditos. “Por direitos humanos, acolhendo-se o
conceito preciso de Alexy, devem-se compreender” — frisa Tavares — “os
direitos do indivíduo e não os chamados direitos humanos de outras dimensões
ou gerações, que nada mais são do que direitos comunitários ou estatais”12.
Do ponto de vista do Direito Constitucional Descritivo, o direito à vida
privada se insere no balaio dos “direitos de resistência ou de oposição perante o
Estado”13, na condição de “faculdades ou atributos da pessoa [mormente
humana]”14. Nesse compasso, o direito à vida privada e demais direitos
fundamentais civis pertencem ao rol de direitos individuais do art. 5º da CF/8815,

5
Grifos do autor.
6
AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
182-183, 190-191.
7
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 517.
8
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.
15.
9
Grifos do autor.
10
AFONSO DA SILVA, José. Op. cit., p. 182-183.
11
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 518.
12
ALEXY, Robert. Die institutionalisierling der menschenrechte im demokratischen verfassungsstaat.
Philosophie der Menschenrechte, Frankfurt am Main, 1998, p. 277 et seq. Apud TAVARES, Juarez. Teoria do
injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 121. Entende que a expressão direitos e garantias individuais
capitulada no Capítulo II, do Título IV, da Constituição brasileira de 1946, tem “o mesmo alcance e
conceituação de liberdades públicas e de direitos fundamentais”: MELLO, Celso Renato Duviver de
Albuquerque. Direitos humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 11.
13
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 517.
14
Ibid., loc. cit.
15
AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
183.
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o qual reserva o direito à vida privada para a 1ª parte do inc. X (são invioláveis a
intimidade, a vida privada16, a honra e a imagem das pessoas).
Encravado no art. 5º, inc. X, 1ª parte, da CF/88, o direito à vida privada
na óptica do presente trabalho (estribado no magistério de Sarlet17) desfruta
daquilo que Afonso da Silva descreveria18 como “eficácia plena e aplicabilidade
direta, imediata e integral19”20, não apenas por força do § 1º do mesmo artigo
(as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata21), mas também por se enfileirar entre os direitos de resistência. Como
a maioria deles22, o direito à vida privada não reivindica do Poder Público
prestações: tão somente exige do Estado a omissão de “se abster de ingerir na
esfera da autonomia pessoal”23. Desde a promulgação do Texto Constitucional
de 1988, o direito à vida privada, prescrito pelo art 5º, inc. X, 1ª parte, traz em si
“todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade” 24, daí “incidindo
direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto 25”26. Além da
“incidência imediata”27, ostenta “supereficácia paralisante28”29, a imunizá-lo
contra modificações ou limitações operadas via reforma constitucional ou
regulamentação infraconstitucional30.
Integrante do elenco de direitos civis, o direito à vida privada recebe da
Ciência do Direito Privado fecundas elucubrações, enfocando-o sob o ângulo

16
Grifos nossos.
17
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004, p. 269-270.
18
Optou-se pelo futuro do pretérito, porquanto Afonso da Silva, em relação aos direitos fundamentais
individuais, diverge parcialmente de Sarlet: reconhece a aplicabilidade imediata, contudo, no lugar da eficácia
plena, vislumbra a eficácia contida. Cf. AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das normas
constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 165.
19
Grifos nossos.
20
Ibid., p. 86.
21
Grifos nossos.
22
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 269.
23
Ibid., loc. cit.
24
AFONSO DA SILVA, José. Op. cit., p. 102.
25
Grifos nossos.
26
Ibid., p. 82.
27
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112.
28
Grifos nossos.
29
Ibid., p. 113.
30
Ibid., loc. cit.
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dos direitos da personalidade (igualmente referidos como “direitos privados da


