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DON JUAN E O PODER DA MEDICINA DO SONHAR


A JORNADA DE CURA DE UMA MULHER NAGUAL

MERILYN TUNNESHENDE (1)

Para don Juan


Dona Celestina
Chon, e Charley Spider

PARTE 1 - O SONHAR

CAPÍTULO 1
Nós nos mudamos de volta para o sul. A lua cheia
iluminava toda a Califórnia. Foi ali que me encontrei e me
apaixonei por Richard Morrison. Richard era estudante do
Norte da Irlanda, e estudava sobre escritores americanos numa
pequena universidade no sul. Eu estava indecisa sobre meu
mestrado, oscilando entre linguagens estrangeiras e
religiões/filosofias.
Richard foi meu primeiro relacionamento íntimo, e
mergulhei profundamente nesta relação. Eu choquei minha
família por viver abertamente com ele em seu apartamento, me
mudando do meu dormitório. Eu estava mesmerizada por ele e
nos amávamos reciprocamente. Éramos leitores vorazes e
discutíamos sobre os livros que líamos. Ele estava
particularmente interessado em Jack Kerouac e William S.
Burroughs, e eu por Gabriel Garcia Márquez e Carlos
Castaneda.
Depois de termos lido William S. Burroughs em nossa
faculdade, decidimos fazer uma viagem até o México no verão
depois da graduação. Para então, Richard ter graduação em
Literatura Inglesa e eu em Espanhola. A leitura foi
principalmente de Naked Lunch, e foi seguida por uma festa
para o autor em sua casa particular, também agraciada por
Jerome, que tocava piano para Billie Holliday.

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() Tradução exclusiva de Arlinda Silva para lista Ventania no yahoogrupos.
Documento de circulação restrita.
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Nós chegamos numa exótica casa no lago por volta das
nove horas. O Sr. Burroughs estava sendo inundado de
perguntas na cozinha. Richard e eu esperávamos
silenciosamente num canto até que, uma por uma, as pessoas
ficaram embaraçadas pela  inabilidade de compreensão da
conversa e então abandonaram o autor para nós. Richard
sinalizou para eu me aproximar do autor, que estava atrás dele,
esperançoso. Eu parei à sua frente e comentei: - A dimensão
visual de seus livros é muito estimulante. Burroughs sorriu e
deu um suspiro. – Aquele cara com você é escritor? Eu
concordei e os apresentei. Nós falamos enquanto passávamos
pela sala  atrás do grande piano...
Burroughs nos contava a estória sobre um cavalheiro
em Nova Iorque que o procurou depois de ter tido uma visita
alienígena. Ele estava absorto contando a Richard como o
homem havia tentado convencê-lo a utilizar sua experiência em
seu livro. Eu perguntei: - Qual foi a mensagem do visitante?
Ele sorriu, dando uma longa baforada de cigarro,
própria do deus do surrealismo: - Esta é a parte ridícula. Até
então eu estava interessado, e ainda excitado, - ele gargalhou. –
Supostamente o domo brilhante pairou e iluminou “H4” no céu
noturno. – sua expressão era totalmente mórbida. Richard tossia
de tanto rir.
- “H4”? Que tipo de mensagem é essa? – perguntei.
- Exatamente, - ele gesticulou loucamente com seus
braços. – Foi aí que ele estragou tudo. Eu estava frustrado. Eu o
agradeci e me desculpei.
- Que decepção, - murmurei. Foi então que a diva da
festa o convidou para subir ao palco e então ele foi absorvido
por seus convidados. Mais tarde Richard passou um longo
tempo conversando com Burroughs. Eu estava sentada ouvindo
o melhor jazz e blues que jamais ouvira até então. Depois disso,
a caminho de casa, Richard não conseguia parar de falar. Ele
tinha o telefone do escritório de Burroughs e foi convidado para
levar seus escritos...
- Eu quero ir com você até o México depois da
graduação, Merilyn. – Richard disse excitado, enquanto dirigia
seu Volkswagen azul para casa, numa rua escura. – Com a sua
fluência em espanhol, poderemos conhecer muita coisa. Eu
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sinto que essa experiência intensa será boa para meus escritos.
Você vive dizendo que na América Latina  atual está a Era de
Ouro da literatura experimental.
- Você não precisa me convencer, Richard. É uma
ótima idéia. Só me prometa que não vai acontecer comigo o que
aconteceu com a mulher de Burroughs naquele lugar. A cena
em sua novela onde ele acidentalmente atira nela na cabeça é
baseada em fatos reais...
Estávamos em maio de nosso último semestre e
começamos a nos ocupar na preparação para nossa viagem ao
México. Pegaríamos o trem para oeste em Yuma, Arizona, e
então, iríamos até o sul de ônibus, com todo Hamlet como
nosso destino. Nós seríamos viajantes experimentais, autores
famosos, e amantes anônimos, tudo numa única viagem.
Duas semanas antes da nossa partida, tive que buscar
Richard tarde da noite depois de uma entrevista a uma banda de
rock para o jornal da faculdade. Estava escuro e ventando
quando me dirigia até nosso VW. Eu estava muito sonolenta.
Enquanto deixei cair minha chave de dentro da minha bolsa,
ouvi o mais diabólico som imaginável, um som que vinha direto
do submundo, como num pesadelo. De alguma forma senti que
me foquei nele, aumentando, modulando a si mesmo num
horrível e prolongado som agudo. Eu deixei cair as chaves na
calçada e voltei correndo para nosso apartamento, batendo a
porta atrás de mim e trancando-a, tremendo.
O som aumentava ainda mais, terminando em gritos e
gemidos apavorantes. Eu imaginava alguém sendo esfaqueada a
sangue frio por um bêbado terrível. Eu nunca havia ouvido nada
que se comparasse àquele som. Aquilo criava imagens de
acidentes, imagens sinistras em minha mente, como pedaços de
vidro estilhaçando. Eu suava frio e sentia náuseas. Eu tive de
ficar tremendo no escuro por uma hora depois que o som
finalmente parou.
Eu estava apavorada em ter que sair do apartamento.
Mas eu tinha de buscar Richard, que àquela altura já estaria
preocupado comigo. Reuni coragem e saí na direção do
estacionamento. No lugar onde haviam caído minhas chaves
havia um pequeno animal parecido com um gato, mas a metade
de sua parte anterior era cinza e a metade posterior era preta.
Parecia se mover propositadamente debaixo da luz do poste,
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então pude ver que suas cores não eram ilusão de ótica. Então,
quando dei alguns passos à frente, o animal desapareceu.
Um arrepio frio passou por mim enquanto entrava no
carro. Quando cheguei ao clube, estava tremendo tanto que não
pude dirigir na volta. Eu tinha um sentimento inequívoco de que
aquela experiência tinha sido algum tipo de aviso, como se algo
tivesse preparando uma vingança. Sentada dentro do carro em
movimento, contei a Richard sobre o incidente. Enquanto ele
ouvia, todas as cores desapareceram de seu rosto. Ele
murmurou algo sobre velhas estórias de sua terra natal, sobre
banshees, enquanto fumava compulsivamente.
Então, enquanto abria o vidro, Richard me falou sobre
um sonho recorrente que o perturbava terrivelmente. No sonho,
ele estava de pé sobre um carro parado numa ponte no meio do
deserto à noite. De repente um carro veloz com o farol aceso
vinha do nada diretamente para ele, atropelando-o antes que
pudesse pular para fora do caminho. Richard me contou que
aquelas luzes naquele carro fantasma o olhavam como os olhos
da morte, e que banshees eram mensageiros da morte. Ele
parecia extremamente preocupado, e sua testa suava
profusamente.
Depois disso, voltamos para casa e na cama, falei a ele
sobre um sonho recorrente que tinha desde minha infância. No
sonho eu era abandonada pelos meus pais no deserto e
procurava por algum tipo de contato humano. Eu não
encontrava ninguém, apenas ossos e cactos. Um vento soprou e
me empurrou rodopiando sobre sua força seca. Eu podia apenas
ver através da areia em movimento. Finalmente, eu vi uma
pequena cabana à distância e me esforcei para chegar até ela.
Quando entrei, descobri um nativo americano alto e de cabelos
brancos se apoiando sob o temporal. – “Vovô! Vovô!” – eu o
chamava. Ele sinalizava desesperadamente para eu entrar. O
vento soprava sobre as fendas nas madeiras, mas estávamos a
salvo.
Normalmente era assim que o sonho terminava, mas
naquela noite ele continuou. Eu perguntava: - “Vovô, onde está
Richard?” – mas ele negava com a cabeça. Então Richard se
sentou na cama, suando frio e gritava para que acordasse.
Duas noites depois, enquanto estávamos a caminho de
casa, estivemos num acidente de trânsito numa estrada no
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deserto fora da cidade. Voltávamos de um concerto que Richard
estava cobrindo, e nosso amigo Eric Damon estava dirigindo.
Conversávamos sobre música enquanto Richard dormia no
banco de trás. Estava escuro e nosso carro estava sozinho na
estrada. Uma linha branca ficou desfocada. Eu olhei para trás e
Richard estava em posição fetal. Eu sorri e deixei cair minha
cabeça suavemente sobre meus ombros, ainda olhando para ele.
Comecei a dormir.
Eu parecia sentir uma força girando lançando-nos para
fora da estrada, e quando acordei, já havíamos batido. O pára-
brisas estava estilhaçado em cacos em volta de mim, deixando o
quadro num enorme buraco negro. Eu estava presa. Gritei: - Eu
não consigo sair. Socorro! – minhas mãos sangravam.
Eric veio até mim. Ele estava andando sozinho no meio
da estrada sob a lua cheia. – Merilyn,  - ele disse, colocando seu
rosto dentro da janela do carro. Seu rosto estava cortado.
- Eric, o que aconteceu? Onde está Richard? – gritei.
- Ele está deitado na estrada a cem metros atrás de nós.
Ele não parece bem, Merilyn. Uma patrulha veio quando saímos
da estrada. Não sei quanto tempo isso levou, desmaiei enquanto
eles chamavam uma ambulância.
Comecei a chorar desconsoladamente. A ambulância
chegou em poucos minutos e nos resgatou trabalhando com um
maçarico para remover minha porta do lado onde o carro estava
batido. Eles levaram uns vinte minutos para me liberar, e então
me deitaram dentro do veículo à espera. Eric estava certo.
Richard não parecia bem. Ele estava com uma máscara de
oxigênio. Estava muito pálido. Seus olhos e cabeça estavam
tremendo e ele tinha uma estranha expressão em seu rosto,
como se alguém tivesse contado a ele a mais doentia e doce, e
ainda sarcástica piada do mundo. Fizemos um contato
desesperado com o olhar em todo o caminho até a sala de
emergência, mas ele morreu na mesa de operação de
hemorragia interna pouco depois de termos chegado.
Eles medicaram Eric e a mim e não nos disseram nada.
Nós estávamos sentados enquanto os médicos davam pontos em
nossas cabeças e cuidavam de outras lesões. A mãe de Eric nos
esperava em meu apartamento para dar-nos a notícia. Quando
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eu a vi e percebi o que tinha acontecido, tentei correr para meu
carro e voltar ao hospital, mas caí no chão em convulsões.
Richard era de origem irlandesa humilde e sobrevivera
apenas com sua mãe viúva. Foi impossível entrar em contato
com ela a tempo então eu mesma fiz os planos funerais. Quando
ela finalmente foi notificada, teve medo de que a viagem fosse
mais custosa do que ela pudesse pagar, mesmo eu tendo
oferecido pagar sua passagem.
Eu era um fantasma vazio naquele apartamento,
chorando horas sobre algum sapato ou livro favorito de Richard.
Eu não consegui achar suas poesias em nenhum lugar. À noite
eu deitava sobre uma pilha com suas roupas e rolava sobre elas
histericamente. Finalmente, minha mãe veio me ajudar.
Uma noite ela entrou no quarto, aparentemente
sombria. – Você tem que sair daqui, Merilyn. Ele a deixou com
suas economias, não foi? Se liberte. É assim que ele gostaria
que fosse. Uma vida convencional nunca seria para você.
Especialmente agora. Me escute. – ela tirou sua pulseira, seu
único mistério, e o entregou a mim.
- Sim, mãe.
Menos de uma semana depois disso, em total choque,
entramos no cemitério Maple Hill numa tarde  chuvosa e com
vento forte, e observamos no local uma pirâmide em bronze que
eu havia encomendado para sua lápide. Não havia a data da
morte nem o ano do nascimento, somente o dia do nascimento,
5 de novembro, e a inscrição em francês: Pour Richard (para
Richard).
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CAPÍTULO 2
Toda a preparação para minha viagem havia sido feita
antes da morte de Richard. Neste despertar, meu eu
despedaçado aceitou completamente esta aventura. Era nosso
sonho e eu intentei vivê-lo. Richard havia me deixado suas
economias – dez mil dólares. Tudo o que ele tinha neste mundo.
Seria gasto em sua homenagem. Eu veria por ele e escreveria o
que ele já não podia escrever. Eu esperava cumprir uma
pequena parte de seus suas esperanças e sonhos.
Foi uma longa e triste viagem. Lúgubre. Eu chorei a
maior parte do caminho, vendo embaçada a paisagem através de
minhas lágrimas. Mas quando o trem cruzou o Arizona e eu vi o
deserto novamente, como se pela primeira vez, tive um
sentimento inexplicável, uma premonição de um recomeço.
Sentia como se minha realidade tivesse sido removida por algo
ou por alguém, viajando através de um túnel infindável para um
destino predeterminado.
O sol estava se pondo e viajávamos perto da fronteira,
próximo a Nogales. As cores eram espetaculares. Enquanto
adentrávamos no Arizona, podia ver ocasionalmente mulheres
Papago em torno de pequenas e solitárias casas à distância...
Estava totalmente escuro quando o trem chegou a
Yuma. O ar estava seco e com uma brisa morna. Eu desci minha
bagagem enquanto o motor fazia aquele ruído de chegada ao
destino. Em princípio eu não o vi quando saí do vagão para a
plataforma escura. Ele vestia calças e túnica pretas e na cabeça
uma bandana preta em torno da testa. Algo dentro de mim não
me deixava tirar os olhos dele. Eu ainda tirei minha mochila e
apenas fiquei de pé olhando para ele. Ele era alto, calmo,
silencioso. Em pé no escuro com seus olhos brilhando como um
felino estava o velho índio que eu costumava sonhar quando
criança. Era o Vovô!
Para mim aquele velho índio, John Black Crow (John
Corvo Negro), ou don Juan em espanhol, era o começo e o fim
de todas as coisas. Enquanto eu saía da estação com ele, eu
lembrava e pensava que minha vida nunca mais seria a mesma.
Eu estava certa.
  - Você ficará comigo, - o velho índio disse enquanto se
aproximava de mim. Ele parecia ter estado esperando por
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alguém, e eu me perguntava se ele me estava confundindo com
outra. – O único hotel perto da estação é aquele. – ele apontou
para uma construção caótica à distância, talvez um prédio
construído nos anos trinta. Pela rua iluminada, pude apenas
distinguir a pintura descascada do pórtico no segundo andar.
Estremeci. – é uma armadilha de ratos, - ele continuou. – E está
tarde. Você não conseguirá encontrar um táxi a esta hora. Além
disso, a reserva é muito mais interessante. – ele apontou para o
escuro em outra direção. – Eu sou um homem velho. Eu não
mordo.
Eu estava maravilhada com a rapidez e habilidade
daquele nativo americano tentando me buscar. Ele foi enérgico
quanto a isso. Imperioso. Era como o gesticular desesperado em
meu sonho. Eu senti aquele velho espírito me puxando do
submundo para o qual eu havia caído, e sentia que ele era minha
única esperança para evitar que me aniquilasse completamente.
Num estado de choque cultural, eu concordei com a cabeça.
Meus outros prospectos eram vazios de apelação naquela
pequena cidade desértica à noite. Ele me deu um sorriso de
relance e então se voltou para guiar o caminho.
O vento desértico começava a soprar e uma lua pálida
saía detrás de uma nuvem solitária. As plantas esparsas e
pássaros noturnos pareciam criar vida misteriosamente, fazendo
sons sussurrantes ou lamentos suaves e insistentes. Eu estava
sendo guiada confiantemente pela noite com um homem que
conhecia apenas em meus sonhos.
- Siga-me. – ele disse, enquanto cruzávamos uma ponte
e caminhávamos numa rua de terra, deixando a plataforma da
estação deserta. Don Juan, um índio Yuma, vivia numa casa na
reserva próxima à estação. Ele parecia ter oitenta e cinco anos.
Eu ajustei a bagagem em minhas costas e olhei para minha
frente à luz da lua. Estávamos subindo uma rua que virava em
torno de um vale árido. No topo do vale, à direita da estrada,
havia uma imensa árvore morta...
Nós descemos e nos aproximamos das luzes, em passos
silenciosos. Paramos numa pequena mercearia. don Juan me
perguntou se precisava comprar algo, e então ficou em frente à
caixa registradora conversando com um nativo americano que
era cego de um olho. Eu procurava por algo comestível...
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- Long Silence Emerson, - o homem se apresentou a
mim. Ele sorriu e me olhou com o olho bom e com o olho cego.
Eu paguei e coloquei a comida em minha mochila...
Depois de dizer boa noite, caminhamos outra milha e
viramos por uma rua em declive até que vi um pequeno
estacionamento de trailers e casas iluminadas por poucas luzes
da rua. – Aqui estamos, - don Juan disse enquanto descíamos
uma inclinação em torno de uma pequena casa.
A casa de don Juan estava entre um vale arenoso,
parcialmente protegido da rua, e um dique de irrigação na parte
de trás. Em seguida abriu a porta e entramos. Descobri que não
havia eletricidade. O único cômodo era aceso por uma
lamparina à querosene.
À luz difusa, notei que havia duas beliches de madeira
do lado oposto do quarto. Cada beliche estava ao lado de duas
janelas de madeira. Uma aberta para o vale e a outra para a
água. Don Juan me apontou a beliche frente à água e disse que
aquela era minha. Coloquei minhas coisas nela. O colchão
parecia ser feito de palha. A cama era coberta por um cobertor
de algodão com desenhos de raios em índigo e amarelo. Havia
mais cobertores dobrados sobre o chão. Don Juan acendeu outro
lampião. Eu vi que os desenhos em seu cobertor eram como
estrelas explodindo no centro.
No meio da sala havia uma grande mesa de madeira
com dois bancos. Na parede de trás havia dois tamboretes, um
fogão de duas bocas e dois cestos de madeira. Atrás havia outra
porta em oposição com a da entrada. Na luz difusa percebi que
haviam sacolas que pareciam estar cheias de plantas secas,
penduradas nas vigas.
Don Juan disse para descansar, porque pela manhã
iríamos caminhar pelo deserto. Ele indicou que haviam canos
onde havia água atrás da casa. Tirei meu pijama e minha pasta e
escova de dentes e fui até lá. Não muito longe do dique de
irrigação, onde a lua se refletia na água, havia uma torneira. Ao
lado havia um chuveiro dentro de um pequeno cômodo. Haviam
bancos de madeira fora da casa...
Quando voltei, don Juan estava sentado à mesa dando
risinhos baixos consigo mesmo. Sua risada me fez ficar
desconfortável, mas não obstante, me sentia a salvo e dormi em
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minha cama. Estava exausta. A viagem de trem tinha levado
umas trinta e seis horas, e eu não dormi durante todo este
tempo. O colchão era definitivamente de palha. Don Juan abriu
as janelas e uma brisa noturna suave soprou sobre mim. Quando
ele apagou os lampiões ouvi uma coruja piar à distância.
Enquanto eu caía no sono, ouvi don Juan cantar no escuro.
Naquela noite sonhei pela primeira vez na cultura Maia.
Estou com don Juan caminhando pela floresta.
Espiamos através da folhagem o que parece ser ruínas
ancestrais de Palenque, reconhecidas por mim pelos livros
ilustrados. Nós prosseguimos ao longo do caminho. Eu parecia
ser eu mesma, mas vestida com uma túnica branca e o cabelo
numa longa trança.
Chegamos a uma clareira onde há um homem de
meia-idade inclinado musculoso e bronzeado, que também
veste uma túnica branca. Seu cabelo escuro é curto e ele sorri.
Obviamente, ele nos está esperando. O homem me diz que estou
sonhando e que aquele sonho era como eles haviam me trazido
àquele caminho.
Ele se apresentou em linguagem Maia, (que eu parecia
compreender) como Chuch Kaháu, guardião do tempo, e disse
que don Juan era Uay Kin, the shapeshifter sun (o sol que
muda de forma?). Ele disse que nós três tínhamos um destino a
cumprir. Nós caminhamos juntos.
A flora densa está florescendo e muito fragrante. Em
meio à parreiras, chegamos à um massivo disco de pedra em
forma de calendário abandonado. Chuch Kaháu inclina-se
sobre ele e afasta as parreiras para longe dele. Ele então pega
sementes de tâmaras numa vagem de uma árvore próxima e as
lança no disco gigante. As sementes rolam nos sulcos dos
nichos de hieróglifos esculpidos nele, como mármores numa
roleta. Chuch Kaháu me diz para ler o que as datas indicavam.
De alguma forma eu sabia interpretar os hieróglifos
Maias. Uma data é meu nascimentoe a outra é a última data no
calendário. - Por que o calendário parou aqui? – perguntei,
voltando-me para Chuch Kaháu. Ele sinaliza para eu olhar o
calendário novamente. Seus sulcos começam a sangrar. Logo
há um riacho de sangue à nossos pés. As sementes se
transformam em borboletas, que voam para longe.
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Um estalido se segue e ouço Chuch Kaháu dizer, -
Quando isso acontecer, você saberá. Procure por Kukulkán. –
então, ele acen ou adeus e retrocedeu na folhagem verde. Don
Juan caminha um pouco mais longe na floresta e encontra uma
teia de aranha enorme com um buraco no meio. Ele indica
para segui-lo até a entrada.
Quando alcancei o outro lado, acordei na cama. A
primeira luz estava infiltrando sobre o último momento da noite
do deserto quando o vi da minha janela. Don Juan estava
sentado de pernas cruzadas numa pequena manta sobre sua
cama, tocando fascinantemente uma flauta feita de bambu.
- Que bonito, don Juan, - disse, espreguiçando-me.
Uma brisa fresca soprava pela janela. Ele colocou a flauta na
cama e sorriu para mim. A música parecia ter me acordado de
minha tristeza assim como do meu sono.
– Eu tive o sonho mais extremo. – virei para o lado
para olhá-lo. – Eu sonhei que estava com você e outro nativo
americano caminhando pela floresta. – ele meramente
concordou com a cabeça, me encorajando a contar o resto do
sonho.
- No meu sonho eu era uma nativa americana e
entendia a linguagem Maia do sul do México. Eu vi um
calendário ancestral e era capaz de interpretá-lo. – me apoiei em
meu cotovelo.
  A luz do sol tocou o cabelo branco de don Juan, que
agora caía solto e espesso e alcançava suas mandíbulas. Ele
ainda estava vestido de preto e tinha uma peculiar expressão
pensativa em seu rosto aquilino. Ele esticou uma perna e a
colocou flexionada encima do outro joelho, puxando-a de
encontro ao peito. Ele pausou e comentou sobre o meu sonho
apoiado em sua cama.
- Eu sei algo sobre isso. – ele finalmente falou.
  - O quê?
  - Este sonho. E se eu te disser que não é a única pessoa
a sonhar desta maneira? Eu mesmo os tenho e eles significam
algo. - Eu acredito, uma vez que você estava lá. – eu disse. Ele
sorriu pacientemente e hesitou. – E se eu te disser que conheço
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a outra pessoa naquele sonho? Foi assim que eu a encontrei.
Porque você acredita que veio comigo tão facilmente?
Eu estava boquiaberta. Eu olhava o velho índio com
uma palidez estampada em meu rosto. Eu já tinha ouvido coisas
daquele tipo entre os nativos americanos mas não esperava
encontrar aquilo tão cedo. Ou talvez sim.
- Eu suponho que... – eu comecei cautelosa, medindo
minhas palavras. – considerando as coisas que aconteceram
comigo recentemente, que não tenho nada a perder ouvindo
você, ou ainda tomando conhecimento do que você disse,
parcialmente. Mas eu não sei. Tive alguns choques ruins. Ele
riu e se levantou. – Antigamente as pessoas costumavam
cultivar sonhos especiais.
- O que estes sonhos significam? – eu estava agora
mais que um pouco curiosa.
- Por que não tomamos um desjejum? – ele sugeriu,
mudando completamente o tema.
  - Estou faminta. – fiquei de certa forma aliviada em
parar aquela conversa.
Don Juan tirou um pote de barro de um dos cestos de
madeira, encheu-o dom água e o colocou sobre o fogão para
fazer um chá com de ervas. Em seguida tirou uma das plantas
secas que estavam penduradas nas sacolas. Na outra boca do
fogão ele colocou outro pote com água para corn meal mush.
Do mesmo cesto ele tirou duas cuias de madeira esculpidas
decoradas com roadrunners estilizadas, duas xícaras de café
pretas, algumas colheres, cornmeal, algumas tâmaras, e um
pequeno embrulho feito de pele de cervo.
Ele bateu de leve a palma da mão no banco, me
convidando para sentar. – Coma as tâmaras com a carne. E
então o mush. Ele abriu o plástico que envolvia as tâmaras, e
então a pele que cobria pedaços de carne seca de cervo,
levemente coberto com pimenta em pó.
- Você gosta de carne seca de cervo? – don Juan
perguntou, abrindo as embalagens na mesa.
- Eu adoro, - concordei, embora nunca tivesse provado.
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- Eu mesmo cacei o cervo. – ele disse colocando as
ervas na água.
- O que há no outro cesto? – perguntei. Ele me ignorou,
colocando um pouco do líquido marrom.
– Aqui não há comida o suficiente? – ele finalmente
perguntou levantando as sobrancelhas.
- Oh, caramba. Sim. – eu disse envergonhada.
- Aqueles são meus brinquedos, - ele disse, voltando
seus olhos para o segundo cesto. Eu assumi que significava
itens pessoais e objetos sagrados. Ele disse como uma criança
pequena e franziu os lábios quando disse “brinquedos”.
Eu olhei curiosa para o cesto fechado enquanto ele me
servia uma cuia de mush. Ele percebeu meu olhar e sorriu. –
Coma. – ele disse, batendo suavemente em meus dedos na mesa
enquanto ele se sentava à minha frente.
Mastigávamos nosso desjejum em silêncio. Quando
terminamos ele se levantou. – Me ajude a limpar isto. Troque-
se. Nós vamos caminhar enquanto ainda não está muito quente.
Há muitas coisas para ver no deserto de manhã. Podemos
continuar nossa conversa sobre os sonhos.
Depois de comer, caminhamos ao longo do dique de
irrigação por uma hora e então alcançamos um sertão. Don Juan
me mostrou uma marca ondulada em S trilhada no chão.
– Estes são rastros de cascavéis. – ele disse, apontando
com um pau. Elas vêm até o dique à noite para beber água.
Durante o dia elas ficam sob as rochas. Há muitos tipos
diferentes de vida animal por aqui. Com que animal você diria
que se parece? – ele se sentou numa pedra arredondada
próxima.
Eu me apoiei sobre ela, olhando o rastro à distância. Eu
acredito que entendia o que ele queria dizer. – Eu acho que sou
como um gato. Eu costumava sonhar quando era criança,
correndo na escuridão da noite chegando a um rio baixo. Eu
sempre tinha manchas pretas, antebraços e patas escuros. - Eu
mostrei a ele uma marca de nascença no lado de dentro de meu
antebraço esquerdo. – Quando eu chegava no rio, um
homenzinho engraçado estava lá bebendo água. Eu ficava brava
com aquilo e saltava sobre seu peito, golpeando em cima de
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suas costas. Então, em vez de ir para sua garganta, eu lambia
seu rosto e olhava para ele. Ele gritava, assustado e bobo. Eu
pulava de cima dele e andava lentamente até o rio para beber
água fresca, e ele corria para dentro da floresta gritando à
plenos pulmões.
Don Juan ria alto. – Soa como um jaguar negro para
mim. Eles são daquela área do México que você sonhou à noite
passada. Grandes felinos sempre espreitam sobre olhos d´água à
noite por presas, mas a maioria deles não mata um homem, só
atacam e mutilam. Mas você só o lambia, huh?
- Como você sabe tanto sobre animais, don Juan? – eu
estava fascinada.
- Em minha tradição somos ensinados a sonhar tão
minuciosamente sobre nosso poder animal que podemos nos
tornar ou mudar de forma para aqueles animais, e então receber
sabedoria e visões. A quem se referem como shapeshifter. Do
outro lado da fronteira do México, quem tem essa habilidade é
chamado de nagual. Nossos ajudantes podem ainda vir e nos
dizer o que está acontecendo, coisas boas e ruins que nos
afetam. Se eu fosse você, não diria a ninguém sobre seu poder
animal ainda. O jaguar tem uma medicina poderosa. Você tem
facilidade, talvez eu direi mais a você sobre este tipo de sonho
se você for ficar nesta área por mais um tempo. – don Juan tirou
sua bandana do bolso e a colocou em volta da cabeça na altura
acima das sobrancelhas. Eu comecei a me sentir cansada e um
pouco triste, lembrando do meu dilema.
Nós fomos até outra pedra e sentamos na sombra. Don
Juan parecia estranhamente calmo assim como a pedra. Em
princípio atribuí seu silêncio ao forte calor da manhã, então
percebi minha própria quietude. De repente eu percebi que ele
vinha intervindo na profundidade da minha angústia e aquilo o
tinha silenciado. Senti lágrimas brotando em meus olhos, mas
não pude chorar. Em vez disso comecei a flutuar, suspensa em
profundidade aquosa. Olhei para don Juan e vi uma pacífica
energia brilhante cintilando em torno dele. Conforto. Eu me
fundi com esta energia. Ele compreendia tudo.
Eu fiquei tão calma que pude perceber bolhas entre
momentos de existência, como se minha vida inteira fosse
dissolvida nelas. Comecei a chorar profundamente. A voz de
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don Juan ondulava com tristeza. – Não chore. Entre no silêncio.
– ele disse.
Na manhã seguinte, depois de caminhar por horas no
deserto, voltamos à casa de don Juan. Nos aprontamos para uma
viagem pela cidade. Tomamos banho frio e lavamos o cabelo
com raiz de yucca,  que don Juan preparou rapidamente....
Don Juan ia à minha frente quando cruzamos a ponte
da reserva. A cidade de Yuma era extensa e bastante moderna.
Ele me disse que ali havia bares cowboy, armazéns de comida
saudável, e restaurantes mexicanos. Nos meses de inverno,
muitas pessoas vinham à cidade em massa em trailers em busca
de temperaturas amenas.
Nós paramos num pouco iluminado saloon de bilhar da
década de 30 com ventiladores de teto e pôsteres de Clark
Gable e Greta Garbo nas paredes. Pedimos dois chás gelados no
bar, e então nos sentamos numa mesa de madeira e olhamos os
jogadores de bilhar. Don Juan me disse que nos meses de verão
ele era freqüentador daquele lugar.
- Então, a que parte do México você está indo? – ele
perguntou bebendo seu chá.
- Acho que vou descer e começar por Yucatán,
naquelas ruínas onde sonhei. Então posso planejar minha
viagem de volta. Parece fazer sentido.
- Soa como um bom plano. – don Juan disse. Alguns
oficiais da aeronáutica fora do expediente olhavam para a
jovem com o velho índio. – Não se preocupe com eles. – don
Juan disse baixo. – Eu sou como o índio de madeira na
tabacaria para eles. Quando eles me vêem, apenas fazem piadas.
Se eles perguntarem, diga que é minha neta. – eles não fizeram
nenhuma pergunta.
Ficamos na parte quente do dia naquele local, ouvindo
músicas no jukebox e conversando. Depois que o clima
refrescou, pegamos o ônibus até San Luis Rio Colorado na
fronteira mexicana e comemos até nos encher de burritos de
machaca numa barraca.- San Luis é onde você começará sua
viagem. – don Juan disse. – Quando estiver pronta, eu mesmo
irei levá-la até a fronteira.
16
Quando voltamos a Yuma, no ônibus, passamos por
plantações de tâmaras na reserva Cocopa. Don Juan abriu o
vidro e deixou entrar uma poeirenta, mas fresca brisa entrar,
enquanto olhava o pôr do sol sobre os agora férteis e irrigados
campos do deserto.
Durante minha estada com ele, não perguntei muita
coisa sobre o passado de don Juan. Ele falou muito pouco sobre
isso. De acordo com ele, havia nascido antes da virada do
século e foi ensinado por sua avó, que ainda lembrava de ter
vivido antes da expansão para o oeste. Sua mãe morreu quando
ele tinha onze anos e ele foi deixado como órfão. Ele foi então
levado até a escola elementar da missão militar. Durante a
revolução mexicana em 1910 ele cruzou a fronteira de volta ao
México para lutar pelas terras indígenas. Enquanto isso, don
Juan roubou uma jovem índia para ser sua noiva. Sem que ele
soubesse, ela havia dado à luz recentemente, e o bebê morreu na
sua ausência. Ele solenemente devolveu a mulher para seu
povo. Por causa daquela tragédia, ele nunca se casou
ou teve filhos. Anos depois, don Juan retornou a Arizona.
Sobre meu passado, don Juan quis saber apenas onde
nasci e como era o lugar. Ele ouviu cuidadosamente minha
história sobre Richard Morrison e se convenceu de que Richard
e eu tínhamos um acordo de poder, que havia “me colocado em
seu caminho”, como ele colocou. Senti que don Juan avaliava
nosso contato como mais do que as palavras pudessem
expressar, mas falou poucas palavras. Eu nunca tinha conhecido
um ser mais ferozmente solitário ou forte como ele.
Entretanto ele falou repetidamente sobre meu sonho
estranho que sonhei na primeira noite em sua casa. Don Juan
estava relutante em me dizer seu significado, embora eu sentisse
que ele sabia. Mas durante nossas conversas ele revelou certas
práticas do sonhar ancestrais, e cativou minha curiosidade sobre
seu amplo conhecimento de tais coisas. Por hora eu estava
contente de meramente ser sua amiga. À sugestão de don Juan,
fiquei com ele indefinidamente num dos lugares mais quentes
da Terra. Depois de tudo, eu gostava dele e estava
completamente sozinha.
Don Juan era essencialmente um ser silencioso. Ele
não tossia nem se virava quando dormia. Ele não se movia
aleatoriamente quando acordava ou desperdiçava palavras
quando falava. Nós passávamos muitos dias sem falar uma
17
palavra, apenas estando mais profundamente um com o outro.
Eu o acompanhava em caminhadas pelo deserto ou pela cidade
ou pelos canais de irrigação. Ele não trabalhava no verão, mas
eu sentia que ele fazia trabalhos extraordinários pela região
durante as outras três estações.
Se houvessem tarefas a realizar nós as fazíamos juntos
e ele pacientemente me mostrava como proceder. Eu aprendi a
limpar peixe, encontrar mexilhões, desidratar plantas e frutas,
rastelar areia, e a tocar flauta, entre outras coisas incidentais. De
alguma forma, ele adquiriu uma pequena lousa e giz e então eu
podia ajudar as crianças Yuma com seu inglês. Ocasionalmente,
ele se deitava sob uma árvore cantarolando suavemente, e várias
crianças se reuniam à borda do anel formado pelo som da sua
voz. Quando ele terminava, se levantava sacudia a poeira de si
mesmo e caminhava para longe. Elas então corriam para mim e
me pediam para escrever alguma palavra na lousa.
Don Juan e eu sempre nos sentávamos próximos um do
outro por horas, apoiados sobre alguma pedra lisa e olhando à
distância para as grandes formações de arenito à nossa frente.
Olhávamos para o rio até sermos fundidos para longe, ou
olhávamos as garças voando até a terra e procurando por
comida. Sempre deitávamos sob uma árvore e olhávamos para
as nuvens enquanto ele cantava, ou seguíamos o vôo de bandos
de corvos com nossa consciência. Aos poucos, nos tornávamos
arenito, rio, garças, nuvens, corvos.
Os nativos na reserva começaram a sussurrar entre eles
sobre poder do sonhar. Eles notaram o que don Juan estava
fazendo comigo. Quando eu estava em “completo silêncio” e o
mundo estava “quieto”, don Juan me mostrava movimentos
circulares com as mãos e os braços que serviam para “puxar e
circular” energia. Os movimentos me lembravam conjurações
sobre um caldeirão fervendo.
Em seguida fui instruída em Sonhar, em ambos estados
dormindo e acordada, com um espiral circular à minha frente,
puxando e movimentando o ar e a água, as nuvens, a energia, e
a terra em si mesma através dele. Praticávamos na formação de
pilares de arenito no horizonte. Don Juan dizia que eu podia
puxá-los através do espiral e intentar manifestá-los em algum
lugar. Eu não sei se foi o silêncio absoluto, o poder da sua
presença ou mesmo meu sonho, mas suas palavras faziam
perfeito sentido para mim.
18
Ele me disse que podia puxar energia através de um
túnel escuro até ele. O que ele estava explicando, ele disse, era
muito visionário e podia ser percebido apenas com o olho entre
as sobrancelhas. Eu então me lembrei da sensação de túnel
escuro que experimentei no trem para Yuma. Aquilo me
lembrou de uma reportagem sobre experiências próximas da
morte, de uma luz no fim de um túnel. Qualquer pergunta sobre
seus métodos eram banidas para sempre, ante a confirmação de
seu poder. Com o tempo, comecei a perceber uma
incandescente corda prateada de energia saindo do meu umbigo.
O que quer que eu estivesse “puxando”, explodiria em
manifestação física em algum lugar e então crescia, circulava e
evoluía.
Eu às vezes ponderava sobre que tipo de ser trilhava
aquele caminho. Uma noite, minha curiosidade me dominou.
