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A RONDA DO DESLUMBRAMENTO
E
O TRISTE EPIGRAMA
Editora Descaminhos
São Paulo
2016
Edição
André Caramuru Aubert
Produção editorial
Clélia Aubert
Assistência editorial
Leda Botton
Capa
João Henrique Lear
Revisão
Aline Silva
Foto de capa
Theatre Normand, Londres, autor desconhecido.
Acervo da New York Public Library.
Copyright © 2016 by José Geraldo Vieira
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Descaminhos
SP | 11 3062 9057
editora.descaminhos@gmail.com
www.editoradescaminhos.com.br
Sumário
O NASCIMENTO DE UM MESTRE
A RONDA DO DESLUMBRAMENTO
O milagre do gesso
A casula de ouro
O enxoval
A coroa de espinhos
A IX Sinfonia
A prima Lúcia
O Monte Tabor
Os pombos do claustro
Uma operação gratuita
João Lágrima
O filho de Maria Bárbara
O sacrilégio
Martha das Terras Baixas
Quando as ciganas passam...
À maneira de Verlaine
O segredo
A taça de champagne
Oscar Wilde
Van Dongen
Carola Marwenga
Baixo-relevo em lápis-lazúli
A mandíbula
A andorinha crucificada
A princesa Salomé
O TRISTE EPIGRAMA
I
II
III
IV
V
VI
VII
O NASCIMENTO DE UM MESTRE
“Somos ainda tão moços e já arrastamos conosco uma renda de coisas mortas”
José Geraldo Vieira, “A prima Lúcia”, em A Ronda do Deslumbramento, Rio,
outubro de 1919.
Minha mãe era tão moça e tão linda que parecia minha irmã
mais velha. Tinha nos olhos um trecho de veludo, e as suas mãos
finas, sem anéis, lembravam, quando eu as beijava, duas hóstias
que, por uma suave transubstanciação, tivessem tomado a forma de
mãos...
Minha mãe tinha uma voz dulçorosa, de um timbre tão
inesquecível que, muita vez, ouvindo-a cantar, diante de meu pai
paralítico um trecho qualquer, eu sentia uma opressão de lágrimas
na garganta.
O coração da nossa casa era uma sala Diretório, de cor
cereja, austera, com manchas de Chabas, pelas paredes fidalgas.
Arrases e Gobelins pendiam do Hall e uma pêndula carrilhão, de
mogno e bronze, arquejava sempre, subdividindo, dia e noite, o
tempo da nossa vida. Um piano de cauda húngaro, de aspecto
boêmio e grave, posto a um canto, sob o lustre Sheffield, suntuoso,
era a paixão recatada de todos nós, embora tivéssemos móveis e
preciosidades herdadas através de gerações mais felizes. E, sobre
ele, entre telas espanholas, num halo de estuque, a pouca altura,
ovalar, simétrica, amarelada, em pujante relevo, pendia, colada à
parede, uma máscara de Beethoven.
Eu nunca vi cousa morta com tanta vida assim... Aquela
máscara encardida, sempre a encarei no titubeante respeito duma
vaga religiosidade. E, quando ela, sobre o velho piano húngaro,
olhava abstratamente minha mãe interpretar a Sonata ao Luar, e
trechos da Missa em ré, eu, encolhido numa cadeira Tudor, diante
de meu pai trêmulo e imprestável, horas altas da noite, na meia-luz
do abajur Sheraton, ouvia aquele aluvião de êxtases como se me
sentisse num outro século, num outro país, entre personagens de
gestos taciturnamente simbólicos... E quando minha mãe, vestida de
veludo Queen-Anna, heráldica, esguia, a bela cabeça inclinada
sobre um ombro, no entusiasmo e na comunhão dos trechos
sublimes, toda se curvava sobre o marfim, era tamanha a sensação
de tumulto e de doçura dentro de mim, tão real me surgia a
felicidade em longos séquitos bíblicos de oferendas imponderáveis,
que todo eu, no meu corpo de pajem, tremia num calafrio beatífico,
apoiado aos livros da mesa hexagonal, livros de edições magníficas,
que meu pai, na sua neurastenia singular, já não podia ver sequer.
Depois, quando, antes de deitar, após os estudos de latim e
história romana, minha mãe, esbelta, pura, no seu sorriso claro de
estame, me beijava os cabelos de pequeno príncipe do Sonho para
que o meu repouso fosse abençoado pelos santos patriarcais do
meu quarto Carolean (já nessa idade em desordem), eu me retirava
absorto, taciturno, enchendo a minha infância de precocidades
esquisitas de tédio e de meditação. Os meus olhos largos, azuis,
onde uma prima da minha idade, como num espelho, arranjava a fita
dos cabelos, estes meus pobres olhos límpidos, sempre se volviam
para a máscara carrancuda de Beethoven. E eu dormia no meu leito
Chippendale, num vago delírio, vendo a cabeleira revolta e
tumultuosa do Gênio farandolar em torno de mim como uma torrente
povoada das magnificências da lenda, cascateando símbolos
fluídicos na treva paradoxal de uma noite lactescente de astros.
