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5/27/2018 Livro 200AnosdePraticagemRegulamentadaNo Brasil-slidepdf.

com

De 1808 a 2008:

200 anos  de praticagem
regulamentada no Brasil

1a  edição

Rio de Janeiro
2008

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DIRETOR-PRESIDENTE
Carlos Eloy Cardoso Filho

DIRETORES
Carlos Jesus de Oliveira Schein
 João Paulo Dias Souza 
 Juarez Koury Viana da Silva 
Marcio Campello Cajaty Gonçalves
Ralph Rabello de Vasconcellos Rosa 

CONCEPÇÃO E TEXTO Maria Amélia Parente Martins

PESQUISA HISTÓRICA   Angela Moreira


PRODUÇÃO EXECUTIVA  Flávia Cavalcanti Pires

PROJETO GRÁFICO E DESIGN Katia Piranda 

REVISÃO Maria Helena Torres

PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃO Davanzzo Soluções Gráficas

M386d CONSELHO NACIONAL DE PRATICAGEM


De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada
no Brasil.-- Rio de Janeiro: Conapra, 2008.
252 p.

ISBN 978-85-89222-02-0

1. Praticagem - Brasil - História. I. Título.

CDU 656.61.052(81)

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De 1808 a 2008:
de praticagem
regulamentada no Brasil
200 anos 

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Apresentação 
 A idéia deste livro surgiu
da percepção de uma grande lacuna 
em nossa profissão: a inexistência de uma 
historiografia da praticagem brasileira.
Como em 2008 comemoram-se os 200 anos
do primeiro diploma legal relativo ao serviço de
praticagem no Brasil, achamos que este seria 
o momento ideal para dar o passo inicial rumo
à organização de nossa história.

Será apresentada nesta obra uma pesquisa inédita 


sobre a história da praticagem brasileira,
realizada em acervos do Rio de Janeiro.
O resultado, como o leitor poderá comprovar, é animador.
Há muito para se contar, e os documentos
sobre praticagem, que representam os principais
testemunhos da profissão, foram responsavelmente
preservados pela Marinha do Brasil
e arquivados em instituições públicas.

O momento é de comemoração,
mas também de reflexão.
Nós, práticos brasileiros, estamos dando a devida 
importância à construção de nossa memória?
É preciso lembrar que o conhecimento
de nossa história não representa simplesmente
alimento para nossa curiosidade.
Conhecer o passado é ferramenta eficiente
para se entender o presente e melhorar o futuro.

Carlos Eloy Cardoso Filho 


Presidente do Conselho Nacional de Praticagem 
outubro de 2008 
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Prefácio 
 A iniciativa do Conapra ao patrocinar o trabalho de pesquisa 
e a edição deste livro, contendo o histórico da Praticagem
desde seus primórdios, contribui de forma notável
para a melhor compreensão das dificuldades, perigos e
complexidade dos riscos envolvidos na atividade.
 Ao longo de seus capítulos, nota-se a essencialidade
da profissão que, resistindo aos séculos, mantém-se atual
na busca de um gerenciamento de riscos eficaz,
capaz de oferecer assistência aos comandantes
e contribuir para a segurança da navegação,
dos portos e do meio ambiente.
Nota-se, também, a atuação sempre presente da Marinha,
seja na elaboração de normas e procedimentos,
seja na preocupação com o nível profissional,
através de concursos e atualizações.
O exercício da profissão de prático é um eterno desafio.
O ambiente em que trabalha, sujeito às variações nas
condições de vento e mar, à proximidade dos perigos,
à variedade de tipos de navios, enfim, à carga emocional
de quem está responsável por vidas humanas
e um imenso patrimônio material, cria um cenário especial.
O prático precisa ter habilidade e coragem,
além do aprimoramento técnico e
profundo conhecimento das peculiaridades locais.
 A criação do Conapra em 1975, e sua atuação junto às
 Autoridades Navais, vem contribuindo para o aprimoramento
da atividade de praticagem a nível nacional,
colocando-a em consonância com os centros mais desenvolvidos.
 A presente obra é um marco histórico que, certamente,
servirá de base ao estudo da Praticagem.

 Almirante-de-Esquadra Júlio Soares de Moura Neto 

Comandante da Marinha 
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Agradecimentos 
Muitas pessoas contribuíram
de forma decisiva 
para a realização desta obra,
mas, como a experiência ensina 
que citar nomes é imprudente,
preferimos dirigir nossos
agradecimentos ao serviço
de documentação brasileiro,
especialmente o da Marinha 
e o do Arquivo Nacional,
cujo importante trabalho
de preservação documental
nos forneceu
o material necessário
para transformar em livro
essa investigação pioneira 
sobre a praticagem nacional.

Conselho Nacional de Praticagem 

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Sumário 
   parte  I
Uma profissão que vem de longe 12

1. Por que prático 15

2. A origem da praticagem 17

3. A pilotagem em Portugal 26

   parte  II 
 A praticagem brasileira: fragmentos de uma história  34

1. Antes de começar 37
2. Os primeiros registros 44

3. O decreto de 12 de junho de 1808 46

4. Resgatando a memória da praticagem nas províncias 95


e nos estados do Brasil

   parte  III  A praticagem brasileira hoje 220


223
1. O modelo de praticagem no Brasil

2. O CONAPRA  232

Bibliografia  244

Fontes das imagens 247

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Uma profissão 
  que vem de longe 

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Uma profissão que vem de longe     parte  I 

1. Por que prático?

No início do século XIX, oficialmente, a palavra prático ainda não era nome de
profissão para a monarquia portuguesa. A constatação vem da leitura do primeiro
decreto que regulamentou a praticagem no Brasil, baixado pelo príncipe regente
D. João, em 1808, poucos meses depois de a corte portuguesa se estabelecer no Rio
de Janeiro. No diploma legal, o monarca se referia a esse profissional como piloto
prático, a mesma nomenclatura adotada em Portugal para designar aqueles que,
sem conhecimento naútico teórico, mas com muita prática nas operações de
entrada e saída dos portos, auxiliavam os comandantes dos navios.

Nas normas seguintes, da época imperial, o vócabulo piloto foi eliminado; os


legisladores passaram a se referir aos profissionais da área simplesmente como
práticos. Ou seja, transformaram o adjetivo prático em substantivo, excluindo o
nome piloto. O termo que qualificava o profissional passou a designar o próprio
profissional. Devido a esse fenômeno lingüístico, não há muito sentido em
investigar a etimologia da palavra prático, e sim do termo piloto.

“Aquele que dirige uma embarcação” é a acepção mais conhecida de piloto. E de


onde vem essa palavra? Do latim  pedotes , de  pédon , timão do barco, leme.
Continuando a derivação chega-se à forma grega pous , podòs , pé , pela posição dos
dirigentes dos barcos: sempre de pé junto ao leme.1 1 BUENO, Francisco da 
Silveira. Grande dicionário 
etimológico-prosódico da 
O estudo etimológico mais interessante é o da palavra lotse , que significa prático língua portuguesa.
em alemão. A investigação desse termo leva à vinculação primitiva e essencial do
prático com o prumo de mão. O vocábulo alemão lot quer dizer pedaço de
chumbo, de onde deriva o verbo loten – sondar a profundidade da água lançando
uma chumbada. É possível, portanto, que lotse se origine de loten .

