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TRAJETÓRIA DA LITERATURA INFANTIL: DA ORIGEM

HISTÓRICA E DO CONCEITO MERCADOLÓGICO AO


CARÁTER PEDAGÓGICO NA ATUALIDADE1

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Aline Luiza da Silva2 (Licenciatura em Letras/UNIVEM)

Resumo
O presente trabalho procurou percorrer a trajetória da literatura infantil desde sua
origem histórica, observando o conceito mercadológico, sob o qual esta literatura foi ob-
servada e rotulada, chegando ao caráter pedagógico na atualidade, verificando, assim, as
questões que implicam a crise presente neste campo literário. 135

Palavras-chave: 1. literatura infantil 2. Conceito mercadológico 3. Caráter pedagó-


gico.

v. 2 - n. 2 - jul/dez - 2009
Abstract
THE TRAJECTORY OF CHILDREN’S LITERATURE: FROM HISTORICAL ORIGN AND
THE MARKETING CONCEPTS TO ITS PEDAGOGICAL ASPECT IN THE PRESENT

The present work searched through the trajectory of children’s literature from its

||
historical origin, looking at the merchandising concept, under which this literature was
watched and labeled, arriving to pedagogic nature in the actuality, verifying, that way, the
questions involving the present crisis in this literary field.
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Key-words: 1. Children’s literature 2. Merchandising concept 3. Pedagogic nature.

1 Artigo resultado de Iniciação Científica realizada em 2008 (UNIVEM - Marília/SP).


2 Licenciada em Letras (UNIVEM - Marília/SP). E-mail: proaline.sementinha@gmail.
com

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INTRODUÇÃO A história da literatura infantil inicia-
se em meados do século XVIII, de acordo
A literatura infantil, apesar de ser com o desenrolar da concepção de criança
uma vertente da literatura geral que prima, que se tinha na época, sendo que a origem
na maioria das vezes, pela escrita direcio- dessa literatura tem uma ligação estreita
nada à determinada faixa etária, possui com a Pedagogia; dessa forma, confunde-
se muito seu caráter artístico com sua fun-
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obras com conteúdos capazes de lapidar o


imaginário humano e auxiliar a compreen- ção didático-pedagógica.
são e a resolução de conflitos internos de Observa-se, então, mais profunda-
cada indivíduo em particular. mente a concepção de criança e a origem
Partindo do pressuposto de que a li- dessa literatura tão desvalorizada artisti-
teratura infantil está em crise de valores, camente desde seu nascimento até os dias
conceitos e funções, observou-se a im- atuais.
portância de pesquisar acerca do referido
tema almejando percorrendo a trajetória da 1.1 Concepção da criança
literatura infantil desde sua origem históri-
ca, observando o conceito mercadológico, Para pensar a literatura infantil, é
sob o qual esta literatura foi observada e necessário pensar no seu leitor: a criança.
rotulada, chegando ao caráter pedagógico Até o século XVII, as crianças conviviam
136
na atualidade, verificando, assim, as ques- igualmente com os adultos, não havia um
tões que implicam a crise presente neste mundo infantil, diferente e separado, ou
campo literário. uma visão especial da infância. Não se es-
Organizado em três capítulos, o tra- crevia, portanto, para as crianças.
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balho apresenta suas subdivisões com os Segundo Regina Zilberman,


títulos “Concepção de criança e a origem
da literatura infantil”, que trata dos pri- [...] a concepção de uma
mórdios da literatura infantil e de conside- faixa etária diferenciada, com
rações em relação à questão da concepção interesses próprios e necessi-
de criança ao longo dos séculos; “Crise na tando de uma formação espe-
literatura infantil”, que discorre acerca do cífica, só acontece em meio à
conceito mercadológico da literatura em Idade Moderna. Esta mudança
se deveu a outro acontecimen-
questão e seu caráter pedagógico atual;
to da época: a emergência de
e “Algumas considerações sobre a leitura uma nova noção de família,
como ferramenta em prol da familiariza-
||

centrada não mais em amplas


ção com a literatura infantil”, no qual se relações de parentesco, mas
observa as diversas concepções de leitura num núcleo unicelular, preo-
e discuti-se a importância desta na escola cupado em manter sua pri-
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e na sociedade, como também o papel do vacidade (impedindo a inter-


professor no desenvolvimento do hábito da venção dos parentes em seus
leitura. negócios internos) e estimular
O presente trabalho apresenta con- o afeto entre seus membros.
tribuições para os estudos acerca desse (1985, p.13)
campo literário, como a compreensão e o
esclarecimento de que, enquanto produ- Sabe-se que, até este século, as
ção estética-literária, que mobiliza o pen- crianças não eram percebidas socialmente
sar criativo, a literatura infantil não deve como seres diferentes dos adultos, com-
ser rotulada e mal interpretada, mas sim partilhavam o mesmo tipo de roupa, am-
considerada mais uma das instâncias cria- bientes caseiros e sociais como também
tivas do ser. o trabalho.
A partir do século XVIII, a criança
passa a ser considerada um ser diferente
1 CONCEPÇÃO DE CRIANÇA do adulto, com necessidades e caracterís-
E A ORIGEM DA LITERATURA ticas próprias, havendo então o distancia-
INFANTIL mento da vida “adulta” e recebendo uma
educação diferenciada, que a preparasse

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para essa vida. 1.2 Origem histórica da literatura
Nesse momento, a criança é vista infantil
como um indivíduo que precisa de atenção
especial que é demarcada pela idade. O A literatura infantil surgiu no século
adulto passa a idealizar a infância. A crian- XVII com Fenélon (1651-1715), justamen-
ça é o indivíduo inocente e dependente do te com a função de educar moralmente as
adulto devido à sua falta de experiência

