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Aula ...

Reescritura de Cecília Meireles para o mito de narciso

Pequena fortuna crítica sobre Cecília Meireles

- formação:
 Espectros – 1919
 Nunca mais ...
 Poema dos poemas – 1923
 Baladas para el-rei –
 Cânticos – 1927

 simbolismo e colorações parnasianas

 traços de mistério

 sugestão e musicalidade

 rigor formal do estilo parnasiano

 captação sensorial (audição, visão, olfato, paladar e tato)

 uso do pretérito: do passado a poeta retira grandes personagens, afastando-se


da realidade imediata
 tom outonal
 fugacidade da condição humana; o homem não cabe na História nem no plano
físico imediato
 busca de grandezas metafísicas
 símbolo máximo: NOITE
 do NADA para uma possibilidade de conhecer o ABSOLUTO --- desejo de
libertação que se frustra
 adesão à linha espiritualista dos modernistas: revista FESTA

valores tradicionais

universalidade da arte

Ideais do Modernismo

Modernidade / nacionalismo
 início da técnica para o uso de versos regulares e versos livres

 uso de versos inovadores e tradicionais

- maturação:
 viagem – 1939
 vaga música – 1942
 mar absoluto e outros poemas – 1945
 retrato natural – 1949

 inquietação mística mais próxima do cotidiano

 alegoria para o cotidiano

 simbologias: mar – água --- infinito (conceito próximo da noite e do deserto) / lua
simboliza a memória, tudo o que retorna e nos conduz a tempos e fatos idos /
nuvem figura como metáfora da precariedade , de uma vida que se move em
suave cadência

 ainda do mar: espaço sem rupturas;

metáfora do eu-lírico, porque são ambos de essência fluida,


são condenados ao sem fim e ao solilóquio

 platonismo: a materialidade do mundo só existe para conduzir ao mundo abstrato /


teatralização do embate da essência e da aparência

 pleno domínio técnico


 presença da II Guerra Mundial
 consciência de que a vida é passageira --- amadurecimento pessoal: tensão
dialética entre o efêmero e o eterno
 jogo de contrastes entre os sentidos díspares das palavras colocadas
lado-a-lado ---- oxímoro

 platonismo: dados concretos + dados abstratos

realidade aparente é o espelho de uma outra realidade

 essência X aparência
 o mundo é apreendido no seu instante, pois assim a ação do tempo não o
destruirá ----------- daí sua forte marca lírica (mesmo em poemas narrativos, como
Romanceiro)

 tema da viagem, mas de forma oposta à dos modernistas

 filtragem de algumas propostas modernistas


simplicidade vocabular e sintática

linguagem anti-retórica

viagem modernista: deslocamento geográfico para busca do


telurismo; anexar novas realidades, especialmente as regionais; viagem através do
culto à máquina e à velocidade

Viagem ceciliana: viagem numa perspectiva antigeográfica (remete à


idéia da transitoriedade); viagem é viver, é deslocamento do ser afastando-se dos
tumultos humanos; viagem ligada ao mundo simbólico

- incorporação da viagem:
 Doze noturnos de Holanda – 1952
 Pistóia, cemitério militar – 1955
 Poemas escritos na Índia – 1961
 Poemas de viagem – 1962
 Poemas italianos – 1956

anexa novas paisagens e novos personagens, intensificando o tom


universalista de sua obra --- conjunção de tempos e espaços ----
transcendência --- abolição das linhas divisórias: pan-temporalidade:
concepção cíclica do tempo

- renovação das formas tradicionais: romanceiros medievais e as lieds alemãs


 Amor em Leonoreta – 1951
 Romanceiro da Inconfidência – 1953
 Crônica trovada da cidade de San Sebastião – 1965
 Pequeno oratório de Santa Clara – 1955
 Romance de Santa Cecília – 1957
 Oratório de Santa Maria Egipcíaca – 1957
 elementos narrativos históricos

 projeção do passado no presente, negando uma visão restritiva de


tempo

concepção de poesia: (...) um simples poema ou verso pode abrir ao leitor uma claridade sobre
a vida, o mundo, a sua condição, a morte, Deus. (...) podem modificar as criaturas e muita
coisa na terra (...) Apesar das escolas, dos bons impulsos de tantas experiências, e também dos
seus desvarios, há os valores permanentes, há pequenas e grandes obras imortais, nascidas
nos mais diversos tempos, obras diante das quais nos detemos, sem que encontremos
envelhecidas. Há uma mensagem que nos chega com a mesma naturalidade com que chegou
aos seus contemporâneos, com que vai chegar os homens futuros, enquanto perdurar sua
condição humana, a sua linguagem. Como isso acontece, não se sabe. Faz parte do mistério da
Poesia. (...) in.: Última conferência proferida na Associação Brasileira de Imprensa, 1963.