Ora, aconteceu que uma noite meu pai piorou. Ele, que antes
de morrer já se ia imobilizando, essa vez delirou todo o tempo e,
com ele, deliramos todos nós. Minha mãe sempre que fica triste
rejuvenesce. De sua cadeira de martírio, como aquela rainha morta
de Ravenna que está sepultada sentada num trono estranho, meu
pai pediu a minha mãe que tocasse um pouco, qualquer cousa para
espiritualizar aquela hora material e terrena.
Ela obedeceu com suavidade tão triste que eu quis chorar...
Atravessou a sala, de porcelanas Worcester, sentou-se ao piano. A
máscara lá estava, compondo no silêncio uma rapsódia
sobrenatural... O gesso encardido, cheio de depressões, relevos,
desvãos e saliências de sombra e luz, emergia da parede como uma
fonte bizarra e ritual donde gotejasse fel...
As mãos de minha mãe, como hóstias que, por um capricho
qualquer tivessem a corporização de mãos, começaram a tocar o
noturno XIV de Chopin. Todos os vãos do meu espírito se encheram
duma poeira impalpável de ouro...
Toda a minha alma como uma cidade mágica soçobrou sob a
cinza do cataclismo. Ora eu subia, com asas de arcanjo, ora descia
com os tocos das asas sangrando... E em vão buscava
compreender por que distribuíra Deus tão irregularmente os seus
dons pelos homens...
Foi então que a grande magia aconteceu...
Meu pai entrevado havia dois anos no cadeirão Tudor,
surgiu, arrastando-se macabramente como um Lázaro que saísse
do retângulo da morte. E, extasiado, lívido, alto, trêmulo, pré-
histórico, de olhar sangrento, todo transfigurado atravessou a sala...
Minha mãe, sem o ver, pois descera as pálpebras sobre a
alma, tentacularmente sorvia o coração de Chopin com os seus
dedos em polvo...
Não foi alucinação dos meus sentidos!...
Pois, ante a ressurreição de teorias e teorias de emoções,
saudades, ânsias, entusiasmos, diante de mim, ante a dinâmica
maravilhosa da evocação e do arroubo, ante o prodígio patético,
ante a dor e a alegria, ante a vida e a morte, ante a placidez e a
loucura, ante o silêncio e o urro, ante o humano e o divino, a velha
máscara de Beethoven começou a contrair os maxilares, a mover a
musculatura da face concentrada, e, como da penha do monte
Horeb, dos olhos ocos, de gesso encardido, as lágrimas, quentes,
grossas, desvairadas, como borbotões, começaram a cair...
Rio, 1920.
A casula de ouro
— Não é por ser meu filho, não, não é!... Mas juro que nunca
vi criança mais linda neste mundo! Até já m’o compararam ao
Menino Deus.
E beijava o filho, dizendo-lhe tolices, satisfeita, um orgulho
sereno a irradiar da fisionomia franca e agradável de mulher do
povo.
Dói-me muito ter de deixá-lo aqui; mas, afinal, é pro bem
dele, ora não?! Inda se a gente fôssemos ricos...
E, com um olhar esquisito, muito bem educado, onde as
lágrimas punham enevoamentos suavíssimos, entregou a criança à
enfermeira. Chegando, depois até a porta curvou o busto para o
lado de dentro, olhando com interesse o salão. Abrindo então um
riso claro, exclamou, batendo palmas:
— Ai! Que ricas caminhas! E com cortinados... Essas grades
à volta não magoam os corpinhos desses anjos, ora não?! É que eu,
eu nunca me separei desta alminha!... Há ano e meio que aqui no
meu colo o carrego dia e noite. Às vezes esqueço tudo, o olhar pra
ele, a modos encantada, meio zonza. O médico é aquele senhor
que está chegando? Fale-lhe do meu filho. Diga-lhe que não é uma
criança como as outras, não...
O interno do serviço, com palavras esquisitas e gestos
severos explicou então à pobre mulher o que os senhores médicos
iriam fazer.
— Seu filho será operado quinta-feira, às 9 horas. Coisa
ligeira, coisa sem importância...
À voz de operação a operária arregalou uns olhos muito
brancos, tornou-se de uma lividez acentuada, e a custo pôde dizer:
— Pois inda bem, meu senhor, inda bem. Os senhores hão
de ter a paga dos céus.
E agradecia com humildade, muito confusa na sua
sinceridade espontânea.
Convidaram-na então a sair. Era proibido gente estranha ali,
na clínica.