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crianças. As histórias tinham uma estrutu-
com o mundo real. Até hoje, muitos ainda ra maniqueísta, a fim de demarcar clara-
têm essa concepção da infância como o es- mente o bem a ser aprendido e o mal a
paço da alegria, da inocência e da falta de ser desprezado. A maioria dos contos de
domínio da realidade. Os livros que trazem fadas, fábulas e mesmo muitos textos con-
essa concepção são escritos, então, com o temporâneos incluem-se nessa tradição.
objetivo de educar e ajudar as crianças no Naquele momento, a literatura in-
enfrentamento da realidade. fantil constitui-se como gênero em meio a
Já com a Psicologia da Aprendiza- transformações sociais e repercussões no
gem, a infância é tratada como uma etapa meio artístico. Em 1697, Charles (1628-
de preparação do pensamento para a vida 1703) Perrault traz a público Histórias ou
adulta. O pensamento infantil não tem ain- contos do tempo passado, com suas morali-
da uma lógica racional. A literatura infantil dades: Contos de Mão Gansa. Ganham, en-
é, nesta concepção, adequada às fases do 137
tão, forma editorial as seguintes histórias:
raciocínio infantil, entendido como idade A Bela Adormecida no bosque, Chapeuzinho
cronológica. Essas concepções convivem, Vermelho, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata
até a nossa atualidade, possíveis de serem Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno

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percebidas até no modo como os livros são Polegar.
selecionados e catalogados pelas editoras. Os contos de fada conhecidos atu-
No entanto, outra concepção de in- almente surgiram na França, ao final do
fância tem sido defendida e, com ela, uma século XVII, com Perrault, que editou as
nova postura da literatura infantil. É preci- narrativas folclóricas contadas pelos cam-
so entender que a criança é também cheia poneses, retirando passagens obscenas de
de conflitos, medos, dúvidas e contradi- conteúdo incestuoso e canibalismo. Assim,
ções, não por desconhecer a realidade, acredita-se que, antes do cunho pedagógi-
mas por trazer em si a imagem projetada co, houve o objetivo de leitura e contem-
do adulto: plação pela mente adulta. Acredita-se tam-

||
bém que a mitologia grega já possuía um
Se a imagem da criança modo particular de transmitir o contexto
é contraditória, é precisamen-
da história de “Chapeuzinho Vermelho”.
te porque o adulto e a socie-
Posteriormente, Charles Perrault trouxe
dade nela projetam, ao mes-
mo tempo, suas aspirações e a história moralizadora e mais adequada REGRAD - Revista Eletrônica de Graduação do UNIVEM
repulsas. A imagem da criança aos ambientes sociais que conviviam na
é, assim, o reflexo do que o época. A história da menina e do lobo so-
adulto e a sociedade pensam freu ainda alterações por Hans Christian
de si mesmos. Mas este refle- Andersen e pelos Irmãos Grimm.
xo não é ilusão; tende, ao con- Segundo Cunha (1987), “no Brasil,
trário, a tornar-se realidade. como não poderia deixar de ser, a literatu-
Com efeito, a representação da ra infantil tem início com obras pedagógi-
criança assim elaborada trans- cas e, sobretudo, adaptadas de produções
forma-se, pouco a pouco, em
portuguesas, demonstrando a dependên-
realidade da criança. Esta diri-
ge certas exigências ao adulto
cia típica das colônias” (p. 20). Pode-se di-
e à sociedade, em função de zer que a literatura infantil brasileira teve
suas necessidades essenciais. início com Monteiro Lobato, com uma lite-
(ZILBERMAN, 1985, p. 18) ratura centralizada em algumas persona-
gens em especial.

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2 CRISE NA LITERATURA Por meio das leituras realizadas
INFANTIL acerca das questões que envolvem a lite-
ratura infantil e a crise que permeia esse
Desde o seu surgimento, em meados campo literário, percebe-se que o ensino,
do século XVIII, a literatura infantil vem bem como a produção da literatura infan-
sendo permeada de preconceitos, rótulos til, são observados como parte da sistemá-
tica mercadológica venda e consumo, pois
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e banalizações acerca de sua importância,


função pedagógica e/ou artística, entre é produzida para ser veiculada a um pro-
outras eventuais questões. jeto político ligado à educação e, conse-
Por seu caráter singular, nasce uma qüentemente, à escola. Com isso, as obras
comparação hierarquizada com a literatu- produzidas perdem o seu valor estético
ra não infantil, a canonizada, a aceita pela de observação do mundo, de plasmar as
academia, a lida e praticada pelo públi- idéias do cotidiano e de transformar o ser
co adulto. Devido a essa classificação, a no seu íntimo, e nascem “marcadas” por
literatura infantil já nasce com o peso da um destino outro que não o gosto e a arte.
menoridade, pois é atrelada a um projeto De acordo com Sodré (1985), o
educacional (político-pedagógico) e a seu preconceito que envolve a literatura está
público, que é a criança, sem mencionar presente e pode ser observado em uma
a predestinação mercadológica que em si simples visita a alguma livraria, local onde
138 pode ser notada certa organização precon-
está embutida.
Candido (1995) traduz em poucas ceituosa:
palavras o que há de se compreender
quanto à literatura infantil, bem como a Quem visita uma livraria
organizada à maneira norte-
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literatura como um todo: “toda obra literá-


americana não pode deixar de
ria é antes de mais nada uma espécie de perceber que a arrumação das
objeto, de objeto construído; e é grande o prateleiras atende a uma certa
poder humanizador desta construção” (p. discriminação literária. De um
245). lado, estão romances de auto-
Acerca da crise na literatura como res como Thomas Mann, Mal-
um todo e também em seu ensino, Perro- colm Lowry, Jorge Luis Borges,
ne-Moisés (2000) afirma que: Guimarães Rosa, Machado de
Assis e outros, reconhecidos
Os problemas atuais como “clássicos” ou “grandes
[...] da literatura decorrem da escritores”, produtores de Li-
||

situação incerta em que se en- teratura (com maiúscula). No


contra a própria literatura nes- outro, misturam-se figuras
te fim de século, época que se como Dashiell Hammett, Issac
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convencionou chamar de pós- Asimov, Agatha Christie, Ray


moderna. No momento atual, Bradbury, Michael Moorcock,
a literatura está sendo ques- Karl May, em meio a manuais
tionada em sua produção e em de emagrecimento, de como
sua recepção, encontrando-se fazer sucesso ou subir na vida,
ameaçada em seus próprios etc. Neste caso, lida-se com
fundamentos. (p. 345) produtores de best-seller ou,
mais especificamente, quando
A literatura infantil está em crise, se trata do gênero narrativo,
com autores de literatura de
principalmente pela dúvida que paira em
massa (desta vez, com minús-
relação à própria literatura em questão. cula). (p. 5)
Surgem, então, duas hipóteses claras para
o crescimento desse problema: o conceito A literatura infantil é, muitas vezes,
mercadológico e o caráter pedagógico na considerada uma literatura de massa, de
atualidade. menor qualidade, produzida em grande es-
cala e pouco elaborada, pois o que o mer-
2.1 Conceito mercadológico cado deseja, nesse âmbito, é a venda e o
consumo, a quantidade, não a qualidade.