Poemas de Cecília Meireles

(que trazem o mito de narciso)

Tão dolorida, tão dolorida...

Tão dolorida, tão dolorida...

Mostram-me espelhos ... vejo outro rosto,

dizem meu nome... – vejo outra vida.

Antepassados, antepassados,

volvei os olhos para este mundo,

dizei quais foram meus pecados.

Plantei melissas e dormideiras.

Vede as ramagens destas insônias,


vede os espinhos das trepadeiras.

Vede estes laços, vede estes laços.

Ai! Não é o arco-íris, são as serpentes

sobre os meus braços, sobre os meus braços.

Tão dolorida, tão dolorida...

Chamei cem vezes: responde-me o eco.

Aceito a sorte de estar perdida.

Mas não me esqueço, mas não me esqueço

do que foi feito, do que foi dito,

na madrugada, neste começo.

Homens da terra, donos do mundo,

de que maneira vereis quem fostes,

em mar de lama tão denso e fundo?

(data provável entre 1934 e 1942)

Pergunto-me onde se acha a minha vida

Pergunto-me onde se acha a minha vida.

Em que dia fui eu. Que hora existiu formada

de uma verdade minha bem possuída.

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.


E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida

por esperanças hereditárias? E de cada

pergunta minha vai nascendo a sombra imensa

que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença

de ti, de mim, da coisa perguntada,

do silêncio da coisa irrespondida.

Soneto antigo

Responder a perguntas não respondo.

Perguntas impossíveis não pergunto.

Só do que sei de mim aos outros conto:

de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,

sou eu mesma que, em solidão paciente,

recolho do que em mim observo e escuto

muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.

Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.


E todos somos pura flor de vento.

Das minhas mãos, que são tão firmes

Das minhas mãos que são tão firmes,

cai-me o espelho, que era tão claro,

e à meia-noite se divide,

com meus olhos cheios de teatro.

Nas grandes sedas do vestido,

ficam meditando meus braços.

E de longe correm antigos

pássaros cheios de presságios.

Há um cristal de sonho e de lua

cobrindo com serenidade

as adormecidas criaturas.

Uma mulher no alto da noite

pensa que é solidão, que é tarde,

e que o cristal levou seu rosto.

Sem corpo nenhum

Sem corpo nenhum,

como hei de te amar?

- Minha alma, minha alma,


tu mesma escolheste

esse doce mal!

Sem palavra alguma,

como hei de saber?

- Minha alma, minha alma,

tu mesma desejas

o que não se vê!

Nenhuma esperança

me dás, nem te dou...

- Minha alma, minha alma,

eis toda a conquista

do mais longo amor!

Espelho cego

Onde a face de prata e cristal puro,

e aquela deslumbrante exatidão

que revela o mais breve aceno obscuro

e o compasso das lágrimas, e a seta

que de repente gala os céus do olhar

e em margens sobre-humanas se projeta?

Onde, as auroras? Onde, os labirintos

- e o frêmito, que rasga o peso ao mar


- e as grutas, de áureos lustres e aéreos plintos?

Ah – que fazes do rosto que te entrego?

- Musgos imóveis sobre a luz...

Limos ... Liquens... – Opaco espelho cego!

(1954)

Biografia

Escreverás meu nome com todas as letras,

com todas as datas

- e não serei eu.

Repetirás o que me ouviste,

o que leste de mim, e mostrarás meu retrato

- e nada disso serei eu.

Dirás coisas imaginárias,

invenções sutis, engenhosas teorias

- e continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade,

de muitos instantes mínimos

- isso seria eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,

aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente.