Saiu. E chegando ao pátio, depois de atravessar o corredor
enorme, viu, em tétrica exposição, crianças descarnadas pelo jejum,
envoltas em coletes de gesso, apresentando, umas, grandes tiras
de gaze pelos braços, outras talas rijas ao longo das pernas. Um
repentino pavor fê-la tremer de angústia muito tácita e muito
resignada. Aparelhos estranhos, cadeiras, e objetos de ginástica
infantil e reparadora fizeram-na parar, estatelada.
— É lá possível a gente corrigir o que Deus fez?...
Voltou a olhar as crianças cujos olhos mortiços procuravam o
sol.
Ah! Nenhuma delas era como o seu filho! Nenhuma sequer
que tivesse os olhos assim rasgados, grandes demais para um rosto
tão pequeno! Nenhuma que tivesse a cabeleira tão espessa e
castanha, dando àquela criaturinha a majestosa beleza de certos
príncipes reais como os que, às vezes, a gente vê em retratos de
dinastias!...
— Que coisa tão esquisita...
Um tremor crescente começava agora, e, aumentando, aos
poucos lhe invadia o pescoço e o queixo, espraiando-se-lhe até a
boca, em contrações tortuosas e instantâneas. Um pranto sereno e
mudo, feito de uma angústia velada e humilde, cavava naquela face,
como em cera cristã, expressões humaníssimas.
— Que coisa tão esquisita... Mas ele ficará bonzinho, ora
não?! — E ela própria respondia, imitando a voz do interno: Coisa
ligeira, minha senhora, coisa ligeira.
Saiu, e, quase ao fim da rua, olhando para cima, lá para trás
onde o casarão amarelo do hospital lembrava uma coroa sobre o
morro esverdeado e barrento, sentiu que, maior que a resignação, e
mais forte que o amor, a saudade, como uma hera daninha a
envolvia, agora, estrangulando-a sem piedade, como um começo de
agonia muito longa.
— Que coisa tão esquisita...
E era quase sublime, essa mulher taciturna, de andar muito
trêmulo e de expressão muito tímida olhando, sob as pálpebras
úmidas, o mar, lá, longe, rente à amurada, como um grande plano
cheio da cor bendita da esperança.
— Ó Deus grande! Deus justo! Deus infinitamente bom!...
Na manhã de quinta-feira, ao sair de casa, foi como se
acordasse duma hibernação. Uma vontade mal definida de chorar,
como um peso líquido, lhe abafava a alma, como se, intimamente se
acumulando, nunca transbordasse aquele fel...
— Que coisa tão esquisita...
E, de novo, subindo a ladeira, toda acurvada e diminuída,
mal tinha ânimo de olhar, no topo do monte aquele casarão sinistro
erguido como uma coroa sobre uma calva...
Estudantes de ar bisonho, órfãs uniformizadas e garotos de
ar brejeiro e atrevido, não viram decerto e nem repararam nessa
mulher cujo rosto macerado tinha o tom sereno de certos sudários
abençoados.
Ao chegar teve logo uma primeira contrariedade. Não viu,
como dias antes, crianças doentes, brincando ao sol, lentamente
alisando feridas com afagos trêmulos de dedos, numa exposição
inocente e alvar de chagas, aparelhos e risos claros...
— A operação demora, meu senhor, demora a operação?
Vão lhe dar aquele cheiro pra dormir, ora não?!
Rapazes de ar circunspecto calçavam luvas de borracha,
inclinados sobre uma pia. Junto deles, cerimonioso e augusto, com
uma barda de cenobita, um médico velho e calvo lavava com
cuidados extremos, quase maníacos, os largos dedos nodosos.
A operária, como quem se surpreendesse diante de um altar,
parou. Os médicos entraram numa espécie de pavilhão
envidraçado.
— É ali, pensou ela. Ai, que é tal e qual uma estufa de
plantas.
Intimidou-se, não teve coragem de entrar; decerto era
proibido. Uma enfermeira baixa e vesga veio ter com ela, disse-lhe
coisas sem interesse, e, como quem concede por alta deferência um
favor muito custoso, disse:
— Bem; a senhora, por um minutinho pode vê-lo que ele inda
está na cama, na sala... — Tiraram-lhe, porém, logo, o filho. Era
hora, não podiam esperar.
Era uma sala pequena, envidraçada, abafadiça e branca.
Estudantes sussurravam agrupados em conciliábulos, emitindo
diagnósticos, observações e anedotas e, tinham, nessa
concentração postiça um feitio pernóstico e irritante de mentores e
testemunhas.
Uma atmosfera profana e leiga amornava o recinto, muito
embora, na parede alvíssima, um Cristo dulçoroso olhasse, com
igual compaixão e cansaço, vítimas e algozes.
A operária, junto à porta, inclinou-se a olhar. Pareceu-lhe um
bom sinal, um muito bom agouro o feitio indiferente e tíbio daqueles
rapazes todos.
