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Documenti di Cultura
B e l o
H o r i z o n t e
2 0 1 8
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
IEPHA-MG
Presidente
Michele
Abreu
Arroyo
FICHA TÉCNICA
Coordenação
Geral
do
Projeto
Françoise
Jean
de
Oliveira
Souza
-‐
Doutora
em
História
-‐
UERJ
Coordenação
da
pesquisa
e
textos
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva
-‐Mestranda
em
História
-‐
UFMG
Consultoria
Técnica
Professor
Doutor
Ivan
Vilela
–
USP
Texto
e
pesquisa
histórica
Mateus
Resende
Andrade
-‐
Doutor
em
História
-‐
UFMG
Texto
e
pesquisa
antropológica
Ana
Paula
Lessa
Belone
-‐
Mestre
em
Sociologia
-‐
UFMG
Mapeamento
Luis
Gustavo
Molinari
Mundim
-‐
Doutorando
em
História
-‐
UFMG
Breno
Trindade
-‐
Doutorando
em
Antropologia
-‐
UNB
Estagiários
André
Vitor
de
Oliveira
Batista
-‐
História
Bianca
França
-‐
Antropologia
Erika
Caroline
Damasceno
Costa
-‐
História
Guilherme
Barca-‐
Geografia
Guilherme
Eugênio
-‐
Antropologia
Elaboração
dos
Mapas
Clarice
Murta
Dias
-‐
Mestre
em
Geografia
–
UFMG
Produção
Audiovisual
Felipe
Aguiar
Chimicatti
Rafael
Bottaro
Pedro
Carvalho
Moreira
Administrativo
Adalberto
Andrade
Mateus
Gisele
Ferreira
Rubem
Tânia
Maria
Moreira
Dalfior
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
LISTA DE ABREVIATURAS
ANPUH
–
Associação
Nacional
de
História
CONEP
–
Conselho
Estadual
do
Patrimônio
Cultural
CPC
–
Centro
Popular
de
Cultura
DPM
–
Diretoria
de
Proteção
e
Memória
FAOP
–
Fundação
de
Arte
de
Ouro
Preto
FAPEMIG
–
Fundação
de
Amparo
à
Pesquisa
de
Minas
Gerais
FAPESP
–
Fundação
de
Amparo
à
Pesquisa
do
Estado
de
São
Paulo
FEC/MG
–
Fundo
Estadual
de
Cultura
de
Minas
Gerais
GPI/IEPHA
–
Gerência
de
Patrimônio
Imaterial
do
IEPHA
IBGE
–
Instituto
Brasileiro
de
Geografia
e
Estatística
ICMS
–
Imposto
Sobre
Circulação
de
Mercadorias
e
Serviços
IEPHA/MG
–
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
IPAC/MG
–
Inventário
de
Proteção
do
Acervo
Cultural
de
Minas
Gerais
IPHAN
–
Instituto
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
Nacional
LEIC/MG
–
Lei
Estadual
de
Incentivo
à
Cultura
de
Minas
Gerais
MEC
–
Ministério
da
Educação
MFB
–
Movimento
Folclórico
Brasileiro
PEPI
–
Programa
Estadual
de
Patrimônio
Imaterial
UEL
–
Universidade
Estadual
de
Londrina
UFMG
–
Universidade
Federal
de
Minas
Gerais
UNB
–
Universidade
de
Brasília
UNE
–
União
Nacional
dos
Estudantes
UNESCO
–
United
Nation
Educational,
Scientific
and
Cultural
Organization
(Organização
para
a
Educação,
a
Ciência
e
a
Cultura
das
Nações
Unidas)
UNICAMP
–
Universidade
Estadual
de
Campinas
USP
–
Universidade
de
São
Paulo
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Lista de Figuras
Figura
1:
Violeiros
e
mestres
no
Seminário.
Seu
Odorino,
Chico
Lobo,
Pereira
da
Viola,
Wilson
Dias,
Seu
Domingos
e
Joaci
Ornelas.
___________________________________________________________________
11
Figura
2:
Viola
produzida
pelo
violeiro
e
fabricante
de
violas
Zé
Coco
do
Riachão
_______________________
13
Figura
3:
1)Cravelha
ou
cravilha;
2)
pestana
ou
trasto
zero;
3)
trasteira,
espelho,
palheta,
regra
ou
escala;
4)
castanha
ou
pé
do
braço;
5)
aro,
faixa
lateral,
cinta
ou
ilharga;
6)
cravelhal,
cravelheira,
palma
ou
cabeça;
7)
trasto,
tasto
ou
ponto;
8)
casa;
9)
boca
ou
abertura;
10)
cintura
ou
enfraque;
11)
cavalete;
12)
pino;
13)
contracavalete
ou
espinha;
14)
tampo
ou
texto
sonoro;
15)
cordas;
16)
braço;
17)
bojo
superior;
18)
bojo
inferior;
19)
fundo,
costas
ou
testo
de
baixo;
20)
roseta
e
21)
furo.
___________________________________
14
Figura
4:
Violeiro
José
da
Rocha
tocando
no
terreiro–
Almenara/MG
_________________________________
26
Figura
5:
Alaúde
árabe
_____________________________________________________________________
27
Figura
6:
Viola
Braguesa
____________________________________________________________________
28
Figura
7:
Viola
Braguesa
____________________________________________________________________
28
Figura
8:
Viola
Beiroa
______________________________________________________________________
29
Figura
9:
Viola
Toeira
_______________________________________________________________________
29
Figura
10:
Viola
Campaniça
__________________________________________________________________
29
Figura
11:
Tangedor
de
viola
–
século
XVIII
-‐
Diamantina
__________________________________________
40
Figura
12:
Anúncio
de
recompensa
pela
captura
de
escravo
fugido.
__________________________________
42
Figura
13:
Anúncio
de
recompensa
pela
captura
de
escravo
fugido.
__________________________________
43
Figura
14:
Danse
Lundu.
Johann
Rugendas
(1821-‐1825)
___________________________________________
45
Figura
15:
Camaradas
dançando
Batuque
______________________________________________________
47
Figura
16:
Coroação
de
um
Rei
nos
festejos
de
Reis
_______________________________________________
52
Figura
17:
Cortejo
da
Rainha
negra
na
Festa
de
Reis
______________________________________________
52
Figura
18:
Congado
dos
Pretos.
Morro
Velho
–
Nova
Lima/MG
–
1868.
_______________________________
53
Figura
19:
Festa
do
Reinado
em
Queluz,
1924.
___________________________________________________
53
Figura
20:
Imigrantes
portugueses
rumo
ao
Brasil,
fotografia
de
Benjamin
Stone,
1893..
_________________
71
Figura
21:
Viola
de
Queluz
do
acervo
particular
de
Max
Rosa
_______________________________________
72
Figura
22:
Fábrica
de
violas
da
Família
dos
Meireles
de
Queluz
de
Minas,
atual
Conselheiro
Lafaiete
_______
73
Figura
23:
Grupo
de
Pessoas
na
Festa
de
Congado
de
Nossa
Senhora
do
Rosário
em
Uberaba
(MG)
1889
____
75
Figura
24:
Anúncio
da
Casa
da
Barateza,
jornal
A
Lucta,
Conselheiro
Lafaiete
(1912)
____________________
77
Figura
24:
Anúncio
da
Viola
de
Queluz
da
Família
Salgado
(1955)
___________________________________
78
Figura
26:
João
Biano,
violeiro
de
Jequitibá,
2017.
________________________________________________
79
Figura
27:
Foto
capa
do
disco
Brasil
Puro,
1980
__________________________________________________
81
Figura
28:
Minervino
–
fabricante
de
violas
de
São
Francisco.
_______________________________________
82
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
29:
Tocador
de
viola
e
folião
do
município
de
São
Francisco
com
uma
viola
fabricada
por
Juquinha
Bicota.
__________________________________________________________________________________
85
Figura
30:
Geraldinho
da
viola
–
fabricante
de
violas
de
São
Francisco.
_______________________________
85
Figura
31:
Seu
Domingos
e
Seu
Joaquim
Leal
violeiros
e
foliões
de
São
Francisco.
Setembro
de
2016
______
112
Figura
32:
Cortejo
da
Folia
–
Ubaí/MG
________________________________________________________
120
Figura
33:
Mestre
violeiro
José
Maria
Campos
e
aprediz
-‐
Bom
Despacho/MG.
________________________
185
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO
...................................................................................................................
8
1.1.
Paisagem
sonora
e
performance
musical
da
viola
em
Minas
Gerais
.........
20
2.
HISTÓRIA
E
MEMÓRIA
DOS
SABERES
E
DAS
EXPRESSÕES
MUSICAIS
DA
VIOLA
............
27
2.1.
Chegada,
adaptação
e
enraizamento
da
viola
no
Brasil
............................
27
2.2.
Lugar
sociocultural
da
viola
entre
os
séculos
XVIII
e
XIX
em
Minas
Gerais
38
2.3.
Processo
histórico
de
fabricação
das
violas
em
Minas
Gerais
...................
62
2.5.
As
violas
nos
séculos
XX
e
XXI:
outro
capítulo
da
história
.........................
87
4.
DIMENSÕES
SOCIOCULTURAIS
DA
VIOLA
EM
MINAS
GERAIS
.....................................
101
4.1.
Dimensão
da
sociabilidade:
os
espaços
de
convívio
................................
101
4.2.
Dimensão
das
práticas
musicais:
a
viola
nas
expressões
culturais
..........
112
4.3.
Dimensão
sonora:
a
produção
de
musicalidade
......................................
155
4.4.
Dimensão
do
saber-‐fazer:
a
fabricação
de
violas
.....................................
186
4.5.
Dimensão
da
aprendizagem:
os
mestres
e
a
transmissão
dos
saberes
...
213
5.
MOTIVAÇÃO
PARA
O
REGISTRO
..................................................................................
234
6.
SALVAGUARDA
PARA
AS
VIOLAS
.................................................................................
238
6.1.
Propostas
de
Ações
de
Salvaguarda
..............
Error!
Bookmark
not
defined.
8.
TERMINOLOGIA
DO
PATRIMÔNIO
CULTURAL
.............................................................
252
9.
GLOSSÁRIO
...................................................................................................................
256
10.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
....................................................................................
262
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
1. INTRODUÇÃO
O
presente
Dossiê
apresenta
o
resultado
da
pesquisa
elaborada
para
fins
de
Registro
dos
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola
em
Minas
Gerais,
que
teve
como
principais
eixos
ações
de:
Identificação,
Inventário,
Registro
e
Salvaguarda
desse
bem
cultural.
A
pesquisa
foi
feita
a
muitas
mãos,
tendo
como
base
uma
perspectiva
colaborativa,
que
contou
com
a
participação
dos
detentores1,
da
sociedade
civil,
de
pesquisadores
do
tema
e
dos
poderes
públicos
municipais.
Em
resposta
ao
ofício,
o
IEPHA/MG
emitiu
Nota
Técnica
favorável
à
abertura
do
processo
de
Registro
informando
que
os
estudos
sobre
os
modos
de
fazer
e
tocar
a
Viola
em
Minas
eram
1
Denominação
dada
às
pessoas
que
integram
comunidades,
grupos,
segmentos
e
coletividades
que
possuem
relação
direta
com
a
dinâmica
de
produção
e
reprodução
de
determinado
bem
cultural
imaterial
e/ou
de
seus
bens
culturais
associados,
para
as
quais
a
prática
cultural
possui
valor
referencial
por
ser
expressão
da
história
e
da
vida
de
uma
comunidade
ou
grupo,
de
seu
modo
de
ver
e
interpretar
o
mundo,
ou
seja,
sua
parte
constituinte
da
memória
e
identidade.
Os
detentores
possuem
conhecimentos
específicos
sobre
esses
bens
culturais
e
são
os
principais
responsáveis
pela
sua
transmissão
para
as
futuras
gerações,
pela
continuidade
da
prática
e
dos
valores
simbólicos
a
ela
associados
ao
longo
do
tempo.
IPHAN.
Salvaguarda
de
bens
registrados
:
patrimônio
cultural
do
Brasil
:
apoio
e
fomento
/
coordena-‐
ção
e
organização
Rívia
Ryker
Bandeira
de
Alencar.
–
Brasília
:
IPHAN,
2017.
(Patrimônio
Cultural
Imaterial:
para
saber
mais,
2)
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Nesse
contexto,
estava
sendo
realizado
o
estudo
sobre
as
Folias
de
Minas,
concluído
e
aprovado
pelo
CONEP
no
dia
06
de
janeiro
de
2017.
Como
consequência
desse
estudo,
a
noção
da
importância
da
viola
para
as
práticas
culturais
mineiras
já
estava
conformada,
visto
que,
dos
1300
grupos
de
folias
cadastrados,
cerca
de
1000
tinham
a
viola
como
instrumento
musical
principal.
Assim,
finalizado
o
processo
de
registro
das
Folias,
deu-‐se
início
ao
inventário
para
fins
de
registro
dos
bens
culturais
associados
à
viola.
O
formulário
foi
criado
a
partir
das
pesquisas
executadas
pelos
técnicos
e
das
reuniões
feitas
com
violeiros,
fazedores
e
pesquisadores
da
viola,
com
o
intuito
de
acessar
a
linguagem
do
grupo
social
contemplado
pelo
estudo.
Ao
longo
do
ano
de
2017,
até
janeiro
de
2018,
o
IEPHA/MG
recebeu
1358
cadastros,
sendo
que
1311
foram
de
violeiros,
violeiras
e/ou
tocadores
de
viola
e
91
de
fazedores
(dos
quais
44
são
também
violeiros),
distribuídos
em
2
O
projeto
de
Inventário
Cultural
do
Rio
São
Francisco
foi
desenvolvido
pelo
Iepha/MG
em
parceria
com
a
Universidade
de
Montes
Claros
entre
os
anos
de
2012
e
2016.
Para
saber
mais
ver:
Relatório
Final
de
Execução
do
Inventário
Cultural
de
Proteção
do
Rio
São
Francisco.
2016.
Acervo
Iepha/MG.
3
O
cadastro
consiste
em
uma
ferramenta
utilizada
pelo
IEPHA/MG
para
identificação
e
mapeamento
dos
bens
culturais
em
processo
de
registro,
especialmente
nos
casos
em
que
a
abrangência
é
extensa.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
383
municípios.
A
partir
desse
dispositivo
e
das
pesquisas
de
campo
foi
elaborado
o
Mapeamento
dos
Saberes,
Linguaguens
e
Expressões
Musicais
da
Viola
em
Minas
Gerais,
que
por
sua
vez
foi
a
principal
fonte
de
pesquisa4.
4
O
material
que
acompanha
este
Dossiê
sob
a
forma
de
Apêndice
A.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Também
foi
importante
para
a
compreensão
do
que
a
viola
representa
para
o
estado,
a
realização
do
seminário
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas
Gerais,
promovido
pelo
IEPHA/MG
como
parte
das
ações
de
pesquisa
e
valorização.
O
evento,
realizado
nos
dias
16
e
17
de
maio
de
2017,
no
auditório
do
BDMG
Cultural,
em
Belo
Horizonte,
contou
com
a
participação
de
mais
de
duzentos
expectadores
e
se
configurou
como
um
momento
de
encontro
e
de
diálogo
ampliado
com
pesquisadores,
tocadores,
mestres
e
construtores
de
violas.
Figura
1:
Violeiros
e
mestres
no
Seminário.
Seu
Odorino,
Chico
Lobo,
Pereira
da
Viola,
Wilson
Dias,
Seu
Domingos
e
Joaci
Ornelas.
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Assim,
de
posse
desse
arcabouço
teórico
e
empírico
e
a
fim
de
não
perder
de
vista
e
nem
fragmentar
sociológica
e
culturalmente
o
objeto
estudado,
optou-‐se
por
pensar
o
universo
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
das
violas
a
partir
da
sua
funcionalidade
e
da
musicalidade
do
instrumento
em
Minas
Gerais.
Para
isso,
foram
elaboradas
dez
fichas
descritivas
presentes
no
Inventário
de
Proteção
do
Acervo
Cultural
de
Minas
Gerais
–
IPAC/MG.
Esse
é
o
caso
também
da
viola
utilizada
pelos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
de
viola
e
fabricada
pelos
construtores
de
viola
em
Minas
Gerais,
que
é
definida
como
um
instrumento
5
A
organologia
é
a
ciência
que
estuda
os
instrumentos
musicais
e
está
muito
ligado
aos
sistemas
classificatórios
e
aos
museus.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
constituído,
comumente,
por
dez
cordas
de
cinco
ordens
duplas
ou
triplas,
por
um
formato
cinturado
e
eventualmente,
por
adornos
de
madeira
chamados
de
marchetaria.
Figura
2:
Viola
produzida
pelo
violeiro
e
fabricante
de
violas
Zé
Coco
do
Riachão
Fonte:
Acervo
particular
de
Guilardo
Veloso
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Tal
viola
tem
uma
estrutura
que
é,
basicamente,
formada
pelo
corpo
(ou
caixa
de
ressonância)
e
pelo
braço.
Sob
o
tampo
dianteiro,
dez
cordas
estão
longitudinalmente
esticadas
e
presas
pelo
cavalete,
de
um
lado,
e
pelas
cravelhas,
de
outro.
As
cordas
estão
ordenadas
em
cinco
pares
de
duas
(ou
três)
cordas
de
diferentes
espessuras,
sendo
as
mais
finas
posicionadas
primeiro
e
as
mais
grossas
depois.
Perpendiculares
às
cordas,
há
pequenas
divisões
no
braço
chamadas
de
trastos
ou
trastes,
que
perfazem
a
escala
marcando
os
tons.
A
parte
dianteira
abriga
ainda
outros
componentes
que
são
essenciais
para
a
produção
de
som.
O
cavalete
e
o
rastilho,
por
exemplo,
provocam
a
tensão
das
cordas
e,
consequentemente,
“a
transformação
de
energias
distintas
da
vibração
das
cordas
para
a
vibração
das
madeiras”6.
O
tampo
é
responsável
pela
amplificação
da
vibração
produzida,
“pela
caracterização
majoritária
do
timbre
da
viola
e
pela
resistência
superficial
para
que
todos
os
apoios
frontais
da
caixa
não
se
rompam”7.
Por
fim,
a
boca
no
centro
do
tampo
e
a
roseta
que
a
circunda
colocam
em
comunicação
o
corpo
da
viola
com
o
exterior.
Figura
3:
1)Cravelha
ou
cravilha;
2)
pestana
ou
trasto
zero;
3)
trasteira,
espelho,
palheta,
regra
ou
escala;
4)
castanha
ou
pé
do
braço;
5)
aro,
faixa
lateral,
cinta
ou
ilharga;
6)
cravelhal,
cravelheira,
palma
ou
cabeça;
7)
trasto,
tasto
ou
ponto;
8)
casa;
9)
boca
ou
abertura;
10)
cintura
ou
enfraque;
11)
cavalete;
12)
pino;
13)
contracavalete
ou
espinha;
14)
tampo
ou
texto
sonoro;
15)
cordas;
16)
braço;
17)
bojo
superior;
18)
bojo
inferior;
19)
fundo,
costas
ou
testo
de
baixo;
20)
roseta
e
21)
furo.
Fonte:
Fonte:
CORRÊA,
2000,
p.
21
6
BRITO,
2015,
p.
30.
7
Idem.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Esses
termos
estiveram
nas
bases
dos
debates
sobre
o
caráter
do
povo
brasileiro
e
se
impuseram
como
formas
de
marcação
de
diferenças
com
relação
às
especificidades
culturais
dos
diferentes
grupos
sociais
que
compõe
o
país9.
Segundo
o
filósofo
Antônio
Houaiss,
a
datação
mais
antiga
de
‘sertanejo’
é
do
século
XVII
(1663),
conquanto
‘caipira’
é
da
segunda
metade
do
século
XIX
(1872)10.
Segundo
o
autor,
inicialmente
a
palavra
sertanejo
indicava
até
fins
do
século
XIX,
os
habitantes
do
interior
de
uma
forma
indistinta11.
Somente
mais
tarde,
muito
influenciado
pela
emergência
das
questões
dos
regionalismos
e
da
ideia
de
nação12,
é
que
a
palavra
passou
a
designar
espacialmente
os
habitantes
do
interior
do
Nordeste,
se
estendendo
a
parte
norte
de
Minas
Gerais
e
do
centro
oeste.
Sob
o
ponto
de
vista
de
Darcy
Ribeiro,
as
populações
chamadas
sertaneja
e
caipira
foram
conformadas
a
partir
da
sua
forma
de
economia,
de
sua
dispersão
por
parte
do
território
brasileiro
e
pelas
relações
estabelecidas
por
esses
contextos.
Resumidamente,
são
fruto
de
dois
movimentos
de
interiorização
empregados
concomitantemente,
durante
o
século
XVII.
A
cultura
sertaneja
foi
forjada
a
partir
da
frente
de
expansão
que
rompeu
das
Capitanias
da
Bahia
e
de
Pernambuco
e
que
tinha
como
base
a
economia
agropastoril.
Já
a
cultura
caipira
8
9
OLIVEIRA,
2012,
p.
174.
10
OLIVEIRA,
2012,
p.
174.
11
OLIVEIRA,
2012,
p.
175.
12
Juntamente
à
ideia
do
regional
e
do
nacional,
se
impôs
a
diferença
entre
rural
e
urbano
no
pensamento
social
e
político,
porquanto
o
regional
estava
para
o
rural,
assim
como
o
urbano
para
o
nacional.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
se
deu
a
partir
do
adentramento
das
bandeiras
que
partiram
da
Capitania
de
São
Vicente
em
direção
à
região
mineira
e
centro-‐oeste.
Se
o
homem
“sertanejo”
correspondia
à
relação
espaço/tipo
humano
da
porção
nordeste
do
Brasil,
o
“caipira”,
dizia
respeito
àquele
da
região
centro-‐sul
do
país.
Este
contexto
foi
notoriamente
absorvido
na
formação
do
território
mineiro,
posto
que,
por
um
lado,
recebeu
influências
da
cultura
chamada
caipira,
e
por
outro,
da
cultura
sertaneja.
Essas
matrizes
ainda
marcam
a
cultura
mineira,
sendo
possível
encontrar,
por
exemplo,
sonoridades,
expressões
e
linguagens
distintas
entre
a
porção
norte
e
a
parte
sul
do
estado,
conforme
se
verá
no
estudo
que
se
segue.
No
entanto,
é
importante
considerar
que
Minas
passou
por
intensas
modificações,
por
processos
de
miscigenação,
por
distintos
fluxos
migratórios,
conjuntura
que
possibilitou
a
criação
de
um
mosaico
cultural
e
identitário
que,
atualmente,
está
diluído
e
ao
mesmo
tempo
disperso
por
todo
estado.
Sabe-‐se
que
o
debate
sobre
a
temática
de
diferenciação
das
culturas
Caipira
e
Sertaneja
é
extenso
e
que,
portanto,
não
caberia
aqui,
chegar-‐se
a
uma
conclusão.
Certo
é
que
ambos
os
termos,
denotam
o
ambiente
e
a
gente
do
interior,
da
roça.
Também
é
fato
que,
embora
o
locus
principal
da
viola
seja
o
âmbito
rural,
seus
modos
de
tocar
e
fazer
estão
marcadamente
presentes
no
ambiente
urbano
desde
muito
tempo.
Assim,
a
fim
de
abarcar
o
complexo
sistema
musical
criado
a
partir
do
instrumento
no
estado,
em
todas
as
suas
variações
e
significados,
se
optou
por
utilizar
simplesmente
o
termo
“viola”.
No
que
se
refere
à
questão
da
presença
da
viola
e
dos
seus
tocadores
e
fazedores
por
Minas
Gerais,
foi
possível
observar
que
há
uma
disseminação
em
todo
o
território.
Os
dados
coletados
no
Mapeamento
revelam
que
do
total
dos
853
municípios
mineiros,
383
deles
tiveram
a
resposta
de
algum(a)
violeiro(a)/tocador13
e/ou
construtor/luthier14
de
violas
ao
questionário15
perfazendo,
assim,
44,90%
daquele
total.
No
entanto,
a
distribuição
dos
13
14
15
A
última
atualização
do
Cadastro
para
fins
de
análise
no
Dossiê
foi
em
19/01/2018.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
cadastros
pelo
território
aponta
para
a
presença
de
violeiros
em
todas
as
doze
mesorregiões
do
estado,
em
maior
ou
em
menor
grau,
e
no
caso
dos
fazedores,
em
dez
regiões,
com
a
exceção
do
Noroeste
de
Minas
e
o
Vale
do
Mucuri.
Conforme
se
verifica
no
mapa
01,
a
amostragem
auferida
pelo
Mapeamento
indica
a
ampla
difusão
do
instrumento
no
território.
No
que
se
refere
aos
tocadores
vê-‐se
que
há
uma
forte
concentração
nas
regiões
Sul/Sudoeste
(20,69%),
Triângulo
Mineiro/Alto
Paranaíba
(20,32%)
e
Região
Metropolitana
de
Belo
Horizonte
(RMBH)
(18,85%).
As
mesorregiões
que
se
seguem
são
Zona
da
Mata
(8,39%),
Norte
de
Minas
(6,33%),
Central
Mineira
(6,18%)
e
Campo
das
Vertentes
(5,59%).:
o
Oeste
de
Minas
(4,19%),
o
Jequitinhonha
(3,82%),
o
Vale
do
Rio
Doce
(3,31%),
o
Noroeste
de
Minas
(1,76%)
e
o
Vale
do
Mucuri
(0,51%).
Mapa
1:
Distribuição
dos
violeiros
no
estado
de
Minas
Gerais
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Horizonte.
Em
seguida
têm-‐se
a
região
sul/sudoeste,
com
17
construtores.
No
que
se
refere
à
concentração
por
cidade
se
destacam
municípios
que
historicamente
carregam
a
tradição
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Mapa
2:
Distribuição
dos
fazedores
no
estado
de
Minas
Gerais
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Acredita-‐se
que,
mesmo
com
lacunas
que
são
inerentes
a
qualquer
processo
de
pesquisa,
o
Mapeamento
e
as
informações
por
ele
fornecidas
se
mostraram
significativas
no
que
tange
à
conformação
do
universo
das
violas
em
Minas
Gerais,
juntamente
às
demais
metodologias
utilizadas
no
processo
de
Registro16.
Quanto
à
definição
do
bem
cultural
a
ser
registrado,
algumas
questões
também
devem
ser
apontadas.
Desde
o
começo,
entendia-‐se
que
não
se
tratava
de
registrar
“apenas
de
um
instrumento”,
mas
o
que
ele
representava
na
cultura
mineira.
A
representação
em
si
também
não
pode
ser
objeto
de
registro,
posto
que
não
diz
respeito
à
uma
prática.
16
Uma
análise
mais
detalhada
do
processo
de
identificação
pode
ser
visualizada
no
Apêndice
A,
presente
neste
processo.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Assim,
após
muitas
discussões
e
entendendo
que
o
patrimônio
cultural
imaterial
se
refere
aos
domínios
da
vida
social
e
cultural
que
se
traduzem
em
saberes,
ofícios
e
modos
de
fazer;
celebrações;
formas
de
expressão;
e
em
lugares,
passou-‐se
a
compreender
que
a
viola
produz
um
sistema
complexo
praticado
por
um
grupo
social
específico,
mas
que,
ao
mesmo
tempo,
dialoga
com
outros
indivíduos,
sendo
um
referência
cultural
partilhada
por
muitos.
À
medida
que
o
trabalho
avançava
passou-‐se
a
compreender
que
se
tratava
de
um
contexto
constituído
por
um
emaranhado
de
atividades,
simbologias,
idiomas,
conhecimentos,
celebrações,
ritos
e
sentimentos.
Esse
entendimento,
determinou,
inclusive
a
elaboração
de
todo
o
trabalho,
que
teve
como
foco:
os
Saberes,
as
Linguagens
e
as
Expressões
Musicais
da
Viola
em
Minas
Gerais.
Expressões
porquê
diz
das
práticas
musicais
individuais
e
coletivas
que
perspassam
distintas
manifestações
culturais
consideradas
importantes
para
a
cultura,
as
memórias
e
as
identidades
do
estado.
Porquê
se
configura
no
ambiente
no
qual
violeiros
e
viola
se
sustentam
e
executam
suas
funções.
Entre
esses
contextos
estão
as
Folias,
Congados,
Rodas
de
viola,
Catiras,
Batuques,
Danças
de
São
Gonçalo,
entre
outros.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
1.1. Paisagem sonora e performance musical da viola em Minas Gerais
A
epígrafe
que
inaugura
esta
análise
define
com
precisão
o
universo
das
violas
como
matéria
de
reflexão
deste
Dossiê.
A
frase
é
de
autoria
de
Francisco
José
Possidônio,
mais
conhecido
como
Chico
da
Viola
e
morador
do
município
de
João
Pinheiro
que
desde
muito
cedo
se
conectou
ao
instrumento,
a
ponto
desse
ser
uma
adjetivação
de
sua
própria
alcunha.
Foi
na
zona
rural
do
município
de
Nova
Serrana,
seu
local
de
nascimento,
que
tomou
contato
com
a
viola
pela
primeira
vez
por
meio
da
influência
familiar,
posto
que
seus
pais,
irmãos
e
irmãs
eram
exímios
tocadores
de
viola
e
cantadores
de
moda.
Ele
mesmo
assevera
que
desde
menino
era
muito
inclinado
de
cantar.
Contudo,
foi
a
partir
de
sua
imersão
na
dança
do
catira
e
no
ritual
da
folia
que
se
fortaleceu,
de
vez,
esta
conexão
entre
violeiro
e
viola:
Então
meus
irmãos
eram
tocadores.
Tinha
uma
irmã
também...
Gostava
muito
de
tocá
e
cantá.
Meu
pai
era
cantador.
Então,
lá
na
minha
casa/
nossa
casa
era
cheia
de
gente.
Aquela
moçada
boa
pra
cantá
moda,
uns
menino
muito
bom
pra
cantá.
Logo
eu
entrosei
com
eles,
menino
pequeno,
né?
(...)
Passei
na
viola
e
tinha
outro
companheiro
bão
demais
pra
cantá,
nóis
foi
pra
catira
né,
dançá
catira,
então
dançava
catira,
eu
passei
pra
folia
tamém,
fui
cantá
folia.
E
então
a
gente
continuou,
com
aquela
infância
e
os
cumpanheiro
bão
demais,
eu
tinha
uma
turma
boa
pra
dançar
reinado,
catira,
lundu,
folia,
nós
era
de
tudo,
nós
era
de
tudo.
Aí
quando
os
pai
cabô,
morreu,
cabô,
fiquei
sozinho,
mudei
pra
qui
e
aqui
eu
falei
que
17
não
mexia
com
isso
mais
nunca,
mas
não
tem
jeito
né
[risos] .
17
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017].
Violas:
O
fazer
e
o
tocar
em
Minas
Gerais.
João
Pinheiro.
Projeto
Violas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Observa-‐se,
que
a
música,
por
meio
da
viola,
foi
e
continua
sendo
uma
dimensão
primordial
da
vida
de
Chico
da
Viola,
conferindo
sentido
à
sua
existência
tanto
individual,
quanto
social
e
cultural,
mediando
e
construindo
relações
com
a
coletividade,
com
o
sagrado
e
o
profano.
Assim
como
ele,
a
trajetória
de
muitos
violeiros/tocadores
é
feita
com
base
nesses
e
em
outros
elementos
constitutivos
do
universo
em
questão,
conformando
o
quadro
contextual
do
instrumento,
especialmente
no
caso
de
Minas
Gerais.
De
fato,
ouvir
e
produzir
sons
são
atividades
elementares
para
os
seres
humanos.
Um
conceito
que
explicita
como
essas
ações
são
significativas
é
o
de
paisagem
sonora.
O
termo
é
derivado
de
um
neologismo
cunhado
pelo
músico
e
pesquisador
Raymond
Murray
Schafer,
a
partir
da
palavra
landscape
(paisagem)
para
se
referir,
“ao
ambiente
sonoro”,
o
que
gerou
o
termo
soundscape
(paisagem
sonora).
Na
obra
de
Schafer,
intitulada
A
afinação
do
mundo,
é
possível
perceber
que
timbres
característicos,
sons
naturais,
como
os
provocados
pelos
ventos,
mares
e
cantos
dos
pássaros,
ruídos
sonoros
provocados
por
carros
e
fábricas,
composições
musicais
e
até
mesmo
um
programa
de
rádio,
são
responsáveis
por
criar
sonoridades
locais,
que
se
mesclam
com
uma
enorme
quantidade
de
ruídos
e
sons
diversos,
fazendo
surgir
verdadeiras
“paisagens
sonoras”.
Nesse
sentido,
de
acordo
com
o
autor,
os
sons
da
natureza
são
as
primeiras
paisagens
sonoras18
com
as
quais
as
mais
distintas
culturas
humanas
estiveram
envoltas.
O
ruído
das
águas,
da
terra,
das
plantas
e
dos
animais
consistiu
em
conteúdos
primários
de
elaboração
sonora
por
parte
do
homem.
Em
um
nível
ainda
mais
individual/íntimo,
o
próprio
corpo
humano
já
se
apresentava
como
fonte
de
criação
de
sons
e
de
ritmos:
[...]
os
elementos
formais
da
música,
o
Som
e
o
Ritmo,
são
tão
velhos
como
o
homem.
Este
os
possui
em
si
mesmo,
porque
os
movimentos
do
coração,
o
ato
de
respirar
já
são
elementos
rítmicos,
o
passo
já
organiza
um
ritmo,
as
mãos
percurtindo
já
podem
determinar
todos
os
elementos
do
ritmo.
E
a
voz
produz
19
som .
18
SCHAFER,
1997,
p.
366
19
ANDRADE,
2015.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
produção
sonora
por
sociedades
e
grupos
ao
longo
da
história,
de
modo
algum
se
limitou
a
questões
utilitárias
ou
meramente
técnicas,
sendo
ao
contrário,
uma
via
privilegiada
de
acesso
à
compreensão
da
realidade,
à
organização
do
tempo,
à
comunicação
com
o
sagrado
e
à
constituição
de
sociabilidades,
dentre
outras
esferas
de
conformação
da
vida
social.
Neste
sentido,
a
música
pouco
se
apresenta
somente
enquanto
um
fenômeno
acústico
executado
dentro
de
um
espaço
de
tempo,
mas
está
situada
no
bojo
de
distintas
concepções
socioculturais20.
Nessa
perspectiva,
a
música
Sendo,
portanto,
elaborada
nos
termos
da
relação
entre
indivíduos
e
grupos,
é
mais
apropriado
pensar
a
música
não
na
cultura,
mas
como
cultura
propriamente22.
Compreendendo
esses
âmbitos,
é
possível
falar
que
Minas
Gerais
possui
algumas
paisagens
sonoras
que
o
distingue
e
que
lhe
atribui
uma
especificidade,
sejam
os
sons
emitidos
pelos
toques
dos
sinos,
pelos
tambores
do
congado,
pelas
bandas
civis
e
militares
de
música,
ou
mesmo
pelos
músicos
do
Clube
da
Esquina.
Assim
também
é
com
a
musicalidade
produzida
pela
viola,
vista
como
parte
integrante
da
paisagem
sonora
mineira.
É
precisamente
desse
instrumento
que
irá
emergir
uma
multiplicidade
de
afinações,
de
gêneros
musicais,
de
ritmos,
de
toques
e
de
modos
de
tocar
inseridos
em
distintos
níveis
de
interação
social,
descortinando
toda
a
potência
inesgotável
que
foi
apontada
por
Chico
da
Viola.
E
no
contexto
mineiro
especificamente,
o
fato
da
viola
“permear
tantos
momentos
festivos
nas
vidas
das
pessoas,
de
organizar
calendários
festivos
e
religiosos,
de
inserir-‐se
em
manifestações
tradicionais”23,
faz
dela,
portanto,
um
campo
20
PINTO,
2001,
p.
222-‐223.
21
PINTO,
2001,
p.
223.
22
MERRIAM,
1964
apud
PINTO,
2001,
P.
225.
23
PINTO,
2001,
p.
223.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
fértil
em
possibilidades
do
ponto
de
vista
do
seu
registro
enquanto
Patrimônio
Imaterial
do
estado.
Desde
esse
ponto
de
vista,
não
é
possível
conceber
a
viola
como
um
fim
em
si
mesmo,
dado
que
o
instrumento
não
tem
sentido
se
pensado
à
parte
do
seu
contexto
social
de
produção
e
reprodução.
Assim,
toma-‐se
como
ponto
de
partida
o
entendimento
de
que
o
instrumento
musical
é
mais
do
que
um
objeto
que
gera
som,
sendo,
ao
contrário,
signo
de
ideias,
de
relações,
de
interpretações
e
de
práticas
em
diferentes
dimensões
e
contextos
culturais,
tal
como
preconiza
o
etnomusicólogo
Kevin
Dawe24.
Nessa
perspectiva,
essas
diferentes
dimensões
e
contextos
devem
ser
concebidos
através
do
instrumento,
conferindo-‐lhe
agência
no
processo,
porquanto
é
ativo
formador
e
transformador
da
vida
social
onde
está
inserido.
Nessa
mesma
linha,
o
instrumento
musical
tece,
junto
aos
indivíduos
e
grupos,
uma
complexa
trama
de
relações,
sendo
ele
mesmo,
seu
mediador,
de
acordo
com
o
etnomusicólogo
Eliot
Bates25.
Esse
outro
modo
de
interpretar
os
artefatos
musicais
vai
ao
encontro
do
que
já
vem
sendo
formulado
por
violeiros
e
pesquisadores
do
tema
a
respeito
da
funcionalidade
da
viola.
Aqui,
função
pouco
ou
nada
diz
sobre
utilidade,
mas
reforça
a
premissa
de
que
a
viola
ocupa
uma
posição
central
na
trama
das
relações,
moldando
e
sendo
moldada
por
elas.
A
fala
do
violeiro
Chico
Lobo
é
elucidativa
a
esse
respeito:
(...)
a
viola
tem
uma
ligação
extrema
com
uma
funcionalidade,
isso
pra
mim
é
o
que
garantiu
a
existência
dela
até
hoje,
que
é
a
função
de
comandar
a
folia
de
reis,
comandar
as
catira,
comandar
as
danças
de
São
Gonçalo,
os
batuques.
Comandar
as
coisas
que
acontece
na
comunidade,
porque
quando
vocês
falam
jeito
de
tocar,
a
viola
é
diferente
porque
ela
pega
digital
do
músico,
seja
ele
do
grotão,
seja
ele
artista,
seja
ele
caipira,
seja
ele
o
que
for.
Então
pra
definir
formas
tem
evidentemente
uns
toques
que
são
conhecidos
assim.
Toque
da
ludovina,
toque
da
Inhuma,
coisas
que
são
conhecidos,
que
são
meio
tradicionais.
Mas
eu
acho
essa
ligação
da
viola
com
o
ofício,
com
essa
funcionalidade
que
ela
tem,
porque
pra
mim
é
muito
claro
que
ela
resistiu
até
nosso
século
não
foi
por
causa
dos
artistas,
foi
por
24
DAWE,
2003
apud
SCHMID
et
al.
2017,
281.
25
PAULETTI,
2016.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
causa
dessa
funcionalidade
que
ela
tem,
que
faz
com
que
o
artesão
até
hoje
26
construa
pra
suprir
a
comunidade
daqueles
instrumentos
que
ele
vai
usar .
Uma
vez
adotada
a
dupla
perspectiva
da
música
como
cultura
e
do
instrumento
musical
como
“agente”
ativo
das
relações
sociais,
o
universo
da
viola
em
Minas
Gerais
e
suas
várias
dimensões
constitutivas
será
abordado,
neste
Dossiê,
sob
o
prisma
da
performance27
musical.
Nesta
abordagem,
o
entendimento
da
viola
e
de
suas
musicalidades
não
será
pensado
somente
a
partir
de
suas
“estruturas
sonoras”
e
enquanto
“produto”,
mas
como
“processo
de
significado
social”
que
elabora
outras
“estruturas
que
vão
além
dos
seus
aspectos
meramente
sonoros”28.
A
análise
da
música
pela
via
da
performance,
“trata
de
todas
as
atividades
musicais,
seus
ensejos
e
suas
funções
dentro
de
uma
comunidade
ou
grupo
social
maior,
adotando
uma
perspectiva
processual
do
acontecimento
cultural”29.
É
processual
por
ser
um
domínio
dinâmico,
aberto
e
experimental.
Logo,
não
tem
fim.
O
enfoque
processual
que
a
performance
traz
para
a
análise
da
viola
no
contexto
mineiro
ajuda
a
entender
como
o
instrumento
cria
formas
de
sociabilidades,
modela
corpos,
estabelece
relações
de
alteridade,
participa
da
reciprocidade
com
forças
mágico-‐religiosas
e
marca
diferenças
entre
realidades
sociais
variadas30.
A
narrativa
do
senhor
Odorino
Avelar
Siqueira,
tocador
de
viola
do
município
de
Betim,
se
pensada
a
partir
da
noção
de
performance,
evidencia
como
o
processo
musical
da
viola
manifesta
fenômenos
mais
amplos
e
não
assentados
na
questão
puramente
sonora:
Minha
esposa
tava
passando
muito
mal,
ela
teve
internada
e
eles
ia,
ela
foi
até
para
Belo
Horizonte,
lá
pro
hospital,
e
eu
trabalhando
aqui
custando
a
manter
a
casa,
manter
e
levar
pro
hospital
também
lá,
que
a
gente
é
fraco
né,
não
pelas
graças
de
Deus
porque
pelas
graças
de
Deus
eu
sou
um
homem
forte.
Aí
eu
fui
na
casa
de
uma
senhora
e
pedi
ela
pra
ficar
abençoado
a
minha
esposa,
ela
fez
as
26
LEITE,
Francisco
Antônio
Lobo.
Violas.
[14
de
fevereiro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Breno
Trindade,
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva,
Françoise
Jean
e
Luis
Molinari.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
27
A
perspectiva
da
performance,
especialmente
no
campo
da
antropologia,
se
desenvolveram
a
partir
dos
estudos
de
Victor
Turner
e
de
Richard
Schechner,
respectivamente,
antropólogo
e
diretor
de
teatro.
28
PINTO,
2001,
p.
227.
29
PINTO,
2001,
p.
228.
30
DOMÍNGUEZ,
2010.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
oração
e
pediu
e
falou
comigo
‘ó,
ela
não
vai
ser
preciso
ser
operada
não,
mais
ela
vai
sentir
a
miora
e
tal’
(...)
Então
essa
senhora
fez
as
oração,
falou
‘cê
tem
fé?’,
falei
assim
‘tenho’,
‘mas
pela
sua
fé
também
cê
pode
curar
ela,
pra
baixo
de
deus’.
(...)
E
o
médico
no
outro
dia
viu
que
não
precisava
operar
mais.
Então
a
dona
falou
comigo
que
quando
chegar
em
casa
ela
sentasse
num
lugar
lá
e
nóis
pegasse
a
viola
pra
tocar,
qualquer
toque,
e
ela
dançar.
Ela
começou
a
dançar
assim,
foi
dançando,
não
queria
dançar,
eu
‘não,
cê
pode,
é
uma
missão,
é
uma
oração
pra
fazer’.
Fez!
Nunca
mais,
nem
sentiu
mais
nada.
Então
logo
abaixo
de
deus
é
a
31
oração
e
foi
o
toque
da
viola
mesmo .
Outro
momento
que
aponta
para
as
situações
imprevisíveis
da
função
e
da
música
da
viola
é
a
entrevista
realizada
com
o
violeiro
José
da
Rocha
do
município
de
Almenara,
no
Jequitinhonha.
Ao
ser
convidado
para
conceder
seu
testemunho
de
vida,
o
tocador,
que
é
também
folião,
congadeiro
e
dançador
de
contradança,
indicou
que
gostaria
de
gravar
a
entrevista
no
terreiro
de
umbanda
no
qual
frequenta.
No
local,
enquanto
Seu
José
tocava
a
viola,
o
pai
de
Santo,
Zelador
da
casa,
segurou
seu
pandeiro
e
as
crianças
foram
para
os
tambores.
Uma
emoção
tomou
conta
do
violeiro,
que
se
pôs
a
chorar
e
manteve-‐se
ponteando
a
viola.
Segundo
o
violeiro:
“a
viola
é
um
sonho”,
que
realiza
enquanto
toca
para
os
santos
de
devoção.
31
SIQUEIRA,
Odorino
Avelar.
[10
de
julho
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
4:
Violeiro
José
da
Rocha
tocando
no
terreiro–
Almenara/MG
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Todo
o
arcabouço
ali
contido
-‐
afinação,
ritmo,
toques,
saberes,
memórias
e
crenças
-‐
compôs
o
enredo
e
o
texto
da
performance
na
pessoa
no
tocador.
Neste
conjunto,
observa-‐
se
que
a
musicalidade32
advinda
da
viola
faz
emergir
uma
infinidade
de
manifestações
que
ultrapassam
a
tecnicidade
da
produção
de
som.
Percebe-‐se,
diante
desse
panorama,
que
a
força
da
presença
das
violas
nas
Folias,
Catiras,
Danças
de
São
Gonçalo,
Rodas
de
Viola,
Congados,
Batuques,
Lundus,
Sussas
e
em
tantas
outras
ocasiões,
bem
como
a
sua
função
como
fio
condutor
de
muitas
dessas
expressões,
configuram
a
viola
como
um
dos
principais
componentes
das
diversas
“paisagens
sonoras
de
Minas
Gerais”.
É,
portanto,
nessa
perspectiva,
que
o
texto
que
se
segue
apresentará
a
compreensão
de
que
a
musicalidade
da
viola
é
um
elemento
estruturante
da
identidade,
memória
e
cultura
mineira.
32
De
acordo
com
María
Eugenia
Domínguez,
musicalidade
pode
ser
entendida
como
“conjunto
de
elementos
musicais
e
significações
associadas
partilhados
como
uma
memória
musical-‐cultural
por
uma
comunidade
de
intérpretes”
(2017,
p.
135).
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
“Quatro
carneiros
e
uma
viola”.
Este
foi
o
valor
de
compra
de
um
terreno
adquirido
na
Ilha
dos
Açores,
em
Portugal,
no
ano
de
1479.
Esta
transação
demonstra
que
a
viola,
desde
essa
época
era
um
instrumento
popular,
com
um
valor
de
uso
e
troca
corrente
entre
a
população
portuguesa.
Por
sua
característica
geográfica
peninsular
e
por
estar
muito
próxima
aos
territórios
do
norte
da
África,
a
região
ibérica
sempre
esteve
em
constante
contato
com
outros
povos
e
culturas
que
transitavam
pelo
mar
mediterrâneo
e
pelo
oceano
atlântico,
se
constituindo
como
um
espaço
de
grande
efervescência
social
e
cultural.
No
que
se
refere
à
questão
musical,
sabe-‐se
que
até
722,
quando
os
árabes
entraram
na
Europa,
os
únicos
instrumentos
de
cordas
dedilhadas
presentes
na
Península
Ibérica
eram
as
harpas
celtas
e
as
cítaras
greco-‐romanas33.
No
entanto,
junto
ao
povo
árabe,
também
chegou
o
oud
ou
alaúde
árabe,
instrumento
musical
da
família
dos
cordofones,
mas
que
apresentava
como
diferencial
a
presença
de
braço
trastejado
e
pares
de
cordas
uníssonas
divididas
em
cinco
ordens,
e
que,
por
sua
vez,
podiam
ter
modificadas
as
suas
notas.
33
Ver
OLIVEIRA,
Ernesto
da
Veiga.
Instrumentos
musicais
populares
portugueses.
Lisboa:
Fundação
Calouste
Gulbenkian,
1964
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
série
de
instrumentos
de
cordas,
tais
como
a
guitarra
latina,
na
Espanha
e
a
viola
de
mão,
em
Portugal,
além
de
outros
cordofones
tais
como
o
bandolim
e
o
cavaquinho34.
Em
Portugal,
por
exemplo,
a
partir
do
século
XVI
a
viola
de
mão
alcançou
tamanha
popularidade,
que
cada
região,
com
suas
especificidades
culturais,
sociais
e
econômicas,
produziu
e
adjetivou
suas
próprias
violas.
O
instrumento
podia
ser
encontrado
em
várias
cidades
e
ilhas
portuguesas,
variando
em
tamanhos,
formas
de
construção,
encordoamento
e
adornos.
Ao
norte,
tinha-‐se
a
Viola
Braguesa,
numa
clara
referência
a
região
de
Braga,
enquanto
na
região
nordeste,
não
muito
distante
dali,
na
cidade
de
Amarante,
houve
a
proliferação
da
Viola
Amarantina
ou
de
dois
corações.
Figura
6:
Viola
Braguesa
Figura
7:
Viola
Braguesa
Fonte:
OLIVEIRA,
apud
VILELA,
Fonte:
OLIVEIRA,
apud
VILELA,
2015.
2015.
34
NASCIMENTO,
José
Wellington
do.
Viola
da
Terra...p.17-‐18.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
chamada
Viola
Beiroa
se
disseminou
pela
região
central,
e
ao
sul,
bem
próximo
a
Lisboa,
a
Viola
Toeira.
Já
a
Viola
Campaniça,
foi
fortemente
utilizada
na
região
do
Alentejo,
enquanto
nas
ilhas
Açores
e
Madeira,
se
tinha,
respectivamente
a
Viola
da
Terra
e
Viola
de
Arame
Madeirense.35
Figura
8:
Viola
Beiroa
Figura
9:
Viola
Toeira
Figura
10:
Viola
Campaniça
Fonte:
VILELA,
2015
Fonte:
VILELA,
2015
Fonte:
VILELA,
2015
Esse
contexto
fez
com
que
entre
os
séculos
XV
e
XVI,
quando
se
empreendia
a
expansão
marítima,
os
portugueses,
além
de
levarem
ao
ultramar
o
projeto
colonial,
içassem
as
velas
que
conduziram
suas
violas
às
Índias
Ocidentais
e
Orientais.
Em
vista
da
notoriedade
deste
instrumento
no
período
de
expansão
imperial,
pode-‐se
supor
que
ele
tenha
chegado
à
costa
35
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história:
música
caipira
e
enraizamento.
São
Paulo:
Editora
da
Universidade
de
São
Paulo,
2015.
p.34-‐36
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Durante
o
século
XV,
segundo
o
pesquisador
Rogério
Budasz,
o
termo
viola
era
genérico
e
repleto
de
imprecisão,
mas,
no
seu
entendimento,
não
restam
dúvidas
que
viola,
vihuela,
guitarra
ou
viola
de
mão,
eram
todos
termos
praticamente
indistintos
para
designar
vários
os
instrumentos
de
cordas
existentes.
Todavia,
o
autor
aponta
que
ao
longo
do
século
XVI
e
nos
seguintes,
houve
um
estreitamento
na
conceituação
daqueles
instrumentos,
e
assim,
pouco
a
pouco,
o
termo
viola
passou
a
denotar
somente
os
instrumentos
de
cordas
em
formato
de
oito37.
Assim,
desse
período
em
diante,
houve
a
preponderância
do
termo
viola
sobre
o
termo
guitarra.
Segundo
Manuel
Morais,
pesquisador
da
cultura
musical
de
Portugal,
um
indicativo
deste
fenômeno
qualificativo
pode
ser
percebido
na
obra
do
dramaturgo
e
poeta
português
Gil
Vicente,
o
qual
cita
o
vocábulo
guitarra
apenas
uma
vez
em
suas
peças,
enquanto
o
termo
viola
esteve
presente
em
nove
autos.38
Outro
documento
citado
pelo
pesquisador
é
um
relato
Philippe
de
Caverel,
monge
da
Ordem
religiosa
de
Cister,
que
acompanhava
uma
comitiva
do
Papa
em
visita
a
Portugal,
no
ano
de
1582.
Em
sua
narrativa
sobre
o
tempo
que
esteve
na
região,
Caverel
destacou
a
grande
efervescência
musical
como
um
elemento
que
distinguia
a
cultura
portuguesa,
ressaltando
que
na
batalha
de
Alcácer
Quibir,
travada
entre
o
Império
Português
e
o
Otomano,
em
1578,
nada
menos
que
dez
mil
violas
haviam
sido
levadas
à
frente
de
guerra.39
36
Cf.
MORAIS,
Domingos.
Os
instrumentos
musicais
e
as
viagens
dos
portugueses.
Lisboa,
Portugal,
IICT,
Museu
de
Etnologia,
1986,
apud.
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.35
37
MORAIS,
Manuel.
A
viola
de
mão
em
Portugal
(c.1450-‐1789).
Nassarre:
Revista
Aragonesa
de
Musicología,
Zaragoza,
n.22,
p.393-‐462,
2008.
p.395-‐396
38
MORAIS,
Manuel.
A
viola
de
mão
em
Portugal...p.397-‐398
39
MORAIS,
Manuel.
A
viola
de
mão
em
Portugal...p.398
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
instrumento
detinha
grande
popularidade,
tendo
sido,
por
isso,
levada
pelos
muitos
portugueses
que
emigraram
para
os
territórios
imperiais.40
As
narrativas
históricas
sobre
a
presença
dessa
viola
no
Brasil
remontam
a
esse
mesmo
século,
precisamente
quando
se
deu
início
a
colonização
portuguesa
na
América.
Pesquisas
realizadas
sobre
o
tema
apontam
que
a
viola
chegou
ao
território
brasileiro
juntamente
com
os
padres
da
ordem
religiosa
Companhia
de
Jesus,
fundada
em
1534.
Fontes
escritas
pelos
próprios
jesuítas
reiteram
a
viola
foi
um
dos
instrumentos
mais
utilizados
na
catequização
das
populações
indígenas.
Mostram
que,
nas
reduções
jesuíticas,
espaços
criados
com
a
justificativa
da
cristianização,
mas,
aonde
efetivamente
colocava-‐se
em
prática
a
doutrinação
das
populações
nativas
aos
costumes
europeus
e
a
religião
católica,
a
viola
foi
a
ferramenta
lúdica
que
permitiu
ser
ultrapassado
o
obstáculo
da
inexistente
comunicação
falada
por
causa
da
língua.
José
de
Anchieta,
um
dos
padres
que
simbolizam
a
presença
jesuíta
na
colonização
do
Brasil,
cercou-‐se
de
uma
peculiar
percepção
de
que
as
populações
nativas
mantinham
suas
devoções
e
relações
com
o
mundo
sagrado
através
da
música.
A
partir
disso,
Anchieta
teria
tratado
“de
aprender
melodias
e
danças indígenas
nas
quais
inseriu
textos
litúrgicos
em
tupi”.41
Os
meninos
índios
fazem
suas
danças
à
portuguesa
[...]
com
tamboris
e
violas,
com
muita
graça,
como
se
fossem
meninos
portugueses,
e
quando
fazem
estas
danças
põem
uns
diademas
na
cabeça,
de
penas
de
pássaros
de
várias
cores
e
desta
sorte
42
fazem
também
os
arcos
e
empenam
e
pintam
o
corpo.
40
MORAIS,
Manuel.
A
viola
de
mão
em
Portugal...p.399-‐400
41
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.78
42
ANCHIETA,
José.
Poesias.
São
Paulo:
Ed.
USP,
1989.
p.746,
apud
NOGUEIRA,
Gisela
Gomes
Pupo.
A
viola
con
anima:
uma
construção
simbólica.
Tese
(doutorado).
Programa
de
Pós-‐graduação
em
Ciências
da
Comunicação,
Universidade
de
São
Paulo.
São
Paulo,
2008.
p.26
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Outro
rico
relato
sobre
a
presença
da
música
e
da
viola
nas
práticas
catequizadoras
foi
fornecido
pelo
também
padre
da
Ordem,
o
jesuíta
Fernão
Cardim,
nos
Tratados
da
Terra
e
Gente
do
Brasil,
escritos
entre
1583
e
1601:
Estes
relatos
deixam
entrever
que,
desde
os
primórdios
do
período
colonial
a
viola
foi
um
instrumento
que
acompanhou
e
conduziu
a
liturgia
religiosa,
ditando
os
ritmos
e
tons
dos
hinos
e
das
músicas
tangidas
nas
festas
e
procissões.44
A
este
respeito,
Ivan
Vilela
informa
que,
sendo
a
viola
um
instrumento
harmônico45,
ela
pode
notadamente,
ter
sido
empregada
no
acompanhamento
e
condução
rítmica
das
danças
indígenas,
uma
vez
que
até
os
dias
atuais
é
utilizada
em
expressões
culturais
como
o
cururu,
sapateado
e
palmeado
do
cateretê.46
Nos
anos
seguintes
a
instalação
das
reduções
jesuíticas,
o
contato
da
população
local
com
a
viola
se
deu,
majoritariamente,
nos
momentos
das
celebrações
religiosas.
Aos
poucos
o
instrumento
foi
se
integrando
à
cultura
brasileira,
e
especialmente,
a
mineira.
No
caso
da
construção
do
universo
musical
da
viola
existente
hoje
em
Minas
Gerais,
nota-‐se
que
foi
responsável
um
longo
e
complexo
processo
histórico
que
se
associa
pelo
menos
três
acontecimentos
transcorridos
concomitantemente,
e
que
se
entrelaçam
na
composição
43
CARDIM,
Fernão.
Tratado
da
Terra
e
da
Gente
do
Brasil.
Introducções
e
notas
de
Baptista
Caetano,
Capistrano
de
Abreu
e
Rodolpho
Garcia.
Editores
J.
Leite
&
Cia.
Rio
de
Janeiro,
1925.
p.292
44
BUDASZ,
Rogério.
The
Five-‐Course
Guitar
(Viola)…p.61
45
Um
instrumento
harmônico
é
aquele
que
permite
a
emissão
de
três
ou
mais
sons
simultaneamente.
Por
exemplo,
a
viola,
com
suas
cinco
ordens
de
cordas,
permite
esta
composição,
ao
passo
que
uma
flauta,
não,
pois,
somente
é
possível
emitir
um
som
por
vez
(ver
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.39).
46
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.38-‐40
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
primeiro
elemento
aponta
que
a
viola
e
a
musicalidade
aqui
presentes
se
desenvolveram
conjuntamente
às
entradas
sertanistas
empreendidas
por
tropas
e
tropeiros
ao
longo
dos
séculos
XVI
e
XVII,
os
quais
tiveram
um
papel
determinante
na
formação
do
Brasil,
e
especialmente
do
estado
de
Minas
Gerais
47.
Estudos
apontam
que
em
meados
do
século
XVII,
empreendimentos
bandeirantes
deixaram
a
capitania
de
São
Vicente,
atual
estado
de
São
Paulo
e
alcançaram
as
terras
onde
hoje
estão
Minas
Gerais
e
Goiás.
Concomitantemente,
criadores
de
gado
das
capitanias
de
Pernambuco
e
da
Baía
de
Todos
os
Santos,
também
chegaram
à
região
das
Minas,
seguindo
o
curso
do
Rio
São
Francisco
e
de
seus
afluentes
em
busca
de
áreas
para
a
criação
e
incremento
de
seus
rebanhos.
Desta
forma,
conforme
destacou
Darcy
Ribeiro,
a
região
aurífera
foi,
desde
os
primórdios
de
sua
ocupação,
na
passagem
do
século
XVII
para
o
XVIII,
palco
de
acirradas
disputas
entre
paulistas
e
baianos
que
reivindicavam
o
direito
de
exploração.48
A
corrida
do
ouro
foi
tão
pulsante
que
transformou
a
vila
de
São
Sebastião
do
Rio
de
Janeiro
no
principal
porto
do
Atlântico
Sul.49
Além
desses
territórios,
a
capitania
de
São
Pedro
do
Rio
Grande
do
Sul
e
as
terras
platinas
sob
o
domínio
colonial
espanhol,
foram
integradas
à
colonização
da
América
portuguesa
como
fornecedores
de
mulas
e
outros
rebanhos
que
supriam
as
demandas
da
economia
mineradora
que,
vertiginosamente,
reordenava
os
cálculos
da
exploração
colonial.
A
efervescência
da
mineração
foi
tão
grande
que
a
economia
interna
e
o
próprio
tráfico
transatlântico
também
foram
reestruturados.
Por
exemplo,
em
1701,
visando
estancar
as
crises
de
escassez
que
assolavam
a
Bahia,
foi
promulgado
um
alvará
que
proibia
o
comércio
47
GOULART,
Jose
Alipio.;
REIS,
Arthur
Cezar
Ferreira.
Tropas
e
tropeiros
na
formação
do
Brasil.
Rio
de
Janeiro:
Conquista,
1961.
48
RIBEIRO,
Darcy.
O
povo
brasileiro:
a
formação
e
o
sentido
do
Brasil.
2ª
edição.
São
Paulo:
Companhia
das
Letras,
1995.
p.152-‐153
49
BOXER,
Charles
Ralph.
A
idade
de
ouro
do
Brasil:
dores
de
crescimento
de
uma
sociedade
colonial.
São
Paulo:
Cia.
Ed.
Nacional,
1963
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Gráfico
1:
Tráfico
Transatlântico
–
desembarque
de
cativos
na
América
portuguesa
(1651
-‐
1750)
Fonte:
http://www.slavevoyages.org/estimates/AbMDgw7R,
acessado
em
4
de
abril
de
2018.
Assim,
com
a
descoberta
das
minas,
grande
parte
do
patronato
nordestino
e
de
suas
escravarias
se
deslocaram
para
os
territórios
auríferos,
oferecendo
novas
feições
à
jurisdição
colonial
e,
consequentemente,
os
mercadores
de
Salvador
tornaram-‐se,
pelo
menos
até
a
primeira
metade
do
século
XVIII,
os
principais
fornecedores
de
trabalhadores
escravizados
para
as
minas
do
ouro51.
50
Arquivo
Público
do
Estado
da
Bahia,
Ordens
Régias
de
20-‐6-‐1703.
Apud.
FLORENTINO,
Manolo;
RIBEIRO,
Alexandre
V.;
SILVA,
Daniel
D.
Aspectos
comparativos
do
tráfico
de
africanos
para
o
Brasil
(séculos
XVIII
e
XIX).
Afro-‐Ásia,
nº
31,
2004,
p.83-‐126,
p.84
51
FLORENTINO,
Manolo;
RIBEIRO,
Alexandre
V.;
SILVA,
Daniel
D.
Aspectos
comparativos
do
tráfico...,
p.83
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Merece
destaque
nos
dados
dispostos
no
Error!
Reference
source
not
found.
os
que
se
referem
à
quantidade
de
cativos
desembarcados
na
Bahia,
que
eram
superiores
aos
do
porto
do
Rio
de
Janeiro
ainda
na
primeira
metade
do
século
XVIII.
Gráfico
2:
Tráfico
Transatlântico
–
desembarque
de
cativos
na
América
portuguesa
(1751
-‐
1850)
Fonte:
http://www.slavevoyages.org/estimates/AbMDgw7R,
acessado
em
4
de
abril
de
2018.
Se
grande
parte
do
tráfico
interno
e
externo
de
cativos
para
América
portuguesa
neste
período
serviu
para
suprir
a
demanda
por
mão-‐de-‐obra
das
atividades
mineradoras,
tal
constatação
indica
que
muito
provavelmente
foi
grande
o
trânsito
comercial
e,
consequentemente,
as
trocas
culturais
que
se
articulavam
entre
Minas
e
o
nordeste
brasileiro.
Além
dos
efetivos
escravos
que
foram
transferidos
dos
engenhos
de
cana-‐de-‐açúcar
para
as
catas
de
ouro,
considerável
contingente
de
africanos
traficados
que
aportavam
na
cidade
da
Bahia,
atual
Salvador,
tinham
como
destino
final
as
Minas
Gerais.52
Conforme
se
viu
no
gráfico
02,
a
partir
da
segunda
metade
do
século
XVIII,
este
cenário
foi
modificado
e
o
porto
Rio
de
Janeiro
tomou
a
dianteira
no
tráfico
transatlântico
de
escravos,
num
processo
que
indubitavelmente
esteve
associado
à
criação
do
Caminho
Novo,
em
1711,
e
à
transferência
da
capital
da
colônia
de
Salvador
para
o
Rio
de
Janeiro
no
ano
de
1763.
52
SANTOS,
Raphael
Freitas.
A
formação
de
um
corpo
de
negociantes
na
Bahia:
o
ouro
das
Minas
e
o
tráfico
atlântico
de
escravizados.
Afro-‐Ásia,
nº
51,
2015,
p.9-‐35.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Conforme
destacam
Florentino,
Ribeiro
e
Silva,
o
Caminho
Velho
era
a
principal
rota
que
ligava
a
cidade
de
Paraty
à
região
mineradora.
Na
época,
o
percurso
era
feito
entre
43
a
99
dias
de
viagem,
variando
conforme
a
estação
do
ano
e
de
acordo
com
as
dificuldades
sucedidas
ao
longo
do
caminho.
Por
sua
vez,
pelo
trajeto
do
Caminho
Novo,
o
percurso
passou
a
ser
concluído
entre
dez
e
doze
dias.53
Desta
forma,
aumentou
o
fluxo
de
mercadorias
e
culturas
entre
Minas
Gerais,
Rio
de
Janeiro
e
São
Paulo54,
sem,
contudo,
afrouxarem-‐se
as
interconexões
entre
Minas
e
Bahia55.