Estávamos deitados em nossas camas com as janelas abertas. A
lua brilhava através das janelas e o iluminava. Eu me levantei e
furtivamente caminhei até ele. Ele estava deitado de costas,
quieto como uma pedra e silencioso. Eu me deitei ao seu lado e
pude sentir a dureza muscular em seu corpo. De repente vi uma
luz dourada/prateada sob suas pálpebras fechadas; esferas
começaram a rolar em minha direção. Eu me aproximei ainda
mais.
A sensação era como estar diante de um candelabro
romano. Energia dourada se movia vinda dele, expandia, e me
envolvia como um cobertor. Eu me fundi nela e me tornei um
lago de energia dourada ondulante, pulsando com a consciência
de meu próprio ser. Estivemos entrelaçados nessa energia até
que amanheceu e abrimos os olhos, eu primeiro e ele um
segundo depois.
Aquele era don Juan. Nossa dança era  elegante,
íntima, exótica e extremamente silenciosa. Nos absorvemos um
ao outro.  Nos fundimos um ao outro. Nunca em minha vida
tinha sentido tão profunda e poderosa união com outro ser.
Definir nossa união em termos de amor pessoal seria comparar
um bulbo de luz radiante com o sol... Assim como ele havia
prometido, um dia don Juan me levou até a fronteira em San
Luis Rio Colorado. – Vá. Faça. Seja. Busque. Volte quando o
espírito te mover para isso, - ele disse. – Você me encontrará
aqui.
19
Era uma tarde clara e bonita. Eu desejei ficar com ele
ainda mais. Estava cativada por ele e absorvida em quanto o
amava e confiava nele. Então uma estranha curiosidade brotou
em mim, como se nascesse das cinzas, olhei para a ponte do Rio
Colorado até o México. Ele ficou ao lado da ponte quando eu a
atravessei.
20
CAPÍTULO 3
Caminhando  pelo velho México quando era jovem,
recentemente viúva, senti como uma oferenda sacrificial. Um
homem rude de chapéu de palha estava pronto para lançar suas
reclamações para as mulheres em pé numa esquina de uma rua
de terra do outro lado do cruzamento, num edifício ocupado
ilegalmente. Algumas olharam maliciosas para mim, me
chamando. Eu perguntei sobre as direções e fiz meu caminho
me aproximando da estação de trem. O trem diário estava
pronto para partir.
Nenhuma experiência tinha me preparado para uma
viagem na segunda classe de um trem mexicano... Sentei num
assento e descobri que a janela estava quebrada – e isso faria
com que esfriasse durante a noite no deserto. Os bons assentos
com janelas intactas já estavam ocupados por mulheres
modestas mexicanas e suas crianças ou por homens
abrutalhados em chapéus de palha e botas. Na verdade a palavra
“assento” era um eufemismo. Eram meramente bancos de
madeira com encosto.
Eu tinha ouvido que este trem de segunda classe
demorava o dobro de tempo para chegar à Cidade do México do
que o trem de primeira classe, porque parava em todos os
pequenos  vilarejos pelo caminho. Não era comum pedir
reembolso; a viagem inteira de trinta horas custava apenas dez
dólares. Enquanto eu olhava em volta sem companhia, notei que
a maioria das pessoas levava provisão para viagem. Quase todos
tinham papel higiênico, cobertores, comida e bandanas úmidas
para refrescar o rosto.
A mais primitiva natureza mexicana parecia sintonizar-
se com meu estado interior, ainda que em total choque cultural
fosse totalmente entorpecido. O trem partiu e trilhava sobre o
deserto mexicano por uma hora e parava a cada meia hora para
descanso. Pelo menos a brisa era agradável.
A cada vez que o trem chegava numa estação,
vendedores de todas as idades, gritavam “tamales calientes!”,
“Churros!”, “Cerveza fria!” Algumas das comidas pareciam
realmente boas... comprei tamales de frango...
21
Usando o lavatório, se é que aquilo fosse um lavatório,
foi uma experiência e tanto. Aqueles toaletes eram basicamente
extremamente mal-cheirosos lavabos sem água...
Quando a noite se aproximava, as mercadorias dos
vendedores mudavam. Eles vendiam cobertores e café forte
com açúcar. As montanhas eram visíveis a leste, mas ainda
viajávamos pelo deserto. Comprei um cobertor por dez dólares,
mas foi impossível dormir...
Durante a noite os passageiros eram diferentes das
pessoas do norte e tinham aparência mais sulista. As botas
foram substituídas por sandálias artesanais chamadas huaraches.
Os tamales vinham cobertos em folhas de bananeira e recheados
de vegetais. Eu me fartei desses novos tamales.
Quando o sol nasceu, entramos numa luxuriante
paisagem tropical numa área montanhosa. A folhagem se
estendia até as janelas do trem. Havia neblina no ar da manhã.
Era em Tepic no estado de Nayarit, a meio caminho da Cidade
do México. As pessoas eram mais simples e amistosas do que as
do norte. As mulheres eram robustas e vestiam xales coloridos
chamados rebozos... Seus braços eram bronzeados e fortes. No
norte a cor dos rebozos era cinza...
Uma mulher sentada à minha frente me disse que o
trem iria voltar e seguir a leste até que alcançássemos
Guadalajara, e então continuaria naquela direção até a capital do
México. Eu me perguntava se seria fácil fazer uma conexão
com a cidade de Palenque, quanto tempo levaria e se havia trem
de primeira classe com assentos acolchoados e janelas de vidro.
Tarde da noite o trem chegou na moderna estação de
Distrito Federal, como os mexicanos chamavam sua capital.
Levou mais uma hora e meia para viajar numa modesta
velocidade sobre os trilhos urbanos para as plataformas. Eu tive
a impressão de que a Cidade do México era  quase infinita,
sofisticada, e ainda totalmente barbárica.  – um formigueiro
Azteca de tal proporção colossal que eu não pude conceber
além da Coatlicue, uma deusa criadora/destruidora que havia
dado à luz àquilo.
A capital ancestral Azteca na Cidade do México foi
depois construída pelos conquistadores e era chamada
originalmente Tenochtitlán, e foi fundada no lugar de uma
22
aparição profética. Os Aztecas diziam que a sua capital foi
estabelecida onde eles viram uma águia devorando uma
serpente num cacto no meio do lago, e eles tinham obsessão
com a morte. A cidade do México insistia na presença de seus
guerreiros.
O grande salão da estação da capital era repleta de
atividade. Havia ali grandes guias de trens que levavam a todos
os lugares. No destino ao sul, descobri que o trem para
Palenque partiria à meia noite... Eles me informaram que o trem
inteiro era de primeira classe...
Eu notei um homem que era extremamente chamativo.
Ele tinha estatura mediana, bronzeado e delgado, mas
musculoso. Ele vestia uma túnica, calças e sandálias, mas sua
túnica era turquesa, não branca. Seu chapéu de palha me
lembrava me lembrava aqueles usados por camponeses de arroz
no Vietnam, com um pequeno tassel de crina de cavalo
balançando atrás dele. Ele carregava sacolas de pano com
plantas secas e arrumava algo dentro delas. Ele aparentemente
me viu olhando para ele pela visão periférica.
De repente se voltou extravagantemente olhando para
mim, tirou seu chapéu num floreio e colocou-o a seu lado. Seu
cabelo era preto azulado e alcançava suas mandíbulas... seu
sorriso era largo, branco e amplo, quase de orelha a orelha. Suas
orelhas eram furadas e nos furos estavam colocados com
pequenos brincos de jade. Ele ainda tinha um colar de jade em
volta do pescoço.
Eu esfreguei meus olhos, incrédula. Aquele homem se
parecia muito com o Maya em meu sonho na selva com don
Juan! Eu deixei cair minha bagagem, mortificada, e apenas
olhei para ele boquiaberta. Comecei a suar pelas mãos e meu
estômago virou. Eu imaginava que tinha de estar
completamente exausta e imaginando a similaridade. De
repente, senti água em minha bexiga e corri para o banheiro. Ele
apenas ficou parado me olhando e sorrindo, enquanto eu
desaparecia na esquina da plataforma.
Quando voltei e olhei em volta o homem ainda estava
lá arrumando suas sacolas...Ele sorriu sob a aba de seu chapéu e
se endireitou e caminhou na minha direção. Eu me encolhi e
fiquei quieta, praticamente paralisada. Ele parou e ajeitou o
cabelo, escutando o anúncio da partida do trem.
23
Alguns jovens vestidos de túnicas e calças brancas se
aproximaram dele, falando uma linguagem que não era
espanhola, que tinha muitos “clicks”. Eles pareciam tratá-lo
com deferência. O grupo de jovens tinha cabelos curtos e
narizes afinados. Eu podia jurar ter ouvido eles dizerem
“Chuch”, o nome Maya do meu sonho. Eles pegaram as sacolas
e entraram no vagão do trem.
A partida do trem foi anunciada novamente e me
apressei até o Pullman Car, que era atrás do vagão onde o
homem e seus companheiros haviam embarcado. Quando o
trem partiu, vesti meu pijama e subi para dormir em meu
camarote. Eu estava tão mareada pelos eventos do dia, e depois
que deixamos a Cidade do México, que ao alcançar as colinas à
noite no compartimento e o movimento rítmico o trem me deu
sono.
De manhã meu compartimento estava quente e
abafado. Estiquei minha cabeça no corredor, e o condutor que
passava me informou que faltavam duas horas até Palenque. A
área era densamente vegetada, onde irrompiam cidades. Tendo
dormido cerca de metade do caminho, eu estava faminta, então
rapidamente tomei banho, me vesti e fui até o outro vagão
esperar os vendedores.
A primeira classe tinha assentos estofados em vinil e
janelas de vidro. Havia provisões visíveis em limpeza. Ele não
parava sempre como o da segunda classe, e então tive que
esperar um pouco até chegarmos à próxima cidade grande. Eu
olhei pelo corredor procurando por um assento. À minha direita,
no meio do vagão, passei pelo homem da estação e seus
companheiros, que ocupavam dois assentos. Eles estavam
mastigando pistaches. O homem sorriu para mim enquanto eu
passava. Parecia que o único assento disponível era
defronte ao dele. Quando eu voltei, ele deu uma palmada de
leve simpaticamente no assento com uma mão.
- Você está com fome, garota? – ele disse em espanhol
e eu me sentei.
- Estou esperando por tamales! – disse, falando por
meu estômago.
24
Ele e seus três companheiros romperam numa risada. –
Talves eles tenham tamales de yucca com amêndoas. Você quer
experimentar? São meus favoritos.
Do assento de trás dele um de seus companheiros
disse: - Eu gosto de tamales de abacaxi com uva passa. – Todos
eles sorriam.
– Esses são meus sobrinhos: Eligio, Tiófilo e Ignácio, -
disse o homem mais velho. – Meu apelido é Chon. Eles são da
área de Palenque, mas eu venho da área próxima a Tayasal ou,
como é chamada agora, Flores, Guatemala, que é perto das
ruínas de Tikal. Você conhece essas ruínas?
- Elas são uma das razões porque vim ao México.
- É mesmo? – Chon perguntou fingindo estar surpreso.
- Sim. Eu quero ver o que tinham sido. Eu não estou
muito interessada no que são agora.
- Esta é a melhor razão para vir. Sim, as coisas
mudaram, mas os templos ainda são preciosas maravilhas! –
Chon disse com forte emoção. Eu instintivamente gostei
daquele homem.
O trem parou na cidade úmida e de encosta chamada
San Andrés Tuxtla, no estado de Veracruz. Os esperados
vendedores de tamales embarcaram no trem. – Eles têm tamales
de yucca! – Eligio exclamou. Ele comprou o suficiente para
todos nós, e eu o agradeci profusamente.
- É uma boa coisa conhecermos algo antes de escolher,
- Chon comentou. – Essa área está cheia de feiticeiros, e quem
sabe o que eles colocam na comida.
Deixei aquele comentário em silêncio, mastigando meu
tamale enquanto o trem sacudia na colina dos pueblos
chamados Tuxtlas. O grupo ficou quieto por poucos minutos
enquanto comiam e entam relaxaram, olhando para fora das
janelas para a densa e verde vegetação.
- Essa área é muito úmida, - Chon começou, dando um
tapinha em meu ombro. – Há uma grande mistura de muitos
mosquitos para você.
- Os mosquitos não gostam muito de mim. – eu voltei
ao meu assento em frente a ele novamente.
25
- Oh, esses vão gostar! – ele riu.  – Você tem uma rede
e um mosquiteiro?
- Não, eu planejava ficar num hotel.
- Você não vai gostar deles. – Eligio disse do seu
banco – Não têm ar fresco.
- O quê? – don Juan abriu os olhos e olhou para mim –
Você ficará muito longe das ruínas. O estado de Palenque é sete
milhas mais longe, e você poderá apenas visitar os lugares
durante as horas governamentais. As melhores horas de visitar
são bem cedo pela manhã e no pôr do sol, quando não há gente.
É assim que os Mayas da região fazem.
- Mas eu não conheço ninguém próximo de lá onde
pudesse me hospedar. – disse quando ele parecia querer me
guiar, e como mulher sozinha estava sendo cautelosa.
- Há campings por lá, mas eles ainda são meio longe.
Minha irmã, Esmeralda, a mãe destes três, - Chon apontou para
seus sobrinhos – tem um lugar a uma milha ao norte das ruínas.
Ela tem um pequeno restaurante na estrada. É para lá que
estamos indo. Você poderá ficar lá por um tempo, mas estes
rapazes irão para suas próprias casas. Você é bem-vinda se ficar
conosco.
- Oh, eu não poderia, eu acho... – balbuciei olhando
para longe.
- Claro que pode! Você não sabe muito sobre nós. É
por isso que se sente desconfortável. Eu entendo, mas estranhos
sempre ficam. – Chon argüiu.
- Tio Chon é um curandeiro, - Ignácio proclamou. –
Pessoas de toda área Maya vêm para suas curas e muitos deles
ficam por dias. Minha mãe ainda hospeda arqueólogos da
universidade. Ela costuma fazer isso, acredite em mim. Quando
ele a visita, Tio Chon tem uma cabana que usa para seus
pacientes, e se estiver vaga você poderá ficar lá e ter
privacidade.
Chon parecia um pouco tímido pelo discurso do
sobrinho. Ele se voltou pra mim quando Ignácio finalizou - Nós
temos redes e mosquiteiros. Você poderá pagar à minha irmã
por comida. Ela é uma ótima cozinheira. Há uma cachoeira a
uma milha da cabana que é ótima para banho. E nós podemos
26
explorar as ruínas à tarde quando meus pacientes forem
embora.  Eu sou um ótimo guia e não cobrarei muito.
Sua oferta parecia genuína, e aparentemente eram
gentis e confiáveis. Seus sobrinhos eram muito bem-educados.
Uma boa família. Eu tinha ouvido que no México “mi casa es
su casa” era a filosofia e era considerado rude recusar um
convite sincero. Eu sentia um pouco de insegurança, mas
cautelosamente aceitei sua oferta. Seus sobrinhos
comemoraram. Eles disseram que seu tio era muito ocupado
durante o dia e que eu poderia explorar as ruínas com eles
também.
- Quando as pessoas na região ouvirem que tio Chon
está la, começarão a fazer fila. – Tiófilo disse, sentando-se ao
meu lado.
- Eu fui visitar um amigo que mora  do outro lado de
Toluca no estado do México, - Chon explicou – Foi assim que
vim à estação do trem. Meu amigo é herbalista. Ele colhe
plantas medicinais específicas daquela área. Ele sempre me
presenteia com muitas delas quando o visito. Elas estão na
sacola que estou carregando. – Chon sorriu.
Passaram cerca de oito horas antes de chegarmos a
Palenque. Os sobrinhos de Chon tiraram seus chapéus da
bagagem e colocaram na cabeça. Eu fui até meu compartimento
fazer o mesmo. Quando eram sete da tarde, o condutor anunciou
nossa chegada. Eu estava comendo outra rodada de tamales.
Terminei rapidamente, peguei minha bagagem e fui até o outro
vagão para sair com Chon e seus sobrinhos.
Tinha muita umidade na plataforma. O pôr do sol
filtrado pela densa floresta tinha uma tonalidade verde. Uma
mulher atraente de meia idade robusta com tranças meio
grisalhas até seus quadris fortes acenou para nós e se
aproximou. Seu sorriso era muito atraente. Ela não era nem
muito branca nem muito morena, mas uma mistura luminosa...
- E então, Chon? – ela disse em espanhol, beijando-o
no rosto. Ela se voltou para mim. – Ela está com você?
- Sim, Esmeralda. Merilyn, esta é minha irmã. – os
dois não pareciam ser irmãos. De fato, eram tão diferentes que
devia haver alguma piada na família.
27
- Ela ficará na cabana? – perguntou Esmeralda.
- Sim. – disse Chon.
- Bem, você é bem-vinda, - Esmeralda disse para mim,
concordando com a cabeça. – Chon, há uma mulher com um
bebê esperando por você. Eu acho que ele pode ter “susto”. –
ela adicionou... no ponto de ônibus, conversamos polidamente.
- Quando  chegarmos, farei algo maravilhoso para
comermos.  – Esmeralda disse efusivamente, como se cozinhar
fosse um ato mágico de amor. Seu peito parecia palpitar e ela
colocou suas mãos sobre ele. Ela era muito bonita e graciosa, e
eu senti que tinha feito uma boa escolha.
A caminho da cidade passamos por uma grande
escultura pública.  Era o busto do mais famoso governante de
Palenque, Pacál Votán, que construiu o Templo das Inscrições,
similar às pirâmides egípcias, onde foram depositados seus
restos mortais. Ele tinha um adorno coberto de plumas na
cabeça e as linhas da escultura branca eram exóticas, um
clássico Maya, dando uma impressão suave, fluida, como a
figura de Zuñiga.
O restaurante de Esmeralda chamava-se Antojitos
Mayas. Era uma cabana de três lados de sapé, com bancos de
pedra e pequenas mesas de madeira. O menu diário era escrito
numa lousa e consistia em valores Mexicano e Maya. O preço
médio da comida era três dólares, e como eu fazia minhas
refeições lá, pagava para ela. Chon estava certo, ela era uma
cozinheira soberba... foi um verdadeiro banquete.
Todas as cabanas Mayas tinham o mesmo formato,
embora os lados variassem muito. “Yotoch”, era como eram
chamadas...
O lugar consistia numa grande cabana familiar na parte
de trás, uma cabana pequena para visitantes do lado, uma
cabana para cozinhar, e à uma curta distância o restaurante...
Tudo era naturalmente bonito e local com uma estranha e
onírica paz.
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CAPÍTULO 4
Minha primeira noite dormindo numa rede na floresta
foi uma experiência incrível. A sensação de estar suspensa era
muito agradável. A brisa soprava através das portas abertas,
balançando levemente a rede. Os estranhos barulhos da floresta
me cativaram. Alguns eram bonitos, incluindo o canto de um
pássaro... alguns eram ainda evocativos, atraindo imagens
fantasmas  espreitando no escuro. Havia macacos com gritos
penetrantes ecoando em toda parte. A cacofonia de notas parava
momentos depois de ter começado, como se toda a floresta
alertasse sobre predadores. Eu estava completamente encantada
em minha primeira noite no Éden.
De manhã sentia-me refrescada depois que me vesti e
saí da cabana. Encontrei Esmeralda alimentando frangos antes
de abrir o restaurante para o desjejum...
- Bom dia! – esmeralda cantou pra mim enquanto os
frangos ciscavam a seus pés.
- Bom dia! – respondi.
- Você terá seu desjejum daqui a instantes. Há um
banheiro onde poderá se lavar. Eu passo o dia todo com as
pessoas no restaurante. Você é bem-vinda a ir até lá e conversar
comigo, mas acredito que Chon gostaria que você assistisse seu
trabalho de cura hoje. Veja como trabalhamos nesta parte do
mundo. Não se preocupe, você se acostumará com o ritmo
daqui. Eu tenho certeza de que é mais lento do que está
acostumada.  – Esmeralda sorriu e apontou na direção de Chon. 
– Você pode ir assisti-lo antes de comer. Ele está se preparando.
Eu voltei para olhar Chon, que estava levando uma
mesinha e duas cadeiras para baixo de uma árvore. Eu me
perguntava se era uma espécie de tabuleiro, pois tinha vinte
quadrados pretos e vermelhos. Chon sentou-se em uma das
cadeiras.
Um homem grande e forte se aproximou dele –
Saudações, Chuch! – o homem falou. Chon se levantou e eles
deram um aperto de mão. O homem se sentou à frente dele. Eu
me aproximei  e sentei sob uma árvore próxima para assistir.
Chon esvaziou uma sacola com cristais, corais e três sementes
numa pilha no tabuleiro. – O que você quer saber? – perguntou.
29
- Minha vida não está indo muito bem aqui, estou em
dúvida se posso me mudar com minha mulher para Piste, onde
está sua família e abandonar esta área. Ou se poderia deixá-la
aqui e arrumar um emprego de guia da floresta para as ruínas de
Bonampak, que meu amigo ofereceu? Isso significaria que eu
ficaria fora a maioria do tempo, mas poderia levar dinheiro para
casa.
Chon começou a agrupar os cristais e sementes num
pequeno arranjo dentro dos quadrados. Enquanto fazia uma
pequena pilha ele murmurou umas poucas palavras, como se
tivesse contando ou rezando.  Parecia ser algum tipo de oráculo
matemático. Quando terminou Chon olhou para o homem.  – 
Você pode fazer as duas coisas. Pegue sua mulher e filhos e
deixe-os com a mãe dela em Piste. Eles podem viver mais
felizes com menos, e sua mulher poderá cuidar da mãe, que em
breve precisará dela. Você pode então trabalhar como guia até
que alguma oportunidade apareça próximo de Piste.
O homem estava eufórico e agradeceu a Chon
profusamente, sacudindo sua mão cordialmente por muito
tempo. Depois que o homem se foi, Chon varreu as sementes e
cristais no lugar original e fez sinal para eu acompanhá-lo até a
cabana da cozinha. – Vamos comer antes que muita gente
chegue. – ele me chamou.
Esmeralda fez suco de abacaxi, papaya, ovos mexidos
com chilies e tortillas para o desjejum. Enquanto comíamos, a
testa de Chon começava a transpirar a cada porção de chili. –
Chilies são ótimos para os dentes. – ele disse.
- O que era aquele negócio com as sementes? –
perguntei enquanto Esmeralda trazia mais tortillas.
- Chon é um Chuch Kaháu, - Esmeralda respondeu –
que significa Chefe da Linhagem, ou Guardião da Conta
Sagrada, em sua linguagem. Em Tikal, perto de onde nós
viemos, são feitos cálculos divinatórios em tempos ancestrais.
Enquanto está num estado de sonho e fazendo o cálculo, Chon é
capaz de responder questões sobre o futuro. – Ela olhou para
Chon com orgulho e sorriu.  – Ele nunca erra. Ele vê o interior
das pessoas, seus motivos, sua energia, seus designs. Você
testemunhará isso hoje.
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Ouvi respeitosamente enquanto comia meu papaya.
Chon e Esmeralda se entreolharam. Naquele momento Eligio,
Tiófilo e Ignácio apareceram e se sentaram à mesa, saudando a
mãe primeiro, depois o tio e depois a mim, de uma forma
exagerada, como se partilhassem de alguma piada secreta. –
Então, o que você achou daqui? É bonito, não? – Tiófilo
perguntou.
- Sim! – falei exageradamente. Todos riram.
- Viemos dizer olá antes de sairmos para o trabalho. –
Eligio adicionou.
- O que vocês fazem? – perguntei comendo uma
tortilla.
- Somos guias das ruínas, mas também trabalhamos em
nossos campos e esporadicamente fazemos escavações para os
arqueólogos. – Ignácio falou.
- Vocês já comeram? – a mãe perguntou.
- Já, obrigado mãe, - todos disseram da mesma maneira
exagerada. Entretanto os três aceitaram uma xícara de café. Eu
reconheci o costume de permitir apenas a alguém que você
visita fazer para você, não importa se você queira ou não.
- Bem, - Eligio disse depois que terminaram o café. –
estamos indo. As ruínas abrirão cedo. Eu sei que meu tio irá
levá-la, mas se precisar de algo de nós durante sua estada, será
um prazer. Estaremos todos a seu serviço. – ele disse
galantemente. Com aquele pronunciamento, beijaram a mãe
apertaram minha mão e pegaram algumas tortillas quando
saíram.
Algumas mulheres Maya apareceram para trabalhar no
restaurante. Elas vestiam bonitas saias coloridas... Chon e eu
permanecemos sentados à mesa. Eu me senti estranhamente
auto-consciente, como se um sentimento certeiro brotasse
dentro de mim. Eu abaixei minha cabeça olhando a comida. Eu
tinha certeza que estava ruborizada.
Quando levantei meu rosto, Chon estava sorrindo.
- “Chuch Kaháu”? – eu perguntei.
31
- Sim, - desta vez ele se virou para o lado e disse
suavemente – Você não sabia? – perguntou ingenuamente,
deixando escapar um sorriso.
- Talvez sim. – murmurei nervosamente me servindo
de outra tortilla.
- Nós já nos conhecíamos, - Chon disse se levantando.
– Você é uma garota valente, Merilyn. Quando você terminar,
venha até a cabana de cura. Eu terei pacientes até então. Ele se
virou e seguiu em direção às duas cabanas vizinhas.
Assistir Chon trabalhando aquele dia foi inacreditável.
A cabana estava repleta da fumaça densa e fragrante de copal.
Ele desembrulhou e começou a usar as plantas medicinais. Os
pacientes entravam, sentavam à sua frente, e enumeravam seus
males. Chon sentava e olhava profundamente para eles através
da fumaça até que “Visse a energia”. Ele recomendava as curas
em miríades de formas. Alguns pacientes deitavam numa mesa
de madeira coberta com uma espessa esteira de palha. Então
eram massageados com ungüentos aromáticos enquanto Chon
recitava encantamentos. Outros partiam com ervas e instruções
de como prepará-las e administrá-las, enquanto outros eram
instruídos a tomarem banhos terapêuticos e/ou fazerem
dietas especiais. Havia pessoas que levavam itens para serem
benzidos ou pediam a Chon que fizesse amuletos que pudessem
levar. Eu também vi Chon dar itens às pessoas para enterrar,
colocar cones de papel acesos por dentro nos ouvidos dos
pacientes, dar banhos de fumaça em outros, e espirrar licor de
milho em torno do corpo de outros.
Outra parte de Chon, quase como um ser hipnótico,
assumia o comando e aparecia através da fumaça para tocar ou
acordar lugares no campo energético dos pacientes, que podia
ser visto claramente através dos vapores do copal como uma
nuvem luminosa que os circundava. Quando isso acontecia, a
respiração de Chon mudava e ficava muito audível, como o ar
sendo bombeado num pneu de bicicleta. Era como se outro
corpo fora dele curasse os pacientes. O efeito total deste
fenômeno era extremamente gracioso, exótico, e completamente
mesmerizante.
Chon parecia ter um efeito forte sobre os bebês, e
muitas mães vinham com seus filhos, que tinham parado de
mamar ou choravam muito ou não conseguiam dormir. Ele dava
32
uma palmada em suas barrigas, mas eles nunca choravam, ou
melhor, sorriam de volta para ele. Ele então massageava seus
pequenos corpos e esfregava suas palmas das mãos enquanto
entoava preces Mayas sobre eles. Os bebês sempre pareciam se
animar em júbilo depois disso, e as mães partiam extasiadas,
felizes e agradecidas.
O pagamento era variado. Havia uma cesta cilíndrica
do lado de fora da cabana  onde as pessoas depositavam
dinheiro, ou o que tivessem; frutas, vegetais, velas, incenso,
frangos, o que quer que pudessem trazer.  Os detalhes da cura
eram variados. Algumas mães retornavam com seus bebês para
algumas visitas antes que tivessem completamente saudáveis ou
recuperados.
Havia uma mulher que não conseguia andar. Seus
filhos levaram-na até Chon à tarde para ser curada e foi preciso
que ela ficasse mais tempo. Ela acabou compartilhando a
cabana de cura comigo por nove dias. Depois de receber
massagens e instruções foi capaz de andar debilmente no
terceiro dia, apoiada no ombro de sua filha. No sétimo dia ela
pôde suportar o próprio corpo com uma bengala, e no nono dia,
ela cambaleava sozinha sem nenhuma ajuda.
Era verdade o que seus sobrinhos disseram sobre as
pessoas fazerem fila para se curar. À tarde, todos os dias, havia
uma fila que se estendia até o restaurante. Quando esmeralda
tinha poucos clientes, cedia algumas cadeiras de metal do
restaurante para as pessoas se sentarem. Ela ainda oferecia água
fresca.
Com toda aquela atividade o Antojitos Mayas fazia
muito bons negócios. Era popular entre os turistas que
procuravam lugares realmente locais e pessoas locais. O
restaurante abria das oito da manhã até as dez da noite...
Depois do almoço Chon alongava seus braços, sem
dúvida cansados pela manhã extenuante. Ele trocava sua túnica
azul clara por um par de roupas brancas recém passadas. Então
colocava seus brincos (earplugs) de jade. Ele tinha um furo que
era do tamanho de um canudo em cada orelha.
- Onde você os conseguiu? Parecem antigos. – eu
disse, me referindo aos brincos.
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- Oh, um amigo os encontrou e me deu em pagamento
por uma cura. Tive que furar minha orelha para usá-los. –
respondeu casualmente. Ele se voltou para mim com um tom
mais sério e disse – Merilyn, estou pensando em parar mais
cedo hoje para ter o resto da tarde para explorarmos as ruínas.
- Isso soa ótimo, se você tiver tempo, - eu disse
ansiosamente. – Quanto você cobra como guia?
Chon estremeceu e me olhou de volta com grande
paciência. – Este não é um acordo financeiro. Eu pensei que
você entenderia. Você pode me convidar e fazer coisas por mim
quando quiser e vice versa. Aqui, - ele disse e gentilmente me
deu uma pequena pedra verde escura, - é um jade. Alguém a
colocou no cesto de pagamento.
Chon se levantou e foi atender seu último paciente
daquele dia. Eu sentei e observei ele se afastando, ponderando
sobre sua extraordinária oferta. Me dar aquele jade foi um gesto
soberbo. Eu poderia pagar por apenas ser levada até as ruínas,
mas também por vislumbrar suas práticas de cura, uma linha de
estudo que agora me interessava imensamente. Tudo foi me
dado incondicionalmente. Eu me perguntava que fato estranho
tinha nos colocado juntos.
Já quase no final da tarde, Chon colocou um chapéu e
pegou seu machado, dizendo que era tempo de sairmos para as
ruínas. Entramos na floresta atrás das cabanas.
- Se seguirmos o riacho descendo, chegaremos atrás do
Templo das Inscrições, - Chon disse, se aproximando da água. –
Se formos na outra direção, chegaremos na cachoeira. Esta é a
água que os ancestrais Mayas desviavam para seus sistemas
hidráulicos subterrâneos.
Descemos pelas pedras verde escuras em direção às
ruínas. A água fluía ao nosso lado fria e borbulhante... Comecei
a ver  uma clareira, e então... a parte detrás de uma pirâmide
monumental de limestone.
Eu me senti estranha. – Chon, espere. – meus joelhos
bambearam. Minha perna inteira amoleceu a despeito da minha
ótima condição física. Eu praticamente entrei em colapso em
posição sentada e instintivamente estiquei meus pés, com
sandálias e tudo, dentro do riacho. Fiquei olhando fixamente
para a água.
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Chon se voltou furtivo para mim e sussurrou – Não vá
dormir aqui, é tempo de estar acordada. – um grilo começou a
cantar alto. Chon deu um tapa suave em meu ombro e sorriu
preocupado, tirando seu chapéu. Ele então colheu algumas
sementes de tamarindos da vagem de uma árvore nativa e
entregou-as a mim.
- Oh, meu Deus! – eu gritei. – Este é o sonho! – peguei
as sementes e olhei para Chon. Meus olhos começaram a
lacrimejar. Agora, pela primeira vez fui capaz de Vê-lo. Seu
rosto, que era de meia-idade, tinha aparência ancestral de
experiência atemporal. Ele tinha a pele morena e firme,  as
maças do rosto salientes. Seu longo e fino nariz não era típico
como visto em muitos rostos Maya e, por um momento, eu o vi
em pé diante de mim numa túnica tradicional branca
secular... Ele era o homem que tinha sonhado na primeira noite
na casa de Don Juan! Meu corpo estava amortecido com o
choque.
- Está tudo bem. Vamos,  - ele disse suavemente e me
estendeu a mão.
Hesitei por um momento, incerta sobre minha
disposição ou habilidade de prosseguir, mas algo mudou dentro
de mim e segurei sua mão. Levantei lentamente, como se
deixasse o peso do meu corpo na beira do riacho. Caminhamos
de mãos dadas até que alcançamos o local da grande sombra do
imenso templo.
Uma luz deslumbrante luz radiava dos edifícios. Eles
crepitavam com energia espiralada, como caudas de serpentes.
A parte detrás das pedras subiam em formas completamente
geométricas, com sobras da floresta refletindo sobre ela. Uma
miragem massiva equilibrada em escalas colossais de perfeição
arquitetônica.  Elas se elevavam sobre nós, brilhando como se
fossem deuses encarnados.
- Você sabe quem está enterrado aqui? – Chon
perguntou, se referindo à pirâmide que cobria um templo
oblongo.
- O Templo das Inscrições guarda os restos mortais de
Aháu Pacal Votán, eu respondi, olhando os hieróglifos em meu
estado sonâmbulo. Percebi com meu olho interior uma tumba e
uma máscara da morte em mosaico de jade. – Ele governou no
35
século sete A.D., o período clássico de reis, antes do pós
clássico aparecesse com os guerreiros de Chichén Itzá.
- Muito bem! – Chon sussurrou, tapando meu ponto
entre as sobrancelhas com seu dedo indicador e então apontou
um pequeno templo numa colina distante – E ali?
- Guardam os restos mortais de seu filho Cham Balom,
- disse em transe, - que ainda não foi descoberto. – eu estava
desconcertada pela certeza da minha declaração, os arqueólogos
apenas suspeitavam que Cham Balom estava enterrado lá.
Chon sorriu. – Isso! – afirmou. Ele me puxou para o
palácio do outro lado do templo. Eu olhei para uma torre alta.
Entramos numa baixa porta de pedra e pudemos ver a câmara
dormitório. De alguma forma eu sabia que era coberta com pele
de jaguar. Do outro lado da área de dormir eu também
reconheci a câmara sauna, uma sala submersa em pedra para
banho, em forma de U com um furo no fundo, que era
alimentado com água subterrânea.
Caminhamos pelo pátio no interior do palácio. As
quatro extremidades tinham escadas, cada uma levava a uma
plataforma de colunas na parte superior, o teto era antigamente
coberto com palha. Esse palácio me parecia familiar. Os relevos
pareciam ser de um nobre com a cabeça coberta por um adorno
de palha e penas sentado de pernas cruzadas em um dos quatro
locais de honra, enquanto no pátio abaixo outros nobres
perfuravam as pontas de seus grandes pênis estilizados. Eu pude
quase vê-lo observando-os, sentado elegantemente uma grande
quetzal (?) de penas penas verdes!
Chon se sentou de pernas cruzadas ao norte da
plataforma e fez sinal para que eu fizesse o mesmo ao sul.  –
Este ritual, ele disse concordando com os relevos, - era para
induzir visões. – Ele falou alto o suficiente para eu ouvir a uma
curta distância da plataforma. – Aquelas são espécies de
cogumelos sagrados que sempre cresceram nesta região. Na
noite da cerimônia, a língua ou o genital eram perfurados com
espinhos ou lâminas afiadas de obsidiana. O sangue era vertido
num papel feito de casca de figo e lido pelo seu desenho, e
então era queimado como oferenda aos deuses. Naquele
momento, o pó do cogumelo era pressionado sobre a ferida e
cheirado pelas narinas ou fumado. O cogumelo fresco podia
36
ainda ser comido ou bebido numa cuia com água e sangue dos
participantes.
- Que tipo de visões eram produzidas?
- Visões em êxtase de deidades e seus reinos e formas.
Visões do tempo, o presente, passado e futuro. Eu ainda coleto
os cogumelos ao redor daqui e realizo essas cerimônias
ancestrais ocasionais. – Ele levantou sua blusa e revelou finas
linhas escavadas em seu torso, como se tivesse revelando
(baring) seu coração. – Algum dia, acho que você irá querer
participar comigo.
A proposta foi intrigante. – Há um calendário Maya
aqui? – perguntei impulsivamente. – Não faz muito tempo,
sonhei com um numa floresta não muito longe dessas ruínas. –
Eu estava me referindo ao disco de pedra do meu sonho na
primeira noite com don Juan. – Você...sim, era você! Você
lançou sementes de tamarindo... – busquei no meu bolso pelas
sementes de tamarindo que ele havia me dado. – Você lançou
sementes de tamarindo em duas datas. – eu disse olhando as
sementes. Eu sentia como se tivesse caindo no centro da Terra.
- Há calendários e muitos cálculos, mas eles não estão
aqui. Eu estou, acho. – Chon disse gentilmente. – Um
calendário é cerimonial e é baseado em ciclos de 260 dias do
feto no útero. Outro calendário é anual e mede o tempo em 18
grupos de 20 dias cada, com cinco dias de purgação no final de
cada ano. O primeiro calendário é profético e retrocede de 2012
D.C. até 3313 A.D.
- É desse que eu estou falando! – gritei, sentindo que
eu não apenas sabia algo sobre ele, mas estava intimamente
conectada a ele.
- Todos os calendários foram feitos há muito tempo, e
o calendário anual foi depois ajustado em Xochicalco, - ele
continuou, - Todos eles ainda são usados pelos Mayas de hoje.
