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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

IMARA PIZZATO QUADROS

PALAVRAS CIENTÍFICAS SONHANTES EM UM


TERRITÓRIO ÚMIDO FEITO À MÃO: A ARTE POPULAR
DA CANOA PANTANEIRA

CUIABÁ-MT

2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

IMARA PIZZATO QUADROS

PALAVRAS CIENTÍFICAS SONHANTES EM UM


TERRITÓRIO ÚMIDO FEITO À MÃO: A ARTE POPULAR
DA CANOA PANTANEIRA

CUIABÁ-MT

2013
IMARA PIZZATO QUADROS

PALAVRAS CIENTÍFICAS SONHANTES EM UM


TERRITÓRIO ÚMIDO FEITO À MÃO: A ARTE POPULAR
DA CANOA PANTANEIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso como requisito para a obtenção do título de
Doutora em Educação na Área de Concentração
Educação, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais,
Política e Educação Popular – Educação Ambiental.

Orientadora: Profa. Dra. Michèle Sato

Cuiabá-MT
2013
IMARA PIZZATO QUADROS
DEDICATÓRIA1:

Dedico a esta imagem amarelada pelo tempo em


forma de uma pequena carta escrita pelo meu
pai, quando completei meus 12 anos. Outrora
um sonho, hoje, uma realização... Ainda bem
que o amor ressoa pela eternidade!
DEDICATÓRIA2:

Dedico à vida e ao meu viver! Dedico ao tempo


que se foi... Dedico com amor ao meu filho João
e ao meu esposo Hélio.

Especialmente dedico aos meus grandes Mestres,


meu amado pai pela escola da vida, minha
amada mãe Iára, pelo incentivo na formação
escolarizada, a minha orientadora Michèle Sato,
pela acolhida sensível para uma formação
científica! E a Banca, Profa Dra Martha Tristão,
Prof Celso Sanchés, Prof Dr Luiz Augusto Passos,
Profa Dra Regina Silva e a Profa Solange
Castrillon pela escuta e contribuição, essenciais
para esta formação sensível-científica. E aos
amigos companheiros de pesquisa, os mestres
canoeiros de Joselândia, em especial aos Mestres
Jânio e Gonçalo. Esta combinação-descombinada
me fez singular neste trajeto!
AGRADECIMENTOS

Chegou o tempo de agradecer...

Agrada o ser!

Mostra-se grato, exibir a gratidão que se sente por aqueles que de alguma maneira
partilharam a trajetória comigo, conosco. Estudar-aprender, bem como, elaborar uma tese e
chegar à condição de Professora Pesquisadora Doutora não é uma caminhada solitária, ao
contrário, é um caminhar de forma sempre partilhada... Certamente neste texto, mal cabem
todas as pessoas que direta ou indiretamente estiveram comigo... A cada uma serei
eternamente grata! Então, segue meu carinho em forma de palavra escrita para aquelas que
compassaram o passo comigo em algum momento do trajeto!

Agradeço minha amiga-orientadora, Professora Doutora Michèle Tomoko Sato pela acolhida
neste percurso, pela sensibilidade com que me orientou e pelo respeito dispensado ao meu
percurso, portanto, ao meu trabalho de doutoramento.

Agradeço aos meus Mestres canoeiros do Pantanal de Joselândia, em especial ao Mestre


Jânio (Januário Gonçalves Correia Filho) e ao Mestre Couro (Gonçalo) meus parceiros de
estudo.

Alguns agradecimentos especiais são necessários:

Agradeço ao Pica-pau proprietário de uma das Pousadas em São Pedro – Joselândia


(Pantanal MT), pela parceria na promoção da dinâmica do pensado!

Agradeço ao João Quadros Ramos, um adolescente de 14 anos, fotógrafo premiado que me


deu a mão. João caminhou comigo na pesquisa de campo em Joselândia e foi o fotógrafo
oficial do trabalho de campo realizado. Sem sua mão-parceira, lente e coração a pesquisa
neste território úmido não teria o mesmo sabor do saber.

Agradeço aos pesquisadores do GPEA/UFMT parceiros de pesquisa de campo quando


acompanhamos o fazer canoas: Mimi, João, Luchy e Luigi. Foi muito bom ter vocês por
perto! Outro agradecimento especial vai para as meninas amigas: Rê, Mi e Lika, pelas nossas
idas a campo sempre saborosamente deliciosas e produtivas!

Agradeço a Iára Pizzato Quadros, minha primeira e fiel leitora-crítica da tese. Sem seus
pareceres, provocações e discussões teria sido impossível desamadurecer e reamadurecer
nesta jornada.
Agradeço ao César Pizzato Quadros, minha segunda mãe, pela força no início do doutorado,
trabalhando inclusive algumas imagens quando eu ainda não sabia muito como fazer.

Agradeço ainda, outra leitora sensível-crítica do trabalho ainda embrião, Ruth Albernaz
Silveira, amiga sempre pronta a dar força!

Agradeço a banca, Professora Doutora Martha Tristão, Professor Doutor Celso Sánchez,
Professora Doutora Solange Ikeda, Professor Doutor Luiz Augusto Passos e Professora
Doutora Regina Silva pelo exame parceiro, sensível, crítico e criativo do meu trabalho.

Agradeço aos Professores do Curso de Doutorado do PPGE/UFMT, a Professora Doutora


Michèle Tomoko Sato, o Professor Doutor Luiz Augusto Passos, o Professor Doutor Nicanor
Palhares, a Professora Doutora Artemis Torres e o Professor Doutor Silas Borges.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE da Universidade de Mato


Grosso – UFMT.

Agradeço especialmente a Luísa Teixeira, pela prontidão e carinho com que nos atende e
conduz na secretaria do PPGE/UFMT.

Agradeço imensamente a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -


CAPES pela concessão da bolsa pesquisa para que pudesse realizar o trajeto investigador
durante os quatro anos de estudo. Juntamente agradeço ao povo brasileiro que ao pagar
seus impostos possibilita bolsas de estudos científicos também nas áreas da Ciência
Humana.

Agradeço ao Instituto Federal de Mato Grosso – Campus Rondonópolis por conceder


momentos para estudos e escrita da Tese, compreendendo importância da formação
acadêmica do seu quadro docente.

Agradeço as instituições que financiaram os Projetos em que minha pesquisa esteve


atrelada... INAU, CPP, FAPEMAT, CNPQ, REMTEA e ICARACOL.

Agradeço ao Grupo pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte – GPEA/UFMT


pela presença fiel, que por vezes acaba sendo uma só pessoa. Um beijo especial a Mimi, Rê,

Mi, Likita e Luchy pelas aventuras e carinhos partilhados! Um abração apertado aos meninos
Samuka e Rona pelas ajudas e palavras indispensáveis. Beijos mil a Gi pelas dicas de leitura
para melhorar o conceito de território, e a Simone pela força no dia da defesa.

Agradeço a Sônia Palma pela primeira correção da escrita, a Marlene Silva pela correção final
e a Leen Gilles pela força na escrita da Língua Inglesa.

Agradeço com todo o carinho a comunidade de Joselândia pela acolhida, confiança, carinho
e ensinamentos desde 2007.

Agradeço imensamente a minha família, minha mãe tão amiga e parceira, meus irmãos
sempre amados Álvaro, César e Juarez, minhas cunhadas, meus sobrinhos e sobrinhas pelo
amor.

Agradeço meu filho João e meu namorado-companheiro-marido Hélio Caldas, pela grande
força e compreensão de sempre.

Agradeço a minha Tia Helena pelo último olhar e palavras, um diálogo só nosso.

Agradeço as minhas amigas-irmãs Márcia Pizzato (RS), Ruth (Cuiabá - MT), Rê e Mi (Cuiabá
– MT) e Fabi (Rondonópolis – MT) pela prontidão para o aconchego.

Agradeço ao cosmo pela generosidade nas/das aprendizagens, fizeram o meu viver


extremamente melhor, mais belo e feliz!
PALAVRAS CIENTÍFICAS SONHANTES EM UM TERRITÓRIO ÚMIDO FEITO À
MÃO: A ARTE POPULAR DA CANOA PANTANEIRA

Este estudo expressa o resultante de uma pesquisa fenomenológica com foco na Educação
Ambiental, onde oferta contornos bem expressivos à relação Natureza e Cultura através das
práticas artísticas de uma comunidade pantaneira, Pantanal Norte, Complexo comunitário de
Joselândia, distrito do município de Barão de Melgaço em Mato Grosso – Brasil. Uma
pesquisa que trilhou pelo caminho formativo-aprendiz da Arte Educação Ambiental partindo
das ligações ecossistêmicas da canoa pantaneira feita pelos Mestres canoeiros, seguindo
para as aprendizagens científicas. Para tal, apoiou-se em Gaston Bachelard (Fenomenologia
da Imagem e da Imaginação), em Michèle Sato (Cartografia do Imaginário para Pesquisa em
Educação Ambiental), em Paulo Freire (Educação Popular), Michèle Sato (Educação
Ambiental) e em Ana Mae Barbosa (Arte Educação). O percurso compreensivo foi bordado
pelos objetivos que se compuseram por buscar possibilidades para reabrir o diálogo entre
Natureza e Cultura; compor uma cartografia sistêmica pelo viés artístico cultural dos serviços
ecossistêmicos e tecer ligações entre Arte e Ciência, esferas ainda dicotomizadas.
Compreender o fio sistêmico da canoa pantaneira mergulhada no contexto das relações
estabelecidas com o Pantanal Norte, Bacia do Alto Paraguai com as suas águas chegantes na
atualidade, permitiu o nascer de imagens artísticas poética-científicas, promovedoras da
compreensão da relação Arte e Ciência. A tradição moderna assentou dicotomias que não
permitem o brotar possibilidades da complementariedade-dialogantes, desembocando na
potencia da objetividade na despotencialização da subjetividade, tracejando diferenças,
esculpindo desigualdades, exclusões, invisibilidades, portanto, injustiças e
insustentabilidades. O estudo ao revelar as compreensões almejadas, abriu caminhos
importantes para a contemporaneidade educacional, científica e cotidiana. A pesquisa
desenhou uma educação sensível criativa como indispensável à formação humana em todos
os âmbitos, em especial para as questões ambientais que estampam com palheta forte, a
necessidade de uma Educação Ambiental em todas as estâncias de atuação-relações
humanas, inclusive na Ciência, clamando por superações das dicotomias instauradas pelo
pensamento moderno, transcendendo em busca de brechas, em busca de diálogos, em
busca de complementariedades. No caso desta pesquisa a busca foi pela
complementariedade entre Natureza e Cultura, bem como, Ciência e Arte no intento de
alcançar reinvenções necessárias na expectativa de contribuir com a superação dos
problemas sociais e ambientais existentes. Uma Educação Ambiental sensível, crítica e
criativa transbordante de transformação social com responsabilidade e compromisso,
considera este estudo, por se revelar um referencial significativo às pesquisas, aos governos
e a sociedade em geral, pois, ao pensar políticas públicas no viés sociocultural se deve aliar
o socioambiental para compor as tomadas de decisões que desenharão as políticas e a
Ciência em tempos Pós-Modernos.

Palavras - Chave: Educação, Ambiente e Arte - Arte Educação Ambiental.


SCIENTIFIC DREAM WORDS IN A WETLAND MADE BY HAND: THE FOLK
ART OF THE PANTANEIRA CANOE

This study presents the results of a phenomenological research, focused on environmental


education, expressing the relationship between nature and culture through artistic practices
of the communities of Joselândia, Northern Pantanal, district of the municipal Barão de
Melgaço in Mato Grosso – Brazil. Formational-apprentice of the Environmental Education Art
was applied, starting from the eco-systemic links of the pantaneira canoemade by the
masters, followed by scientific learning. The study was based on the work of Gaston
Bachelard (Phenomenology of the image and imagination), Michèle Sato (Imaginary mapping
for research in environmental education), Paulo Freire (Popular Education), Michèle Sato
(Environmental Education) and An Mae Barbosa (Art Education).The main goals of our
comprehensive course were to seek possibilities to reopen the dialogue between nature and
culture; composing a systemic cartography using artistic cultural ways of ecosystem services
and to weave connections between art and science, two study fields still separated.
Understanding the story of the pantaneira canoe, in the context of the established
relationships of the Northern Pantanal, High Paraguay Basin, with its complex water
dynamics, enabled the birth of poetic artistic-scientific images, and helped promoting the
understanding of the relationship between Art and Science.The modern tradition is showing
division, not allowing new possibilities of complementary dialogues, discharging the power of
objectivity in the de-powering of subjectivity, seeking for differences, carving out
inequalities, exclusions, invisibilities, therefore, injustice and unsustainability. While revealing
the desired understandings, this study opened important pathways for the educational,
scientific and daily contemporarily work. The research set up a creative sensitive education,
essential for human formation in all areas, in particular for environmental issues, the need
for environmental education in all the areas of human relations, including in science, claiming
to super act the divisions brought by modern thought, transcending in search of gaps, in
search of dialogue, in search of complementarities. In the case of this research the main
goal was to seek for complementarity between Nature and Culture, as well as, Science and
Art, in the attempt to achieve necessary reinvention and so contributing to the improvement
of the existing social and environmental problems. This study - in the context of sensible,
critical and creative Environmental Education with responsibility and compromises - is
considered a significant reference for research, for governments and societies in general.
When considering public policies in socio-cultural ways one should ally the socio-
environmental to compose the decision making that form policies and Science policies in the
post-Modern times.

Keywords: education, environment and art- Art Environmental Education.


SUMÁRIO

1 O ANTETEMPO DA VIAGEM CIENTÍFICA 25

1.1 O mapa-múndi da viagem científica 26


1.2 O mapa da viagem científica 29

2 PRIMEIRAS IMAGENS PRIMEIRAS PALVRAS 50

2.1 Do meu ventre minhas obras: prenúncios de um trilhar científico-


artístico 50
2.2 Uma caminhante e seu descaminho 64
2.3 Minha casa natal: indícios da jornada 72
2.3.1 Educação: vida e escola 72
2.3.2 Cultura é educação da vida 76
2.3.3 Educação Ambiental e a Arte Educação 79
2.3.4 Arte Educação Ambiental: ambiência híbrida de/para criação 88

3 ARTESANIA DOS SENTIDOS 92

3.1 Caminhos e descaminhos: invenções denunciantes e anunciante 92


3.2 Garatujas da faina artística em campos científicos 111
3.3 Estereótipos: aborto da imaginação criadora, morte do espírito-
sensível-criativo-científico 123
3.4 Emergência estética-poética-científica 131
3.5 Arvorizando um caminho 145
3.6 Em busca de um tardio novo espírito científico no território da pós-
modernidade 163

4 ARTESANIA TEÓRICO METODOLÓGICA 178

4.1 Mapa da viagem 178


4.2 Solo da viagem 182
4.2.1 Trilheiro do cosmo retrato 190
4.2.2 Rastro de uma gênese 194
4.3 A viagem científica 197
4.3.1 Procedimentos focais 197
4.3.2 Registro da viagem 203
4.3.3 Expedições científicas: virtual e presencial 206

5 CAMPOS DA VIAGEM CIENTÍFICA: LIGAÇÕES


ECOSSISTÊMICAS ARTÍSTICAS, MATÉRIA SONHANTE DA 212
PESQUISA
Estação 1: O Pantanal, ambiente cambiante 219
Estação 2: Cambará cambarazal 225
Estação 3: Pantaneiro, o humano na diversidade cambiante 229
Estação 4: O Pantanal de Joselândia e sua arte 230
Estação 5: A arte Popular do Pantanal de Joselândia 235
Estação 6: canoa, ligação íntima entre ecossistema pantaneiro e arte
de Joselândia 239
Cartografia criação artística: rastreando saberes, mapeando a
arte pantaneira 240
Na busca da matéria para a criação artística 243
Atelier Água 250
Atelier Terra 256
Canoa pantaneira, objeto da arte popular 264
Imagens culturais escritas sobre a canoa mato-grossense 268
Iconografias da canoa: imaginário artístico mato-grossense 268
Iconografias bibliográficas da canoa 269
Iconografia urbana da canoa 278
Estação 7: Águas chegantes deste lugar pantaneiro 287

6 POR UMA EMERGÊNCIA ESTÉTICO-POÉTICA NA CIÊNCIA,


ESBOÇO DE UM NOVO-OUTRO ESPÍRITO CIENTÍFICO NO
TERRITÓRIO DA PÓS-MODERNIDADE: O SONHANTE 299
ARTÍSTICO CIENTÍFICO

7 UM PALCO CIENTÍFICO, UMA TRAMA PÓS-MODERNO 320

7.1 Abrindo as cortinas... 322


7.2 O palco do diálogo em movimento 323
7.3 Um palco para muitos diálogos: em cena “O diálogo dos diálogos” 325
7.3.1 NaturezaCultura, um diálogo matéria 330
7.3.2 ArteCiênciaou CiênciArte, um diálogo pós moderno 334
7.3.3 Arte Educação Ambiental, um diálogo sensível-crítico e criativo 336
EA proposta por Michèle Sato (GPEA) 336
AE de Ana Mae Barbosa 338
Arte Educação Ambiental 340

8 O NÃO FECHAR DAS CORTINAS 346

8.1 Considerações partilhadas em trânsito 348

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 360

APÊNDICES 267

ANEXOS 268
LISTA DE IMAGENS

Imagem 01: Esquema das eternas ligações.............................................. 31


Imagem 02: Ser Humano: todo poderoso................................................. 34
Imagem 03: Esquema cartográfico das ligações ecossistêmicas.................. 35
Imagem 04: Esquema das esferas dialogantes.......................................... 37
Imagem 05: Lócus da investigação: solo científico e poético...................... 39
Imagem 06: Retrato.............................................................................. 59
Imagem 07: Cópia digital 1.................................................................... 61
Imagem 08: Cópia digital 2.................................................................... 61
Imagem 09: Cópia digital 3.................................................................... 62
Imagem 10: Da Arte para a Ciência......................................................... 63
Imagem 11: Dunas na praia Imara.......................................................... 65
Imagem 12: Imagem refletida................................................................. 66
Imagem 13: Ligações imaginárias............................................................ 67
Imagem 14: Placa de indicação da Praia Imara........................................ 68
Imagem 15: Fragmentos imagéticos da praia Imara/RS............................ 69
Imagem 16: Fragmentos imagéticos da praia Imara/RS............................ 69
Imagem 17: Fragmentos imagéticos da praia Imara/RS............................ 69
Imagem 18: Fragmentos imagéticos da praia Imara/RS............................ 69
Imagem 19: Eu no pantanal, e o pantanal em mim................................... 71
Imagem 20: Aprendizagens artísticas...................................................... 85
Imagem 21: Ciranda socioambiental: Arte Educação Ambiental.................. 86
Imagem 22: Antes Arte do que tarde....................................................... 90
Imagem 23: Rio sujo............................................................................. 94
Imagem 24: Rio limpo........................................................................... 95
Imagem 25: Entrelaço híbrido................................................................. 98
Imagem 25a: Alma e Espírito humano, desenhadores de Imagens Poéticas........ 114
Imagem 26: Série artística tecida em pesquisa numa escola estadual......... 115
Imagem 27: Série artística tecida em pesquisa numa Comunidade
Quilombola......................................................................... 116
Imagem 27a: Flores, mãos fazendeiras e altar em enfeitado em devoção..... 117
Imagem 27b: Série artística tecida em pesquisa no continente africano........ 119
Imagem 28: Ciranda da imaginação criadora........................................... 120
Imagem 29: Desenho estereotipado........................................................ 123
Imagem 30: Entre o sol e a lua............................................................... 132
Imagem 31: Água e pó, matérias dissolventes.......................................... 147
Imagem 31a: Redondeza do ser 1............................................................. 149
Imagem 31b: Redondeza do ser 2............................................................. 150
Imagem 32: Esquema cartográfico da minha imagem artística................... 157
Imagem 32a: Mapa do percurso da minha imagem artística........................ 157
Imagem 33: Paisagens da Ilha do Fogo/Cabo Verde/África........................ 158
Imagem 34: Paisagens da Ilha do Fogo/Cabo Verde/África........................ 158
Imagem 35: Pedras vulcânicas da Ilha do Fogo, transformadas em arte..... 159
Imagem 36: Pedras vulcânicas da Ilha do Fogo, transformadas em arte..... 159
Imagem 37: Pedras vulcânicas da Ilha do Fogo, transformadas em arte..... 160
Imagem 38: Pedras vulcânicas da Ilha do Fogo, transformadas em arte..... 160
Imagem 39: Arte nascente 1.................................................................. 160
Imagem 40: Arte nascente 1................................................................... 160
Imagem 41: Arte nascente do devaneio................................................... 162
Imagem 42: Arte nascente do devaneio................................................... 162
Imagem 43: Fogo e água parindo ilhas..................................................... 162
Imagem 44: Caminho compreensivo........................................................ 175
Imagem 45: Ciência e Arte em mim habitando.......................................... 176
Imagem 46: Esquema cartográfico das ligações ecossistêmicas
2...................................................................................... 183
Imagem 47: Esquema do calendário das idas a campo.............................. 197
Imagem 48: Gráfico das idas a campo relacionados ao ciclo das águas
pantaneiras 1..................................................................... 198
Imagem 49: Gráfico das idas a campo relacionadas ao ciclo das águas
pantaneiras 2..................................................................... 199
Imagem 50: Registro fotográfico da pesquisa pela pesquisadora................ 204
Imagem 51: Registro escrito - manual da pesquisa pela pesquisadora, durante a
Oficina: Atelier Água............................................. 204
Imagem 52: Registro escrito - manual da pesquisa pela pesquisadora, durante a
Oficina: Atelier Terra............................................. 205
Imagem 53: Oficina do fazer canoa, fase Atelier Água............................... 208
Imagem 54: Encontro 1......................................................................... 209
Imagem 55: Encontro 2......................................................................... 209
Imagem 56: Mestres canoeiros de Joselândia, participantes da pesquisa.... 210
Imagem 57: Ligações entre natureza, economia e ser
humano.............................................................................. 214
Imagem 57a: Ligações entre Natureza, cultura e economia......................... 215
Imagem 58: Ciclo da água...................................................................... 217
Imagem 58a: Mapa pictórico do caminho investigador................................ 219
Imagem 59: Mapa dos Pantanais............................................................ 220
Imagem 60: Ciclo das águas no Pantanal Norte........................................ 223
Imagem 61: Cambarazal em Joselândia.................................................... 225
Imagem 62: Cambará............................................................................ 226
Imagem 63: Madeira do caule do Cambará............................................... 227
Imagem 64: Semente do Cambará.......................................................... 228
Imagem 65: Flor do Cambará................................................................. 228
Imagem 66: Mapa Pictórico de Barão de Melgaço MT – Joselândia............. 231
Imagem 66a: Mapa Pictórico da Comunidade de Joselândia......................... 232
Imagem 67: Vista aérea da sede comunitária, São Pedro........................... 233
Imagem 68: Caminhos que levam a Joselândia......................................... 234
Imagem 69: Arte das Tramas................................................................. 236
Imagem 70: Arte do Entalhe................................................................... 237
Imagem 71: Arte do corte, costuras e tranças........................................... 237
Imagem 72: Ligações entre serviços ecossistêmicos.................................. 238
Imagem 73: Participantes locais da Oficina do Fazer canoa........................ 242
Imagem 74: Procura do melhor tronco de Cambará.................................. 243
Imagem 75: Estudo da altura e retidão do tronco para a melhor canoa...... 244
Imagem 76: Posicionando as estivas para a queda do Cambará................. 245
Imagem 77: A queda do Cambará escolhido............................................ 246
Imagem 78: Canoa-matemática, medição do tronco para a existência da
canoa................................................................................ 247
Imagem 79: Feitura da alavanca que proporciona o movimento do tronco.. 248
Imagem 80: Limpeza do tronco para as medidas primeiras........................ 249
Imagem 81: Canoa-matemática 2........................................................... 250
Imagem 82: Primeiros cortes do tronco para a existência da canoa............ 251
Imagem 83: Pó de pilha para deixar marcas que não saem na água........... 252
Imagem 84: O entalhe da canoa 1.......................................................... 252
Imagem 85: O entalhe da canoa 2.......................................................... 253
Imagem 86: Instrumentos utilizados na fase Atelier Água do entalhe......... 254
Imagem 87: Lima, instrumento que afia os demais................................... 254
Imagem 88: Resíduos da escultura da canoa na fase Atelier Água.............. 255
Imagem 89: Atelier Terra....................................................................... 256
Imagem 90: Entalhe-acabamento no Atelier Terra.................................... 257
Imagem 91: Fechando as cavias............................................................. 258
Imagem 92: Instrumentos utilizados no entalhe-acabamento, fase Atelier Terra
1.............................................................................. 259
Imagem 93: Instrumentos utilizados no entalhe-acabamento, fase Atelier Terra
2.............................................................................. 260
Imagem 94: Caminhos de água na cheia, desenhadores da necessidade da
canoa................................................................................ 262
Imagem 95: Geografia da canoa esculpida............................................... 263
Imagem 96: Canoa, objeto da arte popular mato-grossense...................... 265
Imagem 97: Gravuras do fazer canoa 1................................................... 270
Imagem 98: Gravuras do fazer canoa 2................................................... 270
Imagem 99: Índio pescando em cima de uma canoa................................. 271
Imagem 100: Canoas e pescadores........................................................... 272
Imagem 101: A história e a canoa............................................................. 273
Imagem 102: Canoa na pintura de Clóvis Iriguaray..................................... 274
Imagem 103: Canoa na pintura de Gervane de Paula.................................. 274
Imagem 104: Canoa na beira do rio, fotografia de José Maurício.................. 275
Imagem 105: Pescadores com canoas na obra Geracy Bianchini.................. 276
Imagem 106: Canoas na obra de Benedito Filho......................................... 276
Imagem 107: Canoas-onça, canoas-casas e canoas-fé nas obras de João
Sebastião........................................................................... 277
Imagem 108: Escultura com a presença da canoa na Av. Fernando Correia.. 279
Imagem 109: Pintura com a presença da canoa no Mercado do Porto.......... 280
Imagem 110: Intervenções com a presença da canoa no Shopping Três 281
Américas............................................................................
Imagem 111: Canoa de vidro na entrada do cinema no Shopping Pantanal 1 282
Imagem 112: Canoa de vidro na entrada do cinema no Shopping Pantanal 2 282
Imagem 113: A canoa no Restaurante Serras no Shopping Três Américas.... 283
Imagem 114: A canoa na ambientação do Restaurante Vale Verde no Shopping
Pantanal 1............................................................ 284
Imagem 115: A canoa na ambientação do Restaurante Vale Verde no Shopping
Pantanal 2........................................................... 284
Imagem 116: A canoa na ambientação do Restaurante Vale Verde no Shopping
Pantanal.............................................................. 285
Imagem 117: Expedição dos rios chegantes na cheia de Joselândia............. 288
Imagem 118: Nascente do rio São Lourenço.............................................. 290
Imagem 119: Passagem do São Lourenço por Campo Verde e Dom Aquino.. 291
Imagem 120: Passagem do Rio São Lourenço por São Pedro da Cipa........... 293
Imagem 120a: Uso e consumo.................................................................. 294
Imagem 120b: Ligações e prolongamentos 1............................................... 295
Imagem 120c: Ligações e prolongamentos 2............................................... 296
Imagem 120d: Ligações e prolongamentos 3............................................... 297
Imagem 121: Desenhando e pensando a canoa de Joselândia..................... 303
Imagem 121a: Proposta Triangular............................................................. 304
Imagem 122: Tronco cortado de um Cambará........................................... 308
Imagem 123: Uma poética artística da cartografia ecossistêmica da canoa 1 309
Imagem 124: Uma poética artística da cartografia ecossistêmica da canoa 2 311
Imagem 125: Caminho cíclico da criação da imagem................................... 313
Imagem 126: O mundo, matéria da criação................................................ 313
Imagem 127: A imagem criada................................................................ 314
Imagem 128: O fazedor de imagens.......................................................... 315
Imagem 129: A imagem criada, uma força provocadora.............................. 316
Imagem 130: Tessituras produzidas pela pesquisa..................................... 328
Imagem 131: Tessituras da pesquisa........................................................ 329
Imagem 132: Caminho ligante da pesquisa................................................ 331
Imagem 133: Natureza-Sociedade-Ser Humano-Fazer-Contextualizar-Ler..... 341
LISTA DE VÍDEOS

Vídeo 01: O fazer canoa..................................................................... 260

Vídeo 02: Vasculhar imagético escrito e icnográfico artístico-cultural...... 279

Vídeo 03: Vasculhar icnográfico artístico............................................... 287


LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Serviços ecossistêmicos segundo a Avaliação Ecossistêmica do


Milênio – AEM................................................................ 35
Quadro 02: Pesquisa bibliográfica documental......................................... 201
Quadro 03: Contato informal com as pessoas e lideranças da
comunidade....................................................................... 202
Quadro 04: Observação direta e Entrevista 202
aberta................................................................................
Quadro 05: Ler-contextualizar-fazer, conforme ideias de Ana Mae............. 340
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEM Avaliação Ecossistêmica do Milênio


CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico
CPP Centro de Pesquisa do Pantanal
EA Educação Ambiental
FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso
GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
INAU Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia em Áreas Úmidas
INCT Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
MCT Ministério de Ciências e Tecnologias
MT Mato Grosso
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação
RBJA Rede Brasileira de Justiça Ambiental
RS Rio Grande do Sul
SGA Sub-Global Assessment- Rede mundial de Avaliação dos ecossistemas
SESC Serviço Social do Comércio
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
22

A mão que desenha,

É a poeta que sonha...


23

Meu ritmo científico foi caracoleado, vagaroso no saboreio do caminhar...

Tive o que Bachelard chama de Paciência científica!

Não deixei de produzir ciência só porque não imprimo o ritmo frenético solicitado pela
ciência hoje.

Fiz ciência, sei disto!

A ciência por vezes desdenha quem se encontra fora da sua fôrma!

A ciência precisa transcender as diferenças!


24

Quando iniciamos a viagem na aventura científica, deixamos a casa em liberdade, partimos

nos nossos voos oníricos da madrugada.

(SATO, 2011, p.15).


25

1 O ANTETEMPO DA VIAGEM CIENTÍFICA

De fato as grandes certezas desmoronam regularmente. Os


acontecimentos, as mutações e as inovações fazem apelo a novas
maneiras de pensar a sociedade. (MAFFESOLI, 1996, p. 9).

Apoiada na Cartografia do Imaginário de Sato (2011), inauguro a escrita da minha


tese. Esta Cartografia se revela uma orientação intitulada “Cartografia do
Imaginário”, na qual Sato faz referência aos quatro elementos bachelardianos,
considerando-os como basais para um processo de aprendizagem: a Água,
considerada como possibilidade formativa; a Terra, como deformativa; o Fogo, como
transformativa; e o Ar, como reformativa.

Este caminho destina a orientar pesquisas e pesquisadores em Educação Ambiental


pelas vias fenomenológicas, pois, sugere uma espécie de "mapa" que abarca uma
pesquisa em construção, não deixando de abordar conceitos para melhor
compreender a hipótese, os objetivos científicos e outros. A cartografia proposta por
Sato visa contribuir sobremaneira com todo o desenrolar do processo de uma
investigação científica em Educação Ambiental, contribuindo para que se mantenha
atenção ao devaneio e ao poetizar conjuntamente com o fazer científico, a fim de
não se negligenciar nem ciência nem poética artística em sua construção.

A Cartografia do Imaginário é um caminho que oferece permissão para que se


transite pelas trilhas imaginárias, permissiva às grandes aventuras-aprendizagens,
destacando entre elas, a da criação artística como uma atividade, uma ação humana
relevante tanto que importa para a Ciência como para a Educação Ambiental. O
imaginário em qualquer circunstância em que o humano se faça e se revele
presente, é uma instância que provoca o olhar, fomenta a reflexão, o pensar, e abre
possibilidades de ver a si mesmo, de ver o outro em si, de se ver no outro, de ver os
26

outros no mundo com você e de se ver no mundo com os outros, tecendo assim, o
estar junto, a (s) identidade (s).

A compreensão de Sato (2011) para o instante primeiro de uma jornada é que


importa à nossa “constituição original” e à “gênese do nosso desejo”, pois, estes
fornecem possibilidades da viagem científica sonhada. Nessa perspectiva, seguem os
fios originais que se tramam em desejos e compõem a tessitura da minha partida
rumo a esta singular aventura de transformação pessoal e profissional.

Nesta primeira parte do trabalho escrito, situo meus pontos de partida para ancorar
o solo que não só sustentou esta investigação, como também contornou a tese que
aqui apresento. Iniciado em 2009, o meu caminho foi percorrido nas trilhas do
processo do Curso de Doutorado em Educação, da Universidade Federal de Mato
Grosso – UFMT, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Michèle Sato. Para tal, elaboramos
um projeto de pesquisa circunscrito no Programa de Pós-Graduação em Educação –
PPGE dessa Universidade, imbuído de percorrer, pelo campo qualitativo Educacional
Popular não escolarizado das Ciências Humanas, caminho de aprendizagem
científica.

1.1 O mapa-múndi1 da viagem científica

Esta investigação esteve circunscrita nos princípios do Tratado de Educação


Ambiental - TEA2e da Justiça Ambiental - RBJA3, bases que ofertaram todo o aporte
para desvelar cenários que bordavam cotidianamente os diálogos entre natureza e
cultura, contribuidores do revelar das diversas identidades construídas no território

1
Mapa-múndi é um mapa que representa toda a superfície da terra (Bueno, 2000, p 494). Neste título
a ideia é representar o todo da viagem científica empreendida. (BUENO, Silveira. Minidicionário da
Língua Portuguesa. São Paulo: FDT, 2000).
2
Acessos disponíveis: http://tratadodeeducacaoambiental.net/index.php?menu=otratado
http://tratadoeducacaoambiental.net/Jornada///Home_pt.html
http://tratadodeea.blogspot.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Educa%C3%A7%C3%A3o_Ambiental_para_Sociedades_Sust
ent%C3%A1veis_e_Responsabilidade_Global
http://www.youtube.com/watch?v=xe_LNLntVCE&feature=share&list=UUzZlc8bs2lavQh0o8Wjiecw
http://remtea.blogspot.com.br/
3
Acesso disponível: RBJA – Rede Brasileira de Justiça Ambiental, movimento brasileiro, site:
http://www.justicaambiental.org.br
27

de vida no lugar em que nasceram e que se foram criadas e que, provavelmente se


irão morrer. Mergulhado no cotidiano bordado pelos valores e significados
construídos em relação ao tempo e ao espaço de vida, é que se mantém forte e
intensa ligação entre a dimensão local entrelaçada com a universalidade humana,
pontos favorecedores da constituição de um mosaico dialógico.

O caminho investigatório nasceu da interface das propostas apresentadas pelos


Projetos de Pesquisa do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e
Arte - GPEA/UFMT4. Um dos projetos do Grupo pesquisado, hoje em andamento, se
intitula “Ciência e Cultura na reinvenção Educomunicativa” iniciado em 2009.Trata-se
de um projeto aliado na compreensão de áreas úmidas, sob as orientações do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas - INAU. Especificamente
no caso do GPEA, uma ampla equipe de pesquisadores diversifica suas pesquisas,
entre elas encontra-se este trabalho investigador5.

Este Projeto no contexto do INAU é tratado como “Laboratório 5: Socioeconomia,


Cultura e Educação”, coordenado pela Profa Dra Michèle Sato. “Partindo do
pressuposto de que o Pantanal mato-grossense é uma das regiões pobres do estado
de Mato Grosso”6, portanto, lócus de conflitos socioambientais7gerados a partir do
crescimento econômico acelerado, traçaram, um programa de educação ambiental os
objetivos deste Projeto, que se desenham por mapear possibilidades de trabalho
cultural, por meio da economia solidária e popular, a fim de identificar possiblidades
de melhoria de vida. Apoiando o projeto, está a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, a
qual enfatiza os trabalhos culturais, valorizando a arte, mitologia e festividades como

4
Acesso disponível: No site do GPEA/UFMT (http://www.cpd1.ufmt.br/gpea/), poderá ser encontrado
os Projetos deste grupo pesquisador, tanto os encontram-se em andamento, como os já finalizados.
Assim como, poerão ser encontrados no blog spot do GPEA/UFMT:
(http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html, e no http://inaugpea.blogspot.com.br/).
5
Acessos disponíveis: Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT
(http://www.pbct.inweb.org.br/pbct/). Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia em Áreas Úmidas –
INAU (http://www.inau.org.br/homepage.php). Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
tecnológico – CNPq (http://www.cnpq.br/. Ministério de Ciências e Tecnologias – MCT, site:
http://www.mct.gov.br/), aliado à rede mundial Sub-Global Assessment - SGA de Avaliação dos
ecossistemas (http://www.ecosystemassessments.net/). SESC Pantanal
(http://www.sescpantanal.com.br/).
6
Citação literal do Projeto Inau/Gpea, Acesso disponível: http://www.cpd1.ufmt.br/gpea/.
7
Para melhor compreensão, ver Tese de SILVA (2012), acesso disponível:
http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html.
28

elementos essenciais às políticas públicas socioambientais. Assim se desenhando,


este Projeto se organizou em três Projetos: 5.1: Comunicação e Formação; 5.2:
Economia; 5.3: Avaliação Ecossistêmica do Milênio. Sendo este último o contexto
onde esta investigação se insere.

O “Projeto 5.3 Avaliação Ecossistêmica do Milênio”, assim como o Projeto que o


gerou já apresentado anteriormente, se encontra circunscrito na Avaliação
Ecossistêmica do Milênio, com ênfase na dimensão Cultural (lócus da criação e
valores materiais e imateriais), considerando o relacionalmente essa dimensão com
os demais serviços dos ecossistemas, ou seja, Provisão (lócus das matérias naturais),
Suporte (lócus dos serviços mantenedores da vida) e Regulação (lócus da garantia
da vida). Assim, buscamos compreender neste Projeto o universo cultural de
Joselândia, lócus das investigações, aliado à natureza, considerando que a existência
feliz do povo pantaneiro é dependente dos cuidados e da proteção ambiental.

A AEM8 revela que, nos últimos 50 anos os ecossistemas, sofreram perdas aceleradas
e irreversíveis, apesar de promover o viver humano9. Essas perdas se desvelam pelo
uso não sustentável dos ecossistemas via ser humano e ofertam sinais de
consequências negativas para o próprio ser humano, sendo que os primeiros a
sentirem esses efeitos devastadores são os grupos sociais menos favorecidos pelo
sistema capital, uma injustiça insustentável no sentido socioambiental.

O outro projeto em que este trabalho investigatório se encontra circunscrito se


intitula “Identidades e territórios: caminho para uma cartografia socioambiental 10”, e

8
Avaliação Ecossistêmica do Milênio Kofi Annan [SECRETÁRIO GENERAL DAS NAÇÕES UNIDAS] lançou
em junho de 2001 e finalizou em março de 2005 – AEM, que fornece informações científicas à
Convenção sobre Diversidade Biológica, Convenção sobre Combate à Desertificação, Convenção de
Ramsar sobre Zonas Úmidas e à Convenção sobre Espécies Migratórias, assim como a múltiplos
usuários no setor privado e na sociedade civil.
9
Relatório Síntese da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, solicitado pelo Secretário Geral das Nações
Unidas, Kofi Annan em 2000, p. 17 e 18. Acesso disponível em:
www.unep.org/maweb/documents/document.446.aspx.pdf, acesso em: 17/07/12.
10
No site do GPEA/UFMT (acesso disponível em: http://www.cpd1.ufmt.br/gpea/), poderá ser
encontrado os Projetos deste grupo pesquisador, tanto os encontram-se em andamento, como os já
finalizados. Assim como no blog spot do GPEA/UFMT (acesso disponível:
http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html e no http://inaugpea.blogspot.com.br/).
29

contou com o apoio financeiro da FAPEMAT11 e CNPq12. Uma proposta nascida do


desejo do GPEA/UFMT em construir um mapeamento dos grupos sociais de Mato
Grosso, evidenciando suas identidades e territórios, suas culturas, suas artes, suas
múltiplas sensibilidades, seus processos criativos, de conflitos e de injustiças
ambientais. A proposta fundamental deste Projeto foi que o mapa social facilitasse a
construção de um prognóstico das identidades e territórios em que os integrantes
das comunidades se percebessem e se reconhecessem como sujeitos principais e,
por essa razão, pudessem esboçar um perfil protagonizador.

Para o empreendimento desta jornada científica para o meu doutoramento, obtive o


apoio financeiro da CAPES13 por meio de uma bolsa de estudos, bem como recebi
ajuda através de diárias para o trabalho investigador, fornecidas pelo CNPq e
FAPEMAT, financiadores dos referidos projetos do GPEA/UFMT.

Com esta composição de Projetos e outros, o GPEA tem acreditado contribuir para a
visibilidade dos grupos sociais, favorecendo um poder de escuta e de fala a eles, no
desejo de se sentirem incluídos e fortes para protagonizarem na formulação de
políticas públicas para a autonomia de suas histórias14. Na construção deste mapear,
acreditou-se que um bom fio condutor para desencadear o nascer do protagonismo
fosse a Arte Educação Ambiental enquanto possibilidade de uma construção sensível,
crítica e criativa.

1.2 O mapa da viagem científica

Foi nessa gênese que a hipótese a ser investigada neste processo de pesquisa se
desenhou pela crença de que os ecossistemas celebram vida ‘também’ nas
comunidades tradicionais quando as presenteiam com matérias que lhes possibilitam

11
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Mato Grosso – FAPEMAT (Acesso disponível em:
http://www.fapemat.mt.gov.br/TNX/).
12
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Acesso disponível em:
http://www.cnpq.br/).
13
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (Acesso disponível em:
http://www.capes.gov.br/).
14
Para melhor compreensão ver Tese de Silva (2011) – (Acesso disponível em:
http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html).
30

desenhar o viver cotidiano. Nesse foco pensou-se em constituir uma cartografia


ligante dos ecossistemas com o viver, tecendo uma cartografia da doação da
natureza para a cultura nascer e vicejar, com foco na produção/trabalho artístico das
comunidades tradicionais, então, serviços ecossistêmicos culturais pelo/através do
viés artístico. De antemão já se presume que esta cartografia, revelará
concomitante, grandes e pequenos impactos, desvelando um contingente enorme do
por fazer.

Assim, o objeto de pesquisa residiu na potencialização do diálogo entre ‘natureza-


cultura’, na perspectiva de revelar como ‘arte-ecossistema se desvelam entrelaçados
no sentido do favorecimento da sustentabilidade, no viés da Justiça Socioambiental.
Nesse caminhar, recorri ao site do Millenium Ecosystem Assessment –
MEA15/Relatórios Sínteses16, com o intento de melhor compreender as tessituras
ecossistêmicas, que representam uma visão integradora, sistêmica as quais, por
vezes, chamo de tessitura única e se traduzem pelas inter-relações dos seres vivos,
considerando os humanos, bem como os não humanos no meio ambiente.

Importa considerar que os seres vivos são tocados permanentemente, direta e


indiretamente pelos ecossistemas, ou seja, onde o viver desses seres encontra-se
inserido, este 'tocar’ é chamado de ligações ecossistêmicas. O viver dos seres vivos
causam impactos nos ecossistemas.

Estamos alterando drasticamente os ciclos biogeoquímicos sejam grandiosos ou


ínfimos. Assim, esta compreensão nos remete a considerar uma visão inteira, no
sentido de uma tessitura única entre seres e ecossistemas, um como parte do outro,
inseridos numa dinâmica única (Imagem: 01).

15
Acesso disponível: www.maweb.org/
16
Acesso disponível: http://www.maweb.org/documents/document.356.aspx.pdf
31

Imagem 01: Esquema das eternas ligações. Composição: Imara Quadros.

Viver
cultural
Inter-
relação Natureza impacta o
ambiente
permanente
gera viver humano natural
[cultural]

É a tessitura ambiental que oferta para a humanidade o viver cotidiano, berço das
criações, portanto da vida cultural. Assim, todas as vidas, todas as pessoas,
indistintamente, são dependentes dos ecossistemas, ligadas a eles. Mas,
infelizmente, no mundo atual há uma contingência gigantesca, insuportável,
insustentável de desrespeito ambiental, Antrópico. Nesse sentido, vejamos os três
grandes problemas associados à forma como se vem tratando a gestão dos
ecossistemas, segundo Relatório Síntese da AEM17:

Os serviços dos ecossistemas têm sido degradados ou utilizados de


forma não sustentável, incluindo água pura, pesca de captura,
purificação do ar e da água, regulação climática local e regional,
ameaças naturais e epidemias. Há evidência definida, porém
incompleta, de que as mudanças em curso nos ecossistemas têm
feito crescer a probabilidade de mudanças não lineares nos
ecossistemas (incluindo mudanças aceleradas, abruptas, e
potencialmente irreversíveis) que acarretam importantes
consequências para o bem-estar humano. Exemplos dessas
mudanças incluem surgimento de doenças, alterações abruptas na
qualidade da água, aparecimento de “zonas mortas” em águas
costeiras, colapso da pesca, e alterações nos climas regionais. Os
efeitos negativos da degradação dos serviços dos ecossistemas
(constante diminuição da capacidade que um ecossistema tem de
fornecer serviços) têm recaído de forma desproporcional sobre as

17
Relatório Síntese da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, solicitado pelo Secretário Geral das Nações
Unidas, Kofi Annan em 2000, p. 17 e 18. Acesso disponível em:
www.unep.org/maweb/documents/document.446.aspx.pdf, acesso em: 17/07/12.
32

populações mais pobres, o que tem contribuído para o aumento das


desigualdades e disparidades entre diferentes grupos da população,
sendo às vezes o principal fator gerador de pobreza e conflitos
sociais. Isso não significa que mudanças nos ecossistemas como
aumento na produção de alimentos não tenha, de outro lado,
ajudado a tirar inúmeras pessoas da pobreza ou da fome, mas essas
mudanças prejudicaram outros indivíduos e comunidades, que
tiveram sua condição amplamente negligenciada.

Os ecossistemas revelam uma dinâmica própria, denominadas de funções


ecossistêmicas que desenham um todo transbordante da ideia de inteireza das
partes. É nessa tessitura que se dão os serviços ecossistêmicos, os quais consistem o
uso do ecossistema direta e indiretamente pelo ser humano para o seu viver, para o
seu bem estar, gerador do bem ser18. Dentre os serviços, estão o de provisão de
alimentos, da regulação climática, da formação do solo, bases da vida humana no
planeta19.

A AEM é um caminho inédito para apontar e avaliar de maneira local, formando uma
espécie de mapeamento avaliativo global dos serviços ecossistêmicos, e, para isso,
importa fomentar pesquisas nesse sentido. No documento avaliador os serviços
ecossistêmicos foram agrupados em quatro eixos. Para melhor entendimento, os
reinauguro abaixo (Quadro: 01): Serviços ecossistêmicos de Suporte, Regulação,
Provisão e Cultural.

Quadro 01: Serviços ecossistêmicos segundo a Avaliação Ecossistêmica do Milênio – AEM.

SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS FUNÇÕES

SUPORTE Geração dos outros serviços.

[GERADOR DE TODOS OS  Produções primárias, produção de oxigênio atmosférico, a


SERVIÇOS] formação e a retenção de solo, a ciclagem de nutrientes, a
ciclagem da água e a provisão de habitat;

Os impactos sobre o ser humano são indiretos, e, em termos de


tempo, sempre se colocam há longo prazo [não imediatamente].

REGULAÇÃO Regulação dos ecossistemas.

[MANTENEDOR DA QUALIDADE  Manutenção da qualidade do ar, da regulação climática, do

18
O bem estar, o bem ser, o bem viver considerando toda a descompensação que o mal provoca ou
pode provocar.
19
Relatório Final do Ministério Público de São Paulo – GT Valoração de Danos Ambientais, 2012.
Acesso disponível: www.mp.sp.gov.br/.../Relatorio%20Final%20-%20GT%20Valoração ... Acesso
em: 19/06/2011.
33

DA VIDA] controle de erosão, da purificação de água, do tratamento


de resíduos, da regulação de doenças humana e não
humana, da regulação biológica, da polinização e da
proteção dos desastres naturais.

PROVISÃO Produção obtida dos ecossistemas.

[FORNECEDOR DAS MATÉRIAS,  Alimentos, fibras, energia, genética, ornamental, bioquímico,


DAS FONTES] medicinal e farmacêutico.

CULTURAL A vida humana na sua diversidade e riqueza cultural.

[GERADOR DE VALORES E  Os próprios ecossistemas com suas diversidades naturais


SIGNIFICADOS – MATERIAIS E desenham a multiplicidade das culturas, os valores religiosos
IMATERIAIS] e espirituais, os conhecimentos/saberes, os valores
cotidianos, educacionais e estéticos, comportamentos e etc.

* Neste serviço reside uma questão que importa muito, pois, os


serviços culturais são considerados espécies de pedras dispostas no
caminho avaliador do Milênio, ou seja, a cultura como um ponto
dificultador da avaliação ecossistêmica, no sentido precificador pelas
subjetividades.

Na narrativa do documento avaliador -AEM, a natureza disposta como um objeto


usável revela uma visão totalmente antropocêntrica. Mais do que necessário, urge na
pós-modernidade, que esse paradigma instaurado seja imediatamente ultrapassado,
que esse obstáculo seja descristalizado. Só assim seremos capazes de alcançar a
compreensão de que somos tão somente uma parte de todos os seres vivos que
compõem o conjunto pulsante da natureza.

Mauro Grün (1996), na obra “Ética e Educação Ambiental”, trata a ética centrada no
ser humano, no sentido da degradação ambiental. Nos estudos desse autor, esse
quadro de horror ambiental, é desencadeado a partir do Renascimento, o ser
humano é considerado o todo poderoso, e a natureza apenas uma subalterna que
existe para servi-lo. Nesse contexto, o ser humano não se sente mais parte da
natureza, mas alguém que se encontra fora dela, melhor e maior que ela, com
capacidade e vontade total de dominá-la (Imagem: 02). Sato (2009, p. vi) interpreta
esta questão:

No campo da Educação Ambiental, por exemplo, é comum a


iconografia de mãos protegendo o planeta [amparando] num sentido
harmônico de proteção e garantia da vida. Por certo, estamos
tentando buscar uma consciência ambiental, mas teremos que
reconhecer os campos de poder, conflitos, dilemas socioambientais.
34

Imagem 02: Desenho “Ser humano: todo poderoso”. Arte: Imara Quadros.

Este paradigma respingou em todos os setores sociais. No mundo científico, por


exemplo, a natureza foi tomada como um objeto passivo de pesquisa, sendo
investigada dentro de laboratórios científicos. É nesse contexto que a íntima relação
entre natureza e cultura é brutalmente rompida em consequência do pleno domínio
da razão em detrimento do sensível e das emoções, que acabaram sendo
consideradas “loucas da casa20”, como se costumam expressar popularmente.
Conforme o pensamento de Grün (1996), é preciso superar a dicotomia natureza-
cultura, é necessário e urgente assumir a ideia de que nós, humanos, somos apenas
um contingente de atores de todo um contexto cênico (Imagem: 03).

20
O sentido de loucas da casa que se buscou foi de ser menosprezado, desconsiderado, posto de lado
por serem diferente do estabelecido, do comum, do usual.
35

Imagem 03: Esquema cartográfico das ligações ecossistêmicas. Fonte inspiradora: Andrade (2009). Recriação:
Imara Quadros e Michèle Sato.

Natureza/Ecossistemas
Não humano
transcendência planetária

Funções
Ecossistêmicas
Dinâmica natural

Serviços Ecossistêmicos
fins humanos
[Suporte, Provisão, Regulação
e Cultural]

Uso humano
Para tecer as
ligações
ecossistêmicas, se
deve peguntar:
De onde vem? Prá
onde vai?

A AEM objetiva que se compreenda os serviços ecossistêmicos, ou seja, os serviços


de Suporte, de Provisão e de Regulação e Cultural. Porém, o GPEA tem dado ênfase
à dimensão Cultural, desde que se vise à qualidade de vida das comunidades. O
GPEA acrescentou a esse mote o entendimento do universo etnográfico da
biorregião, na expectativa de compreender “as vidas das pessoas, seus habitantes,
seus modos de vida, seus hábitos, nos espaços naturais-históricos-sociais onde vivem
e constroem seus significados e seus territórios, seu habitat” (SILVA, 2011, p. 21,22
e 47)21.

O objetivo desta investigação se desenha no intento de buscar e explicitar as


ligações da natureza com a arte popular, com foco no conhecimento tradicional
artísticoe suas ligações com o ecossistema circundante, por meio da arte-educação-
ambiental. O impacto esperado deste percurso científico se dá na perspectiva de
contribuir, significativamente, com o empoderamento, fortalecimento dos grupos
sociais pela via da identidade local, por meio da arte local, vislumbrando prenúncios

21
Acesso disponível: http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html
36

de desenhos nas políticas públicas, bem como a inclusão das atividades artísticas
pantaneiras na pauta das discussões e dos programas políticos culturais.

A EA proposta pelo GPEA, solo epistemológico desta pesquisa, se coloca em uma


percepção bastante crítica, na qual demonstra a tentativa de superação da ideia de
natureza separada e intocada pelo ser humano, “com elementos culturais e naturais,
conferindo uma preocupação social adequada na dimensão ambiental. Para reforçar
esse paradigma, algumas pessoas usam o termo socioambiental assumindo a
condição social do ambiente” (SATO e SANTOS, 2003, p. 254).

Enrique Leff (2009, p.21), economista mexicano, revela:

Ambiente não é apenas o mundo de fora, o entorno do ser e do ente,


ou o que permanece fora de um sistema. O ambiente é um saber
sobre a natureza externalizada, sobre as identidades
desterritorializadas, a respeito do real negado e dos saberes
subjugados por uma razão totalitária, o logos unificador, a lei
universal, a globalidade homogeneizante e a ecologia generalizada. O
ambiente é objetividade e subjetividade, exterioridade e interioridade,
imperfeição em ser e imperfeição de saber, que não acumula nenhum
conhecimento objetivo, um método sistêmico e uma doutrina
totalitária. O ambiente não é somente um objeto complexo, mas que
está integrado pelas identidades múltiplas que configuram uma nova
racionalidade, a qual acolhe diversas racionalidades culturais e abre
diferentes mundos de vida.

A intenção investigatória assim situada pretende propor uma tessitura dialógica22


entre natureza e cultura via educação, na trama entre arte, educação e ambiente, a
fim de desvelar os serviços ecossistêmicos culturais, com vistas à sustentabilidade-
Justiça Socioambiental (Imagem: 04).

Considerando que é no espaço local que os ecossistemas promovem os contornos da


cultura, da arte, da identidade das pessoas que ali nasceram e vivem, pretendemos
buscar as ligações ecossistêmicas da arte popular com o Pantanal de Mato Grosso,
com vistas a compreender o lugar e a importância deste produto cultural, o grupo de
fazedor, compondo um quadro revelador que possa contribuir com políticas mais
justas e sustentáveis na perspectiva pantaneira, das comunidades e dos grupos
sociais.

22
No sentido dado pelos estudos do Educador Paulo Freire.
37

Imagem 04: Esquema das esferas dialogantes.Criação: Imara Quadros e Michèle Sato.

Na tentativa da ‘modernização’ da vida social, o humano se distanciou da natureza


ainda mais, bem como, mudou seu modo de se relacionar com ela. Nessa mudança,
a humanidade, desenhou um ser e estar afastado da natureza e que, se
considerando dominador, se coloca muito maior que ela, um deus todo poderoso.
Esse ser urbanizado e globalizado é a tal massa consumidora, que por vezes chega à
vida adulta sem conhecer “ao vivo e em cores” um animal silvestre ou uma planta
nativa. A ciência moderna é responsável pela prática mais intensificada dessa
dicotomização entre cultura e natureza, ciência e arte entre outras. É nesse contexto
de mal estar da Modernidade que as inquietações devem pulular23para acordar e
reinventar.

Será possível re-abrir diálogos entre natureza e cultura? Arte e ecossistema


consistem em esferas dialogantes, no sentido de favorecimento ou de
potencialização do dialogar natureza-cultura, tão necessário e urgente nos tempos
pós-modernos que clamam por dialógico renovado? Inquietante também foi, neste
contexto de dicotomias, perguntar: Ciência e Arte poderiam se presentificar como
esferas dialogantes? Haveria algum caminho possível para presentificá-las como
esferas em total complementariedade? Acerca dessas indagações acima, Sato e
Passos (2006, p. 18-20) declaram:

Será mesmo possível misturar poesia com ciências? – Indagariam


mentes cartesianas que dominam o mundo da academia. Ciências e

23
Existir, brotar, multiplicar.
38

poesias [...]; é necessário romper com a dicotomia do espírito e da


matéria, permitindo que os sujeitos da Educação Ambiental pensem
com os seus corações, ou seja, é necessário unificar a racionalidade
na sensação, oferecendo, simultaneamente, o estranhamento ao lado
do maravilhamento. Teríamos, então, poesias ingênuas e poesias de
contestação política. Há que sonhar e transgredir. Vamos, sem perder
a memória do passado, rumar ao novo.

Segundo Maffesoli (1988, p.57), “este fim de século mostra a saturação de algumas
práticas teóricas, tal fato nos deve incitar a buscar com audácia, uma atitude
alternativa mais apta a acercar-se da vida de todos os dias”. No atual contexto, o
global é desigual, pois distribui a cultura das relações de forma desproporcional.

A globalização, no vocabulário do capitalismo, produz e exporta mercadorias em


grande escala matando a fome de alimento e emprego, mas dilacerando vidas,
valores, formas de vida, fazeres e forças imaginárias, constituindo uma cultura
alienígena, estrangeira, fora de contexto (HALL, 2005). Este quadro de horrores
socioambiental inspira o sentimento de insatisfação, portanto, de vontade de busca
por uma dose generosa de justiça a caminho da sustentabilidade.

O lócus deste trabalho investigativo residiu na Planície Pantaneira, sistema alagável


contínuo de água doce do Planeta, RAMSAR WETLAND CONVENTION24, uma das
áreas úmidas brasileiras, lócus de proposição investigatória do INAU/CPP25.

Para cumprir este empreendimento investigador, o rumo foi o Pantanal Norte, no


Complexo comunitário de Joselândia, São Pedro, no coração da América do Sul.
(Imagem: 05). E os participantes elencados foram pessoas fazedoras de objetos
artesanais, fazedores de arte popular, especificamente, os mestres do fazer canoa
pantaneira.

Convenção RAMSAR (Acesso em:http://www.ramsar.org/cda/en/ramsar-


24

home/main/ramsar/1_4000_0__.).
25
Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia em Áreas Úmidas – INAU e Centro de Pesquisa do
Pantanal – CPP.
39

Imagem 05: Mapa pictórico “Lócus da investigação: solo científico e poético”. Fotos da canoa com o canoeiro e
borboleta Morfo, João Quadros Ramos. Foto da flor do Cambará, Fernandez (2010, p. 3). Arte: Imara Quadros.

Se território pode ser relativo ao espaço vivido e ao sistema percebido no seio da


qual um sujeito se sente “em casa”, ou seja, um espaço existencial de apropriação
que contorna valores e comportamentos (GUATTARI E ROLNIK, 1986), este “sentir
em casa” pode ser entremeado com a ideia bachelardiana de “casa natal”, ou
melhor, “casa de intimidade absoluta” (BACHELARD, 2003, p.75), um mundo próprio
tatuado na história de vida, gênese de valores, de sentidos, de significados-
significadores (BACHELARD, 1993; 2003).

É a esta “casa natal” que retornamos quando necessitamos de nos “sentir em casa”
para nos encontrar quantas vezes se fizer necessário, para nos reinventar como
afirma Bachelard ( 003, p. 75) “não habitamos mais a casa da intimidade absoluta,
então, ela é mais do que uma lembrança. É uma casa de sonhos, a nossa casa
onírica".
40

Assim compreendido, o território, a casa pode ser a minha, de um indivíduo, mas


pode ser a nossa, de um grupo, de uma comunidade toda, e até a do planeta.
Considerando território para além das concepções da geografia política que divide a
terra em continentes, países, regiões, estados, municípios, distritos, vilas e lugarejos,
território se revela sem divisas, um espaço de vida uma espécie de casa natal onde
se ganha autorização para viver a vida, devanear, sonhar, transcender, criar,
reinventar – território de transformações-criações.

O termo território corresponde a uma extenção territorial (terra), uma área, um


espaço, que,embora possa pressupor limite, também pode ser incluído o poder de
toda ordem, esboçando conflitos. Na natureza, território pode ser considerado como
espaços de vivência de cada espécie animal e vegetal, por exemplo. Assim, se pode
entender território como apropriação e defesa do espaço, tanto individual quanto de
grupo. Mas também se pode reconhecer como território, o lugar de vida, dos
hábitos, dos valores, das formas de construir o viver, das lógicas construídas, como,
bojo da criação, portanto da formação e desformação e reformação.

Conhecendo o caminho conceitual de espaço e território, fica patente que encontrar


uma definição única para tal é uma tarefa difícil. Percebe-se que, no caminho
histórico, esses conceitos foram se alargando e ganhando inclusive novas formas e
cores próprias. Dessa forma, pode-se considerar que o conceito de território se
coloca nas trilhas do tempo-espaço de vida bastante flexível.

Milton Santos, na década de 70, realizou um desenho conceitual de espaço. Porém,


foi, no decorrer dos anos 90 que entrou em cena o conceito de território nas
compreensões desse estudioso26. Nos seus entendimentos, percebeu-se que
território pode ser considerado como a ambiência natural de cada lugar somada ás
intervenções realizadas pelos seres, incluído aí o humano. Segundo esse
pesquisador, território nasce de uma ‘materialidade’, mas é o todo da vida encravada
no território quem oferta o colorido ao espaço (SANTOS, 2012). Ele ainda considera

26
Por uma geografia nova(1978).
41

que “o mesmo espaço pode ser visto como o terreno das operações individuais e
coletivas, ou como realidade percebida” (2012, p.53 e 55)27.

O termo território revela duas conotações: a primeira é a material que se revela


próxima com a dominação da terra no sentido jurídico-político; e a segunda é a
simbólica que se desvela com identificação e apropriação. Nesse sentido território se
desenha como um espaço-tempo vivido múltiplo, diverso e complexo. Assim,
território vai da dominação político-econômica à apropriação subjetiva-cultural
simbólica, dispondo-se como reinvenção social, rumo ao desenho dos direitos do
lugar (HAESBAERT, 2004; SILVA, 2011 e SILVA, 2012). Segundo Haesbaert (2005, p.
6776) a “territorialidade, além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz
respeito também às relações econômicas e culturais”.

Então, compreendo território como relacionado ao espaço vivido e ao sistema


percebido no seio do qual um sujeito se sente “em casa”, seguros, acolhidos e
fortes.Nessa perspectiva território pode transcender se apresentando como um
espaço existencial, de apropriação que contorna valores e comportamentos
(GUATTARI E ROLNIK, 1986).

Para uma melhor compreensão da ideia “sentir em casa” também se recorri às ideias
propagadas por Gaston Bachelard, em suas obras “A Poética do Espaço” (1993) e “A
Terra e os Devaneios do Repouso” ( 003), nessas obras a casa natal é considerada
um mundo próprio que se encontra tatuado em nós, ou seja, na nossa história de
vida, gênese dos nossos valores, dos nossos sentidos, dos nossos significados-
significadores.

Considerar o encontro entre ‘natureza e cultura’28 aqui se faz pela crença fiel do
brotar dialógico transformador, via ‘arte popular’. Trata-se de um território de
‘transformação-criação’ que revela saberes sustentáveis no sentido ecológico, porém,
na atualidade faz-se necessário subsidiar discussões e amadurecimentos sociais e
políticos na dimensão econômica de perspectiva justa e sustentável. Para que isso

27
A natureza do espaço(2012).
28
Considerar o encontro entre Natureza e Cultura é compreender o prolongamento entre estes dois
eixos, é compreender a relação complementar existente entre, ou seja, este encontro sempre esteve
estabelecido. Assim considerando, é preciso desvelar o prolongamento, que por razões outras foram
veladas dificultando a compreensão desta complementariedade.
42

ocorra, urge o brotar de uma economia em contraponto, mas aberta à escuta e ao


diálogo crítico com a economia ‘instaurada’ pelo sistema capital, com vistas buscar as
superações e a composição da sustentabilidade, rumando ao bem viver também
humano, com base na/pela/para vida de tudo e de todas as pessoas. Santos e Sato
(2009, p.8), ao tratarem de roteiros de pesquisa em Educação Ambiental, alertam
que:

As abordagens existentes encontram dificuldades em combinar os


aspectos ecológicos, socioeconômicos e culturais nos processos de
manejo e de tomada de decisão. A complexidade dos problemas
ambientais determina que as influências socioeconômicas e culturais
não podem ser ignoradas na dinâmica dos ecossistemas. Contudo, as
decisões do manejo não podem ser tomadas sem a base ecológica.

Neste percurso investigador, acreditei que um caminho interessante poderia residir


na consideração da localidade, ou seja, da cultura local-identidade cultural via arte.
Esse caminho revelou grandes chances de ser rico e importante como subsídio
de/para um desenhar de políticas no sentido de um apuramento justo e sustentável
para cidadãos e cidadãs, bem como para todas as vidas, humanas e não humanas,
portanto, da natureza.

A face artística das comunidades se revela no território de criação-transformação, em


que, figuram pessoas fazedoras de essências humanas traduzidas também em arte
popular, que revelam saberes sustentáveis no sentido ecológico e cultural. Todavia,
ainda falta, para toda a sociedade, um saber econômico no viés de uma economia
menos perversa do ponto de vista do capital, que seja mais solidária e comunitária,
em permanente diálogo crítico com a economia ‘instaurada e fetichizada’ pelo
capitalismo.

Ao trabalhar as matérias transformando-as em objetos necessários à vida cotidiana,


bojo da arte popular, da ação criadora, o fazedor tem a oportunidade de se atualizar,
de reexistir no sentido de existir sempre e, sendo novo a cada fazer, tem a chance
de concomitante decidir o que conservar dos seus saberes. Assim pode, re-significar
e transcender a si mesmo, bem como, ao posto! Ao se colocar presente mais uma
vez, uma forma de re-existir, se posiciona no e com o mundo, e, com isso adquire
melhores condições de saber o que deseja manter, diante de uma avalanche de
43

saberes impostos de todas as formas e, automaticamente, o que deseja transformar,


re-significar, reinventar para bem viver em comunhão. Porto Gonçalves (2006, p.
165) no contexto da colonialidade, considera que:

Há matrizes subalternas resistindo, r-existindo, desde que a


dominação colonial se estabeleceu e que hoje, vêm ganhando
visibilidade. Aqui, mais do que resistência, que significa reagir a uma
ação anterior, e assim, sempre uma ação reflexa, temos r-existencia,
é dizer, uma forma de existir, uma determinada matriz de
racionalidade que age nas circunstâncias, inclusive reage, a partir de
um lugar próprio, tanto geográfico como epistêmico. Na verdade, age
entre duas lógicas.

É necessário compreender que não se muda tudo que se deve e/ou que se necessita
mudar ao mesmo tempo e no mesmo espaço de aprendizagens. Esse fenômeno
transformador se coloca sempre contínuo e múltiplo e por isso dialógico. Essa
dialogicidade acontece ao caminhar através de caminhos diversos, ao caminhar com
outrem, ao vivenciar variadas situações, ao realizar os múltiplos fazeres, ao saborear
as leituras entre outras situações vividas, inclusive ao andar consigo mesmo em uma
espécie de diálogo silencioso, reflexivo. O renomado professor brasileiro Paulo Freire
trata do diálogo como vida humana:

O que é diálogo? Nasce da crítica, gera a criticidade (Jasper), nutre-


se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de confiança. Por
isto, somente o diálogo comunica. Os diálogos se fazem críticos na
procura de algo. É no diálogo que nos opomos ao antidiálogo. O
antidiálogo é desamoroso. Não é humilde. Não é esperançoso;
arrogante; autossuficiente. Por tudo isto o antidiálogo não comunica.
Faz comunicados. Precisávamos de uma pedagogia da comunicação
com a qual pudéssemos vencer o desamor do antidiálogo. Educação
que mata o poder criador não só do educando mas também do
educador, na medida em que este se transforma em alguém que
impõe ou na melhor das hipóteses, num doador de fórmulas e
comunicados, recebidos passivamente pelos alunos. Não cria aquele
que impõe, nem aqueles que recebem; ambos se atrofiam e a
educação já não é educação. (FREIRE, 1979, p. 68 e 69).

No caminhar da aprendizagem, uma trilha rica em reconhecimentos, atualizações e


transformações possibilita alcançar a superação do sabido, conduzindo a outra nova
possibilidade: o redesenho do desejado. Esse processo todo não se apronta num
piscar de olhos, como se expressa na linguagem popular. É um caminho que
demanda um dialogar constante e intenso, pois solicita que se olhe e se reflita sobre
44

o construído, para que se possa escolher ‘o que’ se deseja manter e o ‘porquê’ desse
desejo, bem como, ‘o que’ se quer mudar e ‘por quê’.

Michel Maffesoli (1996, p. 84, 85 e 92), afirma que o sentimento de vida, a sensação
de viver “[...] obriga-nos a focalizar nosso olhar sobre os sentidos constitutivos da
vida humana”. Segue abordando este estudioso que “As refeições, as festas, as
procissões são, sabiamente, um modo de dizer o prazer de estar-junto. Na
perspectiva de uma teoria da complexidade, todos os elementos constitutivos, o
homem e a sociedade, se correspondem, interagem uns sobre os outros”. Maffesoli
ainda declara que “Participa-se junto de uma experiência comum, comunica-se, põe-
se em comum, etc. [...] a experiência não é vivida por um ego forte e solitário, ela
deve ser dita, contada, vista”.

O mesmo autor apresenta questões que tratam do “conjunto do corpo social” que,
segundo suas ideias transbordam lógica “coletiva” a qual nada mais é do que uma
“cultura do sentimento”, ou seja, o valor e o gosto partilhados desenhando ética
grupal. Maffesoli nomeia esse ‘sentido de união’, de ser “corpo coletivo, corpo social”
(estar junto), denomina que a “ética da estética: o fato de experimentar algo junto é
fator de socialização” (IBID, 1996, p. 37 e 38).

Na ideia maffesoliana, a estética pode ser tomada como forma de agregar, fortalecer
a sociabilidade. Talvez a trilha social deva mesmo seguir esse rumo, considerado
uma busca audaciosa de alternativas no desenho de outro quadro rumo à “ética da
estética”. Trata-se de um corpo social na partilha de valores e gosto, tomando lugar
no cenário social, ofertando audiência de suas posições diante da vida e assumindo a
caneta para projetar e realizar, a próprio punho, seus sonhos e desejos.

O educador Paulo Freire desenhou a comunicação entrelaçada à educação. Para ele,


a educação é comunicação, é diálogo, não é transferência de saber, mas sim um
encontro de pessoas que dialogam buscando significação dos significados (FREIRE,
1979). Além disso, esse grande mestre ensina que sonhar é conhecer, uma vez que
não se podem denunciar estruturas desumanizantes sem percebê-las e conhecê-las.
Como desenhar posições sem conhecimento? Como realizar escolhas se não conheço
o mundo que quero mudar e a razões que me levam ao desejo de mudança?
45

Somente conhecendo a forja dos fazeres cotidianos que posso redesenhar meus
sonhos em lutas, em posições sociais e políticas.

É no modo singular de existir, mas deitado no berço esplêndido da universalidade da


existência humana, que se pode tecer o bem viver e bordar saberes, não só para si e
seus pares, mas também para outras pessoas, outros grupos sociais, outras
comunidades, outras sociedades, outros setores sociais da vida humana. O ponto de
partida da sabedoria pode ser a ignorância, mesmo reconhecendo que não há
ignorantes absolutos. Portanto, saber é uma superação constante, é um testemunho
do [novo] saber anunciado.

Os conhecimentos culturais populares, saberes construídos nos territórios de vida


cotidiana, revelam um saber local sustentável com base na vida vivida, aprendida e
ensinada fora dos muros escolares de geração em geração. Embora seja uma trilha
que há muito foi desenvolvida e conhecida, esse tipo de vida não ganha nenhuma
relevância no cenário político cultural sustentável, a não ser na indústria
socioambiental cultural e artística que, por vezes é assistencialista. Então, uma porta
entreaberta para estudos no viés artístico para melhor compreender e desenhar
políticas públicas possibilitando a escolha de caminhos outros.

Na trilha da Ciência Acadêmica entrelaçada com a Ciência Popular, caminhei no


intuito de contribuir com o fortalecimento dos diálogos entre os diferentes, a fim de
se esboçarem tentativas de cooperar com a minimização, e quem sabe assim fazer
um peso maior na cota para eliminação das distâncias-tensões existentes entre esses
polos.

A Educação Ambiental proposta pelo GPEA se ancora não só numa posição aberta,
como instiga o dialogar entre os diferentes e a diferença. Assim contextualizado, este
trabalho investigatório rumou pelas trilhas do território pantaneiro feito à mão, lugar
de gente sonhadora e lutadora, que tem mão-alma-espírito laboriosos, um território
onde que vicejam serviços ecossistêmicos artísticos.

Este caminho pesquisador, ao ser percorrido por esta pesquisadora, abriu caminhos
pelos descaminharam das trilhas da Ciência Clássica e Moderna. Estes descaminhos
46

rumaram, portanto, a pesquisa para a compreensão do processo envolvente nas


imagens poéticas criadas para, com, através de estudos científicos.

Trata-se de um estudo fenomenológico, uma investigação do fenômeno da alma


científica criadora, da imaginação poética aliada à ciência, o qual também faz uso
dessa potência humana, então, uma Fenomenologia da Imaginação e da Imagem
poética-científica. Uma pesquisa de uma pessoa, de uma educadora que fala a si
mesma, aos outros e ao mundo por imagens artísticas. Agora, como pesquisadora
científica, teve a pretensão, nesta pesquisa, de revelar suas imagens artísticas nos
campos científicos, ancorada na Filosofia da Imaginação e da Imagem Poética
bachelardiana.

