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Por uma Arquitetura não

Planejada: o arquiteto
como designer de interfaces
e o usuário como
produtor de espaços
TOWARDS A NON-PLANNED ARCHITECTURE:
THE ARCHITECT AS INTERFACE DESIGNER
AND THE USER AS PRODUCER OF SPACES1
Resumo Este artigo apresenta uma crítica ao pressuposto da produção arquitetônica
como produção planejada, isto é, como consecução de um produto definido antes
da construção e do uso. Em seguida, descreve um experimento realizado, com base
nessa crítica, pelo grupo de pesquisa Morar de Outras Maneiras (MOM). Trata-se da
concepção de uma interface de espacialidade (um jogo de montar espaços em escala
real) e de sua aplicação no Aglomerado da Serra, maior favela de Belo Horizonte. Tal
experimento permitiu observar e problematizar um procedimento não formal e não
planejado de configuração do espaço, semelhante ao da autoconstrução informal,
mas efetivado num curto período de tempo, sem nenhuma intenção de fixação ou ANA PAULA BALTAZAR
permanência. Como conclusão, o texto discute as possibilidades de uma revisão do Universidade Federal de
papel do arquiteto: usualmente orientado para o design de produtos, ele pode – e, Minas Gerais (UFMG)
a nosso ver, deve – voltar-se ao design de instrumentos (interfaces) para processos baltazar.ana@gmail.com
nos quais o usuário se torna produtor do seu próprio espaço.
Palavras-chave PROCESSO DE PROJETO – INTERFACES – TEORIA CRÍTICA DA SILKE KAPP
ARQUITETURA E DO URBANISMO.
Universidade Federal de
Abstract This paper presents a critique of architectural production as a planned Minas Gerais (UFMG)
production, that is, as the achievement of a product defined prior to its construction skapp@pesquisador.cnpq.br
and use. Then, it describes an experiment based on this critique, made by the research
group MOM (Morar de Outras Maneiras) – which in English is LOW (Living in Other
Ways). The experiment regards the conception of an ‘interface of spatiality’ (a set
of pieces for configuring real scale spaces) and its application at the Aglomerado da
Serra, the biggest chantytown in Belo Horizonte, Brazil. This experiment enabled
the observation and problematisation of a non-formal and non-planned procedure
of spatial configuration, similar to informal self-building, though taking place in
a short period of time and with no intention of its fixing and permanence. As a
conclusion the article discusses the possibilities of a revision of the architect’s role:
usually orientated towards the design of products, they can – and in our view must
– orient themselves towards the design of instruments (interfaces) for processes in
which users become designers of their own spaces.
Keywords DESIGN PROCESS – INTERFACES – CRITICAL THEORY OF ARCHITECTURE AND
URBANISM.

1
Financiamento de pesquisa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) Instituto Libertas de Educação e Cultura.