— A gente deita-se ali e fica todo desengonçado como um
polichinelo. Também a posição do doente ajuda o médico, pois não
ajuda?
Disseram-lhe que sim. A criança, debatendo-se toda, ria com
risadinhas curtas e entrecortadas diante da enfermeira que lhe fazia
arreganhos.
A um canto da sala, um cilindro de metal polido rangia, todo
suarento e, um vaporzinho tênue em espirais, saía duma torneira,
cantando quase.
Cheio de cautelas e trejeitos um doutorando tirou daquela
fornalha, um mundo de coisas de cirurgia, pinças, tesouras, bisturis,
agulhas, afastadores, ruginas, gaze, pastas de algodão
iodoformado, santo Deus, e rolos sem conta de ataduras; e tudo
isso ficou depositado numa bandeja que mais parecia um pequenino
esquife.
— Ah! não e não!... exclamou ela, abrindo os braços como
se rasgasse a tela duma visão negra. Entrou, porém, exatamente
nesse instante o sábio de longas barbas de cenobita.
Olhou-a com severidade e importância, depois, grave e
rígido de semblante, disse, secamente, quase com desdém:
— A senhora faça o favor de sair.
Saiu, acurvada, diminuída, com um grande pesar em ter
desgostado o senhor doutor; mas um pedaço dela própria, íntegro e
pulsátil, tinha ficado lá dentro, com esses senhores majestosos,
sérios, de muito saber e de alto preparo.
O chefe do serviço, contrafeito, um mau humor desenhado
na face cardinalícia, exprobou, com duas frases vagas, a balbúrdia
dos hospitais nesta terra. E, com uma espécie de saudade mística
nos olhos, como quem vê retrospectivamente a glória de um passeio
por conta do governo aos centros cultos e adiantados da Europa,
ajuntou com superioridade levemente ridícula:
— Os senhores precisavam assistir à ordem e à disciplina
dos serviços de Cozzolino e Kirmisson. — E nisto, como acólitos
dum rito cruento, três rapazolas recém-formados, iniciaram a
operação sob as vistas do chefe.
A mulher sentou-se num banco do passadiço. As paredes do
edifício, vistas do pátio, subiam como muralhas coloniais recortando
no ar azul um quadrado de céu muito remoto.
Num pórtico escuro, atrás de pilastras claustrais, órfãs de ar
angelicamente estúpido, com fitas de devoção a tiracolo, limpavam
os quadros foscos do vitral da Comunidade. E, trepadas sobre os
travesseiros e mesas de exame, crianças riam gostosamente, com
acenos enigmáticos, espiando através de postigos e óculos da
enfermaria geral.
— Bom e com a saudinha é que o quero eu. Depois será pra
aí um homem forte, com forças para sustentar a mãe, ora não
será?!
Na sala de operações, porém, tinha acontecido qualquer
coisa grave. Anormal e tétrico era o olhar de gesso dum Ambroise
Paré erguido a um canto da sala.
Um dos médicos, em dado momento erguendo no ar uma
pinça hemostática, muito assustado, gritara, olhando o anestesiador:
— Mas, seu doutor, essa criança não está respirando!...
— Está, ora essa, está!
— Então o senhor sabe ou não sabe dar clorofórmio!
Fechou-se em torno da mesa um círculo apertado de
curiosos.
— Esse moço pensa que anestesiar é somente pingar,
pingar e pronto. Eu não posso ter quatro olhos, é claro, não posso!...
Estatelado, como um sonâmbulo, junto da criança, o
estudante mal pôde falar. Quis, depois, mais calmo explicar, dar um
parecer, que diabo! porque aquilo era um acidente, uma síncope,
uma coisa inevitável; era até relatado em livros, ninguém poderia
evitar, com qualquer aconteceria o mesmo.
As opiniões dividiram-se. Teve, então, início o seguinte
espetáculo. Começaram a abaixar e erguer, ritmicamente, os braços
da criança; o chefe da clínica, com uma pinça tendo preso a língua
da criança, movimentava-a de acordo com os movimentos dos
outros.
Durou bastante tempo esse desespero; esbaforida, a
enfermeira fazia massagem no peito abaulado da criança.
— A quantidade de anestésico não era capaz de uma
intoxicação...
— Era, como não? — E quase todos comentavam, criticando
abertamente.
Um tempo enorme e precioso aquela gente gastou curvada
sobre a criança exigindo quase um milagre da ciência.
A energia desesperada de todos apenas violentou um
cadáver que começava a enrijar.
— Mas é impossível, mais, mais...
O corpo da criança, começava agora a criar certas nódoas
violáceas, e uma auréola azul à volta dos olhos fundos ampliava aos
poucos a trama escura das olheiras pisadas.
— Mais, mais...