- Como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias,

transparentes e opacos, segundo o giro da luz

- nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,

leves e livres como a cascata pelas pedras.

- Que mortal nos poderia prender?

(1957)

Personagem

São os espelhos que me revelam:

sem eles eu talvez não soubesse de mim.

Personagem incerto:

alguma dimensão, para demarcar-me.

Densidade suficiente para as quedas.

Às vezes, uma perplexa luz.

De nome não se fala, por desnecessário.

De origem não se sabe o que dizer.

Esta unidade insuficiente,

que não consegue ser sozinha.


Sim, conseguiria, se tudo não fossem agressões,

de dentro e de fora.

Que obediência, que disciplina é preciso aceitar?

Que genealogias se impõem?

Flutua-se num rio caudaloso e baço:

todas as gerações já passaram – e que souberam de proveitoso?

De onde provinham? Como se encadearam seus rostos?

Viveram suas obrigações. Que deixaram?

Tudo se perde na origem anônima,

nessa negra fonte cega.

Que posso eu ter com essas vidas passadas,

se elas afinal nada têm com a minha?

Que somos todos um sangue?

Ah! cada um vive o seu sangue separadamente!

(data provável 1961)

Linha reta

(A Cassiano Ricardo)

Não tenteis interromper o pássaro que voa em linha reta

de leste a oeste. Alto e só.

Não lhe pergunteis se avista cidades, mares, pessoas

ou se tudo é liso deserto. Vasto e só.


Ele não passa para contemplar essas coisas do mundo.

Ele vem de leste, ele vai para oeste. Alto e só.

Ele vai com sua música dentro dos olhos fechados.

Quando chegar ao fim, abrirá os olhos e cantará sua música.

Vasta e só.

1964

uma análise de:

Procurarei meu rosto na água, nos vidros, nos olhos alheios

Procurarei meu rosto na água, nos vidros, nos olhos alheios.

Duvidarei de mim, que me contemplo,

da água, dos vidros, dos olhos que me refletem.

Procurarei meu rosto com as mãos, como os cegos

e sempre me sentirei a mesma e sempre me encontrarei diferente.

Procurarei meu rosto dentro da terra, no chão do planeta onde vou ficar.

Procurei meu rosto num lugar eqüidistante de todos os planetas.

Em que pólo poderei te alcançar, ó rosto meu incerto e fixo,

ó fugitivo predeterminado,
ó eterno mortal?

Procuro-te – para sentir o molde de onde vieste,

ó cópia dolorida.

Que conseguiste, afinal, preservar da essência a que pobremente serves?

Abril de 1960

- uma paráfrase do poema:

o eu-lírico, marcado em primeira pessoa no verso 01, afirma que procurará com a visão seu
rosto na água, nos vidros e nos olhos dos outros e, feito isso, duvidará do que encontrará;
continuará procurando seu rosto com o tato, o que lhe dará a certeza de não se achar;
continuará sua busca dentro da terra e no planeta e em lugar central idealizado, como se fosse
o centro do universo; ao cabo dessas ações, o eu-lírico pergunta ao seu rosto em que extremo
do planeta será possível encontrá-lo, já que se trata de objeto volátil; passa, então, à
afirmação da procura para perceber pelo tato os contornos de seu rosto, chamado de “cópia
dolorida”. Ao final, com leve tom de desconforto, pergunta ao interlocutor o que ficou
preservado.