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CRÍTICA DO PLANO

P
or séculos a tarefa dos arquitetos foi proteger um espa-
ço contra a natureza, tornando-o abstrato, isolando-o
atrás de muros e preenchendo o vazio com símbolos
religiosos e políticos, com artifícios correspondentes
à ordem estabelecida. Hoje, sua tarefa deveria ser pro-
duzir um espaço protegendo-o do poder e tornando-o
propício a relações livres de constrangimentos.”2 No
campo acadêmico e profissional da arquitetura e do ur-
banismo, predomina amplamente a idéia de que a produção planejada do
espaço seria sempre preferível à produção sem planejamento. Arquitetos
e urbanistas vêem com maus olhos o canteiro “sem projeto”, enquanto
avaliam positivamente o fato de o projeto definir em antecipação como
um espaço será construído e usado. A vantagem dessa antecipação estaria
não apenas numa suposta integridade do resultado, mas também na inser-
ção da produção e do novo produto em planejamentos mais abrangentes,
de ordem financeira, econômica, institucional e espacial. Com o proje-
to em mãos, são feitos orçamentos, alocação de recursos, cronogramas,
aprovações legais etc. Mesmo que as coisas não corram exatamente como
planejadas, o plano aumenta em muito o grau de controle sobre aconte-
cimentos futuros. Sendo a tendência geral da nossa formação social a de
um constante aumento e refinamento desse controle, poucos arquitetos
e urbanistas – afinal técnicos treinados para a elaboração de planos – pro-
blematizam essa situação.
Todavia, a lógica do plano tem uma limitação bastante precisa, no que
diz respeito ao ideal de uma sociedade democrática. Um plano implica, pela
sua própria natureza, o cerceamento da liberdade de decisão e ação de todas as
pessoas que sofrem as suas conseqüências, sem terem tido o direito de voz e voto
na sua elaboração. No âmbito dos projetos arquitetônicos e urbanísticos,
isso significa o cerceamento da liberdade, tanto daqueles que executam um
projeto materialmente (os trabalhadores envolvidos na construção) quanto
dos que farão uso de seus resultados (os habitantes, num sentido amplo do
termo). Essas relações de dominação, inerentes ao projeto, raramente são
percebidas com clareza, pois ele se tornou uma espécie de fetiche (feitiço),
na acepção em que Karl Marx usa o termo: faz aparecer como ligações entre
coisas o que, na verdade, são associações entre pessoas ou relações sociais.
Por outro lado, como fetiche nada mais significa do que coisa feita, isto é,
coisa do artifício humano, nem divina nem natural, também esse fetiche do
plano pode ser questionado, criticado e desfeito.
Quanto à ligação entre plano e executores, ou entre projeto e cons-
trutores (aqueles que constroem, não os que administram), Sérgio Ferro
e Paulo Bicca formularam críticas contundentes, já há 25 anos.3 Elas em
nada perderam a pertinência, embora tenham tido pouco respaldo aca-

2
LEFEBVRE, 1976, p. 88.
3
FERRO, 1979; e BICCA, 1984.

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dêmico e quase nenhuma conseqüência prática. mais pobre do que poderia sê-lo um uso real não
O desenho enfatizado por Ferro, ou, em termos constrangido por tal predeterminação.
mais gerais, o trabalho intelectual do arquiteto A tais interdições, impostas pelo projeto de
destacado por Bicca, são instrumentos de domi- arquitetura ou urbanismo à construção e ao uso,
nação do processo de construção. Eles existem soma-se o fato de ele separar uma coisa da outra.
sempre e tão somente em sociedades de classes. E O plano ou projeto interrompe os múltiplos vín-
especificamente o projeto, conhecido como dese- culos entre demanda, concepção, construção e
nho de um produto acabado, surge, se desenvolve uso, induzindo que se desenrolem nessa ordem, e
e persiste na medida em que a construção passa a sem reciprocidades nem simultaneidades. Como
ter, por finalidade primeira, a reprodução e acu- já escrevemos em outra ocasião,4 essa separação
mulação de capital. Apenas quando os processos vem se tornando cada vez mais nítida desde o Re-
construtivos são organizados para a extração de nascimento até o Movimento Moderno e, com
mais-valia, torna-se imprescindível transformar o raras exceções, persiste também nos estilos ditos
artesão da construção em operário, isto é, romper novos, como pós-moderno, desconstrutivismo
a unidade de habilidade manual, conhecimento e minimalismo.5 O procedimento usual come-
acumulado, imaginação e raciocínio que caracte- ça com uma espécie de consulta ao cliente (nem
riza o seu trabalho historicamente, para reduzi-lo sempre o usuário do espaço) para o estabeleci-
a uma operação manual determinada por decisões mento de um programa de necessidades, depois,
alheias. segue-se o desenho do plano, a construção desse
No que diz respeito à relação entre plano e plano e, por fim, o uso. A separação dessas etapas,
habitantes ou usuários, cabe frisar que não há uso que em princípio parece racional e lógica, sustenta
defensável, do ponto de vista ético, que se possa as relações de poder inerentes ao projeto.
traduzir numa sucessão de atos mecânicos pre- Um bom exemplo nesse sentido é a tentativa
viamente orquestrados. O uso só pode ser uma de implantação de um assentamento de autocon-
constelação de ações movidas pelo livre arbítrio strutores na Inglaterra, chamado Milton Keynes,
dos múltiplos agentes. Todas as vezes que essas cujas premissas nos levam a entender a proposta
ações se dão em espaços funcionalmente predeter- como uma favela legalizada a priori. Don Ritson
minados, incapazes de acompanhar sua dinâmica, relata os obstáculos à sua realização – que de fato
elas são limitadas em vez de potencializadas. As- nunca ocorreu – postos pelas exigências de plane-
sim, por exemplo, o funcionalismo praticado pelo jamento dos órgãos públicos: “Não conseguimos
Movimento Moderno pressupõe um usuário de chegar nem perto de uma aprovação do projeto,
comportamento tão desprovido de livre arbítrio, sem que estivesse claramente definido o que iria
quanto o de um operário na linha de produção. acontecer no local, mas, se nós especificássemos
Ou, discutido de outro ponto de vista, é possí- o que iria acontecer, limitaríamos de antemão as
vel dizer que, quanto mais acuradamente se tenta aspirações das pessoas que esperávamos que ocu-
representar, em pensamento e projeto, os eventos passem o lugar. Toda a idéia consistia em dar a elas
que podem ter lugar no novo espaço, mais esse es- liberdade de escolha”.6 A alternativa usualmente
paço tende a atrofiar o uso real. Representar nada apresentada como solução desses dilemas é o pro-
mais é do que tornar presente, por outro meio, algo jeto participativo, ou seja, aquele no qual os usuá-
não presente de fato, e invariavelmente significa rios assumem parcialmente o poder de decisão do
reduzir (abstrair) esse algo. O representante polí-
tico não tem a variedade de vozes de seus eleitores,
4
KAPP & BALTAZAR, 2004.
o desenho de uma árvore não cresce, o conceito de 5
As exceções começam a acontecer, por exemplo, em sistemas cha-
cachorro não late. Da mesma maneira, qualquer mados file-to-factory, em que o arquiteto trabalha o projeto juntamente
com o sistema construtivo, quase que simulando a construção em pro-
representação que o projetista porventura tenha jeto para poder ser pré-fabricada e montada posteriormente.
dos usos do espaço que projeta é infinitamente 6
WARDS, 2000, p. 50.

