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- formação:
Espectros – 1919
Nunca mais ...
Poema dos poemas – 1923
Baladas para el-rei –
Cânticos – 1927
traços de mistério
sugestão e musicalidade
valores tradicionais
universalidade da arte
Ideais do Modernismo
Modernidade / nacionalismo
início da técnica para o uso de versos regulares e versos livres
- maturação:
viagem – 1939
vaga música – 1942
mar absoluto e outros poemas – 1945
retrato natural – 1949
simbologias: mar – água --- infinito (conceito próximo da noite e do deserto) / lua
simboliza a memória, tudo o que retorna e nos conduz a tempos e fatos idos /
nuvem figura como metáfora da precariedade , de uma vida que se move em
suave cadência
essência X aparência
o mundo é apreendido no seu instante, pois assim a ação do tempo não o
destruirá ----------- daí sua forte marca lírica (mesmo em poemas narrativos, como
Romanceiro)
linguagem anti-retórica
- incorporação da viagem:
Doze noturnos de Holanda – 1952
Pistóia, cemitério militar – 1955
Poemas escritos na Índia – 1961
Poemas de viagem – 1962
Poemas italianos – 1956
concepção de poesia: (...) um simples poema ou verso pode abrir ao leitor uma claridade sobre
a vida, o mundo, a sua condição, a morte, Deus. (...) podem modificar as criaturas e muita
coisa na terra (...) Apesar das escolas, dos bons impulsos de tantas experiências, e também dos
seus desvarios, há os valores permanentes, há pequenas e grandes obras imortais, nascidas
nos mais diversos tempos, obras diante das quais nos detemos, sem que encontremos
envelhecidas. Há uma mensagem que nos chega com a mesma naturalidade com que chegou
aos seus contemporâneos, com que vai chegar os homens futuros, enquanto perdurar sua
condição humana, a sua linguagem. Como isso acontece, não se sabe. Faz parte do mistério da
Poesia. (...) in.: Última conferência proferida na Associação Brasileira de Imprensa, 1963.
Antepassados, antepassados,
Soneto antigo
e à meia-noite se divide,
as adormecidas criaturas.
tu mesma desejas
Nenhuma esperança
Espelho cego
(1954)
Biografia
- e continuarei ausente.
(1957)
Personagem
Personagem incerto:
de dentro e de fora.
Linha reta
(A Cassiano Ricardo)
Vasta e só.
1964
Procurarei meu rosto dentro da terra, no chão do planeta onde vou ficar.
ó fugitivo predeterminado,
ó eterno mortal?
ó cópia dolorida.
Abril de 1960
o eu-lírico, marcado em primeira pessoa no verso 01, afirma que procurará com a visão seu
rosto na água, nos vidros e nos olhos dos outros e, feito isso, duvidará do que encontrará;
continuará procurando seu rosto com o tato, o que lhe dará a certeza de não se achar;
continuará sua busca dentro da terra e no planeta e em lugar central idealizado, como se fosse
o centro do universo; ao cabo dessas ações, o eu-lírico pergunta ao seu rosto em que extremo
do planeta será possível encontrá-lo, já que se trata de objeto volátil; passa, então, à
afirmação da procura para perceber pelo tato os contornos de seu rosto, chamado de “cópia
dolorida”. Ao final, com leve tom de desconforto, pergunta ao interlocutor o que ficou
preservado.
- trata-se de poema não publicado em vida da poeta; foi publicado postumamente no livro
“Dispersos”. Poema datado de abril de 1960, apresenta discursividade e respeito ao verso,
contrariamente aos movimentos poéticos da época [concretismo, neo-concretismo, etc],
apesar de os versos não obedecerem nenhum esquema rímico predeterminado, assim como a
estrofação, as rimas, ritmo, etc. De certa maneira, isso confirma a personalidade poética da
poeta: assim como ela sempre se manteve distanciada das modas literárias ao longo de sua
atividade literária, no fim (já que ela morreu 4 anos mais tarde em relação à escrita deste
poema) ela permanece fiel ao seu estilo – influências, de revigorar a poesia com suas formas
tradicionais, lirismo de origem portuguesa, etc. em termos de estrutura de texto, podemos
dizer que trata-se de poema construído em versos brancos e livres, com estrofação igualmente
livre, respeitando uma outra sintaxe que não àquela imposta pelas formas fixas, como tercetos
(tão ao gosto de Cecília), os quartetos, quintetos, etc. Ela vai impor um ritmo comandado por
uma outra voz que não a do metro: os versos longos recebem o ritmo do pensamento que por
serem preferencialmente longos denotam uma certa angústia e a necessidade de externá-la.