Um dos saberes bachelardianos se revela por uma Filosofia da Poesia, que trata da
Imaginação Poética, portanto, da Imagem Poética. A Imaginação Poética tem sua
origem no ser imaginante, nos impulsos criadores deste ser, na criação. Assim,
compreendo que a potência inicial da Imaginação Poética reside nos devaneios do
ser imaginante, fenômeno da alma imaginadora, território das criações-
transformações.

Vale ressaltar que a Imagem Poética tem sua origem na imaginação do ser
imaginante, e sua potência inicial reside na alma do ser devaneador. Essa imagem é
resultante da imaginação poética, da criação do ser sensível, uma vez que imaginar,
devanear e criar constituem esferas de valor humano. Imagens poéticas são
carregadas de valores da alma humana, logo, transbordante de significação também
humana. Esses valores da alma em imagem poética despertam o que se encontra
adormecido, assentado sem reflexão, sem crítica, em estado de dormência. Assim, a
imagem poética desperta tanto o espírito do ser imaginante para novos-outros voos,
como também provoca outras almas que acordarão seu espírito sensível-criador.

A criação é de natureza humana é uma potência do ser imaginante-criativo. Esta


faculdade criadora conduz para a produção de imagens-compreensões e, por essa
razão, se revela por uma atividade viva-pulsante, porque dinamiza, potencializa o ser
imaginante, renovando-o, colocando-o sempre na posição de frente para o futuro, ou
seja, de frente para o por vir.
47

Nas ideias bachelardinas, as imagens poéticas desprendem o ser do passado e os


liberta e, por isso, esse estudioso se refere a elas (imagens poéticas) como
libertadoras. Trata-se, então, de almas desenhantes também de novos-outros
espíritos científicos. Assim, os produtos nascidos da criação humana, entre elas as
imagens poéticas, provocam porque se irradiam no espaço, adentram na ordem da
linguagem e mergulham na fenomenologia da expressão.

Considerando o estudo proposto por Bachelard Fenomenologia da Imaginação


Poética, o fenômeno a ser investigado é o da imagem poética como produto da alma
humana, o qual, por sua vez, provoca no espírito humano o rabiscar projetos e
formas continuamente completando o devaneio. Um estudo desta natureza,
ancorado na filosofia bachelardiana, deve considerar o fenômeno da imagem poética,
o trilheiro percorrido por ela desde a sua gênese (campo do indivíduo, do eu) até
quando se apronta para a comunicabilidade.

Gaston Bachelard dedicou parte de seus estudos a compreender este caminho da


imagem poética via literatura-poesia. E eu, com base nesse estudioso, me atrevi a
compreender as minhas imagens poéticas via arte-trabalho artístico. Segundo Passos
(2013), não temos como saber o que seremos a partir das experiências vividas no
decorrer da nossa vida, pois “Somos seres inconclusos e resultantes de marcas,
cicatrizes e vivências que nos atingem em totalidade e nos criam a partir delas”
(PASSOS, 2013, p. 1)29.

Assim como Bachelard, acompanhei no sentido compreensivo o caminho e


descaminhos das minhas imagens poéticas-artísticas-científicas desde o meu
devaneio, imaginação ativa da minha alma-pesquisadora, passando pela
materialização da imagem artística-científica criada pelo meu espírito-artístico-
científico e, por fim, cheguei ao espaço da comunicabilidade artística-científica, a
tese. Uma empreita um tanto audaciosa, eu sei, mas também ninguém pode negar

29
PASSOS, Luiz Augusto. Território e Espaço, e espaço simbólico. O espaço simbólico e a
transcendência. (13 de Março de 2013). Acesso disponível:
http://luizaugustopassos.com.br/territorio-e-espaco-e-espaco-simbolico/#.UT_x3bCOyts.facebook
(Acesso em: 13/03/2013 - 12H43).
48

que se compõem rabiscos para se desenharem trilhas que atentem para a


emergência-urgência há muito detectada e desejada por estudiosos no âmbito
científico humano. Puro atrevimento30!

O quadro teórico-metodológico que ofertou o solo para que eu pudesse trilhar de


forma sensível, crítica e criativa em busca de tessituras compreensivas e de
proposições outras foi todo emoldurado pela Fenomenologia da Imagem de Gaston
Bachelard e pela Educação Popular de Paulo Freire. Como suporte para pesquisa no
território da Educação Ambiental, acolhi a Cartografia do Imaginário, proposta por
Michèle Sato.

Para discutir ‘Educação’, considerei as ideias dos educadores Paulo Freire e Carlos
Rodrigues Brandão; acerca de ‘Educação Ambiental’, tomei de empréstimo as ideias
difundidas por Michele Sato, com toques e retoques de enriquecimento por Martha
Tristão e Celso Sánchez; sobre ‘Arte Educação’, me apossei das ideias de Ana Mae
Barbosa. Esta empreita investigatória se solidifica pelo arcabouço teórico-
metodológico adotado, porém, também busquei algumas ajudas epistemológicas,
entre elas está Marilena Chauí, Edgar Morin e Michel Maffesoli, entre muitos outros
que muito contribuíram para as compreensões necessárias pelo caminho. Este
percurso também foi delicadamente enriquecido por suaves pinceladas
epistemológicas de Michel de Certeau, Merleau-Ponty, Claudinei Silva e Luiz Augusto
Passos. E, ao trilhar pelos campos epistemológicos e metodológicos, contei com o
auxílio dos estudos de Regina Silva e Michelle Jaber.

30
Creio que o desenrolar da tese, mas em especial este parágrafo, pode de antemão justificar o
porquê da escritura deste documento científico ter sido na primeira pessoa, forma não comum nas
ciências. Mas com o consentimento bachelardiano, satiano, merleau-pontyniano sigo este descaminho
na primeira pessoa.
49

Não tenho a pretensão de ganhar a cabeça do minotauro sobre a bandeja, esbanjando a


bravura de Teseu. Mas talvez por influência de Bachelard, tenho encantamento com a
metáfora de labirintos, talvez eu tenha complexo de Dédalo! Invento e reinvento labirintos,
embriagando-me em enigmas, buscando mitos oníricos, voando em imaginação,
estudando... Estudando... Estudando! (SATO, 2011, p. 1).
50

2 PRIMEIRAS IMAGENS PRIMEIRAS PALAVRAS

Se os sonhos podem ser traduzidos como vida real, é possível, pois,


inverter a ordem e compreender que a vida é também tradução do
sonho. (SATO E PASSOS, 2006, p. 20).

2.1 Do meu ventre minhas obras: prenúncios de um trilhar científico-


artístico

Eu queria ser como a aranha que tira do seu ventre todos os fios
de sua obra. (BACHELARD, 2003, p. 7 e 8).

Uma abordagem se faz necessário antes de qualquer palavra neste capítulo. Na


escrita da Tese a primeira pessoa foi assumida por compreender que se tratou de
um caminho fenomenológico singular, por mais que o trilhar científico tenha se dado
na coletividade do grupo pesquisador – GPEA/UFMT, que por si só também é
singular no mundo acadêmico e militante. Um trilhar fenomenológico singular pode
se revelar bastante pessoal, razão pela qual o leitor encontrará no decorrer do texto
comentários bem pessoais, por vezes propondo uma intimidade com a pesquisadora,
que talvez devessem aparecer em notas de rodapé conforme o considerar
acadêmico-científico.

Mas insisto subversivamente na permanência da intimidade no texto escrito da Tese,


por considerar as intimidades legítimas, são minhas, de uma cientista – poeta –
educadora – aprendiz, uma cientista que optou pela exposição sem temor dos limites
estabelecedores, que optou em pensar e falar-escrever sem medo. O trabalho
acadêmico nesta forma, por vezes íntima demais para o campo científico, possibilitou
uma abertura compreensiva para o mundo científico e não científico. Uma pesquisa
que visou perseguir os fios das ligaduras, as conexões, os prolongamentos não
poderia deixar de considerar a existência íntima da pesquisadora, para dar conta de
51

tecer e desenhar educação libertadora como propôs Paulo Feire, pois, esta é a
intenção que perpassa por toda a Tese aqui apresentada.

Não é possível propor libertação das amarras, se eu, a estudiosa não fosse liberta ou
pelo menos não experimentasse a libertação no âmbito científico, ou seja, não
sentisse na própria carne, a liberdade. Não é possível ser liberto e ou propor
liberdade se não se tiver a coragem para o enfrentamento, a ousadia para se
desenhar a coragem que dinamiza as ações transformadoras, é esta trama que
perpassa por toda esta Tese.

Nesta parte do meu trabalho escrito na tese, pretendi pontuar o meu ser existencial,
no sentido enraizador, pois sem ele, a aventura científica não seria uma aventura
feliz. Então, procurei revelar meu ser profissional, meu ser artístico e meu ser
científico, em estreita relação um com o outro. Percebi que quanto mais quero
escrever sobre o vivido nas trilhas científicas via fenomenologia, mais o viver
fenomenológico me escreve na tese.

A ideia de ‘ventre’ usada no subtítulo logo acima desejou expressar a ideia de


compreensão do próprio ser, da existência do ser, tal como é, sem prostituições,
traições, subordinações, ser substancialmente, conforme diria Bachelard; ou
corporalidade, como diriam Merleau-Ponty, Claudinei Silva e Luiz Augusto Passos. O
termo ‘obra’, no mesmo título, pretendeu abordar o produto de um lavor cuidadoso,
no caso, a minha tese de doutoramento.

Minha obra, a tese, se traduz por uma urdidura sensível-crítica-criativa, laboriosa do


meu percurso investigador, alimentado pelo espírito31 eterno de aprendizagem e
transformação-criação, agora desenhada com palavras, frases, parágrafos, texto.
Porém, esta minha obra quer, sobretudo, significar minha existência caminhante
enquanto aprendente também na\pela ciência. Minha obra deseja significar minha
vida professoral, artística e pessoal que se move rumo ao aprendizado, concomitante

31
No meu entendimento primeiro e básico relativo ao espírito, é que este se posiciona o lócus exato da
gênese, o nascedouro do pensamento dos indivíduos, de cada qual, uma espécie de esboçador das
compreensões e saberes. E a alma, digamos que possa ser considerado um corpo entro-interno, que
juntos corpo externo compõem um só corpo, a pessoa que sente, percebe, reflete e cria. É a alma
lançando o espírito criador, o espírito científico-criador!
52

ao caminhar científico, sempre transformadora e inacabada, sempre entreaberta.


Sempre laboriosa, por isso, sempre sonhadora, criadora!

Meu sentir aponta que o meu trabalho, o meu labor investigativo está para muito
além dos limites que a ciência propõe, está além da própria pesquisa, e até para
muito além do meu ser investigador. Na minha pesquisa, a ciência não tem dado
conta dos limites estritamente científicos, pois são pedagogias que se entrelaçam à
científica, à artística e à da vida, para que meu ser aprendente aprenda de si, do
outro e do mundo, ao caminhar pesquisador-aprendiz.

Ao compartilhar a viagem investigativa, compartilho o meu ser com tudo que lhe é
próprio neste exato momento, e tudo que só lhe pertence agora no segundo em que
digito este texto! Então, segue o eco da minha palavra sentida, sonhada, despertada,
pensada, re-significada, transformada... Minha palavra sonorizada, grafada,
poetizada, desenhada, mas sempre em mediação, totalmente provisória por um ser,
por estar, e continuar sempre a estar em eterna construção-desconstrução-
reconstrução...!

Compreendo que um ciclo de aprendizagem sempre se desenha pela superação,


atualização, transformação, criação. Nessa perspectiva, o ser humano é de fato um
eterno aprendiz, que talvez só cesse a capacidade de aprendizagem na morte do
corpo físico. Na nossa trajetória, aprendemos vivendo a vida cotidiana, fazendo as
coisas que desejamos e que não desejamos; aprendemos na escola, na ciência e em
outros tantos lugares e situações. Enfim, somos mesmo eternos aprendizes! A
aprendizagem é o grande alimento da alma, é o eco do espírito artista, do espírito
educador e, agora, do espírito científico. Neste momento de partilha, revelo o
conquistado até aqui, mas junto, o por fazer, o eterno e instigante por fazer!

É a estética da arte que guia uma educação sensível pelas trilhas científicas, capaz
de identificar, na ambiência acadêmica, seu potencial de vida, conjugando o verbo
amar como uma das possibilidades de mudança dos padrões injustos, instaurando o
encantamento de quem reconhece as ideias freirianas de que estudar é um ato
revolucionário! Segundo Paulo Freire, na obra “Educação e Mudanças” (1979, p. 9):
53

Amor, interlocução íntima entre duas consciências que se respeitam.


Cada um tem o outro, como sujeito do seu amor! Ama-se na medida
em que se busca comunicação, integração a partir da comunicação
com os demais. Não há educação sem amor! Quem não é capaz de
amar os seres inacabados não pode educar. Quem não ama não
compreende o próximo, não o respeita. Não se pode temer a
educação quando se ama!

Na partilha da experiência vivida que só o ser viveu, pode brotar autonomia, pois o
vivido pelo ser é a sua realidade, mesmo que instantânea. Um trilheiro que entrelaça
vida e ciência pode ser visto, estudado via Ciências Humanas no campo educacional
no território instituinte da aprendizagem do ser. A fenomenologia da imagem
bachelardiana é quem fornece a autorização para esta jornada de entrelaços, na
tessitura da aprendizagem do próprio ser buscante, e, também, dos seres tocados
pelo trabalho do buscador.

Os pontos de onde parto modelaram minha maneira de sentir, entender, ser e estar
no mundo partilhado e no meu mundo pessoal, particular e me ajudaram a entender
que constituo uma parte insignificante que oferta significância ao conjunto humano.
Creio na força da interdependência, de nós todos, bem como de todas as pessoas e
coisas interdependemos.

Tudo e todos se\me tocam e, ao mesmo tempo, toco a tudo e todos. Nessa inteireza,
fragmento-me para retornar a inteirar-me! Um exercício constante de fragmentar em
sinfonia, em uma verdadeira dança bordada para tentar não romper a parte do todo
e o todo da parte. Todo-partes-todo, perspectivas importantes para a vida humana,
também relevantes na educação-educador e na ciência-investigador, se configurou
em um grande desafio para o meu caminhar aprendente!

É o “insignificante” que esboça minhas trilhas, bem como a “insignificância” que


instaura a significância do que nem sempre interessa ser significativo pela vida
copiadora que oprime. A cultura de recorrer a receituários não passa de uma ação
imediatista, daquelas do tipo descompromissadas, passivas, que não querem dar
conta, ou acreditam que não podem dar conta da dimensão pulsante do processo
vivencial, não querem considerar o labor, o prazer e felicidade vital! Bem da verdade,
não existe, não há nenhum receituário, tão pouco cartilhas que ofertem o passo a
passo para ser seguido fielmente, para se chegar a qualquer sucedido humano, seja
54

na vida cotidiana, no campo educacional ou científico. Isto é, não há informações


instantâneas, mágicas reveladoras de caminhos certos!

Nas ideias difundidas pelo estudioso Merleau-Ponty, ‘significação’ oferta vida à


expressão, porque pode acordar sutilmente o olhar. Na obra A prosa do mundo
(1999), o fenomenólogo apresenta rastros do princípio de toda comunicação que,
para ele, é a percepção. Na inteireza entre perceber-comunicar, brota a expressão,
composta por textos no plural.

Ponty (2006, p. 103), ao abordar sobre como a percepção chega ao objeto


observado, e como o vemos, considera que “Nossa Percepção chega a objetos, e o
objeto, uma vez constituído, aparece como razão de todas as experiências que dele
tivemos ou que dele poderíamos ter”. Para o estudioso:

Ver um objeto é ou possuí-lo à margem do campo visual e poder


fixá-lo, ou então corresponder efetivamente a essa solicitação,
fixando-o. Quando eu o fixo, ancoro-me nele, mas esta “parada” do
olhar é apenas uma modalidade de seu movimento: contínuo no
interior de um objeto a exploração que, há pouco, sobrevoava-os a
todos, com um único movimento fecho a paisagem e abro o objeto.
Mesmo se eu nada soubesse do objeto olhado, conceberia que é
necessário adormecer a circunvizinhança para ver melhor o objeto, e
perder em fundo o que se ganha em figura, porque olhar o objeto é
entranhar-se nele. Na visão, apoio meu olhar em um fragmento da
paisagem, os outros objetos (paisagem) recuam para a margem e
adormecem, mas não deixam de estar ali (MERLEAU-PONTY, 2006, p.
104).

Merleau-Ponty (2006, p. 105) segue em seu trajeto esclarecedor sobre a percepção e


o olhar para o percebido afirmando que “Ver é entrar em um universo de seres que
se mostram. Olhar um objeto é vir habitá-lo e dali apreender todas as coisas
segundo a face que eles voltam para ele. Mas, na medida em que também as vejo,
elas permanecem moradas abertas ao meu olhar e, situado virtualmente nelas,
percebo sob diferentes ângulos o objeto central de minha visão atual”.

Ainda enfatiza o fenomenólogo que “É preciso que reencontremos a origem do


objeto no próprio coração de nossa experiência. O corpo, retirando-se do mundo
objetivo, arrastará os fios intencionais que o ligam ao seu ambiente e finalmente nos
revelará o sujeito que percebe assim como o mundo percebido” (MERLEAU-PONTY,
2006, p. 109 e 110). Compreendendo este caminho merleau-pontyneano: perceber-
55

significar-expressar-comunicar o insignificante se sobressai para vestir-se de


significação, a propósito de uma busca da superação, da transcendência.

Dessa maneira, sinto-me próxima a Manoel de Barros, por considera-lo também um


observador das coisas ‘insignificantes’ da vida, do mundo. Estabeleci essa relação de
intimidade através das poesias do poeta, nas quais sempre revelaram presença do
“pequeno”, do “nada”, do “insignificante”, certamente nos três livros que tenho como
leitura32.

Manoel de Barros me fez compreender que os poetas, os artistas veem o mundo de


um modo bastante específico. Para eles, há sempre uma ambiência poética em tudo
que percebem e expressam. Os estereótipos e as convenções inibem os sensíveis-
criadores, justamente porque não provocam reflexões, não inquietam o espírito.

Insignificância-Significância são sentidos distintos entrelaçados. Insignificância se


revela como ‘sem valor’, e significação aquilo que uma palavra, gesto, sinal, fato diz
com todo o sentido da expressão, então, ‘com valor’ para quem expressa.

Mas, assumindo uma posição de entremeio, se pode se assentar nos limites entre a
dialética33 da insignificância-significância e entrelaçá-las e recheá-las de propósito
sensível na busca permanente de atenção criativa. Então, insignificante significa
na/para o deleite da imaginação criadora. Assim, não é só no terreno das
significações, das coisas com valor que se pode encontrar a matéria da criação, pois
na dinâmica, no movimento se encontram e ou se pode encontrar substâncias para
as constantes e necessárias criações.

No contexto da vida social onde o instituído se coloca mais óbvio a todas as pessoas,
já o instituinte pode não se revelar tão aparente assim, algo entre linhas como se
diz. A referência que se faz ao ‘insignificante’ é tudo o que se evidencia ao meu ser

32
Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001); Retrato do artista quando coisa (2009) e Livro sobre
nada (1996).
33
Dialética aqui neste contexto, bem como, no contexto de toda a tese se considera por uma ação
dialógica, a ação de dialogar, desenhar melhor os conceitos diversos-divergentes, para melhor
contorna-los, berço das novas ideias-conceitos-entendimentos, no sentido bachelardiano de
alargamento dos quadros do conhecimento.
56

sensível caminhante, ou seja, o ‘insignificante’ do instituinte social, aquilo que


comumente não se põe tão claramente aos olhos de todas as pessoas.

Um bom exemplo, entre muitos outros, para ilustrar essa compreensão, são os
desenhos, rabiscos que as pessoas e os alunos fazem nas folhas das agendas, nas
últimas folhas do caderno, nas carteiras da sala de aula entre outros. Esses espaços
não são formalizados para tais rabiscos-desenhos, entretanto, ao se prestarem a
receptáculos, se tornam expressões que devem ou podem ser consideradas no bojo
das significações da vida humana, tanto no sentido pessoal, como cultura escolar,
como científico.

Então, ‘insignificâncias-significâncias’ em dialética, uma não negando a existência da


outra, importa ou deve importar para reflexões-estudos, porque contribuem com as
compreensões e redesenhos. Por essa razão, se afirma que um caminho interessante
é trilhar entre as frestas da significância-insignificância, visando a encontros que
possam vicejar atualizações, transcendências e reinvenções.

Pensando nesta prática cultural ainda existente, a dos receituários e cartilhas, da


vida fácil, da ciência/pensamento racional-objetiva nos campos educacionais, da
educação em geral meramente reprodutora, recorri à Fanny Abramovick. Relativo à
educação e aos professores, cabe aqui esta reflexão (1988, p.13 e 14):

Não me peçam, nem tentem pegar a receita: não adianta prá nada,
não serve prá mim, quem dirá para outra pessoa [...] Pois é
professores, não peçam mais a receita! Isto não existe, em termos de
nada: nem da vida, nem da educação. Nenhum de nós poderá falar
sobre algo que não acredita. Que cada um encontre seu caminho, o
reformule quantas vezes precisar e quiser, durante a sua trajetória
professoral. Educação acontece na vivência pessoal, na descoberta
em cada aula, junto com um determinado grupo de alunos.

Receitas, manuais, cartilhas, caminhos, vidas prontas para serem copiadas e


reproduzidas não existem para os seres que experimentaram as delícias do lavorar a
própria vida, tecendo reflexões e fazendo as coisas da vida ao mesmo tempo,
bordando desejos, desenhando devaneios... Somente essas almas poéticas podem
conhecer este sabor e, por isso, podem vestir-se do espírito que oferta forma à
felicidade. A vida meramente reprodutora é uma vida sem sentido e, por essa razão,
57

sem valor algum. Esse tipo de vida nem deveria existir para ninguém, para nenhuma
vida, pois ninguém pode, ou pelo menos, não deveria falar, escrever, desenhar,
estudar-pesquisar, buscar e expressar sobre o que não crê com toda a sua força34,
berço do espírito humano!

Seria melhor que cada qual conseguisse escrever-desenhar-colorir o próprio caminho


e, ao encontrar e desencontrar caminhos pudesse fazer e refazer trilhas, inclusive
retomar os trilheiros já percorridos, por quantas vezes precisasse e desejasse
durante de toda a trajetória. Este desenho caminhante é próprio da espécie humana,
por isso sem preço, sem condições de precificar como bem almeja o capital, o
mercado, a indústria, mas carregado de valores caros dos tipos que se guardam com
amor para todo o sempre na caixinha de Pandora35.

A vida se dá vivendo sozinho, em par\pares ou em bando. A vida se dá na


descoberta de cada lugar, de cada paisagem, de cada instante, de cada caminho, de
cada pequena trilha já aberta ou aquelas que por ventura serão abertas, de cada
atalho, seja ele o melhor ou a pior escolha, de cada desvio, de cada passo, de
paradas, de encontro e desencontro. Viver, portanto, é simplesmente seguir
caminhando, ir caminhando mesmo, como interpretaram Dimenstein e Alves (2003,
p. 5 ): “fascinante é o caminho ou, mais precisamente, os caminhos e descaminhos.
Seguindo os caminhos aprende-se não um resultado, mas a arte de pensar.
Caminha-se, pensando junto.” Berço, gênese da manutenção da recriação, contínua
criação, a descoberta é essencial para o avivamento da reinvenção.

Um viver humano sem preocupação com receituários significa viver criativamente.


Aliás, esse aspecto, tão próprio da humanidade, nem deveria ser objeto de conversa,
de alertada e estudo. Porém, como foi sucumbido do viver humano, é preciso
reaprendê-lo, reinventando sempre que se faz necessário um novo-outro desenho! A
criatividade deveria ser simplesmente vivida na sua singularidade e intensidade,
assim como ocorre com uma prática instituída em qualquer setor social, seja na vida

34
É como escrever com o próprio sangue. Sangue é o espírito (NIETZSCHE, 2009). (NIETZSCHE,
Friedrich. Assim falava Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. 3° Ed. Petrópolis, RJ: 2009).
35
O mito Grego da caixa de Pandora faz alusão à origem dos males que permeiam o mundo, e muitas
interpretações podem ser realizadas, porém, a que desejo usar aqui, encontra-se relativa a uma caixa
que guarda coisas de valor, não classificando se é ‘bem-mal’, mas valor apenas
58

cotidiana, na educação, na ciência, na política, no setor tecnológico, no setor


industrial, empresarial, entre outros, sempre no favorecimento de uma vida singular
na pluralidade humana, e por isso melhor para todos no planeta.

Ao reexaminar minha existência, percebo que minha vida sempre foi traçada e
tingida pela criatividade, com o fazer de outra forma, por caminhos outros, como
aponta Bachelard (1997, p. 10), “com toda a força primordial que respinga no
outro”. Procurei existir a meu modo, sem buscar caminhos mais fáceis, da
reprodução, da passividade, da mesmice e da ordem estabelecida. Sempre sonhante
com algo outro, sempre inquieta na minha quietude observadora e desejosa de
imaginar outras formas, outras maneiras, outras possibilidades, outros caminhos.
Tenho seguido por estas trilhas até o presente momento, na vida, na educação e
agora, na pesquisa, por isto, na ciência.

Lembro-me de que quando ainda criança, aluna de uma escola pública no Rio
Grande do Sul, “desejava muito mais do que a minha escola me proporcionava,
desejava conhecer além dos limites do seu muro, além do livro didático, além das
atividades de copiar textos do quadro-negro, além de pintar desenhos prontos e
marcar “X” nas provas que me avaliavam. Tinha a expectativa de desvelar mais do
que a escola propunha, tinha sede de vida, tinha fome de mundo, sonhava com algo
outro e tinha muita pressa e força para buscar!” (QUADROS, 2006, p. 7). A minha
força de busca pelo novo-renovado, hoje aos 50 anos de idade, reside e resiste em
cada brotar da teimosia, na permanência e insistência do amor e respeito à vida, no
encantamento que se traduz pelo brilho do meu olhar em cada nova possibilidade
anunciada pelos meus devaneios.

Esse desejo, esse sonhar com toda a força e pressa para chegar a algo diferente do
ofertado, foi entendido no passado, e ainda o é como mero desligamento e/ou
ingenuidade, segundo as pessoas com quem convivo no meio familiar e profissional.
Sempre fui considerada uma criança-adolescente-aluna “desligada” e “fraca”, o que
me fazia sentir alguém fora da lista dos comuns, ou seja, dos melhores, dos mais,
dos sempre vistos, dos certos. Contudo, sempre questionava, no meu silêncio fiel ao
meu ser, se seria eu ou a forma nada instigante como a vida dentro e fora da escola
me era proposta.
59

Existir nas fôrmas rígidas formantes sempre fora muito difícil para meu ser alargado,
deformante e reformante a cada descoberta-aprendizado. Não nasci e nem existo
para ser enformada como produto industrial. Produção-fazer em série? Não existe
essa possibilidade na minha felicidade existencial, porque creio na arte, creio na
artesania, creio no lavor! Estas são, portanto, meu Deus e minha Deusa! Este foi e é
o meu caminho, meu rumo em qualquer instância e tempo de vida!

Em meu trajeto profissional, não foi diferente. No meio educacional, meu espaço de
trabalho, de certa forma sempre me senti única, diferente mesmo (Imagem: 06).
Muito ouvi nas entrelinhas que minhas atitudes profissionais eram diferentes, e que
não passavam de rebeldias, de exibicionismo, de excentricidade e até mesmo de
ingenuidade. Mas prefiro nomeá-las de ousadias, de coragem em busca de desejos,
de amor, de esperança e de crença em outros caminhos, em outras possibilidades de
formação do ser e do meu ser, são pequenas ações revolucionárias nos grandes
campos instituintes, como bem recomendam as ideias maffesolianas.

Imagem 06: Retrato. Arte: Sérgio Venny [artista plástico e ex-aluno]. Interferência artística: Imara Quadros.
60

Na instância científica, tampouco foi diferente. Ainda quando era criança, no Ensino
Fundamental, participei de uma feira de ciências onde desenvolvi uma pesquisa que
buscava conhecer a absorção da temperatura das cores em diversos materiais,
anúncios de um desejo pululante e ávido pela ciranda entre ciência e arte. Muito
mais tarde, na passagem do século passado para este, desenvolvi uma pesquisa
circunscrita no Curso de Mestrado de uma instituição particular em que trabalhava,
onde conheci a mim mesma e, na época, percebi que só conseguia escrever, no
sentido do signo escrito, se primeiro desenhasse. Assim, aquela dissertação, insegura
e acanhadamente, revelou meus textos artísticos e escritos em complementariedade.
Mas como só fiz o exame de qualificação, não defendendo a dissertação de
mestrado, meu trabalho inaugurador nunca saiu da pasta onde se encontra
guardado até hoje.

Somente um pouco mais tarde, quando ingressei em um grupo de pesquisa na


mesma instituição do referido mestrado, foi que resolvi assumir os desenhos como
parceiros dos meus textos científicos. Assim, já saía a campo equipada com
instrumentos artísticos do tipo escolar para o registro sensível-particularizado do que
observava, devaneava e refletia. Em 2003, tive a coragem de levar esses trabalhos
artísticos para um Congresso Internacional do Imaginário em Recife, Brasil. E foi
nessa ocasião que consegui, talvez pela audácia, publicar o resumo científico que os
trabalhos artísticos compunham (Imagens: 07, 08 e 09).
61

Imagem 07: Cópia digital1 da “Capa, Sumário e Resumo”. Fonte: Teixeira e Porto (2004).

Imagem 08: Cópia digital 2das páginas que mostram os desenhos de uma pesquisa publicados 1. Fonte:
Teixeira e Porto (2004, p.20 e 21).
62

Imagem 09: Cópia digital 3das páginas que mostram os desenhos de uma pesquisa publicados 2. Fonte:
Teixeira e Porto (2004, p.22 e 23).

Não consigo entender a educação senão como de e para vida e, por isso, dinâmica.
Entendo a educação como o ar que respiro todos os dias, uma ambiência formativa-
aprendizagem múltipla, permanente e constante até a minha morte física. A
educação, como entendo, deve propor o encorajamento da dignidade, escolhas e
mudanças necessárias no sentido justo. Não é justo uma educação que, velada ou
escancarada, oprima, que seja indiferente, que oculte a possibilidade da esperança.
Hoje, na minha opinião, não cabe mais uma educação voltada para mera reprodução
e passividade, enformada e enformante (QUADROS, 2006; 2010; 2012).

Não é possível negar que, no cotidiano da vida, portanto da educação, viceja


subversão, criação e reconstrução de caminhos outros, o que Maffesoli denomina de
cultura instituinte, tanto quanto nos espaços–tempos estruturados e organizados da
vida social humana. Percebo o quanto essas experiências e outras não contadas aqui
contribuíram para que eu permanecesse fiel ao meu desligamento do receituário e,
assim, fiel à minha humanidade, que é a humanidade de todos, permanecendo-me
intacta na criatividade, no imaginante - minha felicidade. Falta de maturidade?
Ingenuidade? Certamente não!
63

Apenas desejo e por isso busco viver com toda a intensidade a minha fidelidade
criante. Por essa razão, talvez tenha encarado todos os desafios que a mim se
apresentam, inclusive, este que hora vivo, que é-foi e está sendo o de
abordar/declarar, via ciência, minha experiência vivida na pesquisa, meus desafios e
aprendizagens científicas, também constituintes de uma experiência de vida
(Imagem: 10).

Compreendo criação como um ato de amor e coragem! Por isso, meus instrumentos
da artesania na luta contra modelos/padrões estabelecidos sempre foram: folha de
papel sulfite, lápis grafite e de cor, entre outros materiais escolares que se
revestiram de materiais artísticos. Hoje, me detenho num esforço de incluir ao meu
‘arsenal’ artesanal a palavra vestida de rigor científico e de densidade acadêmica!
Mais um desafio e talvez o mais difícil!

Imagem 10: Desenho “Da Arte para a Ciência”. Foto da borboleta Morfo: João Quadros Ramos. Arte: Imara
Quadros.

Nesta empreita de aprendizagem científica, não tive a pretensão de produzir o mais


correto, o mais afinado, o mais profundo, o mais denso, o mais sensível, o mais
academicamente certo, o mais criativo, o mais crítico. Simplesmente desejei
compartilhar minhas aprendizagens científicas para que, a partir delas, pudesse alçar
64

voos outros, no sentido de melhorar a vida no macro e no micro cosmos da


educação escolar e não escolar, incluindo, nesse bojo, o científico.

Nasci e existo para criar minhas próprias fôrmas na forja da minha vida, que, talvez,
poderão não servir para mais ninguém. Os demais só poderão conhecer e, se
desejarem, se inspirar na maneira singular para criar seus próprios caminhos
aventurantes, assim como o ferreiro que, no seu trabalho, forja o ferro em formas
diversas sempre únicas, uma artesania!!!!

As almas que se sentirem tocadas pela minha tese que se encham de coragem para
a livre escolha por um viver artesão também na ciência, pois o pensamento
complexo, mergulhado na pós-modernidade, oferta escolha não se posicionando
fechada a uma única abordagem de se produzir conhecimento nos campos das
ciências humanas e sociais. Se a educação é dimensão cultural, então a escolha pela
artesania da\na formação dos seres humanos é uma boa escolha sem saudosismos,
sem nostalgias... Uma livre e feliz escolha!

A educação ambiental e a arte educação podem se entrelaçar, como sinalizadoras


desta escolha nos campos educacional e de pesquisa para que não se tenha que
abandonar a jornada artesã, laboriosa, prazerosa e feliz nos campos científicos, pois
creio na ciência artesã. Esta foi a escolha desta grande viagem científica!

2.2 Uma caminhante e seu descaminho

Meu descaminho... Uma imagem líquida ecoa do passado... Nasce uma necessidade
de bordar minha ligação pessoal com o bojo desta investigação, e a realizo via
devaneio... Como o Pantanal de Mato Grosso é uma área úmida protegida -
RAMSAR36, então busquei uma ligação pessoal com este solo úmido, fazendo do
Pantanal e de mim um ser único através das águas em busca de proteção. Ela, a
água, foi o fio no sentido poético para que eu pudesse bordar a tessitura científica.

36
RAMSAR WETLAND CONVENTION, Acesso disponível: http://www.ramsar.org/cda/en/ramsar-
home/main/ramsar/1_4000_0__ .
65

Sigo o meu trilhar, destrilhando criando imagens imaginadas e imaginantes que


querem contar cada conto do meu caminhar acantonado, na esperança de encantar,
abrindo sempre novas trilhas, novos caminhos e constantes novas imagens. Na obra
“A Poética do Espaço”, Bachelard (1993, p. 20), situa a casa, os nichos, as conchas
como lugares onde se guardam coisas, podendo ser sons, palavras, imagens, objetos
e etc., testemunhos de uma atividade guardadora, e outros testemunhos de uma
atividade guardadora, em que tudo que ‘em mim mora’ me lança à ação
imaginadora. Declara ele (p. 127) que o explorador é um sonhador que recorda, e
que uma lembrança deve ser inspiradora, para que se queira contar.

A primeira imagem que se fez necessária para minha tessitura escrita foi a minha
imagem nominal nas águas (Imagem: 11). Uma imagem geográfica das águas que
une, serpenteando, caminhos imaginados. Acredito que os nossos caminhos, sejam
eles pessoais, profissionais e mesmo os científicos, se construam a partir dos lugares
de onde nos encontramos. É só a partir deles que damos conta de olhar o mundo, de
pensar, poetizar, sonhar e contar sobre tudo isto (QUADROS, 2006; 2010; 2012).

Imagem 11: Fotografia “Dunas na praia Imara”. Foto: João Leite de Quadros [Pai], Iára Pizzato Quadros [mãe] e
Imara Pizzato Quadros [eu], aproximadamente em 1967 - Álbum de família.

É por esta razão que divulgar fragmentos da força nominal, nome recebido ao
nascer, se constitui em um aspecto importante a ser considerado neste começo de
escrita-reflexão toda bordada pelas águas e pelas poeiras pantaneiras. Aqui me
66

desenho em plena e profunda relação com as águas e a poeira que preenchem o


Pantanal, bordando o ciclo das águas de um território úmido, onde por vezes a água
dorme nas profundezas do céu e da terra, meu lócus de estudo. Mergulhei nas águas
pantaneiras na ideia dos impressionistas, que aboliram contornos para que
brotassem as nuances das cores refletidas pela luz, demarcando em massas tonais
coloridas os limites imprecisos do mergulho devaneador (Imagem: 12).

Imagem 12: Fotografia “Imagem refletida” [Lagoa nas dunas da praia Imara]. Foto: João Quadros Ramos.

A cartografia do imaginário, companheira de pesquisa, com base nos quatro


elementos bachelardianos, (SATO, 2011), revela um processo de aprendizagem na
investigação, um caminho de “deformação-formação-transformação-renovação”. A
água, considerada como um caminho de ensinamento-aprendizagem [formativo]
fenomenológico, em seu curso, conduz à “deformação-formação-transformação-
renovação” (SATO, 011, p. 5). Nesse sentido, então posso considerar a minha
relação pessoal com as águas a gênese de um desejo que pulula (BACHELARD,
1993).

Um desejo se abre em caminhos, rumo à existência dos múltiplos saberes que se


percebem ao percorrer os caminhos líquidos e secos de uma paisagem pululante.
67

Então, minha interessante e forte ligação com a água é minha aprendizagem


primeira (Imagem: 13), minha dissolução inicial rumo à transformação e reformação.
Com base na Cartografia do Imaginário (2011), busco uma arqueologia da minha
identidade, escavando-escovando-desvelando tudo que ‘em mim mora’ para
devanear, imaginar um fio ligante entre o meu ser e o Pantanal.

Imagem 13: Mapa pictórico “Ligações imaginárias”. Fotos da canoa e da borboleta Morfo: João Quadros
Ramos. Foto da flor do Cambará Fernndez (2010, p. 3). Arte: Imara Quadros.
68

No litoral norte do estado do Rio Grande do Sul, há uma praia chamada Imara
(Imagem: 14). Ali, se situa um ponto original do meu percurso pessoal relacionado à
água. Meu nome Imara, foi tomado desta praia no inicio do ano de 1962, pelos
meus pais ainda grávidos. Anos se passaram sem a preocupação com a descoberta
do significado deste nome, bastava saber que era nome de uma praia vizinha da
casa onde passávamos as férias de verão.

Imagem 14: Fotografia “Placa de indicação da Praia Imara” [Avenida Interpraias/RS]. Foto: Imara Quadros.

Quando eu era criança, Imara era uma praia praticamente sem casas, constituída
somente por dunas, morros de areia. Por vezes, por entre as dunas, revelavam-se
rasas lagoas de água doce, advindas das chuvas que encharcavam o solo arenoso
até transbordar a superfície e desvelarem lagoas (Imagens: 15 e 16). Aqueles
pequenos campos de água serviam, até onde consigo me lembrar, de habitat para
pequenas rãs, sapos, girinos, lagartixas, pequenos lagartos, conchas diversas levadas
pelas aves costeiras e uma vegetação rasteira. Entre suas dunas e lagoas, também
se apresentavam algumas poucas casas, além de uma velha e enferrujada caixa
d’água (Imagem: 17), quase sempre coberta com areia bem sequinha pela ação do
vento.

Assim se desenhava uma paisagem única e divertida, daquele tempo e lugar de


felicidade inesquecível. Hoje, a paisagem única e feliz, foi substituída por muitas
casas, ruas e comércio, preço pago pelo crescimento populacional e econômico
proporcionado pelo avanço do mercado imobiliário (Imagem: 18). Seria este um
cenário anunciador do futuro para o Pantanal? Talvez o Pantanal não chegue nunca
69

a ser uma grande cidade, e assim espero. Mas, vislumbro a possibilidade de que
chegue a ser travestido de latifúndios, onde a monocultura, o agronegócio serão o
regente, fazendo dormir para sempre o “natifúndio” que Manoel de Barros ( 00 , p.
15) poetizou.

Imagem 15, 16, 17 e 18: Fotografias “Fragmentos imagéticos da praia Imara/RS”. Fotos: Imara Quadros.

Na década de 90, quando trabalhei com a educação indígena, no Programa de


Educação Superior Indígena Intercultural - PROESI, em conversa com um aluno da
etnia Bakairi, ela me esclareceu que Imara é um nome indígena da região sul do
Brasil. Muito mais tarde, aproximadamente em 2007, consegui desvelar a primeira
pista sobre a história do nome Imara, em uma viagem a Santa Catarina,
especificamente à praia da Pinheira, onde consegui um material que me forneceu
alguns indícios, ainda sem certezas: no roteiro feito para turistas, produzido por um
70

aventureiro com o nome de “Nando”. Na apresentação desse material, o autor,


Nando (s/d., p. 34), contextualiza o lugar das suas andanças no tempo e no
ambiente, e enfatiza:

É neste ambiente que vislumbra a “Yvy Marã – a terra [Yvy] sem


males [Marã]”, cultuada até hoje na religiosidade das tribos
locais. Nesta mesma parte da apresentação, o autor lembra: “A
ocupação estrangeira da ilha de Santa Catarina e da costa
continental expulsou boa parte dos Mbya Guarani da costa e
região.

Foi assim que consegui dar um sentido primeiro, uma imagem escrita a uma imagem
que, em mim, sempre morouna memória, “I Mara” só pode ser o mesmo que “Y
Marã”, “Y [água] Marã [sem males]” - água sem males, água pura, água doce.

É possível a compreensão de que aquelas dunas de areia que existiam no passado


litorâneo daquele lugar feliz da minha infância, servia para guardar as águas das
chuvas, e com isso, criava um ecossistema próprio daquele lugar, em condições de
estar carregado de vidas. E os índios da região sul, sempre sábios por serem bons
leitores da vida e do mundo natural na interação cultural como todos os outros
indígenas brasileiros e de outros países do mundo, sabiam que ali poderiam, em
determinada época do ano, no verão provavelmente, desfrutar da vida farta do mar,
com a presença abundante da água doce em plena orla. Por esta razão, creio que o
nome Imara deva ter sido escolhido para aquele lugar.

Não são respostas comprovadas pela história e nem pelos estudos científicos, talvez,
por ser este um pedaço provável da história dos povos primeiros das terras
brasileiras, os indígenas. E, como para muitos, a história do Brasil só se inicia com a
chegada dos europeus em solo brasileiro, essas páginas ainda não foram escritas.
Mas isto é outra história, outra pesquisa.

O nome que se dá a alguém quando do seu nascimento pode se revelar como algo
com força própria, pois, quando se sabe a origem do nome e se gosta dela, há de se
querer divulgar, propagar aos quatro ventos, só para ter o prazer de revelar a força
primordial que nos lança ao mundo em partilha.
71

Assim, consigo entender minha ligação singular com a água, nesta presença
imaginada – ausência física. Minha força nominal vem da língua indígena do sul do
Brasil, que desvela a força da água doce em ‘vizinhamento’ com a água salgada do
mar. Um rico tecido poético se constitui e se desvela para anunciar o ligante com a
proposição científica: Mar de Xarayés37 com Mar de Imara38 (Imagem: 13 - p. 52).

Sentindo-me fortemente ligada à água, me entrego para desvelar a arte presente na


área úmida do Pantanal Mato-grossense, pois, assim, este lugar que só conheci aos
meus 45 anos de vida (2007), não ficará mais tão distante, tão sem sentido para
meu ser, pois nos ligamos profundamente pela água primordial do nosso lugar de
origem (Imagem: 19).

Imagem 19: Fotografia “Eu no Pantanal, e o Pantanal em mim”.Foto da Imara, Ruth Albernaz. Foto da flor do
Cambará, Fernndez (2010, p. 3). Foto da borboleta Morfo: João Quadros Ramos. Arte digital: Imara Quadros.

A partir deste contexto imaginário tecido sobre informações reais, me sinto


sensibilizada para acantonar, perceber e sentir os encantos e desencantos de cada
canto, de cada conto produzido nos ciclos das águas do Pantanal de Mato Grosso,
singularmente no Complexo comunitário de Joselândia, a fim de revelar estudos,

37
Mato Grosso.
38
Rio Grande do Sul.
72

leituras e a pesquisa científica para o doutoramento, com sensibilidade, criticidade e


criatividade, desvelando uma artesania científica lavorada por uma artesã da ciência!
Conforme apontou Maffesoli (1988, p.57), quando provoca apontando: “este fim de
século mostra a saturação de prática teórica, tal fato nos deve incitar a buscar com
audácia, uma atitude alternativa mais apta a cercar-se da vida de todos os dias”.
Assim, ao revelar a arte produzida na área úmida do Pantanal de Joselândia,
certamente me desvelo me desnudo. Na busca de reformulações de mim mesma,
inteiramente, meu ser pesquisadora - artista e profissional da educação que sou,
desvelo-me para me revestir, me aprontar para outras aventuras sonhadas,
desejadas...

2.3 Minha casa natal: indícios da jornada

Os caracóis são moluscos lerdos. Andam muito, muito devagar.


Ninguém tomaria os caracóis como exemplo. Embora suas conchas
sejam belas e construídas com precisão matemática, o que chama
atenção de quem os observa é a sua pachorra. Caracóis não tem
pressa. Falta-lhes dinamismo, virtude essencial àqueles que vivem
no mundo moderno. Quem anda devagar fica para trás. (ALVES,
2010, p. 78). [Escolhi ser como os caracóis!]39

2.3.1 Educação: vida e escola

O que a educação não sabe fazer, a imaginação realiza seja como


for. (BACHELARD, 2003, p. 7 e 8).

Para Freire, educação é o próprio ser humano, o tempo todo, em todos os espaços.
Segundo esse Mestre nos revela “Educação tem caráter permanente! Não há seres
educados e não educados. Estamos todos nos educando” (FREIRE, 1979, p. 8).
Nessa perspectiva, considera-se educação a própria vida humana, o viver, pois ela se
concretiza todos os dias com ou sem professor e também com ou sem escola. A
educação se dá em cada dia, nos lugares e situações de vida cotidiana. Assim,
nenhum humano, nenhum setor escapa dela. A educação, no sentido ensino-

39
Entre chaves foi acréscimo meu.
73

aprendizagem, se mistura com o viver, se entremeia em todos os mundos sociais,


existe de forma livre para todos os cidadãos e cidadãs, indistintamente, tornando
comum todo e qualquer saber. (FREIRE, 1979; BRANDÃO, 1995). Como interpreta
Freire (1979, p. 27 e 28):

Comecemos a pensar sobre nós mesmos e trataremos de encontrar,


na natureza do homem, algo que possa construir o núcleo
fundamental onde se sustente o processo de educação. Este núcleo
seria o inacabamento ou a inconclusão do homem. [...] o homem as
sabe inacabado e por isto se educa. Não haveria educação se o
homem fosse um ser acabado. Está em constante busca. Eis aqui a
raiz da educação. O homem deve ser o sujeito da sua própria
educação. Por sito, ninguém educa ninguém.

Na realidade escolar, porém, o foco que ainda insiste na aprendizagem de


conhecimentos é distanciado do viver local dos alunos. Talvez essa resistência se dê
pelo forte interesse em manter vantagens para alguns saberes ditos superiores e,
por essa razão, a urgência de a educação escolar deixar de ser instrumento de poder
unilateral, como já dizia o mestre Freire (1989), mas que ainda vale:

Nossa educação ainda é verbosa, palavresca, sonora,


assistencializadora, não comunica, faz comunicados. A própria escola
acalenta a sonoridade da palavra, a desvinculação da realidade, a
tendência de reduzir os meios de aprendizagem em formas
meramente nocionais, deixando sempre na periferia tudo o que é
tratado (FREIRE, 1989, p.93 e 95).

Com e através de discursos prontos, de narrativas reprodutoras, totalmente acríticas,


insensíveis e nada criativas, a escola sacraliza a passividade e opressão, o
assistencialismo, ou seja, a não capacidade de gerir, de criar melhores caminhos,
configurando, dessa forma, uma violência simbólica. Brandão, seguidor das ideias
freirianas, lembra que:

Hoje a escola, e tudo o que ela envolve parece estar num processo
de deterioração, em ruínas em alguns aspectos. A população virou
massa consumidora do descartável. Produtora só do que é fácil e
rápido. Vivemos a cultura da [rapidez, eficiência] concorrência, da
competição que transforma a educação em vestibular [ENEM]. A
escola se põe carregada demais de alunos, completamente
empobrecida de tempo [profissionais sensíveis, críticos e criativos] e
recursos. O problema de hoje é a necessidade social de transmitir
conhecimento através da escola e, junto com esta, está a
necessidade que parece pouco acrescentar; principalmente em
74

termos de aprender a criar ou aprender através do criar. (BRANDÃO,


2002, p.163-168)40.

É urgente que se instaure a dimensão criativa à educação escolar, concomitante a


um espaço-tempo de aprender sobre si mesmo, de ver, reconhecer e refletir o todo
onde se vive, ajudando a desenhar contextos, como e porque se vive de formas tão
diferentes neste mundo e, acima de tudo, como sair das situações que se
apresentam injustas e insustentáveis.

Posta a questão, interessa lembrar as ideias do pensador Francês Michel de Certeau,


um “espírito anticonformista” (GIARD, 2012, p. 9), apoiador da mudança sem medo,
da mudança dinâmica, contrária à da mudança opressiva que paralisa. O referido
estudioso considera que, na “brecha entre o dizer e o fazer” (GIARD, 2012, p.11),
está a possibilidade de caminhos possíveis, um trânsito que possibilita conhecer o
processo criador, responder como se cria.

As ideias de Certeau, apresentadas na obra “A invenção do cotidiano”, centram o


olhar do leitor-estudioso nas “maneiras de fazer, nas práticas, nos modos de
proceder”, afirmando que as pessoas escapam do estabelecido, inventando o
cotidiano graças às “artes de fazer” (CERTEAU, 2012, p. 41 e contra-capa).

Acredito, como Freire, que o ser humano denota ser e ter capacidade de perceber a
realidade vivida, e por isso esse grande mestre declarou que não há ignorância, nem
sabedoria absoluta. Ainda ensina Paulo Freire que é nas bases populares e com elas,
que se pode dizer algo de sério e autêntico para elas. Como sinaliza Brandão (2002,
p.165), “É a partir de uma compreensão do modo de vida e da lógica do pensar de
cada cultura, em cada sociedade, que é possível equacionar métodos proveitosos e
realizar um ensino-aprendizagem criativo”.

A escola da vida é uma voz que deve ser validada no campo escolar e não escolar,
pois é, seguramente, um acervo cultural riquíssimo local e universalmente colocado.
Para atingir essa proposição necessária, se faz imprescindível o entrelaço entre
educação da vida, que se encontra fora do âmbito escolar, e a educação escolar,
uma em complementariedade a outra. Esse outro universo da educação, o não
escolar, a escola da vida, é sempre criativo e, por isso subversivo, porque viceja o

40
Nesta citação de Brandão (2002), foi incluído dentro de chaves observações-acréscimos meus.
75

humano local, tessitura de valores, símbolos e significados travestidos de gestos,


olhares, sons pelos guetos, entre outros que acimentam o estar junto com os
semelhantes, distinto dos diferentes, mas unidos pelo cordão da universalidade
humana.

Afirmam as ideias maffesolianas que existe um conhecimento empírico cotidiano que


não pode, e eu acrescento, não deve ser dispensado. Esse intelectual do “invisível-
visível, do pequenino” revela na obra A “Conquista do Presente” (MAFFESOLI, 1984)
que o conhecimento empírico é um saber fazer, um saber viver social, constituidor
de um rico dado, a vida instituinte e, para isso, lembra que se devem considerar as
particularidades do viver, aquelas ações chamadas por vezes de pequenas ou banais,
mas que, segundo esse estudioso, oferecem sentido ao grupo cultural.

Segundo Paulo Freire, urge uma educação com o intuito de propor um dialogar
permanentemente com o outro e o mundo: “Uma educação que coloque em diálogo
constante com o outro. Que o predisponha a constante revisões. À análise crítica de
seus achados. A certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão.” (FREIRE,
1989, p. 90). Para este grande mestre, diálogo é a ação de reunir pessoas, círculo da
cultura, de uma prática do dialogar. Propõe a pedagogia freiriana que seja um
dialogar entre pessoas em que a palavra seja sempre pulsante, viva porque são eles,
os participantes do diálogo, falando do viver. As ideias freirianas revelam que o
educador apenas deve conduzir a proposição, mostrar o caminho.

Este rumo proposto por Freire se deve dar via imagens que traduzam a cultura, o
tecido vivido pelo participante, para que possa decodificar e entrar no processo de
alfabetização-conversação com e através de diferentes linguagens. Esse caminho
freiriano pode ser ainda mais enriquecedor, se os próprios alfabetizandos, os
participantes da proposição, produzirem, artisticamente, as imagens que
desencadearão o processo alfabetizador, ou seja, suas leituras de mundo. Mas
também podem ser imagens vivas, imagens vividas aqui-agora, desde que sejam
sempre imagens que expressem algo deles próprios, imagens locais.

Na proposta de Freire, o educador e o educando, na ação dialógica, podem aprender


juntos, pois a tarefa única é dialogar. Nesse processo de conversa, se dá a
integração do contexto, uma vez que oferece condições de enraizamento e gera a
76

capacidade criativa da/na ação dialógica. A pedagogia comunicativa posta por Freire
é uma pedagogia corajosa, porque incorpora, como parte do processo educativo, a
fala-discussão com o aluno, que é uma pessoa comum. Nesse sentido, Forquin
(1993, p. 13 e 14) aponta que:

O empreendimento educativo tem a responsabilidade de transmitir e


perpetuar a existência humana. Pode-se dizer que a cultura é
conteúdo substancial da educação, educação não é nada fora ou sem
cultura. Educação e Cultura aparecem como as duas faces recíprocas
e complementares de uma mesma realidade: uma não pode ser
pensada sem a outra.

2.3.2 Cultura é educação da vida

A vida não se justifica pela utilidade. Ela se justifica pelo prazer e


pela alegria – moradores da ordem da fruição. (ALVES, 2005, p.
15).

Se cultura for compreendida em âmbito bem genérico, pode-se dizer que é todo e
qualquer universo que dá forma, que caracteriza um determinado grupo social
humano. Via cultura se entende o caminho percorrido, se reinventa o presente e se
projeta o futuro de cada indivíduo, de cada grupo, de cada comunidade. Assim
considerado, se pode tecer cultura como riqueza, pois guarda a multiplicidade da
existência humana. Cada grupo cultural desenha, cria e recria seu viver, conforme
seu jeito de sentir, ver, pensar e posicionar-se no e com o mundo e, dessa maneira,
cada grupo interpreta o contexto de vida e a constrói, conforme seu entendimento e
necessidades. Cultura diz respeito a toda humanidade, mas, ao mesmo tempo, a
cada uma das sociedades. Assim, cada realidade cultural tem sua lógica interna
(BRANDÃO, 1985; 2002).

A crença na cultura é patrimônio, residência das lógicas, hábitos, valores, costumes,


desejos, concepções que desvelam sentidos, significados, significados. Dessa forma,
é um bom solo para base de reflexões e mudanças. Quanto ao patrimônio cultural,
Morin ( 004, p. 7) assevera que “Cada civilização possui um pensamento racional,
empírico, técnico, simbólico, mitológico e mágico. Também havendo sabedorias e
superstições”. Já Terena (2004, p. 49) alerta, dizendo que: “Os recursos culturais
77

estão se perdendo, e assim se perde a riqueza. O caminho é fortalecer a cultura


local, junto à economia”.

Vale ressaltar, porém, que a vida humana está para muito além das fronteiras do
biológico. O viver de cada indivíduo, de cada grupo social tem um sentido, e é nesse
percurso que reside o conteúdo de vida que se passa adiante, ofertando significância
às posições e ações dos indivíduos-grupo. Portanto, cultura é um sistema de
significâncias próprias, singulares e, ao mesmo tempo, sistema universal no âmbito
da humanidade (QUADROS, 2006). Nessa perspectiva, a cultura é considerada fruto
do convívio humano, resultante da ação, da experiência vivida e compartilhada,
tecida cotidianamente, recheada de significados que acabam situando quem dela
participa. A cultura é o portal que se abre ao mundo dos símbolos e alimenta o
diálogo e, através da linguagem humana, aprendemos a ser humanos, ou seja,
aprendemos como devemos pensar, falar, agir de acordo com o grupo, com a cultura
a que pertencemos (ARANHA E MARTINS, 1986).

Retornando ao legado freiriano, afirmo que a existência humana não pode ser muda,
pois tem que ser nutrida de palavras “vividas”. Existir humanamente, para Freire, é
pronunciar o mundo, é modificá-lo, pois o mundo pronunciado retorna
problematizado aos pronunciantes, exigindo um novo pronunciar. Ainda afirma que
“Dizer a palavra, é um direito de todos os homens. O diálogo é o caminho, pelo qual
os homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 1983, p. 92).

Quanto à sabedoria popular, o senso comum, Geertz (1997) a conceitua como um


sistema cultural, como um corpo de crenças e juízos, com conexões vagas, além de
uma simples relação de pensamentos iguais para todos que pertencem ao grupo
cultural. Para ele, o senso comum é completamente diferente de um lugar para
outro, uma forma local e singular, porque o viver cotidiano é o nascedouro do
conhecimento interpretado e partilhado, portanto, origem do pensamento e da ação
humana. Nesse sentido, o senso comum é compreendido como um mundo
intersubjetivo partilhado e preservador das raízes que impulsionam as
transformações naturais do percurso vital (BERGER E LUCKMMAN, 1985).

É preciso construir significados para que a sociedade faça o controle social, de modo
a construir um projeto civilizatório de formação cidadã em relação ao mundo, a seus
78

fragmentos e suas conexões, numa espiral de possibilidades que considere diálogos


de saberes, ao invés da tradicional proposta de ter dois lados: um poderoso que
ensina e o outro subalterno que aprende. Há sempre uma dialeticidade entre o eu-
outro, sem a relação hierárquica de poder, pois o diálogo relativiza e desenha
conforme o que cada um de nós, indivíduos, compreende o mundo num dado
momento e espaço.

Ancorada nesses conhecimentos, esta pesquisa no campo educacional pretende


redesenhar a sala de aula ou remobiliar este espaço com a cultura, com a arte
popular pantaneira [MT]. Ou talvez, pretenda mesmo redesenhar a arquitetura da
escola, para que esta, num ato revolucionário imaginário, derrube seus muros
juntando “educação-escola e vida popular”, educação e cultura-arte de tal modo que
as junturas nem apareçam.

Habitualmente, conceitua-se sala de aula como um espaço e tempo formal, instituído


para o ensino-aprendizagem acontecer de forma sistematizada. Porém, posso
redesenhar esse sentido parafraseando parte do título dado a um projeto de
pesquisa do GPEA\UFMT “Temporalidade e Territorialidade” das aprendizagens, no
qual se desvelem e se revelem as vicissitudes humanas, com todos os outros seres.

Gosto de retornar às minhas primeiras leituras, pois são espécies de casa de


memórias que, como propõe Bachelard na obra “Poética do Espaço”, me fazem gozar
de puro prazer. O prazer de ter mudado e o de me manter firme nas bordas das
transcendências me oferta o continuar gostando das ousadias de outrora que ainda
habitam em mim aqui-agora, minhas crenças primeiras. Relendo um livro publicado
em 1989, que questionava a sala de aula, me deparei com um entendimento por
educação, que, naquela época, me agradou muito e percebo que ainda me agrada.
Segundo Novaski (1989, p. 11) “[...] entendo por educação, etimologicamente, levar
de um lugar para o outro”. E no final do texto (p. 15) o mesmo autor indaga, “para
que uma sala de aula se não for capaz de nos transportar além da sala de aula?”.
79

No mesmo livro, encontrei outro artigo que trata do conhecimento popular, do qual
também gostei no passado e continuo gostando. Um texto intitulado “A sala de aula
como lugar de vida” do autor Adriano Taveira41 (1989, p. 51) provocou a reflexão:

Será que a sala de aula é um dos lugares onde habita o pensamento?


Se for... quero procurar pelas relações que nela acontecem. Procurar
pelos sentidos, esses tecelões que relacionam pessoas, objetos e
símbolos. Um desafio, permanentemente, me acompanha. Nessa
minha procura eu me pergunto: - a sala de aula... como ela é vista
pela cultura popular? Se os pensamentos que derivam de relações
internas à sala de aula forem pensados por pessoas cuja memória é
um embornal de tradições populares vívidas... então eu fico me
perguntando assim: - como seria adornada e mobiliada a sala de aula
morada do pensamento popular?

Cabe então falar na urgente necessidade tardia da ida da cultura popular à escola,
ou à escola da vida, instituinte ir até à escola instituída, à velha e boa Educação e
Cultura. A escola instituída tem ainda muito a aprender com a escola da vida.
Embora esta não conferir a diplomas, com ela se aprende o labor artesanal que
enche o aprendente de alegria, prazer e amor, gozo da humanidade.

Se a arte popular adentrar o território educacional, entrará concomitante a natureza,


estabelecendo a relação das esferas Natureza-cultura, que devem importar muito à
educação das pessoas e dos setores sociais na atualidade, em prol de se aprender a
justiça socioambiental e sustentabilidade. Esse é um caminho aberto, rico e
interessante que oferta possibilidades de se redesenhar a relação Cultura-Natureza,
encravada na/para a Pós-modernidade.

2.3.3 Educação Ambiental e a Arte Educação

Somos responsáveis pela comunidade em que vivemos, pela


sociedade, e por esta biosfera que mantém o elo da vida como sua
própria essência de manutenção (SATO E SANTOS, 2003,
p. 259).

A arte se ensina, Arte se aprende! (BUORO, 1998, p. 39).

41
Pedagogo e Jornalista.
80

A EA não é neutra; abarca a concepção crítica e complexa das questões


socioambientais e permite a superação da visão reducionista e dicotomizada da
modernidade (VIÉGAS, 2005; BAUMAN, 2005). Busca o entrelaçamento do respeito
às diferentes identidades e do permanente processo de construção de valores,
comportamentos e conceitos, respectivamente, dimensões axiológica, praxiológica e
epistemológica da EA (PASSOS E SATO, 2005).

Segundo Sato (2000, p. 11):

A EA não é o estudo do ser humano, nem isoladamente da sociedade


e, nem dos fragmentos da natureza. A EA deve se preocupar com a
integração das três esferas, natureza, sociedade e ser humano, para
conseguir alcançar um pensamento mais complexo, mais justo, que
considere uma visão mais integradora da sociedade humana e de
suas relações com a natureza.

Segue dizendo Sato ( 000, p. 3 e 4) que “não sendo um modismo”, a EA revela a


urgente necessidade de inserir a dimensão ambiental no cotidiano de todos os
setores sociais humanos, na perspectiva de uma cultura ambiental, ou seja, na vida
pessoal, familiar, bairros, cidades, comunidades, instituições públicas, privadas e
outros. É necessário que a EA também seja inserida no setor de gestão,
administração, com vistas a que seja incorporada e aberta as reinvenções que
favoreçam a todos, e não só a seletos interesses. O foco deve ser dirigido para o
bem estar social, incluindo os grupos sociais nesse bojo.

Este aspecto perpassa pela compreensão de sua necessidade urgente e pelo


entendimento de que é preciso reflexões críticas e flexibilidade, para conseguir
transcender o já afirmado e rumar em busca do desconhecido, que é sempre
travestido de novo, no sentido de mudanças em prol da garantia de uma vida e um
viver pautado na sustentabilidade e no desejo de um fazer, participar de todo este
processo complexo. Todavia, isso tudo não vem com manual nem através de
receituários e, por essa razão, permanece a necessidade de aprender, considerar a
possibilidade de reinvenções continuamente.

A EA nunca dará conta de, sozinha, modificar as realidades impactantes urgentes.


Segundo Sato, “no debate da EA é preciso que se reconheça que a ignorância
representa uma oportunidade para o renascimento”, e, “no nosso refletir, devemos
81

perceber que nosso conhecimento é limitado e que devemos buscar novas fontes do
saber. [...] Quem julga saber tudo, não cria condições para a troca, portanto, não
ocorrendo diálogos. Da mesma maneira, quem acha que não sabe nada, também
não estabelece comunicação.” ( 000, p. 3-4 e 9-10). Então, se pode considerar que
é necessário renascer a cada passo da jornada, mantendo uma saber de si mesmo
em complementariedade do outro, do mundo.

A EA indica uma trilha em que o meio natural está ligado ao cultural, lugar onde se
encontra a ciência popular, a lógica de determinada comunidade, de determinado
grupo social. Então, nela também se podem encontrar saberes que são próprios,
particulares à vivência de cada grupo social. O mundo natural-cultural, que envolve o
viver dos grupos sociais, desperta no sentido provocador de múltiplas e variadas
emoções e sentimentos que podem se revelar agradáveis ou não aos sentidos do
percebedor-provocado. Desenhar múltiplas e variadas possibilidades interpretativas
olhares, abordagens, entendimentos, ideias e caminhos é, bastante complexo, mas,
sobretudo, farto, sendo, portanto, provocador.

É sobre o seu solo de vida cotidiana que os grupos sociais desenham seu jeito de
gostar, de fazer, de julgar e de selecionar as coisas, inclusive as obras, os objetos
de/da arte, sempre próprios e singulares. E assim, vivendo a vida, eles
vãoaprendendo e ensinando a vida, no próprio viver comunitário, incluindo a estética
e arte. Então, é certo afirmar que todo ser humano expressa e comunica ideias e
sentimentos através de linguagens, entre as quais figuram a fala e a escrita. No
então, também importa considerar que as pessoas fazem uso de outras linguagens,
sabendo ou não disso, como da expressão e comunicação artística, uma linguagem
que revela sempre no sentido plural, através dos produtos do fazer sensível-criativo e
estético dos grupos e dos indivíduos sociais.

A arte está presente na vida humana desde os primórdios da sua existência. É via
arte que os diversos grupos humanos também podem expressar sua estética e seus
fazeres criativos. As sociedades, ao construírem o seu legado cultural e artístico,
tecem o da humanidade concomitante, bordando saberes artísticos locais e
universais. Ferraz e Fusari (1999, p. 16), no livro “Metodologia do Ensino de Arte”,
afirmam que “o mundo em que nascemos e vivemos traz uma história social,
82

incluídos neste bojo histórico figuram as produções culturais-artísticas que


estruturam, dão forma e peso ao nosso Senso Estético, ao nosso prazer e gosto”.

A arte é o saber estético e artístico. O saber estético é um saber teórico, residência


de valores sensíveis, valores humanos. E a expressão estética, não se dá somente
pela arte, porém, reside um dos principais nichos, desenhando o sensível-cognitivo
que é parte do objeto artístico, como parte da cultura humana. O saber artístico é
um saber que proporciona vivencia sensível-cognitiva, feito de experimentações e
também da parceria com a filosofia, do perceber e pensar sobre as coisas da vida.
Lócus das representações, das expressões sensíveis e imaginativas, é por meio de
uma linguagem específica que os fazedores de arte abordam conteúdos da vida que
revelam o ser individual e social do seu tempo-espaço, conforme sua interpretação,
isto é, da maneira como percebem as coisas.

A arte se configura como promovedora do uso das capacidades perceptiva, sensível e


a criativa. Esses aspectos importam para o “ser” e “estar” na vida, no mundo,
colorindo-o com as cores da subjetividade humana e completando o ser que não é só
ser da objetividade. O exercício dessas capacidades humanas via arte fazem toda a
diferença, inaugurando toda a singularidade de pessoas e grupos. Assim, contribui
com o tracejado compreensivo da diversidade e da multiculturalidade, possibilitando
a construção, a elaboração, a experimentação e o entendimento do patrimônio
cultural de grupos e sociedades num sentido universal, propondo um trânsito livre do
local ao universal. A arte se desvela em espécie de síntese das emoções, dos
sentimentos pautados no ambiente de vida e na história, portanto, de cultura.

Esse trajeto desperta a lembrança do artista de vanguarda e revolucionário Hélio


Oiticica, com sua série inovadora de Parangolés42. Essa fase do artista se deu na
década de 60, quando ele compôs criações estruturais têxteis, objetos do tipo capa,

42
Um carioca nascido em 1937, falecido em 1980, artista visual-plástico e performático. Acesso
disponível: http://lazer.hsw.uol.com.br/parangole.htm. Acesso em: 15/11/2012, ás 12h52min. Acesso
disponível:
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=856&titulo=Parangole:_anti-
obra_de_Helio_Oiticica, acesso em: 15/11/2012, ás 12h54min e Acesso disponível em:
http://bethccruz.blogspot.com.br/2010/03/helio-oiticica-arte-e-parangoles.html, acesso em:
15/11/2012, ás 13h10min.
83

estandartes, bandeiras vestidas por alguém. Os primeiros Parangolés foram


produzidos por e para a comunidade de um morro carioca, o da escola de samba da
Mangueira, e a primeira exposição se deu no Museu de Arte do Rio de Janeiro,
espaço de arte frequentado pela elite consumidora de obras de arte. Naquela
ocasião, seus amigos do morro foram impedidos de participar da exposição dele.
Então, em protesto, o artista realizou uma manifestação em frente ao museu,
dispondo vida aos Parangolés, com os corpos de seus amigos que haviam sido
impedidos de entrar no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Portanto, os não
frequentadores e consumidores de obras de arte expostas em museus, os tais
‘pobres’, se tornaram obra apreciada pelos usuários e consumidores dos museus de
arte. Esse fato que provocou um escândalo, porque transgrediu a estrutura de classe
estabelecida na época.

As esculturas em movimento criadas por Oiticica só se completam a partir do uso de


alguém que as visita e lhes dá movimento, ou seja, o corpo é suporte da obra. Esse
corpo-obra, o do participante-apreciador que a veste, se torna, então, a própria obra.
Experiência-vivencia criativa que promove a minimização e até mesmo extinção total
da distância entre obra-criador-espectador, pois todos se tornam participantes da/na
atividade criadora. O ser humano e arte, entrelaçados para reinvenção conceitual,
superam paradigmas, conceito estabelecido de uma época.

A arte se materializa por um conjunto de procedimentos e instrumentos utilizados


para criar-concretizar obras-objetos. Apesar de o ser humano sempre que cria, cria
algo para sua satisfação subjetiva, uma ação sensível, criativa e poética, ele também
cria para suas necessidades práticas do dia-a-dia, produzindo ferramentas, utensílios
e adornos necessários ao seu viver particular. Estes objetos, que por sua vez,
também traduzem ação sensível, criativa e porque não dizer poética.

A arte se materializa por um conjunto de procedimentos e instrumentos utilizados


para criar-concretizar obras-objetos. Apesar de o ser humano sempre que cria, cria
algo para sua satisfação subjetiva, uma ação sensível, criativa e poética, ele também
cria para suas necessidades práticas do dia-a-dia, produzindo ferramentas, utensílios
e adornos necessários ao seu viver particular. Estes objetos, que por sua vez,
também traduzem ação sensível, criativa e porque não dizer poética.
84

Temos a possibilidade de penetrar na obra, de nos tornarmos ativos


e de viver a sua pulsação através de todos os nossos sentidos. Se
observarmos a rua através da janela, [...] por causa do vidro
transparente, mas duro e rígido, parece um ser isolado [...]. Mas eis
que abrimos a porta: saímos do isolamento, participamos deste ser,
aí nos tornamos agentes e vivemos a sua pulsação através de todos
os nossos sentidos.

E Ernest Ficher (2007, p. 15) compreende que:

A obra de arte deve apoderar-se da plateia não através da


identificação passiva, mas através de um apelo à que requeira ação e
decisão. [...] de maneira que o espectador seja levado a algo mais
produtivo do que a mera observação seja levada, a pensar no curso
da apreciação da obra, e incitado a formular um julgamento quanto
ao que viu.

Arte forma gente sensível e criativa! O senso estético, a sensibilidade e a criatividade


são capacidades que podem e devem ser primordialmente presentes na formação
das pessoas, dentro e fora da escola. A oportunidade de conhecer, fazer arte e
apreciar obras de arte nos diversos tipos de linguagem é uma oportunidade única
que deve aparecer na formação humana, melhor ainda se houver conhecimento de
todas as linguagens artísticas, visual-plástica, cênica, dança e música. Juntas, ativam
vivamente a sensibilidade, a percepção e a imaginação das pessoas, apuram a
estética e ampliam o conhecimento cultural e abrem um leque de consideração para
a diversidade da existência artística e não artística humana e não humana, portanto,
da vida.

As ideias de Rosa Iavelberg43 (2003) sinalizam que fazer arte44 e pensar sobre arte
são ações fundamentais para a aprendizagem hoje. Enfatiza especificamente em
seus estudos que, uma das bases do fazer arte, é associar, de maneira criativa e
sensível, materiais e técnicas, melhor dizendo, maneiras de fazer(IAVELBERG,2003).
(Imagem: 20).

43
Estudiosa da arte educação.
44
Voltada para o desenvolvimento do percurso criador pessoal, da pessoa fora da escola e do aluno,
dentro da escola.
85

Imagem 20: Fotografias “Aprendizagens artísticas”. Fotos: Imara Quadros.

A arte, a educação e o ambiente podem ser tomados como uma boa proposição
curricular da vida (Imagem: 21). O entendimento de arte popular que construí para
percorrer esta trilha compreensiva foi o da artesania, como um labor da mão
sonhadora do ser que lavra as coisas para a vida e para o próprio viver, configurando
um aprender e ensinar na escola da vida. Nessa perspectiva, toda a prática da arte,
seja ela popular ou não, é compreendida como uma prática da presença, da
resistência e da esperança. A arte popular evidencia um saber entremeado com o
modo de vida do fazedor, a cultura com o ecossistema-natureza.
86

Imagem 21: Arte “Ciranda socioambiental: Arte Educação Ambiental”. Foto do planeta arte, Imara Quadros.
Foto da flor do Cambará, Fernndez (2010, p. 3). Foto da borboleta Morfo, João Quadros Ramos. Arte: Imara
Quadros.

Canção Mínima

No mistério do Sem-Fim

Equilibra-se um planeta.

E, no Planeta, um jardim,e, no jardim, um canteiro;

no canteiro, uma violeta,e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o Sem-Fim,a asa de uma borboleta.

(CECÍLIA MEIRELES, 1963, p 32)


87

A mão que é capaz de trabalhar tem a ânsia de conhecer. Vejamos exatamente o


que disse o filósofo da imaginação poética sobre esta questão: “A mão que trabalha,
tem necessidade da exata mistura da terra e da água para bem compreender o que
é uma matéria capaz de uma forma, uma substância capaz de uma vida”
(BACHELARD, 1997, p. 2). Não há dúvida nenhuma de que, ao lavorar
artesanalmente, se instaura a arte da própria vida.