Há ainda cálculos nas fases de Vênus, que é a luz no céu que
representa Kukulkán e que começa em alguns milhares de anos
atrás e segue até 2012.
Experimentei uma visão momentânea de uma luz azul
de Vênus no céu noturno brilhante e crescendo até ocupar a
totalidade do meu olho direito. – Por que o calendário profético
pára? – perguntei, e então tive uma arrepiante percepção que eu
37
tinha repetido, quase palavra por palavra, a pergunta do meu
sonho.
- Isso faz parte do mistério. O mistério da fumaça do
cogumelo pode ajudá-la a desvendar. – Chon disse.
- Eu tive algum tipo de sonho profético?
- Você pode chamá-lo assim. Ou pode dizer que esteve
Vendo, relembrando, ou mesmo despertando.
- Como eu saberei o momento certo de experimentar os
cogumelos com você?
- Você saberá pela sua necessidade urgente de entender
o que está acontecendo com você. Será muito poderosa, mais
poderosa que jamais foi. Ainda mais poderosa do que agora,
neste momento. – ele disse, imerso em pensamentos.
Eu contei a Chon a história de Richard Morrison e don
Juan. Ele ouviu atentamente enquanto o céu ficava escarlate e
então púrpuro. Cicadas e pássaros noturnos começaram a
cantar. Os olhos de Chon ficaram pareciam olhar a vastidão de
algum mistério desconhecido. – Ele é muito sábio, aquele velho
índio. Há mais para ele do que podemos ver com os olhos. E
sobre seu amante, eu concordo com o que don Juan disse a
respeito, ele serviu de ponte para trazê-la até aqui.
- O que acontecerá comigo, agora que estou aqui?
- Maravilhas. Eu fiz o seu cálculo.  – Chon respondeu
solenemente.  – Será melhor se deixarmos seus desígnios
acontecerem naturalmente e eu a guiarei enquanto isso. Apenas
confie que seus poderes instintivos façam a coisa certa, no
intento que a trouxe até este mundo, e em sua tremenda energia.
As coisas culminarão misteriosamente. – Chon abaixou sua
cabeça e fechou seus olhos por um momento, e então se
levantou num movimento fluido. Descemos até o nível abaixo e
caminhamos para a floresta.
Escureceu muito e Chon caminhava com uma tocha
rústica feita de ramas e algumas folhas de bananeira secas a luz
da chama fazia estranhas sombras nas pedras e relevos... até que
alcançamos a trilha. Chon disse que era melhor pegarmos o
ônibus local em vez de voltarmos pela floresta à noite, para
evitar algum jaguar ocasional.
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Enquanto esperávamos o ônibus numa noite úmida,
perguntei a ele – O que aconteceria se eu experimentasse fumar
agora?
Ele sorriu e bateu de leve em minha cabeça. – Você
ainda não entenderia, - respondeu gentilmente. – Não
completamente.
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CAPÍTULO 5
Eu estava intrigada pelas práticas de cura energética de
Chon e ficava com ele, aprendendo e absorvendo tanto quanto
podia. Com o passar do tempo, Chon começou a me instruir, o
que incluía longas conversas sobre o que ele chamava de
“Corpo Sonhador” e "Corpo Energético". Ele me fazia sentar ao
seu lado em meio à fumaça, olhando através dela. Ele
demonstrava como “elevar a energia” usando uma respiração
especial e o foco visual do “terceiro olho”, e como caminhar
como se estivesse flutuando a fim de passar através da fumaça
espiralada e tocar o brilho nos corpos energéticos ou nuvens
energéticas dos pacientes. Chon disse que eu estava preparada
para aquele trabalho porque eu era naturalmente dotada com
quantidades enormes de energia, que normalmente era utilizava
na forma de magia e que tinha de ser levada a sério.
- Você já forjou um Corpo Energético. Você
movimenta energia com ele. O céu sabe como você conseguiu
isso. Talvez seja sua coragem, ou talvez nasceu com isso – ele
disse com uma inflexão misteriosa um dia, depois de ter
demonstrado como cortar o campo energético do paciente e
descascá-lo como uma banana. – Isso é considerado pela
maioria das pessoas como trabalho tedioso: acessar, extrair, e
mover energia, ao longo de exercícios no Sonhar, o que parece
ser sua segunda natureza. Você entende tudo intuitivamente.
Este poderia ser o estado natural de toda consciência humana,
mas desafortunadamente este tem sido diluído. Mesmo Ver
energia diretamente é quase impossível para a maioria das
pessoas.
- Uma vez que o Corpo Energético é acessado, você
gradualmente começa a transferir mais e mais energia para ele,
destilando, por assim dizer, sua existência física, suas metáforas
e símbolos, seus sentimentos e consciência, levando-os a residir
em energia, no Sonhar Criativo. Você os oferece elevados,
abstratos, concentrados, e alquimizados, e respira fogo neles.
Isso leva à habilidade de entrar na pura energia com o corpo.
- A maioria das pessoas quer controlar tudo com suas
mentes, o que impede a possibilidade de deixarem seus reinos
energéticos de análise e recreação com suas identidades intactas
para entrar em reinos eternos de pura totalidade e cura. Eles vão
pensar que atravessaram um umbral, quebraram uma barreira,
40
mas o que realmente acontece é que eles tiveram expandido
suas mentes e estão acumulando mais ali. Alguns ainda nadam
em ilusões. Há outros que visualizam tudo, mas nunca levam o
corpo, então seu conhecimento é quase inútil em ruminações.
Essas pessoas perdem quase tudo na morte porque elas nunca
realmente moveram energia em vida.
- Este não é o seu caso. Sou obrigado a lhe dizer o que
fazer agora. Há quatro caminhos que efetivamente transferem
tudo, ou quase tudo, para energia. – Chon sentou-se na cabana
de cura. Eu nunca o tinha ouvido falar num tom tão sério. – As
primeiras duas realizações são com a transferência de
consciência. Através de uma explosão, como uma explosão
solar, do próprio corpo energético, ou através de um brilhante
arco-íris, toda a consciência é movida ao Corpo Sonhador, uma
vez que este esteja forjado. Essa transferência deixa o corpo
físico para trás como uma casca vazia e oca. O ser agora
habitará o Corpo Energético espiritualizado permanentemente.
- As últimas duas formas realmente transmutam ou
transfiguram a estrutura celular com fogo dourado dentro da
energia do arco-íris ascendente. Pegamos tudo e literalmente
caminhamos no céu com tudo o que temos, corpo e tudo.
Passamos através do fogo e da água. Essas são as quatro
práticas ancestrais. Todo o resto são tonteiras. Ou mesmo
delving em níveis de morte, ou digressões à tempos glaciais.
- De vez em quando, chegarão pessoas para você curar
que já morreram parcialmente e não perceberam. Eles
experimentaram um nível da morte em espírito ou energia,
sempre num reino de baixa vibração, como resultado de
trabalho de magia ou de suas próprias suscetibilidades. Você
sentirá a si mesma ajustando-se à essas energias quando elas
aparecerem diante de você. O tempo irá se estender.
Eu ofegava e coloquei minha mão na boca.
Ele parou e me olhou – Pessoas que vêm curar-se ou
ressuscitar-se têm de ser capazes de ver além da morte. – ele
disse sombrio. – Você entrará na energia com seu corpo. Há
alguém que eu quero que veja. Uma vez que puser os olhos
nele, entenderá o que estou falando. Ele é um desses mortos
viventes. Há muitos anos atrás ele caiu preso por alguns
feiticeiros e feiticeiras em San Andres Tuxtla e agora está
aprisionado num reino inorgânico ou pré-orgânico com forças
41
que possuem poderes incomuns, mas pode apenas ir até agora.
Eu pessoalmente tentei e tentei com outros puxá-lo para fora de
lá, mas até agora todos nossos esforços falharam. Acho que ele
gostará de você, ou da sua energia. Talvez ele deixará que você
o desperte para o que aconteceu e a siga para fora. Isso poderá
trazer a cura para ele.
- Em qualquer caso, esse tipo de cura é acompanhado
por uma visão simbólica profunda, à qual você possui
capacidade visionária. Desde que você tenha tanta energia
natural, encontrará a si mesma dormindo neste outro reino
corporalmente ainda antes que possa vê-lo, mas uma vez que
você realmente faça contato, uma vez que você esteja lá, sua
mente não conseguirá funcionar normalmente. Você não será
capaz de pensar sobre o que está fazendo. Você apenas fará.  –
Chon fez um gesto espiral em torno do lado esquerdo de sua
cabeça indicando que o lado esquerdo do cérebro estaria
desconectado.  – Você terá que confiar em seu entendimento
simbólico nato e ter coragem para realizar o que quer que seja
preciso. È um salto de fé e requer uma coragem tremenda. Sem
contar o que custa. É a única forma de mover energias nesses
reinos.
Eu fiquei muito preocupada, terrivelmente instável.
Esse era um trabalho muito mais profundo que as curas na
cabana, mas Chon assegurou que minha facilidade no Sonhar e
sua orientação faria aquilo ser possível e que este próximo nível
me conectaria à minha habilidade de “atravessar”. No começo
Chon me dizia para observar as práticas energéticas dos
indivíduos que via nos mercados de ervas em Tuxtlas. Aquela
área era penetrada por sombras voadoras escuras que tinham
uma qualidade mortífera encapsulada ou embalsamada. As
colinas das redondezas eram sempre cobertas de neblina.
- Há um aviso. Ao atravessar para o reino inorgânico,
você ainda perceberá que é possível para as forças dali
atravessarem até este reino. Algumas tentarão aprisioná-la a fim
de segui-la para fora dali. Isso, é claro, é um ganho para o
feiticeiro trabalhar com essas forças e encorajá-las a se
manifestar. Curandeiros aprenderam realizações com eles pela
necessidade.
Chon sentiu minha agitação. Por sugestão dele,
caminhamos até um riacho sob uma cachoeira e então pude ver
a água e intentei contato energético com esse indivíduo
42
chamado Coyol. (N. da T. Coyol é o apelido de Carlo
Castaneda). – Sinta a si mesma viajando nos caminhos da água
até o mundo subterrâneo. – Chon sussurrou no meu ouvido. –
Deixe que as águas a levem até ele.
Eu sabia que Chon estava preocupado que esta tarefa
fosse horrível. Ele parecia muitíssimo preocupado com Coyol.
Tentando me concentrar, sentei numa fria pedra escorregadia,
olhando para a água correndo e lentamente fui ficando
mesmerizada por ela. O céu estava cinza e então a água tinha
um brilho prateado. Eu me senti correndo, primeiro dentro do
meu corpo como o sangue e então com um flash de energia
transferida de minha consciência para fora do meu
corpo, para a água se estendendo nos afluentes e rios da Terra.
Depois de algum tempo senti um choque quando minha
consciência foi completamente transferida. Uma parte de mim
estava olhando para um corpo morto de um homem baixo e
robusto, com cabelos pretos e ondulados, flutuando com o rosto
para baixo. Eu chorei desesperadamente e me puxei de volta
daquela visão. Eu sacudia a cabeça freneticamente. – Oh, não,
Chon! Oh, não!
Enquanto viajávamos a San Andres, fizemos a Entrada
no Sonhar, como Chon a chamava. Este Sonhar diferia do
Sonhar espiral de don Juan, que me puxava para fora do não
criado (uncreated), neste outro sonhar o processo é reverso;
entrava em reinos de energia. Transformei-me em meu Corpo
Sonhador.
O ônibus para San Andres Tuxtla é pequeno e velho.
Estamos sentados em assentos desconfortáveis e vemos a
estrada serpenteando ao lado da colina nebulosa. Esta neblina
é algum tipo de  Barreira do Sonhar, quase como um véu que
não se dissipa, uma Dream Spell. Quando finalmente chegamos
e saímos do ônibus, passamos através dela. As pessoas na
praça se moviam silenciosamente em suas roupas coloridas,
como sombras ou fantasmas. Uma chuva leve caía, quase como
lágrimas.
Chon reservou dois quartos para nós numa modesta
pensão mexicana. Sentamos no pátio interno naquela noite,
comemos milho e yams numa pequena churrasqueira a carvão.
O mundo à nossa volta parecia evaporar na fumaça, como se
existisse apenas onde  fixávamos nossa atenção.
43
Caminhávamos como sonâmbulos para nosso quarto e
dormimos sob cobertores ásperos e à luz difusa de lampião.
De manhã Chon manifestou, aparentemente do nada,
uma blusa e saia de estilo simples feito pelas mulheres das
colinas daquela região. A saia era rosa... Aquele traje me
falava magicamente de transformação. Eu me lavei numa tina d
´água e penteava meu cabelo enquanto Chon esquentava
tamales na churrasqueira. Depois disso caminhamos
lentamente para a praça do mercado.
Chon não precisou me apontar Coyol. Meu olhar foi
diretamente até ele quando entramos no  mercado. Ele media
five foot for e tinha cinqüenta e poucos anos, muito robusto e
com cabelos curtos, pretos e ondulados. Havia uma mulher
velha ao lado dele vendendo frutas e ervas. Ele a estava
ajudando mas ela parecia estar segurando-o pelas costas,
como se o “peso” dela pesasse sobre ele, fazendo sua vida
impossível.
- Você já está sentindo intuitivamente. Apenas observe
e deixe que você mesma entre nisso. – Chon sussurrou em meu
ouvido enquanto atravessamos a rua  até eles. – Lembre-se,
você está caminhando na energia dele e este é um reino de
baixa vibração. Isso é energia; este não é o reino da vida
diária, não importa o quanto possa parecer. Sinta a empatia
dentro de você e deixe que ela a puxe até eles. Lembre-se, sua
mente não opera aqui, apenas seus símbolos, ações e
sentimentos. Você não será capaz mesmo de falar em princípio.
Aja instintivamente, mas com propósito elevado.
Eu observei que a mulher tratava Coyol como escravo,
quase como se fosse retardado e que o explorava. Seu corpo
pesado movia-se com dificuldade sob a caixa que ele carregava
para ela. Então, Esmeralda virou a esquina com sete
criancinhas atrás dela! Eu sacudi a cabeça incrédula. O que
Esmeralda estaria fazendo aqui? Chon leu meus pensamentos. 
– Ela está fazendo o mesmo que você. Veja a mágica dela! – ele
disse com óbvia admiração. - Ela também leva quase tudo com
ela. Em contraste, olhe para Coyol. No primeiro mundo, ou no
mundo da realidade ordinária, ele é muito brilhante e tem
grande poder e influência, mas nada daquilo é transferível até
este reino. É muito mental, muito material. Aqui ele é uma
sombra de si mesmo!
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Eu percebi que não podia formar um pensamento real
ou reagir mentalmente àquela cena. Tudo o que eu podia fazer
era assistir à Esmeralda. As crianças agora chamavam Coyol.
– Cavalo!, Cavalo! – elas pulavam alegres. – Cavalo!, Cavalo!
– elas giravam ao redor dele e sorriam para ele, e então
galopavam ao redor dele, tentando pular em suas costas.
Aqueles sons de risadas eram como música alegre. Esmeralda
guiou as crianças em espiral em torno de Coyol. Então eles
entraram no mercado e havia uma pequena lufada de fumaça,
quando as crianças desapareceram através da entrada
sombreada. Aquela cena se desenredou como um sonho! Eu
sacudia minha cabeça novamente, tentando acreditar o que
tinha visto.
A mulher tentava atrair o “Cavalo” de volta ao
trabalho, mas ele me avistou do outro lado da rua com Chon e
não se moveu. Chon me disse para atravessar a barreira
energética entre nós e Coyol e então desapareceu na esquina.
Eu estava completamente sozinha nesta aventura. Engoli em
seco e dei alguns passos em direção a Coyol. Eu senti uma
forte, quase gravitacional força me puxando através de algum
tipo de vórtex para dentro de um pesado, lento, e escuro lugar.
Chon estava certo. Aquele mundo não parecia com o mundo da
superfície.
Em princípio Coyol olhou para mim de uma forma
audaz quando fiz minha entrada. Então ele voltou a me olhar
enquanto eu atravessava a rua, enquanto ele se aproximava de
uma caixa com garrafas de vidro, feita artesanalmente de
cordas, para dentro do mercado e à direita da mulher. Quando
eu me virei e olhei de volta para ele, ele estava bem à minha
frente, com seu rosto praticamente me tocando.
Dei um suspiro profundo. Eu tinha atravessado a
barreira entre a vida e a morte. O rosto de Coyol era triste e
curioso ao mesmo tempo. Seus olhos estavam úmidos e escuros,
mas tinham uma estranha luz prateada, especialmente o
esquerdo. A mulher cutucou ele nas costas e o puxou para fora
do caminho.  – Que linda jovem! – Ela estava vestida de preto
e com um rebozo cinza sobre a cabeça e ombros e o outro lado
dele era preto. Ela tinha a mesma altura de Coyol e tinha um
rosto desgastado.
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Eu senti vergonha. Por um momento fiquei muda.
Havia uma pesada energia hipnotizante emanando daquela
mulher velha. Ela era obviamente uma feiticeira poderosa.
- Você gostaria de comprar algumas de minhas frutas
ou ervas? Eu tenho muitos tratamentos para uma garota
adorável como você. – ela apontou sua mão forte para um
amplo arranjo de frutas tropicais,...
Eu neguei com a cabeça num movimento lento. Fiz um
grande esforço apenas para responder – Eu estou com aquele
homem ali – e apontei para Chon, que tinha reaparecido
atravessando a rua e me olhava cuidadosamente. – Ele me
disse para não comprar nada. – respondi inocentemente.
A mulher viu que estava se expondo e disse com raiva
– Jovens garotas como você deveriam aprender com uma
mulher mais velha, como eu – ela projetou um olhar atraente.
- Com todo o devido respeito, - repliquei agora
fortalecida – Tenho certeza que há muito o que eu poderia
aprender com a senhora, mas ficarei aqui apenas durante
pouco tempo. – Chon sorriu para mim do outro lado da rua e
então caminhou dentro do mercado.
A velha mulher parecia surpresa. – Eu não vou
machucá-la. Você é tão forte. Mas você pode aprender muito
comigo. Por que você não  pensa a respeito? Nós podemos
fazer muito boas trocas. – ela andou em torno do seu estande
de frutas e se sentou.
Eu vi ali minha chance. – Eu considerarei isso, se me
emprestar seu ajudante por um momento.
Seus olhos brilhavam de raiva e ela olhou Coyol com
desprezo, como se ele fosse uma besta estúpida. – Ele? Oh, ele
não faz nada de bom, mas deixarei ele passear com você pelo
mercado se me prometer trazê-lo de volta.
Eu concordei com a cabeça. Coyol e eu caminhamos
para a entrada escura do  mercado. Ele apontou para um
vendedor de limonada fresca numa grande garrafa chamada
garafón. Ele procurou ansiosamente em seus bolsos da calça.
Ele queria me pagar uma limonada. Eu aceitei a oferta e ele
orgulhosamente me entregou a limonada paga por ele mesmo.
46
Nos apoiamos na parede escura para beber. Ele estava me
olhando amorosamente todo o tempo.
Um homem baixo e escuro de vinte e poucos anos
passou por nós e olhou para mim. Coyol casualmente esticou
seu  pé direito e o homem tropeçou, perdendo sua expressão
predatória em seu embaraço. Eu sorri ante ao humor
suprimido no rosto de Coyol.
- De onde você vem? – ele perguntou.
Eu respondi com um olhar suplicante, lembrando
como o tinha visto flutuando morto no “espírito das águas”.
- Eu falo sério! – ele insistiu enfaticamente.
- Eu o vi morto. – eu disse finalmente.
Ele sacudiu a cabeça em desconcerto e choque. – Ah!
– ele disse.
Com a testa franzida, Coyol devolveu nossos copos e
ansiosamente fez sinal para segui-lo para fora do mercado e
descemos uma pequena rua. Eu andei atrás dele por todo o
caminho, seu passo era muito rápido. Quando chegamos em
sua casa, fiquei horrorizada. Havia um portão de ferro que
levava a um pequeno e sujo beco. No meio de um quintal sujo
estava uma construção minúscula de cimento...
Entramos. Não havia móveis, nem um quarto. Havia
apenas um colchão e vários jarros plásticos num canto, cheios
até a borda de moedas. Do outro lado havia uma torneira.
Coyol ficou em pé no escuro ao lado da porta de madeira
fechada.
- Eu posso ver você? – ele perguntou, se referindo ao
meu corpo, fazendo um gesto para me despir.
Meu coração batia forte. Sua vida era tão triste e ele
apenas percebia seu apuro. Eu sentia, confiando em meus
poderes intuitivos, que a única forma de mostrar a ele a
diferença entre a vida real e seu sono de morte era honrar seu
pedido e revelar meu corpo a ele. Eu tirei minha roupa e fiquei
nua à frente dele. Um assobio escapou de seus lábios enquanto
ele me olhava das sombras.
Então ele fez sinal para eu me deitar no colchão, o que
fiz sem hesitar, fluindo com o sentimento da resposta
47
apropriada. Ele se despiu. Seu corpo moreno era bonito... Ele
se deitou ao meu lado... Ele se moveu para mais perto, mas sem
me tocar.
- Estou morto? – ele perguntou lastimoso.
- Sim. – eu disse sombria, saudosa por sua vida
perdida, por ele.
- Eles me disseram que você viria. Você pode sentir
alguma coisa? – ele perguntou, referindo-se a si mesmo.
- Sim, eu sinto você, - eu disse. – Estou preocupada
com você. Venha comigo.
- Onde? – ele perguntou com um olhar frenético.
- Para fora deste lugar, longe disso. – eu disse,
gesticulando aquele espaço.
- Não, por favor. Você, fique aqui comigo. – ele
suplicou.
Senti meu coração partido. Ele não percebeu que eu o
amava e que poderia confiar em mim plenamente. Por que eu
tinha aqueles sentimentos por ele? Eu não podia pensar a
respeito daquilo, apenas sentia profundamente. Talvez o
universo o amasse através de mim e redimisse alguma pequena
parte de si mesmo no processo. Eu podia sentir tudo sobre ele,
que ele considerava a si mesmo feio, mas para mim, naquele
momento, ele era o mais belo homem vivo. Ele ainda via a si
mesmo como obtuso (dull), pouco inspirado, e parcialmente
completo, que a dor fora impingida a ele. Sua mente e espírito
eram entusiasmados, quase brilhantes, eu sentia. Meu corpo
inteiro doía por ele, especialmente meu coração, que doendo
aguda e repentinamente, queria pular para fora do meu peito.
Comecei a chorar.
- Não chore por mim. – ele disse suavemente.
- Por favor, por favor venha comigo. – supliquei.
- Eu nunca farei isso. – ele murmurou, penalizado.
Fiquei desesperada. – Por favor, você não pode ficar
aqui. – eu suplicava, olhando as sombras se formando e
girando em volta do quarto. – Você tem de vir!
48
- Eu não posso. – ele admitiu sombrio, como a morte
em si mesma.
- Eu voltarei por você, então. Eu prometo! Eu juro! Eu
voltarei! Mas você tem que voltar ao mercado. Eu não posso
deixá-lo aqui com todas essas sombras voadoras.
- Esses são os poderes que as bruxas e bruxos daqui
usam para controlar este lugar. – ele disse furtivamente, como
se evitasse o vôo de morcegos.
Coyol e eu nos vestimos, e caminhamos descendo a
pequena rua até a velha mulher no mercado. Ele voltou ao seu
serviço quase como se fosse um zumbi, mas me olhava com sua
visão periférica, e eu senti sua saudade. Naquele exato
momento, uma das sombras se aproximou de mim e de repente
se coagulou, bem diante dos meus olhos, num pequeno homem
de cabelos brancos. Eu podia ver energeticamente que não era
humano, mas uma das forças inorgânicas ou pré-orgânicas que
Chon havia me falado.
- O que você vai fazer agora? – ele me perguntou.
Eu neguei com a cabeça e sacudi os ombros em
confusão. A sombra fez sinal para eu tocar levemente sua mão
e quando eu a toquei, giramos lentamente, perdendo o rastro
de nossa localização física, até que eu estava em pé esperando
o ônibus na estação com Chon.
Eu caminhava à frente de Chon como se estivesse
hipnotizada. Ele fez um movimento espiralado com seus braços
e apontou a uma curta distância. Descendo do ônibus estava
um pequeno homem com cabelos grisalhos e um rosto triste. Eu
o examinei novamente e olhei profundamente em seu rosto.
Meu Deus! Era Coyol! Velho, triste e sério. Perdido, vazio e
sozinho.
Eu corri para fora dali sem pensar, tomando à direção
do mercado. Meu coração estava disparado. Eu me lançava a
mim mesma e começou a chover. “ Está chovendo, Merilyn”,
eu disse a mim mesma. “Está chovendo!  Não! Não!” Entrei na
esquina enlameada do mercado e vi Coyol em pé ali, ainda
jovem, mas estávamos separados por uma barreira de energia.
Era como se eu olhasse através de uma lâmina de água ou uma
janela de vidro espesso. Todas as cores começaram a sangrar.
Gotas de azul e verde, como pequenas gotas de lágrimas
49
terrenas, vistas do espaço. Ele se agachava contra a velha
construção desprotegido e sozinho do outro lado da barreira,
para esconder sua cabeça da chuva. Chon apareceu do nada e
tocou gentilmente meu ombro. É tempo de partir. Coyol não
saiu.
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CAPÍTULO 6
Enquanto estava naquele estado vulnerável, Chon me
acompanhava voltando à estação do ônibus, me explicando que
ainda estava em meu Corpo Sonhador. Ele revelou que o que
Esmeralda efetivamente tinha realizado no mercado as ações
que testemunhei. Ela e ele estavam ainda em seus Corpos
Sonhadores e continuariam assim. Ele me informou que
Esmeralda não era sua irmã, mas sua colega. Todos eles,
incluindo seus três sobrinhos, eram na verdade seus
aprendizes, e que estavam conectados a um grupo de feiticeiros
liderados por don Juan. Entretanto, Tiófilo e Ignácio não
estavam adiantados e permaneceriam atrás com Eligio em
Palenque para continuarem suas tarefas de coletar e preparar
suas plantas medicinais.
Se Chon não fosse tão excessivamente gentil comigo
eu não confiaria nele tão completamente. Eu quis correr para
fora dali gritando. Sentei-me num banco de madeira na
esquina, soluçando.
- Eu sei que nós a enganamos. – Chon me acalmou
enquanto acariciava meus cabelos, - mas não é fácil atrair
pessoas para o mundo dos feiticeiros.
- Vocês dois não mataram Richard com sua mágica? –
gritei horrorizada.
- Não, não faríamos isso, embora hajam feiticeiros que
fariam. Você poderia dizer que ele sacrificou a si mesmo por
você, então você tem que cumprir seu destino. Você fará algo
especial, Merilyn, e isso começa agora.
Chon me disse que don Juan já havia atravessado
para um reino de alta vibração energética, um reino de pura
totalidade e cura, e que nos esperava do outro lado de uma
ainda segunda barreira energética. – Este é o lugar onde
tentamos levar Coyol, - ele explicou. – Se você o tivesse tirado
de lá eu guiaria a ambos até lá. – ele começou a explicar o
processo chamado “travessia” e seu propósito.
- Nós iremos até a outra barreira, como aquela que
você detectou entre você e Coyol no mercado. Só que esta será
para um reino de alta vibração. Nós iremos abrir caminho para
outros, talvez muitos, que virão depois de nós. Nós iremos até
51
um lago, um lugar onde pequenos barcos aportam, próximo ao
vilarejo de Catemaco. Nós entraremos no Sonhar espiral juntos
e um por um, caminharemos até a água. Um vórtex brilhante
aparecerá e nós entraremos nele e  atravessaremos a água,
como se caminhássemos sobre ela, caminhando sobre energia.
Nós não seremos os primeiros  a atravessá-la neste estado.
Muitos seres ancestrais dessas terras entraram daquele mesmo
lugar.
Senti que aquele tinha sempre sido meu destino. Senti
que aquilo seria o início do fim da morte.- E Coyol?- perguntei,
chorando.
O rosto de Chon estava perturbado. – Nós falhamos
em libertá-lo; ele não teve energia suficiente para nos seguir,
pelo menos por enquanto. – seus olhos estavam visivelmente
lacrimejando. Ele pareceu distante por um momento.
- O vórtex será parecido com o quê? – eu perguntei,
tentando superar minha dor opressiva em deixar Coyol para
trás.
- Ele brilhará. Quando você entrar nele, começará a
se dissolver. Depois disso é difícil dizer o que acontecerá.
Apenas confie no poder.  – ele falou com o rosto voltado para
longe. Seus ombros tremiam um pouco.
- Eu sinto que ainda há muitas coisas que não sei. – eu
disse, lamentando minha inexperiência.
- Há. – Chon observou sobriamente. – mas essa
travessia é necessária, necessária para você e para outros, e
tem que acontecer agora. Não se preocupe, você tem facilidade
natural para isso.
- Eu verei Richard? – perguntei ingenuamente.
- Não. Você verá outros seres, os Ancestrais, que
atravessaram antes de nós.
Eu delve (?) em meus sentimentos sobre esse
extraordinário desenvolvimento no ônibus em direção a
Catemaco. Ali nós novamente alugamos quartos e
permanecemos pelo que pareceu ser uma semana, mas para
tudo o que eu sabia poderia ser eons (?) no primeiro mundo.
Sonhamos a Entrada e a Manifestação Espiral, que me havia
sido ensinada por don Juan. Catemaco em si mesma era mais
52
como um mundo de sonho do que como uma cidade real. Era
apenas uma ilha ilusória na vastidão, inda menos tangível que
San Andres.
Em certo momento Chon e eu testemunhamos dois
seres ancestrais vestidos com trajes indígenas daquelas
colinas, mas feitos de cetim colorido. A canoa atravessou o
lago encantado e parou em frente ao mercado ao lado do lago.
Uma energia ondulante apareceu sobre o lago.
Duas pessoas nativas, um homem que parecia ter
cinqüenta anos com cabelos até os ombros atrás das orelhas,
usando brincos, e uma mulher com tranças grisalhas e um
vestido rosa-festivo de cetim, começaram a brilhar mais
dourado. Eles então se voltaram e olharam para nós, de um
estande de fitas. Uma brisa soprou sobre os cabelos e as fitas.
Chon e eu caminhamos lentamente pela margem do
lago. Eu senti um estalo e uma fenda se abriu no ar à minha
frente. Havia um total silêncio. Meus ouvidos nem mesmo
tinham a sensação de surdez. Comecei a ver seres de outro
mundo chegarem através da fenda, atravessarem o lago, em
mais canoas brancas e douradas. Chon me disse que aqueles
eram feiticeiros antigos que já tinham atravessado e que alguns
deles eram seus mentores.
Chon se aproximou da água. O tempo parecia ter
parado. Eu observava que as pessoas ao nosso redor estavam
estáticas, como se congeladas naquele momento. Certamente
elas não seriam capazes de ver o que estava acontecendo. Chon
caminhou à frente e desapareceu. Ele brilhou e se dissolveu na
água, bem diante de meus olhos. Então Esmeralda, do nada,
veio caminhando atravessando o lago de mãos dadas com uma
mulher velha, ambas ficavam mais jovens e mais bonitas em
cada passo. As tranças de Esmeralda cresciam até o
chão. Ela e a velha mulher passaram por mim e houve um som
“há”, como se Esmeralda desse sua primeira respirada.
Eu dei um passo e entrei num estado sem respiração
de eternidade. Meus pés começaram a se dissolver como se eu
estivesse caminhando sobre a água. Tudo cintilava. Os
Ancestrais, todos carregavam as marcas de suas próprias
energias, de pé silenciosamente ao longo do lado do lago como
sentinelas para nos oferecer boas vindas. A energia corria da
fenda como um rio. Atrás de mim sentia seres desconhecidos de
53
outra dimensão que atravessaram depois de mim. Então pensei
em Coyol, que tinha sido deixado para trás, e senti uma dor no
coração. De repente senti um grande cisão, uma lágrima
gigante como um abismo atrás de mim.
Eu vi don Juan. Ele estava de pé sobre um outro
abismo que se abriu à minha frente. Um relâmpago caiu ali e
um vento imenso soprou atrás dele. A borda do abismo era
como um penhasco iluminado por uma fria luz branca, que
projetava grandes sombras na profundidade do abismo.
- Atravesse do novo, Merilyn. – Uma ponte apareceu
através do penhasco. – Você precisa vir ou terá que voltar. –
sua voz veio com o vento.
- Eu não posso atravessar, don Juan!
- Uma parte de você já atravessou. Você tem de vir. –
don Juan gritou.
- Eu não posso! E Coyol?
- Então pule, - ele gemeu. – Eu não vou perdê-la! Pule
no abismo e eu a seguirei!
- O que vai acontecer? – eu chorei.
- Nós vamos vagar num reino inferior até sairmos.
Eu não tinha escolha. Eu não podia ir para frente nem
para trás. Eu pulei no abismo numa total escuridão pela qual
senti como uma eternidade. Don Juan então pulou depois de
mim. Eu não sei por quanto tempo nós vagamos, mas eu
finalmente re-emergi.
Quando voltei me vi sozinha num quarto de hotel em
Catemaco, mas don Juan, Chon e Esmeralda não estavam em
lugar nenhum. Meu passaporte havia sido tirado da cômoda do
quarto. Todas as minhas roupas sumiram, exceto as que
estavam no meu corpo. Até meus sapatos desapareceram dos
meus pés!
Eu me aventurei do lado de fora nas ruas e vagava
como um fantasma, perdida. Eu estava completamente
desarticulada. Eu não tinha controle completo sobre meu
corpo; apenas caminhar continuamente era uma proeza. Eu
tentava falar, mas em princípio as pessoas não podiam me
ouvir. Era como se eu fosse um fantasma para elas. Eu me
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perguntava onde Chon e Esmeralda tinham ido. Chon tinha
aparentemente partido daquele reino. Eu chorava, mas
ninguém me notava. Eu pedi dinheiro para pegar um ônibus até
San Andres para ir a busca de Coyol. Certamente ele estaria
ali.
Quando cheguei em San Andres e fui ao mercado, não
encontrei Coyol ali. Quanto tempo havia passado? Anos? Uma
energia escura e pesada como uma nave espacial começou a
descer em torno de mim. Uma sombra maciça se transformou
num homem imenso com cabelos castanhos e encaracolados,
vestido com calças e camisa cor de bronze. Ele apareceu,
caminhando através da fumaça numa entrada e espiralou seus
braços apressadamente. Ele sinalizava com autoridade enfática
para me sentar no chão do lado de fora da construção do
mercado. Ele se sentou do meu lado.
- Onde está o homem que as crianças chamam de
Cavalo? – eu perguntei a ele chorando – ele trabalhava todos
os dias do lado de fora do mercado.
Aquele homem me olhava de maneira convincente. Por
alguma razão, eu não podia ver suas feições completamente. –
Ele não está aqui! Ele se foi, - ele disse ferozmente.
- Se foi? – gritei olhando em volta.
- Você tem que sair daqui! – ele gritou.
- Para onde ele foi? Como? – eu supliquei.
- Vá! Vá! Vá! Você está em perigo aqui! De onde você
veio?
Eu gemi. Ele se levantou e desapareceu na fumaça,
caminhando para a entrada escura. Eu levantei quando a
fumaça se dissipou e olhei em volta do mercado. A energia dele
tinha me transformado ou aquele mundo tinha-se
transformado? Parecia mais substancial. A noite veio, mas eu
não tinha onde dormir. Eu me agachei do lado de fora do
mercado no escuro me perguntando se estava presa ali para
sempre, como um fantasma vagando num infra-mundo.
Quando o sol nasceu, eu continuei a buscar por Coyol
nas ruas. Minhas roupas estavam sujas por ter passado a noite
no chão.  Enquanto os vendedores das ruas montavam seus
estandes, eu procurava por estandes de flores, ervas medicinais,
55
sapatos, roupas, pedindo para trabalhar. Eu ofereci meus
serviços para uma mulher que oferecia café da manhã, mas
nenhum deles podia me ouvir ou não me levaram a sério. Tentei
convencer outros do quanto desesperadamente precisava de
trabalho. Eu falava que havia sido abandonada sem dinheiro e
precisava pegar o ônibus até a fronteira mexicana. Eu dizia que
faria qualquer coisa, desde que fosse trabalho honesto, para
arrecadar o dinheiro da passagem.
Ninguém parecia me entender e fui perdendo a
coragem. Eu me perguntava se ainda conseguiria voltar para
casa. E se eu tentasse telefonar para alguém? O que eu diria? Eu
procurei por um telefone público. O único na cidade estava
quebrado. Eu pensei na situação de Coyol e me sentia perdida. 
Mas, diferentemente dele, eu poderia inda ter escolha.
Desanimada, saí do mercado e desci uma rua tentando
me lembrar da localização da moradia de Coyol, retraçando
meus passos desde o dia que o segui até lá. Quando virei uma
esquina numa pequena rua cheguei até uma pessoa que atuava
para uma audiência invisível.  Tive um calafrio frente àquele
homem, mas o deixei passar.
O lugar onde Coyol morava era muito mais longe do
que eu me lembrava. A pequena, poeirenta passagem se
estendia à uma longa distância. Decidi caminhar até lá, embora
o calafrio ainda estivesse presente. Me aproximei da curva na
rua e espiei através do portão entre duas velhas construções que
levavam até o local que estava procurando. Enquanto
caminhava pela rua vi um homem moreno de classe
trabalhadora com o cabelo desgrenhado saindo detrás da
construção... Ele parecia perdido, entretanto, fora de seu
elemento, era como se ele fosse estranho à vida. Ele parecia
bêbado e cambaleava enquanto andava. Seu comportamento
aumentou meu nível de preocupação, mas senti sua dor e me
dirigi até ele. Fui até lá  perguntar por Coyol. Quando me
aproximei, senti uma sombra escura em torno dele. Ele tropeçou
a caminho do portão.