Esse ritmo distendido só será quebrado quando da presença de formas vocativas, lembrando
um recurso romântico muito afeito à poesia de Castro Alves, quebrando o ritmo do lamento,
tornando-o dual [esta dualidade se repete formalmente também no recurso ao diálogo que o
poema demonstra: eu e tu, eu-outro]. Há um certo gosto modernista na estrutura do poema,
porque os versos polimétricos encerram, neste caso, uma espécie de coloquialidade expressa
pelo vocabulário simples, o que não impede que a poeta conjugue as palavras de forma
oximórica [“fugitivo predeterminado”, “eterno mortal”, “cópia dolorida”].
- a fortuna crítica da poeta joga certas etiquetas que não são fora de contexto, mas que não
dão conta de apreender Cecília Meireles. Ela é conhecida como “poeta do efêmero”, solitária e
intimista, afastada do drama coletivo (questões nacionalistas e marxistas), etérea, alienada,
etc. Recentemente, com relação a este último adjetivo, há uma certa crítica que busca
valorizá-la em função de um engajamento político da jornalista em oposição à poeta de
estados de alma. Essa relação dicotômica também parece não apreender sua obra.
- por outro lado, é pertinente inseri-la num movimento que não conjuga fórmulas estético-
literárias e tampouco preconiza alguma coisa em torno de programas estético-literárias,
através dos quais a poesia brasileira vem sendo estudada. [ver ensaio meu sobre a poesia
ceciliana que tematiza a infância]. É preciso fazer a revisão da história da literatura a partir de
outras balizas que permitam a liberdade no trato com a literatura. Nesse sentido, é bom
lembrar que a poesia brasileira do século xx é marcada por dois movimentos intensos que se
complementam: a auto-referencialidade do eu-lírico e a auto-referencialidade da arte. A obra
de Cecília também permite sua inserção nessa perspectiva.
- Ainda dentro dessas observações, são pertinentes as idéias de Bachelard a respeito dos
quatro elementos em torno dos quais os poetas entendem o mundo: terra, ar, fogo e água
(cuja origem se localiza nos pré-socráticos). A poesia ceciliana parece ser contundentemente
marcada sobretudo pela presença da água, e em alguns momentos pelo ar (conforme já atesta
a fortuna crítica – ver simbologias da água na aula passada). Mas é preciso ressaltar que, para
Bachelard, os elementos cosmogônicos servem para concretizar a imaginação material dos
poetas. Assim, a água, para Cecília, lhe fornece a base sobre a qual ela pensa, sente e vê o
mundo. Por outro lado, a água é elemento essencial para o mito de narciso: seu pai é feito de
água, sua mãe é uma ninfa, cuja relação com a água é intensa, o espelho do rapaz é água,
enfim, trata-se de elemento que adquire a qualidade de physis no mito. A água, como mitema,
é forte e marca, nas suas mais variadas formas e sabores, o imaginário ceciliano, inclusive na
perspectiva de releituras do mito. Ela vai aparecer como espelho, como retrato pintado sobre
tela, como nuvem, como símbolo de completude e espaço de reencontros primordiais.
-Na poesia, em especial, esse imaginário dos poetas vai sendo construído a partir dos
esquemas (propostos por Jean Burgos) comandados pelos verbos. São eles que nos permitirão
observar melhor a construção mais íntima do poema para a partir daí observarmos a essência
da poesia de Cecília, bem como seu procedimento para a concretização poemática, isto é,
como ela realiza o poema e como busca resolver os conflitos decorrentes dessa errância
identitária, característica de nossos tempos modernos.