As sociedades têm uma interação íntima com o seu meio natural, mesmo que não se
considere e ou não se perceba mais disso. Certamente, desde sempre, o que tem
moldado a diversidade cultural e os sistemas de valores humanos é o meio natural
onde o ser está inserido, mesmo no universo do industrializado, do comércio, do
consumo - coadjuvantes do ambiente urbano. Um bom exemplo disso podem ser os
tijolos e o cimento usados nas edificações de moradias, sejam casas ou prédios. Sob
essa ótica, os serviços ecossistêmicos são/estão intimamente ligados aos valores e
comportamentos humanos. De acordo com Andrade (2009), os ecossistemas e os
seus serviços prestam um importante papel à identidade cultural, a diversidade dos
ecossistemas desenha a multiplicidade das culturas e a diversidade cultural
diversifica o ecossistema, trazendo outras espécies, outras vidas.

Esse caminho que segue do local ao universal e vice versa considera que todos os
tons e sonoridades das diferentes formas de ser e existir humano se colocam como
um desafio a ser vencido neste mundo contemporâneo entendido como complexo.
Urge, então, o desenho de um caminho sensível no qual tanto a mente-racionalidade
quanto o coração-sensibilidade coexistam em uma única tessitura, território de
encantamentos e estranhamento (SATO e PASSOS, 2006). E essa urgência
cartográfica sensível e racional se abre através de uma educação ambiental proposta
por um grupo pesquisador que constrói conceitos com afeto, COM-FETOS,
vislumbrando políticas públicas. Nesse trilhar, a arte é posta como importante
contribuidora na abertura das brechas para que outras linguagens possam
compartilhar na mesma intensidade com a linguagem ainda predominante, a escrita.
88

2.3.4 Arte Educação Ambiental: ambiência híbrida de/para criação

Tudo começa com o sonho. O sonho é meu pequeno paraíso. O


sonho dá ordens à inteligência: “pense, invente as ferramentas de
que necessito para realizar o meu sonho”. Aí a inteligência pensa.
(ALVES, 2005, p. 19).

Arte e brinquedo são a mesma coisa: atividades inúteis que dão


prazer e alegria. Poesia, música, pintura, escultura, dança, teatro,
culinária: são todas brincadeiras que inventamos para que o corpo
encontre a felicidade, ainda que em breves momentos de distração,
como diria Guimarães Rosa. (IBID, 2005, p. 16).

Urge que se estabeleça um estado permanente e constante de EA45, para todas as


pessoas e setores sociais. Assim, quem sabe se provoquem diálogos–debate sobre
todas as questões envolventes que abalam o bem viver no planeta o mais breve
possível. Wallace (2002) alerta que todos devemos reconhecer que as questões
ambientais são também questões sociais. Sato (2003, p. 12) sinaliza que a educação
ambiental deve levar a uma formação mais cidadã, pois:

A educação ambiental deve orientar-se para a comunidade,


incentivando o indivíduo a participar atuante da resolução dos
problemas no seu contexto de realidade específica [...]. Os problemas
ambientais foram criados por homens e mulheres e deles virão as
soluções. Estas serão obras de cidadãos e cidadãs.

As trilhas apontam que, para caminhar por uma EA, deve-se priorizar o meio onde se
vive, pois é nele que também está a ciência popular, a lógica de determinada
comunidade, de determinado grupo social, é onde se podem encontrar saberes que
são próprios, particulares à vivência de cada grupo social. Assim, clama-se por uma
urgente sensibilização ambiental, e um caminho muitíssimo interessante pararealizá-
la é por meio da educação não escolarizada, uma formação dialógica com base em
Paulo Freire, o qual propõe um dialogar permanente e constante, um solo bastante
rico para a educação ambiental se enraizar e provocar estas discussões e criações

45
Este estado permanente e constante de Educação Ambiental, que se sabe que é necessário e
urgente pensar e agir, não acredita na transversalidade proposta nos PCN, nem tampouco crê na
instauração de uma disciplina específica para Educação Ambiental, como alguns rumores existentes. O
que se considera é a possibilidade de um movimento divergente que aponte reinvenções educativas,
superando as propostas vigentes e anunciadas para a questão ambiental na educação (Educação
Ambiental), e a Arte Educação Ambiental proposta pelo GPEA, é uma destas tentativas.
89

necessárias. Como afirma Sato ( 003, p. 13): “As modernas atividades educacionais
clamam por mudanças de valores, atividades e responsabilidades com o ambiente”.

Na perspectiva do dialogar freiriano (FREIRE, 1989 -1979), o diálogo é essencial e


apresenta a “imagem” como força vital. Entendida no sentido freiriano, pode ser uma
palavra falada, escrita e/ou artística que revela uma possibilidade comunicacional e
que perpassa pelo contexto simbólico.

A Arte, na educação escolar ou não, envolve o fazer como a produção artística de


todos os tempos, lugares e culturas. Sendo a Arte uma forma bastante significativa
de Comunicação e de Expressão humana, ela, tanto na expressão–produção como na
leitura–apreciação, apresenta possibilidade comunicacional na dimensão sensível,
criativa e crítica, revelando um valor que deve importar muito à educação,
especialmente na EA. A Arte é uma das áreas de conhecimento que oportuniza
aspectos múltiplos, dentre os quais se destaca a exploração dos sentidos e
significações, a tolerância à ambiguidade, segundo ideias de Ana Mae Barbosa
(2005).

A exploração dos sentidos e a ambiguidade, promovidas pela arte, ajudam ou podem


ajudar no desvelar de um aspecto que importa muito à vida cotidiana. Também a
educação [escolar e não] e a ciência, na sua dimensão pedagógica, são ou podem
ser a abertura para se redesenhar as coisas, os caminhos, as aprendizagens e a vida,
entre outros, pois, no universo da Arte, não há o certo ou o errado, o bonito ou o
feio, o melhor ou o pior, o superior ou o inferior. Há sempre o diferente, a outra
maneira, os múltiplos caminhos, aspectos que oferecem forma à complexidade da
existência humana, já que o viver é complexo.

Considerar essa complexidade se configura interessante para a tessitura da vida de


qualquer pessoa – grupo social, pois é a própria vida humana. As vivências pelos
territórios arte-educativos promovem uma espécie de reanimação do aspecto
sensível e cognitivo, apurando seus conceitos e suas posições diante do mundo,
diante da vida. E, de posse da imaginação criadora, podem redesenhar escolhas
felizes, se reinventarem.
90

Se hibridamente entrelaçarmos Arte Educação com a EA, teremos a Arte Educação


Ambiental como um bom guia para se desenhar e redesenhar cartografias
protagonistas, no sentido desvelador de mundividências, ou seja, de vida, de
aprendizagens, de caminhos e descaminhos, de escolhas, se considerado o que
aponta Tristão ( 005, p. 53): “As palavras comuns, frequentemente utilizadas nos
discursos sobre Educação Ambiental, começam a parecer sem sabor e a soar falsas e
vazias. Precisamos resgatar o sabor do saber que está no desejo de mudar a vida”,
Arte Educação Ambiental revela a possibilidade de ofertar o “sabor do saber que está
no desejo de mudar a vida”. Então, é melhor fazer valer e acontecer a ideia do
artista Bené Fonteles, artista brasileiro que coordena o movimento artistas pela
natureza (Imagem: 22): Antes arte do que tarde!

Imagem 22: Fotografia “Antes Arte do que tarde”. Frase, Bené Fonteles. Papel artesanal de banana, Ruth
Albernaz. Foto borboleta Morfo, João Quadros Ramos. Foto do trabalho artístico e Arte, Imara Quadros.
91

É hora de reabrir a casa... [e entrar nela]. E é possível que, ao fechá-la, [...] percamos a

liberdade de aprendizagem empírica. Mas são possíveis outras formas de aprendizagens

oníricas: a leitura de bons livros, consultas na internet ou um bom descanso na própria cama

[um bom descanso na própria cama?]... conseguir enxergar o que a viagem científica conseguiu

refletir no tecido social (SATO, 2011, p.15).


92

3 ARTESANIA DOS SENTIDOS

O começo poderia ser outro, poderia ser vários, mas creio que, no meu caso, seja
mais interessante começar por aqui... Um apelo a novas maneiras de pensar a
sociedade e a relação com o ambiente...

3.1 Caminhos e descaminhos: invenções denunciantes e anunciantes46

Quando o mundo abandonar o meu olho. Quando o meu olho


furado de belezas for esquecido pelo mundo. Que ei de fazer?
Quando o silêncio que grita do meu olho não mais for escutado.
Que ei de fazer? Eu preciso ser Outros. (MANOEL DE
BARROS, 2009, p. 75 e 79).

Ai de nós, educadores, se deixarmos de sonhar sonhos possíveis.


(FREIRE, 1982, p. 99).

Na civilização atual que se revela capitalista, tudo vira produto vendável, até cultura
e arte já apresentam a versão industrial e mercadológica, ou seja, todo e qualquer
produto obtém precificação, lógica da venda-preço-consumo-comércio/indústria-lucro
a qual por sua vez imprime uma lógica insustentável, portanto, crise socioambiental.

E o produtor de arte, o artista, nesta lógica mercadológica cultural-artística, nada


tem a ver com o espírito livre criador de que falamos nesta tese. Nela, abordamos o
ser ancorado na expressão-linguagem, na criação de que necessita assim como
precisa do ar para respirar, devanear, aliando imaginação-criação. No caso deste
trabalho, criação artística científica complementa os eixos ciência-arte.

O modelo capital é um modelo fortemente marcado pelo “patriarcado”, pela


exploração da natureza e pelos impactos da “globalização”. Um quadro de injustiças
de toda ordem, que ameaça a sustentabilidade planetária, revelando-se

46
Sub-título inspirado em Paulo Freire (1983, p. 101).
93

insustentável, pois instaura graves problemas socioambientais, tais como perdas


identitárias, exclusão social, desigualdade velada das relações de gênero, injustiças
sociais - manutenção da opressão, entre outros agravos. Assim, promove a
fragmentação das forças dos sujeitos no sentido de força coletiva e,
consequentemente, das instituições sociais populares, desenhando um mosaico
composto de sérios “conflitos sociais” e “dilemas ambientais”, velados e não velados.
Estudos do GPEA/UFMT nos ajudam a afirmar este quadro de horror social (SATO,
2008, p. 2):

A história da civilização humana demarca uma arena de forças, com a


minoria rica explorando os mais fracos, desenhando assim o racismo,
que persiste até os dias atuais. A escravidão continua, agora em
forma de subemprego, de péssimas condições de trabalho, de
exploração do trabalho infantil, de prostituição de menores ou
dizimação de povos e grupos. Portanto, a luta pela liberdade de
antigamente, agora, deve ser por igualdade social.

A concepção de natureza ainda é reconhecida como objeto de contemplação e fonte


inesgotável de recursos. O modelo econômico instaurado, porém, bombardeia
exaustivamente suas ideologias no cotidiano por meio de variadas linguagens e
meios, impondo, silenciosamente, o poder do ter, do lucro, da beleza e do novo
mediados pelo consumo - consumismo e etc. Tendo em vista que as culturas ainda
são divididas e classificadas em melhor-pior, mais-menos, ainda perambulam nos
dias atuais a razão educadora universalizante, mantenedora da crise posta
(TRISTÃO, 2005).

Segundo Tristão (2005, p. 253), esse quadro acima também “impregna o corpo dos
sentidos da Educação Ambiental” e “despotencializa a dimensão social”, gerando
impotência individual e social, impedindo um “processo educativo com base cotidiana
significativa”. Essa estudiosa ( 005, p. 6 ) alerta que “só saber que estamos em
crise, que as políticas públicas não atendem as expectativas e que a mercantilização
domina o mundo não basta”. Revela ainda Tristão (IBIDEM, 005, p. 6 ) que “é
preciso superar”, buscar brechas para o reencantamento e reinvenção. Ela (p. 253)
ainda aponta que “é preciso resgatar o sabor do saber no bojo de mudar a vida”.
Talvez este seja não só o melhor, mas o caminho a ser seguido.
94

Diante desta obra de horrores, toma-se o que Gaston Bachelard afirmou em um


texto escrito científico em complementariedade a um texto fotográfico-imagético,
com intento de melhor estabelecer uma compreensão de maneira mais sensível-
crítica sobre esta questão dos horrores instaurados. Disse o filósofo da imagem
(1997, p.143): "quem não sente uma repugnância especial, irracional, inconsciente,
direta, pelo rio sujo?" (Imagem: 23).

47
Imagem 23: Fotografia “Rio sujo” . Foto: Acervo Imara Quadros e Ruth Albernaz.

E aproveito para parafraseá-lo com o intuito reflexivo, "quem não sente uma atração
especial pelo rio limpo?" (parafraseado de BACHELARD, 1997, p. 143), (Imagem:
24).

47
Embora possa parecer que os objetos foram intencionalmente compostos para a foto, vale ressaltar
que não. Esta imagem foi encontrada exatamente assim em uma comunidade pantaneira em 2007.
95

Imagem 24: Fotografia “Rio limpo”. Foto: Hélio Caldas.

E segue parafraseando o filósofo, provocando com esta outra imagem, agora escrita,
“quem não sente uma repugnância irracional-racional, inconsciente-consciente e
direta-indireta pelas imagens INJUSTAS?" (Parafraseando BACHELARD, 1997, p.
143).

Quando pela vida se veem pessoas com muito dinheiro e outras que precisam
estender as mãos pelas ruas da cidade pedindo moedas; quando pela vida se veem
pessoas com fartura e variedade de alimento, e a outra resta agradecer pelo prato
de comida doado; quando pela vida se veem pessoas que residem em mansões, e
outras que improvisam cubículos cobertos de papelão e ou de plástico, o que
devemos sentir e pensar?

Considerar e pensar nas injustiças socioambientais, eis minha resposta. Imagens


vividas e aqui descritas são completamente injustas. O que mais se ouve relacionado
a essas imagens cotidianas de miséria na ótica capital é que esse tipo de pessoa dita
miserável tem muito pouco ou nenhuma chance no universo do ter. A alegação, na
abordagem não crítica, é de que esse grupo de pessoas não tem dinheiro, casa e
comida porque não trabalha, ou vulgarmente são taxadas de “vagabundas”. Será
isso mesmo?
96

Pensar na sustentabilidade, hoje, se resume em uma etiqueta que se procura colocar


em tudo que se queira agregar esta marca que leva consigo a força significativa de
aprovação para venda-lucro-imagem-marketing (BOFF, 2011). O meio ambiente, o
mundo em que vivemos encontra-se em processo de enfraquecimento diante das
inúmeras e diversas agressões desenhadas pela franca expansão econômica, sem
nenhum dispositivo político e de criação de caminhos que, de fato, revelem foco na
sustentabilidade e na justiça para todos os âmbitos, segmentos e grupos sociais
(OLIVEIRA, 2012). A esse respeito, Leonardo Boff (2012) chama a atenção para o
cuidado com o planeta Terra e alerta ( 01 , p. 17) que “a sustentabilidade deve ser
pensada, com equidade, fazendo que o bem de uma parte não se faça à custa do
prejuízo de outra”.

Hoje, somos etiquetadores de preço, pois andamos precificando tudo como caminho
sustentável: os ecossistemas têm preço, os rios têm um preço, a terra tem preço e
assim por diante. Ou seja, vemos tudo pelo enfoque da mercadoria-venda-consumo-
lucro. Todavia, a natureza, enquanto ficamos a precificar, continua sua rotina na
produção e manutenção de vidas. Apesar disso, a natureza não esgotou ainda sua
capacidade geradora de vidas e tudo fornece para a vida humana, inclusive poesia e
arte48.

Seria bastante enriquecedor se tentássemos tirar o foco do preço. Seria riquíssimo se


tirássemos de vez o centro da natureza enquanto “recurso”. Deveríamos
desestruturar, desacomodar o status quo do/no recurso de bens e serviços/preço-
dinheiro e reassentar o valor no trabalho laborioso, pois é preciso conhecer outros
valores, outras dimensões humanas e não humanas, tais como: valor da
biodiversidade, valor dos ecossistemas, valor solo-terra, valor da água-rios, valor da
vida animal, valor das espécies vegetais, a fim de poder reassentar o valor humano
num contexto em que o centro seja a sustentabilidade.

48
Ideia construída a partir da Entrevista de “Satish Kumar” (Professor no Schumacher College, Sul de
Inglaterra, e director da revista “Ressurgence”), concedida em setembro de 2011, que esteve na
Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa para falar do livro Small is Beautiful - de E. F. Shumacher.
Entrevista divulgada através de email na RedeLusofona (googlegroups) assinada por Maria Trindade
Marques Serralheiro (Direção Geral de Arquivos/Arquivo Nacional da Torre do Tombo/Gabinete de
Relações Externas e Cooperação/Serviço Educativo) Alameda da Universidade/Lisboa,
www.dgarq.gov.pt.
97

Assim sonhando, as injustiças de hoje se travestirão de justiças socioambientais.


Logo, urge conhecer e reconhecer o valor cultural, valor da força imaginária, valor da
criação, valor da poesia, valor da arte, valor da vida na inteireza, valor da natureza
entrelaçada com a cultura e vice versa49, para que se redesenhe novos-outros
valores, novas-outras posturas.

Michèle Sato, em seu livro Alice no país da sustentabilidade, (2011b, p. 11) alerta
quanto “a forma como lidamos com a natureza”. Segundo a autora:

É mero reflexo da maneira como relacionamos socialmente com


pessoas. Se nossa relação é autoritária e hierárquica no plano social,
esse reflexo dará a falsa impressão de que a natureza está ao nosso
serviço. Por isto, alguns filósofos contemporâneos tentam fazer
emergir a natureza como outro, numa postura mais ética, na retirada
da centralidade humana como absoluta e tornando possível uma
visão mais equilibrada entre humano [antropocentrismo] e o não
humano [biocentrismo]. Vivia... o sofisticado prazer de se conhecer
pelos olhos do outro. Era, enfim, uma vivência fenomenológica de se
compreender pelo outro.

O dinheiro ajuda a vida humana nos dias atuais, isso não dá mais para negar.
Todavia, o foco da vida, hoje, também não pode e não deve deixar de considerar as
diversas dimensões que tecem em ciranda a vida hoje no planeta Terra como um
todo. É preciso que mudemos nossa forma de considerar, olhar, escolher, valorar,
portanto, refletir para reinventar.

É preciso desfazer o desenho dualista da modernidade, ou isto ou aquilo, é preciso


reconhecer que somos parte importante de tudo, inclusive da continuidade saudável
da vida, então desenhos entrelaçados do isto com aquilo e vice versa, reinventando
caminhos. É necessária e urgente que se instaureuma formação na/com/para a
sustentabilidade da vida, uma formação que desloque o enfoque do mercado-
consumo, em direção a uma não economia no/do cuidado com o planeta50.

Este mundo injusto e insustentável que hoje se põe me incomoda, pois a “Crise
Ambiental - Manutenção da Vida” não é um problema e tampouco uma busca

49
Ideia construída a partir de Satish Kumar 2011, já apontado na citação anterior.
50
Ideia construída a partir de Satish Kumar 2011, já apontado nas duas citações anteriores.
98

isolada, mas sim uma questão socioambiental totalmente dependente de uma


transformação política nas/das bases sociais, nas estruturas, nas organizações,
portanto, política. Logo, sonho com outro mundo possível!

Pelas razões acima, creio que um caminho possível de se transformar a realidade


para a realização do sonho de outro mundo é o caminho educacional, pelas trilhas da
Arte Educação Ambiental. Neste caso, acredito que o caminho educacional a ser
seguido seja o da educação popular, dentro da moldura educacional transformadora
freiriana, na qual cabe o estabelecimento de uma educação sensível, crítica e
criativa, então “Arte Educação Ambiental” (Imagem: 25).

Imagem 25: Esquema “Entrelaço híbrido”. Composição: Imara Quadros e Michèle Sato.

No quadro acima as dimensões “Ambiente, Educação e Arte” são apresentadas nas


cores primárias, que não resultam de misturas. Contudo, a mistura entre elas resulta
em outras cores, as secundárias, que, no quadro acima, se apresentam em misturas
híbridas realizadas a partir das três dimensões: “Arte Educação, Educação Ambiental
e Arte Educação Ambiental”.

Este hibridismo se dá pela mistura entre três dimensões: Ambiente, Educação e Arte.
Entrelaçadas, Arte e Educação geram Arte Educação; e o mesmo para Ambiente e
Educação, que, juntas, geram Educação Ambiental. Agora, se toma o entrelaço
destas dimensões - Arte Educação e Educação Ambiental e as mistura mais uma vez
será gerada a Arte Educação Ambiental. Essa nova abordagem tem o intuito de
complementariedade destas duas dimensões educacionais, ou seja, a Arte Educação
99

em aliança com a Educação Ambiental, em prol do desenhar de novos valores e


posturas para o mundo outro..., o mundo sonhado.

Este caminho da Arte Educação Ambiental é aventureiro, sonhador. Creio nele,


porque nasce do ventre da minha prática educativa, por isso sei abordá-lo. No
trilheiro arte educador ambiental, não há risca determinante que o eternize numa
forma única, há linhas contornantes em movimento, desenhando e redesenhando
conforme cada situação vivida, cada localidade e realidade em que se trabalha. A
esse respeito, Sato e Passos ( 006, p. 4) alertam afirmando que: “Educadores e
educadoras ambientais situam-se num mundo de descobertas, com dúvidas por onde
caminhar e qual itinerário seguir”.

Segundo Paulo Freire (1983, p. 101):

Eu agora diria a nós, como educadores e educadoras: ai daqueles e


daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar,
de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e
daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o
futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o
agora, ai daqueles que em lugar desta viagem constante ao amanhã,
se atrelem a um passado de exploração e de rotina.

Sato e Passos (2006, p. 20), quando tratam do prazer fenomenológico de um não


texto, apontam que:

Num estalo cerebral quase que inexplicável pelas ciências, lembramos


de “fatos” jamais ocorridos, pois representam nossos desejos nunca
adormecidos. Se os sonhos podem ser traduzidos como vida real, é
possível, pois inverter a ordem e compreender que a vida é também
tradução do sonho.

Na tentativa de melhor desenhar o que estou considerando como sonho, sonhar, ter
esperança, projetar um futuro, trilhar pelas transformações e mudanças do hoje que
se impõe, recorro a Paulo Freire mais uma vez, ao texto “Educação: sonho possível”,
palestra proferida em um encontro educacional brasileiro no ano em que retornou do
exílio em Genebra ao Brasil. Nesse texto, o estudioso brasileiro (FREIRE, 1982, p. 99-
101) demarca os limites e deslimites dos “sonhos possíveis e impossíveis”. Segundo
sua compreensão, o “critério de possibilidade ou impossibilidade dos sonhos é
histórico-social e não individual”.
100

Este Mestre contorna-descontorna com intento de ampliar o campo de entendimento


dos sonhos possíveis, apontando que é preciso reconhecer os contornos dos “sonhos
viáveis”, ou seja, “perceber e demarcar a existência” do que chama de “espaços
livres a serem preenchidos.” Para esta compreensão, Paulo Freire (1982, p. 100) traz
um exemplo que nos ajuda a compreender melhor: “Os limites de espaços, que a
minha geração teve, não são os limites que a geração de agora está tendo e de que
eu vim participar. São outros os limites, como são outros os sonhos, e alguns deles
são os mesmos, na medida em que alguns problemas de ontem são os mesmos de
hoje no Brasil”.

Esta pesquisa se pauta na crença de que tanto a Arte Educação como a Educação
Ambiental se colocam onde seus aspectos - sensibilidade, criticidade e criatividade
encontram espaço para vicejar, desformando os sonhos e transformando-os em
possibilidades de escolhas. Dessa forma, geram novos ou inovadores enfoques para
as diversas questões que urgem e afligem o aqui-agora dos diversos grupos sociais
minoritários, sob a ótica do capital. O fenômeno transformador só pode ser garantido
via superação dessas estruturas endurecidas, mantenedoras dessas bases desiguais
e injustas, mantenedoras e geradoras da exclusão social, das diferenças, dos
preconceitos, das passividades, da miséria e pobreza e pela perda total da conexão
com o ambiente e com a força dos saberes tradicionais e populares.

Buscando compreender a ligadura entre transformações – superações, uso o fio dos


sonhos para bordar esta tessitura. Como compreendem Sato e Passos (2006, p. 19),
“Há que sonhar e transgredir. Sem perder a memória do passado, rumar para o
novo.” As ideias bachelardianas (1988) revelam que acolher postura crítica, contorna
sonhos.

Segundo as ideias deste estudioso (BACHELARD, 1988), formar gente, espaços


educativos se configura em promover um estado constante/permanente de
inquietação, de incerteza, de dúvida, pululante, pois só com este solo movediço é
que se pode modelar a revolução no estabelecido. Essa proposição revolucionária
fundada nos estudos bachelardianos, pode ser a força motriz que dinamiza,
potencializa os sonhos que inauguram o desejo da criação, da transformação das
mudanças.
101

Nesse sentido, recorro mais uma vez ao que relatou Paulo Freire no encontro
educacional já mencionado acima. Na palestra proferida, Freire abordou sobre o
depoimento que ouviu de uma militante do Partido Africano da Independência da
Guiné e Cabo Verde – PAIGC, segundo o Mestre (FREIRE, 1982, p. 100-101) ela
contou que:

Amílcar Cabral - líder do movimento de libertação na Guiné e Cabo


Verde - costumava reunir os militantes [Guiné-Bissau] para realizar
discussões sobre o que haviam obtido na luta. Quando terminou,
olhou os camaradas e disse: Agora, permitam-me sonhar. Encostou a
cabeça, fechou os olhos e começou a falar com os olhos fechados.
Falou mais ou menos uma hora. Certo momento ele começou a
descrever o que seria a Guiné-Bissau libertada. E quando ele parou,
riu, e era como se tivesse voltado do futuro. Isso é o que fazem os
reais profetas.

Para Freire (198 , p. 101), os profetas “são os que se molham de tal forma nas
águas da sua cultura e da sua história, da cultura e da história do seu povo, que
conhecem o seu aqui e o seu agora e, por isto, podem prever o amanhã que eles
mais do que advinham, realizam”. A militante que relatava a Paulo Freire sobre o
episódio do sonho ecoado pelo profeta lutador fecha o enredo contando que:
“alguém entre eles51, disse ao Amílcar Cabral: isto é um sonho. E Amílcar respondeu
ao militante: Exato, é um sonho e ai das revoluções que não sonham!”. Acrescento
aqui, parafraseando o que disse o revolucionário africano: Ai das transformações que
antes não foram sonhadas!

Sato e Passos (2006, p. 18-19) indagam, provocando o desenhar da mistura entre


poesia (arte como ato poético) e ciências (ato epistêmico), porque, segundo eles,
nesta tessitura “Ciência e Poesia52 lutam pela vida contra a satisfação mortal”,
permitindo que “os sujeitos da Educação Ambiental pensem com os corações 53”.
Ainda compreendem, nesta trilha que há “poesias ingênuas e poesias de
contestação”.

Por todo este composto, presentifica-se e se justifica buscar caminhos sonhantes,


pronunciados e denunciados por meio da ciência em complementariedade com a

51
Militantes de Guiné–Bissau.
52
Acréscimo meu: poesia artística, ou seja, arte.
53
Acréscimo meu: pensar com os corações é o mesmo que sensibilidade e crítica.
102

poesia no sentido artístico, desde que tenham como direção o encontro com a
“Justiça Ambiental”, entendida como conectada ao social, e a “Sustentabilidade da
vida planetária” ancoradas na educação – Arte Educação Ambiental. Justifica-se
ainda a necessidade de se buscar caminhos que possam se revelar sensíveis, críticos
e criativos desde que tenham como direção as “INJustiças Sócio-ambientais” e
“INSustentabilidade da vida planetária”.

Tratar das questões ambientais não se restringe a preservar a natureza, alargando


os seus contornos, mas sim toca diretamente na questão da distribuição e justiça, ou
seja, toca nas questões relativas à natureza-cultura. Trata-se da luta por direitos,
pela dignidade, pela qualidade de vida para todos os seres, pela sustentabilidade.
Melhor desenhando, justiça socioambiental que se encontram entrelaçadas às
dimensões ambiente, sociocultural e sustentabilidade.

Por este desenho, a Justiça ambiental54se revela por ações mobilizadoras de todos
aqueles que se sintam afetados pelos danos, riscos e injustiças, provocando o
imobilismo a se reinventar sempre e continuamente em mobilização. Em contra
posição à Justiça ambiental, encontramos a Injustiça ambiental, produto da lógica
capitalista inauguradora do desrespeito socioambiental, pois afeta a saúde planetária
de uma forma geral, além de também afetar diretamente os grupos populares e a
identidade cultural destes.

As incontáveis e gigantescas injustiças sociais brasileiras escamoteiam e as tornam


banais desenhando um conjunto de situações desiguais na base da vida social e do
desenvolvimento. A injustiça e a discriminação, portanto, aparecem na apropriação
elitista do território e dos recursos naturais, na concentração dos benefícios
usufruídos do meio ambiente e na exposição desigual da população à poluição e aos
custos ambientais do desenvolvimento (ACSELRAD; HERCULANO; PÁDUA, 2004).

54
De acordo com a Rede Brasileira de Justiça Ambiental - RBJA, o conceito de Justiça Ambiental liga-
se intimamente a maneira justa e equitativa na consideração de todos os grupos sociais seja no
âmbito que for. Acesso disponível: RBJA – Rede Brasileira de Justiça Ambiental, movimento brasileiro,
site: http://www.justicaambiental.org.br
103

Assim compreendido, o termo ‘Justiça Ambiental’ se encontra atrelado à luta por


justiça ambiental, no sentido de garantir que os grupos socioculturais, étnicos, raciais
ou de classe não sejam penalizados pelas consequências negativas no âmbito
ambiental que nascem do sistema capital em busca do desenvolvimento (ACSELRAD;
HERCULANO; PÁDUA, 2004). Segundo Jaber (SILVA, 2012, p. 41), “O termo injustiça
ambiental tem sido aplicado para designar o fenômeno de imposição desproporcional
dos riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos
e expostas às condições de vulnerabilidade”.

O debate da ‘importância cultural’ e do ‘fortalecimento da Educação Ambiental’,


implica no entrelaço entre diferentes conceitos, métodos e conhecimento das
inúmeras experiências de mundo. É preciso considerar a relevância das lutas políticas
dos grupos sociais de territórios que “talvez ainda sejam considerados pela política e
sistema capital, irrelevantes ou frágeis para oferecer alternativa credível ao
capitalismo”, segundo Boaventura (SANTOS, 2002, p.3). Toda a experiência social é
variada e múltipla, e para além do veredicto das ciências. Assim, devem-se
empreender esforços para buscar alternativas possibilitadoras do não desperdício das
vivências cotidianas, tradicionais, artísticas e também da EA.

Estudos do GPEA/UFMT apontam que, nas tantas definições oferecidas à EA, se tem
uma que indica direção aos “desejos de mudança social” e, para tal, se buscam
“táticas sociais preventivas, de cuidados ambientais”, na ideia de “empoderamento
político” e de “controle social” por meio das opções e escolhas dos próprios grupos
sociais.

Quanto à definição da EA, Sato e Passos ( 006, p. 18) afirmam que “uma definição
hermética constituir-se-ia numa circunscrição de sua abrangência, implodindo a
riqueza de sua contribuição”. Ainda apontam que a Educação Ambiental é levada
pelas “forças metafóricas”, e “busca a esperança que recusa aceitar os limites à
transcendência”.

Segundo ainda pondera Sato ( 003, p. 1 ), “A educação ambiental deve orientar-se


para a comunidade, incentivando o indivíduo a participar atuante da resolução dos
problemas no seu contexto de realidade específica [...] Os problemas ambientais
104

foram criados por homens e mulheres e deles virão às soluções. Estas serão obras de
cidadãos e cidadãs”. Paulo Freire (1989) propõe o diálogo como ponto crucial porque
revela a palavra como uma força de vida, justificando as dores, as alegrias e os
desejos das pessoas (o saber local). Segundo Ana Maria Araújo Freire (2003, p. 11-
1 ), “as teorias de Paulo Freire têm muito a dizer e a propor para a ação dos que se
preocupam com a necessidade de educação ambiental, na perspectiva de
totalidade”.

Esta proposição investigativa no âmbito da Educação Ambiental encontra-se


encravada no tempo presente com vistas ao porvir, no sentido do reconhecimento de
que os agravos ambientais incidiram e continuam incidindo nas camadas
economicamente desfavorecidas, e por isso é desejosa de outro quadro
socioambiental. Como o ser humano não tem uma natureza passiva e sim
transformativa pode, no mínimo, escolher entre deixar as coisas como estão ou
então optar pela transformação. Cabe às ciências humanas o dever de buscar
fissuras para estudar e pensar caminhos outros (LUNGARZO, 1994). Como lembram
Sato e Passos ( 006, p. 17), “insistimos na ambiguidade, na precariedade, na
criatividade, na arte, na paixão e na busca solidária em favor da ecologia”.

Então esta pesquisa acredita na educação enquanto processo de construção histórica


que liberta as pessoas para suas próprias escolhas, rumando para intervenções
políticas no âmbito público, com vistas a alcançar e/ ou contribuir para minimização
da distância que separa a tão desejada Justiça Socioambiental e a sustentabilidade
das sociedades. O educador Paulo Freire (1996, p. 138) fez um alerta, que pode ser
considerado neste sentido abordado:

Diminuo a distância que me separa das condições malvadas em que


vivem os explorados, quando, aderindo realmente ao sonho de
justiça, luto pela mudança radical do mundo e não apenas espero
que ela chegue porque se disse que chegará. Diminuo a distância
entre mim e a dureza de vida dos explorados não com discursos
raivosos, sectários, que só não são ineficazes porque dificultam mais
ainda a minha comunicação com os oprimidos. Diminuo a distância
que me separa de suas condições negativas de vida na medida em
que os ajudo a aprender não importa que saber, com vistas à
mudança do mundo, à superação das estruturas injustas, jamais com
vistas a sua imobilização.
105

É no contexto da resistência, da re-existência (PORTO-GONÇALVES, 2006), da luta


cotidiana, dos sonhos e da esperança que as identidades podem ser modeladas, e se
modelam. Cultura, para Santos (1994), é uma forma de resistência implacável à
dominação e opressão. Segundo ele, com a re-existência se pode negar o que é
imposto e determinado, gerando a possibilidade do desatamento da
homogeneização, do predomínio na forma de ver, entender e expressar o mundo.

Nas ideias de Freire (1996), o saber local é um conhecimento que se aprende e se


ensina. Esse mesmo mestre na obra “Pedagogia do Oprimido”, aponta que “Não se
deve importar um modelo ou simplesmente despejar conhecimento contido no
programa, pois é concepção bancária, onde o diálogo não é considerado” (FREIRE,
1983, p. 99).

Como lembram Sato e Passos ( 006, p.19): “Há que se construir uma democracia
direta cuja sustentabilidade promova uma educação ambiental ampla e consequente.
Há que sonhar e transgredir. Nada no tempo é eterno, as estruturas políticas
existentes, passarão. E nós? Passarinho! Como pronuncia o poeta Mário Quintana no
Poeminho do Contra ( 006, p. 107): “Todos estes que aí estão/Atravancando o meu
caminho,/ Eles passarão… /Eu passarinho”!

Então, como passarinhos, voemos alto, coloquemos os pés bem longe do chão, para
enxergarmos bem além de nosso cotidiano, Assim, teremos condições de propor
formas de vida mais justas e sustentáveis a todos os seres do planeta terra, com
mesmo tamanho e força, sem diferenças, seja na vida cotidiana, no âmbito
educacional escolar ou não, seja na ciência. Só assim as estruturas injustas, hoje
determinantes, passarão de fato! Enquanto nós permaneceremos sempre
passarinhos da esperança de um mundo melhor que este, a ciência não só trará
esperança ao mundo da saúde física dos corpos, mas anunciará esperança de uma
vida, de um mundo bem melhor, muito mais saudável.

A potencialização do diálogo entre cultura e natureza, na perspectiva do desvelar o


território onde arte e ambiente se entrelaçam ou podem ser entrelaçados,
favorecendo a sustentabilidade das sociedades, é o dialogar transformador dos
elementos da natureza em objetos múltiplos com sentidos diversos, entre eles, o da
arte popular. Um território feito à mão, de transformação-criação em que figuram
106

pessoas que fazem objetos diversos para o bem viver, bem ser e estar, resultando
em felicidade, qualidade de vida sob a ótica cultural dos criadores que revelam
saberes sustentáveis no sentido ecológico.

Concomitante, acredito que falta desvelar uma dimensão econômica que se revele
mais justa, com base na/pela/para vida de tudo e de todos e todas, incluindo no bojo
das discussões e políticas públicas esse grupo social, a dos artistas populares. Uma
economia que se posicione em contraponto, mas em diálogo com a economia
‘instaurada pelo sistema capital’, em busca de compor uma sustentabilidade com
vistas à qualidade de vida, um viver mais digno e justo no sentido humano, mas
também não humano. Nesse trânsito, conhecer as ligações ecossistêmicas para
fundar nova outra dimensão econômica se faz necessário. No caminho proposto fica
impossível não trazer o solo da pós-modernidade, para esta pesquisa se assentar e
vicejar. Essa perspectiva parte do que afirmou Maffesoli (1996, p. 69): “o processo
de racionalização evacua tudo o que é suspeito da cidadela do cérebro”.

A Ciência Moderna, para tentar compreender o mundo, postulou métodos, leis,


paradigmas, modelos e doutrinas que deveriam se prestar a simplificações,
verificações/comprovações, replicações/generalizadoras em todas as situações. Com
a comprovação por testes e experimentos, o conhecimento era validado como
científico e replicado em todas as demais instancias sociais.

Além de fragmentar saberes, sacraliza uma “verdade” no singular e mantém


instituída a postura hegemônica desenhada pela Modernidade. Porém, tudo isso não
cabe mais, tanto que há muito já começa a ser questionada, desconstruída. Diversos
pensadoreshá muito vem apontando caminhos alternativos, espécies de brechas e
fissuras deixadas, para que se pense e se produza ciência ancorada no agora-
contemporâneo. Considera Sato, (2011, p. 17 a 19):

No efeito globalizante que padroniza todos retirando as diferenças, a


poesia parece resistir ao efeito dominador, já que de um universo
muito singular, provoca para que a urgência da teoria consiga lutar
contra a hegemonia instituída pela modernidade, a favor de táticas
instituintes, possivelmente consideradas como “pós-modernas”.
Parece ser uma obrigação, assim, tentar reinventar alguns novos
caminhos que fujam do modelo imposto ao alvorecer de novas
107

auroras científicas. [...] ao invés de somente criticá-la, reinventa o


momento investigativo.

A esse respeito, Morin ( 007, p. 6) provoca com a indagação: “Vivemos uma


revolução científica?” Segue abordando que “O conhecimento científico está em
renovação desde o começo deste século”. Afirma esse estudioso (2007, p. 52) que
“[...] existe uma revolução científica permanente. No fundo, a ciência está sempre
em movimento, em ebulição e, talvez, o próprio fundamento de sua atividade –
mesmo tendo suas formas burocratizadas – é impulsionada por um poder de
transformação”.

Edgar Morin, ao se dirigir à ciência enquanto movimento, declara (IBIDEM, p. 53),


“uma vez mais, a ciência, enquanto movimento, enquanto fenômeno é bem mais
bonita do que a atividade isolada de um cientista, ou do ponto de vista isolado, que
não passam de uma parte da dinâmica deste todo”. Aponta ele nesta mesma página
que “a vitalidade de uma atividade científica reside na dialética e na dialógica”.

O viver também se compõe por processos transformativos, portanto, não é um


processo estático, assim como a ciência. Nesse trajeto dinâmico da vida cotidiana e
científica contemporânea, manter a dialogicidade55 se coloca fundamental, tanto no
âmbito científico como no cotidiano. Diálogo é o mesmo que estabelecer conversa
entre duas ou mais pessoas, ou até mesmo consigo. Dialógico relaciona-se ao
diálogo, devendo despertar o que se chama de crítica-debate-conversa num sentido
amplo de consideração, desenhador de posições, partidos, respostas, ideias.

Assim compreendido, o diálogo pode ser considerado o melhor meio para se


amadurecer, para o crescimento e as transformações. Esse diálogo atualizador pode
se dá consigo mesmo, com outra(s) pessoa(s) e em situações múltiplas. Paulo Freire
aponta que “não existe diálogo se não houver um profundo amor ao mundo e aos
homens (FREIRE, 003, p.79)”.

Considerando o conceito de dialogicidade freiriana56, percebe-se que não é apenas


uma proposta teórica do estudioso, mas revela toda uma coerência prática aliada a

55
Entendendo por dialogicidade, ação do dialogar.
56
O apoio no entendimento do conceito de dialogicidade foram as obras: Pedagogia do Oprimido
(1983-2003) e Educação como Prática da Liberdade (1979-2006).
108

um corpo teórico, inscrevendo uma concepção na perspectiva libertadora, ou seja,


um caminho que conduz desembocando na compreensão e na atuação no/com o
mundo onde se encontram inseridos os aprendizes científicos ou não, sempre
mantendo a visão sensível-crítica e criativa sobre as ideias, fatos e acontecimentos.

Para incorporar essa prática libertária freiriana, não se pode permanecer acomodado
na alienação, na passividade. Considera o estudioso que “é preciso pensar-se a si
mesmo e ao mundo, simultaneamente, sem dicotomizar reflexão-ação” (FREIRE,
2003, p.72). A práxis, o viver é travestido de palavra que deve ser composta na
trama da ação-reflexão, caso contrário, não passará de uma palavra vazia. E uma
palavra, um diálogo esvaziado de significações e sentidos, demonstra a ausência de
espírito que sinta com toda a força, que viva com toda intensidade. Então, o diálogo
deve ser sempre um ato de coragem, além de um sério compromisso. A esperança
não é simplesmente cruzar os braços e contar que um milagre aconteça, mas um
movimento de um espírito corajoso e decidido que empunha a certeza da esperança
enquanto luta (FREIRE, 2003a).

Dialética revela dois polos distintos, mas que, diante da complexidade, podem se
apresentar como dimensões complementares, sem que um tenha que ser fixado e o
outro desconsiderado, no sentido de este ou aquele. Assim, a dialética pode ser
tracejada como ação dialógica, uma ação da prática do dialogar na perspectiva de
desenhar melhor os conceitos, as compreensões para o alargamento dos quadros do
conhecimento, como firma Bachelard (1996a, p. 120). Sato e Passos (2006, p. 26)
consideram que “O não-eu da negação, o momento inicial da dialética [...]. Conhecer
é pesquisar, e para pesquisar é necessário instaurar uma certa inquietação, um
indagar constante (SATO e SANTOS, 2003). Na conjuntura complexa, a
complementariedade entre dimensões já inaugura um caminho desenhador de
novos-outros valores, posturas, abordagens.

As investigações científicas, assim como o viver humano, devem ser alimentadas


pelo espírito eterno de aprendizagem, um espírito inquieto por natureza, de
transformação-criação. O alimento de uma alma científica-artística deve ser a
aprendizagem, deve ser a busca de conhecimentos, deve ser as superações e as
109

atualizações. Só assim se desenhará uma formação para um espírito científico


contemporâneo, contrapondo à reprodução e à cópia vazia, ambas destituídas de
espírito.

Morin na obra Ciência com consciência (2007, p. 166-167), aborda a questão da


“razão aberta”, citando que repudiamos a “deusa” razão, mas propondo-nos que
pensemos na possibilidade de “evolução da razão”. Indica Morin (IBIDEM, p. 167)
que “a razão deve deixar de ser mecanicista para se tornar viva e, assim,
biodegradável”. Ao propor essa “razão aberta”, este estudioso aponta o caminho da
“crítica e superação da razão fechada”. Afirma o estudioso que:

A razão fechada rejeita. Assim foram rejeitados: a questão da relação


sujeito-objeto no conhecimento; a desordem, o acaso; o singular, o
individual (que a generalidade abstrata esmaga); a existência do ser,
resíduos irracionalizáveis. A poesia e a arte, que podem ser toleradas
ou mantidas como divertimento, não poderiam ter valor de
conhecimento e de verdade, e encontra-se rejeitado, bem entendido,
tudo aquilo que denominamos de trágico, sublime, irrisório, tudo o
que é amor, dor, humor. Só uma razão aberta pode e deve
reconhecer o irracional (acaso, desordens, aporias, brechas lógicas e
trabalhar com o irracional); a razão aberta não é rejeição, mas o
diálogo com o irracional. A razão aberta pode e deve reconhecer o a-
racional. Ela pode e deve reconhecer igualmente o sobrerracional
(Bachelard). Sem dúvida, toda a criação e toda invenção comportam
alguma coisa desse sobrerracional, que a racionalidade pode
eventualmente compreender depois da criação, mas nunca antes.
Pode e deve reconhecer que há fenômenos simultaneamente
irracionais, racionais, a-racionais, sobrerracionais, como, talvez o
amor... Por aí, uma razão aberta torna-se o único modo de
comunicação entre o racional, o a-racional, o irracional. (2007, p.
167-168).

Maffesoli (1996, p. 13 e 14), ao introduzir o abordado na sua obra, afirma:

O prazer dos sentidos, o jogo das formas, o retorno com força da


natureza, a intrusão do fútil, tudo isso complexifica a sociedade, faz
apelo a um conhecimento mais aberto, o que acabo de denominar
razão sensível, conhecimento que não é forçosamente fácil, e que
exige do leitor um esforço que está à altura do desafio que lança a
heterogeneização galopante de nossas sociedades.

Ao abordar a questão de razão aberta, fica inevitável não trazer no contexto o que
Morin chama de “razão complexa”. Segundo esse estudioso:
110

A razão fechada era simplificadora. Não podia enfrentar a


complexidade da relação sujeito-objeto, ordem-desordem. A razão
complexa pode reconhecer essas relações fundamentais. Pode
reconhecer em si mesma uma zona obscura, irracionalizável e
incerta. A razão não é totalmente racionalizável... A razão concebe
em oposição relativa, isto é, também em complementariedade, em
comunicação, em trocas [inteligência e afetividade – razão e
desrazão]. Homo já não é apenas sapiens, mas sapiens/demens.
Salvaguardar a racionalidade como atitude crítica e vontade de
controle lógico, mas acrescentando-lhe a auto-crítica e o
reconhecimento dos limites da lógica. E, sobretudo, a tarefa é
ampliar nossa razão para torná-la capaz de compreender aquilo que,
em nós e nos outros, precede e excede a razão. (MORIN, 2007, p.
168 e 169).

Maffesoli (1996, p. 15) assevera que “a pós-modernidade inaugura uma forma de


solidariedade social que não é mais racionalmente definida em uma palavra
“contratual”, mas que ao contrário, se elabora a partir de um processo complexo
feito de atrações, de repulsões, de emoções e de paixões. Coisas que tem uma forte
carga estética”. Maffesoli segue seu raciocínio afirmando que:

Tudo isto está imerso num ambiente afetuoso, emocional que torna
bem difícil a análise ou a ação simplesmente racional. Como uma
colcha de retalhos, a pós-modernidade é feita de um conjunto de
elementos totalmente diversos que estabelecem entre si interações
constantes feitas de agressividade ou de amabilidade, de amor ou de
ódio, mas que não deixam de constituir uma solidariedade específica
que é preciso levar em conta (IBIDEM, p.15 e 16).

Prenuncia Maffesoli (1996, p. 73) que a sociedade não é apenas um sistema


mecânico de relações econômico políticas ou sociais, mas um conjunto de relações
interativas, feito afetos, emoções, sensações que constituem, stricto sensu, o corpo
social.
111

3.2 Garatujas da faina artística em campos científicos

A poesia está guardada nas palavras [...]. Meu fado é não saber
quase tudo. Sobre o nada tenho profundidades. Poderoso para
mim é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e das
nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei. Sou fraco para elogios.
(MANOEL DE BARROS, 2001, p.19).

Garatujas são rabiscos incontrolados que produzem o encantamento da descoberta


do deixar uma marca grafada em um papel, parede e ou superfícies de objetos.
Nesse sentido, toma-se este termo para tentar exprimir justamente este
encantamento de conseguir deixar uma marca, para conquistar o controle motor do
ato de rabiscar, e propor desenhos expressivos, linguagem. Faina, um termo
confiscado de Humberto Eco, revela o significado de trabalho, no mesmo sentido que
a já usada, artesania.

Meu ponto de partida da escritura desta tese se dá pelo exercício de comunicar meu
aprendizado científico, minha pesquisa de doutorado. Para tanto, considero a tese
como uma alquimia, como tentativas de traçar uma arquitetura científica,
entrelaçando e costurando as leituras, as reflexões e as ideias, que nada mais são do
que fruto do meu caminhar de aprendiz de pesquisadora. Sigo carregando na minha
mochila epistemológica as ideias de Eco (2004) e Mills (2009).

O que Eco chamou de ‘arquitetura reflexiva’, Mills nominou de ‘artesanato


intelectual’. Ideias estas, arquitetar e artesania, ecoam no meu ser sensível-criativo
pesquisador e são refletidas nas minhas escrituras poéticas e científicas que seguem.
Encontro-me no exato ponto em que Eco (2004, p. X) determina como
“descompasso que existe em descobrir uma tese e fazê-la”. Assim, cá estou hora
debruçada sobre folhas de papel em branco e empunhando uma caneta
esferográfica, hora empunhando meus dedos indicadores no teclado do computador,
na tentativa de garatujar a escritura do processo de aprendizagem sensível-criativa-
científica vivida, minha pesquisa, agora, concretude escrita da minha tese.

No decorrer da minha caminhada, de afirmação e reafirmação no mundo da ciência e


da arte, sempre esbocei meu maior desafio, o da escrita. Eis que chega o momento
112

deste encontro desafiador! Desvelar meu trajeto, desenhar minha tese é revelar,
concomitante, meus sentidos como ser aprendente da ciência rumo à maturidade
sensível-criativa-científica. Os caminhos percorridos por mim apontam trilhas talvez
primárias, mas necessárias ao meu caminhar particular, por isto singular.

Segundo Eco (2004, p. 14), “escrever uma tese é um exercício de comunicação que
presume a existência de um leitor”. Nas trilhas desse estudioso, compreendi o
processo envolvente de uma tese, mesmo antes de se configurar em texto escrito.
Toda a tese se constitui mesmo antes do formato solicitado pelas normas científicas
das ciências humanas. No caminho-descaminho da composição de uma tese, se
aprende que é próprio das ciências reinventar caminhos, ciência como uma atividade
de transformação (ECO, 2004).

É assim que estou considerando também esta etapa da tese, momento de escrevê-la
como um momento criador. É entendendo desta maneira que me encorajo para
enfrentar este meu grande desafio, a composição escrita não só academicamente.
Mas antes é preciso revelar minha particularidade, pois só assim meu desafio e
minha coragem criativa inauguram este enfrentamento.

Sou uma pesquisadora que apresenta uma particularidade. Quando me encontro em


estado de pesquisa teórica e/ou prática, melhor dizendo, em trânsito investigatório,
quando trilho pelos caminhos reflexivos, a primeira necessidade é esboçada pela
arte. Assim, no primeiro instante, são as imagens artísticas que brotam antes mesmo
das imagens escritas e ou científicas.

Espécies de compreensões primeiras, gênese reflexiva-científica, são expressadas-


comunicadas primeiro via arte: imagens-arte nascentes, cúmplices da minha relação
com as pesquisas, com os objetos investigativos nos campos das pesquisas que já
realizei. Nas primeiras páginas da obra O ar e os sonhos (1990), Bachelard afirma
que a imaginação encontra-se atrelada ao imaginário, considerando como
deformadora de imagens fornecidas pela percepção, ou seja, o pensar desenhado
pela imaginação faz um movimento dinâmico complementar, imagem presente,
provoca o instante, o aqui-agora, pelo pensar da imagem ausente.
113

Imaginar, então, é explorar a compreensão, é propor o encontro do pesquisador com


o mundo pesquisado! A criação é de natureza humana, é uma potência do ser
imaginante-criativo, então presente no pesquisador. Esta faculdade criadora conduz
à produção de imagens-compreensões em campos artísticos como em campos
científicos e, por essa razão, se revela por uma atividade viva-pulsante para os dois
campos, porque dinamiza, potencializa o ser imaginante-artista-pesquisador
renovando-o, colocando-o sempre na posição de frente para o futuro, ou seja, de
frente para o por vir. Almas desenhantes também de novos-outros espíritos
científicos garatujam arte neste campo do conhecimento.

Considerando o estudo bachelardiano da Fenomenologia da Imaginação Poética, o


foco deste estudo reside na imagem poética como produto da ‘alma’ humana, que
provoca o ‘espírito’ humano, propondo o rabiscar projetos e formas continuamente
completando os devaneios (Imagem 25a). Neste rumo, investiguei, no sentido
compreensivo, o caminho das minhas imagens poéticas-artísticas em campos
científicos, desde o devaneio da minha alma, passando pela materialização da
imagem artística criada por mim, até chegar ao espaço, à comunicabilidade científica,
a tese.
114

Imagem 25 a: Alma e Espírito humano, desenhadores de Imagens Poéticas. Inspiração em BACHELARD (1993).

Uma audácia talvez, mas ninguém pode negar que se trata de uma emergência-
urgência há muito detectado no âmbito científico, que, para tal, necessita de um
estudo, de uma aprendizagem científica para que alcance os contornos de um novo-
outro espírito científico no território da pós-modernidade.

Abaixo, seguem imagens nascidas da imaginação da pesquisadora em pesquisa, em


complementariedade ao ato científico, portanto, arte e ciência. São imagens
artísticas-científicas já exibidas em diferentes formas e situações, mas aqui se mostra
os trabalhos artísticos em si, nascidos de situações investigativas (Imagens: 26, 27,
27a e 27b).Para melhor compreensão, dividimos os trabalhos exibidos em três séries,
a primeira relacionada à Imagem 26, a segunda, à Imagem: 26, a segunda, com as
Imagens: 27 e 27a e a terceira série à Imagem: 27b.

A primeira série de trabalhos artísticos (Imagem: 26) teve sua criação em pesquisa
educacional numa escola pública da capital mato-grossense, Cuiabá, no decorrer dos
115

primeiros anos de 2000, ainda quando trabalhava como docente e integrava um


grupo de pesquisa da instituição privada onde era contratada57.

Imagem 26: Cópia digital “Série artística tecida em pesquisa numa escola estadual”. Teixeira e Porto (2004).
Arte: Imara Quadros.

A série de trabalhos artísticos seguintes (Imagem: 27)também teve origem em


pesquisa científica, porém numa Comunidade Quilombola de Mato Grosso, em
meados de 2006-2008, como parte do Projeto desenvolvido pelo GPEA/UFMT, e eu
como pesquisadora convidada desse grupo-pesquisador.

UNIC – Universidade de Cuiabá.


57
116

Imagem 27: Cópia digitalizada “Série artística tecida em pesquisa numa Comunidade Quilombola”. Arte: Imara
Quadros.

O projeto em questão, intitulado, Territorialidade e temporalidade da Comunidade


Quilombola MataCavalo58, buscava conhecer a comunidade quilombola de Mata
Cavalo através do reconhecimento dos valores de vida, expressões artístico-culturais,
relações de gênero, espiritualidade, saberes e visões de mundo, na ousadia em tecer
a Educação Ambiental indissociável da natureza e da cultura.

Nesse bojo pesquisador, o recorte que eu investigava naquela comunidade


quilombola se desenhou em conhecer de forma exploratória a arte popular produzida
pelas mulheres da/na localidade, a fim de compreender se esta se revelaria como
solo fértil para uma relação arte-ambiente, ou seja, Gênero, Ambiente e Arte
(Imagem: 27a) (Anexo 01: “Vídeo: Pesquisa em Mata Cavalo”).Consideraram
(GARCIA; QUADROS; SHIGUEMI e MANFRITE, 2008, P. 10, 11 e12):

58
Acesso disponível: http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/projetos-finalizados.html
117

Esta comunidade quilombola, assim como as demais comunidades


negras, foram relegadas e ou colocadas à margem da história oficial,
mas elas pulsam vida cultural a cada novo dia, a cada nova festa, a
cada nova flor! A identidade quilombola vai muito além do forte
propósito de retomar as terras que um dia lhes foram tomadas, é
também desejo de redesenhar a sua cultura. É neste contexto de
resistência, de re-existência, de luta, de sonhos e de esperança que a
vida vai sendo modelada com mil encantos e beleza, através das
mãos quilombolas de Mata Cavalo (IBIDEM, p. 10).
As mulheres e as meninas vão aprendendo-ensinando a fazer a flor
prá enfeitá o altar da santa em devoção! Santas mulheres! Linhas
fortes desenham formas no rosto da mulher que aprendeu a “ver” as
flores no mundo natural, e a fazê-las em papel crepom (IBIDEM, p.
11).
E a ideia das flores rosas, de onde vem? As pessoas por sua natureza
humana olham tudo que existe à sua volta, se relacionam com o
meio ambiente natural, cultural, de vida. As mulheres são parte deste
universo sensível. Existem flores de todas as formas, de todas as
cores e de todas as belezas! Basta olhar atentamente e sonhar muito
com o altar em devoção (IBIDEM, p. 11)!

Imagem 27a:Flores, mãos fazendeiras e altar em enfeitado em devoção. Fotos: Imara Quadros.

O nascimento da última série mostrada aqui, logo mais abaixo, (Imagem: 27b), não
foi diferente das demais séries. É fruto de uma pesquisa desenvolvida no arquipélago
de Cabo Verde, continente africano em meados de 2010-2012, como parte de um
118

Projeto investigativo proposto pelo GPEA/UFMT, e eu, como pesquisadora oficial do


grupo, então já estudante de doutorado pelo PPGE/UFMT, sendo orientada pela
Profa Dra Michèle Sato.

É nesta última série-experiência artístico-científica (Imagem: 27a) que gostaria de


me deter um pouco mais, por ter sido esta a desenhadora das intenções primeiras de
estudar-acompanhar esta particularidade artístico-científica que me desenha e me
coloca diante do mundo científico no presente momento com esta tese de
doutoramento, bem como revela indícios da forte ligação entre arte-
ecossistema/natureza-cultura.

O Projeto em questão intitula-se “Identidades Partilhadas em Territórios de


comunidades Africanas e Brasileiras”59 e teve como proposição evidenciar dois
territórios que mereciam atenção pela diversidade cultural e enfrentamento das
injustiças ambientais, o Pantanal Mato-grossense, no Brasil, direcionado à
comunidade Quilombola de Mata Cavalo, e a comunidade da Cidade Velha em Cabo
Verde no continente Africano. A proposta de realização desse projeto encontrava-se
ancorada nos objetivos da Rede Lusófona de Educação Ambiental - Rede LUSO60.

Neste rumo investigador, o grupo-pesquisador envolvido neste empreendimento de


estudos, destacou a arte como uma linha investigativa entre outras. Foi desta
maneira que no contexto artístico investigador se buscou pesquisar a iconografia da
água e mulher sob a reinvenção Bachelardiana, ou seja, fenomenologia da imagem
na perspectiva de recuperação identitária de gênero e ambiente.

59
Acesso disponível: http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/projetos-finalizados.html
60
Esta rede se caracteriza pelo reconhecimento das diferentes culturas que expressam os itinerários de
sonhos na Educação Ambiental. Foi como fruto das articulações da REDELUSO que surgiu a
necessidade do um projeto, que discutisse as relações de gênero dos oito países falantes da lusofonia,
mais a Galícia. Assim, foi criada a Rede Internacional de Gênero e Meio Ambiente liderada pelo Brasil
envolvendo oito países lusófonos e Galícia. Com o propósito de fortalecer e articular pessoas nesta
rede, alguns pesquisadores do GPEA/UFMT, grupo coordenador da Rede de Gênero e Meio Ambiente,
realizou visita exploratória a Ilha de Santiago em Cabo Verde no continente africano.
119

Imagem 27b: Cópia digitalizada “Série artística tecida em pesquisa no continente africano – Cabo Verde”. Arte:
Imara Quadros.

O presente projeto de pesquisa foi realizado por parte do GPEA/UFMT61, uma


verdadeira expedição científica de cunho exploratório que nos levou ao arquipélago
africano. Cabo Verde, conjunto de pequenas ilhas localizado no Oceano Atlântico
entre os paralelos 15 e 17 de latitude, apresentando uma área total de 4.033 Km2, é
composto por dez ilhas, entre elas está a ilha que visitamos, a de Santiago/São
Tiago, a maior delas (991 km2)62.

Para lá fui disposta a desvendar fenomenológica-cientificamente icnografias de vidas


femininas, de mulheres negras-africanas. Esse empreendimento investigador foi o
esboçador das trilhas pantaneiras, uma vez que a expedição africana me possibilitou
a compreensão primeira da relação natureza-cultura, arte-ecossistema aspectos que

61
Michèle Sato, Regina Silva, Michelle Jaber, Lúcia Shiguemy e eu, Imara Quadros.
62
Para ler mais sobre: Artigo escrito para Comunicação Oral e Resumo nos Anais do X Encontro de
Pesquisa em Educação da ANPED Centro Oeste, Uberlândia-MG: FACED, 2010. E também um
pequeno artigo publicado na Revista Afromundo (Nov-Dez – 2011, p. 38 e 39). Acesso disponível:
www.afromundo.com.br – revistaafromundo@gmail.com
120

se desenhariam nesta pesquisa que ora revelo (Anexos: 02, 03 e 04 - Vídeos


produzidos a partir da ida ao continente africano).

No processo investigador GPEA-Africano, conheci, compreensivamente, a gênese e o


caminho da minha imagem poético-científica, desde a sua nascente de uma
paisagem vulcânica na Ilha do Fogo em solo cabo-verdiano até seu trilho
comunicador, tocando outras almas. A imaginação pode ser ancorada nos estudos
da chamada fase noturna bachelardiana, um trilheiro para a imagem-arte se assentar
desde sua gênese até sua maturidade, um caminho de comunicabilidade – de uma
alma para outra (Imagem: 28)!

Imagem 28: Esquema “Ciranda da imaginação criadora”. Inspiração bachelardiana e Composição: Imara
Quadros.

Bachelard revela a epistemologia da ciência diurna e a da imaginação poética


noturna, dois caminhos que são ou podem ser complementares. Para melhor
compreender esses caminhos, é preciso trilhar pelo pensamento deste filósofo, que é
de "dupla natureza" (BACHELARD, 2006, p. 52), arranjando, assim, uma totalidade
do pensamento bachelardiano, 24 horas. O dia e a noite se revelam nas obras do
estudioso relativas ao pensamento diurno, ciência, e as do noturno, imaginação
poética. Segundo Bachelard (2006, p. 52), “Tarde demais conheci a tranquilidade de
consciência no trabalho alternado das imagens e dos conceitos, duas tranquilidades
de consciência que seriam a do pleno dia e a que aceita o lado noturno da alma”.
121

A matéria científica-diurna se compõe pela vigia, racionalidade, e a matéria poética-


noturna, pela emoção do contato com a matéria. Lembremos Bachelard (1997, p.
143) quando trata do impulso onírico: "quem não sente, por exemplo, uma
repugnância especial, irracional, inconsciente, direta pelo rio sujo? Pelo rio
enxovalhado pelos esgotos e pelas fábricas? Essa grande beleza natural poluída
pelos homens provoca rancor".

O pensamento noturno das 4 horas se revela pela presença, “presente à imagem no


minuto da imagem” (BACHELARD, 1998, p. 1). Segundo o filósofo (2006, p. 52), “Só
recebemos verdadeiramente a imagem quando a admiramos. Comparando-se uma
imagem a outra, arriscamo-nos a perder a participação em sua individualidade”.

O ‘sentir na entrega’, eis a fenomenologia da imagem, na qual o fenômeno da


imagem poética se forma da imaginação brotando na consciência como produto do
coração. Como esclarece Bachelard (1998, p. ): “Para esclarecer filosoficamente o
problema da imagem poética, é preciso chegar a uma fenomenologia da imaginação.
Esta seria um estudo da imagem poética, quando a imagem emerge na consciência
como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua
atualidade”. É pelo entusiasmo que a imagem poética se torna "explosão de uma
imagem" (p. 2), "a imagem poética está sob o signo de um novo ser. Este novo ser é
o homem feliz" (p. 13).

A fenomenologia bachelardiana solicita a emoção, o eu, componentes fundamentais


para a criação e apreciação-escuta da imagem poética. Por essa razão, a
fenomenologia proposta por Bachelard é reconhecida como a filosofia da entrega, do
envolvimento íntimo com a imagem, pois, “já não nos parece um paradoxo dizer que
o sujeito falante está por inteiro numa imagem poética, pois se ele não se entregar a
ela sem reservas não entrará no espaço poético da imagem" (BACHELARD, 1998, p.
12).

Na obra A poética do espaço, Bachelard estabelece contornos bem definidos,


impedindo possíveis explicações psicológicas e ou demais subterfúgios para o
nascimento da imagem poética via um poeta. É nesse contexto que se deve
122

compreender esta ideia propagada por Bachelard (1998, p.2): "a imagem poética
não é eco de um passado".

Meus desenhos nascentes das e nas pesquisas, são filhos só da lua, ou seja,
epistemologia noturna bachelardiana? Ou nascem nas vinte quatro horas, da mistura
do pensamento diurno e noturno proposto por Gaston Bachelard? Seguindo pelas
trilhas do investigativo-criador não foi, e nem me é possível, separar a artista da
pesquisadora. Ambas clamam pelo imaginativo e criativo, pela arte e ciência juntas,
justificando a tentativa desta complementariedade neste trajeto científico formativo.

Mills (2009, p. 14), cientista social e fenomenólogo, rejeitando a separação entre a


vida e o trabalho do “artesão intelectual”, na ideia de que um enriquece o outro,
acaba por me conduzir por estas trilhas tão difíceis de estabelecer riscas formantes.
Para esse estudioso, a vida do pesquisador, “artesão intelectual”, que ele chama de
“biografia individual”, se encontra encravada em um contexto temporal, histórico,
espacial, social. Esse aspecto, ainda segundo ele, implica em como o cientista
percebe o mundo. Para Mills, o “artesanato intelectual” é um “relato pessoal de como
procedido o ofício do pesquisador, evidentemente não como fenômeno psicanalítico,
mas, como indissociabilidade entre o pesquisador e seu trabalho de pesquisa”.
Completa oposição ao trabalho científico duro, que só “reproduz dados”.

Em um “pesquisar 4 horas”, segundo ideias de Mills, um “bom artesão intelectual”


não deve “separar o seu viver da sua investigação”, presentificando dessa forma
“não apenas a forma pelo qual vive no mundo, como no modo pelo qual vê o
mundo”.

Foi e está sendo assim minha relação com a minha pesquisa, estou 24 horas
envolvida, presente. Mesmo não estando no campo de pesquisa ou em estudo
conceitual, estou sempre, em qualquer lugar e tempo, em estado presente na
pesquisa proposta.

Um re-começo se faz necessário, então, tudo pode recomeçar assim...


123

3.3 Estereótipos: aborto da imaginação criadora, morte do espírito


sensível-criativo- científico

[...] não copie aquilo que os outros fazem, porque não vai adiantar.
Isto não quer dizer que não podemos aprender por meio dos
trabalhos dos outros. Podemos sim, e muito. Ademais, todo o
artista é inspirado pelas obras de outros e encontrará semelhanças
nos trabalhos dos seus contemporâneos (HALLAWELL, p. 8,
1996).

Muitas vezes, o professor reproduz nas aulas, ideias alheias, as


quais encontra em planejamentos prontos ou em livros didáticos
que não estimulam a reflexão. (ROSA IAVELBERG, 2003)

Esse recomeço também poderia ser outro, ser vários e até nenhum, mas também
acreditei ser, no meu caso, interessante recomeçar com o assunto dos estereótipos.
Há uma liga do banal da vida com questões sérias da epistemologia, que, no seu
bojo, são aplicáveis aos campos científicos também.

Estereótipo, na arte escolar, é o mesmo que replicar desenhos escolares sem


questioná-los, expressões sempre iguais como espécie de matrizes mentais
imaginárias, tais como: uma árvore desenhada sempre com um caule marrom, uma
copa verde com bolinhas vermelhas que representam maçãs (VIANA, 1994),
(Imagem: 29).
Imagem 29: Desenho digital “Desenho estereotipado”.Desenho: Imara Quadros.

E é ledo engano acreditar que os estereótipos estão nos limites da borda da folha
sulfite e ou das paredes da sala da aula de artes. Eles ocupam a escola toda em
nome da “linda” decoração, “agradabilidade visual” e, também figuram nas demais
124

atividades cotidianas de outras áreas da aprendizagem. No âmbito educacional


escolar, a centralidade desse tipo de atividade reside no que o adulto-professor e/ou
gestor acredita ser “bonito”, um conceito de beleza adulto que impõe um conceito
estético escolar, não mantendo o foco na significância que uma aprendizagem
artística pode propor para a formação das pessoas.

Ana Mae Barbosa (2008, p. 24) revela uma reflexão mais ampliada sobre os
estereótipos, preconceitos, reprodução passiva, quando nos alerta para este viés da
abordagem esvaziado de sensibilidade, crítica e criatividade. Interpreta a estudiosa
da Arte Educação: “Se é para ter algum resultado, a não ser um conformismo cego e
reprodução passiva, deve-se encarar o domínio da indústria na vida moderna, com
tudo que isto importa. Como a escola deve selecionar e perpetuar o significativo e
valioso para a vida humana, devendo rejeitar e expulsar o que é degradante e
escravizante”. Buoro (1998, p. 35-36) declarou que:

A criança enfrenta os sedutores apelos da sociedade de consumo. As


normas ditadas pela televisão [um exemplo diz a estudiosa] tornam a
conduta infantil cada vez mais marcada por modelos estereotipados
que, muitas vezes, transforma-se em obstáculos para a construção
de um conhecimento mais significativo. O estereótipo torna-se
alternativa facilmente adotada na expressão plástica [nas artes] por
se apresentar como forma segura de representação, um modo de
não se arriscar, de não se expor. Esta busca de garantia de
aprovação resulta em trabalhos mecânicos, acomodados, sem
desafios.

Ampliando as molduras desta conversa conceitual, os desenhos e atividades


estereotipadas na escola podem ser compreendidos como paradigmas, modelos,
matrizes, verdades que, ingenuamente, não são questionadas pelas pessoas quando
não provocadas, acordadas para tal. Por essa razão, uma formação neste sentido
importa e, por isso, importa como caminho o artístico.

O artístico é empregado aqui no sentido de trabalho – ‘trabalho artístico’63, e não de


‘obra de arte’ no sentido da indústria cultural-artística, fruto da relação com o capital,

63
Este sentido desenhado para trabalho artístico está impregnado nesse texto-tese, tanto nas páginas
anteriores a esta, como as posteriores.
125

mas uma produção que qualquer ser humano seja capaz de fazer e de ler como
trabalho-expressão-linguagem. Considera Aranha (2009, p. 67):

Podemos dizer que o ser humano e faz pelo trabalho, porque ao


mesmo tempo que produz coisas, torna-se humano, constrói a própria
subjetividade. Desenvolve a imaginação, aprende a se relacionar com
os demais, a enfrentar conflitos, a exigir de si mesmo a superação de
dificuldades. Enfim, com o trabalho ninguém permanece o mesmo,
porque ele modifica e enriquece a percepção do mundo e de si
próprio. Como condição de humanização, o trabalho liberta, ao
viabilizar projetos e concretizar sonhos. [...] o trabalho será a
possibilidade da superação dos determinismos. Nesse sentido, a
liberdade humana não é dada, mas resulta da ação humana
transformadora. Nem sempre, porém, prevalece esta concepção
positiva, sobretudo quando as pessoas são obrigadas a viver do
trabalho alienado, que resulta de relações de exploração.

Creio que falar de paradigma, modelo, matriz, verdades estabelecidas que,


ingenuamente, não são questionadas, não importam só no âmbito escolar. Importam
muito na vida cotidiana, ou seja, na escola da vida, um tempo-espaço também de
educação e também na educação escolar e na vida científica. Vejamos o que nos
ensinam o artista-fotógrafo cego e a atriz, sobre esta abordagem acima.

Às vezes a paisagem me conta, às vezes é um livro que me conta, às vezes é alguém, às vezes é um
filme, uma música, um poema, uma pintura... Aí me apaixono! No passado cheguei a me apaixonar
pelas paisagens que eram paixões dos outros, não a minha paisagem da paixão. Hoje, prefiro olhar
ao vivo, eu olhar e me apaixonar por alguma razão. Não devemos só falar a língua dos outros... nem
só utilizar o olhar dos outros, porque assim existimos só através do outro, e é preciso tentar existir
por si mesmo na partilha, na troca.

[Eugen Bavcar - fotógrafo cego/filme Janelas da Alma]

Me alimento do olhar do outro, de ver o outro. Estou no olho do outro, eu ouço o outro, mas
necessito ver o outro, estar enxergando o outro.

[Marieta Severo - atriz/filme Janelas da Alma]


126

Certamente os estereótipos são, dentro e fora da educação, frutos de uma


acomodação do espírito criador, ou seja, não passam de um espírito acomodado no
medo de lidar com as incertezas e com as múltiplas possibilidades, contexto da
complexidade. Eu preciso sacudir sempre meu espírito criador como artista, como
pessoa, como professora e agora entendo que também como pesquisadora. É
urgente instaurar ambiências promovedoras da criatividade humana, em total
oposição aos estereótipos, em nome das mudanças paradigmáticas urgentes e
igualmente necessárias, como indicam as ideias da filósofa Lúcia Aranha (1993, p.
338)64:
[Ambiências que65] ofereçam condições ao pleno exercício do
comportamento exploratório e do pensamento divergente,
incentivando o uso da imaginação, do jogo, da interrogação
constante, da receptividade a novidades [com crítica] e do
desprendimento para ver o todo sem preconceito e sem temor de
errar. A repressão acontece quando essas condições não são
oferecidas, é enfatizado o não assumir riscos e o ficar no terreno
seguro da repetição do já conhecido.