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Dessa forma, pode-se compreender e o desejo dos consumidores dessa litera-
a colocação de Sodré (1985) em relação às tura tão vitimada pela relação de venda e
regras de produção e de consumo no meio consumo.
literário de massa: Em relação à literatura infantil, sen-
do esta considerada como de menor qua-
É importante ter em lidade e como cultura de massa, e ao con-
mente o seguinte: o circuito ceito mercadológico, Zilberman e Lajolo

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ideológico de uma obra não (1986) consideram a seguinte questão:
se perfaz apenas em sua pro-
dução, mas inclui necessaria- Da mesma forma que
mente o consumo. Em outras no mundo moderno a cidade é,
palavras, para ser “artística”, por excelência, o espaço onde
ou “culta”, ou “elevada”, uma eclodem conflitos sociais e in-
obra deve também ser reco- dividuais, crises e desajustes,
nhecida como tal. Os textos é lá também o espaço privile-
que estamos habituados a giado da produção e consumo
considerar como cultos ou da cultura de massa, com a
de grande alcance simbólico qual a literatura mais contem-
assim são institucionalmente porânea guarda não poucos
reconhecidos (por escolas ou pontos de contato. A simbio-
quaisquer outros mecanismos se entre a literatura e a cul- 139
institucionais), e os efeitos tura de massa não afeta ape-
desse reconhecimento reali- nas suas formas de produção
mentam a produção. A litera- e circulação, como, no caso
tura de massa, ao contrário, da literatura infantil, sugere

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não tem nenhum suporte es- a regularidade de lançamen-
colar ou acadêmico: seus estí- tos, a redundância de temas,
mulos de produção e consumo a proliferação de séries que
partem do jogo econômico da trabalham sempre no mesmo
oferta e procura, isto é, do pró- horizonte de expectativa dos
prio mercado. A diferença das leitores, a destinação prévia de
regras de produção e consumo cada texto a esta ou àquela fai-
faz com que cada uma dessas xa-etária ou à discussão deste
literaturas gere efeitos ideoló- ou daquele tema. Além disso,
gicos diferentes. (p. 6) a literatura infantil manifesta
alguns procedimentos de com-

||
O que pode ser observado atual- posição que, diluindo e rebai-
mente é que as obras e os livros infanto- xando o padrão culto no qual
juvenis são feitos a partir das medidas do eventualmente se espelham,

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mercado, produzidos para um consumidor acabam por configurar os ris-
médio. São utilizados moldes e fórmulas cos de massificação dos livros
prontas, sem diferenciações. para crianças: os ganchos nar-
No mercado atual, encontram-se li- rativos ingênuos, a menção a
personagens divulgadas por
vros de péssima qualidade em impressão,
best-sellers e revistas, a alusão
ilustrações fora de contexto e também sem a fatos verídicos e contempo-
qualidade viável ao leitor e, principalmen- râneos veiculados pelo noticiá-
te, falhas no diz respeito ao conteúdo. A rio de jornal. (p. 84)
maior parte dos livros destinados ao públi-
co infantil possuem temas piegas e apre- Assim, o conceito mercadológico
sentam textos empobrecidos em busca do se apresenta como um grande vilão para
consumo desenfreado do mercado atual, a literatura infantil, que luta pelo reconhe-
que muitas vezes não procura a qualidade, cimento como produção estético-literária,
mas sim um produto qualquer. como arte, como literatura de igual valor
Geralmente há indicações de faixas dentro do âmbito cultural.
etárias que comprometem a literatura,
reduzindo-se a determinado grupo de lei-
tores, ignorando a capacidade intelectual

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2.2 Caráter pedagógico na história, filosofia, ciência, reli-
gião. O literário ou o estético
atualidade inclui precisamente o social, o
histórico, o religioso, etc., po-
Partindo do pressuposto de que a rém transformando esse mate-
literatura infantil está sempre em desvan- rial em estético. (p. 8)
tagem em relação à questão literária como
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um todo, observa-se o adjunto “infantil” Pensando dessa forma, a utilização


como articulador de certa carga preconcei- da literatura infantil nos meios escolares
tuosa ao se olhar essa literatura, quando tem sido amplamente errônea, pois esta
a mesma deveria ser observada enquanto literatura não procura ser pretexto para
mais uma das diversas manifestações do ensinar conteúdos didáticos, o que tem
fazer estético – arte do ser humano. ocorrido com freqüência no âmbito educa-
Atualmente a literatura infantil é per- cional, mas sim representar a Arte, a esté-
meada, além do conceito mercadológico, tica literária.
também pelo caráter pedagógico. Regina Com referência a esta questão, à
Zilberman aponta as relações históricas concepção de literatura e sua criação, Cou-
que devem ser consideradas acerca desta tinho (1978) esclarece que:
questão:
140 A Literatura, como toda
Os primeiros textos arte, é uma transfiguração do
para crianças são escritos por real, é a realidade recriada
pedagogos e professores, com através do espírito do artista
marcante intuito educativo. E, e retransmitida através da lín-
até hoje, a literatura infantil
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gua para as fôrmas que são


permanece como uma colônia os gêneros e com os quais ela
da pedagogia, o que lhe causa toma corpo e nova realidade.
grandes prejuízos: não é aceita Passa, então, a viver outra
como arte, por ter uma finali- vida, autônoma, independente
dade pragmática; e a presença do autor e da experiência de
deste objetivo didático faz com realidade de onde proveio. Os
que ela participe de uma ati- fatos que lhe deram às vezes
vidade comprometida com a origem perderam a realidade
dominação da criança. (1985, primitiva e adquiriram outra,
p. 13-14) graças à imaginação do artis-
ta. São agora fatos de outra
||