Por
outros
caminhos,
chegaram
os
paulistas,
por
meio
das
entradas,
bandeiras
e
moções
que
partiram,
em
geral,
da
capitania
de
São
Vicente
e
das
vilas
de
Taubaté
e
Guaratinguetá,
em
direção
aos
caminhos
do
oeste
–
os
atuais
interior
de
São
Paulo,
de
Goiás,
Tocantins,
Mato
Grosso,
Mato
Grosso
do
Sul
e
Minas
Gerais
–
em
busca
de
índios
para
escravizar
e
novas
riquezas,
principalmente
metais
preciosos.
Os
bandeirantes,
após
vencerem
os
acidentes
geográficos
da
Serra
da
Mantiqueira,
alcançaram
os
territórios
onde
estavam
os
empreendimentos
auríferos
na
região
central
da
capitania
de
Minas.
Vê-‐se
que
a
emergência
dos
metais
e
pedras
preciosas
atrairam
para
a
região
aurífera
uma
gigantesca
migração,
de
proporções
até
então
desconhecidas
na
colônia.
Eram
em
sua
maioria
homens,
provenientes
de
várias
áreas
do
Brasil,
de
Portugal,
de
outras
partes
do
império
e
de
outros
países.
Nesse
contexto,
indo
e
vindo
por
caminhos
e
descaminhos,
carregando
em
suas
cangalhas
gêneros
alimentícios
e
outras
sortes
de
bens
que
eram
comercializados
pelo
território
colonial,
os
tropeiross
exerceram
influência
em
todas
as
feições
culturais
que
se
constituíram
naquele
espaço-‐tempo.
Segundo
Ivan
Vilela,
foi
em
função
das
bandeiras
paulistas
que
aos
poucos
se
conformou
uma
musicalidade
pertencente
ao
universo
da
53
FLORENTINO,
Manolo;
RIBEIRO,
Alexandre
V.;
SILVA,
Daniel
D.
Aspectos
comparativos
do
tráfico...,
p.85
54
LENHARO,
Alcir.
As
tropas
da
moderação:
o
abastecimento
da
corte
na
formação
politica
do
Brasil
(1808-‐
1842).
São
Paulo:
Simbolo,
1979.
55
SANTOS,
Raphael
Freitas.
Minas
com
Bahia:
mercados
e
negócios
em
um
circuito
mercantil
setecentista.
Tese
(doutorado
em
História).
Universidade
Federal
Fluminense.
Niterói,
2013
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
contexto
apresentado
demonstra
que
estas
duas
rotas
ditaram
os
ritmos
dos
fluxos
de
ocupação
dos
territórios
de
Minas
Gerais
e
que
os
atores
sociais
que
dela
participaram,
tantos
os
vindos
da
Bahia
e
de
Pernambuco,
quanto
de
São
Paulo,
além
de
terem
sido
agentes
produtores
da
miscigenação
que
caracterizou
a
formação
sócio-‐histórica
mineira
desempenharam
um
papel
determinante
na
incorporação
da
viola
ao
cotidiano
e
à
vida
social
que
se
desenvolveu
em
Minas
Gerais.
56
A
região
é
formada
por
São
Paulo,
Goiás,
Mato
Grosso,
Mato
Grosso
do
Sul
e
parte
do
estado
de
Minas
Gerais.
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.78-‐81
57
ANTUNES,
Edvan.
De
caipira
a
universitário:
a
história
do
sucesso
na
música
sertaneja.
São
Paulo:
Matrix,
2012.
p.14
58
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.62
59
Para
maiores
detalhes
sobre
a
questão
musical
ver:
VILELA,
Ivan.
Do
Velho
se
faz
o
Ovo.
Dissertação
(mestrado
em
Artes).
Programa
de
Pós-‐graduação
em
Artes.
Universidade
Estadual
de
Campinas,
1999.
p.64
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
No
entanto,
ressalta-‐se
que,
embora
haja
essa
marcação
no
retrato
musical
dessas
regiões,
logicamente
existe
uma
fluidez
que
aí
se
instala,
especialmente
quando
se
leva
em
consideração
os
fluxos
migratórios,
as
transformações
ocorridas
ao
longo
dos
séculos,
a
difusão
dos
discos,
a
indústria
fonográfica
e
tantos
outros
contextos
nos
quais
se
verá
no
tópico
que
irá
tratar
da
dimensão
sonora
da
viola
do
estado.
2.2. Lugar sociocultural da viola entre os séculos XVIII e XIX em Minas Gerais
No
que
se
refere
à
integração
da
viola
ao
ambiente
sociocultural
em
Minas
Gerais,
pode-‐se
inferir
que
ele
se
deu,
sobretudo,
nos
processos
de
formação
das
práticas
culturais
e
musicais
que
se
estabeleceram
nesse
território60.
Segundo
músico
e
pesquisador
Saulo
Alves
Dias,
a
multiplicidade
de
elementos
culturais
que
surgiu
a
partir
da
miscigenação
que
houve
entre
portugueses,
africanos
e
indígenas
foi
o
alicerce
da
difusão
da
cultura
musical
da
viola
nos
diversos
espaços
que
compuseram
e
compõem
a
sociedade
mineira61.
Aliado
a
este
processo,
ganhou
feições
muito
bem
definidas
o
que
Saulo
Dias
denominou
de
circularidade
musical,
aspecto
que
tornou
a
viola
um
instrumento
de
ampla
mutualidade
e,
desta
forma,
de
imensurável
disseminação62.
Uma
das
poucas
referências
históricas
sobre
a
viola
no
século
XVIII
está
na
obra
Vocabulario
Portuguez
&
Latino
-‐primeiro
dicionário
da
língua
portuguesa,
escrito
por
Raphael
Bluteau
e
publicado
em
1728.
Nele
o
verbete
viola
descreve
o
instrumento
como
Viôla.
Instrumento
Musico
de
cordas.
Tem
corpo
côncavo,
costas,
tampo,
braço,
espelho,
cavallete
para
prender
as
cordas,
e
pestana
para
as
dividir,
e
para
as
pôr
em
proporção
igual;
tem
onze
trastos,
para
se
dividirem
as
vozes,
e
para
se
formarem
as
consonancias.
Tem
cinco
cordas,
a
saber,
a
primeira,
a
segunda,
e
corda
prima,
a
contraprima
e
o
bordão.
Há
violas
de
cinco
requintadas,
violas
de
cinco
sem
requinte,
violas
de
arco,
e
c.
Chamam-‐lhe
comumente
Cithara,
posto
que
60
DIAS,
Saulo
Sandro
Alves.
O
processo
de
escolarização
da
viola
caipira:
novos
violeiros
(in)ventano
modas
e
identidades.
Tese
(doutorado).
Faculdade
de
Educação,
Universidade
de
São
Paulo.
São
Paulo,
2010.
61
DIAS,
Saulo
Sandro
Alves.
O
processo
de
escolarização
da
viola
caipira...p.37
62
DIAS,
Saulo
Sandro
Alves.
O
processo
de
escolarização
da
viola
caipira...p.94
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
o
instrumento,
a
que
os
Latinos
chamaram
Cithara,
podia
ser
muito
diverso
do
que
63
chamamos
viola .
Além
dessa
descrição,
podemos
encontrar
um
registro
da
viola
no
século
XVIII
em
Minas
Gerais
em
uma
pintura
de
forro
com
a
representação
de
um
tangedor
de
viola.
Originário
de
uma
residência
da
cidade
de
Diamantina,
hoje
o
fragmento
do
forro
é
uma
das
peças
do
acervo
do
Museu
Regional
de
São
João
Del
Rei.
A
imagem
representa
um
homem
que
utilizava
trajes
de
alguém
que
possuia
classe
ou
ocupação
de
distinção
social
na
colônia,
tais
como
chapéu
de
copa
alta,
cabelo
em
tamanho
mediano,
casaco
comprido
e
lenço
ao
redor
do
pescoço.
O
homem
tange
uma
viola,
que
ao
que
parece,
era
muito
similar
às
que
eram
produzidas
naquela
época:
possivelmente
doze
cordas,
por
ter
seis
cravelhas,
com
uma
escala
que
não
chegava
até
a
boca
do
instrumento
e
com
um
cavalete
que
tinha
o
famoso
formato
“bigode”,
que
faz
um
contorno
fino
em
cada
um
dos
lados.
Tem
ainda
uma
fita
amarrada
à
cabeça
(ou
mão)
do
instrumento,
que
por
sua
vez,
apresenta
madeira
clara
no
bojo
e
escura
no
cavalete
e
no
braço.
63
(BLUTEAU,
1728,
p.
508)
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
É
interessante
notar
que,
neste
caso,
a
viola
ocupou
espaço
dentro
da
casa
de
uma
família
que,
provavelmente,
era
da
elite.
Isso
demonstra
que
seu
lugar
social
estava,
nessa
época,
posicionado
em
distintos
estratos
da
sociedade.
De
acordo
com
a
pesquisadora
Gisela
Nogueira,
baseando-‐se
em
um
inventário
no
qual
uma
família
arrolou
uma
viola
comprada
de
um
notável
fabricante
de
violas,
é
possível
inferir
que
até
meados
do
século
XVIII,
a
viola
foi
também
utilizada
pela
elite
ou
por
classe
próxima
à
aristocracia64.
Conforme
constatado
por
Rogério
Budasz,
o
fazer
musical
enquanto
profissão
era
indicativo
de
baixa
estatura
social.
Na
sua
perspectiva,
isso
“talvez
explicasse
o
porquê
da
quase
inexistência
de
compositores
brancos
nas
Minas
Gerais
do
século
XVIII
(com
exceção
dos
64
NOGUEIRA,
Gisela
Gomes
Pupo.
A
viola
com
anima:
uma
construção
simbólica.
UNESP.
Tese
de
Doutorado,
ECA/USP,
São
Paulo,
2008.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Como
pouco
se
sabe
sobre
a
viola
no
século
XVIII,
é
possível
inferir,
que
ao
longo
do
setecentos,
a
viola
tenha
se
fortalecido
enquanto
instrumento
musical
das
populações
mais
pobres,
visto
que,
já
no
início
do
século
XIX
estava
fortemente
difundida.
Sobre
este
tema,
Humberto
Amorim,
músico
e
pesquisador
que
realizou
um
extenso
levantamento
em
anúncios
de
jornais
circulados
no
Brasil
entre
os
anos
de
1808
e
1830,
afirma
foram
os
“cordofones
de
cordas
dedilhadas
–
especialmente
as
violas
–
que
mais
recorrentemente
estiveram
nas
mãos
de
escravos
negros,
pardos
e
mulatos
durante
os
períodos
colonial
(1500-‐1822)
e
imperial
(1822-‐1889)
do
Brasil”66.
Essa
conjuntura
foi
marcante
também
em
Minas
Gerais.
Durante
o
estudo
feito
para
elaboração
deste
Dossiê,
foram
realizadas
pesquisas
com
a
palavra-‐chave
viola
em
vinte
e
cinco
jornais
publicados
em
diferentes
localidades
do
estado.
A
maior
parte
das
ocorrências
com
o
termo
se
referia
a
anúncios
que
relatavam
fugas
de
escravos.
Geralmente,
nestes
anúncios,
as
características
eram
descritas
com
riqueza
de
detalhes
para
facilitar
sua
captura.
Nas
descrições,
foi
comum
a
ver
a
informação
de
que
o
indivíduo
escravizado
era
“tocador
de
viola”
e,
em
alguns
casos,
que
frequentava
os
“batuques
dos
negros”,
lundus
e
cateretês.
65
BUDASZ,
Rogério.
Música
e
sociedade
no
Brasil
colonial.
Revista
Textos
do
Brasil,
Ministério
das
Relações
Exteriores,
v.12,
p.14-‐21,
2006.
p.17
66
AMORIM,
Humberto.
“A
carne
mais
barata
do
mercado
é
a
carne
negra”:
comércio
e
fuga
de
escravos
músicos
nas
primeiras
décadas
do
Brasil
oitocentista
(1808-‐1830).
OPUS,
v.23,
n.2,
ago.
2017.
p.89-‐115.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
este
respeito
citam-‐se
três
publicações
divulgadas
no
Jornal
O
Universal,
“o
mais
longevo
periódico
mineiro
do
Primeiro
Reinado
e
das
Regências”67
entre
os
anos
de
1836
e
1841.
Em
uma
delas
existe
um
texto
de
enaltecimento
à
Dona
Anna
Joaquina
Perpétua,
moradora
da
cidade
do
Serro,
que
havia
falecido
a
pouco
e
que
“era
talvez,
a
pessoa
que
mais
musica
sabia,
tocava
optimamente
flauta,
e
com
aplauso
viola,
e
saltério[...]”68.
Já
as
outras
duas
ocorrências
se
referiam
a
anúncios
de
fuga
de
escravos.
Em
1836,
noticiou-‐
se
a
fuga
de
Luiz,
vinte
e
oito
anos,
cativo
e
que
havia
deixado
a
Vila
de
Atibaia,
na
província
de
São
Paulo
há
cerca
de
sete
anos.
Além
do
destacado
ofício
de
sapateiro,
o
anúncio
indicava
que
Luiz
“sabe
ler,
e
escrever,
tocador
de
viola,
muito
dado
á
sucia
[sussa],
e
a
dança”
69.
Figura
12:
Anúncio
de
recompensa
pela
captura
de
escravo
fugido.
Fonte:
Hemeroteca
Nacional.
Disponível
em:
http://memoria.bn.br/DocReader/706930/7162
67
MOREIRA,
Luciano
da
Silva.
Combates
tipográficos.
Revista
do
Arquivo
Público
Mineiro.
Volume
44,
nº
1,
p.24-‐41,
jan./jun.
de
2008.
p.29
68
O
Universal.
Necrologia
ou
antes.
11/01/1841.
Edição
005,
p.3
69
O
Universal.
24/06/1836.
Edição
075,
p.4
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Isso
vai
ao
encontro
do
que
afirma
Castagna,
que
diz
que
a
ampliação
da
difusão
da
viola
se
deu
a
partir
do
início
do
século
XIX
sobretudo
“devido
à
sua
função
no
acompanhamento
de
modinhas
e
lundus”71.
70
Jornais
de
Ouro
Preto:
Orgão
do
Partido
Conservador,
Ouro
Preto,
175°
edição,
1883.
71
CASTAGNA,
Paulo;
SOUZA,
Maria
José
Ferro
de;
PEREIRA,
Maria
Teresa
Gonçalves.
Domingos
Ferreira:
um
violeiro
português
em
Vila
Rica.
In:
LUCAS,
Maria
Elisabeth;
NERY,
Ruy
Vieira.
As
músicas
luso-‐brasileiras
no
final
do
antigo
regime:
repertórios,
práticas
e
representações.
Lisboa:
Imprensa
Nacional
-‐
Casa
da
Moeda
e
Fundação
Calouste-‐Gulbenkian,
2012.
p.667-‐704.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
difusão
do
Lundu
pode
ser
observada,
por
exemplo,
nos
textos
dos
viajantes
estrangeiros
que
vieram
para
o
Brasil
durante
o
século
XIX.
Conforme
consta,
com
a
abertura
dos
portos
decretada
pela
Família
Real
portuguesa
no
ano
de
1808,
diversos
viajantes
europeus
realizaram
expedições
aos
territórios
americanos,
percorrendo
também
a
província
de
Minas
Gerais.
Após
as
viagens,
era
comum
a
publicação
de
relatos,
os
quais
possuem
uma
vigorosa
riqueza
de
detalhes.
Dentre
os
diferentes
itens
destacados,
tais
como
a
geografia
e
a
economia,
os
viajantes
relataram
também
aspectos
sociais
e
culturais.
Muitos
informaram
sobre
os
Lundus,
observados
em
diversas
localidades
mineiras
pelas
quais
passaram.
De
igual
modo,
foram
muito
comuns
as
menções
à
presença
da
viola
como
importante
componente
desta
expressão
cultural.
Dentre
estas
narrativas
cita-‐se
a
do
naturalista
alemão
Hermann
Burmeister,
que
passou
por
Minas
por
volta
de
1851
e
disse
que
“é
fácil
depreender-‐se
que
os
brasileiros,
em
geral,
e
os
mineiros,
em
particular,
gostam
de
divertir-‐se,
preferindo
brincar
antes
que
trabalhar
e
72
SILVA,
Antonio
Moraes.
Diccionario
da
lingua
portugueza
-‐
recompilado
dos
vocabularios
impressos
ate
agora,
e
nesta
segunda
edição
novamente
emendado
e
muito
acrescentado,
por
ANTONIO
DE
MORAES
SILVA.
Lisboa:
Typographia
Lacerdina,
1813
[1789].
p.240.
Disponível
em
http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-‐
br/dicionario/edicao/2,
acessado
06/04/2018.
73
CASTAGNA,
Paulo.
Herança
ibérica
e
africana
no
lundú
brasileiro
dos
séculos
XVIII
e
XIX.
Vi
Encuentro
Simposio
Internacional
De
Musicología
/
Vi
Festival
Internacional
De
Música
Renacentista
Y
Barroca
Americana
“Misiones
De
Chiquitos”,
Santa
Cruz
de
la
Sierra,
25-‐26
abr.
2006.
Actas.
Santa
Cruz
de
la
Sierra:
Asociación
Pro
Arte
y
Cultura,
2006.
p.21-‐48,
p.22-‐24
74
CASTAGNA,
Paulo.
Herança
ibérica
e
africana
no
lundú
brasileiro
dos
séculos
XVIII
e
XIX...p.21
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
procurando
sempre
descobrir
nas
coisas
sérias
o
lado
alegre
e
divertido”.
A
respeito
do
lundu
informou
que:
O
lundu
é
uma
dança
mais
agradável
que
o
batuque
e
se
parece
com
o
fandango,
limitando-‐se
a
movimentos
graciosos
de
braços
e
pernas,
sem
dar
ao
torso
grande
jogo;
no
batuque
o
caso
é
exatamente
inverso,
sendo
os
movimentos
do
torso
os
mais
importantes.
Este
é
preferido
pelos
pretos,
aquele
pelos
brancos.
Em
um
trecho
das
Cartas
Chilenas
de
Tomás
Antônio
Gonzaga,
também
é
possível
visualizar
que
a
viola
possuía
um
notável
lugar
no
universo
da
musicalidade
e
das
danças
do
período:
Outro
suporte
interessante
para
constatar
a
ocorrência
da
dança
no
século
XIX
é
a
obra
Danse
landu
do
pintor
francês
Johann
Rugendas
que
retratou
dançarinos
que
se
apresentavam
a
um
grupo
de
expectadores.
Na
cena
reproduzida
não
se
ausentou
a
representação
de
um
tocador
de
instrumento
de
cordas,
na
qual
se
acredita
que
seja
uma
viola,
por
ser
o
cordofone
mais
comum
na
dança.
Outra
dança
na
qual
a
viola
se
fez
presente
foi
o
batuque.
Pelas
duas
rotas
descritas
anteriormente,
enormes
contingentes
de
africanos
escravizados
foram
traficados
para
Minas
Gerais
e
ao
integrarem-‐se
as
práticas
culturais
correntes,
concomitantemente,
transmitiram
elementos
culturais
de
suas
comunidades
no
continente
africano,
introduzindo
suas
crenças
e
práticas
à
cultura
local.
Durante
o
século
XVIII,
foi
amplamente
empregado
o
termo
“batuque
dos
negros”
para
designar
as
diferentes
formas
nas
quais
homens
e
mulheres
escravizados
ou
libertos
se
expressavam.
Genericamente,
Batuque
foi
a
terminologia
utilizada
para
qualificar
diversas
danças
e
outras
manifestações
em
que
predominavam
os
instrumentos
percussivos
e
as
performances
corporais
em
que
se
ressaltavam
o
requebrado
dos
quadris.
Portanto,
seu
uso
não
definia
uma
expressão
cultural
específica,
mas
designava
de
forma
abrangente
os
ajuntamentos
de
pessoas
que
estivessem
dançando
em
rodas,
principalmente
aquelas
realizadas
por
pessoas
negras.
No
Brasil,
os
batuques,
diferentemente
do
lundu
eram
praticados
predominantemente
pelas
camadas
pobres
e
excluídas
da
sociedade,
sofrendo
proibições
e
escárnios
ao
longo
do
tempo.
Esta
realidade
pode
ser
percebida
em
uma
das
primeiras
menções
à
terminologia
batuque,
que
data
do
ano
de
1763
e
que
se
refere
a
uma
proibição
publicada
no
arraial
de
Minas
do
Paracatu,
atual
cidade
de
Paracatu,
localizada
no
noroeste
de
Minas
Gerais.75
Nesta
documentação,
em
tom
de
denúncia,
acusavam-‐se
as
públicas
“desordens”
resultantes
dos
chamados
batuques,
que
não
se
realizavam
sem
o
“concurso
de
bebidas”,
brigas,
ferimentos
e
até
mortes,
o
que,
para
os
delatores,
afetava
a
paz
e
sossego
das
pessoas76.
75
TINHORÃO,
José
Ramos.
Os
Sons
dos
Negros
no
Brasil.
Cantos,
Danças,
Folguedos:
Origens.
2ª
edição.
São
Paulo:
Editora
34,
2008,
p.49,
apud.
RIBEIRO,
Jorge
Castro.
Entre
o
pudor
e
o
rubor:
práticas
performativas,
tensões
sociais
e
histórias
do
batuque
no
contexto
do
atlântico
lusófono.
Encontros
de
Investigação
em
Performance.
Universidade
de
Aveiro,
maio
de
2011,
p.3
76
Idem,
p.3.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
de
negros
escravos
ou
pretos
livres”77.
Duas
referências
ao
sobre
o
batuque,
e
a
viola,
em
Minas
Gerais
são
encontradas
na
narrativa
do
engenheiro
britânico,
James
Wells,
que
esteve
na
província
durante
o
século
XIX.
Uma
delas
é
a
ilustração
intitulada
Camaradas
dançando
o
Batuque,
presente
na
obra
Explorando
e
viajando
três
mil
milhas
através
do
Brasil
-‐
do
Rio
de
Janeiro
ao
Maranhão.
Na
imagem
estão
representados
homens
dançando
em
volta
de
uma
fogueira
e
um
violeiro
sentado
mais
acima.
77
SOUZA,
Edilson
Fernandes
de.
Entre
o
fogo
e
o
vento:
as
práticas
de
batuques
e
o
controle
das
emoções.
2ª
ed.
Recife:
Editora
Universitária
UFPE,
2005,
p.25
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
se
preparavam
para
uma
dança,
que
logo
descambou
para
um
batuque.
Esta
dança,
tão
apreciada
por
almocreves
e
trabalhadores,
e
suas
questionáveis
amigas,
eu
certamente
não
esperava
ver
em
uma
família
decente;
mas
como
nossos
amigos
a
apreciaram
tanto,
dando
vivas
entusiásticos
e
palmas
e
se
juntando
ao
coro,
ela
78
foi
bem-‐vinda,
pelo
menos
pela
vida
e
animação
que
trazia.
Chama
atenção
na
narrativa
de
James
Wells
seu
espanto
com
o
fato
de
família
tão
distinta
ser
“inclinada”
ao
Batuque,
expressão
coreográfica
que
era
traço
emblemático
das
populações
pobres.
Deste
modo,
pode-‐se
ver
que
ao
longo
do
século
XIX
cristalizou-‐se
no
imaginário
social
a
noção
de
que
o
Batuque
tratava-‐se
de
uma
expressão
atrelada
às
danças
de
matriz
africana
no
Brasil.
Naquela
mesma
década,
entre
os
anos
de
1816
e
1821,
Auguste
de
Saint-‐Hilaire,
botânico
francês,
percorreu
diversas
regiões
do
Brasil,
dentre
elas,
Minas
Gerais.
Num
pouso
na
região
de
Ouro
Fino,
no
sul
da
província,
deixou,
no
relato
de
sua
estada,
uma
descrição
de
78
WELLS,
James.
Explorando
e
viajando
três
mil
milhas
através
do
Brasil
-‐
do
Rio
de
Janeiro
ao
Maranhão.
Trad.
Myriam
Ávila,
v.
1.,
Belo
Horizonte:
Fundação
João
Pinheiro,
1995.
p.198-‐199
79
FREYREISS,
Georg
Wilhelm.
Viagem
ao
interior
do
Brasil.
1982.
Belo
Horizonte,
Ed.
Itatiaia;
São
Paulo,
Ed.
da
Universidade
de
São
Paulo.
p.114
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
um
divertimento
que
tinha
como
condutor
um
violão,
que
pelo
período,
acredita-‐se,
seja
uma
viola80:
Após
a
oração,
era-‐se
obrigado
a
ouvir
um
violão
[viola],
no
qual
o
mais
teimoso
dos
músicos
repetia
durante
horas
a
fio
três
ou
quatro
notas,
eternamente
iguais.
Durante
a
noite,
os
negros
dançavam
batendo
as
mãos
e
socando
a
terra
com
os
81
pés
[...] .
Dias
depois,
em
passagem
pela
localidade
de
Coração
de
Jesus,
também
em
Minas,
o
mesmo
viajante
deixou
um
relato
sobre
os
batuques
e
o
som
de
um
violão:
Ali,
como
em
vários
outros
lugares,
não
se
vê
ninguém,
não
se
ouve
o
menor
ruído
enquanto
é
dia.
Mal,
porém,
o
sol
se
põe,
tudo
se
anima;
sai-‐se
do
torpor
em
que
se
ficou
mergulhado
durante
o
dia;
conversa-‐se,
passeia-‐se,
toca-‐se
violão
[viola],
canta-‐se,
dança-‐se
batuques.
Até
uma
hora
da
manhã,
ou
mesmo
mais
tarde,
quem
deseja
dormir
é
perturbado
por
essas
intermináveis
conversações
que
se
fazem
na
rua
ou
à
soleira
das
portas,
pelas
palmas
dos
dançadores,
e
pelos
sons
do
violão,
ao
qual
se
obriga
a
repetir,
durante
horas
a
fio,
três
ou
quatro
notas,
82
eternamente
as
mesmas
Nestas
descrições,
o
que
fica
evidente
é
a
disseminação
do
Batuque
em
momentos
de
lazer
das
populações
pobres
e
o
uso
dos
cordofones
como
presença
marcante,
sendo
por
vezes,
mais
mencionados
do
que
os
instrumentos
percussivos.
Por
exemplo,
em
Coração
de
Jesus,
Saint-‐Hilaire
fez
questão
de
distinguir
o
ambiente
social
da
localidade
nos
períodos
diurnos
e
nos
períodos
noturnos,
este
último,
horário
preferido
para
os
Batuques
e
outros
ajuntamentos
que
tinham
nas
danças
e
nas
músicas
elementos
aglutinadores.
Vê-‐se
ainda,
que
Saint-‐Hilaire
ressaltou,
nas
duas
caracterizações
da
música
do
Batuque,
que
a
mesma
era
marcada
por
intermináveis
repetições
de
três
ou
quatro
notas,
o
que
deixa
entrevisto
a
80
De
acordo
com
Márcia
Taborda,
o
violão
chegou
ao
Brasil
no
século
XIX.
No
entanto,
segundo
a
autora,
fora
assimilado
com
maior
força
nos
centros
urbanos,
sendo
que
nas
áreas
rurais
permaneceu
a
viola.
81
SAINT-‐HILAIRE,
Auguste.
Viagem
pelas
províncias
do
Rio
de
Janeiro
e
Minas
Gerais.
Belo
Horizonte:
Itatiaia,
2000.
p.138
82
SAINT-‐HILAIRE,
Auguste.
Viagem
pelas
províncias
do
Rio
de
Janeiro
e
Minas
Gerais...p.360
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
cadência
musical
desta
expressão,
marcada
pela
ampliação
do
ritmo
forte83
e
pela
reprodução
de
notas
e
acordes
que
possuem
circularidade
harmônica.
Segundo
a
pesquisadora
Taizi
Alaman,
os
ritmos
de
procedência
africana,
trouxeram
novos
elementos
à
cultura
musical
que
se
constituía
nos
espaços
rurais.
Conforme
nos
informa,
no
universo
social
das
grandes
fazendas,
escravos
e
tropeiros
confluíram-‐se
ao
entorno
de
sociabilidades
musicais
que
tinham
na
percussão
sua
centralidade
rítmica84.
Segundo
Castagna,
desta
combinação
de
sons
e
expressões
coreográficas
surgiu
uma
imensidão
de
ritmos,
os
quais
compuseram
a
abrangente
definição
dos
denominados
batuques85.
No
conjunto
das
expressões
culturais
de
matriz
africana
cuja
musicalidade
da
viola
faz
parte,
cita-‐se
o
Congado,
também
chamado
Reinado.
O
congado
é
uma
manifestação
cultural
que
associa
valores
e
crenças
de
culturas
africanas,
luso-‐espanholas
e
ameríndias
e
que,
tendo
sido
desenvolvida
em
solo
brasileiro,
configurou-‐se
numa
das
mais
expressivas
tradições
culturais
de
Minas
Gerais.
83
VILELA,
I.
O
caipira
e
a
viola
brasileira.
In:
PAIS,
J.
M.
(Org.)
Sonoridades
luso-‐afro-‐brasileiras.
Lisboa:
Imprensa
de
Ciências
Sociais
da
Universidade
de
Lisboa,
2004.
p.173-‐189,
p.184
84
ALAMAN,
Taizi
Caroline
e
Silva.
O
poema
narrativo
na
canção
caipira.
Dissertação
(mestrado
em
Letras).
Programa
de
Pós-‐graduação
em
Letras.
Universidade
Federal
do
Mato
Grosso
do
Sul,
2009.
p.59
85
CASTAGNA,
Paulo.
Herança
ibérica
e
africana
no
lundú
brasileiro
dos
séculos
XVIII
e
XIX...
86
Ver
BOSCHI,
Caio
César.
Irmandades,
religiosidade,
sociabilidades.
In:
RESENDE,
Maria
Efigênia
Lage
de;
VILLALTA,
Luiz
Carlos.
(Org.).
Historia
de
Minas
Gerais;
as
Minas
Setecentistas.
Belo
Horizonte:
Autêntica
/
Companhia
do
Tempo,
2007,
v.
2,
p.
59-‐75.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Os
festejos
realizados
no
contexto
de
coroação
dos
reis
e
rainhas
negros
reúnem
em
torno
de
si
diferentes
manifestações
culturais,
tais
como
o
Candombe,
ritual
que
abre
o
período
de
festa
do
Reinado
ao
chamar
para
os
antepassados
e
os
vincular
aos
vivos
e
à
dimensão
do
sagrado;
e
as
guardas
de
Moçambique,
Congo,
Vilão,
Catopé,
Marujada
e
Caboclinho.
O
folclorista
mineiro
Saul
Martins
chamou
esse
conjunto
de
família
de
sete
irmãos.87
Segundo
o
pesquisador,
em
Minas
Gerais,
cada
guarda
possui
seus
instrumentos,
vestimentas
e
performances
específicas.
Além
disso,
guardam
narrativas
e
sentidos
rituais
particulares,
sendo
em
alguns
casos,
responsáveis
por
abrir
caminho
para
os
reis,
rainhas
e
santos
-‐
como
é
o
caso
do
congo,
que
possui
um
cantar
e
dançar
mais
festivo
e
acelerado
–
e
em
outros,
encarregados
por
conduzir
e
proteger
o
chamado
Terno
Coroado,
caso
do
Moçambique,
composto
por
negros
mais
velhos,
que
possuem
um
canto
mais
lento
e
sofrido.
Assim
como
no
batuque,
a
viola
ocupa
espaço
na
tradição
do
congado,
embora
seja
mais
comum
o
seu
uso
nas
Marujadas,
celebradas
em
homenagem
a
Santa
Efigênia
e,
nas
guardas
de
Congo
e
Catopés,
em
devoção
a
Nossa
Senhora
do
Rosário.
Imagens
localizadas
em
acervos
arquivísticos
demonstram
que
o
uso
da
viola
atravessou
os
séculos,
permanecendo
em
diferentes
regiões
do
estado
como
parte
integrante
da
musicalidade
produzida
pelos
congados.
Duas
ilustrações,
de
autoria
atribuída
ao
viajante
e
oficial
do
exército
português
Carlos
Julião
(1740
-‐1811),
representaram
um
instrumento
de
cordas
acompanhando
as
festas
de
coroação:
Cortejo
da
Rainha
negra
na
Festa
de
Reis
e
Coroação
de
um
Rei
nos
festejos
de
Reis.
Em
ambas
o
rei
e
a
rainha
aparecem
com
indumentária
e
adornos
que
remetem
à
realeza,
tais
como
a
coroa
e
o
manto,
sendo
protegidos
por
guarda-‐sol
carregado
por
outra
pessoa.
Juntamente,
aparecem,
em
uma
das
imagens,
algumas
mulheres
87
MARTINS,
Saul.
Congado,
família
de
sete
irmãos.
Belo
Horizonte:
Maza,
1997.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
17:
Cortejo
da
Rainha
negra
na
Festa
de
Reis
Fonte:
Julião,
Carlos,
1740-‐1811.
Acervo
Biblioteca
Nacional
Figura
16:
Coroação
de
um
Rei
nos
festejos
de
Reis
Fonte:
Julião,
Carlos,
1740-‐1811.
Acervo
Biblioteca
Nacional
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Acredita-‐se
que
os
instrumentos
de
corda
empunhados
pelos
negros
nas
gravuras
de
Julião
remetam
à
viola,
uma
vez
que,
no
período
de
produção
dos
desenhos,
a
viola
era
um
dos
únicos
instrumentos
de
cordas
presentes
no
Brasil,
conforme
apontam
estudos.
A
utilização
da
viola
nessa
expressão
parece
ter
se
mantido
durante
os
séculos
XIX
e
XX,
como
se
verifica
em
fotografias
encontradas
de
congados
das
cidades
de
Nova
Lima
(1868),
Uberaba
(1889)
e
Queluz
de
Minas,
atual
cidade
de
Conselheiro
Lafaiete
(1924).
Figura
18:
Congado
dos
Pretos.
Morro
Velho
–
Nova
Lima/MG
–
1868.
Fonte:
Riedel,
Augusto.
Acervo
Biblioteca
Nacional.
É
importante
observar
que
mesmo
que
os
tambores
fossem
os
instrumentos
definidores
das
principais
feições
musicais
dos
batuques,
Lundus
e
Congados,
a
viola
integrou-‐se
a
estas
práticas
como
um
instrumento
de
importância
ímpar.
Desta
forma,
nos
batuques
e
Lundus
–
bem
como
outras
danças
desse
tronco,
como
a
sussa
e
o
carneiro,
estas,
mais
comuns
na
região
norte
de
Minas
Gerais
–
vê-‐se
a
força
de
uma
tradição
que
sobreviveu
às
mudanças
históricas
e
propagou-‐se
pelo
estado,
sustentada
por
uma
prática
musical
que
conserva
seus
instrumentos
e
suas
formas
de
tocar.
Outra
devoção
que
vai
se
relacionar
de
modo
particular
e
direto
com
a
viola,
vai
seguir
as
estradas
da
conquista
do
território
alcançando
espaço
nas
vilas
e
arraiais
de
Minas:
São
Gonçalo
do
Amarante.
Falecido
em
Amarante,
na
região
do
Porto
(Portugal),
em
10
de
janeiro
de
1259,
São
Gonçalo
tornou-‐se
beato
da
Igreja
Católica
em
1561,
e
não
teve
o
processo
de
santificação
concluído.
Mesmo
assim,
no
século
XVII
era
tido
como
segundo
santo
português
por
seu
caráter
nacional
e
popular88,
tendo
à
sua
frente
somente
seu
contemporâneo
Santo
Antônio
(c.1195-‐1231).
O
culto
a
São
Gonçalo
chegou
ao
Brasil
com
os
portugueses
e
se
popularizou
“encontrando
devotos
ou
trazendo
para
a
sua
festividade
elementos
oriundos
de
diversos
grupos
sociais”89.
Considerado
“protetor”,
ou
ainda,
padroeiro
dos
violeiros,
particularmente
em
Minas,
São
Gonçalo
foi
alcançando
sua
posição
como
orago
de
igrejas
e
capelas
e
que,
em
algumas
localidades,
assumiu
a
condição
de
padroeiro
local,
com
a
denominação
de
topônimos.
De
acordo
com
o
projeto
Registros
Cartográficos
Históricos:
Revelando
o
Patrimônio
Toponímico
de
Minas
Gerais
do
Período
Colonial
e
Joanino90,
sete
localidades,
no
período
levantado,
tinham
a
referência
a
São
Gonçalo.
Alguns
deles
ainda
guardam
os
88
SANTOS,
Beatriz
Catão
Cruz.
O
Santo
do
Bispo.
In:
TOPOI,
v.
7,
n.
13,
jul.-‐dez.
2006.
Disponível
em:
<
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi13/Topoi%2013_artigo%202.pdf>.
Acesso
em:
19
Mai.
2018.
89
SANTOS,
Beatriz
Catão
Cruz.
As
Capelas
de
Minas
no
Século
XVIII.
Acervo,
[S.l.],
v.
16,
n.
2
jul-‐dez,
p.
129-‐146,
dez.
2011.
ISSN
22378723.
Disponível
em:
<http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/151/151>.
Acesso
em:
19
Mai.
2018.
90
O
Repositório
do
projeto
guarda
um
banco
de
dados
que
reúne
informações
sobre
os
topônimos
formados
no
processo
de
ocupação
e
de
definição
do
território
de
Minas
Gerais,
registrados
em
mapas,
elaborados
da
segunda
metade
do
Setecentos
ao
Oitocentos
Joanino.
Disponível
em:
http://repositoriotoponimia.com.br/home.
Acesso
em:
19
Mai.
2018.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
registros
dessa
devoção,
como
são
os
casos
de
Minas
Novas
e
Serro
que,
tem
em
seu
acervo
patrimonial
templos
dedicados
ao
santo
e
que
são
tombadas
desde
a
década
de
1980
pelo
Iepha/MG
como
patrimônio
cultural
do
estado
de
Minas
Gerais.
Em
Minas
Novas,
a
Capela
de
São
Gonçalo
foi
considerada
pela
tradição
local
como
a
mais
antiga
construção
religiosa
do
município,
da
primeira
metade
do
século
XVIII.
O
medalhão
central
do
forro
da
capela-‐mor
exibia
originalmente
a
imagem
de
São
Gonçalo
segurando
um
báculo
e
um
livro91.
No
município
do
Serro,
a
Igreja
Matriz
de
São
Gonçalo,
que
domina
a
paisagem
do
distrito
de
São
Gonçalo
do
Rio
das
Pedras,
ainda
conserva
em
seu
forro
da
capela-‐mor
a
imagem
de
São
Gonçalo,
com
autoria
atribuída
ao
mestre
Silvestre
de
Almeida
Lopes,
datada
de
1787.
Na
pintura,
São
Gonçalo
foi
representado
entre
nuvens
vestindo
um
hábito
branco
e
capa
preta,
segurando
um
báculo
e
um
livro,
assim
como
a
imagem
descrita
em
Minas
Novas.
Essa
representação
iconográfica
do
beato,
cuja
biografia
apresenta
muitas
dúvidas,
é
a
de
um
frade
dominicano,
ordem
na
qual
fez
profissão
solene.
91
Essa
imagem
foi
perdida
devido
aos
sérios
problemas
de
conservação
que
a
edificação
enfrentou
por
alguns
anos,
antes
de
sua
completa
restauração
em
2008.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
20:
São
Gonçalo.
Por
outro
lado,
temos
a
considerar
uma
modificação
no
Fonte:
Memorial
da
Viola
de
Conselheiro
Lafaiete
programa
iconográfico
referente
a
São
Gonçalo,
por
iniciativa
de
sua
devoção
popular
no
Brasil
e
ao
patronato
ao
qual
foi
associado.
Nessa
modificação
foi
incorporada
à
sua
representação
uma
viola,
a
exemplo
de
outros
santos
que
têm
com
seus
atributos
instrumentos
musicais92.
De
acordo
com
Megale,
na
versão
brasileira,
São
Gonçalo
é
também
representado
“vestido
de
frade
dominicano,
com
batina,
capa
e
chapéu;
ou
em
trajes
de
camponês
luso,
com
botas,
calças
pelos
joelhos,
meias,
paletó,
capa
e
chapéu
comum,
porém
em
ambas
está
segurando
uma
viola,
como
se
a
estivesse
tocando”
93.
O
músico
Chico
Lobo
também
nos
diz
sobre
essa
representação:
Alcançando
essa
peculiar
representação,
carregando
uma
viola,
São
Gonçalo
assumiu
definitivamente,
e
perante
o
juízo
popular,
a
sua
condição
de
padroeiro
dos
violeiros,
a
despeito
de
qualquer
ação
oficial
da
Igreja
que
lhe
conferisse
a
glória
dos
altares.
A
dança
em
devoção
ao
santo
carrega,
em
geral,
a
imagem
de
São
Gonçalo
portando
uma
viola.
Esta
prática
integra
o
conjunto
mais
geral
das
92
Santa
Cecília,
padroeira
dos
músicos,
por
exemplo,
tem
como
atributo
uma
harpa.
93
MEGALE,
Nilza
Botelho.
O
livro
de
ouro
dos
santos.
Rio
de
Janeiro:
Ediouro,
2003.
p.
115.
94
LEITE,
Francisco
Antônio
Lobo.
Violas.
[14
de
fevereiro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Breno
Trindade,
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva,
Françoise
Jean
e
Luis
Molinari.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
95
SARMENTO,
O
devoto
folião
e
a
folia
divina...
p.
48.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
No
conjunto
de
expressões,
também
citamos
a
Catira
como
uma
das
manifestações
culturais
que
congregam
o
que
foi
discutido
até
aqui,
sendo
fruto
tanto
do
contexto
da
colonização
portuguesa,
como
da
conformação
de
uma
cultura
caipira.
A
Catira
é
uma
expressão
descendente
direta
do
cururu
e
cateretê,
os
quais,
como
já
salientado,
foram
amplamente
difundidos
nas
reduções
jesuíticas
ao
longo
dos
séculos
de
catequização.
A
obra
pioneira
falando
sobre
esta
expressão
foi
apresentada
ao
público
no
século
XIX,
através
da
publicação
O
Selvagem
de
Couto
Magalhães97,
no
qual,
numa
pesquisa
de
base
etnográfica,
o
autor,
procurou
analisar
a
historicidade
indígena
e
de
algum
modo,
a
partir
daí,
dar
um
sentido
à
nacionalidade
brasileira98.
96
SANTOS,
Santos
e
Devotos...
p.167.
97
MAGALHÃES,
José
Viera
Couto
de.
O
selvagem.
São
Paulo:
Companhia
Editora
Nacional,
1935.
Disponível
em:
<http://www.brasiliana.com.br/obras/o-‐selvagem>
Acesso
em
17/01/18.
98
TURIN,
Rodrigo.
O
“selvagem”
entre
dois
tempos:
a
escrita
etnográfica
de
Couto
de
Magalhães.
Varia
Historia,
Belo
Horizonte,
vol.28,
n.
48,
p.781-‐803:
jul/dez
2012
99
REDUA,
Wagner
César.
Catira:
música,
dança
e
poesia
no
mundo
rural
(Uberaba
Século
XX).
Programa
de
Pós-‐graduação
em
História.
(Dissertação).
Universidade
Federal
de
Uberlância.
Uberlândia,
2010.
p.18;
p.64
100
SANT’ANNA,
Romildo.
A
moda
é
viola:
ensaio
do
cantar
caipira.
São
Paulo:
Arte
&
Ciência;
Marília:
Ed.
UNIMAR,
2000.
p.59
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Para
finalizar
esse
tópico
e
pensar
qual
foi
o
lugar
sociocultural
das
violas
no
final
do
século
XIX
em
Minas
Gerais
são
importantes
os
relatos
encontrados
jornais.
A
esse
respeito
se
apresenta
aqui
uma
narrativa
publicada
no
jornal
Liberal
Mineiro,
no
ano
de
1877102.
O
relato
foi
escrito
por
Carlos
Hamaria
Bendicto
Ottoni,
bacharel
em
Direito
e
morador
da
cidade
de
Diamantina,
que,
ao
ser
nomeado
juiz
de
direito
da
comarca
do
Itapirassaba,
atual
Januária,
percorreu
os
caminhos
do
norte
de
Minas
Gerais.
Em
sua
descrição,
o
autor,
ao
passar
pela
Serra
do
Cabral,
onde
hoje
está
a
cidade
Buenópolis,
informou
que
para
aquela
região
o
gado
era
levado
nas
épocas
de
seca.
Com
as
chuvas,
muitos
trabalhadores
desciam
da
Serra
rumavam
para
a
região
de
Buenópolis
em
busca
de
trabalho.
Naquele
ambiente
sertanejo,
segundo
relatou
o
viajante,
após
o
dia
inteiro
de
trabalho
no
trato
com
os
rebanhos,
aqueles
homens
“á
noite
cantã,
tocão
viola,
rufão
caixas
e
dão
gargalhadas.
Povo
Alegre
e
Folgazão!”
103.
101
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.78
102
Liberal
Mineiro.
18/01/1884.
Edição
007,
p.3
103
Liberal
Mineiro.
18/01/1884.
Edição
007,
p.3
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
décadas
finais
do
século
XIX,
foi
publicado
na
sessão
“Contos
e
Histórias”
uma
narrativa
que
descrevia
o
dia-‐a-‐dia
de
uma
baronesa
que
foi
morar
em
um
cortiço.
Dentre
os
personagens
da
trama,
havia
um
homem
que
morava
numa
casinha
simples,
perto
do
cortiço,
o
qual
era
descrito
como
“um
mulato
[que]
cantava
ao
som
de
viola,
umas
trovas
sensuaes
e
requebradas”
104.
Um
mês
depois,
em
setembro
de
1881,
foi
publicado,
no
mesmo
jornal,
um
soneto
em
que
a
viola
aparece
como
parte
do
conjunto
de
instrumentos
musicais
de
uma
festa
religiosa
tocada
pelos
devotos
que
caminhavam
em
procissão:
A
D.
Porto
Ao
toque
da
bandurra,
e
da
viola
Os
devotos
de
Momo
em
procissão,
Levavão
o
seu
Deus,
e
d’ante
mão
De
penas
enfeitarão
a
padiola
Tinha
mais
por
adorno
a
camizóla,
Penna,
tinta,
e
papel
o
Santarrão,
Mas
era
na
geral
opinião,
De
uma
Al
lêa
d’Além
o
Mestre
escola.
Ao
voltar
o
festejo
em
uma
esquina,
A
fronte
lhe
cingirão
verde
louro,
Para
Deos
imitar
a
Medicina.
Ficou
um
duplo
Deos-‐
Christão,
e
Mouro;
E
hoje
além
do
mais
ao
Povo
ensina.
105
A
hygiene
do
Porto...
e
alto
Douro
Nessa
mesma
edição,
noutra
sessão,
denominada
Litteratura,
fora
publicado
o
segundo
capítulo
do
romance
Laura,
no
qual
foi
descrita
uma
dança
de
negros
numa
senzala
que.
Segundo
o
autor,
denominado
J.
Lagoa,
a
dança
e
os
trajes
que
vestiam
faziam
parte
“da
velha
tradição
e
dos
costumes
transplantados”
de
seus
países
de
origem
para
o
lugar
onde
se
encontravam
cativos.
Por
fim,
numa
expressão
performativa
narrada
pelo
autor,
“os
negros
que
achavam-‐se
na
frente
da
fila
companhavam
uma
viola
cada
um,
que
tocavam,
104
O
Leopoldinense.
04/08/1881.
Edição
057,
p.1
105
O
Leopoldinense.
04/09/1881.
Edição
065,
p.3
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Depreende-‐se
desse
conjunto
de
publicações
apresentadas
que,
em
Minas
Gerais,
durante
o
século
XIX,
a
viola
permeou
a
literatura,
o
imaginário,
as
vivências
e
o
cotidiano
dos
mineiros.
Entende-‐se
assim,
que
a
musicalidade
produzida
pelo
instrumento
compunha
a
paisagem
sonora
que
caracterizava
o
estado
nessa
época.
No
entanto,
verifica-‐se
através
da
leitura
de
publicações
de
jornais,
que
a
partir
da
década
de
1890
uma
forte
desvalorização
foi
imposta
à
viola.
Segundo
Márcia
Taborda,
este
fenômeno
foi
um
efeito
da
crescente
urbanização,
atrelado
a
busca
pela
modernização
do
país.107
Nessa
conjuntura,
os
instrumentos
clássicos
que
então
chegavam
ao
Brasil,
tais
como
o
violino,
violão
e
o
piano
logo
foram
considerados
superiores
à
viola.
Isto
por
que,
julgavam
que
sua
origem
e
requinte
garantiam
uma
música
de
melhor
qualidade.
Assim,
os
instrumentos
populares,
entre
os
quais
se
destaca
a
viola,
foram
aos
poucos
sendo
marginalizados.
Um
exemplo
disso
é
uma
notícia
veiculada
em
1885,
no
jornal
o
Baependyano,
que
circulou
em
Baependi
e
Caxambu,
no
sul
de
Minas.
A
notícia,
intitulada
O
tocador
de
Viola
fazia
uma
nota
sobre
a
apresentação
do
tocador
chamado
Pedro
José
Vaz,
realizada
no
Club
de
Regatas
Guanabarense.
Nessa
reportagem,
os
editores
do
jornal
ressaltaram,
com
espanto,
a
capacidade
do
tocador
de
extrair
aprazível
som
de
tal
instrumento:
106
O
Leopoldinense.
04/09/1881.
Edição
065,
p.1
107
TABORDA,
Marcia.
Violão
e
identidade
nacional:
Rio
de
Janeiro
(1830-‐1930).
Rio
de
Janeiro:
Civilização
Brasileira,
2011.
(Cf.
especialmente
o
Capítulo
4)
108
O
Baependyano.
07/06/1885.
Edição
369,
p.3
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Outra
ocorrência,
encontrada
nesse
jornal,
reforça
este
caráter
de
exclusão
social
e
a
música
de
viola.
Numa
coluna
intitulada
Chronica
Policial,
a
viola
aparece
em
uma
notícia
como
instrumento
musical
usado
por
alguns
“patuscos”,
que
para
afogar
as
magoas
faziam
batuques
e
cateretês:
A
vinculação
da
viola
com
o
contexto
das
expressões
culturais
também
ficou
evidente
na
publicação
de
uma
crônica
feita
no
jornal
O
Arauto
de
Minas
aos
23
de
junho
de
1883,
que
falou
sobre
as
festas
realizadas
na
cidade
de
São
João
del-‐Rei.
No
texto
o
autor
diz
que:
Enxerga-‐se
nessa
crônica,
que
o
autor
trata
os
batuques,
cateretês
e
a
viola
como
representantes
daquilo
que
é
desagradável,
associando-‐os
ao
excesso
das
bebidas
e
dos
barulhos,
além
de
classificar
a
viola
como
instrumento
da
perversão.
Diante
disso
percebe-‐se
109
O
Baependyano.
20/03/1883.
Edição
282,
p.4
110
O
Arauto
de
Minas.
23/06/1883.
Edição
016,
p.2
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
que
apesar
de
estar
em
um
contexto
de
descaso
e
de
marginalização,
a
viola,
assim
como
as
manifestações
culturais
associadas
a
ela,
permaneceram
presentes
no
meio
popular
se
sustentando
ao
longo
dos
anos.
Ressalta-‐se
que
as
pesquisas
realizadas
para
a
produção
deste
Dossiê
mostram
que
a
viola
esteve
presente
em
muitas
outras
crônicas,
relatos
de
viajantes,
poemas
e
conteúdos
literários
produzidos
no
século
XIX
em
toda
Minas
Gerais,
indicando
que
sua
popularidade
foi
grande
no
estado
mesmo
em
meio
a
uma
conjuntura
de
preconceito.
Esta
documentação
apresenta
que
a
partir
da
década
de
1890
até
os
primeiros
anos
do
século
XX,
houve
uma
significativa
desvalorização
do
instrumento.
No
entanto,
no
contexto
da
cultura
popular
a
viola
permaneceu,
sendo
possível
encontrar
reportagens
que
mostram
sua
presença
nas
festas
religiosas,
tais
como
Congado,
Folia
de
Reis
e
Festas
Juninas.
2.3. Processo histórico de fabricação das violas em Minas Gerais
Ao
longo
do
século
XV,
naus
portuguesas
avançavam
pelo
Atlântico
e
em
meados
das
décadas
de
1420-‐1430,
povoaram
as
ilhas
da
Madeira
e
Açores112.
Décadas
após
estavam
na
Costa
Ocidental
Africana,
onde,
através
da
navegação
de
cabotagem,
construíram
imbricadas
redes
mercantis
o
que
lhes
garantiu
o
controle
no
fornecimento
de
diversos
produtos
às
praças
mercantis
da
Europa113.
Estas
relações
comerciais
foram
o
embrião
de
111
BARRETO,
Luis
Felipe.
O
sentido
da
expansão
portuguesa
no
mundo
(séculos
XV-‐XVII).
Administração:
revista
de
administração
pública
de
Macau.
nº36,
vol.X,
1997,
p.367-‐381.
p.368
112
BARRETO,
Luis
Felipe.
O
sentido
da
expansão
portuguesa...p.370
113
ALENCASTRO,
Luiz
Felipe
de.
O
trato
dos
viventes:
formação
do
Brasil
no
Atlântico
Sul
Seculos
XVI
e
XVII.
São
Paulo:
Companhia
das
Letras,
2000.
(Ver
especialmente
o
Capítulo
“Lisboa,
capital
negreira
do
Ocidente)
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
transformações
culturais
advindas
de
uma
economia
em
que
não
só
se
trocavam
produtos
que
possuíam
valor
de
mercado,
mas
que
promoviam
a
circulação
de
costumes
e
ideias114.
Na
América
portuguesa,
o
termo
que
designava
aqueles
que
fabricavam
a
viola
era
o
de
violeiro.
Bluteau,
em
1728,
definiu
o
termo
violeiro
indicando
que
este
se
referia
ao
“official
que
faz
violas,
&
outros
e
outros
instrumentos
músicos
de
cordas”
e
ao
“que
tange
a
viola
ou
outro
instrumento
de
cordas”,
dando
como
exemplo
a
frase
“tú
es
grande
violeiro”.
114
BARRETO,
Luis
Filipe.
Descobrimentos
e
renascimento:
formas
de
ser
e
pensar
nos
séculos
XV
e
XVI.
2.ed.
Lisboa:
Impr.
Nacional,
1983
115
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.37
117
CASTAGNA,
Paulo.
O
'estilo
antigo'
na
prática
musical
paulista
e
mineira
nos
séculos
XVIII
e
XIX.
Tese
(Doutorado
em
História
Social).
Faculdade
de
Filosofia
e
Ciências
Humanas,
Universidade
de
São
Paulo.
São
Oculto 5/8/18 3:41 PM
Paulo,
2000.
p.216
Deleted:
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
visualizado
na
tese
de
Castagna,
na
qual
o
autor
tabulou,
a
partir
dos
bens
arrolados
nos
inventários
post-‐mortem,
os
preços
atribuídos
aos
diversos
instrumentos
de
cordas
confeccionados
na
capitania
de
São
Paulo
ao
longo
do
século
XVII117.
A
partir
dos
dados
levantados
na
pesquisa
de
Castagna,
observa-‐se
que
as
violas
possuíam
um
valor
muito
abaixo
em
relação
ao
da
harpa.
Por
exemplo,
no
inventário
de
Sebastião
Dias
Paes
Barros,
produzido
na
vila
de
Santana
do
Parnaíba,
uma
“harpa
velha”
tinha
o
valor
de
160
réis,
enquanto
noutro
inventário,
feito
na
mesma
vila,
o
valor
de
uma
viola
nova
fora
arrolada
sob
a
quantia
de
360
réis.
Neste
sentido,
percebe-‐se
que,
conforme
destacou
Castagna,
uma
viola
em
perfeito
estado,
sem
defeito
algum
descrito,
valia
pouco
mais
que
uma
harpa
velha,
a
qual
tinha,
é
verdade,
seu
valor
de
uso,
mas,
deveria
possuir
seus
defeitos
adornais.
Por
sua
vez,
uma
harpa
em
perfeito
estado,
arrolada
no
inventário
de
Simão
da
Mota
Requeixo,
elaborado
na
cidade
de
São
Paulo,
no
ano
de
1650,
foi
avaliada
no
valor
de
6.000
réis,
bem
acima
do
valor
atribuído
a
viola
mais
onerosa
encontrada
pelo
pesquisador,
avaliada
em
2.000
réis.
Cabe
ressaltar,
o
valor
médio
de
uma
viola
em
todos
os
inventários
analisados
por
Castagna
foi
de
834
réis118.
Sobre
os
processos
de
fabricação
de
violas
em
Minas
Gerais,
Castagna,
juntamente
com
as
pesquisadores
Maria
José
Souza
e
Maria
Teresa
Pereira,
realizaram
um
estudo
sobre
a
dita
música
profana
em
Minas
Gerais,
ou
seja,
aquela
que
não
era
praticada
nos
momentos
de
devoção
religiosa
e
cultos
católicos119.
Dentro
deste
tema,
depararam-‐se
com
um
indivíduo
que
viveu
na
Vila
Rica
setecentista
e
lhes
pareceu
peculiar:
um
português
chamado
Domingos
Ferreira,
que
tinha
como
ofício
a
117
CASTAGNA,
Paulo.
O
'estilo
antigo'
na
prática
musical
paulista
e
mineira
nos
séculos
XVIII
e
XIX.
Tese
(Doutorado
em
História
Social).
Faculdade
de
Filosofia
e
Ciências
Humanas,
Universidade
de
São
Paulo.
São
Paulo,
2000.
p.216
118
CASTAGNA,
Paulo.
O
'estilo
antigo'
na
prática
musical
paulista
e
mineira
nos
séculos
XVIII
e
XIX...p.216-‐217
119
CASTAGNA,
Paulo;
SOUZA,
Maria
José
Ferro
de;
PEREIRA,
Maria
Teresa
Gonçalves.
Domingos
Ferreira:
um
violeiro
português
em
Vila
Rica.
In:
LUCAS,
Maria
Elisabeth;
NERY,
Ruy
Vieira.
As
músicas
luso-‐brasileiras
no
final
do
antigo
regime:
repertórios,
práticas
e
representações.
Lisboa:
Imprensa
Nacional
-‐
Casa
da
Moeda
e
Fundação
Calouste-‐Gulbenkian,
2012.
p.667-‐704.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
fabricação
de
violas
e
por
isso,
tornou-‐se
um
dos
principais
personagens
sobre
a
atividade
musical
mineira
do
século
XVIII.
Foi
constatado
pelos
pesquisadores
que
o
inventariante
dos
bens
de
Domingos
Ferreira
havia
sido
o
músico
Luís
José
de
Araújo,
o
qual
compunha
uma
ampla
rede
de
profissionais
da
música
em
Vila
Rica,
o
que
demonstra
a
proximidade
relacional
que
havia
entre
ambos.
Contudo,
não
há
qualquer
outra
evidência
que
ateste
o
contato
de
Domingos
Ferreira
com
outros
músicos
conhecidos
do
período.
Nas
palavras
dos
autores
Domingos
Ferreira
não
se
relacionou
diretamente
com
os
músicos
que
trabalhavam
com
o
repertório
sacro
e
que
atuaram
na
câmara,
nas
matrizes
e
nas
irmandades
ou
ordens
terceiras
de
Vila
Rica
do
período.
Seu
campo
de
trabalho
foi
bem
120
diferente .
Depreende-‐se
da
trajetória
de
vida
de
Domingos
Ferreira,
que
nas
Minas
Gerais
do
século
XVIII,
havia
pessoas
com
o
ofício
de
ser
fabricante
de
viola.
O
próprio
Domingos
Ferreira,
que
foi
referido
em
seu
inventário
como
“violeiro
e
Mestre
violeiro”,
empenhou-‐se
unicamente
na
construção
do
instrumento,
tendo
inclusive
arrolados
em
seu
inventário,
uma
série
de
instrumentos
e
de
materiais
para
a
fabricação
de
violas.
Este
documento,
embora
tivesse
como
propósito
arrolar
e
avaliar
os
bens
do
Mestre
Violeiro,
apresenta
um
detalhamento
minucioso
que
acaba
por
desvelar
os
detalhes
dos
modos
de
fazer
a
viola
de
Domingos
Ferreira
e
de
seu
escravo
Antônio
Angola,
merecendo
destaque
o
fato
de
sua
oficina
não
ter
sido
o
local
de
fabricação
de
todas
as
peças
do
instrumento,
pois,
conforme
se
constatou,
algumas
peças
eram
importadas.
Por
exemplo,
os
tampos
de
Veneza,
vinham
de
Portugal.
Além
do
mais,
cada
parte
do
instrumento
era
manufaturada
com
madeiras
distintas,
cada
qual
com
uma
especificidade
para
a
sonoridade
do
instrumento,
assim,
muitas
precisavam
ser
importadas
da
Europa.
No
que
se
refere
ao
encordoamento,
o
documento
revela
que
era
constituído
por
cordas
feitas
com
tripa
de
120
CASTAGNA,
Paulo;
SOUZA,
Maria
José
Ferro
de;
PEREIRA,
Maria
Teresa
Gonçalves.
Domingos
Ferreira:
um
violeiro
português
em
Vila
Rica...p.670
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
animais
e
os
eram
bordões
envoltos
em
prata,
já
que
as
primeiras
tinham
uma
duração
mais
curta.
O
pesquisador
Roberto
Corrêa,
ao
analisar
o
estudo
feito
por
Castagna,
cita
a
parte
que
se
refere
à
“leitura
do
testamento
e
do
inventário”
que
“revelou-‐nos
um
relacionamento
intimista
do
violeiro
com
seu
escravo
Antônio
“Angola”,
sem
haver
entre
eles
uma
hierarquia
rigorosa
e
vertical”.
Sobre
isso
Corrêa
conclui
que
“simbolicamente,
temos
aqui
a
maestria
de
um
mestre
português
transplantada
para
um
negro
africano,
de
Angola,
num
país
em
formação
–
o
que
nos
conta
muito
de
nossa
cultura
mestiça”
121.
Concorda-‐se
com
o
autor
quanto
à
formação
de
uma
cultura
mestiça
nesse
universo
quando
transportamos
a
noção
para
um
panorâma
mais
amplo
em
Minas
Gerais.
Uma
fonte
importante
fonte
para
pensar
esse
contexto
de
fabricação
da
viola
em
Minas
se
encontra
nos
jornais
do
século
XIX,
especialmente
nos
anúncios
que
tratam
dos
escravos
fugidos.
Um
deles,
de
1838,
descreve
José
Cabra,
citado
como
carpinteiro
e
tocador
de
viola.122
Outro,
feito
décadas
depois,
em
fevereiro
de
1873,
foi
anunciado
por
José
Pedro
Gomes,
um
fazendeiro
do
distrito
de
Paulo
Moreira,
no
Termo
de
Mariana,
no
Jornal
Diário
de
Minas,
editado
na
cidade
de
Ouro
Preto.
Alí
colocou
uma
nota
que
descrivia
Laurindo,
crioulo,
22
anos,
que
“gosta
de
tocar
viola,
é
tropeiro
e
carpinteiro”
123.
Posteriormente,
na
Edição
220
do
mesmo
Jornal,foi
a
público
no
dia
13
de
março
de
1874,
uma
notícia
sobre
a
fuga
de
um
escravo
sem
nome
mencionado,
com
a
informação
de
que
ele
havia
deixado
a
fazenda
de
Messias
Garcia
Pereira,
na
freguesia
da
Pimenta,
no
município
de
Piumhi,
no
oeste
de
Minas.
Constava
na
descrição
que
o
mesmo
era
“muito
conversador,
toca
viola,
inclinado
a
carpinteiro”
124.
Outro
caso
é
o
Pedro,
que
fugiu
do
distrito
de
Dores
do
Monte
Alegre,
localidade
pertencente
ao
município
de
São
João
Nepomuceno,
na
região
que
hoje
é
a
Zona
da
Mata.
Na
notícia
constava
que
Pedro
“toca
viola,
é
inclinado
a
carpinteiro
e
pedreiro,
121
(CORRÊA,
2014,
p.
32)
122
O
Universal.
19/10/1838.
Edição
134,
p.4
123
Diário
de
Minas.
11/02/1873.
Edição
009,
p.3
124
Diário
de
Minas.
13/03/1874.
Edição
220,
p.4
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
trabalha
em
roça”125.
Por
fim
se
cita
o
caso
de
Luiz,
que
havia
fugido
no
dia
14
de
Setembro
de
1877
da
fazenda
da
Providencia,
termo
de
Queluz.
Luiz
tinha
20
annos,
era
“tocador
de
viola
e
presepista”
e
trabalhava
como
carpinteiro126.
São
conjecturas,
mas
percebe-‐se
que
todos
estes
anúncios
deixam
entrevisto
dois
elementos
que
devem
ser
ponderados:
1)
que
muitos
escravizados
tinham
acesso
ao
instrumento;
2)
que
existia
uma
íntima
relação
entre
a
carpintaria
e
o
costume
de
tocar
viola
entre
esses
homens
que
estavam
na
condição
de
escravos.
De
forma
concreta,
os
dados
que
mais
falam
do
contexto
histórico
da
fabricação
da
viola
em
Minas
Gerais
estão
associados
à
chamada
Viola
de
Queluz.
Segundo
informou
Ivan
Vilela,
“as
violas
de
Queluz
gozaram
de
grande
popularidade
até
as
primeiras
décadas
do
século
XX”127.
Ao
longo
desse
período,
muitos
foram
os
fabricantes
de
violas
na
vila
de
Queluz
de
Minas,
atual
Conselheiro
Lafaiete,
e
quantidades
consideráveis
eram
vendidas
e
exportadas
para
diversas
regiões
de
Minas
Gerais
e
para
outras
cidades
fora
do
estado.