- Você conhece o homem que mora ali nos fundos? –
apontei para uma pequena construção de cimento.
- Ai, sua puta capitalista! – ele murmurou
obscuramente, apoiando-se na construção.
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- Não! Eu não sou assim... – meu coração pulava quase
até minha garganta e comecei a recuar. Achei melhor sair dali!
Não havia mais ninguém na rua. Eu achava que ele podia ser
um demônio destituído (disenfranchised).
- Hey! – ele gritou. – Hey Gringa! – seus gritos me
seguiam como uma música mortífera. Ele não se acalmou
enquanto eu recuava.  Eu me virei para fazer meu caminho de
volta pela rua. Eu senti que suava nas mãos e têmporas, e dei
outro passo me afastando do portão, olhando o  caminho. Então
escutei um click. Ele correu para fora e torceu meu braço para
trás. Senti uma respiração quente e um palpitar em meus
ouvidos quando ele se aproximou de mim, prendendo meu
braço e empurrando um tipo de pistola contra minhas costelas.
Ele me puxou para dentro do portão. Ele parecia morar
numa das construções. O que teria acontecido com Coyol? Ele
se aproximou da passagem entre as duas construções...
Eu caí no chão. Sem janelas, o lugar era escuro e
úmido. Ele acendeu uma lamparina e a levou até uma viga. Eu
vi manchas e um colchão sem forro à minha direita, com
algumas latas vazias, pedaços secos de tortilla e cascas de frutas
caídas ao redor. Perto dali, vi o que parecia ser um trapo
ensangüentado no chão e ofeguei.  As garrafas plásticas de
Coyol cheias de moedas haviam sumido.
- Nem pense em gritar, - ele disse enquanto eu
apalpava no escuro.  – Quem você pensa que é, me falando
comigo daquele jeito? – ele grunhiu.
- Eu não quis ofendê-lo. – supliquei, aterrorizada.
Meus olhos se ajustavam à luz difusa...
- Vamos, levante-se! – ele rosnou – O homem se
sentou numa caixa de madeira, cambaleando, ainda segurando a
pistola. 
Eu fiz o que ele disse, mas ele apontava a arma em
direção ao meu peito.
- Tire a roupa! – ele disse lascivo com olhos frios.
Eu estava horrorizada enquanto percebia o que estava
acontecendo comigo. Comecei a desabotoar minha blusa e
revelei meu torso. Meus seios modestos pareciam muito
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vulneráveis naquele lugar. Abri o zíper e deixei cair minha saia
no chão.
Quando estava completamente despida, o homem me
empurrou sobre o colchão sujo.  Ele tirou as calças usando
apenas uma mão e não largava a pistola. Ofeguei quando suas
calças caíram. Ele se deitou sobre mim, colocando a pistola em
minha cabeça. Eu dizia a mim mesma que poderia ser pior. A
coisa mais importante era que ele não me matasse.
Eu me encolhi trêmula de horror, virando meu rosto
levemente para o lado. Ele cheirava fortemente a álcool e
odores corporais. Eu me encolhia, mas o estupro terminou
quase tão rápido quanto começou. Apenas permaneceu um
sentimento enlameado. Foi apenas um alívio breve.  Senti que
meu calvário ainda não tinha terminado.  Entretanto, ele saiu de
cima de mim, virou-se de costas e sentou sobre o colchão,
acendendo um cigarro, colocando o maço do lado... Eu me
perguntava se ele me mataria em seguida.
O cheiro da fumaça encheu a câmara escura. Sombras
davam voltas em volta como fantasmas. Ele se levantou e
grunhiu. – Se eu vir você por aqui novamente, eu a matarei! –
ele disse.
Sentei em silêncio. – O quê? – eu perguntei a mim
mesma.
- E não se atreva a dizer a ninguém sobre mim estando
aqui. – ele disse ameaçadoramente, dando um longo trago em
seu cigarro. – Ninguém pode saber sobre mim. Agora vista-se, -
ele cuspiu, de repente com nojo de minha nudez.
Eu me apressei em pegar minhas roupas, tentando
controlar meu tremor enquanto me vestia. Seria possível que ele
me deixaria sair dali sem mais nenhum dano? Eu me vesti,
olhando para ele em busca de  algum sinal de esperança. Seus
olhos estavam úmidos. Seus rosto e corpo nu estavam mortos de
raiva.
Fiquei ali no inferno, dando profundas e palpitantes
respirações. Minha energia se enrolava em espiral, como se
armazenada, esperando por uma abertura.  Eu assistia a cada
momento, sem saber o que faria em seguida.
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- Saia daqui! – ele disse aborrecido. Eu abri a porta e
corri pelo beco até o portão que, inacreditavelmente, estava
parcialmente aberto. Ouvi um tiro atrás de mim e me
perguntava se ele tinha mudado de idéia e agora atirava em
minha direção. Eu corria com uma fúria selvagem e
incontrolável. Não olhei para trás até alcançar um cruzamento a
um quarto de milha de distância. Ali vi a mulher velha do
mercado parada na esquina da próxima quadra. Parei. Ela me
olhava sob seu rebozo preto, como se estivesse pronta para me
devorar. Eu senti que tinha caído numa cilada; o estupro era
apenas o primeiro passo. Um caminhão parou. Eu abri a porta e
pulei para dentro dele, recontando minha experiência
desesperadamente para um fazendeiro simples e de meia idade.
O motorista era  muito humilde e modesto, completamente
tímido. Ele baixou os olhos com vergonha enquanto eu falava.
O homem era do vilarejo vizinho e estava voltando para lá. Ele
se ofereceu para me levar. Eu o agradeci profusamente.
Enquanto o caminhão se afastava, olhei ansiosamente
para a rua atrás de nós. O homem não estava me seguindo.
Então, quando passamos pela mulher na rua, o caminhão
enguiçou. Várias jovens saíram de uma baixa construção atrás
dela. Elas agora deram poucos passos em direção ao caminhão.
Eu olhei para o olhar hipnótico da mulher, e então o caminhão
funcionou. Ela olhou implorante para mim quando continuamos
a descer a estrada empoeirada através das colinas para longe de
San Andres.
Aquela noite, dormi no caminhão do outro lado da
cabana do homem e sua família, e caí no Sonhar.
Eu sonhei com um demônio nu numa cela escura. Ele
ria obsessivamente, louco e perigoso. A entidade que o possuía
era amaldiçoada, um prisioneiro de feiticeiros ancestrais do
infra-mundo. Ele bramia que a transformação nunca era
possível além do reino da morte predatória. Então ele foi
escravizado ali, e ele fazia prisioneiros, buscando energia, e
sacrifícios.
Quando acordei na manhã seguinte naquele pequeno
vilarejo, caminhei em volta e pedi dinheiro para a passagem de
ônibus até a Cidade do México, percebi que tinha voltado ao
mundo da realidade ordinária. Mas percebi que não tinha, ou
que não tinha voltado completamente. Eu estava agora
destinada a viver com os pés em ambos mundos, a caminhar na
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fronteira entre eles, dormindo dentro e fora, deslizando para
dentro e para fora.
Quando finalmente cheguei à estação da  Cidade do
México, andei por milhas, descalça, até a Embaixada
Americana. Eles me providenciaram uma carta, indicando que
meu passaporte e documentos haviam sido roubados. Eles ainda
me deram trinta e cinco dólares para o ônibus de segunda classe
até a fronteira.  Eu peguei o ônibus até San Luis Rio Colorado
na fronteira com o Arizona, esperando encontrar don Juan
novamente.  Ele gritou enquanto eu pulava no abismo que não
se perderia de mim! Ele pulou comigo! Talvez ele tivesse
voltado para este mundo. Ele era minha última esperança; se ele
não estivesse ali, minha vida estaria irremediável.
60
CAPÍTULO 7
O ônibus local chegou à fronteira em Yuma de manhã
cedo, e eu caminhei diretamente até a reserva.  Eu estava
aterrorizada com o prospecto do que eu poderia ou não
encontrar.  Incrivelmente, don Juan estava em sua casa e estava
aparentemente esperando minha chegada. A porta da frente
estava aberta, e irrompi em seu casebre batendo palmas.  Ao
olhar para ele, fiquei incapaz de falar. Don Juan estava em pé
no fogão fritando peixe numa panela. O cheiro era muito forte.
Seu corpo estava tenso e seu comportamento muito sério.  Ele
se voltou e me sacudiu com um olhar penetrante e imperioso.
Eu senti que ia desmaiar a qualquer momento.  Don Juan se
afastou e colocou dois pratos com peixe frito na pequena mesa
de madeira e fez sinal para que me sentasse antes que caísse.
Seu olhar transmitia volumes, mas eu não era capaz de
lê-los. Eu senti que don Juan estava começando a trabalhar sua
medicina em mim. Eu logo percebi que não podia formular
pensamentos claros. O que estava acontecendo comigo? As
implicações de minhas recentes experiências estavam além da
minha capacidade de compreender. Como podia algo daquilo
transparecer? Eu não consegui comer o peixe, com os olhos me
olhando com a brancura da morte. Eu caminhei até a cama que
don Juan tinha para minhas visitas e sentei silenciosamente
olhando através da porta dos fundos aberta com minhas mãos
entre meus joelhos.
O deserto estava absolutamente quieto. O sol brilhava
através das janelas sobre os pés da minha cama. Em estado de
choque, fiquei completamente mesmerizada e absorvida na
disposição das partículas de poeira flutuando e brilhando à luz
do sol. Don Juan saiu, parando um pouco ao sair pela porta. Ele
voltou momentos depois trazendo um grande fardo de ervas.
Sentando-se, don Juan encheu duas cabaças com água e pegou
um pouco de carne seca de cervo armazenada dentro um de seus
cestos. Ele veio até mim e me entregou as cabaças, que amarrei
em minhas costas. Eu o segui até o lado de fora.
Eu sabia para onde ele estava me levando. Era a cinco
milhas caminhando dentro do deserto até um par de pilares de
arenito que podiam ser vistos contra o horizonte. Nós não
falamos, o que era um alívio de boas-vindas, nem paramos ao
longo do caminho. Eu percebi que o intenso esforço físico e a
61
vista expansiva do deserto eram muito centralizadores.
Lentamente comecei a liberar as memórias de tudo o que
aconteceu comigo.
Quando chegamos ao lugar designado, don Juan fez
um gesto que comandava total silêncio. Ele cavou um buraco na
areia com uma grande concha que carregava consigo. Ele em
seguida colocou galhos secos de mesquite do chaparral no
buraco e ateou fogo. Enquanto a mesquite queimava, don Juan
desenrolou o maço de ervas. As plantas eram grandes e duras. 
Ele as arrumou ligeiramente numa espécie de esteira. Depois
que a mesquite estava em brasas, ele colocou a o resto das
plantas soltas até o topo do buraco.
As plantas começaram a queimar. Ele colocou mais e
mais delas no fogo até que alcançassem o topo da superfície do
buraco. Don Juan esticou a esteira de plantas sobre ele e fez
sinal para eu me deitar sobre ela. Tirei as cabaças das costas e
fiz o que ele mandou.  O buraco debaixo de mim se estendia dos
meus joelhos até meus ombros e era um pouco mais estreito do
que a largura do meu corpo. Eu me abaixei um pouco e quando
me deitei, a esteira interrompeu minha descida  antes que eu
tocasse nas brasas quentes. A fumaça estava em todo o lugar.
- Respire a fumaça. Não importa o quanto você venha a
tossir, - don Juan disse.
O buraco estava muito quente. Comecei a suar, mas
não tossi.
- Eu vou realizar um ritual para ressuscitar os mortos.
Você está morta, quer você tenha percebido ou não. Você não
voltou completamente. Isso foi o que aconteceu com o seu
espírito. O ritual é para chamar seu espírito de volta e curar o
corpo da cilada do infra-mundo onde você apenas passou.  Eu
chamarei as memórias ancestrais em você, mas elas não
submergirão completamente até muito tempo depois. Enquanto
você estiver esperando, você dormirá. As memórias virão de
outros níveis de consciência e retratará a luta misteriosa entre a
vida e a morte. Não importa o que você verá, você tem que
lutar, contra o que quer que a espere, e não se entregar. O
conhecimento virá até você dos horrores e belezas de nossas
práticas ancestrais. Aquelas memórias começarão a reaparecer
em sonhos, e se você despertá-las, você despertará.
62
Don Juan começou a sussurrar uma cantiga e a batucar
numa das cabaças de água. Ele falava numa língua que eu nunca
tinha ouvido.
De repente, comecei a perder a consciência do calor,
da fumaça, da cantiga. Minha cabeça girava freneticamente de
um lado par o outro. Enquanto don Juan cantava, distorções
visuais forçavam caminho através da fumaça. Era como um
pensamento emitido na luz que descendia na neblina. Sobre a
neblina estava um disco de luz do sol dourado girando e
uivando. As feições aquilinas de don Juan destacavam-se
contra a fumaça, vigilante, través da luz, até que esta feria
meus olhos ao olhar para ele. Senti minhas células irromperem
com a pressão do calor pulsante e do batuque, mais alto, muito
intenso. O resultado foi uma tensão insuportável. Uma música
em alta freqüência emitida da energia perfurava meu cérebro e
penetrava em cada poro do meu ser. Don Juan gritava como
um animal selvagem. Havia um flash de luz e a fumaça se
dissipou!
Mais tarde percebi que as brasas estavam frias e que o
pôr do sol se aproximava. Eu tinha estado fora do meu corpo,
inconsciente por longo tempo. Don Juan pediu para eu me
levantar. Eu levantei e bebi agressivamente água das cabaças.
Ele rapidamente agarrou a cabaça das minhas mãos e indicou
que eu deveria me sentar enquanto ele enterrava as brasas.
Caminhamos mais profundamente no deserto. Estava
escuro quando chegamos aos pilares de arenito. Don Juan fez
sinal para nos sentarmos entre eles por um tempo até recuperar
nossa energia. Os pilares em si mesmos se levantavam como
forquilhas ajustadas espalhadas pela área rochosa do deserto. 
Além deles, como em um passe mágico, estavam colinas
vulcânicas e seus lagos misteriosos.
Quando a quietude da noite estabilizou mais
profundamente, don Juan aproveitou a oportunidade para
sussurrar poucas palavras. – Agora é necessário quebrar as
algemas/ o contrato (bonds) com a morte. Toda a criação
necessita dessa liberação.
Eu percebi intuitivamente que minha provação não era
inteiramente para mim, mas para a morte em si mesma.
Enquanto estávamos sentados entre os obeliscos de arenito, uma
bonita lua cheia surgia sobre o horizonte. Eu pude sentir o
63
puxão daquele corpo celestial, e apoiei-me em um dos pilares
para me expor mais a ele. Seu reflexo apareceu no lago e
libertei a mim mesma na água para comungar com ele.  Mais
tarde don Juan sentiu pumas na área, e nós caminhamos
cautelosamente de volta à sua casa no escuro.
Chegamos de volta de manhã cedo no dia seguinte.
Ainda estava escuro e dormimos até meio dia. Quando acordei,
don Juan tinha preparado mush (?) de milho para nós. – Não há
nenhuma forma de falarmos sobre isso, - ele disse, - Nós
estamos no fluxo. O que temos que fazer é navegar nele. Todas
as energias estão em jogo agora. – Nos apressamos para as
margens do rio Colorado. Para aquela viagem, levamos frutas
secas e mais cabaças com água. Quando chegamos, don Juan
desenrolou uma esteira de palha e a colocou entre os juncos e
ervas altas onde nos sentamos, perto da água correndo.
- Esta é uma segunda prática que vamos compartilhar
aqui, nas margens do rio. É ancestral e antiga como as
pirâmides. Foi uma vez compartilhada comigo. Agora se tornou
meu poder e meu destino. Esta é praticada apenas pela água,
num dia claro de sol como hoje. De outra maneira, não
obteríamos os mesmos resultados.
- Mas primeiro quero apresentá-la  (engage) a uma
prece física conhecida como Smoking Skull. Tem sido comum
entre videntes desde o começo. Você precisará desta sabedoria.
Eu quero que veja as linhas cintilantes de energia, que tecem
juntas toda a criação, vindas da terra, como estes juncos aqui. –
don Juan dava voltas com suas mãos na direção do relógio em
frente ao meu rosto. – Veja os tubos de luz dourada, fibras que
saem da energia da terra. Veja com o olho entre as
sobrancelhas. – don Juan me penetrou com um olhar ardente e
hipnótico.
Eu tive a sensação de explosão em meu cérebro e um
olho no interior da minha testa se tornou descoberto. Era como
olhar sobre uma membrana gelatinosa perfurada. Dentro do
espaço da perfuração eu podia ver um mundo de energia. Eu
podia ainda ver do lado de dentro da matéria em si mesma.
Don Juan continuou – Agora puxe  uma dessas linhas
de energia como se a tivesse fumando, inalando-a. Puxe a
névoa dourada para você e deixe-a fundir-se descendo como
64
uma pedra em seu útero. Veja um ovo brilhante se formando
ali.
Eu segui suas instruções misteriosas e fiquei
consciente de um zumbido em meu abdômen que empurrava
para cima e para baixo como um fole. Senti minha energia
interna começar a brilhar e se expandir dentro de mim, como
se perdesse minha consciência sensorial no exterior e me
focasse ma luz interior.
- Do ovo virá um vapor que escoará ainda mais para
baixo até que alcance abaixo de você e flutue em torno de você
e suba em sua coluna vertebral. Ela flexiona como névoa de
chamas. Quando alcançar seu coração, respire-a, puxando-a
novamente. Comece a sentir seus pulmões brilharem e seu
coração pulsar, queimando. Logo haverá tanto desta  energia
em você, que não haverá mais espaço para ir, mas subir. Um
ovo de luz expandido aparecerá no centro de seu peito. Inspire.
A luz aumentará, crescendo, se expandindo. Você exalará o
brilho. O ovo abrirá. Do lado de dentro está um fogo branco e
quente. O nariz e o meio da testa abrirá como se você
resfolegasse pó sagrado. Os olhos começarão a brilhar. O
vapor brilhante  alcançara o crânio, que aclarará e ressoará
como um cristal. O vapor girará em espiral dentro do cristal.
Veja as inclusões de vapores. O crânio inteiro começará a
exsudar vapor brilhante.
- Exale e faça um suave som “ha”. Deixe cair a
mandíbula,  abrindo a boca. Veja uma nuvem cinza de gás
venenoso escapar pela boca, reduzindo toda sua existência em
cinzas. Tudo, além de você e de mim. Emirja  enquanto a
energia for para dentro das cinzas. Levante-se para fora dela.
No cinza escuro gás você resplandecerá brilhante e brilhante
com fogo. Faça-o! Ele é seu! Fique com esse poder!
Eu na verdade senti um feixe de luz vindo até minha
cabeça e me enraizando naquele lugar. Passava através de
mim como um imenso canal. Don Juan exalou antes de mim. Eu
vi seus olhos brilharem com um fogo verde. Ele levantou seus
olhos para mim e levantou seu braço direito como uma
serpente. A palma de sua mão se voltou para baixo com as
costas da mão de frente para mim. Eu vi um olho se abrir nas
costas de sua mão, como um olho no centro da testa. Ele
estendeu dois dedos como presas de serpente prontas para dar
o bote. Ele levantou seu braço esquerdo como se chamasse
65
energia e então mandasse a voltagem através de seus dois
dedos diretamente para meus músculos abaixo dos meus seios.
Senti como se fosse picada. A energia correu em mim,
propelida por aquela pressão. Eu estremeci e perdi a
respiração. Meu escopo perceptual inteiro foi expandido e
ressonante. Tudo na existência vibrava rapidamente. Uma
porta brilhante e dourada foi aberta à minha frente.
- Antes do homem branco chegar em  nossas terras,
este rio inundava  toda a primavera. Então no verão, a safra
podia ser plantada, e no outono, colhida. Agora é um rio
represado. Mas antes, o único lugar a salvo para atravessar as
águas era bem aqui. Em qualquer outro lugar, a corrente era
muito rápida e profunda. Esta era nossa terra. A travessia era
bem aqui. Eu mostrarei a você como atravessar até altos reinos
de energia bem daqui deste ponto. Sou eu que tenho de
mostrá-lo a você, porque eu possuo o poder deste lugar.
- A maioria das pessoas não sabe o que fazer no
momento da morte. A fim de lutar contra ela, ou usar seu
poder, temos que liberar o melhor de nós mesmos. O ovo de luz
que você percebeu é a energia da força vital. É o seu melhor
começo. Cada vez que abre ele moverá você. Ovos de luz
branco-dourados banharão você em vida, cura e mágica.
Porque você liberou essa energia, ela retornará a você
magnificada. Essa é uma grande arte de manifestação e
criação. E mais ainda, cada vez que sua energia viajará  mais
e mais longe dentro do grande mar de toda a vida. Eu agora
dou a você essa travessia.
- Ouça bem. Se o momento de sua morte chegar você
deixará seu corpo como um ovo dourado gigante queimando
com o Corpo Energético dentro dele. Haverá uma lâmina
brilhante de luz à sua frente e um rio de energia abaixo de
você. Você caminhará sobre a água e começará a vibrar mais
rapidamente. Parecerá que você estará se dissolvendo dentro
da barreira de energia.
Atravessando o rio de energia, então exalará e
explodirá como fogo através da barreira e você me encontrará
do outro lado esperando por você. Este é o poder que estou
dando a você. Eu sou o único que pode emprestá-lo. Com este
poder você verá outro reino de energia e você poderá ainda
realizar a grande arte de atravessar com seu corpo enquanto
ainda estiver viva.
66
- Você tem um destino. O que a trouxe aqui anos antes
e o que aconteceu agora, aconteceu pelos desígnios. De outra
maneira você não estaria com um velho índio feiticeiro como
eu. Em retorno pelo que eu estou te mostrando, você se
lembrará que em algum momento você terá que compartilhar
isso com outros.
- Você começará a ver vórtexes de energia em seu
mundo acordada. Você está formando uma ponte entre energia
e matéria. Você será capaz de transmutar quase toda e
qualquer doença e fazer incríveis coisas se manifestarem. Esses
são presentes que você terá que compartilhar. Se você praticar
Smoking Skull, nenhum conhecimento será negado a você,
provendo seu coração de pureza. Uma vez que você esteja
poderosa o suficiente, será capaz de evocar esta energia,
cultivá-la e transmiti-la da maneira como eu fiz com você. Eu
revelei essas coisas a você porque elas estão para acontecer e
você terá que se preparar para elas.
- O que você fez comigo naquele ritual de fogo? Era
como um ritual de cremação.
- Exatamente. Você estava morta. Depois disso eu
penetrei no núcleo do seu ser com energia. Eu te dei estes
presentes porque estou cuidando de você. Eles são meus e
agora são o seu legado. Não há poderes como estes. Você tem
sido levada pelo poder em si mesma. Agora levante-se.
Eu estava tremendo. Don Juan me aterrorizou. –
Depois que você testemunhar este ato final, terá que deixar este
lugar. Você dormirá por um tempo, por muitos anos, e então
despertará e lembrará que tem uma tarefa a realizar. Depois
dessa finalização, eu a chamarei e você deixará o mundo
comigo.  – Ele me olhava fixamente até que me aquietei
completamente. Don Juan colocou os braços em torno dos
meus ombros. Ele começou a se transformar. Senti um auto-
desejo de silêncio em mim. Eu não conseguia sair dele! Don
Juan me perfurou, fixando toda minha atenção. Quando ele
tinha meu foco inteiro, explodiu em luz, queimando como uma
supernova à frente de meus olhos! Raios de luz de fogo
dourada disparavam dele e penetravam todo o meu ser. Eu
estava lutando com a cegueira! Todos os átomos, todas as
células, estavam queimando desde o núcleo. Oh, meu Deus! O
que eu fiz? O que eu vi?
67
CAPÍTULO 8
Vinte anos se passaram antes que minhas profundas
memórias começassem a reaparecer, vindo na forma de sonhos.
Até sua chegada, eu estava verdadeiramente dormente. Meus
sentimentos tinham ficado amortecidos. Eu vivia minha vida
num sonho vazio e material. Eu ainda me perguntava se minhas
poucas memórias de don Juan e Chon não tinham sido meras
alucinações. Eu suspeitava que, em minha dor cruel seguida da
morte de Richard, tivesse simplesmente enlouquecido
temporariamente. Para esconder essas suspeitas de mim mesma
e de outros, prossegui com a licenciatura escolar e ensinava
profissionalmente num transe escapista acadêmico.
Eu me encontrava numa montanha enevoada em
Chiapas, México, sentada numa choupana repleta de fumaça
de incenso de copal. Do lado de fora, caçadores Mayas
arrastavam um trenó com um jaguar doente numa cama feita
de feno, o animal estava numa condição lamentável e era
cuidadosamente ameaçado. Os caçadores pararam do lado de
fora da porta do meu quarto. O jaguar removeu uma máscara
de pedra branca sem olhos de sua cara e a atirou sobre a neve.
Os caçadores continuaram seu caminho. Eu considerava minha
situação, encolhida perto da porta. Decidi recuperar a
máscara.
Foi então que um guerreiro sacerdote, vestido com
uma capa de pele de  jaguar, veio até a minha porta. Ele cavou
o chão com seus pés e levantou os braços para o céu numa
dança hieroglífica, e parecia muito ameaçador. O sacerdote
tirou outra máscara, que era manchada como uma pele de
jaguar, e a jogou na neve. Ela caiu do lado da outra. Eu sabia
que ele queria a máscara branca do jaguar e se preparava
para lutar comigo por ela. Decidi aquiescer. Quando ele
olhava
para longe, peguei sua máscara. Ele pegou a máscara branca
da neve e caminhou entrando na névoa.
Eu acordei desse sonho com o telefone tocando. No
escuro eu rolei sobre a cama e andei  apalpando no escuro para
atender. Eu estava desorientada e não tinha idéia de que horas
eram. Quem ligava era meu médico, Dr. Melville Strickle.
68
- Merilyn, eu recebi a sua mensagem. Você ainda está
se sentindo mal? – ele perguntou com seu sotaque interiorano.
- Sim, doutor, eu me sinto péssima.
- Você tomou seu remédio?
- Sim, claro. – peguei a receita do medicamento com
uma mão e com a outra toquei minha testa. Eu ainda estava com
febre. – Eu não pareço estar resfriada. Eu não posso comer,
senão começo a tossir e vomito. E minha febre está muito alta,
eu não posso estar resfriada.
- Merily, tem alguém que eu quero que conheça, um
especialista do Sacred Heart Hospital, Dr. William Babbit. Eu
quero que ele faça um check up em você.
- Ok, dr. Stickle, se você prefere assim.
- Bom. Vou fazer um encaminhamento para amanhã de
manhã.
- Amanhã? Mas  é sábado.
- Ele tem pacientes no sábado até o meio-dia. Esteja lá
tão cedo quanto possa.
Eu estava agora muito preocupada. O que estava errado
comigo? Eu já tinha faltado quase uma semana no trabalho e
supunha que meus alunos estariam vegetando. Eu não me sentia
bem desde que os levei para testemunhar o lugar onde Colombo
tinha aportado. Não pude dormir naquela noite. Uma das coisas
que reverberavam em minha mente foi como minha sala de aula
havia incendiado recentemente. Meus alunos e eu estávamos
pintando um mural da pirâmide Maya dedicada ao deus
Kukulkán numa parede da sala. Nós apenas completamos o
desenho quando deixamos a escola naquela tarde de sexta-feira.
No final de semana, toda a ala de línguas da escola pegou fogo.
Parecia que o fogo tinha começado misteriosamente; sua causa
não pôde ser determinada. O incidente inteiro me perturbou
terrivelmente. Eu sentia que tinha, de alguma forma, alguma
conexão entre o fogo e o começo da minha doença.
Na manhã seguinte acordei com o sol entrando pela
minha janela. Mesmo depois de ter descansado à noite inteira,
eu me sentia fisicamente fraca. Me troquei e saí para minha
consulta vestindo meu casaco de lã, guiando meu carro
69
rapidamente naquele dia de dezesseis graus. Alcancei o hospital
e buscava pela entrada até o estacionamento para o subsolo, no
centro de câncer. Encontrei e estacionei na primeira vaga que
encontrei. Quando saí do carro, notei um Jaguar sedan preto
parado na vaga ao lado do meu jipe.
As portas de vidro do Centro de Tratamento do Câncer
se abriram quando me aproximei do sensor.  Dentro havia uma
área de recepção...  uma recepcionista gentil me olhou
curiosamente.
- Você tem consulta marcada?
- Sim, com o Dr Babbit, - balbuciei, me apoiando sobre
o balcão de madeira.
- Qual o seu nome? – ela olhava uma pasta grande.
- Merilyn Tunneshende, - eu disse, mas a mulher me
olhou de volta, parecendo confusa. – Algum problema?
- Você não está na lista.
- O Dr. Stickle fez um encaminhamento pessoal com o
dr. Babbit para me atender nesta manhã. Eu não sou sua
paciente regular.
- Parcialmente convencida, ela interfonou para o andar
de baixo para checar. – Você pode descer. Ele irá atendê-la.
Pegue o elevador para o subsolo e vire à direita.
Desci de elevador um andar e senti um arrepio quando
a porta se abriu numa cena diretamente vinda do inferno!
Pacientes de câncer. Algumas pessoas cambaleavam ao andar e
tinham uma cor cinza-amarelada, e agonizavam. Havia idosos e
jovens esperando à volta, algumas sentadas, e outras apoiadas
contra os móveis agradáveis, orquestrados numa música soul-
numbing (?) nos fundos.
No centro havia um templo alienígena, como um altar,
com cubos...
- Merilyn Tunneshende? – perguntei, incerta de que
estaria no corredor indicado. – para o Dr. Babbit. – balbuciei.
Ela fez sinal para outra mulher, que disse: - Venha por aqui. –
ela me guiou por entre portas de laboratórios e sessões de
tratamento de quimioterapia.
70
Eu estava atônita pela energia escura que percebi ali,
evidentemente devido aos efeitos nos pacientes de
quimioterapia e terapia de radiação...
- Merilyn, sou o dr. Babbit. – Precisei de toda minha
força para levantar da cadeira. Enquanto me esforçava para
levantar, tive um vislumbre de mim mesma num espelho
pequeno. Meu rosto parecia um crânio coberto com uma pele
cinza mumificada, e meu cabelo ruivo escuro caía como palha
oleosa abaixo de meus cotovelos ossudos.
Dr. Babbit viu minha reação à minha imagem no
espelho e gentilmente me empurrou de volta à cadeira. – Sente-
se Merilyn, - disse gentilmente. Seus olhos ainda estavam
alarmados. Eu podia imaginar sua sinapse queimando numa
rápida seqüência.
Eu então dei uma boa olhada sobre ele. À primeira
vista, parecia ser Escandinavo. Tinha uma aparência muito
nórdica, de comando...
- Vamos conversar sobre seus sintomas, - ele sugeriu. –
Febre?
- Sim.  Em torno de 40 graus.
- Suores noturnos?
- Sim! Como você sabe?
Ele deu de ombros. – Você está tossindo. Há quanto
tempo está assim?
- Começou perto do dia de Ação de Graças, mas piorou
desde o Natal. Estamos em Fevereiro?
- Sim. Perda de peso?
- Perto de vinte quilos desde o mês passado, - eu disse,
olhando para meu corpo agora emaciado.
- Glândulas inchadas? – Ele olhou para minha garganta
e meu pescoço.
- Não que eu saiba.
- Náuseas? – sua lista parecia interminável.
- Oh, sim.
71
- Eu preciso examiná-la, Merilyn, se puder, apenas
sente-se sobre a mesa. – ele foi até o corredor e chamou por
uma enfermeira. Quando ela chegou, o dr. Babbit procedeu
apalpando  meu pescoço como um pedaço de massa de pão.
Seus dedos fluíam levemente acima e abaixo, dos lados do meu
pescoço. – Você não sentiu essas glândulas inchadas em seu
pescoço? – ele parecia alarmado.
- Não.
Ele me olhou com uma preocupação grave. – Você
esteve fora do país?
- Sim, com freqüência. Mais recentemente no México.
Eu estava trabalhando numa concessão / doação para a NEH
(?). Você acha que peguei a doença lá? Eu nunca tinha estado
doente antes, exceto por vírus gastro-intestinal ocasionais.
- Eu não tenho certeza. O que você acha que tem?
- Dr. Stickle acha que pode ser mononucleose, mas não
estou melhorando com o descanso.
- Se isso é mono, é o pior caso que eu já vi, - ele disse
mordaz, e depois adicionou mis gentilmente. – Eu vou checar
você no hospital. Vamos fazer alguns exames.
- Tudo bem. Faça o que achar melhor.
Ele sorriu. Médicos são carentes de aquiescência. –
Então, sobre o que é a concessão/ doação que você está
trabalhando?
- Eu estava investigando as raízes dos muralismos
espanhóis como arte nos murais pré-Colombianos dos Mayas
ancestrais. Meu NEH (tese?) me permitiu passar três meses nas
florestas e montanhas da Península de Yucatán. Fiz um enorme
trabalho lingüístico através do meu doutorado também.
- Você é fluente em espanhol? – ele parecia intrigado.
- Sim. Mas não a hispânica.  – comecei a tossir
novamente.
- Com licença, Merilyn, - ele atendeu ao interfone...
Eu fui retirada por uma atendente numa cadeira de
rodas e precipitadamente admitida à la carrera, ou em trânsito,
rapidamente entre túneis como entranhas neste subsolo
72
radioativo até o elevador e emergindo até o oitavo andar do
hospital. Eu fui levada até a sala 800...
A noite estava caindo, e pude finalmente descansar. A
pirâmide de néon na cabeceira da minha cama brilhava
insistentemente na luz difusa. Enquanto eu a observava, caí no
sono.
Havia uma lua cheia sobre a pirâmide de néon. Uma
névoa subia através do vidro da janela. Meu lençol estava
úmido. Meu travesseiro estava empapado de suor induzido pela
febre.
Eu escutava flautas de cerâmica e ankle cymbals. O
topo da pirâmide é banhado por uma luz branca cegante. Eu
estava sendo tele-transportada, ajoelhada numa câmara
lavrada em limestone anterior a um altar de pedra. Eu fui
alcançada por aquela genuína visão desperta. Apalpando
cegamente na luz como se nadasse em alguma substância
desconhecida, meus lábios pronunciavam palavras
indecifráveis.
A luz começou a se condensar mais brilhantemente do
lado do altar em oposição ao meu. Ela solidificou com uma
tensão insuportável até que disparou para cima como uma
lápide gigante translúcido, acima do chão. Ao seu lado havia
emanações como asas branco-amareladas angulares e
pontudas. No centro do tubo luminoso estava uma fenda
brilhante e vertical, um lugar onde dois mundos de luz
colidiram. Daquela fenda que o ser de luz falava.
- O que é você? – eu perguntei, com minhas mãos
fechadas em frente ao meu coração.
Um som retumbou em resposta. Senti um braile de
hieróglifos, símbolos flutuantes de luz, sendo transmitidos da
fonte de luz até as pontas de meus dedos no altar de pedra.
Meus dedos flutuavam como os de uma cega cruzando
pensamentos abstratos e luminosos. Os hieróglifos se tornaram
pequenas serpentes de luz picando delicadamente as pontas dos
meus dedos com presas afiadas. Eu continuei sentindo-as
retorcendo-se sob meu toque.
- Estou aqui para levá-la de volta àqueles que
lembram de você. – a luz pareceu cobrir a câmara. Condensou
novamente na minha frente.
73
- Quem é que se lembra de mim?
Eu vi uma mão de luz branca emergir da fenda central
do ser radiante. Eu o sentia ternamente, gentilmente,
acariciando meu peito. Luzes irradiaram dela como se fosse
vapor de gelo seco. A mão era refrescante e calma.
- Lembre-se, - a voz estava dizendo. Eu tive um flash
de total claridade. Eu soube o que estava acontecendo comigo.
Eu soube o que estava por vir.
74
CAPÍTULO 9
Eu dormia na minha cama do hospital muitas noites
mais tarde. O dia tinha passado num atordoamento de
enfermeiras entrando e saindo do quarto, colhendo mostras de
sangue ou tentando me convencer a tomar copos de suco de
laranja, que eu rejeitava com desdém. Eu meramente olhava
para a comida que era trazida; o cheiro era suficiente.
A luz da lua brilhava através da minha janela,
cintilando... eu me banhava na luz. Eu sentia que era tempo de
ir novamente, na luz da lua e no silêncio.
Comecei a levantar-me para fora do meu corpo físico,
vagando e flutuando para cima. Senti que ascendia livremente 
e então encontrei-me novamente viajando através de outro
reino.
A névoa  do Sonhar se dissipou e revelou a terra de
Mexicas, ancestral à Maya, no México central. Aquela era uma
visão aérea da pirâmide de Teotihuacán ao sol. A pirâmide
estava planada abaixo, massiva e celestial, quase como uma
mesa natural, mas com degraus. Eu sabia que abaixo desta
pirâmide havia cavernas onde os ancestrais Mexicas se
arrastavam até a saída numa grande  inundação, guiados pelos
tênues raios de sol salpicados através das gretas. Sobre as
cavernas eles moldaram barreiras, construídos na época e
novamente até que veio a grande pirâmide do Novo Mundo,
feita somente depois da pirâmide de Gizé. Eu sabia que antes
da inundação era frio ali e que os homens caçavam
mastodontes, e que muito antes havia muitos vulcões ativos
entre a densa vegetação. Eu reconheci tudo a um simples
vislumbre. Senti que era na época zero “A.D.” Os grupos de
nativos americanos na sua maioria eram nômades. O milho foi
sendo domesticado e a água era a importância primária.