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planejador. Realmente, isso pode abrandar a con- projeto em que o empreendedor toma sozinho
tradição apontada no início, pois parte das pessoas as decisões. Em suma, nos processos participati-
que sofrem as suas conseqüências terão direito de vos e autogestionários correntes, o procedimento
voz e voto na sua elaboração, sobretudo se a par- de planejamento inviabiliza uma ação direta dos
ticipação incluir os construtores ou se esses forem participantes no espaço, pois toma a arquitetura
os próprios usuários. por produto e antevê todas as etapas de sua con-
No entanto, a validade de um processo secução.
como esse é diretamente limitada pelo número Sigfried Giedion, nos anos 1920 e antes de
de participantes, se não se quiser recair de novo se juntar ao grupo em torno de Le Corbusier, já
no problema da representação (no caso, política). colocava em cheque o procedimento de produção
Um processo de quatro pessoas gera seis canais da arquitetura apoiado na lógica do planejamento
potenciais de comunicação – parece passível de de um produto acabado. Em Building in France,
chegar a bom termo; já em outro de 20 pesso- Building in Iron, Building in Ferroconcrete, seu
as, esse número aumenta para 190 canais e, num primeiro livro, ele diz o seguinte, sobre a imagem
terceiro de 50 pessoas, para 1.225 canais. É fácil de uma paisagem industrial da França:
imaginar que, nessa última circunstância, o plano
tende a ser definido mais pelos vetos – a rejeição Chaminés de uma refinaria de açúcar ao fundo. Os
enfática de determinadas soluções geradas pelo vários níveis de tráfego, a justaposição de objetos
determinada meramente por necessidade oferecem
projetista – do que por aquilo que cada um dos
– por assim dizer inconscientemente e como ma-
participantes efetivamente quer e poderia ter, se as téria prima – possibilidades de como nossas cida-
decisões não dependessem do grupo. Mas, mesmo des podem ser mais tarde abertamente enformadas
se ao fim de um longuíssimo processo de discus- [designed/gestaltet] sem as amarras dos níveis pre-
são o resultado fosse razoavelmente satisfatório, estabelecidos.7
persistiria o engessamento do uso pela predefini-
ção do espaço, característica do projeto conven- O referido livro de Giedion foi publicado
cional, não participativo. O resultado continuaria em 1928. Se já então a crítica do planejamento
avesso à dinâmica da ação em tempo presente e e do conceito de arquitetura como obra-monu-
a um espaço capaz de absorvê-la. Um projeto ou mento estava em foco, atualmente ela se faz mais
plano só escapa do dilema quando é elaborado por do que urgente. Parece que Giedion entreviu um
todos os envolvidos e numa situação em que pode caminho simplesmente deixado de lado pela pro-
ser revisto, criticado e reformulado com agilidade dução formal da arquitetura e da cidade. Vale dizer
condizente com a dinâmica dos eventos reais. que as construções às quais ele se refere eram sur-
Diante disso, pode-se afirmar que os proje- preendentemente mais leves e fáceis de montar do
tos participativos hoje em dia inseridos em pro- que suas precedentes; ainda assim, a separação das
gramas governamentais (como o crédito solidário etapas de projeto e construção não sofreu nenhu-
para empreendimentos habitacionais, por exem- ma alteração. O procedimento formal do plane-
plo) tendem a deslocar o usuário para junto do jamento, com a distinção clara entre as etapas de
arquiteto, mas não o inverso: não deslocam o pró- demanda, projeto, construção e uso, continuou
prio procedimento de projeto no sentido de uma imperando e o faz até hoje.
aproximação com a lógica do uso e da construção.
7
Nem tampouco os projetos participativos insti- GIEDION, 1995, p. 92. Giedion usa a palavra gestaltet, traduzida
para o inglês como designed e aqui vertida por enformada (no sentido
tucionalizados alteram substancialmente o papel de dar forma a). O texto de Giedion deixa clara a idéia de enformar
do arquiteto como designer de um produto aca- a cidade como ato em tempo real, em contraponto ao planejamento
ou projeto. Esse autor indica sistematicamente a abertura dos espaços
bado, pois somente com esse último satisfazem- urbano e arquitetônico ao uso. Em outras palavras, aponta que a cida-
se as exigências formais dos órgãos de aprovação de industrial não é mais predeterminada, mas se faz, ou é enformada,
em tempo presente, levando em conta a velocidade, ou seja, distância e
e financiamento, as mesmas de qualquer outro tempo vividos.