 A maioria dos estudiosos alemães, entretanto, não aceita essa hipótese. Segundo
eles, lotse tem sua origem no termo leytsman , do alemão antigo, que corresponderia 
a lodsman , em holandês, e loadsman , em inglês. Os radicais leyt , lod e load signifi-
cariam to lead  (dirigir) ou way  (caminho). O prático seria aquele que guia ou
mostra o caminho – a definição mais lúdica, sem dúvida. Da mesma forma, a 
Estrela Polar era conhecida como the Lodestar , a estrela-guia.2 2 MARTINS, Joaquim
 António. História da 
Pilotagem Prática em 
O termo genérico que designava prático no início da Idade Média era lodesman . Portugal, p. 13.
 Algumas de suas variações – lods , lotse e loods  – ainda estão em uso na 
Escandinávia, Alemanha e Holanda, respectivamente. No Brasil, ficou-se com
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prático; na Espanha e na América Latina prevaleceu práctico ; em Portugal, piloto;


nos países de língua inglesa, pilot ; na França, pilote e na Itália, pilota .

De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 


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2. A origem da praticagem

Não é possível precisar no tempo quando um navegante foi assessorado pela 


primeira vez por um indivíduo com conhecimentos locais que lhe permitiram
levar a bom termo a operação de atracação de um navio.
Como pesquisar, então, os primórdios da atividade de praticagem no mundo? O
maritimista brasileiro Sampaio de Lacerda oferece boas fontes de inspiração. Diz ele
que “a apresentação do ambiente geográfico indica ao homem o gênero de vida que
lhe está reservado”. Segundo Lacerda, essa concepção é aplicável quando se procura 
explicar a razão do desenvolvimento da navegação e do comércio marítimo:

 Assim, ao povo fenício couberam tais empreendimentos tão somente por habitar
região estreita de terra, apertada entre as montanhas do Líbano e as plagas do
Mediterrâneo. Mais tarde, todos os povos situados à beira-mar, seguindo o exemplo dos
fenícios, passaram, pouco a pouco, a se dedicar também àquelas atividades.
Com a intensificação crescente da navegação e do comércio pelo mar, surgiu
a necessidade de serem criadas e adotadas normas especiais destinadas à sua 
regulamentação. O conjunto dessas regras constituiu, então, o que se chamou de
3 Curso de Direito 
direito marítimo.3
Privado da Navegação ,
p. 17.
Embora o estudo do direito marítimo antigo ofereça pistas sobre a origem
da praticagem no mundo, não permite reconstituir o início da profissão, que será 
sempre um grande enigma. Não há documentos que provem a existência de leis
marítimas
no tráfego para o povo pouco
marítimo, fenício,ouporquase
exemplo: “(...)registro
nenhum Apesar foi
da grande atividade
encontrado dos
antigos povos orientais, e nem mesmo dos fenícios, que fizeram de Tiro e
4
Cartagena dois grandes pólos comerciais”. 4 Entretanto, por serem grandes MARTINS, Eliane M.
Otaviano. Curso de Direito 
navegadores os precursores do comércio marítimo, é comum encontrar afirmações Marítimo , p. 5.
de que essa civilização fazia uso do serviço.

Um dos mais antigos registros de um “piloto de barco” encontra-se no Código de 


Hammurabi , o mais extenso e conhecido corpo legal do Oriente Antigo, uma das
primeiras regras escritas a respeito da navegação marítima. A autoria das leis é
atribuída ao rei
reinou entre Hammurabi,
os anos 1792-1750fundador daconjunto
a.C. Esse primeira de
dinastia da Babilônia,
leis contém que
regras sobre
construção naval, fretamento de navios a vela e a remo, responsabilidade do
fretador, abalroação e indenização devida por quem causar o dano.

 A civilização babilônica desenvolveu-se nas bacias dos rios Tigre e Eufrates, e as


mercadorias eram freqüentemente transportadas via navegação fluvial. A navegação
era tão importante, que entre as classes profissionais escolhidas pelo legislador para 
regular direitos e obrigações estava a dos “barqueiros”. As outras eram as dos
médicos, veterinários, barbeiros e pedreiros.

Parte I – Uma profissão que vem de longe  17


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Os barcos babilônicos eram de madeira; no final de sua construção as junções


eram calafetadas com betume para torná-lo impermeável. O tradutor Emanuel
Bouzon explica que o termo barqueiro não indica apenas aquele que dirige um
barco, mas também o seu construtor e calafetador. Esta última é a acepção que se
apresenta nos parágrafos seguintes do código:

§ 234
Se um barqueiro calafetou um barco de 60GUR [capacidade aproximada:
18 toneladas] para um awilum  [homem livre], ele lhe dará dois siclos de prata 
por seus honorários.

§ 235
Se um barqueiro calafetou um barco para um awilum e não executou o seu
trabalho com cuidado e naquele mesmo ano esse barco adernou ou sofreu avaria, o
barqueiro desmontará esse barco, reforçá-lo-á com seus próprios recursos, e entregará 

o barco reforçado ao proprietário do barco.


Os parágrafos seguintes tratam da responsabilidade do barqueiro em casos de
naufrágio e de perda do navio e da carga, assim como de sua remuneração. Nesse
conjunto de normas o sentido dado ao vocábulo barqueiro é o de condutor de
um barco:

§ 236
Se um awilum alugou seu barco a um barqueiro e o barqueiro foi negligente e afundou
o barco e arruinou-(o), o barqueiro restituirá um barco ao proprietário do barco.

Detalhe do Código  § 237


de Hammurabi, Se um awilum alugou um barqueiro e um barco e carregou-o com cevada, lã,
emblema da civilização
mesopotâmica. Escrito
óleo, tâmaras ou qualquer outra carga; (se) esse barqueiro foi negligente, afundou
em língua acádica e o barco e perdeu sua carga, o barqueiro pagará o barco que afundou e tudo que
gravado em escrita  se perdeu de sua carga.
cuneiforme numa 
estela (coluna de § 238
pedra) de 2,25m
Se um barqueiro afundou o barco de um awilum, mas conseguiu reerguê-lo,
de altura, foi quase
totalmente conservado dará em prata a metade de seu preço.
e está exposto no
Museu do Louvre, § 239
em Paris Se um awilum (alugou) um barqueiro, dar-lhe-á seis (GUR de cevada) por ano.

O parágrafo subseqüente, segundo Bouzon, constitui um interessante caso de


direito marítimo.

§ 240
Se o barco de um piloto de barco que navega rio acima colidiu com o barco de um
piloto de barco que navega rio abaixo e (o) afundou, o proprietário, cujo barco foi
ao fundo, declarará, diante de deus, tudo que se perdeu em seu barco, e o piloto do

18 De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 


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barco que navega rio acima, que afundou o barco do piloto que navega rio abaixo,
deverá indenizá-lo por seu barco e por tudo o que se perdeu.