Talvez pela história e pela trajetória natureza, diferentes dos fatos


da literatura infantil ter sido tão conturba- naturais objetivados pela ci-
da, e inicialmente apresentando claros fins ência ou pela história ou pelo
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pedagógicos, sua conceituação ainda hoje social. (p. 9)


não seja tão respeitada como deveria ser
no meio literário. O intuito educativo que Complementando a citação anterior,
marca o surgimento desta literatura prova- sobre a literatura como manifestação ar-
velmente sugeriu e inculcou no meio aca- tística, Afrânio Coutinho (1978) coloca que
dêmico a visão da literatura infantil como “ela tem existência própria, é ela e nada
a não representação da arte, a função di- mais, e seu campo de ação e seus meios
dático-pedagógica e a produção de menor são as palavras e os ritmos usados por si
qualidade. mesmos e não como veículos de valores
Segundo Afrânio Coutinho (1978), extra-literários” (p.10).
Não há como desvincular a literatura
A Literatura é um fe- infantil do âmbito educacional, nem é esse
nômeno estético. É uma arte, o objetivo pretendido pelo presente traba-
a arte da palavra. Não visa a lho. Desse modo, há que se encontrar um
informar, ensinar, doutrinar, meio para trabalhar esta literatura sem
pregar, documentar. Acidental- que seja como pretexto para ensinar os
mente, secundariamente, ela conteúdos previstos didaticamente, mas
pode fazer isso, pode conter

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sim como leitura literária, em busca da FAMILIARIZAÇÃO COM A
familiarização entre leitor e produção ar- LITERATURA INFANTIL
tística, da compreensão dessa expressão
literária como arte e, conseqüentemente, De acordo com Abramovich, “é im-
do seu reconhecimento como mais uma portante para a formação de qualquer
das instâncias criativas do ser. criança ouvir muitas, muitas histórias...
Sintetizando a essencialidade que

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Escutá-las é o início da aprendizagem para
há no ato pedagógico de se ensinar a leitu- ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho
ra literária, Perrone-Moisés (2000) coloca absolutamente infinito de descoberta e de
que: compreensão do mundo...” (1991, p. 16).
Surge, então, a importância do há-
A literatura, tal como bito da leitura para que a literatura infan-
a entendemos desde o início
til seja apreciada e passe a ser respeitada
da modernidade, não é ensi-
nável. Mas a leitura literária
e considerada como arte, sem pretextos
não apenas pode ser ensinada para sua utilização como mera fonte didá-
como necessita de uma apren- tico-pedagógica. Porém, outro problema
dizagem, e é por isso que os em relação a esta questão é que, em geral,
professores de literatura ainda tanto no âmbito escolar quanto em outras
existem. [...] Se os professo- esferas da sociedade, considera-se como 141
res negligenciarem a tarefa de leitura o simples ato de decodificar letras e
mostrar aos alunos os cami- pronunciá-las em disjunção com a compre-
nhos da literatura, estes serão ensão do que está sendo lido.
desertados, e a cultura como A leitura, muitas vezes, não é con-
um todo ficará ainda mais em-

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siderada atividade que abrange o ato da
pobrecida. (p. 351)
compreensão e da interpretação de texto,
mas sim o mero reconhecimento das letras
Já Zilberman (1985), é contundente
que formam palavras, que, por sua vez, po-
quando trata da função pedagógica que a
dem estar em comunhão, constituindo fra-
literatura infantil tem assumido atualmen-
ses e compondo algum tipo de texto.
te no âmbito escolar:
Faz-se necessário, assim, um estudo
acerca dessas considerações, apontando
A literatura infantil, por algumas concepções, o papel dessa ha-
sua vez, é outro dos instru- bilidade no meio escolar e na sociedade,
mentos que tem servido à mul-

||
como também o papel do professor no de-
tiplicação da norma em vigor. senvolvimento do hábito de ler.
Transmitindo, via de regra,
um ensinamento conforme a
3.1 Concepções de leitura
visão adulta de mundo, ela se
compromete com padrões que
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estão em desacordo com os in- Quando se pensa em leitura, vem
teresses do jovem. (p. 20) à mente a “capacidade de” ou “aptidão
para” decodificar letras, palavras e/ou
Em síntese, observa-se que a litera- frases que constituem um texto escrito
tura infantil continua intimamente ligada à e, num segundo momento, pronunciá-las
questão pedagógica e a escola a trata de corretamente de acordo com a norma pa-
forma a banalizar sua função literária e ar- drão da Língua Portuguesa. A partir dessa
tística, o que interfere profundamente na forma de pensar a leitura, observa-se um
mudança de concepções que a sociedade significado com bases fundamentadas na
tem desse campo literário. capacidade de ser um bom locutor das pa-
lavras que são lidas e pronunciadas. Essa
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES é a concepção de leitura que pode ser ob-
SOBRE A LEITURA COMO servada dentro da sociedade atual e que
permeia muitas das atividades escolares.
FERRAMENTA EM PROL DA Fruto de uma tradição enraizada nos
métodos e nas teorias educacionais, o en-

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sino e o aprendizado da leitura, que se es- um ato cansativo e digno de obrigatorieda-
gota em uma pronúncia perfeita, precisam de dentro das salas de aula, o desprazer
ser desmantelados. Avançar rumo às novas dos alunos, algo enfadonho e sem signifi-
tendências e concepções de leitura signifi- cado para a maioria dos estudantes.
ca priorizar a interação do sujeito com o Retomando o sentido lúdico e artís-
objeto de conhecimento, ou seja, aluno e tico atribuído à leitura e relacionando-o ao
texto. repúdio que as crianças muitas vezes sen-
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O que é ler? O termo leitura é apre- tem por essa atividade escolar, observa-se
sentado com diversos conceitos dicionari- a afirmação de Suzana Vargas em seu li-
zados muito diferentes das conceituações vro Leitura: uma aprendizagem de prazer
que lhe são atribuídas socialmente, princi- (2000), que aponta para a mesma questão
palmente dentro da escola. em que “Tratar a leitura como uma ativi-
Segundo definição encontrada no dade artística. Talvez esta seja a forma de
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, não vacinar as crianças contra ela” (p. 14).
leitura significa “1. O ato ou o hábito de A afirmação anterior é, ainda, me-
ler; 2. O que se lê. 3. Maneira de compre- lhor compreendida quando se percebe que
ender um texto, uma mensagem, um fato” leitura tem sido encarada como um exercí-
(2004, p. 451). Tem-se, então, a questão cio mecanizado, muitas vezes sem senti-
do simples ato ou ação de ler, algo que do real para os alunos de todas as idades.
142 pode ser subjetivamente compreendido e Porém, ler é atribuir significado ao que se
interpretado; o hábito que vai além dessa lê, não é apenas pronunciar uma palavra
concepção apontando a idéia de freqüên- ou uma frase corretamente; ler envolve a
cia do ato mencionado anteriormente e, compreensão do que se lê.
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por fim, a maneira de compreender o texto No livro Formando crianças leitoras