Não
muito
longe
dali,
no
distrito
de
Santo
Antônio
do
Calambau,
foram
recenseados
dois
violeiros,
os
irmãos
Joaquim
José
de
Siqueira
e
João
Rodrigues
de
Siqueira,
e
na
mesma
freguesia,
no
distrito
de
Piranga,
Adriano
Lourenço,
de
19
anos
de
idade,
que
era
um
dos
violeiros
mais
novos
dentre
todos
os
recenseados
na
província
de
Minas
Gerais
naqueles
125
Liberal
Mineiro.
17/11/1883.
Edição
153,
p.4
126
Jornais
de
Ouro
Preto:
Orgão
do
Partido
Conservador,
Ouro
Preto,
115°
edição,
1882.
Disponível
em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=222747&PagFis=99&Pesq=viola>
127
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.37
128
APM.
Listas
nominativas
do
distrito
de
Piranga.
Disponível
em:
www.poplin.cedeplar.ufmg.br,
acessado
em
16/04/2018
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
anos.
Cita-‐se
ainda
violeiro
Tomé
Soares
Brito,
homem
forro
declarado
de
cor
parda
e
habitante
do
arraial
de
Nossa
Senhora
das
Neves
da
Boa
Vista,
atual
Claudio
Manuel,
localizado
nos
arredores
do
núcleo
minerador
de
Mariana
e
Ouro
Preto.
Segundo
a
proposta
de
regionalização
da
historiadora
e
demógrafa,
Clotilde
Andrade
Paiva,
as
localidades
de
Queluz,
Piranga,
Calambau
e
Claudio
Manuel,
compunham
a
região
por
ela
denominada
de
Mineradora
Central
Oeste.
De
acordo
com
a
pesquisadora,
esta
microrregião
tinha
uma
pauta
de
exportação
diversa.
Ao
mesmo
tempo
em
que
enviava
ouro,
pedras
preciosas,
tecidos
e
doces
à
praça
mercantil
do
Rio
de
Janeiro,
distribuía
os
produtos
importados
que
vinham
de
lá129.
Conforme
ressaltou
a
autora,
a
região
constituía-‐se
em
um
importante
entreposto,
pois
na
localidade
se
compravam
matérias-‐primas
que
eram
transformadas
e
revendidas
internamente,
e
ainda,
abastecia
de
víveres
as
regiões
aonde
perduravam
as
atividades
mineradoras.
Assim,
verifica-‐se
que
além
do
elevado
desenvolvimento
urbano
da
região,
“consonante
com
o
tamanho
de
sua
população”,
naquele
território
houve
um
contigente
significativo
e
variado
de
artesãos130.
Diante
da
constatação
de
que
a
função
violeiro,
neste
período,
estava
relacionada
com
a
fabricação
do
instrumento,
e
tomando
como
base
os
dados
do
recenciamento,
supõe-‐se
que
muitos
destes
homens
designados
violeiros
fossem
fazedores
de
viola,
e
que,
por
sua
vez
revendiam
para
os
arredores
suprindo
as
demandas
regionais.
Além
disso,
esse
levantamento
denota
que
tal
região
parece
ter
figurado
como
um
polo
de
produção
do
instrumento
musical.
Elemento
que
reforça
a
presença
de
uma
tradição
de
fazedores
de
viola
nesses
distritos
é
a
constatação
de
que
na
região
houve
uma
maior
presença
proporcional
de
trabalhadores
ocupados
em
ofícios
com
madeira.
Isto
porque,
na
microrregião
Mineradora
Central
Oeste
1.124
indivíduos
(0,92%)
viviam
da
carpintaria
e
dos
129
PAIVA,
Clotilde
Andrade.
População
e
economia
nas
Minas
Gerais
do
século
XIX.
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas.
Programa
de
pós-‐graduação
em
História
Social
(Tese
de
Doutorado).
São
Paulo:
USP,
1996.
p.116
130
PAIVA,
Clotilde
Andrade.
População
e
economia
nas
Minas
Gerais
do
século
XIX...p.117
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
ofícios
correlatos,
enquanto
nas
localidades
de
Queluz,
Piranga,
Calambau,
Catas
Altas
da
Noruega
e
Claudio
Manuel,
nos
quais
foram
recenseados
os
23
violeiros,
103
pessoas
de
um
total
de
7.045
indivíduos
recenseados
estavam
ocupados
em
atividades
com
o
talhar
a
madeira,
perfazendo
um
total
de
1,46%
da
população
local.
Esta
cifra
era
o
dobro
do
valor
percentual
encontrado
para
toda
a
província
de
Minas,
já
que,
excetuando-‐se
a
população
da
microrregião
Mineradora
Central
Oeste,
2.904
indivíduos
(0,71%)
foram
listados
como
trabalhadores
que
executavam
atividades
ligadas
ao
artesanato
em
madeira.
Desta
forma,
haja
vista
ter
sido
Minas
Gerais
uma
“província
artesã”,
na
qual,
0,8%
(3.380
indivíduos)
da
população,
ao
longo
da
década
de
1830,
estavam
ocupados
em
alguma
atividade
manual
ligada
ao
trabalho
com
madeira131,
não
é
exagerado
pressupor
que
muito
provavelmente
muitos
dos
tocadores
também
fossem
fazedores
de
viola.
É
importante
destacar,
que
de
todos
os
indivíduos
ocupados
em
atividades
com
a
madeira,
15%
(506)
eram
pessoas
escravizadas,
cifra
percentual
menor
que
aquelas
que
se
relacionam
aos
cativos
ocupados
com
trabalhos
têxteis,
como
a
fiação
e
tecelagem
(20%),
desenvolvidas
por
quase
a
totalidade
das
mulheres
escravizadas132.
Ainda
assim,
trata-‐se
de
um
montante
acima
de
diversos
outros
ofícios
dos
setores
dos
metais,
couros
e
cerâmicas,
aspecto
que
demonstra
terem
sido
os
ofícios
relacionados
ao
uso
da
madeira,
extremamente
difundidos
na
província
e,
especificamente,
entre
a
população
cativa,
posto
que,
os
trabalhos
manuais
eram
direcionados
a
esta
população.
131
GODOY,
Marcelo
Magalhães.
Uma
província
artesã:
o
universo
social,
econômico
e
demográfico
dos
artífices
da
Minas
do
Oitocentos.
In:
XII
Encontro
de
Estudos
Populacionais,
2000,
Caxambu.
Anais
do
XII
Encontro
de
Estudos
Populacionais.
Belo
Horizonte:
Cedeplar/UFMG,
2000.
p.7
132
GODOY,
Marcelo
Magalhães.
Uma
província
artesã...p.4
133
GODOY,
Marcelo
Magalhães.
Uma
província
artesã...p.10
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
entrelinhas
do
cotidiano
do
mundo
do
trabalho,
foi
oportunizado
o
aprendizado
das
práticas
musicais
relacionadas
ao
modo
de
fazer
e
tocar
viola.
Nota-‐se
que,
desde
muito
cedo,
foi
através
da
observação
e
da
transmissão
dos
saberes
por
meio
da
oralidade
e
não
da
formalização
de
métodos
e
práticas
de
ensino
que
foi
transmitida
a
música
de
viola.
134
Prefeitura
Municipal
de
Conselheiro
Lafaiete,
Secretaria
de
Cultura.
Violas
de
Queluz.
Conselheiro
Lafaiete,
2017.
135
PASCKES,
Maria
Luisa
Nabinger
de
Almeida.
Notas
Sobre
os
Imigrantes
Portugueses
no
Brasil
(Sécs.
XIX
e
XX).
Revista
de
História,
São
Paulo,
n.123-‐124,
p.
35-‐70,
ago/jul.,
1990/1991.
136
BOTELHO,
Tarcísio
Rodrigues;
ANDRADE,
Cristiana
Viegas;
BRAGA,
Mariângela
Porto.
Imigração
e
Família
em
Minas
Gerais
no
Final
do
Séc.
XIX.
Revista
Brasileira
de
História,
v.
27,
p.
155-‐176,
2007.
p.159
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
21:
Imigrantes
portugueses
rumo
ao
Brasil,
fotografia
de
Benjamin
Stone,
1893..
Fonte:
Brazilian
Embassy
in
London
As
violas
de
Queluz,
cujas
características,
de
acordo
com
Roberto
Corrêa,
remontam
a
viola
toeira,
proveniente
de
Portugal137,
tinham
como
principal
elemento
de
distinção
os
mosaicos
e
bordados
que
compunham
as
suas
ricas
marchetarias,
que
tinham
“formas
de
setas,
sinos,
folhas,
ramos
circulares
e
outros
elementos
nascidos
da
fértil
imaginação
dos
fabricantes”138.
137
CORRÊA,
2014,
p.
33.
138
Prefeitura
Municipal
de
Conselheiro
Lafaiete,
Secretaria
de
Cultura.
Violas
de
Queluz.
Qaudro
IV.
Conselheiro
Lafaiete,
2017.
p.148.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
22:
Viola
de
Queluz
do
acervo
particular
de
Max
Rosa
Fonte:
http://maxrosaluthier.com.br/acervo.php
Todas
as
fábricas
produziam
para
uma
demanda
variada
de
mercados
regionais
e
nacionais.
Essa
produção
era
intensificada
com
o
“Jubileu
do
Bom
Jesus”
que
acontecia
no
município
de
Congonhas,
cidade
vizinha
a
Conselheiro
Lafaiete.
Participavam
desta
celebração,
milhares
de
peregrinos
que
além
de
seguirem
as
romarias,
compravam
artigos
diversos,
entre
eles,
as
famosas
“Violas
de
Queluz”
139.
Com
o
tempo,
Queluz
passou
a
ser
distinguida
como
a
terra
das
violas.
Em
1881,
D.
Pedro
II
em
excursão
à
província
de
Minas
Gerais
foi
recebido
com
grandes
festejos,
nos
quais
as
apresentações
dos
violeiros
João
de
Souza
Salgado
e
João
Dias
de
Souza
foram
atrativos
à
parte.
Segundo
consta,
o
Imperador,
após
a
ocasião
dos
festejos,
anotou
em
seu
diário
que:
“apareceu
o
violeiro
–
fazem-‐se
aqui
muitas
violas
–
a
que
veio
tinha
caixa
de
pinho
e
braço
139
Prefeitura
Municipal
de
Conselheiro
Lafaiete,
Secretaria
de
Cultura.
Violas
de
Queluz.
Qaudro
IV.
Conselheiro
Lafaiete,
2017.
p.24
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
de
jacarandá,
sendo
os
embutidos
de
cabiúna.
O
rapaz
tocou
bem
a
viola
e
melhor
violão
também
feito
aqui”
140.
Ao
longo
do
século
XIX
e
na
passagem
para
o
XX,
a
produção
da
família
dos
Meireles
esteve
sob
a
liderança
de
Benjamim
Cândido
Meireles
Filho
e
Wellington
Meireles,
sucessores
da
tradição
de
fabricar
violas
de
uma
das
famílias
mais
tradicionais
no
ramo.
Figura
23:
Fábrica
de
violas
da
Família
dos
Meireles
de
Queluz
de
Minas,
atual
Conselheiro
Lafaiete
Fonte:
Dossiê
de
Registro
da
Viola
de
Queluz
do
município
de
Conselheiro
Lafaiete
Nesta
época
a
produção
de
violas
era
vigorosa.
Durante
a
pesquisa
para
este
Dossiê
teve-‐se
acesso
a
uma
caderneta
produzida
pela
fábrica
da
família
dos
Meireles,
na
qual
consta
o
controle
das
compras
e
vendas
de
violas
e
outros
produtos
utilizados
em
sua
produção.
Conforme
exposto
na
Tabela
01,
feita
com
os
dados
da
caderneta,
entre
1915
e
1928,
foram
vendidas
mil
e
noventa
e
cinco
(1.095)
violas.
140
Prefeitura
Municipal
de
Conselheiro
Lafaiete,
Secretaria
de
Cultura.
Violas
de
Queluz.
Qaudro
IV.
Conselheiro
Lafaiete,
2017.
p.25
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Tabela
1
–
Vendas
de
violas,
violões
e
cavaquinhos
–
Família
Meireles,
Queluz,
Minas
Gerais
(1915
-‐
1928)
Fonte:
Arquivo
Municipal
de
Conselheiro
Lafaiete.
Museu
Antônio
Perdigão,
Caderneta
de
compra
e
venda
da
família
Meireles.
Como
exemplo
da
grande
difusão
desta
viola
pelo
estado
de
Minas
Gerais
se
cita
o
caso
de
Uberaba,
município
situado
no
Triângulo
Mineiro,
e
que
tem
a
tradição
do
uso
da
viola.
Na
pesquisa
foi
localizada
no
Arquivo
Público
Mineiro
uma
fotografia
de
uma
Festa
de
Congado
de
Nossa
Senhora
do
Rosário
realizada
em
Uberaba
no
ano
de
1889,
na
qual
se
vê
dois
violeiros
com
violas
que
em
muito
se
parecem
com
que
eram
violas
de
Queluz.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
24:
Grupo
de
Pessoas
na
Festa
de
Congado
de
Nossa
Senhora
do
Rosário
em
Uberaba
(MG)
1889
Fonte:
Arquivo
Público
Mineiro.
Coleção
Municípios
Mineiros
Um
dado
que
reforça
essa
constatação
está
anotado
na
caderneta
dos
Meireles.
Isso
por,
poucas
décadas
depois
dessa
foto,
entre
os
anos
de
1920
e
1926,
cento
e
quatorze
violas
de
Queluz
foram
comercializadas
para
Uberaba.
Houve
casos
em
que
trinta
violas
foram
vendidas
numa
única
remessa
ao
lojista
“Senhor
Mascarenhas”.
Fortalece
esta
hipótese,
a
constatação
de
que
Uberaba
foi
a
localidade
que
mais
recebeu
remessas
das
violas
de
Queluz
produzidas
pela
família
Meireles.
Somente
no
ano
de
1920,
o
lojista
Sr.
Mascarenhas
adquiriu
84
violas,
número
muito
acima
das
36
violas
que
o
Sr.
Manoel
Duarte,
da
cidade
de
Vespasiano,
comprou
no
ano
de
1922.
Tal
fato
demonstra
que
muito
provavelmente,
na
passagem
do
século
XIX
para
o
XX,
ou
mesmo
antes,
a
viola
de
Queluz
era
um
instrumento
popular
entre
violeiros
do
triângulo
mineiro
e
circunvizinhanças.
A
despeito
dessas
duas
localidades
terem
sido
as
que
mais
compraram
violas
de
uma
só
vez,
violeiros
e
lojistas
de
outras
diversas
outras
localidades
também
adquiriram
o
instrumento.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Isso
indica
que
os
caminhos
da
circularidade
dessa
viola
no
território
de
Minas
Gerais,
e
até
mesmo
no
estado
de
São
Paulo,
foi
acentuado.
A
este
respeito,
o
gráfico
03Error!
Reference
source
not
found.141
deixa
exposto
que
de
norte
a
sul,
leste
a
oeste,
a
viola
de
Queluz
se
difundia
no
território
mineiro,
e
ainda,
levava
seus
sons
a
outros
estados,
como
o
de
São
Paulo,
onde
violeiros
das
cidades
de
Frutal,
Barretos
São
Joaquim
da
Barra
e
Colina,
adquiriram
seus
instrumentos
junto
aos
fazedores
da
família
Meireles.
Gráfico
3:
Violas
vendidas,
Família
Meireles
-‐
Municípios
e
Mesorregiões
(1915
-‐
1928)
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Além
da
massiva
maioria
de
violas
produzidas,
esta
família
também
fabricou
e
vendeu
neste
período
violões
e
cavaquinhos.
Muito
provavelmente,
tendo
em
vista
o
anotado
por
D.
Pedro
II
em
seu
diário,
a
produção
destes
instrumentos
já
devia
ocorrer
desde
as
décadas
finais
do
século
XIX,
mas,
pelo
visto,
não
se
desenvolveu
muito,
sem
ter
alcançado,
décadas
depois,
cifras
que
se
equiparassem
aos
números
da
produção
de
violas.
Um
dado
interessante
averiguado
nas
anotações
familiares
merece
destaque
por
indicarem
o
processo
histórico
de
diminuição
da
produção
das
violas.
Nas
primeiras
décadas
do
século
141
Gráfico
produzido
a
partir
da
Caderneta
de
compra
e
venda
da
família
Meireles,
presente
no
acervo
do
Arquivo
Municipal
de
Conselheiro
Lafaiete.
Museu
Antônio
Perdigão.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
XX,
constatou-‐se
que
estes
instrumentos,
violão
e
cavaquinho,
possuíam
um
valor
médio
de
venda
muito
acima
dos
valores
que
eram
pagos
pelas
violas.
Conforme
se
pode
ver
através
do
Grafico
04,
ainda
que
o
valor
médio
das
violas
comercializadas
tivesse
aumentando
entre
os
anos
de
1918
e
1922,
os
valores
médios
de
vendas
de
violões
e
cavaquinhos
eram
superiores
aos
das
violas.
Gráfico
4:
Violas
vendidas,
Família
Meireles
-‐
Municípios
e
Mesorregiões
(1915
-‐
1928)
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Indi Figura
25:
Anúncio
da
Casa
da
Barateza,
jornal
A
Lucta,
Conselheiro
Lafaiete
(1912)
Fonte:
Jornal
A
Lucta.
04/08/1912.
Edição
21,
p.4.
Acervo
Museu
Perdigão
cativo
disso
é
um
anúncio
publicado
no
jornal
A
Lucta,
que
circulou
na
cidade
de
Conselheiro
Lafaiete
durante
o
ano
de
1912.
Na
edição
de
número
21,
um
armazém
denominado
a
Casa
da
Barateza
divulgou
seu
“depósito
de
aguardente,
violas,
sal
e
cal”
além
de
anunciar
que
ali
se
vendiam
fumos,
querosene,
velas,
fósforos
e
vinhos.
Chama
atenção
neste
anúncio,
o
lugar
que
a
viola
ocupa,
estando
entre
produtos
variados
que
compunham
as
necessidades
cotidianas.
Está
claro,
a
partir
deste
anúncio,
que
a
viola
era
um
instrumento
muito
popular
e
que
podia
ser
encontrada
à
venda
nas
lojas
mais
comuns
da
cidade
de
Queluz,
e
possivelmente
de
outras
localidades
do
estado.
Supõe-‐se
que,
a
viola
foi
perdendo
seu
valor
de
mercado
frente
a
outros
instrumentos
que
se
popularizavam,
tais
como
o
violão
e
como
a
fabricação
destes
não
estava
entre
as
especialidades
da
produção
artesanal
da
família
Meireles,
aos
poucos
a
fabricação
das
violas
foi
sendo
deixada
de
lado.
A
partir
desse
momento
sua
produção
começou
a
entrar
em
declínio.
A
este
respeito,
são
esclarecedoras
as
palavras
do
luthier
e
colecionador
de
violas
Max
Rosa,
As
violas
de
Queluz
pararam
de
ser
fabricadas
por
dois
motivos.
Primeiro
porque
os
descendentes
(mais
especificamente
os
netos)
dos
principais
fabricantes
já
não
tinham
tanto
interesse
em
continuar
com
o
ofício
da
fabricação
dos
instrumentos
de
forma
artesanal.
O
segundo
foi
a
chegada
dos
instrumentos
de
fábrica
como
Del
Vechio
e
Tranquillo
Giannini,
que
competiam
com
as
violas
de
Queluz
em
142
desigualdade,
pois
eram
feitos
em
larga
escala.
De
acordo
com
o
Dossiê
de
Registrro
feito
pelo
município
de
Lafaiete,
a
produção
da
família
Meireles
se
manteve
até
o
final
dos
anos
1930,
enquato
a
dos
Salgado
perdurou
até
meados
da
década
de
1950,
como
se
verifica
em
um
anúncio
publicado
em
um
jornal
local
em
1955.
142
ROSA,
Max.
Entrevista
concedida
a
Carlos
Vergalin.
Apud.
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.37
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
26:
Anúncio
da
Viola
de
Queluz
da
Família
Salgado
(1955)
Fonte:
Arquivo
Municipal
de
Conselheiro
Lafaiete.
Museu
Antônio
Perdigão
Além
disso,
violas
e
outros
instrumentos
feitos
pelas
famílias
dos
Salgado
e
dos
Meireles
compõem
o
acervo
do
Memorial
das
Violas
de
Queluz
situado
no
Centro
Cultural
Solar
do
Barão
do
Suaçuí,
em
Conselheiro
Lafaiete.
Atualmente
a
tradição
da
fabricação
foi
retomada
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
por
meio
do
senhor
José
Robert,
esposo
de
Alcione
Meireles,
uma
das
descendentes
diretas
da
família.
De
acordo
com
Vilela,
as
violas
de
Queluz
circularam
a
tal
ponto
que
chegaram
a
influenciar
a
produção
feita
no
sertão
mineiro.
Nas
suas
palavras
o
“modelo
das
antigas
violas
de
Queluz,
hoje
Conselheiro
Lafaiete,
MG,
com
sua
arte
marchetada
ainda
é
encontrado
no
norte
de
Minas
e
mantém,
por
vezes,
suas
doze
cordas
(três
duplas
e
duas
triplas)”.
Segundo
o
autor
143
144
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.47
145
HORTA,
Carlos
Felipe.
[05
de
setembro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Foi
a
partir
da
década
de
1980
que
começou
a
ser
conhecido
pelo
grande
público,
quando
foi
“encontrado”
pelo
violeiro
e
compositor
Téo
Azevedo
e
por
Carlos
Felipe,
que
participaram
da
produção
do
seu
primeiro
disco
denominado
Brasil
Profundo.
Nas
palavras
do
entrevistado:
Roberto Corrêa também esteve com Zé Coco do Riachão e sobre o encontro, escreveu:
No
final
da
década
de
1970,
estive
com
ele
em
duas
ocasiões,
na
sua
casa
em
Montes
Claros,
e
fiquei
admirado
com
sua
habilidade
de
tocar
somente
com
o
polegar
e
o
indicador.
A
viola
que
ele
usava
possuía
cravelhas
de
madeira
e,
sem
146
HORTA,
Carlos
Felipe.
[05
de
setembro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
nenhuma
dificuldade,
ele
passava
de
uma
afinação
para
outra
de
forma
tão
natural
que
o
manuseio
das
cravelhas
parecia
fazer
parte
de
uma
espécie
de
147
performance.
Vê-‐se
através
do
relato
de
Roberto
Corrêa,
que
Zé
Coco
do
Riachão
era
um
exímio
músico,
o
qual
dominava
as
afinações
da
viola
e
tocava
com
tal
destreza
e
facilidade
que
espantava
seus
ouvintes.
Foi
a
sua
habilidade
com
a
viola
que
chamou
atenção
do
músico
e
violeiro
Téo
Azevedo,
o
qual,
na
cidade
de
Montes
Claros,
tendo
ido
até
a
casa
de
Zé
Coco
do
Riachão
para
encomendar
um
pequeno
reparo
em
sua
viola,
o
ouviu
tocar
e
logo
começaram
as
conversas
para
que
ele
gravasse
seu
primeiro
disco148.
Uma
história
parecida
com
a
de
Zé
Coco
é
a
de
Minervino
Gonçalves
Rodrigues
Guimarães,
falecido
em
2009
e
que
morava
na
zona
rural
da
cidade
de
São
Francisco,
em
uma
região
conhecida
como
Angical.
Figura
29:
Minervino
–
fabricante
de
violas
de
São
Francisco.
Fonte:
http://joaonavesdemello.blogspot.com.br/
147
CORRÊA,
Roberto.
Viola
Caipira...p.108
148
CORRÊA,
Roberto.
Viola
Caipira...p.109
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
São
Francisco
é
uma
das
cidades
em
que
também
se
vê
arraigada
a
tradição
da
fabricação
de
violas,
bem
como
de
outros
instrumentos,
tais
como
rabecas,
caixas
e
“balainhos”,
ambos
feitos,
entre
outras
coisas,
para
abastecer
os
númerosos
grupos
de
Folias
existentes
na
região.
Entre
os
mais
conhecidos
artesãos
está
Minervino,
notável
fabricante
de
viola,
violão
e
rabeca
e
também,
violeiro
e
rabequeiro,
que
segundo
o
pesquisador
João
Naves,
era
um
homem
“apaixonado
pela
folia
e
pelo
sertão
onde
tem
fincado
profundas
raízes”149.
Naves,
profundo
conhecedor
da
cutural
local,
fez,
no
ano
2000,
uma
visita
à
Minervimo,
que
segundo
ele
residia
em
“uma
casinha
de
adobe
erguida
nas
barrancas
da
grota
do
Surucucu”.
O
autor
narra
que
para
“dar
forma
a
instrumentos
maravilhosos
que
nas
mãos
de
foliões
dão
vida
aos
diversos
folguedos
do
meio
rural,
como
se
fossem
mágicos
de
tão
belos
sons”,
o
fabricante
utilizava
“toras
de
imburana
vermelha
para
fazer
o
bojo
das
violas
e
rabecas;
os
sarrafos
de
jacarandá,
cedro,
candeia,
para
os
braços,
craveiras
e
os
enfeites;
a
plaina
de
madeira
que
ele
mesmo
fez,
o
formão
e
o
sarrafo
e
uns
pedaços
de
plástico
rígido
branco”150.
A
esse
respeito,
Geraldinho
conta
um
pouco
sobre
o
método
de
trabalho
de
Minervino:
Ele
só
trabalhava,
as
ferramentas
dele
era
só
manual
mesmo,
não
tinha
essas
máquinas
igual
tem
hoje,
ele
só
trabalhava
no
serrote,
era
mesmo
no
formão,
essas
coisas
assim,
era
só
na
mão
mesmo,
ele
dizia
que
máquina
pra
ele,
ele
não
dava
151
conta
de
trabalhar
com
máquina
não.
Era
na
mão
mesmo .
De
acordo
com
João
Naves,
quando
Minervino
mirava
o
“instrumento
pronto,
alisado
e
com
as
cordas
apertadas”,
corria-‐lhe
“os
olhos
embevecido
(ele
gosta
do
que
faz)
e
o
acaricia
dizendo
um
verso
tirado
das
cantarolias
de
folia:
"Quanto
mais
raio
esta
viola,
mais
aumenta
o
meu
pená!"152.
149
Blog
João
Naves
de
Melo.
Disponível
em:
<
http://joaonavesdemello.blogspot.com.br/2009/11/do-‐cerrado-‐
as-‐barrancas-‐do-‐rio-‐sao_14.html>.
150
Idem.
151
GONÇALVES,
José
Geraldo.
[03
de
agosto
de
2017].
152
Blog
João
Naves
de
Melo.
Disponível
em:
<
http://joaonavesdemello.blogspot.com.br/2009/11/do-‐cerrado-‐
as-‐barrancas-‐do-‐rio-‐sao_14.html>.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Minervino,
segundo
a
tradição
oral
da
região
de
São
Francisco,
teria
aprendido
o
ofício
com
seu
“Joaquim
Bicota”,
figura
que
ao
que
parece,
foi
uma
das
primeiras
a
trabalhar
na
fabricação
de
violas
na
localidade.
João
Naves
conta
que
desde
novo,
Minervino
havia
se
entregado
à
arte
de
talhar
madeira,
informando
que
“aos
18
anos
aprendeu
o
ofício
de
fazer
viola
e
rabeca
com
seu
Bicota,
morador
do
Chapéu
de
Pedra,
na
Santa
Justa.
Saía
de
casa
para
aprender
o
ofício
por
gostar”153.
Confirma
isso,
a
narrativa
de
um
dos
fazedores
de
viola
da
cidade,
chamado
Antônio
Raposo,
filho
do
também
construtor
João
Raposo.
Em
entrevista
concedida
ao
Iepha/MG
Raposo
informou
que
Seu
Minervino,
que
aprendeu
com
Joaquim
Bicota
e
Joaquim
Bicota,
aprendeu
com
seu
Juquinha
Bicota,
seu
pai.
Raposo
narra
ainda
que
O
fazedor
de
viola
mais
antigo
na
região
é
Juquinha
Bicota,
que
morreu
a
mais
de
50
anos.
Eu
tenho
viola
que
ele
fez.
É
essa
aqui.
Ta
bem
velhinha.
Ela
carrega
as
mesmas
características
da
viola
que
faz
Geraldinho,
embora
com
muitas
adaptações.
Eu
consegui
essa
viola,
chegando
numa
fazenda
e
vi
dois
meninos
brincando
de
matar
um
ao
outro
com
a
viola.
Eles
batiam
a
viola
na
cabeça
do
colega,
até
que
eu
pedi
a
viola,
toda
suja
e
maltratada
e
trouxe
comigo
há
dois
anos.
Eu
pretendo
que
ela
fique
desse
jeito
mesmo.
É
o
fazedor
mais
antigo
da
região.
Eu
não
sei
de
onde
veio
o
aprendizado,
as
técnicas,
uma
viola
que
dura
mais
de
50
anos.
Não
tem
nada
descolado
nela.
Está
perfeito.
Depois
de
Seu
Juquinha,
Seu
Joaquim
Bicota
vem
com
uma
viola
maior,
com
os
detalhes.
Depois
vem
Seu
Minervino,
que
aprendeu
com
ele.
Depois
veio
Geraldim
do
Angical,
que
é
o
fazedor
atual.
Agora
tem
outros.
Seu
Martim,
da
Taboquinha,
que
hoje
não
faz
mais
porque
ta
cego.
Tem
outro
na
divisa
de
São
Francisco
com
154
Brasília
de
Minas .
153
Blog
João
Naves
de
Melo.
Disponível
em:
<
http://joaonavesdemello.blogspot.com.br/2009/11/do-‐cerrado-‐
as-‐barrancas-‐do-‐rio-‐sao_14.html>.
154
RAPOSO,
Atônio
José.
Oficina
de
Artesanato.
[27
de
Julho
de
2012].
São
Francisco.
Projeto
de
Inventário
para
fins
de
salvaguarda
de
proteção
do
patrimônio
cultural
imaterial
do
Vale
do
São
Francisco.
Entrevista
concedida
a
Denílson
Meireles
Barbosa
e
Maria
Generosa
Ferreira
Souto.
Disponível
no
Acervo
documental
do
NUHICRE/Unimontes
–
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
30:
Tocador
de
viola
e
folião
do
município
de
São
Francisco
com
uma
viola
fabricada
por
Juquinha
Bicota.
Fonte:
Acervo
Iepha/MG
Hoje,
a
viola
da
Minervino
tem
reverberações,
visto
que,
como
mestre
que
era,
transmitiu
seus
conhecimentos,
deixou
um
legado
que
é
hoje
sustentado
por
seus
aprendizes,
tais
como
Geraldinho
do
Angical
ou
Geraldinho
da
Viola,
que
é
hoje
uma
referência
naquela
região.
Figura
31:
Geraldinho
da
viola
–
fabricante
de
violas
de
São
Francisco.
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Há
em
Minas
Gerais,
ainda
hoje,
em
diversas
localidades
muitos
construtores
e
luthiers
de
reconhecida
habilidade
entre
músicos
violeiros
que
se
apresentam
em
palcos
por
todo
país.
Dentre
estes,
destacam-‐se
Vergílio
Lima,
luthier
de
Sabará,
o
qual
detém
apurada
técnica
e
amplos
conhecimentos
da
construção
das
violas,
bem
como
da
restauração
de
violas
antigas,
entre
elas,
as
de
Queluz.
155
MARCHI,
Lia;
SAENGER,
Juliana
Corrêa;
CORRÊA,
Roberto
Nunes.
Tocadores:
homem,
terra,
música
e
cordas.
Curitiba:
OLARIA
projetos
de
arte
e
educação,
2002
apud.
CORRÊA,
Roberto.
Viola
Caipira...p.30
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
2.5. As violas nos séculos XX e XXI: outro capítulo da história
A
cena
de
um
violeiro
sentado
na
janela
dedilhando
as
cordas
de
sua
viola,
acompanhado
de
uma
senhora
que,
interrompendo
os
seus
afazeres
domésticos,
cantava
junto
ao
violeiro,
foi
eternizada
e
romantizada
nas
pinceladas
do
realismo
do
pintor
paulista
Almeida
Júnior156.
A
tela
intitulada
O
violeiro,
pintada
em
1899,
faz
parte
de
um
conjunto
de
obras
de
Almeida
Júnior
que
inauguraram
o
trabalho
com
a
temática
regionalista
do
Brasil.
A
pintura
é
representativa
de
uma
cultura
e
de
uma
musicalidade
que
no
século
que
se
segurira
passaria
a
ter
sua
vivência
gravada
e
reproduzida
em
discos
e
aparelhos
de
rádio.
No
novo
século,
novas
perspectivas
se
abriram
às
expressões
musicais
da
viola,
que
por
sua
vez,
seriam
modificadas,
sem
perder
a
essência
das
suas
identidades.
No
início
do
século
XX,
muitas
coisas
desse
universo
passaram
por
transformações.
De
acordo
com
Roberto
Corrêa,
nesse
período
começou
a
despontar
no
Brasil
a
produção
156
José
Ferraz
de
Almeida
Júnior
(1850-‐1899),
nascido
em
Itu/SP.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Conforme
Corrêa
pode-‐se
dizer
que
a
viola
produzida
até
as
primeiras
décadas
do
século
XX
sofreu
grandes
alterações
influenciadas
pelo
contexto
sociocultural
que
então
começava
a
se
desenvolver.
Segundo
o
autor,
“estas
modificações
foram
totalmente
assimiladas”
e
acabaram
por
suprir
as
demandas
de
um
novo
momento
que
se
constituía
para
a
musicalidade
produzida
com
a
viola,
tais
como
as
gravações
sonoras
e
a
radiodifusão.
O
momento
a
que
se
refere
o
autor
é
o
novo
contexto
político,
social,
cultural
e
econômico
pelo
qual
passava
o
Brasil.
Estudos
apontam
essa
época
da
história
foi
marcado
pelo
êxodo
do
trabalhador
rural
para
os
centros
urbanos
em
busca
de
trabalho,
melhores
condições
de
vida
e
remunerações.
Nas
cidades,
essa
sociedade
rural
encontrou
um
contexto
social
na
qual
imperava
uma
cultura
eurocêntrica
alimentada
por
uma
utopia
liberal,
que,
segundo
analisa
Nicolau
Sevcenko,
possuía
uma
euforia
em
reforçar
a
noção
de
um
“país
novo”
nos
trilhos
da
modernização159.
Naqueles
anos
foram
lançadas
canções
que
emplacavam
a
temática
do
homem
do
campo
e
a
falta
que
sentia
do
clima
da
sua
terra,
tal
como
a
composição
Luar
do
Sertão,
de
1914.
A
157
158
159
SEVCENKO,
N.
O
Cosmopolitismo
Pacifista
da
Belle
Epoque:
uma
Utopia
Liberal.
Revista
de
Historia,
Universidade
de
São
Paulo,
v.
14,
p.
85-‐94
São
Paulo,
1983.
p.87
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
música
ilustra
a
saudade
que
o
homem
do
campo
tinha
da
paisagem
e
vida
no
sertão,
deixando
entrevisto
que
apesar
de
agora
morador
da
cidade,
sua
identidade
estava
na
vida
no
campo.
Nesse
primeiro
momento,
o
tema
principal
das
canções
desse
universo
tratava
das
saudades
do
campo.
Todavia,
as
gerações
seguintes,
nascidas
nas
cidades
e
que
não
tiveram
contato
direto
com
a
vida
no
sertão,
apresentaram
outras
feições
para
suas
músicas,
recebendo
novas
influências,
mas
sem
perder
o
elemento
da
musicalidade
do
mundo
rural.
Percebe-‐se
que,
ao
longo
das
décadas
iniciais
do
século
XX
a
viola
foi
o
instrumento
que
contribuiu
para
o
processo
de
trazer
o
campo
para
a
cidade
num
período
em
que
a
urbanização
e
industrialização
reformulavam
os
modos
de
vida
da
população
rural.
Era
através
da
música
que
“vem
da
roça”,
da
musicalidade
“caipira”,
que
o
homem
do
campo
se
recriava
e
reafirmava
identidades
no
espaço
urbano.
Nas
palavras
Vilela:
“a
música
sertaneja
agiu
como
mantenedora
dos
valores
referenciais
deste
povo
no
momento
e
após
o
êxodo
rural”160.
Essa
conjuntura
foi
impulsionada
pela
radiodifusão,
ocorrida
ao
longo
das
décadas
de
1920
e
1930,
na
qual
a
viola
conquistou
a
cena
urbana
e
assentou
as
bases
da
produção
discográfica
que
se
seguiria
nas
décadas
seguintes161.
160
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.145
161
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.94-‐103
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
nesse
contexto
“a
viola
que
outrora
enchia
as
ruas
da
colônia
e
do
império
com
seu
som
mavioso,
retornava
à
cena
urbana
na
medida
em
que
a
radiodifusão
da
música
caipira
se
intensificava
já
nos
anos
de
1930
e
1940”162.
Foi
nessa
conjuntura
que
surgiu
a
figura
pública
de
Cornélio
Pires,
escritor
e
jornalista
paulista,
nascido
em
1884,
no
interior
de
São
Paulo
e
radicado
na
capital
do
estado.
Filho
de
trabalhadores
rurais,
Cornélio
foi
um
personagem
central
no
processo
que
deu
outro
entendimento
ao
chamado
“caipira”,
valorizando
as
denegridas
música
e
cultura
das
populações
rurais163.
Conforme
ressaltou
Lays
Matias
Mazoti
Corrêa,
a
produção
artística
de
Cornélio
Pires
foi
marcada
pelas
antinomias:
campo
e
cidade,
urbano
e
rural,
primitivo
e
civilizado,
o
que
lhe
permitiu
articular
diferentes
temporalidades,
realidades
e
identidades164.
Neste
sentido,
sendo
ele
um
agente
que
transitou
pelos
dois
universos,
possuía
competência
para
declamar,
na
cena
urbana,
versos
de
humor
que
pintavam
a
imagem
de
um
caipira
que
atraía
interesse
e
causavam
risos.
Nas
palavras
de
Marcelo
Dantas,
Cornélio
Pires
era
um
humorista,
um
clown,
um
anedotista,
explorador
do
pitoresco
caboclo,
conferencista
que
fazia
rir
plateias
inteiras.
Tornou-‐se
conhecido
como
contador
de
piadas
[...],
ficando
de
lado
o
folclorista
sem
diploma,
o
divulgador
de
uma
cultura
típica
e
rica
na
sua
aparente
simplicidade
e
pobreza
de
elementos165.
Destaca-‐se
que,
ao
longo
de
sua
vida
Cornélio
Pires
foi
um
grande
entusiasta
da
difusão
radiofônica
na
música
caipira,
aspecto
que
lhe
levou
a
empreender,
a
partir
de
1929,
a
gravação
da
música
da
cena
rural
em
discos,
revitalizando
a
percepção
e
apreciação
dos
sons
162
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.
97.
163
CORRÊA,
Roberto.
Viola
caipira:
das
práticas
populares
à
escritura
da
arte.
Tese
(doutorado
em
musicologia).
Escola
de
Comunicação
e
Artes,
Universidade
de
São
Paulo.
São
Paulo,
2014.
p.42-‐50
164
CORRÊA,
Lays
M.
Mazoti.
O
cosmopolitismo-‐caipira
de
Cornélio
Pires:
rebatidas
de
um
intelectual
genuinamente
paulista.
Tese
(doutorado
em
Ciências
Sociais).
Faculdade
de
Filosofia
e
Ciências,
Programa
de
Pós-‐Graduação
em
Ciências
Sociais.
Universidade
Estadual
Paulista
Julio
De
Mesquita
Filho.
Marília,
2017.
p.128
165
DANTAS,
Marcelo.
Cornélio
Pires,
o
pioneiro
do
folclore
paulista.
O
Estado
de
S.
Paulo.
Suplemento
Literário.
São
Paulo,
16/09/1973,
s/p.
Acervo
Digital
Estadão.
Apud.
CORRÊA,
Lays.
O
cosmopolitismo-‐caipira
de
Cornélio
Pires.
p.24
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
De
acordo
com
Vilela,
Cornélio
“firmou-‐se
como
um
contador
de
causos
que
lotava
teatros
e
cinemas
com
pessoas
que
pagavam
para
ouvi-‐lo
contar
sobre
um
caipira
que
nada
tinha
de
bobo;
ao
contrário.
Este
outro
olhar
sobre
o
caipira
foi,
aos
poucos,
se
popularizando”169.
Nessa
época
o
homem
do
campo
teve
sua
imagem
redefinida
pelos
enquadramentos
da
vida
urbana,
mas,
também
levou
novos
elementos
culturais
àquele
ambiente
que
até
então
lhe
era
alheio.
De
acordo
com
Jóyce
Leitão,
o
longo
processo
de
industrialização
e
mecanização
do
campo
brasileiro,
iniciado
na
década
de
1920,
afetou
a
vida
de
milhares
de
trabalhadores,
os
quais,
habituados
com
o
equilíbrio
das
relações
econômicas
que
pairava
sobre
as
relações
das
comunidades
rurais,
viram-‐se
obrigados
a
adaptarem-‐se
à
vida
nas
cidades.
166
Apud.
CORRÊA,
Roberto.
Viola
caipira...p.58
167
CORRÊA,
Roberto.
Viola
caipira...p.43
168
CORRÊA,
Roberto.
Viola
caipira...p.45
169
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...
170
LEITÃO,
Jóyce
Oliveira.
A
relação
entre
caipiras
e
o
processo
de
urbanização
na
música
sertaneja
entre
as
décadas
de
1920
e
1980.
Confins
(Paris),
v.
30,
p.
30-‐44,
2017.
p.39
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
ambiente
urbano,
pois,
mesmo
a
marginalizada
população
rural
era
capaz
de
apontar
as
incompatibilidades
e
os
aspectos
ridículos
e
contraditórios
da
vida
na
cidade171.
Conforme
se
verifica,
as
expressões
e
produções
musicais
desta
população
migrante,
feita
ao
longo
dos
anos
1920
e
1930,
estavam
marcadas
pela
carga
cultural
e
pelas
identidades
constituídas
a
partir
da
experiência
pretérita
da
vida
no
campo.
Nessa
conjuntura
começaram
a
se
formar
as
primeiras
duplas
caipira,
tais
como
Arlindo
Santana
e
Joaquim
Teixeira,
Alvarenga
e
Ranchinho,
Irmãos
Laureano,
Jararaca
e
Ratinho,
Mariano
e
Cobrinha,
Raul
Torres
e
Serrinha,
Torres
e
Florêncio
e
Tonico
e
Tinoco,
a
maioria
delas,
originárias
do
estado
de
São
Paulo.
Como
compositor
existiu,
entre
outros,
a
figura
de
João
Pacífico,
autor
de
grandes
sucessos
como
"Cabocla
Tereza",
"Chico
Mulato"
e
"Pingo
D’água".
Conforme
destaca
o
músico
Paulo
Freire,
nesse
período,
o
homem
da
roça,
que
chegou
para
trabalhar
nas
cidades,
acompanhou
a
difusão
da
musicalidade
caipira
que
tomou
conta
do
rádio.
De
acordo
com
o
autor
as
pequenas
fábricas
que
tinham
expediente
depois
das
seis
horas
da
tarde
deixavam
sempre
o
rádio
ligado
nos
programas
sertanejos.
Os
que
acordavam
cedo
tomavam
café
ao
som
da
viola.
Os
programas
se
multiplicavam,
com
apresentações
de
diferentes
duplas,
uns
com
mais
sucesso,
outros
com
carreira
relâmpago.
Era
uma
172
verdadeira
febre.
O
caipira
se
transformava
e
um
sucesso
nacional .
Vilela
acredita
que
“o
disco,
além
de
levar
o
cantar
caipira
a
diversas
paragens
levou
junto
uma
música,
uma
etnomúsica
que,
de
maneira
subjetiva,
contribuiu
na
preservação
dos
valores
caipiras,
principalmente
quando
espalhados
pelas
ondas
do
rádio”173.
171
MARTINS,
José
de
Souza.
Capitalismo
e
Tradicionalismo:
estudo
sobre
as
contradições
da
sociedade
agrária
no
Brasil.
São
Paulo:
Pioneira.
1975.
p.134
172
FREIRE,
Paulo.
A
música
que
vem
da
roça.
STARLING,
Heloisa
Maria
Murgel;
MARTINS,
Bruno
Viveiros.
(Orgs.)
Imaginação
da
terra:
memória
e
utopia
na
moderna
canção
popular
brasileira.
Belo
Horizonte:
Editora
UFMG,
2012.
p.203-‐224.
p.204
173
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.99
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Ainda
nesse
contexto
de
transição
entre
o
campo
e
a
cidade,
deve-‐se
ressaltar
como
bem
alertou
Vilela,
que
violeiros
de
distintas
épocas
e
momentos
históricos
conviveram
entre
si.
Por
exemplo,
Raul
Torres
influenciou
a
música
de
Alvarenga
e
Ranchinho,
que
foram
determinantes
para
o
surgimento
de
novas
duplas,
como
Tonico
e
Tinoco
e
Zé
Carreiro
e
Carreirinho174.
Ao
longo
das
décadas
de
1940
e
1950,
a
viola
e
sua
música
passaram
por
outras
transformações.
Durante
aqueles
anos,
novos
ritmos
e
formas
de
tocar
adentraram
no
universo
musical
caipira,
trazendo
consigo
outros
contextos,
tais
como
os
novos
suportes
para
difusão
como
o
rádio
e
a
televisão.
A
este
respeito,
Ivan
Vilela,
analisando
as
vozes
de
Vieira
e
Vieirinha
e
Tonico
e
Tinoco,
chama
atenção
para
as
composições
mais
coesas
musicalmente,
fruto,
segundo
ele
da
inserção
da
forma
de
cantar
em
vozes
timbradas,
aspecto
possível
pela
formação
em
duplas175.
Deve
ressaltar
como
ponto
de
partida
para
esta
transformação
rítmica
que
trouxe
novas
musicalidades
para
as
violas,
o
contexto
nacionalita.
De
acordo
com
Vilela,
Getúlio
Vargas,
copiando
um
modelo
estadunidense
de
conquista
do
país
rumo
a
uma
nacionalidade
plena,
empreendeu
uma
“marcha
para
o
oeste”
e
este
avanço
se
deu
pela
via
da
pecuária,
cuja
principal
mão
de
obra
era
proveniente
do
Paraguai
(vale
lembrar
que
o
Mato
Grosso
e
parte
do
Paraná,
nessa
época
pertenciam
ao
Paraguai).
Foi
nesse
contexto
que
estas
modalidades
musicais
entraram
na
música
popular
brasileira,
por
um
processo
de
lenta
permeabilidade
cultural
que
foi
acelerado
pela
indústria
fonográfica
e
pelo
rádio176.
Segundo
deixou
indicado
Taizi
Alaman,
diversos
músicos
e
compositores,
tais
como
Cornélio
Pires,
Capitão
Furtado,
Nhô
Pai,
Nhâ
Fia
e
Mário
Zan,
percorreram
o
interior
dos
estados
de
São
Paulo,
Goiás
e
Mato
Grosso,
até
as
fronteiras
com
a
Bolívia
e
Paraguai,
recebendo
174
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.104-‐105
175
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.105
176
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.108.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
influência
das
bases
rítimicas
das
fronteiras
latinas177,
aspecto
sonoro
que
foi
muito
bem
incorporado
à
música
caipira178.
Nos
anos
subsequentes
popularizaram-‐se
as
chamadas
toadas,
as
quais
são
distinguidas
por
andamentos
rítmicos
que
variam
numa
cadência
de
lento
a
médio179.
A
toada,
de
origem
portuguesa,
é
um
dos
pilares
da
canção
brasileira
desde
sua
gênese
tendo
rapidamente
se
espalhado
por
todo
o
Brasil,
de
Norte
a
Sul.
Suas
características
rítmico-‐melódicas
foi
que
deram
suporte,
sobretudo
às
narrativas
de
romances.
Segundo
Vilela,
podemos
entender
o
romance
como
uma
das
principais
bases
da
música
popular
brasileira,
que
em
sua
forma
musical
mais
antiga,
apresenta,
por
exemplo,
a
moda
de
viola,
na
região
Sudeste.
É
interessante
notar,
que
embora
esse
contexto,
de
forma
mais
ampla,
estivesse
sendo
produzido
em
São
Paulo,
em
Minas
Gerais
ele
estava
sendo
completamente
absorvido,
especialmente
na
porção
sul
do
estado.
HORA
DO
FAZENDEIRO
Além
disso,
é
possível
verificar
matérias
que
mostram
o
quanto
esse
tipo
de
música
estava
sendo
tocada
em
Minas.
Na
Coluna
do
Radio,
do
jornal
O
Repórter,
de
Uberlândia,
foi
177
ALAMAN,
Taizi
Caroline
e
Silva.
O
poema
narrativo
na
canção
caipira...p.60
178
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.105
179
PINTO,
João
Paulo
do
Amaral.
A
viola
caipira
de
Tião
Carreiro.
373p.
Dissertação
(Mestrado
em
Música).
São
Paulo:
Universidade
Estadual
de
Campinas,
2008.
p.66-‐75
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
publicada
em
fevereiro
de
1955,
um
crítica
musical
intitulada
Gente
e
coisas
do
Rádio.
Em
sua
análise
o
colunista
desaprova
as
rádios
da
cidade
de
Uberlândia,
que
segundo
o
autor,
ao
contrário
de
tocar
as
alegres
músicas
carnavalescas,
como,
costumeiramente,
as
outras
rádios
faziam
naquele
mês,
estavam
“entristecendo
o
ar”
com
outras
músicas,
entre
as
quais
estava
a
moda
de
viola.
Conclui
a
coluna
informando
que
a
rádio
“fez
um
“papelão”
tocando
horríveis
modas
de
viola,
ou
então
sentimentais
e
dolentes
valsas
vienenses,
quando
o
ambiente
deveria
ser
de
esfuziante
alegria”180.
A
fonte
na
qual
mais
se
encontrou
ocorrências
sobre
esse
contexto
foi
a
Revista
Alterosa.
Nela
muitas
propagandas
também
foram
publicadas
anunciando
discos
de
produtoras
como
a
Continental,
que
em
1953
lançava
os
discos
das
duplas
Tonico
e
Tinoco,
Zé
Carreiro
e
Carreirinho
e
Vieira
e
Vieirinha.
Percebe-‐se
que
foi
neste
contexto
histórico
e
musical
que
surgiu
o
ícone
Tião
Carreiro,
considerado
por
muitos,
um
dos
tocadores
de
viola
mais
virtuosos
da
história.
De
nome
José
Dias
Nunes,
Tião
Carreiro
era
mineiro,
nascido
em
1934,
na
cidade
de
Monte
Azul,
região
norte
de
Minas
Gerais.
Aos
dez
anos
de
idade
foi
com
a
família
para
o
interior
de
São
Paulo,
onde,
algum
tempo
depois,
passou
a
se
dedicar
à
música,
formando
posteriormente
a
famosa
dupla
Tião
Carreiro
e
Pardinha.
180
O
Repórter,
Uberlândia,
pag.
3,
quarta-‐feira
23
de
fevereiro
de
1955.
Dísponivel
em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/138835/141>.
181
FREIRE,
Paulo.
A
música
que
vem
da
roça...p.208
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Ao
violeiro
Tião
Carreiro
é
atribuída
à
criação
do
ritmo
Pagode,
e
Ivan
Vilela
acredita
que
isso
se
deu
a
partir
da
herança
musical
constituída
por
Tião
Carreiro
em
sua
infância
no
norte
de
Minas
que
“trouxe
à
música
caipira
elementos
que
fazem
alusão
a
uma
sonoridade
incomum
neste
meio”,
resultante
também
da
escala
mixolídio,
que
faz
“uma
suave
alusão
à
música
nordestina”
182.
O
pagode
de
viola,
hoje
um
dos
ritmos
mais
tocados
com
a
viola183
constitui-‐se
de
uma
combinação
“rítmica
sincopada
de
viola
e
violão,
com
ponteados
inventivos
na
introdução
e
tendo
na
poesia,
como
temática
principal,
feitos
fantasiosos,
glórias
de
um
violeiro
soberano”184.
Conforme
ressaltou
Roberto
Corrêa,
uma
das
peculiaridades
do
pagode
se
situa
na
junção
daquele
ritmo
acompanhado
por
batidas
do
violão,
aspecto
introduzido
pelas
formações
em
duplas
que
se
popularizaram
em
meados
do
século
XX.
Nas
palavras
do
pesquisador:
“Se
a
batida
da
viola,
por
si
só,
já
apresenta
uma
novidade
rítmica,
uma
182
Nas
músicas
do
gênero
caipira
é
mais
comum
a
escala
jônio.
Para
saber
mais
ver:
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.108-‐109
183
No
Mapeamento
realizado
pela
equipe
do
IEPHA
durante
o
processo
de
realização
deste
Dossiê,
o
pagode
de
viola
é
o
ritmo
mais
citado
pelos
violeiros
que
se
cadastraram
no
site
deste
Instituto.
184
CORRÊA,
Roberto.
Viola
Caipira...
p.114
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
síncope,
a
batida
do
violão
soma-‐se
à
da
viola,
não
para
reforçá-‐la,
mas
sim
para
acrescentar
novos
elementos
rítmicos
potencializando
a
complexidade
da
levada”185.
Além
do
Pagode,
outros
ritmos
que
se
consagraram
no
Brasil,
e
em
Minas
Gerais.
Segundo
alguns
músicos
entrevistados
por
Roberto
Corrêa,
o
violão
em
parceria
com
a
viola
teria
introduzido
alguns
ritmos
latinos
e
caribenhos,
como
a
Rumba,
e
suas
batidas
que
se
entrelaçaram
aos
sons
da
viola186.
A
este
respeito,
há
uma
peculiaridade
na
geopolítica
internacional
no
pós-‐segunda
Guerra
Mundial,
no
qual,
grandes
potências
de
um
mundo
bipolarizado
ampliavam
sua
área
de
influência
no
globo
terrestre.
Naqueles
anos,
os
Estados
Unidos,
numa
política
de
“boa
vizinhança”
enviaram
ao
Brasil
uma
enorme
quantidade
de
discos
e
produções
musicais
caribenhas,
introduzindo
no
país
ritmos
como
Calipso,
Bolero,
Mambo,
além
do
já
citado
Rumba187.
Com
a
chegada
destes
discos,
muitos
músicos
receberam
grande
visibilidade
no
cenário
musical
brasileiro,
dentre
estes
o
cantor
mexicano
Miguel
Aceves
Mejia,
o
que
fez
com
que
por
aqui,
“alguns
cantores,
por
influência
dos
mexicanos,
começaram
a
cantar
com
vibrato”188.
A
partir
dos
anos
1960,
tendências
culturais
começaram
a
ser
germinadas
no
Brasil,
dando-‐
se
início
ao
que
Roberto
Corrêa
chamou
de
avivamento
da
viola.
Nesse
período,
a
viola
ainda
estava
fortemente
arraigada
em
duplas
como
Tonico
e
Tinôco,
Zé
Carreiro
e
Carreirinho
e
Tião
Carreiro
e
Pardinho,
que
por
sua
vez,
alcançaram
auge
de
público
e
vendas
de
discos.
185
CORRÊA,
Roberto.
Viola
Caipira...
p.117
186
CORRÊA,
Roberto.
Viola
Caipira...
p.116
187
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.111-‐112
188
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.112
189
CORRÊA,
Roberto.
Viola
caipira...p.122-‐124
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Este
contexto
da
década
de
1960
foi
a
antessala
das
décadas
que
se
seguiriam,
nas
quais,
segundo
Corrêa
houve
o
verdadeiro
avivamento
da
viola.
Se
na
década
de
1960
difundiram-‐
se
os
discos
instrumentais
de
Julião
e
do
grupo
Quarteto
Novo,
formado
pelos
músicos
Théo
Barros,
Heraldo
do
Monte,
Hermeto
Pascoal
e
Airto
Moreira,
ao
longo
dos
anos
de
1970,
surgiu
na
cena
pública
o
músico,
violeiro
e
concertista
Renato
Andrade.
Renato
também
era
um
músico
mineiro.
Nasceu
em
1932
no
município
de
Abaeté,
onde
também
faleceu
no
ano
de
2005.
A
ele
é
atribuída
a
formalização
da
viola
como
um
instrumento
de
múltiplas
linguagens
musicais.
Roberto
Corrêa
afirma
que
a
partir
do
surgimento
de
Renato
Andrade
a
viola
continuou
“sendo
o
principal
instrumento
das
duplas
caipiras”,
mas
apresentou
a
todos
o
potencial
do
instrumento
na
prática
solista190.
Ao
longo
das
décadas
de
1970
e
1980,
Renato
lançou
diversos
discos,
tais
como
A
Fantástica
viola
de
Renato
Andrade,
em
1977,
Viola
de
Queluz,
em
1979,
O
Violeiro
e
o
Grande
Sertão,
em
1984
e
A
magia
da
viola,
em
1987191.
190
CORRÊA,
Roberto.
Viola
caipira...p.132
191
Até
2004
Renato
gravou
ainda
outros
seis
discos.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura 35: Capa do disco A Fantástica Viola de Renato Andrade
Nesse
contexto,
a
viola
e
sua
musicalidade
ocuparam
cada
vez
mais
espaço
em
programas
produzidos
para
a
televisão,
entre
os
quais
se
destaca
o
de
Inezita
Barroso
(1925
-‐2015),
paulista
que
congregava
em
si
uma
série
de
funções:
instrumentista,
folclorista,
atriz,
bibliotecária
e
professora.
Além
disso,
Inezita
tinha
também
a
feição
de
apresentadora
de
programa
televisivo.
Ao
longo
de
mais
de
trinta
anos
Inezita
manteve
o
programa
Viola,
Minha
Viola,
a
mais
longeva
atração
no
meio
televisivo
dedicado
à
música
caipira/sertaneja192.
Neste
contexto,
outro
compositor
e
músico
que
forneceu
imensa
contribuição
à
viola
foi
Tavinho
Moura,
o
qual,
desde
a
década
de
1970,
em
parcerias
com
Milton
Nascimento
e
com
o
Clube
da
Esquina,
trouxe
poesia,
beleza
e
diversas
possibilidades
musicais
aos
sons
da
emitidos
pelo
instrumento194.
Nos
anos
1990
se
destacam
as
produções
de
violeiros
mineiros,
tais
como
Terra
Boa
(1994)
de
Pereira
da
Viola,
No
Braço
Dessa
Viola
(1997),
de
Chico
Lobo,
Pequenas
Histórias
(1997)
de
Wilson
Dias.
192
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.117
193
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.119
194
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...p.53
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Atualmente,
em
Minas
Gerais,
existem
inúmeros
violeiros
e
violeiras,
que
dão
à
viola
uma
diversidade
que
“não
tem
fim”.
Vê-‐se
que
nos
dias
atuais,
existe
um
cenário
múltiplo
da
música
de
viola,
o
qual,
por
sua
diversidade
e
forte
enraizamento
histórico
cultural,
vem
despertando
o
interesse
de
jovens
músicos
e
de
estudiosos,
além
de
um
crescente
público
que
demonstra
entusiasmo
com
a
música
de
outros
tempos.
Esse
aspecto
demonstra
estarmos
diante
de
um
universo
de
saberes,
linguagens
e
expressões
musicais
frutos
de
um
processo
histórico
ao
mesmo
tempo
tradicional
e
dinâmico.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
As
sonoridades
da
viola
de
dez
cordas
com
cinco
ordens
de
cordas
duplas
vêm
compondo
as
paisagens
sonoras
de
Minas
Gerais
ao
longo
da
história,
perfazendo
a
tradição
e
o
cotidiano
de
muitos
indivíduos
e
grupos
sociais
estabelecidos
neste
território.
É
bem
provável
que
grande
parte
dos
mineiros
já
tenha
ouvido
o
som
deste
instrumento
ao
menos
uma
vez
na
vida,
talvez
sem
nem
mesmo
ter
se
dado
conta,
já
que
ele
ocupa
os
mais
diversos
espaços
sociais
e
está
presente
em
distintas
ocasiões,
especialmente
naquelas
marcadas
pela
perspectiva
do
estar
junto.
Nesse
sentido,
Desde
esse
ponto
de
vista,
são
vários
os
lugares
ocupados
pelas
violas
em
Minas,
“das
festas
de
bairro,
na
roça,
passando
pelos
bares
de
periferia
dos
centros
urbanos,
aos
shows
em
praças,
mercados,
estações
de
rádio,
centros
culturais
e
salas
de
concerto”196.
Assim,
os
lugares
de
encontro
possibilitados
pela
presença
da
viola
e
suas
musicalidades
são,
acima
de
tudo,
espaços
onde
os
sujeitos
se
realizam197,
se
identificam
e
materializam
suas
memórias.
Estando
em
lugares
físicos
ou
simbólicos,
trata-‐se
de
compreender,
sobretudo,
que
o
lugar
da
viola
são
os
espaços
de
sociabilidade,
muito
especialmente
por
ter
se
consolidado
no
mundo
rural
que
é
aquele
que
demostra
um
sentido
máximo
de
comunidade.
Desse
modo,
195
FERNANDES
et
al.
Música,
sociabilidade
e
memória.
Sociedade
e
Cultura,
v.
11,
n.
2,
jul/dez,
2008,
p.
155.
196
SILVA,
André
Luiz
da;
LOPES
José
Rogério.
Os
lugares
da
viola
no
Vale
do
Paraíba
(SP).
Sociedade
e
Cultura,
v.11,
n.2,
p.
183-‐190,
jul./dez.
2008,
p.
185.
197
SILVA
e
LOPES.
Os
lugares
da
viola...
p.
185.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
mesmo
se
estabelecendo
no
mundo
urbano,
especialmente
devido
aos
fluxos
migratórios
do
campo
para
a
cidade,
estre
traço
primordial
deixou
como
rastro
na
memória
dos
indivíduos
e
grupos,
“um
desejo
particular
de
encontrar
o
outro,
embalado
pelas
histórias
dos
lugares
e
dos
acontecimentos
que
partilham,
ou
partilharam,
contados
como
música”198.
O
Mapeamento
forneceu,
a
este
respeito,
um
importante
panorama
sobre
quais
as
ocasiões
em
que
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
disseram
tocar
suas
violas,
revelando
os
múltiplos
espaços
sociabilidade
em
que
o
instrumento
está
inserido,
tanto
entre
aqueles
tradicionais,
como
aqueles
das
novas
práticas
musicais,
revelando
sua
capacidade
de
se
apropriar
e
de
ser
apropriado
nos
diferentes
contextos
sociais.
Deslocando
do
espaço
público
para
o
privado,
as
citações
revelaram,
ainda,
que
a
presença
do
instrumento
é
muito
marcante,
por
exemplo,
em
espaços
de
sociabilidade
do
universo
doméstico
que
teve
uma
porcentagem
de
9,91%
do
total
de
respostas
e
que
pode
ser
pensado,
de
um
lado,
a
partir
do
encontro
entre
a
família
e
os
amigos
como
ocasiões
privilegiadas
para
se
tocar
viola.
O
violeiro
Maurício
Gonzaga,
quando
se
recorda
da
infância
em
um
distrito
de
Uberaba,
conta
das
reuniões
feitas
após
o
dia
de
trabalho
da
família
na
roça:
Eu
fui
nascido
aqui
em
Uberaba
(...)
num
arraial
que
chama
Casa
Azul
né,
e
a
Casa
Azul,
meu
pais
era
arrendatário
na
época
né,
meu
pai,
minha
mãe
mexiam
com
lavoura,
e
eu
sou
o
nono
filho,
nós
somos,
era
dez
filhos,
hoje
só
resta
quatro.
Na
época
meu
pai
tocava
lavoura,
com
bastante
peões
lá
na
roça
eu
fui
criado
entre
os
198
SILVA
e
LOPES,
Os
lugares
da
viola...
p.
184.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
meus
irmãos,
quatro
irmão
homem,
todos
eles
tocava
no
final
de
tarde,
na
hora
do
199
descanso,
chegava
da
lavoura,
pegava
violão
[e
viola](...) .
Por
outro
lado,
a
ocasião
de
tocar
sozinho
também
surgiu
nesse
âmbito
doméstico,
mesmo
se
tratando
de
sociabilidades.
O
violeiro
Rodrigo
Delage
disse,
a
este
respeito,
que
o
tocador
denominado
por
ele
de
solteiro,
se
liga
muito
particularmente
àquele
que
tem
uma
relação
muito
específica
com
o
meio
em
que
vive,
ponteando
sua
viola
e
elaborando
suas
sonoridades:
A
viola
dos
toques
de
viola,
da
relação
do
violeiro
com
a
natureza
(...)
você
sabe,
o
toque
da
inhuma,
o
toque
do
rio
abaixo,
o
toque
da
onça
(...)
a
relação
do
violeiro
200
com
a
natureza
que
o
circunda
e
com
a
cultura
que
ele
está
inserido .
Para
além
dessa
relação
de
fruição
com
a
natureza,
o
violeiro
solitário
tem
em
sua
viola
uma
companheira
em
que
pode
extravasar,
através
dos
toques,
suas
tristezas
e
compartilhar
as
alegrias,
assim
como
deixa
claro
o
senhor
Odorino
a
respeito
de
sua
relação
com
o
instrumento:
A
viola
na
minha
vida,
abaixo
de
deus
e
a
minha
família,
ela
é
tudo
porque
a
viola
é
o
seguinte,
ela
não
me
faz
raiva,
ela
só
me
dá
alegria.