Para uma interpretação correta desse fragmento o tradutor ressalta a necessidade


de determinar o significado exato dos dois termos acádicos mahirtum e
muqqelpitum .
Em textos referentes a contextos marítimos, os dois termos em questão indicam,
sempre, dois diferentes tipos de embarcações fluviais. O mahirtum é o barco a remo
que era usado para navegar rio acima, contra a correnteza. O muqqelpitu designa o
barco a vela que era usado para navegar rio abaixo.

Traduzidas do texto original, as expressões sa mahirtim e sa muqqelpitim significam


o piloto de um barco a remo e o piloto de um barco a vela. Em caso de
colisão entre os dois tipos de embarcação, a lei hammurabiana responsabiliza o
piloto do barco a remo, possivelmente porque este era mais lento e podia ser
controlado mais facilmente do que o barco a vela que descia a correnteza 
impulsionado pelo vento.

O legislador usou três termos para se referir ao profissional que dirigia barcos – um
abrangente, traduzido por “barqueiro”, e os outros dois específicos, traduzidos por
“piloto de barco a remo” e “piloto de barco a vela”; a perícia e os conhecimentos
locais exigidos desses profissionais levam a crer que entre suas funções estivesse a 
de prático. Mas não se pode afirmar que eles eram práticos – aquaviários
especializados nas operações de entrada e saída de navios em portos e barras – sob
pena de anacronismo, ou seja, atribuir a uma época determinada um personagem
de outro tempo.

 As Leis de Rodes


 As normas que mais influenciaram os povos antigos foram as Leis de Rodes.
Rodes – a capital das Ilhas Cícladas, localizadas no Mar Egeu e pertencentes à 
Provincia Insularum – fez parte do império romano e abrigava região de intensa 
navegação. Citando o maritimista francês Georges Ripert, Sampaio de Lacerda 
afirma que “os romanos adotaram, em grande parte, o direito marítimo dos ródios.
Isto porque Roma pouco se ocupou com a elaboração de um direito comercial ou
de um direito marítimo, pois que o comércio estava entregue aos estrangeiros
5
e escravos”.5 Ob. cit., p. 20.

 Apenas alguns fragmentos dessas leis passaram à posteridade, mas suas normas
6
vigoraram em todo o Mediterrâneo entre os séculos VII e IX. 6 Como foram MARTINS, Eliane M.
Otaviano. Ob. cit., p. 5.
o mais importante monumento concernente ao comércio marítimo na Anti-
güidade, tendo influenciado enormemente regulamentos posteriores, acredita-se
que essas leis normatizavam em alguma medida a atividade dos práticos.
Parte I – Uma profissão que vem de longe  19
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 A navegação Também não há documentos que comprovem a existência de leis marítimas


na Antigüidade para os hebreus. Tem-se notícia, contudo, da atividade de pilotos, que
provavelmente tinham funções de prático, segundo passagens da Bíblia:
 A navegação marítima 
primitiva apresentava 
diversos problemas, de Lamentação sobre Tiro:
vez que em face da 
deficiência tecnológica o Os teus remadores conduziram-te sobre grandes águas,
mar constituía a rota do ( porém ) o vento do meio-dia quebrou-te no coração do mar.
perigo e da mortalidade,
e muitos foram os casos
 As tuas riquezas, os teus tesouros e a tua equipagem tão grande,
em que expedições não os teus marinheiros e os teus pilotos,
mais retornavam. que dispunham de tudo o que servia a tua grandeza,
Durante séculos, só se e que governam a tua tripulação;
navegava de dia e nas também os teus guerreiros que estavam contigo,
épocas apropriadas. Ao
anoitecer, o navio ou e toda a multidão do povo que estava no meio de ti,
embarcação atracava em caíram todos no fundo do mar,
local
menosquerisco
oferecesse
para a  no dia da tua ruína.
 Ao estrondo da gritaria dos teus pilotos se turbarão as frotas;
guarnição, e somente ao
amanhecer retornava ao todos os remadores descerão dos seus navios;
curso normal da viagem. os marinheiros e todos os pilotos do mar ficarão em terra (…)
Existiam poucas opções
para os navegadores da  cap. 27, versículos 26-29, Ezequiel, Antigo Testamento 
 Antigüidade, pois só
havia navegação costeira,
que se baseava em pontos Tendo decorrido muito tempo, e não sendo já segura a navegação, por ter até já 
fixos em terra para orien- passado o jejum, Paulo advertia-os, dizendo-lhes: Ó homens, eu vejo que a 
tação da derrota ou rota  navegação começa a ser perigosa e com muito dano, não somente da carga e do
do navio; a navegação era 
estimada, através da  navio, mas também das nossas vidas. Porém o centurião dava mais crédito ao piloto
velocidade, direção da  e ao comandante, do que ao que Paulo dizia. E, como o porto não era bom para 
corrente e outros aspectos invernar, a maior parte foi de parecer que se passasse adiante, a ver se de alguma 
pelos quais se utilizavam sorte podiam atingir Fenice, porto de Creta, abrigado dos ventos de sudoeste e
para estimar a posição do
navio e os astros, tais
noroeste, e invernar ali.
como o sol, a lua, os
planetas e as estrelas que cap. 27, versículos 9-12, Atos dos Apóstolos, Novo Testamento 
permitiam a determi-
nação da direção do
navio. Somente com o
surgimento da bússola,
do sextante,
náuticas, das cartas
dos radares e da  No
dos legado
pilotosliterário grego encontram-se
que possivelmente também várias referências
atuassem comoà navegação e à pensador
práticos. O atividade
sinalização náutica, Plutarco, por exemplo, cita no livro Vidas Paralelas  esse profissional bastante
dentre outros recursos do
gênero, é que se tornou presente na sociedade helênica, já que os gregos eram grandes navegadores:
possível o desenvolvi-
mento e a segurança  Cícero, ao chegar a Astira, encontrou um barco preparado, no qual embarcou. Viajou,
da navegação. com bom tempo, até o Monte Circé. Os pilotos quiseram logo fazer vela e demandar
 ANJOS, J. Haroldo, novo porto. Cícero, porém, ou porque temesse o mar, ou porque conservasse ainda 
GOMES, Carlos Rubens alguma esperança na fidelidade de César, saltou em terra e caminhou cerca de 100
Caminha. Curso de  estádios [medida de distância] em direção a Roma.
Direito Marítimo , p. 2

20 De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 


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Uma das mais remotas e precisas descrições da atividade do prático encontra-se no O périplo
Périplo do Mar da Eritréia , um guia mercantil do Mar Vermelho e do Oceano
Índico setentrional, escrito por volta de 64 d.C. Neste fragmento, o autor Os gregos, na Antigüi-
(desconhecido) descreve as aproximações do Golfo de Cambay e do Rio Narbuda  dade, tinham o que eles
a Barygaza (atual Broach, nordeste da Índia): chamavam de ‘périplos’.