- trata-se de poema não publicado em vida da poeta; foi publicado postumamente no livro
“Dispersos”. Poema datado de abril de 1960, apresenta discursividade e respeito ao verso,
contrariamente aos movimentos poéticos da época [concretismo, neo-concretismo, etc],
apesar de os versos não obedecerem nenhum esquema rímico predeterminado, assim como a
estrofação, as rimas, ritmo, etc. De certa maneira, isso confirma a personalidade poética da
poeta: assim como ela sempre se manteve distanciada das modas literárias ao longo de sua
atividade literária, no fim (já que ela morreu 4 anos mais tarde em relação à escrita deste
poema) ela permanece fiel ao seu estilo – influências, de revigorar a poesia com suas formas
tradicionais, lirismo de origem portuguesa, etc. em termos de estrutura de texto, podemos
dizer que trata-se de poema construído em versos brancos e livres, com estrofação igualmente
livre, respeitando uma outra sintaxe que não àquela imposta pelas formas fixas, como tercetos
(tão ao gosto de Cecília), os quartetos, quintetos, etc. Ela vai impor um ritmo comandado por
uma outra voz que não a do metro: os versos longos recebem o ritmo do pensamento que por
serem preferencialmente longos denotam uma certa angústia e a necessidade de externá-la.
Esse ritmo distendido só será quebrado quando da presença de formas vocativas, lembrando
um recurso romântico muito afeito à poesia de Castro Alves, quebrando o ritmo do lamento,
tornando-o dual [esta dualidade se repete formalmente também no recurso ao diálogo que o
poema demonstra: eu e tu, eu-outro]. Há um certo gosto modernista na estrutura do poema,
porque os versos polimétricos encerram, neste caso, uma espécie de coloquialidade expressa
pelo vocabulário simples, o que não impede que a poeta conjugue as palavras de forma
oximórica [“fugitivo predeterminado”, “eterno mortal”, “cópia dolorida”].

- a fortuna crítica da poeta joga certas etiquetas que não são fora de contexto, mas que não
dão conta de apreender Cecília Meireles. Ela é conhecida como “poeta do efêmero”, solitária e
intimista, afastada do drama coletivo (questões nacionalistas e marxistas), etérea, alienada,
etc. Recentemente, com relação a este último adjetivo, há uma certa crítica que busca
valorizá-la em função de um engajamento político da jornalista em oposição à poeta de
estados de alma. Essa relação dicotômica também parece não apreender sua obra.

- por outro lado, é pertinente inseri-la num movimento que não conjuga fórmulas estético-
literárias e tampouco preconiza alguma coisa em torno de programas estético-literárias,
através dos quais a poesia brasileira vem sendo estudada. [ver ensaio meu sobre a poesia
ceciliana que tematiza a infância]. É preciso fazer a revisão da história da literatura a partir de
outras balizas que permitam a liberdade no trato com a literatura. Nesse sentido, é bom
lembrar que a poesia brasileira do século xx é marcada por dois movimentos intensos que se
complementam: a auto-referencialidade do eu-lírico e a auto-referencialidade da arte. A obra
de Cecília também permite sua inserção nessa perspectiva.

- resultado de uma aguda crise do sujeito, e conseqüentemente da arte, a busca identitária


tem sido explorada com matizes diversos e em Cecília esse movimento narcísico apresenta
implicações estético-ideológicas inusitadas. Relato do mito de narciso. Idéias da bacia
semântica, de Gilbert Durand, com a atuação do imaginário que vai possibilitando as releituras
do mito. Uma rápida visada na poesia de Cecília já nos deixa ver a significativa presença do
tema no seu imaginário. Em “Dispersos”, há os poemas listados na aula anterior; na sua poesia
publicada, desde “Viagem” até “Solombra”, os exemplos são os mais diversos, como Retrato
(232), Noções (271), Personagem (305), Canção quase inquieta (337), Auto-retrato (456),
Mulher no espelho (533), Tempo viajado (616), Minha sombra (465), O rosto (663), Pastora
descrida (679), entre tantos poemas ao longo de sua obra. Quer dizer, buscar as marcas do
mito (mitemas) e suas releituras modernas não me parece inconsistente, porque a poeta está
devidamente inserida em seu tempo com as conseqüentes marcas e igualmente sua obra licita
a presença maciça de uma temática narcisista, sem, contudo, buscarmos as implicações
psicanalíticas.

- Ainda dentro dessas observações, são pertinentes as idéias de Bachelard a respeito dos
quatro elementos em torno dos quais os poetas entendem o mundo: terra, ar, fogo e água
(cuja origem se localiza nos pré-socráticos). A poesia ceciliana parece ser contundentemente
marcada sobretudo pela presença da água, e em alguns momentos pelo ar (conforme já atesta
a fortuna crítica – ver simbologias da água na aula passada). Mas é preciso ressaltar que, para
Bachelard, os elementos cosmogônicos servem para concretizar a imaginação material dos
poetas. Assim, a água, para Cecília, lhe fornece a base sobre a qual ela pensa, sente e vê o
mundo. Por outro lado, a água é elemento essencial para o mito de narciso: seu pai é feito de
água, sua mãe é uma ninfa, cuja relação com a água é intensa, o espelho do rapaz é água,
enfim, trata-se de elemento que adquire a qualidade de physis no mito. A água, como mitema,
é forte e marca, nas suas mais variadas formas e sabores, o imaginário ceciliano, inclusive na
perspectiva de releituras do mito. Ela vai aparecer como espelho, como retrato pintado sobre
tela, como nuvem, como símbolo de completude e espaço de reencontros primordiais.