Por fim, calados, como três cúmplices, os auxiliares do
serviço, muito lentamente, recompuseram o cadáver. Para moralizar
o caso e salvaguardar a responsabilidade, o velho cirurgião falou
aos presentes meio alto, com uma amabilidade covarde, explicando
o acidente, lembrando princípios de fisiologia, e inocentava o
“estudioso auxiliar” que em má hora se vira a braços com uma
fatalidade não muito rara na vida hospitalar e civil do médico. Houve
um sussurro, um mal-estar completo sobre todas aquelas cabeças.
Olhares entrecruzaram-se, voltou o silêncio, e um embaraço
profundo pregou-os a todos, naquele chão, sem lhes dar ânimo para
um passo ao menos. Finalmente, aberta a porta de vidro fosco,
saíram todos, como réus espiados por uma multidão silenciosa. A
operária ergueu-se logo.
— Então agora tenho que esperar três semanas?
— Sim, minha senhora, isto é...
— Mas se eu o pudesse levar já, hein? Era um favor tão
grande!... Havia de o colocar na posiçãozinha que o doutor
ordenasse; era um favor tamanho!... Já agora não é proibido, posso
lá ir, ora não?
E encaminhou-se para a porta. Fitou depois o médico e a
sala, e, abrindo os braços em cruz para logo em seguida os fechar
sobre o peito começou a chorar com muita brandura.
— É lá possível a gente corrigir o que Deus fez?...
Nesse instante, porém, saiu do pavilhão o interno soluçando
alto, com um lenço na boca; a enfermeira, ao lado dele, dizia,
repetindo sempre:
— O senhor não teve culpa, doutor, o senhor não teve
culpa...
Ouviu-se então naquele terraço um grito lancinante.
— Oh! Meu Deus! O meu filho... Mas eu, eu mato-me, olá se
não! Mato-me...
— Minha senhora, o que estava nas nossas mãos, o que era
humano, nós fizemos; em vinte e seis anos de trabalho nunca tive
um caso assim. Deploro, deveras, deploro essa fatalidade — disse
lentamente o chefe, deixando cair os braços pesados sobre o
avental.
Ela teve um olhar de desprezo profundo.
— Estudou vinte e seis anos nos livros e não soube salvar o
meu filho... Por que me disseram então que era coisa rápida?...
Tanta gente naquela sala, tanta gente e ninguém m’o soube salvar,
ninguém...
Horas depois, sentou-se no mesmo banco, no passadiço da
enfermaria e dos internos. Veio, porém, um velho enfermeiro que,
com muito jeito e carinho convenceu a mulher.
— É melhor pra senhora...
Descendo a rampa em zigue-zague, os dois, como mendigos
descendo ao povoado, conversavam baixo; o velho, com unção
muito religiosa na voz, dizia:
— A vida é isso mesmo. Eu, assim como aqui me vê, perdi
dois netinhos num desastre; dois netinhos já grandes, dois gêmeos.
A senhora leu, com certeza, nos jornais, todo mundo leu; eram
quatrocentas crianças com os padres do colégio e iam aí pra dentro,
pela baía; de repente... A senhora leu, com certeza, os jornais
trouxeram...
— Não é por ser meu filho, não, não é! Mas juro que era a
criança mais linda deste mundo!...
E, ofegante, contava, com um clarão no rosto:
— O meu Júlio tirou inda não há cinco meses o primeiro
prêmio de robustez naquela beneficência, ali... naquela rua que vem
dar num largo onde há um imperador de ferro mesmo ao centro do
jardim, sabe?
— Tantas crianças e o meu filho foi o primeiro, veja, o
primeiro... As outras mães cercavam-me a mim que o tinha aqui
apertadinho ao seio.
Um médico, todo de preto e com muita cerimônia leu alto o
nomezinho dele, deu-me nas mãos o diploma, a medalha e um
cumprimento muito amável, dizendo ao meu menino:
— Viva, “seu” Júlio, parabéns...
E os retratistas dos jornais vieram ao depois, tiraram a
caretinha da criança muito séria e educada no meio duma mesa
encostada à parede... E ao depois, oh! ao depois, nos jornais do
sábado, lá estava o meu filho, ele mesmo tal e qual com uma
carinha zangada, estranhando aquela festança!...
E, recordando, a fisionomia ainda se lhe avivava à lembrança
daquele orgulhoso triunfo.
Chegaram; o enfermeiro disse-lhe adeus, sorrindo.
Havia um portão largo, e o necrotério como uma capelinha,
estava ao lado. Entrou. A princípio não viu quase nada, estava um
pouco escuro aquele inferno... Numa escrivaninha, em frente da
operária, um sujeito despropositadamente gordo, carimbava
papeletas, com ar de pouco-caso. Inclinadas na parede, caixas
alongadas, de madeira crua, fechadas a prego, davam aquela sala
semiescura o aspecto subterrâneo duma catacumba.