 A passagem é difícil devido aos baixios na foz do rio. Por isso, pescadores nativos a  Eram
das descrições
costas escritas
que usavam
serviço do rei sobem a costa até Syrastrene, de encontro aos navios. E eles os para navegar. Não eram
mapas nem cartas náuti-
governam diretamente e com precisão desde a entrada da baía, por entre baixios, cas, eram uma descrição.
com suas tripulações, e os rebocam até posições fixas, subindo o rio com o início da  O Mediterrâneo é muito
maré enchente e permanecendo nas vazantes nos fundeadouros e bacias. Essas bacias interessante porque ele é
são locais de maior profundidade no rio, no percurso para o porto, que fica a  muito aberto em longi-
cerca de 10 estádios da foz. tude e muito estreito em
latitude. Então, se um
navegante se perder e se
Nesse extrato reconhece-se facilmente o trabalho de um “prático de estuário ou dirigir para o norte, vai

eporto”. Velejar,
manobrar remar e derivar
a embarcação com a secorrente,
enquanto aguardaempregando as âncoras
a maré seguinte ainda para segurar
constituem dar
paranao sul,
Europa. E se
vai dar nadirigir
costa 
técnicas úteis. A referência ao reboque mostra a antiga relação entre essa atividade africana. O périplo ensina-
e a de praticagem.7 va como chegar ao porto.

 Almirante Max Justo


Entre os poucos registros que se tem de práticos antes do segundo milênio está o Guedes em Revista de 
do militar romano Carausius, que comandou no século III a Classis Britannica, História da Biblioteca 
frota naval baseada no Canal da Inglaterra, cujo objetivo era eliminar piratas. Nacional, n. 22
Nascido em Menapia (localizada hoje na Bélgica), seu sucesso em campanha 
contra rebeldes na Gália e sua antiga ocupação de prático contribuíram para que
7
ocupasse o posto de comandante da esquadra. 8 HIGNETT, H.M.
Brief History of Pilotage.
Outra via de investigação da praticagem na Antigüidade é através da palavra  8 Ver mais em
latina gubernatore , que possivelmente significava prático. O registro mais remoto http://www.reference.com/
de um profissional desse tipo na Grã-Bretanha data do período compreendido search?q=carausius
entre 250 e 300 d.C. Na inscrição na pedra de um altar lê-se “Marcus
Minucius Audensis – Gubernator  da VI Legião”. Audensis era um militar
romano e é provável que conduzisse barcos ao longo do Rio Ouse entre York e
o Rio Trent.

Também no Digesto, uma compilação de leis promulgada em 533 d.C. pelo


imperador bizantino Justiniano I, há uma passagem narrada pelo jurisconsulto
romano Ulpiano na qual aparece a palavra  gubernatore :

Si magister navis sine gubernatore in flumen navem immiserit, et tempestate ortá 


temperare non potuerit, et navem perdiderit, vectores habebunt adversùs eum ex 
locato actionem.

Se um capitão lançar à água um navio sem um piloto e, surgida uma tempestade,


não o puder dirigir e perder o navio, os passageiros terão contra ele uma ação
ex locato .

Parte I – Uma profissão que vem de longe  21


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Esse fragmento faz parte do livro Collection de lois maritimes antérieures au XVIII e 
Livro com leis
siècle ; seu autor faz uma interessante observação sobre o fragmento em questão
marítimas anteriores corroborando a hipótese de gubernatore significar prático:
ao século XVIII
Suppose-t-on ici que le navire étoit complétement dépourvu d'un 

 pilote?
ils queJ'en douterois.
le patron n'aAlors ces mots,
pas pris sine gubernatore,
un pilote spécialementsignifieroient- 
instruit des 
localités, ce que nous nommons pilotes locmans? Il s'ensuivroit que 
cette institution auroit été connue des Romains, et je suis porté à 
le croire.9

Deve-se deduzir que o navio operava sem piloto algum? Duvido.


Estas palavras sine gubernatore significariam que o patrão não
contratou um piloto especialmente instruído sobre as localidades, o
que chamamos de piloto prático? Aparentemente, essa instituição era 

conhecida pelos romanos, e pessoalmente tendo a acreditar nisso.


Na verdade se sabe muito pouco a respeito da praticagem na 
 Antigüidade. É possível que a atividade seja tão antiga quanto
a navegação, embora não tenham chegado aos dias de hoje
documentos que provem tal afirmação. De qualquer forma, o
conhecimento do passado é algo em progresso, que não pára de
se transformar e aperfeiçoar. As técnicas de investigação científica 
a serviço da História tornam-se cada vez mais sofisticadas,
e documentos inéditos podem surgir revelando fatos desconheci-
dos e ajudando a reconstituir a origem da profissão.
9 PARDESSUS, J.M.
Ob. cit., p. 110.

Os Rolos de Oléron
Durante o período medieval o mais importante código de costumes
marítimos a vigorar no Atlântico estava nos Rolos de Oléron, um conjunto
de sentenças compiladas nos séculos XI e XII por autor ignorado. Sua 
denominação deve-se ao fato de serem os julgamentos redigidos em
pergaminhos que eram enrolados – o que facilitava transportá-los nos
navios – e de derivarem da Ilha de Oléron, na costa Atlântica da França,
local onde se comercializavam largamente vinho e sal. Esse fato parece
explicar em grande parte o motivo pelo qual o código foi elaborado:
assegurar que o vinho exportado de Bordeaux chegasse em segurança à 
Inglaterra. Os práticos eram importantes nesse contexto, e algumas
Brasão da cidade do
passagens dessas leis a eles se referiam.
Castelo de Oléron
Os 24 artigos redigidos inicialmente estabeleciam fundamentos legais para a 
proteção social e regras relacionadas à segurança, sem nada de bárbaro. Alguns
artigos anexados a posteriori , contudo, eram de extrema brutalidade. Os
22 De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 
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 Julgamentos de Oléron (como também eram conhecidas essas leis) foram


publicados no livro The Black Book of the Admiralty 10 sob o nome de Laws of  10 Disponível em
Oleron. Abaixo algumas passagens relacionadas à atividade de praticagem: http://gallica.bnf.fr/ark:/
12148/bpt6k502894

 Artigo XIII

Um navio é carregado
em qualquer eme Bordeaux
outro lugar chega a seuoulocal
La Rochelle ou
de descarga 
e, segundo sua carta de afretamento, despesas com
rebocadores e praticagem de porto são de responsabili-
dade dos comerciantes [proprietários ou recebedores de
carga]. Na costa da Bretanha, todos os que embarcam
após a passagem da Ilha de Batz [fora de Roscoff] são
práticos de porto (...) E isso é o julgamento nesse caso.

 Artigo XXIV 

Um jovem
para é o prático
conduzi-lo de umonde
ao porto navio,deve
sendodescarregar.
contratado
Pode ocorrer que o porto seja um porto fechado. O
comandante é obrigado a providenciar seu fundeio ou
atracação por seus próprios meios e de sua tripulação,
e também a colocar bóias que sejam visíveis acima do
nível da água, ou certificar-se de que o fundeadouro
esteja bem demarcado, e que os comerciantes não
sofram prejuízos; e se ocorrerem prejuízos, o coman-
dante é obrigado a repará-los, se eles [os comerciantes]
apresentarem razões que suplantem as apresentadas pelo
comandante. O prático terá desempenhado adequada-
mente seus deveres quando tiver levado o navio com
segurança até seu atracadouro, que é o local até onde
ele deve conduzir a embarcação, e daí em diante, a 
responsabilidade passa a ser do comandante e sua 
O Livro Negro 
tripulação. E isso é o julgamento nesse caso. do Almirantado 

 Artigo XXXIV 
É também costume no mar que se uma nave for perdida por culpa de um prático,
os marinheiros podem, se lhes aprouver, levar o prático a um guindaste ou a um
outro lugar para lhe cortar a cabeça sem que o comandante do barco ou seus
marinheiros tenham a obrigação de justificar esse ato diante de um juiz, já que o
prático traiu a atividade de praticagem. E isso é o julgamento neste caso.