-Na poesia, em especial, esse imaginário dos poetas vai sendo construído a partir dos
esquemas (propostos por Jean Burgos) comandados pelos verbos. São eles que nos permitirão
observar melhor a construção mais íntima do poema para a partir daí observarmos a essência
da poesia de Cecília, bem como seu procedimento para a concretização poemática, isto é,
como ela realiza o poema e como busca resolver os conflitos decorrentes dessa errância
identitária, característica de nossos tempos modernos.

- o poema admite algumas abordagens. Uma delas é dividi-lo em momentos nucleares,


momentos esses demarcados pelos tempos verbais. Futuro do indicativo, presente do
indicativo e pretérito perfeito do indicativo: “procurarei”, “procuro-te”, “conseguiste” –
respectivamente. Ou seja, o poema apresenta uma divisão ternária comandada pelos tempos
verbais, digamos, síntese, mas em uma ordem que subverte o modelo temporal aristotélico.

- futuro do presente: certeza do acontecimento – procurarei --- ainda não procuro, mas
certamente o farei; ocorre que a ação do verbo, colocada no poema, já implica seu fracasso –
daí os versos relativos a esse tempo (01 – 10) percorrerem vários ambientes, que vão desde a
água em formas eufêmicas (vidros e olhos), passando pela superfície do objeto procurado
(verso 4), as entranhas magmas da Terra (verso 6), ponto de equilíbrio entre os extremos do
Universo/Cosmo (verso 7) até na dicotômica posição humana no globo terrestre (pólo).

- verbo “procurar”: esforçar-se por achar, investigar, pretender

[achar: encontrar por acaso ou procurando; descobrir, inventar, verificar; supor, reconhecer]

- há, contudo, a certeza do fracasso, marcado na relativização da ação do verbo “procurar”


expressa na forma interrogativa da locução verbal “poderei alcançar”, igualmente no futuro de
presente, mas indicando apenas a possibilidade, porque o objeto da procura é inapreensível:
incerto e fixo, fugitivo predeterminado, eterno mortal. Assim se dá, também, nos primeiros
versos marcados pela certeza do verbo procurar – quem procura, busca encontrar-se com o
objeto desejado; entretanto, esse objeto desejado, e ocasionalmente encontrado, será alvo de
dúvidas e de incertezas (verso 02 e 05).

- esse primeiro momento demarcado no futuro, portanto inexistente, tem um objeto de


desejo: o rosto do eu-lírico (lembrando as faces às quais a poeta comumente chama em outros
poemas). ROSTO: parte anterior da cabeça, face, cara, fisionomia, presença, semblante. Por
outro lado, o rosto mantém intensas relações com o imaginário. É um desvendamento
incompleto e passageiro; nunca alguém conseguiu ver seu próprio rosto diretamente – para
isso é necessário um subterfúgio que nos dê indiretamente sua imagem (espelho, água, etc,
como sugere o mito de narciso), o rosto é também o íntimo parcialmente desnudado; é
símbolo do divino no homem (divino esse que pode estar apagado, manifesto, perdido ou
reencontrado), o rosto é símbolo de mistério, simboliza a evolução do ser vivo das trevas à luz.