As
vezes
eu
estou
meio
triste
vou
lá
pego
a
viola
bato
ela
um
pouquinho
tal
e
sai
tranquilo.
Não
tenho
assim,
raiva,
magoa
com
ninguém,
a
viola
me
ajuda.
Então,
eu
nasci,
bem
dizer
com
10
anos
(...)
eu
peguei
a
viola,
eu
nasci
aprendendo
a
tocar
viola
e
hoje
eu
tenho
que
agradecer
e
respeitar
os
violeiros
né.
Então
abaixo
de
Deus
ela
é
tudo,
porque
eu
201
saio
na
folia,
saio
pra
tudo
quanto
é
lado
e
a
viola
está
junto
comigo .
O
rádio
foi
outra
das
respostas
que
apareceu
como
uma
ocasião
onde
se
toca
viola,
tornando-‐se
também
um
lugar
de
sociabilidade.
A
esse
respeito
Silva
e
Lopes
pontuam
que,
199
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
200
DELAGE,
Rodrigo.
[17de
março
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raíza
Carolina
Rocha
Silva,
Françoise
Jean
de
Oliveira
e
Luis
Mundim.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
201
SIQUEIRA,
Odorino
Avelar.
[10
de
julho
de
2017].
Betim.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Sabe-‐se
que
o
rádio
teve
um
papel
notável
na
difusão
das
sonoridades
da
viola,
especialmente
daquelas
ligadas
à
chamada
música
caipira.
Não
é
raro
ouvir
de
muitos
violeiros,
especialmente
daqueles
mais
velhos,
que
a
hora
do
rádio
era
o
momento
na
qual
toda
a
família
se
reunia
para
escutar
as
músicas
tocadas
na
viola,
tal
como
Maurício
Gonzaga
continua
a
contar
em
seu
relato:
Naquela
época
não
tinha
televisão,
só
existia
o
rádio,
radinho
de
pilha.
Era
transmitido
que
a
gente
ouvia
muito
na
rádio,
Rádio
Record,
Zé
Béttio,
Edgar
de
Souza,
tem
até
uma
música
minha
que
fala
(...).
Aí
eu
ouvia
Tonico
e
Tinoco,
Tião
Carreiro
e
Pardinho,
Zilo
e
Zalo
na
época.
E
era
tão
bom
que
a
gente
aprendia
uma
música
em
duas
vezes
que
ouvia
a
música
porque
não
tinha
jeito,
tinha
que
ouvir
a
música
e
tirar
a
cópia.
A
gente
ficava
tão
ligado,
que
tocava
a
música
duas
vezes
e
203
nós
já
saía
tocando
a
música
Nos
centros
urbanos,
os
programas
de
rádio
que
tocam
músicas
de
viola
geralmente
acompanham
o
horário
de
saída
ou
de
chegada
para
o
trabalho
d,
ainda
obedecendo
a
lógica
da
vida
no
campo,
sobretudo
para
muitos
indivíduos
que
são
migrantes
do
interior.
Ademais,
o
rádio
ainda
são
um
meio
de
reconhecimento
para
os
violeiros
que
desejam
mostrar
seu
trabalho,
apesar
do
surgimento
de
outras
plataformas
de
comunicação,
tais
como
a
internet.
As
orquestras,
os
festivais
e
encontros
de
música
e
as
escolas
tiveram
o
mesmo
número
de
citações
do
rádio
perfazendo,
cada
uma,
0,45%
do
total
de
respostas.
Com
relação
particular
aos
festivais,
o
senhor
Cândido
conta
sobre
a
participação
em
um
determinado
festival
que
coloca
em
evidência
uma
importante
dimensão
do
ofício
dos
violeiros:
Eu
tenho
uma
letra
muito
interessante
também
que
inclusive
um
lugar
aqui,
o
jurado
é
tão
cabuloso
como
eu
estava
falando
pra
vocês,
o
festival
que
nós
202
SILVA
e
LOPES,
Os
lugares
da
viola...
p.
185.
203
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
participamos
aí,
vocês
vai
lembrar
da
história
daquela
boate
lá
de
Santa
Maria
no
rio
grande
do
sul,
eu
fiz
uma
letra
daquela,
daquela,
daquele
fato
ali
que
eu
vou
falar
com
vocês,
uma
letra
muito
bem
feita,
tanto
a
letra
bem
feita,
como
o
arranjo,
como
a
melodia,
e
a
primeira
que
eu
fui
participar
do
festival,
o
dia
da
abertura
do
festival,
vocês
acredita
que
essa
letra
não
foi
classificada,
a
razão
que
falo
que
o
negócio
aqui
tá
ficando,
muitas
vez
as
pessoa
deixa
o
lugar
se
rebaixa
mais
ainda,
porque
ele
não
dão
valor,
pega
a
pessoa
que
não
entende
o
espírito
da
coisa
entendeu,
pra
se
jurado,
aí
o
jurado
faz
e
em
vez
de
que
faz
crescer
o
lugar,
eles
faz
204
é
jogar
por
terra .
Esse
relato
deixa
entrever
a
dimensão
da
competição
presente
nos
encontros
de
música,
e
revela
a
passagem
de
lugar
empreendida,
pelos
violeiros,
dos
encontros
descontraídos,
tais
como
nos
bares
e
rodas,
por
exemplo,
para
esses
que
são
marcados
pela
da
exibição:
Essas
oposições
são
sempre
presentes
na
sina
dos
violeiros
populares
que
buscam
aproximar-‐se
do
reconhecimento:
ao
exibir
o
seu
talento,
competir
com
o
talento
do
outro.
Daí
que
os
festivais
são
lugares
constantes
na
experiência
dos
violeiros,
em
que
a
‘magia’
de
um
ou
de
outro
pode
ser
explorada,
decodificada;
o
toque
do
205
outro
na
viola
pode
ser
analisado
e
apropriado,
posteriormente .
Os
bares
e
os
botecos
são
precisamente
esses
outros
lugares
de
sociabilidade
onde
o
ambiente
é
marcadamente
informal.
Nesses
espaços,
os
encontros
são
mais
descontraídos,
onde
o
instrumento
se
mistura
à
diversão,
à
comida
e
à
bebida:
Nesse
contexto
a
viola
tem
outros
sabores.
Ela
confunde-‐se
com
os
cheiros
de
fritura
de
torresmos
e
pásteis,
dos
‘paieiros’
(cigarros
de
palha)
e
dos
fumos
de
rolo,
do
café
tropeiro,
nas
mãos
daqueles
que,
entre
um
acorde
e
outro,
sorvem
206
um
gole
de
(...)
cachaça
de
alambique .
Por
fim,
este
é
o
lugar
em
que
o
violeiro
tem
licença
para
errar,
vindo
a
ser
uma
espécie
de
grande
ensaio
para
os
momentos
mais
importantes,
tais
como
dos
festivais.
204
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raíza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
205
SILVA
e
LOPES,
Os
lugares
da
viola...
p.
187.
206
SILVA
e
LOPES,
Os
lugares
da
viola...
p.
185.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Os
seguintes
lugares
também
foram
citados
como
ocasiões
onde
a
viola
está
presente:
trabalhos
voluntários
(0,22%),
teatros
(0,15%),
recitais
de
viola,
rodeios,
serestas,
pagodes,
televisão,
forrós,
exposições
agropecuárias,
encontro
de
carro
de
boi,
horas
vagas,
recreação,
hobby
e
feiras
(0,07%).
Entretanto,
nenhum
outro
lugar
instaura
um
espaço
de
sociabilidade
tão
sensível
quanto
a
roda
de
viola,
que
despontou
como
a
ocasião
mais
citada
em
que
violeiros,
violeiras
ou
tocadores
disseram
tocar
o
instrumento.
Ambiente
próprio
do
violeiro
e
fortemente
associada
a
outros
acontecimentos
de
caráter
festivo,
a
roda
é
também
um
espaço
de
trocas
e
de
aprendizagem
que
correspondeu
a
66,89%
do
total
de
respostas.
207
PEÇANHA,
João
Carlos
de
Souza.
O
choro,
o
samba
de
roda
e
a
matriz
africana.
In:
Anais
do
II
Simpósio
Brasileiro
de
Estudantes
de
Pós-‐Graduandos
em
Música,
p.758-‐765.
Rio
de
Janeiro,
2012,
p.
759.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
momentos
excepcionais
de
encontro
entre
as
pessoas,
tal
como
as
lembranças
de
Maurício
Gonzaga,
morador
de
Uberaba,
trazem
à
tona:
E
finais
de
semana
tinha
as
festinha
na
região
lá,
cada
dos
amigos,
na
Casa
Azul
tem
uma
capelina
até
hoje,
campo
de
futebol,
todos
os
domingos
tem
missa,
tinha
missa,
hoje
não
existe
mais
porque
virou
canavial,
era
muita
gente,
tinha
aquelas
missa
e
fazia
rodinha
de
viola,
a
gente
sempre
tocando
lá,
meu
pai,
minha
mãe,
final
de
semana
a
casa
com
dez
filho,
chegava
os
amigo
era
mais
ou
menos
umas
vinte
pessoa,
jogando
truc,
tocando
viola,
dançando
catira,
meu
pai
era
catireiro,
208
dançou
muito
com
Romeu
Borges .
Nesse
sentido,
a
roda
de
viola
é
um
fazer
musical
que
se
configura
como
um
espaço
de
sociabilidade,
aparentemente
livre
de
imposições,
onde
o
tocar
e
o
cantar
estão
unicamente
a
serviço
do
divertimento.
Nela,
o
aspecto
da
comensalidade
é
também
muito
presente,
sendo
comum
o
consumo
de
bebidas
e
de
comidas,
os
chamados
“tira-‐gostos”,
demarcando
esse
lugar
do
comunal
que
a
formação
em
círculo
solicita.
A
narrativa
do
senhor
Cândido
evidencia
esse
aspecto:
[Toca
também
na]
Roda
de
viola.
Agora
é
que
a
gente
tá
desleixado,
mais
a
gente
fazia
muita
roda
de
viola
aqui,
era
difícil
um
final
de
semana
que
a
gente
não
fazia
roda
de
viola.
Ajuntava
assim
uma
seis,
oito
dupla,
comprava
umas
muxiba
e
assava
e
cachaça
e
o
couro
comia,
hoje
nem
muxiba
a
gente
tá
dando
conta
de
209
comprar
mais
porque
o
preço
tá
demais
(risos) .
208
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
209
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Ouvia
pai
tocando
e
esse
senhor
tocando,
os
dois.
Que
essa
época
não
tinha
rádio,
não
tinha
televisão,
não
tinha
nada.
O
que
(...),
um
sentava
fazia
um
toque,
parava,
o
outro
fazia
outro,
era
só
(...)
um
com
o
outro
tocando.
Fazia
aquela
roda
às
vezes
à
noite,
juntava
aquele
tanto
de
gente
ficava
escutando
os
dois
tocar
né.
Ele
tocava
ali
eu
sempre
no
meio
junto
com
eles.
E
ele
me
pôs,
‘vc
é
dos
que
vai
seguir
nossa
caminhada’,
então,
não
igual
eles,
mas
eu
sigo
o
congado,
a
folia
de
santos
reis,
a
210
viola
caipira
(...) .
Neste
ambiente,
a
criatividade
do
violeiro
decorre
do
desafio
imposto
entre
os
pares,
que
age
como
um
mecanismo
lúdico
no
qual
o
fazer
musical
mantém
sua
perspectiva
de
encantamento,
de
diversão
e
de
arte.
Nesse
sentido,
além
de
ser
um
espaço
para
o
aprendizado,
as
rodas
também
se
configuram
como
locais
privilegiados
para
as
trocas
de
experiências
musicais
entre
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
que
delas
participam.
Desse
modo,
é
na
roda
que
uma
nova
música
é
aprendida,
assim
como
um
toque
ou
ritmo,
sendo
que
a
performance
fica
sob
constante
análise
dos
pares.
Assim,
a
roda
de
viola
se
impõe
como
um
dos
espaços
primordiais
para
a
questão
da
transmissão
de
conhecimento
sobre
o
instrumento,
que
é
feita
sobremaneira
pela
via
da
observação.
Neste
aspecto,
a
presença
corporal
é
de
extrema
importância
para
a
questão
do
aprendizado
por
suscitar
práticas
competitivas
tão
comuns
no
contexto
das
rodas
que,
de
210
SIQUEIRA,
Odorino.
[10
de
julho
de
2017].
Betim.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Felipe
Chimicatti.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Em
uma
tradição
baseada,
sobretudo,
na
observação
e
na
oralidade,
como
ainda
é
o
caso
do
universo
da
viola,
os
encontros
físicos
são
de
extrema
importância
para
fortalecer
a
condição
de
transmissão
de
conhecimento.
Ademais,
é
necessário
pontuar
que
os
momentos
de
encontro
entre
violeiros
é
um
terreno
fértil
para
as
narrativas
orais,
especialmente
através
da
contação
de
histórias
envolvendo
o
instrumento.
As
lendas
e
os
“causos
“
são
socialmente
compartilhados
entre
os
indivíduos
e
os
grupos
sociais,
sendo
matéria
de
extensos
debates
entre
os
conhecedores
e
a
audiência.
Um
dos
tópicos
mais
importantes
dessas
narrativas
gira
em
torno
dos
feitos
para
se
tornar
um
bom
violeiro.
Nesse
sentido,
uma
das
lendas
mais
conhecidas
versa
sobre
os
pactos
realizados
com
diabo,
e
que
será
abordado
adiante,
quando
a
afinação
Rio
Abaixo
for
analisada.
Entre
as
narrativas
mais
populares,
há
aquelas
das
simpatias
e
de
outros
métodos
não
convencionais
utilizados
pelos
violeiros
com
o
intuito
de
melhorarem
a
habilidade,
o
que
lhes
rendem
boa
ou
má
fama
em
suas
comunidades,
a
depender
do
resultado213.
O
senhor
Domingos,
por
exemplo,
contou
dessas
histórias
que
rendeu
uma
fama
não
muito
boa
a
um
211
MIRANDA,
Fábio
de
Souza.
Roda
de
viola:
jogos
musicais
no
ensino
coletivo
da
viola
caipira.
205p.
Dissertação
(Mestrado
em
Música).
São
Paulo:
Universidade
de
São
Paulo,
2016,
p.
46.
212
MIRANDA,
Roda
de
viola:
jogos
musicais
...
p.
46.
213
PEREIRA,
2008,
p.
4.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
rapaz
que
foi
visitar
o
túmulo
de
seu
avô,
a
fim
de
adquirir
as
mesmas
habilidades
que
o
finado
que,
no
caso,
tocava
rabeca:
Ali
mesmo
tem
um
menino
ali
que
foi
lá,
levantou
12
hora
numa
sexta-‐feira,
foi
lá
no
cemitério,
era
pra
aprender
tocar
rebeca.
Apanhou
a
rebequinha,
pôs
na
cacunda
e
a
mãe
dele
viu
o
homem
saindo
de
madrugada,
‘onde
é
que
o
menino,
onde
é
que
Téo
foi’
que
eles
chamam
ele
de
Téo,
‘onde
que
Téo
foi?’.
Aí
diz
ela
que
quietou.
Daí
a
pouco
diz
que
chegou
estralando,
correndo
com
medo,
chegou
bate
naquela
porta
e
“tchá”
na
cama,
e
ele
quietou.
Aí
amanheceu
o
dia
ela
foi
perguntar
‘que
foi
que
você
viu
de
noite?’,
aí
‘eu
fui
lá
na
cemitério
pra
mim
aprender
a
tocar,
aí
chega
lá
esqueci
o
nome
de
vovô’,
que
era
o
avô
dele
que
era
tocador
né,
ele
tinha
que
chamar
o
avô
dele
pra
ensinar
ele.
Aí
ele
disse
que
esqueceu,
esqueceu
o
nome
do
avô
e
o
medo
apertou
que
ele
veio
embora
correndo,
que
essa
rebequinha
chegava
a
cantar
nessa
estrada.
Já
o
senhor
Odorino,
contou
a
respeito
de
um
bicho
de
nome
gorgolo,
que
é
passado
nas
mãos
para
que
esta
fique
boa
para
afinar
e
tocar.
Uma
outra
versão
dessa
mesma
história
é
contada
passando
uma
cobra
entre
os
dedos:
Tem
um
bichinho
que
ele
anda
em
você
tem
mais
de
cem
pernas,
chama
gongolo
né,
deixava
passar
em
cima
da
mão
pra
poder
tocar,
mais
eu
não
ponho
não,
porque
pode
morder,
mas
tem
isso,
muitos
já
contaram
essa
história.
Por
serem
considerados
instrumentos
com
um
status
sagrado,
as
violas
também
figuram
em
relatos
de
performances
de
curas
e
de
benzeções.
Neste
caso,
o
instrumento
é
acionado
pelo
violeiro
e
benzedor
em
sua
performance
musical,
funcionando
como
um
objeto
de
mediação
entre
o
mundo
de
lá
e
de
cá,
ou
seja,
entre
o
divino
e
o
terreno.
Nessas
benzeções,
São
Gonçalo
é
geralmente
invocado
para
atuar
e
curar
o
que
precisa
ser
curado.
É
ainda
a
partir
do
senhor
Odorino,
que
obteve
a
cura
de
sua
esposa
a
partir
do
toque
da
viola,
que
essa
história
de
São
Gonçalo
é
contada:
(...)
que
fala
assim
que
São
José
que
fez
a
viola,
São
José
que
fez
a
viola,
estava
São
José
e
nossa
senhora
saindo
quando
encontrou
São
Gonçalo
e
São
Gonçalo
sabia
tocar,
São
José
não
sabia,
ele
só
fez
a
viola,
a
primeira
viola.
E
ele
chegou,
São
Gonçalo
estava
passando
mal
chorando
de
dor
de
reumatismo,
os
osso
dele
foi
estourando
na
perna,
no
braço,
aí
São
José
pegou
a
viola
e
falou
‘São
Gonçalo
pega
essa
viola
e
vai
tocando
pra
vê
se
você
melhora
essas
dores,
consola
as
dores’,
aí
o
São
Gonçalo
pegou
a
viola
e
começou
a
tocá,
os
osso
chegou
tudo
no
lugar.
Tem
até
a
palavra:
“São
José
fez
a
viola,
São
Gonçalo
foi
quem
tocou,
quando
Jesus
veio
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
ao
mundo,
a
viola
abençoou.
São
Gonçalo
estava
sofrendo,
todas
as
dores
aliviou,
todo
osso
que
estava
fora,
no
lugar
todos
eles
chegou”.
Então
eu
aprendi
essa
passagem.
Assim,
seja
dentro
de
casa,
na
formação
de
uma
roda
ou
em
cima
do
palco,
a
viola
se
desvela
muito
além
do
que
um
simples
objeto
desprovido
de
agência.
Ao
contrário,
nesta
troca
estabelecida
ela
e
o
violeiro,
um
mistura-‐se
no
outro
e
ambos
se
misturam
a
outros.
Como
diz
Marcel
Mauss
a
respeito
da
dádiva,
nessas
prestações
há
“mistura
entre
almas
e
coisas”214.
Assim,
o
lugar
da
viola
é,
sobretudo,
“no
peito
e
nas
mãos
do
violeiro
e
nos
ouvidos
de
quem
a
aprecia”215.
214
MAUSS,
Marcel.
Ensaio
sobre
a
dádiva.
Sociologia
e
Antropologia.
São
Paulo:
Cosac
Naify,
2003.
215
SILVA
e
LOPES,
Os
lugares
da
viola...
p.
188.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
36:
Seu
Domingos
e
Seu
Joaquim
Leal
violeiros
e
foliões
de
São
Francisco.
Setembro
de
2016
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
As
violas
são
elementos
estruturantes
e
estruturadores
das
mais
diversas
ocasiões
da
vida
coletiva,
em
especial,
aquelas
de
cariz
festivo,
marcadas
por
celebrações,
rituais,
divertimentos,
cantos,
danças,
entre
outros.
Pode-‐se
afirmar
que
são
nesses
espaços
e
tempos
qualificados
que
a
viola
se
realiza
em
toda
sua
potência,
sendo
ponto
comum
entre
estudiosos
e
violeiros,
que
a
garantia
da
plena
existência
desse
instrumento
ao
longo
do
tempo
só
foi
possível,
porque
sempre
esteve
envolvido
junto
a
esses
momentos
de
grande
importância
para
os
grupos
sociais.
Ivan
Vilela
situa
bem
o
lugar
da
viola
nas
manifestações
sociorreligiosas,
especialmente
aquelas
tradicionalmente
ligadas
ao
mundo
rural,
ao
afirmar
que
a
música
é
o
“fio
condutor
do
processo
ritual”:
Folia
de
Reis,
Dança
de
São
Gonçalo,
Folia
do
Divino,
Folia
de
São
Sebastião,
Dança
de
Santa
Cruz,
congadas,
fandangos,
encomendas
de
almas,
enfim,
são
inúmeros
os
ritos
que
se
utilizam
da
música
como
fio
condutor.
Nas
colheitas
ou
nos
mutirões
estão
presentes
os
cantos
de
trabalho.
É
comum
as
violas
tocarem
durante
o
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
trabalho,
fazendo
com
que
a
música
dê
ritmo
aos
que
estão
colhendo
ou
carpindo
216
(...) .
Voltando
o
olhar
mais
detidamente
para
o
contexto
mineiro,
o
jornalista
Carlos
Felipe
Horta
elucida
um
pouco
do
impacto
da
presença
e
da
persistência
das
violas
na
cultura
dos
meios
populares:
Porque
que
a
gente
fala
tanto
na
viola
mineira?
(...)
Historicamente
qual
é
o
papel
de
Minas
Gerais
entre
os
séculos
XVII
até
o
século
XIX?
Minas
Gerais
foi
a
Província
mais
rica,
a
Província
de
maior
população,
a
Província
de
maior
fundo
cultural.
Então
evidentemente
que
ao
longo
dessa,
dessa,
desse
aprofundamento
da
música,
da
cultura
mineira,
houve
episódios
que
a
gente
não
pode
deixar
de
colocar,
por
exemplo,
quando
a
gente
pega
as
academias
literárias
de
Minas,
elas
representam
e
simbolizam
o
que
que
era
a
cultura
mineira
daquele
tempo,
mais
a
cultura
erudita
(...)
E
o
“povinho”
hein?
E
o
que
o
“povinho”
fazia?
O
“povinho”
não
tinha
acesso
aos
instrumentos
da
música
barroca,
o
“povinho”
não
tinha
acesso
às
grandes
composições
(...),
o
“povinho”
(...)
tocava,
cantava,
se
reunia
das
fazendas,
fazia
sua
mistura
de
música
negra,
com
música
portuguesa,
com
música
popular,
e
qual
instrumento
ele
usava?
E
mais
uma
vez
a
gente
fala,
o
instrumento
básico
de
melodia
e
não
de
percussão
era
a
viola
(...)
e
isso
fez
com
que
a
gente
tivesse
um
aprofundamento
muito
grande
de
violeiros
e
de
violas.
(...).
E
que
servia
pras
festas
217
populares .
E
continua
discorrendo
sobre
como
essas
violas
funcionavam
e
continuam
a
funcionar
como
mediadoras
das
relações
sociais,
sobretudo,
através
dos
momentos
festivos:
Esse
processo
fez
com
que
a
viola
fosse
imprescindível
nas
ações,
nas
atividades,
nos
folguedos
de
religiosidade
popular.
Essencialmente
o
congado
mineiro
não
existe
sem
viola,
embora
comece
a
não
ter
mais
viola,
é
um
processo
inclusive
de
destruição
um
pouco
do
tradicional.
Não
existe
folia
de
reis
sem
viola,
não
existe
um
guaiano
e,
principalmente,
não
existe
uma
catira
sem
viola,
a
catira
é
basicamente
a
viola.
Inclusive
é
um
fenômeno
curioso,
tradicional,
a
catira
é
viola
e
mão,
não
usa
nem
outro
instrumento,
o
ritmo
é
da
mão
e
do
pé.
Então,
qual
que
é
a
melodia?
Essencialmente
viola.
Então
(...)
a
viola
é
essencial
pra
cultura
do
povo,
embora
tenha
sido
esmagada
em
um
determinado
momento
pelos
poderes
políticos,
religiosos
(...).
216
VILELA,
2015,
p.
60.
217
HORTA,
Carlos
Felipe.
[05
de
setembro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Este
panorama
fornecido
por
Carlos
Felipe
reforça
o
entendimento
de
que
o
universo
das
violas
em
Minas
Gerais
está,
em
suas
bases,
indissociada
das
práticas
populares
tradicionais
e
de
suas
manifestações
sociorreligiosas,
apesar
de
todas
as
inerentes
transformações
que
colocam
o
instrumento
em
contato
com
outros
espaços
sociais.
Este
entendimento
é
de
suma
importância
no
sentido
de
se
pensar
a
viola,
a
partir
de
suas
práticas,
expressões
e
linguagens,
como
Patrimônio
Cultural.
Praticamente
não
há
nenhum
momento
de
caráter
ritual
ou
performático,
seja
ele
sagrado
ou
não,
que
esteja
desprovido
de
algum
componente
musical.
Os
chamados
tempos
“fortes”
da
vida
social
se
expressam
pelo
meio
privilegiado
da
expressão
sonora,
posto
que
o
som
é
o
elemento
de
ligação
entre
os
indivíduos
e,
desses,
com
o
sagrado,
conferindo
ritmo
ao
movimento
dos
corpos
inseridos
nesses
espaços/tempos
especiais.
Não
por
acaso,
a
palavra
rito
se
relaciona
à
palavra
grega
rythmus,
que
é
a
mesma
raiz
da
palavra
ritmo218.
A
partir
dos
estudos
de
Henri
Hubert
sobre
o
tema,
pode-‐se
inferir
que,
o
ritmo
ganha
a
importância
de
uma
categoria
estruturadora
da
vida
social
e
que
existe
e
varia
em
intensidade
não
porque
os
fenômenos
naturais
apresentam
uma
periodicidade
que
a
experiência
constata,
mas
porque
as
sociedades
precisam
de
219
um
ritmo
e
arranjam
os
meios
convencionais
para
instituí-‐lo .
Nesse
ponto,
Murray
Schafer,
em
seu
estudo
sobre
a
paisagem
sonora,
estabelece
a
relação
do
ruído
com
o
sagrado,
especialmente
do
ponto
de
vista
da
vida
rural,
porquanto
os
maiores
níveis
sonoros
são
verificados
durante
as
celebrações
festivas,
quando
toda
a
comunidade
se
reúne
em
cantos
e
danças220.
218
FILHO,
2016,
p.
26
219
MASSELLA,
2016,
p.
326.
220
SCHAFER,
2001,
p.
83.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
precisa
da
importância
dos
ritmos
da
vida
social,
através
das
festas
em
que
a
viola
é
parte
integrante:
A
primeira
vez
que
fui
ao
sertão
mineiro
não
era
época
de
festa,
todos
estavam
ocupados
com
o
serviço
de
lavoura
e
comércio,
ninguém
tocava
nada,
quase
desanimei
(...).
Pude
perceber
em
minha
permanência
no
sertão
e
depois
me
aprofundando
nos
estudos
que
a
viola
tornou-‐se
o
principal
porta-‐voz
do
homem
do
campo
brasileiro.
Nas
festas
religiosas,
quando
são
usados
muitos
instrumentos,
ela
tem
a
função
de
spala,
dando
a
tonalidade
para
todos.
O
violeiro
é
que
puxa
a
toada,
e
os
segredos
vão
sendo
passados
pelas
gerações,
desde
o
passo
a
passo
dos
ritos,
até
o
famoso
pacto
com
o
diabo
(...).
As
festas
populares
são
as
melhores
221
ocasiões
para
se
conhecer
a
música
do
sertão .
Contudo,
mais
do
que
estar
presente
apenas
em
ocasiões
de
caráter
ritual,
as
violas
em
Minas
ocupam
os
mais
diversos
espaços,
o
que
mostra
sua
capacidade
de
apropriar-‐se
e
de
ser
apropriada.
As
citações
revelaram
que
o
instrumento
está
muito
presente,
por
exemplo,
no
âmbito
da
casa,
sendo
tocado
sozinho
ou
entre
amigos
(ocasião
citada
130
vezes),
em
orquestras,
rádios,
festivais
e
encontros
de
música,
aulas
e
escolas
(6
citações
cada),
em
botecos
e
bares
(4),
trabalhos
voluntários
(3),
teatros
(2),
recitais
de
viola,
rodeios,
serestas,
pagodes,
televisão,
forrós,
exposições
agropecuárias,
encontro
de
carro
de
boi,
horas
vagas,
recreação,
hobby
e
feiras
(1
citação
cada).
221
FREIRE,
2012,
p.
209.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
dos
sucessivos
processos
pela
qual
passou
a
partir
de
sua
popularização
pelo
rádio,
pelos
discos,
assim
como
por
sua
escolarização.
Isso
leva
a
pensar
que,
como
tudo
o
que
está
associado
a
este
universo,
deve-‐se
evitar
incorrer
em
oposições
rígidas
entre
uma
e
outra
esfera,
uma
vez
que
um
mesmo
tocador
pode
agregar
em
si
a
figura
do
folião,
do
catireiro,
do
profissional
e
artista
da
viola,
dentre
tantas
outras
possíveis,
como
que
pode
ser
observado
na
história
de
vida
de
muitos
violeiros,
tais
como
a
do
senhor
Cândido:
De
tal
maneira,
são
vários
os
lugares
ocupados
pelas
violas,
“das
festas
de
bairro,
na
roça,
passando
pelos
bares
de
periferia
dos
centros
urbanos,
aos
shows
em
praças,
mercados,
estações
de
rádio,
centros
culturais
e
salas
de
concerto”223.
Entretanto,
o
sagrado
ainda
continua
sendo
o
mais
elementar
desses
“lugares"
formadores
dos
sujeitos
que
preservaram
a
viola
nos
rituais
populares
das
Folias
de
Reis,
Reisados,
e
também
nos
encantados
ritmos
profanos
que
embalavam
os
interstícios
desses
rituais
como
a
Catira
a
Cana
Verde,
e
outros
tantos
cantos
e
224
danças
desse
pessoal .
222
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raíza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
223
SILVA
e
LOPES,
2008,
p.
185.
224
SILVA
e
LOPES,
p.
185.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Nesses
outros
lugares,
as
Folias
se
impõem,
então,
como
um
dos
mais
notáveis
para
o
estabelecimento
das
violas
e
de
seus
usos.
No
Mapeamento,
as
folias
despontaram,
no
ranking
geral,
como
a
terceira
ocasião
mais
citada
onde
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
disseram
tocar
o
instrumento,
com
35,16%
do
total
de
respostas.
As
folias
são
uma
das
práticas
culturais
mais
arraigadas
e
de
maior
alcance
no
estado,
como
bem
apontou
o
violeiro
Zé
Limão
ao
falar
que,
Minas
Gerais
é
muito
falado
folia
né,
porque
tem
folia
demais,
todo
canto
que
você
chegar
tem
folia
de
reis,
cada
uma
dum
jeito225.
Esta
manifestação
está
inserida
nos
quadros
das
celebrações
do
catolicismo
popular
que
é
baseada
na
devoção
a
santos226
e
no
cumprimento
de
promessas
por
grupos
hierarquicamente
constituídos,
basicamente,
por
cantadores
e
tocadores
que,
durante
os
devidos
ciclos
festivos,
saem
em
visitação
às
casas
dos
devotos
em
um
amplo
e
complexo
sistema
de
dádivas
entre
pessoas
e
divindades.
E
nesse
sistema,
toda
a
estrutura
ritual
é
inteiramente
conduzida
através
da
música
tornando-‐se,
certamente,
umas
das
mais
expressivas
fontes
de
violas
e
de
violeiros
verificados
no
contexto
mineiro.
Não
é
raro
que
a
iniciação
de
muitos
tocadores
tenha
sido
feita
no
interior
deste
horizonte,
ante
a
devoção
e
promessa
a
algum
santo,
acompanhando
o
pai
capitão
ou
cabeça
de
folia
e
na
vivência
dos
giros
ou
jornadas
ao
longo
dos
ciclos
festivos,
tal
como
foi
na
trajetória
do
senhor
Odorino
Siqueira:
Desde
a
idade
dos
10
anos
de
idade,
eu
recordo
pra
mim
como
se
fosse
agora.
As
passagens
da
folia,
esse
Joaquim
Maximiliano,
ele
chegava,
nós
chegava
nas
casas,
naquele
tempo
eles
andavam
a
noite
toda.
Nós
saía
às
vezes
no
sábado,
chegava
domingo
à
noite,
andava
a
noite
toda.
Hoje
que
tem
esse
negócio
de
que
passou
de
10
horas
não
pode
tocar
mais.
Mais,
ele
chegava
à
noite
na
casa,
primeira
viola
dele
que
tocava,
outros
instrumentos
não
tocava,
que
não
tinha
acordeom,
sanfoneiro
oito
baixos
tinha
não.
Era
só
a
viola
mesmo
e
os
outros
instrumento.
Aí
225
PEREIRA,
José
Leal.
[19
de
julho
de
2017].
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
226
De
acordo
com
o
Dossiê
das
Folias
de
Minas,
foram
contabilizados
cerca
de
50
diferentes
tipos
de
devoção,
sendo
que
as
cinco
mais
populares
são:
Santos
Reis,
São
Sebastião,
Menino
Jesus,
Divino
Espírito
Santo
e
Nossa
Senhora
do
Rosário.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Assim
como
para
o
senhor
Odorino
a
folia
foi,
no
caso
de
Maurício
Gonzaga,
os
alicerces
de
aprendizado
da
viola:
Na
folia
desde
pequeno,
porque
meu
pai
era
capitão
de
folia
e
acompanhando
ele,
aí
depois
ele
ficou
velho,
teve
um
problema
de
audição,
e
na
folia
eu
comecei
foi
o
seguinte,
eu
sempre
ajudava
ele,
aí
teve
uma
época
que,
foi
mais
ou
menos
em
1990
que
ele
tinha
parado
de
cantar.
Em
dezembro,
dia
18
de
dezembro,
eu
me
lembro
bem,
chegou
um
senhor
lá
querendo
cumpri
uma
promessa,
eu
num
tinha
idade
de
capitão,
pediu
pelo
amor
de
Deus
pra
mim
cumprir
a
promessa.
Aí
eu
falei,
‘num
tenho,
nunca
andei
como
capitão,
sempre
sou
auxiliar,
ajudo
a
ele
tocar’.
Aí
meu
pai
vendo
eu
falou
‘ô
meu
filho,
eu
vou
ser
o
tesoureiro’,
tesoureiro
é
aquela
pessoa
que
anda
com
a
bandeira
na
frente
né,
‘vou
ser
o
tesoureiro,
vou
ensinar
você
a
cantar,
em
cada
lugar
eu
vou
ensinar’.
Aí
eu
andei
um
ano
com
ele,
como
ele
era
muito
rigoroso,
eu
aprendi
todos
os,
ele
passou
pra
mim
os
versos,
como
fazia,
228
né,
pedir
esmola,
coroação,
saudação
de
presépio,
tudo
eu
peguei
com
meu
pai .
Por
meio
do
relato
de
Moisés
Montesas
observa-‐se,
sobretudo,
que
as
folias
povoam
o
imaginário
e
a
lembranças
dos
violeiros
como
um
momento
mágico
e,
ao
mesmo
tempo,
exemplar
do
ponto
de
vista
da
experiência:
Aí
depois,
eu
tive,
assim,
muita
convivência
com
a
viola,
porque
lá
na
minha
região,
lá
em
pedra
preta,
tinha
aquela
tradição
dos
ternos
de
folia,
então
meu
pai
era
muito
devoto
em
todas
as
épocas
das
folias,
então
meu
pai
sempre
convidava
os
ternos
pra
ir
lá
em
casa,
os
terno
de
folia
pra
ir
em
casa.
E
ali
eu
ficava
assim,
muito
admirado
dos
foliões
tocando
aquela
violinha
e
cantando
aqueles
guaiano,
e
as
folias
ali,
por
exemplo,
chegava
3
horas
da
manhã
na
porta,
na
casa
e
quando
a
gente
via
,
assustava,
eles,
eles
iniciavam
os
cânticos,
e
a
gente
não
via,
era
uma
coisa
tão
bonita,
tão
respeitada,
feita
com
tanta
devoção
que
quando
a
gente
percebia,
eles
iniciava
o
cântico
da
porta
de
casa
sem
a
gente
vê
eles
chegando.
Engraçado
que,
assim,
os
cachorro
né,
nem
cachorro
latia,
eu
não
sei
como
eles
227
SIQUEIRA,
Odorino.
[10
de
julho
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Felipe
Chimicatti.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
228
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
fazia
pra,
e
chegava
tão
de
mansinho
assim
que
nem
os
cachorro
eu
acho
que
não
via
e
naquela
época,
até
hoje
né,
os
cachorro
dessas
roças
né,
qualquer
coisa
né,
os
cachorro
vai
e
late,
aquele
alarme
ali
e
tal
,
engraçado
que
chegava
e
os
cachorro
nem
percebia.
Não
por
acaso,
um
dos
primeiros
indícios
da
importância
desse
instrumento
no
estado
decorreu
justamente,
das
informações
apontadas
pelo
Dossiê
de
Registo
das
Folias
de
Minas,
produzido
pelo
IEPHA/MG
no
ano
de
2016.
Este
documentou
assinalou
a
sólida
presença
da
viola
entre
as
folias
difundidas
pelo
território,
reforçando
a
necessidade
de,
posteriormente,
voltar
o
olhar
especificamente
para
este
instrumento
pela
via
dos
seus
saberes,
expressões
e
linguagens,
o
que
é
o
objetivo
deste
presente
Dossiê.
No
estudo
sobre
as
folias,
a
viola
foi
abordada
da
seguinte
maneira
dentro
do
contexto
mais
geral
do
estudo:
Existem
determinados
instrumentos
que
são
mais
valorizados
que
outro.
Nesse
sentido,
a
viola
de
dez
cordas
e,
em
alguns
casos,
a
sanfona
são
instrumentos
muito
importantes
entre
um
expressivo
número
de
grupos
pesquisados.
Muitos
mestres
e
contramestres
têm
como
reponsabilidade
o
domínio
desses
instrumentos.
É
comum
ver
a
primeira
e
a
segunda
voz
ter
como
principais
ofícios
o
de
tocar
as
violas
e
violões.
Com
o
advento
da
produção
de
violões
a
baixo
custo
em
escala
industrial,
principalmente
a
chamada
viola
paulista,
a
viola
artesanal
foi
perdendo
espaço
devido
ao
seu
alto
valor
e
difícil
manutenção.
Entretanto,
sua
importância
e
significado
ainda
perduram
para
os
integrantes
desse
universo
229
cultural .
Logo
de
saída,
uma
primeira
questão
que
o
Dossiê
das
Folias
de
Minas
introduz,
diz
respeito
à
questão
da
relação
direta
estabelecida
entre
essa
celebração
e
a
fabricação
artesanal
de
violas.
De
fato,
os
construtores
artesanais
são
grandes
fornecedores
de
instrumentos
aos
foliões
das
comunidades
onde
estão
estabelecidos,
sendo
que
um
alimenta
a
performance
do
outro.
229
IEPHA,
2016,
p.
129-‐130.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Devido
à
existência
de
muitos
grupos
de
folias,
criou-‐se
uma
cultura
de
fazedores
de
violas
artesanais
que
abastecem
os
violeiros
foliões.
Nessa
circunstância,
o
modo
como
se
constrói
a
viola
acaba
por
influenciar
diretamente
nos
modos
de
tocar
nas
folias,
pois
sendo
uma
celebração
em
constante
movimento,
cuja
estrutura
é
o
“giro”,
a
questão
do
timbre
é
importante
para
romper
um
bom
som
durante
a
performance
musical:
Tem
muito
instrumento
que
só
aparece
através
da
eletricidade
(...)
ninguém
escuta
não
porque
é
uma
madeira
grossa,
é
aquela
coisa
que
não
tem
oco,
rebeca,
violino,
violino
é
a
mesma
rebeca,
eles
faziam
de
primeiro
aqui
no
mato,
tinha
uns
fazedores,
já
morreram,
os
novo
não
quis
aprender,
um
absurdo,
os
novo
não
quis
aprender,
e
eu
já
conheci
gente
que
fazia
rebeca,
já
era
velho
morreu,
os
fio
dele
não
sabe
fazer,
fazia
e
zoava
boa
demais
(...)
Hoje
num
tá
precisando
porque
que
instala
o
microfone
o
trem
sai
lá
na
caixa
e
sai,
mas
eu
quero
saber
de
tocar
lá
no
mato
onde
não
tem
eletricidade,
não
tem
nada
e
sai.
A
vantagem
das
violas
de
primeira
é
que
eram
feita
todas
pra
isso,
pra
tocar
aonde
não
existia
eletricidade.
E
hoje
qualquer
viola
dá
som,
se
ela
der
afinação,
está
boa.
Pra
nós,
pra
folia,
se
ela
230
não
der
o
som
assim
como
é
que
eu
canto
nas
casas?
Não
tem
como .
230
PEREIRA,
José
Leal.
[19
de
julho
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
fala
de
Zé
Limão
acima
coloca
em
evidência,
portanto,
a
importância
que
um
construtor
artesanal
tem
para
sua
comunidade
e
como
este
ofício
corre
riscos
de
desaparecimento
devido
ao
desinteresse
das
gerações
mais
novas
com
relação
a
esses
saberes
construtivos,
bem
como
à
forte
introdução
de
instrumentos
industrializados
e
de
menor
qualidade
na
cena
dessas
performances.
Outro
importante
tópico
introduzido
pelo
Dossiê
das
Folias
de
Minas
se
refere
à
funcionalidade
e
à
performance
musical
das
violas
nas
folias,
a
começar
por
sua
centralidade
no
conjunto
instrumental
considerado
tradicional
pelos
violeiros.
Especialmente
para
os
foliões
do
Norte
e
do
Noroeste
de
Minas,
tal
conjunto
é
formado,
além
da
viola,
pela
caixa
e
pela
rabeca.
Isso
decorre
do
fato
de
que
esses
são
os
instrumentos
dos
Três
Reis
Magos,
no
caso
particular
das
folias
de
reis,
como
atesta
Chico
da
Viola,
em
sua
versão
do
mito
de
origem:
E
aí
deu
a
caixa
e
a
viola
e
a
rebeca
pros
mago
e
falou:
vocês
vão,
voltar
pra
suas
casa
cantando
o
nascimento
conforme
vocês
veio,
forma
que
tenha::,
muita
gente
canta,
então
é
fácil
dizer,
interpretar
e
[palavra
confusa],
porque
vinte
e
cinco
de
dezembro,
meia
noite
às
dozes
hora,
os
três
rei
foram
em
Belém
com
caixa,
rebeca,
viola,
quer
dizer,
eles
cantou
indo,
mas
os
presente
que
eles
levou
foi
a
mirra
e
o
ouro
e
o
incenso,
só
porque
eles
voltou
cantando
folia,
cantando
como
eles
foi
visitar.
Aí
cantou
e
canta
que,
então
você::,
chegou
e
falou:
o
dia
que
vocês
pará
ou
três
ou
cinco
ou
sete
ou
nove,
o
dia
que
vocês
parar,
aí
na
hora
que
ocê
ganha,
vocês
canta
convidando
o
pessoal.
Aí
pá
reza
dos
seus
dia,
:::
pro
vocês
fazer
a
festa
de
reis,
as
festas
de
vocês.
Então
os
capitão
canta::,
todo
capitão
canta,
quando
cê
tá
girando
pra
reza
do
seus
dia.
Então:::,
aí::
e
ficou,
então
a
gente
pegou
dos
capitão,
desse
livro
a
gente
pegou
uma
parte
e
dos
capitão
que
a
gente
cantava
231
com
eles,
pegou
outras
parte .
O
senhor
Cândido,
de
São
Francisco,
também
aprendeu
que
esses
são
os
três
instrumentos
vitais
de
uma
folia:
Ó,
eu
me
espelho
em
várias
coisa,
a
folia
mesmo
me
inspira
muito
a
viola,
porque
só,
três
instrumento
na
folia
que
tem
que
ter,
a
viola,
a
rebeca
e
a
caixa,
se
num
231
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017].
João
Pinheiro.
Violas:
O
fazer
e
o
tocar
em
Minas
Gerais.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
tive
esses
três
instrumento
na
folia,
a
folia
não
tem
graça.
E
o
que
inspira
na
viola
é
232
o
seguinte,
é
que
a
viola
faz
você
lembrar
de
tanta
coisa
do
antepassado
né .
A
viola
na
folia
é
o
seguinte.
A
tradição
da
folia
de
reis
pelas
profecias
eles
falam
assim
que
foi
caixa,
viola
e
pandeiro,
quando,
a
profecia
dos
três
reis
santos.
Às
vezes
cada
um
interpreta
de
uma
maneira,
mais
é
um
folclore
que
parece
que
veio
desde
o
princípio
do
mundo,
porque
os
três
reis
foram
os
primeiros
que
visitou
o
Menino
Jesus
quando
ele
nasceu,
né,
a
tradição
das
profecia.
Agora,
eu
peguei
uma
tradição,
assim,
bastante
antiga,
a
gente
fala
antiga
daqueles
capitão
que,
eu
cheguei
cantar
folia
com
um
senhor
que
chamava
sô
Vicente
Lorim,
morreu
com
90
anos,
então
a
pessoa
morreu
com
90
anos,
ele
pegou
uma
tradição
muito
profunda
233
da
folia
de
reis .
Apesar
dessas
variações,
percebe-‐se
que
a
viola
ainda
continua
sendo
um
elemento
comum
e
invariável
em
todas
as
narrativas
revelando
que,
do
ponto
de
vista
dos
violeiros,
seu
uso
é
imperioso
à
própria
existência
das
folias,
tal
como
relata
o
senhor
Domingos
Corrêa,
violeiro
e
capitão
da
Folia
de
Bom
Jesus,
do
município
de
São
Francisco:
Na
folia
é
o
seguinte,
a
folia
que
não
tem
viola
ela
não
é
adequada
não.
(...)
Que
até
a
folia
minha
nunca
saiu
sem,
sem,
que
num
tem
viola
num
sai,
tem
que
ter
viola
né,
a
folia
minha
tem
duas
viola.
Porque
o
violão,
o
violão
num
é
de
folia,
o
violão
é
de
samba,
é
pra
samba,
e
viola
não,
viola
é
mesmo
adequado
pra
folia
mesmo.
E
quando
eu
conheço
folia
num
tem
folia
sem
viola,
nem
sem
viola
nem
sem
rebeca,
porque
a
única
coisa
que
dá
o
tom
da
folia
é
rebeca
e
viola.
E
a
rebeca
de
lá
de
longe
onde
você
tá
escutando
tudo
quanto
é,
ela
tá
por
cima
de
tudo,
é
o
instrumento
mais
pequeno
mais
ele
é
o
que
torna
maior,
porque
é...
O
som
dele
234
rebuça
tudo,
escuta
de
longe .
232
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
233
MARTINS,
José
Roberto.
[11
de
abril
de
2018].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
234
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
fala
do
senhor
Domingos
deixa
entrever
um
terceiro
ponto
colocado
em
perspectiva
pelo
Dossiê
de
Registro
das
Folias
de
Minas,
e
que
se
refere
à
função
primordial
do
instrumento
nas
performances
musicais
ocorridas
durantes
os
chamados
“giros”,
a
ponto
de
abrir
os
caminhos
nas
mãos
dos
capitães,
que
são
aqueles
que
ocupam
o
maior
posto
na
hierarquia
dos
grupos.
O
fato
de
a
viola
estar
nas
mãos
dessas
figuras
diz
muito
sobre
a
importante
atribuição
que
o
instrumento
possui
dentro
dessa
celebração.
Quando
Paulo
Freire
em
citação
anterior
disse
que
a
viola
funcionava
tal
como
um
spalla235,
é
justamente
devido
à
sua
primazia
na
condução
do
conjunto
instrumental
ao
fornecer
a
referência
do
tom
aos
demais
tocadores
e
cantadores.
Essas
primícias
que
o
instrumento
instaura
são
evidenciadas
por
José
da
Rocha,
capitão
de
folia
do
município
de
Almenara,
que
disse:
Do
reisado,
eu
sou
o
primeiro
da
viola,
todos
os
instrumentos,
caixa,
sanfona,
mas
de
primeiro
lugar,
o
som
da
viola236.
Assim,
mais
do
que
um
simples
instrumento,
a
viola
torna-‐se
a
própria
direção
para
os
demais
tocadores
e
cantadores,
orientando-‐os
nas
jornadas
através
do
ritual
e
sendo
ativa
participante
das
trocas
que
ocorrem
entre
foliões,
devotos
e
divindades:
[O
cabeça
de
folia]
É
o
que
toca
viola.
[É
importante]
Por
causa
do
som
e
a
gente
mesmo
vê
que
sem
ela
o
trem
não
sai
adequado
não.
Eu
saí
em
folia
muito
tempo
com
violão,
mais,
depois
que
eu
passei
pra
viola,
eu
vi
que
é
a
viola
mesmo
é
que
dá
237
o
incentivo
melhor
é
a
viola,
ela
dá,
o
tom
dela
é
diferente .
Além
de
ser
o
elo
estabelecido
com
os
santos
de
devoção,
as
melodias
entoadas
promovem
a
sacralização
dos
espaços
ocupados
pelos
foliões
durante
os
percursos,
ordenando
o
espaço
e
tornando-‐o
“puro”
para
o
desenvolvimento
do
ritual.
O
mestre
violeiro
se
impõe,
então,
como
aquele
que
faz
essa
passagem
do
profano
ao
sagrado
e
que
introduz
toda
a
audiência
à
performance:
235
Spalla
é
uma
palavra
de
origem
italiana
que
é
dada
ao
primeiro
violinista
de
uma
orquestra.
O
spalla
é
a
figura
mais
importante
para
uma
orquestra
depois
do
maestro,
por
ser
ele
a
orientar
a
afinação,
é
também
referência
para
outros
instrumentistas.
236
ROCHA,
José
da.
[08
de
março
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
237
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
As
músicas
têm
uma
importância
fundamental
nas
relações
dos
diversos
agentes
envolvidos
com
as
folias,
pois
são
elas
que
revelam
como
as
pessoas
devem
se
comportar
e
agir
nos
rituais
ao
longo
das
jornadas,
das
festas
e
também
perante
a
bandeira.
O
capitão
anuncia
uma
narrativa
reforçada
pelas
respostas,
que
repetem
os
versos,
integral
ou
parcialmente.
Toda
essa
narrativa
é
traduzida
pelo
alferes,
para
parte
do
público
que
não
conhece
muito
bem
a
linguagem
e
o
processo
ritual
238
das
folias
e
também
aqueles
devotos
que
conhecem
todo
o
processo
ritual .
238
BONESSO,
2006,
p.
31
239
O
percurso
cerimonial
dos
foliões
pode
ser
concebido
a
partir
de
quatro
períodos
característicos:
primeiro,
a
saída
da
bandeira
de
um
lugar
familiar,
ato
que
inaugura
o
ciclo
da
jornada;
segundo,
as
visitações
às
casas
dos
fiéis,
momento
de
peregrinação
estabelecido
em
um
território
específico;
terceiro,
o
retorno
da
bandeira
ao
espaço
familiar,
que
traduz
o
fechamento
do
ciclo
de
visitações,
e,
quarto,
a
festa
de
arremate,
momento
alto
de
confraternização
entre
todos
os
foliões
e
convidados.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Para
determinados
violeiros,
tal
como
para
o
senhor
Odorino,
as
fitas
possuem
significados
que
vão
além
do
simples
ornamento:
Todas
minhas
viola
tem
fita,
é
as
viola
tem
fita,
tem
significado,
é
São
José,
Nossa
Senhora,
Gaspar
e
Baltazar
e
Belchior.
O
significado
das
fitas
tem
as
cor
né,
São
José,
Nossa
Senhora,
Rei
Gaspar,
Baltazar
e
Belchior,
e
a
azul
aqui
é
a
cor
do
céu.
‘Uma
fita
que
colocou
tem
seu
significado,
ela
representa
o
ouro
que
jesus
tinha
ganhado’,
quer
dizer
só
a
fita
que
pôs,
agradecer
só
quem
dá
essa
fita.
O
espelho
corta
o
mal
né,
que
tem
pessoas
que
fazer
o
mal
e
se
olhar
o
espelho
não
faz
(...)
então
muitos
colocavam
o
espelho
aqui .
240
Na
performance
musical
das
folias,
é
comum
a
presença
da
estrutura
dos
cantos
responsórios,
na
qual
o
capitão
entoa
a
melodia
e
canta
os
versos,
na
maioria
das
vezes
em
terças,
que
são
acompanhados
pelos
demais
foliões,
além
da
marcação
do
compasso
binário
como
um
padrão
rítmico
que
é
seguido
pelos
grupos.
Com
relação
aos
ritmos
e
aos
toques,
pode-‐se
dizer
que
a
Toada
é
fortemente
utilizada
para
o
acompanhamento
dos
versos.
Porém,
como
foi
observado
no
Mapeamento,
o
ritmo
chamado
Folia,
cujo
nome
corresponde
à
própria
celebração,
foi
também
bastante
citado.
A
linguagem
musical
das
folias
é,
como
qualquer
tipo
de
linguagem,
dinâmica
e
apresenta
peculiaridades
conforme
as
devoções,
os
grupos
e
as
regiões
de
ocorrência.
Tais
diferenças
se
impõem
desde
a
estrutura
rítmica,
que
pode
ser
mais
rápida
ou
mais
arrastada,
passando
pelos
toques,
até
as
afinações.
Assim,
as
folias
verificadas
na
porção
norte
do
estado
podem
manifestar
especificidades
se
comparadas
às
folias
da
porção
centro/sul,
devido
às
referências
culturais
próprias
de
cada
território.
Ademais,
a
estrutura
das
folias
também
acomoda,
no
intercurso
dos
cantos
devocionais,
momentos
de
divertimentos
entre
seus
participantes,
instaurando
ocasiões
de
máxima
sociabilidade,
o
que
também
revela
a
maleabilidade
entre
os
terrenos
do
sagrado
e
do
profano,
que
é
própria
da
cultura
e
da
religiosidade
popular,
notadamente
aquelas
que
foram
gestadas
no
mundo
rural,
onde
o
senso
de
comunidade
é
bastante
forte.
E
para
cada
240
SIQUEIRA,
Odorino.
[10
de
julho
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
um
desses
momentos
se
faz
necessário
a
performance
musical
com
a
viola,
que
conduzirá
as
danças
por
meio
de
toques
ou
ritmos
específicos.
A
esse
respeito
Zé
Limão
disse
que,
nas
folias,
tem
a
hora
de
cantar,
que
é
evangelizar,
mas,
igualmente,
tem
a
hora
que
é
divertir,
porque
você
vai
só
rezar
e
evangelizar,
num
tem
muita
graça241.
E
o
senhor
Domingos
reforça
essa
prerrogativa
ao
afirmar
que
após
as
saídas
da
folia
em
sua
comunidade,
no
município
de
São
Francisco,
o
povo
dança,
o
povo
canta,
quase
todo
ano,
sai
folia
o
povo
gosta
de
dançar
tanto,
é
homem,
é
mulher
vira,
é
uma
festa242.
Nessa
perspectiva,
o
olhar
deve-‐se
voltar
aos
chamados
Batuques,
Lundus,
Sussas
e
Danças
do
Carneiro
como
momentos
privilegiados
de
divertimento
que
acontecem
no
intercurso
das
festividades
devocionais.
No
âmbito
do
Mapeamento,
a
menção
a
essas
expressões
como
ocasiões
de
tocar
violas
resultou
em
um
percentual
de
7,93%
do
total
de
respostas.
Pode-‐se
dizer
que
o
batuque
corresponde,
além
de
uma
dança
específica,
também
a
um
termo
que
foi
historicamente
utilizado
para
qualificar,
de
maneira
genérica,
qualquer
dança
de
roda
com
movimentos
de
aproximação
entre
os
dançadores,
que
fazem
utilização
de
instrumentos
de
percussão.
Portanto,
esse
termo
englobante
acomoda
também
uma
série
outras
danças
que
compartilham
dessas
mesmas
características
estruturais
que
as
assemelham,
tais
como
o
lundu,
a
sussa
e
a
dança
do
carneiro,
todas
citadas
no
Mapeamento
como
ocasiões
em
que
a
viola
é
tocada.
Dentre
todas
as
mesorregiões,
o
Norte
de
Minas
e
o
Campo
das
Vertentes
foram
as
únicas
que
apresentaram
citações
de
todas
essas
expressões,
sendo
também
as
únicas
em
que
a
sussa
foi
mencionada.
As
informações
provenientes
do
Norte
de
Minas,
de
modo
muito
241
PEREIRA,
José
Leal.
[19
de
julho
de
2017].
242
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
particular,
fornecem
importantes
subsídios
para
compreensão
de
como
tais
práticas
estão
arraigadas
na
cultura
dessa
porção
territorial
do
estado,
principalmente
a
partir
da
significativa
quantidade
de
comunidades
tradicionais
negras,
que
são
as
principais
responsáveis
por
sua
manutenção
ao
longo
do
tempo.
E
certo
sentido,
nesses
contextos,
essas
manifestações
acabaram
por
integrar
os
instrumentos
de
afirmação
de
diferenciação
étnica
e
de
construção
política
na
luta
por
direito
aos
territórios.
Este
autor
verificou
ainda,
a
partir
do
estudo
dessas
comunidades,
uma
progressiva
tentativa
de
silenciamento
e
o
consequente
abandono
dessas
práticas
como
um
dos
resultados
dos
processos
discriminatórios
que
elas
sistematicamente
vêm
sofrendo
ao
longo
do
tempo244.
Daí
depreende-‐se
que,
uma
vez
que
os
batuques
deixam
de
ser
praticados,
logo,
as
violas
também
deixam
de
ser
ponteadas
nesses
espaços
de
sociabilidade.
Assim,
por
se
tratarem
de
culturas
e
de
expressões
estigmatizadas,
é
de
suma
importância,
do
ponto
de
vista
do
Patrimônio
Cultural,
um
olhar
mais
sensível
a
elas,
de
modo
que
possam
prosseguir
em
seus
processos
de
produção
e
de
reprodução.
243
COSTA,
2011.
244
COSTA,
2011,
p.
06.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
tratada
mais
adiante.
O
senhor
Domingos
Corrêa,
violeiro
do
município
de
São
Francisco,
disse
que
o
lundu
e
a
sussa
são
formados
sempre
após
os
rituais
da
folia,
revelando-‐se
uma
prática
complementar
àquela
e
onde,
uma
vez
mais,
observa-‐se
a
dissolução
momentânea
das
fronteiras
entre
o
sagrado
e
o
profano:
A
sussa
a
hora
que
a
gente
é,
termina
de
fazer
o
canto,
faz
lundu
e
agora
vai
tocar
uma
sussa
né,
senta
todo
mundo
ali,
o
cara
fica
em
pé,
os
outro
faz
sentar
e,
aí
vai
245
tocar
e
cantar,
fazer
as
brincadeira .
O
tempo
dedicado
ao
divertimento
parece
ser
tão
importante
quanto
àquele
dedicado
ao
religioso,
assim
como
deixa
entrever
o
violeiro
Rodrigo
Oliveira,
da
comunidade
quilombola
de
Buriti
do
Meio,
também
no
município
de
São
Francisco:
Mais
o
certo
mesmo
do
giro
da
folia
é
8
casa,
porque
aí
você
pode
chegar,
cantar,
faz
as
sussa,
as
brincadeira
né,
com
tempo
né,
não
atrasa
pra
gente
parar
mais
cedo
(...)
O
pessoal
da
comunidade
tudo
gosta
de
dançar
a
sussa,
de
barulhar,
de
brincar.
Aí
o
povo
ia
dançava
a
sussa,
animava
demais
né.
(...)
Aí
na
folia,
depois
das
ladainhas,
tem
os
bendito,
tem
reza,
aí
canta
o
último
canto
que
é
a
saudação,
e
aí
já
entregou
tudo,
os
foliões
já
estão
liberados.
Perde
perdão
a
Deus
e
ao
imperador
por
alguma
falta,
e
entrega.
Aí
vai
brincar,
sussa,
lundu
e
guaiano
e
quatro
até
a
hora
que
der
conta.
Se,
por
exemplo,
não
tiver
jantado
ainda,
vai
jantar
todo
mundo,
enquanto
uns
tá
jantando
os
outros
tá
brincando,
aí
se
246
aguentar
ficar
até
de
madrugada,
daí
a
pouco
tem
um
café
(...) .
Nesse
sentido,
nota-‐se
que
nesses
contextos
comunitários,
o
ritmo
instaurado
pelos
tempos
festivos
é
marcado
por
uma
total
ausência
de
pressa,
seguindo
seu
curso
próprio,
que
difere
daquele
verificado
na
vida
cotidiana:
245
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
246
OLIVEIRA,
Rodrigo.
[05
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
247
SARMENTO,
2016,
p.70.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Assim,
é
compreensível
perceber
o
porquê
dessas
expressões
terem
este
instrumento
como
um
de
suas
vias
de
produção
de
sonoridades,
dado
que
se
imbricam
a
outras
cuja
presença
do
instrumento
é
primordial,
tais
como
nas
folias.
O
violeiro
que
em
geral,
toca
no
batuque,
lundu,
sussa
e
dança
do
carneiro,
muito
provavelmente
está
envolvido
com
outras
celebrações
do
âmbito
da
religiosidade
popular.
Na
trajetória
de
Zé
Limão,
violeiro
e
tomador
de
conta
de
folia,
como
o
próprio
se
denomina,
essas
práticas
sempre
estiveram
presentes
e
se
entrecruzaram
em
sua
vida,
uma
vez
que
o
pai,
folião,
era
também
batuqueiro,
transmitindo
ao
filho
ambos
os
saberes,
apesar
deste
confessar
que,
em
um
primeiro
momento,
não
gostava
daquilo
que
o
pai
fazia:
Quando
eu
aprendi
a
tocar
viola
eu
tinha
12
anos.
Porque
quando
eu
era
pequeno
papai
tinha
uma
viola,
uma
violinha,
eu
me
lembro
dela.
Ela
era
pequena,
e
ele
gostava
demais
de
viola.
Ele
trabalhava
demais,
era
pobre,
ele
mesmo
criou
família
trabalhando
na
enxada,
na
roça,
trabalhando
para
os
outro,
e
ele
tinha
essa
violinha.
O
que
ele
gostava
demais
é
de
batuque,
eu
lembro
disso,
eu
era
menino.
E
eu
nunca
gostei
de
batuque.
Engraçado
né?
Pai
era
batuqueiro
e
eu
não
gostava,
achava
aquilo
horroroso,
esquisito,
num
gostava
mesmo.
Mais
ele
me
ensinou
a
afinar
a
aquela
viola
dele,
naquela,
e
eu
aprendi
aquilo
ali.
E
ele,
tinha
uma...
Eu
num
gostei,
foi
tão
ruim
que
eu,
hoje
eu
fico
assim
pensando,
aquilo
que
ele
cantava,
tem
uma
música
que
ele
cantava
ali,
que
ele
chamava,
paulista
né,
cada
uma
vez
que
um
batuqueiro
canta
uma
coisa,
é
uma
paulista,
ele
tira
um
a
paulista
e
canta,
aí
o
outro
ajuda.
E
dançam.
(...)
Aí
nesse
espaço
de
tempo
quando
mudamos
pra
aqui,
pra
essa
localidade
que
é
Lagoa
Trindade,
hoje
é
Doutor
Campolino,
aqui,
criou,
soube
que
ele
era
folião
também
né,
um
homem
que
morava
ali,
e
resolveu
levantar,
tinha
uma
promessa
de
andar
com
uma
folia,
chamou
ele
pra
ele
ajudar
e
ele
foi
ajudar.
Aí
eles
foram
na
casa
dum
Viriato
que
morava
aí,
(...)
Eles
foram
na
casa
dele,
Viriato
gostou
e
disse
‘não
gente,
pode
andar
só
3
dias
e
parar
não,
vamos
seguir
com
essa
folia’.
Aí
no
ano
seguinte
andou
com
a
folia,
e
eu
tinha
12
anos
quando
começou
essa
folia
que
eu
ando
nela
até
hoje.
E
eu
fui
acompanhando
eles,
quando
eu
aumentei
a
idade
um
muncadinho
248
que
eu,
participando
da
folia,
eu
cantando
e,
resolvia
querer
tocar
a
viola .
A
memória
desse
violeiro
revela
que
a
transmissão
dos
conhecimentos
referentes
à
viola
nos
batuques
e
demais
danças
se
liga
profundamente
à
questão
geracional
que
se
vincula
às
relações
familiares
e
comunitárias
estabelecidas
nos
territórios.
Desde
esse
ponto
de
vista,
248
LEAL,
José
Pereira.
[19
de
julho
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
transmissão
dos
conhecimentos
que
envolvem
os
modos
de
tocar
a
viola
nessas
danças
se
dá,
sobretudo,
no
terreno
da
experiência
e
da
prática,
portanto,
no
âmbito
informal
da
aprendizagem,
onde
gerações
mais
novas
observam
o
ofício
dos
mais
velhos.
Portanto,
a
manutenção
dos
saberes
ainda
é,
sobretudo,
pela
via
tradicional,
por
meio
da
observação
e
imitação
dos
mais
velhos
pelos
mais
jovens,
no
que
diz
respeito
aos
instrumentos
e
o
modo
como
tocá-‐los.