— Custa muito?!
— Como diz a senhora?
— Se custa ainda muito...
— Isso é conforme; a senhora é parenta do morto, do
homem da gangrena?!
A operária então, numa algaravia, explicou o seu caso, com
muita paixão, maldizendo aquilo tudo: — Coisa ligeira, coisa ligeira e
deixaram o meu filho morrer...
— Mas, afinal, a senhora tem a guia para levar para sua
casa a criança?! É preciso ver isso. O melhor é o enterro sair daqui;
de outra forma é difícil nós nos entendermos.
— ’Stá bem, meu rico senhor, ’stá bem. Pois eu vou, eu vou.
E como um espectro, saiu, vacilante e vagarosa.
Raparigas passavam com frascos de remédio, saindo da
“sala do banco”.
E um cego repelente, cuja expressão tinha qualquer coisa de
comum com um buldogue, increpava a filha, que o guiava: — Pois
se eu sei que o botequim é do outro lado da rua “sua burra!”... Se eu
sei...
E com os borrões sinistros dos olhos parecia olhá-la com
rancor selvagem. A pequena, malvestida, com grandes pernas
roliças à mostra, atravessou a rua; e o pai, seguindo-a, abria muito
as órbitas; e uma espécie de sorriso trêmulo punha um clarão
satisfeito naquele focinho oleoso.
A rua, nesse trecho, em frente ao velho casarão da
Misericórdia, fechada por um túnel, de árvores retorcidas e
seculares, lembrava um caminho, dantesco, uma garganta infernal
semelhante às ilustrações de Parma e Doré.
Fileiras de carros esperavam os médicos, e, entretidos em
palestra, grupos de pobres, junto a uma escadaria encardida
esperavam a hora regulamentar da visita.
Pelo passeio, entre a linha da alameda, a mulher seguiu
automaticamente, sem erguer os olhos do abismo da sua dor
desconhecida. Longe, diante dela, do outro lado da rua, além da
amurada, o mar espelhava um sorriso irônico todo cheio de cor falaz
da esperança... Duas lágrimas, veiadas de sangue, rolaram
mansamente, cavando um brilho estranho na cera daquele rosto.
Crianças passavam pela mão de velhas silenciosas e sujas.
— Ah! Nenhuma, porém, que, como ele, tivesse uns olhos
tão grandes, rasgados demais para o rosto tão pequeno!...
Diante dela, surgiu agora uma rua apertada, tortuosa como
um beco napolitano, só transitada por pescadores e soldados.
Entrou pela viela adentro, lentamente. E seguiu, acurvada e
diminuída, descrevendo linhas trêmulas no calçamento úmido...
Ao fim da viela bateu a uma porta; uma rapariga morena,
com um corpete túrgido no busto bronzeado apareceu na meia
escuridão do portal. Olharam-se as duas mulheres; a que entrava
teve um gesto indecifrável, abaixou mais o busto, e sumiu como
uma feiticeira numa gruta.
Fecharam de novo a entrada, e agora, na fachada humilde e
amarela do casebre, a porta, negra e retangular, lembrava um
túmulo em pé, embutido numa galeria subterrânea...
Rio — 1919.
João Lágrima
No meu país as velas dos lugres têm cores tão bizarras que
até parecem estandartes de romaria... Os promontórios, ao longo do
litoral entram tão longos e tão tristes pelo mar adentro que dão a
impressão de braços da aldeia dizendo despedidas aos poveiros... E
os barcos todos têm, no bojo, listões tão vivos que lembram, uns, o
sangue dos homens, outros, os olhos das mulheres do meu país...
De memória, procurando bem, só me lembra um lugre que
não tinha listões no bojo nem Imaculadas coloridas nos mastros. Era
um barco enorme, feio, de uma linha muito bruta, todo negro de
betume e que, olhado de frente, pela proa, parecia, sem tirar nem
pôr, um esquife...
Perto do farol, emergindo da água estagnada do
ancoradouro, o “Esquife” levava vários dias recebendo carga de
madeiras e frutas e quando partia, era sempre para o sul; ao voltar
tinha o aspecto mais sinistro talvez porque trouxesse,
habitualmente, de terras alheias, punhados de emigrantes que se
tinham desiludido lá para longe...
Parece incrível que um barco, como aquele, tivesse o áspero
destino que teve... Ora, calculem lá...
Quando veio, pelo mundo afora, aquela peste estranha que
matou tanta gente rica e tanta gente pobre, que, começando nos
campos da guerra se alastrou pelo resto das nações, matando de
verdade, sem respeito e sem dó, no meu país, como no de vocês,
ricos e pobres pagaram largo tributo... Cuido até que isso foi pra aí,
algum castigo, alguma lição, mesmo porque o flagelo veio num
tempo em que a humanidade andava tonta... Pois na minha aldeia,
que é um largo penhasco, o campo santo se abarrotou de cristãos...