lido, em que se subentende as diversas for- (1994), Josette Jolibert tem uma visão
mas de interpretação. concisa e de grandiosa significação quan-
Faz-se necessário, dessa forma, ob- do se trata da concepção do ato de ler:
servar a definição do termo ler, que, ain- “Ler é atribuir diretamente um sentido a
da de acordo com a definição do Dicioná- algo escrito” (p. 15).
rio Houaiss da Língua Portuguesa, significa Partindo desse pressuposto, pode-se
“1. Percorrer com a vista (texto, palavra, compreender a leitura e também a literatu-
sintagma), interpretando-o, decifrando-o, ra, como a atividade de ligação entre dois
falando em voz alta ou não; 2. Examinar, mundos: o que está no material escrito e
estudar [...]; 3. Interpretar, compreender que pode ser lido e o mundo em que vive-
||

[...]; 4. Atribuir significado, sentido ou for- mos.


ma a; interpretar. 5 perceber a partir de A consideração anterior fundamen-
indícios; deduzir [...]” (2004, p. 453). ta-se no conceito de intertextualização
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Nota-se, portanto, o salto entre o contemplada por Suzana Vargas, estudio-


singelo significado que resume leitura em sa que defende a leitura como um ato de
mera decodificação e a amplitude de com- prazer.
preendê-la, ou compreender o vocábulo De acordo com Vargas (2000), ler é
ler, como conhecer e estudar, ações mais intertextualizar o mundo do leitor com o
profundas, e interpretar o sentido, que en- conhecimento que a leitura realizada ofe-
volve e assume toda essência desse ato, rece, transformando, assim, sua própria
por vezes entendido como arte. percepção de mundo:
Há algum tempo, tem-se percebido
que a escola trata da leitura como uma Ler, portanto, significa
atividade estanque, como se esta pudes- colher conhecimentos e o co-
se ser separada, engavetada, afastada da nhecimento é sempre um ato
compreensão de mundo, da leitura viva, criador, pois me obriga a re-
dimensionar o que já está es-
mas apenas uma decodificação sem atri-
tabelecido, introduzindo meu
buição do verdadeiro sentido e significado mundo em novas séries de re-
das palavras. lações e em um novo modo de
O processo de leitura tem se tornado perceber o que me cerca. (p. 6)

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ou uma receita, um jornal ou
Ler transgride o ato de reconhecer um romance, provocam ques-
e pronunciar letras e palavras, enraíza-se tionamentos, exploração do
na questão da compreensão do que se lê, texto e respostas de natureza
diferente; mas o ato de ler, em
da interpretação e da intertextualização, o
qualquer caso, é o meio de in-
que a escola talvez não ensine, mas que
terrogar a escrita e não tolera
se aprende com a experiência, a vivência,

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a amputação de nenhum de
a leitura de mundo, antes defendida por seus aspectos. (p. 5)
Paulo Freire em sua obra A importância do
ato de ler: em três artigos que se comple- Em síntese, a leitura está em total
tam (2000): conjunção, num processo de reconheci-
mento de letras, pronúncia de palavras,
[...] a leitura do mundo interpretação do que se lê e intertextuali-
precede sempre a leitura da
zação entre o material lido e o mundo com
palavra e a leitura desta im-
plica a continuidade da leitura
suas peculiaridades. Logo, a literatura in-
daquele. [...] este movimento fantil seria amplamente valorizada artisti-
do mundo à palavra e da pa- camente se trabalhada no âmbito escolar
lavra ao mundo está sempre com fins educativos que buscassem a lei-
presente. Movimento em que tura prazerosa, a leitura literária, a apre- 143
a palavra dita flui do mundo ciação da arte pela arte.
mesmo através da leitura que
dele fazemos. De alguma ma-
3.2 O papel da leitura na escola e
neira, porém, podemos ir mais
na sociedade

v. 2 - n. 2 - jul/dez - 2009
longe e dizer que a leitura da
palavra não é apenas precedi-
da pela leitura do mundo, mas Vivemos em uma sociedade letrada
por uma certa forma de “es- e a leitura exerce importante papel dentro
crevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, dessa sociedade. A leitura de out-doors,
quer dizer, de transformá-lo cartazes, jornais, anúncios em geral, revis-
através de nossa prática cons- tas, livros, panfletos, documentos, recei-
ciente. (p. 20) tas, comerciais televisivos, placas e outros
textos é de considerável importância para
Dessa forma, uma das considera- a comunicação e a compreensão do mun-
ções mais plausíveis de exposição e de do, seja dentro da escola, na casa do aluno

||
compreensão do ato de ler está no raciocí- ou na sociedade em geral.
nio de Foucambert, em A leitura em questão Apesar disso, as escolas ainda trans-
(1994), com a seguinte reflexão: formam a leitura num processo maçante
Todos sabem que há di-
ao reduzí-la em exercícios que não con-
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templam nem exploram a verdadeira com-
ferença entre ver e olhar, ouvir
e escutar... Ler não é apenas
petência de ler, com os quais os alunos
passar os olhos por algo es- sentem-se aborrecidos e perdem o interes-
crito, não é fazer a versão oral se pela leitura antes mesmo de conhecer
de um escrito. Quem ousaria todas as suas potencialidades.
dizer que sabe ler latim só Esta relação se dá, conforme Colo-
porque é capaz de pronunciar mer (2002):
frases escritas naquela língua?
Ler significa ser questionado Assim, apesar do re-
pelo mundo e por si mesmo, conhecimento espontâneo da
significa que certas respos- afirmação, ler é entender um
tas podem ser encontradas texto, a escola contradiz, com
na escrita, significa poder ter certa freqüência, tal afirmação
acesso a essa escrita, significa ao basear o ensino da leitura
construir uma resposta que in- em uma série de atividades
tegra parte das novas informa- que supõe que mostrarão aos
ções ao que já se é. Um poema meninos e às meninas como