Neste
ponto,
também
é
de
extrema
importância
o
cuidado
aos
espaços
em
que
tradicionalmente
se
dão
essas
danças,
como
festejos
religiosos,
festejos
domésticos
e
comunitários
onde
essas
relações
sociais
são
reforçadas.
O
dançador
que
foi
requisitado
vai,
então,
para
o
centro
da
roda
dançar
junto
a
quem
o
escolheu.
Essas
substituições
se
dão
várias
vezes
entre
a
música
e
os
cantos
podendo
durar
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
várias
horas,
instaurando
uma
ocasião
de
intensa
diversão
comunitária,
sendo
que
a
euforia
é
entremeada
por
momentos
de
zombaria
e
de
troça
entre
os
participantes,
o
que
fica
patente
nas
letras
de
alguns
refrãos,
especialmente
nas
ocasiões
onde
há
o
movimento
da
umbigada.
O
estribilho
a
seguir
é
de
um
batuque
cantado
pelo
tocador
de
violas
João
Biano,
do
município
de
Jequitibá,
e
mostra
esse
tom
de
deboche
presente
nas
danças:
As
moças
do
Ceará
de
beber
não
para
em
pé/De
beber
não
para
em
pé/De
dia
tá
no
batuque/
De
noite
não
lava
pé249.
Nos
grupos
onde
está
estabelecida,
a
viola
desempenha
um
papel
essencial
e
de
especial
importância
para
o
desenvolvimento
das
danças,
uma
vez
que,
para
além
da
marcação
do
ritmo,
ela
também
confere
entonação
aos
versos
que
são
acompanhados
de
coro
e
de
palmas,
cuja
proposição
é
feita
pelo
próprio
violeiro,
violeira
e
tocador.
Portanto,
é
este
instrumento
que
marca
a
cadência
da
música
conjugada
à
dança.
Assim
como
a
sussa,
o
lundu
é
considerado
o
divertimento
da
performance
ritual
das
folias.
Em
um
estudo
realizado
com
as
folias
de
Montes
Claros,
no
Norte
de
Minas,
Luciano
Sarmento
pontua
que
se
brinca
lundu
ao
ritmo
dos
ponteados
e
rasqueados
das
violas
e
dos
249
Essa
música
foi
transcrita
da
entrevista
realizada
com
João
Biano
como
parte
do
levantamento
de
dados
para
a
elaboração
deste
Dossiê.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
toques
das
caixas.
Com
uma
levada
rápida,
estes
instrumentos
promovem
o
movimento
dos
dançantes
e,
“por
ser
instrumental,
o
lundu
permite
aos
tocadores
uma
maior
liberdade
para
demostrarem
as
suas
habilidades
musicais”250.
Chico
da
Viola,
conta
de
sua
vivência
no
lundu,
onde
se
verifica
a
ativa
presença
da
figura
do
palhaço251:
O
Lundu
também
é
batido
na
viola.
Bate
na
viola
e
na
caixa.
Aí
você
bate
a
caixa
e
tipo,
dança
sozinho,
sapateado
e
pro
lado,
do
jeito
que
você
quiser.
E
você
canta
né
[...].
Não,
aí
têm
a
cantiga.
Tudo
palhaço.
Têm
o
palhaço
e
a
cantiga
né.
A
gente
pode
cantar
conforme
a
pessoa.
Aí
chega
uma
moça
perto
de
você,
ó
palhaço
dança
um
lundu
aí
pra
mim,
vou
te
pagar,
te
dou
tanto,
um
ovo,
um
pedaço
de
fumo,
tanto
de
dinheiro
e
você
vai
dançar
pra
mim
e
cantar
pra
mim,
então
você
canta.
Você
pode
cantar
assim:
Mariquinha
foi
no
mato/tirou
o
pau
fez
a
gamela/Perdeu
o
252
trabalho
e
ficou
sem
ela/Ela
gosta
de
mim
e
eu
gosto
dela .
Na
região
do
Triângulo
Mineiro/Alto
Paranaíba,
onde
é
também
bastante
difundido,
o
lundu
é
dançado,
além
do
contexto
da
folia,
também
no
catira.
Em
seu
estudo
sobre
o
catira
de
Uberaba,
Wagner
Rédua
diz
que
as
origens
da
prática
dessa
dança
nessa
região
é
desconhecida,
mas
a
forte
presença
de
negros
escravizados
sugere
a
partir
de
onde
essa
expressão
foi
introduzida
nessa
porção
do
território253.
Ainda
segundo
este
autor,
uma
característica
nessa
região
era
a
de
que
o
lundu
envolvia
disputas
entre
os
melhores
dançadores:
As
disputas
que
elegiam
o
melhor
no
lundu
eram
uma
característica
dessa
dança,
na
região
de
Uberaba.
O
catireiro
da
Capelinha
do
Barreiro
[Senhor
Narciso]
confirmou
esse
fato
quando
disse
que
“aquilo
ali,
um
dançava,
as
vezes
dois
né?
Dançava
lá,
depois
insultava
o
outro,
fazia
estralar
os
dedos.
Aquele
que
sentava,
254
vinha
o
outro,
aí
via
qual
é
que
era
melhor
né?
250
SARMENTO,
2016,
p.
151.
251
Os
palhaços,
bastiões
ou
marungos,
são
personagens
comumente
encontrados
em
grande
parte
dos
grupos
de
folia
de
reis
de
Minas
Gerais.
Pode
variar
em
dois
ou
mais,
mas
predominantemente
aparecem
em
trio
e
atendem
pelos
nomes
de
Gaspar,
Baltazar
e
Melchior.
Apresentam-‐se
com
máscaras
de
aparência
grotesca
e
fardas
(roupas)
feitas
com
tecidos
coloridos
ou
de
farrapos
assumindo
movimentos
e
gestos
mais
livres
e
lúdicos
se
comparados
aos
demais
foliões.
Em
alguns
grupos,
esses
mesmos
personagens
são
chamados
também
de
Velho,
Friagem
e
Bastião
fazendo
referência
à
forma
que
os
santos
reis
são
representados
iconograficamente.
Por
outro
lado,
algumas
folias,
quando
vinculadas
a
outras
devoções,
também
têm
o
palhaço
como
integrante
do
grupo,
pois
destacam
sua
performance
como
importante
momento
exaltado
pelos
devotos
dentro
do
pagamento
de
promessas.
252
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017]
253
RÉDUA,
2010,
p.
62.
254
RÉDUA,
2010,
p.
63.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
violeiro
Paulo
Cury,
que
também
é
folião
e
catireiro
do
município
de
Uberaba
menciona
a
questão
do
desafio
na
dança
do
lundu,
quando
de
seu
relato
do
catira:
Já
na
dança
do
carneiro,
que
também
tem
por
tradição
ocorrer
no
interior
dos
rituais
do
catolicismo
popular,
a
viola
mantém
a
mesma
importância
que
foi
verificada
nas
demais
expressões.
Essa
dança
foi
mencionada
quatro
vezes
no
Mapeamento,
sendo
duas
na
mesorregião
Norte
de
Minas,
uma
na
mesorregião
Noroeste,
uma
na
mesorregião
Oeste
e,
por
fim,
uma
no
Campo
das
Vertentes.
Apesar
de
figurar
em
diferentes
localidades,
nota-‐se
que
esta
expressão
é
muito
difundida
no
norte
do
estado
sendo,
tradicionalmente,
praticada
às
vésperas
do
ciclo
natalino,
como
parte
das
devoções
ao
Menino
Jesus.
Além
de
ter
lugar
nessa
época
específica
do
calendário
litúrgico,
pode
também
incidir
em
outras
datas,
como
ocorre
com
o
grupo
do
município
de
Icaraí
de
Minas,
que
dança
no
dia
de
São
João,
durante
a
Festa
da
Fava.
Considerada
como
uma
variante
do
batuque,
de
acordo
com
Domingos
Diniz,
esta
dança
é
característica
da
região
do
alto
e
médio
São
Francisco,
cujo
ritmo
acelerado,
é
marcado
pelo
som
da
viola,
da
caixa,
do
pandeiro
e
das
palmas.
Este
autor
descreve
a
performance:
Feita
em
grande
roda,
dois
dançadores
pulam
no
centro
e
rodopiam,
batem
forte
com
o
pé
no
chão
e
se
encontram.
De
leve,
encosta-‐se
um
braço
no
ombro
do
outro
e
vice-‐versa.
Os
dançadores
vão
se
sucedendo.
Há
outra
forma
coreográfica.
Faz-‐se
a
grande
roda
e
todos
dançam
ao
mesmo
tempo,
cantando
e
batendo
256
palmas .
255
CURY,
Paulo.
[10
de
abril
de
2018].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
256
DINIZ,
2002,
p.
40.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
dança
do
Carneiro
é,
portanto,
marcada
por
movimentos
ligeiros
e
toques
nos
ombros
entre
os
dançantes,
as
chamadas
“marradas”,
que
se
movimentam
levados
pelo
ritmo
da
viola,
da
caixa,
do
pandeiro,
dentre
outros
instrumentos.
A
música
se
faz
acompanhar
de
improvisações
que
tanto
podem
ser
cantadas,
como
recitadas.
Dona
Merquida,
dançante
do
município
de
Icaraí
de
Minas
disse
participar
da
dança
desde
os
11
anos
de
idade,
tendo
aprendido
com
aqueles
mais
velhos.
Através
de
seu
relato,
a
dinâmica
da
dança
pode
ser
mais
bem
compreendida:
É
assim...
Tem
um
“quito”
de
mulher...
Às
vezes
se
tiver
10
é
o
par,
5
de
um
lado
e
5
de
outro,
então
começa
dançar
e
da
marrada,
assim..
Com
o
ombro
da
marrada.
Quando
a
outra
vira,
a
outra
vira
e
da
a
marrada
de
outro
lado,
e
aí
é...
é
puxado
no
toco
de
pau
(...)
Podem
ir
homens
também,
mas
os
homens
daqui
são
bobões
demais,
qualquer
um
que
quiser
entrar...
Se
eu
danço
mais
ele
aqui,
aí
ele
já
dança
mais
a
menina
ali,
e
a
outra
já
pega
o
outro...
E
o
outro
pega
o
outro..
Já
vai
trocando
logo.
Se
der
duas
voltas,
dá
com
um
e
depois
larga
e
dá
com
o
outro,
e...
257
Sai
dando
“marrada” .
A
Dança
de
São
Gonçalo
é
outra
dessas
expressões
que
ocorrem
em
contextos
de
devoção,
onde
a
viola
é
o
instrumento
central
que
orienta
os
demais
instrumentos
na
performance
musical.
Esta
dança,
como
o
próprio
nome
sugere,
é
realizada
como
pagamento
de
promessas
feitas
a
este
santo
que
é
considerado
o
padroeiro
dos
violeiros,
o
que
reforça
a
premissa
da
viola
como
o
eixo
estruturante
da
manifestação.
A
senhora
Dalva
Correia,
moradora
do
distrito
de
Barra
do
Guaicuí,
no
município
de
Várzea
da
Palma,
é
devota
de
São
Gonçalo
e
explica
como
funciona
esse
sistema
de
trocas
entre
devotos
e
santidade:
E
o
São
Gonçalo,
o
pessoal
faz
promessa
de
várias
coisas,
da
doença,
de
tudo,
é
pra
tudo
e
quando
a
pessoa
alcança
a
graça,
você
que
fez
a
promessa
pra
São
Gonçalo,
258
chama
o
pessoal,
o
pessoal
vem
e
dança
na
sua
casa .
257
CARVALHO,
Merquida
Luiza.
[17
de
março
de
2013].
Icaraí
de
Minas.
Inventário
do
Rio
São
Francisco.
Entrevista
concedida
César
Henrique
de
Queiroz
Porto,
Elis
Medrado
Viana
e
Roberto
Veríssimo
da
Silva
Júnior.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
258
CORREIA,
Dalva
das
Graças
de
Oliveira.
[13
de
agosto
de
2012].
Várzea
da
Palma.
Inventário
do
Rio
São
Francisco.
Entrevista
concedida
a
Simone
Narciso
Lessa,
Caio
Hudson
Rabelo
Alves,
Jorge
Luiz
Teixeira
Ribas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Dona
Dalva
tem
a
sua
própria
versão
sobre
o
estabelecimento
dessa
dança
em
sua
comunidade
e,
mesmo,
sobre
as
pretensas
origens
da
dança:
“[...]
Essa
dança,
ela
veio
de
Portugal.
O
conhecimento
que
nós
temos
é
que
ela
veio
de
Portugal
pra
Bahia
e
da
Bahia
tinha
uma
dona,
veio
pra
cá
pra
Barra
do
Guaicuí
e
lá
ela
passou
pra
nós,
trouxe
a
imagem
de
lá.
[O
São
Gonçalo]
ele
vivia
naquela
época
na
orgia,
ele
ficava
imaginando
uma
maneira
de
tirar
aquelas
mulheres
da
rua,
então,
ele
criou
essa
dança,
enquanto
elas
estava
dançando
elas
não
estava
na
rua.
Aí,
dançava
o
dia
inteiro,
quando
era
à
noite,
estavam
cansadas
e
iam
dormir.
Mas
aí
ele
achou
que
ainda
era
pouco,
aí
ele
fez
os
pregos
no
sapato,
quando
guia
sai
os
dois,
que
sai
assim,
é
porque
pôs
o
prego
no
sapato
pra
sacrificar
mesmo
em
prol
delas,
então
na
hora
que
ele
mancava
porque
está
doendo
muito.
Aí
demorava
259
mais
tempo” .
No
mapeamento,
as
respostas
à
participação
nesta
dança
mostram
que
ela
está
presente
em
todo
o
estado,
porém,
com
maior
incidência
na
região
Sul/Sudeste
e
Norte
de
Minas.
Na
primeira
mesorregião,
a
ocorrência
se
deu,
especialmente
nos
municípios
de
Guapé,
Guaxupé,
Arceburgo,
Muzambinho,
Alpinópolis,
Monte
Santo
de
Minas
e
Poços
de
Caldas.
Já
na
segunda,
foi
verificada,
sobretudo,
em
São
Francisco,
São
Romão,
Várzea
da
Palma,
Pedras
de
Maria
da
Cruz,
Chapada
Gaúcha,
e
no
Oeste
de
Minas.
Embora
a
dança
tenha
constado
nas
demais
regiões,
a
ocorrência
é
significativamente
menor
do
que
nas
regiões
acima
citadas.
Em
São
Francisco,
por
exemplo,
o
senhor
Domingos
Corrêa
afirmou
que
esta
dança
é
uma
tradição
entre
as
comunidades,
apesar
de
não
participar
diretamente
dela:
É,
aqui
tem,
tem
São
Gonçalo
aqui.
Mais
eu
num
participo
não.
Mais
tem
uns
meninos
ali,
o
povo
do
Bibiu,
lá
no
santo
Antônio,
que
eles
dançam
são
Gonçalo
260
direto .
O
ritual
instaurado
a
partir
da
dança
ao
santo
revela,
de
maneira
exemplar,
que
a
ligação
entre
a
música
e
o
movimento
é
o
canal
dos
fundamentos
do
sagrado
para
os
participantes
da
performance.
Neste
sentido,
o
corpo
é
o
suporte
por
meio
do
qual
a
retribuição
à
graça
259
CORREIA,
Dalva
das
Graças
de
Oliveira.
[13
de
agosto
de
2012].
260
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
alcançada
é
cumprida,
o
que
pode
ser
demostrado
no
número
de
movimentos
em
roda
que
os
dançantes
fazem,
conforme
a
promessa
feita.
Esse
ponto
é
esclarecido
melhor
por
Neto
Guacho,
morador
da
comunidade
quilombola
de
Sangradouro
Grande,
localizada
no
município
de
Pedras
de
Maria
da
Cruz:
Você
tinha
uma
dificuldade,
e
os
mais
antigo,
igual
eu
estava
te
explicando,
você
tinha
problema
e...
Esses
problemas
geralmente
apegava
pela
fé
que
a
gente
tinha
muito
em
santo.
Santos
Reis,
São
Gonçalo,
Bom
Jesus
da
Lapa,
São
Sebastião.
Então
eu
fazia
uma
promessa,
-‐“ô
meu
São
Sebastião”,
no
caso
São
Sebastião
ou
senhor
São
Gonçalo,
-‐“se
o
senhor
me
manter
livre
ou
me
curar
dessa
eu
vou
fazer...
dançar
doze
roda
de
são
Gonçalo,
ou
vou
dar
um
almoço,
vou
dar
uma
janta,
fazer
uma
festa,
benefícios
da
graça
conseguida”.
Então,
ele
sarava
e
melhorava,
aí
ele
marcava
o
cumprimento
da
promessa,
pro
São
Gonçalo.
(...)
Então
ele
falava,
tal
dia
fulano
vai
cumprir
a
promessa
de
São
Gonçalo,
vai
ter
doze
roda
de
São
Gonçalo,
mais
ele
sabia
que
o
pessoal
ia
pra
assistir
o
São
Gonçalo,
mais
sabia
que
no
fim
do
São
Gonçalo
ele
tinha
os
comes
e
bebe,
e
tinha
uma
roda
de
batuque,
tinha
umas
guaiana,
tudo
que
fazia
no
fim.
Então
essa
era
a
diversão
de
primeira,
é
261
essa
que
era
a
diversão
dos
mais
antigo .
Este
relato
põe
em
evidência
os
santos
de
devoção
ocupam
um
papel
central
no
cotidiano
dessas
comunidades,
assumindo
ocupando
um
lugar
específico
e
muito
importante
nas
relações
sociais.
Desde
esse
ponto
de
vista,
os
santos
não
são
entidades
distantes;
ao
contrário,
habitam
o
ambiente
doméstico
dos
devotos,
sendo
tratados
com
a
mesma
intimidade
que
uma
pessoa
da
família.
No
caso
dessa
dança
em
particular,
essa
íntima
relação
ultrapassa
essa
esfera
ligando-‐se
à
própria
figura
do
violeiro,
que
durante
o
ritual,
é
a
personificação
do
santo.
Seguindo
no
domínio
das
danças,
outra
expressão
da
cultura
popular
mineira
onde
a
presença
da
viola
é
bastante
significativa
é
o
Catira,
cuja
performance
se
revela
igualmente,
uma
ocasião
privilegiada
para
se
observar
a
“percepção
da
reciprocidade
e
das
relações
estruturais
de
música
e
movimento”262.
No
âmbito
do
Mapeamento,
esta
expressão
figurou
na
terceira
posição
em
número
de
citações
de
onde
se
toca
viola,
com
uma
porcentagem
de
9,30%
das
respostas.
261
GUACHO,
Neto.
[05
de
setembro
de
2015].
Pedras
de
Maria
da
Cruz.
Inventário
do
Rio
São
Francisco.
Entrevista
concedida
a
Breno
Trindade.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
262
PINTO,
2001,
p.
232.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Olha,
que
eu
brinco
Catira,
deixa
eu
ver,
num
vou
por
muito
longe
não,
é
de,
eu
estava
com
4
ano,
eu
estava
andando
já
com
os
catireiro,
né
com
4
ano
de
idade,
264
eu
era
molequinho
(...) .
A
formação
do
Catira
pode
variar
bastante
conforme
a
região,
mas,
geralmente,
a
dança
é
praticada
por
cerca
de
8
a
10
pessoas
que
intercalam
sapateados
e
palmas
com
os
toques
e
cantos.
Em
geral,
os
grupos
são
compostos
por
um
ou
dois
violeiros265
que
ficam
na
extremidade
entre
as
duas
filas
formadas
pelos
dançantes
que
desenvolvem
coreografias
específicas
ao
som
de
determinados
ritmos
tocados
na
viola.
A
música
é
entoada
e
cantada
pelos
violeiros
de
forma
duetada,
ou
seja,
enquanto
um
faz
a
melodia,
o
outro
acompanha
em
um
tom
diferente,
em
terça
ou
em
quinta,
levando-‐se
em
conta
os
intervalos
musicais.
263
De
acordo
com
Wagner
Rédua,
até
o
século
XIX
a
referência
a
essa
manifestação
era
apresentada
a
partir
da
palavra
Cateretê,
sendo
que
a
palavra
Catira
tornou-‐se
mais
comumente
usada
a
partir
de
1920
(2010,
p
15).
264
CURY,
Paulo.
[10
de
abril
de
2018].
265
Há
grupos
que,
ao
invés
de
duas
violas,
possuem
uma
viola
e
um
violão.
266
RÉDUA,
2010,
p.
20.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
do
estado,
essa
dança
também
é
verificada,
porém
com
outras
denominações,
tais
como
Guaiano
e
Contradança.
Em
seu
estudo,
Luciano
Sarmento
diz
que,
conhecida
como
guaiano,
essa
dança
é
muito
presente
no
contexto
cultural
do
Norte
de
Minas
como
parte
importante
dos
rituais
das
folias,
tendo
similaridades
com
outras
danças
tradicionais
da
região,
como
o
Quatro
e
o
Trocado267.
Na
comunidade
de
Sangradouro
Grande,
no
município
de
Januária,
por
exemplo,
essa
similaridade
entre
o
guaiano
e
o
quatro
é
verificada:
O
Quatro
e
a
Guaiana
é
uma
coisa
só.
Guaiana
é
porque
é
Quatro,
Guaiana
é
uma
divisão,
é
uma
moda
cantada
com
os
instrumento
e
passa
quatro,
quatro
pessoa.
Então
Guaiana
é
uma
moda
fora
do
reis.
Porque
você
chega,
canta
o
canto
de
reis,
depois
do
canto
de
reis
só
encerra
o
canto
de
reis
e
começa
o
samba,
que
aí
é
quatro
pessoa
cantando
e
vários
instrumento.
Acabou
o
samba,
aí
o
dono
da
casa
oferece
uma
bebida,
oferece
uma
coisa
de
comer
um
lanche,
se
tem
vez
que
o
dono
da
casa
pede
–“vamos
fazer
uma
Guaiana
pra
mim”,
já
aí
é
uma
música
mais
animada,
uma
moda
de
viola,
que
cantada
nos
instrumentos
da
folia.
–“vamos
passar
um
quatro”,
aí
já
é
só
quatro
pessoas.
(...)
Já
o
quatro
não,
o
quatro
são
quatro
pessoa
cantando,
e
tem
um
modo
de
trançar
entre
eles
que
não
erra,
268
cantando
e
trocando .
Ainda
com
relação
a
essas
diferentes
terminologias,
o
violeiro
Chico
da
Viola,
que
também
é
catireiro,
conhece
o
nome
Contradança
como
uma
das
etapas
do
Catira,
o
que
revela
a
diversidade
inerente
a
esta
expressão:
Não...,
eu/
eu
toda
vida
gostei
muito
foi
de
Catira,
essas
coisas
sabe!?
Eu
fui
fantástico
nisso,
e
fui/
e
fui
o
rei
das
Catira
sabe?
Eu
já
fui
muito::
muito
levado
nessa
parte,
podia
dançar
de
todo
tipo,
que
a
Catira
têm/
você
dança
a
Catira,
você
da
o
sapateado
e
bate
a
palma
né?
Aí
você
canta
a
moda,
a
moda
de
viola.
Então
canta
de
seis
vozes,
aquilo
é
o
trem
mais
bonito.
Que
têm
muita
moda
de
viola
de
todo
tipo
né?
Têm
moda
(...).
Então
canta
seis
voz.
Quando
caba
aquilo
ali,
então
você
vê
o
Contradança.
Aí
você
vai
dançar
outra
Contradança.
Acaba
de
dançar
o
Contradança
vem
o
Recortado.
Aí
tudo/
agora
o
recortado
têm
de
dois
sapateado,
269
têm
de
três
e
têm
de
quatro,
e
você
(...)
que
você
quiser .
267
SARMENTO,
2016.
268
GUACHO,
Neto.
[05
de
setembro
de
2015].
269
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Essas
diferenciações
entre
regiões
para
uma
mesma
expressão
podem
ser
mais
bem
compreendidas
também
por
meio
das
lembranças
de
José
Maria
Campos,
violeiro
do
grupo
de
Catira
Pedro
Pedrinho,
do
município
de
Martinho
Campos,
que
só
foi
saber
que
aquela
dança
fazia
também
se
chamava
catira
quando
teve
contato
com
os
grupos
de
Uberaba:
Nas
fazendas
as
salas
eram
assoalhadas,
aí
dava
pra
dançar
sapateado.
Enquanto
o
pessoal
estava
dançando
de
sanfona
lá
no
terreiro,
um
grupo
de
Catira
ficava
dançando
na
sala.
Eram
dois
focos
de
festa
diferente.
O
sanfoneiro
lá
fora
e
um
violeiro
lá
dentro,
por
isso
que
aqui
chamava
de
Dança
de
Sala.
Eu
vim
aprender
270
esse
nome
de
Catira
foi
lá
em
Uberaba,
mais
ou
menos,
por
volta
de
1975 .
A
viola
e
o
violeiro
desempenham
papéis
de
protagonistas
nesta
dança,
posto
que
é
através
deles
que
toda
performance
se
desenvolve.
A
esse
respeito,
a
percepção
do
violeiro
uberabense
Vinícius
Teles
fornece
a
exata
medida
do
quanto
os
instrumentos
musicais
ocupam
papéis
centrais
nas
tramas
culturais
sendo
sujeitos
-‐
e
não
apenas
objetos
-‐
em
contextos
os
mais
diversos,
transformando
“mentes
e
corpos,
afetando
estados
de
espírito,
tanto
quanto
articulações,
tendões
e
sinapses”271.
A
importância
da
viola
é
a
seguinte,
ela
é
a
frente
do
catira
(...)
sem
a
viola
parece
que
o
catira
fica
vazio.
Eles
bate
o
pé
sem
viola,
dança,
mais
a
viola
chama
o
sapateado.
Quando
você
risca
a
viola,
você
bate
a
viola,
uma
viola
gostosa,
uma
viola
bonita,
bem
batida,
os
catireiro
empolga,
então
a
importância
dela
é
nesse
272
momento .
Vinícius
Teles
é
filho
de
Manoel
Teles,
que
é
considerado
um
dos
grandes
catireiros
de
Uberaba,
e
de
quem
disse
herdar
tudo
o
que
sabe
sobre
essa
expressão.
Nesse
sentido,
um
ponto
essencial
que
perfaz
o
modo
de
vida
dos
violeiros
do
catira
é
a
questão
do
dom
e,
sobretudo,
da
herança
familiar
na
transmissão
dos
conhecimentos
da
dança,
e
que
está
fortemente
presente
dentre
aqueles
grupos
considerados
tradicionais.
Nesse
sentido,
é
bem
comum
referir-‐se
ao
grupo
como
pertencente
à
determinada
linhagem
familiar
como,
por
270
FUNDAÇÃO
CULTURAL
DE
UBERABA,
2014,
p.
166.
271
BATES,
2012
apud.
PAULETTI,
2016,
p.
99.
272
TELES,
Vinícius.
[10
de
abril
de
2018].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
exemplo,
“Catira
dos
Borges”,
ou
nomear
os
grupos
com
algo
que
remeta
a
essa
questão,
tal
como
“Catira
Geração
por
Geração”273.
A
história
de
Vinícius
Teles
é,
portanto,
exemplar
a
esse
respeito:
Quando
eu
comecei
na
idade
de
12
pra
13
ano
acompanhando
meu
pai
nas
catira,
né
só
catira
não,
tem
mais
coisa
que
eu
aprendi
com
ele.
Agora
na
catira
ele
ia,
saía
e
me,
levava
a
gente
sabe,
ele
levava
a
gente
pra,
a
gente
acompanhar
ele.
O
pouco
que
a
gente
foi
acompanhando
nunca
que
ele
pegou
uma
viola
e
ensinou
a
gente
a
passar
os
dedo
aqui
e
ali
não,
nunca,
acho
que
aquilo
é
um
dom,
um
dom
que
deus
deu
que
como
ele,
foi
um
dom
que
deus
deu
a
ele,
aprendeu
com
meu
avô,
né,
então
a
gente
foi
aprendendo
com
ele.
Então
nunca
ensinou
a
gente,
dançar
a
mesma
coisa,
tanto
tocar
quanto
dança.
E
as
moda,
ele
passava
as
moda,
tirava
as
cópia
das
moda
pra
gente
e
a
gente
ia
e
aprendia
(...)
depois
que
ele
foi
falecido
que
aí
a
gente
passou
a
aprender
tudo.
Mais
a
gente
acompanhava
ele
cantar
sem
ele
ensinar
as
letra
tudo,
a
gente
acompanhava
sabe,
quando
ele
abria
274
a
boca
pra
cantar
aquelas
palavra
a
gente
já
sabia
tudo .
Para
o
violeiro
Paulo
Cury,
também
de
Uberaba,
o
Catira
é
igualmente
uma
questão
de
sangue,
já
que
suas
quatro
filhas
iniciaram
na
dança
por
sua
influência,
fato
que
fez
com
que
a
família
formasse
um
grupo
composto,
em
sua
maioria,
por
mulheres:
A
família
foi
aprendendo,
as
menina
né,
elas
foram
nascendo
quando
eu
casei
e
elas
assistiu
catira
lá
em
casa
todo
sábado
e
domingo
tinha,
elas
aprendeu
e
esta
aí
né.
Mas
sempre,
eu
sempre
corrigindo,
que
o
Catira
se
você
for
apresentar
você
num
pode,
ode
ser
em
praça
pública,
então
você
não
pode
ficar
olhando
a
275
população,
você
tem
que
cumpri
com
a
obrigação .
A
história
da
família
de
Paulo
Cury
põe
em
evidência
uma
mudança
que
vem
ocorrendo
nessa
expressão
em
particular,
e
com
o
universo
das
violas,
em
geral,
que
diz
respeito
à
ocupação
cada
vez
maior
de
mulheres
dos
espaços
que
sempre
foram
de
dominação
masculina.
A
partir
desses
relatos
fica
patente
que,
assim
como
quase
todas
as
manifestações
que
envolvem
a
viola,
o
aprendizado
é
basicamente
alicerçado
na
oralidade
e
na
observação,
273
Ambos
os
grupos
são
do
município
de
Uberaba,
que
possui
uma
tradição
bastante
consolidada
da
dança
dentre
suas
referências
culturais.
274
TELES,
Vinícius.
[10
de
abril
de
2018].
275
CURY,
Paulo.
[10
de
abril
de
2018].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
onde
a
educação
é
pela
via
do
sentimento
e
mediante
imitação
dos
mais
jovens,
que
sempre
se
encontram
próximos
aos
mais
velhos
nas
ocasiões
festivas.
Nesse
ponto,
as
figuras
dos
pais,
tios,
avós
e
demais
mestres
se
mostram
fundamentais
para
animar
a
curiosidade
e
o
interesse
inicial
do
jovem
pela
viola
e,
consequentemente,
pelo
Catira.
Essa
manifestação
está
estruturada
através
de
três
aspectos,
a
saber:
a
música,
a
linguagem
e
a
dança276,
nos
quais
a
viola
se
impõe
como
um
elemento
primordial
que
promove
a
costura
entre
essas
três
variáveis.
Especialmente
no
aspecto
da
música,
a
viola
se
apresenta
como
elemento
fundamental,
posto
que
extremamente
necessária
para
a
execução
da
moda
e
do
recortado,
os
ritmos
sob
os
quais
a
dança
se
desenvolve.
Isso
introduz
o
segundo
aspecto
estruturante
do
catira
que
é
a
linguagem
que
acompanha
os
ritmos.
Especialmente
no
momento
da
moda,
considerado
como
o
de
maior
nobreza
no
conjunto
da
expressão,
os
dançantes
cessam
as
palmas
e
os
sapateando,
e
o
tempo
passa
a
ser
dedicado
inteiramente
à
viola,
ao
violeiro
e
à
poesia
cantada.
Os
versos
entoados
narram
histórias
diversas,
sendo
que
a
primeira
voz
canta
a
melodia
principal
e
a
segunda,
a
terça
equivalente.
A
melodia
entoada
pelo
violeiro
possui
um
compasso
mais
lento.
Nesse
ponto,
a
música
tem
o
papel
de
auxiliar
a
poesia
e
a
execução
da
melodia
na
viola
procura
reproduzir
exatamente
a
entonação
das
vozes277.
276
RÉDUA,
2010.
277
LEANDRO,
2011,
p.
59.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
moda
abaixo278
é
da
autoria
de
Manoel
Teles
e,
de
acordo
com
Vinícius
Teles,
foi
composta
a
partir
de
uma
experiência
real
que
ocorreu
em
uma
das
tantas
apresentações
de
catira
da
família
em
fazendas
da
região:
Talvez eu não tivesse por ti sofrendo / Se na sua lembrança viesse
Que eu já fui merecedor / Talvez desse pra aliviar as minhas dor
Que a sorte pra mim foi dura / Eu esperava a sorte vim
Que tudo que é bom não dura / Este mundo é mesmo assim
Não há doce nem doçura / Que não amarga no fim
Quando meus olhos te veem / Muitas das vezes faço é de cego
Eu só me alembro de você / E nem um minuto eu sossego.
278
A
letra
foi
transcrita
a
partir
da
gravação
de
uma
apresentação
de
catira
realizada
durante
o
trabalho
de
campo
no
município
de
Uberaba
entre
09
e
12
de
abril
de
2018,
como
parte
da
pesquisa
para
elaboração
do
presente
Dossiê.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
recortado
pode
ser
entendido
de
duas
formas:
no
repique
da
viola,
concernente
à
música,
e
na
dança.
Na
música,
a
característica
marcante
do
recortado
é
sua
mudança
de
ritmo
em
relação
à
moda,
que
é
mais
rápida.
Os
recortes
são
caracterizados
pelos
intervalos
concedidos
à
atuação
dos
outros
integrantes
que,
entre
palmas
e
sapateado,
complementam
a
canção.
Em
relação
à
dança,
a
279
característica
do
recortado
está
na
coreografia .
A
letra
abaixo280
é
de
um
recortado
da
autoria
de
Negrinho
Teles,
irmão
de
Vinícius,
e
que
foi
composta
em
homenagem
ao
pai
Manoel
Teles,
após
a
sua
morte:
279
RÉDUA,
2010,
p.
66.
280
Assim
como
a
moda,
este
recortado
foi
transcrito
a
partir
da
mesma
apresentação.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Sei que chegará um dia Porque sabe que seu dono
Minha alma pra eternidade Não sou rei nem tenho coroa
Com meus dedos nos seus braços Eu quero ficar na história
Este
recortado
versa
sobre
as
experiências
e
as
lembranças
de
um
violeiro
que
teve
a
vida
envolvida
com
o
catira
em
um
claro
tom
autobiográfico
e,
dentre
o
conjunto
da
narrativa,
uma
estrofe,
em
especial,
chamam
atenção,
por
colocar
em
evidência
a
relação
organicamente
estabelecida
entre
o
violeiro
e
a
sua
viola.
De
fato,
a
questão
da
conexão
do
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
corpo
com
a
prática
musical
vai
muito
além
da
dança,
revelando
que
o
ofício
de
tocar
um
instrumento
pode
ser
concebido
como
um
desses
atos
essencialmente
corporais281.
Nesse
sentido,
o
instrumento
passa
a
ser
a
extensão
do
corpo
de
quem
o
toca
como
pode
ser
observado
nos
seguintes
versos:
Com
meus
dedos
nos
seus
braços/
Ponteando
a
minha
dor.
Aqui,
o
toque
da
viola
exprime
a
própria
dor
do
violeiro,
como
se
fosse
parte
de
sua
matéria.
A
esse
respeito,
o
antropólogo
Rainer
Britto
escreve
sobre
o
que
ele
chama
de
possessão
entre
viola
e
violeiro,
a
partir
de
sua
própria
experiência
com
o
instrumento:
(...)
não
eram
apenas
instrumentistas
os
violeiros
quando
junto
de
suas
violas,
nem
apenas
instrumentos
as
violas
junto
de
seus
instrumentistas.
Há
neste
momento
associativo
uma
alteração
–
ou
ao
menos
uma
variação
–
de
naturezas
materiais.
Não
é,
portanto,
se
não
uma
sociedade
viola-‐violeiro
de
alguns
minutos,
que
nasce,
se
desenvolve
e
desfalece;
uma
articulação
original
“(...)
[na
qual]
qualidades,
separadamente
suscetíveis
de
graus
e
medidas,
compõem
uma
282
realidade
sui
generis,
radiante
de
novidades
imprevistas
e
maravilhosas” .
Essa
questão
pode
ir
mais
além
e
transcender
o
próprio
ato
de
tocar
a
viola,
sendo
também
percebida
no
modo
como
a
viola
se
funde
ao
corpo
do
violeiro,
por
exemplo,
quando
este
permanece
sentado
com
a
viola
no
colo
ou
abraçado
a
ela,
ambos
tornando-‐se
indiscerníveis.
Nos
versos
que
se
seguem
Ela
vive
o
abandono/
Porque
sabe
que
seu
dono/
Já
não
é
mais
cantador,
mostra
que
a
viola
está
associada
ao
violeiro
“como
parte
de
sua
existência,
ligada
ao
sentido
de
sua
vida”
fazendo
com
que
o
fim
de
um
violeiro
seja
também
“o
fim
da
281
PINTO,
2001,
p.
234.
282
BRITO,
2013,
p.
6.
[grifos
do
autor].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
sua
viola”283.
O
que
reforça
a
premissa
da
indivisibilidade
do
tocador
e
de
seu
instrumento,
ou
seja,
a
viola
só
se
realiza
com
seu
violeiro
e
vice
versa.
A
dança,
que
é
o
terceiro
aspecto
do
catira,
segue
determinadas
regras
impostas
pelos
ritmos
da
viola
sendo,
portanto,
que
o
movimento
dos
corpos
se
submete
à
música.
Nesse
sentido,
quando
a
moda
é
tocada,
os
dançadores
devem
permanecer
parados,
pois
a
narrativa
cantada
na
viola
que
é
o
foco.
Por
outro
lado,
o
ponto
alto
da
dança
é
quando
o
recortado
tem
entrada,
momento
em
que
os
dançadores
trocam
de
posições
em
um
jogo
de
aproximações
e
recuos,
formam
rodas
e
pulam,
tudo
acompanhado
pelas
batidas
de
palmas
e
de
pés.
Observa-‐se
que
no
contexto
mineiro,
há
uma
diversificação
das
coreografias
a
depender
da
região:
Por
fim,
algo
que
é
bastante
evidenciado
pelos
violeiros
que
tocam
no
catira
é
a
forma
como
esta
expressão
vem
se
transformando
ao
longo
do
tempo,
em
grande
parte,
devido
à
sua
inserção
no
contexto
urbano
e
na
dinâmica
do
espetáculo.
Nela,
os
violeiros
disseram
que
a
dança
teve
que
se
adequar
ao
formato
da
apresentação,
diminuindo
os
versos
das
modas
e
dos
recortados.
Assim,
o
que
antes
levava
horas
para
ser
cantado
e
dançado,
diminui
a
uma
estrutura
de
alguns
minutos.
283
SCHMID
et
al.,
2017,
p.
289.
284
FUNDAÇÃO
CULTURAL
DE
UBERABA,
2014,
p.
33.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
catira
no
passado
era
bem
diferente,
na
época
que
eu
aprendi
ela
era
bem
diferente.
Ela
era
um
catira
mais,
assim,
mais
calmo,
mais
devagar,
mais
lento,
sabe,
que
tinha,
inclusive
tem
a
moda
uma
moda
que
fala
nele,
fala
que,
no
cantar
fala
‘fico
muito
satisfeito
com
as
palma
compassada’,
cê
entendeu?
É
porque
era
compassado
o
catira
de
primeiro,
não
era
igual
hoje.
Hoje
o
catira
hoje
tem
que
ser
corrido,
corrido,
eu
passei
a
fazer
isso
também,
a
fazer
corrido,
porque
hoje,
você
vai
fazer
uma
apresentação,
a
apresentação
de
hoje,
ela
tem
que
ser
rápido,
(...)
de
primeiro
era
8,
10
palmeiro,
batia
em
cima
dum
taboado
desse
aqui,
e
era
completamente
diferente,
uma
palma
diferente,
inclusive
eu
tenho
palma
que
o
meu
pai
me
ensinou,
que
eu
aprendi
cum
ele,
e
palma
antiga
(...)
e
tem
palma
de
hoje,
que
eu
aprendi
hoje
(...)
a
palma
do
passado
ela
é
lenta,
vagarosa,
a
viola
também
ela
é
lenta,
vagarosa,
ela
era
batida
na
goiana.
A
viola
de
primeira
nos
catira
antigo
era
na
goiana,
então
eu
toco
goiana
também,
mas
eu
passei
tocar
na
cebolão
por
causa
do
catira
de
hoje
é
diferente.
O
Congado
se
apresenta,
por
fim,
como
outra
expressão
onde
a
viola
tradicionalmente
tem
lugar,
embora
com
uma
incidência
menor
se
comparada
às
demais
expressões
aqui
analisadas.
O
Mapeamento
apontou
este
dado
ao
apresentar
uma
porcentagem
de
4,80%
do
total
de
respostas
de
violeiros,
violeiras
e
tocadores
que
disseram
tocar
o
instrumento
nessa
ocasião,
ficando
à
frente
apenas
da
Dança
de
São
Gonçalo
com
3,35%,
dentre
as
cinco
expressões
culturais
mais
citadas.
O
violeiro
Zé
Limão,
do
município
de
Jequitibá
disse
que
todo
congado
gasta
viola,
por
isso
que
Minas
Gerais
é
muita
viola,
porque
tem
congado
demais.
Todo
congado
tem
viola,
só
o
Maçambique
que
não
usa.
É
caixa,
não
usa
viola.
O
congado
mesmo
tem
viola,
pra
poder
pegar
altura
pra
cantar.
Senão
não
tem
como
cantar285.
285
LEAL,
José
Pereira.
[19
de
julho
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
fundamentos
dessa
festa,
que
se
estrutura,
ainda,
pela
coroação
de
reis
e
pela
saída
e
encontro
das
guardas286.
O
conjunto
devocional
é
elaborado
em
torno
da
narrativa
mítica
de
aparição
da
santa287
e
congrega
o
Candombe,
Moçambique,
Congo,
Marujada,
Catopé,
Vilão
e
Caboclinho,
sendo
denominado
por
Martins
de
família
de
sete
irmãos288.
Assim
como
evidenciou
Zé
Limão,
alguns
desses
grupos
não
contêm
a
viola
dentre
os
seus
instrumentos,
sendo
que
esta
é
verificada,
sobretudo,
em
guardas
de
Congo
e
Marujadas.
A
respeito
deste
último,
Martins
assevera
que
“além
dos
instrumentos
de
percussão,
comuns
a
todo
Congado,
a
guarda
de
marujos
emprega
a
viola
de
doze
cordas”289.
A
viola
possui
grande
importância
harmônica,
sendo
ela
a
dar
o
tom
aos
cantos.
Por
essa
razão,
quando
presente,
ela
é
um
dos
instrumentos-‐guia
das
guardas
junto
às
caixas,
ou
seja,
aquele
instrumento
que
tem
precedência
na
estrutura
musical.
A
esse
respeito,
Rosemeire
Soares,
capitã
de
uma
guarda
de
Congo
do
município
de
Jequitibá,
fornece
a
seguinte
explicação:
286
Além
de
Nossa
Senhora
do
Rosário,
os
congadeiros
cultuam
outras
santidades
católicas
e
entidades
ancestrais
advindas
da
cosmovisão
dos
grupos
bantos,
que
foram
trazidos
escravizados
da
África
para
diversas
regiões
do
Brasil,
dentre
as
quais
Minas
Gerais.
287
Este
mito
pode
conter
variações
a
dependendo
dos
grupos,
mas
sua
estrutura
básica,
no
geral,
dá
conta
de
que
Nossa
Senhora
do
Rosário
apareceu
no
mar,
e
o
primeiro
grupo
de
negros
a
tentar
retira-‐la
das
águas
foi
o
congo,
batendo
tambor
em
ritmo
mais
acelerado
e
movimento
mais
ligeiro.
Logo
depois
vieram
os
negros
moçambique,
com
sua
batida
mais
lenta
e
seus
cantos
de
lamento.
Contudo,
foram
os
negros
mais
velhos
e
sábios
que
finalmente
conseguiram
tirar
Nossa
Senhora
com
a
batida
de
seus
tambores.
Esses
eram
o
grupo
do
candombe,
considerado,
portanto,
o
pai
do
reinado.
É
a
estrutura
do
mito,
portanto,
que
define
as
hierarquias,
posições,
indumentárias,
instrumentos,
cantos
e
danças
dos
grupos
que
integram
este
universo,
sendo
que
a
festa
em
louvor
à
santa
procura,
a
cada
ciclo,
rememorar
essa
narrativa.
288
MARTINS,
1997.
289
MARTINS,
1997,
p.
47.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
mesmo.
E
é
mais
bonito,
a
cantoria
com
a,
você
escutar
o
som
da
viola
é
outra
290
coisa .
Nas
saídas
da
Guarda
de
Congo
Santa
Rita,
também
de
Jequitibá,
os
dois
violeiros
sempre
ficam
à
frente
dos
cortejos
porque
são
elas
a
guiar
o
capitão
Zaninho
a
dar
início
aos
cantos
rituais,
tal
como
o
mesmo
procedeu
durante
uma
visita
da
guarda
à
Festa
de
São
José,
no
distrito
de
Perobas,
Jequitibá,
e
mostrado
na
figura
abaixo:291
Guarda zaninho
290
SOARES,
Rosemeire.
[19
de
julho
de
2017].
Jequitibá.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
291
LOPES,
Leomano
Geraldo.
[25
de
março
de
2018].
Jequitibá.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva
e
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
base
rítmica
do
repertório
das
guardas
que
utilizam
a
viola
é
feita
então,
por
este
instrumento
e
pela
caixa.
A
partir
deles
é
que
se
constituem
os
diferentes
tipos
de
marcha,
os
ritmos
mais
característicos
do
Congado,
que
podem
variar
entre
os
toques:
dobrado,
lenta,
grave,
picada,
parasita,
chitagunga.
São
eles
que
diferenciam
os
repertórios
e
a
sequência
festiva.
Neste
ponto
é
Rosemeire
que,
mais
uma
vez
fala
a
respeito
de
como
a
viola
participa
da
performance
do
ritual:
Você
forma
a
guarda
de
congo
ali,
aí
a
primeira
que
você
vai
escutar
é
a
viola.
Você
reza
né,
você
tem
que
rezar
porque
tem
a
tradição
ali
que
vem
desde
a
chegada
do
negro
aqui,
que
tudo
quanto
é
culto
negro,
ele
tem
a,
ele
não
esquece
os
antepassado
né.
Então
a
primeira
coisa,
formou
a
guarda
de
congo,
reza
ali
pra
sua
proteção
e
reza
por
alma
daqueles
que
já
foram,
que
foram
congadeiros
também.
Então
isso
aí
tá
nos
livro
e
é
verdade.
Toda
guarda
de
congo
ela
não
sai
sem
antes
rezar
pra
proteção
dela
e
os
antepassados.
Aí
cabe
de
rezar,
a
primeira
coisa
que
você
vai
ouvir
é
a
viola,
pra
você
ouvir
aonde
você
vai
cantar,
a
altura,
aí
você
fica
nessa
altura
o
dia
inteiro.
Outro
elemento
fundamental
é
o
modo
como
a
viola
está
afinada
para
ficar
em
consonância
às
vozes,
de
modo
a
criar
uma
harmonia
entre
elas
ao
longo
do
extenso
ritual.
A
questão
da
afinação
não
é
consenso,
sendo
empregada
conforme
as
particularidades
de
cada
grupo.
Enquanto
que
para
Rosemeire
a
afinação
Cebolão
é
muito
boa
para
cantar,
para
Silvio,
que
é
um
dos
violeiros
da
Guarda
de
Santa
Rita,
a
viola
deve
estar
afinada
em
Avançador,
Ciganinha
ou
Natural.
Quando
não
tem
a
viola,
eu
vou
abrir
a
boca
e
vou
cantar,
cada
hora
a
minha
voz
vai
tá
numa
afinação
diferente,
isso
aí
cansa
os
cantadores
que
estão
respondendo,
uma
hora
tá
alto
demais,
mata
a
cantoria
né.
E
eles,
muitos
reclamam
que
fica
rouco
e
tal,
então,
e
com
a
viola
não
tem
jeito,
você
ouvindo
a
viola
você
segura
ali,
a
altura
que
você
vai
cantar
o
dia
inteiro,
é
a
viola.
Costuma
às
vezes
uma
corda
sair
fora
e
você
coloca
ela
no
lugar,
mas
você
sabendo
que
isso
aqui
(toca
a
viola)
o
dia
inteiro.
Essa
aqui
tá
afinada
numa
afinação
muito
boa
pra
cantar,
tem
vez
que
ela
tá
afinada
um
pouco
mais
alta
mais
a
cantoria
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
logo
dá
o
grito
‘ei
tá
alto
demais’,
aí
vamos
mudar,
abaixa
um
tiquinho,
senão
o
292
pessoal
fica
rouco
né .
Rosemeire
é
filha
de
João
Biano,
que
aprendeu
os
fundamentos
do
congado,
bem
como
da
viola,
com
seu
pai,
como
ele
mesmo
conta:
Comecei
a
tocar
foi
com,
nos
ensaio,
porque
nós
fazia,
papai
dançava
com
o
mestre
(...)
papai
que
levantou
essa
festa,
ela
estava
parada
muitos
anos
(...)
papai
disse
assim
‘ó,
você
trouxe
essa
imagem
e
eu
vou
levantar
a
festa
do
rosário”.
E
o
povo
achou
que
papai
não
dava
conta
de
levantar
a
festa,
pelejando
com
dificuldade,
aí
ei
falei
‘ô
pai
deixa
melhorar,
as
coisa
melhorar,
eu
ajudo
a
levantar
a
festa,
eu
trago
um
muncado
de
dinheiro
pra,
pra
ajudar
a
levantar,
você
tira
licença
com
o
bispo
e
nós
levanta
a
festa’.
E
assim
papai
fez.
Ele
tirou
a
licença
aqui
em
sete
lagoas
com
o
bispo,
ele
deu
licença
de
levantar
a
festa
(...)Papai
tinha
uma
violinha,
ele
não
gostava
que
mexia
com
ela,
eu
peleja,
afinava
ela
de
qualquer
maneira
e
fui
aprendendo
e
tinha
um
[...]
e
disse
‘ô’
experimentou
vim
aqui,
ficou
veio
[...]
na
guarda,
‘ô
[...]
eu
pus
dois
mestre
lá,
todos
dois
largo
e
num
quis
e
é
você
mesmo
que
vai
ser
o
mestre
da
guarda,
vim
293
aqui
entrega
pra
você .
A
sucessora
de
João
Biano
tanto
na
capitania,
quanto
na
viola,
foi
justamente
sua
filha
Rosimeire,
como
ela
mesma
conta:
Eu
estava
bem
pequena,
nove
anos,
aí
eu
tinha
que
ficar
do
lado
dele
lendo
os
cântico
pra
ele,
porque
ele
não
aprendeu
a
ler
direito.
Aí,
como
se
diz,
sobrava
pra
mim,
eu
ficava
ali
de
noite
lendo
pra
ele
tocar
e
memorizar
os
cânticos
(...)
as
músicas,
os
versos,
as
estrofes
do
divino,
da
folia
de
reis
do
lado
dele
e
ele
tocando
a
viola,
que
ele
não
sabia
ler
direito,
pra
ele
memorizar,
aí
aquilo
foi
entrando
na
minha
cabeça
também,
aí
hoje
eu
consigo
cantar
na
cantoria
do
congo,
da
folia,
no
cântico
do
divino,
qualquer
cantoria,
é,
eu
consigo
cantar,
consigo
fazer
essas
posição
na
viola
pelo
menos
pra
continuar
com
essa
tradição
do
congado,
que
pelo
menos,
assim,
já
dá
pra
fazer
alguma
coisa
pra
continuar
294
né .
A
história
dessa
família
é
exemplar
em
uma
dupla
perspectiva.
Em
primeiro
lugar,
porque
toca
na
questão
fundamental
da
transmissão
dos
conhecimentos,
sobretudo,
por
meio
da
292
SOARES,
Rosemeire.
[19
de
julho
de
2017].
293
SOARES,
João
Gualberto.
[19
de
julho
de
2017].
294
SOARES,
Rosemeire.
[19
de
julho
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Por
tudo
o
que
foi
analisado,
é
inegável
a
extrema
que
a
funcionalidade
da
viola
tem
no
Congado,
tal
como
expõe
os
versos
de
Pereira
da
Viola:
Nas
veias
da
minha
viola/Corre
um
canto
encantado/traçando
o
jeito
da
gente/Folias
de
Reis
e
Congado295.
O
relato
do
Jornalista
Carlos
Felipe
Horta,
no
início
desta
sessão,
pontua
indo
ao
encontro
com
o
que
disse
Zé
Limão,
que
Essencialmente
o
congado
mineiro
não
existe
sem
viola.
Contudo,
também
assinalou
o
processo
de
abandono
do
instrumento
ao
completar:
embora
comece
a
não
ter
mais
viola296.
Hoje
infelizmente
não
tem.
Era
tão
bonito,
sabe?
A
gente
gostava
,
mas
a
muitos
anos,
eu
era
bem
criança,
quando
tinha
o
senhor
Ozino,
até
me
lembro
o
nome
né,
tocava
a
viola
no
nosso
congo
né,
e
depois
e
depois
dele
a
viola
foi
esquecida
pelos
Congados,
e
tá
sendo
assim
uma
coisa
mais,
tá
sendo
uma
coisa
bem
difícil
de
retornar
porque
juntaram
muitos
instrumentos
né,
que
acaba
tirando
o
som
da
viola
,
mas
ela
faz
muita
falta,
a
viola
(...)
há
tempos
,
né,
os
instrumentos,
eles
eram
mais
roucos,
eles
eram
mais
uns
instrumentos
mais,
hoje
é,
melhorou
tanto
o
som
dos
instrumentos
que
tira
um
pouco
dá,
dá,
sabe?
Do
som
da
viola,
porque
297
o
bonito
da
viola
é
você
ver
o
ponteado
da
viola,
ver
o
som
da
viola
né .
295
Verso
da
música
“Nas
veias
da
viola”.
296
HORTA,
Carlos
Felipe.
[05
de
setembro
de
2017].
297
LUZ,
José
Bonifácio
da.
[23
de
fevereiro
de
2018].
Contagem.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva
e
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Outro
ponto
que
o
capitão
toca
é
sobre
a
não
renovação
do
lugar
deixado
pelos
mestres
após
sua
morte,
o
que
se
mostra
como
uma
questão
a
ser
pensada
no
âmbito
das
ações
de
Salvaguarda.
É
importante
finalizar
esta
análise
evidenciando
que
a
dimensão
das
violas
nas
expressões
culturais
coloca
em
perspectiva
o
quanto
este
instrumento
está
atrelado
aos
momentos
de
maior
assento
do
sagrado
e
da
sociabilidade
para
as
coletividades,
quando
o
ritmo
da
vida
social
é
marcado
pelas
festas
e
as
sonoridades
conferem
uma
espécie
de
ordenamento
às
performances
rituais.
É
precisamente
essa
funcionalidade
que
confere
sentido
para
este
instrumento
como
Patrimônio
Cultural.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
som
como
fenômeno
físico,
nada
mais
é
do
que
a
vibração
de
corpos
materiais
que
se
propagam
no
ar.
Porém,
quando
inserido
em
concepções
culturais
específicas,
o
som
passa
então,
a
ser
culturalmente
organizado
pelos
indivíduos
e
pelos
grupos
sociais,
sendo
alçado
a
patamares
outros
que
não
o
puramente
o
físico298.
E
nessa
passagem,
os
instrumentos
musicais
são
ativos
participantes.
Desde
esse
ponto
de
vista,
os
instrumentos
musicais
são
mais
do
que
simples
objetos
para
produção
sonora.
Ao
contrário,
desvelam-‐se
parte
constitutiva
da
trama
cultural,
atuando
como
intercessores
de
visões
de
mundo,
de
ideias
e
de
relações
sociais
em
diferentes
níveis
de
interação.
Assim,
todo
e
qualquer
som
produzido
carrega
consigo
contextos
culturais,
políticos,
sociais,
territoriais
e
econômicos
específicos,
conformando
todo
um
arcabouço
de
sonoridades.
E
no
universo
das
violas
mais
especificamente,
a
dimensão
sonora
tem
nos
elementos
das
afinações
e
dos
ritmos,
duas
das
principais
vias
nas
quais
as
questões
acústicas
e
culturais
se
amalgamam
em
distintas
musicalidades.
Pode-‐se
dizer
que
tais
elementos
são
uma
das
faces
mais
visíveis
desse
sem
fim
da
viola,
especialmente
quando
visto
sob
o
prisma
das
práticas
musicais
presentes
no
contexto
mineiro,
cujos
espectros
de
diversidade
e
de
singularidade
fazem
desse
território
o
lugar,
por
excelência,
da
viola.
Quando
se
está
na
presença
de
um
violeiro,
violeira
ou
tocador
de
violas,
uma
cena
que
recorrentemente
irrompe
na
performance
é
a
de
percebê-‐lo
em
uma
espécie
de
concentração
que
toma
todo
o
seu
corpo.
Com
os
ouvidos
atentos
e
as
mãos
inquietas
mexendo
nas
cravelhas
do
instrumento,
é
somente
após
encontrar
a
afinação
desejada,
que
o
tocador
se
sente
pronto
para
voltar
a
dedilhar
o
seu
instrumento.
Observa-‐se
que
a
afinação
é
uma
espécie
de
dialeto
que
se
constitui
a
partir
de
processos
históricos
298
PINTO,
Tiago
de
Oliveira.
Som
e
música.
Questões
de
Antropologia
Sonora.
Revista
de
Antropologia,
São
Paulo,
USP,
v.
44,
n°
1,
2001.
p.
223.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
específicos,
cujos
códigos
não
são
acessíveis
aos
leigos
e
que,
portanto,
somente
os
iniciados
no
instrumento
dominam.
A
viola
de
dez
cordas
com
cinco
ordens
de
cordas
duplas,
culturalmente
estabelecida
no
território
mineiro,
possui
uma
grande
riqueza
sonora,
muito
em
função
da
diversidade
de
afinações
que
se
pode
atingir
nesse
instrumento.
As
suas
dez
cordas
possuem
a
capacidade
de
alcançar
uma
infinidade
de
tons
por
meio
da
variação
de
suas
tensões.
Tomadas
de
baixo
para
cima,
o
primeiro
par
é
composto
pelas
cordas
de
calibragem
mais
fina
e
que,
geralmente,
são
afinadas
em
uníssono,
o
que
significa
que,
quando
tocadas
soltas,
irão
emitir
o
mesmo
som.
A
essas
cordas
dão-‐se
o
nome
de
primas.
O
segundo
par
de
cordas
repete
essa
mesma
estrutura
em
uníssono
do
primeiro
par
e
são
denominadas,
na
maioria
das
vezes,
de
requinta.
Do
terceiro
par
de
cordas
em
diante
esta
estrutura
se
modifica
e,
embora
apresentem
uma
mesma
ordem,
passam
a
ser
afinadas
em
intervalos
de
oitavas,
ou
seja,
que
mesmo
estando
em
uma
mesma
nota
ou
tom,
uma
soará
mais
aguda
e
a
outra
mais
grave.
No
terceiro
par,
a
corda
de
calibragem
mais
grossa
é
denominada
de
turina
e
a
mais
fina,
de
contra
turina.
O
quarto
par
é
composto
pela
toeira,
a
corda
mais
grossa,
e
a
contra
toeira,
a
mais
fina
e,
por
fim,
no
quinto
par
de
cordas,
a
mais
grosa
possui
a
nomenclatura
de
canotilho,
enquanto
a
mais
fina
recebe
o
nome
de
contra
canotilho.
De
acordo
com
Vilela,
Os
usos
da
viola
envolvem
uma
espécie
de
etiqueta
de
caráter
cerimonial
seguida
pelos
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
onde
o
momento
de
afinar
a
viola
se
mostra
como
o
prelúdio
da
performance300.
Sendo,
então,
um
componente
primordial
das
performances
musicais
relacionadas
a
este
instrumento,
as
afinações
não
dizem
respeito
somente
a
um
de
seus
aspectos
técnicos,
mas
estão
envoltas
por
certa
aura
de
misticismo
e
demandam
uma
postura
de
respeito
por
parte
do
violeiro.
Em
última
instância,
a
afinação
é
sempre
um
“problema”
a
ser
resolvido.
A
esse
respeito
o
fabricante
de
violas
Wagner
Souza
disse,
sob
o
ponto
de
vista
de
quem
fabrica,
que
a
afinação
também
se
coloca
enquanto
uma
questão:
299
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história:
música
caipira
e
enraizamento.
São
Paulo:
Editora
da
Universidade
de
São
Paulo,
2015.
p.49
.
300
SCHMID,
Aloísio
Leoni;
FILHO,
Juarez
Bergmann;
PEREIRA,
Rodrigo
Mateus.
Em
busca
da
identidade
dos
instrumentos
musicais
no
Brasil:
um
estudo
exploratório
da
literatura
de
cordel.
In:
Anais
do
Museu
Paulista.
São
Paulo,
N.
Sér.
v.
25.
n.1,
jan-‐abril,
2017.
p.
286.
301
SOUZA,
Wagner
Bastos
e.
[10
de
abril
de
2018].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Isso
aqui
é
uma
tradição
que
eu
só
vou,
acho
que
nem
depois
que
eu
morrer
eu
esqueço,
que
isso
aí
nasceu
do
meu
pai
e
nunca
peguei
uma
escola
nem
nada,
mas
meu
pai,
ele
aí
conheceu
era
um
dos
maiores
violeiros
aí
da
região,
violeiro
e
guia
de
folia,
e
fazia
viola
também.
(...)
Aí
aprendi
cum
ele,
mais
ele
num
me
ensinou
nada,
eu
tinha
7
anos
de
idade
ele
tocava
viola,
tocava,
tocava
e
deixava
lá
afinada
em
riba
da
cama,
eu
ia
lá
e
começava
a
razunhar
né,
aí
com
pouco
ele
já
deixou
a
viola,
começou
a
deixa
a
viola
desafinada
e
eu
aprendi
sem
ele
ensinar,
aí
desse
tempo
pra
cá
eu
não
aprendi
muito
não,
mas
vai
dando
pro
302
gasto .
Aí
que
ele
[o
pai]
afinava
a
viola.
Eu
entregava
a
viola
pra
ele,
afinava
e
me
303
ensinava
a
ir
tocar
viola .
A
mesma
lógica
pode
ser
aplicada
para
o
caso
de
Zé
Limão,
mas,
ao
invés
de
ser
do
seio
familiar,
seu
mestre
foi
um
membro
de
sua
comunidade,
o
que
revela
o
poder
aglutinador
que
a
viola
tem
nas
coletividades
em
que
está
presente:
Mais
aí
andava
com
uma
viola
só.
Eu
aprendi
a
tocar
viola
nessa
viola
do
Viriato.
Eu
ia
pra
casa
dele
dia
de
domingo,
depois
eu
batizei
o
menino
dele
nós
virou
compadre,
eu
era
companheiro
dele,
nós
tinha
uma
amizade,
uma
coisa
louca,
aprendi
a
tocar
na
viola
dele.
Ele
afinava,
depois
eu
aprendi
a
afinar
nessa
viola
de
Queluz,
boa.
E
eu
e
o
sobrinho
dele
tudo
aprendeu
nela.
Cadê
eu
poder
comprar
uma
viola,
eu
custei
a
compra.
Depois
que
eu
comprei
umas
violinha,
fui
304
mexendo,
fui
tocando .
Por
fim,
foi
por
meios
próprios,
na
ideia
como
ele
mesmo
disse,
é
que
João
Biano
aprendeu
a
afinar
viola
pela
primeira
vez:
302
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raíza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐
MG.
303
SIQUEIRA,
Odorino
Avelar.
[10
de
julho
de
2017].
Betim.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
304
LEAL,
José
Pereira.
[19
de
julho
de
2017].
Jequitibá.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
305
GUALBERTO,
João.
[19
de
julho
de
2017].
Jequitibá.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
afinação
é,
portanto,
parte
inexorável
do
ato
de
tocar
viola
e
da
performance
musical
do
violeiro.
Este
instrumento
abriga
uma
infinidade
de
possibilidades
de
afinações
se
comparado
a
outros
instrumentos
de
cordas
dedilhadas
e,
apesar
de
não
haver
um
consenso
entre
os
estudiosos
do
instrumento
quanto
ao
número
de
afinações
existentes
no
Brasil,
há
uma
estimativa
de
que
foram
desenvolvidos
ao
menos
vinte
modos
distintos
de
se
afinar
viola.
Três
tipos
se
destacaram
dentre
esta
miríade
de
afinações:
a
afinação
Cebolão,
cujo
percentual
de
menções
foi
de
70%,
a
afinação
Rio
Abaixo,
de
13%
e
afinação
Natural,
de
7%,
conforme
o
gráfico
3.
São
precisamente
elas
que
conformam
as
principais
referências
de
afinações,
de
onde
outras
tantas
irão
derivar.
A
afinação
Cebolão
foi
citada
em
todas
as
mesorregiões
do
estado
como
sendo
a
mais
utilizada
por
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
o
que
mostra
sua
ampla
disseminação
e
popularidade,
principalmente
através
da
figura
de
Tião
Carreiro,
que
a
adotou
para
tocar
o
ritmo
Pagode.