personalidade e direitos personalíssimos31”32) em meditações, em regra,
circunscritas ao âmbito das relações entre particulares33 (e.g., entre a liberdade
de imprensa do repórter — empregado de empresa de comunicação social da
iniciativa privada — e a proteção da vida privada do indivíduo alvo da
notícia34).
Abrigam-se nos direitos da personalidade os direitos essenciais a esta,
“sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente
irrealizada”35 — esclarece De Cupis —, escoimada “de todo o valor concreto:
direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos36 perderiam todo o
interesse para o indivíduo37 — o que equivale a dizer que, se eles não
existissem, a pessoa não existiria como tal”38.
No Direito Constitucional, o direito à vida privada pertence ao repositório
de direitos fundamentais, enfatizando-se a análise segundo o contexto dos
conflitos de interesse entre o particular e o Estado. Já no Direito Civil, o direito
à vida privada se agrega ao repertório de direitos da personalidade, priorizando-
se, na seara civilista, a proteção da individualidade, em sede de litígios surgidos
na interação entre particulares. Dissecado como direito fundamental ou direito
da personalidade, o direito em tela é o mesmo. Muda-se o modo de focalizá-lo,
mantendo-se o seu estofo.
Direitos de defesa, por sinal, é a expressão comum da doutrina do
Direito Constitucional e do Direito Civil, para se designarem direitos humanos

31
Grifos do autor.
32
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da
personalidade. São Paulo: RT, 2000, p. 30.
33
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p.
3.
34
Sobre o embate entre liberdade de impresa e vida privada, cf. CALDAS, Pedro Frederico. Vida privada,
liberdade de imprensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997, passim.
35
DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana Jurídica, 2004, p. 24.
36
Direitos subjetivos são os direitos do sujeito, faculdades ou poderes de agir do indivíduo, reconhecidos pelo
Estado. Direitos objetivos são as normas de conduta do ser humano em sociedade, impostas pelo Estado. Cf.
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Direitos humanos, urgente! São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 76-77.
37
Grifos nossos.
38
DE CUPIS, Adriano. Op. cit., loc. cit.
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positivados pelo Estado Liberal de Direito39, referentes aos direitos individuais


(civis e políticos), máxime às integridades física, intelectual, psíquica e moral (a
seguir aludidas).
Salientou-se a distinção entre as ópticas publicista e privatista do direito
à vida privada, ao mesmo tempo que se acentuou a conveniência de municiar a
dogmática do Direito Constitucional do que há de pertinente a esta na dogmática
civilista em matéria de resguardo da vida privada.
Sob o prisma da busca pela visão integrada do Direito, não seria mais
coerente unir ambos os mundos ou surgiria dessa união um híbrido estéril?
Parcela da doutrina brasileira aceita, no máximo, vislumbrar os direitos
da personalidade como a expressão, no campo privatista, dos direitos
fundamentais:

Dizer que direitos humanos e personalíssimos são exatamente o


mesmo é, por tudo isso, incorreto. Mas atribuir-lhes semelhante
gênese — definida em função da qualidade do agente —, aproxima-se
da realidade. Os direitos personalíssimos seriam, assim, expressões
dos direitos fundamentais ou humanos perante os particulares, não,
propriamente, uma esfera ou ramo daqueles, o que demandaria, além
da diversidade de destinatário, descoincidência de substância.40

Não se questiona que, quanto aos direitos fundamentais, o foco clássico


do Direito Constitucional repousa em regular a harmônica convivência do
particular com o aparelho estatal. Esse é o âmago do esforço histórico de
propiciar albergue constitucional aos direitos individuais. Por outro lado, o
Direito Constitucional Positivo, embora nascido na esfera publicista, submete
todo o ordenamento jurídico a seus comandos. Norma Ápice da nossa ordem
jurídica, a Constituição da República ajusta às suas disposições todo o Direito

39
Na dogmática constitucionalista, cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 54. Na dogmática civilista, cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de
direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 100.
40
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da
personalidade. São Paulo: RT, 2000, p. 81.
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Prescritivo, Público e Privado. Tão inconcebível quanto esperar do Direito


Internacional o reconhecimento da incidência de direitos humanos tão somente
na esfera pública é imaginar que o núcleo do Texto Constitucional se adstrinja
às plagas publicistas do Direito Positivo, abstendo-se de se infiltrar em seus
sítios privatistas.