Embora os práticos desempenhassem sozinhos suas funções, seus interesses


coletivos foram protegidos de alguma forma no continente europeu. No final do
século XV havia na costa da Europa várias instituições de assistência dedicadas ao
bem-estar dos marinheiros e de seus dependentes. Havia também associações de
comerciantes e marítimos, muitas vezes armadores/comandantes, formadas para 
providenciar seguro mútuo em caso de acidentes no mar.
Parte I – Uma profissão que vem de longe  23
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 As associações se fundiram às instituições e formaram órgãos que na Grã-Bretanha 


vieram a se chamar Trinity Houses. Essas organizações, que tinham práticos como
membros, perceberam a necessidade de regulamentar e organizar a praticagem,
assegurando que seus profissionais tivessem ampla experiência na navegação em
11 HIGNETT, H.M. águas locais.11
Ob. cit.
Criada a partir de uma carta concedida pelo rei da Inglaterra Henrique VIII em
1514, a Corporação da Trinity House foi durante muito tempo a autoridade de
praticagem e sinalização náutica na Grã-Bretanha, prestando também serviços
de assistência aos marítimos e seus familiares. Essa forma de organização ficou
marcada na história da praticagem mundial.

Referência importante à atividade de praticagem encontra-se na célebre


Ordenação de 1681, promulgada pela França durante o reinado de Luís XIV.
Intitulada Ordonance touchant la marine, foi a base do direito marítimo durante

quase doiscom
exclusiva, séculos
18 em muitos
artigos, quepaíses. As ordenações
regulamentava francesas
o serviço continhamOuma
de praticagem. seção
primeiro
artigo estatuía o seguinte:

Nos lugares onde pareça necessário estabelecer pilotos para conduzir os navios, na 
entrada e saída dos portos, no interior destes, nas enseadas e rios navegáveis, o seu
número deverá ser regulamentado pelos oficiais do Almirantado, sob o conselho dos
intendentes do porto e dos mais eminentes comerciantes do lugar.

Os outros artigos do regulamento estabeleciam a qualificação necessária ao prático,


a experiência requerida e seus deveres e obrigações; previam ainda a proibição
de escolha de navios, que deveriam ser atendidos por ordem de chegada ao porto.
Nessa época as ordenanças da maioria dos países europeus já determinavam a 
12
PIMENTA, praticagem obrigatória.12
Matusalém Gonçalves de.
 A responsabilidade civil do 
 prático, pp. 64-65. Sampaio de Lacerda frisa que a Ordenação de 1681 considerava indispensável nas
embarcações destinadas a regiões longínquas a presença do pilote hauturier , prático
de alto-mar, “aquele que seguia o caminho do céu para chegar à terra”. Tratava-se
de profissional habilitado: conhecia países distantes, sabia ler cartas geográficas e
tinha conhecimentos astronômicos capazes de lhe permitir prever o tempo a fim
de assegurar a orientação da viagem. É verdade que essas funções foram aos poucos
se integrando nas pertinentes aos capitães, de vez que se passava a exigir deles
mais especializações.

 A ordenação francesa era severa com os práticos. Em caso de encalhe voluntário


13 LACERDA, J. C.
Sampaio de. Ob. cit.,
seria aplicada a pena de morte, e na hipótese de erro açoites estavam previstos.13
p. 141. Castigos brutais também faziam parte da Lei de Marinha Portuguesa, de 1815.
O Livro IV, Título III, versava sobre os pilotos e barqueiros da barra.

 Art. 1, XVIII - Os pilotos da barra, que por ignorância tiverem feito encalhar uma 
embarcação, serão condenados a açoites e privados para sempre da pilotagem; e a 

24 De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 


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respeito daquele que tiver maliciosamente lançado um navio sobre um banco, ou


rochedo, ou costa, será punido de morte, e seu corpo amarrado a um mastro, levando
perto do lugar do naufrágio.14 14 PIMENTA,
Matusalém Gonçalves de.
Ob. cit., p. 65.
No Brasil, em 1844, ainda se falava em castigos físicos para os práticos, como
mostra
SiqueiraoCampelo
relatório do
ao inspetor
ministro do ArsenalFrancisco
Antonio da Marinha de Pernambuco
Cavalcanti Manoel de
de Albuquerque:

(…) contudo acho de suma conveniência, que estes práticos sirvam sob as disposições
de um regulamento, que lhes marque as multas e  penas corporais  [grifo nosso],
quando por negligência, e erros cometidos no exercício de suas funções causem danos
ao porto, e ao mesmo comércio, e que os puna, visto estarem sujeitos a esta Inspeção,
de toda a insubordinação que houverem de praticar para com o inspetor, e patrão-
mor, e pela falta de cumprimento de ordens que por estes dois indivíduos lhes forem
transmitidas: o primeiro, na qualidade de chefe da Polícia do Porto, e o segundo,
15
como ajudante, ou um agente principal deste chefe. 15 Disponível em
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd
hartness/marinha.html,
 A praticagem se desenvolveu nos países marítimos segundo variáveis que não seria  1844-3, index: S6-9 e S6-10.
possível elencar aqui. Cobrir o desenvolvimento da profissão em todos esses
estados seria certamente tarefa distinta daquela a que se propõe esta publicação.

Mas há uma nação cujo desenvolvimento da navegação e da praticagem interessa 


mais de perto aos que querem conhecer a origem da profissão no Brasil. Esse
país se chama Portugal, o principal protagonista de uma verdadeira revolução
marítima empreendida nos séculos XV e XVI.

Parte I – Uma profissão que vem de longe  25


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3. A pilotagem em Portugal

Introdução

Embora
em terrasalusas,
praticagem brasileira
a atividade tenhaestá
no Brasil origem distinta relacionada
intimamente da observada 
à 
história da pilotagem portuguesa. Os primeiros práticos do Brasil eram
portugueses, pois dava-se preferência aos profissionais que já houvessem
exercido o ofício em Lisboa. Não por acaso o patrono da praticagem
brasileira é um português: o capitão de milícias Francisco Marques Lisboa,
pai do almirante Tamandaré (patrono da Marinha brasileira).

Praticagem ou pilotagem? Em Portugal fala-se pilotagem, já que o prático


inicialmente era conhecido como piloto prático e depois, modernamente,
passou a ser designado como piloto de barra, porto ou rio, ou simples-
mente piloto.

Em Portugal foram os pescadores os primeiros a auxiliar os navegantes que


encontravam dificuldades para entrar em barras ou se aproximar de uma zona 
com escolhos:

Porque, pescando com as redes à deriva, com linhas ou com artes de arrasto,
adquiriram o conhecimento das correntes e revessas, dos fundos e sua natureza. Tudo
isso, relacionado também com a conhecença da terra, dava-lhes uma sabedoria que

estava,
dispunhana de
maioria dos casos,
cartografia fora do nem
desenvolvida conhecimento
de roteiros.doFica
navegante, que aindaque
assim entendível nãoo
recurso ao prático local foi uma necessidade que não se pode situar no tempo.