Sendo
uma
afinação
“nativa”,
ou
seja,
criada
nos
quadros
socioculturais
brasileiros,
o
nome
Cebolão
provém,
de
acordo
com
as
histórias
contadas
pelos
violeiros,
de
uma
associação
feita
entre
o
toque
da
viola
com
essa
afinação
e
o
choro
imediato
provocado
nas
mulheres,
tal
como
quando
uma
cebola
é
cortada.
Isso
evidencia
como
será
observado
mais
adiante,
que
o
universo
das
violas
é
permeado
por
histórias
fantásticas,
lendas
e
causos
muito
presentes
nas
vivências
do
mundo
rural,
onde
o
instrumento
se
estabeleceu
com
toda
a
sua
força.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Gráfico
5:
Afinações
mais
utilizadas
pelos
violeiros
cadastrados.
Fonte:
Acervo
IEPHA/MG
Na
Cebolão,
em
Ré
(D),
os
pares
de
cordas
são
afinados
da
seguinte
forma:
o
primeiro
par
em
uníssono,
as
primas,
são
afinadas
em
Ré
(D),
o
segundo
par,
as
requintas,
também
em
uníssono,
são
afinadas
em
Lá
(A).
Já
no
terceiro
par,
a
turina
e
a
contra
turina
oitavadas
são
afinadas
em
Fá
sustenido
(F#),
no
quarto
par,
a
toeira
e
a
contra
toeira
oitavadas
são
afinadas
em
Ré
(D),
e
no
quinto
e
último
par,
o
canotilho
e
o
contra
canotilho
oitavados
são
afinados
em
Lá
(A).
É
possível
encontrar
essa
afinação
em
vários
tons,
contudo,
os
mais
comuns
são
Cebolão
em
Ré
(D),
em
Ré
sustenido
(D#)
ou
em
Mi
(E).
Quando
afinadas
Cebolão
em
Mi,
por
exemplo,
as
cordas
recebem
uma
maior
tensão,
o
que
leva
a
viola
a
ter
uma
sonoridade
mais
aguda.
Entretanto,
devido
ao
tensionamento
das
cordas,
o
instrumento
assim
afinado,
fica
mais
rígido
de
ser
tocado,
o
que
agrada
a
alguns
violeiros
e
a
outros,
nem
tanto.
Por
outro
lado,
a
viola
afinada
Cebolão
em
Ré
apresenta
um
som
mais
grave;
entretanto,
irá
proporcionar
um
toque
mais
macio,
uma
vez
que
as
cordas
não
estarão
tão
tensionadas
como
em
Mi.
Uma
vez
mais,
sua
utilização
dependerá
do
gosto
pessoal
de
cada
violeiro.
Portanto,
essa
variação
tonal
pode
ocorrer
por
vários
motivos,
dentre
os
quais
se
destaca
a
diferença
no
trato
com
o
toque
da
viola,
visto
que,
quando
estão
menos
tracionadas,
as
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
cordas
ficam
mais
frouxas
e,
portanto,
mais
macias.
Além
disso,
quando
estão
menos
apertadas,
o
som
fica
mais
grave,
possibilitando
um
maior
alcance
e
conforto
vocal.
Vilela306
sugere
que
é
possível
fazer
um
paralelo
entre
determinada
afinação
e
a
localidade
em
que
está
estabelecida
no
território.
A
afinação
Cebolão,
por
exemplo,
se
consolidou
na
chamada
região
caipira,
cuja
frente
de
expansão
territorial
se
deu
pelas
bandeiras
paulistas,
e
que
compreende
o
estado
de
São
Paulo,
Sul
de
Minas
e
Triângulo
Mineiro,
Goiás,
Mato
Grosso
do
Sul
e
parte
do
Mato
Grosso.
De
acordo
com
Vilela,
“no
eixo
da
Paulistânia,
a
afinação
mais
usual
é
a
de
nome
Cebolão,
afinação
surgida
nesta
região
dos
caipiras”307.
Essa
prevalência
também
está
incorporada
na
percepção
dos
próprios
violeiros,
a
exemplo
de
Chico
da
Viola,
estabelecido
em
João
Pinheiro,
no
Noroeste
de
Minas,
quando
disse
que,
agora,
cebolão
eu
nunca
mexi
com
ela,
que
é
a
afinação
dos
caipiras
tocar308.
306
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história...
2015.
307
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história....
p.
49.
308
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017].
João
Pinheiro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva
e
Luis
Molinari
Mundim.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Mapa
3:
Densidade
de
violeiros
cadastrados
que
declaram
tocar
na
afinação
cebolão.
Fonte:
Acervo
Iepha-‐MG
Uberaba
é
um
exemplo
dessa
tendência,
despontando
como
um
município
onde
a
afinação
Cebolão
é
bastante
difundida
entre
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
cujas
performances,
via
de
regra,
são
marcadas
justamente
por
levadas
mais
ligeiras,
formas
de
tocar
rasqueadas
e
predominância
de
ritmos
caipiras,
tais
como
o
Pagode
e
a
Guarânia.
Esses
modos
de
tocar
estão
na
formação
musical
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
desse
município,
que
têm
em
figuras
como
Tião
Carreiro
e
as
duplas
caipiras
tais
como
Tonico
e
Tinoco,
grandes
referências
musicais.
Ao
ser
questionado
sobre
a
ampla
incidência
da
utilização
da
afinação
Cebolão
pelos
violeiros
mais
jovens,
Maurício
Gonzaga,
conhecido
como
Peão
Mineiro,
proprietário
de
uma
escola
de
música
no
município
de
Uberaba,
onde
mora,
tece
a
seguinte
explicação:
Hoje
aqui
na
minha
escola,
os
alunos
querem
muito
é
Cebolão
(...).
É
porque
eles
se
identificam
muito
com
Tião
Carreiro,
o
homem
que
foi
o
patrono
da
música
de
viola,
ele
tocava
em
Cebolão.
Eu
tenho
aluno
que
sai,
tá
vindo
lá
de
Santa
Juliana,
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
outros
lá
da
Capelinha,
pra
estudar
comigo
viola
e
voz,
mais
voz
ele
querem,
eles
309
querem
voz
do
Tião
Carreiro .
No
Mapeamento,
a
porcentagem
das
demais
mesorregiões,
no
que
diz
respeito
aos
usos
da
afinação
Cebolão,
é
a
seguinte:
Oeste
(77%),
RMBH
(68%),
Zona
da
Mata
(65%),
Central
(64%),
Rio
Doce
(64%),
Noroeste
(59%),
Norte
(55%),
Vale
do
Mucuri
(50%)
e
Vale
do
Jequitinhonha
(44%).
Percebe-‐se
que,
quanto
mais
se
desloca
para
a
porção
norte
do
estado,
mais
a
afinação
Cebolão
vai
perdendo
a
força
que
tanto
é
observada
na
parte
centro/sul.
Isso
se
deve
ao
fato
de
que,
nessa
porção
territorial
de
Minas
Gerais,
outras
referências
culturais
se
enraizaram
a
partir
de
fluxos
e
de
processos
sociais
distintos.
Nessa
conjuntura,
é
a
afinação
Rio
Abaixo
que
se
manifesta
com
mais
força.
A
partir
disso,
Vilela
traça
algumas
linhas
argumentativas
a
respeito
dessa
afinação:
Já
no
Norte
de
Minas
e
na
região
da
capital
mineira
usa-‐se
com
mais
frequência
uma
afinação
chamada
Rio
Abaixo.
O
Rio
Abaixo
é
uma
afinação
de
origem
portuguesa,
presente
na
região
de
Amarante,
da
viola
amarantina
ou
de
dois
310
corações,
região
do
santo
padroeiro
dos
tocadores
de
viola,
São
Gonçalo .
Ademais,
a
porção
norte
do
estado
de
Minas
Gerais
recebeu
-‐
assim
como
também
retribuiu
-‐
grande
influência
cultural
do
Nordeste
brasileiro,
especialmente
dos
estados
de
Pernambuco
e
da
Bahia,
onde
as
violas
utilizadas
nesse
último,
principalmente
nas
performances
musicais
dos
sambas
do
Recôncavo
Baiano,
são
tradicionalmente
afinadas
em
Rio
Abaixo.
As
similitudes
vão
mais
além,
na
presença,
por
exemplo,
de
algumas
danças
tais
como
a
chula,
cuja
formação
é
em
roda,
bem
como
de
alguns
toques,
como
pontua
Carlos
Felipe,
ao
falar
sobre
os
modos
de
tocar
da
região
de
Montes
Claros,
personificados
no
violeiro
Teo
Azevedo:
309
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
310
VILELA,
Cantando
a
própria
história...
p.
49.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Você
vê
que
o
toque
da
região
de
alto
belo,
onde
ele
nasceu,
é
diferente
do
toque
do
violeiro,
por
exemplo,
de
campo
belo,
no
sul
de
minas,
bem
diferente.
Há
um
toque,
inclusive,
que
a
gente
sente
influência
nordestina
na
região
do
norte
de
311
minas,
muito
diferente .
Especialmente
a
respeito
dos
usos
dessa
afinação
nos
sambas
do
Recôncavo,
o
Dossiê
do
IPHAN
sobre
esta
forma
de
expressão
assim
pontua:
Há
na
sociedade
brasileira
de
maneira
geral,
e
mineira,
particularmente,
uma
relação
não
tão
discernível
entre
o
sagrado
e
o
profano,
que
é
expressa
no
universo
da
viola
e
de
seu
tocador.
Especialmente
no
mundo
rural,
esse
aspecto
é
pungente
na
vida
social
e
religiosa
das
comunidades.
O
violeiro
é
um
personagem
misterioso
que
desperta
um
misto
de
curiosidade
e
de
fascínio
na
comunidade
a
qual
pertence.
É
ele
quem
mantém
uma
relação
estreita
entre
o
sagrado
e
o
profano
estando,
portanto,
em
uma
conjuntura
liminar
dentro
do
corpo
social.
Ele
transita
pela
dimensão
profana
por
conta
dos
inúmeros
contatos
com
o
mundo
sobrenatural,
ao
passo
que,
pela
dimensão
do
sagrado,
por
seu
profundo
311
HORTA,
Carlos
Felipe.
[05
de
setembro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐
MG.
312
INSTITUTO
DO
PATRIMÔNIO
HISTÓRICO
E
ARTÍSTICO
NACIONAL.
Samba
de
Roda
do
Recôncavo
Baiano.
Brasília,
DF
Iphan,
2006,
p.
111.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
conhecimento
dos
rituais
e
das
festas
religiosas.
O
violeiro
ocupa,
portanto,
uma
posição
ambígua.
Dentre
os
personagens
mais
famosos
que
se
relacionam
aos
causos
de
violeiros,
a
presença
da
figura
do
diabo
é,
dentre
todas,
a
mais
recorrente.
O
pesquisador
Luzimar
Pereira
é
enfático
ao
afirmar
que
“as
narrativas
sobre
pactos
com
o
diabo
são
importantes
tópicos
da
vida
musical,
social
e
religiosa
dos
tocadores
de
viola
de
dez
cordas
do
norte
e
noroeste
de
Minas
Gerais”313.
A
partir
de
sua
experiência
com
a
vida
social
dos
violeiros
do
sertão
de
Urucuia,
o
violeiro
Paulo
Freire
corrobora
essa
tese
ao
escrever:
Se
o
capeta
existe?
Ora
se
não...
é
só
passar
uma
temporada
ali,
vivendo
como
um
sertanejo,
assustando
as
diferenças
do
escurão
da
noite,
o
tanto
de
barulho
cercando
a
gente
e
presenciando
o
inexplicável.
Claro,
isso
tudo
ouvindo
os
causos.
O
pacto
do
diabo
para
tocar
com
maestria
um
instrumento
vem
desde
Paganini,
passou
pelos
bluseiros
dos
Estados
Unidos
e
hoje
em
dia
parece
que
o
diabo
está
escondido
em
alguma
grota
de
nosso
sertão.
É
ali
que
continua
fazendo
seu
serviço:
trocando
a
alma
do
pactário
pelo
sucesso
com
a
viola.
Ai
ai
314
ai... .
Isso
acontece
porque
o
demônio
é
visto
como
o
melhor
dos
tocadores
de
viola,
de
quem
todos
os
outros
desejam
adquirir
as
técnicas
para,
assim,
tornarem-‐se
exímios
tocadores.
Porém,
a
única
forma
ter
acesso
a
esta
linguagem
secreta
é
realizando
um
pacto
com
o
demônio.
Assim,
enquanto
ele
fornece
as
habilidades
do
toque
da
viola,
o
violeiro
dá
em
troca
a
sua
própria
alma.
313
PEREIRA,
Luzimar.
A
viola
do
Diabo:
notas
sobre
narrativas
de
pactos
demoníacos
no
Norte
e
Noroeste
Mineiro.
In:
Encontro
Nacional
de
Antropologia
e
Performance.
São
Paulo,
2010.
p.
1.
314
FREIRE,
A
música
que
vem
da
roça...
p.
208.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
317
Eu
já
ouvi
falar
isso...
Não
sou
acreditador .
318
Não,
eu
já
ouvi
falar .
Sempre
tem
umas
histórias
muito
cumprida
desse
trem,
mas
eu
não
sei
contar
história
também
não,
diz
que
ele
desceu
do
rio
com
caco
de
cuia,
tocando
num
caco
de
cuia,
cê
já
ouviu
falar
dessas
história?
Esse
trem
foi
achado
no
rio,
descendo
o
rio
abaixo,
o
rio
e
num
cabo
de
cuia
que
ele
ia
tocando,
num
caco
de
cuia.
A
de,
de
vem
um
caco
de
cuia
descendo
o
rio
abaixo
né,
tocando,
vem
um
caco
de
cuia
descendo
o
rio
abaixo
tocando.
Quem
que
vai
acreditar
nisso?
Eu
num
conto
esse
caso
pra
ninguém
não,
vai
me
chamar
eu
de
mentiroso.
Você
já
viu
caco
de
cuia
tocar
dentro
d’água?
Num
dá
nem
pra
você
contar
pro
povo
não,
mas
que
tem
a
história
tem
(...).
Raposinho
sabe
contar
essas
história
os
casos
da
319
viola
aqui,
que
o
cara
foi
aprender,
como
é
que
é? .
315
SIQUEIRA,
Paula.
“Ser
afetado”,
de
Jeanne
Frevet-‐Saada
(Tradução).
Cadernos
de
Campo,
n.
13,
2005.
p.
156.
316
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
317
PEREIRA,
José
Leal.
[19
de
julho
de
2017].
318
SIQUEIRA,
Odorino.
[10
de
julho
de
2017].
319
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
320
PEREIRA,
Luzimar.
As
vicissitudes
da
fama:
os
dons
divinos
e
os
pactos
demoníacos
entre
os
tocadores
de
viola
de
dez
cordas
do
norte
e
noroeste
mineiro.
Revista
de
Antropologia
da
USP,
v.
55,
2012.
p.
1049.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
As
histórias
envolvendo
a
afinação
Rio
Abaixo
possuem
muitas
variações
e
são
contadas
de
diferentes
maneiras
dependendo
da
região.
Em
uma
dessas
variações321,
conta-‐se
que
uma
viúva,
acompanhada
de
seu
filho,
lavava
roupas
às
margens
de
um
rio
quando
um
homem
de
chapéu
e
trajes
escuros
surgiu
descendo
em
uma
pequena
canoa,
na
posse
de
uma
viola
dourada,
a
qual
tocava
magistralmente
(observa-‐se
que,
na
fala
do
senhor
Domingos,
a
pequena
canoa
é
trocada
por
um
caco
de
cuia).
Encantada
com
o
som,
a
viúva
elogiou
o
homem
e
o
convidou
para
tomar
um
café
em
sua
casa.
Enquanto
passava
o
café
para
o
visitante,
o
seu
filho
ficou
desconfiado
quanto
à
aparência
estranha
daquele
homem.
Assim
que
avistou
um
pé
de
boi
ao
olhar
por
debaixo
da
mesa,
o
menino
logo
chamou
a
atenção
de
sua
mãe,
que
não
acreditou
nas
invencionices
do
filho.
Contudo,
a
insistência
infantil
fez
com
que
a
viúva
resolvesse
conferir
a
história
que
o
filho
lhe
contou
e,
ao
olhar
debaixo
da
mesa,
a
mulher
confirmou
que
o
homem
realmente
tinha
os
pés
como
os
dos
bois.
Assustada,
em
um
único
lance
resolveu
também
retirar
o
chapéu
do
homem
constatando
que
este
tinha
chifres
de
bode.
A
mulher
então
começou
a
rezar
dois
credos,
fazendo
o
diabo
explodir,
transformando-‐se
em
uma
fita
preta
que,
se
amarrada
a
qualquer
viola,
faria
do
tocador
um
excelente
violeiro,
assim
como
o
diabo.
É...
porque
tem
que
pegar
uma
viola,
o
que
quiser
aprender,
têm
que
pegar
a
viola
que
nunca
foi
tocada
e
vai
pra
porta
de
igreja
dia
de
Sexta-‐feira
da
Paixão,
e
emboca
a
viola
em
riba
das
perna
assim
e
fica
ali
e
chama
pela
pessoa
que
é
o
melhor
tocador
de
viola
que
ele
conheceu
ou
que
ouviu
falar,
chama
o
nome
daquela
pessoa
e
fica
ali
né.
Daqui
a
pouco
você
vê
a
viola
afinar.
Se
ele
tiver
medo
:::
aí
ele::
pula
longe.
Aí
ele
vê
a
viola
afinar.
322
Aí
a
viola
afina,
quando
ele
revira
a
viola
aí
ele
toca
o
que
ele
quiser .
321
Baseada
na
canção
“Lenda
do
Rio
Abaixo”,
de
Gedeão
da
Viola
e
João
Pedro.
322
MESTRE
WALDÃO.
[26
de
junho
de
2017].
Teófilo
Otoni.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Luis
Molinari
Mundim.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Percebe-‐se
que
as
relações
pactuárias
para
incrementar
o
ofício
do
violeiro,
se
concentram
justamente
na
questão
do
refinamento
nos
modos
de
afinar
a
viola,
principalmente
em
Rio
Abaixo,
revelando
seu
caráter
místico
e,
ao
mesmo
tempo,
sua
importância
enquanto
dialetos
das
práticas
musicais
e
performáticas
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores.
De
acordo
com
Domingos
Diniz,
o
Rio
Abaixo
também
pode
ser
concebido
como
uma
manifestação
derivada
do
lundu,
porém,
desprovida
de
dança,
em
que
versos
são
acompanhados
dos
ponteados
da
viola,
que
contam
a
história
de
um
homem
que
descia
o
rio
abaixo
em
um
caco
de
cuia.
E
este
homem
era
o
diabo.
De
acordo
com
este
autor,
“O
toque
da
viola
do
rio-‐abaixo
é
quase
um
pedal.
Sustenta-‐se
uma
nota
grave,
dando-‐se
a
impressão
de
ali
está
o
tempo
forte,
enquanto
o
dedilhado
faz
o
solo.
Já
o
lundu-‐dança,
a
viola
‘rasgueada’,
ritmando
firme
o
contagiante
lundu
sem
a
323
preocupação
do
pedal”,
informa-‐nos
o
cantor
e
compositor
Markuz
Ribas .
Na
afinação
Rio
Abaixo,
os
pares
de
cordas
são
afinados
da
seguinte
maneira:
as
primas
em
uníssono,
em
Ré
(D),
as
requintas
em
uníssono,
em
Si
(B),
as
turinas
e
contra
turinas
oitavadas,
em
Sol
(G),
as
toeira
e
contra
toeiras
oitavadas,
em
Ré
(D)
e,
por
fim,
os
canotilhos
e
contra
canotilhos
oitavados,
em
Sol
(G).
O
Vale
do
Jequitinhonha
foi
a
mesorregião
em
que
a
Rio
Abaixo
teve
o
maior
percentual
de
menções,
28%.
Logo
em
seguida
apareceu
o
Vale
do
Mucuri,
com
22%;
a
RMBH,
com
17%;
a
Central,
com
16%;
a
Noroeste,
com
13%,
a
Sul/Sudoeste,
com
12%;
o
Triângulo
Mineiro/Alto
Paranaíba
e
o
Campo
das
Vertentes,
ambas
com
11%;
o
Vale
do
Rio
Doce
e
a
Zona
da
Mata,
ambas
com
10%;
a
Oeste,
com
8%
e
a
região
Norte,
com
7%,
conforme
demonstra
o
mapa
4.
É
importante
pontuar
que,
apesar
de
aparecer
em
último
lugar
no
percentual
de
menções
à
Rio
Abaixo,
essa
afinação
mostrou-‐se
muito
presente
no
cotidiano
dos
violeiros
da
região
Norte
de
Minas
mais
do
que
em
outras
regiões
do
estado.
Essa
informação
ficou
patente
323
DINIZ,
Domingos.
O
Rio-‐Abaixo.
Revista
da
Comissão
Mineira
de
Folclore,
n.
23,
2002.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Mapa
4:
Densidade
de
violeiros
que
declaram
tocar
na
afinação
Rio
Abaixo
Fonte:
Iepha-‐MG
Contudo,
ainda
assim,
há
uma
percepção
corrente
dentre
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
de
que
essa
afinação
vem,
aos
poucos,
perdendo
a
expressividade
nos
locais
onde
é
tradicionalmente
estabelecida,
muito
em
função
da
introdução
e
da
consolidação
de
outras
práticas
musicais
com
a
viola.
O
grande
percentual
de
menções
ao
Cebolão
é
um
sinal
explícito
dessas
mudanças,
tal
como
pontuou
o
senhor
Domingos
ao
falar
do
contexto
social
em
que
vive
no
município
de
São
Francisco:
Teve
muita
mudança.
Aliás,
depois
que
eles
incentivou
o
Cebolão
a
mudança
da
viola
foi
muita
né,
porque
é
uma
afinação
que
eu
nem
conhecia
e
o
povo
tomou
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
gosto
com
ela
que
hoje
não
tem
um
artista
daqueles
que
toca
nessa
afinação
aqui
que
eu
toco
né,
num
tem,
o
instrumento
deles
é
tudo
cebolão,
é
o
Rio
Abaixo
é,
afinação
Taboca,
é
muito,
mudou
muito.
Que
antes
assim,
uns
trinta
anos
pra
trás
aqui,
a
afinação
de
viola
era
só
essa
aqui,
aí
depois
foi
aparecendo
Cebolão,
aliás,
aqui
não
tinha
nem
ninguém
que
sabia
tocar
Cebolão.
Teve
uns
que
aprendeu
mais
foi
com
aquele
Cândido.
Cândido
trabalhou
lá
em
Brasília,
acho
que
ele
viu
os
povo
tocando
lá,
aí
pegou
e
aprendeu.
E
ele
toca
muito,
ele
é
muito
bom
de
viola,
mais
aqui
eu
e
Zé
Preto
e
outros
aí,
nós
não
mexe
com
a
afinação
cebolão
324
não,
a
afinação
nossa
é
original,
de
tempo
que
fez
a
viola .
Fica
evidente
que
as
sonoridades
que
esta
afinação
promove
são
bastante
específicas,
sendo
utilizada
geralmente,
para
tocar
canções
ponteadas
e
com
arranjos
de
execução
mais
“lânguidos”
e
menos
“vigorosos”
que
a
da
Cebolão;
neste
caso,
o
som
da
viola
em
Rio
Abaixo
se
mostra
mais
penetrante.
Para
o
senhor
Domingos,
o
que
marca
a
diferença
entre
essas
afinações
é
o
modo
de
pisar
as
cordas:
é
porque
uma
tem
dedo
solto
e
a
outra
tem,
que
ser
pisado.
Aí
dedo
solto
é
Cebolão,
você
movimenta
pouco
com
os
dedos,
né,
e
essa
daqui
não,
essa
daqui
os
dedos
tudo
tem
que
trabalhar.
Se
não
trabalhar,
aqui
ó
[toca
a
viola
nesse
momento],
não
deu
som
nenhum.
Se
fosse
Cebolão
aqui
daria
um
som
bonito
325
demais .
Além
disso,
outros
cinco
nomes
foram
identificados
como
sendo
correspondentes
à
afinação
Rio
Abaixo,
a
saber:
Oitavada,
Guitarra,
Guitarra
Inteira,
Serra
Abaixo
e
Cebolinha.
Chico
da
Viola,
por
exemplo,
foi
um
dos
violeiros
que
disseram
utilizar
a
afinação
chamada
Serra
Abaixo:
As
cordas
né.
Então
ali
você
prende
o
bordão,
sorto,
você
afina
ele
solto
por
baixo
do
[Sol]
da
sanfona
e
afina
as
outra
presa.
Aí
dá
a
posição
de/
você
esta
tocando
Serra
Abaixo
mas
tocando
posição
de
Sol.
[Essa
afinação
toca]
Qualquer
música!
324
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
325
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Catira
é
o
principal.
Catira,
folia,
pra
tocar
moda,
cantar
moda/
ela
é::
perfeita,
é
326
mesma
coisa.
(...)
Eu
gosto
mesmo
é
da
Serra
Abaixo .
Sendo
também
proveniente
da
Península
Ibérica,
assim
como
a
afinação
Rio
Abaixo,
a
Natural
já
era
usada
entre
os
séculos
XVI
e
XVIII
na
guitarra
espanhola
e,
posteriormente,
na
viola
toeira
da
faixa
litorânea
portuguesa327.
Uma
vez
no
Brasil,
essa
afinação
repercutiu
muito
no
Rio
de
Janeiro
e
em
Pernambuco,
porquanto
a
influência
que
tiveram
em
Minas
Gerais,
especialmente
nas
regiões
da
Zona
da
Mata,
onde
o
percentual
de
menções
foi
de
16%,
e
no
Vale
do
Rio
Doce
e
Norte
de
Minas,
ambas
12%.
Foi
somente
nessas
três
mesorregiões
que
a
afinação
Natural
apareceu
na
segunda
posição
no
número
de
menções;
dentre
as
demais
mesorregiões
mineiras,
a
segunda
posição
ficou
com
a
afinação
Rio
Abaixo.
Em
seguida
a
essas
três
mesorregiões,
a
Central
Mineira
apareceu
com
um
percentual
de
citações
de
10%,
o
Campo
das
Vertentes
com
9%,
a
RMBH
e
a
Sul/Sudoeste
com
7%
cada,
a
Noroeste
com
6%,
a
Oeste
com
5%
e
o
Triângulo
Mineiro/Alto
Paranaíba
com
2%.
Nos
Vales
do
Jequitinhonha
e
do
Mucuri,
essa
afinação
não
figurou
nem
entre
as
cinco
mais
citadas.
No
Jequitinhonha,
por
exemplo,
houve
apenas
2
menções
à
afinação
Natural,
ao
passo
que
no
Mucuri
não
houve
nenhuma
menção,
conforme
demonstra
o
mapa
5.
326
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017].
327
OLIVEIRA,
Ernesto
Veiga
de.
Instrumentos
musicais
populares
portugueses.
Lisboa:
Fundação
Calouste
Gulbenkian,
1966.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
toeira
e
contra
toeira
oitavadas,
em
Ré
(D)
e
o
canotilho
e
contra
canotilho
oitavados,
em
Lá
(A).
Mapa
5:
Densidade
de
violeiros
cadastrados
que
declaram
tocar
na
afinação
natural
Fonte:
Acervo
Iepha-‐MG
Chico
da
Viola
também
mencionou
um
dia
já
ter
tocado
viola
a
partir
da
afinação
Natural,
além
de
citar
outros
nomes
de
afinação
que
disse
conhecer:
328
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
partir
dos
apontamentos
feitos
por
este
violeiro,
torna-‐se
perceptível
toda
a
complexidade
que
está
envolvida
na
questão
da
afinação
de
uma
viola,
e
o
quanto
esta
linguagem
sonora
não
é
acessível
àqueles
que
não
estão
iniciados
a
ela.
Muitos
violeiros,
especialmente
os
de
maior
tempo
no
ofício,
aprenderam
afinar
a
viola
apenas
“no
ouvido”,
fazendo
com
que
ele
seja
socialmente
legitimado
entre
os
pares
enquanto
um
conhecedor
dessa
linguagem.
E
hoje,
uma
das
transformações
por
qual
vem
passando
o
ofício
é
justamente
a
inclusão
de
aparelhos
de
afinação
eletrônicos,
alguns
dos
quais
são
acoplados
ao
instrumento
ainda
no
momento
da
fabricação.
O
violeiro
Zé
Limão
é
um
dos
que
vem
percebendo
essas
nuances
e
as
implicações
disso
para
as
funcionalidades
da
viola:
Os
violeiro
é
tudo
igual,
um
toca
numa
afinação,
tem
muita
afinação
né,
afinação
tem
muita.
Aí
vai
aprendendo
e
vai
tocando,
mais
acaba
dando
a
mesma
coisa.
Do
jeito
que
eu
estou
com
essa
viola
aqui
ó,
se
eu
chegar
lá
em
Belo
Horizonte
e
encontrar
com
Chico
Lobo
e
nós
for
tocar,
não
preciso
eu
mexer
em
nada,
ela
tá
certa
com
a
viola
dele,
porque
hoje,
de
primeira
era
diferente
porque
a
gente
afinava
viola
era
só
mesmo
no
ouvido,
né.
Hoje
não,
nós
tem
uns
aparelhos
pra
afinar,
pra
dar
altura,
(...)
sabe
qual
é
a
letra
que
é
a
corda,
se
é
outra
afinação
você
já
sabe,
então,
e
tá
tudo
certo.
Se
chegar
uma
banda
de
música
aqui
e
você
tiver
afinado,
que
eles
afinar
também
né,
se
eles
tiver
afinado
eles
tá
afinado
comigo
né,
eu
com
eles,
independe
da
posição
que
eles
pega,
se
pegar
um
Sol,
se
pegar
um
Mi
é
aqui,
se
pegar
um
Sol
eu
tenho
que
caçar
ele
aqui
pra
está
certinho,
porque
hoje
o
povo
aprenderam
isso,
de
primeira
não,
a
gente
saía,
era
difícil,
as
folia,
a
maioria
delas
hoje
não
tá
assim
não,
eles
afina
as
viola
na
altura
que
dá
e
vai,
mais
muito
folião
aí
já
aprendeu
esse
negócio
de
afinar
viola
com
o
trem
de
afinar,
eu
ali
na
Lagoa
Santo
Antônio,
vou
tocar
junto
com
eles
lá,
o
mesmo
som,
mesma
altura,
o
instrumento
tá
afinado
certo
porque
a
corda
aqui,
se
tiver
uma
corda
certa
com
a
do
outro
na
altura,
ele
tá
tocando
numa
posição
e
eu
noutra
e
dá
certo,
tá
afinado.
Agora,
se
não
tiver
nenhuma
certa
não
tem
jeito,
329
dá
meio
tom.
Meio
tom
não
acerta .
Uma
vez
que
a
lógica
da
afinação
Natural
na
viola
é
praticamente
a
mesma
utilizada
para
afinar
o
violão,
muitos
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
que
iniciaram
no
mundo
dos
instrumentos
de
cordas
através
do
violão,
acabaram
por
encontrar
na
Natural,
um
caminho
mais
fácil
que
o
introduzisse
no
universo
da
viola.
329
PEREIRA,
José
Leal.
[19
de
julho
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Nesse
ponto,
não
é
raro
observar
violeiros,
violeiras
e
tocadores
que
tiveram
sua
iniciação
musical
em
outros
instrumentos
de
cordas,
a
exemplo
de
Zé
Floresta,
que
começou
tocando
cavaquinho,
aquele
carioquinha
bem
pequetitim,
eu
tava
estudando,
então
dessa
época
prá
cá,
do
cavaquinho
foi
até
chegar
a
viola330.
Este
instrumento
também
foi
o
meio
inicial
pelo
qual
Chico
da
Viola
começou:
peguei
a
tocar
cavaquinho
que
já
tinha
um
moço
tocando
sabe?
Já
o
violão
ajudou
na
formação
de
outros
tantos
violeiros,
a
exemplo
de
Domingos,
que
também
tomou
contato
com
o
instrumento
que
o
irmão
levou
de
Belo
Horizonte
para
São
Francisco.
Depois
eu
peguei
gostar
de
viola,
adquiri
viola,
quase
que
eu
largo
o
violão
pra
lá.
Voltando
à
Natural,
observou-‐se
através
do
Cadastro,
que
as
citações
aos
nomes
Goiana,
Goiano
,
Violada,
Enviolada
e
Normal
também
correspondem
à
esta
afinação.
O
senhor
Cândido
cita
o
nome
Violada
ao
dizer
que,
para
tocar
o
Pagode,
é
melhor
no
Cebolão.
Já
o
Pagode
na
Violada
já
é
mais
difícil331.
Na
região
de
Uberaba
foi
muito
comum
a
citação
ao
nome
Goiana,
como
uma
das
afinações
utilizadas
pelos
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
por
estar
muito
ligada
aos
toques
dos
ritmos
utilizados
na
dança
do
Catira:
Eu
toco
em
cinco
afinações,
a
Boiadeira
né,
que
o
meu
pai
me
ensinou,
Rio
Abaixo,
Rio
Acima
e
a
Paulista.
Paulista
é
usada
mais
na
Folia
de
Reis.
E
a
Goiana
333
mais
pra
Catira .
330
MARTINS,
José
Roberto.
[26
de
junho
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Luis
Mundim.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
331
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
332
CURY,
Paulo.
[10
de
abril
de
2018].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
333
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Foi
possível
promover
certos
agrupamentos
com
determinadas
afinações
que
foram
citadas,
já
que
muitos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
acabam
por
criar
“novas”
afinações
a
partir
da
modificação
no
tom
de
algum
par
de
cordas
de
uma
das
três
afinações
de
referência.
É
o
caso,
por
exemplo,
da
afinação
Boiadeira,
que
foi
citada
por
Maurício
Gonzaga
e
identificada
no
Cadastro
também
como
Itabira
e
Criminosa,
e
que
estruturalmente,
se
assemelha
muito
à
afinação
Cebolão
em
Ré
(D).
A
diferença
está
no
tom
do
quinto
par
de
cordas,
que
na
Cebolão
está
afinada
em
Lá
(A)
e
na
Boiadeira
em
Sol
(G).
Isso
incidiu
também
nas
afinações
denominadas
de
Rio
Abaixo
Desconfiada
e
Rio
Abaixo
Alterada,
cada
uma
sendo
mencionada
apenas
uma
vez
e
que,
apesar
da
diferença
no
nome
composto,
correspondem
a
uma
mesma
afinação.
Neste
caso,
tendo
a
Rio
Abaixo
como
a
afinação
de
referência,
aumenta-‐se
um
tom
no
primeiro
par
de
cordas
que
passam
do
Ré
(D)
ao
Mi
(E).
Também
partindo
da
afinação
Rio
Abaixo,
a
Chitarina
foi
citada
por
um
violeiro
que
explicou
ter
conhecido
essa
afinação
por
meio
dos
encartes
que
vinham
no
interior
dos
envelopes
das
cordas
da
marca
Giannini.
A
diferença
entre
ambas
está
em
uma
mudança
de
meio
tom
no
segundo
par
de
cordas,
que
passa
de
Dó
(C)
para
Si
(B).
Ademais,
a
palavra
Diapasão
foi
mencionada
por
22
violeiros,
violeiras
e
tocadores
(1,67%),
o
que
leva
à
hipótese
dessa
referência
ser,
em
realidade,
à
afinação
Natural.
No
entanto,
não
é
possível
afirmar
categoricamente
a
esse
respeito,
a
não
ser
que
a
referência
sonora
utilizada
pelos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
que
responderam
Diapasão
seja
a
frequência
padrão
emitida
pelo
aparelho
de
mesmo
nome.
A
partir
do
contato
com
os
tocadores
que
citaram
as
afinações
Ciganinha
e
Paulistinha
(1
citação
cada),
sustenta-‐se
a
hipótese
de
que
ambas
podem
ser
identificadas
como
a
mesma
afinação,
embora
quem
respondeu
não
soube
dizer
com
exatidão
em
qual
tom
cada
par
de
cordas
está
afinado.
Ademais,
as
seguintes
afinações
também
figuraram
dentre
as
respostas:
Rio
Acima
(2,13%);
Avançador
(0,45%);
Paraguaçu
(0,45%);
Oitava
(0,3%);
Travessa
(0,3%);
Meia
Guitarra
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
(0,3%);
Paraguaia
(0,22%);
Atravessada
(0,22%);
Canhoto
(0,15%);
Afinação
Sagrada;
Folha
Seca;
Viola
Moura;
Faisão;
Goianinha;
Seis
Ordens;
Afinação
de
dois
em
dois;
Latino-‐
Americana;
Padrão;
Quatro
Pontos;
Cubatão;
Rodas
de
Viola;
Sabadão;
Rancharia;
Pantaneira;
Braço
Solto;
Arturiana
e
Carreteiro
(cada
uma
com
apenas
uma
menção,
ou
seja,
0,07%).
A
partir
desse
panorama
fornecido
pelo
Mapeamento,
fica
mais
inteligível
a
percepção
de
que
da
interação
estabelecida
entre
a
viola
e
o
violeiro
em
espaços
e
tempos
distintos
incidiu
em
um
abundante
manancial
musicalidade
no
contexto
mineiro.
Assim,
a
disseminação
desse
instrumento
pelo
território
convergiu
para
uma
impressionante
diversidade
sonora,
que
pode
ser
manifestada
tanto
na
quantidade
de
afinações,
como
também
na
quantidade
dos
ritmos.
O
ritmo
pode
ser
verificado
em
diversos
componentes
não
somente
do
ponto
de
vista
cultural,
mas
também
da
natureza,
a
exemplo
do
movimento
das
marés.
Entretanto,
é
neste
primeiro
plano,
que
o
ritmo
adquire
especial
importância
para
se
pensar
a
vida
das
coletividades,
principalmente
quando
esta
noção
é
utilizada
para
qualificar
os
momentos
de
caráter
festivo,
onde
as
violas
possuem
marcante
funcionalidade.
Com
respeito
à
noção
de
ritmo
que
o
sagrado
instaura
no
tempo,
tornando-‐o
festivo
e
“cheio”,
os
estudos
de
Henri
Hubert
e
Marcel
Mauss
pontuaram
que:
O
ritmo
é
necessário
para
a
vida
social
e
é
um
fator
de
coesão.
Necessário
porque
estabelece
um
concerto
para
as
atividades
coletivas
e
porque
a
intensidade
da
vida
social
não
pode
ser
suportada
durante
muito
tempo,
devendo
então
ser
periodicamente
seguida
por
um
período
de
intensidade
decrescente,
de
334
repouso .
334
MASSELLA,
Alexandre
Braga.
Resenhas.
Émile
Durkheim.
O
individualismo
e
os
intelectuais.
Henri
Hubert.
Estudo
sumário
da
representação
do
tempo
na
religião
e
na
magia.
Tempo
Social,
v.
29,
n.
2,
2016.
p.
326
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
sucessão
na
duração
de
uma
série
de
sons.
No
dicionário
Caldas
Aulete335,
a
palavra
ritmo
é
designada
como
“a
sucessão
de
sons
ou
movimentos
que
se
repetem
regularmente,
com
acentos
fortes
e
fracos”,
obedecendo
a
intervalos
de
ordens
cadenciadas.
No
campo
específico
da
viola,
essas
sucessões
de
sons
que
levam
a
movimentos
sonoros
característicos,
se
estabeleceram
em
contextos
históricos,
sociais,
culturais
e
geográficos
específicos,
sendo
repassados
ao
longo
do
tempo
e
das
diversas
ocasiões
em
que
o
instrumento
está
inserido.
O
cadastro
que
compôs
o
Mapeamento
do
universo
das
violas
em
Minas
Gerais
apresentou
uma
questão
sobre
quais
os
ritmos
que
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
têm
por
costume
tocarem.
Essa
questão,
porém,
acabou
por
fornecer
uma
série
de
informações
adicionais,
uma
vez
que
a
forma
com
que
a
pergunta
foi
estruturada
abarcou
outros
elementos,
sendo
necessário
proceder
com
um
exercício
posterior
de
distinção
entre
eles336.
Assim,
para
além
dos
ritmos,
é
necessário
pontuar
que
foram
citadas,
em
primeiro
lugar,
informações
quanto
às
formas
como
se
toca
o
instrumento,
ou
seja,
o
jeito
como
os
dedos
da
mão
direita
passam
pelas
cordas.
A
partir
disso,
os
seguintes
nomes
foram
citados:
Rasqueado,
Repicado,
Ponteado,
Pontiado,
Ponteio
e
Dedilhado.
Os
dois
primeiros
nomes
correspondem
a
uma
técnica
que
é
muito
utilizada
para
se
tocar
ritmos
como
a
guarânia,
a
moda
de
viola
ou
o
pagode
e
que
é
obtido
“ferindo-‐se
as
cordas
em
um
movimento
rasgado,
de
cima
para
baixo”337,
podendo
ser
com
o
polegar
ou
com
os
demais
dedos
da
mão
direita,
de
modo
a
“ferir”
todas
as
cordas
do
instrumento
a
uma
só
vez.
Já
as
demais
nomenclaturas
correspondem
à
outra
técnica
que
consiste
no
movimento
dedo
a
dedo
sobre
as
cordas,
produzindo
uma
sonoridade
mais
melódica.
Desse
modo,
a
técnica
do
ponteado
é
aquela
que
confere
o
tom
“choroso”
da
viola.
335
Cf:
<http://www.aulete.com.br/ritmo>
acesso
em
14/05/2018.
336
Este
exercício
empreendido
pela
equipe
que
elaborou
o
Dossiê
foi
orientado
por
Ivan
Vilela.
337
DIAS,
Saulo
Sandro
Alves.
O
processo
de
escolarização
da
viola
caipira:
novos
violeiros
(in)ventano
modas
e
identidades.
244p.
Tese
(Doutorado
e
Educação).
São
Paulo:
Universidade
de
São
Paulo,
2010.
p.
17.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
ponteado
é
uma
técnica
muito
utilizada
na
porção
norte
do
território
mineiro,
sendo
que
alguns
violeiros
chegam
a
empregar
apenas
o
polegar
e
o
indicador
para
dedilhar
as
cordas.
A
narrativa
do
violeiro
Paulo
Freire
sobre
sua
experiência
no
sertão
do
Urucuia
na
década
de
1970,
mostra
bem
como
esta
técnica
do
ponteado
é
tradicionalmente
consolidada
nessa
parte
de
Minas.
Vindo
de
outro
contexto
sociocultural,
Freire
estabeleceu
uma
relação
com
o
violeiro
Manoel
Neto
de
Oliveira,
o
senhor
Manelim,
um
exímio
violeiro.
Encantado
com
a
forma
como
Manelim
tocava,
o
então
aprendiz
passou
a
imitar
o
jeito
de
dedilhar
a
viola
como
o
seu
mestre.
Embora
essas
diferentes
formas
de
tocar
sejam
comum
a
outros
instrumentos
musicais,
eles
definitivamente
se
destacam
sobre
o
timbre
da
viola,
conformando
uma
espécie
de
expressão
idiomática
que
é
muito
peculiar
a
este
instrumento
e
que
acaba
por
demarcar
o
seu
universo
musical339.
Isso
significa
dizer
que
as
sonoridades
produzidas
pela
viola
rementem
o
ouvinte
imediatamente
à
paisagem
rural.
Este
é
o
idioma,
por
excelência,
desse
instrumento
que
mesmo
sendo
tocado
em
outros
ritmos
ou
gêneros,
é
à
roça,
ao
sertão,
ao
campo
e/ou
ao
interior
que
ela
leva
a
imaginação,
de
modo
incontornável.
Da
pergunta
sobre
os
ritmos
surgiram,
em
segundo
lugar,
respostas
que
podem
ser
enquadradas
como
gêneros
musicais,
que
são
uma
combinação
de
elementos
que
tornam
338
FREIRE,
2010
apud.
MIRANDA,
Fábio
de
Souza.
Roda
de
viola:
jogos
musicais
no
ensino
coletivo
da
viola
caipira.
Dissertação
(Mestrado
em
Música).
São
Paulo:
Universidade
de
São
Paulo,
2016.
p.
24
339
DIAS,
Saulo
Sandro
Alves.
O
processo
de
escolarização
da
viola
caipira:
novos
violeiros
(in)ventano
modas
e
identidades...
p.
17.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
a
música
audível,
tais
como
os
sons,
os
instrumentos,
os
temas
musicais,
etc.
No
âmbito
do
Mapeamento
foram
citados
os
seguintes
gêneros
tocados
na
viola:
Rock,
Folk,
Pop,
MPB,
Arrocha,
Gospel,
Blues,
Samba,
Choro,
Bossa
Nova,
Seresta,
Baião,
Forró
e
Bolero,
o
que
mostra
que
este
instrumento
comporta
uma
variedade
musical
que
é
verificada
em
poucos
instrumentos.
Porque
no
caso
nosso
dessa
moçada
nossa,
né,
nós
tocamos
de
tudo.
Então
você
vai
ter
o
Renato
Caetano
que
hoje
tá
na
área
do
rock.
Vai
ter
eh:::
a/a
Letícia,
né,
que
tá
fazendo
umas
coisas
também
[Ligadas]
ao
jazz
né?
(...)
Fernando
Sodré
340
que
é
uma
mistura
também
ao
choro,
ao
Jazz
também
né?
Grande
parte
das
sonoridades
da
viola
é
proveniente
de
manifestações
da
cultura
popular
tais
como
danças,
bailados,
folias
e
outras
funções,
sejam
elas
sagradas
ou
profanas.
Nessa
perspectiva,
“observa-‐se
que
muitos
toques
da
viola
e
ritmos
são
diretamente
associados
a
danças
presentes
nos
contextos
festivos,
como
cururu,
caborje,
sussa,
lundu
anú,
chimarrita,
entre
outros”341.
Para
Roberto
Corrêa342
a
música
chamada
de
caipira
se
caracteriza
por
determinados
padrões
rítmicos
vindos
de
manifestações
populares,
340
VIOLA,
Pereira
da.
[09
de
fevereiro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Breno
Trindade,
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva,
Françoise
Jean
e
Luis
Molinari.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
341
SOUZA,
2005
apud.
MIRANDA,
Fábio
de
Souza.
Roda
de
viola:
jogos
musicais
no
ensino
coletivo
da
viola
caipira.
Dissertação
(Mestrado
em
Música).
São
Paulo:
Universidade
de
São
Paulo,
2016.
p.
32.
342
CORRÊA,
Roberto.
A
arte
de
pentear
viola.
Brasília,
Curitiba:
Ed.
Autor,
2000,
p.
169.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Corrobora
com
isso,
o
que
Vilela
disse
a
respeito
da
música
tocada
na
viola,
como
sendo
“o
maior
guarda-‐chuva
de
ritmos
distintos
existentes
na
música
brasileira”344,
conforme
se
pode
verificar
no
gráfico.
Os
dados
coletados
no
Mapeamento
apontaram
algo
em
torno
de
31
diferentes
ritmos
e
toques
de
viola
no
contexto
mineiro345.
Gráfico
6:
Gráfico
dos
ritmos
que
costumam
tocar
os
violeiros
e
violeiras
cadastrados
Fonte:
Acervo
Iepha-‐MG
Entre
todos
eles,
o
Pagode
foi
o
mais
mencionado
pelos
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
mapeados,
com
uma
porcentagem
de
61,93%,
figurando
como
a
primeira
posição
dentre
todas
as
mesorregiões
do
estado,
com
destaque
para
o
Triângulo
Mineiro/Alto
Paranaíba,
que
apresentou
a
maior
porcentagem
de
citações
a
este
ritmo
dentre
as
mesorregiões,
343
DIAS,
Saulo
Sandro
Alves.
O
processo
de
escolarização
da
viola
caipira:
novos
violeiros
(in)ventano
modas
e
identidades...
p.
11.
344
VILELA,
Ivan.
Cantando
a
própria
história:
música
caipira
e
enraizamento.
p.
71.
345
A
ficha
do
IPAC
relacionada
aos
Ritmos
Tradicionais
da
Viola
de
Minas
contém
uma
explicação
dos
principais
ritmos
que
incidiram
no
Mapeamento.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
segundo
ritmo
mais
citado
foi
o
Cururu,
cuja
porcentagem
foi
de
31,42%,
ou
seja,
cerca
da
metade
de
menções
se
comparado
ao
primeiro
colocado,
o
que
mostra
o
impacto
que
o
ritmo
Pagode
teve
no
universo
da
viola,
se
difundindo
para
espaços
que
antes
não
era
verificados.
A
Guarânia
ficou
em
terceiro
lugar
dentre
as
menções
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
atingindo
um
percentual
de
29,51%
do
total,
sendo
seguida,
em
quarto
lugar,
pelo
Catira/Cateretê,
com
28,22%.
Já
o
quinto
lugar
é
ocupado
pelo
ritmo
Toada,
com
25,93%
do
total
de
menções
e,
o
sexto,
pela
Moda
de
Viola,
com
12,58%.
Já
o
sétimo
ritmo
mais
mencionado
foi
o
Cipó
Preto,
com
uma
porcentagem
de
12,12%
do
total
e,
aqui
cabe
fazer
um
parênteses,
já
que
este
ritmo
é
executado
no
violão
como
acompanhamento
ao
Pagode.
Na
oitava
posição
em
número
de
menções
se
encontra
a
Valsa,
com
9,53%,
a
nona
posição
é
ocupada
pela
Querumana,
8,16%
e
a
décima
posição
é,
finalmente,
ocupada
pela
Polca,
com
5,87%.
O
violeiro
Maurício
Gonzaga,
de
Uberaba,
enumerou
os
principais
ritmos
que
toca
na
viola,
além
do
Pagode,
se
aproximando
muito
do
quadro
apresentado
pelo
Mapeamento:
Eu
toco
é
o
Cururu
né,
a
Moda
de
Viola
né,
Cateretê
né,
e
a
Toada.
Esses
são
os
346
ritmos
sertanejos .
É
necessário
pontuar
que
entre
os
dez
primeiros
ritmos
mais
citados
no
Mapeamento,
praticamente
todos
têm
em
comum
o
fato
de
integrarem
os
quadros
da
chamada
música
caipira,
gestada
naquela
mesma
região
apontada
na
emergência
da
afinação
Cebolão
e
amplificada
territorialmente
por
ocasião
do
fenômeno
do
rádio
e
das
gravações
dos
discos.
346
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Não
é
por
acaso,
aliás,
que
esses
ritmos
e
essa
afinação
se
espelham
nas
mesmas
posições
do
Mapeamento,
já
que
a
Cebolão
é
uma
afinação
que
se
liga
perfeitamente
à
execução
de
tais
ritmos.
É
somente
a
partir
da
14ª
posição
na
lista
dos
ritmos
mais
citados
que
esta
tendência
muda
e
os
ritmos
caipiras
dão
lugar
ao
Toque
da
Inhuma347,
que
é
largamente
difundido
na
porção
norte
perfazendo,
assim,
um
traço
cultural
dessa
região
do
estado,
mesmo
estando
já
bastante
difundida
entre
outras
regiões,
como
pode
ser
observado
logo
abaixo.
Este
toque
teve
uma
porcentagem
de
2,44%
do
total
de
respostas,
assim
abarcado
pelas
mesorregiões,
a
partir
do
número
de
vezes
que
foi
citado:
Triângulo
Mineiro
(7),
Norte
de
Minas
(5),
RMBH
(5),
Zona
da
Mata
(4),
Sul/Sudoeste
(3),
Central
(2),
Oeste
(2),
Campo
das
Vertentes
(1),
Noroeste
(1),
Jequitinhonha
(1),
Vale
do
Rio
Doce
(1)
e
Vale
do
Mucuri
(0).
O
Toque
da
Onça,
que
ocupa
a
16ª
posição
em
número
de
citações
com
uma
porcentagem
de
2,28%,
o
Toque
da
Ludovina
na
25ª
posição
com
0,30%
e
a
Cana
Verde
que,
logo
abaixo,
representa
uma
porcentagem
de
0,15%,
também
conformam
as
referências
culturais
dessa
parte
do
estado
de
Minas.
O
senhor
Domingos,
de
São
Francisco/MG,
fala
um
pouco
a
respeito
desses
ritmos
que
compõem
a
sua
vivência
com
a
viola:
Tem
Inhuma,
tudo
faz
(...)
Inhuma
eu
invento
mais
ou
menos
[toca
a
viola].
Isso
aqui
é
a
Inhuma.
Agora
tem
tanto
toque,
tem
um
tal
do
Papagaio,
seu
Minervino
tocava
e
eu
não
aprendi
e
o
véio
morreu
sem
a
gente
aprender
(...)Tem
o
Toque
da
Onça,
uma
tal
de
Caninha
Verde,
(...),
tem
até,
tem
tanto
toque
de
viola
(...)
[Esses
toques
são]
mais
observando
a
natureza,
é
porque
tocar
uma
Caninha
Verde
já
viu
né,
Caninha
Verde
só
dá
certo
se
tiver
bastante
gente,
é
que
aí
vai
dançar,
vai
bater
palma,
é,
tanta
coisa
que
tem,
e
isso
é
um
trem
meio
esquecido,
é
só
mesmo
quando
vocês
vem
de
lá
pra
cá
que
vem
alembrando
dessas
coisas,
o
povo
aqui
num
lembra
disso,
é
que
hoje
os
forró
que
eles
faz
hoje
é
aquele
pula-‐
pula,
né,
é
o
batuque,
todo
jeito,
né,
e
a
maioria
hoje
toca
música
sertaneja,
num
incentivou
esses
tipo
de
toque
não.
E
aqui
praticamente
quem
inventa
de
tocar
eles
é
eu,
Cândido
e
Mirinho
Costa
(...),
esse
povo
tocador
de
viola
hoje
só
tem,
348
que
eu
conheço
aqui
só
nós
três,
num
tem
mais
ninguém .
347
A
inhuma,
também
conhecida
por
anhuma,
anhima,
inhaúma,
alicorne,
unicórnio,
cametaú,
cauintã,
cavintau,
cuintau,
é
uma
ave
da
América
do
Sul
que,
no
Brasil,
é
encontrada
em
determinadas
regiões
do
interior,
a
exemplo
de
Goiás
(onde
é
um
símbolo),
São
Paulo
e
Minas
Gerais.
348
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Essa
passagem
toca
em
um
ponto
bastante
sensível
a
respeito
das
sonoridades
advindas
das
violas,
que
se
refere
ao
ambiente
como
o
conteúdo
primário
de
elaboração
sonora
por
parte
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores.
Nesta
perspectiva,
“levando
em
conta
o
meio
rural
onde
o
tocador
de
viola
amadureceu
seu
ofício
ao
longo
da
história,
é
possível
estabelecer
algumas
associações
de
seu
ambiente
com
sua
técnica
instrumental
e
seu
repertório
poético”349.
O
relato
da
experiência
de
Paulo
Freire
no
sertão
do
Urucuia,
ainda
continua
sendo
bom
para
pensar
a
respeito
deste
importante
tópico
das
violas
em
Minas,
onde
o
violeiro
transforma
sua
experiência
com
o
espaço,
em
música:
No
sertão
fiquei
encantado
com
o
instante
de
criação
das
músicas.
Uma
das
principais
características
dos
violeiros
da
região
é
a
execução
dos
“toques
de
viola”,
músicas
instrumentais
que
tratam
de
temas
diretamente
ligados
à
natureza,
como
a
peleja
do
sapo
e
o
veado,
lagartixa,
inhuma,
papagaio,
rio
abaixo,
etc.
Os
mestres
ensinam
que
os
toques
mostram
como
trazer
a
natureza
pra
dentro
do
bojo
da
viola.
(...)
É
impressionante
esse
processo,
podemos
“ver”
tudo
o
acontece
em
uma
música
puramente
instrumental:
o
veado
correndo
na
campina
enquanto
o
sapo
se
esconde
no
brejo,
o
papagaio
chegando
láááá
longe
por
cima
das
lagoas,
a
inhuma
cantando
e
soluçando.
O
contato
com
os
animais
e
suas
histórias
é
tão
próximo
ao
violeiro
que,
com
um
ponteado,
ele
nos
apresenta
350
todas
as
suas
aventuras .
349
MIRANDA,
Fábio
de
Souza.
Roda
de
viola:
jogos
musicais
no
ensino
coletivo
da
viola
caipira.
Dissertação
(Mestrado
em
Música).
São
Paulo:
Universidade
de
São
Paulo,
2016.
p.
27
350
FREIRE.
Paulo.
A
música
que
vem
da
Roça...
p.
205.
351
SCHAFER,
Raymund
Murray.
A
afinação
do
mundo:
uma
exploração
pioneira
pela
história
passada
e
pelo
atual
estado
do
mais
negligenciado
aspecto
do
nosso
ambiente:
a
paisagem
sonora.
São
Paulo:
Editora
UNESP,
2001.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Assim,
a
paisagem
sonora
dos
violeiros
é
geralmente
formada
por
uma
infinidade
de
sons,
como
dos
animais,
em
especial
dos
pássaros,
das
águas
e
das
atividades
agropastoris,
onde
a
vivência
na
“roça”
é
sempre
matéria
da
memória
por
parte
dos
violeiros,
como
no
caso
de
Chico
da
Viola:
Mas
então
a
minha
vida
começou
assim.
Toda
vida
eu
nunca
tive
o
prazer
de
ir
na
escola.
Nunca
tive.
Então
eu
criei
na
roça,
desde
a
idade
de
sete
anos
ia
no
boi,
de
carro
de
boi
passei
pra
carreto
e
no
cabo
da
enxada
e
da
foice.
Minha
vida
era
352
essa.
Era
cabo
de
enxada
e
da
foice .
Entretanto,
mais
do
que
a
composição
da
paisagem
sonora
em
si,
importa,
sobretudo,
o
seu
processo
de
escuta
e
de
apreensão,
posto
que
repleto
“de
sentidos
que
motiva
o
violeiro
a
traduzir
criativamente
o
canto
da
inhuma
para
o
instrumento,
elaborando
uma
técnica
no
tampo
da
viola
durante
o
dedilhado”353.
A
fala
do
senhor
Domingos
põe
em
relevo,
ainda,
as
transformações
que
veem
ocorrendo
com
a
introdução
de
outros
ritmos
e
a
percepção
de
que
há
um
progressivo
abandono
dos
toques
tradicionais,
em
detrimento
de
outras
referências
sonoras.
Nesse
ponto,
a
história
de
como
se
deu
a
introdução
do
Pagode
nas
comunidades
de
São
Francisco
é
ilustrativa,
pois,
foi
após
a
migração
do
senhor
Cândido
para
Brasília,
que
os
violeiros
ouviram
este
ritmo
pela
primeira
vez.
O
violeiro
assim
conta:
Quando
eu
fui
pra
lá
aqui
não
existia
muita,
existia
muita
música
de
viola,
mais
354
não
existia
Pagode,
esses
trem
assim
não .
352
POSSIDÔNIO,
Francisco
José.
[06
de
abril
de
2017].
353
MIRANDA,
Fábio
de
Souza.
Roda
de
viola:
jogos
musicais
no
ensino
coletivo
da
viola
caipira...
p.
29.
354
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
se
toca
mais355.
A
partir
das
impressões
dos
detentores,
é
necessário
voltar
o
olhar
para
essas
transformações,
com
o
intento
de
se
pensar
em
ações
de
salvaguarda
para
a
viola
em
Minas.
Depreende-‐se,
por
fim,
que
tanto
as
afinações
quanto
os
ritmos
estão
estreitamente
vinculados
às
expressões
musicais
da
cultura
popular,
participando
da
visão
de
mundo
e
do
imaginário
dos
grupos
sociais
por
serem
traços
fundamentais
das
suas
manifestações
culturais,
religiosas,
do
trabalho
e
do
divertimento.
São
tradicionalmente
herdadas
pela
via
da
oralidade,
tendo
como
condutores
os
mestres
de
tradição,
que
são
quem
dominam
e
transmitem
os
conhecimentos.
Figura
38:
Mestre
violeiro
José
Maria
Campos
e
aprediz
-‐
Bom
Despacho/MG.
Fonte:
Acervo
IEPHA
355
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Essas
violas
acabaram
por
irromper
o
espaço
circunscrito
à
região
de
Queluz
de
Minas,
difundindo-‐se
por
toda
Minas
Gerais
e
para
além
dela,
para
abastecer
violeiros,
bem
como
para
servir
de
modelo
aos
construtores
de
distintas
localidades
do
estado,
muito
especialmente
do
Norte
de
Minas357.
As
técnicas
construtivas
e
de
ornamentação,
a
exemplo
da
marchetaria,
tornaram-‐se
uma
referência
que
foi
incorporada,
por
exemplo,
356
O
Mapeamento
foi
realizado
pelo
IEPHA-‐MG
entre
março
de
2017
e
janeiro
de
2018,
como
parte
do
processo
de
Registro
das
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola
e
dos
Modos
de
Fazer
a
Viola
em
Minas
Gerais.
357
VILELA,
2015.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
nos
modos
de
fazer
de
mestres
construtores
como
Juquinha
Bicota,
Joaquim
Bicota,
Nego
de
Venança
e
Minervino,
do
município
de
São
Francisco,
e
por
Zé
Côco
do
Riachão,
de
Montes
Claros.
Essa
indicação
pode
ser
corroborada
pelo
Mapeamento
a
partir
das
respostas
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
à
questão
da
origem
construtiva
da
viola
que
tocam,
tal
como
mostra
o
gráfico
que
se
segue.
A
viola
industrial
foi
resposta
de
70,29%
dos
violeiros/tocadores,
ao
passo
que
as
violas
artesanais
corresponderam
a
apenas
29,12%
do
total
dos
cadastrados,
sendo
que
a
viola
construída
por
luthier
perfaz
19,17%
das
respostas
e
a
viola
de
construtores,
9,94%.
A
predominância
das
violas
de
luthier
dentro
do
espectro
mais
amplo
da
denominada
viola
artesanal,
pode
ser
devido
à
autorreferência
de
quem
fabrica
as
violas,
à
própria
percepção
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
a
respeito
de
seus
instrumentos
ou
às
técnicas
materiais
mais
apuradas
que
são
utilizadas
na
fabricação.
A
questão
da
denominação
do
ofício
será
mais
bem
abordada
a
seguir.
Gráfico da viola que toca (está na parte dos violeiros)
Percebe-‐se,
assim,
que
mesmo
em
meio
a
tantas
transformações
que
são
inerentes
a
qualquer
dinâmica
social,
o
estado
de
Minas
Gerais
ainda
tem
culturalmente
arraigado
o
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
ofício
e
os
modos
de
fazer
violas
artesanalmente
que,
assim
como
foi
pontuado
por
Chico
Lobo,
faz
com
que
o
artesão
até
hoje
construa
pra
suprir
a
comunidade
daqueles
instrumentos
que
ele
vai
usar358.
O
construtor
Vergílio
Lima
exemplifica
muito
essa
ligação
quando
tece
uma
explicação
a
respeito
das
violas
construídas
com
a
cintura
mais
afunilada:
(...)
a
intenção
da
cintura
fina
é
porque
ao
tocar,
o
pessoal
tocava
nas
folias
e
tal
andando,
e
era
complicado
de
botar
uma
correia
e
tal,
e
a
cintura
fina
é
pra
você
segurar
ela
aqui
e
dedilhar
com
os
outros
dedos
aqui
ó,
então
não
tem
nada
sem
motivo
né,
então
se
você
for
procurar,
o
motivo
da
cintura
fina
é
essa,
é
você
poder
segurar,
e
essa
técnica
aqui
de
usar
polegar
e
indicador
é
uma
técnica
que
vem
do
alaúde
e
que
foi
transportada
pra
viola
também,
então
é,
as
coisas
vão
se
359
emendando
né
(...) .
Longe
de
ser
apenas
uma
opção
estética,
observa-‐se
que
na
passagem
relatada,
a
viola
foi
sendo
aprimorada
pelo
construtor
à
medida
dos
usos
do
tocador
nas
performances
musicais
das
quais
participa,
que
no
caso
específico,
era
a
prática
das
folias.
Portanto,
a
viola
foi
norteando
tanto
o
ofício
do
construtor
e
de
seus
modos
de
fazer,
quanto
o
ofício
do
violeiro,
violeira
e
tocador
e
seus
modos
de
tocar,
tudo
isso
sendo
costurado
pela
manifestação
sociorreligiosa.
358
LEITE,
Francisco
Antônio
Lobo.
Violas.
[14
de
fevereiro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Breno
Trindade,
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva,
Françoise
Jean
e
Luis
Molinari.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
359
LIMA,
Vergílio.
[17
de
julho
de
2017].
Sabará.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Felipe
Chimicatti.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
através
da
viola
que
fabricou.
O
tocador
de
violas
Domingos
Corrêa,
do
município
de
São
Francisco,
explicita
essa
conexão
ao
dizer,
sobre
o
modo
antigo
de
afinar
violas,
que
antigamente
(...)
original
era
mesmo
a
afinação
do
fazedor,
que
quem
fazia
viola
criava
a
afinação
também360.
A
questão
de
como
a
viola
age
e
interage
com
o
construtor
e
o
violeiro,
violeira
e
tocador
modificando-‐os
e
vice
versa,
ainda
pode
ser
percebida
na
passagem
em
que
Vergílio
Lima
conta
do
início
de
sua
relação
com
o
violeiro
e
pesquisador
Roberto
Corrêa:
Aí
poucos
anos
depois,
em
86,
eu
tinha
feito
duas
ou
três
violas
e
fiquei
conhecendo
Roberto
Corrêa
num
seminário
de
música
em
Ouro
Preto,
um
seminário
de
música
instrumental
em
Ouro
Preto,
onde
ele
foi
convidado
como
professor
de
viola
e
eu
fui
convidado
para
fazer
manutenção
dos
instrumentos,
então,
desse
contato
surgiu
o
interesse
dele
numa
viola
melhor
do
que
a
viola
que
ele
usava
na
época,
e
aí
nós
não
paramos
mais.