Era uma miséria... Pelos barcos, pelos cais, pelos casebres, cada
dia morria um amigo, um parente... e a gente até quase já não
sentia porque tinha a cabeça no ar... Vai então, uns senhores que
vieram da parte do governo, começaram a distribuir remédios, uns
pós e rações... Mas a coisa piorava...
Apodreciam os pobres nas sarjetas e foi preciso vir de longe
uma comissão, uns bons senhores para dar tento àquela ruína...
E a primeira coisa que fizeram foi mandar vir uns presos das
colônias agrícolas para enterrar os mortos e desinfetar as vielas, os
becos, as casas, os barcos e até as pessoas...
E um dia já não havendo lugar no cemitério, e sendo a terra
em derredor penha bruta, tisnada de sol, os homens resolveram,
todas as tardes, jogar ao mar, lá longe, os cadáveres dos nossos
irmãos...
E então, fretaram o “Esquife”...
Todos os dias, ao entardecer, os correcionais ajuntavam os
mortos em duas pilhas. À direita os homens, na outra banda as
mulheres e as crianças... O “Esquife” recebia aquela carga e o
patrão, aproveitando o vento da noite, ia despejar no oceano, lá no
mar largo, aqueles pobres coitados que ele conhecia pessoalmente,
um por um...
Na ponte já havia até uma nódoa, no lugar da carga
lúgubre... Mas o patrão, insensível, com seu feitio adunco de corvo,
cumpria estoicamente o seu “contrato” com a mesma indiferença
com que recebia madeiras, frutas e gado... Pelos flancos do lugre
escorriam desinfetantes, aguadilhas e até um marujo era preciso
para raspar uma espécie de gordura sólida que com o correr dos
dias crescia nas tábuas da ponte...
No mar alto, atiravam-se os corpos presos a blocos de lastro;
e, uma vez ou outra, o mar deu à costa uns corpos murchos de
raparigas e anciãos...
Declinou porém, com a graça de Deus, tamanho horror...
Também, pudera! Com tantos votos, com tantas lágrimas!...
Na ermida, quando o bom tempo voltou, era uma dor de cortar o
coração aos penhascos... Os poveiros de luto, cumpriam
promessas... E muito custou à gente acostumar-se à falta de certos
homens que se tinham ido no “Esquife”... Apareciam caras
estranhas, gente de fora que fugira do horror das suas terras, pois o
mal quando acabava num sítio começava noutro, como uma foice
que vai ceifando...
Homens esqueléticos, aventuravam-se a sair à rua, ainda
combalidos, e parecia que aquela impressão maldita augurava o fim
do mundo...
Talvez não me acreditem, vocês. Mas sempre há gente no
mundo que, como os corvos, vive do repasto dos mortos...
Um mês depois, quando a vida se normalizou, e os barcos
começaram, com outros donos a faina da pescaria ao atum; quando
a gente já se começava a resignar, com as cicatrizes de dores pela
alma, e quando o “Esquife” limpo e desinfetado pelos homens do
porto, recomeçou a carregar madeiras, frutas e cortiça para o sul,
aconteceu um fato que se a mim me encheu de pavor, aos homens
todos da aldeia encheu de ódio, transformando-os em feras de
vingança...
Foi assim...
Corria, à boca pequena, que o patrão do “Esquife” roubava
os mortos antes de os despejar para a água... Passava-lhes uma
sistemática revista, tirando-lhes anéis, cordões, amuletos, santos de
metal, correntes e até a roupa que estivesse em condições...
A tripulação era formada de treze homens, arrendados em
Vigo e Bilbao, treze bandidos, misto de contrabandistas e piratas,
bronzeados, maltrapilhos, com cicatrizes, tatuagens, maldições,
blasfêmias e sombras nas caras aziagas de milhafre.
Antes de atirar o morto ao mar, abriam-lhe os maxilares,
quebravam-nos a murro para desencravar os dentes postiços de
ouro ou coisa que o valha... Despiam os que iam com roupas e
farpelas janotas. E como todos nós sempre calçamos botas novas
aos defuntos tiravam-lhas...
Tamanho sacrilégio, só sob o testemunho de Deus, numa
época tão triste, tinha, por força que clamar vingança!
Numa viagem do “Esquife”, houve uma altercação qualquer
entre o mestre e um homem da tripulação. Quando o lugre voltou, o
despeitado, na taverna, bêbedo e meio aturdido, contou, aos gritos,
como era feita aquela “função lúgubre”.
A princípio ninguém acreditou, pois que diante de um nosso
irmão morto, rijo, vestido decentemente para a outra vida, não há
coração de chacal que o profane, valha-nos Deus!!