O Livro de Testamentos de Santa Cruz  faz menção a embarcações de comércio


navegando antes de 1122 na foz dos rios Mondego e Mira.

Na nossa ótica os navios que subiam esses rios, ou tinham ajuda de práticos ou
os mestres eram originários desses portos fluviais. Dada a data referida de 1122,
os indivíduos referidos seriam moçárabes ou mouros, o que pode pressupor
que os primeiros práticos, do que depois seria o território português,
16 MARTINS, Joaquim seriam árabes.16
 António. Ob. cit.,
pp. 13-15.
Para a pilotagem prática lusa foram muito importantes os conhecimentos acerca 
da previsão do tempo transmitidos pelos pescadores de Seixal, Olivais e Barreiro,
que fora da barra de Lisboa usavam as tartaranhas – barcos de formas muito cheias
a proa, de vela de bastardo e com muitos panos envergados em varas horizontais,
a vante e a ré.

O saber do pescador-piloto era de fato adquirido na prática: em função dos


sinais dados pelo aspecto das nuvens na Serra do Sintra, pela observação da 
26 De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 
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Serra da Arrábida, que se mostrava mais ou menos clara, pelo fenômeno dos
ventos que sopram no verão, “diferenciadamente no Rio Tejo até São Julião e
fora da barra até para além da linha de entre-cabos” etc. Essas informações eram
muito importantes na época da navegação a vela, tendo sido transmitidas de
geração em geração para os práticos da barra de Lisboa e de outras.

 As primeiras referências oficiais aos pilotos práticos de Portugal só aparecem em


documentos do reinado de D. Duarte – 1433-1438 –, embora muito antes desse
período já houvesse nos portos portugueses movimento significativo de navios,
cujos comandantes certamente eram assessorados por pilotos práticos.

Citando o cartógrafo Pedro Teixeira Albernaz, encarregado em 1621 de percorrer


e estudar todos os portos da Penísula Ibérica, Joaquim A. Martins assinala 

o caráter essencial, sob o ponto de vista da navegação a vela, dos portos

portugueses, enaperigosa,
contingente sua grande maioria
e maus barraspois
de sair, fluviais, maus de(ventos
as travessias demandar, de entrada 
de oeste) ou as
nortadas obrigavam para ganhar barlavento, a bolinar, mas que por isso mesmo
constituíram a fecunda escola onde se afiançaram desde os primeiros tempos as
aptidões dos nautas portugueses.

 Além dos pilotos práticos, que exerciam sua profissão em portos e barras,
Portugal dispunha de pilotos náuticos, que serviam nas expedições junto à 
 Armada ou no comércio marítimo. A legislação concernente ao assunto,
entretanto, não esclarece as diferenças entre os dois tipos de profissional. O certo
é que os pilotos náuticos, cuja função inicial quando chegavam a sítios
desconhecidos era investigá-los a bordo de barcos menores, tornavam-se a partir
da primeira visita ao local autênticos práticos embarcados, disponíveis para ações
futuras, capazes de levar a bom pouso os navios da frota.

Um bom exemplo dessa situação é a sondagem da Angra de Santa Helena,


atribuída no livro Roteiro da viagem de Vasco da Gama  a Pero de Alenquer.
 Alenquer – um dos melhores pilotos de seu tempo – fazia parte da tripulação da 
nau São Gabriel que em 1497 partiu em busca da rota da Índia:
Pero de Alenquer 
 À terça-feira viemos na volta da terra e avistamos uma terra baixa e que
tinha uma grande baía. O capitão-mor mandou Pero de Alenquer no batel a 
sondar se achava bom pouso, pelo qual a achou muito boa e limpa e abrigada de
todos os ventos à exceção de noroeste e ela jaz leste e oeste, à qual puseram nome
Santa Elena.17 17 HERCULANO,
 Alexandre. Roteiro da via- 
 gem de Vasco da Gama , p. 4.
Também Afonso Vaz de Azambuja teria desempenhado tarefas de prático, segundo
os Annais de D. João III . Em 1528, o monarca mandou “grossa Armada” à Índia.
Em um dos barcos seguia Azambuja, piloto da Mina (Golfo da Guiné), capitão e
piloto de um navio pequeno acomodado para o serviço de toda a Armada e para  18 MARTINS, Joaquim
as entradas dos portos .18  António. Ob. cit., p. 21.

Parte I – Uma profissão que vem de longe  27


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 Joaquim A. Martins dá ainda outro exemplo da atuação dos pilotos náuticos como
práticos. Diz ele que D. Henrique (1396-1460) teve a preocupação de ter
em Lagos (sul de Portugal) pilotos para servir à navegação em suas viagens do
Estreito de Gibraltar em direção ao oeste. Entre outras medidas, o infante
concedeu privilégios a Martim Vicente, piloto e morador de Lagos.

Como a navegação, do Estreito para Poente e continuada a partir de Lagos para a 


Europa do Norte, era navegação costeira a ser praticada com o grande conhecimento
D. Henrique das condições especiais do regime de ventos na costa de Portugal, com as suas
nortadas e travessias, esses pilotos eram, ao mesmo tempo, pilotos náuticos e
práticos – pilotos de alto-mar – atividade essa que continua nos nossos dias, no Canal
da Inglaterra, Mar do Norte, à roda das Ilhas Britânicas e no Báltico, a ser efetuada 
19 MARTINS, Joaquim por profissionais com a designação de deep sea pilots .19
 António. Ob. cit., p. 17.

 As grandes navegações e os pilotos portugueses


No final do século XIV, após a guerra da Reconquista, Portugal estava com suas
fronteiras estabelecidas. Os muçulmanos haviam sido expulsos da Penísula Ibérica,
e o país se firmava como primeiro Estado europeu moderno depois da vitória 
20 Introdução à história  militar contra os reinos vizinhos de Leão e Castela. 20 O processo de centralização
marítima brasileira , p. 24. que o reino experimentou foi fundamental para a extraordinária aventura 
ultramarina à qual os lusos se lançaram nos séculos XV e XVI.

 Ainda que os reis justificassem seus atos lançando mão de argumentos religiosos
– as expedições seriam uma espécie de cruzada cristã contra os muçulmanos –,
um dos principais objetivos do empreedimento era quebrar o monopólio exercido
pelas cidades de Gênova e Veneza sobre as rotas de comércio com a Ásia e
estabelecer contato direto com as fontes produtoras, especialmente a Índia, por
mar. Formou-se uma forte aliança entre setores mercantis e a nobreza a fim de
sustentar o ambicioso projeto da expansão marítima portuguesa.

Na literatura disponível sobre esse período encontra-se farto material a respeito


dos jogos políticos que estavam por trás dos empreendimentos, dos capitães das
esquadras, das dificuldades e dos avanços da navegação, dos ataques que os lusos
desferiram e daqueles dos quais foram vítimas etc. Mas não há muitas informações
(pelo menos na proporção de sua importância histórica) acerca de personagens
fundamentais nesse enredo: os pilotos que conduziam os navios.