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se lê, mas nas quais, parado- compreender o que está sendo estudado.
xalmente, nunca é prioritário o Na sociedade não é diferente: o in-
desejo de que entendam o que divíduo, seja ele estudante ou não, preci-
diz o texto. (p. 29) sa recorrer às suas habilidades de leitura
(que abrangem a decodificação, compre-
De acordo com Colomer (2002), os ensão, intertextualização e exposição de
indivíduos que não dominam a prática da pensamentos) para compreender o univer-
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leitura consciente e significativa não são so à sua volta.


capazes de se comunicar com eficiência Porém, o que pode ser observado
dentro da sociedade. Ainda, de acordo é que, na formação desses indivíduos, ou
com a mesma autora, o conhecimento de seja, no processo de ensino e aprendiza-
mundo dos indivíduos que não têm acesso gem dentro das escolas, a leitura ainda é
adequado à língua escrita pode ser con- considerada de acordo com a concepção
sideravelmente prejudicado, já que não tradicional: pronunciação ou oralização
realizarão o confronto de idéias nem se das palavras sem qualquer significado real
apropriarão da cultura social escrita histo- para o aluno.
ricamente acumulada. Segundo Foucambert (1994), a es-
Acerca desse assunto, Colomer cola e a sociedade continuam preparando
(2002) afirma mais claramente que: as crianças e os adolescentes, como se
144 algo fosse realmente acontecer, não na-
O acesso à língua escri-
quele momento palpável para os estudan-
ta também tem conseqüências
tes, mas num futuro que, em geral, é im-
no desenvolvimento intelec-
tual dos indivíduos, pois as possível de ser visualizado pelos próprios
v. 2 - n. 2 - jul/dez - 2009

mensagens escritas podem alunos.


ser analisadas e confrontadas
com nossas idéias ou com as A escola, em consonân-
de outros textos. Isso favorece cia com a sociedade, atribui à
a apropriação da experiência criança o estatuto de tutelado,
e do conhecimento humano, de irresponsável. É claro que,
pois permite transformar as para aprender a falar, ela deve
interpretações da realidade fei- falar; mas o que diz não tem
tas por outros, ou mesmo por importância. Para aprender a
nós, em algo material e articu- escrever, deve escrever; mas
lado que pode ser desfrutado, o que escreve não serve para
||

contrastado, conceitualizado e nada. Suas produções serão


integrado em nosso conheci- vistas com simpatia, como ga-
mento do mundo. (p. 124) rantia de sua futura eficácia e
como incentivo para que pros-
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A esse respeito, Foucambert (1994) siga; basicamente, porém, o


que ela produz não pode mu-
considera em seu livro que “a desigual-
dar nada no presente – o que
dade na utilização da escrita constitui o é normal, pois são produções
ponto de estrangulamento de toda a vida de alguém que ainda não age,
democrática” (p. 25). Assim, reitera-se a por estar aprendendo a agir.
afirmação que considera a deficiência do (p. 100)
indivíduo que não lê, de acordo com as
concepções de leitura apontadas nessa Então, se a escola e a sociedade não
pesquisa, em sua atuação dentro de uma enxergam os alunos, sejam eles crianças
sociedade democrática e seletiva. ou adolescentes, como cidadãos, agentes
Em relação ao desenvolvimento dos da própria aprendizagem e com posição e
alunos no âmbito escolar, muitos profes- função social únicas, como eles mesmos
sores afirmam que os estudantes que não se enxergarão dessa forma?
possuem a habilidade da leitura, conforme Tanto escola quanto sociedade, por-
já anotado, apresentam dificuldades em tanto, colaboram para que os estudantes
todas as disciplinas, visto que, em qual- se eximam da responsabilidade de atuar
quer uma delas, o aluno precisa ler para como sujeitos ativos no meio escolar/so-

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cial. como a posição ideal para seus alunos é
Com referência a esta questão, Afrâ- capaz de lhes mostrar o verdadeiro sentido
nio Coutinho (1978) considera que a leitu- da leitura e da escrita tanto no âmbito es-
ra literária auxilia o aluno no descobrimen- colar quanto na sociedade como um todo.
to do mundo e, conseqüentemente, em sua Em síntese, observa-se a importân-
atuação na sociedade em questão: cia da leitura de literatura infantil dentro e
fora da escola, no meio social, não apenas

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Em primeiro lugar, deve para que o indivíduo se aproprie do conhe-
servir para ensinar a leitura: cimento historicamente acumulado, mas
leitura expressiva, leitura in- para que seja capaz de agir compreenden-
terpretativa, leitura dialogada. do, interpretando e transformando a rea-
Pondo, desde o início, o aluno
lidade à sua volta, ampliando, assim, seu
em contato direto com o texto
literário, fazê-lo adquirir a fa-
próprio conhecimento de mundo.
miliaridade com a língua e a
coisa literária, levando-o a ad- 3.3 O papel do professor no
quirir o gosto da literatura, a desenvolvimento do hábito da
justa compreensão de seu va-
lor e significado. [...] A leitura
leitura
inteligente, e inteligentemente
conduzida, tem por função jus- Primeiramente, o professor, sendo 145
tamente abrir o véu sobre esse ele um exemplo para os alunos, precisa
mundo. (p. 14) demonstrar o gosto que tem em realizar
leituras, o prazer que sente em se comu-
Se a leitura tem seu papel na escola nicar por meio de textos escritos, ser um

v. 2 - n. 2 - jul/dez - 2009
e na sociedade, ela tem também seu pa- exemplo de leitor assíduo e escritor com-
pel na formação do indivíduo atuante e petente.
transformador da realidade social. Porém, As crianças têm a tendência de ob-
ambas continuam desconsiderando a im- servar e imitar seus modelos, sejam eles
portância do processo de formação dessa adequados ou não. Assim, o professor
criança e/ou adolescente. deve transparecer esse gosto pela leitura e
De acordo com Foucambert (1994), pela produção de textos por meio de ações
evidentes à percepção dos alunos.
O que a criança faz não Complementando a questão do pa-
tem importância: o importante pel do professor no ensino da leitura literá-