[...] os direitos fundamentais, inseridos na Constituição, possuem um


campo de atuação muito mais amplo do que a simples proteção do
indivíduo contra o Estado; constituem-se, também, em legítimos
preceitos para a realização da vida social, possuindo um elevado
significado para as relações entre os particulares. Identicamente,
possuem as normas constitucionais para um autêntico e social estado
de direito, efeitos imediatos no âmbito privado, nas relações jurídicas
entre os indivíduos que são imprescindíveis para uma sociedade livre.
Propõe [a moderna doutrina que se desenvolveu em torno da teoria do
direito geral de personalidade], por isso, o necessário superamento da
tradicional dicotomia de direito público e direito privado em relação
ao direito de personalidade, por não ter mais lugar na noção de Estado
social, que prescinde a tradicional separação de direito público, como
o conjunto de normas que visam a regular as relações entre o Estado e
o particular, e de direito privado, que se constituiria em regras para
regular as relações entre os particulares, apenas. [...] as normas
emanadas da Constituição e das declarações internacionais, cujo país
as adote e seja signatário de algum tratado, não trazem, somente,
regras que interessam ao Estado no que lhe diz respeito diretamente
ou nas suas relações com os particulares, mas, igualmente, interessam
aos particulares nas suas relações privadas, pois o efeito da
Constituição é amplo, atingindo todas as relações jurídicas dentro de
um conceito de comunidade social [...]. (grifo do autor) 41
[...] se chegaria à inevitável conclusão de que os direitos fundamentais
sendo direitos simplesmente do âmbito publicístico, não tutelariam
matéria privada.
[...]
Creio que, ao revés, [os direitos fundamentais] tanto podem tutelar o
público como o privado, sendo o que há de fundamental em todo o
ordenamento, e por isso ganhando dimensão pública, ainda que com
incidência privatística.
[...]

41
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 1993, p. 57-58.
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Efetivamente, embora se possa afirmar, a contrario sensu, que os


direitos da personalidade nascem como direitos subjetivos, com
escopo no âmbito privado, para, só depois, adquirirem status
constitucional, enquanto direitos fundamentais, passam,
inegavelmente, a deter essa natureza jurídica.42

O estudo dos direitos da personalidade deve atentar para o primoroso


conhecimento construído pela doutrina do Direito Civil sem descurar de
conformá-los à indumentária dos direitos fundamentais, sob pena de praticar três
erros:
(1) Reabilitar o engano oitocentista de colocar o Direito Civil e seus
vizinhos do Direito Privado em primeiro plano e relegar à posição periférica o
Direito Constitucional e os demais ramos do Direito Público, revivendo o
“equívoco de pensar que o direito civil é matriz do direito”43.
(2) Fazer tabula rasa da interpretação sistemática do Direito, ao ignorar
a ausência de compartimentos estanques no ordenamento jurídico.
(3) Olvidar a publicização do Direito Privado, fenômeno surgido com o
Estado Social de Direito e, desde a primeira metade do século XX, resulta da
constitucionalização crescente de diversos campos do Direito Privado (v.g.,
Direitos da Personalidade, Direito das Coisas, Direito de Família, Direito do
Trabalho e Direito do Consumidor). Por meio do Direito Constitucional
Positivo, o Direito Público, cada vez mais, vem disciplinando não apenas
relações jurídicas entre o particular e o Estado, mas também entre particulares
de variados segmentos sociais, o que acarretará a reunificação do Direito44 em
torno do princípio da dignidade da pessoa humana (onde deságuam os ramos

42
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com
outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 60, 63.
43
ATALIBA, Geraldo. Prefácio. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São
Paulo: Malheiros, 2000. p. 7.
44
MAYÓN, Carlos Alberto. Relaciones entre el Derecho Constitucional y el Derecho Civil. Evolución. In: VI
CONGRESO MUNDIAL DE DERECHO CONSTITUCIONAL. Workshop 4: Derechos Humanos y Derecho
Privado. Disponível em: <http://www.iaclworldcongress.org>. Acesso em: 31 dez. 2004. A propósito, Mayón se
filia à corrente doutrinária que enxerga na constitucionalização do Direito Civil indicativo não apenas da
publicização do Direito Privado, mas também da privatização do Direito Público. A unificação do Direito seria
fruto desses movimentos simultâneos.
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jurídicos publicistas e privatistas45), à medida que se torna mais e mais tênue a


linha separatória entre o Direito Público e o Direito Privado. Sintomático desse
fenômeno é o nascimento do Direito Constitucional Civil,

rama del Derecho Constitucional que estudia los derechos de las


personas, en sí mismas y en sus relaciones recíprocas con los demás
individuos, que se encuentran reconocidos en la Constitución y en
otras normas com jerarquía constitucional, y reglamentados en el
Código y en el Derecho Civil.46