Buoro (1998, p. 37) questiona que é preciso problematizar: “Como incorporar, com
mais sentido o trabalho de arte na formação?”. E na página 38, nos oferta um
caminho possível, compreendendo que: “O primeiro passo nessa direção é favorecer
a autoconfiança, a capacidade de enfrentar desafios, o autoconhecimento e a
IMAGINAÇÃO CRIADORA66a fim de resgatar a criança inventiva67”.

Então, uma desestereotipação é necessária. Na palavra desestereotipação, o prefixo


‘des’ significa negação, então, ação contrária à estereotipação. Desesteriotipar
sugere descobrir/redescobrir a capacidade de criar, e exercitar a desestereotipação
significa transformar um estereótipo em um não-estereótipo, visando buscar
inúmeras possibilidades para desestereotipar, criar. Para isso, está se mobilizando
diferentes processos mentais, tais como: sensibilidade, percepção, observação,
memória visual, imaginação e outros. Sobre criatividade, Lúcia Aranha (1993, p. 338)
afirma que “É uma capacidade que todos nós podemos desenvolver se nos

64
Livro Filosofando, Unidade VI, Capítulo 36 “Estética”. (ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS,
Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução a Filosofia. São Paulo: Moderna, 1986).
65
Inclusão minha.
66
Destaque meu.
67
Recuperar a capacidade da inventividade que todos os humanos dispõem.
127

dispusermos a praticar alguns tipos de comportamentos específicos 68”. Abaixo,


vejamos o que disse um escritor médico sobre esta questão.

O ato de ver não se limita ao olhar para fora [exterior], não se limita ao olhar só o visível, mas
também o invisível. Que de certa forma, é o que chamamos de imaginação. [...] Nossa imaginação
complementa as palavras. Ler entre linhas, um espaço para se projetar nas imagens, se projetar os
sonhos. Hoje, tudo está pronto, dado. O clichê [estereótipo] não deixa espaços para o
preenchimento [nossa presença no mundo], tudo tá pronto e acabado, é só consumir. [contrário do
dialogar]

[Oliver Sacks – escritor e neurologista/filme Janelas da alma]

Os estereótipos, assim como os paradigmas, as verdades absolutas, as matrizes


homogeneizadoras, os modelos massificadores, em qualquer território, são ou devem
ser submetidos a uma superação necessária de forma permanente e constante, um
rever e um reavaliar contínuo, descristalizando e reformando a cada vivência. Nesse
bojo, com vistas de se ir além do estabelecido, há uma superação que se julga aqui
importante, a da Arte ser uma área, uma dimensão sem muito valor na escola, na
vida e na ciência, um obstáculo epistemológico.

Considero obstáculo como algo que impede alguma coisa e ou alguém e que,
epistemológico, está relacionado à ciência, ao conhecimento. Então, numa primeira
abordagem, pode-se afirmar que obstáculo epistemológico é algo que impede a
construção dos saberes, tanto na vida, na escola, como no solo científico. Obstáculo
epistemológico, nessa perspectiva, pode ser um modelo, um estereótipo, um
conhecimento acomodado na certeza, um preconceito entre outros. Segundo
Bachelard (1996, p 21), “A noção de obstáculo epistemológico pode ser estudada no
desenvolvimento histórico do pensamento científico e na prática da educação”.

68
Até que se ganhe desejo e intenções para a mudança do exercício para a ação propriamente dita.
128

Na obra “A formação do espírito científico”, Bachelard (1996) retraça a luta contra


preconceitos, ao considerar que “uma hipótese científica que não esbarra em
nenhuma contradição tem tudo para ser uma hipótese inútil. Do mesmo modo, a
experiência que não retifica nenhum erro, que é monotonamente verdadeira, sem
discussão, para que serve?” (1996, p. 13 e 14). Assim, retificar69 é próprio do
pensamento científico (BACHELARD, 1996).

No instante do ato de conhecer aparecem os obstáculos epistemológicos, “causas de


inércia”, afirma Bachelard (1996, p. 17). O estudioso considera ainda que “o ato de
conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo o conhecimento mal
estabelecido” (IBID, 1996, p. 17). “É impossível anular, de um só golpe, todos os
conhecimentos habituais. Aceder70 à ciência é rejuvenescer espiritualmente” (IBID,
1996, p. 18).

Segundo Bachelard (1996, p. 18),

É preciso saber formular problemas. Na vida científica os problemas


não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do
problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o
espírito científico, todo o conhecimento é resposta a uma pergunta.
Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Tudo é
construído.

O filosofo (1996, p. 19) pondera que “um obstáculo epistemológico se incrusta no


conhecimento não questionado. Hábitos intelectuais que foram úteis e sadios podem,
com o tempo entravar a pesquisa”. Atenta Bachelard (IBIDEM, p. 19) que “chega o
momento em que o espírito prefere o que confirma seu saber àquilo que o contradiz,
em que gosta mais de respostas que de perguntas. O instinto conservativo passa
então a dominar, e cessa o crescimento espiritual”.

O estudioso (1996, p. 20 e 21) ainda afirma que:

Com efeito, as crises de crescimento do pensamento implica uma


reorganização do sistema de saber. Pelas revoluções espirituais que a
invenção científica exige, o homem tornar-se uma espécie mutante,
ou melhor dizendo, uma espécie que tem necessidade de mudar, que
sofre se não mudar. Espiritualmente, o homem tem necessidade de

69
Refeito, rearranjado, transformado.
70
Assumir, considerar.
129

necessidades. O homem movido pelo espírito científico deseja saber,


mas para, imediatamente, melhor questionar.

Bachelard (1996, p. 24 e 26) segue instigando:

Logo, toda a cultura científica deve começar, por uma catarse


intelectual e afetiva. Resta, então, a tarefa mais difícil: colocar
a cultura científica em estado de mobilização permanente,
substituir o saber fechado e estático por um conhecimento
aberto e dinâmico. Oferecer à razão razões para evoluir. Na
atividade científica, temos que inventar considerar o fenômeno
sob outro ponto de vista.

A crítica é necessariamente elemento constituinte de todo o espírito científico,


segundo as ideias do filósofo em questão. Os conhecimentos que não passarem pelo
olhar crítico podem se revelar frágil demais para se sustentar. Na tese bachelardiana,
o espírito científico forma-se em contraponto com o fato corriqueiro, com o
sensualismo. Assim, o espírito crítico forma-se enquanto se reforma (BACHELARD,
1996).

Isso revela que a arte, na formação humana, ainda é tratada como uma disciplina
‘menor’, no sentido de um preconceito, devido a resquícios de um pensamento
clássico! A arte é uma área de conhecimento tão importante quanto qualquer outra,
como a ciência, as quais, juntas, poderão fazer toda a diferença!

Teixeira (1999, p.13), ao lembrar a importância da IMAGINAÇÃO CRIADORA71 para a


experiência humana, evidencia o paradoxo da civilização moderna ainda existente.
Aponta ela que: “ao mesmo tempo, se despreza a imaginação, se deixa dominar por
um imaginário obcecante72”. Quanto a esta abordagem, segundo a professora do
imaginário, faz-se cada vez maior a necessidade de estudos no âmbito do imaginário,
desde que explorem a potência pedagógica da imaginação, considerado este um
bom caminho73 de/para investigações!
Buoro (1998), ao abordar sobre ciência e arte, pondera que:

Todas as civilizações produziram arte e ciência, mas as ideias


positivistas fizeram com que se acreditasse que só ciência era capaz
de contribuir, validar o conhecimento humano e a evolução das

71
Destaque meu.
72
Um imaginário manipulador, imagens desprovidas de qualquer potencial criador.
73
Mesmo que hoje ainda tardio.
130

sociedades, restando para a arte ficar confinada numa espécie de


`piquete´. Teses positivistas que privilegiam a ciência em detrimento
do conhecimento próprio da arte. Um conhecimento científico que
especializa e fragmenta o saber humano. Hoje se está repensando o
conhecimento como um todo, onde não se valoriza apenas o
conhecimento científico. Hoje há uma busca de um novo paradigma
para a ciência cujo conhecimento é construído a partir da integração
com a natureza e com todas as formas de saber, por mais
diversificadas que possam parecer. É preciso um novo paradigma de
ciência que conduza a construção de conhecimento referencial
humano, gerador de interesses e apoiadas nas relações
socioculturais. (BUORO, 1998, p. 29-32).

Acho que as coisas minhas vem, aparecem de dentro de mim. É a imaginação que transvê,
transfigura o mundo, que faz o outro mundo. Transfiguração é a coisa mais importante para um
artista, para um poeta. [deveria ser para um pesquisador também!].

[Manoel de Barros – poeta/Filme Janelas da Alma]

Somos todos cegos, cegos da razão, cegos da sensibilidade, cegos da criatividade... O


espetáculo que o mundo nos oferece, é um mundo das desigualdades, injusto!

[Saramago – poeta/Filme Janelas da Alma]

No viés antropocêntrico, origem do debate contemporâneo, não há neutralidade nem


os dualismos no sentido de escolha entre este ou aquele como “verdadeiro”. Nesse
viés, porém, a complementariedade pode ser experimentada pelo menos, e um bom
exemplo é mente-coração, a esperança de estudos envolvendo práticas e teorias que
sustentem, por mais difíceis que sejam ou pareçam ser, de que é possível o coração
deitar no berço esplêndido da ciência (SATOS E PASSOS, 2006). Segundo Davis
131

(1979, p. 9), “As informações e dados obtidos pela ciência que vêm a público, o não
cientista quando tem acesso ao material científico, não consegue estabelecer o elo
entre o que foi pesquisado e o seu cotidiano, por lhe faltar o saber da linguagem
científica”. Assim, a forma comunicativa científica pode ser enriquecida de outras
linguagens, com o intuito compreensivo de que seja este um caminho para o
empoderamento das informações para o alcance da libertação massificadora e
passiva.

Talvez esse tal novo paradigma da ciência comporte um entrelaço que dê conta de
unir Arte e Ciência, considerando a hipótese de que a imaginação criadora produz
arte, e produz ciência. E assim, quem sabe, possamos chegar ao porto da
possibilidade de um conhecimento que leve em conta a totalidade do ser. O
caminho, para isso e talvez já se saiba, é o de perceber a função da arte em muitas
trilhas na vida, no educacional, no científico... Lá vamos nós nesta aventura
audaciosa, e talvez, revolucionária demais, mas, em nome do porvir, tentar tornar
possível um entrelaçar de ciência e arte em busca de uma estética científica, para
começar!

3.4 Emergência estética-poética-científica

Havia no lugar um escorrer azul de água [...] Um escorrimento lírico.


Há um cio vegetal na voz do artista. Ele vai ter que [...] alcançar o
murmúrio das águas nas folhas das árvores. Não terá mais ideias:
terá chuvas, tardes, ventos, passarinhos... Agora só espero a
despalavra: a palavra nascida para o canto – desde os pássaros. A
palavra sem pronúncia, ágrafa. Quero o som que ainda não deu
liga. [...] A palavra que tenha um aroma ainda cego. Até antes do
murmúrio. [...] Que só mostrasse a cintilância dos escuros. A
palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem. O antesmente
verbal: a despalavra mesmo. (MANOEL DE BARROS
2009, p. 37 e 53).

Minha revolução, minha ousadia residem na minha produção artística em


complementariedade com minha produção científica, na tessitura da arte para dar
132

conta de produzir ciência! Ambas, distintamente fortes e na diferença, se fortalecem


para revelar o pesquisado, o compreendido, o aprendido no processo
fenomenológico da investigação. Entre o sol e a lua, dia e noite, epistemologia
noturna-diurna, se forma uma vivência bachelardiana na pesquisa (Imagem 30).
Creio que o caminho que me conduz à subjetividade seja o mesmo que promove o
meu pensar criativo, contrariando as trilhas dos clichês/estereótipos, do pensar
passivo, de um não pensar, mas um caminho que possibilita desmanchar os
primeiros traços limitantes da objetividade científica. A minha inquietude, o meu
desconforto, o meu incômodo são os desenhadores do meu conhecimento.

Imagem 30: Pintura em vidro, “Entre o sol e a lua”. Fotografia e Arte: Imara Quadros.

Palavras não são tão somente sons, símbolos escritos ou desenhados. A palavra é
poder que se tem para comunicar e expressar, traduzir o sentir, o pensar e o
desejado. A palavra é uma poderosa ferramenta que se possui e, por meio dela,
133

pode ser realizada a guerra ou selada a paz. Devemos ficar atentos para o
conhecimento dessa dualidade que existe na força da palavra, pois, dependendo de
como é usada, pode nos libertar ou nos acorrentar. Todavia, é bastante interessante
que se diga sempre aquilo que se acredita com toda a intensidade, no sentido de
procurar o uso da força significante da palavra.

Buscar palavras significativas, na e para a pesquisa... Busco palavras. Palavras


escritas, palavras desenhadas, palavras coloridas, com texturas, luzes e sombras...
na esperança de que elas falem para além de si mesmas, sem reduzir-se em
“gramática vazia”, mas num bailado proposto pela sintaxe74. O ritmo da palavra deve
estar no compasso, ou seja, aliado ao pesquisador, à pessoa buscadora na
possibilidade da construção de sentidos, seja na pesquisa ou na vida (SATO, 2012).
Como afirma Sato (2012, p. 15), “necessito de uma gramática para dar visibilidade
aos sentimentos, que não são palavras ilhadas, mas são essências familiares. São
universos significativos investigados”.

Portanto, no rumo de bordar a palavra pronunciada com a alma bordadeira75 através


de linguagens no plural, podem ser tecidas pesquisas, no contraponto da
racionalidade acadêmica fechada ao dialogar com as diferenças. É preciso viver esse
caminho, porém, somente experimentando-o é possível desvelar os limites e ou
deslimites dessa possibilidade.

Esta pesquisa se fez por escutas sensíveis, uma escuta visual, na expectativa de
melhor captar o foco fenomenológico desta investigação. Assim, a escuta também se
fez em filmes. O cineasta Win Wenders, no filme Janelas da Alma, revela que a
maioria de nós é capaz de ver com os ouvidos de ouvir, ver com o cérebro, com o
estômago e com a alma. Vemos em parte com os olhos, mas não exclusivamente.
Segundo o cineasta, perdemos76 a capacidade do olhar interior, porque vivemos
numa espécie de cegueira generalizada77. Há tantos clichês que estabelecem
comunicação rápida, que fica muito fácil e cômodo reproduzi-los.

74
Um bailado que supõe crítica, criação e estética, e não um bailado qualquer.
75
Neste caso um pesquisador-pesquisadora.
76
Ou estamos perdendo.
77
Uma espécie de bombardeio midiático.
134

Esse tipo de escuta visual-sonora mantém a sensibilidade do pesquisador não só


para a captura fenomenológica dos dados, mas para a aventura criativa artística-
poética com base científica, enquanto texto que não se preocupa em compor só
produção científica pura e simplesmente, mas deseja outros textos, o poético-
artístico, por exemplo, ofertando estética científica e assim, quem sabe, possibilitar
melhor compreensão do investigado ao estabelecer uma interessante comunicação-
audiência científica. No caso desta pesquisadora, este aspecto se fez revelador das
compreensões primeiras, ou seja, revelou, via arte na ciência, o encontrado do
campo investigador com as reflexões dos estudos, uma mistura que oferta as delícias
de uma estética artística-científica.

A Arte se coloca como uma das formas mais significativas de comunicação e de


expressão humana, apresentando, na sua possibilidade comunicativa, a dimensão
sensível, criativa e crítica, revelando um valor que deve importar muito à ciência
voltada para a educação, no campo das Ciências Humanas/Sociais. A Arte, como um
saber cultural é, entre outras, uma área de conhecimento que oportuniza muitos
aspectos. A área artística pode ajudar na revelação de uma abertura para se
redesenhar o cotidiano, pois, no universo da Arte, não há o certo ou o errado, o
bonito ou o feio, o melhor ou o pior, o superior ou o inferior. Há, sempre, belezas78,
o diferente, a outra maneira, os múltiplos caminhos, aspectos que oferecem forma à
complexidade da existência humana, pois o viver é complexo. Considerar essa
complexidade se configura interessante para a tessitura da vida do tempo presente
de qualquer pessoa – grupo social, pois é a própria vida humana.

A arte é fruto da intimidade de alguém, de um artista. Nas expedições de


antigamente, um artista sempre esteve presente fazendo parte da equipe um
responsável por realizar o registro da aventura, do caminho e do encontrado pelo
caminho. Hoje, como resultante do advento industrial, se munem não da tecnologia
de máquinas que fotografam e filmam. Com a mesma intenção, representativa do
ontem, me faço presente na pesquisa de doutorado, registrando os dados da
investigação também pela imagética, uma maneira artística poética visual de registro

78
Belezas com muitos esses, no plural mesmo. É como se deve considerar quando se sai dos padrões
modernos que estabelecem modelos e matrizes, inclusive um padrão de beleza.
135

que meu olhar capturou e que minha percepção primeira contornou, e ainda, que
minha reflexão coloriu! Um trajeto não com intenções de produção de arte comercial,
vendável das do tipo que se compra-vende em galerias para ‘decorar’ ambientes
sofisticados.

No caminhar investigatório, não tive nenhuma intenção em produzir “obras” de arte


no conceito estabelecido pelo mercado cultural, em que o artista é produtor de obras
para a venda em galerias, e para isto promove o marketing em exposições e
catálogos. Aliás, nunca tive esta intenção, porque sempre desejei e assim me
coloquei como uma fazedora de imagens, uma pessoa feliz que se coloca diante de si
mesma, dos outros e do mundo de maneira feliz em busca da liberdade da sua alma
e do seu espírito criador artístico. Assim, sempre intencionei compor textos artísticos,
textos arte educativos, porque sempre ensinadores,
formação/deformação/transformação/reformação, no trajeto da pesquisa científica e
fora dela (SATO, 2011). Textos como expressão da labuta artesanal no campo de
pesquisa: e eu, a fazedora destes desenhos-textos, me coloquei não como artista
que produziu obras de arte, mas como pesquisadora-artista que, sensível à arte,
necessitava registrar artisticamente o encontrado no campo de pesquisa.

É um trabalho artístico que se ancora nos limites da linguagem, da expressão e da


comunicação de uma pesquisa científica sensível, crítica e criativa. Nessa ideia de
expressar e comunicar – um registro-expressão-artístico-científico, os recortes no
mundo estudado tanto bibliográfico como no campo de investigação, o percebido por
mim em pesquisa também se torna forma de arte.

Essa abordagem sensível e criativa da investigação anunciadora da longa trilha se


abriu para a densa e rigorosa etapa da escrita científica! Assim, caminhei em
comunhão com a artista, a professora e a pesquisadora num entrelaço entre Arte-
Educação-Ciência, bem como, o entrelaço entre Arte-Educação-Ambiente numa
artesania.

Reside aqui uma tentativa, digamos, ousada e porque não dizer, de certa forma,
revolucionária de se buscar uma tessitura incomum aos trabalhos científicos, de uma
Ciência colorida pela Arte, na qual o tear é a Educação Ambiental, porque propõe o
136

diálogo entre saberes, possibilitando, inclusive, o dialogar entre Arte e Ciência, via a
fenomenologia da Imagem de Gaston Bachelard.

O filósofo Francês, Bachelard propõe, com sua epistemologia diurna-noturna, uma


possibilidade de desvelar o complementar na beleza dos opostos, ou seja, a razão-
ciência e sensibilidade-arte, revelando uma ligação entre ser humano e mundo. O
desafio posto nesta ousadia é trazer e manter o potencial e o rigor científico, sem se
despedir da sensibilidade artístico-poética.

Bachelard, em seu percurso filosófico, propõe uma epistemologia complementar, a


qual ele mesmo se referiu como um pensamento de “dupla natureza” (BACHELARD,
2006, p. 52), um pensamento 24h, ou seja, que prima pela tecedura de uma
totalidade dinâmica do pensamento, a epistemologia da ciência diurna e a da
imaginação poética, noturna. O estudioso (BACHELARD, 2006, p. 52), considera a
descoberta da “tranquilidade de consciência no trabalho alternado das imagens e dos
conceitos, duas tranquilidades de consciência, do pleno dia e a que aceita o lado
noturno da alma”. O campo científico-diurno se mantém em vigia, acordado, atento
assentado na racionalidade, e o poético-noturno, pulsante pela emoção do contato,
da presença com a matéria dos devaneios poéticos.

Nesta trilha de investigação que almeja uma trama entre ciência e Arte, procuro
tecer um potencial científico-artístico, considerando ambas como áreas de
conhecimento humano compartilhadoras de um só território, onde o mundo científico
toca a Arte e o mundo artístico toca a Ciência. Território da imaginação criadora,
aspecto que importa às duas áreas, importa também ao viver cotidiano e
sobremaneira para a vida atual, que urge quebrar paradigmas para o surgimento de
novas maneiras de se relacionar com o mundo humano e não humano. Revitalizar o
espírito criativo na ciência, na não ciência e na vida urge para as transcendências
necessárias, injustiças socioambientais e a insustentabilidade planetária.

Nesse sentido, Enrique Leff ( 003, p. 14) aponta que “a crise ambiental é o limiteda
racionalidadebaseada em umacrençainsustentável: a compreensão e construção
domundo, lideradospela idéia deuniversalidade,totalidade eobjetividadeconhecimento
137

quelevou àobjetivaçãoe economiado mundo”. A crise ambiental é uma crise do


conhecimento (LEFF, 2010, p. 13). O economista ainda considera que:

O saber ambiental que emerge dessa crise de civilização e da


racionalidade do mundo moderno plasma-se no espaço de
exterioridade do pensamento meta-físico e do conhecimento científico
que procuram abarcá-lo e atraí-lo para seu centro de gravidade. No
entanto, o saber ambiental é expulso do núcleo da racionalidade
científica por uma força centrífuga que o impulsiona para fora, que o
impede de se fundir no núcleo sólido das ciencias duras e objetivas,
de se subsumir em um saber de fundo, de se engrenar no círculo das
ciências e se dissolver em uma reintegração interdisciplinar de
conhecimentos. O saber ambiental se mantém nesse espaço exterior
ao núcleo das ciências (LEFF, 2010, p. 1).

Para este estudioso, a epistemologia ambiental encontra-se em evolução, “abrindo-


se para novos horizontes” (LEFF, 2010, p. 12). Isabel Carvalho (2001)79 expõe que
Enrique Leff realiza um convite com sua epistemologia ambiental, a de desvendar o
fenômeno ambiental deslocado das ciências naturais, o qual, segundo a estudiosa,
“lugar tantas vezes reforçado pelas visões biologizantes que preponderam neste
campo”.

Segundo Leff ( 010, p. 176), “A problemática ambiental ultrapassou o campo dos


paradigmas científicos e do conhecimento disciplinar”. Dessa maneira, o estudioso
desenha a possibilidade do “dialogo de saberes” (Leff, 009, p. 19):

O diálogo dos saberes se produz no encontro de identidades. É a


entrada do ser constituído por intermédio de sua história até o inédito
e o impensado, até uma utopia arraigada no ser e no real, construída
a partir dos potenciais da natureza e dos sentidos da cultura. O ser,
para além de sua condição existencial geral e genérica, penetra o
sentido das identidades coletivas que constituem o crisol da
diversidade cultural em uma política da diferença, mobilizando os
atores sociais para a construção de estratégias alternativas de
reapropriação da natureza em um campo conflitivo de poder, no qual

79
Na resenha da obra Epistemologia ambiental (2001), de Enrique Leff, publicada na Revista Ambiente
e Sociedade. N° 8, Campinas – Jan./June 2001. Acesso disponível: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-
753X2001000800009
138

se desdobram sentidos diferenciados e, muitas vezes, antagônicos,


na construção de um futuro sustentável.

Se levanto os olhos do livro para olhar uma vela, em vez de estudar, sonho. Então se o sonhador
inflamado fala com a chama, fala consigo mesmo, ei- lo, poeta. O menor objeto para o filosofo que
sonha, pode ordenar seus mais secretos [...] mais solitários pensamentos. Não posso sentar perto
de um riacho sem cair num devaneio profundo [...] É preciso prestar a atenção às alegrias dos
primeiros desenhos [...]. O poeta da mão que sonha, lápis nos dedos sobre a página em branco. O
papel é despertado do seu pesadelo branco. O devaneio poético já está diante desse grande
universo que é a página em branco. Então, as imagens se compõe e se ordenam. O sonhador
escuta já os sons da palavra escrita. Sonoridades escritas [...] Dando ao sonho o tempo de
encontrar o seu signo, de forma lentamente o seu significado

(BACHELARD in CABRAL, 1998b).

Fenomenologia da Imaginação é conhecer a imagem em sua origem e essência,


fenomenologia da imagem. Na obra A Poética do espaço, Bachelard (1993), faz
considerações sobre a imagem poética, apontando que ela tem “um ser próprio, um
dinamismo próprio” (BACHELARD, 1993, p. 2). Em outras palavras, quando se lê
uma imagem artística, por exemplo, a imagem construída tem significado em si
mesma, um próprio que se revela tanto pelo momento da feitura, como pela
singularidade do criador, como pela singularidade de cada leitor, que no instante já é
um autor-criador também. Nas palavras bachelardianas a arte (imagem artística) é
uma espécie de estímulo presente-patente que provoca movimento na consciência,
impedindo que esta caia e ou permaneça adormecida (BACHELARD, 1993).

A fenomenologia da imagem, gestora da participação criante no mundo, desperta a


alma e lança o espírito sensível-poético-criante, para que se apresente diante do
139

mundo sempre ativo-provocativo e revele as imagens dormentes. Para esse filósofo,


o sujeito falante se encontra e está inteiro na imagem criada, pois essa imagem,
segundo Bachelard (1993, p. 12), provém de uma fenomenologia, razão pela qual
considera poetas e artistas fenomenólogos naturais.

Esse estudioso propõe que as imagens sejam consideradas como potencias da


natureza humana, e a imaginação, como a faculdade de produzi-las, fazê-las existir
para além do eu-criador. Segundo ideias bachelardianas, a raiz da força imaginante
tem residência na mente do ser, dentro do ser, no interior do ser, na alma do ser
(BACHELARD, 1997). Compreendendo como Bachelard propõe, as imagens são
arquiteturas mentais que compõem as compreensões que se revelam por diferentes
linguagens e comunicam, e no instante da imagem, já tecem também outras
arquiteturas mentais.

Imaginário, na compreensão bachelardiana, pode ser traduzido como emoção,


sensações sentidas em relação à matéria. Assim compreendendo, imaginário é força
propulsora da imaginação poética-artística, é uma força humana que pode contornar,
e contorna o imaginado, assim se pode considerar que a imagem é resultante da
prática imagitiva (BACHELARD, 1993). Para que se conheça filosoficamente uma
imagem poética, deve-se propor uma Fenomenologia da imaginação (BACHELARD,
1998, p. 2).

Um estudo da imagem poética propõe conhecer e compreender imagens que


emergem na/da consciência de um criador, como saído do coração, da alma deste
ser. A Fenomenologia da Imagem, então, é uma entrega que se faz às imagens
capturadas e criadas. A fenomenologia proposta por Bachelard solicita emoção, um
eu como componentes fundamentais para a criação e apreciação-escuta da imagem
poética. Para o estudioso o sujeito falante, criador está por inteiro na sua imagem
poética, assim como o apreciador também (BACHELARD, 1998, p. 12). Segundo
Bachelard, “a fenomenologia nos pede exatamente para assumirmos nós próprios
sem crítica, com entusiasmo” (1998, p. 175).

A fenomenologia da imagem exige uma participação criante, e o fenomenólogo deve


então, despertar sua consciência poética-criante, provocativa a partir de imagens
140

que dormem nos livros impressos, digitais e no livro da vida, do mundo. “A poesia é
um dos destinos da palavra. A imagem poética, em sua novidade abre um porvir da
linguagem”(BACHELARD, 2006, p. 3). Segundo este estudioso (2006, p. 6):

O devaneio que queremos estudar é o devaneio poético, um


devaneio que a poesia coloca na boa inclinação, aquela que uma
consciência em crescimento pode seguir. Esse devaneio é um
devaneio que se escreve ou que, pelo menos, se promete escrever.
Ele já está diante desse grande universo que é a página em branco.
Então as imagens se compõem e se ordenam. O sonhador escuta já
os sons da palavra escrita. Todos os sentidos despertam e se
harmonizam no devaneio poético. É essa polifonia dos sentidos que o
devaneio poético escuta e que a consciência poética deve registrar.
São esses impulsos de imaginação que o fenomenólogo da
imaginação deve tentar reviver.

Devaneios poéticos são grávidos de hipóteses de vida e, por isso, alargam os


contornos do viver, uma aprendizagem que oferta confiança no universo via
devaneios. Um mundo se compõe em nosso devaneio, um mundo que é nosso
mundo. Mundo sonhado ensina as possibilidades de engrandecimento do ser no
universo que é dele (BACHELARD, 2006).

Se o sonhador tiver o caminho, com o seu devaneio fará uma tese, uma vida. “E
essa obra será grandiosa, porque o mundo sonhado é grandioso. Há horas na vida
de um poeta em que o devaneio assimila o próprio real. O mundo real é absorvido
pelo mundo imaginário” (BACHELARD, 2006, p. 13). “As ideias se aprimoram, se
multiplicam no comércio dos espíritos. As ideias, em seu esplendor, realizam uma
comunhão muito simples das almas. Dois vocabulários deveriam ser organizados
para estudar, um o saber, o outro a poesia. Mas esses vocabulários não se
correspondem” (BACHELARD, 2006, p. 15).

Bachelard oferta um solo fenomenológico próprio aos sonhos, aos devaneios, às


reflexões e às criações e, por essa razão, esse território aponta para a perspectiva da
descristalização das certezas construídas e estabelecidas, que nada mais são do que
pré-conceitos e estereótipos presentes no dia-a-dia de vida da maioria das pessoas,
como na ciência em forma de pré-conceitos, dogmas e paradigmas.

Assim, criar condições necessárias de se sair do ‘sono’ através da crítica e da


autocrítica, forma-se o desenho da subversão da ordem cristalizada em novas outras
141

certezas-verdades absolutas que, num futuro, se tornará cristalizado para o seu


tempo e espaço, e assim novamente deverá passar pela descristalização,
sucessivamente, até que exista a espécie humana e mundo.

Um território sensível atrelado à razão, e vice versa, inaugurando a esperança do


nascimento do novo, de novos olhares, de novos caminhos, de novas possibilidades,
e, por isso, novos serão propostos desenhos da/para a existência humana, território
de transformação, um exercício humano constante que conduz a libertação das
amarras para avançar rumo ao também próprio humano, o novo-velho-novo-velho...

Inaugurar a esperança de sair da condição de um mero reprodutor de


conhecimentos e possibilidades implica embrenhar-se na condição de devanear, pois,
é esta condição que nos dispõe dentro da ciranda, da dinâmica criativa. A condição
devaneante não se revela por um devaneio sem rumo, a criação, porque é sempre
fiel ao originar. É pelo devaneio poético que desenho minha imaginação criadora,
sempre dinâmica, acordada, criante. Penso por imagens poéticas artísticas, porque a
imaginação, quando ativada e exercitada pela arte, gera um movimento no estável.
Em devaneios criadores conseguimos transcender a posição racionalizadora e
assentados na posição sonhante, damos conta de manter o estado de imaginação
vivo, alimentando o processo de invenção contínua, reinvenções necessárias.

Sato (2001) propõe aprendizagens pelas trilhas formativas, deformativas,


transformativas e reformativas. Na trilha formativa [água], reside o bojo das
aprendizagens primeiras e é o solo do desejo. Na trilha deformativa [terra], a força
reside na decomposição para transpor os obstáculos. Na transformativa [fogo], se
assenta o projeto, a dança da mudança, o anúncio do novo-outro, território do
empenho, e, na reformativa [ar], está o re-pouso, recém parido e já grávido do novo
ciclo do conhecimento, da próxima compreensão.

O pensamento bachelardiano se assenta nos campos da ciência, na expectativa de


criar um movimento colorido e sonoro para a dança compassada entre razão e
sensibilidade num território onde coexistem com a mesma força e intencionalidade
imaginativa, formando a razão dançando de mãos dadas com outras formas de
142

conhecimento, inclusive com a arte. Lindo bailado! Bachelard realizou ‘garatujas80


científicas’ que nada mais são do que desenhos primeiros da ciência rumo à
complexidade da existência humana. Assim, os desenhos feitos por esse intelectual
se configuram numa significativa contribuição à filosofia das ciências que consideram
as questões complexas envolventes cravadas na contemporaneidade.

Bachelard ofertou contornos sonoros à imagem poética das “coisas”, no sentido de


ecoarem para que muitas outras pessoas e estudiosos pudessem ouvir, e quem sabe
acolher. Afinal, nem a humanidade como um todo, nem a ciência, são desenhadas
somente pela razão, mas também pelo pensamento imaginativo – devaneios que,
por vezes, se encontram velados pela ausência da aprendizagem da escuta
fenomenológica. É também sob esse prisma que esse intelectual se revela muito
importante para este momento atual, do redesenhar a imaginação criadora,
colocando-a no foco atualizado da pós-modernidade, como nomeia a
intelectualidade.

A riqueza tecida pelo pensamento de bachelardiano reside no desvelar do


pensamento “diurno”, residência dos conceitos epistemológicos da ciência, e
“noturno”, conceitos da poesia, do devaneio, da imaginação poética, apontando que
razão/Ciência e imaginação/Arte se complementam. Para ele, uma ciência humana
pautada numa filosofia contemporânea não pode ser desenhada só trilha do racional.
Há de ser também recheada pelo que escapa à pela trilha do racional. Há de ser
também recheada pelo que escapa à razão pura e simplesmente, há de ser pela
complementaridade destes conceitos, exatamente como no lavrado das redes
cuiabanas mato-grossenses81, que, na sua feitura, não deixam marcas do lado
avesso, tornando seus dois lados como constituintes da beleza única do labor
artesanal, construído ponto a ponto.

80
Na ideia de rabiscos iniciais de uma tessitura mais ampla e complexa.
81
Um dos significados para Lavrado apontado pelo dicionário Aurélio é ornado de lavores. E em lavrar,
se encontra Desenhar em bordados. O lavrado das redes cuiabanas, então é o mesmo que dizer
ornamento, bordado. É um trabalho artesanal composto em tear próprio para tal. (FERREIRA, João
Carlos Vicente. Mato Grosso e seus municípios. Cuiabá: Secretaria de Estado da Educação, 2001 e
FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas: 1825 a 1829. São Paulo: Cultrix - Editora
da Universidade de São Paulo, 1997).
143

Bachelard realizou o mesmo trabalho entre ‘epistemologia’ e ‘poética’, bordou no


tecido da rede humana uma representação conceitual na sua inteireza, em que ‘dia’
e ‘noite’ se opõem, mas ao mesmo tempo, e talvez por conta disso, se completam e
se complementam. No bordado constituído sem evidenciar lados, dia e noite, o ser
humano complexo, leitor, estudioso e criador das ideias científicas, buscador de
maneiras outras e melhores, revelará uma comunicação científica sensível que tocará
os corações, provocando uma dinâmica pulsante criadora. Neste trilheiro
bachelardiano, razão e imaginação complementares, forças contrárias/opostas tecem
beleza que só os contrários podem ofertar, e só eles, juntos, podem pela
singularidade do encontro.

Para melhor compreender o pensamento desse filósofo, é preciso estar despido e/ou
ter o desejo de despir-se do já estabelecido, das certezas-verdades cristalizadas e da
objetividade como dogmas. O fato é que, por vezes, nos fechamos sem sentir em
nossos trajetos de vida cotidiana e científicos. Também é fato que, quando se
percorre o caminho artístico, assim como o científico, sempre se enriquece. Porém,
quando se trilha pelo artístico-científico complementarmente, é especialmente
enriquecedor.

A vida, a existência humana, não é feita da monocromia, nem afinada num único
som, nem tampouco é expressa num monólogo. As pessoas, percebedoras,
pensadoras, falantes, comunicadoras das culturas pulsantes na cultura humana, e
constroem, estabelecem e reconstroem relações cotidianamente. Assim situadas no
meio de vida, no mundo, aprendem com o vivido, criam e se transformam tecendo
ponto a ponto o porvir, a esperança, um aspecto primordial da/para vida humana.

Bachelard desenhou a consciência imaginante, que é o mesmo que dizer razão e


imaginação, estando elas vinte e quatro horas em ação, juntas. Sonhos aventureiros
que transitam pelos campos do pensamento em busca da liberdade e, para tal,
cortam arames limitantes e abrem brechas para a reflexão-sensível-crítica,
apontando possibilidades de trilhas para se chegar às folhas em branco, prontas para
serem preenchidas e coloridas na busca compreensiva do eu-outro-mundo, de
maneira sensível-criativa.
144

Imaginação é uma tradução da emoção, é fruto de sensações experimentadas em


contato com a matéria, com as coisas da vida, então, força propulsora da imaginação
poética. Assim considerando, a imaginação nascida da emoção é uma força
dinâmica, viva que acorda ‘belas adormecidas’ das razões cristalizadas, petrificadas e
endurecidas, aquelas ditas inflexíveis. Logo, a imaginação mantém residência fixa no
território do devaneio e do sonho, permitindo o projetar.

Arte e ciência podem se encontrar na imaginação criadora, para um dialogar


complementar assim como podem dialogar nas e com as diferenças. Meus desenhos
são resultantes das 24horas como propõe o trilheiro bachelardiano. Esse estudioso,
ao revelar esta base do conhecimento, o aponta como berço das primeiras
explicações. Ele compreende que estes podem ser revistos de forma sensível-crítica,
para que se descristalizem do encantamento estabelecido, flexibilizando-os rumo à
libertação da razão adormecida e, assim, inaugurando um caminho outro, novo.

No caminho da Imaginação poética, da representação da imagem, a origem, o ponto


de partida reside na primitividade da imaginação, ou seja, no impulso criador no
exato instante que desperta e desvela o engajamento do ser imaginante, que
imagina sem parar, porque lhe é próprio imaginar, atividade puramente humana, que
realimenta continuamente novas imagens, realizando o desprendimento do passado,
e propondo o devir/porvir. Buscar a compreensão desse caminho da imagem
poética desenhado pela Imaginação é desfiar-fiar, para refiar a imagem que
perpassa pelo devaneio e chega à materialidade objetiva, um território científico
comunicador, fios que ligam o fazedor da imagem ao mundo comum e ao científico,
e ao escutador das imagens pronunciadas. Como diria Bachelard, de uma alma para
outra alma, então, uma imagem-arte-palavra!

Freire (1989) denuncia a “imagem-palavra” como força vital, justificando que é nela
que se pode desenhar a dor, a alegria e os desejos, entre outros aspectos da vida
humana, abrindo a possibilidade vivencial da experiência expressiva artística como
um texto que quer dizer e diz. Demonstram as ideias desse estudioso que, dessa
maneira, as pessoas poderão estar favorecendo o desenvolvimento sensível e
cognitivo, apurando os conceitos estabelecidos e as posições diante do mundo.
Segundo essa base freiriana, a imagem-arte-palavra é uma possibilidade de fala-
145

imagem/arte-escrita que o figurar oferece, uma possibilidade comunicacional que


perpassa pelo contexto cultural e amplia a compreensão do território simbólico.
Neste processo investigativo, Bachelard, Freire e Sato se entrelaçam para me ajudar
a tecer minha pesquisa, minha tese.

3.5 Arvorizando um caminho


Os olhares dos artistas, [seres sociais sensíveis e criadores] são
reveladores, sobretudo porque são construtivos, como o olho do
pintor, cujo ver já é um pintar e para quem contemplar se prolonga
no fazer. (PAREYSON, 1984 p. 103).

Árvores, vegetais que enraízam para brotar da terra seu tronco, seus galhos, suas
folhas, suas flores, seus frutos e sementes, em nome da contínua vida vegetal no
planeta terra, alimentam a vida animal. Rizoma, raízes ramificadas mergulham na
terra-água, guardadoras de vida da espécie vegetal que pode ou não sair terra a
fora. Dois germes conceituais que foram tomados aqui com o objetivo de traçar as
ideias de enraizar, como solidez necessária para ganhar forças para brotar, sair em
busca de outra experiência não mais intrauterina, mas substancialmente ligada a ela.

Arvorar-se para alimentar a faminta alma sensível-criativa, assim como melhor revela
o poema de Líria Porto82: “Arvorar-se poeta é tão audacioso quanto o Ipê florir na
serra no mês de agosto”. Sigo esses indícios poéticos, dizendo que ser arvorizante e
rizomática é fruto de uma tentativa laboriosa de enraizamento-liberdade, na
expectativa de prender-soltar minha alma sensível-criativa [poética artística] por um
eterno instante que seja, assim como o Cambará do território temporal pantaneiro
que, marcado por caminhos de poeira na seca e por caminhos de água nas cheias,
entre o elemento terra e o elemento água se enraíza para o porvir das canoas no
tempo das águas.

82
Este poema da Líria Porto foi encontrado na página de n° 97, correspondente ao dia 07 de Abril de
uma agenda da Editora Tribo -2010/2011, onde os organizadores foram Regina Garbelline e Décio de
Mello.
146

O olho silencioso captura o futuro de um texto, a escuta atenta rabisca e a fotografia


revela as possíveis existências das quais um olhar roubado pôde se apossar, num
mundo em plena vida. Imagens percebidas! Imagens sentidas! Imagens vistas!
Imagens ouvidas! Imagens pensadas! Imagens fotografadas! Imagens sonhadas!
Imagens esboçadas! Imagens desenhadas! Imagens poetizadas! Imagens escritas!
Eis o roteiro registrado do meu percurso investigador e tese: um verdadeiro rio
corrente de imagens.

Múltiplas imagens, um exercício sempre primeiro - esse é o meu caminho-


descaminho existencial. Uma caminhante que, ao caminhar, teima em descaminhar,
produz imagens para construir outras-novas imagens e continuar caminhando à
procura de outros descaminhos que conduzam novamente ao velho-novo caminhar
humano.

Escrever um texto é desenhar com letras, é pintar com palavras, é compor com
conceitos! Como diria poeticamente Bachelard, sonhar com o desejo, deitado no
berço esplendido das constelações imaginárias. E, como diria Manoel de Barros, só
um descaminho permitiria um trajeto destes. Assim é a gênese das minhas obras,
seja obra da arte, seja obra da ciência.

“Desobjetivar o mais possível”, indica Bachelard (1997, p. 13), para ele,


desobjetivação é deformação, dissolução, um “movimento libertador” de devaneios
presos aos objetos. Este movimento é permissivo tanto para arvorizar, no sentido de
ir além do já posto, quanto para ser rizomática, buscar o enraizamento necessário
para lançar-se em liberdade. Tudo que dissolve poeira e água no caso pantaneiro,
ajuda na imaginação (BACHELARD, 1997), (Imagem: 31).
147

Imagem 31: Fotografias “Água e pó, matérias dissolventes”. Fotos: João Quadros Ramos. Foto da flor do
Cambará Fernndez (2010, p. 3). Composição digitalizada: Imara Quadros.

Bachelard (1993, p. 8) considera que a “imagem é a expressão criando o ser”, logo,


a imagem do criador é a sua expressão. A imagem revela, segundo o estudioso, a
“consciência do ser imaginante, um valor de origem”, a gênese, a força original,
primordial para a criação. Bachelard (1993) coloca seu foco de estudo no exame das
“imagens do espaço feliz”, valor humano. A imaginação trabalha aonde reside a
alegria, nas ruas de um porvir inquieto que provoca e desperta a profundidade do
ser (BACHELARD, 1997).

Na obra As águas e os sonhos, Bachelard (1997), faz brotar ideias sobre a paixão,
“crenças e convicções íntimas”, sentimentos geradores de um movimento interno
“estado onírico e passional”, espécies de forças centrais que são capazes de
impulsionar o ser na sua particularidade, desenhando posições pessoais, uma
cartografia do ser. Tomando o eu, então o ser, como ponto de partida e chegada, as
crenças pessoais deverão ser descristalizadas para que se abram brechas, fissuras de
passagem que despertem o ser passivo e o coloquem em estado de inquietações
moventes.
148

Na Introdução da obra A poética do espaço (1993), o fenomenólogo indica que se


deve “examinar imagens bem simples, as imagens do espaço feliz” (1993, p.
19)83.Nessa mesma obra, Bachelard (1993), trata da imagem da concha a qual,
podemos considerar como construção natural de uma morada onde a matéria usada
foi o calcário expelido pelo próprio corpo, digamos, em forma poética. Essa morada
possui forma circular que, além de proteger o morador, constitui um charme visual.
As conchas podem desenhar uma imagem de vida que se arredonda em si mesma,
se considerar como uma imagem do ser na sua redondeza. A concha seria o corpo, e
o molusco a alma, uma imagem da alma (molusco) esculpindo o corpo (concha)84.

É dentro da concha acompanhado do som do silêncio, aconchegado na quietude


corporal que se sente a alma que se abrirá em devaneio para alimentar o espírito,
sensível, crítico, criador seja no campo que for, na vida, na educação, na ciência e
reinventar o que for preciso para melhor viver. Bachelard ainda aborda sobre a
dialética do exterior-interior. O exterior somente é entendido quando transformado
em interior, desenhando o não generalizante. No capítulo A fenomenologia do
redondo, Bachelard trata das imagens circulares que concentram o centro a vida e
trazem segurança, aconchego. Para Bachelard85, essas imagens são todas redondas.

O filósofo (1993, p. 235 a 242), ao discorrer sobre a “Fenomenologia do Redondo”


(Imagem: 31a), apresenta alguns pilares das suas reflexões em quatro fragmentos
de textos, frases que para o estudioso “o problema fenomenológico está claramente
colocado” (p. 35):

Todo o ser parece redondo (dito por Jasper, filósofo)86;


Provavelmente, a vida é redonda (dito por Van Gogh, pintor);
Disseram-lhe que a vida era bela. Não! A vida é redonda (dito por Joë
Bousquet, poeta); Uma voz me faz redondinha. (La Fontaine, um
fabulista)87.

83
A casa, o mundo, o território, tudo sem qualquer limite porque são da ordem significante.
84
Bachelard (1993, p. 18 e 127 - (BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins
Fontes, 1993).
85
Bachelard (1993, p. 151, 232, 235) – (BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins
Fontes, 1993).
86
Bachelard (1993, p. 37) comenta que “convém eliminar um termo da fórmula de Jasper para torna-
la mais pura fenomenologicamente, parece redondo”. (Mesma referência da Nota de Rodapé 85).
87
O uso do itálico nos termos, redondo, redonda e redondinha, na citação foram meus.
149

Imagem 31a: fotografia “Redondeza do ser 1”. Foto: César Quadros. Escultura em madeira: autoria
desconhecida.

O estudioso denomina esses quatro fragmentos de “dados íntimos”, “independentes


dos conhecimentos do mundo exterior” que “só podem receber ilustrações do mundo
exterior”. Esses fragmentos são denominados pelo filósofo por “redondeza do ser”
(BACHELARD, 1993, p. 36). Para o Bachelard (IBID, p. 37), “o filósofo, o pintor, o
poeta e o fabulista deram-nos um documento de fenomenologia pura, e a nós cabe
utilizá-lo para captarmos a agregação do ser em seu centro”. Segundo Bachelard
(1996, p. 236 e 237), as quatro expressões assinaladas revelam:

Posição de relevo sobre a linguagem comum, envolvendo um


significado próprio. Trazem a marca de uma primitividade. Nascem
do chofre88 e já estão concluídas. É por isso, a meu ver que essas
expressões são maravilhas da fenomenologia. Obrigam-nos, para
julgá-las, para amá-las, para fazê-las nossas, assumir a atitude
fenomenológica. É preciso, por um instante, toma-las apenas para
nós. Se a tomarmos em sua instantaneidade, percebemos que só
pensamos nisso, que estamos por inteiro no ser dessa expressão. Se
nos submetermos à força hipnótica de tais expressões, vemos que
cabemos por inteiro na redondeza da vida como a noz89 que se
arredonda em sua casa.

Bachelard (1997, p. 20) apresenta a fenomenologia do redondo, que é,na minha


interpretação, se colocar e voltar a se colocar em ponto de partida para a criação,

88
Repentinamente.
89
O filósofo se refere à Noz, um fruto da espécie Nogueira.
150

seja na arte, seja na ciência. O estudioso (1993, p. 37) considera que as “imagens
da redondeza plena ajudam a congregarmos em nós mesmos, a darmos a nós
mesmos a primeira constituição, a afirmar o nosso ser intimamente, pelo interior.
Vivido do interior, sem exterioridade, o ser não poderia deixar de ser redondo”
(Imagem: 31b).

Imagem 31b: fotografia “Redondeza do ser 2”. Foto: César Quadros. Escultura em madeira: autoria
desconhecida.

Considera Bachelard (1993, p. 237) que a “filosofia coloca-nos diante das ideias
muito intensamente coordenadas para que de detalhe em detalhe, coloquemo-nos e
voltemos a colocar-nos, em situação de ponto de partida, como deve fazer um
fenomenólogo”. Eis a imagem da Fenomenologia do Redondo bachelardiana!

A fenomenologia do redondo, com inspiração nesse filósofo é a prática do olhar para


dentro de nós mesmos, mas também pode ser a prática do olhar para dentro do
grupo identitário que sou eu-nós, aquele ao qual nos sentimos pertencentes, para o
lugar de vida, para o tempo em que se está contextualizado, para as condições onde
se encontra inserido. É uma espécie de recolhimento, de solidão para refletir sobre
nós em relação ao outro-mundo, para indagar, para compreender e reinventar. Um
mundo inteiro em solidão e silêncio para refletir-criar e transcender-reinventar,
dinâmica vital nos tempos contemporâneos (CHAUÍ, 2010).

Neste recolhimento é preciso um exame cuidadoso no que está enraizado,


cristalizado em nós. Ou seja, é preciso inaugurar o que Chauí (2010, p. 15)
denomina de atitude filosófica, uma aprendizagem que nos redesenhe e nos
151

reconduza sempre novo e inovado a nós mesmos, enquanto indivíduo-coletivo. Eis o


desenho da reinvenção!

Não se deve perder de vista as “virtudes iniciais” de uma imagem para que se
mantenha a “primitividade das imagens do ser”, ou seja, conhecer e revelar o
“conhecimento dos valores da imagem”, contrariando o “desconhecimento de
valores” das mesmas. “A esfera do geômetra é a esfera vazia, essencialmente vazia.
Não pode ser bom símbolo para nossos estudos fenomenológicos da redondeza
plena” (BACHELARD, 1993, p. 238). O ser redondo propaga sua redondeza, pois há
uma forma que guia e encerra os primeiros sonhos. Para um pintor, a árvore se
compõe em sua redondeza, e o mundo é redondo ao redor do ser redondo (IBIDEM,
p. 241 E 242).

As ideias merleau-Pontynianas abrem perspectivas para um espaço relacional, onde


tudo se relaciona. Nesse espaço, há uma comunicação de tudo com tudo, há uma
ligação entre o interior de um indíduo com o que é comum a todos os indívíduos, ou
de um grupo - intracomunhão com as coisas outras. Já o nosso corpo é uma espécie
de fio que nos possibilita estar corporificado, ligado no/com o mundo como um
cordão umbilical. Dessa forma, o corpo, a nossa casa da intimidade, também nos
abre a relação com o mundo. Nessa perspectiva, corpo é considerado casa da
sensibilidade, casa da percepção, casa da expressão, casa da compreensão, casa da
comunicação (PONTY, 1994). Afinal, “o pensamento não é apenas uma atividade
mental, envolve também o corpo. É o ser humano inteiro que reflete e tem o prazer
do pensamento (CHAUÍ, 010, p. 7)”!

Considera Gutiérrez (2000, p. 74 e 75) que:

O termo carne designa, em primeiro lugar, a substância constutiva


dos seres humanos. Ademais, ela qualifica a pessoa humana não
somente em parte mas na sua totalidade, considerada do ponto de
vista da sua existência física. Assim, além de representar a pessoa
em sua totalidade, a carne expressa um elemento de solidariedade
humana do ponto de vista físico. Dimensão coletiva típica da
mentalidade bíblica, com importantes consequências em uma
perspectiva espiritual.
152

Assim, o corpo é o meu templo sagrado, é a minha morada interior, é a morada do


outro, é a morada do mundo, da vida porque media minha relação. É a morada pela
qual me faço e me coloco sempre de novo para continuar vivendo a minha vida.
Meu corpo, portanto, é a morada das minhas percepções, das minhas reflexões e das
minhas expressões. A comunicação emerge do corpo, estabelecendo a relação com
o mundo, fazendo emergir do corpo desenhador dos sentidos de mundo no bordado
do ser social. Meu corpo assim esculpido é morada das minhas imagens, sejam elas
artísticas ou científicas.

Merleau-Ponty (2006, p.110), quando aborda sobre corpo próprio, revela que são
“fios intencionais que o ligam ao seu ambiente e finalmente nos revelará o sujeito
que percebe assim como o mundo percebido”. “A fala significa não apenas pelas
palavras, mas acima pelo sotaque, pelo tom, pelos gestos e pela fisionomia, e assim
como este suplemento de sentido revela não mais os pensamentos daquele que fala,
mas a fonte de seus pensamentos e a sua maneira de ser fundamental. Nosso corpo
é comparável à obra de arte. Ele é um nó de significações” (MERLEAU-PONTY, 2006,
p. 209 e 210). E, ao tratar do próprio corpo e do corpo do outro esse estudioso
considera que, para se conhecer o corpo próprio, “é só vivê-lo. Retomar o drama que
o transpassa e confundir-me com ele. Sou meu corpo! Meu corpo é um sujeito
natural, como um esboço provisório de meu ser total” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.
269).

Carnalidade, segundo o professor Passos (2012)90, se caracteriza pela ideia de


“imersão de tudo no ser, que é tudo, mas que é também mais que tudo”. É
totalidade do ser! Trata-se do ser no sentido Grego, filosófico útero de toda a vida. O
que há de conceito maior na carnalidade não é a espiritualidade do ser ou a
dimensão teológica, mas sua dimensão e natureza universalista e relacional de todas
as coisas animadas e inanimadas. Trata-se, portanto, de sua condição de ser o éter
que permite a relação absoluta com tudo, todas e todos. Corpo próprio é a dimensão

90
O Professor da UFMT e Filósofo Dr. Luiz Augusto Passos, membro avaliador desta tese abordou este
conceito em conversa orientadora em Dezembro de 2012.
153

singular, parte da totalidade em nós, no espaço em que somente nós temos a chave.
O lugar da reserva, da indiossincrasia91, da solidão (PASSOS, 2012).

“Carnalidade da reflexão” é subjetividade, é pura reflexão, uma experiência concreta,


íntima, corporal e intersubjetiva que, segundo Claudinei Silva (2008, p. 1 e 7),
“atravessa toda a reflexão filosófica de Merleau-Ponty”. A pessoa-indivíduo é o seu
corpo, é o seu mundo, é a situação refletida-vivida. Experiência refletida é ideia de
carnalidade.

O que está em jogo aí, digamos, é o mistério de nossa conaturalidade


com o mundo, mediante outra exigência transcendental: a de não
explicar o mundo ou dele descobrir as ‘condições de possibilidade’,
mas formular uma experiência do mundo, um contato com o mundo
que precede todo o pensamento sobre o mundo. O outro também se
põe em presença, em carne e osso. A noção de reflexão sofre um
deslocamento sem precedentes, transfigura-se no corpo próprio, e
por extensão, propaga-se intercorporalmente na carne do mundo.
Acontecimento ou movimento vivo, enigma primordial. (SILVA, 2008,
p. 7 e 8).

Assim, na redondeza do meu ser fenomenólogo, me coloco em situação de partida, o


olhar para dentro de mim mesma, para dentro do eu-nós-identitário me recolho para
redesenhar sempre de novo a ciranda vital: refletir, indagar, compreender, atualizar,
escolher, transcender e reinventar. Diria Chauí, uma permanente atitude filosófica
uma permanente aprendizagem talvez, diria Freire.

Essa redondeza que dispõe o ser em emersão, uma intracorporalidade, uma


carnalidade no rumo de que tudo afeta tudo, porque tudo se encontra ligado. Nesta
tese, há uma artesania que tenta juntar tudo com tudo, como tessitura de elementos
importantes e ou interessantes, que desejam e por isso, procuram revelar pela
intracorporalidade e não pela exterioridade de uma abordagem sociológica. Artesania
desejante da ideia do pensador na proposição de Gutiérrez (2000) “beber no próprio

91
Disposição do temperamento do indivíduo, que o leva a influência de diversos agentes; maneira de
ver, sentir, reagir, própria, especial, de cada pessoa (BUENO, 2000, p. 418) - (BUENO, Silveira.
Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD, 2000).
154

poço”, buscar em si mesmo, pensando sempre de novo numa espécie de


elucrubação92 espiritual-mental.

Redondeza do ser, olhar para dentro em atitude de aprendizagem é o fenômeno da


juventude do ser, desamadurecer para amadurecer outra vez. Segundo Bachelard, é
o que deve fazer um fenomenólogo, a fenomenologia: estar aberto à cosmicidade
das imagens! Bachelard (1993, p. ) afirma que “a imagem não é um eco do
passado, pois é na imagem que o passado ressoa, repercute nas vias do porvir”. E
digo o mesmo para a Educação, no sentido formativo do ser sempre aprendente.

Ressoar, para Bachelard (1993), é provocar uma profundidade, uma dose de


compreensão da vida humana, uma espécie de convite ao aprofundamento da
existência da humanidade. Para ele, aquilo que é de um indivíduo agora pode ser de
todos que permitem ser tocados pela imagem. Assim considerando, ressoar pode ser
uma influência provocante.

Repercutir, para esse estudioso, é despertar para a criação, é a força representante


que quer dizer e diz. A esse despertar, Bachelard chama de “gozos poéticos de uma
alma para outra alma”. Ou seja, nas ideias bachelardianas, repercutir é um
movimento, uma imagem de um caracol que, na sua pressa lenta, carrega
transportando a origem [gênese] do ser expressante na sua singularidade, para tocar
o apreciador\leitor. Dessa forma, o ser singular, desperta a consciência das
impressões, “somatório das impressões”, “mistérios familiares criados”, afetos de
cada ser, geradores de símbolos que são capazes da travessia do singular ao
coletivo. Assim a imagem, ao potencializar e dinamizar o humanizante, conduz a
participação da imagem criada pelo criador.

Imagem, para esse filósofo, é um acontecimento do logos, razão sensível, residência


fixa do caráter inovador. Segundo ele, o sujeito falante se encontra e está inteiro na
imagem criada. E a imagem, segundo Bachelard (1993, p. 12), provém de uma
fenomenologia. Poetas e Artistas são considerados fenomenólogos natos, naturais,
afirma o filósofo. Assim, este estudioso propõe que as imagens sejam consideradas

92
Estudar; inventar; criar (BUENO, 2000, p. 276) - (BUENO, Silveira. Minidicionário da
LínguaPortuguesa. São Paulo: FTD, 2000).
.
155

como potências maiores da natureza humana, e a imaginação, a faculdade de


produzi-las. A raiz da força imaginante tem sua residência na mente do ser
(BACHELARD, 1997).

“O ser é a somatória de suas singularidades”, e assim explodem em cada pessoa os


“mistérios familiares”, segundo Bachelard (1997, p. 8). Ver é perceber pela visão,
conhecer os seres e as coisas do mundo ao redor. Já observar é olhar, pesquisar,
detalhar, tatear, atentar às particularidades, relacionando-as entre si. Educar o modo
de ver e observar importa para o nosso conhecimento, e para as nossas
transformações diante da nossa participação no cotidiano, na vida, no planeta, no
ambiente.

Um bom observador que investiga detalhes poderá encontrar particularidades


capazes de enriquecê-lo. “Os pintores costumam dizer que, ao olhar, sentem-se
vistos pelas coisas e que ver é experiência mágica”, segundo Chauí (1988, p. 34). O
poeta Manoel de Barros (2002, p. 15) também nos provoca com estas questões
quando propõe, através de uma imagem poética, que se conheça o “natifúndio”
pantaneiro, no poema “Guardador de águas”. Diz ele:

Natifúndio é um lugar em que nadas... o nada destes natifúndios


existe e se escreve com letra maiúscula. Aqui pardais descascam
larvas. Vê-se um relógio com o tempo enferrujado dentro. E uma
concha com olho de osso que chora. Aqui, o luar desova... Insetos
umedecem couros. E sapos batem palmas compridas. Aqui, as
palavras se esgarçam de lodo.

Creio que se faça necessário dialogar um pouco mais este ‘natifúndio pantaneiro
manuelino’. A metáfora de natifúndio do poeta em questão é bastante poética e
interessante para subverter o sentido de latifúndio, porções gigantescas de terra
concentradas pela minoria. No natifúndio de Manoel de Barros, essa abundância da
água transcende seus limites, vaza pelos dedos humanos permitindo que outros
animais gozem, usufruam o frescor aquático, vibrem nas ondas líquidas de um dos
bens minerais mais preciosos da terra para a vida.
156

Porém, é imperativo fazer emergir que os conflitos pela água aumentam


paulatinamente. Segundo CPT93 (2011)94, a disputa pelas águas cresceu
aproximadamente mais de 90% em somente 3 anos. De fato, uma das maiores
atrocidades contra o Pantanal são as usinas hidroelétricas e as PCH95 de álcool que
destroem o ecossistema. Jaber (SILVA, 2012)96ecoa denunciando os problemas-
impactos causados pelas minerações que não só poluem os rios, mas reverberam
tocando a pesca artesanal, matando e ou diminuindo consideravelmente as vidas que
são importantes para manutenção do ecossistema, e assim desencadeiam sérios
“conflitos socioambientais” não só em Mato Grosso, mas no mundo.

Conflitos como o da água do mar revelam graves violações de Direitos Humanos,


como os pescadores da baía de Guanabara e as destruições causadas pelas
indústrias petroquímicas. Hoje, a disputa pelas terras é um grande dilema
socioambiental. Assim, num efeito dominó, a água está na sequência para se tornar
um dos problemas de alto índice de gravidade, pois já se prevê que a escassez desse
líquido desenhará uma séria disputa (SILVA, 2012).

Na tentativa de melhor revelar o caminho de uma imagem artística, melhor dizendo,


da minha, vou tecer a trilha com suas paradas (Imagens: 32 e 32a). Bachelard
(1988) apresenta o devanear como um caminho criador do que a pessoa recorta no
mundo, repercussão, ajudando na compreensão do existir individual e social.

93
Comissão Pastoral da Terra.
94
Acesso disponível: http://www.cptnacional.org.br/index.php/noticias/12-conflitos/1081-conflitos-no-
campo-brasil-2011
95
PCH - Pequena Centrais Hidroelétricas.
96
Para saber mais sobre esta questão, ver Tese de Jaber (SILVA, 2012). Acesso disponível:
http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html.
157

Imagem 32: Esquema cartográfico da minha imagem artística. Composição: Imara Quadros.

Provocação Gênese da
da Imagem Imagem

Revelação,
presença da
Imagem

Imagem 32a: Esquema “Mapa do percurso da minha imagem artística”.Composição: Imara Quadros.
158

Para tecer compreensivamente, traço meu caminho com as imagens, na tentativa de


entrelaçar as imagem-refletidas e constituir uma cartografia do percurso nascente da
arte em complementariedade com a ciência. Para tal, recorro a uma experiência
vivida com o grupo pesquisador GPEA no arquipélago de Cabo Verde, no Continente
Africano.

Relembrando, fomos para aquele continente visando a estudos de pesquisa e, ao


conhecer uma das ilhas, a Ilha do Fogo, seu ambiente, sua vida, sua gente, sua
cultura artística popular, vivenciei um processo criador de imagens compreensivas,
que a partir daqui tento cartografar.

Ao conhecer o arquipélago cabo-verdiano, tanto a Ilha de Santiago como a do Fogo,


compreendi o que lera nos livros antes da partida, estas e as outras ilhas eram
nascentes da atividade vulcânica. Veem então daí, no meu devaneio primeiro, filhas
do mar. Ao conhecer a pequena Ilha do Fogo, sentimentos entraram em ciranda pelo
inusitado da paisagem. Uma paisagem, digamos árida, entre as cores do preto
vulcânico e da palha seca (Imagem: 33 e 34). A imagem, de fato inusitada, muito
estranha ao meu olho viciado em outras cores, formas e volumes paisagísticos, e por
isso mesmo, muito inspirou aos meus devaneios.

Imagem 33 e 34: Fotografias “Paisagens da Ilha do Fogo/Cabo Verde/África”. Fotos: Regina Silva e Michelle
Jaber.
159

Ao conhecer a Ilha, fazia o registro fotográfico com o intuito de capturar algumas


paisagens, pelo menos as que se revelaram a mim, entre as tantas outras que lá
pululam. Em especial, destaco essas duas paisagens apresentadas acima que
mexeram com a minha imaginação. Ao conhecer o ambiente envolvente, percebi que
ali, por mais árido que pudesse constatar, a natureza presenteava a vida
artística/artesã, pois, mesmo tendo apenas a pedra vulcânica e a palha disponíveis
como matéria da/para criação, ainda assim os fazedores de arte daquele lugar as
transformavam em arquitetura e artefatos diversos (Imagens: 35, 36, 37 e 38).

Imagem 35: Fotografia “Pedras vulcânicas da Ilha do Fogo”. Fotos Regina Silva e Michelle Jaber.
Imagem 36: Fotografia “Instrumentos do trabalho transformador de pedras vulcânicas em arte pelas mãos
caboverdianas”. Fotos Regina Silva e Michelle Jaber.

(35) (36)
160

Imagem 37: Fotografia “Pedras vulcânicas da Ilha do Fogo, transformadas em arte – arquitetura local”. Fotos
Regina Silva e Michelle Jaber.
Imagem 38: Fotografias “Pedras vulcânicas da Ilha do Fogo, transformadas em arte – artesanato”. Fotos Regina
Silva e Michelle Jaber.

(37) (38)

Em atitude conhecedora, investigativa e por isso curiosa, observei o fenômeno


natureza-cultura naquele lugar com sua gente. E foi conhecendo aquele mundo que
fui tocada por ele (Imagem: 39), e foi assim que, poeticamente, me transformei em
pedra vulcânica e entrei em devaneio... (Imagem: 40).

Imagens 39 e 40: Fotografias “Arte nascente 1”. Foto 37 [lado esquerdo da página], Regina Silva. Foto 38 [lado
direito da página], Lúcia Shiguemi I. Kawahara e Arte digital sobre a Imagem 38: Imara Quadros.
161

A Imara em Pedra vulcânica (Imagem: 40 - p. 148) representa esta emersão, a


intracorporalidade, a carnalidade ligante entre mim, Imara, e as pedras, entre mim,
Imara, e aquele lugar africano, entre mim e aquela gente, entre mim, Imara, e
aquela arte esculpida em pedra vulcânica, porque tudo e todos estão ligados. A arte
popular e seu fazedor, seja canoa, seja casinha em pedra vulcânica, seja em flor de
papel crepom, sejam pinturas de mulheres no seu dia a dia, não existe um dentro e
um fora. Há, sim, um espaço relacional do interno com o externo, um entremeado
segundo pensamentos merleau-pontyneanos, relação da carnalidade, uma
comunicação universal de tudo com tudo, sem fragmentações.

Dentro-fora, interior-exterior, local-universal, diurno-noturno, ciência-arte são


dimensões em complementariedade, uma vez que uma está contida na outra, uma
não existe sem a outra sem desenhar a dialética existente entre, formando unidade
na diferença, o todo e o um ao mesmo tempo com as pessoalidades, sem distâncias,
nem rupturas, nem negações em polos. A carnalidade não é separada nem distante
do sentido universal, na verdade são inseparáveis.

Se, para Bachelard, pensar não é a única e nem a última instância, para Merleau-
Ponty essa dimensão também se revela. Assim, a imagem nascente se fez em
processo, antes mesmo de existir no papel canson pintada com aquarela, onde meu
olho apreendeu a matéria para o devaneio da minha alma. Ao devanear, imaginei... e
assim, fui traçando a imagem ainda na minha subjetividade (Imagens: 41, 42 e 43).
162

Imagens 41 e 42: Fotografias “Arte nascente do devaneio”. Fotos, Regina Silva e Michelle Jaber. Rabiscos
ilustrativos do devaneio: Imara Quadros.

Foi neste caminho que a arte e poema se fizeram! (Imagem: 43).

Imagem 43: Pintura “Fogo e água parindo ilhas”. Arte: Imara Quadros.
163

Mãe Terra senhora das Águas

Mulher negra africana,

Mãe da Terra e Senhora das D’águas.

Guarda em suas entranhas, o Fogo!

Num só movimento expele de seu ventre

fumaça e lava, parindo ilhas, desenhando territórios e

contornando identidades.

(QUADROS, 2009)

3.6 Em busca de um tardio novo espírito científico no território da pós-


modernidade

Há um caleidoscópio de cores filosóficas muito diferentes e


intensas. (CHAUÍ,p. 8, 2010)

Segundo Iná Elias Castro (2007), em sua escrita na orelha do livro de Edgar Morin,
“Ciência com consciência” (2007), as ideias trazidas nesta obra revelam oposição ao
paradigma clássico, é posição marcada sobre os fundamentos do paradigma novo,
que se revela complexo. Ela segue apontando que este novo paradigma é próprio
“para todos aqueles que têm se empenhado em participar da aventura da construção
do novo espírito científico proposto por Gaston Bachelard (CASTRO In MORIN, 2007,
orelha da obra)”.

Maria Cecília Sanches (1999, p. 4) aponta que “Estudos já realizados indicam o


esgotamento da visão de mundo racional e racionalizador que caracteriza o modelo
164

científico da modernidade. [...] O mito condutor do imaginário da modernidade está


atingindo seu ponto de saturação, anunciando a entrada de outros mitos e a
emergência de outros imaginários”.

Todo o ser humano responde em reação às sensações e percepções que tocam o seu
ser. Este ser em relação com o mundo capta e realiza recortes conforme a sua
existência, berço das primeiras visões de mundo, das compreensões primeiras,
imagens iniciais que alguns estudiosos chamam de senso comum, considerando-os
acríticos e ingênuos, mas que, neste instante primeiro, também podem ser
considerados como obstáculos a serem superados, como propõe Bachelard (1996).
Dessa forma, podem ser revistos, espiados por outros ângulos, na expectativa de
fundar um olhar mais apurado sem abandonar a sensibilidade, ampliando os
contornos das imagens primeiras, uma espécie de permissão essencial para o
surgimento de novos-outros contornos (SANS, 1994).

Quanto a esta questão, Chauí (2010, p. 13) afirma que:

Nossa vida cotidiana é um tecido de opiniões e de crenças que


recebemos de nossa família, [acréscimo meu: da comunidade que
nascemos e crescemos] da escola, no trabalho, no lazer, dos meios
de comunicação. Raramente procuramos comprovar a veracidade ou
correção dessas crenças e opiniões: nós as aceitamos como naturais
e válidas em toda a parte e para toda a gente. Vivemos no senso
comum de nossa sociedade.

Quando questionamos a vida, o viver se entra em um estado de crise por conta do


impacto gerado sobre as tantas certezas estabelecidas, as ditas “verdades”
cristalizadas e incontestadas. Para essas crises, há trilheiros possíveis: um é o de se
permanecer seguramente enraizado no estabelecido, e o outro, enfrentar rumando
para a superação, concomitante, para uma revolução do seu ser no mundo e com o
mundo. Essas trilhas filosóficas são humanas, acontecem mesmo que não se saiba.
(CHAUÍ, 2010).

Se escolhida a segunda opção, a inquietação acordará da dormência, a agitação fará


brotar a coragem, e assim, nascerá o desejo de buscar a raiz do acontecimento, um
problematizar freiriano. É por esta segunda trilha que creio poder chegar a
mudanças, reinventando outras-novas certezas, ciclicamente, porque fazem parte da
165

vida humana – ciclo criativo da eterna aprendizagem, ciclo criativo da educação, da


arte e da ciência (CHAUÍ, 2010).

A trilha pululante, por ser questionadora, é a prática do olhar para nós mesmos e
também para o(s) grupo(s) o qual pertencemos identitariamente, para o lugar de
vida, para o tempo em que se está contextualizado, para as condições nas quais se
encontra inserido. É preciso um exame cuidadoso acerca do que se enraizou em nós,
uma atitude filosófica, uma aprendizagem que nos redesenhe e nos reconduz,
porque possibilita uma reinvenção.

Bachelard ( 000, p. 1 1), na sua obra “O novo espírito científico” no capítulo VI, ao
abordar sobre epistemologia não-cartesiana, assim afirma: “Todo o pensamento
científico deve mudar ante uma experiência nova”. E segue afirmando ( 000, p. 1 7)
que “Bem entendido, o não cartesiano da epistemologia contemporânea não poderia
fazer-nos ignorar a importância do pensamento cartesiano”, e ainda ressalta ( 000,
p. 1 8) quanto à “importância do movimento dialético, que faz encontrar variações
sob o idêntico e que esclarece o pensamento primeiro completando-o”.

No final da década de 30, Bachelard publicou a obra A Formação do Espírito


Científico, em que revela os obstáculos epistemológicos e, ao alertar sobre as
revisões periódicas na trajetória construtiva dos conhecimentos, ele aponta a
superação como aspecto fundamental desse processo. A partir dessa obra, o filósofo
ruma para a sua fase mais criativa, a epistemologia noturna, inaugurando com elas
um foco fundamental para a imaginação criadora, para a poética, para a criação
artística.

Para que se cumpra uma formação de um novo-outro espírito científico, é necessário


que cada pesquisador-pesquisa encare os obstáculos epistemológicos do seu trajeto
investigador. É encarando o que impede o crescimento que a construção da
pesquisa-pesquisador terá solo para se reinventar sob as ‘heranças incrustadas’ nas
mochilas epistemológicas de cada pesquisador-pesquisa. Nesse processo
interconectado, um dependente de outro, a abordagem epistemológica
bachelardiana noturna, em complementariedade com a diurna, contribui
sobremaneira para brotar a atitude científica contemporânea.
166

A necessidade de mudança, renovação e criação deve ser a grande provocadora da


inquietude de um espírito científico-artístico, de um espírito que deseja a negação,
de um espírito que crê na existência de possibilidades no plural. Hoje, é mais do
necessário que se provoquem crises, que sem provoque caos, que se sacuda o
espírito das pessoas, dos pesquisadores, dos educadores em busca de movimentos
contra: contra a massificação, contra a opressão, contra as injustiças, contra ao
estabelecido, contra as forças ainda homogenizadoras, contra as forças ainda
colonizadoras, contra as forças capitalistas. Assim, será possível a busca de uma
contracultura, uma ciência, uma educação, um viver encravado na Pós-modernidade.