||
é o que ela vai se tornar por ria, observou-se que:
meio do que faz. Mas, o que
ela irá se tornar enquanto es- Para que o ensino literá-
tiver fazendo essas coisas sem
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rio continue dando seus frutos,
importância? Pois, queira-se é necessário que o professor,
ou não, ela se torna algo! A antes do aluno, continue acre-
criança, irresponsável, porque ditando nas virtudes da lite-
ainda em desenvolvimento, ratura. Se o próprio professor
aprende a ser fazendo de con- não confia mais no objeto de
ta. (p. 100) seu ensino, e não faz deste um
projeto de vida, é melhor que
Há de se transformar essa concep- escolha uma profissão mais
ção para então compreender melhor a rela- atual, menos exigente e mais
ção entre aluno, escola, sociedade, leitura rentável. (PERRONE-MOISÉS,
e escrita, com toda a riqueza que permeia 2000, p. 351)
o encadeamento de funções nessa teia or-
ganizacional. É dever da escola promover o encon-
A escola precisa parar de “preparar” tro do aluno com os diversos portadores
os alunos e começar a trabalhar de forma a de texto e primar pelo bom relacionamento
colocar os estudantes nos lugares que lhes entre eles, para que atividades de leitura
são de direito: agentes transformadores da e escrita sejam bem recebidas dentro da
sociedade. Uma escola que considera esta sala de aula e apresentem frutos fora do

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ambiente da instituição escolar. um texto, ou seja, construir seu
Kaufman e Rodríguez (1995) consi- significado (para sua informa-
deram que: ção ou prazer), cada criança
mobiliza suas competências
[...] os professores de- anteriores e deve elaborar no-
vem propiciar um encontro vas estratégias para concluir a
adequado entre as crianças tarefa. [...] Não se ensina uma
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e os textos. Se alguns alunos criança a ler: ela é quem se


chegassem a ser escritores ensina a ler com a nossa aju-
graças à intervenção escolar, da (e a de seus colegas e dos
a missão do professor estaria diversos instrumentos da aula,
cumprida com lucro. Caso isso mas também a dos pais e de
não ocorra, é dever indubitá- todos os leitores encontrados).
vel da escola que todos que (p. 14)
egressem de suas aulas sejam
“pessoas que escrevem”, isto Mesmo que a aprendizagem tenha
é, sejam pessoas que, quan- início, na maioria das vezes, pela imitação
do necessário, possam valer- de modelos, cada criança e/ou adolescen-
se da escrita com adequação, te tem sua maneira particular de avançar
tranqüilidade e autonomia. (p. neste processo. Cada aluno atribui signifi-
146 3) cados diferentes para letras, palavras, fra-
ses e textos. Cada um tem o seu tempo
Há os profissionais que trabalham para desenvolver sua competência leitora e
com a escrita e sobrevivem dela, como os da mesma forma ocorre com a competên-
escritores, poetas, compositores, pesqui- cia escritora: cada aluno parte de um prin-
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sadores, professores, entre outros. Porém, cípio ou idéia para formular pensamentos
a escola não precisa almejar a formação coerentes e escrever. É inerente a particu-
de profissionais da escrita, mas garantir laridade de leitura e escrita de cada aluno,
os direitos de seus alunos de saírem do eles têm seu próprio processo de aprendi-
âmbito escolar com as competências lei- zagem e reconhecimento textual.
tora e escritora. Partindo desse pressuposto, muitos
Esta competência não é luxo nem podem pensar que, dessa forma, o papel
direito particular da elite social ou dos do professor é nulo e inválido, já que cada
alunos que se destacam dentro da escola, aluno aprende a seu tempo e à sua ma-
mas de todas as crianças em idade esco- neira. O que ocorre é que o professor abre
||

lar. caminhos e indica maneiras de como fazer


Os inúmeros portadores de texto, e sua função se intensifica à medida que é
além de possuírem organizações e apre- reconhecido como mediador e facilitador,
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sentações de idéias de formas diferentes, promotor de situações e oportunidades de


possuem peculiaridades internas, palavras leitura e escrita efetivas e diversificadas.
e orações únicas consideradas dentro do A maior façanha do professor com-
contexto a que pertencem. A literatura in- petente está em transformar o conteúdo a
fantil é um portador de texto envolvente e ser ensinado em atividades significativas
capaz de apresentar a arte de forma hu- para seus alunos, para que esses, por sua
manizadora. vez, percebam a relação que há entre es-
Jolibert (1994) considera que: sas atividades realizadas em sala de aula e
o seu universo diário, podendo, assim, sen-
É lendo que nos torna- tir interesse pela proposta a ser realizada.
mos leitores e não aprendendo
Dentro dessa proposta de trabalho,
primeiro para poder ler de-
pois: não é legítimo instaurar
a literatura infantil seria um elemento cru-
uma defasagem, nem no tem- cial na elaboração da sensibilidade do lei-
po, nem na natureza da ativi- tor.
dade, entre “aprender a ler” e Considerando ainda o professor
“ler”. Colocada numa situação como modelo, além dele precisar demons-
de vida real em que precisa ler trar o gosto pela leitura e escrita, deve re-

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alizar pesquisas para escolher material de tura já mencionadas e a amplitude das
qualidade ao planejar suas aulas. Dessa atividades que envolvem essa habilidade,
maneira, o aluno terá dois pontos positivos acredita-se que o professor deva reconhe-
e norteadores em sua formação como lei- cer a complexidade que há na realização
tor e escritor competente: modelo adequa- do ato de ler.
do de leitor/escritor e textos de qualidade Segundo Solé (1998):
para trabalhar.