Como relata no início do século XX o oficial da Marinha portuguesa Luis


 Antonio de Morais e Sousa,

aos comandantes, escolhidos quase sempre na nobreza e sempre entre pessoas que
mereciam a confiança ou simpatia do monarca, não se exigiam conhecimentos da 
especialidade e só as qualidades próprias de um bom comandante, idênticas na terra 
e no mar, sobrelevando provavelmente a todas a coragem. Aos pilotos estava

28 De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 


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confiada a parte mais importante da navegação: a direção do navio, primeiro por


mares desconhecidos e mais tarde por caminhos já estudados (...)21 21 SOUSA, Luis Antonio
de Morais e. A sciência 
náutica dos pilotos 
O jornalista Ricardo Bonalume Neto observou no artigo Tecnologia de mastros e velas:  portugueses nos séculos 
 XV e XVI , p. 187.

 A
ummaneira
pequeno como esses navios
universo erama habitados,
fechado sociedade navegados
portuguesae da
comandados
época. Noresumia
comandoem
supremo estavam os fidalgos aristocratas. Religiosos embarcados cuidavam de
manter a bordo o enorme poder que a Igreja tinha em Portugal. Havia técnicos em
navegação, como os pilotos, que eram as pessoas mais importantes a bordo depois
do capitão – e ninguém podia interferir no seu julgamento sobre as manobras do
navio. Seu local de trabalho era uma cadeira ao lado da “agulha de marear” (a bússola).

No mesmo artigo Bonalume acentua que as técnicas de navegação não podiam ser
consideradas “estritamente científicas”. O trabalho dos pilotos ainda era muito
empírico – só no século XVIII, por exemplo, seria possível uma determinação
razoável de longitude. A prática e experiência de que em parte se valiam os pilotos
renderam-lhes severas críticas por parte do famoso cientista e cosmógrafo-mor do
reino Pedro Nunes (1502-1578) que apontava muitas falhas em sua formação.22 22 Disponível em
http://www1.
folha.uol.com.br/fol/brasil
Portugueses e espanhóis levaram séculos para aprender a navegar no Oceano 500/histdescob2.htm
 Atlântico. Os ventos e as zonas de calmaria equatoriais eram verdadeiros tormen-
tos para os navegadores. Quando os homens do infante D. Henrique – padrinho
das explorações ultramarinas lusas – começaram a se aventurar pela costa oeste da 
 África, eles estavam trocando a segurança do Mar Mediterrâneo pela incerteza e
amplidão do Mar Tenebroso, como era conhecido então o Atlântico:

 As costas mediterrâneas, banhadas pelo ‘mar fechado’, jamais ficavam a mais de
800km uma da outra, no sentido norte-sul, ocupando apenas 7º de latitude. Mas a 
costa africana se estende de 38º de latitude norte a 38º de latitude sul, distância que
equivale a um quinto da volta ao globo. De início, para calcular o ponto em que
seus navios se encontravam, os navegadores se baseavam na altura em que a Estrela 
Polar se encontrava no horizonte. À medida que avançaram para o sul, os lusos viram
esse signo universal de localização ‘afogar-se’ no horizonte norte. A cosmopolita 
comunidade que D. Henrique atraíra para Sagres – da qual fariam parte o astrônomo
 Abraão Zacuto e o matemático José Vizinho, todos judeus fugidos das perseguições
de Castela – desenvolveu ou aperfeiçoou tabelas matemáticas com a declinação dos
astros e admiráveis instrumentos de navegação, entre os quais o quadrante, o Quadrante
astrolábio, a agulha de marear (espécie de bússola), a balestrilha e o noturlábio (um
tipo de astrolábio usado à noite, com a luz das estrelas), além de aprimorar os
rudimentares portulanos, antigos mapas náuticos feitos pelos árabes em peles de
carneiro ou pergaminhos.23 23 BUENO, Eduardo.
 A viagem do descobrimento,
pp. 72-73.
Os navegadores portugueses quatrocentistas precisaram de muitos anos para realizar
o périplo africano. O primeiro a contornar a África foi Bartolomeu Dias que, graças
a sua grande habilidade marinheira e a de seus pilotos Pero de Alenquer, Álvaro
Parte I – Uma profissão que vem de longe  29
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Martins e João de Santiago, venceu o grande condicionalismo físico do Atlântico Sul


navegando ao largo e ultrapassando o cabo que depois seria conhecido como da Boa 
Esperança. Dias abriu o caminho para 10 anos depois, em 1498, Vasco da Gama 
concretizar o sonho acalentado pela Coroa portuguesa de alcançar a Índia pelo mar.

Ironicamente foi um piloto


maiores navegadores árabe
de todos os (talvez
tempos),o lendário Ahmedà Ibn
que se juntou frotaMajid, um dos
de Gama em
Melinde (Quênia), quem o ensinou a cruzar o Oceano Índico rumo a Calicute, na 
Índia. Essas preciosas informações representariam o início do fim do império
marítimo que os árabes haviam construído naquela região da Ásia.

Os pilotos de Cabral
Da tripulação da viagem que resultou no descobrimento do Brasil em 1500, tem-se

econhecimento de pelo
do já citado Pero menos trêsApilotos
de Alenquer. – Afonso
esses homens Lopes,
estava Pero Escobar
confiado (ou Escolar)
o comando técnico
do empreendimento, enquanto a Cabral cabia a chefia militar da missão.

Responsáveis pelos rumos e singraduras da Armada, os pilotos contavam com a 


sólida experiência dos capitães Nicolau Coelho e dos irmãos Bartolomeu e Diogo
Dias. O imediato, o contramestre e o guarda cuidavam da proa, da popa e do
convés entre os mastros, respectivamente;

(...) respondiam pela manutenção da ordem a bordo, e não abandonaram um só


instante o seu território durante toda a viagem. Por meio de poderes e costumes
precisos, codificados ao longo de quase um século de navegação oceânica, estes três
principais senhores do destino da embarcação comandavam, com o som de seus
apitos, o trabalho de 60 marinheiros – a maioria dos quais eram profissionais
24 BUENO, Eduardo. instruídos e respeitados.24
Ob. cit., p. 37.
 A História preservou três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil: a carta 
do mestre João [ver p. 32], a relação do piloto anônimo, de autor ignorado, e o
mais conhecido de todos, a carta do escrivão Pero Vaz de Caminha. Em sua
missiva, Caminha dá uma vaga idéia de como os pilotos lograram navegar nas
águas restritas da terra inicialmente batizada de Ilha de Vera Cruz:

Na noite seguinte, ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus, e
especialmente a capitânea. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos,
por conselho dos pilotos, mandou o capitão levantar âncoras e fazer vela; e fomos
ao longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte,
para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para 
tomar água e lenha (...)