Bachelard (1996) aborda o desenhador de um ‘problema’, o espírito científico.


Segundo ele, o problema de uma investigação científica não se compõe se não
ocorrerem interrogações de um pesquisador, pois a pessoa-pesquisadora é a
portadora do espírito científico. Então, é o pesquisador que se deve atentar para a
inquietude e se lançar em aventura em busca de melhores compreensões aos seus
questionamentos. Logo, todo o espírito científico deve ter o desejo de saber para
recomeçar a questionar, formando assim o ciclo do conhecimento-aprendizagem
científica (BACHELARD, 1996).

Revitalizar o espírito criativo, seja na ciência e na não ciência97, urge que se instale a
transcendência na contemporaneidade, porque só um espírito revitalizado conseguirá
soltar as amarras para sair em liberdade de escolhas, decisões e posições. Eis a
formação de um espírito científico! Entretanto, promover a visão não clássica, uma
tarefa desafiadora e muito difícil pela sua complexidade, demanda postura ética e
estética. Nesse contexto, o maior desafio é desencadear e promover a formação do
espírito na contemporaneidade.

Vale retomar o que já foi apontado nesta tese, na ponderação de Bachelard (2000,
p. 1 7): “Todo o pensamento científico deve mudar ante uma experiência nova. Bem
entendido, o não cartesiano da epistemologia contemporânea não poderia fazer-nos
ignorar a importância do pensamento cartesiano”. Mas importa também retomar o
novo espírito científico que necessita de se compreender a desordem e as
superações como libertadoras rumo a transformação e re-formação (SATO, 2011).
97
Considerando, por exemplo, a educação escolar e não escolar- educação popular.
167

Para a aprendizagem-formação do ‘novo-outro’ espírito científico, essa pedagogia


pode, melhor dizendo, deve ser no sentido da complementariedade dos pensamentos
diurno-noturno, um pensamento racional, crítico e atento, mas complementarmente,
um pensamento noturno sensível e sonhador. Para se manter em estado sensível-
criante, é necessário que o sonho e a imaginação pululem, pois mantém acordado o
espírito científico, o tecelão da ciência, mantendo o chama num continuum do
criativo. Assim considerando, sonhar/devanear e problematizar/questionar/refletir
instauram juntos o crescimento espiritual da ciência.

Uma imaginação criadora, inauguradora da poética artística na tessitura de uma


estética científica pode contribuir sobremaneira para o nascimento de um/uma tecelã
do tardio novo-outro revitalizado espírito científico, reinventando um espírito
singular, sensível e criativo, refortalecido pela arte educação ambiental também em
territórios científicos.

Um pesquisador que carrega na mochila o espírito sensível, o espírito crítico e o


espírito criativo-artístico, não leva mapas, mas os desenha com as próprias mãos 98,
pois se coloca atento, acordado a escuta fenomenológica dos caminhos e trilhas, das
paisagens, dos encontros e desencontros, desenhando todo o trajeto percorrido
enquanto caminha sem abandonar a imaginação poética a qual enriquece o espírito
científico, a pesquisa, a ciência.

Nesse caminho é preciso ter a coragem revolucionária, é preciso ter a força vital de
um artesão forjador de matérias brutas, densas, difíceis e complexas. É preciso ter
um espírito de um mestre canoeiro que forje a madeira do tronco de um Cambará, é
preciso ter a labuta artesanal intelectual de um espírito cientista-sensível-criativo, é
preciso um trabalho laborioso para fundar uma ciência-sensível-criativa. Portanto, a
escolha por revitalizar o espírito científico na contemporaneidade, não é uma escolha
fácil!

Trouxe todo este tecido a fim de procurar um entendimento deste percurso sensível,
crítico e criador em que tanto revelo grito e o imprimo na existência, em cada ação e
espaço por onde circulo. Essa prática criativa tão minha, que trago para dentro do

98
Assim como os artistas que compunham as expedições exploradoras.
168

campo científico, só poderia desembocar na aposta de um mergulho no pensamento


noturno-diurno bachelardiano. E, para tal, é preciso como ele mesmo ensina despir-
se do já estabelecido, das certezas-verdades cristalizadas, sem ficar preso nas
amarras solitárias da objetividade.

O fato é que, por vezes, nos fechamos e nos acomodamos sem sentir em nossos
trajetos de vida cotidiana e científicos, um mundo que já se encontra dominado,
conhecido. Mas, também é fato que, ao percorrer o caminho artístico e científico,
sempre se enriquece, pois se modifica ao caminhar, isso tanto para o pesquisador
que caminha, como para o leitor estudioso da pesquisa que percorre o caminho
realizado, mas que também é um caminhante pelas/das aprendizagens-reflexões
ofertadas pela leitura-estudo das pesquisas e das vidas cotidianas estudadas.
Inserido neste mesmo contexto encontra-se o campo educacional dentro e fora do
âmbito escolar.

A imaginação é nascida da emoção, de uma força dinâmica, viva que acorda “belas
adormecidas” das razões cristalizadas, e mantém o ser em alerta. Com residência
fixa no território do devaneio, a imaginação permite projetar entre o que é o que não
é, mas que poderia ser. Gaston Bachelard, com suas ideias diurnas-noturnas,
autoriza a ligação entre as culturas até então consideradas em separadas, científica-
Razão e a humanista-Poética-Emoção/Sensibilidade.

Com essa ligação, é possível trilhar pelo território da pesquisa sem fissuras entre
Razão e Poética-sensibilidade, entre texto-imagem e texto-escrito, entre Ciência e
Arte. Segundo esse estudioso da Fenomenologia da Imagem, a imagem tanto pode
ser de forma escrita, no caso bachelardiano, literária, como pode ser fotográfica,
pictórica, escultórica, ou seja, artística, uma vez que construções mentais compõem
as compreensões que se revelam por meio de diferentes linguagens e comunicam.

A proposição imaginária bachelardiana nada mais é do que uma tradução de


emoções, considerando que estas, são sensações experimentadas em contato com a
matéria e, por isso, se apresentam como força propulsora a que o intelectual chama
de imaginação poética, valor da imagem.
169

Imaginação é uma capacidade humana de representar, dar contorno ao imaginado.


Como produto da imaginação, a imagem é uma representação que evoca por
semelhança, por relação simbólica. Segundo Bachelard (1993, p. 4): “A imagem no
sentido poético é um acontecimento da razão sensível, por este motivo, a imagem é
a expressão criando o ser”. Para Quadros (2004, p. 19):

As culturas, em todos os tempos, se apoiaram na imagem, no papel


falante que ela desempenha, e na Pós-modernidade, elas ganharam
revalorização. Na atualidade podemos explicar e entender através
dos símbolos. A imagem é uma figura simbólica que pode ser
identificada, numa espécie de idioma universal. Portanto, as imagens
podem ser tomadas como pequenos Deuses, que promovem a
fantasmatização: a relação mágica do símbolo com o seu leitor.

Vivemos numa era de imagens falantes, império total da visualidade, a imagem


presente dentro e fora das pessoas. A produção e a reprodução de imagem tecem
sutilmente o acervo simbólico e imaginário na prática cotidiana. Nesse bojo
imagético, residência de forças imaginárias, figuram imagens artísticas materializadas
por diferentes materiais e formas diversas que ecoam sobre variadas questões,
inclusive sobre injustiças socioambientais.

Na Fenomenologia da Imagem, com base em Bachelard, se encontra eco para tornar


a poesia e a ciência complementares, entrelaçando-as como dois contrários perfeitos
(SATO, 2009). Alerta Sato (2009, p. 17) que, “Se a racionalidade for mesmo
inteligente, ao invés de afastar a subjetividade, irá acolher a diferença,
potencializando o diálogo entre elas. Por certo será um diálogo tensivo, e oxalá
fenomenologicamente inacabado [...]”.

Bachelard, considerado um precursor da teoria do conhecimento científico


contemporâneo, tem como marco as obras nos dois vieses, o científico-diurno e a
poética-noturno. Tentando seguir essas ideias bachelardianas, compreendo que o
pensamento da Ciência Pós-moderna deve seguir sempre rumo ao encontro da
filosofia da ciência mantendo intimidade com a ciência, mas com estética científica.
Ou seja, uma filosofia da ciência que mantém o desejo e realiza o entrelaço entre
epistemologia e ontologia.
170

Historicamente, o conhecimento foi fragmentado em o saber fazer, a prática, o


trabalho manual dos Mestres artesãos e escravos de um lado e do outro o saber
pensar, reflexões dos pensadores, dos filósofos. Essa divisão estabelecida entre
`fazer´ e `pensar´ que, nos dias atuais, ainda persiste, deve ser desassentada de
uma espécie de obstáculo de um saber acomodado, cristalizado. Aprendi com
Bachelard que pensar cientificamente é posicionar-se entre a teoria e a prática,
matéria epistemológica e do fazer criativo.

Para Bachelard, a ciência é uma caminhada que deve manter foco na crítica,
desassossegando constantemente o próprio conhecimento científico. Esse estudioso
revela que esse tipo de conhecimento é fruto de um conhecimento outro, cuja
origem reside no conhecimento humano. Trata-se de um trajeto de aprofundamento
do ser, compreendido como parte de uma jornada investigativa no sentido
compreensivo para as transformações das pessoas comuns, das áreas científicas que
como consequência toca no social.

Todo o conhecimento deve fugir dos dogmas, das certezas absolutas, pois só assim
um novo espírito científico pode renascer. Para que isso corra, necessita-se de uma
formação ótica de que só a desordem e as superações libertam rumo à
transformação e re-formação (SATO, 2011). Bachelard (1996, p. 7-9) provoca
quando afirma e indaga: “A primeira representação, fundada num realismo ingênuo,
são vínculos essenciais, mais profundos do que se costuma encontrar nas
representações geométricas”.

Esse estudioso, em uma de suas obras diurnas (1996, p. 13), considera que a “tarefa
de um filósofo científico é tornar claramente consciente e ativo o prazer da
estimulação espiritual na descoberta da verdade. O amor, de acordo com a ciência,
deve ser um dinamismo psíquico autógeno, gerado por si mesmo. A ciência é a
estética da inteligência”, e a arte [não uma obra de arte, mas a arte no sentido de
um trabalho artístico], nascida no território temporal-espacial de pesquisa, pode ser
parte da estética científica, assim como a ciência, segundo Bachelard, é estética da
inteligência.
171

Na obra A Água e sonhos, Bachelard (1997) propõe um bom exemplo para a reflexão
sobre esta questão, e provoca trazendo que o caráter utilidade de navegar´ não é
suficientemente claro, para determinar o ato de entalhar a canoa. Segundo ideias
desse estudioso, são necessários interesses ‘verdadeiros’, “interesses sonhados”,
“interesses fabulosos”, em contraposição aos “interesses calculados”.

As ideias bachelardianas apontam para uma conquista do acolhimento do supérfluo,


por ofertar uma ‘excitação espiritual’ maior do que a excitação da conquista do
necessário, pois o ser humano, para Bachelard, é um ser da criação e não obstante
só do necessário. Por meio desse raciocínio, o filósofo desvela que não são
‘necessidades’ culturalmente vividas que determinam o avanço científico, mas o
“impulso do devaneio” que é pura “expressão de um desejo”.

Para o novo espírito científico, a pedagogia deve ser um caminho aprendiz-


transformador que ajude na complementariedade do espírito do pensamento noturno
pelo espírito do pensamento diurno, um pensamento racional, crítico e atento, e vice
versa, em substituição ao espírito do pensamento diurno pelo espírito do
pensamento noturno, um pensamento mais sensível e sonhador, que, para Freire,
seria manter a problematização. Japiassu (1976, p. 47) aponta palavras ressoadas
de Bachelard (1957): “Conheci a boa consciência, no trabalho alternado das imagens
e dos conceitos, duas boas consciências, que seriam a do pleno dia e a que aceita o
lado noturno da alma”. Creio na complementariedade entre os espíritos dos
pensamentos diurnos e noturnos!

Crescer, progredir, evoluir, transformar no campo do conhecimento é uma ação que


solicita estado de criação para se produzir, pois isso não acontece na ambiência
conservativa das coisas, só em ambiências pululentas. Essa busca pelo não
acomodamento compreende manter-se incomodado, porque o diurno bachelardiano,
é um saber problematizar freiriano, ou seja, por problema se entende ver além do
colocado diante dos olhos, da compreensão primeira. Dialetizar, na ideia
bachelardiana, é ou deve ser um importante item para o pesquisador levar na
mochila sempre, estabelecendo um questionar contínuo – ideia e contra-ideia, uma
ideia provocando outras ideias, questionando a validade, limites, contornos de cada
172

uma das ideias desenhadas pelo empreendimento científico. Esse filósofo inspira a
reformulação constante, permanentemente e continua em qualquer setor humano.

Mantendo atenção ao sentido do problema é que se bordará, continuamente, o


espírito científico. Se o conhecimento é uma espécie de resposta dada a uma
questão, então, se mantido o espírito científico e se problematizado
permanentemente, continuará a ciência a produzir conhecimento. Caso contrário, é
cessado o movimento criador no âmbito científico, pois não haverá mais
conhecimentos, só conhecimentos de outrora. Para se manter em estado criante, é
necessário que o sonho e a imaginação pululem, pois eles acordam o espírito
científico, o tecelão da ciência, mantendo acordado o continuum criativo da vida.
Assim, sonhar/devanear e problematizar/questionar instauram, juntos, o crescimento
espiritual da ciência.

As obras bachelardianas que tratam do espírito científico ofertam boa dose de


contribuição, para que se compreenda o desenho da ciência contemporânea, pois
sua proposição é a de romper com o pensamento cartesiano, desde que se esteja
aberto ao pensamento não clássico. Promover essa visão não clássica não é, de
muito longe, uma tarefa fácil, porque requer tanto uma postura quanto uma
percepção de mundo e uma formação. Isso solicita do aprendiz, que, no caso, é
pesquisador e educador, tempo, espaço e desejo de e para a aprendizagem, ou seja,
é um processo que não se aprende num estalar de dedos nem a força.

Na apresentação da obra Estudos, Canguilhem (2008, p.10) aborda sobre Bachelard,


em particular sobre as que tratam do espírito científico:

Gaston Bachelard surge duplo e completo. Sua vida de filósofo vai


realizar um labor unido por duas temporalidades distintas: o tempo
acelerado da impaciência epistemológica, aflita com ideias de ficar
defasada da renovação dialética do saber, e o tempo preguiçoso do
sonho, “não atormentado por censuras”. Era preciso inventar em
filosofia o dualismo sem excomunhão mútua entre o real e o
imaginário. Gaston Bachelard é o autor dessa invenção, pela aplicação
ousada de um novo princípio de complementariedade. Os Estudos
[1031-1934] são testemunhos e os primeiros frutos desta invenção.

Segundo palavras de Bachelard na obra Estudos(2008, capa traseira do livro) “ver


para compreender é o ideal dessa estranha pedagogia”. Segue o filósofo apontando
173

( 008, p. 13 e 14) que “A reflexão é que vai dar sentido ao fenômeno inicial,
sugerindo uma sequencia orgânica de pesquisa, uma perspectiva racional de
experiências. O conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusão. Por isto
só podemos ver na descrição, mesmo minuciosa, de um mundo imediato uma
fenomenologia do trabalho no sentido em que se falava hipótese de trabalho”.

Trabalhos em educação que vislumbram a “reinvenção educativa”, nas ideias


satianas, podem tomar o pensamento bachelardiano, pois esse filósofo da imagem
considera que o centro da cena é a realidade social, bojo da vida humana, a qual
contribui significativamente para que se compreenda melhor o dialogar no sentido
crítico-criativo e, assim, se promove um dialogar entre ciência e Arte, na expectativa
de alcançar e/ou aproximar posições que se revelam críticas e criativas. Se
considerado assim, poderemos chegar ao ‘grito acordador’ bachelardiano que
transcende o vivido-presente, a realidade social e ruma a outro jeito de se relacionar
com a vida, então, ciência e arte, áreas de conhecimento humano em busca de um
melhor dizer científico para um melhor viver.

A reinvenção educativa não é reprodutora, ainda que mantenha diálogos com um


patrimônio investigativo já consolidado. Mas é na transcendência do quadro dado
que incide a criação e instaura a reinvenção pedagógica, aberta às miríades de
possibilidades não tão somente epistemológicas, mas também à imaginação onírica
da recriação. Nenhuma pesquisa é igual à outra, ainda que seja o mesmo objeto,
pois a materialização imagética exigirá os caminhos próprios da construção, dos
detalhes, das leituras e dos sonhos, da materialização.

E tudo isso escapará, num estilhaço fugidio de quem ainda interpretará a imagem de
acordo com suas próprias vivências, leituras, sonhos, aprendizagens, memória,
sentimentos, percepção. Fenomenologicamente, a educação ambiental é sempre
inacabada. Dos respingos da tinta na soma da quantidade de água, a coloração se
altera fazendo surgir tonalidades diversas, as luzes e as sombras. Da pureza da cor
primária ou do matiz da mistura, a obra ainda dependerá do olhar de quem a
enxergará, ou até daqueles que insensíveis a outras linguagens não textuais, se
manterão indiferentes à imagem, ignorando-a por completo.
174

Por isso cada pesquisa é uma reinvenção, de quem colore o mundo, escolhe o preto
das pedras vulcânicas, ou ainda guarda o branco daquilo que não se revela que
permanece no silêncio da inspiração criadora como uma obra do inefável, pura e
simplesmente encantada.

Há pesquisas, há saberes, há conhecimentos, há filosofias, tudo no plural! Existe o


saber popular, mas há entre outros, o científico. Por essa razão talvez, é que a
filosofia também não seja única, como alerta Chauí (2010, p. 8) “Não há apenas uma
filosofia, uma forma de pensamento, há filosofias, um caleidoscópio de cores
filosóficas muito diferentes e intensas. Pensar é o mesmo que refletir, filosofia”.

Instaurado o desejo de saber, inaugura-se o ‘pensar sobre’. Chauí ( 010, p. 7)


aponta “a prática do pensar”, uma atividade mental como “algo que nasce do corpo
e muito prazeroso!” Segundo ela, pensar é uma “viagem pelas reflexões”, “é o ser
humano inteiro que reflete e tem o prazer do pensamento”. Logo, indagar é o ponto
do aparecimento da filosofia, do pensar, da viagem reflexiva, do questionar o viver, a
vida da forma como está, para então problematizar. Problematizando, se estabelece
um estado compreensivo de como as coisas são e estão, e assim, nessa trilha,
acredito ser possível chegar às escolhas, ao empoderamento, posição contrária da
aceitação.

A filósofa Chauí ( 010, p. 19) anuncia que “A filosofia se interessa pelo instante em
que o mundo das coisas e o mundo dos humanos revelam questões problemáticas,
estranhas, incompreensíveis e enigmáticas, sobre os quais as opiniões disponíveis já
não podem satisfazer. Então, pode-se dizer que a filosofia, de um modo geral, está
voltada para os momentos de crise, crise no pensamento, na linguagem e na ação,
momento críticos manifestos”.

Segundo Chauí ( 010, p. 17 e 18) “dizer não é atitude crítica”. Dizer não às certezas
cotidianas, as crenças e aos preconceitos do dia a dia para que possa ser avaliada de
maneira sensível, racional, critica e criativamente. O tecido compreensivo aqui é
entender como provocar e manter um sentido de alerta, um sentido crítico, sem ter
que dispensar a sensibilidade, para se chegar às transformações necessárias, tanto
175

no solo da vida cotidiana no viés da sustentabilidade e justiça ambiental, como no


solo de um texto científico entrelaçado com um texto artístico.

O caminho artístico, tanto do fazer quanto do apreciar, um trilheiro de expressão e


comunicação, pode revelar esse prisma enriquecedor e necessário para o ser
humano nos tempos atuais. Seja essa talvez a oportunidade de entrelaçar
sensibilidade, criticidade e criatividade, para se desenhar um ser humano 24h, diurno
e noturno ao mesmo tempo, no mesmo espaço. Sob essa ótica, se está considerando
que esta questão tanto importa para a pessoa sem vínculo direto com a ciência,
como para o pesquisador científico. Eis o ponto de encontro entre ciência e arte,
reinventando a visibilidade da IMAGINAÇÃO CRIADORA (Imagem: 44).

Imagem 44: Esquema “Caminho compreensivo”. Composição: Imara Quadros.

IMAGINAÇÃO CRIADORA, lugar da poética e então da arte, na tessitura de uma


estética também científica, que clama por um tardio novo-outro revitalizado espírito
científico, um espírito agora, sensível e criativo, refortalecido pela arte educação
ambiental também em territórios científicos (Imagem: 45). Tem-se o inaugurador de
novas formas de olhar e novas maneiras de considerar os velhos valores que
precisam ser reinventados! A ciência abre fissuras, brechas, passagens sensíveis e
criativas para que a esperança possa encontrar passagens possíveis e se tornar, em
breve, uma realidade melhor para todos os seres do planeta, de forma sustentável e
justa, fazendo do amanhã, um mundo muito melhor do que o de hoje. Somente
176

assim será possível realizar e manter dinâmico e sucessivamente o ciclo


transformativo do pensar e agir no mundo, na vida.

Imagem 45: Fotografia “Ciência e Arte em mim habitando”. Foto da Imara: Dóris Ilena. Foto da borboleta
Morfo, João Quadros Ramos. Foto da flor do Cambará, Fernndez (2010, p. 3). Arte digital: Imara Quadros.

Tudo o que não invento é falso.

(MANOEL DE BARROS, 2010, p. 2)


177

Uma pesquisa é um labirinto, que ao buscar conhecimentos, reconstrói a condição humana em

querer mudar a vida, reinventando a paixão! Inicia [ada] a trajetória na ressonância ontológica de

um mundo singular, abre as arestas, lança-se nos mistérios subterrâneos, ganha corpo, asas

[para] reiniciar um novo ciclo pela repercussão do devir. Estudando... Estudando... Estudando!

Uma pesquisa em Educação Ambiental é ter liberdade para melhorar nossa condição humana

para imaginar e construir um mundo (SATO, 2011, p. 1 e 6).


178

4 ARTESANIA TEÓRICO METODOLÓGICA

Abordar um campo investigativo exige uma enorme


responsabilidade e grau de compromisso para além de nós mesmos.
Representa uma viagem científica de aprendizagens singulares e
infinitas, e que talvez jamais consigamos responder velhas e novas
perguntas sobre o universo que habitamos – ou de um multiverso em
plena descoberta! (SATO, 2011, p.4).

4.1 Mapa da viagem

Tateando no mundo, as educadoras e os educadores ambientais


emergem de suas loucuras e se comunicam superando a fatalidade –
são foragidos, mas são poetas [poetas da imagem] que se situam no
mundo. (SATO E PASSOS, 2006, p. 27).

Inicio dialogando com Sato (2011), pois é ela com sua proposição cartográfica que
me conduziu e ainda está a conduzir cada passo meu, neste multimundo da
pesquisa [teórico-prática/científico-poético e etc.].

A Cartografia do Imaginário (SATO, 2011) tem sido uma das bases para esta
pesquisa, que, segundo a própria autora (2011, p.1), “não é um receituário ou
heurística, é só um texto que retrata um fazer e pensar pesquisa em Educação
Ambiental. Que surgiu para com o intuito de ajudar os participantes do GPEA”.
Ainda adverte Sato ( 011, p. 1) que “não se trata de uma metodologia, muito
menos uma orientação fechada e imutável em sua proposição. É uma provocação
para que os pesquisadores reinventem a palavra, iniciando nesta orientação
pontilhada para novas invenções”. Por esta propositura apresentada, confirmo a
cartografia satiana como meu mapa companheiro neste trajetar investigatório,
sempre à mão para ser aberto e reaberto quantas vezes desejar e necessitar.
179

Na Cartografia, Sato revela, metaforicamente, os quatro elementos bachelardianos,


água, terra, fogo e ar como “substrato fenomenológico da investigação”, postos
pela autora, na mesma ideia considerada pelo filósofo das imagens poéticas
Bachelard (1988) como processo de aprendizagem: formação, deformação,
transformação e reformação. Aponta Sato ( 011, p. 5) que “uma viagem que me
tire os preconceitos prévios dos obstáculos epistemológicos”, ‘deformação’ e me
coloque diante da ‘formação’ e conduza à ‘transformação’ “de conhecimentos
mecânicos misturados com os intuitivos, para chegar num destino e recomeçar a
sonhar e planejar a nova viagem”.

A fenomenologia que uso neste solo investigativo se revela encravada no território


da Pós-modernidade. É preciso, a meu ver, afirmar este solo, pois como Sato e
Santos ( 003, p. 55) compreendem “as pesquisas qualitativas ainda enfrentam
um forte aparato positivista das tradições das ciências naturais”. Ancorada neste
solo, defino que não tenho interesse em quantificar nem mensurar a utilidade do
alcançado.

Desejo pontuar, neste trajetar, o que Sato e Passos (2006, p. 17) já pronunciaram
“insistimos na ambiguidade, na precariedade, na criatividade, na arte, na paixão e
na busca solidária em favor da ecologia, separando-nos afirmativamente”, da
modernidade não no sentido de evidenciar a dicotomia, mas de uma desconstrução
epistemológica. Segundo o que já afirmaram Sato e Passos (2006, p. 26):

A fenomenologia reside na dança dos contrários. Pois, segundo os


mesmos autores na mesma página, são os outros que me
constituem, que me julgam, que me interditam a possibilidade de
minha constituição começar num solitário ato auto produtivo de
suficiência. Toda a consciência emerge e se apreende a si própria
porque negada. O limite do meu ser é para mim delineado [melhor
delineado] pelo outro como não-eu. A negação do outro me conduz a
um campo perceptivo de identidade própria.

E na mesma página apontada anteriormente os estudiosos lançam o caminho


(SATO E PASSOS, 2006, p. 26):

Do não-eu da negação – momento inicial da dialética [...], há uma


grande ponte a ser construída não apenas pelo conhecimento, mas
pelo re-conhecimento. Re-conhecer implica conhecer o que há no
outro de mim e o que há de mim no outro. E, saber que, para além
180

da diferença, há entre nós também continuidades, campos de


referência mútua, de alianças e de similitudes que nos circunscrevem
como semelhantes. Conhecer e reconhecer é o campo da ética.

Parto do pressuposto de que pesquisar é um indagar constante, uma inquietação


que deve conduzir rumo ao conhecimento sempre novo-outro, entrelaçando de
forma elaborada e cuidadosa os argumentos (SATO e SANTOS, 2003). Comungo a
mesma interpretação dada por Sato e Santos (IBID, p. 55) em “A pesquisa inclui a
revelação, a tradição, a lógica, a intuição, a observação, a ética e a paixão. No
campo da Educação Ambiental, deve haver o compromisso com o pacto social”.

Ao trilhar pela aventura científica, uma trilha de aprendizagens múltiplas, perguntas


primeiras brotaram no silêncio da caminhada: como poderia se constituir o desenho
de uma relação tão densa e delicada entre produzir conhecimento científico, aliado
a uma teoria do conhecimento desenhadora de epistemologia, seguindo um
caminho e realizando a caminhada para se chegar lá? Creio ser enriquecedor
esboçar esta tessitura relacional entre estes eixos, lembrando que este esboço
importou para o meu processo como pesquisadora.

Os tecelões desta pequena jornada compreensiva foram Morin (2007) e Sato


(2011), entre outros. Nesse caminho reflexivo empreendido, importou o entrelaço
dos eixos em questão na ideia de tessitura para um conhecimento científico, que
deve estar envolto por uma moldura para que se siga caminhando rumo ao
almejado.

Segundo Morin (2007, p. 335 e 337), quando um conhecimento é desvelado, revela


concomitantemente ignorâncias e interrogações. Indica o estudioso da
complexidade que um conhecimento não pode dispensar uma teoria, pois ele em si
não é teoria, mas é uma teoria que o valida. Para esse estudioso, o conhecimento
não é acumulação de dados, de informações, mas uma possibilidade organizativa
destes. Portanto, se deve considerar o conhecimento como uma possibilidade
compositiva de informações que desvelará o caminho, os componentes levados
pelo viajante na mochila, bem como o solo deste trilhar (SATO, 2011). Se ofertada
esta tessitura organizativa, será revelada, entre outros, a teoria que validará o
bordado pretendido.
181

Uma teoria pensada no sentido da complexidade, ou seja, não clássica mas Pós-
moderna só pode se dá na ambiência da complexidade, na pulsante recriação
intelectual. Toda a teoria revela um papel cognitivo quando acionada pela atividade
mental de uma pessoa, que é o pesquisador, o viajante científico. Segundo Morin
(2007, p. 335 e 336), teoria não é ponto de chegada, nem solução de nada, mas é
a possibilidade de um ponto de partida, de um caminho para se tecer o trato de
um problema percebido cientificamente. Assim, toda essa ação ofertará vida ao
método. Dessa forma, pode-se considerar que a teoria é uma espécie de ‘carteira’
validadora da caminhada do pesquisador, permitindo que ele atravesse cada portal
do trajeto, que teça sentidos e borde ações que façam pulsar o caminho escolhido.

Morin diz que método é uma práxis esculpida por uma teoria. O artesão desse
entalhe é uma pessoa pensante, procurante, conhecente, é o pesquisador, o
viajante científico (SATO, 2011) que talha lasca por lasca o método com suas
qualidades. A arte de um método só se realiza pela composição de um caminho,
pela busca e pela apresentação de proposições. Nessa perspectiva, método é uma
atividade pensante e consciente, é o mapa para a pilotagem [em contraposição à
perspectiva clássica de verificação, passividade e aceitação dos postulados].
Método é uma atividade pensante e consciente, é o mapa para a pilotagem [em
contraposição à perspectiva clássica de verificação, passividade e aceitação dos
postulados]. O método, assim considerado, se coloca como um reorganizador
constante da teoria [ciclo vital] como compreende Morin (2007). Segundo Sato (2011, p.
12 e 13):

O entendimento sobre o que significa método e o que seja


metodologiaé dúbio na arena das interpretações científicas. A
metodologia abrange o método, desde que considerando as etapas
investigativas, busca compreendê-las à luz de conceitos, teorias e
tendências. A metodologia privilegiada toma dimensões de princípios
teóricos da pesquisa, como é o caso da fenomenologia. Em outras
palavras, a metodologia vai direcionar o caminhar tanto na parte
teórica, quanto na prática. O maior engano é acreditar que os
caminhos da pesquisa podem ser feitos sem teorias. Na academia, há
a veemente necessidade de aliar prática e teoria! Compreender o
tecido conceitual da essência metodológica fortalece a ‘imagem’ de
uma viagem científica.
182

Assim considerando, via pensamento moriniano e satiano, se chega ao ponto inicial


desta trajetória andarilha, o entrelaçamento de teoria e prática, para tecer
conhecimento científico. A metodologia elencada será bordada pela atividade
científica de um pesquisador científico que, no meu caso, carrega na mochila o
espírito sensível, crítico e criativo sempre tentando entrelaçar o artístico e o
científico, às 24h sugerida pela epistemologia e pedagogia bachelardiana. Assim, a
arte desta pesquisa [conhecimento] só se dará mediante a composição do caminho e
da caminhada, que resulta de uma atividade pensante e consciente, sem o abandono
da sensibilidade, da poética e da criatividade, como bem lançou o pensamento
bachelardiano (MORIN, 2007, p. 335, 337 e 339).

Uma pesquisa segundo Sato (2011, p.2), reside em “conjugar o verbo pensar no
eterno gerúndio, como se fosse um movimento que não se acaba, e por ser algo em
plena construção”, aqui - agora. Ela ainda afirma na mesma página que é por esta
razão acima apontada, que “é possível fugir da rigidez do método científico da
Modernidade, abrindo miríades de possibilidades. Cabendo a cada qual, pesquisa-
pesquisador, adaptar tudo ao seu contexto particular, acomodando conceitos,
mudando títulos, ou revendo pontes para novas ligações”.

4.2 Solo da viagem

Para dentro do muro escolar, afirma Brandão, está o mundo da


escola, enquanto que para fora está todo o mundo.
(BRANDÃO, 2002).

Com a hipótese de que os ecossistemas celebram vida ‘também’ às comunidades


tradicionais, quando as presenteiam com matéria para o desenho do viver cotidiano,
esta proposição investigatória se abre aos caminhos potencializadores da ação
dialógica entre natureza-cultura, ecossistema-arte, local-global, na trama ‘arte-
ambiente-educação’ no sentido de encontrar pontos favorecedores da/para
sustentabilidade no viés da Justiça socioambiental. Dessa forma, esta caminhada
investigatória se empenhou na composição das ‘ligações ecossistêmicas com o bem
estar humano(Imagem:46), tecendo serviços ecossistêmicos culturais pelo viés
artístico popular pantaneiro’ – o fazer da canoa de São Pedro de Joselândia.
183

Imagem 46: Esquema cartográfico das ligações ecossistêmicas 2. Fotos, João Quadros Ramos. Concepção,
Imara Quadros e Michèle Sato

A Avaliação Ecossistêmica do Milênio – AEM incita que se retome o desenho das


relações natureza cultura, como um grito convocativo da/para humanidade e,
aorevisitar essas relações, reexamina-as para reinaugurar um novo-outro desenho
relacional. No processo avaliativo destas relações99, se propõe um olhar cuidadoso
aos quatro tipos de serviços ecossistêmicos interligados, serviços compreendidos
como “presentes da natureza para o bem estar humano”. São eles: Suporte,
Provisão, Regulação e Cultural.

Esses serviços mantêm uma relação íntima e dinâmica entre si, constituindo, no
movimento, a unidade pulsante e complexa da vida neste planeta. O documento

Kofi Annan [SECRETÁRIO GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS] lançou em junho de 2001 e finalizou em
99

março de 2005 [AEM], que fornece informações científicas à Convenção sobre Diversidade Biológica,
Convenção sobre Combate à Desertificação, Convenção de RAMSAR sobre Zonas Úmidas e à
Convenção sobre Espécies Migratórias, assim como a múltiplos usuários no setor privado e na
sociedade civil.
184

avaliador não ignora os impactos atuais, e os que ainda se agravarão se nada for
feito pelo grupo humano. É deste quadro dado pela AEM que a gênese de um novo-
outro desenho se pronuncia urgente, o de se buscar mudanças políticas de toda
ordem, inclusive pessoais. Nesse contexto, a Arte Educação Ambiental, via Educação
Ambiental, pode trazer boas e interessantes contribuições.

Nesse quadro provocativo do documento AEM, só nos restou sentir-nos provocados,


e assim não ignorar o quadro socioambiental tecido - natureza-cultura/ecossistema-
arte/local-global, mas inaugurar caminhos no sentido de tentar reinventar rumos.
Esse trajeto, não é e nem foi fácil tampouco rápido, menos ainda apresentou
receituários, ou mapas a serem seguidos para se chegar lá.

É por esta razão que, nesse caminho buscador, foi preciso mais do que
seguir/buscar, foi preciso um espírito de ferreiro que forjasse o ferro; foi preciso um
espírito de mestre marceneiro que forjasse a madeira; foi preciso labuta artesanal
intelectual de um espírito cientista-sensível-criativo; e foi preciso um artesão que
forjasse o trabalho laborioso da ciência-sensível-criativa, a caminho de um mundo
melhor do que o que está posto.

O lugar escolhido para desenhar o trabalho investigativo encontra-se encravado na


Planície Pantaneira, considerada como uma das maiores áreas alagadas de água
doce de forma contínua do Planeta100.Nas molduras desse imenso mosaico úmido
cambiante, se lançou o olhar para esta pesquisa, especificamente para o Complexo
Comunitário de Joselândia, Pantanal de Barão de Melgaço, distrito do município
pantaneiro de Barão de Melgaço, em Mato Grosso – Brasil, no coração da América do
Sul. Os participantes desta tessitura, parceiros de algumas etapas da caminhada
investigatória, foram os fazedores de objetos artesanais tradicionais/arte popular, os
mestres do fazer canoas desse lugar.

Foi nesse lugar e com sua gente que pude propor um artesanato intelectual,
constituído pela artesania tecida pela pesquisadora no seu ofício sensível-intelectual-
investigativo (MILLS, 2009). Compreende Mills (2009) que essa posição desenhada
acima difere de uma posição de um cientista “duro, que só ‘reproduz dados’”. Trata-

100
Acesso disponível: http://www.ramsar.org/cda/en/ramsar-home/main/ramsar/1_4000_0__ .
185

se de uma instância criadora, segundo o fenomenólogo, porque “contrapõe ao


trabalho científico que só testa hipóteses construídas a partir de leis gerais e
aplicadas através de métodos controláveis”.

Nesse sentido, foi necessário que eu, a caminhante artesã, deixasse aflorado meu
espírito criador, mantendo-o sensível, crítico, criativo e atento para iniciar e continuar
a caminhada na busca pretendida. Foi preciso mantê-lo crítico e acordado para não
só examinar o caminho com atenção, mas para não me deixar seduzir pelo feitiço de
uma apreciação vazia, de postulados travestidos de verdades cabíveis, os tais
obstáculos epistemológicos bachelardianos. O meu espírito criador foi primordial para
não perder de vista a capacidade de imaginar e projetar desenhos outros, a partir do
revelado.

Como afirma Teixeira (1999, p. 13 e 14), “mostrar a importância da imaginação


criadora para a existência humana, como os perigos de um imaginário manipulador,
constituído de imagens desprovidas de qualquer potencial criador”. E, para isso, é
fundamental manter vivo o espírito criativo ao caminhar, pois só com ele em
prontidão é que se tem a coragem revolucionária de um artesão forjador de matérias
brutas, densas, difíceis e complexas.

Na compreensão do sentir em casa - casa natal como primeiro mundo, ganhamos a


permissão para devanear, sonhar e retornar a nós mesmos. Pode-se
compreenderessa casa como a minha, a de um indivíduo, mas pode ser a nossa, de
um grupo, de uma comunidade toda, até o planeta.

Para Passos (2013), o espaço não está somente fora de nós. Vejamos como o
estudioso considera: “Nessa noite prosseguimos em nossa escalada de compreensão
do que seja a territorialidade, e nela o conceito de espaço, e espaços simbólicos. O
espaço não é uma dimensão exterior a nós, mas uma das dimensões pelas quais nos
a-presentamos ao mundo, diria Melreau-Ponty. Não é uma exterioridade...”101.

101
PASSOS, Luiz Augusto. Território e Espaço, e espaço simbólico. O espaço simbólico e a
transcendência. (13 de Março de 2013). Acesso disponível:
http://luizaugustopassos.com.br/territorio-e-espaco-e-espaco-simbolico/#.UT_x3bCOyts.facebook
(Acesso em: 13/03/2013 - 12H43).
186

Ao trabalhar as matérias transformando-as em objetos necessários à vida cotidiana,


arte popular, o fazedor artesanal re-existe (PORTO-GONÇALVES, 2006), resiste, re-
significa e transcende a si mesmo! Diz Maffesoli (1996, p. 84) que “O sentimento de
vida, a sensação do viver, obriga-nos a focalizar nosso olhar sobre os sentidos
constitutivos da vida humana, e lembrar que, na sua simplicidade, esses são
incontornáveis, e que determinam a matriz de toda a existência social”. Segue
dizendo (IBID, p.85) que “As refeições, as festas, as procissões, são sabiamente, um
modo de dizer o prazer de estar-junto. Na perspectiva de uma teoria da
complexidade, todos os elementos constitutivos, o homem e a sociedade, se
correspondem, interagem uns sobre os outros”.

Este estudioso do imaginário ainda diz (IBID, p.9 ) que “Participa-se junto de uma
experiência comum, comunica-se, põe-se em comum, etc. Assim a experiência não é
vivida por um ego forte e solitário, ela deve ser dita, contada, vista”. Maffesoli (IBDI,
p. 13) diz que “o sentir comum, é um bom [melhor] meio de elaborar nossos olhos,
sentimento partilhado. Uma estética descompartimentada permite compreender
estar-junto desordenado, versátil, inatingível: a sociedade”.

O quadro teórico-metodológico que me ofertou o solo para que eu pudesse trilhar-


destrilhar e retrilhar, de forma sensível e crítica, em busca das respostas
compreensivas e das proposições, foi emoldurado pela fenomenologia da Imagem de
Gaston Bachelard, pela Educação Popular de Paulo Freire e com o entrelaço da
Educação Ambiental de Michèle Sato, enriquecida pela Educação Ambiental da
Martha Tristão e Celso Sanchéz. Como suporte para a pesquisa no território da
Educação Ambiental acolhi a Cartografia do Imaginário proposta por Michèle Sato.
Essas âncoras me permitiram conhecer, compreender e comunicar as tramas
reveladas via imagens escritas, desenhadas e poetizadas [do viver, do lugar, das
compreensões, da minha compreensão...] e também do revelado no campo de
pesquisa, as ligações ecossistêmicas da canoa pantaneira, permitindo a compreensão
dos serviços culturais – Natureza-Cultura/ecossistema-Arte/local-global. E quem me
ofertou o suporte para que essas tramas fossem percebidas na forma de seus
entrelaços foi a Educação Ambiental, justamente por permitir o acolhimento com
187

mesma força e peso às tramas dos diversos saberes, das diversas linguagens, das
diversas maneiras de estabelecer comunicação e da diferença de toda ordem.

Com um arcabouço teórico–metodológico ancorado no método qualitativo-


fenomenológico, esta investigação buscou tecer a compreensão das significações
manifestas e latentes dos atores investigados [fazedores de canoas], possibilitando o
conhecimento dos valores, dos signos, das regras, dos costumes, dos hábitos, dos
comportamentos, dos trabalhos, das atitudes, das decisões, das escolhas, dos
conflitos, dos impactos, das concepções, da arte e das criações deste lugar e desta
gente.

Esta investigação também considerou como uma boa ajuda neste trajeto as ideias de
Bodgan e Biklen (1994), no apoio à compreensão de uma investigação qualitativa no
âmbito da educação. Neste rumo qualitativo de investigação, os caminhos e trilhas
se revelam por um empreendimento desafiador e agradável para o campo
educacional, pois promove um vasculhar de lugares de modo criativo e original, útil
às investigações educacionais (BODGAN; BIKLEN, 1994).

Nesta abordagem [qualitativo-fenomenológica], o pesquisador é considerado um dos


elementos que importam, pois, ao realizar o trabalho de investigação pessoalmente,
estabelece um contato íntimo com a situação em estudo. A esse respeito, Bodgan e
Biklen (1994) apontam o investigador, com o seu trabalho “corpo a corpo” no campo
de pesquisa, como o desencadeador do “contato íntimo”, da proximidade, da
investigação e das descobertas.

A compreensão tecida a partir da base teórica adotada é a de que esse trajeto


investigador pode se posicionar ao caminhar sempre de forma aberta e também, ao
contar com o envolvimento de diferentes modelos qualitativos, permite que sejam
usados vários procedimentos de recolha, além de poder oferecer flexibilidade aos
relatórios. A prática de campo não se compôs em idas solitárias, mas sempre em
grupos. Bodgan e Biklen (1994, p. 108), quando discutem a investigação qualitativa
realizada em equipe, a denominam de “cavaleiro solitário” um não grupo
pesquisador, porque, segundo eles, “o investigador enfrenta, isoladamente, o mundo
empírico, partindo só, para voltar com os resultados”. Essa realidade, porém, não
188

acontece no/com o GPEA/UFMT, pois as idas ao campo são sempre compartilhadas


com outros pesquisadores do grupo, pelo menos no que se refere às minhas idas a
campo.

O GPEA é coordenado pela Profa. Dra. Michèle Sato, certificado pela UFMT e pelo
CNPq. A moldura desse grupo pesquisador se estabelece pela realização de
pesquisas em Educação Ambiental entrelaçando o compromisso político ecologista
[militância] com o processo formativo e com a subjetividade humana. É um grupo
que visa transcender o isolamento do pesquisador, cavaleiro solitário, e reinventar
um Don Quixote na força plural, Dons Quixotes.

Assim, o GPEA, valorizando o dialogar entre os diferentes sujeitos que o compõem,


não almeja uma mera junção de indivíduos pesquisadores, mas sim a construção
coletiva da investigação que reflete os múltiplos olhares ao foco investigativo,
compondo um território epistêmico-metodológico enriquecedor para a ambiência de
pesquisa.

Outra característica dos Educadores ambientais desse grupo pesquisador é a de


manterem uma postura de igualdade perante os sujeitos envolvidos nas pesquisas.
Os participantes-pesquisadores, ao invés de “ensinar" a Educação Ambiental,
ensinam e aprendem conjuntamente, como propõe Paulo Freire. O referido grupo
pesquisador não renuncia à formação e à manutenção de um grupo que,
concomitante, acolhe sentimentos, subjetividade e afetividade ao caminhar pelas
trilhas científicas, não privilegiando somente a racionalidade [um caminho difícil, mas
de totalmente bela aprendizagem].

O pesquisar em Educação Ambiental, pelo viés da Cartografia do Imaginário criada


por Sato (2011), revela que se deve ter responsabilidade e compromisso para além
de nós mesmos, e também desvela uma abertura para que novas e inusitadas trilhas
sejam consideradas. Sato (2011, p. 1 e 4) aponta que pesquisar é um labirinto em
que o pesquisador, ao buscar conhecimentos, reconstrói a condição humana em
querer mudar a vida, reinventando a paixão, ou seja, uma viagem científica de
aprendizagens singulares e infinitas.
189

Fenomenologia é uma corrente filosófica que nasceu e se mantém com intenções da


promoção de abordagens diferenciadas. Trata-se de um caminho metodológico que
se coloca como espaço para o ser-existir, na sua inteireza em relação com o outro e
com o mundo, pois o mundo se doa para que os seres possam se entregar aos
sentidos, e assim, no caminhar, sigam seu trajeto rumo às descobertas. É via
fenomenologia que o ser desbravador pode dizer sobre o mundo desvelado e pode
expressar sua experiência. Dessa forma, é deflagrada outra instância
fenomenológica, a instância da comunicação-expressão, uma intenção de ofertar
audiência do ser que desbravou o território dos fenômenos e que, por certo, tocará
outras almas, no sentido bachelardiano, em diálogo, e em mediação, no sentido
freiriano.

A fenomenologia da imagem de Gaston Bachelard como escolha para um caminhar


reflexivo e metodológico, revela uma ponte que possibilita a ligação entre duas
culturas até então consideradas separadas, a científica, Razão e a humanista,
Poética. Esse estudioso propõe a junção dessas duas partes com igual simetria e
força, pois afirma que uma não exclui a existência da outra, embora muitas vezes se
revelem opostas que ocorre, aponta ainda, é que estas duas forças se encontram no
exato momento da imaginação criadora.

Afirma ainda o filósofo da imagem que, na ciência e na poesia juntas, procura-se um


fio entre o humano e o mundo. Se considerada a fenomenologia com base em
Bachelard, encontra-se eco para tornar a poesia e a ciência complementares,
entrelaçando-as como dois contrários perfeitos. Ao trilhar pelo território da pesquisa,
procura-se não deixar ocorrer suturas entre razão e sensibilidade, entre razão e
poética, entre imagem e escrita, entre saber popular e saber científico, entre Ciência
e Arte. Se a racionalidade for mesmo inteligente, ao invés de afastar a subjetividade
ou mantê-la distante, irá acolher a diferença, potencializando o diálogo entre elas.
Por certo será um diálogo tensivo e oxalá fenomenologicamente inacabado, para que
a humanidade perceba que o discurso [...] instituído necessita de ser reconstruído
sob uma perspectiva mais instituinte (SATO, 2009, p.17).

Bachelard (1993, p. 4 e 8), além de considerar a imagem como resultante da união


da realidade com a subjetividade, a vê como uma dádiva ofertada pela consciência
190

ingênua, sonhadora. Para esse filósofo, a imagem, no sentido poético, é um


acontecimento do logos, uma razão sensível e, por esse motivo, a imagem é a
expressão criando o ser. Nessa perspectiva, o filósofo nos remete à imagem poética
como não limitada a um impulso, como um eco do passado, mas ao contrário,
inscrevendo-se, em sua novidade, atividade e repercussão na ressonância da
imagem com um ser próprio, um dinamismo próprio. Nessa ressonância, a imagem
poética terá uma sonoridade do ser, e o poeta falará no umbral deste ser.

Contudo, há também a repercussão centrífuga que parte dessa existência na busca


do devir (SILVA E SATO, 2011), e se, fenomenologicamente inacabados, as vozes
velam e nem sempre revelam o mistério do mundo. Sempre haverá, certamente,
mistérios que nunca desvendaremos e nem queremos anunciar. Em outras palavras,
nem toda ciência é capaz de descobrir as dinâmicas pulsantes no universo que se
mantém revelada por algum período, mas que ainda esconde seus mistérios.

4.2.1 Trilheiro do cosmo retrato

Partindo do pressuposto de que a pesquisa qualitativo-fenomenológica é ofertadora


de um caminhar aberto, sensível, criativo, permissivo da escolha variada de
procedimentos de recolha de informações sempre somados, facilitando a captação
do desvelado no campo, com o propósito de enriquecimento da tessitura
compreensiva, é que se ruma para mapear a arte do fazer canoa no Pantanal. Para
esse mapeamento, elencaram-se os seguintes procedimentos: i) Observação direta
do processo criativo do fazer canoas; e ii) Entrevista aberta (conversa) por meio de
oficina e encontro, atividades de arte educação ambiental – Cosmo-retrato.

Na proposição cartográfica, a pesquisa via Cosmo-retrato desenhou um percurso


sensível, crítico, criativo – dialógico, que se considerou o sentido de uma expedição,
uma viagem exploratória, uma aventura científica (SATO, 2011) em que o viajante é
o observador que desvela e revela as relações tecidas no viver e, por isso,
retrato/autorretrato. Neste caminhar cartográfico desvelador, considera-se que a arte
educação soma na luta desenhadora de mapas do cotidiano, no sentido revelador de
mundividências das comunidades e grupos socais.
191

O caminho mapeador da arte popular pantaneira deve se dar de maneira aberta e


flexível ao grupo protagonista, sem nenhum modelo pré-estabelecido, mas ao
contrário, deve se travestir e se revestir de forma a estar de prontidão à escuta das
inúmeras vozes, por considerar que cada comunidade oferta uma singularidade. Já a
arte educação ambiental oferece a possibilidade comunicacional, consequentemente,
a audiência as essas vozes, na perspectiva de se criarem as condições do dialogar
dos saberes envolventes de maneira sensível-crítica-criativa tão necessários para um
bom desenho pela e para este grupo social – mestres canoeiros do Pantanal de
Barão de Melgaço.

Na presente construção investigativa, considera-se o indivíduo inserido num grupo


social, o artesão/grupos de artesãos, o mestres da canoa, pois o cosmos social pode
ser também o universo vivido por cada indivíduo e também por um grupo. O retrato,
cuja significação é representar uma espécie de descrição detalhada, pode ser pela
imagem - um texto visual descritivo – falado/desenhado/escrito pelas ações
cotidianas. Assim, a imagem construída ganha o poder de materializar algo
observado, geradora de outro-novo texto, ou seja, um texto que gera outro texto
que, na ação de recriar, fala de uma perspectiva diferente da anterior.

A palavra “Retrato”, no dicionário Aurélio, é apontada como uma representação pela


imagem de uma pessoa real, podendo ser representada pelo desenho, pintura,
gravura e etc. Também aponta que é uma representação escrita e falada de uma
pessoa, uma descrição detalhada [...]. Já a palavra “Autorretrato”, no mesmo
dicionário, significa um retrato de um indivíduo, feito por ele mesmo.

Dado o primeiro esboço de Retrato e Autorretrato, busquei rastros dessa


compreensão na Arte, na qual a feitura de um retrato se compõe pela ação artística
de registrar, por meio da observação atenta e cuidadosa, detalhista102, em que o
artista (retratador), diante de um modelo (retratado), concretiza o retrato por meio
de um esboço (desenho) e pela pintura (imagem bidimensional).

102
Que solicita alguns conhecimentos específicos do artista (retratador), sobre o suporte que receberá
o registro, sobre os materiais expressivos que materializarão o retrato e sobre anatomia humana.
192

O autorretrato, em arte, segue o mesmo caminho descrito, com uma particularidade,


ele se apresenta como uma forma de registro em que o modelo é o próprio artista
(retratado-retratador), e o retratado é quem se retrata. Autorretrato, então, pode ser
configurado como uma espécie de marca individual no mundo! Um autorretrato feito
pelo próprio retratador é como se fosse um espelho dele, pois, nele, encontra-se
representado (refletido) a sua imagem externa e também a interna, aquela que
revela não só o seu estado de espírito no/do momento, na/da fase da feitura, como
também o contexto de vida cotidiana que imprime as cores ao estado de espírito do
tempo presente (vivido).

Para que os indivíduos de um grupo configurem suas imagens textos [retratos


sociais], é preciso sensibilizá-los a fim de que possam fazer brotar suas expressões-
imagens-arte. É somente mediante do trabalho sensibilizador que se pode olhar com
foco sensível-crítico e criativo um assunto social a ser retratado por imagem-arte.

Para que se chegue a contar fatos/relações via imagens-arte, é preciso olhar a “vida
vivida” com sensibilidade/crítica e também com consciência que se está olhando para
si mesmo enquanto ser social. Assim, a criticidade viceja para que se consiga
captar/acolher, no cotidiano, o que de melhor podem representar as relações
estabelecidas, incluindo os conflitos e sonhos da vida pessoal e comum, ao fazer
brotar o desejo de transformá-las, de reinventá-las. É preciso tomar o sentido
criativo-representativo que a arte educação promove, a fim de se propor a
consideração da estética local no viés das ligações ecossistêmicas, para seguir nas
trilhas da representação do viver com todos os sabores e des-sabores.

A Arte Educação Ambiental oferece possibilidade comunicacional na perspectiva de


criar as condições para dialogar de maneira sensível, crítica e criativa, necessárias
para um bom desenho pela e para o grupo pesquisado. Para a
pesquisa/pesquisadora, a EA oferta todas as condições de se avançar no campo do
conhecimento, no âmbito da produção científica que, ao entrelaçar científico com o
popular, ciência com arte, razão com poética, ambiente com cultura, arte com
ecossistema contribui para a busca, para a escuta de um novo-outro desenho que
reinvente o viver, para a relação de consumo-lucro (sistema capital instaurado) com
bases na sustentabilidade e na justiça socioambiental.
193

Com o propósito de construir a tessitura dos serviços ecossistêmicos culturais do


Pantanal de Joselândia, trilha-se concomitante pelas identidades e territórios
[cultura, arte, processos criativos, conflitos e injustiças ambientais], pois essa trilha
considera o local da cultura pelos ecos dos que ali moram, tornando visível a
possibilidade construtiva de prognóstico dessas identidades e territórios, um
mapeamento em que os integrantes das comunidades se percebam e se reconheçam
como sujeitos principais e, por essa razão, esboçam um perfil protagonizador.

Nesse rumo, o mergulho compreensivo investigador se deu pelos modos de vida e


fazeres artesanais, território das identidades, situados nos espaços naturais
envolventes, onde se bem vive e se constroem significados. Dessa maneira, este
trabalho procurou ofertar visibilidade ao grupo ainda invisível, fazedores de arte
popular, favorecendo a eles um poder de escuta e de fala, no desejo de se sentissem
incluídos e fortes, a fim de protagonizarem a formulação de políticas públicas para a
autonomia de suas histórias, mapeando, de certa maneira, a expressão rumo à
responsabilidade social e à promoção da cidadania. Percorrer esse caminho,
desvendar todo esse universo e me aproximar dessa gente e lugar está traduzida na
ideia apontada por Januário (2004, p. 312):

Em meio a esta teia de significados tecida pelo ser humano,


encontramos fios que reluzem, que clareiam, que sustentam, que
seguram a vida no passar de cada dia. Fios de luz que revelam a
beleza interior das pessoas que se manifesta na solidariedade, na
grandeza da fé, no fascínio do sobrenatural, no suor do trabalho na
perseverança de tradição, na força da oralidade, no respeito ao
próximo, na criatividade do fazer, na simplicidade de ser e na
esperança de cada novo dia. Teias luminosas, que são tecidas por
vidas vividas na sabedoria daqueles que sabem o que passamos uma
vida a procurar.
Bauer e Gaskell (2002, p.15) alertam, na introdução da obra “Pesquisa qualitativa
com texto imagem e som”, sobre como se evitar a postura como rótulo de que a
pesquisa qualitativa é um conhecimento interessado em “dar poder” ou “voz” aos
oprimidos. Segundo eles, essa é considerada uma postura “ingênua” e “mal
encaminhada” e ainda destacam (p. 9 e 30) que a pesquisa qualitativa deve ser
“vista como uma maneira de ofertar poder ou voz, em vez de tratá-las como objetos
[comportamento quantificados e estatisticamente modelados], como uma dicotomia
inútil”.
194

Apoiar o interesse de uma pesquisa qualitativa apenas na oferta de poder-voz aos


oprimidos creio que seja realmente muito pouco para um trabalho de cunho
pesquisador. Porém, é no campo qualitativo que se pode trabalhar em
complementariedade com forças distintas não as dividindo, ao contrário. Uma
investigação qualitativa pode ser tecida de forma que também oferte voz aos
oprimidos e à própria ciência, visando a um entrelaço enriquecedor de saberes, um
diálogo de saberes popular e científico, em prol de uma audiência científica, uma
ciência democrática e democratizante.

4.2.2 Rastro de uma gênese

Este caminhar híbrido via Arte Educação Ambiental teve seus primeiros ensaios
oficiais desenvolvidos por volta do ano de 2007 e somente foram publicados em
011, no livro organizado por Michèle Sato “Eco-Ar-Te para o reencantamento do
mundo. São Carlos: RiMa Editora, FAPEMAT, 2011”.

Quadros (2011, p. 52) aborda esse entrelaço híbrido como:

Um entrelaçamento entre Arte Educação e Educação Ambiental,


gerando hibridamente a terminologia Arte Educação Ambiental. Esta
possibilidade de entrelaçamento ocorre na ideia de considerar a Arte
Popular sob a ótica da Arte Educação como um caminho vigoroso
para se promover Educação Ambiental na expectativa de contribuir
com a geração da Cultura Ambiental tão necessária.

Essa busca híbrida iniciou suas primeiras pegadas por volta do final da década de 90,
quando foi inaugurado um estudo na cidade de Lábrea no Amazonas, no qual se
perseguiram as ideias propagadas por Paulo Freire - alfabetizar por imagens. Com
essa base epistemológica, se propôs que, ao usar imagens desencadeadoras do
processo alfabetizador de jovens e adultos, o alfabetizando produzisse as próprias
imagens alfabetizantes via produção de imagens artísticas sobre o seu mundo vivido
via arte educação. Dessa experiência, brotou a compreensão da forte ligação entre
natureza e cultura naturalmente posta no viver cotidiano dessa comunidade
amazônica, bem como ficou patente a força de uma imagem criada enquanto texto
num contexto arte educativo. Esse fato conduziu a um pensar que não seriam
fenômenos exclusivos da comunidade envolvida.
195

Com alguns saltos históricos, a próxima pegada data de 2007: a participação em um


projeto da UFMT que culminou em publicação, já no viés da Arte Educação
Ambiental, criado, desenhado e percorrido por Imara Quadros e Ruth Albernaz
Silveira. Com o título de “Água na gente e Gente na água: o caminho das águas em
São Pedro de Joselândia, Mato Grosso Brasil103, esse trabalho serviu como mais um
passo para o amadurecimento desta ideia híbrida.

No mestrado realizado na UFMT em 2004-2006, foi empreendido um estudo que


aproximou muito a mistura da arte educação com a educação ambiental104.Mas é
certamente, na soma com o desenvolvido no/pelo GPEA, mais o percurso de
doutoramento neste e com este grupo pesquisador, que o conceito de Arte Educação
Ambiental, agora sem barras105, ganha melhor forma, cores mais intensas, ricas
texturas, luzes e sombras necessárias, sonoridades musicais, desenhos corporais
ritmados, sabores e aromas.

Essa mistura híbrida foi sendo fortalecida com as experiências circunscritas nos
Projetos e nas pesquisas propostas pelo grupo pesquisador - GPEA foram eles:

“Territórios e temporalidades de Mata Cavalo”, realizado na, com e para a


comunidade de Mata Cavalo, município de Nossa Senhora do Livramento, Mato
Grosso Brasil, financiado pela FAPEMAT, que culminou na produção do Fascículo 01
da Série Mapeamento Social, intitulado de “Comunidade Quilombola de Mata
Cavalo”106;

“Mapeamento das identidades e territórios do estado do Mato Grosso” -


Mapeamento Social, financiado pelo CNPq e FAPEMAT, revelou uma metodologia
própria denominada Mapa Social e lançada como proposição de doutoramento de

103
PIGNATI, M.; CASTRO, S.P.; QUADROS, I.P; ALBERNAZ SILVEIRA, R. Água na gente e Gente na
água: o caminho das águas em São Pedro de Joselândia, Mato Grosso Brasil. Cuiabá: EdUFMT, 2007.
104
QUADROS, Imara. Tecendo Educação Ambiental para escola com alunos e alunas de Limpo Grande
(Várzea Grande/Mato Grosso), PPGE/UFMT, 2006.
105
A referência “agora sem barras” se dá por usar Arte/Educação/Ambiental (Quadros, 011, p. 5 ) no
mesmo sentido atribuído por Ana Mae Barbosa para Arte /Educação (Barbosa, 2005, p.21). E ao
encontrar a Profa Dra Michèle Sato julgamos mais interessante retirar as barras por não fornecer a
ideia de interação entre as esferas.
106
SATO, M.; ALVES, M.L.; JABER, M.; QUADROS, I.P. e SILVA, R. Caderno Pedagógico: comunidade
quilombola de Mata Cavalo. Cuiabá: PRINT, 2010. (INBN 9788591143603).
196

Regina Silva107,bem como, o trabalho investigador do doutoramento de Michelle


Jaber108 que culminou na produção dos Fascículos 02 e 03 da Série Mapeamento
Social, intitulado de “Mapa Social: mapeando os grupos sociais do estado de Mato
Grosso – Brasil”109;

A produção do Fascículo 03 da Série, intitulado “No caminho das águas, a


feitura da canoa”110, que se dá pelo resultado de uma pesquisa de doutoramento em
educação pelo GPEA/UFMT, inserido no Projeto do Mapeamento Social;

A parceria do GPEA com a Operação Amazônia Nativa – OPAN, resultou na


concepção e realização de uma oficina com grupos indígenas, na expectativa de
revelar o pensamento deste grupo étnico relacionado ao futuro de suas vidas no
sentido da AEM, o que culminou com a produção de um Fascículo especial intitulado
“Avaliação Ecossistêmica do Milênio e o pensamento indígena”111.

107
SILVA, Regina. Do invisível ao visível: mapeamento dos grupos sociais do estado de Mato Grosso –
Brasil. Tese (Doutorado em Ciências) Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais,
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, 2011.
108
SILVA, Michelle Tatiane Jaber da. O mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato Grosso:
denunciando injustiças ambientais e anunciando táticas de resistência. Tese (Doutorado em Ciências)
Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), São Carlos, 2012.
109
SILVA, Regina. Mapa Social: mapeando os grupos sociais do estado de Mato Grosso – Brasil Cuiabá:
UFMT-GPEA & GTMS, 2011.
110
QUADROS, I.P.; SATO, Michèle e JANUÁRIO CORRÊIA, J. No caminho das águas, a feitura da canoa
Joselândia/Mato Grosso/Brasil. Cuiabá: UFMT-GPEA & GTMS, 2011.
111
SATO, M.; BUSSATO, I.; SILVA, M. L. A.; SILVA, R. A.; FAZERES, A.; REGINA, A.W.; LIMA, A.;
JABER, M. T.; ALBERNAZ SILVEIRA, R.; QUADROS, I.P. KAYABI, E. Avaliação Ecossistêmica do milênio
e o pensamento indígena. Caderno Pedagógico, Cuiabá: GPEA, UFMT, 2011.
197

4.3 A viagem científica

“O trabalho em equipe exige troca, base de qualquer


educação dialógica.” (SATO E SANTOS, 2003,
p.277).

4.3.1 Procedimentos focais

Se uma pesquisa qualitativo-fenomenológica se faz por escutas sensíveis112, não


abrindo mão da sensibilidade poética da pesquisadora, no sentido de potencializar o
científico pelo viés sensível, neste percurso aberto, sensível e criativo que a
fenomenologia propõe, escolheram-se diversificados procedimentos como focais,
que, somados, facilitaram a captação de informações e enriqueceram a tessitura
compreensiva da investigação realizada no espaço de tempo de um ano (Imagem:
47).

Imagem 47: Esquema do calendário das idas a campo. Concepção, Imara Quadros.

A primeira ida a campo se deu em Setembro de 2010, e a última, em Setembro de


2011, completando, assim, um ano no campo de investigação. Cada ida a campo se

112
A ideia de complementariedade do olhar, um visual expandido pelo sonoro – escuta visual, na
expectativa de melhor captar o foco de pesquisa fenomenologicamente abordando.
198

desenhou por períodos de dias, abrangendo um mínimo de cinco dias, e, um máximo


de vinte dias, perfazendo uma totalidade aproximada de quarenta dias em pesquisa
direta no lócus investigativo.

Nesse ciclo anual das idas a campo, considerando a primeira como de cunho
exploratório, alcançou-se certa equidade no tempo pantaneiro, nas idas entre
enchente-cheia e vazante-seca (Imagem: 48).

Imagem 48: Gráfico das idas a campo relacionados ao ciclo das águas pantaneiras 1.

Dessa maneira, o sentir o tempo pantaneiro nas suas distintas épocas, o


compreender da presença da canoa nas águas e na seca, o entender mais
claramente os serviços e ligações ecossistêmicas desse objeto da arte popular
pantaneira, bem como o conhecer o calendário específico pantaneiro se fizeram
matéria da minha poética. Na próxima imagem (Imagem: 49) revelo o calendário de
idas a campo, conforme cada etapa do ciclo pantaneiro, porém, diferenciando-se do
anterior (Imagem: 48), por revelar o ciclo de idas em número de dias em que
permaneci em pesquisa de campo, conforme cada período desse calendário
específico.
199

Imagem 49: Gráfico das idas a campo relacionadas ao ciclo das águas pantaneiras 2.

As pesquisas propostas pelo GPEA sempre acontecem de maneira compartilhada,


porém, cada pesquisador, dependendo das intenções de suas investigações, tem
liberdade de escolha. A minha pesquisa pôde contar com a participação da própria
orientadora, de pesquisadores já doutores, doutorandos, mestres, mestrandos, PIBIC
e até dos pesquisadores mirins.

Na ida partilhada, tocamos nossa pesquisa, mas também fomos tocados pela
parceria dos companheiros de expedição a campo, por desejos e sonhos e também
literalmente, nas andanças pelos caminhos de busca, nas paradas necessárias para
olhar com mais atenção e cuidado, nas horas de repouso do movimento corporal e
perceptivo, momentos de reflexão do revelado na propositura de entrelaços com os
propósitos investigativos. Cada qual teve fundamental importância, pois, se tudo
tivesse ocorrido de forma solitária, certamente o desenho seria outro, nem melhor
nem pior, mas outro.

A “Ida 1” ao campo de investigação, em setembro de 010, se compôs pela presença


de quatro pesquisadoras, na ocasião todas doutorandas. Na “Ida ”, o quadro de
pesquisadores participantes consistiu em duas pesquisadoras doutorandas e o
motorista do INAU. A “Ida 3” se configurou pela ida de cinco investigadores, foram
eles: a orientadora, dois doutorandas e dois pesquisadores mirins. Na “Ida 4”
participaram treze pesquisadores: a orientadora, cinco doutorandas, uma mestra,
três mestrandos e três pesquisadores mirins. Na “Ida 5”, foram a campo comigo dois
200

doutorandas e um pesquisador mirim. Na “Ida 6”, a última, encontravam-se a


orientadora, duas doutorandas, dois PIBIC e cinco mirins. Nesse quadro de campo
compartilhado, cada pesquisador teve seu intento de investigação, mas, a partir da
andança própria, partilha olhares, saberes, ideias, dicas, observações, leituras,
reflexões e muito mais. Foi uma experiência difícil e de extrema complexidade, mas
no final, enriquecedora.

A participação dos pesquisadores do GPEA na minha caminhada investigativa,


acrescida dos envolvidos indiretos, motoristas, piloteiros, guardas parque e outros, e
dos diretos-locais, todos os moradores de Joselândia indistintamente, teceu um
envolvimento significativo dos diferentes grupos-gente envolvidos. Isso enriqueceu
sobremaneira a caminhante pesquisadora, e, por isso mesmo, reverberou nos
resultados e conclusões da pesquisa, por mais impossível que seja revelar esta
geografia da partilha, dos momentos tocantes, assim como, a pesquisa, e a minha
maneira de olhar, sentir e pesquisar, certamente tocaram todos os pesquisadores e
não pesquisadores em partilha.

Retomando a cartografia do desenrolar da pesquisa, para a realização da pesquisa


de campo, foram elencados os seguintes procedimentos, a fim de ajudar no brotar
das informações necessárias ao estudo: (Quadros: 02, 03 e 04).
201

Quadro 02: Pesquisa bibliográfica documental. Foto, Imara Quadros.

Quadro 03: Contato informal com as pessoas e lideranças da comunidade. Foto: Michelle Jaber.
202

Quadro 04: Observação direta e Entrevista aberta. Fotos, João Quadros Ramos eLúcia Shiguemi I. Kawahara .
Foto montagem: Imara Quadros.

É importante ressaltar que a fotografia, o vídeo e a gravação em áudio foram


acolhidos na investigação para o registro das etapas de pesquisa, em especial as idas
a campo, com a força de texto imagético/fílmico e sonoro-falado, singularmente,
contribuidores do meu envolvimento na pesquisa, nas compreensões tecidas. Porém,
vale ressaltar que, fortemente, contribuíram com o brotar poético que bordou cada
ida ao campo e cada página desta jornada. Os Desenhos, textos-imagens poéticas,
foram tecelões e artesãos, que teceram a estética dos relatórios, das apresentações,
das publicações e desta tese, uma artesania do entrelaço da ética com a estética,
uma estética científica.

Quanto às entrevistas de cunho qualitativo, Gaskell (2002, p. 65) abordou que são
uma “metodologia de coleta de dados amplamente empregada” que fornece “dados
básicos” para o desenvolvimento e compreensões das relações tecidas pelos atores
sobre a situação investigada. Assim, o objetivo de uma entrevista deve seguir rumo a
203

uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações (GASKELL,


00 ). Segue orientando o autor que “empregar entrevistas em grupos naturais, é
favorável pelas interações existentes, partilham o passado e ou projeto de futuro
comum, e por terem valores aproximados os grupos naturais formam meio social”.

O procedimento investigatório da observação ocorreu a cada ida, a cada situação


vivida, a cada momento dentro do universo investigador, mesmo fora das
temporalidades oficiais de pesquisa. As entrevistas ocorreram em forma de Oficinas e
Encontros com os Mestres da canoa e moradores de Joselândia.

No meu trajeto investigativo a campo, a tessitura se fez pela constituição dos diários
de campo, relatórios de pesquisa, bem como pela organização e trabalho, com
informações obtidas da escuta fenomenológica. Segundo (SATO E SANTOS, 2009, p.
11),

Do ponto de vista fenomenológico, não há definição crua e finalizada


da Educação Ambiental, pois há uma premissa de que o que
aceitamos como seus princípios está na dependência da memória, da
aprendizagem, dos valores e das vivências previamente existentes ou
construídas socialmente. A percepção ambiental não é fixa, como
nada na vida parece perene, transmutando-se em tempos, territórios,
contextos e metamorfoses identidárias.

4.3.2 Registros da viagem

O material coletado foi todo registrado em diário de campo durante o trabalho a


campo. Após essa empreita, empreendia-se a organização das informações ainda
durante o trabalho de campo e/ou no primeiro instante longe do campo, e por fim,
teciam-se os relatórios de pesquisa com o intento de tecer as compreensões do
encontrado, fora do âmbito do campo de investigação. É importante especificar que
usei mais de uma forma de registro (Imagens: 50 e 51), ou seja, mais de um tipo de
diário de campo, no entendimento de que diferentes linguagens podem expressar e
comunicar bem e, quem sabe, melhor se juntas.
204

Imagem 50: Registro fotográfico da pesquisa pela pesquisadora. Foto, João Quadros Ramos.

Imagem 51: Registro escrito - manual da pesquisa pela pesquisadora, durante a Oficina: Atelier Água.Foto, João
Quadros Ramos.
205

Essas formas de registrar o trabalho a campo e o compreendido sobre ele se


constituíram de maneira bastante especial, no sentido de diferentes do habitual da
ciência, uma maneira mais sensível-crítica, sem, contudo, se despedir do crítico,
abrandando os contornos da razão científica, da racionalidade. Nesse registrar a
investigação, usei um conjunto de diários de pesquisa, todos considerados por mim
como diários científicos: i) Diário de campo manual; ii) diário de campo digital e iii)
diário de campo imagético-artístico-poético.

O diário de campo manual foi constituído de cadernos, no qual fiz as anotações em


forma de escrita manual das observações, das entrevistas, das oficinas e dos
encontros, anotando as escutas, as percepções, as impressões, as reflexões, as
interpretações e etc (Imagem: 52). Esse diário abarcou o registro escrito, habitual de
um trabalho de campo, de cunho científico, e, posteriormente, ajudava e enriquecia
o diário digital.

Imagem 52: Registro escrito - manual da pesquisa pela pesquisadora, durante a Oficina: Atelier Terra. Foto,
João Quadros Ramos.

O diário de campo digital foi constituído no computador, em uma organização por


data e assunto, na qual reuniu o produzido ao caminhar no campo de pesquisa -
escritos, reflexões e fichamentos de leituras dos poemas, das fotografias/imagens
escaneadas, dos vídeos, dos áudios, dos desenhos, dos poemas, ou seja, de todo o
206

material elaborado, constituído a partir do percebido/escutado/estudado pela


pesquisadora durante o campo.