Antes de se esquadrinharem os direitos da personalidade no seu habitat


natural que, sabe-se, é o Direito Civil, calha examiná-los sob a ótica do Direito
Constitucional, cuja pedra de toque, acentua-se, corresponde ao princípio da
dignidade da pessoa humana. Assim procedendo, conclui-se estarem os direitos
da personalidade encapsulados nos direitos fundamentais e não apartados deste.
Nesse diapasão, a jurisprudência do Superior Tribunal Federal de
Justiça47 da Alemanha, em dissonância “com a jurisprudência do antigo Tribunal
Supremo do Reich”48, respalda o direito geral da personalidade formulado por
Otto von Gierke, “marco unitário, catalisador de tudo que pudesse afetar o livre
desenvolvimento da personalidade”49, centrando os direitos da personalidade na
intangibilidade da dignidade da pessoa humana (art. 1º.1 da Lei Fundamental
de Bonn) e no livre desenvolvimento da personalidade (art. 1º.2 da mesma
Constituição teutône)50. Aos 2 de abril de 1957, a 6ª Câmara daquela Corte de

45
NEVES, Allessandra Helena. Direitos fundamentais versus direitos da personalidade: contraposição,
coexistência ou complementaridade? Fórum Administrativo: direito público, Belo Horizonte, ano 3, n. 32, out.
2003, p. 2.947.
46
MAYÓN, Carlos Alberto. El Derecho Constitucional Civil: ¿Rama del Derecho Constitucional o del Derecho
Civil? In: VI CONGRESO MUNDIAL DE DERECHO CONSTITUCIONAL. Workshop 4: Derechos
Humanos y Derecho Privado. Disponível em: <http://www.iaclworldcongress.org>. Acesso em: 31 dez. 2004.
47
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 1993, p. 56. Nesse sentido:
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da sexualidade, da
família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 52.
48
SAMPAIO, José Adércio Leite. Op. cit., loc. cit.
49
Ibid., p. 51.
50
Ibid., p. 52.
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Justiça pontificou: o direito geral da personalidade “tem por objetivo proteger a


personalidade e a dignidade humana contra toda e qualquer lesão, não só
praticada pelo Estado,”51 — reprisa Szaniawski — “mas também por
particulares, estando em primeiro plano o livre desenvolvimento da
personalidade, elevado pela jurisprudência a um direito obrigatoriamente
observável”52.
A invocação de tais precedentes judiciais certifica o enlaçamento entre os
direitos da personalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana e endossa
este silogismo: se os direitos da personalidade se radicam nos direitos
fundamentais ou são expressões privatistas destes (como prefere parcela da
doutrina civilista53) e se os direitos fundamentais, por sua vez, repousam no
princípio da dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade, em
última análise, desnovelam-se do princípio da dignidade da pessoa humana.
Os direitos da personalidade não só pertencem ao círculo dos direitos
fundamentais como também compõem a parcela dos direitos fundamentais mais
próxima do princípio da dignidade da pessoa humana. Sem personalidade, o ser
humano não teria individualidade e, por conseguinte, não haveria dignidade da
pessoa humana.

A diferenciação de uma pessoa para outra não as divide ou as separa


de modo absoluto, mas ao contrário, as iguala, porque exatamente esta
dignidade confere ao ser humano, por ser ímpar por ser único, a
diferença de um para o outro. Não somos criaturas fabricadas em
série, numeradas como fotogramas de um filme, antes somos únicas,
indivisíveis, somos indivíduos, e como tal temos uma personalidade,
uma racionalidade. E é isso que em conjunto conforma toda a
dignidade da pessoa humana.54 (grifos nossos)

51
SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit., p. 58.
52
Ibid., loc. cit.
53
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da
personalidade. São Paulo: RT, 2000, p. 81.
54
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Violência e dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, ano 2, n. 7, jul.-set. 1994, p. 66.
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A teoria dos direitos fundamentais no Direito Constitucional e a teoria


dos direitos da personalidade no Direito Civil almejam a “salvaguarda da
dignidade humana”55, agasalhando-se no Direito Positivo direitos sem os quais a
existência e o desenvolvimento do ser humano se inviabilizariam.
Recorda o magistério civilista:

A proteção desses direitos [personalíssimos], no círculo privado,


“reafirma e completa a política de preservação da dignidade da pessoa
humana” [...].
Os direitos personalíssimos são a maior expressão da dignidade
humana, [...] “supõem a concretização e explicitação” de seu valor
[...].
Do art. 16 do Código Civil austríaco, Zeiller [...] concebeu os direitos
personalíssimos como aqueles que permitem “afirmar a dignidade de
um ser racional livremente atuante” [...].
[...] o resguardo da dignidade é também realizado sob o influxo dos
direitos personalíssimos, a partir da preservação de cada um deles, da
manutenção intacta da integração somática e psíquica da pessoa, como
elementos que, unidos, a exteriorizam. [...]
[...]
[...] a dignidade corporifica-se mediante o reconhecimento,
preservação e consagração dos direitos personalíssimos e das
liberdades civis, [...], entre as quais a privacidade vem ganhando
foros.56 (grifos nossos)

Corroboram as lições do Direito Constitucional:

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito


pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições
mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a
intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências
indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for
garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá
espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero
objeto de arbítrio e injustiças. A concepção do homem-objeto, como
visto, constitui justamente a antítese da noção da dignidade da pessoa
humana.57 (grifos nossos)
55
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da
personalidade. São Paulo: RT, 2000, p. 75.
56
JABUR, Gilberto Haddad. Op. cit., p. 208-210.
57
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004, p. 118.
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direitos da personalidade (Hidemberg Alves da Frota)

[...]
De acordo com a lição de Pérez Luño, “a dignidade da pessoa humana
constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será
objeto de ofensas ou humilhações, mas implica também, num sentido
positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada
indivíduo”. 58 (grifos nossos)

Emanação do princípio da dignidade da pessoa humana, os direitos da


personalidade devem ter suas peculiaridades respeitadas, sob pena de se
maltratar aquele postulado, em nome do qual convém se perscrutarem os sinais
típicos desses direitos fundamentais, até para se saber preservá-los.
Os “direitos da personalidade constituem direitos inatos [...], cabendo ao
Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito
positivo — em nível constitucional ou em nível de legislação ordinária, e
dotando-os”59 — leciona Bittar — “de proteção própria, conforme o tipo de
relacionamento a que se volte60, a saber: contra o arbítrio do poder público ou as
incursões de particulares”61.

Assim, a personalidade é parte do indivíduo, a parte que lhe é


intrínseca, pois através dela a pessoa poderá adquirir e defender os
demais bens. Todo homem tem a sua personalidade,
independentemente do que o manda o Direito. Como um bem do
homem, a personalidade pode ser defendida contra quaisquer
agressões. A coletividade, por meio de normas do Direito Positivo,
confere autorização ao homem para defender a sua personalidade,
exatamente como o autoriza a defender seus demais bens.62

Significa dizer: “São os direitos da personalidade, atributos da condição


humana, os quais nascem com o homem, e não dependem de lei para existirem,

58
Ibid., p. 120.
59
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p.
7.
60
Grifos nossos.
61
Ibid., loc. cit.
62
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política,
São Paulo, ano 5, n. 19, abr.-jun. 1997, p. 197-198.
O direito à vida privada: ponto de convergência entre os direitos fundamentais e os
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direitos da personalidade (Hidemberg Alves da Frota)

sendo apenas reconhecidos por ela, que lhe é posterior.”63 A propósito, a ordem
jurídica reserva os direitos do ser humano ainda por nascer — o nascituro —
para serem exercidos apenas quando o indivíduo adquirir personalidade civil,
mediante o nascimento com vida (art. 4º, do CCB/16; art. 2º, do CCB/02).

Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916


[Antigo Código Civil brasileiro]
[...]
Art. 4º A personalidade civil do homem começa do nascimento com
vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do
nascituro.64

Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002


[Novo Código Civil brasileiro]
[...]
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com
vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro.65

Clarificada a necessidade de se observar o contributo dos civilistas à


compreensão do direito à vida privada, expendido o ponto de convergência entre
as teorias dos direitos fundamentais e dos direitos da personalidade e consignada
a origem (e existência) extraestatal dos direitos personalíssimos, indaga-se o que
se entende por personalidade.
Na personalidade se engastam os “caracteres próprios da pessoa”66, de
quem “é o primeiro bem, que lhe pertence como primeira utilidade,” 67 — assere
Diniz, repassando lições de Goffredo Telles Jr. —, “para que dela possa ser o
que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se
encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens”68.

63
BENASSE, Paulo Roberto. A personalidade, os danos morais e sua liquidação de forma múltipla. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 3.
64
BRASIL. Código Civil de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7 jul. 2004.
65
BRASIL. Código de Civil de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso
em: 7 jul. 2004.
66
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000, v. 1, p. 99.
67
Ibid., loc. cit.
68
Ibid., loc. cit.
O direito à vida privada: ponto de convergência entre os direitos fundamentais e os
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direitos da personalidade (Hidemberg Alves da Frota)

Os direitos da personalidade possibilitam aos seres humanos defenderem


os bens “que a natureza lhes deu, de maneira primordial e direta” 69, sendo
imbuídos de sete características básicas70:
1. Caráter absoluto. Possuem “oponibilidade erga omnes, irradiando
efeitos em todos os campos e impondo à coletividade o dever de respeitá-los”71.
2. Generalidade. Conferidos “a todas as pessoas, simplesmente pelo fato
de existirem”72.
3. Extrapatrimonialidade. Desprovidos de “conteúdo patrimonial direto,
aferível objetivamente, ainda que sua lesão gere efeitos econômicos”73;
4. Indisponibilidade. Não podem quer mudar de titular (“nem por
vontade própria do indivíduo”74), quer ser abandonados;
5. Imprescritibilidade. Podem ser exercidos a qualquer tempo, mas não
são adquiríveis pelo “decurso do tempo”75;
6. Impenhorabilidade. Os direitos da personalidade são insuscetíveis de
penhora. Todavia, os direitos de conteúdo patrimonial deles decursivos são
penhoráveis.

Os direitos morais de autor jamais poderão ser penhorados, não


havendo, porém, qualquer impedimento legal na penhora do crédito
dos direitos patrimoniais correspondentes. Sob o mesmo argumento,
há que se admitir a penhora dos créditos da cessão de uso do direito à
imagem.76

69
Ibid., loc. cit.
70
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 151-157.
71
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 152.
72
Ibid., p. 153.
73
Ibid., loc. cit.
74
Ibid., p. 154.
75
Ibid., p. 156.
76
Ibid., loc. cit.
O direito à vida privada: ponto de convergência entre os direitos fundamentais e os
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direitos da personalidade (Hidemberg Alves da Frota)

7. Vitaliciedade. Surgem com o nascimento do indivíduo e se extinguem


com a sua morte, salvo, por exemplo, o direito ao corpo morto e em caso de
(ameaça de ou efetiva) lesão à honra post-mortem77.
Em uma enumeração exemplificativa, arraigada ao primordial e inspirada
nos (mas não inteiramente fiel aos) magistérios de França, Gagliano e Pampona
Filho78, enxergam-se os direitos da personalidade como direitos de defesa,
tripartidos nestes compartimentos (muitas vezes com elementos interligados,
v.g., as liberdades de consciência e de culto pertencem a grupos de direitos de
defesa diversos, porém se interrelacionam, não se cogitando tecer loas à
liberdade de consciência repulsando-se, ao mesmo tempo, a liberdade religiosa):
1. Direito de defesa da integridade física: vida, alimento, corpo vivo ou
morto e suas partes.
2. Direito de defesa da integridade intelectual: liberdades de
consciência, pensamento, de opinião e de praticar atividades intelectuais (e.g.,
nos campos da ciência, da tecnologia, da cultura e do desporto).
3. Direito de defesa da integridade psíquica e moral: honra, imagem,
vida privada e identidade pessoal, familiar e social, bem como liberdades “civil,
política e religiosa”79.

77
Ibid., p. 156-157.
78
FRANÇA, R. Limongi. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: RT, 1975, p. 411. Apud DINIZ, Maria
Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p.
100-101; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
São Paulo: Saraiva, 2002, p. 157.
79
DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 101.

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