O tempo deslizou adiante até 300  "A.D."  Os
descendentes dos povos nômades se estabilizaram ao sul da
Península de Yucatán, onde era muito tropical em alguns
lugares, mas a maioria árida em outros. Havia uma lenda de
que na costa daquelas terras, colidiria um asteróide gigante,
vindo do céu, e  faria subir uma nuvem de poeira, bloqueando
a luz do sol, e mergulharia o mundo num frio cinzento. As
pessoas desenvolveram a astronomia para predizer aquele
75
fenômeno. Eles eram portadores de tradições como
fortificações, arte, e agricultura. Os homens eram muito fortes
e caçavam criaturas selvagens.
A cena se moveu adiante no tempo até a perto da
formação natural. Era uma imensa, circular, lagoa de água
fresca, quase sem fundo, cercada por porosas pedras calcárias
brancas e árvores. A península era perfurada com aqueles
lugares, e eram sagrados. A água do mar era filtrada através
da pedra calcária, que filtrava o sal, fazendo a água potável.
No fundo desses lagos vivia o deus da chuva Chac. Ele se
mostrava através do nível da água se estava satisfeito ou
insatisfeito.
O sacerdote da água, que podia interpretar Chac mais
efetivamente, ficava na margem da formação. O vento soprava.
O horizonte estava escurecendo. O sacerdote vestia uma roupa
de linho abaixo da cintura, como uma saia. Ele estava gritando
para o céu.
- Apenas o grande espírito das águas, Chac, traz água
para a vida nova em nossas terras e leva a água de
volta. – o sacerdote gritou, - então, a vida de suas águas que
traz, ele também tira. Desta forma, eu, servo de Chac, ofereço
esta nova vida na esperança que ele venha permitir nossa
colheita mais uma vez.
Era a estação seca, quando Chac deveria aparecer. Se
ele levasse a água de volta eles teriam um grande calor.  Havia
gritos na multidão.
- Chac, estamos sedentos! Chac, traga-nos água!
Um bebê sorria como em pequenas cólicas. Seus pais
estavam em pé obedientes perto da margem.
- Ele vai jogar o bebê na água! – alguém gritou.
Entrei conscientemente neste Sonho. – Não jogue este
bebê! Sua nova vida será tragada
Alguém gritou da multidão: - Vamos  ver o que ele
fará com ela! – outro homem apontou para mim. – Podemos
oferecer o bebê mais tarde se for preciso. Essa é uma forma
nova. Ela está se oferecendo!
- Uma forma nova! – a multidão entoava.
76
Os pais caminhavam com seu bebê. Eles esperariam
na cabana cerimonial até a manhã seguinte.
- Nós a lançaremos à noite. – o sacerdote grunhiu
olhando para mim. Seus olhos brilhavam quando ele voltou à
sua cabana para aquecer seus pensamentos na fumaça de
copal, me deixando de pé na margem do lago. As pessoas
circulavam o lago e me olhavam à distância. Quando se
dispersaram, cochichavam entre si. Eu me sentei e inclinei
minhas pernas sobre a margem. Havia uma grande distância
entre o fundo do lago e meus pés. Eu me perguntava se seria
fria ou morna.
Enquanto eu estava sentada pensando, escutei um
farfalhar vindo da floresta. Da folhagem apareceu Chon, cor
de bronze e tenso, com os dentes brancos como a lua. Ele ainda
vestia túnica branca. Ele carregava um maço de folhas verdes 
amarradas em sua mão esquerda. Fiquei encantada em vê-lo.
- Esta é a entrada que você tem Sonhado. Nós
estivemos esperando pelo seu despertar. – ele disse, me
examinando com curiosidade. – Nós partiremos daqui. Chac é
antigo e insondável. Ele não irá cuspi-la. Ele irá transformá-la.
Chac é um espírito. Deixe-me partilhar isso com você. – ele
apontou para seu maço e me esfregou com as folhas.
Chon então  esfregou meu corpo inteiro com a mistura
aromática de óleos vegetais e animais. Enquanto ele aplicava
os ungüentos, o dia se tornou noite. O sacerdote retornou e
Chon desapareceu na floresta.
- Eu nunca vou lançá-la. Entre você mesma, - ele disse
subitamente.
- Mas não tenho como descer, - e disse, olhando par a
água escura.
- Você terá de pular. – Ele assomou em minha direção.
Atrás dele, o vento farfalhava as árvores.
Eu considerei a possibilidade de usar as videiras para
descer e então voltar a subir durante à noite, mas o
sacerdote me olhava para ter certeza de que pularia. Eu não
tive escolha. Ele então puxou uma faca de pedra e se
aproximou. Se eu não pulasse, ele me mataria. Não havia mais
ninguém presente. Eu o ouvi grunhir. Eu pulei.  Meu estômago
77
revirou e minhas pernas flutuaram até baterem na água gelada.
Eu não podia respirar. Então me senti à deriva.
- Não controle. Libere a si mesma para a energia de
Chac. – ouvi a voz de Chon quando saiu da floresta.
Eu abri os olhos. Estava escuro, mas senti que
flutuava na superfície da água. Expirei. Phaa! Mas não podia
mover minha cabeça à volta para inspirar ar puro.
- A gordura de jaguar, - Chon disse quando chegou ao
local na margem onde pulei. – e as plantas aromáticas a
aquecerão. Apenas fique como está. A lua nascerá em breve.
Ela ainda terá que decidir. Aquele sacerdote está ameaçado
pelo seu poder. Ele disse, “Se ela flutuar morta, significa que
Chac a rejeitou. Se não encontrarmos seu corpo, significa que
Chac a aceitou.” Ele saiu tão logo você havia pulado.
Eu permaneci na água. Chon falou sobre como o
tempo e o Sonhar são circulares. Eles sempre voltam. Então a
lua apareceu. Estava completamente cheia. Quando atingiu o
topo do céu, iluminou diretamente onde eu pulei, e eu fui
suspensa numa gigante bola branca brilhante. Me movi um
pouco para ondular na luminescência.
- Eu sabia. – Chon gritou triunfante. – Fique dentro da
lua. Você será uma vidente. Apenas permaneça como está e
ouça os pássaros até que amanheça. – ele desapareceu na
floresta novamente.
Eu tentei arduamente ouvir apenas os pássaros, mas
tudo então ali eram gritos animais, barulhos aterrorizantes que
borbulhavam na escuridão. Gritos arrepiantes que me faziam
pensar em algum tipo de alma antiga. Finalmente vi um rastro
púrpuro e escarlate no céu. Então ouvi uma multidão chegar
abaixo do caminho. Chon saltava como um pássaro preto,
balançando a videira enquanto tentava me puxar para fora.
- Chac a abençoou, - ele gritou à multidão. – Ela não
foi morta nem rejeitada. Ela está viva ali.
A videira foi lançada na água. – Pare de dizer
asneiras, - o sacerdote disse enquanto eu agarrava a videira e
eles me puxavam para fora. – Chac nem mesmo reconheceu o
intento dela.
- Reconheceu sim! – Chon insistiu.
78
Eu estava pingando e coberta com gordura verde e
lama. O tecido da minha roupa estava ainda verde translúcido
e com terra presa, mal cobrindo meus músculos.
- Isso é uma abominação, - o sacerdote silvou,
empunhando a faca de pedra e encostando-a contra minhas
costelas.
Houve uma escuridão e senti meu corpo elevar-se. Eu
estava novamente flutuando sobre o mesmo lugar da floresta,
mas agora havia muito mais pessoas ali. O lugar estava pleno
de vida. Múltiplas construções em pedra e pirâmides gigantes
em abundância. Eu vi uma estrutura em espiral, um
observatório astronômico.
Eu flutuei descendo como uma fumaça e me
reuni,sentada de pernas cruzadas, num canto escuro num local
de treinamento à parte para mulheres. Ali, elas eram instruídas
e viviam suas vidas até serem “chamadas”. Chon estava
sentado comigo. Eu admirava seu rosto Maya gentil e
preocupado. Ele sorriu e apontou para a crescente massa de
nuvens sobre o observatório.
- Estava esperando por você. A oferenda ao deus Chac
foi modificada. Se avançarmos neste conhecimento ainda mais,
teremos que curar este aspecto sacrificial.
- Em que ano estamos? – perguntei a mim mesma. Eu
via dos hieróglifos um Lorde, numa stela de pedra, como um
totem do lado de fora da Nunnery, que reinou no ano
equivalente a 650 "A.D".
Ouvi os pesados passos de Halach Uinic se
aproximando, tilintando jade. Ele cobriu o sol enquanto
bloqueou o corredor, olhando para dentro. Ele era imenso,
alto, forte, e poderoso. Eu olhava assombrada para Chon.
- Bem-vindos a Chichén Itzá, - grunhiu o Lorde. Seus
dentes eram incrustados com jade e turquesa. Ele olhou para
mim e então se foi, seguido por dois nobres vestidos em robes
de pele de jaguar. Estava agora dando uma volta com Chon.
Havia cisternas feitas pelo homem  e a água fluía no chão  e no
subterrâneo sobre brasas para banhos de vapor. Na costa, à
frente de Tulum, havia locais para banhos rituais e purificação
tão divinos que pareciam celestiais. Estávamos nadando no
subterrâneo em água transparente, banhada pela luz do sol dos
79
buracos feitos no teto da caverna. Golfinhos saltavam e
escorregavam para dentro e para fora das cavernas cheias de
água que apontavam para o mar.
Viajamos por uma canoa subindo o rio pela floresta
até o outro local, Palenque, longe de Chichén Itzá. O Lorde
dali era Aháu Pacal Votán, e tinha instalado um sistema
hidráulico sanitário, e foi ele que construiu o imenso Templo
das Inscrições para guardar seus restos mortais. Assim como
Hualach, era um homem imenso, mas pálido e club footed, e
olhos saltados.
Dentro do palácio, na Câmara das Iniciações, as
pessoas perfuravam suas línguas e genitais num ritual de
êxtase e sangue, onde obtinham visões e se divinizavam com o
sangue derramado.  Espécies de cogumelos eram comidos, ou
pulverizados e fumados, para produzir alucinações que eram
intensamente reveladas. As visões e divindades guiavam os
participantes, fora do corpo, através de reinos de deidades.
Quando caminhávamos pela floresta de volta a
Chichén Itzá, nossa trilha estreitou e então desapareceu
enquanto ascendemos, girando para cima, como vapor sobre a
vegetação exuberante. Quando descemos, o tempo tinha se
movido adiante. Eu vi um pátio de pedra com objetos
cilíndricos suspensos por cordas, que trabalhadores em
vestidos em tangas empurravam. Quando os cilindros eram
colocados, faziam um som estrondoso que era ouvido por
milhas. Havia rostos não Mayas mesclados ao grupo que
passava. A prática Maya de aplanar e intensificar a cabeça era
comum, e muitos tinham narizes pontudos, que era ausente
naquelas pessoas que os narizes eram pequenos e finos e com
rostos redondos. Eles tinham aparência feroz e seus costumes
eram diferentes, mais como guerreiros.
Eu li uma inscrição numa pedra que o tempo era 1200
"A.D". Eu despertei para o fato de que aquelas pessoas
estrangeiras eram descendentes dos Toltecas, que foram
perseguidos no norte. Eles se estabeleceram em Chichén Itzá e
a revitalizado. Chon e eu caminhávamos até uma imensa
pirâmide à nossa direita, dedicada ao profeta Kukulkán, ou
como eles diziam em sua língua, Quetzalcoátl. Ela era alinhada
com o sol, e a luz formava  pequenos  triângulos numa grande
série de estrelas, descendendo e ascendendo como o corpo de
uma serpente dentro das cabeças de pedra de serpentes
80
enormes. Kukulkán era uma poderosa deidade de
transformação.
Prosseguimos lentamente ao longo do pátio, que
levava a um alto e largo templo com escadas. No fundo havia
colunas de pedra que se estendiam quase infinitamente em
torno do templo; mais de 1000 em torno dele, sustentando seus
grandes corredores cobertos de palha. Aquele era o Templo
dos Guerreiros. Uma multidão estava reunida à frente do
imenso templo. Eu fui até o fim de uma das colonnades
cobertas de palha.
Chon emergiu comigo da multidão, seu rosto denotava
preocupação. – Nós chegamos. Isto é o que temos que
transformar. O sacrifício se tornou algo do infra-mundo. – eu
concordei completamente.
Os Mayas estavam cantando. Os Toltecas estavam
contendo a multidão agitada. Comecei a empurrar fazendo meu
caminho através da multidão, que gritava numa língua
estranha para mim. Eu tinha que Ver. Os Toltecas estavam de
pé ao meu lado e me deixaram passar até que cheguei até a
base das escadas. Então, um deles agarrou meu braço e me
escoltou subindo as escadas.
- Eu não preciso da sua ajuda, - eu disse, libertando
meu braço. Eu subi os degraus, que eram extremamente
empinados e cobertos com hieróglifos em terracota e outros
multicoloridos. A escalada era muito longa. Houve um silêncio
na multidão quando os sinos (chimes) tocaram. Quando
alcancei o topo, olhei para um deus em pedra vermelha
reclinado com uma barriga  imensa e um prato incrustado no
topo da escada. Nos quatro cantos do templo, dominando a
floresta, haviam figuras em pedra ajoelhadas segurando taças
que colhiam o “néctar dos deuses”. Uma cabeça massiva de
serpente sentada atrás e à esquerda do deus de pedra
vermelha.
A fumaça do incenso criava um névoa à minha volta.
De repente, experimentei uma vertigem pelo calor. Através da
fumaça, vislumbrei a pirâmide de Kukulkán à distância. Fora
da câmara de pedra emergiu dois sacerdotes Toltecas vestidos
em robes vermelhos com elmos dourados de águia de onde seus
rostos olhavam atentamente. Cada um deles segurou meus
braços. Então, fora da divisão de pedras estava Halach Uinic,
81
resplandecente em penas verdes de quetzal, como uma aura
verde esmeralda,  como um espetáculo em si mesmo.
Ele me olhava com satisfação e começou a afiar uma
lâmina de obsidiana numa pedra cerimonial. Chon ofegava em
seu caminho subindo até nós. Ele trazia uma urna cerimonial
de gordura medicinal. Chon me saudou com grande empatia
enquanto esfregava a gordura sobre meu peito e sussurrava
uma prece. Meu peito estava pesado, e era difícil respirar.
Minha pele ainda estava formigando, flutuando fora de si
mesma.
Chon ficou em pé do lado dos dois sacerdotes Toltecas
que me escoltavam até uma  placa de pedra. Segurando meus
braços de cada lado, eles viraram comigo para trás da placa,
quando dois sacerdotes sem elmos amarraram meus pés juntos
a um anel de pedra no chão. Halach Uinic se inclinou sobre
mim.
Eu sussurrei: - Eu não tenho medo de você. – à minha
frente, um sacerdote sem elmo segurou meus dois braços acima
da minha cabeça; o outro caminhou na minha direção e me
empurrou para trás em cima da placa de pedra, me inclinando
pela cintura. Halach se inclinava sobre mim. Eu podia sentir
sua respiração pesada em mim. Ele me inspecionava.
- Eu não tenho medo de você, - repeti olhando de volta
para ele. – Não há mais nada que você possa fazer comigo.
- Aqui é onde você toma seu poder! – Chon gritou. –
Depois disso, você passara pela pior provação!
Eu olhava dentro dos olhos de Halach Uinic e via seu
medo. Ele temia perder a batalha. Seus olhos ferviam e seu
templo começava a transpirar. Com sua lâmina ele pressionou
forte meu esterno, abrindo meu peito. Ele esticou a mão dentro
do meu corpo e puxou para fora um tesouro sangrando: meu
coração ainda pulsando. Halach ofegou quando olhava para
ele. Meu coração começou a queimar com fogo dourado.
Abaixo, a multidão se agitava em câmera lenta. Halach lançou
meu coração em chamas no prato do deus Mool em pedra
vermelha.
82
CAPÍTULO DEZ
Dr. Babbit parou na manhã seguinte com um estudante
robusto ao seu lado... Eu me encolhi sobre a cama e olhei no
espelho. Eu trançava meus cabelos sob uma lâmpada
fluorescente.
- Merilyn,  - dr. Babbit começou hesitante. – nós
descobrimos algo.
- O que? – perguntei olhando para ele.
Ele suspirou. – Você tem... AIDS, - ele finalmente
disse, olhando para longe do meu sobressalto.
Silêncio. AIDS? Oh, meu Deus! Eu estava incrédula.
Era como se o dr. Babbit se movesse em câmera lenta, me
olhando com sua visão periférica e me fosse difícil ler sua
expressão. Eu me virei e olhei para a neblina fora da janela.
Minha energia estava respirando do lado de fora do
meu corpo, um pouco atrás e acima dele, por um cordão
prateado que atravessava meu abdômen. Eu estava imóvel ali
em total choque. O estudante voltou seu rosto até a minha
direção. Ele parecia ruborizar-se e começar a suar. Alcancei a
cabeceira da cama e me apoiei sobre ela.
- AIDS? – eu me esforcei para sussurrar.
- Não sabemos se já se expandiu muito.
- O resultado do exame já está pronto?
- Sim.
- Isso é impossível. Você VIU o vírus?
- Detectamos anticorpos que lutam contra este vírus.-
ele disse sombrio, ainda olhando para fora da janela.
- Faça os exames novamente! – eu gritei.
- Eu farei, - ele disse, me olhando profundamente pela
primeira vez, sua voz era ansiosa.
- Deve haver algum engano! – eu tremia.
Dr. Babbit me olhou segurando a cabeceira da cama, e
então olhou para o ruborizado neófito e deixou o quarto junto
com ele.
83
No dia seguinte, comecei a devorar os jornais e
literatura médicos sobre AIDS, perto de 1992, da livraria da
enfermagem. Cada artigo que eu lia era mais desencorajante e
pessimista que o anterior. Uma enfermeira gentil de nome
Fauna me trazia solenemente as enciclopédias, pesadas,
empoeiradas, ao meu comando, como se as tivéssemos
recuperando da biblioteca de Alexandria.
- Merilyn, você acha que pode realmente ler tudo isso?
- Eu tenho que saber, Fauna.
Em primeiro lugar, comecei a recitar os nomes desses
demônios biológicos para mim mesma de novo e de novo,
suando ao virar imensas páginas da necronomicron.
Os médicos vieram realizar o  exame de pele TB. Eu
fui informada de que se minha imunidade estivesse baixa eu
poderia não ter reação na pele, mas poderia ainda ser afetada
pela tuberculose. Os médicos trabalhavam usando máscaras
faciais.
Mais tarde, às 10:00 da noite, acordei para ouvir uma
discussão do lado de fora do meu quarto fechado. Uma viga de
luz angular inundava a escuridão, e duas pessoas fizeram uma
grande entrada na ante-sala. A enfermeira, Patsy, com uma
máscara em seu rosto, acompanhada por um homem baixo, bem
vestido e delicado, com cabelos grisalhos, que caíam à altura da
testa e orelhas.
- Merilyn, eu trouxe alguém para ver você. – Patsy
disse atrás da máscara.
- Eu sou o Doutor...
- Rosco Bostik, - exclamei, sentando-me na cama e
estendendo minha mão a ele.
- Como você sabe meu nome? – ele perguntou com um
acento carregado, me oferecendo sua mão pequena, fria e bem-
cuidada. – Você ouviu falar de mim? – ele parecia
desconcertado.
- Dr. Babbit disse que poderia vir me ver esta noite.
- Oh, bem, sim, - ele disse. – o dr. Babbit também disse
que eu sou uma das maiores autoridades no país em HIV/AIDS?
84
Eu concordei com a cabeça. Dr. Bostik parecia
satisfeito com sua notoriedade. Ele puxou uma cadeira para
perto da minha cama e se sentou elegantemente, cruzando as
pernas no quarto escuro. – Se você nos der licença, Patsy,
iremos conversar por uns minutos.
- Claro, Doutor. – Patsy disse saindo e fechado a porta
atrás de si.
Dr. Bostik me observou por um momento, fazendo um
gesto triangular com suas mãos em frente ao seu rosto. Ele
colocou uma pequena máscara de papel azul de seu casaco e a
colocou na mesa ao seu lado. – Eu não vou colocar esta coisa.
Eu não gosto dela. E, além disso, sou imune à tuberculose. Eu
tive quando era garoto. – ele pausou por um momento,
apoiando-se ao meu lado. – Merilyn, me fale sobre você.
Eu fiquei encorajada pelo fato de ele ter sobrevivido à
tuberculose; pela sua idade, ele devia ter pegado na década de
trinta, antes dos antibióticos. E a despeito de sua imunidade,
fiquei tocada pelo seu gesto.
Eu comecei hesitante, - Eu sou uma professora escolar
de trinta e nove anos.
- Sim, eu sei disso, - ele disse pacientemente. Eu
conversei com o dr. Stickle. Eu quero dizer, fale sobre sua
doença.
Um tanto desconcertada, olhei para ele na escuridão.
Comecei a enumerar meus sintomas de febre, suores noturnos,
perda de peso,  fraqueza, tosse e fadiga. Bostik escutava
atentamente, quase com fascinação.
- O que te disseram, Merilyn? – ele perguntou
docemente.
- Que eu tenho AIDS. – olhei sua reação de perto.
- E como você se sente a respeito disso?
- Bem, eu suponho que eles querem que eu acredite
neles agora. Quero dizer, eles me disseram o resultado dos
exames. – sussurrei.
- Que perspectiva filosófica! – ele exclamou. – E como
disseram a você que tem AIDS?
85
- Dr. Babbit apenas veio aqui e disse  “Você tem
AIDS”. – dr. Bostik  estremeceu e olhou para longe, se
ajeitando na cadeira.
- O que mais disseram? – ele perguntou.
- Que eu ainda posso ter TB (tuberculose), ainda que
meu exame de pele der negativo.
- Sim, isso é possível. – dr. Bostik disse sombrio.  –
Merilyn, o que você precisa se lembrar é que, embora não
tenhamos a cura para a AIDS, podemos tratar a maioria dos
sintomas. Agora me deixe examinar seus olhos. – ele abriu sua
pasta médica e tirou um oftalmoscópio. - Desça até os pés da
cama, - ele disse, dando uma palmada na cama. – Quero que
olhe para esta luz.
Ele direcionou o instrumento aos meus olhos, e eu
olhei para a luz conforme suas instruções.  Ele examinou meus
olhos. – Não olhe para mim, olhe para a luz. – Mas eu queria
olhar para ele. Ele tinha rugas suaves na testa de anos de
trabalho...
- Não olhe para mim, olhe para a luz. – insistiu
calmamente.
Olhe para a luz. Aquela frase reverberava em minhas
vagas lembranças de outra experiência. Fiquei sob a luz do
oftalmoscópio. Eu vi apenas o brilho branco deslumbrante
primeiro, mas então detectei um túnel com a mesma luz no
final. Eu podia sentir as moléculas de matéria sendo sugadas
para fora de mim e descendo pelo túnel, perseguindo umas às
outras numa dança elétrica, liberadas em espiral. Enquanto
elas afunilavam através do túnel, comecei a ouvir notas
trinadas, como de pássaros cantassem, se transformando em
vozes que me chamavam do túnel, debaixo do arco de uma
velha ponte de pedra. Era uma bonita voz feminina.
- Merilyn, - ela disse.
- Nanu!
Era minha bisavó. Ela estava sob a ponte num longo
vestido vitoriano azul escuro. Ela estava linda. Seus cabelos
longos e espessos explodiram num halo em torno e acima de
sua cabeça e testa clara. E então os ventos atrás da cabeça
dela fizeram um bun. Seus imensos olhos amendoados
86
brilhavam em perfeição fria e azul. Ela segurava uma tocha
acesa que revelava um trabalho artesanal em pedra abaixo
dela.
- Merilyn? – sua voz era profunda e líquida.
Um homem esbelto e bem vestido com iguais olhos
hipnóticos emergiu da escuridão d ponte e ficou ao lado de
Nanu na luz. Eu o reconheci instantaneamente. – Richard! –
ofeguei. Senti meu coração partido pulsando, meus olhos
lacrimejaram. Minha respiração acelerou quando eu corri até
eles, mais e mais perto do brilho da luz da tocha. Eles
recuaram para a escuridão sob a ponte fazendo menção
negativa com a cabeça. – Não. – ouvi a voz de Richard dizer, -
Fique.-  Dr. Bostik tirou seu oftalmoscópio.
- Meus olhos estão bem? – perguntei, desorientada e
ansiosa, enxugando minhas lágrimas.
- Sim. – ele parecia zombeteiro quando colocou seu
instrumento de volta à sua pasta.
- Você acha que eu tenho AIDS, dr. Rosco?
- O que sabemos é que você é definitivamente
soropositiva, o que é... um infortúnio. Eu não peguei o resultado
do CD4 ainda, que mostra as condições de seu sistema
imunológico. Quando eu o tiver, poderei falar mais a respeito.
Eu sinto, entretanto, que você está assim faz tempo. – ele
ponderou por um momento. – Desde que você esteja infectado
pelo HIV, o número de células ajudantes T4 baixa em torno de
cem por ano. O cálculo normal é em torno de um mil. Sinto que
no seu caso podemos voltar em vinte ou trinta anos.
Eu estava chocada. – Você acha que eu tenho isso há
tanto tempo?
- Muito possivelmente. Ambos HIV e tuberculose
podem permanecer dormentes no corpo por anos.
- Bem, eu sofri um estupro, - eu balbuciei.
- E antes disso?
- Apenas tinha relação com meu noivo, que faleceu.
- Faleceu?
- Sim, num acidente de carro.
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Dr. Bostik me olhou com cumplicidade. – Eu acho que
você pode querer considerar que... contatos casuais são uma
possibilidade. – ele concordou com a cabeça, e encostou as
costas na cadeira.  – Então, você é lingüista, não é? De que país
você acha que eu venho?
- Eu sou apenas professora de espanhol, dr. Bostik.
- Mas eu aposto que você fala perfeitamente.
- Ninguém fala uma língua perfeitamente.
- Apenas lingüistas dizem isso.
- Muito bem, eu sou uma lingüista então, - concordei. –
Eu devo ser cuidadosa, acho. Eu não quero insultá-lo. – Eu
olhei atentamente a luz azul-dourada que agora o rodeava e
deixei essa textura feminina sussurrar para mim. - “Não diga
Iugoslávia. Você irá sobressaltá-lo”.-  Eu pisquei meus olhos
várias vezes – Eu diria que você vem da Romênia ou Bulgária.
Dr. Bostik parecia completamente estupefato. – Eu
nasci a duzentas e cinqüenta milhas da fronteira com a
Romênia, e a cem milhas da Bulgária. Eu sou Iugoslavo, Sérvio.
Dr. Bostik ajustou o sinal de isolamento respiratório na
porta, fechando-a quando saiu. Eu pensava, deitada de costas
em minha cama, que estava acostumada com o isolamento. Eu
me sentia fortemente arrastada por ele, mas minha matriz física
estava se dissolvendo, como se minha doença permitisse que a
força me puxasse mais profundamente para ele.
Eu sonhei que estava presa numa cela de cimento
depois do estupro. Passos pesados se aproximavam e eu estava
aterrorizada. A porta se abriu.
Halach Uinic estava em pé no corredor. Estava
vestindo túnica de linho, sandálias de fibras, e com um adorno
feito de palha e pequenas penas de quetzal na cabeça com
longas tranças pretas.
Halach agachou na porta e se sentou na borda do
colchão sujo, olhando em volta o lixo com estranheza. Ele
acendeu uma lamparina e a colocou no chão, e então tirou uma
lâmina de obsidiana e um pequeno pote de sua bolsa. Ele usou
a lâmina para cortar a carne de seu antebraço. Halach extraiu
um pó do pote e empurrou sobre a ferida.
88
A luz da lanterna crepitou. – Ah, aí está você. –
Halach disse, me olhando escondida na sombra, ou talvez seus
sentidos tivessem sido alucinadamente intensificados.
- Então, você não conseguiu se afastar de mim. O que
você tem a dizer a respeito disso? – ele perguntou
petulantemente, pressionando um pequeno pedaço de papel cru
sobre seu braço ferido.
- Eu não entendo o que você quer comigo, - eu disse,
me aproximando do círculo de luz projetado pela chama.
Ele queimou o papel no fogo da lamparina. – Isso não
é tão simples. Desde o começo, você se opôs a mim. Eu não sei
o que você esperava quando ofereceu a si mesma ao deus
Chac. Você parece acreditar que há alguma espécie de força
transformacional ascendente que funciona aqui. Eu, por outro
lado, sei que a única maneira de sobreviver é perpetuar o que
existe ao longo de todas as mudanças de máscaras do tempo.
Eu estava atônita pela sua eloqüência. Isso me fez
lembrar do ditado que dizia que o demônio tinha uma língua de
prata.
- Você não recobrará facilmente todas as memórias e
experiências de tudo o que aconteceu com você agora. – ele
disse com certeza. – A energia que você gasta nesses intentos
fúteis de transformação será minha.Você ainda será
aproveitada para  manter a ordem do mundo como está.
- Por que você quer tudo isso? – ofeguei horrorizada.
– Por que você iria tão longe nessas degradações? Certamente
você percebe que escolhendo isso será sua anulação. O mundo
não pode continuar dessa forma.
- Tudo isso – ele respondeu, fazendo um gesto
abrangente com suas mãos – é apenas a premissa que podemos
ter certeza que existe no momento, e que precisa continuar. – e
com essa declaração ele se levantou e partiu, fechando a porta
atrás de si.
Depois de ficar sentada ali tremendo e chorando no
escuro pelo que pareceu ser um tempo interminável, ouvi um
barulho na porta e me encolhi.
Um grunhido e então um esturro como de um jaguar, -
Eu não quero viver assim! Você não nem me mata agora nem
89
me deixa sair! – comecei a bater na parede da cela. Então um
flash cegante de luz encheu a cela escura quando a porta foi
quebrada. De pé no corredor estava um homem de estatura
mediana, vestindo uma brilhante túnica branca e robe. Ele
tinha o cabelo preto e ondulado e seu corpo inteiro era cercado
por uma luz dourada e celestial refletida. Havia uma pequena
festa Maya com tocadores de flauta com ele, e muitas pétalas
de flores Mayas a seus pés.
Ele abriu a porta da cela completamente. Ela quebrou
nas dobradiças. – Você destrancou um segredo, - ele disse.
Então ele se virou e partiu com seus seguidores.
- Venha conosco – um dos tocadores de flauta sugeriu
em Maya.
- Quem é aquele? – eu perguntei, levantando num
salto e tentando seguir aquele homem enigmático e sua
procissão.
- Aquele é Kukulkán! – um dos lançadores de flores
informou excitado, enquanto a festa passava através do portão
de ferro para a rua, deixado aberto.
90
CAPÍTULO 11
Acordei do Sonho quando dr. Babbitt entrou no quarto.
– Merilyn,  tenho grandes notícias. Sua TB não é mais
contagiosa! Isso significa que podemos deixar que você volte
para casa!
Imediatamente minha amiga e professora de espanhol
Liz e seu marido Guillermo, vieram me ajudar. Ao meu pedido,
eles e sua filha limparam minha casa, e eu pedi para que Liz a
colocasse à venda. Ela então comprou mantimentos para mim e
preparou e congelou minha primeira refeição da semana,
enquanto seu marido revisava meu carro. Outros professores me
trouxeram mais comida, enquanto alguns de meus alunos
traziam flores, que Liz amavelmente colocava no vaso.
Eu estava emocionada. Todos foram muito amáveis.
Quando recebi  alta, dr. Babbitt apareceu bem cedo para se
despedir e marcar minha próxima consulta; eu vestia um lindo
vestido que Liz trouxe para mim. Enquanto eu conversava com
meu médico, ela carregou minhas coisas até o carro, e então
voltou para me ajudar. Liz me trouxe uma cadeira de rodas, e
me conduziu para fora dali. Chegamos em casa minutos depois.
Subir as escadas até meu quarto foi uma experiência
esgotante. Segurando o corrimão, eu subia  lentamente passo a
passo. Liz tinha limpado o quarto, que estava arejado e claro e
perfumado com flores frescas. Ela então saiu, dizendo que era
tempo de descongelar minha comida. Olhando em volta do
quarto, deitada em minha cama de casal, meus olhos se
entretinham com todos os objetos Maya que eu colecionava.
Pequenas figuras pré-colombianas sorriam para mim do batente
da janela. Uma foto de Chon, - a única que ele havia me
permitido tirar – pendurada do lado direito do espelho.
Nos pés da cama estava um antigo cesto de madeira de
carvalho, cheio de colchas artesanais que eu trouxe de várias
viagens. Ele ainda continha notas e histórias de minhas
conversas com Chon no Sonhar Maya e outros temas. Ainda
que Liz tivesse me falado para levantar apenas para ir ao
banheiro, me senti compelida a rever minhas notas. Eu estava
agora particularmente interessada nas conversas sobre
Kukulkán.
91
Com alguma dificuldade, abri a pesada tampa. O cesto
cheirava à madeira e lã em seu interior. Por cima, logo depois
das colchas dobradas, encontrei muitos cadernos de notas
grandes, repletos de Sonhar de Chon. Eu procurei voltar para
cama o mais rápido que pude, esperando que Liz não me
surpreendesse naquele momento.  Folheando as volumosas
páginas, eu me remetia à grande quantidade de notas que tinha
trazido. Meus olhos estavam mesmerizados quando se fixavam
sobre tópicos relevantes.
O Sonhar Maya: Um jornal das Revelações de Chon.
1. O asteróide Chicxulub. “O lugar-mãe original da
formação de vida inteligente e consciente deste sistema é
Vênus. É por isso que os Mayas reverenciam o segundo planeta
do sol. Entretanto, durante sua formação, ela foi golpeada por
um asteróide. Este impacto liberou muitos gases nocivos na
superfície aquecida até um grau que impediu a evolução para a
vida orgânica. O foco foi então mudado para a Terra, mas no
terceiro planeta, a vida já estava se desenvolvendo de acordo
com outra matrix. A consciência do que sabemos como
humanos teve que esperar”.
“Cerca de sessenta e cinco milhões de anos atrás, de
acordo com cientistas que sempre investigaram o planeta, a
Terra foi também golpeada por um grande asteróide que
chamamos de Chicxulub. Ele colidiu fora da costa de Yucatán,
não muito longe desse lugar, e sua chegada fez caminho para a
consciência humana. Todos os imensos répteis que habitavam a
face da Terra morreram pelo frio causado pela poeira que
bloqueou a luz do Sol. Então, para os Mayas, o Chicxulub é
sagrado porque trouxe grandes bênçãos e também grandes
transformações”.
“Foi um longo tempo de quietude antes que o Homem
pudesse emergir. As mudanças de temperatura na Mãe Terra
fizeram com que muitas criaturas sobreviventes
desenvolvessem pele e carregassem seus filhotes dentro de si.
Finalmente, desses seres existentes algo como humano evoluiu,
mas o planeta ainda estava muito frio em muitos lugares. O frio
persistiu e então retrocedeu em ciclos. Isto causou a necessidade
de migrações”.
“As migrações proto-humanas foram pelo subterrâneo
quando o gelo era muito grande. Eles caçavam grandes animais
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que poderiam alimentá-los por uma estação inteira, uma vez que
a comida permanecia fresca no frio. As maiores migrações
começaram em torno de duzentos mil anos atrás, de acordo com
os nossos cálculos. Depois de uma grande era gelada e
tempestuosa, a poeira levantada pelo Chicxulub começou a
clarear, e a Mãe Terra começou a esquentar. Mais tarde haviam
grandes inundações causadas pelo derretimento de muito gelo”.
“Durante a época das inundações, embarcações foram
construídas. Algumas eram pequenas, mas outras eram muito
grandes em comparação. As pessoas migraram até que
encontraram terras que emergiam da água e então ali se
estabeleceram.  Isso se estendeu aproximadamente até quinze
mil anos atrás. Mesmo com o calor de algumas terras, mais
uma vez era preciso buscar refúgio sob a Terra, quando as águas
começavam a se aproximar.”
“Finalmente as águas retrocederam, e as pessoas
começaram a emergir ocupando as terras onde agora se
encontram. Aproximadamente dez anos atrás, com a maioria do
gelo derretido, as terras estavam frescas e habitadas pelos
ancestrais dos povos que se encontram aqui agora, embora
algumas migrações em embarcações ainda continuassem. Nós,
os Mayas, nos estabelecemos aqui neste morno útero tropical, e
quando nossa cultura se desenvolveu, começamos nossa
astronomia, medindo os ciclos de transformação, tais como o
ocorrido com o Chicxulub.”
2. O calendário Tzolkín. “Como eu já tinha lhe falado
anteriormente, os Mayas têm um calendário sagrado chamado
Tzolkín.  Começa em 3313 “B.C.E.”, durante um ciclo de
revelações coletivas, e termina em “A.D.” 2012. Na verdade,
acredito, para alguém que entenda o calendário, ele retrocede
até a data do início. A razão disso é que os Mayas calculam que
o Homem lentamente perderia a visão da divina manifestação
evolucionária, que é a matriz onde começa tudo, devido ao fato
de que ele começa a ficar aqui inapropriadamente.”
“No ano de 2012, entre muitos sinais celestiais, o
planeta Vênus, lar da nossa matriz original, passará na frente da
face do sol num pequeno eclipse. A vida aqui sofrerá outra
transformação, tal como aquela trazida pelo Chicxulub, há
sessenta e cinco milhões de anos atrás. Nessa época, a
possibilidade de nosso aumento vibracional se manifestará
novamente.”
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“Durante o último Katún, ou ciclo de vinte anos, de
1992 até 2012, a Mãe Terra gradualmente retirará sua força
vital do planeta para facilitar esta transição. Muitas espécies
serão extintas. Os seres humanos experimentarão distúrbios em
sua energia sexual e poderes de reprodução. A terra será
incapaz de suportar a todos e muitos ficarão famintos, o que
causará agressões, limpando a carga de tanta vida
insustentável”.