Eu
tenho,
em
86,
tem
trinta
anos
exatos
né,
fez
ano
passado,
aí
a
cada
dez
anos
a
gente
combinou,
eu
e
ele,
eu
faço
uma
viola
que
sintetiza
a
evolução
daqueles
dez
anos,
então
no
momento
eu
estou
trabalhando,
a
gente
chama
de
década
três
que
vai
marcar
o
conjunto
né,
desse
processo
evolutivo
que
a
gente
conseguiu
fazer
nesses
trinta
anos,
é,
ele
tocando
e
demandando
cada
vez
mais
um
instrumento
melhor
que
atendesse
as
necessidades
dele,
e
eu
produzindo
um
instrumento
cada
vez
melhor
pra
poder
361
estimulá-‐lo
na
execução,
então
a
história
começou
assim .
Ademais,
a
narrativa
de
Vergílio
deixa
entrever
um
outro
aspecto:
o
de
que
seu
ofício
se
dirige
a
um
conjunto
de
violeiros,
violeiras
e
tocadores
bastante
específico,
formado
por
grandes
nomes
da
cena
instrumental
e
erudita
como,
por
exemplo,
Renato
Andrade,
que
já
teve
suas
violas
reparadas
por
Vergílio.
Isso
põe
em
evidência
que
os
sentidos
do
trabalho
e
da
produção
artesanal
do
instrumento
são
atravessados
por
diferentes
matizes
que
permitem
compreender
a
diversidade
do
ofício
e
dos
modos
de
fazer
artesanais
das
violas
em
Minas
Gerais.
Sob
esta
perspectiva,
o
instrumento
é
catalizador
de
uma
“miríade
de
significantes
culturais
que
operam
360
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
361
LIMA,
Vergílio.
[17
de
julho
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Nesse
ponto,
deve-‐se
considerar
a
quem
o
construtor
atende
com
a
produção
de
seu
instrumento
e
qual
é
a
função
que
a
viola
produzida
desempenha
no
meio
em
que
se
insere.
Tais
questões
são
importantes
de
serem
colocadas,
especialmente
no
sentido
de
se
refletir
sobre
as
ações
de
salvaguarda.
Nesse
universo
que
é
tão
complexo
e
sem
fim,
há
distinções
entre
os
tipos
violas
que
são
produzidas
artesanalmente,
já
que
o
perfil
de
violeiros,
violeiras
e
tocadores
é
amplo.
Essa
diversidade
no
ofício
de
tocador
de
viola
acomoda,
então,
distintas
funcionalidades
com
o
instrumento,
sendo
que
as
necessidades
de
um
violeiro
envolvido
com
festividades
da
religiosidade
popular
não
serão
as
mesmas
daquelas
de
um
violeiro
envolvido
artisticamente
com
o
instrumento.
Dessa
forma,
é
natural
que
haja
diferentes
tipos
de
viola,
sendo
umas
mais
tecnicamente
elaboradas
do
que
outras,
de
modo
a
suprir
e
atender
esses
diferentes
propósitos
que
o
ofício
instaura.
Essa
questão
pode
ser
mais
bem
entendida
a
partir
das
imagens
de
duas
diferentes
violas,
ambas
produzidas
artesanalmente.
A
primeira
é
do
fazedor
José
Geraldo,
mais
conhecido
como
Geraldinho
do
Angical,
do
município
de
São
Francisco,
que
foi
aprendiz
direto
de
Minervino
Gonçalves
Rodrigues
Guimarães,
um
eminente
artesão
e
violeiro
do
Norte
de
Minas
que
personifica
aquela
clássica
figura
do
fazedor
artesanal
de
violas.
Assim
como
seu
mestre,
Geraldinho
produz
violas,
entre
outras,
para
abastecer
os
violeiros
das
folias
da
região,
utilizando-‐se
de
matérias
primas
daquele
ambiente
e
de
ferramentas
próprias.
A
folia,
inclusive,
foi
o
lugar
no
qual
tomou
contato
com
o
instrumento
pela
primeira
vez:
Sempre
eu
ia
nas
folias,
via
os
foliões,
tinha
muita
influência
com
folia,
assim.
Aí
eu
fui
vendo
as
violas
e
tentei
fazer
aquelas
violinhas
de
brinquedo
né,
foi
indo
até
363
que
eu
aprendi
a
fazer
alguns
toquinhos
de
viola
e
comecei
a
fazer
as
violinhas .
362
LHANOS,
2018,
p.
43.
363
GONÇALVES,
José
Geraldo.
[03
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
outra
imagem
é
de
uma
das
violas
produzida
por
Vergílio
Lima,
que
é
considerado
um
dos
mais
importantes
luthiers
de
viola
do
Brasil.
Como
anteriormente
pontuado,
seus
instrumentos
estão
nas
mãos
dos
mais
consagrados
violeiros,
especialmente
aqueles
da
cena
instrumental:
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
É
interessante
comparar
também
o
tempo
em
que
tais
cadastrados
estão
envolvidos
com
a
atividade
de
fabricação.
Aqueles
que
fazem
violas
a
menos
de
10
anos
somam
47,25%
do
total,
sendo
que
desses,
20,87%
fazem
viola
a
menos
de
5
anos
e
26,37%
fazem
viola
de
5
a
10
anos.
Este
dado,
se
relacionado
com
a
denominação
autodeclarada,
revela
que
são
os
artesãos
mais
novos
no
ofício
que
se
percebem
como
luthier
em
sua
maioria.
Pode-‐se
supor
que
esses
artesãos
incorporaram
a
denominação
da
profissão
em
seu
ofício,
percebam-‐na
como
de
maior
distinção
e,
portanto,
de
maior
apelo
comercial
ou,
de
fato,
produzam
violas
com
técnicas
mais
apuradas,
já
que
a
atividade
de
luthier
preconiza
um
trabalho
manual
com
um
padrão
superior
de
qualidade
técnica
e
sonora,
se
utilizando
de
matéria-‐
prima
e
ferramental
específicos.
O
termo
lutherie
é
de
origem
francesa
e
deriva
da
palavra
árabe
al’ud,
que
é
a
raiz
da
palavra
alaúde,
instrumento
de
cordas
com
caixa
de
ressonância,
que
está
nas
bases
de
constituição
das
violas.
O
luthier
é,
então,
o
artesão
que
trabalha
na
construção
artesanal
e
na
restauração
de
instrumentos
musicais
de
cordas,
cujo
ofício
foi
e
ainda
é
muito
difundido
na
Europa,
especialmente
ligado
à
música
clássica,
não
havendo
muitas
informações
sobre
quando
o
termo
foi
incorporado
no
Brasil.
O
artigo
de
Paulo
Castanha
et
al.364
a
respeito
do
inventário
do
construtor
de
violas
Domingos
Ferreira
é
elucidativo
nesse
ponto,
já
que
este
artesão
de
Vila
Rica
era
referido
como
“violeiro”
e
“mestre
violeiro”
no
século
XVIII,
dando
pistas
de
que
o
termo
francês
tenha
sido
introduzido
a
posteriori.
Carlos
Roque
diz
que
para
a
lutherie,
“não
basta
apenas
ter
habilidade
manual
–
condição
fundamental
-‐,
mas,
também,
apurada
sensibilidade
auditiva,
refinado
senso
estético
criteriosa
precisão
geométrica,
noções
avançadas
de
design
e
imprescindível
paixão
pela
música
(...)”365.
O
conceito
da
palavra
remete
então,
a
uma
atividade
artesanal
mais
aprimorada
estética
e
tecnicamente
e
que
possui
maior
prestígio.
364
CASTANHA
et
al.,
2012.
365
ROQUE,
2003
apud.
ALMEIDA,
2012,
p.
71.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Por
outro
lado,
pode-‐se
inferir
que
os
artesãos
que
se
autodenominaram
enquanto
fazedores
e/ou
construtores
veem
seu
modo
de
fazer
viola
diferente
daquele
feito
pelo
luthier,
considerado
mais
“profissional”
e
mais
“estudado”.
Essa
percepção
pode
ser
observada
no
relato
de
Moisés
Montes,
artesão
do
município
de
Montes
Claros,
quando
confrontado
sobre
como
se
identifica:
Fazedor
né,
eu
acho
que
luthier,
essa
palavra,
a
pessoa
pra
ser
um
luthier
ele
tem
que
ter
um
conhecimento
muito
grande,
tem
que,
assim,
buscar
muitas
informações
né,
e
eu
ainda
preciso
muito
disso,
eu
falo
que
eu
sou
um
fazedor
de
viola
né,
porque
eu
faço
essas
viola
simples,
de
madeira
maciça,
feita
a
mão,
mais
assim,
feita
com
muito
carinho,
aonde
eu
também
ensino,
que
minha
função
mesmo
é
ensinar
pessoas,
passa
o
que
eu
sei
eu
passo
pras
pessoas,
que
queira
366
aprender
comigo,
ele
vem
aqui
e
eu
ensino
ele
a
fazer
viola .
366
ROSA,
Moisés
Pereira.
[01
de
agosto
de
2017].
Montes
Claros.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Se
comparados
às
faixas
de
menor
tempo
de
ofício,
verifica-‐se
que
a
presença
de
pessoas
que
produzem
violas
há
mais
tempo
está
em
declínio
no
contexto
mineiro,
segundo
aponta
o
Cadastro.
É
importante,
portanto,
voltar
o
olhar
para
esses
mestres
artesãos
e
seus
modos
de
fazer,
uma
vez
que
são
depositários,
por
excelência,
de
saberes,
de
técnicas
e
de
experiências
que
são
os
fundamentos
deste
universo
em
Minas
Gerais.
A
região
onde
se
localiza
o
município
de
São
Francisco,
Norte
de
Minas,
é
reconhecida
por
ser
uma
espécie
de
celeiro
de
fabricantes
de
viola,
devido
à
tradição
de
folias
ali
existentes
e
que
são
grandes
repositórios
do
instrumento.
Morador
do
município,
o
tocador
de
violas
e
folião
Domingos
Corrêa
deixa
entrever,
a
partir
do
relato
de
aquisição
da
sua
primeira
viola,
a
relevância
que
os
mestres
artesãos
possuem
nas
coletividades
que
integram:
A
minha
primeira
viola
minha
foi
feita
de
Joaquim
Bicota
né,
eu
comprei
ela
no
João
irmão
dele,
que
ele
fez
um
terno
de
folia,
João,
aí
no
que
ele
resolveu
de
não
cantar
mais
aí
foi
embora
pra
Unaí
e
mora
lá
até
hoje.
Aí
eu
tomei
conta
do
terno,
aí
a
viola
dele
eu
peguei
e
fiquei,
aí
ele
pegou
e
me
vendeu
a
viola.
Aí,
daí
pra
cá
eu
passei,
essa
aqui
foi
ganhada,
minha
irmã
deu
pra
mim
lá
de
belo
horizonte,
aí
me
firmei
com
essa
daqui.
Mas
viola
de
apresentação
é
daquela
ali
ó,
é
caipira
367
mermo
é
(...)
feita
de
facão,
feita
de
facão .
367
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
que
a
gente
perdeu
de
10
anos
pra
cá,
70
por
cento
dos
mestres,
70
por
cento.
Se
fosse,
hoje
é
2017,
hoje
é
2017,
se
fosse
em
2007
né,
que
nós
tivesse
tendo
essa
conversa
aqui,
eu
iria
abrir
um
leque
gigantesco
pra
você
de
mestres
de
viola
(...)
os
grandes
mestres,
cara,
nos
últimos
10
anos,
e
nos
últimos
5,
porque
são
pessoas
que
tinha,
há
10
anos
atrás,
tinha
70
anos.
Aí,
hoje,
80,
sabe!
80
e
368
poucos .
Sobre
essa
questão
da
aprendizagem,
os
dados
do
cadastro
apontam
que
34%
dos
fabricantes
de
violas
disseram
ter
aprendido
o
ofício
de
construir
o
instrumento
pela
via
do
ensinamento
de
mestres,
que
tanto
podem
ser
aqueles
de
tradição
ligados
ou
não
à
família,
como
quanto
de
artesãos
que
transmitem
seus
saberes
por
meio
de
oficinas
e
de
cursos.
Wagner
Braga
e
Souza,
do
município
de
Uberaba,
é
um
exemplo
desse
primeiro
caso,
uma
vez
que
seu
pai
Sebastião
Gonçalves
de
Souza
foi
seu
grande
mestre.
Trabalho
com
meu
pai
desde
os
anos
80,
comecinho
dos
anos
80
lá
na
marcenaria,
em
81
que
eu
comecei
a
trabalhar
com
ele,
eu
tinha
15
anos.
E,
de
lá
pra
cá
fomos
trabalhando
na
marcenaria
e
depois,
no
finalzinho
dos
anos
90
começamos
o
trabalho
de
luthieria.
Mas
na
parte
de
marcenaria
meu
pai
tem,
já
é
de
longa
data,
começou
o
ofício
dele,
hoje
ele
tem
83
anos,
ele
começou
no
ofício
de
marcenaria
com
13
anos
de
idade.
E,
com
20
anos
ele
fez
o
primeiro
369
violão
dele.
Então
tem
muito
tempo
né .
Já
no
segundo
caso,
a
trajetória
de
Moisés
Montes
é
um
bom
exemplo,
uma
vez
que
possui
uma
oficina
onde
ensina
a
construção
artesanal
de
violas
a
jovens
de
Montes
Claros,
sendo
que
seu
próprio
aprendizado
se
deu
dessa
maneira:
E
depois
eu
fui
assim,
tendo
essa
convivência
com
a
viola
e
na,
um
certo
tempo,
eu
vi
passar
umas
propaganda
que
tinha,
estava
dando
esse
curso
através
da
368
FERREIRA,
Carlos.
[24
de
março
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Luis
Mundim.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
369
SOUZA,
Wagner
Braga
e.
[10
de
abril
de
2018].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
exemplo
desse
artesão
oportuniza
evidenciar
o
dado
de
que,
no
Cadastro,
foi
maior
a
porcentagem
de
artesãos
que
disseram
não
ensinar
o
ofício,
contabilizando
58%,
do
que
aqueles
que
disseram
já
ter
ensinado
a
fabricação
de
viola
a
alguém,
que
corresponde
a
39%
do
total
de
respondentes.
A
aprendizagem
pela
via
do
mestre
não
foi,
contudo,
a
principal
forma
de
instrução
dos
fabricantes
cadastrados,
já
que
64,83%
manifestaram
serem
autodidatas
no
ofício,
ou
seja,
que
o
aprendizado
se
deu
por
vias
próprias.
Esse
dado
pode
ser
analisado
junto
ao
fato
de
que
muitos
fabricantes
de
viola
já
eram
inseridos
nas
técnicas
da
marcenaria
antes
de
adentrarem
ao
mundo
dos
instrumentos
musicais,
conferindo-‐lhes
habilidades
com
o
manuseio
de
madeira.
Esse
é
o
caso,
por
exemplo,
do
artesão
Virgílio
Martins,
residente
no
município
de
Arinos,
que
assim
disse:
Tô
com
52
anos,
33
anos
no
campo
da
marcenaria,
um
conhecimento
considerável
em
relação
à
madeira
e
sete
anos
mais
ou
menos
como
construtor
de
instrumento371.
Essa
relação
que
a
maioria
dos
artesãos
estabeleceram
com
a
madeira
ao
longo
da
vida
se
deve,
em
grande
medida,
à
vivência
no
ambiente
rural,
em
que
o
vínculo
com
a
natureza
se
torna
um
modo
de
sobrevivência
de
existência.
É
importante
pontuar,
que
os
modos
artesanais
de
fabricação
e
os
saberes
associados
não
se
encerram
somente
na
viola
em
si.
Ela
é
apenas
a
etapa
de
um
extenso
domínio
que
vai
muito
além,
abrigando
desde
o
espaço
físico
escolhido
até
as
ferramentas
utilizadas.
Todas
essas
particularidades
envolvem
conhecimentos
específicos
e
extremamente
intricados
que
variam
conforme
cada
fabricante
de
violas
em
particular,
posto
que
completamente
370
ROSA,
Moisés
Pereira.
[01
de
agosto
de
2017].
371
MARTINS,
Virgílio.
[17
de
maio
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
vinculado
às
suas
experiências
pessoais
com
o
ofício.
Assim,
muitos
fabricantes
acabam
por
produzir
os
seus
próprios
instrumentos
e
maquinário
de
trabalho
revelando
um
completo
domínio
sobre
o
seu
trabalho.
É
precisamente
aí
que
reside
toda
a
riqueza
dos
modos
de
fabricação
artesanal
de
violas.
A
imagem
a
seguir,
mostra
essa
amplitude
dos
saberes
relacionados
à
construção
e
que
leva
a
um
alto
nível
de
criatividade
por
parte
dos
construtores,
através
da
figura
de
Moises
Montes.
Este
construtor
criou
um
dispositivo
para
modelar
a
cintura
das
violas,
utilizando
uma
lâmpada
incandescente
e
um
cano
metálico:
O
interesse
pela
fabricação
pode
advir
também
do
contato
inicial
com
a
viola
enquanto
tocador,
gerando
daí
uma
curiosidade
em
construir
o
próprio
instrumento,
como
no
caso
do
artesão
Zé
Floresta,
nascido
em
Araxá,
mas
atualmente
residente
no
município
de
Uberaba:
Comecei,
comecei
em
98
[a
construir
violas],
(...)
porque
meu
pai
influiu
um
pouco
nessa
parte
aí,
porque
quando
eu
completei
11
anos,
meu
pai
toca
um
violão
assim
mais
ou
menos,
ele
comprou
pra
mim
um
cavaco,
é
o
cavaquinho,
aquele
carioquinha
bem
pequetitim,
eu
estava
estudando,
então
dessa
época
pra
cá,
do
cavaquinho
foi
até
chegar
a
viola.
Eu
sou
de
Araxá,
aí
fui
criado
em
fazenda
lá,
mais
eu
fiquei
dentro
de
Araxá
mesmo,
morando
em
Araxá,
eu
fiquei
só
9
anos,
porque
o
sonho
meu
era
vim
pra
Uberaba
pra
já,
assim,
por
causa
da
música
mesmo,
(...)
vim
pra
cá
em
1995
já
tocando
viola,
porque
aí
eu
fui
crescendo
aí
você
já
vai
tomando
gosto
por
aquele
instrumento,
porque
a
viola,
todo
mundo
gosta
de
viola
você
já
viu,
então
por
isso
que
o
assunto
mais
é
viola,
eu
fabrico
372
outros
instrumento
aqui,
mas
mais
viola,
e
aí
nunca
mais
parei .
372
MARTINS,
José
Roberto.
[26
de
junho
de
2017].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Luis
Mundim.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Fui
lá
no
mato
e
tirei
uma
torinha
de
mangue,
que
era
mole
pra
trabaiá,
e
tô
pariando
aquilo.
Aí
ele
[o
pai]
chega
e
viu,
‘uai,
que
cê
tá
na
ideia
de
fazer
desse
pedacinho
de
madeira
meu
fio?’,
falei
‘ó
meu
pai,
isto
é
uma
rebeca,
que
o
senhor
já
me
deu
a
viola,
e
eu
quero
aprender
a
tocá
rebeca,
mas
num
quero
aprender
ni
instrumento
de
ninguém,
pedir
ninguém
homenagi,
então
eu
tô
fazendo
uma
rebequinha
pra
mim
aprendê’,
falou
‘ó,
eu
prantei
um
arroz
ali,
cê
vai
lá
espantá
os
bicho
lá
pra
mim
no
arroz
e
eu
vô
fazê
a
rebequinha
procê’,
falei
‘tá’.
Aí
fui
pra
lá
tocá
os
passarinho
lá
no
arroz,
tava
comeno,
e
ele
fez
a
rebequinha.
Quando
é
um
dia,
ele
aprontô
ela
lá
e
falou
‘oia
aqui’,
eu
falei
‘é
agora’.
No
dia
já
fui
pro
brejo
pra
vigiá,
tocá
os
bicho
lá
no
arroz,
já
levei
a
viola
e
aquela
rebequinha
né,
eu
sozinho
lá
sem
ninguém
me
ensiná
nada
né,
prendi
afiná,
prendi
tocá,
certo
é
que
com
uns
oito
ano
eu
já
ajudei
esse
guia
de
fulia
(...)
373
eu
já
ajudei
ele
tocá
a
fulia,
eu
cum
a
rebeca .
A
fala
de
Zé
Coco
do
Riachão
introduz
um
dado
que
o
Cadastro
também
abarcou,
e
que
versa
sobre
a
fabricação
de
outros
instrumentos
além
da
viola.
Nesse
caso,
a
grande
maioria
dos
artesãos
cadastrados,
74,72%
do
total,
disse
trabalhar
na
construção
de
outros
instrumentos,
ao
passo
que
24,17%
concentram
sua
produção
somente
na
viola.
Dentre
os
primeiros,
a
produção
para
além
da
viola
pode
abranger
demais
instrumentos
de
corda,
tais
como
violino,
violão
e
rabeca,
está
última
muito
comum
dentre
os
artesãos
do
Norte
de
Minas.
Menos
comum,
mas
ainda
assim
presente
nesse
contexto,
há
artesãos
que
ainda
fabricam
outras
classificações
de
instrumentos,
tal
como
Zé
Floresta,
que
além
dos
instrumentos
de
corda
fabrica
também
a
zabumba,
que
é
um
instrumento
percussivo.
O
gráfico
a
seguir
mostra
esse
dado:
373
VOO
das
Garças.
Show
e
entrevista
com
Zé
Coco
do
Riachão.
Produção:
UEMG.
Disponível
em:
<https://www.youtube.com/watch?v=SN5AtrAJhJ8>
acesso
em
06/04/2018.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
produção
que
se
sobressaiu
dentre
os
artesãos
foi
a
de
violas
feita
sob
encomenda,
resposta
dada
por
quase
64,83%
deles,
distinguindo-‐se
do
modo
de
produção
industrial,
que
é
feito
em
larga
escala.
Há
artesãos
que
constroem
violas
não
para
venda,
mas
somente
para
o
próprio
uso,
correspondendo
a
algo
em
torno
de
33%
do
total.
Por
fim,
29,7%
dos
artesãos
responderam
produzir
violas
avulsas.
muda
o
jeito,
porque
a
gente
fazendo,
a
gente
mesmo
desenvolve
muito
jeito,
um
jeito
assim
mais
fácil
né,
tem
muitas
coisas
de
quando
eu
aprendi
é,
eu
dispensei,
mais
dispensei
porque,
por
descobrir
outras
maneiras
né,
de
fazer,
por
exemplo,
hoje,
na
época
que
eu
aprendi,
tinha
uma
fôrma
pra
colar
o
tampo,
você
passava
cola
e
ficava
de
um
dia
pro
outro,
aí
eu
descobri
uma
cola
que
você
junta
o
374
tampo,
na
hora
você
cola .
374
ROSA,
Moisés
Pereira.
[01
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
valor
informado.
Neste
ponto,
volta-‐se
o
olhar
novamente
as
questões
que
giram
em
torno
do
ambiente
que
a
viola
irá
transitar
e
de
sua
funcionalidade
no
interior
desse
espaço.
Percebe-‐se
que
ofício
está
profundamente
atrelado
aos
saberes
e
às
técnicas
envolvidas
na
fabricação
do
instrumento.
São
precisamente
os
modos
de
fazer
que
estão
nas
bases
de
identificação
da
atividade
artesanal,
diferenciando-‐a
da
produção
em
série.
Enquanto
que
nesta
última
cada
etapa
é
conduzida
de
maneira
isolada,
na
produção
artesanal
de
violas,
o
artesão
tem
o
domínio
de
todo
o
processo
produtivo,
resultando
em
instrumentos
únicos,
no
qual
um
nunca
será
como
o
outro375.
Essa
perspectiva
pode
ser
minimamente
compreendida
quando
seu
Cândido,
tocador
do
município
de
São
Francisco,
fala
a
respeito
de
uma
viola
que
o
Geraldinho
fez:
A
viola
que
ele
fez,
que
ele
fez
e
levou
ela
pra
lá
no
ano
passado,
aí
eu
peguei
nessa
viola
lá
e
dei
uma
mexida,
uma
trastejada
nela
lá
e
eu
gostei
dela,
toda
nota
que
eu
cacei
nela
deu
certo,
e
ele
pegou
e
vendeu
a
danada
da
viola.
Viola
daquela
ali
era
viola
de,
do
cara
guarda
pra
mostrar
que
era
da
fábrica
dele,
acontece
que
ele
não
vai
dar
conta
de
fazer
mais
uma
daquele
tipo
ali,
tinha
que
ter
deixado
ela
como
um,
um
mostruário
lá
né,
alguém
que
chegasse
lá
‘ô
fulano
faz
uma
viola
pra
mim?’,
‘faço’,
‘você
tem
uma
pra
me
mostra
pra
eu
experimentar?”,
ele
tinha
que
tá
com
ela
lá
pra
experimentar,
que
às
vez
ela
já
faz
outra,
mas
num
faz
igual
aquela,
então
aquela
ali
servi
de,
de
uma
relíquia
pra
todo
mundo
ali.
[fazer
uma
viola
igual]
É
difícil
moça,
isso
aqui
é
o
instrumento
mais
difícil
de
fazer.
A
rabeca
num
é
difícil,
que
a
rabeca
pra
começo
de
conversa
nem
isso
aqui
(mostrando
os
trastos)
ela
num
tem,
esses
trastos
você
viu
né,
e
o
que
faz
esse
instrumento
bom,
é
isso
aqui
ó,
que
es
tem
que
ter
tudo
certinho
no
376
lugar
pra
dá
as
nota
certa
em
todo
lugar
que
você
caçar .
375
BATES,
2012
apud.
PAULETTI,
2016,
p.
100.
376
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raíza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐
MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Todas
essas
denominações
se
referem
à
viola
de
dez
cordas
com
cinco
ordens
de
cordas
duplas
(ou
triplas),
como
mostra
o
próximo
gráfico.
É
importante
notar
que
os
termos
empregados
pelos
fabricantes
marcam
o
lugar
dessa
viola,
que
está
assentada
nos
quadros
da
ruralidade,
do
interior,
da
roça
e
do
sertão.
Este
instrumento
surge,
portanto,
como
expressão
de
processos
sociais
primordialmente
ligados
a
este
contexto,
mesmo
que
seus
usos
ressignificados
estejam
também
no
contexto
urbano.
Entretanto,
independente
da
nomenclatura
que
se
dá
à
viola,
essa
questão
semântica
dos
termos
“caipira”
e/ou
“sertanejo”
como
índice
de
algo
ligado
ao
mundo
rural
pode
ser
observado
na
percepção
de
Moisés
Montes
sobre
o
tipo
de
viola
que
fabrica:
A
violinha
caipira
é
essa
violinha
que
tem
o
som
mais
agudo,
aonde
que
dá
aquele
som
que
você
assim,
lembra
do
sertão,
daquelas
coisas,
assim,
que
diferencia
né,
aquelas
coisas,
assim,
da
roça
mesmo,
como,
porque
que
a
gente
fala
caipira,
a
primeira
música
caipira
gravada
no
brasil
foi
gravada
em
1929,
se
você
vê
o
som
daquela
violinha,
então
é
uma
coisa
bem
assim,
sem
recurso
nenhum
né,
é
aquele
sonzinho
bem
pequeno
e,
e,
ganhou
o
nome
de
viola
caipira
né.
Então
é
viola
377
caipira
por
isso
né,
lembra
do
sertão,
lembra
do
carro
de
boi
e
assim
por
diante .
A
viola
caipira
ou
viola
de
dez
cordas
é
composta
por
determinadas
partes
que
lhe
confere
essa
identificação
enquanto
tal
e
que
estabelece
diferenças
em
relação
a
outros
tipos
de
violas.
Cada
uma
das
partes
pode
possuir
diferentes
denominações
que
variam
conforme
a
377
ROSA,
Moisés
Pereira.
[01
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
viola
pode
ser
pensada
morfologicamente
a
partir
de
duas
partes
principais:
o
corpo
e
o
braço,
cada
um
deles
abrigando
elementos
específicos
em
sua
constituição.
Neste
ponto,
não
há
como
deixar
de
notar
o
paralelo
deste
instrumento
com
a
anatomia
humana
que,
segue
ainda
nas
seguintes
denominações:
boca,
cabeça,
costas
e
cintura.
Também
chamada
de
caixa
de
ressonância
ou
bojo,
o
corpo
é
a
estrutura
da
viola,
sendo
composta
pelo
tampo
dianteiro
e
o
traseiro
(costas,
fundo
ou
texto
de
baixo),
além
do
aro
(faixa
lateral,
cintura
ou
ilharga).
Este
último
é
o
que
confere
o
formato
de
curvas
do
instrumento,
promovendo
o
perfeito
encaixe
entre
o
tampo
e
o
fundo,
e
pode
ser
inteiro
ou
feito
através
de
dois
pedaços
de
madeira
que
serão
colados.
O
aro
deve
ser
de
uma
madeira
maleável
o
bastante
para
se
chegar
à
forma
ideal.
No
tampo
dianteiro
(ou
texto
sonoro)
se
posiciona
o
cavalete,
sendo
que
por
cima
deste,
encontra-‐se
o
rastilho.
Este
possui
uma
forma
complexa
que
faz
com
que
as
cordas
tenham
um
maior
ou
menor
comprimento,
garantindo,
assim,
a
afinação
das
diversas
notas
que
são
tocadas
em
cada
uma
das
cordas.
O
rastilho
transmite
a
vibração
das
cordas
para
o
cavalete
que
sustenta
o
rastilho
e
ajuda
na
transmissão
para
o
tampo
do
instrumento.
O
tampo
também
abriga
a
boca,
uma
abertura
circular
que
coloca
o
ar
do
interior
do
instrumento
em
contato
com
o
exterior,
sendo
responsável
por
uma
parte
da
irradiação
do
som
produzido.
Ao
redor
da
boca
a
roseta
funciona
como
um
reforço
mecânico
desta
que
é
a
região
mais
frágil
do
instrumento,
justamente
por
estar
na
proeminência
da
cintura.
O
tampo
traseiro
(ou
fundo)
pode
ser
inteiriça
ou
feira
em
duas
partes
coladas,
a
depender
da
técnica
empregada
pelo
artesão.
Já
o
braço
da
viola
é
preso
ao
corpo
pela
castanha
(ou
pé
do
braço)
e
ele
quem
faz
a
ligação
do
corpo
com
o
cravelhal
(cravelheira,
palma
ou
cabeça).
No
cravelhal
encontram-‐se
as
cravelhas
(ou
cravilha),
onde
as
cordas
são
enroscadas.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
braço
sustenta
a
escala
(espelho,
palheta,
regra
ou
trasteira)
na
qual
são
fixados
os
trastes
(trastos
ou
pontos),
que
são
filetes
perpendiculares
às
cordas,
cuja
função
é
a
digitação
das
notas
por
meio
de
intervalos
muito
bem
definidos.
É
necessário
que
o
posicionamento
dos
trastes
seja
de
extrema
precisão
para
que
as
notas
possam
ser
emitidas
na
frequência
correta.
Ademais,
o
braço
possui
a
pestana
(ou
trasto
zero)
e
as
casas.
Foto marchetaria
Ainda
que
com
uma
frequência
menor,
as
seguintes
madeiras
também
foram
mencionadas
dentre
os
construtores:
umburana,
candeio,
marinheiro,
mutamba,
taipoca,
maple
canadense,
abeto
(italiano,
alemão,
roxo
italiano),
ébano
(africano),
imbuia,
ype,
sytica,
mogno,
braúnas,
vinhático,
freijó,
madeira
de
demolição,
caixeta,
pereira,
cabaça,
vinhático,
laminado,
compensado
de
pau-‐ferro
e
compensado
de
virola,
peroba
rosa,
teca,
canela,
marupá,
grevilha,
marfim,
jatobá,
citica
plus,
rádica
italiana
(laminado),
pau-‐brasil,
cabaça,
madeira
de
São
José,
pau-‐rosa,
ipê
roxo,
virolina,
cerejeira,
laranjeira,
bambu,
candeia,
tamboril,
canela
sassafrás,
madeira
compensada,
madeiras
de
reflorestamento,
eucalipto
e
pinus.
Wagner
Braga
relata
as
madeiras
que
utiliza
em
sua
oficina:
As
madeiras
que
você
usa,
pra
caixa,
na
frente
você
usa
o
tampo
de
cabeto
ou
cedro
canadense
ou
cítica,
são
os
que
a
gente
consegue
comprara
aqui
né,
são
todos
importados,
mas
quem
tem
acesso
são
esses.
E
na
parte
da
lateral,
que
é
no
fundo
e
lateral,
você
tem
o
jacarandá
indiano,
você
tem
o
maple,
você
pau
ferro,
jacarandá
baiano
também,
mas
o
baiano
hoje
em
dia
está
mais
difícil
porque
a
escassez
da
madeira
já
quase
não
tem
mais
e
você
tem
que
trabalhar
com
as
madeiras
que
têm
no
mercado
e
que
pode
ser
usada
né
(...)
e
o
braço
é
confeccionado
com
mogno
ou
cedro,
a
parte
de
trás
e
a
parte
da
frente
que
a
gente
chama
de
escala
é
feito
com
madeira
dura,
ébano
ou
jacarandá
indiano
ou
outras
madeiras
alternativas
que
tá
aparecendo
também.
E
o
cavalete
acompanha
a
escala,
você
faz
de
ébano
ou
madeiras
que
você
usa
pra
fazer
a
378
escala,
as
duas
madeiras
são
as
mesmas .
A
obtenção
dessa
matéria-‐prima
pode
se
dar
por
diferentes
meios.
Algumas
dessas
qualidades
tais
como,
o
maple,
o
ébano
ou
o
pinho,
são
adquiridas
em
lotes
mediante
compra
em
importadoras
e
são
consideradas
madeiras
nobres
para
a
construção
do
instrumento
sendo,
não
raro,
empregadas
em
violas
de
alto
padrão.
O
mercado
nacional
também
oferece
uma
diversidade
bem
grande
dessas
qualidades,
já
que
o
Brasil
é
um
país
cuja
variedade
de
espécies
nativas
é
notável.
Fora
as
lojas
378
SOUZA,
Wagner
Bastos
e.
[10
de
abril
de
2018].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
maneira
de
fabricar
a
minha
viola
aqui
é
meio,
né,
eu
pego
(...)
eu
vou
no
mato,
corto
a
madeira
e
faço
a
viola,
verdade
mesmo.
Depende
esperara
secar,
eu
corto
bambu
porque
a
madeira
tem
que
ser
cortada
na
minguante,
tem
um
tamborão
num
outro
terreno
que
eu
tenho
aqui
ao
lado,
vai
e
fervo
ele,
tem
que
ficar
379
sequinho,
mais
sequinho
mesmo .
Se
antes
os
construtores
faziam
as
cravelhas
de
madeira,
hoje
essa
técnica
construtiva
está
em
desuso
e
a
maior
parte
das
cravelhas
utilizadas
nas
violas
são
as
de
metais
industrializadas.
As
marcas
que
mais
apareceram
nas
respostas
foram
a
Deval,
Rouxinol
e
Rozini,
de
produção
nacional,
Waverly,
norte-‐americana,
Gotoh,
japonesa,
e
Giannini,
empresa
brasileira,
mas
com
produção
na
China.
As
cordas
podem
ser
de
nylon
ou
de
aço
e
as
marcas
mais
citadas
no
Cadastro,
todas
industriais,
foram
as
brasileiras
Gianinni
e
Izzo
e
as
norte-‐americanas
Ernie
Ball
e
D’Addario.
379
MARTINS,
José
Roberto.
[11
de
junho
de
2017].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Os
rastilhos,
pestanas
e
cavaletes
são,
muitas
das
vezes,
fabricados
no
interior
das
próprias
oficinas
com
madeiras
ou
mesmo
ossos
de
animais.
Entretanto,
também
para
esses
elementos
existe
uma
ampla
oferta
de
materiais
industrializados
que
são
utilizados
por
alguns
fabricantes.
Os
trastos
que
separam
as
escalas
e
se
posicionam
nos
braços
da
viola
são
de
metais
e
podem
ter
composições
diferentes,
alterando
o
timbre
da
viola,
como
ligas
com
níquel,
prata,
latão,
bronze
e
cobre.
Por
fim,
para
o
acabamento,
em
geral
as
madeiras
das
violas
são
envernizadas
com
goma-‐laca,
verniz
(poliuretano,
nitrocelulose),
auto
brilho
(automotivo),
seladoras
e
ceras.
Esses
elementos
são
obtidos
em
lojas
especializadas
em
instrumentos
musicais,
bem
como
em
lojas
de
materiais
de
construção,
automobilísticas,
dentre
outras.
No
geral,
os
artesãos
têm
facilidade
em
encontrar
tais
itens,
especialmente
aqueles
que
residem
municípios
de
maior
porte,
onde
há
oferta
de
fornecedores
e
de
produtos.
Entretanto,
há
exemplos
de
artesãos
que
estão
localizados
em
municípios
de
pequeno
porte
ou
em
rurais
que
possuem
um
baixo
acesso
a
esses
materiais,
dificultando
a
sua
obtenção.
Nestes
casos,
precisam
se
deslocar
para
outros
municípios,
encomendar
com
pessoas
que
porventura
estejam
indo
para
outras
localidades
e/ou
solicitar
pelo
correio.
Artesãos
que
fabricam
violas
mais
refinadas
geralmente
obtêm
matérias-‐primas
importadas.
A
fabricação
artesanal
de
violas
envolve
uma
infinidade
de
ferramentas
e
instrumentos
de
trabalho
que
conformam
as
técnicas
de
cada
fabricante.
Muitos
desses
objetos
são
provenientes
da
marcenaria
convencional.
A
imagem
abaixo
mostra
o
quadro
de
ferramentas
da
oficina
de
Wagner
Souza,
em
Uberlândia,
muito
utilizadas
para
a
construção
de
instrumentos:
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Assim,
para
cortar
a
madeira
utilizam-‐se
serrotes,
serras
industriais
(circular
e
de
fita),
laminadoras
e
tupias.
Para
o
tratamento
da
madeira
são
usadas
limas,
lixas,
polidoras,
politrizes
e
diferentes
plainas
manuais
e
elétricas
para
desempeno
e
desengrosso.
Há
ainda
uma
variedade
de
ferramentas
multifuncionais,
furadeiras,
chaves
para
fixar
tarraxas,
compasso
para
medir
o
tamanho
do
furo,
martelos,
raspadores,
especialmente
para
ajustar
os
braços,
limas,
grosas,
esquadros,
réguas,
estiletes
e
lápis.
Já
outros
equipamentos
são
desenvolvidos
pelos
próprios
artesãos
após
anos
em
contato
com
a
atividade,
em
que
a
própria
performance
construtiva
foi
criando
necessidades
de
aperfeiçoamento
do
trabalho.
Essa
se
revela
como
uma
dentre
as
tantas
faces
inventivas
do
universo
da
viola
em
Minas
Gerais,
posto
que
nos
mais
diferentes
contextos
e
regiões,
os
artesãos
vão
moldando
seu
trabalho
através
das
exigências
que
o
próprio
instrumento
lhes
impõe.
Em
geral,
o
primeiro
passo
passa
pela
elaboração
do
projeto
de
construção
do
instrumento
que,
mesmo
podendo
ser
alterado
a
qualquer
momento
do
processo,
será
o
responsável
por
nortear
as
demais
etapas.
Nesse
momento
o
desenho
da
viola
é
criado,
as
medidas
de
todas
as
peças
são
esboçadas
e,
então,
faz-‐se
a
escolha
dos
materiais
que
serão
utilizados
em
sua
montagem.
O
construtor
Wagner
Souza,
de
Uberaba,
detalha
como
procede
com
o
seu
modo
de
fazer
violas:
A
gente
costuma
dizer
que
a
fabricação
de
viola
é
feita
em
etapas
né,
você
vai
planejar
primeiro
o
que
você
vai
fazer,
que
madeira
você
vai
usar,
pra
você
adquirir
as
madeiras.
Adquirindo
as
madeiras,
você
vai
fazer
as
partes
de
marcenaria
né
(...)
vai
tirara
as
madeiras,
beneficiar
ela,
pôr
na
espessura
que
você
quer,
pra
depois
você
ir
pra
linha
de
montagem.
A
montagem
é
artesanal,
você
vai
juntar
as
peças
na
marcenaria
e
terminar
elas,
dar
o
toque
final
nelas,
pra
depois
ir
pro
verniz,
pra
depois
fazer
a
parte
de
polimento
do
verniz
e,
por
fim,
fazer
a
montagem
né,
que
é
colocar
as
tarraxas,
colocar
as
pecinhas
de
osso
né,
e
380
pra
você
fazer
as
afinações
e,
por
fim,
pôr
as
cordas
pra
tocar .
380
SOUZA,
Wagner
Bastos
e.
[10
de
abril
de
2018].
Uberaba.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Neste
ponto,
a
madeira
não
pode
ser
nem
grossa
nem
fina
demais,
pois
sendo
um
instrumento
de
ressonância,
deve
estar
no
ponto
exato
para
o
bom
timbre
da
viola.
O
timbre,
aliás,
é
para
Wagner
Souza,
um
dos
três
pilares
a
ser
alcançado
através
da
construção
de
uma
boa
viola.
Com
a
madeira
pronta
para
ser
trabalhada,
as
etapas
que
se
seguem
podem
variar
de
acordo
com
cada
construtor
ou
luthier
envolvido,
uma
vez
que
a
liberdade
criativa
está
muito
presente
neste
tipo
de
atividade,
o
que
revela
que
os
modos
de
fazer
violas
artesanais
são
calcados
nas
idiossincrasias
de
cada
artesão.
381
SOUZA,
Wagner
Bastos
e.
[10
de
abril
de
2018].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Para
o
corpo
da
viola,
as
madeiras
mais
utilizadas
são
as
tropicais,
tais
como
mogno,
imbuia
e
jacarandá,
por
terem
maior
densidade.
Para
a
fabricação
do
tampo
utiliza-‐se,
mais
comumente,
madeiras
mais
macias
e
estáveis
que
apresentam
maior
vibração,
tais
como
o
pinho
e
o
cedro.
Há,
no
entanto,
fabricantes
que
utilizam
no
fundo
e
na
lateral
madeira
compensada
ou
laminada,
colocando
aquelas
mais
nobres
apenas
no
tampo,
no
braço
e
na
escala.
Após
o
tratamento
das
lâminas,
o
que
será
o
fundo
e
o
tampo
passam
por
um
processo
de
corte
e
de
lixa
para
adquirir
o
formato
e
as
medidas
necessárias
de
uma
viola.
Para
fazer
o
corte,
a
maioria
dos
fabricantes
utiliza
ferramentas
elétricas,
como
a
serra
tico-‐tico.
Já
as
lâminas
que
vão
para
as
laterais
passam
por
um
processo
de
umidificação
e
aquecimento
para
que
se
tornem
moldáveis.
Na
maioria
dos
casos
são
colocadas
em
fôrmas
ou
moldes,
que
muitas
das
vezes
são
construídos
pelos
próprios
artesãos,
até
que
sequem
novamente
e
adquiram
o
formato
cinturado.
Alguns
fazedores,
no
entanto,
relataram
dobrar
as
laterais
aquecendo
as
lâminas
em
mecanismos
desenvolvidos
por
eles
próprios
utilizando,
por
exemplo,
lâmpadas
incandescentes
ou
objetos
redondos
que
possam
ser
levados
ao
calor
e
dar
“as
curvas”
das
laterais.
Em
seguida,
são
posicionadas
as
barras
transversais
que
dão
firmeza
à
estrutura
interna
do
corpo
da
viola
e
auxiliam
na
resistência
e
estabilidade
do
fundo
da
caixa.
Após
este
momento,
A
boca
da
viola
é
desenhada
e
cortada,
sendo
que
alguns
construtores
fazem
essa
abertura
antes
de
colarem
o
tampo
ao
restante
da
caixa
e
outros
a
fazem
após
a
colagem.
Em
seguida,
utilizam-‐se
pequenas
e
finas
barras
de
madeira
para
produzir
o
leque
harmônico,
responsável
por
manter
a
estabilidade
do
tampo
diante
da
tração
das
cordas.
Posteriormente,
as
rosetas
são
confeccionadas
e
colocadas
ao
redor
da
boca
da
viola.
Além
de
serem
desenhos
que
ornamentam
o
entorno
da
boca
da
viola,
esse
elemento
reforça
a
abertura
por
onde
sai
o
som
do
instrumento.
Alguns
construtores
fabricam-‐nas
artesanalmente,
enquanto
que
outros
compram
modelos
já
prontos.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
O
braço
da
viola
é
construído
separado
do
corpo,
para
a
maior
parte
dos
fazedores,
muito
embora
exista
também
uma
técnica
na
qual
o
braço
e
o
corpo
são
produzidos
a
partir
de
uma
única
peça
de
madeira.
No
modo
de
fazer
mais
recorrente,
o
braço
e
a
cabeça
-‐
elemento
onde
serão
fixadas
as
cravelhas
-‐
são
esculpidos.
A
estrutura
do
braço
é
construída
mediante
o
corte
e
o
lixamento
da
madeira
com
lixa
seca.
Nesse
momento
são
feitas
as
medições
para
a
marcação
das
escalas
e
as
aberturas
no
braço
para
fixação
dos
trastes
e
da
pestana,
que
precisam
ser
cuidadosamente
nivelados.
Por
fim,
o
acabamento
é
feito
a
partir
do
polimento
com
lixa
d’agua
umedecida
com
óleo.
O
envernizamento
é
feito
em
seguida,
com
o
instrumento
todo
montado,
configurando-‐se
então,
na
última
etapa
do
processo.
Após
a
secagem
do
verniz,
as
cravelhas
são
colocadas,
o
encordoamento
feito
e
a
afinação
estabelecida.
Mesmo
com
essa
descrição
pormenorizada
das
etapas
construtivas
que
são
comumente
empregadas
pelos
artesãos,
é
necessário
pontuar
que
o
processo
de
fabricação
de
uma
viola
não
é
rígido
e
que
varia
de
artesão
para
artesão.
É
precisamente
nesta
falta
de
padrão
e
nesta
liberdade
criativa
que
reside
toda
a
engenhosidade
na
performance
construtiva
do
artesão
de
violas,
que
é
influenciada
por
fatores
culturais,
locais,
econômicos,
dentre
outros.
O
relato
abaixo
é
de
Geraldinho
explicando
a
técnica
construtiva
que
era
empregada
por
Minervino:
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Igual
ele
me
ensinou,
ele
tinha
a
fôrma
de
fazer
a
viola.
Ele
falou
assim,
primeiro
você
vai
e
coloca
o
braço
da
viola.
A
primeira
coisa
você
faz
o
braço,
aí
já
faz
a
fôrma
que
é
tipo
a
imprensa
né.
Aí
aqui
[mostra
uma
lâmina
de
madeira
para
fazer
a
cintura]
vem
as
pecinhas
que,
ele
colocava
na
água,
e
é
na
mão
né,
passava
a
plaina
e
dobrava
ela
aqui
na,
molhada
mesma
ele
dobrava
ela
aqui
na
perna.
Aí
vinha
do
outro
lado
e
fazia
quase
um
molde
dela,
aí
vinha
e
encaixava
ela
aqui
no
braço
[mostrando
na
fôrma],
dobrava
e
aqui
arremata.
Aí
aqui
é
dos
dois
lados,
ao
mesmo
tempo
[colocando
cada
lâmina
de
madeira
em
um
lado
da
cintura
da
fôrma].
Aí
depois
dele
vim
em
formato
aqui,
ele
fazia
tipo
um
arquinho
por
dentro,
tipo
um
reforço
que
tem
dentro
da
viola,
aí
vem
com
as
travessinhas
e
depois
passava
o
tampo.
Aí
por
último
ele
colava,
já
deixava
pra
colar
o
tampo
já
por
último.
Aí
quando
ele
terminava
ele
vinha
lixar,
marcar
a
escala.
Aí
só
que
ele
fazia
mais
era
de
cravelha,
fazia
de
tarraxa
não,
só
se
fosse
por
encomenda
mesmo.
E
o
tamanho
da
viola
também,
a
escala
dela
é
menor,
não
é
tipo
uma
escala
completa,
que
a
viola
desses
folião
mais
velhos,
de
primeira
era
só
dez
casas
até
aqui
[mostra
na
viola].
Daí
sempre,
quando
eu
aprendi
pra
cá,
que
foi
já
aprendendo
com
mais
gente,
com
os
violeiros,
eles
falavam
assim
‘ó
você
vai
fazer
a
viola,
você
pode
fazer
com
o
braço
maior,
que
aí
você
já
faz
na
escala
completa’.
Aí
já
fui
tirando
a
medida
e
fui
aprendendo,
aí
já
fazendo
a
escala
completa
(...)
[Os
trastes]
ele
fazia
tudo
na
mão,
tinha
um
martelo
no
lugar
dele
rebater.
Aqui
era
tudo
na
mão
que
ele
fazia
ele
rebatia
no
torno,
aí
recortando
tudo.
Aí
ele
limava,
depois
de
tudo
prontinho
(...)
E
aí
depois
eu
trabalhando,
ele
já
via
os
violão
maior,
aí
copiava
o
modelo
do
violão,
e
aí
já
tem
diferença,
foi
modificando
algumas
coisinhas,
só
o
desenho
é
igual
ao
que
ele
fazia,
ele
me
ensinava
a
fazer
essas
florzinhas,
que
é
mesmo
na
mão
que
ele
fazia.
Sendo
herdeiro
direto
deste
mestre,
Geraldinho
relata
agora,
como
é
o
seu
processo
construtivo,
evidenciando
as
continuidades
dos
saberes
aprendidos,
bem
com
algumas
as
mudanças:
382
GONÇALVES,
José
Geraldo.
[03
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Todos,
ou
quase
todos
os
processos
de
construção
artesanal
das
violas
são
realizados
no
interior
das
oficinas,
que
são
o
lugar,
por
excelência,
da
performance
dos
artesãos.
Geralmente
estes
espaços
estão
localizados
no
mesmo
terreno
das
residências;
entretanto,
há
situações
nas
quais
os
construtores
tanto
fabricam
quanto
ensinam
o
ofício
em
espaços
cedidos
ou
designados
pelo
poder
público,
tais
como
casas
de
cultura
ou
centros
de
formação.
As
oficinas
podem
variar
bastante
quanto
aos
tamanhos,
indo
desde
espaços
amplos,
como
é
o
caso
da
oficina
de
Wagner
Souza
em
Uberaba,
a
pequenos
recintos,
a
exemplo
da
oficina
de
Zé
Floresta
que
foi
improvisada
na
entrada
de
sua
casa
neste
mesmo
município.
Apesar
de
desenvolver
seu
ofício
ali
há
anos,
é
justamente
um
espaço
mais
adequado
ao
trabalho
uma
das
principais
demandas
deste
artesão
e
também
violeiro.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Especialmente
no
âmbito
das
sociedades
rurais,
que
foi
o
lócus
fundamental
de
criação
de
uma
cultura
em
que
a
viola
está
inserida
e
suas
diversas
camadas,
este
instrumento
e
suas
musicalidades
foram
e
ainda
são
intimamente
atrelados
à
vida
social
dessas
coletividades,
“sendo
utilizado
como
instrumento
acompanhador
do
canto,
das
rezas,
das
danças
e
das
modas
de
viola
(...).”383
Portanto,
mesmo
que
amplamente
disseminada
pelo
espaço
urbano
dos
municípios
mineiros
devido
às
sucessivas
ondas
migratórias
do
campo
para
a
cidade,
à
influência
da
radiodifusão
e/ou
ao
fenômeno
dos
discos,
as
características
da
transmissão
dos
conhecimentos
relacionados
à
viola
ainda
se
mantêm
ancoradas,
em
grande
medida,
na
tradição
oral
típica
do
mundo
rural.
Assim,
tradicionalmente
baseada
em
uma
cultura
não
escrita,
os
saberes
da
viola
são
apreendidos
por
outras
vias,
onde
a
percepção,
a
experiência
e
a
memória
são
os
suportes,
por
excelência,
desse
processo
de
aprendizagem,
garantindo
que
o
saber
seja
sempre
reinventado,
posto
que
baseado
na
prática.
Não
por
acaso,
o
universo
da
viola
é
altamente
inventivo,
cujo
exemplo
mais
paradigmático
pode
ser
fornecido
pela
diversidade
de
afinações
e
de
toques
verificados
no
âmbito
do
território
mineiro,
fruto
da
inexistência
de
um
método
de
ensino
organizado.
Antes
de
ser
um
fator
limitador
para
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
essa
conjuntura
de
aprendizagem
“pode
ter
favorecido
a
extensão
de
suas
possibilidades
técnicas,
promovendo
a
diversidade
de
elementos
presentes
em
sua
produção
musical.”384
383
DIAS,
2010,
p.
12.
384
MIRANDA,
2016,
p.
25.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Essa inventividade,
é
reflexo
da
autonomia
com
que
os
tocadores
acabam
traçando
seus
caminhos
de
aprendizagem
e
“estudo”,
resultando
na
exuberante
trama
de
estilos,
toques,
ritmos,
danças
presentes
em
suas
práticas
musicais.
A
soma
dos
diversos
processos
individuais
desses
sujeitos
aprendizes
assemelha-‐se
a
uma
colcha
de
retalhos,
em
que
as
partes
são
costuradas
entre
si
pelo
fio
da
tradição.
Esse
mosaico
configura-‐se
como
uma
das
características
mais
marcantes
da
cultura
de
tradição
oral,
e,
no
caso
da
produção
musical
ligada
à
viola
caipira,
pode
ser
observado
na
variedade
de
toques,
de
tipos
de
afinação,
de
formas
de
construção
385
e
de
contextos
em
que
o
instrumento
é
utilizado .
Mesmo
que
com
a
formalização
cada
vez
mais
consolidada
de
uma
escolarização
da
viola
com
o
estabelecimento
de
cursos,
escolas,
disciplinas
e
materiais
didáticos
especializados,
dentre
outros,
a
oralidade
ainda
é
partícipe
ativa
da
aprendizagem
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
do
contexto
mineiro.
Contudo,
sendo
um
universo
que
não
tem
fim,
é
necessário
não
cair
na
dicotomia
entre
esses
dois
planos,
uma
vez
que
pode
acontecer
de
violeiros,
violeiras
e
tocadores
calcados
na
tradição
se
utilizarem
de
materiais
de
ensino,
assim
como
aqueles
escolarizados
aprenderem
também
pela
oralidade.
A
primeira
questão
que
surge
nesta
perspectiva
de
análise
se
refere
ao
tempo
de
execução
do
ofício.
Os
resultados
obtidos
pelo
Mapeamento
indicam
que
grande
parte
dos
respondentes,
79,63%,
disse
tocar
viola
há
menos
de
20
anos,
sendo
que
uma
expressiva
quantidade
desse
percentual
respondeu
ser
violeiro,
violeira
e
tocador
há
cinco
anos
ou
menos
(29,82%).
Esse
dado
é
bastante
significativo
e
corrobora
a
tese
de
que
a
música
caipira,
de
um
modo
geral,
e
a
viola
mais
particularmente,
passou
por
um
incremento
nas
últimas
décadas
em
Minas
Gerais,
adentando
em
outros
espaços
e
atraindo
públicos
que
outrora
não
eram
verificados.
O
gráfico
abaixo
demonstra
essa
porcentagem:
385
MIRANDA,
2016,
p.
25.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Roberto
Corrêa
(2014)
pontua
que,
a
partir
da
década
de
1960,
uma
série
de
acontecimentos386
incidiu
nas
práticas
musicais
da
viola
alçando
o
instrumento
a
outros
patamares
culturais.
O
processo
de
escolarização
da
viola
vem,
então,
como
uma
das
implicações
dessas
transformações,
sendo
diretamente
tributária
da
emergência
da
performance
instrumental
do
instrumento,
à
sua
disseminação
pelo
espaço
urbano
por
meio
do
fenômeno
da
radiodifusão
e
da
fonografia,
e
pela
dilatação
das
fronteiras
culturais
tangido
pelo
instrumento.
Corrêa
ainda
diz
que
o
violeiro
Rui
Torneze
expôs,
na
ocasião
de
um
seminário
sobre
o
tema,
um
interessante
dado
a
respeito
da
expansão
do
instrumento
ao
dizer
que,
Tocava
mais
[alguns
toques
da
viola],
tanta
coisa
pra
impedir
o
toque,
hoje
tem
trem
demais.
Você
vê
hoje
o
menino,
num
que
aprender
por
conta
que
tem
um
celular
na
mão,
é
uma
televisão,
um
filme,
é
tanta
coisa
que
impediu
isso,
tá
cheio
386
São
eles:
a
criação
do
ritmo
Pagode,
a
escritura
de
uma
partitura
para
viola
caipira,
a
criação
da
primeira
orquestra
de
violeiros,
a
inserção
do
instrumento
em
festivais
de
música,
a
gravação
de
discos
de
viola
instrumental,
o
estabelecimento
de
programas
televisivos
e
encontros
nacionais
de
violeiros.
A
esses
acontecimentos
Corrêa
dá
o
nome
de
“avivamento
da
viola”
(2014,
p.
112).
387
CORRÊA,
2014,
p.
135.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
até
demais.
Eu
mesmo
tenho
um
aqui
que
até
aprendeu,
quer
dizer,
violão,
viola
não.
Num
aprendeu
tocar
viola
não.
Violão
ele
aprendeu
sozinho
no
computador.
Ele
vai
lá
pro
quartinho
dele
ali,
que
ele
tem
um
quartinho
dele
lá,
lá
ele
liga
o
computador,
liga
o
violão
e
ele
já
tá
tocando
até
muito,
tem
muita
posição.
Mas
num
é
do
meu
jeito,
não
é
dos
toque
que
eu
gosto
não,
que
eu
gosto
é
música
sertaneja,
tocar
um
samba,
sussa
né,
fazer
um
lundu,
e
sei
que
nós
tem
mais
incentivo,
hoje
é
isso,
aqui
num
tem
rio
abaixo,
num
tem
inhuma,
num
tem
nada,
tocamos
um
lundu,
toca
como
diz
o
povo,
uma
sussa,
que
é
quase
tipo
dum
lundu
mais
já
num
é,
porque
o
lundu,
termina
de
fazer
o
canto
de
bom
jesus,
o
de
reis
já
388
faz
um
lunduzinho
ali
na
hora .
Por
outro
lado,
um
percentual
de
12,35%,
disse
tocar
viola
há
40
ou
mais
anos,
revelando-‐
se
um
montante
expressivamente
menor
do
que
aquele,
sendo
5,26%
dentre
a
faixa
de
40
a
50
anos,
4,5%
dentre
a
faixa
de
50
a
60
anos
e
2,6%
para
60
ou
mais
anos.
Para
além
das
lacunas
próprias
à
metodologia
do
Cadastro,
que
o
coloca
em
contato
com
pessoas
mais
jovens
cujo
acesso
à
internet
é
mais
facilitado,
esta
informação
traz
à
tona
algumas
questões
norteadoras
para
a
salvaguarda.
Se
por
um
lado
os
novos
perfis
de
violeiros,
violeiras
e
tocadores
trazem
consigo
outros
paradigmas
para
os
modos
de
tocar
o
instrumento,
por
outro,
com
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
mais
antigos,
determinados
fundamentos
mais
calcados
no
âmbito
tradição
podem
adentrar
o
campo
do
esquecimento.
Para
que
o
processo
de
transmissão
através
da
oralidade
seja
mais
bem
entendido,
o
pesquisador
Fábio
Miranda
diz
que
é
de
fundamental
importância
colocar
em
evidência
a
figura
do
violeiro
“tradicional”
que
são,
“em
geral,
homens
velhos
que
tangem
seus
instrumentos
em
funções
de
divertimento
e
devoção”389.
O
conhecimento
dos
violeiros
de
tradição
está,
portanto,
a
serviço
de
uma
funcionalidade
performada
em
determinados
momentos
da
vida
coletiva
e
que
tem
lugar
no
período
anterior
ao
processo
de
formalização
do
ensino
da
viola,
sendo
mantido
por
laços
familiares
e
devocionais.
A
história
sobre
como
Cândido
Pereira
da
Mota
iniciou
sua
relação
com
a
viola
ajuda
a
compreender
esse
plano
da
tradição:
388
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
389
MIRANDA,
2016,
p.
23.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Essa
relação
foi
o
seguinte,
nunca
me
ensinou,
mas
como
eu
me
interessei,
que
é
a
história
que
eu
estou
te
falando,
uma
coisa
que
você
se
interessa,
você
vai
fundo
até
você
conseguir
aquele
objetivo,
porque
do
contrário
se
você
não
tiver
interesse
você
não
consegue.
Aí
já
comecei
com
a
idade
de
oito
anos
arranhando
devagarinho
as
corda
ali,
aqui
acolá
eu
pegava
a
viola
quebrava
uma
corda
ele
ia
me
dava
uma
chamada,
e
aí
fui
crescendo
naquilo
ali,
num
aprendi
muito
mais
também
nunca
esqueci,
e
dou
o
maior
valor
na
viola,
a
viola
caipira,
eu
acho
muito
bonito,
(...)
meu
pai
foi
cabeça
de
folia
entendeu,
aí
quando
eu
aguentei
arrastar
uma
viola
ele
já
me
levava
pras
folia.
Quando
eu
tinha
nove
anos
de
idade
eu
já
era
folião,
aí
desse
tempo
pra
cá
pronto,
aquilo
ali
ficou
no
sangue,
só
390
vai
acaba
quando
eu
viajar,
isso
aí
eu
não
vou
esquecer
nunca .
O
relato
acima
deixa
entrever
alguns
aspectos
relevantes
que
recorrentemente
aparecem
no
horizonte
da
aprendizagem
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
de
tradição,
tais
como
o
mote
do
ambiente,
do
dom
e
do
sangue.
O
que
se
segue
ao
tempo
de
ofício
do
violeiro,
violeira
e
tocador
se
refere
à
circunstância
de
obtenção
do
seu
primeiro
instrumento.
O
conteúdo
da
questão
sobre
como
a
primeira
viola
foi
adquirida
é
muito
específica
para
cada
violeiro,
violeira
e
tocador,
uma
vez
que
é
do
domínio
da
história
de
vida
de
cada
um
e,
portanto,
algo
da
ordem
da
experiência
de
si.
Contudo,
mesmo
com
todas
as
particularidades
envolvidas,
observou-‐se
no
Mapeamento,
uma
recorrência
de
menções
ou
da
relação
familiar
na
aquisição
do
instrumento,
ou
da
obtenção
pela
via
da
compra.
390
MOTA,
Cândido
Pereira
da.
[01
de
agosto
de
2017].
São
Francisco.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raíza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐
MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Meu
pai
era
folião
e
desde
os
oito
anos
já
tocava
nas
festas
tradicionais,
então
com
muita
dificuldade
meu
pai
conseguiu
comprar
uma
viola
para
mim
tocar
com
391
meu
próprio
instrumento .
Minha
primeira
viola
foi
um
presente
do
meu
pai.
Enquanto
era
dele,
eu
tocava
sempre.
Acho
que
ele
percebeu
meu
gosto
pela
música
e
acabou
me
dando
de
392
presente .
Como
herança
do
meu
pai
que
era
violeiro.
Meu
pai
sempre
nutriu
grande
apreço
por
seu
instrumento
e
presenteou-‐me
com
seu
próprio
instrumento
como
393
demonstração
de
carinho .
Já
no
segundo
padrão
de
respostas,
a
compra
da
primeira
viola
por
meios
próprios
pode
decorrer
dos
propósitos
os
mais
diversos,
mas
que
se
ancora,
sobretudo,
em
motivações
e
desejos
de
aprender
o
ofício,
mais
do
que
por
força
da
família
ou
da
comunidade.
Não
raro,
muitas
respostas
evidenciam
que
possuir
o
instrumento
era
um
sonho
de
infância
ou
que
a
compra
se
deu
através
de
muita
dificuldade,
o
que
imprime
um
forte
componente
de
conquista
e
de
êxito,
que
é
muito
marcante
nestes
casos.
Os
locais
de
aquisição
são
também
bastante
variados
sendo
a
internet,
lojas
de
instrumentos
musicais,
luthiers,
fazedores
e
segunda
mão,
algumas
das
respostas
mais
mencionadas.
Essa
diversidade
relacionada
à
aquisição
pela
compra
também
pode
ser
compreendida
a
partir
das
respostas
dos
próprios
violeiros,
violeiras
e
tocadores:
Assistindo
a
Rodas
na
minha
cidade
me
apaixonei.
Comprei
e
comecei
a
aprender.
394
Melhor
coisa
da
minha
vida .
391
GONÇALVES,
Arinesto
José.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
do
IEPHA-‐MG.
392
SILVA,
Patrick
Magela.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
do
IEPHA-‐MG.
393
LIMA,
José
Emídio
de.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
do
IEPHA-‐MG.
394
CAETANO,
Léa.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
do
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
395
Comprei
para
tocar
em
folia
desde
os
20
anos
de
idade .
Foi
adquirido
com
27
anos
quando
tive
condições
de
comprar
uma
viola
que
era
396
um
sonho
de
infância .