Fomos de longo, e mandou o capitão aos navios pequenos que seguissem mais
chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem. E,
De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 
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velejando nós pela costa, obra de 10 léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro,  A caravela portuguesa 
acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e
muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As
 Ao contrário da nau,
naus arribaram sobre eles, e um pouco antes do sol posto amainaram também, obra  a caravela portuguesa 
de uma légua do recife, e ancoraram em 11 braças. foi embarcação sem

E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por antecedentes
surgiu conhecidos,
no segundo
mandado do capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no quartel do século XV.
Era navio de dois
esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos mastros latinos, isto é,
e de bons corpos, que estavam numa almadia (...) com velas triangulares,
possuía roda de proa e
 Ao contrário do que acontecia na costa leste da África, região de grande atividade cadaste e popa redonda,
mercantil, onde tanto Vasco da Gama como Cabral utilizaram pilotos locais, no uma coberta, tilha a 
território recém-descoberto não havia nem de longe algo parecido com pilotos de proa e tolda e chapitéu a
ré. Verossimilmente,
barra ou porto. Eram terras virgens, fora das rotas comerciais da época, o que levou tinha o porte de 40 a 60
os pilotos a atuarem como práticos, guiando a bordo de embarcações miúdas os
grandes navios da frota cabralina, em busca de um “porto seguro”. Feito o primeiro tonéis
poderiae,utilizar
se necessário,
remos.
reconhecimento local, nas viagens futuras voltariam os mesmos navegadores ou  A grande dimensão das
outros aos quais fossem transmitidos os conhecimentos das particularidades do lugar. vergas – podiam atingir
o dobro do que era 
normal nos navios
Seria exagero apontar esses homens como os primeiros práticos do Brasil; no latinos do Mediterrâneo
entanto é legítimo afirmar que eles simbolizam os primórdios da profissão no país. – e a proporção do
casco, muito afilado,
deram-lhe excepcionais
qualidades veleiras,
permitindo-lhe navegar
com bolina
apertada, muito
cerca de cinco a
seis quartas do vento, o
que a tornava muito su-
perior aos navios coevos.

GUEDES, Max Justo.


O descobrimento do 
Brasil, p. 29

Parte I – Uma profissão que vem de longe  31


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 Senhor: O bacharel mestre João, físico e cirurgião de Vossa Alteza, beijo vossas reais mãos. Senhor:
  porque, de tudo o cá passado, largamente escreveram a Vossa Alteza, assim Aires Correia como todos 
 os outros, somente escreverei sobre dois pontos. Senhor: ontem, segunda-feira, que foram 27 de abril,
 descemos em terra, eu e o piloto do capitão-mor e o piloto de Sancho de Tovar; tomamos a altura do 
 sol ao meio-dia e achamos 56 graus, e a sombra era setentrional, pelo que, segundo as regras do 
 astrolábio,
  pólo antárticojulgamos estar afastados
em 17°, segundo é manifestoda naequinocial poré 17°,
esfera. E isto e tera um
quanto por dos
conseguinte
pontos, peloa que
altura
saberá do 
 Vossa Alteza que todos os pilotos vão tanto adiante de mim, que Pero Escolar vai adiante 150 léguas,
 e outros mais, e outros menos, mas quem diz a verdade não se pode certificar até que em boa hora 
 cheguemos ao cabo de Boa Esperança e ali saberemos quem vai mais certo, se eles com a carta, ou eu 
 com a carta e o astrolábio. Quanto, Senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-
 múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra; mas aquele 
 mapa-múndi não certifica se esta terra é habitada ou não; é mapa dos antigos e ali achará Vossa 
Alteza escrita também a Mina. Ontem quase entendemos por acenos que esta era ilha, e que eram 
  quatro, e que doutra ilha vêm aqui almadias a pelejar com eles e os levam cativos. Quanto,
 Senhor,mas
  podido, ao outro ponto, por
não muito, saberá Vossa
causa Alteza
de uma pernaque,queacerca
tenhodasmuito
estrelas,
mal,euquetenho trabalhado
de uma coçadurao que tenho 
se me fez 
 uma chaga maior que a palma da mão; e também por causa de este navio ser muito pequeno e estar 
 muito carregado, que não há lugar para coisa nenhuma.
 Somente mando a Vossa Alteza como estão situadas as estrelas do (sul), mas em que grau está cada 
 uma não o pude saber, antes me parece ser impossível, no mar, tomar-se altura de nenhuma estrela,
  porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio balance, se erram quatro ou cinco graus, de 
 modo que se não pode fazer, senão em terra. E quase outro tanto digo das tábuas da Índia, que se não 
  podem tomar com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se Vossa Alteza soubesse como 
 desconcertavam todos nas uns
Canárias desconcertavam polegadas, ririaemdisto
dos outros maispolegadas,
muitas que do astrolábio; porque desde
que uns diziam, Lisboa
mais que outros,atétrês 
as 
 e quatro polegadas, e outro tanto desde as Canárias até as ilhas de Cabo Verde, e isto, tendo todos 
 cuidados que o tomar fosse a uma mesma hora; de modo que mais julgavam quantas polegadas eram,
  pela quantidade do caminho que lhes parecia terem andado, que não o caminho pelas polegadas.
 Tornando, Senhor, ao propósito, estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam ao 
 derredor sobre o horizonte, e ainda estou em dúvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja 
 o pólo antártico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes quase como as do Carro; e a 
 estrela do pólo antártico, ou Sul, é pequena como a do Norte e muito clara, e a estrela que está em 
 cima de toda a Cruz é muito pequena.
 Não quero alargar mais, para não importunar a Vossa Alteza, salvo que fico rogando a Nosso 
 Senhor Jesus Cristo que a vida e estado de Vossa Alteza acrescente como Vossa Alteza deseja. Feita 
 em Vera Cruz no primeiro de maio de 1500. Para o mar, melhor é dirigir-se pela altura do sol, que não 
  por nenhuma estrela; e melhor com astrolábio, que não com quadrante nem com outro 
 nenhum instrumento. Do criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor.
oh nnes

20
32 De 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil 
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Como registra a missiva ao lado, o cosmógrafo mestre João e dois pilotos


(Afonso Lopes e Pero Escolar) aproveitaram a permanência em terra 
para armar o grande astrolábio de pau com o objetivo
de tomar a altura do sol ao meio-dia, de modo que a 
 Armada pudesse saber em que latitude se encontrava.
 A medição da latitude na Baía de Cabrália 
(fixada em 16º 21’ 22’’S) realizada por aqueles três técnicos
em 27 de abril de 1500 apontou resultado
muito próximo do real: 17º S

 A saga de Vasco da Gama foi imortalizada em Os Lusíadas , uma das


obras literárias mais importantes da língua portuguesa, escrita pelo
poeta Luís de Camões no século XVI. A base narrativa dos versos
é a busca do caminho marítimo para as Índias com várias alusões
ao trabalho dos pilotos. No Canto I, Camões se refere a um piloto
mouro que teria sido instruído a enganar Gama em Moçambique,
conduzindo-o por um caminho errado, o que de fato parece ter
acontecido. No Canto VI, entretanto, o navegador português
encontra o bom piloto, aquele que finalmente o conduz à Índia:

Canto VI
estrofe 5

Outras palavras tais lhe respondia


O Capitão, o logo as velas dando,
Para as terras da Aurora se partia,
Que tanto tempo há já que vai buscando. Os Lusíadas 
No piloto que leva não havia
Falsidade, mas antes vai mostrando
 A navegação certa, e assim caminha
 Já mais seguro do que dantes vinha.

Parte I – Uma profissão que vem de longe    33


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