De mais a mais aqueles infelizes eram conhecidos do
patrão... Mas o destino, às vezes, tece coincidências, prepara
verdadeiras armadilhas e quando uma pessoa menos espera vai ter
com seus próprios passos ao castigo que merece...
Uma noite o patrão, desembarcando no cais, completamente
bêbedo com uma caixa de ferro sob o braço, diante de uma pouca
de gente que o andava espiando, começou a dar risadas sinistras, e
tonto, cambaleante, apoiado em duas mulheres de má nota (por
sinal que não eram cá da terra, Deus seja louvado!) seguia para o
posto da Alfândega, escandalizando os poveiros com aquela
esquisita bebedeira...
E eis senão quando, ao atravessar a sarjeta de um beco,
onde as pedras tinham limo, o patrão escorregou, caiu de borco na
lama. Ao erguer-se, um pescador, que ninguém sabia quem era,
arrebatou-lhe das mãos a caixa e saiu a correr...
Em seguida, na praça, onde havia ajuntamento domingueiro
de gente rústica, o pescador mais outros homens arrombaram o
cofre espatifando-o na pedra do chafariz...
E então, pelas juntas e fendas saíram, as joias, os amuletos,
as moedas dos defuntos do “Esquife”...
Como se um tufão passasse, uma onda de ódio varreu a
aldeia toda desde o rocio, no adro dos Miguéis, até Atafona, junto
aos Expostos. Há coisas que se transmitem tão vertiginosamente
que parecem prodígios...
Uma multidão compacta se ajuntou em torno do chafariz...
Os parentes dos mortos, aos poucos reconhecendo as joias.
— Veja o anel de Martha, coitada... Inda traz a data do
casamento...
— Este broche era de Maria Júlia... a que morreu primeiro.
— Oh! A corrente do pai de Maurício, toda cheia de
ferrugem...
E todos abalaram ao encalço do bêbedo... Se não fora a
autoridade de um senhor, recém-chegado na terra, tinham feito o
mestre do “Esquife” em postas...
— Ladrão! Sacrílego...
E o vento do mar repetia, em eco, o soluço agudo das
mulheres, relembrando os mortos...
— Roubou ao meu homem o santinho que trazia ao
pescoço... Um santinho; que miserável!...
E os braços se alevantavam, mostrando joias.
Esbofetearam o ladrão e quase o puseram liso como uma
folha, de encontro ao umbral da taverna...
Ele, na sua meia inconsciência, abria e rolava nas órbitas
uns olhos tão estarrecidos que pareciam contas de pus veiadas de
sangue...
Mas, inesperadamente um velho que perdera na peste a
filha, erguendo à face do poltrão, uma pulseira de ouro maciço,
sacudindo a joia com furor, perguntou:
— Sabes de quem era isto?! Isto, homem!?
O outro fez que sim...
— Ah! Bem sabes... Vamos para bordo...
Uns quinze homens pularam para o “Esquife”, impelindo o
patrão.
— Ao largo...
E, após um curto espaço, o lugre, de velas inchadas,
começou a andar.
Nervoso, rangendo os dentes o patrão fitava o assoalho da
ponte, já meio lúcido, compreendendo o peso todo da situação.
Duas lágrimas lhe rolaram pelo rosto escaldante.
— Onde atiravas os mortos... Em que sítio...
— Além.
— Pois é para lá que vamos...
Perto dos penhascos, na altura em que se perdia a terra de
vista, o patrão, acobardando-se, quase de joelhos, disse:
— Era por aqui, assim — E mostrava o mar, em volta dos
arrecifes...
Então o velho, chegando-se à amurada, solenemente atirou
ao mar, uma por uma, as joias todas...
O mestre chorava, implorando, ora a um, ora a outro, perdão,
pelos mortos que decerto o estavam vendo àquela hora, pagar o
seu crime...
— Se fosses um homem, tu te atiravas lá baixo... pois não?!
— Sim, sim — balbuciou... — se eu fosse um homem eu me
atirava lá baixo.
E de um salto atirou-se ao mar.
Foi tão rápido o movimento que os quinze homens apenas
conseguiram ver, atabalhoadamente que uma coisa qualquer descia
entre as vagas, como um demônio articulado ou como um réptil
mergulhando...
— Encalhemos este estafermo — disse um dos homens... E
aproaram contra o areal que, em dunas, se levantava da banda
ocidental das penedias...
Depois, descidas as velas, atiçado o fogo nas madeiras e na
dispensa, taciturnos, sem olhar para trás, a largas remadas, em dois
barcos da Póvoa os homens do meu país, do meu pobre país onde
os promontórios parecem braços atraindo os poveiros que voltam da
pesca, afoitamente voltaram à terra, ao doce remanso em cujas
águas buliçosas as velas ostentam cores tão bizarras que até
parecem estandartes de romarias...
Rio — 1919.
Martha das Terras Baixas