O diário artístico-poético consistiu em armazenar e guardar os esboços dos


desenhos-arte e poemas traçados ainda no campo e também os desenhos-arte e
poemas já acabados, prontos, feitos à mão, nascidos durante as observações, as
entrevistas, as oficinas e encontros, também escutas, percepções e reflexões. Esses
esboços se constituíram de cunho totalmente fenomenológico, fenomenologia da
imaginação-imagem bachelardiana. No diário, foram guardadas as imagens
escaneadas e fotografadas, as artes digitais compostas a partir das fotos e desenhos
escaneados.

Loizos (2002, p. 137), ao abordar sobre vídeos, filme e fotos como documento de
pesquisa, revela que “Imagem, com ou sem som, oferta registro poderoso, concreto
e material”, embora restrito, alerta o estudioso. Ainda considera (p. 138) que “o
mundo em que vivemos é influenciado pelos meios de comunicação, que dependem
dos elementos visuais. O visual desempenha então, papel importante na vida social,
política e econômica.” Segue afirmando (p. 143) que “imagens por ressoarem criam
e ou podem criar uma construção partilhada na pesquisa, onde pesquisador e
pesquisados podem falar juntos”.

Todas as atividades, de forma diferente, forneceram e complementaram os dados.


Oportunizou um desvelar outro, conforme traduz Januário (2004, p. 312) quando
aponta que: “Como foi difícil ver saberes e conhecimentos ignorados porque não são
reconhecidos. Ver crianças [pessoas, inclusão minha] repletas de sonho, esperança,
criatividade e experiências sem visibilidade no espaço escolar, sem visibilidade na
vida. Esquecidas”, ignoradas pessoas, ignorados saberes.

4.3.3 Expedições científicas: virtual e presencial


Antes de revelar o encontrado, é preciso redesenhar as intenções de coleta de
informações, bem como os procedimentos elencados já revelados anteriormente. A
viagem científica proposta, nominada no trabalho como Expedição Científica, foi
compreendida por diferentes e variados momentos-paradas que, juntos, ofertaram o
207

desenho e o colorido dessa viagem. No sentido da audiência do empreendimento


deste texto, revela-se um mapa investigador reorganizado.

A expedição científica dá-se com o intento de se buscarem caminhos reveladores dos


serviços ecossistêmicos culturais pantaneiros por meio das ligações ecossistêmicas
artísticas via canoa pantaneira, arte popular. Assim, compõe a tessitura das
possíveis ligações da canoa, objeto escultórico popular com a sustentabilidade, a
justiça socioambiental e com o futuro do planeta, numa ideia conectiva e não
fragmentada entre Natureza e Cultura. Também busquei, neste percurso
investigador, me educar cientificamente para o entendimento de um espírito
científico que não pode e não tem porque abandonar sua expressão artística nestes
campos de aprendizagens. Para isso, percorri diferentes campos de pesquisa, uma
expedição virtual e outra presencial.

A Expedição virtual se deu por uma viagem de cunho investigador em páginas dos
livros, documentos, tese, dissertações, artigos, web, revistas, guias turísticos e
outros, antes, durante e depois da pesquisa de campo. Empenhei-me num vasculhar
imagens escritas e não escritas nas páginas impressas e virtuais, em busca de um
contornar a canoa pelo imaginário e por páginas e mapas que ofertassem indícios
para se perseguir as águas chegantes da cheia em Joselândia. A pretensão de busca
nessa expedição virtual também residiu em ofertar contornos ao lugar de vida, sua
gente, seus significados, valores, hábitos e saberes, às criações artísticas, à
identidade do mato-grossense com a canoa – imaginário coletivo não só do
pantaneiro. Também consistiu em compor cenários ancorados no tempo presente,
para se projetar cenários futuros.

Por sua vez, a expedição presencial se deu por andanças em busca de imagens que
se revelassem pelos caminhos secos e líquidos do Pantanal de Joselândia, Barão de
Melgaço; pelos saberes dos Mestres quanto à feitura da canoa pantaneira; pelo
imaginário da canoa nas ruas da capital mato-grossense, Cuiabá, e pelos caminhos
que cartografassem imageticamente as águas chegantes da cheia pantaneira.

A Expedição presencial se configurou na pesquisa no campo de investigação iniciado


no segundo semestre de 2010, em Setembro. Na ida inaugural, empreendeu-se uma
208

visita de cunho totalmente exploratório e informal, com a expectativa de encontrar a


âncora necessária para empreender o pretendido na investigação.

Na etapa da pesquisa posterior ao conhecer exploratório, o desenho investigador se


formou pela arte de produzir canoas como objeto da arte popular ligada ao
ecossistema pantaneiro, pois estudar os serviços ecossistêmicos significa perseguir
as ligações ecossistêmicas perguntando de onde vem e para onde vai. Assim
considerando, tomaram-se os procedimentos focais - observação e entrevista aberta,
realizados concomitantemente por meio da Oficina via Cosmo-retrato, a fim de
acompanhar o fazer canoas pelos Mestres da canoa de Joselândia (Imagem: 53).

Imagem 53: Oficina do fazer canoa, fase Atelier Água. Foto, João Quadros Ramos.

Os encontros com/dos Mestres canoeiros foram empreendidos em diferentes etapas-


momentos. O primeiro encontro aconteceu somente com os mestres que
participaram da oficina do fazer canoas (Imagem: 54).
209

Imagem 54: Encontro 1: com os “Mestres canoeiros” para revisão e conversa sobre o processo realizado na
Oficina. Foto, João Quadros Ramos.

O segundo encontro do/com os Mestres canoeiros foi realizado juntamente com


professores e alunos da escola da comunidade (Imagem: 55). Sobre a oficina e os
encontros, será esmiuçado mais à frente.

Imagem 55: Encontro 2 com os “Mestres canoeiros, professores e alunos da escola”, para revisão e conversa
sobre os saberes envolventes no processo realizado na Oficina. Foto, João Quadros Ramos.
210

No campo de pesquisa, lócus investigativo, empreendeu-se contato de maneira


formal e informal no sentido científico, envolvendo, de forma direta e indireta, um
universo razoável de pessoas participantes na/da comunidade. Nesse bojo
investigador, os participantes diretos foram os mestres fazedores da canoa
pantaneira (Imagem: 56), e os indiretos constituíram um tecido rico, amplo e
variado, formado por músico, poeta, aposentado, dona de casa, profissionais
autônomos [empresário local, cozinheiras, piloto de barcos e canoas, motorista de
trator, artesãos da madeira, do couro, do algodão e doceiras]; funcionários públicos
estaduais e municipais, tais como: agente de saúde, diretor escolar, professores e
merendeiras, e alunos, além da participação de um pesquisador da área de saúde da
UFMT.

Imagem 56: Mestres canoeiros de Joselândia, participantes da pesquisa. Fotos dos Mestres canoeiros, João
Quadros Ramos e Lúcia Kawahara Shiguemy. Foto da flor do Cambará Fernndez (2010, p. 3).
211

Revelando os passos da viagem, os pedágios encontrados, a paisagem vista e sentida, as árvores e

a tessitura, com as dificuldades e as facilidades do itinerário da viagem. Uma labareda dançante

originada do sol de Van Gogh, como se todo o sonho fosse possível na entrega apaixonada de

quem quer mudar a vida pelo ato e pensamento da pesquisa (SATO, 2011, p. 12).
212

5 CAMPOS DA VIAGEM CIENTÍFICA: LIGAÇÕES ECOSSISTÊMICAS


ARTÍSTICAS, MATÉRIA SONHANTE DA PESQUISA

A imagem é uma planta que necessita de terra e de céu, de


substância e de forma (BACHELARD, 1997, p. 3).

Tomara a natureza na Terra seja mato [pulsante de vidas]. Que as


cores não se resumam à pintura e nem a vida se reduza à figura
(FIGUEIREDO, 2010- 1990, p. 21).

Ancorada pela fenomenologia da Imagem (Bachelard), pela Educação Popular


(Freire) e pela Cartografia do Imaginário (Sato) trilhei, pesquisando-aprendendo
cientificamente, em busca de uma tessitura compreensiva da minha pesquisa, e de
mim, enquanto arte educadora ambiental, e como alguém que deseja um mundo
melhor para o viver na pulsação do planeta agora, como pessoa-profissional situada
no mundo neste instante com o outro aqui-agora, pois comungo o que pronunciou
Aline Figueiredo ainda na década de 90 (2010 - 1990, p.21):

No limiar do terceiro milênio, a humanidade constata-se diante da


crise, sem precedentes no processo civilizatório, quando é o meio
ambiente que lhe exige a compostura na conduta deste processo. A
questão ecológica faz grande convocação e dilata as raias da atuação
científica das universidades, a exigir o entrosamento na busca de
soluções adequáveis ao meio ambiente.

Na crença de que o caminho científico pode anunciar e a educação pronunciar, segui


rumo à realização de um rastreamento nas ligações ecossistêmicas, com intento de
explicitar as ligações da arte popular ao Pantanal, com foco no conhecimento
artístico local, na relação íntima com o meio natural circundante, o Pantanal, via arte
educação ambiental. Compreendo que a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, com a
proposição de instigar as reinvenções necessárias ao viver humano no/com o
planeta, tanto no presente como para o futuro, incita que se retome o desenho das
relações entre Natureza-cultura.
213

O objeto desta pesquisa reside na potencialização do diálogo entre ‘natureza-cultura’


na perspectiva de revelar como se entrelaça arte-ecossistema, no sentido de
favorecer a sustentabilidade no viés da Justiça Socioambiental. Dessa forma, procurei
mapear a tessitura sistêmica da cultura-arte do/no/com o Pantanal, de maneira
inteiriça, na relação entre seres humanos–cultura e ecossistema-natureza.

Com este propósito, segui pelos caminhos líquidos e empoeirados do Pantanal de


Barão de Melgaço, especificamente no complexo de Joselândia, na sede São Pedro.
Percorri também por vias impressas, no acesso a diversos materiais e documentos;
por vias virtuais em sites e blogs; pelas ruas, avenidas e lugares de Cuiabá, capital
mato-grossense, na tentativa de tecer uma cartografia sistêmica compreensiva da
cultura na sua relação íntima com a natureza, a fim de buscar um desvelar de
possibilidades inovadoras para a relação natureza-cultura no tempo presente, bem
como para ciência e arte.

Aline Figueiredo (2010-1990, p. 1) nos provoca evocando que seja alcançado “o


espírito da uniselva, a selva única e total e sua universalidade. Que seja utópico, mas
o importante seria ter selva, pois na sua própria existência está o incomparável
acervo científico”. Bené Fontelles ( 011, p. 47) revela que:

É preciso ativar o instinto de preservação da espécie para que toda a


ação seja um compromisso sociocultural [socioambiental] em
benefício de todos os seres vivos com os quais somos todos UM. É
preciso, também, relembrar que como co-criadores da Vida temos a
nos inspirar a “beleza do compromisso [Gandhi]” para ações de
integridade, harmonia e transcendência que nos mantêm em
constante transformação, neste grande atelier de arte experimental
que é o planeta Terra.

A palavra sustentabilidade está na moda, usada pela ciência, pela educação, “pelos
governos, pelas empresas, pela diplomacia e pelos meios de comunicação. É uma
etiqueta que se procura colocar nos produtos e nos processos, para agregar valor”
(BOFF, 2011, p. 9). É necessário que se vá muito além do modismo quando se trata
de sustentabilidade, para não ficarmos reféns da “falsidade ecológica”, que nada
mais é do que “uso da palavra sustentabilidade para ocultar [maquiar, acréscimo
meu] problemas de agressão à natureza, de contaminação química dos alimentos e
de marketing comercial apenas para vender e lucrar” (BOFF, 2011, p. 9).
214

Leonardo Boff (2011, p. 10) alerta:

Praticamente a maioria dos itens importantes para a vida (água, ar,


solo, biodiversidade, florestas, energia etc.) está em acelerado
processo de degradação. A economia, a política, a cultura e a
globalização seguem um curso que não pode ser considerado
sustentável pelas pilhagens de recursos naturais, de geração de
desigualdades e de conflitos e outros esgarçamentos sociais que
produz. Temos que mudar. O pior que podemos fazer é não fazer
nada e deixar que as coisas prolonguem seu curso perigoso.

Oliveira, em texto publicado virtualmente na Revista Sina (2012, p. 1), aponta que “o
meio ambiente apresenta evidentes sinais de estar enfraquecido em face da
agressão patrocinada pela expansão econômica sem freios” [...]. Segue evidenciando
o autor que:

Discussão entre consumo versos meio ambiente; dito de outra forma,


o que está em debate, neste pormenor, é a velocidade de
crescimento econômico versus a capacidade de regeneração dos
recursos naturais, afinal, habitamos em um planeta em que três
quartos da população mundial vivem em países que consomem mais
recursos do que conseguem repor.

Assim considerando, se questiona como Oliveira (2012, p. 1): a economia posta hoje
no nosso sistema de vida percebe-se maior, superior ao meio ambiente? Segundo
este autor (OLIVEIRA, 01 , p. 1) “a economia é dependente das coisas da natureza,
e não ao contrário” (Imagem: 57).

Imagem 57: Esquema “ligações entre natureza, economia e ser humano”. Concepção: Imara Quadros.
215

Andrade ( 009, p. 1) aponta que os “serviços ecossistêmicos” estão relacionados ao


“uso humano”, e que estes, estão/são “ligados às atividades econômicas
desenvolvidas e realizadas pelo ser humano”, levando ao entendimento de que
natureza, cultura e economia se dependem, em maior ou menor escala (Imagem: 57
a). Esse ponto deve ser tomado como ponto de partida para as reflexões desta
relação imbricada.

Imagem 57 a: Esquema “Ligações entre Natureza, cultura e economia”. Concepção: Imara Quadros.

É por meio das funções ecossistêmicas que os serviços são gerados, propondo vida
de maneira direta [óbvia] e indiretamente [não percebidos imediatamente], mas
fundamentalmente usados, consumidos para a manutenção da vida humana e não
humana no planeta. Segundo Boff (2011, p. 133),

Por causa do assalto do processo industrializador dos últimos séculos,


esse equilíbrio está prestes a romper em cadeia. Desde o começo da
industrialização, no século XVIII, a população mundial cresceu oito
vezes, consumiu mais e mais recursos naturais; somente a produção
baseada na exploração da natureza, cresceu cem vezes. O
agravamento deste quadro, com a mundialização do acelerado
processo produtivo, faz aumentar a ameaça e, consequentemente, a
necessidade de um cuidado especial com o futuro da Terra. Trágico é
o fato de que faltam instâncias de gerenciamento global dos
problemas da Terra.

A diversidade ecossistêmica inaugura a diversidade cultural, instituindo os serviços


culturais. Na cultura, residem valores e conhecimentos que desenham o humano.
216

Segundo interpretações de Andrade (2009), este quadro, que se configura múltiplo e


complexo dificulta a avaliação dos serviços culturais.

O estudioso ainda aponta (Andrade, 009, p. ) que importa “conhecer como é


afetada a capacidade dos ecossistemas gerarem serviços essenciais à vida no
planeta”. Ele segue sugerindo que se evidencie “o desenho de serviços
ecossistêmicos com suas interações, ou seja, a ação humana – economia instaurada
– impactos na natureza e o planeta”.

Andrade ( 009, p.1) compreende ainda que se “trata de descrever as funções e


serviços ecossistêmicos, seguindo a taxonomia oferecida pela Avaliação do Milênio,
que os classifica em serviços de provisão (ou abastecimento), serviços de regulação,
serviços culturais e serviços de suporte”. O autor (Andrade, 009, p. 8) interpreta
que o “entendimento da dinâmica dos ecossistemas requer um esforço de
mapeamento das chamadas funções ecossistêmicas”, interações constantes de um
ecossistema.

Considerando a importância da tessitura apresentada por Andrade (2009), persegui


as ligações ecossistêmicas da arte popular em interação com o ecossistema
pantaneiro na perspectiva dos serviços culturais. Nesse texto, usarei a palavra
estação para definir os intervalos que fiz durante a viagem investigatória com a ideia
compreensiva, estações-intervalos, como paradas para um olhar mais cuidadoso na
trajetória de uma viagem investigatória-ligante.

Neste trajeto investigador-ligante, a linha que produziu o alinhavo dos fragmentos


compondo a tessitura foi a água, pois só ela poderia realizar essa costura
compreensiva-aprendiz, porque água é vida no planeta Terra (Imagem: 58).
Segundo Sato ( 011, p. 7), “a água é identidária, é a ressonância do devaneio
pessoal no substrato social e ecológico”.
217

Imagem 58: Esquema “Ciclo da água”. Fotos da Imara refletida na água, borboleta Morfo e canoa, João
Quadros Ramos. Foto da flor do Cambará: Fernndez (2010, p. 3). Arte: Imara Quadros.

Bachelard (1997, p. 1) instiga sobre imaginação e matéria, interpretando que:

As forças imaginantes da nossa mente [...]. Umas encontram seu


impulso na novidade; divertem-se com o pitoresco, com a variedade,
com o acontecimento inesperado. As outras forças imaginantes
escavam o fundo do ser; querem encontrar no ser, ao mesmo tempo,
o primitivo e o eterno. Na natureza, em nós e fora de nós, elas
produzem germes; germes em que a forma está encravada na
substância, em que a forma é interna.

No trecho primeiro da obra A água e os sonhos, Bachelard (1997, p.1) contorna duas
imaginações que, segundo suas ideias, ofertam forma à causa formal e material,
“imaginação formal e material”. Para este filósofo, esses conceitos “são
indispensáveis a um estudo filosófico completo da criação poética”, segundo ele
(1997, p. 1-2),

É necessário que uma causa sentimental, uma causa do coração se


torne uma causa formal para que a obra tenha a variedade do verbo,
a vida cambiante da luz. Além das imagens da forma, há imagens da
matéria, imagens diretas da matéria. A vista lhes dá o nome, mas a
mão as conhece. Uma alegria dinâmica as maneja, as modela, as
torna mais leves. Essas imagens da matéria, nós a sonhamos
substancialmente, intimamente, afastando as formas, as formas
218

perecíveis, as vãs imagens, o devir das superfícies. Elas tem um


peso, são um coração. Sem dúvida, há obras em que as duas forças
imaginantes atuam juntas. É mesmo impossível separá-las
completamente. Toda obra poética que adquire suas forças na ação
vigilante de uma causa substancial deve, mesmo assim, florescer,
adornar-se. Deve acolher, para a primeira sedução do leitor, as
exuberâncias da beleza formal.

Na Estação 1, parei para conhecer a natureza, o Pantanal, lócus deste estudo. Assim
iniciei meus esforços em desvelar o Pantanal mato-grossense, não que já não o
conhecesse antes, mas o foco neste intento era novo para mim. Assim, era preciso
revisitar o Pantanal com a nova bagagem, para além da mera contemplação, na
verdade, um conhecer o lugar!

Conhecer o ciclo das águas pantaneiras, constatar que cada período instaura um
desenho de vida animal e vegetal próprio, portanto, paisagens, cores, sonoridades,
aromas, texturas diferentes e diversas em uma unidade foi importante e significativo,
não só para a presente pesquisa, mas para meu ser situado neste lugar, Mato
Grosso, com esta gente pantaneira, pois, como apontou Aline Figueiredo113:

Tendo a vasta depressão do Pantanal, como não ensimesmar? Tendo


os vastos horizontes do Planalto, como não sonhar? No sopé da
grande Cordilheira, junto à fronteira de uma “doliente” América,
como não sofrer? Prisioneira, como não cultivar na liberdade o sonho
mais caro da esperança? Diante da exuberância da natureza
[desenhadora de lugares e gente, acréscimo meu] como não
defendê-la? (FIGUEIREDO, 1990, p. 19).

Na Estação 2 apurei as lentes para uma presença no imenso mosaico pantaneiro, os


cambarazais, o Cambará, uma vida vegetal que doa partes do seu corpo para que
outras vidas se estabeleçam, assim como doa sua própria vida para que o ser
humano constitua seu bem-estar, seu bem viver. Na Estação 3, o foco residiu na
gente pantaneira que se faz presente no coração da América do Sul, no centro-oeste
brasileiro, gente que se desenhou no, com, a partir deste universo cambiante, o
Pantanal. Na Estação 4, os contornos fecharam o olhar em torno do Pantanal de
Joselândia e na Estação 5, a arte popular desse complexo comunitário foi desvelada.
Na Estação 6, a canoa pantaneira foi revelada na sua ligação ecossistêmica com o
Pantanal, bem como o seu processo criador e o bojo imaginário do mato-grossense.

113
Historiadora e crítica de arte em Mato Grosso.
219

Na Estação 7, aconteceu um desvio do foco das lentes investigatórias, do processo


do fazer canoas, pois a pesquisa navegou para as águas que embalam canoas no
Pantanal de Joselândia (Imagem 58a).

Imagem 58a: Mapa pictórico do caminho investigador. Desenho e Arte digital: Imara Quadros.

Estação 1: O Pantanal, ambiente cambiante

Leonardo Boff ( 01 , p. 133) chama a atenção para “Cuidado todo especial merece
nosso planeta Terra. Temos unicamente ele para viver e morar. É um sistema de
sistemas e superorganismo de complexo equilíbrio, urdido ao longo de milhões e
milhões de anos”. E o Pantanal não é só parte desse todo delicado, como apresenta
seu próprio corpo também urdido delicadamente há muito tempo, e por isso mesmo
faz parte deste todo carece de atenção e cuidado.

O Pantanal, de origem pré-andina, se revela uma grande e majestosa planície 3Salles


(2012, p.8) quando caracteriza este ecossistema mato-grossense que, “Além de ser
220

um abrigo natural de espécies e mantenedor de populações e economias, o Pantanal


é uma preciosa reserva estratégica de água doce, ainda mais importante frente ao
futuro incerto das mudanças climáticas”.

O território pantaneiro ocupa parte dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul, formando um imenso mapa hídrico: a hidrografia pantaneira (Imagem: 59).

Imagem 59: Mapa dos Pantanais. Foto, acervo do Centro de Aprendizagem [CA]- SESC Pantanal – MT.
221

Entre tantos pantanais em um único solo, na região Centro-Oeste brasileira, figura o


de Barão de Melgaço que foi presenteado com as Baías de Chacororé e Siá Mariana.
Esse Pantanal de Mato Grosso, solo da comunidade estudada, Joselândia, encontra-
se emoldurado pelos rios Cuiabá e São Lourenço, receptáculo das águas do rio
Vermelho e outros. O Pantanal de Barão de Melgaço encravado no município mato-
grossense de mesmo nome114, segundo Oliveira e Andrade ( 007, p. 144) “apenas
2,5% do território situa-se em terra firme”.

O Pantanal como um todo tem regência das/pelas águas que se fazem e se refazem
a cada ano, seguindo um curso natural que inicia com as águas das chuvas que
enchem os rios e estes, por sua vez, correm vizinhança afora até chegar ao seu
primeiro destino, a planície pantaneira mato-grossense, sem interrupções-prejuízos e
impactos. Desejo das águas chegantes, assim o Pantanal se enche de abundância e
fartura, ou seja, de vida. Caso esse correr livre e natural não aconteça no Pantanal, o
viver farto e abundante minguará ou quem sabe deixará de existir, pelo menos nesta
forma conhecida hoje.

O Rio Paraguai, um rio importante da bacia pantaneira, nasce na região central de


Mato Grosso, atravessa todo o Pantanal em direção ao sul do Brasil e deságua no
Oceano Atlântico. Assim, a Bacia do Alto Paraguai participa da formação da Bacia
Platina ou Prata junto com os rios Paraná e Uruguai. No presente estudo, o foco foi o
Pantanal de Joselândia, onde as águas envolventes são do rio Cuiabá, do São
Lourenço e do Rio Vermelho (Imagem: 59).

O viver natural pantaneiro, considerando o humano e não humano, toca e é tocado


pela sua vizinhança. O Pantanal tanto afeta vizinhanças como é afetado pelos
ecossistemas-social vizinhos. Segundo estudos expostos em painéis no Centro de
Aprendizagem do SESC Pantanal – Mato Grosso, “o Pantanal é chamado de complexo
pantaneiro” justamente pelo seu avizinhamento, pois “revela traços de Cerrado
[70%], Chaco [9 ]”, e o restante de “Caatinga e Floresta amazônica”.

A lisura da paisagem da extensa planície pantaneira é, por vezes, rompida por alguns
morros e serras. Ao norte, por exemplo, a planície revela duas grandes chapadas,

114
Barão de Melgaço - MT.
222

fora da bacia pantaneira, que realizam a função de divisores hídricos, ou seja,


nascentes dos rios que correm para o Pantanal e Amazônia. Como bem lembra Aline
Figueiredo (2010, p. 18):

Na cartografia sul-americana, duas grandes bacias hidrográficas se


sobressaem. A Amazônica, setentrional, canaliza águas para o
Atlântico em sentido leste e a Bacia do Prata, meridional, entre a
Cordilheira Andina e o Planalto Brasileiro, as conduzem também para
o Atlântico, em sentido sul. O estado de Mato Grosso se centraliza no
divisor de águas. O Planalto, a Amazônia, o Cerrado, a floresta, a
savana se configuram em três ecossistemas junto aos rios
formadores dessas potencialidades naturais [desenha gente].

Essa configuração natural modela uma paisagem genuinamente pantaneira que


propõe uma paisagem com muito pouco declive, razão pela qual o movimento das
águas é sempre lento, aspecto desenhador do lugar e das pessoas que ali habitam.
Como lembrou os estudos de Andrade (2009), é a diversidade ecossistêmica que
traça a diversidade cultural.

O Pantanal revela dois períodos distintos, a cheia e a seca. Para que a cheia se faça
presente, é preciso um movimento cíclico de cima para baixo, momento em que a
chuva enche os rios para transbordarem lentamente suas margens e encharcarem a
planície pantaneira, enchente. Após a parada das chuvas, as águas iniciam outro
movimento, agora de baixo para cima, a presença da seca nasce em processo lento,
e as águas, evaporam/secam [vazante], cambiando as multicores refletidas nas
águas pelos matizes do marrom ardente refletidos na poeira (Imagem: 60).
223

Imagem 60: Ciclo das águas no Pantanal Norte. Fotos borboleta Morfo e canoa, João Quadros Ramos. Foto da
flor do Cambará: Fernandez (2010, p. 3). Arte: Imara Quadros.

Esse é o Ciclo das Águas pantaneiras, no qual cada tempo - enchente, cheia, vazante
e seca, tem temporalidades e paisagens próprias, ou seja, se revelam de forma
variável, conforme o volume de água que cai dos céus, da quantidade das águas que
correm livres pelos rios seguindo o curso natural, sem impactos pelo caminho, e
também conforme o calor do sol, dos ventos que secam a umidade do ar.

O período da cheia é a temporalidade de inundação do/no Pantanal, orquestrada


pelas chuvas nos meses de “Dezembro a Março” (CA-SESC Pantanal). Nessa época
do ano, o colorido fica por conta das espécies aquáticas, gramíneas e plantas
rasteiras que estouram em cores na linha do horizonte refletida nas águas
pantaneiras. Os rios, nesse período, aumentam muito o seu volume em “função da
baixa declividade do terreno”, alagando imensas áreas, fenômeno do represamento
das águas, alargando territórios, gerando vidas aquáticas, desenhando a enchente
(CA-SESC Pantanal). Segundo os painéis do CA-SESC Pantanal, “A drenagem é feita
lentamente, represando as águas sobre a planície por meses”.

Os rios serpenteadores desenham a paisagem, transbordam limites na época das


chuvas, pintando o Pantanal de água abundante, formando a maior área inundável
224

contínua do planeta. Nessa temporalidade alagada, ficam desnudas d’água somente


as partes altas, chamadas de cordilheiras. A depressão, que é a parte baixa, quando
tomada pelas águas, torna-se baías que podem se apresentar multicoloridas,
dependendo da alcalinidade da água e algas que nela se desenvolvem (OLIVEIRA e
ANDRADE, 2007).

A planície é composta também por “campos abertos” que alagam na cheia


entremeada por “capões e matas de cordilheiras”. Os animais ocupam as partes mais
altas na cheia, nos capões e matas. Cursos d´água temporários que costuram as
baías e os campos alagados permitem cursos de água e, no período da seca,
desaparecem, e os costureiros das águas são os corixos. São os campos, Cerrados e
Cerradões que primeiro enchem na cheia e esvaziam na seca, pois são as partes
mais elevadas, que correspondem a uma pequena parcela pantaneira. Esses locais
são os refúgios da fauna pantaneira nessa época do ciclo das águas (CA-SESC
Pantanal).

A seca é a temporalidade que se realiza após as chuvas, quando começa a secar, ou


seja, a água começa a vazar, a drenar os campos alagados para os rios, bem como
essas águas evaporam pela ação dos ventos, pela baixa umidade do ar e pelo calor
intenso. O período de seca ocorre quando inicia a vazante, geralmente, em abril-
maio, mas o auge é em setembro. A seca é o tempo de reprodução da maioria parte
dos animais no Pantanal. Nesse período, há muita concentração de animais nas
lagoas e baías, e as aves se destacam pelo colorido e sonoridades em busca dos
peixes (CA-SESC Pantanal). A drenagem das águas na época da enchente se dá
através dos Corixos e Vazantes, cursos d´água que podem ter quilômetros de
comprimento, quase sempre bordejados de mata ciliar; podendo permanecer com
água mesmo na época da seca.

No período seco acontece a queda das folhas de muitas espécies vegetais que depois
revivem nas águas. Existem espécies que ofertam o colorido exuberante da seca com
suas floradas multicoloridas, tonalizando o espaço acima dos olhos, como a piúva, o
para-tudo, o ipê, o novateiro e o cambará, só para citar algumas espécies (CA-SESC
Pantanal).
225

O Pantanal revela uma particularidade bem interessante, segundo os painéis do


Centro de Aprendizagem do SESC Pantanal, algumas espécies vegetais formam
“conjuntos homogêneos”, ou seja, um conjunto de uma só espécie denominado pelo
nome da própria espécie envolvida, como, por exemplo, o Cambará, uma espécie
muito comum no Pantanal. Quando ocorre um conjunto homogêneo dessa espécie,
Vochysia divergens, esse conjunto é denominado de cambarazal (Imagem: 61).

O fato é que o Pantanal é todo desenhado pelo ciclo das águas, que revela uma
forma de ser e estar toda cambiante, multicolorida, com sabores variados e ricos
saberes para além da medida do ponto final e de qualquer verbo.

Imagem 61: Cambarazal em Joselândia. Foto, Imara Quadros.

Estação 2: Cambará cambarazal

Cambará é seu nome popular, e Vochysia divergens Pohl é seu nome científico
(Imagem: 62). A espécie é encontrada na região Centro-Oeste brasileira e na Bolívia,
“particularmente frequente no Pantanal mato-grossense”, “própria de matas ciliares”
e de “áreas abertas de terrenos aluviais inundáveis, onde chega a crescer e
reproduzir-se com tanto vigor, formando populações puras chamadas cambarazais,
que são consideradas pelos pecuaristas do Pantanal como uma das piores
infestantes ou planta daninha de pastagens.” (LORENZI, 2009, p. 354).
226

Fernandez115(2010, p. 71 e 72) aborda em seus estudos, sobre “as formações


homogêneas e densas de espécies” e cita os “Cambarazais (Vochysia divergens
Pohl)”, entre outras espécies. Sobre as “comunidades de cambarás” aponta que elas
“ocupam 3,1 da cobertura vegetal no Pantanal, sendo as maiores concentrações
nos Pantanais de Barão de Melgaço, Poconé e Paraguai”. O estudioso ainda faz
referencias com base em Pott (1988)116, que “a preocupação dos pecuaristas117 do
Pantanal de Poconé com as espécies Cambará (Vochysia divergens), em relação à
concorrência com as pastagens nativas”.

Ressalta Fernandez ( 010, p. 71 e 7 ) que “mais recentemente a Assembleia


Legislativa de Mato Grosso aprovou a Lei do Pantanal, lei n° 8.830, de 21 de Janeiro
de 2008, que permite, para fins da pecuária extensiva, o corte de várias espécies,
entre elas o Cambará, denominado pela Lei como “limpeza de pastagem”, e ainda
ficando condicionado o diâmetro mínimo de corte ao regulamento a ser criado”.
Alerta (IBIDEM), “que o Cambará está elencado como uma das espécies invasoras de
áreas de pecuária extensiva no Pantanal, principalmente na zona de transição
aquática/terrestre (Aquaticq/Terrestrial Transition Zones – ATTZ)”.

Imagem 62: Cambará. Foto, Lorenzini (2009, p. 364).

115
Pesquisador do Pantanal de Cáceres - MT.
116
POTT, A. Pastagens no Pantanal. Corumbá. EMBRAPA/CPAP de Corumbá. (EMBRAPA-CPAP.
Documentos 7), 1988.
117
O sublinhado, o grifo, foi dado por mim nas citações de Fernandez, com intento de evidenciar como
o Cambará é considerado no Pantanal, “invasor” sob a ótica dos pecuaristas extensivos, e não, como
pertencente as ligações-serviços ecossistêmicos cultural.
227

Como características, essa espécie pode apresentar “altura entre 7 a 18 m”, revela
um “tronco ereto e cilíndrico, com 30-50 cm de diâmetro”, com casca em tons claros
e fissuras/rachaduras que “caem em placas irregulares” (Imagem: 63).

Imagem 63: Madeira do caule do Cambará. Foto, Lorenzini (2009, p. 364).

A madeira do Cambará apresenta-se “moderadamente pesada, macia e de fácil


manuseio” e bastante propícia ao apodrecimento. A copa revela-se frondosa, e o
fruto tem forma capsular/fechada que “guarda 4 a 5 sementes” (Imagem: 64)
dentro, e de produção anual farta. A “espécie frutifica no período da seca”, segundo
Fernandez (2010, p. 72), e suas sementes são disseminadas pelo vento que as
desprendem da árvore, espalhando-as pelas águas correntes. Quanto à florada,
exibe flores ramadas de cor amarela (LORENZI, 2009, p.364), (Imagem: 65).
228

Imagem 64: Semente do Cambará. Foto, Lorenzini (2009, p. 364).

Imagem 65: Flor do Cambará. Foto, Fernandez (2010, p. 3).

Quanto às funções ecossistêmicas do Cambará, pode-se revelar, segundo Lorenzi


(2009, p. 354) que:

A madeira é usada apenas localmente para a confecção de canoas,


cochos, gamelas, caixas, brinquedos etc. para tabuado em geral,
celulose, miolo de compensado, bem como para lenha. E as flores
são apícolas e muito visitadas por beija-flores e macacos. A casca, as
folhas e a seiva são reputadas como medicinais. Planta de rápido
crescimento e é indicada para reflorestamentos.
229

Estação 3: Pantaneiro, o humano na diversidade cambiante

O ponto de partida foi “o Pantanal”, e necessário se fez conhecer o território com


seus habitantes, sua natureza envolvente, seus valores, sua cultura e arte, ou seja,
casa onde moram as ligações ecossistêmicas e toda a singularidade na
universalidade humana, na qual natureza e cultura mantêm e podem manter um
forte e interessante entrelaço. Juntas, se tornam ensinantes de novos outros olhares,
de abordagens, valores, posições e atitudes individuais e coletivas, na educação
escolar e fora dela.

As raízes identitárias do povo pantaneiro “datam de fins do século 19”, quando os


“portugueses e espanhóis disputavam sua ocupação, durante o expansionismo
europeu no continente sul-americano.” (OLIVEIRA E ANDRADE, 2007, p. 34).
Segundo Cardoso (2008, p. 142-143):

A figura do ribeirinho pantaneiro surgiu no século XVIII, no período


das bandeiras. A necessidade de se fazer roças, ao longo dos rios
Cuiabá e Paraguai, para o suprimento das monções e viajantes, foi
fixando o negro e o índio, escravos, ao longo das rotas no Pantanal.

Construindo seu viver nesse lugar, o pantaneiro tornou-se, segundo o mesmo autor
acima citado, “hábil no cultivo, na pesca e no artesanato”. Ser de mãos fazedoras, o
pantaneiro aprendeu a produzir com as próprias mãos quase tudo de que necessita
para o seu cotidiano. O pantaneiro é, portanto, um ser criador por natureza, inclusive
de seus sonhos.

Em tempo de Bandeiras, o pantaneiro, nas andanças a cavalo com rebanhos de gado


pelas planícies pantaneiras, tinha que criar tudo do que necessitasse, [pelas grandes
distâncias e difícil acesso] a partir do que a natureza lhe oferecesse como matéria a
ser transformada (OLIVEIRA e ANDRADE, 2007). Cardoso (2008) trata da herança
indígena Guarani do pantaneiro, e revela o vigor físico, a unidade familiar, o arsenal
de saberes, bem como o hábito cotidiano do dialogar respeitoso entre natureza e
cultura, como recebido dos ancestrais Guató e Paiaguá.

Segundo Oliveira e Andrade ( 007, p. 35), “Surge pouco a pouco, uma cultura com
linguagem própria, como também um conjunto de construções e de alimentação
230

bastante típicos. Estabeleceu sua própria identidade através dos particulares


costumes, crenças, tradições e lendas”.

A partir dos indígenas mato-grossenses e com a chegada dos colonizadores


portugueses, juntamente com os africanos então escravizados, este Estado revelou
seu potencial criador pelas vias da arte popular no sentido utilitário. A expressão
cultural de Mato Grosso exibe “valor e beleza plástica” segundo Oliveira e Andrade
(2007, p. 48).

Ainda seguindo o que apontaram esses autores (OLIVEIRA E ANDRADE, 2007, p. 49-
51), as “expressões artísticas” marcantes do Estado se revelam pela “tecelagem”, ou
seja, redes feitas antigamente com algodão nativo pelos indígenas, e hoje com o
algodão cultivado. A “cerâmica”, outra “expressão artística” apontada pelos autores,
é feita a partir do barro retirado das barrancas dos rios, e, por fim, a “expressão que
usa a madeira” como matéria. A arte de esculpir também é herança indígena, pois os
indígenas já a utilizavam para o fabrico de “flechas e demais instrumentos de caça”,
assim como a “fabricação de canoas”, segundo Oliveira e Andrade ( 007, p.50).

Segundo os painéis do CA-SESC Pantanal, tanto os índios como os portugueses


utilizavam os caminhos líquidos desenhados pela cheia para o deslocamento pela
região alagada. Hoje, esse deslocar acontece por diferentes tipos de barcos. Porém,
a canoa feita de um caule só e o cavalo pantaneiro continuam sendo usados como
meios de transporte mais utilizados na cheia, ainda nos dias atuais.

Estação 4: O Pantanal de Joselândia e sua arte

Joselândia e sua gente, como parte pantaneira, sempre desenharam, e ainda


desenham suas vidas no ritmo lento das águas que chegam e se esvaem ao sabor
dos ventos quentes naquelas bandas do oeste do Brasil central.

O Pantanal mais do que uma paisagem com seus elementos físicos –


rios, corixos, baías, lagos, matas, cerrado, cordilheiras e planícies -, é
interligado a outros valores que servem de orientação geral, pois nele
estão os locais visíveis de trabalho e para o trabalho; estão os locais
231

em que se pode morar, fazer roça, lugares de vida e da cultura.


(PIGNATTI E CASTRO, 2007, p. 3).

Joselândia é um complexo pantaneiro (Imagem: 66) com sede em São Pedro


emoldurado pelos rios Cuiabá e São Lourenço e parte do município de Barão de
Melgaço – Mato Grosso. Esse complexo é composto pelas comunidades Capoeirinha,
Lagoa do Algodão, Pimenteira, Retiro de São Bento, Colônia Santa Isabel e Mocambo
(Imagem 66a). “Estas comunidades estão interligadas pelo ecossistema envolvente e
por uma rede de parentesco cuja sede, São Pedro, constitui-se como uma área de
patrimônio, com um pouco mais de 100 hectares” (PIGNATTI E CASTRO, 2007, p. 3).

Imagem 66: Mapa Pictórico de Barão de Melgaço MT - Joselândia. Foto da canoa, João Quadros Ramos. Foto da
flor do Cambará, Fernandez (2010, p. 3). Arte: Imara Quadros.
232

Imagem 66a: Mapa Pictórico da Comunidade de Joselândia. Arte: Imara Quadros.

Conta a história que, antes de pertencer ao município de Barão, Joselândia pertencia


a Santo Antônio do Leverger. “O nome de Joselândia surgiu com o Decreto Lei n.
208, de 26 de outubro de 1938, quando da alteração do nome de Barão de Melgaço
para Melgaço. Nesta época Joselândia tinha a denominação de Santo Antônio da
Barra.” (FERREIRA, 1993, p.21). Esse mesmo autor lembra que São Pedro, a sede do
complexo, já foi conhecido também como “Macaco”.

Ferreira (1993, p. ) revela que “esta comunidade teve origem na Sesmaria de


Santo Antônio da Barra”. Segundo o historiador, na mesma página, “80 das terras
são alagadas pelas cheias periódicas no Pantanal” (Imagem: 67). Seguindo o rastro
dos Mestres da canoa de Joselândia em momento de pesquisa oficina-conversa,
apontaram que “Joselândia ocupa aproximadamente 13.000 Ha das terras
pantaneiras”.
233

Imagem 67: Vista aérea da sede comunitária, São Pedro. Foto, Ferreira (1993, p. 22).

Joselândia apresenta duas formas de acesso, uma no período das águas e outra na
seca. Nas águas, sai-se da capital Cuiabá rumo a Poconé via terrestre, que tanto
pode ser de transporte coletivo – Ônibus ou Van, como carro particular; depois, no
Porto Cercado, ao lado do SESC Pantanal-MT, deve-se pegar um barco a motor ou
não, que pode ser contratado tanto coletivamente como individual, para seguir pelo
rio Cuiabá e se adentrar nos caminhos d´água que conduzem até São Pedro. Na
seca, o caminho é todo terrestre, verdadeiros caminhos de poeira. Nessa época, sai-
se de Cuiabá rumo a Santo Antônio do Leverger, passa-se por Mimoso118, atravessa-
se a ponte ainda de madeira sobre o rio Mutum, segue-se em direção à comunidade
joselandense denominada de Capoeirinha, depois passa-se pela comunidade Lagoa
do Algodão, também no território de Joselândia, e, por fim, chega-se a São Pedro
(Imagem: 68).

118
Terra do Marechal Rondon, persona matogrossense.
234

Imagem 68: Caminhos que levam a Joselândia. Foto da canoa e borboleta Morfo, João Quadros Ramos. Foto da
flor do Cambará, Fernandez (2010, p. 3). Arte: Imara Quadros.

Os moradores de Joselândia, em oficina de arte-educação promovida em 2007119,


reconheceram que as águas que chegam-passam pelo complexo “vêm dos rios
Cuiabá, São Lourenço e Mutum e voltam para o rio Cuiabá, descendo até o Piquiri,
Pirigara e etc” (PIGNATTI, 2007, p. 4). Ainda apontam os moradores nessa mesma
página que a água é “disponível de Janeiro a Maio, período da cheia”. Afirmam os
envolvidos no trabalho que “existe água o ano todo nas lagoas de São Pedro de
Joselândia”.

119
Oficina de Arte Educação Ambiental [UFMT/IDRC/CRDI/PROVIDAS/CPP/PANTANAL NORTE],com a
comunidade de Joselândia e as profissionais Imara Quadros e Ruth Albernaz Silveira. Trabalho
coletivo publicado como um material pedagógico intitulado “Agua na Gente e Gente na água”.
235

Na temporalidade das águas, entram em cena animais e plantas, ofertando uma


palheta bem específica à paisagem de São Pedro de Joselândia. Segundo os
moradores:

Nos locais alagados, encontramos peixes, aves, moluscos, crustáceos,


algas e outros. Isso acontece durante o período da cheia, entre os
meses de Janeiro a Março. Existem plantas que dependem dessas
águas (sazonais e não sazonais) para a sua espécie, que são:
aguapé, cambará, algodão e muitas outras. Nos tanques, corixos e
lagoas existe vida como aguapés, algodão, algas e pequenos
moluscos (PIGNATTI, 2007, p. 6-7).

Na oficina-conversa, instrumento de investigação, os Mestres canoeiros informaram


que em Joselândia: “se tem quatro tempos bem marcados, a chuva, a cheia, a
vazante e a seca. E que há 12 km de São Pedro está a margem do rio Cuiabá e há
35 km está a margem do rio São Lourenço.

Segundo eles, os fazedores de canoas, “quando está enchendo, as águas que


chegam são destes dois rios”, em referencias aos rios Cuiabá e São Lourenço,
acréscimo meu. “De um lado, pela comunidade do Retiro de São Bento e
proximidades de São Pedro, as águas que enchem Joselândia é do rio Cuiabá. De
outro lado, pela Capoeirinha, Lagoa do Algodão, Pimenteira e Colônia, as águas que
chegam são do rio São Lourenço”. Ainda apontaram os Mestres que: “O rio Mutum
também ajuda a encher Joselândia”.

Estação 5: A arte Popular do Pantanal de Joselândia

Acreditando que mapear serviços culturais demandasse exame cuidadoso, atencioso,


busquei reconhecer alguns produtos feitos por essa gente nesse território de vida
cotidiana numa expedição de cunho exploratório, realizada nas duas primeiras idas a
campo, setembro e novembro de 2010.

Neste examinar, apontaram, no cotidiano joselandense as Artes das Tramas, do


Entalhe e do Corte, Costuras e tranças. A Arte das Tramas é uma expressão
artesanal que envolve o fiar algodão, hoje cultivado/plantado; tingí-lo, hoje tinta
industrial; enovelá-lo e, por fim, tramar os fios coloridos no tear de madeira
formando um tecido que exibe um colorido vibrante para os coxonilhos, espécies de
236

mantas/capas que cobrem o lombo do cavalo para acomodar a montaria do


pantaneiro na sua lida no campo, no cuidado do gado. Embora sejam os homens os
usuários dessa peça com o gado. Embora sejam os homens os usuários desta peça,
são as mulheres as artistas populares do trabalho artesanal (Imagem: 69).

Imagem 69: Arte das Tramas. Fotos, Imara Quadros.

A Arte do Entalhe é uma expressão artesanal que corta, escava e alisa madeiras de
árvores regionais diversas, transformando a madeira em estado bruto em arte
popular, ou seja, pilões, cochos e gamelas, usados para esmagar/triturar grãos e
outros tipos de alimentos, constituindo, portanto, peças utilitárias usadas no
cotidiano da casa, da família. Da madeira também se entalham (Imagem: 70): i)
Violas de Cocho120 que embalam ritmada a fé; ii) iconografias de peixes encontrados
nas águas deste lugar, que servem para adornar os lares e estabelecimentos
comerciais; e iii) carro de boi e carroças usados como ferramenta de trabalho para
transporte, bem como, levar e trazer pessoas dos lugares.

120
Instrumento musical semelhante a um violão/viola típico da região Centro-Oeste brasileira.
237

Imagem 70: Arte do Entalhe. Fotos, Imara Quadros.

A Arte do Corte, Costuras e Tranças é uma expressão artesanal que aproveita o


couro do gado depois que este foi transformado em alimento para a população local.
Assim, essa matéria animal é preparada, cortada, costurada e trançada para se
transformar em utensílios usados na montaria do cavalo os quais, por sua vez, são
usados no trabalho no cuidado do gado pelos pantaneiros (Imagem: 71).

Imagem 71: Arte do corte, costuras e tranças. Fotos, João Quadros Ramos.
238

Esses objetos usados no cotidiano dessa localidade formam, concomitante, objetos


da arte popular, portanto objetos que também desenham o acervo estético local.
Como peças que compõem o arsenal cultural de Joselândia, constituem serviços
culturais, estético-educacional que se encontram estreitamente ligados aos demais
serviços ecossistêmicos, considerando a AEM, pois o algodão cultivado ou nativo -
não cultivado, a madeira e o couro do boi encontram-se relacionados indiretamente
os demais serviços - Suporte, Abastecimento e Regulação. Vejamos a madeira-fibras
e a água pura-Abastecimento, o solo-Suporte, o clima e a água-fluxo-Regulação
(Imagem: 72).

Imagem 72: Esquema “Ligações entre serviços ecossistêmicos”. Concepção, Imara Quadros.
239

Estação 6: canoa, ligação íntima entre ecossistema pantaneiro e arte de


Joselândia

No intento exploratório de conhecer para constituir um mapa dos serviços culturais


em Joselândia, constatei que havia muitos objetos da arte popular relacionados com
o ecossistema pantaneiro. Ao revelar as ligações desse tipo de serviço cultural, me vi
recheada de possibilidades para cartografar o pretendido, porém, o tempo proposto
pela academia para empreender a pesquisa não permitia que conhecesse e revelasse
todos os objetos da arte desse lugar com detalhamento. Por isso, foi necessário
realizar um recorte, elencando apenas um dos objetos da arte popular de Joselândia.
Optando somente por um dos objetos de pesquisa, seria possível examinar, de forma
atenciosa e cuidadosa, a ligação entre natureza e cultura/arte e ecossistema. Assim,
elenquei a canoa entre tantas possibilidades, pois Joselândia é rica em saberes, em
arte popular intimamente ligada ao ambiente natural, diálogo natureza-cultura.

A canoa, parte integrante da arte do entalhe na fase exploratória da pesquisa, se


revelou bastante significativa para a localidade devido ao seu uso frequente no
tempo das águas, além de ter sido apontada como elemento identificador desse
lugar pelos moradores em conversa informal, bem como por ser um saber que se
revela atualmente minguado na comunidade. Hoje, Joselândia conta com poucos
fazedores deste objeto – canoa e, por essa razão, este objeto utilitário e artístico
popular foi elencado para desvelar, tecer as ligações sistêmicas, a fim de
compreender as proposições deste trabalho investigador.

Assim, atentando para a proposição da AEM que se retome o desenho das relações
entre Natureza-cultura, no sentido de instigar a busca de reinvenções necessárias ao
viver humano no planeta, tanto no presente como para o futuro, segui rumo ao
rastreamento das ligações ecossistêmicas da canoa feita no e a partir do Pantanal
com intento de explicitá-las o mais possível no sentido compreensivo.
240

Cartografia criação artística: rastreando saberes, mapeando a arte


pantaneira

Aqui apresento informações obtidas através do escutado durante a oficina/encontros-


conversa realizados em 2011 com os participantes desta pesquisa. Na oficina-
conversa, acompanhei todo o processo de feitura da canoa em São Pedro de
Joselândia, desde o preparo para a ida a campo, para a escolha da melhor árvore
para ser esculpida, até a canoa se mostrar pronta para o uso nas águas durante a
cheia.

A questão primeira a ser mapeada foi de onde vinha à canoa. E revelar esta trilha
significou revelar uma atividade criadora desta gente encravada nesse lugar. Ferraz e
Fusari (1999, p. 60-61), ao abordarem sobre atividade criadora, atividade
imaginativa apontam, “Uma atividade criadora é uma atividade imaginativa. A
imaginação se constitui, portanto, de novas imagens, ideias e conceitos”.

Este objeto da arte local, a canoa, segundo as escutas realizadas em


Oficina/Encontro com os Mestres canoeiros, tem seu registro de nascimento nas
matas alagadas, terras baixas, onde se localizam os Cambarazais no Pantanal. A
canoa, que acompanhei em São Pedro, foi feita com um só tronco de um Cambará,
Vochysia divergens Pohl, e esta espécie é bastante comum nas matas alagadas do
Pantanal de Joselândia.

Na busca de ligar a canoa com o Pantanal, pude constatar que os joselandenses não
detêm o hábito de replantio da espécie utilizada, pois, segundo afirmaram, os
participantes da oficina, “nunca plantamos Cambarás, mas sabemos como eles
reproduzem, florescem, maduram a semente que cai e roda com as águas. É desta
maneira que nascem Cambarás”. Eles demonstram que há espaço para uma nova
prática, novo hábito, o de replantar e manejar o Cambará para a preservação do
saber fazer canoas, se a comunidade achar necessário e quando julgar ser oportuno.

Para essa gente, a florada do Cambará importa muito, ela é significativa, pois, no
dialogar com a natureza, eles interpretam a florada do Cambará como um sinal de
que se na cheia terá muita ou pouca chuva. Conforme informaram, “muitas flores
241

sinalizam muita chuva”, portanto, cheia abundante. “Poucas flores no Cambará, a


chuva e a cheia será minguada”.

Também são conhecedores dos outros animais que, assim como eles, dependem da
existência dessa espécie pantaneira. Nas suas falas, os Mestres apontaram alguns
animais que vivem no Cambará. Segundo eles, “as abelhas gostam de fazer suas
casas nestas árvores, porque ela tem uma copa alta, e nas águas lá em cima se
torna um lugar bem seco, próprio para construir ninhos e moradias. Os tuiuiús
também gostam de fazer seus ninhos nas copas pelo mesmo motivo que as
abelhas”.

Até aqui persegui indícios do antecedente de uma canoa, quando o Cambará ainda
não sonhava em mudar sua forma de árvore para uma canoa, mantendo sua
essência de madeira de Cambará. Daqui para frente, porém, mostrarei o percurso do
ato transformativo pelas mãos humanas, melhor dizendo, do Cambará que doa a
vida vegetal para ofertar mobilidade, estética e arte para os pantaneiros significarem
sua vida nesse território úmido.

Aranha e Martins ( 009, p. 413) interpretam que “a arte é, sem dúvida, uma
pequena parte da cultura, no sentido antropológico”. Afirmam ainda que:

a arte aponta para possibilidades do mundo, tira-nos dos hábitos,


rompe com os costumes, propõe outros valores. A arte nos faz
estender e ampliar aquilo que somos porque passamos a ver o
mundo e a nós mesmos sob luzes diferentes. A arte afina nossa
sensibilidade: ensina-nos a ter aguda percepção dos estímulos que
vêm dos nossos sentidos e a relacioná-los com conteúdos próprios –
nossas lembranças, vivências pessoais e informações que temos – e
com o mundo em que vivemos. A arte, enfim, é uma ocasião de
prazer porque nos oferece a compreensão profunda do mundo e de
nós mesmos.

Esse saber transformar caule em canoa foi realizado através de uma Oficina no
tempo das águas ao ar livre, em que muitas pessoas da localidade se envolveram
nesse trabalho Entre os participantes, tivemos dois Mestres; um assistente dos
Mestres; um dos senhores mais velhos na comunidade; um jovem aluno da escola
local e aprendiz do fazer canoas e um empresário local que ajudou para que esta
Oficina fosse realizada (Imagem: 73).
242

Imagem 73: Participantes locais da Oficina do Fazer canoa. Fotos, João Quadros Ramos.

Mas foi o Mestre Jânio Gonçalves Correia Filho quem conduziu do começo ao fim o
processo desta canoa feita para o presente estudo. O Mestre relatou que só
descobriu que era um Mestre quando percebeu que sabia fazer canoas sozinho,
canoas sozinho, pois, ajudava o seu Mestre, o Sr. Zé Silva seu irmão mais velho, hoje
com 51 anos. Segundo Jânio, ”para ser um Mestre é preciso “vocação”, a pessoa tem
que ter o “gosto” de fazer. Se a pessoa não tiver gosto, pode até tentar fazer, mas
não vai prosseguir fazendo canoas. Tem que fazer o que gosta! Lavrar a terra e a
madeira”.

No intento de ecoar os saberes do fazer canoas em Joselândia, segue a feitura da


canoa sendo realizada totalmente ao ar livre. A primeira etapa do processo é toda
feita no Atelier “Água”, e a segunda no Atelier “Terra”. ‘Atelier’ água e terra foram
denominações dadas por mim. Esse trabalho de fazer canoas deve se dá na época
águas, porque o ambiente alagado é um facilitador para transportar a canoa ainda
em processo de um ambiente para o outro, ou seja, do Atelier Água para o Atelier
Terra, que se desvela por um espaço em terra firme, para que possa ser
empreendido o acabamento da canoa. Segundo os Mestres, “a canoa pode ser feita
243

na seca, mas a sua retirada para um lugar mais aberto onde se possa fazer o
acabamento, deve ser com trator ou a cavalo, que isto é mais trabalhoso”.

O trabalho é iniciado em um lugar afastado da área central da sede São Pedro,


sempre uma área alagada onde se encontram os cambarazais. Toda a etapa inicial
do processo ocorre nessa mata baixa e alagada e, por essa razão, neste trabalho
investigador a intitulei de Atelier Água. Já a segunda etapa do trabalho, que se
apresenta pelo acabamento, se configura em terra mais alta. E, por ser seca e firme,
a nominei de Atelier Terra. Em cada um desses ambientes, atelier da artesania,
foram realizadas diferentes atividades, as quais, por sua vez, também exigiram
diferentes e variados instrumentos.

Na busca da matéria para a criação artística.

“Tudo inicia pela procura do Cambará mais bonito”, anunciaram os Mestres


caminhando pela mata alagada e examinando cada Cambará ali existente. A “altura e
a retidão do tronco” são os aspectos observados pelos Mestres para a escolha de
uma árvore dentre tantos Cambarás (Imagens: 74 e 75)!

Imagem 74: Fotografia “Procura do melhor tronco de Cambará”. Fotos, João Quadros Ramos.
244

Imagem 75: Fotografia “Estudo da altura e retidão do tronco para a melhor canoa”. Fotos, João Quadros
Ramos.

Os Mestres canoeiros revelaram que os mais velhos apontavam a lua crescente como
a melhor lua para cortar, derrubar o Cambará na crença de que, nessa fase lunar a
madeira ganharia maior durabilidade, maior sustentabilidade. “Na lua minguante a
madeira fica mais fraca, diziam os mais velhos”. Os Mestres em Oficina também
indicaram que “a madeira engrenhada [dura] pode durar mais tempo, e a madeira
mais fácil de talhar, macia [cortar] dura menos tempo”.

A árvore escolhida para ser transformada em canoa, conforme conversa com os


Mestres em Oficina, “necessita tombar sobre duas estivas”, outros dois troncos, além
daquele que será transformado em canoa (Imagem: 76).
245

Imagem 76: Fotografia “Posicionando as estivas para a queda do Cambará”. Fotos, João Quadros Ramos.

Relataram os fazedores que “depois de derrubado o tronco, pelo peso, fica difícil
levantar do chão para o trabalho”. Pude observar que, dessa maneira, com as estivas
colocadas antes da queda do tronco, os fazedores puderam trabalhar com muita
mobilidade mesmo, pois manejavam o tronco com mais facilidade, virando-o de um
lado a outro. Segundo os Mestres, “as estivas podem ser feitas do próprio Cambará,
mas também é comum usar a Marmelada ou então de outra madeira qualquer”.
Assim constatamos que, na derrubada do Cambará escolhido como matéria para a
existência da canoa pantaneira, o Cambará cai lenta e estrondosamente na mata
alagada (Imagem: 77)!
246

Imagem 77: Fotografias “A queda do Cambará escolhido”. Fotos, João Quadros Ramos.

O passo primeiro depois da queda do tronco usa a mão do fazedor como forma de
medir em metro, para calcular o tronco de metro em metro e projetar o tamanho da
canoa (Imagem: 78). Essa ação matemática é realizada através de um galho fino e
comprido do próprio Cambará, a fim de se obter o comprimento da canoa, ou seja, a
medida necessária da popa (traseira) à proa (frente) da canoa em projeto.
247

Imagem 78: Fotografia “Canoa-matemática, medição do tronco para a existência da canoa”. Fotos, João
Quadros Ramos.

O segundo passo, depois do trabalho em que prepara o tronco para ser


transformado em canoa, é cortar a ‘leva’, retirada de um dos galhos do Cambará
tombado. Essa peça, galho transformado em alavanca, ajuda a fazer o movimento
do tronco de um lado para o outro sobre as ‘estivas’, ajuda a fazer o movimento do
tronco de um lado para o outro sobre as ‘estivas’ (Imagem: 79). Com o tronco nas
estivas, e a leva pronta, os Mestres realizam um exame cuidadoso do tronco
tombado, na perspectiva de encontrar a melhor postura/posição do caule tombado
no intento de buscar a melhor largura da ‘boca’ (abertura/largura) da canoa.
248

Imagem 79: Fotografias: “Feitura da alavanca que proporciona o movimento do tronco”. Fotos, João Quadros
Ramos.

Só depois dessa tomada de decisão é que se ‘trava’ (assenta/acomoda) o tronco para


limpar a matéria a ser trabalhada (madeira do tronco). Nesse processo, primeiro é
tirada toda a casca da madeira, para depois tirar o ‘nível’ (medida) e por fim, a canoa
em projeto no tronco é ‘alinhada’ (mais medidas) (Imagem: 80).
249

Imagem 80: Fotografias “Limpeza do tronco para as medidas primeiras”. Fotos, João Quadros Ramos.

Toda medição é feita com uma linha de nylon guardada em um pote plástico,
contendo tinta de ‘pó de pilha’ da marca ‘Rayovac’, Segundo apontam os mestres,
somente essa marca serve como tinta fixadora para o registro das medidas que
entrarão em contato com a água, e assim imprimem marcas da medida no tronco
(madeira). Segundo os Mestres, essa tinta específica é eleita por não sair em contato
com a água, facilitando o esculpir matemático (Imagem: 81).
250

Imagem 81: Fotografias “Canoa-matemática 2”. Fotos, João Quadros Ramos.

Atelier Água

Com o tronco do Cambará pronto, transformado pelos próprios artistas, os mestres


da canoa, em matéria a ser esculpida, usam a mão novamente como parâmetro das
medidas, e o corpo inteiro se posicionou como força motriz.

‘Alinhar’ a canoa (projetar) é medir toda ela antes dos cortes esboçadores de uma
canoa. Para deixar essa marca, os Mestres também usam a linha sintética guardada
no pote plástico junto com pó de pilhas. Esse material tóxico, embora seja tóxico,
entra em contato direto com a mão do fazedor de canoa (Imagem: 82)121. O
alinhamento é feito para se ‘afeiçoar’ a canoa, ou seja, dar forma a ela. Outra
medida é tirada, outra linha é impressa, mas agora nas laterais do tronco, para
alcançar a altura da canoa.

121
O uso da pilha de fato é/deve ser uma preocupação, por esta razão deve ser trabalhada em
momentos educativos, de Educação Ambiental local, para que se busque alternativas não tóxicas para
gravar a medidas na madeira ao fazer canoas. Nesta pesquisa não se cumpriu a Oficina de Educação
Ambiental programada no Projeto de investigação, porém, mesmo não sido realizada, encontra-se na
programação pós-defesa.
251

Imagem 82: Fotografias: “Pó de pilha para deixar marcas que não saem na água”. Fotos, João Quadros Ramos.

Considerando o diâmetro do tronco, a canoa precisa um pouco mais da metade


superior dele para se revelar. Para isso, corta-se o tronco em gomos semicírculos
para facilitar a retirada da metade da madeira que não será utilizada na canoa, o
descarte da parte não aproveitada do tronco do Cambará. Os gomos retirados
inauguram uma base reta, e um chumaço de folhas, o espanador, é usado para
limpar esta base (Imagem: 83).
252

Imagem 83: Fotografias “Primeiros cortes do tronco para a existência da canoa”. Fotos, João Quadros Ramos.

Depois do tronco cortado adquirindo a base reta, foi retirada a madeira nas laterais
do tronco, dando a forma inicial à canoa (Imagem: 84).

Imagem 84: Fotografias “O entalhe da canoa 1”. Fotos, João Quadros Ramos.
253

O tronco, agora com contornos de uma canoa, foi mais uma vez cortado em gomos
para ser cavado. A canoa já com cara de canoa (Imagem: 85), é hora de trocar de
Atelier! Até aqui o trabalho realizado foi no Atelier Água, agora é rumar para o de
Terra!

Imagem 85: Fotografias “O entalhe da canoa 2”. Fotos, João Quadros Ramos.

No Atelier (Água), a mão foi usada como parâmetro para as medidas, e o corpo
inteiro foi usado como força motriz para trabalhar o tronco nas primeiras formas de
canoa. As ferramentas industrializadas usadas nessa fase do processo de feitura
foram: i) o machado que cortou a parte mais pesada da madeira; ii) o facão que
cortou a parte mais fina; e iii) as cordas que amarraram as estivas. As ferramentas
artesanais improvisadas foram: i) o medidor que efetuou as medidas para alcançar a
precisão do entalhe; e ii) o espanador que limpou os espaços a serem trabalhados
(Imagem: 86).
254

Imagem 86: Fotografias “Instrumentos utilizados na fase Atelier Água do entalhe”. Fotos, João Quadros Ramos.

A ‘lima’ foi a ferramenta usada para afiar todos os instrumentos de corte no Atelier
Água e da lapidação da canoa no Atelier Terra (Imagem: 87).

Imagem 87: Fotografias “Lima, instrumento que afia os demais”. Fotos, João Quadros Ramos.
255

No Ateliê Água, pode-se chegar até a parte do alisamento da canoa que é feita com
o ‘enxadão’, mas o acabamento, o apuramento das formas da canoa devem ser
feitos em terra firme com a ferramenta chamada ‘enxó’. A ‘zinga’, uma espécie de
remo feita de taquara122,fornece apoio ao condutor da canoa para o deslizar pelas
águas, principalmente nas partes mais fundas dos caminhos d’água.

Chegou o momento de trocar de Atelier. Até aqui o processo de feitura foi realizado
no Atelier Água e, a partir daí, todo o trabalho foi feito no Atelier Terra! No
deslocamento para a troca de Atelier, a pré-canoa seguiu puxada por outro barco
pelos caminhos de água formados pela cheia e também pelo próprio escultor que
ofertava a direção da canoa usando a `zinga´. No passado, sem nenhum
aproveitamento no Atelier Água, ficaram os resíduos do Cambará tombado, bem
como restos de algumas outras pequenas árvores que também foram derrubadas
para o nascer da canoa (Imagem: 88).

Imagem 88: Fotografias “Resíduos da escultura da canoa na fase Atelier Água”. Fotos, João Quadros Ramos.

122
Espécie vegetal.
256

Atelier Terra

Primeiro foi organizado o espaço para receber a canoa depois. Foi preparada a corda
que ligou a canoa ao cavalo e cavaleiro, para serem conduzidos da água (líquido)
para a terra (seco). Assim que a pré-canoa foi disposta em terra firme, ancorada nas
suas estivas, novas medidas foram tiradas com a linha sintética e o ‘pó de pilha’
(Imagem: 89).

Imagem 89: Fotografias “Atelier Terra”. Fotos, João Quadros Ramos.

Foi o machado que inaugurou o trabalho no Atelier Terra, ofertando continuidade à


atividade de afundar, cavocar/retirar as bordas da canoa. A alavanca foi usada
sempre que houve a necessidade de virar, trocar de lado a canoa para entalhar a
madeira apurando as formas da peça entalhada. Essa atividade já faz parte do
acabamento, do detalhamento que segue na feitura em constantes trocas de
instrumentos: ora ´machado´ que corta, ora ´enxadão´ que oferta os primeiros
afundamentos arredondados, ora ´enxó´ que aprofunda mais detalhadamente e
oferta uma textura mais lisa ao mesmo tempo. Figuram também, nesse fazer, o
257

`cipio´ para alisar; o `arco de pua´ para furar (Imagem: 90); o ‘graminho’ para
marcar a borda e a ´cuia´, hoje, feita de garrafa pet ou lata reutilizada, para retirar
a água da chuva de dentro da canoa. Relembrando que esse fazer se dá no tempo
das águas [chuvas] e, como os Atelier´s são ao ar livre, todo o processo ocorre ou
pode ocorrer com ou sem chuvas.

Imagem 90: Fotografias “Entalhe-acabamento no Atelier Terra”. Fotos, João Quadros Ramos.

A canoa recebe cinco ou seis furos de cada lado do fundo do seu corpo, da proa à
popa, chamados de ‘cavias’. São feitos com ´arco de pua´, medidas que indicam a
profundidade da canoa, aproximadamente de dois dedos, para que a espessura dê
leveza à canoa, porque tira o peso da madeira. Depois os furos serão fechados com
pedaços de `Cedro´ mais ou menos em forma de ´pregos´ de madeira (Imagem:
91). São estes furos que determinam até onde se vai cavando o fundo da canoa.
Medir através de variadas formas e com diferentes instrumentos antes de determinar
a forma é uma atividade constante do fazedor de canoas, e para isso a mão oferta
os parâmetros de medida, e o pé sente as texturas e as profundidades.
258

Imagem 91: Fotografias “Fechando as cavias”. Fotos, João Quadros Ramos.

O espírito racional, existente nos mestres da canoa, é quem pensa e calcula cada
gesto esculpidor, cada ação transformadora da matéria. É o espírito criador que
desliza nos gestos e ações calculadas para lavorar o projeto da canoa em canoa. O
espírito sensível ajuda o espírito racional a olhar, perceber, medir com o próprio
corpo em precisão, e o espírito sonhador, já está em projeções de outros fazeres.

Vídeo 01: Oficina “O fazer canoa”. Produção: João Quadros Ramos. Acesso em: (Drop Box):

https://www.dropbox.com/sh/g4gm0khukt399ne/tqtSS8Ru2I e (You Tube):


https://www.youtube.com/watch?v=bht45BJeMR0
259

Nesse Atelier, a mão também foi usada como parâmetro de medidas, o pé como
parâmetro de texturas e formas e o corpo inteiro mais uma vez se prestou como
força motriz para o trabalho de entalhar a canoa. As ferramentas industrializadas
usadas nessa fase do processo de feitura foram: i) o machado que cortou as partes
mais densas da madeira; ii) o facão e a faca que cortaram as partes mais finas; iii)
as cordas que puxaram a canoa; iv) o arco de pua que furou; v) o cipio que ofertou
textura lisa; vi) o enxadão e o enxó entalharam a madeira; e vii) a lima que afiou as
ferramentas. As ferramentas artesanais improvisadas usadas foram: i) a linha
sintética e o compasso que mediram e imprimiram marcas para alcançar precisão no
entalhe; ii) a alavanca que ofertou manuseio da peça para o entalhe; iv) o graminho
que tornou plana as bordas da canoa; e v) as cuias de lata e pet que ajudavam a
retirar a água de dentro da canoa, depositada pela chuvas (Imagens: 92 e 93).

Imagem 92: Fotografias “Instrumentos utilizados no entalhe-acabamento, fase Atelier Terra 1”. Fotos, João
Quadros Ramos.
260

Imagem 93: Fotografias “Instrumentos utilizados no entalhe-acabamento, fase Atelier Terra 2”. Fotos, João
Quadros Ramos.

Como já foi enfatizado, ao fazer canoa, o corpo todo se torna em ferramenta para
entalhar, e, segundo o Mestre Jânio, “a parte do corpo que mais é forçada no
processo fazedor é a coluna”. Ainda explicou o Mestre que “o momento do fazer que
mais afeta a coluna, ocasionando dores, é o trabalho com o enxadão”, acabamento.
Vale ressaltar que esse entalhar a madeira bruta na busca da melhor forma é um
trabalho pesado, porque se pôde constatar que, com o corpo por muito tempo em
posição abaixada, os Mestres chegam à forma final da canoa. Por essa razão,
importa que se faça este entalhar em mais de uma pessoa dividindo o trabalho do
entalhe da madeira, o que significa ou pode significar menos dores, um saber fazer
junto para um bem viver, um estar junto maffesoliano!

O instituinte no/do cotidiano, segundo ideias maffesolianas, oferece sentido ao grupo


cultural, os momentos culturais de encontros do(s) grupo(s) são uma forma de
expressar o “prazer de estar junto”. Maffesoli (1996, p.15 e 16) se refere a uma
“solidariedade específica que é preciso levar em conta”. E ainda segue afirmando
este autor (IBIDEM, p. 73) que “a sociedade é também, um conjunto de relações
261

interativas, feito afetos, emoções, sensações que constituem, stricto sensu, o corpo
social”. Por fim Maffesoli (IBDEM, p. 13) revela que “o sentir comum, é um bom
meio de elaborar nossos olhos, sentimento partilhado. Uma estética
descompartimentada permite compreender estar-junto desordenado, versátil,
inatingível: a sociedade”, e eu acrescento, o grupo social.

Acompanhando esta Oficina do fazer canoas, pode-se constatar que todo o trabalho
de esculpir a madeira bruta é destinado aos homens em Joselândia, mas o uso dela
se destina aos moradores do complexo comunitário como um todo. Segundo
informações obtidas através das conversas, entrevistas abertas, é sabido por eles
que a origem da canoa é indígena, porém, afirmaram que essa história nunca foi de
fato contada por lá.

Muitos fazedores guardam o saber fazer canoa, fazendo-as somente para uso
familiar; apenas cinco fazedores são considerados Mestres no saber fazer na e pela
comunidade. Uma das pessoas mais velhas em Joselândia123 contou que sempre fez
para o uso da sua família, e que seu pai também sempre fez canoas com esta
mesma intenção de uso familiar.

O aspecto determinante da condição de um mestre de canoas, nessa comunidade, se


dá pelo simples fato de saber fazer, associado ao recebimento de encomendas [um
fazer além do próprio uso], segundo informações obtidas dos participantes da
Oficina. Os Mestres que fazem canoas na localidade revelaram ter idade entre 45 a
50 anos de idade e, segundo eles, “de uns 25 anos para cá não tem fazedor, hoje os
jovens gostam de um computador, estudar, conhecer outras coisas”.

Os Mestres do fazer só fazem canoas para além do uso familiar se for solicitada
alguma encomenda. Nesse complexo comunitário, não existe o hábito de fazer
canoas para colocar à venda em algum estabelecimento dentro dos limites da
comunidade, nem fora dela. As encomendas são advindas dos próprios moradores de
Joselândia, tanto da sede São Pedro como das demais comunidades. A média anual
de encomendas de canoas gira, aproximadamente, entre quatro a cinco canoas ao
ano, e o ápice ocorre, segundo informações dos Mestres em Oficina, com a chegada

123
Fevereiro de 2011 com 96 anos.
262

das águas (chuvas), momento em que a necessidade do uso da canoa neste


Pantanal se revela fundamental (Imagem: 94).

Imagem 94: Fotografias “Caminhos de água na cheia, desenhadores da necessidade da canoa”. Fotos, João
Quadros Ramos.