- o rosto do eu-lírico que é reiteradas vezes objeto de procura encerra, então, um mistério
revelador do eu-lírico. A gradação da futura busca envolve:

a) água e derivados (vidros e olhos alheios – lembrar texto do BOSI – Fenomenologia do olhar)
– esse elemento também lembra uma parte constituidora e reveladora do mito de narciso,
mitema esse pelo qual o mito, de uma forma abrangente é conhecido do ponto de vista
literário --- a busca do eu-outro pela exteriorização do eu – tema do duplo (eu e eu-outro); o
eu-outro, no poema atende pelo significativo nome de ROSTO. A busca, nestes versos, ainda se
dá pelo cercamento externo ao objeto, porque se trata da visão o sentido explorado para essa
busca nos versos de 1 a 3;

b) molde do rosto – esse elemento tem a ver com o tato. Um molde dá conta da superfície e
dos contornos do objeto, mas não sua essência, sim sua aparência. O recorte da busca ainda é
dado pelo externo, porque se trata de reconhecer o objeto pela sua forma;

c) o movimento de busca, no verso 6, começa a interiorizar-se, porque o rosto pode estar


dentro da terra, quase sinônimo de gruta, concha, etc, que como sabemos, tem relação com a
idéia de mãe-terra, de interiorização intensa, etc;

d) o verso seguinte propõe o equilíbrio entre as forças (internas – externas) do cosmo

e) versos 8/10 – mudança do sentido afirmativo para o interrogativo, indicando os pólos como
paradigmas da oposição, isto é, o Homem situado nos limites possíveis do globo terrestre.
Apenas nessa mudança da posição afirmativa do eu-lírico é que teremos a qualificação do
objeto, que é feita por intermédio de construções oximóricas para dar significação do
inusitado da vida [o oxímoro é figura de linguagem barroca que servia, à época do
descobrimento, para tentar dar conta do indizível, do inusitado, etc, que as expressões das
línguas dos conquistadores não davam conta].
- já os versos 11 e 12 encerram o segundo momento, ou momento intermediário, ou seja:
presente do indicativo. Como não há localização possível, versos 1 / 10, só resta ao eu-lírico
dizer com que objetivo faz a busca. Faz, assim, a inversão: objeto vira sujeito e o sujeito vira
objeto. Trata-se, enfim, da visão especular, tão cara à Narciso no mito: no poema essa visão
especular dá mostras de ser uma infindável busca, cujo fim reside no eterno procurar.

- o verso 13, fechando o poema, é trabalhado, na seqüência temporal, no pretérito perfeito. A


pergunta exprime a intensa persecução do eu-lírico, cuja conclusão tem sido o descolamento
do decalque em relação ao original. A palavra essência segue, justamente, nessa cadeia de
significação: aquilo que constitui a natureza das coisas. Neste caso específico, indefinível, não-
encontrável, impossível de ser apreendido.

- essa gradação verbo-temporal, que acompanha uma divisão dual de afirmações e perguntas,
[assim a gente pode dizer que o poema também admite uma outra divisão: binária. Nesse
caminho, poderíamos buscar as significações matemáticas muito presentes em Cecília: no
poema há incidência de 1, de 2 e de 3. cada número corresponde a uma intenção simbólica...],
indica a potência do esquema do regime dialético (ou de progresso) e do regime eufêmico (ou
de negação do tempo). As imagens que brotam dos esquemas (futuro, presente e passado)
revelam um eu-lírico buscando a intimidade do ser, sendo este ser o eu-outro, os lugares de
encontro são recônditos, silenciosos, nos quais a ação do tempo não será sentida, porque a
identidade se faria (regime eufêmico); por outro lado, o poema também licita o regime
dialético porque a condição efêmera da vida (neste caso a efemeridade da identidade entre eu
e eu-outro) é inevitável. Para isso vale-se da repetição, que no poema é francamente
observável pelas anáforas: “procurarei”, “meu rosto”.

- de todos modos, o poema encerra uma releitura do mito de narciso, agora não mais
preocupado com sua beleza, com sua face de desmedida por ter-se recusado ao amor. A
releitura de Cecília redimensiona o mito para uma concepção moderna, na qual a identidade
não alcança uma unidade porque os espelhos, os mais diversos possíveis, não devolvem a
imagem idealizada, estática e francamente reconhecível; há uma dissonância entre o original
(no poema ela chama de essência – verso 13) e o decalque (no poema é o rosto). Essa
dissonância é sua marca. Desse modo, a produção da imagem, visual ou tátil, será sempre
marcada pela falta: duvidarei (verso 2), me encontrarei diferente (verso 5).

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