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A princípio, o professor precisa ter O professor deveria pen-
finalidades e objetivos claros ao pesquisar sar na complexidade que o ca-
e apresentar propostas de leitura e escri- racteriza e, simultaneamente,
ta aos seus alunos. Dessa forma, poderá na capacidade que as crianças
têm para enfrentar – de seu
nortear o trabalho de seus alunos, que se
modo – essa complexidade.
sentirão seguros, interessados e conscien- Assim, sua atuação tenderá a
tes de sua aprendizagem. observá-las e a lhes oferecer
Isabel Solé, em seu livro Estratégias ajudas adequadas para que
de leitura (1998), explica que: possam superar os desafios
que sempre deveriam envolver
A interpretação que a atividade de leitura. (p.91)
nós, leitores, realizamos dos
textos que lemos depende, em O trabalho de observação, no que diz 147
grande parte, do objetivo da respeito ao trabalho de um professor, se
nossa leitura. Isto é, ainda que
faz fundamental para que este seja reali-
o conteúdo de um texto per-
maneça invariável, é possível
zado com destreza. A observação que ele

v. 2 - n. 2 - jul/dez - 2009
que dois leitores com finali- faz de seus alunos durante as aulas serve
dades diferentes extraiam in- de orientação para suas ações, para que
formação distinta do mesmo. possa conhecer os limites, respeitar a vi-
Assim, os objetivos da leitura vência de cada um e nortear o ensino e
são elementos que devem ser a aprendizagem de sua turma. Assim, os
levados em conta quando se alunos certamente poderão atribuir senti-
trata de ensinar a criança a ler dos para as atividades de leitura e escrita
e a compreender. (p.22) e suas ramificações.
Com referência ao ensino da leitura,
Sabendo-se da necessidade do pro- Frank Smith, em seu livro Leitura significati-
fessor apreciar a leitura e a escrita e de va (1999), pondera que:

||
demonstrar seu apreço por essas habili-
dades, ter finalidades e objetivos claros ao A leitura não pode ser
pesquisar e apresentar propostas de leitu- ensinada, mas, apesar disso,
ra e escrita, sua função, como profissional os professores e outros adul-
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da área da educação, é também apontar o tos têm um papel decisivo a
caráter social que essas atividades repre- desempenhar e é deles a gran-
sentam. É sua a responsabilidade de sus- de responsabilidade de tornar
citar nos alunos o desejo de aprender, de possível a aprendizagem da
leitura. (p.15)
conhecer através da leitura.

[...] não devemos es- De acordo com a afirmação anterior,


quecer que o interesse tam- o professor não pode ensinar a leitura,
bém se cria, se suscita e se porém, tem papel fundamental para que
educa e que, em diversas oca- o aluno reconheça essa habilidade como
siões ele depende do entusias- possível, necessária e significativa para
mo e da apresentação que o sua vivência.
professor faz de uma determi- Reunindo todas as considerações,
nada leitura [...] (SOLÉ, 1998, observa-se que o papel do professor é
p.43) essencial na formação de um leitor e es-
critor competente, sendo ele um modelo,
Considerando as concepções de lei- um mediador, facilitador ou leitor/escritor

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mais experiente. suras e bobices. 2. ed. São Paulo: Scipio-
Em síntese, pode-se dizer que o pro- ne, 1991.
fessor semeia, cultiva e realmente trabalha
para fazer brotar em cada um de seus alu- COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar
nos o gosto e a competência ou habilidade a ler, ensinar a compreender. Tradução Fá-
significativa para a leitura e escrita, de- tima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.
monstrando, principalmente, sua função
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social (a leitura de mundo) e seu poder na CANDIDO, A. O direito à literatura. In:


transformação da realidade. ______Vários escritos. 3. ed. revista e am-
pliada. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 235 - 263.

O presente trabalho teve como prin- COUTINHO, Afrânio. Que é literatura e


cipal objetivo pesquisar a questão da crise como ensiná-la. Notas de teoria literária.
na literatura infantil atual, rotulada e con- 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
siderada de menor qualidade dentro de 1978. p. 8 -15.
um campo literário geral.
Observou-se as produções literárias CUNHA, Maria Antonieta Antunes Cunha.
destinadas ao público infantil e à literatura Literatura Infantil: teoria e prática. 6 ed.
148 São Paulo: Ática, 1987.
não infantil, examinando minuciosamente
a questão mercadológica e o caráter peda-
gógico presente nesse campo literário. DICIONÁRIO HOUAISS da língua portugue-
Compreendeu-se que a literatura in- sa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicogra-
v. 2 - n. 2 - jul/dez - 2009

fantil, por ser alvo de preconceitos e ba- fia e Banco de Dados da Língua Portuguesa
nalizações, não é reconhecida e utilizada S/C Ltda. (Org.). 2. ed. Revisto e aumenta-
de maneira correta. Dessa forma, pôde ser do. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
concluído que a leitura, vivenciada da ma-
neira correta dentro e fora da escola, pode FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão.
auxiliar na familiarização com a literatura Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre:
infantil em prol do reconhecimento e do Artes Médicas, 1994.
respeito que a literatura em questão me-
rece receber. FREIRE, Paulo. A importância do ato de
O trabalho reafirmou a questão ini- ler: em três artigos que se completam. 39.
ed. São Paulo: Cortez, 2000.
||

cial que a literatura infantil, possuindo o


mesmo caráter literário e plasmador da re-
alidade, bem como o princípio de catarse JOLIBERT, Josette. Formando crianças lei-
sobre o humano, deve ser considerada e toras. vol. 1. Trad. Bruno Charles Magne.
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respeitada como parte de uma literatura Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
universal, como também a necessidade de
se discutir a literatura infantil nos meios KAUFMAN, Ana Maria; RODRÍGUEZ, María
acadêmicos, para que esta seja atenta- Elena. Escola, leitura e produção de tex-
mente observada e compreendida em rela- tos. Trad. Inajara Rodrigues. Porto Alegre:
ção à sua relevância. Artes Médicas, 1995.
Reitera-se, ainda, a proposta inicial
deste estudo, de que a literatura infantil PERRONE-MOISÉS, Leyla. Consideração
mereça fazer parte do currículo obrigató- intempestiva sobre o ensino da literatu-
rio dos cursos de Licenciatura em Letras e ra: Inútil poesia e outros ensaios breves.
Pedagogia, uma vez que é exatamente para São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
esse público que esse gênero é produzido. p. 345-351.

REFERÊNCIAS SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho


científico. 22 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
BIBLIOGRÁFICAS
SMITH, Frank. Leitura significativa. Trad.
ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gosto-

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Beatriz Affonso Neves. 3. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul Ltda, 1999.

SODRÉ, Muniz. Best-seller: a literatura de


mercado. São Paulo: Ática, 1985.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad.

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Cláudia Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Art-
Med, 1998.

VARGAS, Suzana. Leitura: uma aprendiza-


gem de prazer. 4 ed. Rio de Janeiro: José
Olímpio, 2000.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil


na escola. 4 ed. São Paulo: Global, 1985.

______; LAJOLO, Marisa. Um Brasil para


crianças: para conhecer a literatura infan-
til brasileira: histórias, autores e textos. 149
São Paulo: Global, 1986.

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