“Neste tempo as pessoas começarão a se lembrar. Elas
lembrarão de Chicxulub, e como viemos para cá, e da divina
matriz evolucionária. Cada homem neste tempo agirá de acordo
com seu propósito. Alguns  irão entrincheirar-se a si mesmos,
esperando sobreviver e escapar com o que for deixado pelos
outros, apenas para encontrar a si mesmos mortos no começo.
Haverá que buscará facilitar o sofrimento da vida e desse modo
ganharão grande mérito energético atravessando o Espírito das
Águas. Então haverá alguns que se conscientizarão e deixarão a
Mãe Terra em sua totalidade. Eles irão à busca de novos
mundos”.
Eu pausei minha leitura para refletir. Notei que o sol
descia no horizonte... Continuei minha leitura.
3. Kukulkán. “O nome Kukulkán significa ‘serpente
emplumada’. Isso é freqüentemente mal-interpretado por
aqueles que não entendem as culturas nativas, e interpretam
como algum tipo de dragão voador. O que o simbolismo na
verdade significa para aqueles que o criaram, é a combinação de
seres muito elevados com tremenda energia sexual. Uma linha
particular de evolução aconteceu quando a consciência elevada
por Vênus transformou este lugar de répteis.”
“Nesta parte do mundo, experimentamos
manifestações desta energia trazida na forma de Uay Kin, ou
Ser Sol, ou também Deidade Águia. A manifestação total é
chamada  Kukulkán, quando for apenas apropriado. A energia
mostra a si mesma nessas terras onde existimos agora desde
antes de ‘A.D.’ 50, encorajando as pessoas na agricultura
pacífica e muitas práticas artísticas.  Porém, foi finalmente
forçada pelo lugar abaixo da grande Teotihuacán, pela
rivalidade e energias emergentes. Quando a manifestação se foi,
foi profetizado o ser retorno. E então, as profecias começaram.”
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“Outra manifestação completa veio às pessoas em
torno de ‘A.D.’ 700, para o mundo dos Toltecas e então para as
terras Mayas ao sul. Kukulkán veio como um nobre e um
profeta, pregando o fim do sacrifício humano. Sacerdotes
guerreiros rivais conspiraram contra ele, amedrontando as
pessoas com estórias de o que poderia acontecer se os
sacrifícios sangrentos – para apaziguar os apetites dos deuses
transformacionais – cessassem.  Perseguido em Tolán, a capital
dos Toltecas, e então perseguido em Chichén Itzá, onde tentava
se restabelecer, Kukulkán sustentava o princípio de que a vida
tinha que evoluir, assim como as deidades.”
“Os nobres governantes tentaram matar Kukulkán. Ele
partiu, prometendo retornar no ano One Reed, que, como a
história mostrou, foi o exato ano em que Cortés chegou aqui
com suas primeiras embarcações espanholas. Eu tinha ouvido
histórias que em outras culturas Kukulkán apareceu em tempos
diferentes, mas, é claro, eu não pude confirmá-las.”
Quando eu fechei as páginas, me ocorreu que o
conteúdo era mais que apenas extraordinário. Aqueles Sonhos
eram elegantes, raros, e muito abrangentes. Chon era um artista
do Sonhar.
Quando escureceu, ouvi Liz abrir a porta com sua
chave. Escondi rapidamente minhas notas sob o travesseiro
enquanto ela subia a escada para dizer alô.  Quando ela entrou
no quarto eu parecia completamente inocente.
No dia seguinte fomos comprar mais mantimentos que
não havíamos previsto.  Eu usava um dos carrinhos motorizados
com um cesto acoplado para acompanhá-la nos corredores do
supermercado. Embora eu estivesse extremamente embaraçada
em ter que usar este carro, não pude resistir ao impulso de tocar
o sino e ser levantada em suas rodas. Naturalmente, eu não
disse nada a Liz sobre as imagens fascinantes enquanto
debatíamos sobre qual queijo escolheríamos. Por último ela me
deixou em casa. Eu pude então retornar às minhas notas com a
barriga cheia.
4. A Era Final Antes do Sexto Sol. “Se você olhar o
que aconteceu na nossa longa história, você verá então o que
virá. A primeira boa onda foi trazida pelos primeiros Homem e
Mulher (negros africanos). Eles estimulavam cada uma das
pessoas, realçando suas genéticas, impulsos migratórios, e
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poderes reprodutivos. O homem menos desenvolvido, assim
estimulado, então wreaked (?) destruindo em sucessivas
inundações, mas naqueles períodos às vezes estabilizava e
evoluía.  Finalmente, a última onda de tudo veio: o Homem
Branco, que a finaliza. Quando a Mãe Terra retirar sua força
vital, ela novamente começará com o Primeiro Homem e
Mulher, que trarão mais uma vez ondas em todas as espécies.
Haverá fome e doenças na África. Haverá talvez santos naquele
continente. Talvez para o então Homem Branco será o clímax
de seu desenvolvimento científico e espiritual nesta era e pode
ter algo de positivo a contribuir, a fim de acalmar as coisas, mas
isso é otimismo.”
“Durante esta última época outras mudanças maiores
ocorrerão. Toda a sabedoria das pessoas será oferecida para ser
compartilhada num esforço para construir uma ponte para o que
virá. Enquanto isso, espécies irão desaparecer da face deste
domínio.”
“Cientistas olharão para o céu, com o intento de
predizer e se defender de outro Chicxulub; simultaneamente, os
seres humanos e outras criaturas morrerão de todas as coisas
concebíveis aqui na Terra.”
“Desde que a sabedoria feminina é a única
manifestação que possui boa chance de prevalecer depois da
mudança, haverá uma transição até o lado feminino das coisas
na esperança de alinhamento vital com o que mantêm a vida. 
As mulheres emergirão com iluminação em todas as culturas.
Esses eventos alcançarão uma alta freqüência no último Katún.
Depois desse período, uma consciência verdadeiramente
espiritual nascerá e o mundo será uma manifestação de alta
vibração neste sistema até o Sétimo Sol, quando todas as coisas
novamente reunirão com o Sonhar Criativo.”
O telefone tocou. Alguém, uma profissional, estaria
pronta para fazer uma oferta pela minha casa. Depois de
conversar com ela, assistia ao canal educativo e vi um trecho de
programa sobre uma possível aplicação da tecnologia de Star
Wars para desviar asteróides em vôo, e também um especial
sobre o Asteróide Chicxulub e a possível conexão com a
extinção dos dinossauros. Aquela foi a última gota de
sincronicidade. Eu simplesmente não podia desconsiderar os
sinais por mais tempo.  Algo importante estava acontecendo, e
minha energia estava intimamente envolvida. Se aquele era o
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caso então que requeria uma decisão que fizesse aumentar o
nível.  Eu tinha uma contribuição a fazer para o que fizesse com
que fosse revertida. Eu decidi seguir meu destino, ignorando o
conselho médico tradicional e voltando ao México depois de
um mês, que seria necessário para que a mulher conseguisse seu
empréstimo. Eu precisava encontrar Chon e tratar minha doença
num alto nível e me recuperar deste processo rapidamente.
Eu não tinha certeza se poderia encontrá-lo.  Eu
começaria por Palenque, mas era uma área remota do México e
vinte anos tinham se passado. A última vez que vi Chon ele
estava atravessando para um outro reino. Talvez nunca
retornasse. Mas eu sentia que se fosse reclamar meu poder, este
seria o ponto inicial. E eu sabia que mais uma vez seria uma
luta de vida ou morte. Naquele momento, no canal espanhol de
televisão, a música de fundo que acompanhava o comercial era
“Canción Mixteca”, uma das músicas favoritas de Chon!
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CAPÍTULO 12
Como num sonho, o avião da Aero Maya para
Palenque estava sendo abastecido e esperando quando aterrissei
na Cidade do México. Depois de uma breve passagem pelos
passageiros, um cavalheiro mexicano me ajudou a carregar
minha bagagem. Saí junto com o piloto. Ele parecia ter seus
trinta e poucos anos e ter descendência Maya e mexicana. Ele
me perguntou se estava doente. Eu disse a ele que estava me
recuperando da tuberculose.
O vôo foi relativamente curto. Quando alcançamos as
cordilheiras montanhosas, o avião baixou em direção à floresta.
O avião voava através das nuvens enquanto admirávamos a
visão. O cobertor verde ondulante se estendia à luz do sol,
tropical, nos dava boas-vindas. Aterrissamos em um minuto na
pista de pouso. Eu acompanhei o piloto até o avião oficial.
Minha cabeça estava zonza. A periferia da floresta
girava e ondulava. Era como se eu caminhasse através do centro
aberto de um redemoinho ou de uma formação galática espiral.
Minha testa pulsava e meus ouvidos zumbiam. Chamei um táxi
da cidade para me levar até o restaurante de Esmeralda.
Em vinte minutos o táxi entrou na área do Antojitos
Mayas. Quando entrei no restaurante e olhei em volta, não
reconheci as jovens Mayas que trabalhavam ali. Eu me
aproximei de uma delas e perguntei se Esmeralda estava por ali,
extremamente insegura.
- Ela está na Guatemala.  – a jovem disse, me olhando
como um passarinho.
Engoli em seco. Ela tinha partido. Eu jamais
encontraria Chon. Minha energia estabilizou numa gentil
aceitação de morte iminente.
- O único que toma conta do lugar é seu irmão, o velho
curandeiro, - ela adicionou. – Você quer que eu vá chamá-lo?
- Sim. - eu ofeguei.
A jovem entrou em uma das cabanas nos fundos.
Dentro de poucos minutos ouvi a voz cantante de Chon e uma
risada melodiosa se aproximando.
- Ah, minha pródiga Merilyn...
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Eu o vi! Ele parou a alguns passos de distância com um
largo sorriso, erguendo a cabeça na minha direção. Ele não
parecia muito diferente! O mesmo grande sorriso. Seus cabelos
não ficaram muito grisalhos, o que não era incomum, uma vez
que muitos Mayas mantinham os cabelos escuros até os noventa
anos.
- Você voltou! Que dia feliz! Bem-vinda! – Chon se
afastou e me olhou com olhos atentos. Ele me deu palmadinhas
nas costas e um grande abraço.
Eu relaxei, pasma. Em choque, não pude pensar numa
só palavra para dizer. Deixei cair minha mala no chão e fiquei
apenas olhando para ele. Eu estava tão feliz em vê-lo que quase
morri de alegria, como se minha vida passasse rapidamente
através de meus olhos.
Ele gargalhou. – Bem, acho que você vai ficar para
uma longa visita. – Ele voltou os olhos para outra direção,
observando minha mala imensa aos meus pés. – Volte até a
cabana e descanse. Nós poderemos conversar sobre tudo isso
mais tarde. – Sorrindo, Chon me levou até a área comum
arborizada e sombreada.
Eu não podia acreditar nos meus olhos quando cheguei
até a cabana de cura. Era possível, eu pensava, que estava
realmente ali com ele novamente? Eu olhei em volta  e notei
que não havia pacientes enfileirados como de costume. Isso
parecia extraordinário, surreal. Chon me olhou, como se eu
tivesse acordado de um sonho. -  Eu sinto que há alguma coisa
chegando. – ele disse gentilmente.
Quando ele fez sinal para que eu entrasse na pequena
cabana coberta com sapé, senti que havia outra presença no lado
de dentro. Eu forcei meus olhos até que começaram a se ajustar
à escuridão. Finalmente fui capaz de perceber um corpo
balançando na rede do lado do outro lado, nos fundos, atrás de
uma fumaça em espiral.
- Bem, bem, bem... – uma voz masculina falou,
enquanto um homem se levantou da rede. Eu pude ver que ele
era alto, e a voz me era muito familiar. Ele andou através
da fumaça de copal até a minha direção. Tênues raios de luz o
alcançaram e seu vulto começou a ficar reconhecível.  Por um
momento não pude acreditar nos meus olhos, esperando minha
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visão clarear. Mas apenas ficou mais claro. Eu estava
totalmente desconcertada! Em pé ali, vestido com calças e
camisa marrom estava don Juan. Eu desmaiei.
Nove dias se passaram como se eu estivesse fora de
foco. Chon me deixou semi-consciente com uma espécie de
poção de ervas e encantamentos. Cada vez que acordava, ele me
dava mais da poção e eu voltava a dormir. Eu tinha vagas
lembranças dele, ou de don Juan, ou de ambos, ao meu lado,
entoando cantigas. Eu também lembro de uma vez ter pedido a
don Juan para explicar o que estava fazendo ali e ouvindo sua
gargalhada em resposta.
Quando me permitiram finalmente levantar, eu tive um
apetite voraz, e eles me trouxeram bandejas cheias de frutas
secas, milho assado, abacates, mangas e bananas. Era como se
eles tentassem me solidificar. Eu notei que havia algum tipo de
pomada no meu peito e podia sentir o cheiro das plantas
aromáticas na cabana. A fumaça de copal estava suspensa no ar.
Minha respiração estava agora muito mais clara e minha febre
baixa tinha passado. Eu me sentia num estado profundo e etéreo
de bem-estar.
Numa tarde, Chon me trouxe um prato de figos. Eu
levantei da rede para comer e comecei a recontar tudo o que me
aconteceu depois que atravessei em Catemaco – sobre o estupro
e a queda no infra-mundo. Concluí contando meus sonhos
recentes e então minha doença e hospitalização. Chon me olhou
de soslaio.
- Ah, hummm, - ele disse criticamente. Don Juan parou
sobre a porta e entrou, caminhando e se deitando na outra rede.
Seu cabelo estava muito mais branco, mas ele ao contrário,
parecia o mesmo. Ele segurava o novo amigo de Chon, uma
grande arara azul, pousada em seu dedo indicador. Ela parecia
confortável...
- Eu não posso ter imaginado tudo isso, - balbuciei
comigo mesma.
- Você vai ter muito de imaginação, - Chon gargalhou.
– Eu acho que a primeira coisa que faremos será levá-la até o
local sagrado onde minhas plantas especiais vivem, e apresentá-
la à energia que guarda aquele lugar. Nós vamos oferecer um
pouco do seu sangue, vertendo-o no chão dali, na esperança de
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que a energia partilhe um Sonho de como podemos transformar
isso. Então visitaremos os templos e ingeriremos os cogumelos.
Eu disse que um dia seria necessário. Seu sangue auto-
sacrificial será acrescentado à sopa de cogumelos, e
colocaremos o pó sagrado no corte que faremos em sua carne.
Eu fiz uma careta. Chon pegou seu tabuleiro sagrado e
esvaziou sua bolsa de cristais e sementes sobre ele. Ele
começou a calcular. Ele calculava sobre um grupo de sementes
agrupadas com destreza nas mãos...
- Os povos nativos do sudoeste também tinham
profecias concernentes a esses tempos – don Juan começou. – A
Terra oscilará no topo de seus eixos e os pólos magnéticos
mudarão de lugar. Isso acontece em ciclos. Isso é
transformação. Se estamos em harmonia com o planeta ou não
será de grande importância durante esses tempos, quando é o
propósito de todo ser quando toda a criação começar a girar
com a força dessa mudança.  – as mãos de don Juan fizeram um
movimento elegante e forçado de conjuro.
Chon sorriu com entendimento e olhou sobre seu
tabuleiro sagrado. – Você é o ser designado para abrir a entrada,
- ele pronunciou solenemente.
Pelo resto da tarde, don Juan nos entretinha tocando
flauta e eu conheci Manik, o macaquinho de Chon. Quando
anoiteceu, caí no sono, mas acordava periodicamente ouvindo
Chon e don Juan conversando. O cenário inteiro tinha uma
qualidade onírica, quase como se fosse realmente um porto à
margem do infinito.
Na manhã seguinte levantamos cedo e comemos
tortilla e queijo caseiro antes de caminhar na floresta para
visitar o lugar sagrado de Chon. Afortunadamente não era muito
longe, nem o dia estava muito quente. Chon disse que era muito
importante que eu entrasse andando. Entramos num pequeno
bosque descendo uma trilha ventosa, à distância do topo de uma
cachoeira. Uma miríade de plantas crescia ali, e eu tinha certeza
de que Chon as tinha transplantado àquele lugar ele mesmo.
Ao fundo do bosque havia a parte superior de uma
caverna de pedras ancestral que vinha desde abaixo do chão. –
Sente-se ali no meio, - Chon me direcionou enquanto
desembrulhava uma urna de copal e acendia algumas varetas de
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madeira em brasa.  Ele colocou a urna acesa e pétalas de flores
na frente da face parcial da pedra. A fumaça começou a subir.
Lentamente pareceu assumir a forma de uma mulher etérea de
névoa. – Olhe para ela, - disse Chon.
A mulher se transformou numa bruxa. – Não tenha
medo dela. Ela tem muitas faces, - Chon cochichou se sentando
perto de mim e olhando para a fumaça em resposta. Seu olho
nebuloso se ajustou e começou a se dissolver e seu rosto se
tornou um crânio flutuante. Ela então estendeu seu ondulante
membro esfumaçado para mim. Seus dedos flutuavam abertos.
– Dê a ela o que ela está pedindo, - Chon insistiu, com os olhos
semi-cerrados.
Eu tirei uma pequena lâmina de obsidiana do meu
bolso e cortei a carne entre meu dedo indicador e anelar,
como Chon e don Juan haviam me instruído. Mantive meus
dedos abertos com a mão voltada para baixo até o sangue pingar
na terra ao meu lado. A figura da fumaça se transformou numa
forma horrível que me remetia à pintura O grito. Finalmente ela
se estabilizou no chão, e nós cavamos um pequeno buraco no
lugar onde pinguei mais sangue e cobri com terra. Depois de
agradecê-la em pensamento, gesto e uma porção de copal, don
Juan e eu deixamos o bosque. Voltamos em silêncio, enquanto
Chon ficou atrás por um longo tempo “conversando com o
lugar”.
Naquela noite, balançando em minha rede no escuro e
ouvindo os gritos dos macacos, que não me incomodavam, e o
canto dos pássaros, do qual o repertório daquela noite estava
diverso e mais bonito. O pequeno Manik brincava com meu
dedo e pulava na minha barriga quando eu o alimentava com
amendoins. Finalmente ele enrolou sua calda em volta do meu
pescoço e caímos no sono.
Foi vários dias antes de Chon voltar a falar sobre
voltarmos aos templos e realizarmos a cerimônia dos
cogumelos. Nesse ínterim don Juan e eu caminhávamos
longamente e comíamosna cabana da cozinha. Fizemos trilhas
freqüentes até a cachoeira para “ouvi-la cantar” e nos refrescar e
ver as borboletas.
- Você já aprendeu o truque que eu te falei há muito
tempo atrás? – don Juan me perguntou num dia ensolarado,
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enquanto estávamos sentados em frente ao riacho com nossos
pés na água fria corrente.
- Que truque é esse, don Juan? – perguntei,
considerando a amplitude de sua instrução.
- Sonhar que você é um animal, - ele respondeu com
um sorriso tolerante em seu rosto.
- Oh, aquele velho truque, - eu disse.
- Você parece surpresa. Veja, seu espírito jaguar está
doente. Você tem de encontrar  outro para lutar enquanto isso.
Experimente deixar um animal aliado diferente vir até você.
- Como eu faço isso?
- Abra a si mesma e fique em silêncio. Leve seu intento
até fora daqui. – ele expicou, levantando suas mãos num gesto
de varredura. – Então deite-se de costas nesta pedra lisa e durma
por um momento. Eu voltarei mais tarde para vigiá-la. – Don
Juan caminhou descendo o riacho, me deixando ali comigo
mesma.
Eu bocejei. Uma borboleta tentou entrar na minha boca
aberta. Eu soprei um pouco de ar para expulsá-la. Sentando-me
calmamente, eu me perguntava que tipo de animal viria até a
mim. O som da água correndo era como uma risada feminina.
Lentamente, neste lugar pacífico e natural, fiquei muito
sonolenta e coloquei meu rosto sobre a pedra lisa.
Minha consciência despertada foi envolvida pela
pequenina presença de um lagarto revolvendo uma pedra bem
à frente do meu rosto. Ele parecia demonstrar como se
exercitava. Nós nos olhamos nos olhos por um momento, ambos
um pouco embaraçados. Ele continuou revolvendo antes de
correr para longe. A mesma borboleta agora pousou na ponta
do meu nariz, fazendo cócegas. Eu esfreguei meu dedo sobre
meu lábio superior. A borboleta voou para longe novamente.
Eu escutei don Juan me avisando para ficar alerta; eu
sabia que estava sonhando. Em frente ao meu rosto,
houve uma pequena explosão de luz e um som sacolejante. Uma
imensa serpente estava agora enrolada naquele lugar
cintilante, brilhando a si mesma do lado oposto onde eu estava
e do outro lado da água.
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- O que você quer saber? – ela me perguntou, se
levantando. Então ela abaixou parcialmente sua cabeça e
sacudiu sua língua para fora.
- Como você pode me ajudar? – eu perguntei em
pensamento. Minha cabeça pesava com o Sonhar profundo.
Ela deslizou em nova forma enrolada, silvando, e
chocalhando, e então levantou-se novamente. – Se você deve
fazer amigos com veneno, você terá que trocar muitas peles. –
A borboleta pousou no topo da cabeça da cobra. – A
transformação está dentro deste símbolo, - os olhos amarelos
da serpente rolaram para olhar para a borboleta, formando um
pequeno triangulo dourado. Um halo apareceu à sua volta. –
Lembre-se deste sinal, - a serpente coroada pela borboleta
disse – Esta é sua energia. Ela irá com você e se unirá a você.
E pela Terra e além, eu não sei se alguma criatura não a
guiará se for capaz – Uma grande águia dourada pousou na
árvore atrás do réptil, e um flash de luz brilhou e apagou
aquela visão.
Eu acordei e vi don Jun sentado de pernas cruzadas na
mesma margem do riacho.
Enquanto contava a don Juan o meu Sonho, ele
reconheceu que falar com uma serpente era um sinal muito
auspicioso, desde que serpentes possuem sangue e sabedoria
transformacional. Ele disse que a borboleta era um símbolo de
transformação e de ressurreição. A coroação da serpente pela
borboleta provocou uma profunda reflexão nele. – Qual das
criaturas que apareceram no seu Sonho se parece com você? –
ele perguntou, dando a impressão de que minha escolha fosse
muito importante.
- Todos eles, mas me sinto mais como a águia. Eu
sempre tenho sonhos em que vôo alto. – eu disse, jogando água
fria em meu rosto.
- Eu sou sempre um pássaro também, - don Juan disse,
sorrindo com aprovação.  – Quando sua energia se eleva pode
ser muito curativa. Você teve uma grande visão. Não pouse
muito perto do chão; pouse no alto. Mas sempre lembre-se de
pousar ou você nunca voltará. Quando você  caçar,  apenas seja
como um grande felino, seja hábil, misericordiosa e rápida. –
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Ele atravessou o riacho numa fileira de pedras e me deu uma
pena de águia.

CAPÍTULO 13
- Merilyn, - Chon disse sombrio no dia seguinte,
enquanto limpava plantas na mesa da cabana da cozinha, - há
algo que precisamos conversar. Você precisa entender que não
dorme completamente desde que chegou à Terra.  É por isso
que você tem esses sonhos. A maioria das pessoas age fora de
seus propósitos com motivações inconscientes, nunca
entendendo realmente o que fazem. Eu temo que esse não seja o
seu caso, e uma vez que começar a acordar do sono, nunca
voltará completamente.
- O que você está tentando me dizer, Chon? – perguntei
com um sentimento de pavor, dobrando meus joelhos em
direção ao meu peito enquanto me sentava na rede, ouvindo
atentamente.
- Sobre a altura que seu espírito voa, por mais que você
se lembre, como uma águia vendo a vastidão do que está antes
dela e do que está atrás. Se formos até os templos e
partilharmos os cogumelos, seu espírito se elevará até a vista
elevada dos sonhos, e você verá muito mais do que já chegou
até você. Você precisa se preparar para isso.
- Eu acredito que a doença que você carrega foi
liberada pela Mãe Terra no último Katún antes que a nova era
começasse. Suas origens podem ser curadas. Não tenha medo
de ver esta parte dela. Se houver algum conhecimento ganho ou
cura trazida de volta, você terá que estar disposta a examinar
tudo. Eu tenho certeza de que sua coragem em aprofundar e
encarar a verdade é a razão pela qual você escolheu lutar com
ela.
- Há um outro assunto: a sua transformação. Você terá
vislumbres dela. Eles serão extremamente importantes porque
darão a você um entendimento do que está acontecendo no
mundo como uma total transformação. Você tem de ir para a
cerimônia sabendo tudo o que eu estou te contando.
- Você e don Juan participarão comigo?
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- Sim. Nossos caminhos são partilhados. Nós iremos
uns com os outros. Se você tiver mais perguntas, faça-as
durante esses dias finais antes da lua cheia. Uma vez que a lua
tiver completa, seus pensamentos também deverão estar
completos.
- Você acha que encontraremos a cura para isso, Chon?
- Se encontrarmos, ela virá da Terra e do além, não
apenas do homem. Isso foi o que todas as nossas preces e
oferendas no meu lugar sagrado significaram. – Por alguma
razão, me senti melhor sabendo que don Juan e Chon
planejavam ingerir os cogumelos comigo. Passei um tempo
pensando ansiosamente sobre a cerimônia, tentando imaginar
como seria. Além dessa curiosidade, minha mente estava em
branco. Porém, eu não tive o luxo de vagar distraidamente
muito tempo neste estado. Dentro de quatro dias, a lua estava
cheia.
No dia da cerimônia, acordamos bem cedo. Ainda
estava escuro quando Chon preparava chás de ervas na cabana
da cozinha. Ele não permitiu que comêssemos qualquer comida
naquele dia. Havia um silêncio misterioso em torno do lugar.
Mesmo o vento parecia ter se aquietado.
Antes do amanhecer, Chon nos deixou e foi até uma
área arborizada a três milhas de distância das ruínas para colher
cogumelos. Don Juan e eu sentamos na cabana e olhamos um
para o outro.
- Qual é a conexão real entre nós, don Juan? –
perguntei sentada do lado oposto ao dele na mesa.
Ele me olhou acima de seu chá fumegante.  – Sua
energia está perto de deixar este mundo e viajar além dele. A
minha já deixou. Eu voltei por você. Há uma integridade que é
partilhada entre nós. Essa é a maneira como eu vejo a conexão.
A primeira vez que a vi no Arizona, me remeteu a um espírito
viajante ocasional que chegou em nossas terras antes da
chegada dos brancos. Por três noites antes da sua chegada eu
ouvi um barulho de trem nos meus sonhos. Você era o que eu
estava procurando. Eu a senti, mesmo quando você ainda era
uma criança. Foi por isso que eu estava ali esperando na estação
de trem. Você sabe agora que eu coloquei minha energia dentro
106
de você. – eu ofeguei, quando lembrei completamente da última
vez em que vi don Juan. Seus olhos queimaram.
- Há uma outra conexão entre nós e esta é através da
Serpente Emplumada. Esta é a história partilhada por muitos
povos nativos em toda América. Têm diferentes nomes, mas os
ensinamentos são os mesmos. Alguns dizem que estaria
chegando na parte final da profecia nessas terras, o que era
desconhecido pelo resto do mundo. Outros dizem que é um ser
que escapou da morte e transformou seu corpo em luz.
- Não obstante, essas revelações, para um povo
visionário, deveriam ser reconhecidas e respeitadas pelo que
são. A chegada de outros nessas terras, deveria haver sido uma
oportunidade de comunidades e de troca. Isso, é claro, não
ocorreu. O que os brancos fizeram foi obliterar o conhecimento
nativo, e eles, dessa forma se desfizeram da parte da resposta
para algumas de suas mais profundas questões. Eles forçaram os
índios a aceitarem sua realidade última, e dessa forma
empurraram a consciência total unida para a sua escuridão.
- Os povos nativos levavam seu conhecimento em
segredo, e agora todas as peças do quebra-cabeça estarão juntas
quando eles chegarem a mover em algo novo. Conhecimentos,
anteriormente ocultos, estão sendo agora partilhados. Profecias
estão alcançando limites exteriores.  O que o novo mundo será é
e grande preocupação aqui. A matéria está se separando do
espírito. Sua vibração seria realçada, espiritualizada na forma de
unificação, completa transfiguração. Isso é o que revelou
Kukulkán.
Don Juan pensou por um momento. – A marca dele
está em você. Foi o que eu vi a primeira vez que pus meus
olhos em você.
- Que marca é essa, don Juan? – perguntei com os
olhos arregalados.
- A luz no centro da sua testa. Aqui. A uma polegada
de profundidade. – don Juan alcançou o outro lado da mesa, e
com os dois primeiros dedos de sua mão direita, tocou o ponto
entre minhas sobrancelhas. Eu sabia intuitivamente que ele e
Chon tinham àquela mesma luz. Don Juan sorriu gentilmente e
retirou sua mão.
107
Mais tarde naquela manhã Chon retornou. Meu queixo
deve ter caído quando eu vi o tamanho de sua sacola; era tão
grande quanto uma sacola de grama. Don Juan rompeu numa
gargalhada histérica e batia a mão repetidas vezes sobre a mesa.
Chon sorria como se pedisse desculpas.
- Merilyn pensa que mastigaria um ou dois, - don Juan
se esforçou para dizer ofegando profundamente.
- Por que você acha que não podia comer qualquer
comida? – Chon disse enquanto entrou em colapso no chão 
perto da sua sacola, quase caindo sobre ela, gargalhando. A
expressão no meu rosto devia ter sido muito divertida para eles.
- Realmente, Chon, você não espera que eu coma tudo
isso! – eu disse numa voz aguda, de pé sob as mangueiras, entre
a dupla de hienas rolantes.
Chon enxugou as lágrimas dos seus olhos com suas
mãos e deu palmadinhas em suas bochechas onde ria tão
largamente. Seu cabelo caía sobre suas orelhas. – Alguns serão
cozidos.  – ele disse finalmente me tranqüilizando, balançando a
cabeça e ainda rindo consigo mesmo.
- Tudo isso? – eu lamentei. Aquilo fez com que eles
gargalhassem novamente. Comecei a ficar enjoada e saí
procurando por Manik, esperando brincar com ele até que os
dois se recompusessem. Quando eu voltei com o macaco, don
Juan e Chon tentavam ficar sérios.
- Você não quer vê-los antes que eu os coloque na
panela?  - Chon me perguntou, como se tivesse assando
cookies.
Eu me aproximei e dei uma espiada. Os cogumelos
sagrados não eram como eu havia imaginado – grandes e
multicoloridos, talvez como em Alice no país das maravilhas.
Estes se pareciam com mamilos das mamadeiras dos bebês, ou
talvez como guarda-chuvas parcialmente abertos. Eles eram
marrom-cinzentos com grãos púrpuros na parte de cima. Ali
deveriam ter quinze mil deles.
- São realmente todos estes? – finalmente perguntei.
Chon colocou sua mão sobre a boca contendo a si mesmo,
enquanto don Juan se afastou das sacolas para dar uma boa
gargalhada sem me perturbar. Manik saltou do meu ombro para
108
o ombro de Chon. Ele enrolou sua cauda em torno do pescoço
de Chon e tentou descer com o corpo e roubar um cogumelo.
Eles pareciam mais escuros e mais delicados do que os
cogumelos que eu já vira até então, mas eu não era uma
especialista nisso. Eu suspirei.
Don Juan voltou carregando um imenso caldeirão
preto. Ele rapidamente construiu uma fogueira no meio da área
sombreada pelas mangueiras e encheu a panela de aço até o
meio com a água de um barril de chuva. Quando a água
começou a ferver, Chon começou a colocar quantidades
enormes de cogumelos dentro do líquido borbulhante. Eles
cozinhavam rápido, mas Chon continuava adicionando mais. A
panela logo continha uma lama preta-amarronzada fundida e
cheia de protuberâncias.
Durante a tarde eu me aproximei do caldeirão, com
cedo do que pudesse ver. A substância estava tão brilhante que
parecia alcatrão quente. Eu pude mesmo ver meu rosto
preocupado refletido nela. E o líquido se tornou escuro e
espesso enquanto cozinhava. Finalmente Chon transferiu aquela
substância parecida com um melado para um pote de barro e o
tampou. Havia como meio galão (gallon -3,785 litros) de poção
concentrada quando ele terminou de prepará-la.
Chon foi até sua cabana e trouxe uma pequena urna de
pó; ele me disse que aquele mesmo líquido espesso seria
borrifado levemente sobre um papel de cera para que
evaporasse. Don Juan estava ocupado cortando cogumelos
secos e enrolando-os com fibras como um cachimbo de tabaco
numa pele de animal. Eu nunca tinha visto tantos cogumelos em
minha vida.
Quanto à tarde avançava, tomamos banho. Chon estava
vestido com uma túnica púrpura e jeans cinza esverdeado. Ele
colocou seus brincos e colar de jade. Don Juan vestia uma
camisa azul escura e calças pretas, com uma bandana em torno
da testa... Eu estava impressionada pela roupa decorativa, como
se a nudez não fosse boa o suficiente para o mundo dos
espíritos. Eu vestia túnica e calças rosa, e coloquei o brinco de
garra de puma que don Juan havia me dado anos antes. Nos
olhamos como aprovando nossas roupas e nos pusemos a
caminho da floresta, ao longo do riacho da cachoeira, e
descemos até as ruínas.
109
O sol já tinha se posto quando chegamos. Chon estava
carregando tudo em sua sacola. Ele fez sinal para que
passássemos pelo Templo das Inscrições até o palácio de Pacal
Votán e que fôssemos à câmara das iniciações dentro dele. As
estruturas brilhavam na luz da lua cheia que agora nascia. O
lugar estava completamente silencioso. Nem mesmo os pássaros
noturnos e cicadas estavam cantando.
Entramos no centro da câmara do palácio com quatro
plataformas elevadas por colunas. Chon tomou sua posição ao
norte e don Juan a oeste. Meu lugar era a plataforma sul, como
na primeira vez em que Chon me levou ali. O céu estava escuro
e exuberante acima. Seria uma noite clara com muitas estrelas.
Chon se aproximou do centro do pátio entre as quatro
plataformas e acendeu a fogueira cerimonial. Depois que
começou a queimar, ele colocou o pote de barro que carregava
sobre as chamas. Don Juan desenrolou a sacola e tirou dali um
grande cachimbo feito de chifre e osso de veado. Ele ofereceu o
cachimbo às quatro direções e então à quinta, o zênite. Ele
então
carregou o fornilho.
- Nós procederemos em turnos. Primeiro o fumo,
depois a poção, depois os cogumelos frescos  e por último o
pó. – Chon disse, checando a panela sobre as chamas. Ele
voltou à sua posição na plataforma norte. – Em cada onda
sucessiva você se elevará mais alto. Quanto mais a mistura
entrar na sua corrente sanguínea e acertar seu cérebro, você será
lançada em outro reino. Esses movimentos são sempre
acompanhados por flashes de luz. Você tem que manter a
intenção do que está buscando. Você voará extremamente alto e
muito longe, mas é imperativo lembrar de pousar, de outra
maneira você não voltará de manhã, e nós encontraremos seu
corpo morto deitado aqui neste lugar.
Eu senti como se uma pedra gelada tivesse golpeado
meu estômago. Don Juan acendeu o cachimbo e deu um longo
trago. Ele não exalou a fumaça. Don Juan fumou por um
momento e então me ofereceu o cachimbo. Eu traguei. A
textura da fumaça parecia como poeira. Depois estendi o
cachimbo até Chon, que recarregou o fornilho, fumando por um
momento e devolvendo o cachimbo para mim. Para cada
fornilho que eles fumavam, eu tinha que fumar dois. Naquele
momento Chon foi até a plataforma leste e colocou ali uma
110
escultura artesanal de seis polegadas de uma deusa esculpida
em pedra sabão. Ele disse que aquela era Ixchel, a deusa da lua
e da água. Ela nos traria de volta quando a lua descesse pela
manhã. Ele me disse para ouvir o som do murmúrio do riacho
quando retornasse ao meu corpo. Este som me guiaria e me
puxaria de volta para ele.
Lentamente comecei a notar o lamento das cicadas
ficando afinado e alto. Era como se o som estivesse serrando
ou perfurando meu cérebro. Chon se aproximou e me levou até
a fogueira central, onde ele abriu o pote. Com sua lâmina de
obsidiana, fez uma incisão entre meu dedo médio e anelar da
minha mão direita. Doeu, mas de alguma forma eu não sentia
que participava completamente. O sangue pingou dentro do
pote. Minha mão foi enrolada e voltei a me sentar na
plataforma sul. Eu tive alguma dificuldade em decidir qual
plataforma era a minha.
O pote começou a circular. Chon começou. Para cada
passada do pote, tínhamos que sorver seu conteúdo. Quando
ele chegou até mim, notei que no recipiente continha quatro
seres emergentes, um para cada direção, decorando o lado
abaixo das alças do pote. Eu parecia não poder focar a vista
em nenhuma das figuras. A textura da poção parecia grama em
minha boca. Não era totalmente pegajosa como eu tinha
antecipado. O sabor era muito ruim, mas não tão ruim
que eu não pudesse engolir. Eu acreditava que Chon tivesse
colocado algum mel e flores doces dentro dela. Não obstante, o
problema estava em depois de tomá-la, quando o sabor se
tornava muito metálico e exponencialmente mais forte à cada
prova, ficando opressivo e dominante. Horrendo!
Eu senti que vomitaria a poção a cada vez que vinha
até mim, mas não havia uma verdadeira sensação de náusea,
apenas um gosto enjoativo depois de prová-la. Na verdade,
meu corpo começou a se sentir muito agradável, bastante 
eufórico. Eu não estava nem um pouco sonolenta, como
esperava que ficariae. Ao contrário, eu estava em júbilo e
hiper-sensitiva.