Nem todos os Mestres possuem ferramentas adequadas para fazer canoas, mas para
superar essa questão, eles próprios desenvolveram um sistema de empréstimos
entre eles. Então, mesmo um Mestre que não possui ferramentas para a empreita de
transformar a madeira em canoa, pode fazer o trabalho. Somente um dos Mestres
possui todas as ferramentas necessárias, e os demais possuem somente algumas
delas.

A geografia de uma canoa esculpida se desvela em espaços nominados, são eles: i)


proa; ii) banco da proa; iii) entre bancos; iv) banco do corpo da canoa; v) corpo; vi)
banco da popa; e vii) popa (Imagem: 95).
263

Imagem 95: Desenho “Geografia da canoa esculpida”. Arte: Michèle Sato.

Na ciranda do fazer canoa pantaneira há prejuízos, há impactos ambientais em


escala microscópica, se relacionado com os realizados pelo sistema capitalista que se
revelam em escala industrial/comercial. A mais atingida com esse prejuízo localizado
é a natureza, que por sua vez, esbarra nas vidas em geral, e em específico na
humana mesmo. Disseram os mestres que “por mais que se tenha bastante Cambará
nascendo e já nascido na região pantaneira, com a derrubada das árvores para fazer
uma canoa, se acaba quebrando mais árvores no entorno da árvore escolhida e
derrubada”. Ficando para trás os restos da madeira cortada durante todo o processo
de feitura, que ficam boiando na água, Atelier Água, e no chão, Atelier Terra.

Nessa mesma ciranda, há saber ecológico. Na comunidade é mantido um cambarazal


como área de preservação local, por decisão dos mais velhos, e todos respeitam e
não retiram Cambará de lá. “Se a mata (cambarazal) for preservada, que é a
natureza, o maior beneficiado seremos nós mesmos, porque precisamos das chuvas,
e se perdermos a mata perderemos as chuvas e não se tem mais canoa. Isto já dá
264

para sentir, já está acontecendo, quanto mais desmatamos, mais atrasa as chuvas
[águas]”, afirmam os canoeiros.

Os fazedores de canoas são sabedores de que o Cambará é uma madeira de Lei e


que por isso o corte é proibido. Porém, há leis estaduais e federais que versam sobre
o uso e não uso de madeiras (Cambará) e também sobre a preservação dos
conhecimentos tradicionais na perspectiva sustentável, como a Lei Estadual para o
Pantanal - nº 8.830 (Anexo: 05) e o Decreto Federal para Comunidades Tradicionais
- nº 6.040 (Anexo: 06).

E por fim, acompanhando o fazer canoa, pode-se constatar que é usado o tronco do
Cambará para fazer canoas, porém há outros usos locais dessa espécie. É costume
em Joselândia transformar a madeira do Cambará em mourões usados em cercas;
vigas, ripas e tábuas para fazer casas e currais; e a casca é usual para fazer chá a
fim de combater a tosse.

Todo o processo aqui descrito resultou em uma publicação pedagógica, nominado de


“No caminho das águas, a feitura da canoa” APÊNDICE – Cartografia da canoa124.

Canoa pantaneira, objeto da arte popular

Podemos afirmar que uma canoa feita em Joselândia nunca é igual à outra, mesmo
feitas pelo mesmo fazedor (Imagem 96)! Um fazer pode ser bem feito, um bem
fazer, que pode se revelar um belo e interessante fazer artesanal. Esse bem fazer
pode ganhar volume e se tornar um bem comum, um bem público e um bem
cultural, podendo, inclusive, se tornar um bem econômico, mantendo, contudo, o
foco no viés de ajudar a pensar e projetar outras paisagens, outros comércios,
outras formas de se conceituar o lucro, o sentido de investimento.

Um bem que pode animar a alma, despertar sonhos e provocar espíritos fazedores,
usuários, professores e estudiosos que tenham como mote a sustentabilidade do
lugar de morada. Como lembra Milton Santos ( 009, p.39) “o sonho que obriga o

124
Cartografia da Canoa realizada em Oficina-pesquisa com os Mestres da Canoa.
265

homem a pensar”. Parafraseando Santos (2009): é alimentando o sonho de entalhar


canoas que mãos fazedoras podem pensar, e pensa!

Imagem 96: Fotografia “Canoa, objeto da arte popular mato-grossense”. Foto, João Quadros Ramos.

“Mãos hábeis no traço, precisas no entalhe, se dariam a transformar a natureza em


arte” (OTERO, 2002, p. 113). Segundo Müller (2002, p. 7), “A criação brasileira se
manifesta com força e beleza em cada canto do país. Não se pode dizer que haja um
estilo. Formas, materiais e motivos se apresentam em combinações tão imprevisíveis
que concedem status de arte as peças simples do cotidiano”.

Arte é também expressão que desvela sensibilidade estética local e própria, ou seja,
não é uma estética somente com fins econômicos, como propõe o mundo industrial-
capital. Não é somente como uma estética massificadora com fins globalizadores
nem uma estética que atenda à demanda da indústria cultural de serviços para o
turismo, por exemplo. Os produtos populares, tradicionais são feitos para atender,
numa primeira instância, às necessidades da vida cotidiana de uma comunidade e,
concomitante, desenham valores estéticos dessa gente.

É fato, porém, que, na atualidade, esses produtos se prestam ou podem se prestar


para atender a sobrevivência econômica de quem os produz, através da venda da
produção artesanal, geralmente em pequena escala, ou como preferem alguns, uma
produção artesanal de “fundo de quintal”.

A arte reconhecida como popular comunica uma identidade local, uma tradição, um
jeito próprio de ser e estar historicamente construído (HALL, 2005), contado pela
266

ótica de um fazedor inserido num grupo social ou sociedade, que é o artista popular,
reconhecido como tal ou não, através da sua criação. Posto isso, o produto da arte
revela um ser humano na perspectiva do feito à mão.

É uma manifestação encravada na vida das comunidades, na cultura de um grupo


social humano que se presentifica no mundo, utilizando matérias que se apresentam
na natureza para a criação. São objetos reveladores de formas de ver, ser, estar na
vida com o ambiente natural e social, portanto com o mundo. Um trabalho que
revela uma compreensão de mundo que transborda temas ecológicos, sociais,
culturais, imaginário e muito mais, tocando os que o apreciam e o conhecem. Como
dispõem Santos (2002, p. 10), “Os objetos artesanais apresentam um valor de algo
produzido [...], que expressa fundamentalmente nossa identidade cultural e
tradições, constituindo-se propriedade cultural coletiva. Matem os referenciais
distintos e únicos de nossa cultura”.

As estudiosas da arte-educação, Ferraz e Fusari (1999, p. 17), interpretam a obra de


arte como participante “das ambiências e manifestações estéticas de nossa vida. São
obras concretizadas pelos artistas que as produziram, as quais só vão se completar
com a apreciação, participação de outras pessoas (o público)”.

E ainda as estudiosas, na mesma página, (FERRAZ E FUSARI, 1999, p. 17), tratam


de desenhar o público, e apontam que: “as pessoas apreciadoras com as quais essas
obras são postas em comunicação, participam ativamente das mesmas por meio de
seus diferentes modos e níveis de saber admirar, gostar, apreciar e julgar,
culturalmente apreendidos”. Santos ( 00 , p. 11) desperta uma reflexão relativa ao
“investimento” do trabalho artesanal empreendido (dos saberes envolvidos -
acréscimo meu) e por isso “presente nas peças” feitas, despertadoras de sentidos
nos apreciadores. A autora revela o “fascínio que o trabalho exerce sobre nós,
moradores das grandes metrópoles”, por estarmos atrelados a um viver no consumo
industrial.

Considerando o que revelaram Ferraz e Fusari somado ao revelado pelos Mestres


fazedores, a canoa de Joselândia tem muito a falar, a comunicar. Portanto, a canoa
pode ser objeto de aprendizagem, de formação em diversas áreas, não só na e para
a arte, nem tão pouco restrito à educação escolar. Por essa razão, deve importar
267

conhecer as produções artísticas e estéticas populares com intento revelador de


novos caminhos, novos olhares, novas proposições, pois estes são saberes que
podem tocar a imaginação criadora de quem se atreve a conhecê-los. Saberes que
podem acordar corações e mentes mais desejosas em conhecimentos para melhorar
a vida, principalmente nas questões ligadas à natureza, com o intuito de aprender
com o outro, ecologicamente falando. Boff (2012, p.14 a 17), em algumas reflexões
a partir da Carta da Terra. E (2012, p. 17), aponta que “a sustentabilidade deve ser
pensada, com equidade, fazendo que o bem de uma parte não se faça à custa do
prejuízo de outra”.

Ao revelar a cartografia da canoa pantaneira, foi desvelado saberes envolventes da


forte ligação da cultura com a natureza, evidenciando a tessitura das ligações
ecossistêmicas. Este saber fazer canoa em Joselândia revelou uma arte popular
produzida neste território úmido e desvelou a identidade pantaneira e mato-
grossense com a canoa, abrindo caminhos para contribuir com uma avaliação
ecossistêmica pantaneira pelo viés cultural-artístico, no que tange à impossibilidade
de se etiquetar com a precificação, como faz o sistema capital.

Boaventura (Santos, 00 , p. 11) afirma que “os objetos artesanais estão muito
próximo (e eu acrescento, junto) à natureza. Eles usam materiais disponíveis nas
diversas regiões: o barro, a pedra, a madeira”. E Müller ( 00 , p. 7) revela que:

Artesãos catalizaram a vitalidade dos materiais, sua diversidade e


beleza em peças únicas que atendem as necessidades várias da vida
cotidiana. Nessa dimensão de sobrevivência e de preservação da
vida, o artesanato implica a produção de artefatos com alta
qualidade. São peças bem proporcionadas, em que as formas e o
justo emprego dos materiais estão diretamente ligados a satisfação
[prazer] das necessidades e aos recursos disponíveis.

Pode-se desenvolver um trabalho cartográfico de cunho artístico-pedagógico


enriquecedor da tessitura do mapa socioambiental no bioma pantaneiro e, por essa
razão, contribuidor de proposições políticas e programas para ancorar os mestres da
arte popular pantaneira, o grupo social pantaneiro para além do Pantanal de
Joselândia, até mesmo os mestres de outros Pantanais de Mato Grosso e do Pantanal
Brasileiro, porque pode haver canoas entalhadas a partir de um só tronco, sejam dos
caules dos Cambarás, como também de outras espécies vegetais.
268

Imagens culturais escritas sobre a canoa mato-grossense

Empreendendo um vasculhar bibliográfico em busca da canoa mato-grossense,


encontrei na obra Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de Hércules Florence (1997),
imagens escritas que abordavam o fazer canoas em tempos passados (1997, p. 267
a 271) e um relato da feitura de uma canoa de Tacuri 125 nas proximidades do rio
Juruena - MT. Embora a feitura seja descrita de forma objetiva, percebe-se que a
maneira de fazer se aproxima do saber fazer canoa de Joselândia. Segundo Vicente
Ferreira (2001, p. 209), quando trata da cultura mato-grossense:

Temos ainda o artesanato em madeira. Típico das localidades


ribeirinhas do rio Cuiabá, sendo um exemplo, o feitio de canoas de
pesca e remos. Antigamente, nos tempos mais remotos dos
bandeirantes, era usado o sistema indígena de fazer canoa de casca
de Jatobá. [...] O canoeiro utiliza-se tão somente da madeira
denominada Ximbuva ou Cambará, macia e fácil de escavar.
O livro intitulado “Cultura mato-grossense”, escrito por Roberto Loureiro, ( 006,
p.172) aborda sobre:

Artefatos em madeira e fibras vegetais, revela que a A madeira é um


material muito utilizado no artesanato regional. [...] Fabricam-se
também canoas comuns, montaria (canoa que só cabe uma pessoa)
e batelões (canoas muito grandes), de madeira, como a chimbuva,
arapotanga, cedro e a canafístula.
Campos Filho (2008, p. 62), ao escrever sobre os pequenos produtores artesãos na
obra Diversidade sociocultural em Mato Grosso, aponta que “essas atividades se
caracterizam pela confecção de artefatos e produtos variados, criados
individualmente e manualmente”.

Iconografias da canoa: imaginário artístico mato-grossense

Aqui a busca se desenhou pelas iconografias que ecoam do imaginário artístico dos
fazedores de arte – os artistas, assim como uma espécie de “olho de dentro”,
“imagens que penetram, catalisam e resultam numa certa estética” (GUIMARÃES,
2007, p. 158 e 159). Como reforça a mesma estudiosa da arte mato-grossense
mencionada acima ( 007, p. 165), “O elo que se constrói entre fruta – bicho – mato
e homem, a primeira vista, pode parecer banal. Diria até que nem aparece. É de
125
Espécie de Palmeira.
269

certa forma invisível”. Mas as imagens artísticas são intensas pela presença, sejam
nas ruas, nos livros, nos trabalhos científicos e nas teses. Teixeira e Porto (2004, p.
11) ao se remeterem aos desenhos de uma pesquisadora, feitos em pesquisa, um
território artístico-científico inspiradores do tema de um Fórum, território científico
sobre “Violência simbólica na escola”126, alertam quanto a esta presença da imagem
em diálogo:

Através do idioma das imagens e das mensagens que transmitem,


Imara estabelece uma relação de cumplicidade com o
leitor/espectador que não consegue experiênciá-las de forma passiva,
pois elas remetem ao imaginário do medo que se instaura
silenciosamente por detrás das grades que aprisionam e angustiam
professores e alunos.

Considerando essa presença intensa da imagem artística no seu papel falante via
idioma universal (QUADROS, 2004) seja nos livros ou a céu aberto, empreendeu-
se este inventario artístico mato-grossense bibliográfico e não bibliográfico, na
ideia de perseguir indícios de uma canoa identitária.

Iconografias bibliográficas da canoa

Para compreender o valor identitário, o imaginário cultural da canoa para os


mato-grossenses para além dos contornos pantaneiros, também investi no
empreendimento de uma expedição bibliográfica em livros de história, cultura,
turismo e arte, garimpando imagens fotográficas, gravuras, pinturas e desenhos
que revelassem de alguma maneira a canoa. Na obra de Florence (1997, p. 270 e
272), encontrei gravuras que mostravam partes do processo de fazer canoa.
(Imagem: 97 e 98).

126
Desenhos já mostrados nas p. 64 e 65 desta tese.
270

Imagem 97: Desenho “Gravuras do fazer canoa 1”. Gravura, Florence (1997, p. 270).

Imagem 98: Desenho “Gravuras do fazer canoa 2”. Gravura, Florence (1997, p. 270).
271

Nessa busca, cheguei também aos livros de Machado (Diversidade sociocultural


de MT, 2008); de Siqueira (História de Mato Grosso, 2002); de Figueiredo (Arte
aqui é mato, 1990); de Bertoloto (Iconografia das águas, 2006) e em um Guia
Turístico de MT (2007), nos quais também encontrei informações iconográficas
no viés artístico, objeto da busca.

No capa do livro de Machado (2008), uma obra que trata da diversidade


sociocultural mato-grossense, encontrei uma imagem provavelmente pintada, que
mostra um índio pescando com arco e flecha em cima de uma canoa nas águas
de um rio (Imagem: 99).

Imagem 99: Pintura “Índio pescando em cima de uma canoa”. Pintura, Machado (2008, capa).

Na mesma obra (MACHADO, 2008, p. 68 e 78), encontrei imagens fotográficas


que mostram um pescador pescando em cima da sua canoa com arco e flecha
como os indígenas daquele território, e a outra, um pescador e um cavalo,
atravessando o rio de cano (Imagem: 100).
272

Imagem 100: Fotografias “canoas e pescadores”. Foto, Machado (2008, p. 68 e 78).

Na capa da obra de Siqueira (2002), que aborda sobre a história de Mato Grosso,
encontrei uma imagem provavelmente pintada, que mostra os batelões127 em
tempos de bandeira (Imagem: 101).

127
Uma canoa para muitas pessoas.
273

Imagem 101: Pintura “A história e a canoa”. Pintura, Machado (2008, p. 68 e 78).

Na obra de Figueiredo (1990), que apresenta o percurso histórico dos artistas e


das artes plásticas de Mato Grosso, encontrei imagens artísticas e fotográficas.
Nas artísticas, encontrei uma pintura e pastel do artista Clóvis Irigaray que
apresenta um índio remando uma canoa (Imagem: 102), e uma pintura a óleo
sobre tela do artista Gervane de Paula, que mostra canoas na beira do rio
(Imagem: 103). A fotografia, do fotógrafo José Maurício, retrata canoas na beira
do rio (Imagem: 104).
274

Imagem 102: Fotografia “Canoa na pintura de Clóvis Iriguaray”. Foto, Figueiredo (1990, p. 29).

Imagem 103: Fotografia “Canoa na pintura de Gervane de Paula”. Foto, Figueiredo (1990, p. 40).
275

Imagem 104: Fotografia “Canoa na beira do rio, fotografia de José Maurício”. Foto, Figueiredo (1990, p.
62).

A artista Geracy Bianchini apresentou uma pintura que exibe os pescadores


chegando de uma pescaria com suas canoas (Imagem: 105). Benedito Filho
mostra em, provavelmente um desenho-gravura, a temática da construção da
ponte Júlio Muller com canoas presentificadas (Imagem: 106). O artista João
Sebastião apresenta pinturas com ênfase nas canoas: uma mostra a canoa
carregando uma onça, outra, uma canoa carregando uma casa e mais outra, a
canoa carrega quase todo o Cuiabá e, por fim, uma canoa carrega a fé, a crença
em São Sebastião da canoa (Imagem: 107).
276

Imagem 105: Pintura “Pescadores com canoas na obra Geracy Bianchini”. Foto, Figueiredo (1990, p. 61).

Imagem 106: Arte “Canoas na obra de Benedito Filho”. Foto, Figueiredo (1990, p. 64).
277

Imagem 107: Arte “Canoas-onça, canoas-casas e canoas-fé nas obras de João Sebastião”. Fotos, Figueiredo
(1990, p. 123, 125, 128 e 130).

Vídeo 02: Vasculhar imagético escrito e icnográfico artístico-cultural. Produção: Imara Quadros. Acesso em:
(Drop Box): https://www.dropbox.com/sh/g4gm0khukt399ne/tqtSS8Ru2I e (You Tube):
https://www.youtube.com/watch?v=MqELiRYBTrI
278

Iconografia urbana da canoa

No itinerário do vasculhar totalmente aleatório, percorri ruas, avenidas, bairros de


importância histórica para o mato-grossense, bem como espaços contemporâneos da
capital de Mato Grosso, onde ocorre agrupamento de grande número de pessoas,
tais como os shoppings, na pretensão de encontrar a canoa em outras paragens na
tentativa de melhor compreender se este objeto local se prestaria como elemento
identitário para além do Pantanal. Um vasculhar icnográfico, imagético artístico em
busca de imagens artísticas que abordassem sobre canoas.

Ludimila Brandão (2007, p. 10), ao abordar sobre a obra “Arte na rua”, revela que é
“uma arte que não se esconde nos museus, que não se guarda para poucos, que é
apropriada também pelas classes populares, capazes de usufruir dela de forma que
essa experiência estética repercutisse em seus problemas essências e os auxiliasse a
lidar com eles [...]”. Ao abordar sobre a obra “Arte na rua” revela que é “uma arte
que não se esconde nos museus, que não se guarda para poucos, que é apropriada
também pelas classes populares, capazes de usufruir dela de forma que essa
experiência estética repercutisse em seus problemas essências e os auxiliasse a lidar
com eles [...]”. E Guimarães ( 007, p. 7) também contorna essa arte posta nas ruas
em Cuiabá [capital mato-grossense], a céu aberto, “espalhando-se pelos muros,
prédios, viadutos, ônibus, caminhões de lixo, entre outros suportes, essa arte visual
não só educou um olhar para fazer o visível, como fixou e constituiu uma iconografia
nos termos de uma estreita relação entre arte, natureza e identidade”.

Segundo ideias de Gaston Bachelard (1993), imagem é produto da imaginação,


concreto, mental, uma representação que evoca por semelhanças. Esse filósofo
(1993, p. 4) aponta que a “imagem é produto da união da realidade com a
subjetividade, uma dádiva da consciência ingênua, documentos da consciência
sonhadora”. Para Bachelard, a imagem, no sentido poético, é um acontecimento da
razão sensível e, por essa razão, seu pensamento indica que a imagem é a
expressão criando o ser.

As imagens são provocadoras, pois ressoar é provocar com profundidade a


compreensão da vida humana, que pode ser uma influência provocante
279

(BACHELARD, 1993). Repercutir é despertar para a criação, força representante que


quer expressar e comunicar. Ressoar e repercutir, forças que provocam e despertam
- “gozos poéticos de uma alma para outra alma” (BACHELARD, 1993).

Para tanto, se considerou que as pessoas expressam e comunicam seus sentimentos


e leituras de mundo de formas múltiplas e não por apenas uma via. Essa
multiplicidade comunicativa não se encontra confinada no território da oralidade e da
escrita, apresentando um vasto repertório de possibilidades expressivas. Cada grupo
social cria e estabelece formas próprias de vida na relação com o lugar onde vive que
são expressas/comunicadas por diferentes formas.

A Arte, então, se revela como uma maneira bastante significativa de Comunicar e


Expressar de forma sensível e também crítica, rumo à possibilidade criativa,
desvelando valor que deve importar a todas as áreas de produção de conhecimento,
não só da arte na educação, da educação ambiental, mas também da ciência, pelo
menos as que estiverem voltadas para a educação, quiçá Ciências Humanas.

Seguindo pelas vias da capital, encontrei, em uma das avenidas uma escultura que
mostrava a canoa acompanhada de um índio com seu pescado (Imagem: 108).

Imagem 108: Fotografias “Escultura com a presença da canoa na Av. Fernando Correia”. Fotos, João Quadros
Ramos.
280

Passando por uma feira popular no setor comercial bastante frequentada pela
população local, encontrei, nas paredes de um dos boxes que comercializava
material de pesca, uma pintura provavelmente de um artista popular que revelou a
canoa na ambiência pantaneira, exibindo um pescador na canoa (Imagem: 109).

Imagem 109: Fotografias “Pintura com a presença da canoa no Mercado do Porto”. Fotos, João Quadros
Ramos.

Percorrendo os shoppings da capital de Mato Grosso, encontrei algumas imagens


artísticas que revelava a canoa. Na entrada de acesso de um desses shoppings,
encontrei incrustações feitas, provavelmente em cimento nas paredes, exibindo a
canoa em duas situações, uma imagem mostrava a canoa com um índio, e a outra,
uma canoa do tipo batelão contendo índios e bandeirantes (Imagem: 110).
281

Imagem 110: Fotografias “Intervenções com a presença da canoa no Shopping Três Américas”. Fotos, João
Quadros Ramos.

Em outro shopping da capital, na entrada do setor cinematográfico onde se compram


os ingressos, encontrei uma instalação, uma ambientação de uma canoa em vidro
transparente com um pescador e um condutor da canoa (Imagens: 111 e 112).
282

Imagem 111: Fotografias “Canoa de vidro na entrada do cinema no Shopping Pantanal 1”. Fotos, João Quadros
Ramos.

Imagem 112: Fotografias “Canoa de vidro na entrada do cinema no Shopping Pantanal 2”.Fotos, João Quadros
Ramos.

Ainda pelas andanças nos shopping encontrei imagens da canoa em alguns


restaurantes, ornando de diferentes e variadas formas a ambiência da praça de
283

alimentação. Uma delas, uma fotografia em preto e branco, revela a canoa que exibe
pescadores no rio, acompanhada de um poema do poeta Manoel de Barros, expostos
em um grande painel no espaço onde ficam as mesas do restaurante (Imagem:
113).

Imagem 113: Fotografias “A canoa no Restaurante Serras no Shopping Três Américas”. Fotos, João Quadros
Ramos.

Em outro restaurante desse grande centro comercial, encontrei a canoa compondo o


teto como lustres e, nas paredes e no vidro de uma das janelas, a canoa com e sem
pescador aparecem como intervenções decorativas, ambientações (Imagens: 114,
115 e 116).
284

Imagem 114: Fotografias “A canoa na ambientação do Restaurante Vale Verde no Shopping Pantanal 1. Fotos,
João Quadros Ramos.

Imagem 115: Fotografias “A canoa na ambientação do Restaurante Vale Verde no Shopping Pantanal 2. Fotos,
João Quadros Ramos.
285

Imagem 116: Fotografias “A canoa na ambientação do Restaurante Vale Verde no Shopping Pantanal 3. Fotos,
João Quadros Ramos.

Vídeo 03: Vasculhar icnográfico artístico. Produção: Imara Quadros. Acesso em: (Drop Box):

https://www.dropbox.com/sh/g4gm0khukt399ne/tqtSS8Ru2I e (You Tube):


https://www.youtube.com/watch?v=MqELiRYBTrI
286

Posso ressaltar que, com essas andanças, constatei que a canoa foi encontrada em
diferentes obras bibliográficas da cultura local, do passado ao presente, bem como
em variados lugares, em diversas versões, deliberando um entendimento de que a
canoa se coloca como um forte elemento identitário para além de Joselândia e do
Pantanal mato-grossense, para muito além do preço econômico da canoa pantaneira,
das obras artísticas que revelam canoas e para muito além de quem destrói o
ecossistema e biodiversidade em nome do lucro, para muito além de qualquer
imposto, prêmio ou pagamento que acredite poder precificar uma identidade cultural
que nasceu da mais forte relação humana entre natureza e cultura.

A canoa, como elemento de cultura de Joselândia e como identidade do mato-


grossense, se revela valioso para o cuidado ecológico, para a aprendizagem, para a
política cultural, enfim. Ao final desta cartografia, entende-se a canoa-arte popular
como um fio interessante para a formação das pessoas e setores envolventes do
Pantanal.

Ao conhecer as obras de Aline Figueiredo (1990), Serafim Bertoloto (2006) e Suzana


Guimarães (2007), estudiosos da arte mato-grossense, pude constatar as imagens
artísticas nas obras literárias. Para muito além da obra de arte, o acervo deste
estado, as pinturas, por exemplo, sempre teceram a relação natureza-arte, seja na
matéria concreta como a madeira para a canoa, seja na matéria paisagem,
sentimentos de pertencimento de um lugar, de um objeto, de uma paisagem que
geram a criação, os temas do discurso pictórico. E com as obras a céu aberto, “a
arte nas ruas” (GUIMARÃES, 007), alcancei melhor compreensão da canoa como
um elemento cultural que, mesmo inconscientemente ao olhar sem o foco, reside
ligação com a natureza. Por essa razão, deve-se considerar a imagem da canoa na
pintura e fora dela como arte popular entrelaçada com o ecossistema pantaneiro. Por
isto, interessante para a formação das pessoas e setores envolventes do Pantanal.
287

Estação 7: Águas chegantes deste lugar pantaneiro

O Pantanal, como um todo, se coloca como uma importante reserva de água doce,
abrigando espécies e mantendo vidas humanas e não humanas. Então, deve
importar muito também a parte brasileira dessa área úmida, bem como o Pantanal
Norte, que se encontra em território mato-grossense. Se assim for considerado, o
Pantanal de Joselândia, como parte desse grande Pantanal, deve importar muito
para a humanidade.

Segundo estudos do World Wide Fund – WWF, The Nature Conservancy – TNC e o
Centro de Pesquisas do Pantanal - CPP que objetivam conhecer a saúde pantaneira
(presente) para revelar possíveis problemas (futuro), resultantes do efeito das
mudanças climáticas, por exemplo, afirmaram que esse ecossistema é “importante
frente ao futuro incerto das mudanças climáticas” (SALLES, 2012, p.8).

A reportagem que apresenta esses estudos traz, na sua manchete, a seguinte


chamada: “Bacia do Paraguai ameaçada: estudos da WWF aponta que metade da
bacia pantaneira está sob alto e médio risco” (SALLES, 2012, p.8). Segundo
reportagem, a bacia do rio Paraguai revela que “14 dela necessitam ser protegidos
com urgência, dada sua grande capacidade de fornecer água e manter os ciclos de
cheias e vazantes, que dão vida ao Pantanal” (SALLES, 2012, p.8).

O Pantanal em estudo, o de Joselândia, parte desse todo importante pantaneiro,


encontra-se emoldurado pelos rios Cuiabá e São Lourenço, rios que compõem a
bacia do Alto Paraguai. E, no ciclo das águas nesse lugar, são esses rios que,
somados ao Mutum, segundo ecos dos participantes da pesquisa, brindam a vida nas
águas, fazendo nascer canoas e instaurando imagens culturais de importante valor
de vida simbólica do mato-grossense.

Na medida em que era desvelado o fazer canoas em Joselândia com intento de


compor a tessitura ligante entre natureza-cultura e ecossistema-arte, o revelar me
empurrava para uma nova necessidade, conhecer as ligações hídricas para bordar a
compreensão que pode ser ameaça para este Pantanal hoje. A busca foi realizada
em livros impressos e materiais diversos virtuais, tais como: vídeos, cartilhas e
outros, bem como, em mapas impressos e virtuais, buscando compreender o
288

percorrido e encontrado pelas águas das nascentes dos rios envolvidos na empreita
até chegar ao complexo de Joselândia.

Mas logo nos primeiros passos da descoberta, percebi mais uma vez ser impossível
percorrer todos os rios emoldurantes do Pantanal de Joselândia , o Cuiabá e o São
Lourenço. Empreendi, então, um recorte devido ao tempo e logística para realizar tal
empreita expedicionária. A opção foi ficar com parte do Rio São Lourenço, da
nascente até um pouco antes de iniciar a descida para a planície pantaneira, o
restante encontra-se a caminho, mas não dará tempo para este presente estudo
(Imagem: 117).

Imagem 117: Mapa pictórico “Expedição dos rios chegantes na cheia de Joselândia”. Arte: Imara Quadros.

Essa expedição exploratória, que percorreu da nascente do rio São Lourenço até um
pouco antes de iniciar a descida ao Pantanal, mostrou-me a importância das águas
nascentes e correntes no ecossistema vizinho do Pantanal, o Cerrado, do qual
também depende a saúde pantaneira. Essa expedição, ao conhecer minimamente as
águas chegantes da cheia pantaneira, mapeou alguns impactos sofridos nesse
289

pequeno trecho do trajeto líquido, evidenciando os desrespeitos mais críticos com


relação a questões socioambientais, demonstrando o império da cultura do lucro.

A reportagem que apresenta os estudos do WWF, TNC e CPP (SALLES, 2012, p. 8)


aponta as principais ameaças da saúde da Bacia do Paraguai. São eles:

Desmatamento; manejo inadequado das terras para agropecuária,


causadores de erosão e sedimentação dos rios; barramentos
hidroelétricos, que alteram o regime hídrico natural do Pantanal;
crescimento urbano e populacional, seguidos por obras de
infraestrutura – rodovias, barragens, portos, hidrovias – construídas
sem critérios de sustentabilidade, colocando em risco o sistema
cíclico pantaneiro.

O rio São Lourenço nasce na cidade de Campo Verde, em Mato Grosso, passa pelo
município de Dom Aquino, atravessa a cidade de São Pedro da Cipa e encontra com
o rio Areia, que passa pelo município de Juscimeira. Essa soma líquida corre para
contribuir com suas águas na Bacia do São Lourenço. As águas que passam pelo
município de Jaciara também seguem para o encontro do São Lourenço. O rio
Vermelho, que passa pela cidade de Rondonópolis, parte sul do estado mato-
grossense, encontra com o São Lourenço para, juntos, engrossarem as águas
pantaneiras, compondo a Bacia do rio São Lourenço (FERREIRA, 2001).

O primeiro trecho dessa expedição se desenhou pelo município de Campo Verde,


onde é indicado ser/estar a nascente do rio São Lourenço. Saindo da parte central
dessa localidade em direção à estrada estadual MT-344, que leva ao município de
Dom Aquino, o local indicado como a nascente desse rio, justo ali localiza-se uma
das granjas encubadoras da Sadia128, propriedade privada na área de alimentos
industrializados que não só cria como abate frangos em quantidade industrial, como
revela vasta plantação da espécie Eucalipto, para queima nos fornos da indústria
(Imagem: 118).

128
Granja 1, 2 e 3.
290

Imagem 118: Fotografias “Nascente do rio São Lourenço”. Fotos: Imara Quadros e Hélio RamosCaldas.

Em visita a essa granja, pude observar que apresenta galpões, provavelmente para
frangos e muitas plantações de eucalipto, inclusive muito próximos às margens da
mata ciliar onde é apontada a nascente do São Lourenço. No entorno da Granja da
Sadia é encontrado um cemitério e, como moldura, esse município revela não só
cenário industrial, como latifundiário com extensivas plantações de soja, algodão,
milho, eucalipto e cana de açúcar, com tudo o que este quadro revela.

Saindo de Campo Verde em direção a Dom Aquino, passei pelo córrego Barroso,
também rodeado de plantações de cana; pelo rio Parnaíba; pela estação
hidromineral Guarani de água fluente, com uma empresa instalada ali, que engarrafa
e vende a água da marca Puríssima.

Passando aproximadamente um quilômetro e meio da entrada da empresa da água


Puríssima, passei por uma ponte sobre o rio São Lourenço, o qual desce em direção
291

a Jaciara e Juscimeira. Nesse trecho do percurso, o cenário urbano é trocado pelo


cenário rural, revelando uma região mais montanhosa e por isso impactada, por
enquanto. Apresenta belos cenários com pequenas fazendas de gado – pastagem de
médio e pequeno porte. Nesse trecho, continua vez ou outra a aparecer algumas
plantações de cana de açúcar, principalmente nas proximidades dos municípios de
Jaciara e São Pedro da Cipa (Imagem: 119).

Imagem 119: Fotografias “Passagem do São Lourenço por Campo Verde e Dom Aquino”. Fotos: Imara Quadros
e Hélio RamosCaldas.

Ainda na MT-344, há outra ponte sobre o rio São Lourenço. Em seu entorno, não se
tem cidade, mas está bastante próxima às cidades de São Pedro da Cipa e Jaciara.
Nesse percurso, além da estrada e seus problemas, deparei-me com grandes
plantações de cana de açúcar. De um determinado ponto da estrada, logo se avista
ao longe uma baixada captadora das águas para continuar correndo rumo ao
292

Pantanal. No cenário do entorno dessa baixada, ainda se depara com plantações de


cana de açúcar.

Ao sair da MT-344, passei pelo trevo de Jaciara, onde se encontra a entrada para a
BR-163, sentido Rondonópolis, sul do estado de Mato Grosso. A primeira cidade por
onde passei a partir deste ponto foi São Pedro da Cipa, onde o rio São Lourenço
atravessa enfrentando as problemáticas que advêm dos centros urbanos. Depois de
São Pedro, está o município de Juscimeira, por onde passa o rio Areia, o qual
também deságua no São Lourenço mais à frente (Imagem: 120). O rio Vermelho,
que passa por Rondonópolis, também deságua no São Lourenço, mas esse trecho
não foi possível terminar, está a caminho, pois, ao iniciar a expedição nesse
percurso, percebi que necessitava de apoio logístico bem maior do que o realizado
até aqui, e naquele momento isso não seria possível projetar e empreender129.

129
Quanto a continuidade desta expedição, no final do ano de 2011 e no desenrolar de 2012 foram
realizada visitas informais a alguns trechos, um deles foi o encontro do São Lourenço com o rio
Vermelho, e o outro, foram outros trechos do São Lourenço. Estas pesquisas exploratórias foram
feitas com a ajuda de alguns professores, colegas do Instituto Federal de Mato Grosso –
IFMT/Campus de Rondonópolis foram eles: Professor Pedro Barros (Diretor Geral da Escola),
Professor Wilson José Soares (Professor de Geografia), Professor Benjamin Rodrigues Ferreira (então
Professor de Literatura da Escola, hoje da UFMT/Campus Roo) e o Prof. Valter Cardoso da Silva
(Professor de Filosofia). Os custos destas empreitas exploratórias saíram dos próprios professores que
dividiram e ou assumiram o total dos gastos; primeiro pelo prazer em participar da pesquisa, e depois,
porque esta experiência primeira já estava rumando para se tornar um projeto de pesquisa
exploratória da escola em parceria com o GPEA/UFMT. A ideia estava amadurecendo para a
montagem de um Projeto que percorreria o Rio Vermelho da nascente ao encontro com o São
Lourenço, e da nascente do São Lourenço ao encontro com o Vermelho em uma primeira etapa, e na
segunda, deste encontro de rios ao Pantanal de Joselândia. Só que neste processo encontrei alguns
impactos de ordem familiar associados a possibilidade de ter que ser removida para um dos Campus
de Cuiabá, assim, a ideia ficou adormecida, aguardando novos impulsos. Quem sabe possa se
desenhar melhor após a defesa do Doutorado, considerando que pesquisar não se esgota em um
percurso de doutoramento.
293

Imagem 120: Fotografias “Passagem do Rio São Lourenço por São Pedro da Cipa”. Fotos: Imara Quadros e Hélio
Ramos Caldas.

O quadro encontrado nesse fragmento do rastro líquido do São Lourenço foi muito
parecido com os apontados pelos estudos do WWWF, TNC E CPP (SALLES, 2012,
p.8). Encontrei a nascente e o próprio rio São Lourenço, desrespeitado como
importante para a bacia pantaneira, portanto, Pantanal. Encontrei no percurso
percorrido indústrias na cabeceira e no percurso do rio, cidades, latifúndios do
agronegócio, dragas para retirada de areia, estradas estaduais e federais sem
corredores ecológicos e em péssimo estado de conservação. O encontrado desvela a
ligação íntima do grupo humano com a canoa pantaneira de Joselândia. Ligação que
exibe um prolongamento dos eixos indústria-comércio-consumo-compra-venda-uso-
destruição ambiental- socioambiental (Imagem: 120a). Mostra as cidades com toda a
294

problemática, a construção civil e o sonho da moradia própria, o vestuário de


algodão, tais como camisetas e calças jeans largamente usados. E na área alimentar,
açúcares, doces, óleos usados para diversos pratos da culinária cotidiana, e por fim,
o consumo da água potável. Nós seres humanos, inclusive os mais críticos
ecologicamente falando, estão neste fio ligante.

130
Imagem 120a: Uso e consumo. Imagens retiradas Google imagens trabalhadas com efeitos artísticos.

Observando o encontrado é possível imaginar os cenários possíveis como propõe a


Avaliação Milênio (Imagem: 120b). É possível prever a urgência da reversão desse
quadro ou que se busque minimizar os impactos danosos para a saúde pantaneira.

130
Acesso disponível em: https://www.google.com.br/imghp?hl=pt-BR&tab=wi.
295

Imagem 120b: Ligações e prolongamentos 1.


296

O que dá para prever a partir do constatado ao tecer as ligações ecossistêmicas131 da


canoa feita no Pantanal de Joselândia é urge uma revisão do quadro dado ou no
mínimo que se busque minimizar os impactos danosos ao envolvente. Um caminho
bastante interessante para que se reestabeleça a saúde pantaneira ou não se
permita a piora dela, se revela via formação, participação popular e gestora, pois não
há mais como manter por muito tempo a sustentação do ecossistema pantaneiro.
Consequentemente a forte ligação entre natureza-cultura/ecossistema-arte, também
não darão conta de se sustentar, pois, se esvaziarão dos valores, dos significados, do
imaginário desenhadores da existência, da identidade mato-grossense (Imagem:
120c).

Imagem 120c: Ligações e prolongamentos 2.

131
De onde vem a canoa de Joselândia feita de um tronco só, e para onde vai?
297

É necessário e imprescindível manter a vida como o centro, o ponto de partida, o


intento da caminhada e da chegada (Imagem: 120d). Não é tarefa fácil! Mas, se
considerada a condição criativa do humano, alternativas serão sempre possíveis.

Imagem 120d: Ligações e prolongamentos 3. 87


298

Não há receitas para se fazer pesquisa, do contrário, não seria pesquisa, pois pesquisar é

descobrir, olhar diferente, registrar, anotar, observar, extrapolar, propor, SONHAR!

(SATO, 2011, p. 15).


299

6 POR UMA EMERGÊNCIA ESTÉTICO-POÉTICA NA CIÊNCIA, ESBOÇO DE


UM NOVO-OUTRO ESPÍRITO CIENTÍFICO NO TERRITÓRIO DA PÓS-
MODERNIDADE: O SONHANTE ARTÍSTICO CIENTÍFICO

A criação poética é a ação e a reação, o verso e o reverso do


tecido fiado pelo pesquisador. Inúmeras aprendizagens foram
construídas e um turbilhão de emoções invadiu as estradas... A
poética criadora é diametralmente oposta da poética reprodutora.
(SATO, 2011, p. 12-13).

Aqui revelo a emergência poética na ciência que se desenhou pelo desvelar do meu
caminho-caminhada pela investigação que não se despiu da dimensão poética da
criação artística para tecer ciência, assim uma tessitura que buscou bordar de
maneira sensível, crítica e criativa uma ciência enriquecida pelo artístico-científico.
Como lembram Sato e Passos ( 006, p. 7), “Somos o estofo do mesmo mundo e da
mesma massa estelar do universo. Minha mundianidade é também minha
essencialidade”.

Assentada sobre os fundamentos do “novo” paradigma, pós-modernidade, com


vistas a superar o paradigma “clássico”, me lancei nesta grande aventura de tentar
encontrar caminhos para esboçar um novo espírito científico [Bachelard], pois a visão
de mundo racional e racionalizadora, modelo científico da modernidade como
senhora absoluta da vida científica e não científica, já se encontra esgotado. Por isso,
urgempor isto, urge novos desenhos, outros desenhos. No contexto de mal-estar da
modernidade, as inquietações devem pulular para o outro-novo caminho! Há que se
tentar esta busca sempre!

Segundo Sato e Passos (2006, p. 17):


300

A fenomenologia na qual nos inscrevemos distancia-se das


orientações teóricas do positivismo e daquela levada a efeito pelos
chamados críticos; essas duas vertentes possuem uma clareza
analítica advinda de um genocídio intencionado, descartando a
condição humana e contingente, com vistas a obter produtos e
resultados claros, distintos, úteis e quantificáveis. Insistimos na
ambiguidade, na precariedade, na criatividade, na arte, na paixão e
na busca solidária em favor da ecologia, separando-nos
afirmativamente, abrindo nossas velas em direção ao oceano.

A Educação Ambiental autoriza o dialogar de forma muito ampla no viés de se buscar

contribuir com um mundo, uma vida mais sustentável onde os polos da justiça social

e ambiental sejam considerados. Celso Sanches, em entrevista para um programa

exibido pela internet132, aborda o entrelaço dos problemas ambientais com a justiça

socioambiental, revelando o oposto da visão dicotomizadora, em que meio ambiente

não se encontra separado do humano. Desvela ainda que a ciência atrelada aos

movimentos sociais impulsiona conversas, práticas que se apresentam complexas.

Ainda chama a nossa atenção para o fato de a Educação Ambiental hoje se voltar

mais para além dos muros da escola, ou seja, se presentifica também nas empresas,

comunidades.

Assim, a Educação Ambiental em que me assento, propõe o dialogar com o

diferente, inclusive com as áreas de conhecimento, “Ambiente – Educação – Arte”,

“saber científico e saber popular” e até mesmo entre “Ciência e Poesia- Arte”. Em

busca do diálogo, trilhei aprendendo com o foco de pesquisa e com o grupo de

participantes e seus saberes envolvidos no processo investigador.

Foi posicionada neste rumo que caminhei pelas trilhas científicas sem ter que
abandonar o artístico, desenhando, assim, uma ciência-artística poética. Dessa
forma, enriqueci, modifiquei ao caminhar e, certamente, também tocarei o leitor da
minha jornada. A tessitura nascida desta trilha científica-aventureira residiu na
superação, na ousadia e no enfrentamento de complementariedade, na produção

132
Acesso disponível:
http://cienciahoje.uol.com.br/podcasts/Educacao%20ambiental%20em%20foco.mp3#clique-abaixo-
para-ouvir
301

intelectual com a produção artístico-poética, ensaiando uma junção entre ciência e


Arte, razão e imaginação que, creio, podem enriquecer o espírito científico e não
científico lançando um novo-outro em campos Pós-modernos.

Segundo Sato e Passos (2006, p. 19), as Ciências e Poesias “Lutam pela vida contra
a satisfação mortal”; e ainda apontam que “é necessário romper com a dicotomia do
espírito e da matéria, permitindo que os sujeitos da EA pensem com os corações, ou
seja, é necessário unificar a racionalidade na sensação, oferecendo,
simultaneamente, o estranhamento ao lado do maravilhamento”.

Foi ancorada nas ideias bachelardianas - diurnas-noturnas, que adquiri confiança


para tecer a ligação, mesmo que inicial, entre estas duas culturas ainda consideradas
em separado – científica-Razão e humanista-Emoção. Procurei trilhar, no campo
científico sem fissurar razão e sensibilidade, texto e imagem, Arte e Ciência,
transcendendo os binários-opostos, uma proposição do paradigma moderno, em
busca de tecer um único solo, rico pela sua inteireza.

Os diferentes textos no corpo desta pesquisa - texto escrito e texto imagem, foram
tratados com mesmo peso e força, e apenas se revelaram por meio de linguagens,
ou melhor, por linguagens específicas em complementariedade, comunicando de
forma enriquecedora, contribuindo com a audiência do texto científico, costurados
pela imaginação criadora que transita livre pelos dois territórios, ciência e arte.
Segundo o pensamento bachelardiano, a imagem é resultante de uma construção
mental que tece as compreensões, que acabam se revelando por meio de diferentes
linguagens e, por isso, comunicam, tocam outras almas andantes.

As duas faces do pensamento proposto por Bachelard, 24h – diurno e noturno em


complementariedade, propõem um trilhar espiralado com idas e vindas aos territórios
diurno/epistemológico-noturno/artístico-poético, construindo um caminhar próprio de
aprendizagem científica. Neste trânsito 24 horas, bordei ponto a ponto a relação
dialógica entre vertentes do pensamento bachelardiano, fazendo brotar
possibilidades dialógicas. Abri picadas para que ao caminhar nas trilhas da ciência
pudesse, como aprendiz científica, pesquisadora, ganhar meu maior aprendizado:
compreender que minha arte pode caminhar pelos campos científicos sem temor,
302

pois, é produto do amor pela pesquisa, do amor pela vida, é compreender mundo.
Assim, posso melhor compreender a existência do outro igual ou diferente de mim,
então, compreensão.

Os obstáculos epistemológicos bachelardianos se traduzem por estagnações,


cristalizações cognitivas, que se revelam como aprisionamentos do brotar do novo-
outro espírito científico, pois, impedem o desenrolar do processo de conhecimento
científico. Considerando que a pessoa humana constrói seus conhecimentos diversos
- processo aprendiz, pode se deparar, ao caminhar, com entraves que o impedirão
ou dificultarão a realização desta construção de forma sensível, crítica e criativa.

Estes entraves, obstáculos epistemológicos, se desenham impeditivos do novo, pois


todo o espírito aprisionado em seu obstáculo pode perder-se, ou enganar-se
noprocesso de aprendizagem, atualização no sentido do novo-outro espírito científico
sensível, crítico e criativo. E, para brotar um novo saber, é necessário que seja
instaurado um espírito flexível, em permanente mobilidade, sensível e criativo. É
preciso manter o espírito inquieto, pupulento eternamente, para que não se
acomode com as respostas, que não se assente nas certezas conquistadas, mas se
mantenha desenhador de um olhar sempre sensível e uma abordagem sempre
acordada, crítica para fazer uso legítimo da possibilidade transformativa da vida, do
viver – espírito sensível, crítico e criativo (BACHELARD, 1996).

Assim, compreendo que transcendi meu obstáculo, o medo de propor um diálogo


entre arte e ciência, mesmo que inicial. Lembrando Sato e Passos (2006, p. 18),
“Seria possível misturar poesia e ciência? – indagariam mentes cartesianas que
dominam o mundo da academia. As ciências, com as artes, pertencem à ordem do
caos antes de serem nomeadas e nomizadas pelos sujeitos”.

Foi no caminhar em busca das ligações ecossistêmicas da arte popular do Pantanal


em Joselândia, com os mestres do fazer canoa, com a ajuda de outros grandes
Mestres, Bachelard, Freire e Sato, que pude melhor compreender este meu circuito –
racional-poético e encontrar uma trilha que me levasse a superar o meu obstáculo
epistemológico. Assim, minha “arte científica” é filha da noite com o dia, pois nasce
vigilante sensível das 24h(Imagem: 121)!
303

Imagem 121: Desenho e fotografia “desenhando e pensando a canoa de Joselândia”. Fotos, João Quadros
Ramos. Arte, Imara Quadros.

Ana Mae Barbosa, primeira doutora brasileira em arte-educação, criadora e


proponente da Proposta Triangular, considerada por se revelar uma concepção pós-
moderna de ensino da arte, teve como base o entrelaço entre a Criação Artística e
Apreciação Estética, em contraponto com a livre expressão/expressão pessoal,
resquícios da modernidade. O evento que desencadeou este desenho foi o curso de
apreciação-leitura de arte oferecida no Festival de Inverno de Campos do Jordão,
realizado em São Paulo na década de 80, assentado nas bases da proposição
freiriana de leitura na alfabetização de adultos. (BARBOSA, 1990133 e 2008b134;
BREDARIOLLI, 2009135; ANJOS, 2010). Segundo Anjos, foi nesse evento que também

133
BARBOSA, Ana Mae. Política cultural como prefácio. In: O Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo. São Paulo: Banco Safra, 1990.
134
BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2008.
135
BREDARIOLLI, Rita Luciana Berti. XIV Festival de Inverno de Campos do Jordão: variações sobre
temas de ensino da arte. Tese (Doutorado). São Paulo: ECA-USP, 2009. Acesso disponível
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/.../1706152.pdf.
304

( 010, p. 37) “ocorreram as primeiras experiências de apreciação da cultura e do


ambiente natural”.

Esta proposta desloca a ênfase modernista (fazer por fazer) para apreciação,
ampliando os campos da arte para além do muro escolar e alargando o dialogo de
arte do fazer para os aspectos: ler e contextualizar (Imagem: 121 a), por considerar
de extrema importância a “alfabetização para a leitura da imagem artística”
(BARBOSA, 1998; RIZZI, 1999; ANJOS, 2010136).

Imagem 121 a: Diagrama “Proposta Triangular” (Ana Mae Barbosa, arte educadora brasileira).

FAZER ARTE
Expressão-Criação
artística

LER ARTE
Fruição, Leitura Estética
CONTEXTUALIZAR ARTE e Artística, mas
Ambiencia sociocultural também de outros
aspectos como a
e entrelaçamentos, natureza/ambiente
incluindo a (Apreciação -
natureza/ambiente Observação/Crítica/Cog
nição)

Somente na década de 90, através da formação de professores relacionada à


proposta triangular realizada no Museu de Arte Contemporânea da USP, que se
entrelaça a experiência estética(arte na ambiência educacional) com as questões
ambientais, estabelecendo vínculos com a Educação Ambiental, até porque, nesse
mesmo período, o mundo discutia sobe ecologia/meio ambiente (ANJOS, 2010).

Ana Mae Barbosa (2006), em entrevista, ao abordar a importância do ensino da arte


no âmbito escolar, revelou que compreendeu com Paulo Freire, seu professor na

136
Anjos, Ana Cristina Chagas dos. Arte-Educação e Educação Ambiental. Uma reflexão sobre a
colaboração teórica e metodológica da Arte-Educação para a Educação Ambiental. Dissertação
(Mestrado). São Paulo: ECA – USP, 2010. Acesso disponível:
http://www.pos.eca.usp.br/sites/default/files/File/dissertacoes/2010/2010-me-anjos-ana.pdf
305

época, que a educação escolar que ela vivenciou foi de “abafamento” e “modelagem”
no sentido de fôrmas. Então, ela aprendeu que a educação poderia ser libertadora. E
foi isso que também aprendi com Paulo Freire, e certamente compreendi melhor
através dessa empreita investigativa-aprendizagem, que a arte, na formação-
aprendizagem de corações e mentes, pode ser bastante interessante, se considerada
para além da escola.

A criadora da teoria da abordagem triangular (BARBOSA, 2006) acredita que:

A arte estimula a construção e a cognição, ajudando a desenvolver


outras áreas de conhecimento. Na construção da Arte utilizamos
todos os processos mentais envolvidos na cognição. Em Arte, opera-
se com todos os processos da atividade de conhecer. Não só com os
níveis racionais, mas com os afetivos e emocionais. As outras áreas
também não afastam isso, mas a Arte salienta ou dá mais espaço. Eu
acho que, em primeiro lugar, a função da Arte na Educação é essa,
desenvolver as diferentes inteligências.

Barbosa ( 006) ainda alerta que “é preciso desenvolver o país culturalmente. Arte é
uma fatia enorme da produção humana. E com uma vantagem imensa de rever cada
época. Diferente do fato, o objeto arte permanece para ser revisto, relido ou
reconcebido. Isso é essencial: operar no mundo com conhecimento”. A estudiosa da
arte educação critica quanto à ausência de políticas públicas para a presença da arte
educação escolar:
Não há políticas públicas. Uma das minhas grandes decepções com o
atual Ministério da Educação é o silêncio absoluto sobre Arte-
Educação, sobre a função da Arte. E, no ministério anterior, só se
pensou em normatizar, parâmetros mínimos. O que é a mesma coisa.
Não serve para nada, não funciona.

A estudiosa da arte educação afirma que faltam políticas públicas para que a arte se
desenhe na educação escolar. Mas, o que dizer no âmbito não escolar? Assim
entendendo, posso considerar a continuidade como marginalidade-invisibilidade da
arte no bojo dos conhecimentos humanos dentro e fora da educação escolar.

A arte-educadora ( 006) defende a presença conjunta de “educadores atualizados,


artistas e acesso aos trabalhos contemporâneos para os estudantes” no sentido de
desenhar conhecimento artístico, compreensões no âmbito escolar. Concordo com a
estudiosa no que tange à presença do artista com seus saberes bem como, o acesso
306

à obra de arte criada na formação para além dos limites da escola, pois todo este
envolvente, ou seja, as fases do processo criador, os saberes envolventes, suas
ligações com a natureza, o objeto criado em si, o significado cultural, o imaginário
não possuem fôrmas. Ao contrário, ofertam caminhos para os caminhantes desejosos
em manterem-se atualizados, e assim, manter a vida atualizada.

Acredito que a presença da arte educação somada às questões ambientais


envolventes, arte educação ambiental para além da escola possam contribuir nas
compreensões para as transformações necessárias. Segundo a criadora da teoria da
abordagem triangular (BARBOSA, 006), se houver a proposição do “diálogo”, a
“discussão”, a conversa com o “artista” e a “obra” se revela um bom caminho
formativo, pois, segundo Ana Mae, é parte do que se chama “teoria da abordagem
triangular”.

Paulo Freire (1979, p. 71), ao abordar a alfabetização como um ato criador, aponta
subsídios para uma reflexão na aprendizagem criativa:

Todo o debate que se coloca é altamente crítico e motivador. O


analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler e a
escrever. Prepara-se para ser agente desta aprendizagem. E
consegue fazê-lo na medida em que a alfabetização é mais que o
simples domínio mecênico de técnicas para escrever e ler. É entender
o que se lê e escrever o que se entende. É comunicar-se
graficamente. É uma incorporação. Implica não em uma
memorização mecânica das sentenças, das palavras, das sílabas,
desvinculadas de um universo existencial – coisas mortas e
semimortas -, mas uma atitude de criação e recriação. Implica uma
autoformação da qual pode resultar uma postura atuante do homem
sobre seu contexto.

“Na dimensão político-poética da EA, não há orientações pedagógicas magistrais de


recitas prontas, cartilhas que promovam o ABC de estratégias, ou bússolas que
mostrem apenas um eixo “norteador” do universo, senão um conjunto de tentativas
e erros, com acúmulo de dissabores e que muitas vezes nem alcançaram a beleza da
flor” (SATO E PASSOS, 2006, p. 25). Compreendo como certo o que apontam os
estudiosos acima, pois, nesse caminhar tateador, aprendemos tanto quanto ou quem
sabe mais quando caminhamos só pelas trilhas que sempre alcançam a beleza da
flor. Quando não conseguimos conquistar a beleza do jardim, mas buscamos chegar,
307

aprendemos, enriquecemos, nos atualizamos no mundo e com o mundo também. “A


educadora e o educador ambiental situa-se, assim, num enigmático mundo de
descobertas, com dúvidas sobre por onde caminhar ou sobre qual itinerário seguir. O
que move a EA não são temáticas abrangentes, mas o enredo que se trama para que
o mundo se mostre extraordinário”(SATO E PASSOS, 2006, p. 24).

Os desenhos manuais e digitais nasceram no e do processo de pesquisa. Alguns


brotaram ao ler, estudar, pensar e dialogar com as bases e ajudas epistemológicas, e
outros brotaram no bojo do campo investigador durante a Oficina do fazer canoas
em Joselândia. Mas todos desejosos de expressarem o revelado, o conhecido e o
compreendido sobre os objetos de estudo ensinantes, a juntura entre arte e ciência,
o conhecer a juntura entre natureza-cultura/ecossistema-arte, buscando sempre o
sentido sistêmico, a tessitura inteira sem fragmentar as partes, uma ruptura
antropocentrismo (GRUN, 2005) com vistas a enriquecer a sustentabilidade do viver
no viés da justiça socioambiental, desenhou uma difícil, mas de prazerosa empreita!

Meus instrumentos, nesta artesania, na luta contra modelos/padrões estabelecidos,


nas rupturas sempre foram folha sulfite, lápis grafite e de cor, entre outros materiais
escolares que se revestiram de materiais artísticos, hoje em campos científicos. Esse
arsenal expressivo, enriquecido pela tecnologia, entrou em cena na criadora
possibilidade digital/computadorizada, possibilitando um dialogar entre tecnologias, a
mão desenhadora em papéis com lápis e as máquinas que copiam, recortam e colam
ampliando o fazer criador-artístico.

Os textos-arte manuais criados desejaram evidenciar as funções e os serviços


ecossistêmicos, através das informações advindas das falas dos participantes da
Oficina. Eles, os textos-arte, apresentam forma arredondada, mandalas, por
desejarem mostrar o tronco cortado, o cambará tombado para o nascer da canoa,
matéria da canoa (Imagem: 122).
308

Imagem 122: Fotografia “tronco cortado de um Cambará”. Foto, João Quadros Ramos.

Toda a imagem artística tem sua gênese em um lócus, no sentido de ser um ponto
de/para a criação da imagem e está enraíza para o arvorizar, que é o devaneio e
posteriori a criação. No caso das imagens artísticas criadas a partir desta pesquisa
em específico, o lócus esteve ancorado nos saberes envolventes do fazer canoas
pelos Mestres canoeiros do Pantanal de Joselândia. Esse saber tanto foi/é objeto da
minha investigação científica, como é um saber popular, tradicional dessa gente,
neste lugar mato-grossense. Aranha ( 009, p.55) afirma que “A linguagem, em
específico a artística, é um instrumento que nos permite pensar e comunicar o
pensamento, estabelecer diálogos com nossos semelhantes e dar sentido a realidade
que nos cerca, inclusive o/no científico”.

Então, este foi o lócus de Ressonância, que, no eco, foi escutado, provocando o meu
movimento de criação artística – uma alma tocada pelo convite de aprofundamento
da existência humana, um coração aprendente, sedente de atualização – consciente
dela, que escutou, deixando que esta escuta da ressonância do lócus se enraízasse
no seu ser, tornando-se seu, nosso. A ressonância do lócus fez brotar a imagem
artística, uma linguagem que expressa e comunica, “toca outras almas”, outros
corações. Assim, a imagem artística criada a partir da ressonância do lócus, é um ser
novo, ou seja, a alma tocada pela ressonância do lócus, agora na imagem criada,
tornou dele o que expressou – “expressão criando o ser”. A repercussão da imagem
artística criada, desperta abrindo espaço, numa espécie de convite ao sentir/a
309

escuta, despertando assim, outra alma/outro coração, que, tocado, fará da imagem
apreciada a sua imagem (BACHELARD, 1993). Compreendendo desta maneira,
somente na junção da ressonância-repercussão, é que o desenho do poder, da força
poética dinamizadora de corações e mentes em nós se efetivará.

Os textos-arte criados em pesquisa revelam, pela poética manual, uma cartografia


sistêmica da canoa do Pantanal de Joselândia. As funções sistêmicas do Cambará,
bem como os serviços que a espécie proporciona aos moradores de Joselândia, entre
eles a canoa, a arte abaixo (Imagem: 123), evidenciam algumas funções
ecossistêmicas do Cambará apontadas pelos participantes da Oficina no campo de
pesquisa, os Mestres da canoa.

Imagem 123: Desenho “Uma poética artística da cartografia ecossistêmica da canoa 1”. Arte, Imara Quadros.
310

No campo investigador em busca de tecer as ligações ecossistêmicas da canoa, com


foco nas Funções naturais do Pantanal, especificamente no Cambará, os Mestres
informaram que não detêm o hábito de replantio desta espécie, embora tenham
informado que a florada do Cambará é significativa para eles, um dialogar com a
natureza, uma espécie de anúncio das águas da cheia farta ou não, portanto, cheia
abundante. E também demonstraram conhecer as espécies animais que habitam no
Cambará, seja na copa ou raiz (habitat).

Escutando essas informações dos participantes em conversas, através de entrevistas


abertas, a criação artística se fez. A forma da base da composição arredondada
representa o tronco cortado do Cambará, sobretudo, deseja mostrar o tempo cíclico
desse ecossistema cambiante. A semente declara o nascimento natural do Cambará
pelas águas correntes, a flor do Cambará expressa o diálogo local da natureza com o
habitante, significando chuva, permanência do ciclo das águas tão importante para
essa região e gente, representadas pelas gotas d´água, e as abelhas e os tuiuiús,
que têm nessa espécie vegetal, seu habitat, sua casa, seu viver.

Dos serviços ecossistêmicos que o Cambará proporciona aos joselandenses, figura a


canoa, assim a arte abaixo (Imagem: 124) mostra a cartografia desse objeto
escultórico feito por essa gente, bem como exibe o saber fazer que guarda e usa
sabiamente uma escuta sensível-investigativa dos participantes em Oficina no campo
de pesquisa.

Compreendi todo o processo de feitura deste objeto, a canoa, com os Mestres. Com
eles constatei que todo o fazer se realiza ao ar livre, nos Atelier´s “Água” (mata
baixa/Cambarazal) e “Terra” (terra alta/firme e seca) e todos os saberes envolventes
neste ato escultórico.

Assim, na arte abaixo (Imagem: 124), o sol a lua e as estrelas apontam o processo
do fazer que foi conceitual e sonhante, formante, deformante e transformante. As
gotas d´água, a semente, as flores e folhas expressam os saberes envolventes que
tocam esse fazer, parte do dialogar entre natureza e cultura. O ser humano e a
canoa evidenciam os serviços ecossistêmicos, a forte ligação entre o ser humano e
natureza.
311

Imagem 124: Desenho “Uma poética artística da cartografia ecossistêmica da canoa 2”. Arte, Imara Quadros.

O poema apresentado abaixo também teve sua gênese no momento investigador da


observação na Oficina do fazer canoa, na escuta deste fazer e nos saberes
imbricados. Foi nesse território sensível e aberto ao poético que a folha em branco
foi preenchida, foi ocupada pela arte, desenhada pela mão devaneadora da
pesquisadora-artista-professora, eterna aprendiz. Segue o poema intitulado “Uma
cartografia poética: rastro líquido”:

O olho amarelado do tempo presente indica boa ou má florada. Flores anunciam as águas do céu.
Chuvas bailam a alegria do tempo! O passado indica a melhor lua.

Uma temporalidade se apronta num território úmido... É tempo de parir canoas!


312

Pés mergulhados nas águas que desceram dos céus, que se adentram nas entranhas da terra para
o gozo da cheia.

Os olhos fitam, as mãos tocam e a escolha é feita!

Corpos em uníssono dão forma outra a mais bela, reta e alta árvore!

Lágrimas de suor corporal seguem ao encontro das águas do chão, um choro corporal pelo rito de
passagem.

Sons cantam a morte e encantam a fé do novo que chega. Um tronco de Cambará sonha ser
canoa, e uma canoa, guarda o passado na memória!!!

Um Cambará entrega a vida... e ressuscita em forma de canoa na esperança de deslizar vidas e


sonhos de um lado a outro, no ritmo livre das águas.

O Cambará ser vivo vegetal, se torna agora corpo de um ser vivo animal! Num ato nobre de pura
criação, se torna arte de um lugar.

Canta o silêncio do ciclo vital, entoa o verbo deslizar, desenha linhas que se apagam na flor d’água
e esculpe sonhos de um melhor viver.

Há muito tempo se aprendeu o fazer transformador! No tempo de águas é preciso ter!

(QUADROS, 2011a p. 41)

Criar imagens (Imagem: 125) é o mundo em outra dimensão, pois o produto, a


imagem criada é nascida do mundo (Imagem: 126). A imagem criada pode até ser
pequena, mas transbordante de valores e significações. Criar imagens artísticas
(Imagem: 127) promove que se desconstrua, e se reconstrua o já conhecido através
de outra linguagem, podendo ser inclusive a artística, que caracteriza a concretude
do processo deformativo-formativo-reformativo, um percurso percorrido do primeiro
olhar para o mundo como matéria, seguindo para as escrituras compreensivas que
se dão pela concretização da composição das imagens.
313

Imagem 125: Esquema “Caminho cíclico da criação da imagem”. Concepção, Imara Quadros.

Imagem 126: Esquema “O mundo, matéria da criação”. Concepção, Imara Quadros.


314

Imagem 127: Esquema “A imagem criada”. Concepção, Imara Quadros.

Compor imagens demanda uma certa ação, um ato corporal, primeiro desejante do
jogar-se no/ao mundo. Em seguida, ao terminar a composição, já lançado, passa a
compreender melhor o mundo vivido, desenho do mundo inteligível. Assim, compor
imagens, uma experiência de alguém, do fazedor de imagens (Imagens: 128), torna-
se bojo de imagens-arte que declara o mundo pela ótica do fazedor. Uma vez
atualizado pela imagem criada, o ser fazedor que aprendeu sobre si mesmo
aprendeu também sobre o outro no mundo com ele e sobre o próprio mundo em que
vive. Assim, todo o ciclo renasce para mais uma jornada aprendiz feliz (Imagem
125)! Este processo é contínuo e lento, movido pelo pulsar dos pensamentos
conceitual-imagético (BACHELARD, 1990; RICTHER,2008).
315

Imagem 128: Esquema “O fazedor de imagens”. Concepção, Imara Quadros.

A imagem criada é fruto de um processo de formação, uma aprendizagem laboriosa,


que envolve o ato-mão-corpo, compreendendo as ligações do corpo-mundo Merleau-
pontyniano, abre caminhos para a transformação. A imagem concretizada pela mão
compreende o mundo desvelado também para reinventá-lo, e é pela mão criadora de
imagens, de arte que revela um sentido compreensivo entre tantos. O corpo conduz
toda a expressão sensível, e a mão amorosa e desejosa revela os sentidos pulsantes
(pensamento bachelardiano) que ajudam desconstruir o estabelecido e a figurar um
novo sentido, novo aspecto, nova abordagem – o novo-outro. Portanto, o corpo todo
age para materializar a imagem, tornando-a bem compreendida no contexto em que
se insere. (BACHELARD, 1988 e 1991; RICTHER, 2008) - (Imagem: 129).
316

Imagem 129: Esquema “A imagem criada, uma força provocadora”.Concepção, Imara Quadros.

Compreendendo a imagem material bachelardiana, pode-se concluir que a imagem


concentra em si um mundo todo que abre passagem do conhecido-estabelecido,
lócus do visível, do já viciado, já acomodado, para um conhecer o não conhecido,
lócus do invisível, e inaugurar um conhecido, visível, agora inteligível, tanto
conceitual, como artística e cientificamente. Então, a imagem-arte anuncia, enuncia e
denuncia a presença invisível de uma pessoa, bem como, de um grupo fazedor de
imagens coletivas (BACHELARD, 1991; RICTHER2008).

A pessoa fazedora de imagens, em constante relação com o mundo em que se


encontra vivendo, vibra a cada desvelar do mundo que se oferece, fazendo despertar
o olhar, a mão e a mente. O olho que captura o mundo acorda o devaneio, e é a
mão posseira do mundo capturado quem realiza o traço da imagem artística criada,
desenhada-esculpida, assinando, tatuando, dessa forma singular, sua existência no
mundo, do quintal ao universal. A mão desenhadora-esculpidora busca sentidos nos
traços, na escavação e revela o mundo que amou, indagou, compreendeu,
materializando o todo vivido, contando-dizendo pelo fazer artístico, pelo produto
composto.
317

O termo imaginário não revela “fácil delimitação”, e o “uso mais frequente da palavra
no século XX pode ser atribuído ao desagrado com relação ao termo “imaginação”,
entendida como faculdade psicológica”, segundo Wunenburger ( 007, p. 8). Para
este estudioso (2007, p.11), imaginário é:

Um conjunto de produções mentais ou materializadas em obras, com


base em imagens visuais (quadro, desenho, fotografia) e linguísticas
(metáforas, símbolo, relato). É um emocional, afetivo, que toca o
sujeito. Só há imaginário se um conjunto de imagens e de narrativas
for uma totalidade, mais ou menos coerente, que produz um sentido
diverso do local ou do momento.

Ainda seguindo este filósofo do imaginário (WUNENBURGER, 2007, p. 17 e 18), ele


indica Bachelard como revelador de uma das obras criativas no sentido de “renovar a
compreensão da imaginação e do imaginário”. Para ele, Bachelard encontra-se
assentado na ideia de que “o psiquismo humano se caracteriza pela pré-existência de
representações imagéticas, que, intensamente carregadas de afetividade,
organizarão imediatamente sua relação com o mundo exterior”.

Foi empreendendo um esforço para tecer a minha palavra poética vestida de rigor
científico e densidade acadêmica em complementariedade, que enfrentei o meu
maior desafio, e certamente o mais difícil da minha formação científica.

Assim cheguei a este momento, nesta frase, nestas palavras que não representam o
final, porque seguem para muito além das regras ortográficas da Língua Portuguesa
e para muito além dos limites da tela deste computador que hora escrevo, da folha
impressa que conterá esta tese, do próprio produto final da tese. É um ponto que
demarca o início de novos e outros voos, no limite exato entre superar o aprendido e
se posicionar para o novo. Eis o exercício de que um novo espírito científico,
ancorado no paradigma da pós-modernidade, necessita.

Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No
começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia
318

inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles
faziam o serviço de escovar osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios
de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. Logo pensei em
escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de
clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das
palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas
e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o
primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos.
Comecei a fazer isto sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros
fechado no quarto, trancado, a escovar palavras. [...] (BARROS, 2010, p.5).

Talvez eu tenha passado a vida inteira trancada, desejando, devaneando com o


escovar desenhos, os meus, como bem apontou Manoel de Barros em sua
poética. Também podem achar que “não bato bem”, como pensou poeticamente
Manoel dos arqueólogos, só porque escovo minha arte. Como o poeta, aprendi
que só insisto em escovar meus desenhos-textos por amor, amor e respeito à
vida neste planeta, e que só escovo pelo desejo de encontrar vestígios da minha
existência sensível e criativa para mantê-la pulsante.

Assim, creio ser necessário para a ciência, para a formação/educação, para a


arte-educação, para a educação ambiental e para a vida de uma maneira geral, o
acender e manter vivaz o meu espírito criativo para desenhar novos caminhos,
posições, valores, compreensões para este mundo de agora em prol do futuro.
Segundo Boff (2011, p. 189):

O tempo é histórico, feito pela saga do universo, pela prática


humana, especialmente pela luta dos oprimidos buscando sua vida e
libertação. Ele se constrói passo a passo, por isto sempre concreto,
concretíssimo. Mas simultaneamente o templo implica um horizonte
utópico, promessa de uma plenitude futura para o ser humano, para
os excluídos e para o cosmos. Somente buscando o impossível,
consegue-se realizar o possível.
319

Isto tudo aí em cima, não é uma canoa, não são flores e tão pouco, é um caracol.

Será afinal como meus olhos percebem Mas está escrito ao contrário... Uma linguagem
contrariando a outra convida à fatal pergunta: quem fala a verdade? Haverá uma verdade? É
possível que o texto ainda se constitua como centro do intelecto, mas no jogo da diversidade, a
periferia também tem muito a expressar... Novas formas de se fazer ciência são possíveis: a poesia
vive!

E a Educação Ambiental também (SATO, 2011, p.20)!

E a Arte Educação Ambiental aí está!


320

7 UM PALCO CIENTÍFICO, UMA TRAMA PÓS-MODERNA

É a hora que revela um produto que chega diretamente da alma, na


força centrífuga que se abre para o mundo cintilando nossa
contribuição científica sobre os sentidos polissêmicos das viagens.
Mas também é o momento de absorver a crítica e trazer os reflexos
dos espelhos numa viagem centrípeta de nós mesmos (SATO,
2011, p. 16 e 17).

Sato137 aponta o que “não” devemos esperar de uma pesquisa assentada em


diálogos pós-modernos. Aponta à estudiosa, “Não aguarde nenhum receituário ou
heurística que esbanje revolução”. Segundo a educadora:

As ciências Modernas [...]. Para tentar compreender o mundo,


postulamos métodos, leis, paradigmas, modelos e doutrinas que
deveriam ser comprovados e generalizados em todas as situações
como a comprovação por testes e experimentos, o conhecimento era
validado como científico e replicado em todas as demais, na
universalização do conhecimento. “Introdução, objetivos,
metodologia, resultados e discussão” é um modelo criado pela
Modernidade que orienta não somente as ciências naturais, mas as
pesquisas no mundo acadêmico até os dias atuais. As ciências
herdaram este modelo e “replicam” genericamente instituindo um
paradigma científico da modernidade kuhniana (SATO, 2011, p. 17 e
18).

Michèle Sato segue chamando nossa atenção considerando que “a fragmentação do


saber e a postura hegemônica instituída pela Modernidade começam a ser

137
Como a Cartografia de Sato foi a fiel companheira de pesquisa, usarei daqui por diante as
referências as citações deste documento no rodapé, com intento de contribuir com a fluência da
leitura. No caso, esta citação é encontrada em Sato (2011, p. 1).
321

questionadas e diversos pensadores apontam alguns caminhos alternativos para se


pensar e fazer ciências”.