Ademais,
as
aquisições
por
doação
ou
troca
também
foram
algumas
das
modalidades
citadas
pelos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
mapeados,
porém,
em
uma
escala
consideravelmente
menor.
O
tema
da
motivação
é
de
tal
modo
significativo
para
se
alcançar
o
perfil
desse
violeiro,
violeira
e
tocador
do
contexto
mineiro,
que
encetou
uma
pergunta
específica
no
Cadastro.
E
uma
vez
mais,
a
dimensão
familiar,
comunitária,
devocional
e
cultural
se
sobrepôs
no
conjunto
de
respostas.
Para
a
grande
maioria
dos
respondentes,
o
interesse
em
tocar
o
instrumento
veio
como
algo
inerente
ao
próprio
meio
em
que
se
vive,
sendo
questão
de
berço,
de
sangue
e
de
herança,
portanto,
de
tradição,
tal
como
a
seguir:
O
que
me
motivou
foi
a
tradição
do
meu
pai
que
foi
folião
de
reis,
que
passou
para
mim,
desde
pequena
acompanhava
a
folia
junto
com
ele
e
despertou
paixão
397
pelos
instrumentos,
onde
aprendi
a
tocar .
Miranda
pontua
que
o
dom
herdado
por
laços
de
consanguinidade
ou
influência
familiar
é
um
dos
principais
argumentos
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores
para
embasar
seu
processo
de
aprendizagem:
Essa
influência
familiar
implica
a
transmissão
do
gosto
e
habilidade
por
meio
de
uma
espécie
de
sucessão
natural,
que
muitas
vezes
é
mobilizada
por
ações
invasivas
e
concretas
por
parte
dos
mais
velhos
a
fim
de
favorecer
um
ambiente
inspirador
que
promova
o
interesse
e
o
senso
de
responsabilidade
nos
398
descendentes
para
a
continuidade
de
tal
arte .
395
BARRA,
Lair
Ferreira.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
396
PEDRO,
Francisco.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
397
SILVA,
Monise
Estela
da.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
398
MIRANDA,
2016,
p.
44.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Essa
influência
fica
ainda
mais
inteligível
à
medida
do
contato
com
as
histórias
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores.
O
violeiro
Renato
Teixeira
de
Almeida,
que
reside
em
Belo
Horizonte,
tem
a
percepção
de
que
a
influência
da
família
em
seu
gosto
pela
viola
vem
antes
mesmo
de
seu
nascimento,
se
intensificando
a
medida
da
socialização
no
cotidiano
da
roça
junto
ao
seu
pai:
Conheci
o
som
da
viola
ainda
no
ventre
de
minha
mãe,
quando
escutava
meu
pai
tocar
sua
violinha
para
acompanhá-‐la
nas
ladainhas.
Era
um
ambiente
sagrado
e
lindo.
Com
aproximadamente
sete
anos
eu
já
trabalhava
com
meu
pai
na
lida
diária
da
roça.
Vez
em
quando,
dava
um
jeitinho
de
escapulir
e
pegar
a
violinha
dele
escondido.
Tinha
que
deixá-‐la
do
mesmo
jeito
para
ele
não
perceber,
ou
fingir
que
não
percebia.
Outro
muito
importante
para
mim
foi
o
mestre
violeiro
e
399
folião
Chico
Barrigada .
Com
10
anos
de
idade
[que
começou
a
tocar],
que
tinha
um
senhor
que,
eu
não
deixo
de
falar
o
nome
dele,
que
ele
chamava
Joaquim
Maximiliano,
ele,
esse
homem
tinha
muita
sabedoria
e
era
bom
de
viola.
Então
quando
ele
chegou
em
casa
ele
conversava
com
meu
pai,
os
meninos
não
podia
ouvir
a
conversa
dos
velhos,
então
a
gente
ficava
encostado
afastados,
e
eu
cheguei
perto
meu
pai
ainda
falou
comigo,
‘eu
não
quero
você
ficar
ouvindo
conversa
dos
velhos
não’.
Aí
eu,
foi
Deus
que
me
mandou
que
pediu
que
eu
fizesse
essa
parte
porque
eu
falei
com
eles
‘se
eu
não
aprender
com
o
senhor
com
que
eu
vou
aprender?”.
Aí
seu
Joaquim
afastou
pra
um
lado,
meu
pai
me
pôs
no
meio
e
me
pôs
lá
pra
poder
ficar
me
explicando,
‘você
quer
aprender?’,
falei
‘quero’,
então
encordoa
essa
viola,
peguei
a
viola
,
ele
foi
ensinando
as
cordas,
que
as
cordas
não
era
essa
hoje
que
vem
os
pacote,
as
cordas
era
de
carretel,
corda
branca
e
amarela,
tudo
de
metal.
Aí
que
ele
afinava
a
viola.
Eu
entregava
a
viola
pra
ele
afinava
e
me
ensinava
a
ir
400
tocar
viola .
O
encanto
pelo
som
da
viola
e
o
gosto
pela
música
raiz
também
figuram
como
motivadores
para
o
início
da
relação
com
o
instrumento,
além
da
influência
exercida
por
artistas
da
dita
399
ALMEIDA.
Renato
Teixeira.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
400
SIQUEIRA,
Odorino
Avelar.
[10
de
julho
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐
MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
música
caipira,
sendo
o
principal
deles
Tião
Carreiro,
que
foi
muito
citado
entre
os
respondentes
e
que
será
retomado
mais
adiante.
Por
certo,
há
violeiros,
violeiras
e
tocadores
que,
de
fato,
aprenderam
o
ofício
de
modo
autodidata,
validos
do
esforço
pessoal,
do
aprendizado
por
meio
de
materiais
didáticos
ou
de
métodos
de
ensino
atualmente
disponíveis
sobre
o
instrumento.
Contudo,
este
dado
deve
ser
relativizado.
O
primeiro
contato
com
instrumento,
ela
foi
Deus
na
minha
vida
porque
o
pouco
que
eu
aprendi
professor
meu
não
teve,
eu
vendo
o
povo
tocar,
vendo
afinação
e
401
DIAS,
2010,
p.
18.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
aprendi
mesmo,
assim
de
ideia
mesmo
assim
se
olhar
não
foi
nenhum
402
professor .
Nesta
lógica
de
pensamento,
o
mestre
dificilmente
é
apreendido,
como
é
para
o
caso
do
professor,
do
ponto
de
vista
de
um
especialista,
uma
vez
que
está
presente
na
vida
do
aprendiz
de
uma
maneira
integral,
sendo
o
ensino
da
viola
apenas
uma
faceta
de
uma
relação
mais
ampla
entre
mestre
e
aprendiz.
Miranda
(2016)
pontua
ser
recorrente
no
discurso
entre
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
a
afirmativa
da
aprendizagem
solitária,
principalmente
em
contextos
não
sistematizados
de
ensino.
De
acordo
com
este
autor,
Eu
aprendi
incentivado
do
meu
pai,
mais
mesmo
com
ele
ainda
foi
difícil
de
aprender
ainda,
porque
ele
era
direito
né,
e
mais
ele
não
deixava
nós
pegar
na
violinha
dele
não,
dava
trabalho,
era
escondido,
na
hora
que
ele
saía
a
gente
ia
lá
despistado
ali
(...)
largava
a
violinha
lá
e,
mas
não
aprendeu
também
não.
(...)
Mas
foi
uma
luta
muito
difícil.
Aliás
quando
eu
tinha
uns
10
anos
eu
já
sabia
afinar
uma
viola,
aprendi
afinar
mais
ligeiro
de
que
tocar
né.
Igual
eu
via
o
véio
lá
sentado
lá
afinando
e
tocando,
porque
pai
gostava
de
viola
demais,
tocava
muito.
402
SIQUEIRA,
Odorino
Avelar.
[10
de
julho
de
2017].
403
MIRANDA,
2016,
p.
43.
404
LEIRIS,
2017,
p.
15.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Tinha
vez
que
ele
mais
o
véio
Juquinha
Bicota
eles
tirava
a
noite
todinha,
começava
na
boca
da
noite
e
amanhecia
o
dia
tocando
viola,
os
dois,
era
bom
de
viola.
Aí
pegou
um
sentido,
os
irmão
meu
quase,
todo
mundo
toca,
uns
toca
mais,
outros
toca
mais
pouco,
mais
todo
mundo
aprendeu
a
tocar.
Ia
nós,
eu,
o
(...),
João,
nós
quatro
aprendeu
foi,
é,
canhoto,
mais
não
é
canhoto
não,
só
aprendeu,
a
influência
de
aprender
né,
e
o
instrumento
dele
de
canhoto
né,
e
ele
deu
a
405
oportunidade
e
nós
aprendeu .
O
desafio
de
acessar
este
mundo
secreto
dos
adultos
faz,
então,
com
que
o
aprendiz
procure
descobrir
“por
seus
próprios
meios”
a
arte
da
viola.
Nesse
ponto,
a
imitação
é
uma
dimensão
notável
do
processo
oral
de
transmissão
de
conhecimentos.
Nela,
os
aprendizes
são
instigados
reproduzir
os
gestos
e
as
técnicas
de
seus
mestres,
em
um
dinâmico
jogo
de
ensino
onde
quem
aprende
assume
um
protagonismo
na
ação.
Durante
os
giros
da
Folia
de
Bom
Jesus,
na
zona
rural
do
município
de
São
Francisco,
por
exemplo,
os
jovens
sempre
procuram
ficar
próximos
aos
violeiros
mais
experientes
de
modo
a
aprender
o
ofício
no
momento
das
práticas
musicais.
Foto dos meninos ao redor do violeiro em s. Francisco
Nesse
universo
da
oralidade
não
obstante,
a
busca
pelo
conhecimento
é
a
todo
o
momento,
instigada
de
modo
não
declarado
por
quem
o
detém
como
foi
o
caso
da
iniciação
de
Cândido
no
mundo
musical
da
viola:
Aí
nasceu
do
meu
pai
e
nunca
peguei
uma
escola
nem
nada,
mas
meu
pais,
ele
aí
conheceu
era
um
dos
maiores
violeiros
aí
da
região,
violeiro
e
guia
de
folia,
e
fazia
viola
também.
Zé
costa,
eu
tenho
uma
fotografia
dele
lá
e
casa.
Aí
aprendi
cum
ele,
mais
ele
num
me
ensinou
nada,
eu
tinha
7
ano
de
idade
ele
tocava
viola,
tocava,
tocava
e
deixava
lá
afinada
em
riba
da
cama,
eu
ia
lá
e
começava
a
405
CORRÊA,
Domingos.
[02
de
agosto
de
2017].
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
razunhar
né,
aí
com
pouco
ele
já
deixou
a
viola,
começou
a
deixa
a
viola
desafinada
e
eu
aprendi
sem
ele
ensinar,
aí
desse
tempo
pra
cá
eu
não
aprendi
muito
não,
mas
vai
dando
pro
gasto.
Tanto
a
fala
de
Domingos
Corrêa
acima,
quanto
à
fala
anterior
de
Renato
Teixeira
são
exemplos
bons
para
pensar
essas
dimensões,
especialmente
quando
é
assinalado
que
vez
em
quando,
dava
um
jeitinho
de
escapulir
e
pegar
a
violinha
dele
escondido.
Tinha
que
deixá-‐la
do
mesmo
jeito
para
ele
não
perceber,
ou
fingir
que
não
percebia.
O
fingir
que
não
percebia
é
justamente
este
estímulo
velado
do
familiar
ou
até
mesmo
do
mestre,
já
que
os
obstáculos
fazem
parte
do
processo
de
aprendizado
da
viola.
A
partir
de
experiências
como
essa,
não
é
difícil
entender
a
veemência
com
que
os
tocadores
se
autoproclamam
entendedores
de
suas
artes
(...).
Nesses
casos,
é
um
orgulho
para
o
violeiro
proclamar
essa
autonomia
conquistada
a
ferro
e
fogo,
além
de
ser
um
atestado
de
legitimidade
de
seu
dom,
graça,
hereditariedade
e/ou
naturalidade
(...).
Em
uma
relação
em
que
a
figura
da
pessoa
que
ensina
é
praticamente
inexistente,
o
que
se
legitima
é
o
fato
da
pessoa
aprender
a
tocar
‘sem
a
ajuda
de
ninguém’,
ou
ainda,
desafiando
uma
proibição
ou
dificuldade
406
imposta
por
uma
figura
mais
experiente .
406
MIRANDA,
2016,
p.
44-‐45.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Tal
frase
deve
remeter
a
um
sentido
mais
amplo,
inclusive
em
sentido
inverso,
pois
jamais
se
aprende
sozinho
numa
tradição
oral.
Nela,
a
construção
do
conhecimento
é
um
processo
que
não
prescinde
da
interação
e
pertencimento
a
407
um
grupo
social .
Gráfico aprendizado
Já
foi
dito
que
o
modo
de
ensino
não
sistematizado
continuou
a
reverberar
mesmo
no
meio
urbano,
onde
violeiros
provenientes
do
meio
rural
levaram
consigo
os
valores
calcados
na
tradição,
especialmente
no
contexto
dos
diferentes
fluxos
migratórios.
Contudo,
no
ambiente
urbano
foram
sendo
criadas
outras
necessidades
de
ensino-‐
aprendizagem
do
instrumento,
caminhando
progressivamente
para
a
sistematização
de
técnicas
de
execução.
Não
é
certo
precisar
quando
este
processo
teve
início
segundo
Dias,
mas,
justamente
a
partir
desses
deslocamentos
para
as
cidades
“pode-‐se
pensar
num
movimento
lento
de
mudanças
na
relação
de
ensino-‐aprendizagem
até
o
surgimento
dos
primeiros
professores
particulares
de
viola”408.
407
DIAS,
2010,
p.
20.
408
DIAS,
2010,
p.
20.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Nesse
sentido,
surgem
metodologias
de
ensino,
materiais
didáticos
impressos,
além
da
internet,
que
abriu
um
novo
campo
de
possibilidades
devido
à
ampliação
da
circulação
de
músicas,
cifras
e
vídeos
com
técnicas
musicais.
A
escola
é,
inerentemente,
o
lugar
em
que
vai
se
afirmar
a
profissão
docente
e
a
relação
professor/aluno,
algo
sui
generis
até
então,
em
se
tratando
da
cultura
musical
dos
violeiros.
Este
projeto,
ao
se
estabelecer
sobre
um
aparato
teórico
e
metodológico,
passa
a
legitimar
um
novo
modo
de
aprender
e
ensinar
viola.
Portanto,
a
escolarização
é
um
processo
que
rompe
com
a
condição
de
o
tocador
estar
vinculado
somente
a
uma
cultura
oral
como
o
fora
outrora.
Com
ela,
entra-‐
se
na
era
do
conhecimento
musical
vertido
para
o
escrito,
seja
ele
transmitido
por
meio
de
impressos
ou
eletronicamente
(CD’s,
DVDs
de
vídeo-‐aula,
aulas
de
410
música
via
internet) .
409
DIAS,
2010,
p.
34.
410
DIAS,
2010,
p.
43-‐44.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Jobim,
no
município
de
Capelinha;
Ritmos
e
Tradições
e
Instituto
Musical
Ritmos,
em
Sete
Lagoas;
Vibratos
Escola
de
Música,
em
São
João
del
Rei;
Centro
de
Estudos
Musicais,
em
Bocaiúva;
Escola
de
Música
de
Cristina
e
Arpejo
Escola
de
Música,
em
Itajubá;
Oficina
de
Música
Herich
Mathias,
em
São
Lourenço
e
Orquestra
de
Violas
Cordas
e
Encantos,
em
Passos.
Observa-‐se
que
há
instituições
de
ensino
formais
de
viola
em
várias
mesorregiões
do
estado.
Contudo,
no
caso
específico
do
Triângulo
Mineiro,
Uberlândia
se
destacou,
dentre
os
municípios,
como
o
que
mais
apareceu
em
número
de
escolas,
sendo
seis
no
total:
Violuarte
Viola,
Mega
Cursos,
Companheiros
da
Viola,
Espaço
de
Música
Hermelindo
Ferreira,
Sementinha
do
Cerrado
e
Escola
Municipal
Cidade
da
Música.
A
grande
maioria
dos
respondentes
que
citou
as
escolas
como
o
principal
meio
de
aprendizagem
da
viola,
está
na
faixa
dos
cinco
anos
ou
menos
de
tempo
com
o
instrumento,
o
que
amplia
o
entendimento
de
que
a
viola
está
circulando,
entre
os
novos
violeiros,
no
espaço
formal
de
aprendizagem,
de
caráter
marcadamente
urbano,
de
um
instrumento
que
se
liga
às
práticas
tradicionais
que
têm
lugar,
especialmente,
no
mundo
rural.
Apesar
de
denotar
a
pluralidade
desse
instrumento,
é
necessário,
do
ponto
de
vista
do
Patrimônio
Cultural,
pensar
em
ações
que
assegurem
a
manutenção
e
valorização
dessas
práticas
tradicionais
de
ensino-‐aprendizagem
da
viola.
Dentre
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
cadastrados,
43%
disseram
que
ainda
não
ensinaram
ninguém
a
tocar
viola,
ao
passo
que
55%
disseram
já
terem
passado
seus
conhecimentos
para
frente,
tal
como
mostra
o
gráfico
a
seguir.
Este
segundo
percentual
é,
em
sua
maioria,
composto
por
violeiros
com
mais
de
10
anos
no
ofício.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
maioria
absoluta
das
pessoas
que
foram
mapeadas
indicou
mais
de
um
nome
que,
de
algum
modo,
participou
na
formação
de
seu
ofício,
e
uma
primeira
percepção
que
os
dados
forneceram
é
de
que
há
uma
pluralidade
no
panteão
dos
violeiros
que
são
referência
para
os
violeiros,
violeiras
e
tocadores
do
contexto
mineiro,
indo
desde
mestres
do
âmbito
comunitário
e
local,
aos
artistas
instrumentais
e
duplas
que
se
vinculam
à
cena
fonográfica
da
viola
e
da
chamada
música
caipira.
Algo
em
torno
de
46
violeiros
e/ou
duplas
foram
mencionados
quatro
ou
mais
vezes
nos
cadastros,
o
que
fornece
um
panorama
dessa
diversidade
obtida
no
Mapeamento.
[Minha
influência
foi]
o
Sr.
Antônio
de
Moura
um
violeiro
do
Município
de
Piedade
411
das
Gerais .
412
Influência
pura
e
simplesmente
familiar .
411
SANTOS,
Jair
Teixeira
dos.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
412
PAIVA,
Minerval
de.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Sempre
me
encantei
ao
ouvir
meu
pai
tocando
viola
aos
domingos,
depois
do
almoço,
quando
eu
era
pequeno.
Acredito
que
meu
pai
que
me
influenciou
413
muito .
414
Os
violeiros
mais
antigos
que
via
tocar
nas
folias
e
os
violeiros
do
rádio .
415
Meu
avô:
José
Camargo .
O
violeiro
que
mais
me
influenciou
foi
meu
próprio
pai
Antônio
Gregório
416
Pereira .
O
maior
número
de
menções
foi
a
Tião
Carreiro,
que
corresponde
a
um
percentual
de
55%
das
respostas,
figurando
na
primeira
posição
entre
os
nomes
de
maior
influência
para
os
cadastrados.
O
nome
de
Tião
Carreiro
volta
a
figurar
na
quarta
posição
junto
à
sua
dupla
Pardinho,
em
9,07%
das
menções,
reforçando
sua
projeção
na
cultura
da
viola
em
Minas.
Considerado
o
ícone
dos
violeiros,
Tião
Carreiro
surgiu
na
cena
da
dita
música
caipira
em
meados
do
século
XX
como
o
modelo
do
grande
tocador.
Vilela
pontua
que,
nessa
época,
a
figura
do
violeiro
começou
a
se
solidificar
no
segmento
e
a
se
firmar
diante
do
público
urbano,
trazendo
para
esse
espaço
a
força
de
um
personagem
vivo
no
mundo
rural,
o
tocador
de
viola.
Observamos
que
a
maior
escola
desse
segmento
418
se
firmou
nas
figuras
de
Tião
Carreiro
e
Pardinho .
413
BRANDI,
Antônio.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
414
BROA,
Valdomiro.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
415
SANTOS,
José
Francisco
dos.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
416
GUIGA,
João.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
417
FERREIRA,
José.
Cadastro.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
418
VILELA,
2015,
p.
108.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Sua
influência
vem
especialmente
do
fato
por
ser
creditada
a
ele
a
autoria
do
ritmo
Pagode,
cujo
andamento
mais
rápido,
é
altamente
apreciado
nas
performances
dos
violeiros,
violeiras
e
tocadores,
especialmente
os
de
menor
tempo
no
ofício,
como
atestam
os
dados
do
Mapeamento.
Neste
ponto,
todas
as
faixas
etárias
citaram
o
nome
de
Tião
Carreiro,
entretanto,
as
menções
prevaleceram
entre
pessoas
que
tocam
há
30
anos
ou
menos,
com
prevalência
para
aquelas
que
tocam
a
menos
de
cinco
anos.
O
Triângulo
Mineiro/Alto
Paranaíba
é
uma
mesorregião
em
que
a
influência
de
Tião
Carreiro
é
bem
marcante.
No
município
de
Uberaba,
por
exemplo,
este
violeiro
foi
citado
como
o
patrono
da
música
de
viola,
nas
palavras
do
violeiro
Maurício
Gonzaga,
que
tem
em
Tião
Carreiro
sua
grande
referência:
Eu
inspirei
muito
no
Tião
Carreiro,
na
viola,
porque
os
primeiros
festivais
que
eu
vinha
aqui
em
Uberaba
tocar,
eu
comecei
a
tocar
violão,
mas
não
conseguia
pegar
nada.
Aí
vendo
o
pessoal
ganha
o
festival
na
viola,
aí
eu
peguei
a
viola.
O
primeiro
festival
que
eu
fui
com
a
viola
eu
fiquei
em
terceiro
lugar,
daí
pra
frente
419
foi
vários .
O
segundo
violeiro
mais
mencionado
foi
Almir
Sater,
com
uma
porcentagem
de
29,74%,
cuja
presença
na
mídia
televisiva
colaborou
para
seu
reconhecimento
às
vistas
do
grande
público.
Vilela
também
diz
que,
a
presença
de
Almir
Sater
nas
telenovelas
fez
também
com
que
o
grande
público
e
o
público
jovem
olhasse
a
viola
com
outros
olhos.
Após
sua
aparição
em
telenovelas
houve
uma
redução
da
faixa
etária
dos
pretendentes
a
estudar
a
viola.
Me
lembro
que
nesta
época
muitos
adolescentes
começaram
a
me
420
procurar
para
aprender
o
instrumento,
o
que
não
era
um
fato
comum .
A
terceira
posição,
com
12,81%,
ficou
com
o
violeiro
Goiano
(da
dupla
com
Paranaense)
e
a
quinta
posição
com
Tonico
e
Tinoco,
em
um
percentual
de
9%.
Somente
419
GONZAGA,
Maurício.
[11
de
abril
de
2018].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Ana
Paula
Lessa
Belone.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐MG.
420
VILELA,
2015,
p.
116-‐117.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
na
sexta
posição
é
que
a
tendência
das
citações
se
modifica,
trazendo
à
tona
um
violeiro
da
vertente
instrumental
e
erudita,
em
detrimento
dos
violeiros
das
duplas
caipiras.
Assim,
o
nome
de
Renato
Andrade
figurou
com
6,63%
das
menções,
como
pode
ser
observado
no
gráfico.
O
jornalista
Carlos
Felipe
explica
que
Tião
Carreiro,
Renato
Andrade
e
Zé
Côco
do
Riachão,
que
também
foi
mencionado
pelos
respondentes,
personificam
e
performatizam
três
modos
distintos
de
tocar
viola
em
Minas,
e
que
muito
diz
sobre
o
padrão
de
respostas
que
o
Cadastro
forneceu.
Ele
assim
diz
a
respeito
da
influência
de
Tião
Carreiro:
O
instrumento
básico
de
melodia
e
não
de
percussão
era
a
viola
(...),
a
viola
era
essencialmente
um
instrumento
melódico,
um
instrumento
que
tinha
uma
história
pra
contar
e
tudo,
e
isso
fez
com
que
a
gente
tivesse
aqui
um
aprofundamento
muito
grande
de
violeiros
e
de
violas.
Em
todo
o
lugar
que
você
vai
há
referência
de
violas
e
de
fabricantes
de
violas
(...)
Então
em
todo
lugar,
e
o
Tião
Carreiro
não
fugiu
a
isso,
nasceu
num
lugar
onde
a
viola
era
muito
forte,
o
Norte
de
Minas,
região
de
Montes
Claros
(...)
Então
ali
ele
nasceu,
num
ficou
ali,
mais
dentro
daquela
época
quando
ele
surgiu
já
estava
havendo
um
grande
êxodo
rural
de
Minas
para
São
Paulo
(...)
e
nessas
levas
de
mineiros
para
São
Paulo,
ele
foi
junto.
E
nessa
ida,
logicamente
ele
levou
dentro
de
si
a
tradição
do
ouvir
falar,
do
ouvir
viver,
do
já
vivi
assim,
e
chegando
lá
ele
também
incorporou
aquela
tradição
caipira
paulistana,
e
essa
mistura
dele
fez
o
seguinte,
que
ele
se
tornasse
o
sujeito
simbólico
porque
ele
tocava
viola
de
uma
maneira
diferente,
e
ele
teve
coragem
de
assumir-‐se
como
violeiro
(...).
E
ele
estoura
num
momento
em
que
a
indústria
discográfica
cresce
no
Brasil
(...)
ele
simbolizou
aquele
cara
que
era
o
dom
da
viola,
e
é
muito
importante
porque,
nas
várias
duplas
que
ele
formou,
principalmente
com
Pardinho,
Tião
Carreiro
e
Pardinho,
só
Tião
Carreiro
e
Pardinho
fizeram
quase
30
discos
e
que
espalharam
essa
ideia
da
viola
pra
tudo
421
quanto
é
lado .
421
HORTA,
Carlos
Felipe.
[05
de
setembro
de
2017].
Belo
Horizonte.
Projeto
Violas:
o
fazer
e
o
tocar
em
Minas.
Entrevista
concedida
a
Débora
Raiza
Carolina
Rocha
Silva.
Disponível
no
Acervo
documental
IEPHA-‐
MG.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Na
mesma
época
surge
o
outro
ângulo
da
viola,
outro
ângulo
da
viola
que
é
o
sujeito
que
estuda
o
instrumento,
que
vai
atrás,
se
aperfeiçoa,
se
aprimora
no
instrumento,
e
inclusive
inclui
no
instrumento
na
música
erudita,
que
é
caso
do
Renato
Andrade.
Ademais,
não
se
pode
perder
de
vista
que,
em
meio
a
tantas
referências
masculinas,
diversas
mulheres
também
despontaram
enquanto
influenciadoras
das
trajetórias
de
violeiros,
violeiras
e
tocadores
mapeados,
a
exemplo
de
Bruna
da
Viola,
que
ficou
entre
os
dez
nomes
mais
citados,
além
de
Inezita
Barroso
e
de
Helena
Meirelles,
que
são
ícones
do
instrumento.
De
acordo
com
a
historiadora
Michelle
Perrot
espaço
público
foi
construído
historicamente
para
os
homens,
enquanto
às
mulheres
cabia
o
âmbito
domético.
A
pesquisadora
Margareth
Rago
por
sua
vez,
informa
que
Segundo
Rago,
no
Brasil,
pelo
menos
até
o
final
dos
anos
1950,
o
discurso
social
restringia
o
papel
feminino
ao
“espaço
natural”
do
seu
gênero:
o
lar.
Esse
contexto
gerou
para
as
mulheres
uma
mínima
atuação
em
diversos
âmbitos,
limitando-‐as
também,
em
certa
medida,
do
universo
musica.
A
esse
respeito
a
de
narrativa
Maria
Aparecida
e
Berenice,
de
duas
violeiras
do
município
de
Uberaba,
são
explicativas:
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Eu
comecei
faz
sete
anos.
[...]Porque
não
tinha
oportunidade.
Num
havia
aula,
ninguém
pra
ensinar
a
gente.
E
ainda
a
mulher,
a
gente
tem
muita
ocupação,
muito
serviço,
mas
ainda
tira
um
pouquinho
pra
apreciar,
frequentar
[escola
de
422
viola] .
Eu
sempre
fui
em
encontros
de
violeiros,
em
festivais,
e
há
quatro
anos
eu
decidi.
Eu
comecei
há
pouco
tempo
porque
nesses
afazeres
de
mulher,
realmente
a
gente
vai
deixando
passar.
Fui
deixando
passar
até
que
eu
falei:
agora
eu
vou
423
começar.
Porque
eu
sempre
gostei,
então
tô
ai
já
há
quatro
anos .
No
entanto,
diante
das
duas
falas
fica
posto
que
essa
realidade
tem
mudado
cada
vez
mais.
Atualmente
é
possível
encontrar
diversas
mulheres
no
âmbito
da
viola,
principalmente
aquelas
das
novas
gerações.
Isso
pode
ser
observado
na
própria
presença
feminina
no
Mapeamento,
contabilizando
115
respondentes.
Esse
número
ainda,
embora
ainda
seja
baixo
se
comparado
ao
total
dos
cadastros,
8,77%,
é
representativo
da
adesão
das
mulheres
a
este
instrumento.
Levando-‐se
em
consideração
que
65,21%
do
total
de
cadastradas
estão
iniciando
no
ofício,
percebe-‐se
que
as
bases
da
estrutura
sendo
modificadas
na
conformação
de
uma
nova
geração
de
mulheres
na
viola.
Esse
dado
demostra
um
importante
e
necessário
movimento
no
qual
as
mulheres
vêm
percorrendo,
e
que
se
refere
à
ocupação
de
espaços
na
cultura
musical
da
viola,
em
lugares
onde
eram
alijadas
do
processo.
422
Maria
Aparecida.
423
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
As
cenas
descritas,
que
provavelmente
já
foram
vistas
por
muitos
mineiros,
mostram
que
este
instrumento
musical
é
amplamente
difundido
e
utilizado
em
Minas
Gerais.
Está
presente
em
cada
ponta
do
estado,
em
cada
fronteira,
em
todos
os
territórios.
Está
nos
grandes
centros
urbanos,
nos
pequenos
povoados
e
distritos,
nas
comunidades
quilombolas,
vazanteiras,
ribeirinhas
e
rurais.
Nos
palcos,
nas
rodas,
nos
batuques,
lundus,
catiras
e
danças
de
São
Gonçalo.
Está
junto
ao
sagrado,
no
congado,
na
marujada,
nas
folias,
sejam
elas
de
Reis,
São
Sebastião
ou
qualquer
outra
devoção.
Está
nos
momentos
de
solidão
e
naqueles
compartilhados
em
família,
entre
amigos
ou
entre
os
pares.
Está
nos
encontros,
pois,
embora
individual,
ela
é,
sobretudo,
coletiva.
Durante
a
pesquisa,
foi
comum
ouvir
expressões
como:
“a
viola
alegresse
a
alma
e
a
vida
da
gente”,
“a
viola
é
um
sonho”,
“a
viola
é
minha
vida”.
Todas
elas,
ditas
por
mestres
e
violeiros
situados
nas
Minas
Gerais
profunda424,
demonstram
que
a
viola,
produz
ofício,
conhecimento
e
música,
além
de
criar
formas
de
sociabilidade
e
modos
de
se
situar
no
mundo,
que
muitas
vezes,
se
resume
ao
bojo
da
sua
viola.
Retomando
a
narrativa
do
violeiro
Chico
da
Viola,
que
abriu
esse
Dossiê,
cita-‐se
mais
uma
vez
que
a
viola
é
um
instrumento
que
não
tem
fim.
Essa
afirmação
costurou
todas
as
tramas
aqui
apresentadas,
posto
que
seu
universo
de
ocorrência
é
amplo
e
que
não
poderia
ser
condensando
em
uma
única
direção.
Entendeu-‐se
que
a
viola
mesmo
diversa,
complexa
e
heterogenia
como
é,
converge
em
si
cenários,
ritos,
práticas,
sonoridades
e
saberes.
É
como
uma
síncope.
Não
àquela
que
se
refere
ao
colapso
orgânico,
mas
a
que
modifica
o
ritmo
da
música,
que
cria
novos
sentidos
que
surpreendem
as
expectativas,
sem,
contudo,
perder
aspectos
da
estrutura
original
do
compasso.
Assim
é
com
a
viola,
que
embora
esteja
no
âmbito
da
tradição,
é
dinâmica
e
abre-‐se
a
outras
possibilidades.
A
metáfora
da
síncope,
a
musical,
serve
para
dar
a
perceber
que
a
viola,
bem
como
seus
saberes,
linguagens
e
expressões
musicais,
como
já
amplamente
discutido
ao
longo
do
Dossiê,
estão
associados
a
uma
historicidade
que
remonta
à
própria
formação
do
estado
e
são
tributários
de
uma
continuidade
longeva
e
fortemente
arraigada.
Nesse
aspecto,
é
importante
pontuar
os
valores
socialmente
associados
à
viola
ou
às
violas
em
suas
múltiplas
formas
de
linguagens
e
expressões
e
que,
por
lhe
atribuírem
uma
“Significância
cultural”,
justificam
a
sua
proteção
por
meio
do
Registro
Imaterial
e
orientam
as
ações
de
salvaguarda.
424
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
para
as
gerações
passadas,
presentes
e
futuras”
(Art.
1,
carta
de
Burra.
ICOMOS,
Austrália,
1999).
De
maneira
mais
clara,
o
termo
remete
aos
sentidos
e
valores
atribuídos
aos
bens
culturais
e
que
foram
sendo
adquiridos
ao
longo
do
tempo
a
partir
das
relações
estabelecidas
com
os
sujeitos,
nos
diversos
contextos
sociais,
econômicos,
políticos
e
culturais
existentes
(LINS,
2014).
Nesse
sentido,
os
valores
de
significância
são
sempre
atribuídos
pelos
diversos
atores
sociais
envolvidos
na
manifestação
cultural,
também
chamados
de
Detentores,
não
sendo
inerentes
aos
bens
culturais,
podendo,
inclusive,
mudar
ao
longo
do
tempo
ou,
ainda,
coexistirem
valores
contraditórios
e
antagônicos.
Ainda
segundo
a
Carta
de
Burra,
para
a
preservação
de
um
bem
cultural
deve
ser
levado
em
consideração
o
conjunto
de
indicadores
de
sua
significância
cultural,
impondo
recomendações
atinentes
às
ações
de
preservação.
A
determinação
da
significação
cultural
é,
portanto,
uma
etapa
fundamental
do
processo
de
gestão,
servindo
de
diretriz
para
a
conservação
e
salvaguarda
dos
atributos
valorados
para
as
futuras
gerações.
Em
síntese,
a
declaração
de
significância
funciona
como
um
instrumento
de
monitoramento,
permitindo
identificar
as
continuidades
e
transformações
dos
atributos
dos
bens,
norteando
as
estratégias
de
salvaguarda.
Esse
entendimento,
por
sua
vez,
vai
ao
encontro
do
Decreto
estadual
42505
de
15
de
abril
de
2002
que
“Institui
as
formas
de
Registros
de
Bens
Culturais
de
Natureza
Imaterial
ou
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Não
custa
lembrar
que
a
ação
de
identificação
do
valor
de
significância,
bem
como
a
construção
e
revisão
do
plano
de
salvaguarda
a
partir
de
tais
valores
deve
ocorrer
sempre
em
conjunto
com
os
detentores
e
a
coletividade
em
geral.
Desta
forma,
evita-‐se
que
a
atribuição
de
valores
aconteça
atrelada
exclusivamente
aos
cânones
previamente
estabelecidos
da
memória
ou
da
estética.
Posto
isto,
os
valores
atribuídos
à
Viola
e
identificados
ao
longo
da
pesquisa
podem
ser
apresentados
da
seguinte
maneira:
Sociais
Identidade
coletiva
-‐
(elementos
que
caracterizam
a
cultura
dos
povos,
raça,
modos,
costumes,
língua)
Sentimentais
_
aqui
a
gente
deve
retomar
a
questão
da
viola
como
importante
elemento
conformador
da
Paisagem
Sonora
de
Minas
e,
por
conseguinte,
como
catalizador
de
memórias,
sentimentos
e
laços
de
perecimento
Espirituais
-‐
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
425
Referimo-‐nos
aqui
aos
artigos
nº
215
e
nº
216,
da
Constituição
Federal
do
Brasil,
e
aos
artigos
nº
207,
nº
208
e
nº
209,
da
Constituição
Estadual
de
Minas
Gerais.
Também
ao
Decreto
Federal,
nº
3.551
de
04
de
agosto
de
2000
ao
Decreto
Estadual
nº
42.505,
de
15
de
abril
de
2002,
que
instituiu
o
Registro
de
Bens
Culturais
de
Natureza
Imaterial
em
Minas
Gerais.
426
Em
linhas
gerais
os
direitos
difusos
constituem
direitos
transindividuais,
ou
seja,
que
ultrapassam
a
esfera
de
um
único
indivíduo.
São
caracterizados,
principalmente,
por
seu
caráter
indivisível
e
coletivo.
Segundo
Castilho:
“Os
interesses
difusos
são
aqueles
em
que
os
titulares
não
são
previamente
determinados
ou
determináveis
e
encontram-‐se
ligados
por
uma
situação
de
fato;
são,
portanto,
indivisíveis
e,
embora
comuns
a
certas
categorias
de
pessoas,
não
se
pode
afirmar
com
precisão
a
quem
pertençam,
nem
em
que
medida
quantitativa
sejam
compartilhados;
não
há
vínculo
entre
os
titulares.
A
doutrina,
em
unanimidade,
cita
os
exemplos
do
direito
de
respirar
o
ar
puro,
propaganda
enganosa
pela
televisão,
direitos
humanos,
do
consumo
em
geral,
meio
ambiente,
qualidade
de
vida,
questões
econômicas
e
sociais
etc.
Vislumbram-‐se,
assim,
os
interesse
relativos
à
qualidade
de
vida,
como
a
proteção
ao
consumidor,
o
meio
ambiente,
direitos
humanos,
constituindo-‐se
interesses
metaindividuais
que
necessitam
de
um
tratamento
diferenciado
em
razão
de
sua
natureza.
Podemos
mesmo
dizer
que
os
interesses
difusos
são
uma
categoria
diferenciada
das
demais
e
que
têm
tratamento
normativo
diferenciado”.
CASTILHO,
Ricardo
dos
Santos.
Direitos
e
interesses
difusos,
coletivos
e
individuais
homogêneos.
Campinas:
LZN
editora,
2004.
p.
35
e
36.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
existe
a
necessidade,
já
constatada
em
outros
processos
de
salvaguarda
de
bens
culturais
imateriais
reconhecidos,
de
que
tal
política
seja
ampliada,
apoiando
as
práticas
e
garantindo,
efetivamente,
a
valorização
de
seus
executores.
No
que
tange
à
salvaguarda
do
patrimônio
imaterial,
o
IEPHA
aponta
algumas
diretrizes
que
norteiam
sua
construção.
Essas
diretrizes
estão
listadas
a
seguir:
•
Promoção
da
inclusão
social
e
melhoria
das
condições
de
vida
de
produtores
e
detentores
do
patrimônio
cultural
imaterial;
•
Ampliação
da
participação
dos
grupos
que
produzem,
transmitem
e
atualizam
manifestações
culturais
de
natureza
imaterial
nos
projetos
de
preservação
e
valorização
desse
patrimônio;
•
Promoção
da
salvaguarda
de
bens
culturais
imateriais
por
meio
do
apoio
às
condições
materiais
que
propiciam
sua
existência
bem
como
pela
ampliação
do
acesso
aos
benefícios
gerados
por
essa
preservação;
•
Implementação
de
mecanismos
para
a
efetiva
proteção
de
bens
culturais
imateriais
em
situação
de
risco;
•
Respeito
e
proteção
aos
direitos
difusos
ou
coletivos
relativos
à
preservação
e
ao
uso
do
patrimônio
cultural
imaterial.
Outro
critério
importante
a
ser
levado
em
consideração
na
elaboração
de
políticas
de
salvaguarda
diz
respeito
às
necessidades
referentes
à
Promoção
do
bem
cultural
protegido.
Nesse
sentido,
o
IEPHA
propõe
as
seguintes
orientações:
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Figura
X:
Eixos
para
salvaguarda
de
bens
culturais
imateriais
do
estado
de
Minas
Gerais.
Fonte:
XXXXX
Dessa
forma,
a
proposta
inicial
das
ações
de
salvaguarda
deverá
ser
apresentada
e
convalidada
pelos
detentores
dos
saberes,
das
linguagens
e
das
expressões
musicais
das
violas,
e
a
ela
poderão
ser
acrescidas
novas
ações,
que
emerjam
nesses
encontros.
A
seguir,
apresentamos
as
estratégias
pensadas
para
os
quatro
grandes
eixos
citados
na
seção
anterior,
que
se
traduzirão
em
ações,
na
tabela
Propostas
para
o
Plano
de
Salvaguarda
dos
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola
(Quadro
1).
427
O
Plano
de
Salvaguarda
é
um
instrumento
de
gestão
que
visa,
por
meio
da
relação
entre
Estado
e
Sociedade,
alcançar
a
autonomia
e
sustentabilidade
da
salvaguarda
de
um
bem
cultural
a
curto,
médio
e
longo
prazo.
Ele
está
previsto
no
Decreto
Estadual
nº
42.505
de
2002,
sob
a
forma
do
Programa
Estadual
de
Patrimônio
Imaterial;
na
portaria
47
de
2009,
é
tratado
na
seção
do
Dossiê
Técnico,
no
item
VI
-‐
Plano
de
Salvaguarda,
que
prevê
o
diagnóstico
e
a
proposição
de
diretrizes
e
ações
para
a
salvaguarda
do
bem
protegido.
428
A
proposta
de
articulação
dessa
rede
de
comitês
para
a
salvaguarda
dos
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola
estão
detalhados
na
Seção
1.2.
Estratégias
para
construção
e
implementação
do
Plano
de
Salvaguarda
das
Violas
de
Minas.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
No
que
tange
à
Gestão
participativa
e
sustentabilidade
do
bem
cultural,
pretende-‐se
criar
ações
que
garantam
a
ampla
participação
dos
detentores,
da
sociedade
civil
e
do
Estado
na
política
de
salvaguarda
do
bem
cultural,
através
da
mobilização
e
articulação
de
coletivos
para
a
salvaguarda
dos
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola.
Os
fóruns
regionais
de
escuta
encerram,
em
si,
esse
princípio
da
participação.
É
importante,
também,
que
seja
mantida
permanentemente
aberta,
a
plataforma
para
cadastro
de
violeiros,
violeiras,
fazedores
e
fazedoras
de
violas,
a
fim
de
possibilitar
a
inclusão
de
novos
cadastros.
Na
perspectiva
da
Promoção
e
Difusão
dos
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola,
propomos
ações
que
visam
divulgar
e
despertar
para
a
importância
do
universo
cultural
das
violas,
visando
à
valorização
desse
universo
e
o
esclarecimento
acerca
da
necessidade
de
preservação
do
bem
cultural.
Pretende-‐se,
também,
a
constituição,
conservação
e
disponibilização
de
acervos
sobre
o
universo
cultural
do
bem
a
ser
registrado.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
A
partir
das
demandas
de
salvaguarda
surgidas
durante
o
processo
de
pesquisa
e
de
escuta
dos
detentores
do
bem
cultural,
foram
propostas
foi
elaborada
uma
tabela
de
ações
relativas
às
demandas
identificadas
durante
a
pesquisa.
Essas
ações
estão
sistematizadas
no
Quadro
1:
PROPOSTAS
PARA
O
PLANO
DE
SALVAGUARDA,
divididas
entre
propostas
gerais
e
específicas.
As
propostas
gerais
estão
relacionadas
ao
universo
das
Violas
em
Minas
e
as
propostas
específicas
se
referem
às
referencias
culturais
às
quais
a
viola
se
relaciona.
Quadro
1:
PROPOSTAS
PARA
O
PLANO
DE
SALVAGUARDA
DOS
SABERES,
LINGUAGENS
E
EXPRESSÕES
MUSICAIS
DA
VIOLA
PROPOSTAS
GERAIS
• Criar
Comitês
Regionais
e
Central
para
a
salvaguarda
dos
Saberes,
Linguagens
e
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
que
tocam;
• Realizar
o
mapeamento
das
afinações
e
catalogar
seus
modos
de
afinar
através
de
um
suporte
teórico
musical
que
permita
desvendar
a
quais
afinações
se
referem
cada
nome
citado
pelos
violeiros
nas
diversas
regiões;
• Promover
a
valorização
e
difusão
das
afinações
presentes
em
Minas
que
estão
se
perdendo;
• Valorizar
os
mestres
detentores
de
saberes
relativos
às
afinações.
Modos
de
fazer
as
violas
artesanais
• Identificar,
conhecer,
mapear
e
documentar
o
universo
do
“saber-‐fazer”
dos
mestres
artesãos
localizados
no
território
mineiro
em
toda
a
sua
diversidade,
bem
como
suas
matérias-‐primas
e
a
complexidade
e
idiossincrasia
de
sua
cadeia
produtiva;
• Promover
a
valorização
dos
ofícios,
dos
mestres
fazedores
e
de
seus
produtos;
• Garantir
o
acesso
aos
materiais
necessários
para
a
produção
das
violas,
especialmente
a
madeira,
dando
condições
para
a
produção
das
violas;
• Fomentar
a
transmissão
dos
saberes
pelos
mestres
fazedores
aos
mais
jovens,
por
meio
da
educação
formal
e
não-‐formal;
• Viabilizar
a
formação
de
público
consumidor
para
as
violas
feitas
por
mestres
construtores,
bem
como
a
comercialização
e
distribuição
do
produto;
• Apoiar
a
estruturação
de
espaços
físicos
para
a
produção
das
violas.
Ritmos
e
toques
tradicionais
da
viola
em
minas
gerais
• Incentivar
a
pesquisa,
a
documentação
e
a
difusão
de
informações
dos
ritmos
da
viola
em
seu
contexto
de
produção
e
reprodução;
• Promover
intercâmbios
entre
tocadores,
no
sentido
da
troca
de
saberes
e
de
experiências;
• Articular
a
criação
e
publicação
de
material
informativo
e
educativo
sobre
os
ritmos
tradicionais
da
viola;
• Apoiar
e
estabelecer
parcerias
com
iniciativas
que
envolvam
a
valorização
e
difusão
dos
ritmos;
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
de
violeiro,
especialmente
aos
mais
jovens
das
famílias
e/ou
comunidades
com
tradição
na
expressão;
• Valorização
social,
cultural
e
econômica
dos
mestres.
A
viola
nos
batuques
• Criar
mecanismos
de
valorização
e
repasse
das
tradições;
• Ampliar
a
divulgação
de
trabalhos
já
realizados
sobre
as
danças;
• Valorizar
os
conhecimentos
tradicionais
dos
modos
de
tocar
a
viola;
• Incentivar
a
produção
e
a
publicação
de
estudos
e
materiais
acerca
das
danças;
• Realizar
oficinas
de
formação
com
aulas
de
viola
para
as
comunidades
nas
que
tem
a
dança
do
batuque
como
expressão
cultural.
A
viola
nas
danças
de
São
Gonçalo
• Criar
mecanismos
de
valorização
e
difusão
das
tradições
relacionadas
à
Dança
de
São
Gonçalo,
visando
seu
fortalecimento
e
incentivo
de
novas
gerações
na
sua
preservação;
• Divulgar
os
trabalhos
já
realizados
sobre
a
Dança
de
São
Gonçalo,
bem
como
incentivar
as
pesquisas
acerca
do
assunto;
• Viabilizar
a
realização
de
cursos
de
capacitação
para
a
inscrição
em
editais
de
incentivo
à
cultura,
a
fim
de
garantir
o
acesso
a
mecanismos
de
fomento;
• Promover
oficinas
de
transmissão
dos
saberes
relacionados
aos
toques,
afinações
e
modos
de
tocar
a
viola
na
dança
de
São
Gonçalo;
• Criar
mecanismos
para
suprir
a
necessidade
de
instrumentos
para
os
grupos.
A
viola
no
congado/reinado
• Criar
mecanismos
de
valorização
e
repasse
das
tradições;
• Incentivar
a
transmissão
do
saber
dos
mais
velhos
para
os
mais
jovens,
sobretudo
no
que
se
refere
aos
toques
da
viola
para
o
congado;
• Valorizar
os
conhecimentos
tradicionais
relacionados
ao
instrumento
nesse
contexto;
• Incentivar
a
produção
e
a
publicação
de
estudos
e
materiais
das
expressões
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
culturais;
• Realizar
oficinas
de
formação
com
aulas
de
viola
para
as
comunidades
que
possuem
a
viola
em
seus
congados
e/ou
reinados.
Literatura
oral
da
viola
–
causos
e
lendas
• Criar
mecanismos
de
valorização
e
repasse
das
tradições;
• Ampliar
a
divulgação
de
trabalhos
já
realizados
sobre
as
danças;
• Valorizar
os
conhecimentos
tradicionais,
por
exemplo,
dos
modos
de
tocar
a
viola;
• Incentivar
a
produção
e
a
publicação
de
estudos
e
materiais
das
expressões
culturais;
• Realizar
oficinas
de
formação
com
aulas
de
viola
para
as
comunidades.
6.2. Estratégias
para
construção
e
implementação
do
Plano
de
Salvaguarda
das
Violas
de
Minas
Visando
a
construção
do
Plano
de
Salvaguarda
de
maneira
participativa
e
descentralizada,
de
forma
a
abarcar
as
necessidades
dos
violeiros,
violeiras
e
fazedores
de
violas,
o
IEPHA
propõe
a
criação
de
uma
coordenação,
dentro
da
Gerência
de
Patrimônio
Imaterial,
para
trabalhar
com
a
salvaguarda
dos
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola.
Para
tanto,
propõe-‐se
uma
rede
de
Comitês
Regionais
e
de
um
Comitê
Central,
para
a
construção
e
implementação
do
Plano
de
Salvaguarda.
Sugere-‐se
que
os
Comitês
Regionais
sejam
compostos
por
violeiros,
violeiras
e
fazedores
de
violas,
organizados
em
associações
ou
não,
gestores
locais,
coletivos
de
cultura,
instituições
de
ensino
e
pesquisa,
associações
de
municípios
e
outros.
Já
o
Comitê
Central,
poderá
ser
composto
por
um
Presidente
eleito,
pelos
Presidentes
dos
Comitês
Regionais,
por
representantes
do
IEPHA
(DPM
e
DPR),
do
IPHAN,
da
SEC,
de
representantes
de
violeiros,
violeiras
e
fazedores
de
violas,
de
coletivos
de
cultura,
e
de
instituições
de
ensino
e
pesquisa
e
outros.
Aos
Comitês
Regionais
e
Central
para
a
Salvaguarda
dos
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola,
cabem:
Assim,
espera-‐se
que
a
articulação
da
rede
de
Comitês
Regionais
e
do
Comitê
Central,
em
diálogo
com
a
comissão
a
ser
criada
no
IEPHA,
os
seguintes
resultados:
Por
fim,
espera-‐se
que
com
o
Registro
e
a
implantação
do
Plano
de
Salvaguarda
para
os
Saberes,
Linguagens
e
Expressões
Musicais
da
Viola,
principalmente
através
da
articulação
dos
Comitês
para
Salvaguarda
do
bem
cultural,
possam
garantir
as
condições
de
manutenção
desse
importante
bem
cultural
de
Minas
Gerais
que
une
cultura
e
arte
e
que
é
identitário
das
tradições
do
estado.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
PATRIMÔNIO
CULTURAL
BRASILEIRO
É
constituído
dos
bens
de
natureza
PATRIMÔNIO
CULTURAL
IMATERIAL
material
e
imaterial,
tomados
individualmente
ou
em
conjunto,
portadores
de
referência
à
identidade,
à
São
as
práticas,
representações,
ação,
à
memória
dos
diferentes
grupos
expressões,
conhecimentos
e
técnicas
-‐
formadores
da
sociedade
brasileira,
nos
junto
com
os
instrumentos,
objetos,
quais
se
incluem:
artefatos
e
lugares
culturais
que
lhes
são
associados
-‐
que
as
comunidades,
os
I
-‐
as
formas
de
expressão;
grupos
e,
em
alguns
casos,
os
indivíduos
II
-‐
os
modos
de
criar,
fazer
e
viver;
reconhecem
como
parte
integrante
de
III
-‐
as
criações
científicas,
artísticas
e
seu
patrimônio
cultural.
O
Patrimônio
de
natureza
imaterial
é
transmitido
de
tecnológicas;
geração
em
geração
e
constantemente
IV
-‐
as
obras,
objetos,
documentos,
recriado
pelas
comunidades
e
grupos
em
edificações
e
demais
espaços
destinados
função
de
seu
ambiente,
de
sua
interação
às
manifestações
artístico-‐culturais;
com
a
natureza
e
de
sua
história,
gerando
V
-‐
os
conjuntos
urbanos
e
sítios
de
valor
um
sentimento
de
identidade
e
histórico,
paisagístico,
artístico,
continuidade
e
contribuindo
assim
para
arqueológico,
paleontológico,
ecológico
e
promover
o
respeito
à
diversidade
científico.
cultural
e
à
criatividade
humana.
O
“patrimônio
cultural
imaterial”
se
manifesta
em
particular:
PATRIMÔNIO
CULTURAL
MATERIAL
a)
nas
tradições
e
expressões
orais,
São
os
chamados
bens
imóveis
–
núcleos
incluindo
o
idioma
como
veículo
do
urbanos,
sítios
arqueológicos
e
patrimônio
cultural
imaterial;
paisagísticos,
e
edifícios
isolados
-‐
e
bens
móveis
–
coleções
arqueológicas,
acervos
b)
nas
expressões
artísticas;
museológicos,
acervos
documentais,
c)
nas
práticas
sociais,
rituais
e
atos
bibliográficos,
arquivísticos,
fotográficos,
festivos;
cinematográfico,
mobiliário,
obras
de
arte
e
demais
objetos.
Esses
bens
são
d)
nos
conhecimentos
e
práticas
assegurados
por
legislação
própria,
relacionados
à
natureza
e
ao
universo;
visando
à
manutenção
e
preservação
dos
e)
nas
técnicas
artesanais
tradicionais.
mesmos.
IDENTIFICAÇÃO
DE
BENS
CULTURAIS
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
9. GLOSSÁRIO
A C
Alferes
Cabeça
de
folia
Pessoa
responsável
por
carregar
a
bandeira
do
Ver
Capitão.
grupo
de
folia.
Também
chamada
de
bandeireiro(a)
ou
porta
bandeira.
Caixa
Instrumento
musical
de
formato
cilíndrico
feito
de
Arremate
madeira
ou
metal
recoberto
de
membranas
em
Festa
que
encerra
o
período
do
giro,
geralmente
ambas
as
extremidades.
Pode
apresentar
uma
organizada
pelos
festeiros
daquele
ano
e/ou
a
esteira
de
metal
ou
couro
colocada
em
contato
partir
da
arrecadação
de
esmolas
durante
as
com
a
membrana
inferior,
que
vibra
quando
a
visitações.
membrana
superior
é
tocada
por
uma
ou
duas
baquetas
de
madeira.
Associação
de
folia
Organização
representativa
de
vários
grupos
de
folia
de
uma
mesma
região
em
uma
estrutura
Cantos
burocrática.
Comumente
possui
sede
onde
são
Versos
enunciados
pelos
foliões
que
anunciam
os
realizados
encontros
de
folia,
festas
e
reuniões.
diferentes
momentos
da
folia,
transmitem
as
bênçãos
divinas,
narram
passagens
bíblicas
e
homenageiam
o
santo
de
devoção.
Existem
cantos
de
entrada
e
saída,
pedido
de
esmolas,
bênção
aos
devotos
e
donos
das
casas,
agradecimento
J
praticados
pelos
principais
integrantes
de
um
grupo
de
folia.
G Jornada
Ver
Giro.
Giro
L
Conhecido
também
como
jornada
ou
itinerário,
trata-‐se
do
período
e
do
espaço
marcado
pelos
circuitos
de
visitação
realizados
pelos
grupos
de
folia
às
casas
de
devotos
a
fim
de
cumprir
promessas,
transmitir
bênçãos
divinas
e
recolher
Lugar
donativos.
“Espaço
físico
e/ou
simbólico,
ao
qual
se
atribuem
características
identitárias,
relacionais
e
Guia
históricas;
para
realização
ou
prática
de
atividades
Ver
Capitão.
variadas
que
podem
ser
cotidianas
ou
extraordinárias,
vernáculas
ou
oficiais.
Do
ponto
de
vista
físico,
arquitetônico
e
urbanístico,
pode
ser
identificado
e
delimitado
por
marcos
e
trajetos
que
a
população
desenvolve
nas
atividades
que
1
lhe
são
próprias” .
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Lundu
Dança
executada
por
palhaços
na
folia
de
reis
que
consiste
em
movimentos
rápidos
realizados
com
os
pés.
P
Palhaços
Integrantes
que
se
apresentam
com
máscaras
de
M
aparência
grotesca
e
roupas
feitas
com
tecidos
coloridos.
Possuem
diferentes
conotações
entre
as
folias.
Em
determinados
casos,
são
a
representação
do
mal,
associados
ao
Rei
Herodes
e
aos
perseguidores
do
Menino
Jesus.
Em
outros,
Marungos
conduzem
os
reis
magos
em
sua
jornada,
Ver
Palhaços.
distraindo
os
homens
malvados
para
que
não
encontrem
o
recém-‐nascido.
Há
ainda
as
folias
em
Máscaras
que
representam
os
próprios
reis
magos.
Acessórios
confeccionados
em
diversos
materiais,
Normalmente,
os
palhaços
são
responsáveis
pelo
como
papelão,
pano
ou
madeira,
comumente
com
recolhimento
das
esmolas
e
pelos
versos,
danças,
traços
grotescos
e
horrendos,
destinados
a
cobrir
adivinhações,
piadas
e
cantigas
populares.
o
rosto
para
disfarçar
a
pessoa
que
os
usam.
Normalmente,
as
máscaras
são
utilizadas
pelos
Pastorinhas
palhaços
nas
folias
de
reis,
servindo
aos
mais
Celebração
do
ciclo
natalino
que
consiste
em
variados
fins,
da
adoração
à
diversão.
grupos
de
pastoras
que
visitam
as
casas
de
devotos
e
cantam
o
nascimento
do
Menino
Jesus.
Mesorregião
Apresentam
uma
diversidade
de
personagens,
Divisão
regional
utilizada
pelo
IBGE
que
leva
em
como
a
estrela,
cigarra,
formiga
e
a
cigana.
consideração
determinações
amplas
a
nível
conjuntural,
buscando
identificar
áreas
Pentecostes
individualizadas
em
cada
uma
das
Unidades
Na
tradição
judaica,
conforme
o
Antigo
Federadas
tomadas
como
universo
de
análise.
São
Testamento,
festa
realizada
sete
semanas
após
a
definidas
com
base
nas
seguintes
dimensões:
o
Páscoa
em
que
se
celebrava
a
colheita
dos
grãos
e
processo
social
como
determinante,
o
quadro
frutos
e
ofertava-‐os
a
Deus.
Já
no
cristianismo,
natural
como
condicionante
e
a
rede
de
Pentecostes
passou
a
celebrar
a
descida
do
comunicação
e
de
lugares
como
elemento
da
Espírito
Santo
sobre
os
apóstolos,
sendo
2
articulação
espacial .
realizados
festejos
cinquenta
dias
após
a
data
que
marca
a
ressureição
de
Jesus
Cristo,
o
Domingo
de
Mestre
Páscoa.
Comumente,
Pentecostes
marca
o
Ver
Capitão.
encerramento
das
visitações
das
folias
do
Divino
e
a
realização
da
festa
em
devoção
ao
Divino
Mito
Espírito
Santo.
Os
mitos
geralmente
estão
relacionados
com
alguma
data,
história
ou
religião,
associando
Porta
bandeira
eventos
reais
a
simbologias,
personagens
Ver
Alferes.
sobrenaturais,
deuses
e
heróis.
No
presente
caso,
usa-‐se
o
conceito
na
acepção
de
uma
narrativa
Pouso
subjacente
ao
pensamento
de
um
grupo
social.
O
Tempo
e
espaço
onde
os
foliões
param
para
mito
é
estruturante
nas
classificações
de
mundo
descansar,
comer
e
pernoitar.
Normalmente,
as
que
dele
decorrem.
visitações
em
um
giro
se
estruturam
a
partir
das
casas
onde
o
grupo
irá
almoçar,
jantar,
dormir
e
tomar
o
café
da
manhã.
Os
fiéis
geralmente
oferecem
o
pouso
como
pagamento
de
promessa
ou
devoção.
Nessas
casas,
os
foliões
entoam
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
Q
S
Santos
Reis
Quatro
Devoção
dos
grupos
de
folia
que
saem
de
casa
em
Dança
executada
por
quatro
foliões
que
se
casa
em
alegoria
à
visitação
dos
reis
magos
ao
entrecruzam
enquanto
cantam
versos
e
tocam
Menino
Jesus.
Comumente,
saem
na
véspera
ou
seus
instrumentos,
mudando
de
posições
a
todo
no
dia
do
Natal
(24
ou
25
de
dezembro)
para
fazer
instante.
visitações
até
o
dia
06
de
janeiro,
quando
se
comemora
o
dia
de
Santos
Reis.
São
Sebastião
T
Terno
de
folia
Ver
Folias
de
Minas.
Toalha
Peça
da
indumentária
que
consiste
em
faixa
utilizada
por
foliões
ao
redor
do
pescoço
caindo
sobre
o
peito,
geralmente
de
tecido
em
cor
branca
e
podendo
ter
imagens
e
nomes
bordados.
É
utilizada
como
elemento
de
identificação
e
distinção
dos
integrantes
do
grupo,
símbolo
de
divindade
e
proteção.
Tocadores
Foliões
que
tocam
os
diversos
instrumentos
musicais
que
compõem
as
melodias
dos
cantos
da
folia,
como
a
caixa,
viola,
pandeiro,
violão,
sanfona,
rabeca,
entre
outros.
V
Viola
Instrumento
musical
que
se
assemelha
ao
violão,
apesar
de
suas
dimensões
diminutas.
Possui
10
cordas
divididas
em
05
pares,
sendo
que
cada
dupla
de
cordas
é
tocada
conjuntamente
como
se
fosse
apenas
uma.
Feita
artesanalmente,
NOTAS
necessita
de
madeiras
nobres
como
o
cedro,
o
1
mogno
e
jacarandá
para
melhor
qualidade
do
Tesauro
do
Folclore
Brasileiro.
2
instrumento.
IBGE,
2016.
3
PEIRANO,
Mariza.
Rituais
ontem
e
hoje.
Ed.
Jorge
Zahar.
Rio
de
Janeiro.
2003.
Instituto
Estadual
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
de
Minas
Gerais
CARVALHO,
Maria
Michol
Pinho
de.
Divino
Espírito
(re)ligando
Portugal/Brasil
no
imaginário
religioso
popular.
In:
CONGRESSO
PORTUGUÊS
DE
SOCIOLOGIA,
5.,
Universidade
de
Nova
Lisboa.
Anais...
Lisboa:
Universidade
Nova
de
Lisboa,
2008.
CASCUDO, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10 Ed. Rio de Janeiro: Ediouro. 1999
CINTRA,
Sebastião
de
Oliveira.
Efemérides
de
São
João
del-‐Rei.
2.ed.
Belo
Horizonte:
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Oficial,
1982.
CORÁ,
Maria
Amelia
Jundurian.
Do
Material
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Imaterial:
Patrimônios
Culturais
no
Brasil.
São
Paulo:
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2014.
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VARAZZE,
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Legenda
áurea:
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de
santos.
Tradução
do
latim,
apresentação,
notas
e
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Hilário
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Lúcia
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GOMES,
Núbia
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Magalhães
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Negras
Raízes
Mineiras:
os
arturos.
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Belo
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Mazza
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GONÇALVES,
Maria
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Performances
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KODAMA,
Kátia
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Iconografia
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Eugenio
Pascele.
O
Atlântico
açoriano:
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antropologia
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contextos
globais
e
locais
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Tese
(Doutorado
em
Antropologia
Social)
–
Centro
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Filosofia
e
Ciências
Humanas,
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Federal
de
Santa
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Teatro
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Instituto
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Histórico
e
Artístico
de
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QUE
SE
CANTARAM
NA
CAPELA
REAL
DO
REI
D.
PEDRO
II
NAS
MATINAS,
E
FESTA
DOS
REYES
[Villancicos
que
se
cantaram
na
Capella
Real
do
muy
alto,
e
muy
poderoso
Rey
D.
Pedro
II.
Nosso
Senhor.
Nas
matinas,
&
festa
dos
Reyes].
-‐
[Lisboa]
:
[na
Officina
de
Miguel
Manescal,
impressor
da
Serenissima
Casa
de
Bragança
,
&
do
Santo
Officio
],,
[1700].
-‐
[40]
p.
;
8º
(15
cm).
-‐
Falta
a
p.
de
tít.
PTBN:
RES.
211//14
P..
-‐
Inocêncio
20,
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Acesso
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Projeto
Folia
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Entrevista
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Disponível
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DE
SANTOS
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UNIDOS
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Reis
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Itaú
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Itaú
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1
disco
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FOLIA
DE
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Folia
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1
disco
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Ponto
de
Informação
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-‐
Memórias
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Laranjal
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História
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