Eu olhei ao redor. Tudo se intensificava quando
olhava uma coisa e então a seguinte. A agitação das árvores
parecia sussurrar mensagens. Eu podia ouvir e sentir o tilintar
da água fluindo através do sistema subterrâneo abaixo de nós.
111
Don Juan e Chon pareciam de alguma forma realçados. Era
como se eles se movessem em brilhante câmera lenta.
Chon levantou sua túnica e fez um corte na carne
acima de seu coração com a lâmina de obsidiana. Ele abriu a
pequena urna e pressionou o pó de cogumelo sobre a ferida.
Então ele cobriu o lugar com um papel de casca de figo e
massageou na direção dos ponteiros do relógio. Don Juan
desabotoou sua camisa. Ele pegou sua própria lâmina e fez um
corte no meio do peito, na altura do coração. Ele também
pressionou o pó sobre a ferida e massageou com o papel.
Chon se aproximou de mim com uma terceira lâmina
de obsidiana. Ele fez um corte entre meus seios. Minha carne
não estava sensível como eu pensava que estivesse. Peguei uma
grande quantidade de pó e pressionei sobre a ferida e então
apliquei a pressão com o papel, que estancou a maior parte do
sangramento. Eu massageei a área, seguindo o exemplo deles
e, para meu espanto, o pó desapareceu dentro da ferida.
Chon voltou a se sentar em seu lugar. O fogo pareceu
aumentar em intensidade e projetava estranhas luzes douradas
sobre tudo. Seu crepitar começou a absorver tudo, como uma
radiação ao fundo. Chon e don Juan olhavam para o fogo com
atenção elevada. A parte superior de seus crânios parecia 
inchar enquanto a parte de baixo parecia se estreitar. O
resultado era quase uma forma de bulbo de luz. Eu vi um brilho
rosa vir deles e balancei a cabeça em descrédito. Vapores
fantasmagóricos saíam do topo de suas cabeças. O som se
estendia e se distorcia com todo o movimento.
Eu não sentia a pedra como sendo sólida abaixo de
mim, e ainda senti um puxão de gravidade. Uma agitação,
como um frio, começou a mover meu corpo para cima e para
baixo em ondas. Eu também senti o puxão da lua e olhei para o
corpo celestial branco. A luz se tornou prateada. Era espessa e
radiante. Eu estava sendo suspensa como uma névoa em seu
feixe de luz fluente. Eu percebi linhas brilhantes de energia e
me elevei ao longo delas até o satélite. Mais e mais perto. Mais
alto e mais longe. Eu libertei qualquer desejo de ser puxada de
volta para meu corpo. Eu estava quase livre. Minha respiração
começou a ficar rápida e pesada de excitamento.
Comecei a ver a superfície das crateras da lua, e então
ouvi um sussurro interior que perguntava onde eu queria
112
viajar. Meu primeiro pensamento foi até o sol. Eu então senti
mudar a direção e disparei no espaço negro até uma luz à
distância que aumentava rapidamente e logo se tornou
insuportavelmente quente. Eu ia colidir e me queimar. Houve
um flash cegante de luz e eu parecia acelerar em todas as
direções em quase velocidade da luz. A força deste movimento
era tão intensa que perdi a consciência de todas as outras
sensações, fora a de movimento e de luz.

CAPÍTULO 14
Estou além do sonhar. Os cogumelos me propeliram
para uma genuína mudança de forma. Eu me movimentava com
tudo –  estava em simultâneo tempo e criação. Depois da
explosão de luz, percebi uma clareza e então estava
caminhando através de um óvulo brilhante e dourado até o Rio
Ganges, equilibrando um pote de água em minha cabeça com
minha mão direita. Não havia distâncias. Estava
completamente presente naquela cena.
Meu vestido era-é uma grande peça de algodão
tingido de laranja enrolado em volta do meu corpo e cobria
meu ombro direito. Meus pés estavam descalços. Enquanto eu
andava, olhei para a esquerda e vi uma luz branco-amarelada,
que girava, do tamanho de um prato, me alcançando. Dei um
pulo, sabendo intuitivamente que a luz era uma explosão do
meu corpo energético e que, se me tocasse, morreria nesta
cena.
A luz me perseguiu e acelerou o giro. Eu corri. Ela
quase me pegou quando alcancei um lugar coberto e fresco à
margem do Ganges. Eu entrei e saltei fechando a porta atrás
de mim, pensando que estaria salva. Eu pude ver muitos vasos
com água à luz que entrava em poucas rachaduras na porta de
madeira. Enquanto dei uma respirada profunda de alívio, o
disco girando emergiu do nada e apareceu sobre meu ombro
esquerdo novamente. Ele estava ali o tempo todo! O disco de
luz se aproximou e me tocou no ombro em chamas e eu explodi
na luz.
Em princípio não havia nada, e então veio uma
sensação de cinzas lentamente pousando numa pilha cônica.
Depois de um período que me pareceu três dias, houve uma
comoção nas cinzas, similar à uma brisa ou respiração, e se
113
tornou consciência. Minha consciência emergente facilmente
passou através da madeira e da terra que rodeava a cobertura.
Eu me elevei até flutuar livremente sobre o Ganges. Espirrando
meus sentidos no ar como asas, via homens e mulheres se
banhando e se abastecendo de água. Ouvia a música de suas
vozes e voava mais e mais alto sobre o rio. E então outra
explosão de luz aconteceu e saí desta cena.
Quase no mesmo momento eu era uma fênix
ascendendo de uma tumba egípcia, uma gigantesca criatura
parecida com uma águia de fogo dourado. Quando eu irrompi
do chão, o oxigênio alimentou a força das minhas chamas e
minhas asas imensas batiam como pulmões, com a
respiração da energia magnética substitutiva. Pessoas abaixo
caminhavam pela areia em roupas delicadas de linho branco.
Eu vi a luz em torno deles aumentar e ficar forte até que houve
outro flash brilhante.
Minha consciência luminosa cedeu e percebi um domo
repleto de luz. Os seres dali eram tão luminosos que pude
dificilmente discerni-los. Podia principalmente sentir suas
presenças. Seus pensamentos soavam como vozes, percorrendo
eletricamente e ondulando em minha mente. Eles se
comunicaram telepaticamente, e me disseram para voltar
quando estivesse transfigurado completamente meu corpo. Eles
eram anjos alienígenas que viajaram de outro mundo. Eu fui
apresentada a um artefato abstrato de luz dourada gravada
com símbolos.
Do seu topo uma fonte espirrava energia
multicolorida, que derramava para cima, como uma gênesis
radiante (gênesis beam). Aquele era o poder crescente celestial
e seu conhecimento foi codificado em mim. Em êxtase, explodi
em outro flash de luz.
A luz me propeliu adiante e precedeu minha
consciência, que chegou até uma floresta. Fiquei surpresa pela
minha localização. Um grupo estava reunido longe de um
modesto vilarejo no sul da Índia, ouvia o príncipe Siddharta
Gautama Buddha. Parecia que o tempo estava em torno de 500
A.C., que significava que tinha me movido à uma grande
distância de tempo.
O príncipe Gautama pára seu discurso e sorri
beatificamente para mim. Ele me nota e avalia minha situação
114
em vez de prestar atenção na conversa. Olho furtivamente para
as pessoas à volta e então volto minha atenção até mim mesma.
Eu agora percebo que sou um homem baixo e feio! Olho meus
braços e mãos em descrédito, examinando-os como se fossem
de uma espécie alienígena. Essa mudança de forma veio com
um choque tremendo em mim, mas estava tão cativa pelo
Buddha que me voltei para ouvir suas palavras.
- Você lutará por um propósito em outra terra,
Pequeno Rosto de Macaco, - ele me disse
quando olhei para seu rosto. Ele era espetacular em seu corpo
robusto e grande, vestido com algodão tingido cor de mel. Ele
tinha olhos amendoados, e sua alma impecável formou-se na
alta casta indiana! – Purifique a vida, - ele me aconselhou – O
melhor trabalho é transmutar a forma de vibração lenta até
que se torne alta. Busque entrar no vazio da luz clara.
Eu fui raptada por suas palavras enquanto Gautama
apontava para a floresta. Não quis deixar a paz e humildade
trazida por seus ensinamentos, mas ele indicava que havia um
trabalho por fazer em outro lugar. Ele e seus peregrinos se
retiraram para a vegetação luxuriante e florida indiana até o
próximo vilarejo. Eu me sentei sozinha. Logo começaria a
chover.  As gotas podiam ser ouvidas caindo nas folhas verdes.
Fora dali à uma pequena distância, ouvi elefantes gritando
com um arrepio e som de click.
Eu percebi que não era mais homem! Eu era energia!
Esta consciência me causou um caos constitucional. Todas as
cores da cena avermelharam como aquarela na chuva. Eu
estava me transformando numa bolha de arco-íris. As palavras
de Chon filtraram através da pele da bolha. – Pouse ou você
nunca voltará.
O flash brilhante resultante se voltou até o sol
brilhando através da folhagem verde. Estava morno e
vaporoso. Olho para o meu corpo. Era moreno e feminino. –
Está tudo bem, - disse para mim mesma em Maya. Olhando à
volta, percebi que estava numa liteira, sendo transportada por
um caminho através da densa floresta até um palácio
designado para ser um local de oferenda ritual feminina.
Sacrifícios masculinos tinham  de ser sempre de vítimas de
guerra ou esporte ritual.
115
Estava deitada na liteira com uma túnica branca
fresca enquanto um homem Maya de baixa estatura segurava
uma haste de bambu encimada com uma palma circular sobre
mim para fazer sombra. Eu sabia que estava ali para
finalmente e completamente transcender e curar.
- Para onde estão me levando? – me inclinei e
perguntei calmamente a um homem Maya caminhando à minha
frente em procissão.
- Halach Uinic pediu que a trouxéssemos antes de
Kukulkán, - ele disse, seu rabo de cavalo e sua tanga
balançavam a cada passo.
- Eu sou a escolhida de Halach? – perguntei.
- Sim, Grande Junco, mas ontem o profeta Kukulkán
chegou de sua excursão para ensinamentos em Uxmal. Halach
suplicou a ele que ficasse e abençoasse nossa cidade com seu
conhecimento. Halach Uinic ofereceu a Kukulkán qualquer
coisa dentro de seu poder para que fosse entregue a ele em
retorno por sua permanência aqui em Chichén Itzá, fazendo-a
a mais poderosa cidade-estado do mundo Maya. – o homem foi
completamente arrebatado por sua própria fofoca.
- E o que Kukulkán pediu?
- Ele pediu um sacrifício, - o homem me informou,
como se fosse sempre um prazer natural dos deuses.
- Ele ordenou que um sacrifício fosse apresentado em
sua honra? – eu me intrometi, ponderando meu novo destino.
- Não, ele deseja que Halach Uinic troque seu alto
sacrifício em honra dele pela sua instrução. – o pedestre Maya
me corrigiu.
- Instrução em quê? – eu me perguntava enquanto nos
aproximávamos de Chichén Itzá. Chegamos ao santuário, onde
eu vivia sozinha, visitada diariamente por Chuch Kaháu, que 
me iniciava nos mistérios do tempo cíclico de seu conhecimento
especializado em calendário sagrado Tzolkín. Ele esperava por
mim do lado de dentro da estrutura lavrada em pedra e uma
tocha brilhava na parede quando eu entrei. Entrei e lavei meu
rosto num lavabo de água fresca. Chuch Kaháu era Chon,
completamente presente!
116
- Bem-vinda! Bem-vinda! Que dia feliz! – ele disse,
virando-se para mim e sorrindo. Chon vestia uma túnica
branca que alcançava seus joelhos – Você ouviu, Grande
Junco? Você ouviu as novidades sobre Kukulkán?
- Ouvi a caminho do poço sagrado da caverna
Bolonchén, - respondi, recordando o vórtex do espírito das
águas, meu ponto de emergência.
- O que você acha da sua estada aqui? – ele
perguntou.- É um bom sinal. – Chon sorriu.
Enquanto conversávamos, um grande grupo chegou de
uma excursão ao observatório astronômico. Tocadores de
flautas e lançadores de flores acompanhavam a
procissão. Halach Uinic vestia seu fino adorno de penas de
quetzal que dominava a cinco pés sobre as cabeças do povo. Eu
o ouvi discutindo sobre os avanços recentes em Chichén Itzá
com alguém na multidão. Naquele momento uma aglomeração
de pessoas passou, e um homem anteriormente desconhecido se
aproximou do santuário.
Ele não tinha aparência de um deus. Sua cabeça não
estava levantada, e sua pele era de alguma forma pálida. Ele
vestia uma túnica branca comum, como a de todos nós, em vez
da fina vestimenta cerimonial. Entretanto, havia uma qualidade
nele, um olhar, e um reflexo especial dourado em torno de seus
cabelos ondulados castanhos.
Ele então fez o impensável. Ele atravessou o umbral
até onde eu morava, que costumava ser proibido para quem
não fosse meus atendentes, Chuch Kaháu, Halach Uinic e eu.
Eu fiquei sem palavras. Ele me olhou profunda e gentilmente
na luz do sol que passava pelo corredor. Chon caminhou para
trás na sombra.
- Então você é a que morreria pela transformação? –
Kukulkán perguntou, examinando a iluminação pelo sol das
paredes de pedra.
- Se você assim pedir, - respondi respeitosamente,
tremendo sob minha túnica.
- Eu posso lhe dar uma escolha, - ele disse com uma
autoridade que convinha somente aos deuses. – Como você se
chama?
117
- Grande Junco, Senhor.
- E por que você se chama assim?
- Um junco grande é forte porque é feito pela força
que o move. Ele não quebra nem é sólido, mas se curva,
permitindo que possam passar por ele em seu caminho. Este é
nosso conceito de perfeito sacrifício. – eu respondi.
Ele se inclinou para mim. – Todos aqui pensam assim
como você?
- Apenas eu penso assim, meu Senhor.
Kukulkán concordou em reconhecimento. – O que eu
peço para você agora é que responda minhas perguntas sobre
Chichén Itzá. Eu virei chamá-la todos os dias. Você concorda
com isso?
- Eu concordo com seu pedido, Senhor Kukulkán. –
Kukulkán e a horda de Mayas se foram e continuaram sua
excursão com Halach Uinic. Eu me sentei numa esteira de
palha. Chon me trouxe algumas frutas enquanto eu re-trançava
uma parte do meu cabelo comprido e preto. Ele se sentou ao
meu lado.
- Você fez bem. – ele disse.
- O que eu fiz? – eu perguntei, descascando um
abacate.
- Você foi honesta.
De manhã fui escoltada até o campo de flores
cerimoniais por um emissário Maya. Ele apontou para o centro
indicando que Kukulkán podia ser encontrado ali. Eu passei
através das fileiras perfumadas de lírios altos, carnations e íris.
Na névoa de uma magnífica seção de marigold, descobri
Kukulkán reclinado numa esteira de palha, tomando sol na luz
fresca e fragrante.
- Bom dia, Grande Junco. – ele me chamou. – Sente-se
aqui ao meu lado, ele disse apontando para a esteira a o seu
lado. Eu sentei ajoelhada ao lado dele. – Que beleza, todas as
flores ondulando, não? – eu concordei com a cabeça. – Me
diga, quantos deuses são cultuados aqui em Chichén Itzá? – ele
sorria.
118
- Nós temos um Panteão inteiro de deuses. A principal
deidade de Chichén é o espírito da água. Nós desejamos, é
claro, incorporá-lo em nosso culto principal, agora que reside
conosco. – eu proclamei respeitosamente, usando meu
treinamento em diplomacia política.
Kukulkán não parecia impressionado. – Os Zapotecas
do noroeste acreditam em uma única energia, transformadora,
mas presente em tudo. – ele disse pensativo.
- Eu estou de acordo com esse pensamento. – eu
respondi enquanto uma brisa soprava.
- O que você sabe sobre mim, Grande Junco?
- Sua vinda nos foi prevista em profecias que
começaram com as tribos do norte. Você é o deus da
transformação, um mestre, um curador, e um mensageiro da
paz.
- Eu concedo minha energia, - ele replicou. – Você
conhece este símbolo? – Kukulkán desenhou duas linhas
cruzadas na terra entre nossas esteiras.
- Esse é o símbolo da nossa deidade do milho
masculina, Yum Cax, - respondi com prazer.
- E qual é o meu próprio símbolo aqui? – Kukulkán
perguntou.
Eu desenhei um círculo encimado por um triângulo na
terra abaixo do desenho das linhas cruzadas. – Seu símbolo é o
planeta Vênus. Veja, aqui está a Terra, o círculo, e aqui está a
sabedoria divina chegando à vida na forma de uma pirâmide,
este triângulo. – eu sorri com satisfação por ter expressado
corretamente seu hieróglifo.
Kukulkán sorriu. – Agora olhe a combinação dos três.
– eu olhei para as marcas no chão. O resultado era uma cruz
situada sobre o cume do triângulo, igual ao teto sobre o topo
do templo em minha terra ancestral, Nah Chan (Palenque). -
Esta é a profecia. Veja este novo sinal. Tenha a visão. –
Kukulkán comandou.
Eu fixei o símbolo em minha mente. Começou a
explodir com significado, desabrochando dentro de minha
testa. Kukulkán continuou. – Isso terá muito poder para mudar,
119
bem e mal, no período de tempo em que chegar. Temos que
passar por ele. Ele purgará, destilará e purificará. Agora me
diga, como você veio para Chichén Itzá?
Eu fui trazida para cá. Os videntes são sempre de Nah
Chan, assim como os Chuch Kaháu vêm sempre de Tikal, onde
estudam os calendários. Quando foi informado de que tinha
emergido, Halach UInic, que é daqui, estava estudando a
sabedoria das dinastias Mayas em Uxmal, a cidade
universitária. Ele ordenou que me trouxessem para cá.
- Como você foi encontrada?
- As sacerdotisas e sacerdotes Jaguar navegam em
reinos de energia em busca de uma fêmea com capacidade
visionária e útero completo.
Kukulkán ponderou a situação com grande reflexão. –
Qual é o propósito da sua oferenda? – ele me olhou
solenemente para as infinitas ondas de flores ondulantes
douradas.
- Minha própria oferenda abre caminho para a
transformação e transcendência. É energeticamente
evolucionária e esperançosamente curativa. Também permite
que Halach Uinic vislumbre os mistérios da energia e espírito.
Minha recompensa é minha identidade espiritual e minha
energia.
Kukulkán considerou por um momento. – Como,
atraindo Halach Uinic para isso, faria com que  ele merecesse
verdadeiramente tal revelação sem buscá-la em seu próprio
coração, oferecendo a si mesmo? Na boa vontade de oferecer a
vida de outro, pode ele efetivamente entrar nos reinos elevados
que busca? Toda sua oferenda faz com que ele seja lembrado
da existência da consciência e energia além da morte. A não
ser que ele aprecie o valor da vida oferecida – um grande
altruísmo, oferecer a própria vida – como poderia ele viajar em
altos caminhos? – ele olhava profundamente em meus olhos.
Eu pausei para refletir. Arrisquei contar a ele meus
verdadeiros sentimentos. – Eu acredito que há muito mais a
aprender da oferenda sacrifical, mas em última análise
podemos transformar a nós mesmos. Temos que fazer este
trabalho. E não puxar energia através de outros. Então há
também o valor da vida poupada e levada adiante.
120
Kukulkán parecia tocado por minha sinceridade. – O
único sacrifício igual à Grande Energia e Espírito, a única
dignidade a ser praticada, é sacrificar o ser (self). Esta é a
única oferenda que curará o mundo, envolverá o espírito e
proverá  o equilíbrio harmônico das energias, necessárias para
criar a vida. Este é o sacrifício que emerge em algo maior.
Você unirá a fidelidade e o amor que estão esperando por você
além daqui.
Kukulkán me olhava curiosamente. – Este
conhecimento é profundamente influente em todos os níveis.
Você não pode ascender sem proceder assim. Toda energia
ascendente tem que oferecer a si mesma para algo maior. O
que é oferecido é o que tem mais significado. Energia deveria
ser livre: um vôo, uma saída, e um ser espiral em retorno;
alegria e abundância, e explosão infinita; eterna, uma onda
emplumada de cores deslumbrantes, a dança do amor e força
sintonizada pura; e esferas vibracionais infinitas. A
humanidade não Vê. É como se tivesse um peito frio de pedra
em leite. Superficial. E o homem está sempre exigindo o
pagamento. Quem daria a ele o tributo certo por algo que ele
não inventou? Você tem de saber agora o que eu prevejo. Se
você doar a si mesma, você terá uma escolha. Você não será
levada de maneira brusca. Se a sua oferenda for pela
transformação, a energia a imbuirá. – Kukulkán parou por um
momento para olhar uma borboleta. – Os Mayas têm uma
profecia inspirada no fim de um ciclo de tempo, não têm?
- Se você se refere ao calendário Tzolkín, Senhor, - eu
respondi, - e se quiser discutir seu significado em detalhes,
Chuch Kaháu o conhece mais profundamente do que eu.
- Esta é a razão pela qual estou aqui. – Kukulkán me
assegurou. – Eu conversarei com ele. Sim. Este é o tempo
quando o homem precisará novamente ver a energia e ouvir as
mensagens de como viver. Grande Junco, você tem a
oportunidade de participar. – Kukulkán parecia estar
inteiramente absorvido por essas revelações. – Essa é a
liberdade de que estou falando. – seus olhos eram penetrantes.
Eu estava mesmerizada pela visão dele. Kukulkán se
deitou de costas. – Liberdade para todos? – eu perguntei
finalmente. Meu corpo estava em colapso e eu também deitei de
costas na esteira e olhei para o céu em contemplação.
121
Kukulkán sorria com o rosto voltado para o céu. – Em
princípio, espero, transformação. E então, como sempre, para
cada acordo com suas palavras, um acordo com seus corações.
– nós continuamos deitados de costas, olhando uma nuvem
branca que vagava em silêncio.
122
CAPÍTULO 15
Alguns dias depois, Kukulkán cumpriu com as
solicitações de Halach Uinic e o abençoou com uma profecia
para Chichén Itzá. Nosso local não cairia como os outros, mas
permaneceria e prosperaria como um vestígio brilhante de
nossa cultura, ainda no novo milênio. Isso, á claro, seria
conseguido sobre algumas condições: a abolição de todo o
sacrifício humano, escravidão e tortura.
Halach parecia fascinado com esses conceitos.
Chichén Itzá já era distinta de outras cidades-estado Maias e
não havia regras para uma dinastia rea,l mas uma tríade de
irmãos guerreiros nobres representando facções. Ele pôde
prever como essas reformas adicionais fariam com que
Chichén Itzá permanecesse como a última estrela no reino de
Yucatán.
Entretanto, seus irmãos guerreiros não
compartilhavam daquelas convicções. Eles tinham planos de
conquista, e embora Halach Uinic fosse o membro superior da
tríade de governantes, eles detinham a maioridade. Aqueles
dois irmãos conspiravam sobre as reformas de Kukulkán,
utilizando seus sacerdotes ambiciosos, Faca Amolada, e Casa
da Noite. Os místicos Sacerdotes Jaguar, Chilam Balam, e as
sacerdotisas alinharam-se com Halach Uinic e Kukulkán.
Numa tarde, Halach Uinic visitou o monastério
enquanto eu estava ali sozinha. Vestindo um pequeno adorno
feito de palha e penas na cabeça, uma túnica branca e
sandálias, ele entrou e se sentou à minha mesa. Ele parecia
muito preocupado com as intrigas políticas. – No dia de Chac
deste ano renunciarei ao sacrifício – ele pronunciou num tom
de rebelião, esperando que olhasse para ele. – Espero que isso
sirva para a nova era da qual Kukulkán falou.
- Isso será uma determinação muito impressionante. –
eu disse admirada. – Você acredita, então, que os benefícios
morais aliviariam os riscos?
- Sim, de acordo com a visão de Kukulkán.
- O preço desta visão pode ser muito alto. Você está
preparado para pagá-lo? – Halach me olhou de volta sem
resposta. – Isso pode ser benéfico para você, mas apenas se
123
puder ver a totalidade deste caminho. – eu senti simpatia por
ele. – Eu estou acostumada a pagar com a minha vida. Você
não.
- Eu espero que sim. Isso teve muita importância para
os Maias. Eu também espero que depois disso você finalmente
saiba da minha devoção a você. – ele disse com ternura
genuína. Eu fiquei comovida. – Eu ansiei por você desde o
primeiro dia em que foi trazida até a mim. Você foi a única
quem acalmou minha alma.
Eu esvaziei com tristeza ondulante, admiração. Sua
humildade imprevista me inundou. Eu caminhei em volta da
mesa e coloquei minhas mãos em seus ombros, consolando-o.
Ainda que tivéssemos sido arqui-inimigos, eu sempre entendi a
diferença entre o homem e sua função, e tinha esperança...
Ele partiu sem dizer mais nenhuma palavra. Eu fiquei
do lado de fora da porta e vi pesadas nuvens de chuva se
movendo através do céu. Um vento forte soprou sobre os
habitantes de Chichén, como em juncos ocos. Uma antecipação
fantasmagórica invadia nossas terras. Eu vi Halah Uinic
olhando para mim em cada sombra, me assombrando com seus
olhos tristes, enquanto caminhava até a cidade conversando
com Kukulkán.
- Eu partirei, - Kukulkán me disse na manhã seguinte
enquanto caminhávamos. – Mas isso não é importante. O que é
de valor duradouro já foi colocado em jogo e está se movendo.
Eu tentei colocar meu medo de lado ao sentar-me em
silêncio com Chon. Esperamos pacientemente até o dia do
sacrifício, quando Halach Uinic faria sua proclamação.
Os Maias rurais se amontoavam na cidade sagrada
como um rio de pessoas no dia da oferenda até o poço sagrado
de Chac. A multidão cochichava passando pelo monastério por
toda aquela manhã. A passagem entre os templos, ruas e
pátios, normalmente abertos e vazios, estavam agora
amontoados de pés se arrastando. O plano foi construir
templos futuros muito altos para acomodar grandes influxos da
cidade em dias cerimoniais, enquanto ainda proviam
privacidade aos praticantes rituais residentes.
Quando a cidade finalmente encheu até sua
capacidade, as ruas e o poço sagrado de Chac foram limpos e
124
cobertos com flores. Faca Amolada e Casa da Noite, os
sacerdotes dos irmãos de Halach se enfileiraram ao lado deles
e com a massa atrás deles. Os Sacerdotes Jaguar circulavam a
água.
Um grupo de cantores chegou para fazer uma
serenata para mim e me conduzir até a água. Eu vestia uma
túnica branca simples com meus cabelos em duas tranças em
torno da minha cabeça. Chon me acompanhava e
conversávamos. As pessoas cantavam enquanto passamos pelo
observatório.
- Se prepare para o que quer que aconteça, - Chon
disse. Agimos normalmente, concordando com a cabeça para a
multidão quando passávamos. Tentei olhar em êxtase. A rua
era grande e com um suave declive. Quando chegamos até o
poço, Halach Uinic já estava ali em seu refinado adorno de
penas de quetzal. Ele fez menção para que nos aproximássemos
da borda do poço, e então caminhamos até ele.
Ele agarrou meu pulso e o levantou para que todos
pudessem ver. A multidão ofegava, esperando que ele
amarrasse minhas mãos na preparação para lançar-me nas
profundezas. Um vento forte soprou.
- Aqui e nesse momento um novo mundo começa! A
oferenda agora acabou. Ela vive! – ele gritou alto e libertou
meu braço. A multidão estava confusa. Antes que Halach
pudesse explicar a visão de Kukulkán para o povo, os
sacerdotes rivais irromperam da multidão. Olhei furtivamente
para Chon, que fazia uma varredura na multidão para avaliar
seu humor. De repente, uma parte da multidão se dividiu
novamente.
- Virem-se! É Kukulkán! – alguém gritou. – Virem-se!
O povo estava silencioso e reverente quando vimos
uma figura lentamente emergir da multidão. Respirei
profundamente e agarrei a mão de Chon. Era Kukulkán, seus
braços estavam presos às suas costas, empurrado pelos
guerreiros com lanças e seguidos pelos membros governantes
de Faca Amolada e Casa da Noite. Os membros armados de
seus sacerdotes agora emergiram da floresta e circularam o
poço. Eles agarraram Halach Uinic. Pegos de surpresa, os
125
desarmados e agora desesperados sacerdotes Jaguar
escaparam pela floresta. A multidão tremia de medo.
Halach Uinic olhou para mim, magoado. Os
sacerdotes de Faca Amolada, ordenados pelos dois irmãos
menores de Halach, o empurraram para o chão e decapitaram
Halach Uinic no mesmo lugar com uma foice de obsidiana
amolada. Eles levantaram sua cabeça sangrando ao céu pelo
adorno em sua cabeça, gritando e ameaçando Kukulkán. Os
irmãos mais velhos e rivais recolheram o corpo decapitado do
chão de terra e o tiraram dali, reclamando a posição de seu
irmão morto. A multidão estava horrorizada e pronta para se
dispersar. Eu estava morta de angústia e então gritei.
Kukulkán não lutou, e os sacerdotes o empurraram através da
multidão até seu destino.
Uma imensa caravana foi formada para escoltar
Kukulkán até a costa. Soldados dos dois sacerdotes oponentes,
com seu novo reinado de guerreiros, levavam Halach Uinic
numa liteira, viajando rapidamente através da vegetação que
margeava a costa. Eles empurravam Kukulkán impiedosamente
através da vegetação espinhosa que o arranhava
repetidamente. Chon e eu caminhávamos sigilosamente no
rastro da procissão. A maioria dos Mayas rurais estavam
estupefatos. Eles se opunham à dominação de um deus e
queriam se revoltar sobre ele, mas estavam amedrontados e
desorganizados. Alguns começaram a se justificar dizendo que
outros deuses deveriam estar associados naquela subversão.
Até aquele momento, ninguém pareceu estar preocupado
conosco.
Quando chegamos até o oceano, uma pira funeral
flutuante foi rapidamente construída. Kukulkán permitiu que
eles o amarrassem nela. – Eu voltarei para vocês, - ele disse
em maia, quando os guerreiros o amarraram. Ele me olhou de
relance, sem que ninguém notasse, do lado da multidão. – No
ano de Um Junco (One Reed), procurem por mim aqui, onde
estão me deixando agora. – eu lutei para fazer caminho pela
multidão até ele. Um guarda guerreiro me agarrou e puxou
meu braço atrás das minhas costas. Eles acenderam a pira e
lançaram Kukulkán ao mar. Eu gemi.
A pira acesa se movia para cima e para baixo sobre a
água, e logo meus olhos úmidos e estáticos não puderam mais
sustentar aquela horrível visão. E então a pira explodiu numa
126
chama de luz, como nunca ninguém havia visto. Eu fiquei
transfixada pela chama, e fui lançada para trás com outros
pela sua força. O fogo da transformação queimou na essência
do meu ser, cauterizando minha testa e então todas as células
do meu corpo. A multidão assistia a pira encolerizada em
mistificação e transe. – Ohhhh! – todos exclamavam. Eles
foram lentamente e completamente silenciados.
A luz cegante suavizou na luz do sol rolando através
da janela de pedra aberta. Eu tinha sido transportada. Uma
brisa e um murmúrio envolvente e gentil soprou vindo do
oceano turquesa cintilante abaixo das nuvens brancas das
montanhas, carbonizadas numa consciência etérea. Eu era
transparente e olhava para fora da janela os raios de luz
ondulantes.
No mar tranqüilo, onde eu havia visto a pira de
Kukulkán explodir, estava Chon atravessando de canoa o
espírito das águas a barreira de uma das ilhas, não muito
longe da costa. Ele aportou e se aproximou de nosso refúgio
com passos largos e rápidos, através da areia branca e subiu
pela montanha.
- Eu vi grandes barcos fantasmas, - Chon disse ao
entrar, brilhando.
- Onde nós estamos? – perguntei.
- Estamos vendo a história passada num lugar entre
os mundos. Nós estamos viajando entre bandas de luz.
- Eles vão aportar aqui?
- Parede que estão indo para o norte. – Chon
respondeu. Eles provavelmente estão navegando pela costa
próxima à capital Azteca. Eles parecem uma onda de
fantasmas.
Isso fazia sentido perfeitamente para mim. Os
Aztecas reinavam agora. Eles eram guerreiros impiedosos. Eles
tinham um calendário, já com sua versão final da terceira
chegada profetizada de Kukulkán no ano Um. Junco, que era
agora. Era quase quinhentos anos antes do verdadeiro final do
calendário Tzolkín Maia, que profetizava uma quarta chegada
e o começo de uma era chamada Sexto Sol da Pura
Consciência.
127
Nós começamos a observar aquela era, vendo o
tempo fluir antes de nós. Mercadores Aztecas chegaram e
sussurravam para os aldeões que entre aqueles tripulantes
havia um que certamente foi percebido por eles como um deus.
Ele era o líder. Um homem branco com barba, vestido com
pesadas e brilhantes roupas, que podia se destacar por uma
fera alta, de quatro patas que bufava e que pareciam ser um
único ser.
Desde que eles entraram no ano de Um Junco,
muitos Aztecas acreditavam que Kukulkán, ou Quetzalcóatl,
como diziam na língua Náuatl, viria na manifestação
profetizada como um deus da guerra buscando vingança. Eles
estavam confusos em como reagir. Ele causaria algum dano a
eles? Eles se atreveriam a arriscar prejudicar ou matar outra
deidade?
Nós vimos seu imperador, Montecuzoma, trazendo
repetidas oferendas em ouro e jóias preciosas para ele deixar
suas terras. Quando aqueles estrangeiros vieram da costa, um
rio de nativos se juntou a eles e marcharam sob a bandeira de
seu novo deus.
Quando os intrusos alcançaram a área de
Tenochtitlán, Montecuzoma não teve escolha além de permitir
que entrassem e prestar homenagem a eles. Mas ele recusou a
mostrar ao líder, o que pensavam ser Kukulkán, o local onde
guardava seus tesouros.
Então algo espetacular aconteceu. As pessoas de
todas aquelas terras em massa observaram dois presságios
celestiais. O primeiro foi um eclipse total do sol, seguido
depois de algumas noites por um cometa arrepiante que
parecia estar suspenso no céu de uma noite escura. Tinha uma
cabeça imensa, uma longa cauda, e depois crepitou
radiantemente quando disparou através da escuridão do céu
noturno. Os melhores astrônomos Zapotecas, Maias e Aztecas
se ativeram em interpretar aquele sinal.
O povo Azteca intuitivamente percebeu que eles
estavam gravemente enganados sobre a intenção dos recém-
chegados. Estava claro que quem quer que fossem, sua
chegada seria fatal para seu universo. Eles esconderam seus
tesouros e portanto finalmente finalmente se envolveram numa
128
batalha sangrenta, lutando com a morte todos os homens,
mulheres e crianças da cidade Azteca.
Os espanhóis, - como chamavam a si mesmos, - o
suposto deus e conquistador da raça Azteca, sua total antítese a
Kukulkán, era Herando Cortés, um demônio que chegou no ano
Um Junco e que trouxe seu amigo, Pedro de Alvarado, o
conquistador dos Maias do sul.
Quando a segunda onda de invasores chegou com
suas bestas, Chon e eu atravessamos a barreira energética e
ficamos mais presentes naquela realidade, que parecia ser um
tipo de inferno. Estávamos assombrados por eles. Eles usavam
armas pesadas e barulhentas e seus corpos fediam sob elas. O
cheiro de suas respirações era podre de comer carne rançosa.
Eles eram magros, pálidos e tinham rostos peludos. Os
animais, entretanto, eram finos, acetinados e bonitos, grandes e
arrogantes, fortes e energéticos.
Eles entraram na cidade de Tulum com seu bando
irado, abusando da população e demandando saber onde era
encontrado mais do metal amarelo. Eles gritavam que
destruíram os Aztecas. O vilarejo inteiro foi ocupado. O
governante local foi preso em sua câmara. Ele disse a eles em
seu Maia acentuado de Azteca que na vila não havia mais
metal amarelo. Todo o metal que possuíam havia sido trocado
há muito tempo atrás. Os opressores fizeram os homens de
escravos. Os Maias foram forçados a arrastar seus pesados
peitos para deixar para as bestas. Pessoas foram questionadas
sobre a localização das antigas cidades e torturadas quando
não revelavam nada. Esses horrores continuaram até que os
invasores estiveram parcialmente satisfeitos e partiram em
busca de mais riquezas. Eles prometeram retornar para
estabelecer seu próprio governo, no qual todos teriam de se
submeter.
Quando o próximo bando de espanhóis chegou eles
pareciam diferentes daqueles guerreiros. Eu estava quase
ingênua, mas sob eles estavam os mesmos demônios. Eles
vestiam robes com capuz marrons e traziam o bastão em cruz
que Kukulkán previu. Os Padres, como chamavam a si mesmos,
tinham estado rastreando as terras Maias para confiscar e
queimar livros sagrados. Chon ouviu sobre suas atrocidades,
ele escondeu mais de duzentos volumes sob um alçapão no
pequeno refúgio que ocupávamos.
129
Os aldeões, menos o homem capturado, saiu para
saudar os novos intrusos com olhos ressentidos. Com um gesto
de boa vontade, os Padres presentearam todos os aldeões com
cobertores. Eles disseram que iam estabelecer uma
comunidade e queriam que os aldeões aceitassem seu deus
Jesus Cristo.
Os Padres em seguida construíram uma estrutura
de madeira encimada com seu bastão em cruz. Eles
observavam os métodos de agricultura e falavam às pessoas
sobre o livro de deus. Durante a estada deles, ouvimos muitos
rumores de outras partes sobre aquelas pessoas e a doença que
os seguia quando acordavam. Então alguns Maias no vilarejo
contraíram uma chaga de pequenas feridas purgantes.