A ética e a estética devem e podem ser incluídas considerando a era globalizadora


em que se está inserido na contemporaneidade, que é massificadora. A Arte se
revela como uma dimensão resistente ao caos dominador, que, complementarmente
à Educação, colabora para o entendimento das ‘resistência-criação’ necessárias.
“Parece ser uma obrigação, assim, tentar reinventar alguns caminhos que fujam do
modelo imposto ao alvorecer de novas auroras científicas” (SATO, 011, p. 19).
Assim foi este estudo uma possibilidade, uma “nova aurora científica”.

Sato propõe que devemos então esperar de uma pesquisa em campos pós-
modernos. Nesse sentido, revela a estudiosa: “É só um texto de cunho científico-
poético fruto de uma pesquisa em Educação. Um texto que busca retratar uma das
faces em estar no mundo: um fazer e pensar pesquisa em educação ambiental” Sato
(2011, p. 1). Ainda considera a estudiosa na mesma página que uma pesquisa em
EA “é uma contribuição de alta magnitude, desde que o conhecimento científico
colabora com o que podemos alicerçar para o nosso futuro”. Sato, na sua
Cartografia, incentiva que “os pesquisadores reinventem a palavra...”138.

Assim foi esta trama, um empreendimento que se ateve em ser um caminho


investigador em busca de um brotar de um texto de cunho científico-poético que
desvelasse um fazer e pensar pesquisa em educação ambiental, o da Arte Educação
Ambiental. Um caminho que esculpiu o caminhador a cada passo, que, por sua vez,
se colocou a cada caminho fenomenologicamente. A tese aqui apresentada foi fruto
dos caminhos percorridos, bem como de uma caminhante que agora, na escritura da
tese, se coloca como convite aos que ela tocar... Este trabalho pesquisador se revela
um convite para travar lutas consigo mesmo, complementares ao engajamento nas
lutas coletivas (SATO, 2011).

138
(SATO, 2011, p. 1).
322

7.1 Abrindo as cortinas...139

Nunca andamos solitariamente, pois sempre partilhamos as caminhadas com as


pessoas que encontramos pelo caminho, que por uma razão ou outra, e até mesmo
por nenhuma razão plausível, caminham conosco por pouco tempo e ou por todo o
tempo. Também partilhamos caminhadas com aquelas que escolhemos caminhar do
começo ao fim do trajeto.

Assim foi com a Cartografia do Imaginário criada e publicada por Michèle Sato. Elegi
esta Cartografia para ocupar um lugar na minha mochila epistemológica, a qual foi
aberta conforme as tantas necessidades enfrentadas. A companhia da “Cartô de
Sato” me fez acreditar por todo o percurso que esse texto-estudo-cartografia havida
sido produzido “só” para que trilhasse corajosamente, que andarilhasse sem medo
pelos caminhos da grande e audaciosa viagem empreendida. Segundo o documento
cartográfico ( 011, p. 1), “a liberdade de escolha é algo também para ressignificar

139
As imagens dos Palcos neste capítulo (p. 316 e 317) foram copiadas dos links:
http://safadopoeta.blogspot.com.br/2010/05/palco-da-vida.html
ehttp://www.grupoheureca.com.br/historico.html .A fotografia da pesquisadora é de autoria de
Michèle Sato. As demais imagens contidas no palco encontram-se sem referências e autorias porque
já foram apontadas no decorrer da Tese.
323

nossa própria existência”. Assim, a Cartografia do Imaginário se colocou com uma


excelente escolha!

A Cartografia satiana foi minha bússola pelas vias fenomenológicas, orientando-me a


cada passo e me recolocando no caminho cada vez em que me perdia na caminhada,
que foram muitas vezes. Ela foi meu fio de Ariadne neste caminho-descaminhante
me orientando até o findar da jornada, amenizando as culpas, os desconcertos, o
não feito, porém apontando o todo por fazer! Um "mapa" que andou comigo par e
passo, mesmo antes da viagem ser realizada, durante o campo investigativo. Um
mapa que permaneceu mais fora da mochila do que dentro, sendo abertoa todo
instante, colocando-se como um aporte fundamental para a pesquisadora, então,
pesquisa.

A Cartografia também foi fiel companheira na escritura desta tese, apoiando-me


neste meu desafio maior, a escrita. Assim, a Cartografia do Imaginário (SATO, 2011)
foi minha companheira em todo o meu processo de aprendizagem científica:
formação-deformação-transformação-reformação.

7.2 O palco do diálogo em movimento


324

É o momento da parada da viagem científica um dia sonhada, organizada e


realizada. É hora de olhar e refletir tudo o que a viagem significou e desenhou para
mim, a viajante-pesquisadora, mas também enquanto viagem científica no campo da
EA. Só assim esta viagem se colocará sonhante de outras viagens necessárias e
possíveis.

Toda a artesania teórico metodológica constituída possibilitou-me conhecer o


Pantanal de Joselândia com toda a suas águas chegantes, o cambarazal, os
Cambarás. Permitiu que eu acompanhasse a transformação do Cambará em canoa
esculpida, traçando as ligações da canoa. E a base etnográfica do campo enriqueceu
a fenomenológica da pesquisa, ajudando na recolha de elementos-matérias para que
as reflexões se desenharem fartas e consistentes, tecelãs da tessitura epistemológica
do estudo. Todo esse composto constituiu um universo que desaguou na inundação
da criatividade poética-científica apresentada no texto da tese.

O campo de pesquisa produziu um arsenal imenso de informações-imagens-


conhecimentos que compuseram um mosaico peculiar e diverso ao mesmo tempo,
solicitando uma sistematização. Uma parada considerando a viagem feita para
relembrar cada trecho, cada paragem e eleger trechos-paradas significantes do
percorrido. Em um trecho-parada que exige uma dinâmica, há um movimento
recorrente que promove um ir e vir diversas vezes, cansativo, mas necessário.
Também houve um constante entrelaço para que se bordem as compreensões
primeiras e ou possíveis brotadas neste estudo. Esta é a razão pela qual importa
elencar pontos significativos, essências, matérias que de fragmento em fragmento
compõem o mosaico do campo estudado-investigado.

Então, esta parada-dinâmica-entrelaçadora da viagem empreendida, exige um


trabalho artesão, pois é com a artesania do pesquisador que a teia das relações
significantes serão bem tecidas. Uma teia-mapa que apronte pela importância-
abrangência do que pretendeu a pesquisa, estabelecendo as compreensões
ancoradas nas parcerias teóricas eleitas140 e partícipes presenciais141, assim como

140
Todo o corpo teórico acolhido.
141
Minha Orientadora e minha Banca avaliadora que foi além dos limites acadêmicos, contribuindo
sensivelmente com o tecido.
325

nas falas-imagens dos participantes da pesquisa, os Mestres canoeiros e a


comunidade joselandense, mas também recheadas pelas minhas observações e
meus devaneios, a pesquisadora-viajante.

7.3 Um palco para muitos diálogos142: em cena “O diálogo dos diálogos”

Com o entendimento primeiro de que Natureza oferta vida também às comunidades


tradicionais quando as presenteiam com matérias para que desenhem seu viver
cotidiano, rumei em busca dos ricos cenários que ecoassem o dialogar entre
Natureza-Cultura/Ecossistema-Arte. Ainda nos primeiros rabiscos desta busca,
indagações se presentificaram, se tornando arquitetas das andanças da pesquisa-
pesquisadora. Diante da ambiência inquietante que esta investigação propôs, o
aspecto dinamizador se revelou pela busca de possibilidades para a potencialização
do diálogo entre Natureza e Cultura, ou seja, Natureza-Cultura143,
NaturezaCultura144.

Nesse dialogar, dei ênfase à dimensão cultural intimamente complementar à


natureza, conforme estudos no documento da AEM. Melhor dizendo, nesse enfoque,
procurei encontrar potencias dos/nos serviços culturais, posição contrária à dimensão
econômica proposta pelo sistema capital vigente.

Toda esta pesquisa pela particularidade da pesquisadora acolheu o desenho artístico


como gênese cognitiva, das reflexões no/do empreendimento científico, inaugurando
a compreensão da interessante complementariedade da Arte com a Ciência, Arte-
Ciência, ArteCiência ou CiênciArte145. Dessa forma, se perseguiu outra cartografia
neste trajeto investigador, o das imagens poéticas nascentes em pesquisa científica
inseridas no trabalho investigador, culminando com a aparição da poética

142
Os títulos usados nesta parte da tese tiveram inspiração e também foram copiados da Cartografia
do Imaginário (SATO, 2011), base do meu caminhar-pesquisador em Educação Ambiental.
143
O uso do hífen entre palavras é um sinal de pontuação usado na Língua Portuguesa. Ele fornece a
compreensão de ligamento, de traço-de-união que revela sentido de união e ou separação. No caso
deste trabalho, o uso quer dizer união entre.
144
Visualmente o hífen separa, embora o sentido seja de união. Por esta razão, este estudo a partir
desta etapa do trabalho escrito usará as palavras até então com hífen, agora sem hífen. Visualmente
juntadas, emendadas as palavras fornecem a ideia de uma única tessitura, uma inteireza.
145
A escritura apresentada teve as mesmas intenções presentadas em NaturezaCultura.
326

entremeada na tese em posição complementar, tecendo texto


científicocognitivopoéticoartístico, inaugurando estética sensívelcriativa da/na tese,
no/do texto acadêmico.

Nestes rumos cartográficos, de perseguir compreensivamente as ligações da arte


popular-ecossistema, e da arte-ciência, esta investigação desenhou seus objetivos.
Foram eles:

 Retomar as possibilidades que considerem os diálogos entre Natureza e


Cultura;

-Percorrer o caminho sistêmico pelo viés cultural-artístico dos serviços estabelecidos


pela AEM;

-Registrar a cartografia Arte-Ecossistema;

-Compreender se a relação Arte-Ecossistema potencializa a relação Natureza-Cultura;

 Seguir as ligações no sentido complementar/dialogante entre Arte-Ciência;

-Compreender a complementariedade destas esferas, ainda dicotomizadas.

Contornando esse quadro, de antemão já se sabia obter algumas contribuições tanto


para a visibilidade do grupo social de artesãos fazedores de canoas de um tronco só,
como para a formação de espírito científico da/para pós-modernidade.

Nessa busca das ligações ecossistêmicas tanto da canoa pantaneira de Joselândia


como da ArteCiência uma exigência se presentificou, o protagonismo do(s)
envolvido(s), melhor dizendo um estar-ser por inteiro146. Os participantes da
pesquisa (pesquisador-fazedor de canoas, quanto a pesquisadora-fazedora de arte
científica) tiveram que se posicionar sensível e inteiramente no estudo, digamos uma
presença total. Essa presença total se revela como um protagonismo no sentido
cênico, em que a personagem principal da narrativa, os participantes, são como o

Um participante por inteiro no sentido interno-externo compondo a inteireza da presença do ser no


146

mundo e ou nos mundos!


327

Cambará que oferta seu tronco para a escultura da canoa pantaneira, desenvolvendo
tessitura da trama, caminho da fenomenologia.

A presença sensível-total solicitada pode ser colorida pelos caminhos da Arte


Educação Ambiental, por se revelar uma trilha que proporciona a construção-
reconstrução sensível, crítica e criativa necessárias às reinvenções desenhadoras das
transformações enriquecedoras tanto no âmbito pessoal, coletivo que se colocam
como um caminho bastante pertinente ao revitalizar espíritos científicos e não
científicos atuantes nos campos da vida, mas também bastante próprios para os
campos científicos-educacionais147 pós-modernos.

Assim, esta pesquisa produziu três tessituras ligantes. A primeira se revela por
desvelar as interações entre Natureza-Cultura, Ecossistema-Arte, por consequência já
expõe as interações entre Canoa-pantaneiro-imaginário, e ainda Conhecimento
Popular-Conhecimento Científico. A segunda se revela pelo desvelar as interações
entre Ciência-Arte/Poético-acadêmico, que, por consequência, já expõem as
interações entre Pesquisa-Pesquisadora/interior-exterior/Pesquisadora-
Criadora/Artista, fundando uma importância de formar espíritos científicos
atualizados com a Pós-modernidade. Já a terceira composição ligante se revela por
desvelar interações entre Arte Educação e Educação Ambiental, apontando
significativa contribuição para EA.

Estes três rumos ligantes, de interações buscadas na pesquisa, esboçam três


tessituras significativos desta investigação, essências reflexivas-anunciadoras
(Imagens: 130 e 131).

147
Formativos.
328

Imagem 130: Tessituras produzidas pela pesquisa.

1. A tessitura entre NaturezaCultura– se mostrou pela tessitura empreendida


entre Ecossistema-Arte revelado pela Canoa-pantaneiro-Pantanal-imaginário
mato-grossense;
2. A tessitura entre CiênciArte– se mostrou pela presença ligante do Poético
artístico com o acadêmico centífico que solicitou ligações da pesquisa
empreendida com a arte produzida pela pesquisadora-artista em pesquisa.
Essa tessitura, no seu bojo, produziu outras tessituras interessantes,
InteriorExteriordas reflexões científicasartísticas,revelados pelo texto da tese
que alia as produções do percurso poéticocientífico realizado pela
pesquisadora na pesquisa, desenhando a forte ligadura entre pesquisadora-
pesquisa;
3. A tessitura entre Arte Educação e Educação Ambiental – teceu Arte Educação
Ambiental e se mostrou presente como caminho viabilizador tanto no campo
de pesquisa (Tessitura 1) como na composição da pesquisa que culmina com
a tese (Tessitura 2). Essa tessitura possibilitou junturas bastante pertinentes,
o artísticopopularcientífico ou científicoartístico ou ainda científicopopular.
329

Imagem 131: Tessituras da pesquisa.

Essas composições ligantes, revelaram um tecido da crescente aprendizagem


científica poética nascente também da natureza, produzindo Natureza-Cultura
científica ou NaturezaCulturaCiência. A força propulsora dessas junturas foi a
natureza pela proposição do considerar, do pensar a cultura como um serviço
ecossistêmico, ou seja, o ecossistema parindo cultura popular, poesia, arte,
conhecimento, ciência.

Considerando NaturezaCultura como parideiras de trabalhos e de conhecimentos


(saberes-fazeres), se inicia um movimento de desconstrução dos obstáculos
epistemológicos que ainda conservam a imagem da natureza única e exclusivamente
como fonte inspiradora, e o ser humano como o centro da vida e do planeta. Em
contraponto, este estudo ligador revelou que a Natureza é matéria, é fonte, é forno,
é formante de sonhos, de saberes, de fazeres, de imaginário, de epistemologias, de
ciência.

As três composições ligantes, pelo todo exposto, podem inaugurar reinvenções de


saberesfazeres científicos e não científicos, abrangendo, inclusive, campos da
educação escolar e não escolar, atingindo ainda o cotidiano com tintas bem
330

contemporâneas da complexidade, reafirmando a necessidade de formação


ambiental, ou seja, educação ambiental voltada para o nascer de espíritos científicos
e não científicos na era Pós-moderna.

Um bom pincel para esta pintura Pós-moderna foi dialogar com Bachelard
(Fenomenologia da Imagem-Imaginação), Paulo Freire (Educação cultural, pela
imagem em diálogo para a transcendência) e Sato (Educação Ambiental). Outro
pincel foi Ana Mae (Proposição Triangular como suporte ao caminhar Arte-
educativo). Juntos, apresentaram um leque de possibilidades para alcançar a
compreensão de uma formação do ‘meu’ espírito científico-poético, me aprontando
para as reinvenções. Portanto, composições que devem importar aos estudos e
pesquisas referentes à Educação, à EA, à Arte Educação, à Ecologia e aos estudos
relacionados à AEM, às Áreas Úmidas, à Cultura e à Arte, entre outros, mas também
deve interessar à própria Ciência.

Tanto a escultura da canoa em um só tronco como os desenhos na/para tese tiveram


seu nascedouro na relação natureza-cultura/ecossistema-arte. Tanto a “escultura da
canoa” como os “desenhos na/da tese” percorreram os caminhos arte educadores
ambientais, revelando a trama dos eixos Arte Educação Ambiente. Natureza parindo
Cambará, cambarazais que parem canoas veículos, canoas arte, canoas imateriais,
canoas patrimônio cultural, canoas cidadãs, canoas educação.

Com ancoragem na posição epistemológica-poética desenhada por esta pesquisa,


alcançou-se uma perspectiva bastante interessante do estudo, considerar a cultura
do fazer canoa como poder cidadão, ou seja, um direito humano à arte popular no
contexto direto e indireto de sua gênese, pois só assim continuará sendo possível
fazer-se com e na Natureza cultural e cientificamente, uma re-ligação necessária e
urgente-emergente!

7.3.1 NaturezaCultura, um diálogo matéria

No rumo desta tessitura, a empreita realizada foi tecer as ligações compreensivas


dos serviços ecossistêmicos pelo viés cultural-artístico (Imagem: 132), melhor
331

dizendo, a ênfase residiu nos Serviços Culturais-artísticos com vistas à qualidade de


vida - NaturezaCultura. O ponto de busca foi percorrer as ligaduras da Natureza com a
Arte popular, considerando como foco o conhecimento tradicional nascido e por isto mesmo,
ligado ao ecossistema circundante.

Imagem 132: Caminho ligante da pesquisa.

O local eleito para empreender o estudo de campo foi o complexo comunitário


Joselândia, Pantanal Norte, Bacia do Alto Paraguai, Pantanal de Barão de Melgaço,
Mato Grosso, Brasil, no coração da América do Sul. Essa escolha se deu pelo fato
deo GPEA ter projetos de estudos nessa localidade pantaneira, e também pelas
ligações que a pesquisadora já tinha com o lugar e a gente de Joselândia. Os
participantes da pesquisa foram os Mestres artesãos da canoa pantaneira feita a
partir de um tronco só, uma escultura. A escolha dos Mestres participantes se deu a
partir da pesquisa exploratória dos objetos populares ligados à natureza na
localidade. Entre tantos que poderiam ser estudados, a canoa se tornou objeto de
estudo por ela ter se posicionado, se oferecido à pesquisa. Os Mestres prontamente
concordaram e se organizaram para a Oficina Arte Educadora da canoa, cabendo à
pesquisadora realizar a logística necessária.

Ao mergulhar no universo da mão sonhadora e fazedora, a do objeto artístico,


buscou-se empreender a cartografia do objeto da arte popular desse lugar,
chegando aos ecos dessa arte local produzida. Para tanto, se embrenhou na tessitura
do objeto artístico desde sua gênese (Natureza), perpassando pela necessidade do
332

objeto no cotidiano líquido da comunidade, pelos impactos que este fazer do objeto
provoca, bem como, ao ir além do lugar do
fazer e do uso, chegou-se às forças imaginárias do objeto no cotidiano de outras
gentes, aquelas que não fazem e que, por vezes, não usam o objeto artístico
diretamente.

Pensar a identidade cultural como serviço ecossistêmico se apresentou como


importante e necessário para as reflexões atuais. A face artística, os saberes e
fazeres artísticos de uma dada comunidade ou grupo social revelados na criação-
transformação como parte da ambiência de vida nos fazem compreender que, ao
produzir arte, não se forjam só canoas, mas essências humanas materializadas nos
objetos artísticos, como a canoa pantaneira. Essências que transbordam o Pantanal.
Além disso, a própria canoa, a partir deste estudo, poderá ser compreendida como
um essência do encontro NaturezaCultura para além do Pantanal. A partir dela,
outros objetos, outras manifestações artísticas e até populares poderão ser reveladas
forças significadoras de cultura, de identidade cultural, da força ainda bem viva e
pulsante na ambiência humana, Natureza!

A canoa pantaneira e os Mestres canoeiros só são possíveis no ecossistema


pantaneiro de Joselândia. É só nessa ambiência que a canoa ganha forma e
singularidade através das mãos sonhantes e fazedoras dos Mestres, um processo
único-local, que se universaliza não só como bem imaterial do povo mato-grossense,
mas também da humanidade.

Existe canoa de um tronco só espalhadas por outros Pantanais e também por outros
ecossistemas, regiões, estados, países. Porém, a canoa deste estudo nasce só na
ambiência Joselândense. É no mergulho do lugar que se desenha natureza-cognitivo-
cultura, é no diálogo dos saberes148 que se pode desenhar um processo único,
singular, resultante de uma captura sensível, de uma capacidade criativa e de um
registro científico.

148
No sentido tratado por Boaventura Souza Santos, ecologia dos saberes. Estudioso preocupando
com o aspecto social pela sua militância contribuiu com o pensamento contemporâneo traçando
caminhos plurais rumo a emancipação social.
333

Ecologia dos Saberes é um sentido tratado por Boaventura Souza Santos (2007, p. 3-
46), que transcende a ideia do contorno dos saberes e fazeres de grupos sociais
diversos. Segundo a compreensão obtida a partir das leituras desse estudioso, o
sistema capital, aliado a valores e ações que conservam o sentido colonialista mesmo
travestido, mantém e acaba por estabelecer dominação, opressão, diferenças,
‘verdade’ no singular, desenhando saberes superiores, melhores e certos, invalidando
assim os conhecimentos dos grupos sociais e criando uma ideia inclusive de
conhecimentos inferiores e errados.

Contrariamente Boaventura, com sua proposição de estabelecimento do diálogo de


saberes, fia, abre possibilidades de muitos diálogos entre os diferentes e as
diferenças. Abrem-se, então, as cortinas do palco da vida contemporânea para o
enredo entre culturas, além de todos os diálogos realizados e propostos por esta
pesquisa e outros que aqui não compareceram.

Como ainda nos situamos na herança deixada pela Modernidade, é interessante que
se perceba onde e como estamos, para que nos posicionemos em busca de
reinvenções Pós-Modernas que, certamente, devem seguir no sentido da
solidariedade, da emancipação, da justiça socioambiental, da sustentabilidade
planetária.

Para Boaventura Santos (2000),um saber deve considerar os demais saberes. No


caso da ciência, por exemplo, o saber científico (um conhecimento dentro da
formalidade) deve considerar o saber popular (que não abarca a formalidade
científica). O saber popular-tradicional, diferentemente dos saberes acadêmicos,
desnuda prontamente a criatividade em busca de alternativas, esbanja
interpretações possíveis, é hábil nas costuras entre teoria e prática, além de ser
provocador de movimentos, ações entre outros, formador da/para ciência-pesquisa-
pesquisador Pós-Moderno. Enquanto a ciência desenha caminhos através de estudos
engessados, não considerando ou considerando muito pouco e até desfazando os
ricos sentidos do saber popular, não se abre para o acolhimento deste saber para
colorir as epistemologias e as produções acadêmicas.
334

Se a ciência dialogasse com propósitos dialogantes com o saber tradicional popular,


aprenderia a se desenhar por outras perspectivas, sairia do seu conforto estabelecido
pela modernidade e se colocaria mais criativa, flexível, coletiva, participativa,
solidária, cuidadosa, respeitosa, política.

Um bom caminho se abre a partir desta pesquisa. Seguindo as trilhas da promoção


do diálogo com a multiplicidade dos saberes tecidos, amplia-se o leque compreensivo
e apronta um por vir. Rico foi e será considerar que a mesma Natureza que pariu
canoas é a que gerou este conhecimento científico através desta pesquisa,
esculpindo CiênciArte, CiênciaPoética, CiênciaImagemartística, CiênciaImaginação
criadora, lapidando uma estética artística científica.

7.3.2 ArteCiênciaou CiênciArte, um diálogo pós moderno

No intento de traçar as ligações entre Arte-Ciência na expectativa de compor uma


tessitura entre CiênciArte, foram percorridos os fios tecedores do poético artístico
com o acadêmico centífico que se revelou pela arte produzida pela artista-
pesquisadora em pesquisa.

Esta tessitura aprontou a produção de alguns desenhos-arte no tecido investigador


feito e compreendido por vias fenomenológicas. Acompanhar, fazer e refletir sobre
esta trilha cartográfica só foi possível pelas trilhas da Arte Educação Ambiental.

Essas produções se compuseram como poéticocientíficas, por estabelecer uma forte


ligadura da pesquisadora com seu estudo, propondo que um ser pesquisador por
inteiro, o seu InteriorExteriorem comunhão teceram as reflexões científicasartísticas
produzidas ao caminhar na investigação, produções reveladas no texto da tese que
demonstra forte ligação das produções poéticocientífico, bordando a inteireza da
pesquisapesquisadora.

Este diálogo nascido da/na/com a pesquisa desvelou a ciência como terra fértil para
criações artísticas de cunho científico-poético, desvelando miríades de saberes-
pensares-fazeres pesquisa em educação ambiental. A singularidade da
pesquisadorapesquisa é o propositor de uma jornada científica formativa-aprendiz.
335

Esta proposição se traduz pelo acolhimento dos textos artísticos-científicos como


textos singulares pela gênese cognitiva, e se lança como forças propulsoras das
reflexões científicas, desenhadoras das compreensões epistemológicas, inaugurando
uma estética sensívelcriativa para esta tese, mas fica entreaberta para outras teses
do gênero.

As imagens artísticas que salteiam no texto da tese se revelaram âncoras


esclarecedoras, pois se colocam como elementos que tecem uma narrativa própria,
estabelecendo um mapa cognitivo permissivo para a comunhão íntima do leitor com
o texto. Trata-se de uma cartografia subjetiva da pesquisa que se pode sentir ao ler
a tese, pois ela constitui um mapa que não só orienta o leitor, como sustenta e
reforça as ideias. Um mapa que expõe o sentido da caminhada epistemológica, que,
trilhando do noturno para o diurno bachelardiano, propõe um diálogo do interior
(pesquisadora) com o exterior (pesquisa) e uma Ciência sensível.

O estudo revelado se mostrou num estilo envolvente proposto pelo texto-palavra


na/da tese que marca o encontro entre CiênciArte, traduzido pela singularidade da
pesquisadora-artista, e também pela singeleza, respeito e cuidados que só um lavor
feito à mão em inteireza credencia. Na verdade, um lavor feito a muitas mãos ajuda
a revelar esta estética científica. Este trabalho, portanto, não esconde o respeito à
pessoa pesquisadora, não a deixando condenada a impessoalidade. Neste trabalho,
sente-se o respeito que tive comigo mesma - a pesquisadora, ao me fazer presente a
cada passo, a cada compreensão, a cada palavra, a cada desenho, a cada
composição. Esse respeito e cuidado comigo mesma revelou, concomitantemente,
cuidado e respeito ao trabalho produzido, à pesquisa como um todo.

Também esse respeito e cuidado, aliado ao compromisso com as mãos fazedoras


deste estudo, devem revelar as demais mãos partícipes deste empreendimento
aprendiz, os mestres canoeiros de Joselândia e todas as pessoas da comunidade
que, entre uma conversa ou outra, ajudaram-me a compor o estudo-trabalho
científico. Faz-se necessário também revelar as demais mãos participantes, minha
orientadora e minha banca. Todas essas mãos lavoraram este estudo, esta tese
comigo, aprontando-a com aspectos tão incomuns na ciência ainda posta,
aprontando-a especialmente para os leitores-estudiosos.
336

7.3.3 Arte Educação Ambiental, um diálogo sensível-crítico e criativo

Para abordar a Arte Educação Ambiental proposta e vivida neste estudo, será preciso
recuperar alguns aspectos da EA, assim como alguns aspectos da Arte Educação. Por
isto seguem.

EA proposta por Michèle Sato (GPEA)

O GPEA/UFMT149 não almeja só juntar indivíduos pesquisadores, ao contrário,


procura a construção coletiva dos olhares, dos estudos, das pesquisas e dos
trabalhos. Para este grupo, o educador ambiental tem postura de igualdade perante
todos os envolvidos nas propostas e pesquisas. Portanto, todos aprendem-ensinam
concomitantemente, em contramão das trilhas que compreendem que EA é só
“ensinar". Este grupo ainda considera o Tratado de Educação Ambiental - TEA e da
Justiça Ambiental – RBJA como boas bases para ancorar a EA.

Os participantes do grupo pesquisador (GPEA/UFMT) quando criam e planejam EA


dentro e fora das pesquisas, bem como, dentro e fora da escola, não só ‘pensam’
com o coração como consideram a racionalidade na sensação, concomitante ao
estranhamento do maravilhamento. Assim, a EA que este grupo revela não visa
formar um grupo e ou pessoas que potencializem somente a racionalidade, mas que
saibam acolher juntamente os sentimentos, a subjetividade e a afetividade, por mais
difícil que pareça ser, ou que de fato seja.

A EA que o GPEA busca reconhece os campos de poder, conflitos, dilemas


socioambientais como parte das questões ambientais. Dessa forma, demarca
preocupação em integrar sempre três esferas: natureza, sociedade e ser humano,
almejando um pensamento mais complexo, mais justo, que considere uma visão
mais integradora da sociedade humana e de suas relações com a natureza (o todo
complexo).

Assim, os integrantes desse grupo pesquisador tecem ciência-militância-poesia,


sendo que este último eixo (poesia) pode ser de modo ingênuo e ou de contestação

149
Coordenado pela Profa Dra Michèle Sato.
337

política. Importa, para o grupo, um caminhar aprendiz e lutador sensível-crítico-


criativo nos campos científicos e de outros campos da vida social sem medo de ser
feliz, sem medo de lutar, sem medo de errar, sem medo de perder ou ganhar,
importam as lutas em si. Nessa perspectiva, viver é lutar! É a boniteza das luta-
labuta traduzida em vida tecida! Lutar é trabalho, é labor que mantém as essências
que ofertam a dinâmica da vida, mantendo o/um movimento! A transgressão é a
tônica do grupo em todas as instâncias, porém, sem perder a ternura nem a
memória do passado para rumar ao novo.

Outra característica do GPEA permanece na posição aberta para brotar o dialogar


entre os diferentes e a diferença, mesmo que isso represente grandes dificuldades. O
grupo-pesquisador transcende o isolamento do pesquisador valorizando o diálogo
com/entre os diferentes-diferenças, por compreender que, juntos, compõem um
todo. Compreendendo o grupo pesquisador-educador-militante-aprendiz (GPEA), se
consegue ofertar todos os tons e meio tons da EA que esse grupo compreende e
promove.

Ainda a EA que o GPEA entende é tecida pela urgência na inserção da dimensão


socioambiental no cotidiano de todos os setores sociais humanos, na perspectiva de
uma cultura ambiental, ou seja, na vida pessoal, familiar, bairros, cidades,
comunidades, instituições públicas, privadas, e também para além da formação
escolar científica, escolar e de vida cotidiana com vistas a uma abertura ao
acolhimento das reflexões e reinvenções socioambientais pelo viés da justiça
socioambiental-sustentabilidade.

A EA do GPEA sonha alcançar um estado permanente e constante de EA,


vislumbrando minimizar progressivamente as distâncias até um dia alcançar
redesenhos diferente do posto! Assim, não se acredita na transversalidade proposta
nos PCN, nem tampouco crê na instauração de uma disciplina específica para
Educação Ambiental. O que se busca é a possibilidade de um movimento divergente
que aponte reinvenções educativas, reinvenções socioambientais, reinvenções de
vida que supere as propostas vigentes e anunciadas para a questão socioambiental.
338

O brotar deste movimento (divergente do posto) é dependente de outros


movimentos que, somados, serão a força motriz do grande movimento reinventador.
O movimento da educação ambiental dentro e fora da escola, nos campos das
Ciências Humanas, poderá criar um movimento socioambiental com viés mais justo-
sutentável desenhador de futuro.

O grupo pesquisador é sabedor que a EA não dará conta sozinha de modificar as


realidades impactantes urgentes, pois reconhece que a ignorância representa uma
oportunidade para o renascimento; que o refletir tem limites para tecer
conhecimentos, e que se devem, constantemente, buscar novas fontes do saber,
atualizando-o sempre!

AE de Ana Mae Barbosa

A Proposta Triangular apresentada por Ana Mae é um caminho propositivo da arte


educação escolar e não escolar. Esta proposição arte-educativa revela três ações
básicas para a arte-conhecimento-aprendiz: Fazer arte (criação/produção); Leitura
artística (apreciação/fruição/interpretação) e Contextualização (contextos
envolventes da obra), lembrando que a ordem das ações não altera os fatores150
(Quadro:05).

Quadro 05: Ler-contextualizar-fazer, conforme ideias de Ana Mae.


Leitura A leitura da obra de arte é momento de fruição, de apreciação, de comunicação,
de diálogo individual, um monólogo silencioso íntimo com a obra observada. É
deixar a obra ‘falar’, cabendo ao apreciador ‘escutar’ o que ela tem a dizer e a
propor. Por isto, também momento de percepção, de observação, pois, a
sensibilidade está em ação neste diálogo. É momento de experiência individual-
social sensível, da vivência do leitor da/com a obra feita por um indivíduo
no/com o mundo. É experiência para perceber o que a obra desvela, revela e
propõe. Momento de conhecer e de realizar o diálogo não verbal, de usar a
gramática visual e ou sonora e ou corporal para estabelecer o dialogar. Esta
gramática, quando apresentada formalmente ao leitor pode enriquecer o dialogo,

150
O texto sobre Arte Educação apresentado aqui teve como base de estudo Quadros (2012, p. 33 a
39).
339

mas caso contrário, também se constituirá rico. Neste instante, pode ser
interessante comparar obras, gêneros e diferentes situações da vida.
Contextualização Contextualizar é conhecer o mundo envolvente da obra de arte e de fato des-
envolver o mundo da obra apreciada para conhecê-la. O que não é de maneira
alguma apenas conhecer a história, mas conhecer a obra pela via social,
ambiental, antropológica, político e etc., bem como, outras questões que o
contexto da obra possa suscitar. Contextualizar não significa só conhecer a vida
e obra do artista em apreço, mas também estabelecer relações dessa obra com
o mundo151 em que foi gerada e publicada, significando conhecer-pensar sobre a
obra de arte da forma mais ampla possível.
Fazer É momento de entrar em cena a percepção, os devaneios e a criação pessoal
e/ou coletiva dos expressadores-artistas, mas também tempo de interpretar, de
buscar inspirações, de imaginar, de brincar, de experimentar, de errar, de
representar, de expressar, de fazer, trabalhar, obrar. É um espaço tempo de/e
para a criação, de expressão-concretização da imaginação criadora.

Essa Proposta da Ana Mae ancora-se na concepção de arte enquanto conhecimento


humano, como linguagem, como expressão e como comunicação, possibilitando uma
aprendizagem artística de maneira sensível, crítica e criativa através da inter-relação
dinâmica entre os eixos: fazer-ler-contextualizar. Com base na divulgação do
caminho apontado por Ana Mae Barbosa, os Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCNs (Brasil, 2001) difundiram a proposição dentro e fora das escolas brasileiras.
Hoje o GPEA, através deste estudo, tenta trazer a proposição arte educativa para o
universo da EA, seja nas proposições seja nas pesquisas.

A partir do que propõe Ana Mae na sua Proposição Triangular, pode-se considerar
que toda obra de arte é aberta a diversas interpretações e depende muito do ponto
de vista, da posição, da história, dos interesses do leitor (apreciador/espectador).
Apreciar obras artísticas propõe leitura de mundo, do mundo dado pela obra na qual
cabe uma leitura de nós mesmos, assim tecendo uma leitura de nós todos e todas no
mundo da obra, uma interpretação cultural sempre diversa.

151
Considerando o espaço, o tempo e a ambiência.
340

Existem interpretações, mais ou menos adequadas, mais ou menos relacionadas com


o objeto interpretado. Portanto, o que existe são pontos de vista, múltiplas e
variadas possibilidades interpretativas, não havendo de maneira alguma, no universo
dialógico da obra, uma ‘verdade’, nem tão pouco ‘absoluta’. A relação com a obra de
arte, tanto na feitura como na leitura, institui a presença-compreensão da
complexidade.

Quando se fazem e ou se observam obras, está estimulado, e não obrigado, a


escolher caminhos, materiais, estilos, aprende-se a decidir o que pode ser melhor
para as nossas ideias. As obras feitas e ou apreciadas só podem ser boas se
provocadoras de estímulos para as ideias, quando o que se faz, se vê, se assiste, se
ouve e se sente está a caminho de uma nova forma, uma nova abordagem, um novo
pensamento, um novo caminho, uma nova possibilidade, uma nova obra.

A obra feita/observada/estudada é sempre um suporte interpretativo, e não um


modelo a ser copiado, reproduzido. Se assim for, estará preservando a livre
expressão152, um aspecto importante da formação humana, e por isso deve ser
preservado. Essa foi uma conquista fundamental do passado para que se chegasse
ao momento contemporâneo da arte e da arte na educação.

Considerando o todo da proposição barbosiana153, compreende-se que é necessário


estabelecer espaço-tempo para fazer arte na formação das pessoas, pois é a
experiência artística que enriquece o ser, para que ele possa estar e ser melhor
consigo, com os outros e com o mundo.

Arte Educação Ambiental

A Educação Ambiental gpeana e a Arte Educação proposta por Ana Mae Barbosa
podem se entrelaçar, reinventando uma possibilidade de Arte Educação Ambiental
(Imagem:133), como sinalizadoras de escolhas que não desejam negar, nem tão

152
Considerando um mundo injusto, insustentável, massificador e globalizador; reconhecer e
potencializar a expressão da alma, do espírito livre das amarras que o imobilizam, por isto livre
expressão; pode inaugurar novos campos epistemológicos e de formas de vida.
153
Ana Mae Barbosa.
341

pouco abandonar a jornada artesã, laboriosa, prazerosa e feliz nos campos


científicos, nos campos militantes (lutas-esperanças) e na vida, pois creem na ciência
artesã, na educação artesã, na vida artesã, enfim, creem no estilo caracoleano!

Imagem 133: Natureza-Sociedade-Ser Humano-Fazer-Contextualizar-Ler.

Ao se esculpir sonhos, compõem-se obras154, obras laboradas são filhas de forças


desejantes que desenham caminhos buscadores que formam composições de
conhecimentos (saberes fazeres). Ao esculpir uma obra, obrigatoriamente se passa
pelas trilhas da imaginação criadora, da invenção/criação. Assim, o caminho tece
devaneios, que tecem obras, que tecem saberes, que tecem possibilidades,
apontando para tessituras futuras. Afinal, tudo está tocado um no outro, assim como
o outro no um; tessitura única.

Se Ambiente for reconhecido pela Educação via Arte, enriquecerá a EA, e esta, por
sua vez, enriquecerá o mundo contemporâneo. A educação pode nos apresentar e
nos fazer compreender155 as coisas postas e as possibilidades do que poderiam ser
se não fossem como são. O caminho formativo pode propor um saber teórico ligado
ao prático, à vida (saberfazer ou fazersaber). No rumo razãoemoção, a arte nos

154
Obras a partir daqui terá conotação de ação laboriosa, trabalho. Neste sentido pode ser tanto obra
de arte popular ou não, como tese, como texto, como atividade e etc.
155
Ou deveria...
342

provoca156, despertando não só o nosso coração, a sensibilidade, mas também,


fomenta a criação, a imaginação, e estes aspectos melhoram nossas reflexões,
nossas ações, portanto, nossos conhecimentos.

Para que ocorram mudanças de atitudes, é preciso inaugurar mudanças de valor,


processo que perpassa pelas ideias, imagens, compreensões, conceitos,
pensamentos, reflexões, escolhas e decisões. Só diante desse bojo o desejo
impulsiona a ação que é revelada pela experiência considerada pelo coração
pensante que percorreu as vielas dos sonhos, das decisões, das escolhas. Quando
esse conjunto desenhador se apronta em ação transformadora, é ativado o campo
da emoçãoprazer no indivíduo de coração pensante.

Mas como ficam os sonhos que se sonha junto? Sonhamos sozinhos porque sonhos
individuais são necessários até para desenhar sonhos coletivos. Sonhando
coletivamente se está unido no/pelo sonho, inaugurando a fortaleza do sonho, um
corpo sonhante, desejoso e carregado de esperanças. Pela situação dada no viver
hoje se faz necessário, ao sonhar sozinho e coletivamente, que se realize uma
revisão crítica do sonhado. É preciso examinar se os sonhos não estão sendo injustos
e insustentáveis, ou seja, se não estão indo além do justo socioambientalmente, e se
o que se sonha é e será realmente melhor para o planeta.

Os sonhos revisados pela razãosensível sabem/saberão ser justos e sustentáveis na


medida certa e nos momentos exatos, mesmo que estes se façam ao caminhar,
porque este trilheiro mesmo sem saber, estabelece o uso do bom senso aberto a
negociações na justa mediada porque sabe ‘escutar’, tracejando como imagem de
fundo a ética-estética.

Todo esse tecido de educação sensível-crítica e criativa, tecida pela AEA157 na


mistura da AE158 e da EA, é uma contribuição generosa pelos seguintes aspectos: se
fazer arte é expressar o que se percebe e sente, então é um caminho sensível para
fazer, constituir imagens artísticas capturadas em fragmentos do viver. Assim, se

156
Tanto do fazedor como do leitor.
157
Arte Educação Ambiental.
158
Arte Educação.
343

está expressando formas de sentir, ver e pensar o viver por uma linguagem diferente
da palavra falada e escrita.

Ao ler/escutar a vida recortada-expressada em arte-ambiente (artecossistema) e ao


contextualizar a obra, o fazedor e a ambiência nascente e envolvente da obra
manifestam um trabalho expressador de vida via arte (naturezacultura). E, ao
desenhar as interpretações envolventes, se apronta para um inaugurar novas-outras
imagens, agora ‘novas-outras’, um percurso infinitamente caminhante!

Os eixos ler-contextualizar-fazer podem estabelecer uma instância que propõe um


olhar e uma reflexão sobre o visto, vivido e estudado no eixo natureza-sociedade-ser
humano, promovendo uma possibilidade de encontro em diálogo entre eles, tecendo
NaturezaCultura/EcossistemArte, como propôs esta pesquisa.

O trilhar proposto pelo trilhar da alma (indivíduo interno) que perpassa pela formação de um
espírito (indivíduo interno) que pode propor caminhos para as relações humanas com a
natureza e também, com as relações sociais, em busca de redenhos ancorados na
sustentabilidade e na justiça socioambiental, foi um bom trilheiro para este estudo.

O re-ligar e reinventar solicita uma educação sensível, e para tanto, requer um


indivíduo por inteiro, pelo interior (imagem da redondeza/beber no próprio
poço/caranalidade) que saiba se conectar e se manter conectado com o exterior,
assim como inspirar-expirar.

Este desenho se dá de acordo com a dinâmica, com a vivência, com cada pessoa,
com cada grupo, com cada estudo, com cada pesquisa. Não se desenha, portanto,
uma receita única nem uma forma melhor para ser replicada. Revela-se a
sensibilidade, a presença, a escuta, a abertura, o reconhecimento da importância da
alma e do espírito criativo na ciência, na escola, na vida, no trabalho, na obra feita e
conhecida.

O interior provocado pela arte educação ambiental e pelos temas socioambientais


promoverá reflexões sobre as relações consigo mesmo, com os outros iguais e
diferentes e com o mundo. A partir dessa gênese, pode-se tecer compreensões para
se estabelecer desejos-responsabilidades-compromissos, desejosos de traçar novos
344

mapas sonhantes, novas cartografias esperançosas sempre que precisar


reencaminhar/reinventar as situações vividas ou viventes agora.

Nesse rumo recoloca-se o papel da imaginação criadora (criatividade) como


importante para as reinvenções. É preciso atentar para a formação de espíritos pós-
modernos nos campos científicos e não científicos, e, nesse sentido, uma formação
ambiental pelas vias artísticas assentadas nos campos educacionais se faz
interessante.

Contrariamente às reinvenções, encontra-se à cultura dos receituários,


eminentemente reprodutora, copiadora. Uma cultura que não faz questão alguma de
considerar o lavor, o processo, o prazer, o significante, a felicidade vital que só o
laborado instaura. Nessa trilha artesã, não há receituários, não há magias
reveladoras do que seja certo nem melhor, existe tão somente o desejo de trabalhar,
de lavorar. Assim os caminhos se abrem ao por vir de cada caminhante e de cada
caminho.

Para acionar a potência inovadora capaz de reinventar, perpassa pela imaginação-


criação e, para tal, faz-se necessário um constante exercício para adquirir o saber
fazer arranjos e rearranjos. Esse é um aprendizado que a Arte na Educação pode
cumprir se somada à Educação Ambiental pode propor esta Arte Educação Ambiental
que foi tratado e percorrido neste estudo.

Este é um caminho que pode ser interessantíssimo para jornadas de cunho Pós-
Moderno na ciência e na educação ambiental. Esta trilha pode apontar caminhos
mais justos, mais sustentáveis e mais democráticos, superando as desigualdades, a
indiferença à diversidade cultural, às injustiças. Caminhos que invadam e libertem o
cárcere das comunidades por médio de seus saberes e fazeres além de outras
desvalias. Para tanto, é preciso ultrapassar os contornos rígidos, transbordando-os
como as águas pantaneiras na cheia para o gozo pleno da seca. Propor diálogo,
propor complementariedade entre conhecimentos enriquece sobremaneira as
reflexões que impulsionarão a melhora da quantidade-qualidade das reinvenções
necessárias.
345

A mão que desenha,

é a poeta que sonha...


346

8 O NÃO FECHAR DAS CORTINAS159

As cortinas de um palco que assume ser pós-moderno não podem ser fechadas, em
prol dos diálogos sempre a caminho! Como pondera Sato (2011, p. 17):

Fenomenologicamente, não há nenhum trabalho conclusivo. De fato,


em se tratando das descobertas científicas, somos seres inacabados,
mas num registro da pesquisa [dissertação, tese, artigo ou texto
científico] precisamos dar um ‘fechamento’. Para além de uma
conclusão, o horizonte ainda se projeta lá na frente, numa espiral de
possibilidades.

Sato ( 011, p.18) alerta que “nunca se viu tamanho progresso científico em
contramão à miséria social do mundo”.

Uma pesquisa em EA deve ter ecos... Tem que ser intensa... Só


assim poderemos encontram um plano dinâmico sob uma nova
essência do conhecimento. Um conhecimento enraizado em sonhos,
que permaneça num impulso criativo e crítico das diversas formas de
existência e que, sobremaneira, consiga novas formas de
ultrapassagens às violências vivenciadas pela nossa era. A EA deve
ter o compromisso de permitir sermos protagonistas para alcançar a
utopia – apaixonadamente sempre! (SATO, 2001, p. 34).

As imagens dos Palcos neste capítulo (p. 339 e 341) foram copiadas do link:
159

http://www.grupoheureca.com.br/historico.html. A fotografia da pesquisadora é de autoria de Michèle


Sato. As fotografias da orientadora e banca foram copiadas das internet. As demais imagens contidas
no palco encontram-se sem referências e autorias porque já foram apontadas no decorrer da Tese.
347

Acrescento, nessa última imagem escrita proposta por Sato, que se faz necessário
reinventar a vida, o viver, os caminhos, os estudos, as lutas para manter a paixão,
melhor dizendo, para manter o amor sempre vivo, não permitindo que ele apague ou
enfraqueça, eis a questão!

Religar-se à natureza significa religar NaturezaCultura como essência humana para a


vida no século XXI e partir daí. Há uma memória humana que provoca uma
recordação de que se reconsiderar individuo é redesenhar a capacidade de compor a
costura que supera suturas, rasgos, para que se redescubra a crença, a crença em si
mesmo, em nós coletividade numa espécie de aprontamento para um renascer
contínuo, espaço-tempo das reinvenções.

“Dentre tantos meios de transporte, é bem provável que alguém escolha uma
viagem num caracol... Arrastando-se em sua gosma...”160. Mas eu escolhi
justamente este jeito tão peculiar de viajar! Esta tese iniciou afirmando isto que
escrevi na página 21 desta Tese:

Meu ritmo científico foi caraoleano! Foi lesmático, lerdo, vagaroso no


saboreio do caminhar... Tive o que Bachelard chama de Paciência
científica! Não deixei de produzir ciência só porque não imprimo o
ritmo frenético solicitado pela ciência hoje. Fiz ciência, sei disto! A
ciência por vezes desdenha quem se encontra fora da sua fôrma! A
ciência precisa transcender as diferenças!

“É plausível supor que a temporalidade de um caracol está comprometida, além das


possibilidades dele se apaixonar por alguma pedra, em algum jardim de Eros.
Vagaroso, saberá cheirar flor, e com perfume, pisando nos estrumes”161. Creio que
eu tenha dado conta de sentir o perfume das flores do Cambará enquanto pisava nos
estrumes deixados como elementos para compostagem, para a produção de adubo
orgânico rico e essencial às vidas de um ecossistema e tudo que a elas se ligam.
Reconhecendo o que considera Sato (2011, p. 19):

Alguns afirmarão que isto nem é ciência, desprezando propostas de


quem tem a coragem de sonhar com alguma viagem científica junto
com um Caracol! Mas com uma boa dose de inspiração saberá
cumprir sua persistência do tempo, deixando um excelente
registro;de sua aventura científica, seja lá que título tenha, será uma

160
Afirmou Sato (2011, p.19).
161
Declara Sato (2011, p. 19).
348

bela pesquisa. Uma boa imagética pode também expressar


conhecimento.

8.1 Considerações partilhadas em trânsito

Considerar é pensar. Partilhar é dividir. Trânsito é caminhar. Assim, o título deseja


tão somente expressar um pensar ainda caminhante em partilha. Um final não
fechando por um ponto final pura e simplesmente, mas em vigor pleno na
continuidade do movimento do ponto que se faz linha. Talvez, uma pausa para
mostrar o que se alcançou até então, uma rápida pausa, ansiosa por continuar
seguindo o caminho, caminhando...

Neste trânsito, quero reconsiderar e considerar as partilhas. Reconsiderar a partilha


com a minha orientadora, que, presencial e virtualmente162, sonhou, planejou,
percorreu e escreveu comigo lado a lado todo o percurso. Michèle foi mais que uma
orientadora, foi uma amiga-parceira! E é bom ter amigos científicos, nos tranquilizam
e nos agitam!

162
Virtualmente através das leituras e estudos das suas produções múltiplas e variadas.
349

A banca constituída para validar este estudo não cumpriu meramente o papel
acadêmico, transgrediu, foi além de um mero crítico academicamente correto. A
banca foi ética, foi respeitosa, foi afetuosa ao ler, ao interpretar, ao comentar, ao
sugerir, estabelecendo uma parceria íntima sensível-crítica e criativa. Fez as críticas e
sugestões necessárias para melhorar o estudo e também, ao se permitir percorrer a
viagem feita por mim, devaneou, cantarolou, poetizou, criou comigo... Razões que
me fazem agora, melhor que antes, mas sempre a caminho pra a melhora!

Construir caminhos para reinvenções é um rumo que reafirma a necessidade da


educação, de uma formação. É preciso desvendar e/ou descobrir caminhos
alternativos continuamente para que possam ser mobilizadores e apropriados pelos
partícipes, na perspectiva das reinvenções necessárias ao nascimento e a instauração
da pluralidade, da democracia, das respostas aos desafios da contemporaneidade, da
cidadania, contribuindo com a construção de um mundo menos dogmático e mais
solidário, menos injusto e mais sustentável. Esse contexto enfatiza a necessidade das
abordagens integradas, inteiriças como são os trabalhos laborados à mão, a
artesania, e não abordagens fragmentadas, dicotomizadas. Na inteireza, vicejam
possibilidades de reflexões e diálogos contribuidores das reinvenções.

Esta pesquisa se configurou por uma viagem científica que se aprontou poética-
educadora, na qual se mapearam terras e águas pantaneiras, propondo encontros e
reencontros com o próprio pantanal, com o Cambará, com o pantaneiro, com o
fazedor de canoas, com a canoa e também com sonhos e arte, nascidos na vivência
pantaneira e materializados em imagem artística-palavra cientifica. Razões que
desenham um estudo que reflete sonhos, vivências em diálogo com a ciência
aprendiz.

Toda a complexidade qualitativa-fenomenológica que este estudo abarcou não expõe


combinações com as posições críticas, abordagem que fica explícita, quando se
assumiu a arte-poética do começo ao fim do trabalho como parte da pesquisa,
produzida pela pesquisadora (Fenomenologia da Redondeza/Carnalidade) na
trajetória da investigação que se propôs a estudar via Fenomenologias da Imagem-
Imaginação. Nessa perspectiva, esta investigação não separou em nenhum momento
sujeito-objeto, contrariamente, em cada passo da pesquisa em cada página da tese
350

desvelou-revelou a rica complementariedade entre ambos, um SujeitObjeto, na


inteireza fenomenológica.

A viagem científica empreendida partiu de uma escolha epistemológica bem


desenhada, articulando Ciência e Arte através da EA e Educação Popular em busca
do reconhecimento da Arte Popular como um campo epistemológico dos saberes e
fazeres de pessoas de um lugar, onde transbordava localidade, atingindo a
universalidade como as águas pantaneiras, tocando a relação Natureza-Cultura,
justificando a inteireza pelo desenho desta escrita: NaturezaCultura.

A investigação empreendida procurou aliar teoria e prática o tempo todo e a todo o


custo, costurando corpo teórico fenomenológico-metodológico acolhido com a
ambiência complexa desenhada pela Pós-modernidade, era em que vivemos. O corpo
teórico do empreendimento foi vivenciado no interior da prática, no e com o campo
de pesquisa, estudos e reflexões evidenciados.

Até a gênese da expressão-comunicação da tese revelou originalidade estética


científica na composição da escritura, revelando ousadia e transgressão acadêmica
que tanto encanta o leitor, propondo que ele mesmo vá além das palavras grafadas,
vá além das imagens artísticas expostas, vá além dos limites das folhas, e caia em
devaneios! A fenomenologia consente pousos e voos para que o coração tecedor, vá
tramando, tramando, tramando...

O presente estudo alargou os contornos estabelecidos e mantidos pelo acadêmico-


científico, que ainda teima pela exigência da rigidez e da estrutura entre outros. Este
trabalho não só experimentou como ofertou possibilidade complementar às palavras
científica com as imagens artísticas nascentes em pesquisas, no campo investigador
pantaneiro. Também experimentou aliviar a rigidez dos contornos que ainda separam
dicotomicamente Natureza e Cultura, respeitando as especificidades de cada qual,
ofertando restauro a forte re-ligação entre elas.

Estas conquistas foram possíveis nesta pesquisa por se trilhar pelas vias da EA, pois,
neste campo de conhecimento bastante recente, podem-se ofertar forças
complementares às dicotomias instauradas pela modernidade que persistem em
campos científicos e reverberam, em campos não científicos, desenho opositor às
351

possibilidades dialógicas. Foi via EA que se pode compreender como está


estabelecido a existência de uma coisa na/com a outra, reafirmando que um está no
outro, e o outro está no um, no caso deste estudo NaturezaCultura e CiênciArte.

Esta pesquisa revelou contribuições ao campo da EA por reconhecer que este campo
de conhecimentos bem contemporâneo está estreitamente vinculado a gentes,
fazeres e saberes com o meio circundante; e este estudo assume e declara esta
perspectiva, contribuindo para que ocorra uma espécie de oxigenação no campo da
EA, através da inserção da arte-sensibilidade-criatividade (caminho da Arte Educação
Ambiental); através do reconhecimento do saber tradicional-popular e da promoção
de um dialogar com a filosofia-epistemologia.

A arte educação por si só oferta uma natureza participativa e de partilha de


experiências, revela ser uma instância onde os limites se fazem na criação e ainda,
revela ser uma espécie de germe do diálogo na diversidade. Aliada à Educação
Ambiental, a Arte Educação se apronta para transcender a tal visão ‘ingênua’, e
acolhe o campo da insustentabilidade e das injustiças socioambientais para tecer
críticas pela imagem artística.

Assim, a arte educação ambiental ganha legitimidade para adentrar de maneira


sensível-crítica-criativa no campo das relações humanas marcadas pela diferença,
pelo conflito, discórdia e violência, por exemplo. A grande contribuição da AEA para
o campo da EA, se revela pelo viés do da formação, da construção de
conhecimentos, de viver íntima e intensamente a aprendizagem, território das
criações-transformações que acontecem tanto individual como coletivamente,
sempre numa ambiência diversa e conflituosa, mas generosa de respeito, de
compromisso, de escuta sensível, de desejo de sonhar e fazer, de amor pela vida.

Este caminho formativo-aprendiz da AEA contribui ainda para aprender sobre si,
concomitante sobre os outros e ainda sobre o mundo. Considerando que aprender é
vivenciar teoria-prática e construir saberes, os efeitos resultantes das jornadas
aprendizes são sempre transformadoras, pois, ao vivenciar e construir as nova
percepções de si e dos outros, se formam, transbordando para a percepção das
interações do lugar do corpo (interno-externo) na produção destes saberes. Dessa
352

forma, compreenderá os efeitos na ação social, desenhando atores-autores-agentes


de um saber fazer outro no plano individual e também na coletividade. É pela
formação, educação, pedagogia que se pode reinventar socioambientalmente,
transformando indivíduos, coletividade e o mundo.

É certo que todos, fatalmente, estamos ligados ao meio em que vivemos, incluída aí
a natureza, nesse contexto em que nos realizamos enquanto seres humanos. A
grandeza humana só se desenhará se reaprendermos a nos religar com a natureza,
com os nossos ecossistemas tão agredidos, tão ofendidos, tão vilipendiados.

Um Cambará sonha ser uma canoa! Uma canoa não esquece seu passado, guarda na
memória que foi nascida de um Cambará escolhido entre tantos num cambarazal. A
mão sonhadora e fazedora de canoas sabe da forte ligação do seu trabalho
modelador com o Cambará, com o cambarazal, com o Pantanal, com o ciclo das
águas, com a sustentabilidade, e sabe da relação com as questões de justiça
socioambiental. O que falta, talvez, seja a confiança nesses saberes, a certeza de
que os possuem para que os usem. Pode ser que falta uma melhor compreensão
referente a esses saberes existentes. Por isso, faz-se necessário instituir uma
educação ambiental local que contribua com mobilizações dos saberes do grupo
fazedor e da comunidade para que busquem conhecer seus direitos, saberes e
deveres para que possam se sentir mais confiantes e participem ativamente de
programas e políticas ambientais-culturais que os potencializem, instaurando, quem
sabe, protagonismo dos fazedores-comunidades nos cenários políticos que
contornem programas socioambientais-culturais.

Na busca pelas possibilidades de potencialização do diálogo entre Ecossistema-Arte,


ofertou-se ênfase na dimensão cultural, de maneira que se retomasse a íntima
complementariedade entre estes dois polos. Essa posição de antemão já se declara
contraria à dimensão econômica proposta pelo sistema capital vigente.

A relação NaturezaCultura é uma boa desenhadora de possibilidades, e não só


mantenedora da alternativa econômica que potencializa a precificação da natureza,
afetando, neste etiquetar, o ambiente e suas vidas em nome do desenvolvimento, do
353

crescimento econômico, de produção de alimento para toda humanidade entre


outros.

O entrelaço entre NaturezaCultura proposto neste estudo revelou que podem existir
alternativas para se desenhar possibilidades econômicas outras. Uma economia
complementar às tessituras da sustentabilidade frente às justiças socioambientais
provavelmente seja uma boa fonte inspiradora para tais desenhos. Nesse rumo, o
caminho econômico, aliado à preocupação com as vidas no/do planeta, seria um
bojo para reinvenções econômicas bem interessantes.

A sustentabilidade cintila suas dimensões e hoje dispõe foco maior na economia


mercantilizadora da natureza. Porém, o presente estudo revela ligações sistêmicas
com ênfase nos serviços culturais demonstrando que, se considerada a abordagem
da relação NaturezaCultura, se ela for tomada como matéria da criação-
transformação econômica, será possível reinventar outras economias possíveis e
quem sabe bastante justas e muito diferentes desta que está posta.

Este estudo revela a necessidade de instaurar uma EA local, regional pantaneira para
além das divisas geográficas, transbordante dos limites locais tocando a
universalidade humana. Uma EA que contribua com um melhor desenho das
identidades construídas no território de vida, lócus de valores e significados
ancorados na dimensão local em inter-relação íntima com a universalidade humana.

O movimento da canoa pantaneira que se dá entre água e terra se revela um


território que tem muito a ensinar, portanto, a aprender. Este estudo toca a
possibilidade de empoderamento, de fortalecimento dos grupos sociais de artesãos
tradicionais, Mestres via identidade local através da arte produzida, vislumbrando inserções
nas políticas públicas, bem como de inclusão das atividades culturais pantaneiras nas pautas
das discussões e dos programas políticos sociais.

Para tanto, deve-se considerar a Cultura local como identidade via arte. Essa
consideração pode ser um rico e importante subsídio de/para um desenhar de
políticas no sentido de um apuramento justo e sustentável para cidadãos e cidadãs,
bem como para todas as vidas, humanas e não humanas, portanto, para a natureza.
354

Para que se consiga sair de uma invisibilidade, é preciso ser visto. Assim, um
mapeamento da arte popular mato-grossense se torna pertinente. No caso local de
Joselândia, mapear a arte e as manifestações populares que importam para a
comunidade contribui para a visibilidade dessa gente nesse lugar. Mas só mapear
não propõe todo o empoderamento necessário para se chegar a políticas e
programas, é preciso mais que mapear. Pensando nesse rumo, quem sabe importa
construir uma carta e uma agenda da arte e das manifestações populares
tradicionais, assegurando mobilização enfática e pronta para lutas políticas
necessárias.

Propor Oficinas de Educação Ambiental para traçar mapas junto com os moradores,
para que possam melhor se ver e transcender. Oficinas que evidenciem a
importância de gritar do quintal de Joselândia para o mundo, através da produção de
documentos do tipo Carta e Agenda local, quem sabe da Arte Popular aliada ao
ecossistema pantaneiro possa ser a tônica dessa construção. Provavelmente,
poderiam ser bons instrumentos pedagógicos para se alcançar, de maneira
totalizante, o empoderamento. Assim, esta pesquisa dá início a esta possibilidade
para este grupo, para esta comunidade.

Criar uma Agenda local como documento estabelecedor da importância de arte


popular nascida dos conhecimentos tradicionais populares e quem sabe das
manifestações culturais na gênese da natureza (NaturezaCultura), uma Agenda que
estabeleça o compromisso das reflexões locais trasncendentes da localidade,
evidenciando a maneira pela qual se poderiam desenhar caminhos cooperadores
para alternativas justas e sustentáveis, a partir desse lugar e dessa gente - a
comunidade. Não se propõe aqui um caminho do Global para o Local, mas
contrariamente, do Local para o Global, em que a comunidade grite a
sustentabilidade e justiça socioambiental do seu quintal para o planeta!

Constituir coletivamente uma Carta local como um documento expõe princípios


básicos para sustentar as ações locais e não locais que se tocam. Uma carta local
que revele um programa da comunidade para ela mesma, bem como para os que
nela se ligam, propondo sustentabilidade e justiça socioambiental ainda para ser
cumprida no século XXI. Uma Carta que revele a necessitada de um Pantanal mais
355

saudável, de uma natureza mais sustentável na perspectiva socioambiental, onde a


comunidade se posicione para respeitar e ser respeitada, só assim a comunidade e a
não comunidade poderão exercer o direito à Vida, o direito à Arte.

A Arte sonha (des) contornar os rígidos limites científicos! E a Ciência sabe dessa
força que a complementa e a enriquece tanto. Falta-lhes, porém, assumir esta
possibilidade em tempos Pós-modernos sem medos e inseguranças do novo-outro,
sem medo do dialogar, sem medo da complementariedade, sem medo da
complexidade, se medo de se desacomodar, sem medo das reinvenções necessárias,
mas rumando em busca de superações dos seus obstáculos dicotômicos, herança
insistente da modernidade. Só assim a ciência dará conta de ser uma ciência para/na
Pós-modernidade, contribuindo com a vida humana e não humana, com a
sustentabilidade-justiça socioambiental tão urgente para a manutenção da vida para
todos os seres no planeta.

As intenções investigadoras deste estudo se desenharam como as águas que correm


para a formação das bacias hídricas, que serpenteiam a terra para o encontro com
os oceanos e o namoro com a evaporação, com os ventos até cair em chuvas e
reiniciar o clico das águas mais uma vez, outra vez. Não havendo um fim como o
clico hídrico, esta pesquisa repousa na necessidade da presença do espírito criador
na vida humana, na educação escolar e não escolar e na ciência para que novos-
outros valores sejam acolhidos e vivenciados para um brotar de reinvenções que
favoreçam mundos outros, um mundo para todos, contrariando a permanência de
um mundo no singular, um único mundo possível, um mundo para poucos-alguns.

Quando iniciei o Curso de Doutorado, em 2009, a proposição de pesquisa era outra,


que se manteve até o GPEA iniciar estudos na direção do AEM. Através de Colóquios
e Oficinas sobre o tema, me chamou a atenção o fato de ter pouco estudo e
abordagens sobre serviços culturais, principalmente se considerado o Pantanal de
Mato Grosso. Então, uma abordagem ainda disponível para o por fazer científico.
Minha mente imaginativa e meu impulso criador não aguentaram, explodiram em
exercícios compreensivos (devaneios-epistemológicos), assim experimentaram
montar as ligações sistêmicas com ênfase cultural no Buriti, nas espécies vegetais
356

usadas na viola de cocho163, na rede e objetos feitos com argila, artesanias mato-
grossenses.

Estes exercícios foram mostrados para colegas do GPEA e orientadora164.


Prontamente, ao conhecer as pequenas mostras exploratórias, responderam ser esta
uma tese e que poderia ser a minha tese do doutoramento. Assim, mudei os rumos
dos estudos de Mulheres Negras em diálogos para tocar o serviço ecossistêmico
cultural pantaneiro. A poética-artística-científica, então bastante retraída, migrou
para o enfoque da canoa.

Quando sonhei com a proposição da canoa, eu era uma pessoa situada em outro
contexto de vida no sentido particular do ser. Assim, saí pelas trilhas da pesquisa
realizando cada passo sonhado e cuidadosamente planejado. Assim foi até ser
chamada para assumir um Concurso Federal para docência artística em uma cidade
do interior de Mato Grosso.

Nesta altura do tempo, já havia perdido as esperanças de realizar o sonho da


docência federal em arte, pois este anúncio se deu poucos dias antes de findar os
prazos para a chamada. Então, me mudei de cidade e fui morar sozinha, deixando
para trás toda uma vida: filho, marido, mãe, casa, família, amigos, meus trabalhos,
GPEA, pesquisa de campo, sonhos. Foi muito difícil e sofrida a despedida do quadro
dado em Cuiabá.

No entremeio dessa saída aprendiz da minha própria vida, outros episódios se


constituíram a partir desta saída, deste novo quadro. Fato é que a vida continuou
tanto para mim que parti para outra vida, como para todos que deixei para trás.
Nada parou! Afinal, a vida é de fato dinâmica! Mas também é fato que, consciente ou
não, reinventei meu viver por lá... E os que ficaram foram reinventando por aqui.

Gradativamente, fui tentando reaprender o meu novo quadro, acolhendo as


novidades e tentando administrar o que não gostaria de abandonar de maneira
alguma. Assim fui caminhando pelo caminho, mas um problema de saúde na família
forçou outro movimento, o de retorno à casa natal, Cuiabá. Essa dinâmica foi

163
Instrumento da arte popular mato-grossense e do Centro-Oeste brasileiro.
164
Regina Silva e Michelle Jaber.
357

impulsionada por um Processo Judicial que durou oito meses, de Junho de 2012 a
Fevereiro de 2013.

A partir daí, Fevereiro de 2013, outro quadro novo se aprontou, uma vez que, nem
eu, nem ninguém que deixei, nem nada era o mesmo de quando parti. Reafirmando,
a vida pulsa continuamente nova a cada segundo! Assim, encontro-me neste exato
momento tentando me redesenhar neste novo quadro de vida.

Portanto, neste tempo de descompor, compor e recompor quadros da tese e da


minha vida pessoal, fica muito claro que, neste tempo que passou, não dei conta de
administrar meu tempo com meus envolvimentos – família, trabalho escolar e
pesquisa-estudos. Do sonhado para esta pesquisa, ficaram muitas coisas por fazer,
embora ela tenha andado a contento. Importa, porém, que compreendo o todo
sonhado, portanto, tudo o que deixei de fazer. Também compreendo que fiz o que
deu para fazer dentro de toda uma circunstância ligante da pessoa-pesquisadora-
pesquisa, e que, se fenomenológica, o ponto não precisa ser dado aqui agora, pois a
caminhada segue. Só parei porque a temporalidade acadêmica assim exige, mas foi
só uma parada exigida, não parou o estudo, a pesquisa, o interesse.

Este quadro que apresento da pesquisa empreendida, não teve problemas pelo ritmo
caracoleano escolhido para a viagem. A maior barreira enfrentada foi produzida por
mim mesma, com meu péssimo gerenciamento. Não soube encarar todos os NÃOS
necessários, aliás, ainda não compreendo se devo. Doeram muito, e eu sofri além de
qualquer lenda... Ainda estou sofrendo e, neste exato instante em que escrevo, as
lágrimas correm.

Mas como Sato sempre diz nas orientações, é preciso encontrar caminhos do meio
entre a dureza da ciência ainda desenhante e a moleza da vida necessária. Portanto,
o caminho é interminavelmente vivo e rico, e o caminhante deve seguir o caminho
caminhando, aprendendo e reinventando. Assim, tenho certeza de que, em breve,
redesenhada na vida pessoal e profissional, retornarei ao Pantanal ao encontro dos
amigos pantaneiros que fiz por lá desde 2007, meus Mestres! Sábios Mestres!
Retornarei outra-nova para as pesquisas e proposições que desta empreita nascerão.
358

Este quadro tão particular expressado em campos científicos, o do péssimo


gerenciamento do tempo, é desenhado pelas contingências da vida contemporânea
de uma pessoa, de uma mulher que sonha e busca realizar seus sonhos, porque
sabe que é só neste trajeto que é possível se redesenhar no mundo, com o mundo
em partilha e para o mundo. É sonhando e labutando artesanalmente o amor à vida,
ao viver que continuamente esculpo a esperança, inclusive a esperança de uma
gestão pessoal melhor da própria vida como profissional da educação, como
pesquisadora, como pessoa individual, como mulher, como filha, como mãe, como
esposa, como parceira, como amiga, como militante, como gpeana, como cidadã do
mundo, do planeta que sonha com todas as instâncias da vida e viver, e por isso
mesmo crê que tem tamanho, braços e fôlego para dar conta de tudo que ama, de
tudo que sonha. Por esta razão, compreendo também, neste instante, que me
manterei sempre sempre caminhante, sempre caminhando... Sempre caminhando,
cantando e seguindo a canção!

Falando em não findar, seria bem interessante considerar ainda...

Que a esfera científica poderia rever alguns valores ambientais, e para tal, seria bem
interessante começar pelo consumo de papel...165

165
A imagem a seguir, um desenho virtual, aborda sobre o consumo de papel quando se produz uma
Tese, foi criado por Imara Quadros.
359
360

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APÊNDICE

Acesso em:
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369

ANEXOS
Anexo 01: Vídeo 01 Pesquisa Mata Cavalo
Acesso em (You Tube): https://www.youtube.com/watch?v=xWkt1fxXQqI

Anexo 02: Vídeo 02 Mulheres e Arte, Cabo Verde


Acesso em (You Tube): https://www.youtube.com/watch?v=eHmeluS0TUM

Anexo 03: Vídeo 03 Ilha do Fogo, Cabo Verde


Acesso em (You Tube): https://www.youtube.com/watch?v=nf9Kw5MUZx4

Anexo 04: Vídeo 04 Eu Arte Pesquisa, Cabo Verde


Acesso em (You Tube): https://www.youtube.com/watch?v=KiBn0lJHMx4
370

Anexo 05: Lei Estadual n° 8.830


A lei Estadual para o Pantanal [nº 8.830], segundo ela mesma, trata sobre
Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai - MT, estabelecendo
as Políticas Estaduais para a gestão e para proteção desta Bacia e definindo os
princípios e as atribuições do poder público para manutenção da sustentabilidade
ambiental, econômica e social.

Esta política de gestão e proteção para esta Bacia, objetiva promover a preservação
e conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade
ambiental, visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da
população envolvida, desde que atendido alguns princípios, entre eles estão:

– o reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o


desenvolvimento e gestão das potencialidades da região;
– o respeito e a valorização às formas de uso e gestão dos bens ambientais utilizados
por povos e comunidades tradicionais;
–o respeito à diversos quesitos, entre outros estão, os sociais, econômicos,
educacionais, culturais e estéticos [associados];
371

Anexo 06: Decreto n° 6.040

O Decreto Federal para as Comunidades Tradicionais [nº 6.040],

Segundo ele mesmo, trata da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos


Povos e Comunidades Tradicionais, delegando competência de coordenação para
implantação destas políticas nacionais, à Comissão Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais [criada por outro decreto, em
julho de 2006].

Para este documento, Povos e Comunidades Tradicionais são grupos


culturalmente diferenciados, que se reconhecem como tais, e que possuam formas
próprias de organização social, que ocupem e usem territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

No Anexo deste Decreto encontram-se os princípios e objetivos estabelecidos


pelo documento.

Um destaque segue para o primeiro e o último princípio, neles se estabelece que se


deve:

Reconhecer, valorizar e respeitar à diversidade socioambiental e cultural dos povos e


comunidades tradicionais, levando-se em conta, dentre outros aspectos, [...]
atividades laborais, [...]; e também se deve preservar os direitos culturais, o
exercício de práticas comunitárias, a memória cultural e a identidade racial e étnica
destes grupos.

O outro destaque segue para o objetivo geral e alguns específicos:

Quanto ao objetivo geral, o documento apresenta que intenciona promover o


desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no
reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais,
ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade,
suas formas de organização e suas instituições. E os objetivos específicosde
números I,V,XV e XVI mostram que o documento visa entre outros,
372

garantir aos povos e comunidades tradicionais, seus territórios, bem como, o acesso
aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física,
cultural e econômica.

Também intenciona o decreto, garantir e valorizar as formas tradicionais de


educação [...]; reconhecer, proteger e promover os direitos dos povos e
comunidades tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos tradicionais e
apoiar e garantir a inclusão produtiva com a promoção de tecnologias sustentáveis,
respeitando o sistema de organização social dos povos e comunidades tradicionais,
valorizando os recursos naturais locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais.

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