- futuro do presente: certeza do acontecimento – procurarei --- ainda não procuro, mas
certamente o farei; ocorre que a ação do verbo, colocada no poema, já implica seu fracasso –
daí os versos relativos a esse tempo (01 – 10) percorrerem vários ambientes, que vão desde a
água em formas eufêmicas (vidros e olhos), passando pela superfície do objeto procurado
(verso 4), as entranhas magmas da Terra (verso 6), ponto de equilíbrio entre os extremos do
Universo/Cosmo (verso 7) até na dicotômica posição humana no globo terrestre (pólo).
[achar: encontrar por acaso ou procurando; descobrir, inventar, verificar; supor, reconhecer]
- o rosto do eu-lírico que é reiteradas vezes objeto de procura encerra, então, um mistério
revelador do eu-lírico. A gradação da futura busca envolve:
a) água e derivados (vidros e olhos alheios – lembrar texto do BOSI – Fenomenologia do olhar)
– esse elemento também lembra uma parte constituidora e reveladora do mito de narciso,
mitema esse pelo qual o mito, de uma forma abrangente é conhecido do ponto de vista
literário --- a busca do eu-outro pela exteriorização do eu – tema do duplo (eu e eu-outro); o
eu-outro, no poema atende pelo significativo nome de ROSTO. A busca, nestes versos, ainda se
dá pelo cercamento externo ao objeto, porque se trata da visão o sentido explorado para essa
busca nos versos de 1 a 3;
b) molde do rosto – esse elemento tem a ver com o tato. Um molde dá conta da superfície e
dos contornos do objeto, mas não sua essência, sim sua aparência. O recorte da busca ainda é
dado pelo externo, porque se trata de reconhecer o objeto pela sua forma;
e) versos 8/10 – mudança do sentido afirmativo para o interrogativo, indicando os pólos como
paradigmas da oposição, isto é, o Homem situado nos limites possíveis do globo terrestre.
Apenas nessa mudança da posição afirmativa do eu-lírico é que teremos a qualificação do
objeto, que é feita por intermédio de construções oximóricas para dar significação do
inusitado da vida [o oxímoro é figura de linguagem barroca que servia, à época do
descobrimento, para tentar dar conta do indizível, do inusitado, etc, que as expressões das
línguas dos conquistadores não davam conta].
- já os versos 11 e 12 encerram o segundo momento, ou momento intermediário, ou seja:
presente do indicativo. Como não há localização possível, versos 1 / 10, só resta ao eu-lírico
dizer com que objetivo faz a busca. Faz, assim, a inversão: objeto vira sujeito e o sujeito vira
objeto. Trata-se, enfim, da visão especular, tão cara à Narciso no mito: no poema essa visão
especular dá mostras de ser uma infindável busca, cujo fim reside no eterno procurar.
- essa gradação verbo-temporal, que acompanha uma divisão dual de afirmações e perguntas,
[assim a gente pode dizer que o poema também admite uma outra divisão: binária. Nesse
caminho, poderíamos buscar as significações matemáticas muito presentes em Cecília: no
poema há incidência de 1, de 2 e de 3. cada número corresponde a uma intenção simbólica...],
indica a potência do esquema do regime dialético (ou de progresso) e do regime eufêmico (ou
de negação do tempo). As imagens que brotam dos esquemas (futuro, presente e passado)
revelam um eu-lírico buscando a intimidade do ser, sendo este ser o eu-outro, os lugares de
encontro são recônditos, silenciosos, nos quais a ação do tempo não será sentida, porque a
identidade se faria (regime eufêmico); por outro lado, o poema também licita o regime
dialético porque a condição efêmera da vida (neste caso a efemeridade da identidade entre eu
e eu-outro) é inevitável. Para isso vale-se da repetição, que no poema é francamente
observável pelas anáforas: “procurarei”, “meu rosto”.
- de todos modos, o poema encerra uma releitura do mito de narciso, agora não mais
preocupado com sua beleza, com sua face de desmedida por ter-se recusado ao amor. A
releitura de Cecília redimensiona o mito para uma concepção moderna, na qual a identidade
não alcança uma unidade porque os espelhos, os mais diversos possíveis, não devolvem a
imagem idealizada, estática e francamente reconhecível; há uma dissonância entre o original
(no poema ela chama de essência – verso 13) e o decalque (no poema é o rosto). Essa
dissonância é sua marca. Desse modo, a produção da imagem, visual ou tátil, será sempre
marcada pela falta: duvidarei (verso 2), me encontrarei diferente (verso 5).