Em princípio apenas algumas poucas pessoas
adoeceram, mas rapidamente se espalhou para toda a
população de Tulum. A doença não melhorava com o tempo,
em vez disso o corpo se tornava cada vez mais coberto com
bolhas asquerosas e purgantes. Elas eram muito doloridas e
eram acompanhadas por febre alta. Ninguém sabia o que fazer.
Quando a primeira pessoa morreu, Chon trouxe
seus vapores e ervas medicinais para ver se podia curá-los,
mas ele não pôde parar a disseminação da doença na vila. Nós
experimentamos novos remédios, enquanto as pessoas morriam
à nossa volta.
Eu fui até uma cabana escura, onde um homem
velho agonizava. Em toda sua escuridão suspensa e ondulante
eu podia ouvi-lo lamuriando e ali estava um enfermo e imóvel
cheiro na energia rarefeita, como vapor sulfúrico. Do lado de
fora não havia ninguém trabalhando nos campos, e os Padres
passavam todo seu tempo em suas casas de madeira, lendo o
livro de Jesus Cristo.
- Ele vai morrer, Chon? – perguntei com um
sussurro. O homem estava se rendendo. Chon então o banhou
com fumaça de copal. Ele então verteu um líquido herbal
amarelo na boca aberta do homem, que gemia e engasgava.
Chon se agachou e se voltou para mim com um
olhar cansado e preocupado em seu rosto. – Isso é mais do que
a morte. Isso está além da bruxaria ou de pequenos males. Eu
nunca tinha visto nada assim antes. Isso é uma segunda morte.
130
O céu sabe o que aquelas pessoas estão atravessando quando
elas deixarem este reino, se elas ainda o fizerem. – Ele colocou
sua cabeça nas mãos.
Todas as pessoas estavam morrendo à nossa volta.
A vida estava atemorizada pela disposição do massivo número
de corpos. Imensas fogueiras de cremação foram construídas,
mas os aldeões tremiam ao pensar que a doença podia ainda
ser levada através da fumaça. Os Padres acreditavam que a
doença era passada com os cobertores e ordenaram que todos
fossem queimados, mas era tarde demais. Aquilo era a ira da
força vital renunciada.
Chon trabalhou sem descanso, mas sem sucesso. Os
Padres discursavam sobre aceitar Jesu Cristo antes de morrer.
Alguns dos aldeões aceitavam em desespero. Eles eram untados
com óleo e permitiam que um pequeno wafer branco fosse
colocado em suas bocas, mas não havia alívio.
Quando quase todos haviam morrido e os Padres
consideravam a possibilidade de partir, senti um estouro em
minha testa. Olhei para Chon em pânico. Ele tinha uma bolha
em seu rosto e muitas em seus braços também. Eu estava
horrorizada.
- Chon! Como isso pode acontecer? A doença
rompeu através da barreira! Nós vamos morrer? – engasguei.
– Eu não quero morrer desta maneira!
- Isso não é tudo, tampouco, - ele disse – Os
conquistadores tinham dizimado a população. Não houve
conhecimento suficiente para deixar assegurada a continuação
de nossa cultura. Temos que salvar o que pudermos, Merilyn. –
o rosto de Chon se encolheu em tristeza.
Ouvimos o som dos Padres se aproximando. Eles
irromperam em nosso refúgio e começaram a acusar Chon de
trazer aquela praga preservando os livros do Diabo. Os Padres
estavam furiosos e saquearam o quarto, movendo a esteira que
cobria a porta do alçapão.
Um sorriso demoníaco atravessou seus rostos. Eles
retiraram vorazmente os mais de duzentos volumes escondidos
no local subterrâneo. Eles os manuseavam, rindo dos
hieróglifos e números e os lançaram como lixo numa grande
pilha à frente da porta.
131
Chon e eu nos entreolhamos com pavor, enquanto
eles se preparavam para queimar os livros. – Sem nosso
conhecimento, podemos não retornar! – ele me disse. Eu voltei
quando os Padres queimavam gravetos em torno de séculos de
sabedoria preciosa.
- A memória vem do interior, - Chon finalmente
disse, olhando transfixado para as chamas crescentes. – Você
confia em mim?
Eu confirmei com a cabeça. Ele agarrou minha
mão. Fizemos uma corrida feroz para fora da porta e pulamos
na fogueira.
O meio não estava aceso ainda, mas houve
pequenas crispas pelo calor à volta das chamas. Minhas
narinas e pulmões queimavam com a fumaça. Ficamos ali,
amontoados um no outro, no topo de nosso monte de
conhecimento e história queimando. Os Padres gritavam por
nós e rezavam pela nossa salvação. O que havíamos feito era
completamente além do que podiam compreender.
Quando os ouvi chorar de horror houve uma
explosão de luz no interior do anel de fogo e eu fiquei em pé
sobre a pira funeral anterior de Kukulkán. Éramos ele e eu que
agora queimávamos, rodeados pelas chamas. Chon se foi.
Kukulkán pegou um livro da pilha acesa que bramia em torno
de nós. Ele segurou o livro para fora e para mim até que eu o
peguei de suas mãos. Então ele sorriu, e nós explodimos em
outro flash cegante.
Acordei no frio riacho sob as ruínas de Palenque.
Estava deitada de costas, completamente imersa na água. O
amanhecer estava rompendo e ambos Chon e don Juan estavam
ao meu lado, tentando me reanimar. Olhei para cima para o
rosto e cabelo espesso e branco de don Juan, que sorria para
mim.
- É melhor sairmos daqui. – Chon disse. – Logo vai
amanhecer e esta cena criaria um tumulto. Você pode andar,
Merilyn?
- Eu nem posso me mover, - tentei murmurar. Don
Juan e Chon pegaram meus braços encharcados. Eles me
levantaram muito rápido, o que me surpreendeu, mas não
deveria. Quando eles viram que eu era incapaz de andar, don
132
Juan, com a força de um guindaste, me içou em suas costas e
começamos a andar para longe dali. Ele me carregou nas costas
por quase uma milha subindo uma inclinação suave.
Eu estava emocionada pelo poder e determinação
daqueles índios em seus noventa e oito anos. Eu enrolei meus
braços em volta de seu pescoço e ombros e enterrei meu rosto
em seus cabelos brancos. Eu me sentia banhada pela força de
sua presença.
- Não me deixe, don Juan – eu disse a ele. Eu sentia
que o intento guerreiro de don Juan poderia me carregar acima
das montanhas do Tibet...
Eu era Heidi sendo levada nas costas pelo meu avô
quando o sol apareceu sobre a floresta...
Quando retornamos ao local de Esmeralda, Chon
me depositou na cabana de cura. Eu imediatamente dormi.
Meus sonhos foram muito tristes e frágeis, como gotas de
orvalho de pássaros capturados suspensas numa teia de aranha,
ou cordas de harpa vibrando e gemendo na brisa.
133

CAPÍTULO 16
Chon e don Juan perceberam que eu precisava de
um tempo sozinha. Meus olhos transbordaram rios de lágrimas
quando assisti a partida de Kukulkán através da bruma, se
dissolvendo. Eu liberei o último flash da imagem fugaz de
Halach Uinic e a fogueira que destruiu os livros sagrados
Maias. Muito francamente, eu queria apenas morrer. Eu me
curvei numa posição fetal por dias em minha rede, enquanto
Chon e don Juan me traziam comida, esperando que eu
comesse.
O pequeno Manik pulava em volta de mim,
preocupado, tentando me trazer de volta à vida, mas com
pequeno sucesso. Don Juan tocava sua flauta à noite, e eu
respondia à sua melodia assombrosa, saudosa. Eu me
perguntava, quando ouvia a melodia, o que haveria no livro que
Kukulkán me entregou. O que poderia conter? E eu sabia que
aquele segredo estava imbuído em mim.
Depois de assistir minha condição piorar, Chon e
Don Juan decidiram que precisávamos conversar sobre minha
dominação pelas emoções para prevenirmo-nos delas para que
não me aniquilasse. Eu não sabia por onde começar, mas sua
insistência finalmente rompeu o silêncio em mim.
- Como tudo isso é possível? – perguntei finalmente.
- Isso é o tempo, - Chon disse. – Isso é possível.
Todos nós temos momentos em que nos tornamos mais que
podemos conceber. Isso nos faz ascender.
- Eu vou morrer agora? – eu respirei profundamente
e coloquei minha mão na boca.
- Isso é quando sentimos a vida se esvaindo que
levantamos e começamos a viver. Isso é o que está acontecendo
com você agora. – insistiu don Juan.
- E Halach Uinic? – eu estava inundada de
sentimentos.
Chon fechou seus olhos. – Quando foi pedido que
ele pagasse o preço, ele não o fez.
134
- Mas ele morreu!
Ele abriu os olhos. – Sua respiração de morte foi
ressentida. – Chon me acalmou. – À sua própria maneira, ele
cuidou de você, o que é parte do que você está sentindo agora.
Ele sabia que era melhor terminar com ele mesmo. Talvez ele
tenha aprendido algo.
Eu engoli em seco, sentindo que Chon estava certo.
- Esse é o crédito que você mesmo leva, - don Juan
disse com desdém. – Se isso é o que trazemos para alguém
como aprendizado, eu digo “piss on’em” (?) – Todos nós rimos
pela primeira vez desde nosso retorno. Chon ria tapando a boca
com sua mão.
- O que você viu naquela noite, Chon? – perguntei,
ainda temendo que sua resposta pudesse me fazer ficar ainda
mais deprimida.
- Eu vi como esta cultura atual usa a tecnologia
como muleta para sua energia, mas não da mesma maneira que
um deficiente usa uma cadeira de rodas para andar mais
facilmente. A cadeira de rodas é uma concentração, uma
limitação desafiante. A tecnologia é um ópio, desde que não
liberta a energia que muitos outros buscam. Esta cultura atual é
pobre/ débil, mas talvez isso seja bom, olhando para os estragos
que comete. Isso me lembra um pouco do que as outras culturas
foram, e sabiam menos do que nós.
- Eu vejo a doença que você tem como uma grande
abertura. Não precisa de defesa. Precisa recuperar o fluxo e
permitir que a energia a imbua. A Terra e a energia nela mesma
não tem que suportar o que o que somos se lutarmos contra ela.
Humanos, por todos os seus valores, tem que aprender como
viver em equilíbrio com todo o resto. Por todos os seus
impulsos, eles têm de ver que apenas desejar e ter não é o
suficiente. Além disso, é claro, eles têm de cuidar uns dos
outros.
- Eu então vislumbrei fórmulas para uma evolução
futura e percebi que talvez você possa escrever suas
experiências e falar sobre elas.
- O que eu poderia fazer de bom? – eu me inquietei.
135
Chon sorriu. – Escreva e veja o que acontece.
Talvez algo aconteça. Você é uma mulher fina, bem nascida e
educada. As pessoas não esperam que essa voz venha de você,
alguém que trilharia e conteria todo o mérito que você adquiriu.
– Chon olhava suas mãos como se admirasse um anel. –
Alguém que pudesse ter sido resguardada de tudo isso. As
pessoas não anteciparão seu sentimento por outras culturas ou
sua copreensão de outras realidades e poderão contemplar como
tais coisas podem ser. Eles se perguntarão sobre suas histórias e
sua doença, seu tipo de sonhar e sua raiva ausente. Talvez
outros se lembrarão. Talvez algumas pessoas verão. Ou é
possível que todos os ressequem e soprem para longe como um
demônio em pó no vento, deixando para trás apenas o vazio sem
a presença do espírito para guiar suas vidas. Mas de qualquer
forma você estará livre.
- Eu espero que possa mudar algo. – respondi,
olhando profundamente nos olhos de don Juan.
- Talvez assim possa ser.
- O que você viu, don Juan?
- Eu vi como a consciência é retirada da forma, - ele
disse, beliscando seu braço – por causa da maneira que ambos
estamos abusando. Isso não tem que ser desta forma, mas essa é
a maneira que as coisas estão mudando. Eu também vi um tipo
de energia, a mente, e o coração têm de existir bem num mundo
sem forma. A maioria das pessoas não tem o ânimo / vigor, e
isso é por que eles temem a mudança chegando. Entretanto, eles
desvalorizam e destroem o único mundo físico que têm e
reprimem o espírito, e por isso eles carecem dele. Este valor do
mundo é nossa ponte para outros reinos e nossa existência. Eu
então vi onde poderemos ir quando deixarmos este mundo aqui.
Eu nos vi explodindo juntos no infinito, - ele finalizou.
Eu estava sem fôlego com a beleza e a totalidade de
sua visão.
- O que você viu? – ambos perguntaram em
uníssono, arregalando os olhos e rindo.
Eu recontei toda minha experiência do começo ao
fim. Eles estavam completamente absortos e aparentemente
interessados particularmente na câmara dos seres de luz.
136
- Então você se comunicou com eles? – Chon
perguntou fascinado.
- Sim.
Em retorno cada um deles me revelou que durante
suas visões eles também entraram num domo de seres de luz.
Chon explicou que essa foi uma experiência evolucionária
evocada pelos cogumelos sagrados.
- Eu tenho ouvido os hippies que costumam vir em
torno daqui dizendo que os Maias ancestrais elevaram suas
vibrações e partiram para outras dimensões ou mesmo outros
universos ou UFOs, - Chon riu. – Isso não é bobagem, mas soa
desta maneira, da maneira como eles dizem. Agora vocês
podem ver que estavam certos.
Todos nós rompemos numa risada histérica. Eu me
senti bem em rir tão alto e experimentei uma liberação. Manik
tentou roubar a cena de bons espíritos clamando por atenção
para si mesmo. Ele pulava para cima e para baixo segurando seu
órgão sexual. Aquilo fez com que rolássemos no chão.
- Isso é com o que estamos trabalhando. – don Juan
disse.
- Conte, Merilyn, - Chon pediu, quando nos
acalmamos, - Do que você mais se lembra sobre Kukulkán?
- Tudo, de verdade. – pausei por um momento. – A
liberdade. A visão. A natureza doadora de amor.
Transcendência. A... explosão. – tapei meus olhos com a mão. –
Ele me deu um livro. Eu não tenho certeza de tê-lo pegado.
Agora eu queria apenas poder ler o que continha. – Ficamos em
silêncio por um momento. – Era um de seus livros, mas de
alguma forma transformado.
- Talvez você possa decodificá-lo, - don Juan
respondeu. – E sobre a sua doença, eu sei que soa assustador e
atrevido, mas eu não acredito que você precise se preocupar.
Algo vai acontecer aqui. Isso deve falar por si mesmo. Deixe-se
ouvi-lo.
Chon concordou com a cabeça em reconhecimento
respeitoso, como eu, olhando profundamente nos olhos de don
Juan ferozes, mas gentis. Chon e don Juan me abraçaram, e
passei o resto do dia calma, quieta, e esperançosa.
137
Passamos os dias restantes de minha visita em
estado de graça. Chon nos levou até a cachoeira Misol Há, num
rio de água virgem numa montanha alta que caía em pura água-
marinha. Também visitamos Nahá, o último assentamento
realmente Maia na floresta, que ainda falava o dialeto original
de Palenque, que era falado há mais de trezentos anos. Havia
uma clareira na floresta em torno dele, e haviam apenas
duzentas e poucas pessoas que ainda permaneciam ali, e que
ainda vestiam túnicas brancas. O velho sábio Chan Kin Viejo
disse que tinha prazer em nos conhecer.
De Nahá descemos de canoa o rio Usumancita na
Guatemala e vimos as ruínas da terra natal de Chon, Tikal. Eu
não era familiarizada com aquela área, mas para Chon era uma
experiência gloriosa, movida além das palavras. O grande
espetáculo foi a pirâmide principal, a gema de Tikal, a mais alta
estrutura que eu tinha visto no mundo Maia.
Viajamos nas montanhas ao redor, onde os Maias
tinham se escondido quando fugiram dos espanhóis em 1600.
As cidades ali tinham decididamente um toque colonial, mas as
casas ainda eram Yotoch. As mulheres se sentavam para tecer,
fazendo desenhos em roupas que eram usadas há mais de dois
mil anos.
Voltando a Palenque, embarcamos em nosso velho
trem familiar e fomos até Yucatán em torno de Chichén Itzá.
Quando entramos na região, desembarcamos e fomos de ônibus
pelo restante do caminho.
O local era quieto e imensocomo eu me lembrava. A
pirâmide massiva de Kukulkán tinha sido parcialmente
restaurada pelo governo mexicano. Entretanto, toda a coloração
terracota havia desaparecido e ainda não havia sido repintada.
Eu duvidava se ainda poderia ser restaurada. Hoje eles não
saberiam como colorir os relevos.
Nós caminhamos descendo até o poço sagrado e
sentamos ali por um longo tempo enquanto o vento aumentou e
soprou em torno de nós. A água era verde como eu me
lembrava. Apenas sobre o poço uma pequena cabana vendia
suco fresco de abacaxi, atendida por uma jovem Maia vestida
com roupas coloridas. Eles saudavam as pessoas em seu próprio
dialeto, com poucas palavras de acento espanhol ou inglês para
os turistas.
138
Depois de passar poucas horas ali, caminhamos de
volta à seção principal da cidade. Junto com Chon e don Juan,
subi até o topo do Templo dos Guerreiros. O gigante Chac Mool
ainda estava reclinado ali com um prato imenso vazio. Atrás do
templo superior estava uma placa de pedra onde as oferendas
eram feitas, e a câmara onde Halach Uinic jazia. Eu passei
minha mão por sobre a pedra.
Na parte inferior, caminhamos entre milhares de
colunas em ruínas que circulavam o templo, e então fizemos
caminho até o observatório. O teto estava parcialmente erodido,
expondo o interior em espiral. Parecia um caracol ancestral em
concha lavada pelo mar primordial.
Do outro lado ficava o monastério em ruínas. Chon
e eu entramos, e ele pretendia acender uma tocha na parede
quando eu me sentei no chão. As pedras em arco pareciam mais
baixas, e a pedra parecia ancestral, ainda (se fechasse os olhos)
podia visualizar os móveis na câmara de dormir nos cantos.
Num Volkswagen alugado, dirigi até a costa em
Tulum. Não havia sinal da igreja de madeira construída pelos
missionários. Um par de grandes iguanas tomavam sol na borda
dos rochedos. Abaixo estavam milhas de praias intocadas,
rolando como ondas na luz do sol. As palmeiras silvestres
dançavam ao vento. Achei o Caribe ensolarado irresistível, e
caímos na duna de areia, nos despimos e mergulhamos no mar.
Subindo a duna voltando, encontrei uma concha em
caracol em forma de trombeta e uma pequena borboleta de
argila envolvida pela areia. Naquela tarde almoçamos peixe
num restaurante local, os três absolutamente mareados. Fizemos
palhaçada, rimos e batíamos na mesa para mais comida. A
garçonete, uma garota Maya local, parecia deliciada pelas
nossas palhaçadas, fofocas e alegre por nós atrás do balcão.
Na manhã seguinte embarcamos num ônibus
mexicano multicolorido de segunda classe... Fomos até a costa
de Xcaret, o local dos banhos sagrados rituais. Os golfinhos
nadavam na água cristalina, e tinha uma grande variedade de
lindos peixes tropicais. Nós caminhamos na água que fluía nas
cavernas subterrâneas, iluminadas por raios de sol no topo que
mergulhavam em círculos celestiais abaixo dela.
139
Naquela tarde chegamos em Uxmal, a cidade
universitária ancestral Maia. Vimos andorinhas voando em
torno das ruínas até o pôr do sol e alcançamos o pátio e a
pirâmide brilhava com as cores do crepúsculo. Enaunto
caminhávamos ao logo da estrutura, Chon me lembrou que os
professores deveriam ter cinqüenta anos antes de morar em
Uxmal permanentemente, e que aqueles grandes instrutores
usavam cascos de tartaruga gigantes como pratos ornamentais
no peito para simbolizar sabedoria e longevidade.
Naquela noite sonhamos, voamos e nos lembramos.
No dia seguinte voltamos de ônibus até Palenque. Ainda que
dormisse, permaneci consciente no meu banco para que não
perdesse nenhum desses últimos momentos com eles. Don Juan
apontou para muitas águias que voavam do lado de fora da
janela enquanto viajávamos.
Quando chegamos na tarde seguinte em Palenque,
Esmeralda tinha acabado de voltar e houve uma atmosfera de
festa no restaurante até fechar. Esmeralda me dava palmadinhas
alegres entre meus ombros toda vez que eu passava por ela, e
nós três nos sentamos na cozinha e conversamos com ela
enquanto cozinhava.
Recontamos nossa viagem nos três locais Maias,
enquanto nos esbaldávamos com a refeição suntuosa de
Esmeralda. Depois disso conversamos até tarde da noite,
sentados em volta do fogo para manter os mosquitos longe.
Quando paramos, don Juan disse que viajaria de avião até a
cidade do México dali a dois dias. Aquilo me trouxe de volta à
realidade, me entristecendo um pouco e então eu me desculpei e
fui dormir.
Eu sonhei com um lindo rio de luz, fluindo
musicalmente através do céu como o Milky Way (caminho de
leite). Eu subi e caminhei atravessando quando meus pés se
dissolveram. Do outro lado havia uma terra iluminada, como
um plano alto da Terra. Eu caminhei por longo tempo sozinha
antes de ver formas de indivíduos que não podiam deixar a
margem. Dali, eles se sentavam e olhavam aflitos para o
espelho d´água, olhando todas as imagens que passavam por
uma eternidade ou até que espiralassem para baixo.
Alguns seres livres vinham me conhecer e escoltar
até outro lugar. Seus corpos eram luz dourada e paz. Eles
140
tinham cabeças altas e oblongas. Fomos até um poço sagrado,
um vórtice brilhante espiralado. Aquele era o lugar onde eram
chamados a seguir, e era rodeado por anjos: lindas luzes que
se moviam, com vibrações sonoras etéreas, e sentimentos
elevados. Os anjos chamavam como lobos uivando dentro do
vórtice. Seu som alcançava até fora dos limites, e me
mostraram como cantar no poço.
Eles disseram que como mulher eu podia conduzir a
vida perdida do vórtice e demonstrar como alcançar seu núcleo
espiralado. Aquilo era possível apenas com minha própria
energia criativa e meu desejo em combinação com o vórtice,
que fazia com que os entes queridos emergissem para fora dali.
Eu estava extasiada, e eles me disseram que podia ficar ali por
quanto tempo quisesse. Eu senti que se ficasse ali por uma
eternidade me tornaria a guardiã daquele poço sagrado.
Chamei pela imagem de Richard e então minha
bisavó, don Juan, Chon, e então Halach Uinic e finalmente por
Coyol. Eu os vi livres, bonitos, perfeitos, e rodeados por
energias curativas e abençoadas. - Eu os amo – eu disse.
Então os anjos me disseram para pular. Quando eu
pulei, me dissolvi completamente na poço de energia. Eles
chamaram e emitiram raios de luz na água. O calor da água fez
com que borbulhasse e evaporasse como gás. Eu estava no
meio daquela ascensão em espiral num tubo de luz líquida.
Quando eu saí, pude me conectar com muitas
pessoas, aquelas que haviam me ajudado, aquelas que eu quis
ajudar. Espíritos vinham até mim com mensagens. Eu agradeci
os anjos e então desci de volta ao túnel de luz líquida até o meu
corpo na Terra e reentrei pelo topo da cabeça e pelo coração.
Na manhã seguinte Chon esperava por mim na mesa
do café, querendo que passássemos algum tempo juntos.
Comemos em silêncio enquanto don Juan relaxava na rede sob
as mangueiras. Esmeralda não abriu o restaurante naquele dia.
Mais tarde, todos nós fomos ao único cinema da cidade. Estava
passando um filme chinês incomum, feito por uma família de
acrobatas de circo.
Naquela noite jantamos num restaurante da cidade,
fazendo daquilo um espetáculo festivo para nós mesmos.
Esmeralda vestia um vestido novo multicolorido, e eu a melhor
141
blusa e saia que havia trazido comigo. Depois disso
caminhamos pela praça sob a lua minguante. Nos sentamos no
banco e rimos, vendo os vendedores de balões, ouvindo os
tocadores de harpa folk, e saboreando milho assado...
Era tarde quando voltamos ao restaurante de
Esmeralda, e depois que os homens foram dormir, pedi a
Esmeralda se poderia cortar meu cabelo. Ela pegou uma bacia
com água e um par de tesouras, enquanto eu me sentava numa
cadeira sob um abacateiro.
- Você tem certeza de que quer fazer isso? – ela
perguntou. – Seu cabelo comprido é tão bonito.
- Eu tenho, - eu disse. – É difícil para mim mantê-lo
assim agora. Faça duas tranças. – olhei para a bacia d´água e vi
um quarto de lua refletido nela.
Ela concordou com a cabeça. – Quanto você quer
que eu corte?
- Na altura da base do pescoço. – respondi. – Num
golpe só. Estilo egípcio. – eu ri.
- E também como alguns Maias. – ela riu e começou
a repartir meu cabelo na parte da frente.
- Esmeralda, por que você acha que Chon nunca se
casou? – perguntei com a curiosidade de uma criança.
Ela me olhou nos olhos tolerantemente, enquanto as
luzes da noite se refletiam em seus olhos. – Oh, bem, muitos
curandeiros nunca se casam. É muito trabalho, e requer uma
energia tremenda. Mas se você quiser saber sobre seu tipo de
mulher, eu acho que ele gosta das jovens. Nós rimos. Ela
repartiu meu cabelo de um lado, cortou cuidadosamente...
No café da manhã do dia seguinte depois de
surpresos, mas agradáveis comentários sobre meu corte de
cabelo, Esmeralda tirou fotos de nós com a câmera vazia. Nós
posávamos pomposamente em diferentes grupos e entre
momentos de risadas histéricas. O resto da manhã passou
lentamente enquanto eu fazia minha mala. Chon entrou na
cabana enquanto eu tentava fechar a mala. – Eu não sei se posso
carregá-la. – sussurrei.
142
Ele se sentou na rede. – Isso é muito difícil. Eu me
pego querendo que não tenha de ser desta forma. Por que não
poderia ser outra pessoa para esta tarefa? Mas se não fosse
você, não poderíamos estar juntos desta maneira.
- Eu não quero ir embora!
- Você tem de voltar até que isso esteja resolvido.
Você sabe o que fazer? – ele perguntou, esfregando sua testa.
- Sim. Eu sei.
- Que bom. – ele sorriu. – Quando tiver completado,
lembre-se: Você ficará conosco. – Eu corri para abraçá-lo pelo
tempo que pareceu ser uma eternidade. Então eu dei a ele um
pacote com uma de minhas tranças cortada e não me senti boba
ao fazer isso.
- Você quer levar Manik? – ele perguntou,
precipitadamente, enxugando os olhos. – Ele gostaria de ajudá-
la.
- Eu não acho que poderia entrar no meu país com
ele.
- O mesmo acontece comigo. – Chon refletiu. –
Ainda assim, leve seu intento. Você conhece aquela frase Maia?
Eu recordei o significado de suas palavras
sussurrando em Maia – Superar a Morte?
- O mesmo com você, - Chon sorriu. Nós fechamos
minha mala e sorrimos um para o outro.
Eram 15:00 horas e tempo de partirmos. Chon virou
as costas enquanto saíamos da propriedade e entrávamos num
jipe alugado. Então ele virou o rosto e fez sinal com a cabeça
quando demos partida e nos afastamos. Don Juan e eu
estávamos muito quietos. Tentamos não olhar para trás.
O vôo foi excepcionalmente bonito. Quando o avião
decolou, pedimos ao piloto que circulasse sobre as ruínas
Maias. A visão dos templos do ar era como de outro mundo,
como se tivesse sido projetada pelos deuses de acordo com o
máster plan. Sua grandeza, solenidade, imobilidade, e
isolamento eram absolutamente místicos. Eu disse adeus a eles
pelo tempo em que estive ali.
143
Esmeralda abasteceu don Juan com um saco de
tamales, que repartimos no vôo até a Cidade do México.
Haviam tamales yucca com amêndoas, abacaxis, passas e peru
molho de sementes de abóbora. Eu encostei minha cabeça no
ombro de don Juan enquanto atravessávamos as nuvens.
Logo aterrissamos passando sobre o alvoroço
terrífico do aeroporto da Cidade do México. Eu segurei a mão
de don Juan com medo de que alguém na multidão pudesse nos
separar e levá-lo para longe de mim. Enquanto esperávamos
pelo meu vôo, sentamos para conversar num café.
- Sei como você se sente. – don Juan disse enquanto
bebia água mineral. – Nos sentimos assim no começo, na
reserva. Ainda sentimos isso. É como se você tivesse sido
rasgado de alguém que ama, de tudo o que importa para você.
Eu concordei com a cabeça.
- O que há lá onde você está indo? – ele perguntou
- Nada além de memórias e deveres. Aquelas
pessoas não me compreendem muito bem. Isso é vazio.
- Uma situação ideal. Seus amigos irão até você,
acho, - disse don Juan. Tenho certeza disso. Seu noivo era
daquele lugar, não é?
- Você se lembra de Richard? – eu perguntei, atônita
por ele se lembrar daquela história contada há tanto tempo atrás.
- É claro. – ele respondeu. Ele ajudou a trazê-la até
mim, lembra-se? Agora ele irá guiá-la e ajudá-la a sobreviver
em casa por um tempo.
- Isso soa como se eu dependesse de um noivo
morto para me manter. – eu disse.
Don Juan sorriu. – Não subestime nenhuma ajuda do
mundo espiritual, Merilyn.
- Você fala como um verdadeiro índio.
- A seu serviço, 0 ele sorriu, e ambos rimos. Eu dei a
ele um saco com minha outra trança cortada.
- Eu me lembrarei de você. – ele disse, colocando o
pequeno embrulho no bolso de sua camisa.
144
Eu paguei pela minha passagem. Curiosamente, don
Juan não comprou a dele. Sentamos no terminal e esperamos
pelo meu vôo. Depois de uma hora, don Juan caminhou comigo
até o portão de embarque, junto ao detector de metais. Ele não
pôde ir mais além.
Eu experimentei uma tremenda ansiedade em
caminhar pelo portão e deixar don Juan. Eu o abracei até que
imaginei todo mundo no aeroporto parando estupidamente atrás
de nós. Nós na verdade brilhamos com um ovo de luz
amarelada enquanto nos abraçávamos, e ali houve um silêncio
atemporal, um zumbido. Quando nos separamos do abraço,
percebi que ninguém tinha reparado em nós.
- Você vê? Só um índio de madeira para eles. – ele
disse. Eu sorri para eles. Eu caminhava cuidadosamente pelo
portão, e senti um flash de luz atrás de mim. Eu olhei
freneticamente à minha volta, mas don Juan havia desaparecido
de onde estava há apenas um momento atrás.
O avião decolou mais tarde, o que não era incomum
no aeroporto da Cidade do México. Sentei-me no meu banco
me perguntando sobre Chon e don Juan. Finalmente, a
drenagem emocional da partida rompeu, e fiquei à deriva na luz,
voando, e dormi.
Eu sonhei com nós três juntos em Nahá, descendo
de canoa o rio Usumancita, até um lugar na água repleto de
flores. Ali, esperando por nós em outra canoa, flutuando sobre
as pétalas, estava Kukulkán. Ele sorria.
Sonhei que estava novamente nas montanhas de
Chiapas e um sacerdote dançarino caminhou na bruma
vestindo uma máscara branca de pedra e a entregou a mim
pelo jaguar sagrado. Eu dancei com ele, segurando em seu
ombro esquerdo. Ele se virou e eu peguei minha máscara do
seu rosto, lançando-a no chão na neve. Atrás da máscara de
pedra branca sagrada estava um vulto de luz brilhante. Eu o
saudei com a cabeça e voltei pelo vórtice enevoado do sonhar.
Talvez Chon estivesse certo, de que escrevendo eu
poderia decodificar o que estava escrito no livro sagrado que
Kukulkán havia me dado. Seria maravilhoso!
145
146
EPÍLOGO
Enquanto progredimos em decodificar o Livro de
Kukulkán e ao revisar este livro, entendemos agora as os
acordos com a transformação evolucionária e nisso nos focamos
incansavelmente. Somos agora capazes de abrir o livro no
sonhar e encontrar quatro caracteres conhecidos dentro dele.
No mundo acordado da ciência, que é 23 de junho de 2000, foi
encontrado quatro caracteres genéticos, representados em um
bilhão e cinco mil milhões de peças de código genético,
intrincadamente e reciprocamente combinados.
Nós descobrimos também algo que os cientistas
ainda não descobriram: que há um quinto caractere , uma letra
anterior desconhecida no alfabeto existencial, a adição do que
causou a inteireza da criação para “ler” diferentemente. Isso
muda o significado de toda linha singular ou combinação não
linear. Isso não é uma mutação, que é formada inserindo uma
representação extra ou um fio representativo de algum dos
quatro caracteres, mas em vez disso é algo completamente
diferente que aparece levar a uma oportunidade evolucionária
misteriosa.
Como resultado desta descoberta, tivemos também
aprendido que há quatro categorias de doenças. A primeira
categoria cura a si mesma naturalmente, então uma medicação
ou intervenção energética seria redundante. A segunda categoria
pode ser curada se medicina adequada for encontrada. Sempre
requer ambas, medicina apropriada e adequada intervenção
energética. A terceira categoria não pode ser curada. Isso é
devido às dívidas energéticas dos seres de nossa linhagem. Será
fatal, mas se essas dívidas forem pagas, a vida poderá se
estender e sua qualidade poderá ser provisionada. A quarta
categoria de doença é de natureza puramente energética e
responderá somente em termos energéticos apropriados.
Estamos em processo de entender que doenças
pertencem a que categorias. Temos, por exemplo, aprendido um
fato surpreendente: que o HIV pertence à segunda categoria, em
vez de a terceira. Além disso, temos visto que o câncer pode
pertencer à categoria dois ou três, dependendo do cenário
energético específico.
147
Descobrimos que há métodos para discernir as
categorias às quais as doenças pertencem, e então as medidas
apropriadas médicas e energéticas, podem ser tomadas ou
buscadas. Esse discernimento é a ferramenta necessária para
lidar com a doença sem mal-estar e tendo total certeza sobre o
curso de ação.
Nós temos ainda explorado como este novo
elemento, combinado com a capacitação no sonhar e o intento
apropriado, afetam beneficamente o diagnóstico acurado, a
pesquisa e a aplicação das curas e tratamentos, a habilidade de
sobreviver e a qualidade de vida. Em geral, sentimos que isso
pode ser completamente uma nova dimensão no universo de
bem-estar, evolução e transformação.
Somos capazes de “ver” os resultados acuradamente
e com completa claridade, mesmo sendo em situações
complexas energeticamente e desafios intrincados na face da
vida destes tempos. Isso tem nos permitido a capacidade de
servir como bons conselheiros. Esta é a razão para a esperança e
ainda há muita dedicação necessária, trabalho árduo, e
sobriedade.
Estes são meus sinceros desejos, que a humanidade
acorde para essas e outras possibilidades maravilhosas, e que
facilitem a realização e o fim do sofrimento. Quanlquer coisa é
possível, ainda que tenhamos de entender por que queremos ou
precisamos ser algo e então, baseados neste entendimento,
discernir acuradamente se é egoísmo, necessidade, amor,
transcendência e liberação final.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitas pessoas que me conhecem, que lêem meus
livros ou assistem meus workshops ou palestras me perguntam
uma simples questão: “Como você faz isso?” Eles se referem à
minha cura emocional, na esperança de que eu possa ajudá-los
em seus próprios caminhos, o que às vezes sou capaz de fazer.
Basicamente, eu tenho uma única breve resposta,
que pode ser resumida em quatro letras. Amor. A verdade
simples é que eu amo com uma audácia irreprimível,
sinceridade, alegria e abandono.
Eu desejo que possa ser mais específica, mas a
definição de amor verdadeiro é difícil de substituir. Don Juan
disse uma vez, “Para a ciranda da vida, há apenas uma resposta.
No fim, temos que amar e devolver na forma pura tudo o que
tivemos recebido, e mais, em forma de gratidão, e ainda ter
mais do que começamos.”
Eu sempre cito alguém mais sábio do que eu desta
maneira. Meu coração tem sempre honestamente buscado amor
como a maneira apropriada de viver, e eu tenho amado, como
tal, corajosamente e espontaneamente, às vezes mais do que
acreditava ser possível. Eu posso dizer que o amor genuíno
nunca falha em demonstrar a si mesmo como a mais generosa,
mais benevolente maneira de ser, mesmo num mundo repleto de
morte.
O amor genuíno, entretanto, não pode ser fabricado,
não dentro de nós mesmos. Precisamos estar dispostos a colocar
o self, ou o ego, na linha. Há um altruísmo e uma inocência no
amor verdadeiro que é absolutamente sublime. Ainda o amor
verdadeiro é ferozmente leal e radicalmente fiel, e no seu
interior há compaixão, perdão e muita gentileza. Tal gentil, mas
poderoso estado interior é simplesmente não condutor de nada
que poderia derrotar nossa jornada no final, e então podemos
voar no infinito nas asas da esperança, paixão incondicional e
puro intento.
Isso é uma grande arte e um grande segredo. Espero
que vocês possam vir a entendê-lo.
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SOBRE A AUTORA
Merilyn Tunneshende, esteve estudando as práticas energéticas
de xamãs por vinte e três anos, e é formada em Linguagem,
Religião e filosofia comparadas, e em Educação. Ela é autora de
dois livros sobre Sonhar e outras práticas xamânicas.
Tunneshende tem falado em simpósios e conferências entre
notórios psiquiatras, cientistas, e físicos, numa gama de tópicos
de amor para com o xamanismo, medicina alternativa, e
tradicional medicina ocidental. Ela conduz eventos
experimentais onde compartilha algumas práticas e insights de
seus livros e trabalhos recentes.

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