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POSSIBILIDADES DE INVESTIGAÇÃO supostos e possibilidades em quatro campos temá-
E UM EXPERIMENTO ticos relativos à produção autônoma de moradias:
A existência do projeto arquitetônico e ur- economia e legislação; processos participativos e
banístico, bem como o vínculo estabelecido com autônomos de projeto e construção; materiais e
outras instâncias de planejamento – notadamente sistemas construtivos alternativos; e, finalmente,
o social e o econômico – distinguem geralmente meios físicos e digitais de facilitação da produção
a produção formal do espaço da produção infor- autônoma – as chamadas interfaces. A interface de
mal. E da mesma maneira que predomina, entre espacialidade e o experimento descrito em seguida
arquitetos e urbanistas, a idéia de que um canteiro resultaram desse campo temático, ao qual se re-
sem projeto seria sempre um mal, os profissionais laciona também a segunda pesquisa, que consiste
costumam defender que o processo informal seja no desenvolvimento da interface ida (instrumen-
sanado pela assimilação de métodos oriundos do tos de apoio ao projeto de habitação com sistemas
processo formal. Mas, na realidade, o processo in- construtivos alternativos). (Em poucas palavras:
formal, concretizado nas favelas e em loteamentos um banco de dados de componentes construtivos
populares, tem a grande vantagem de permitir a disponíveis no mercado, a ser manipulado via web.
usuários e construtores tomar as decisões. Quan- Além dos usuais espaços de textos e imagens, nos
do é corrigido por medidas de institucionalização quais se obtêm informações sobre características
que o inserem na lógica convencional dos planos e físicas, de fabricação e fornecimento de compo-
projetos, o usuário se beneficia pela possibilidade nentes construtivos, ida inclui um ambiente 3d,
de obter financiamentos e amparo jurídico, mas em que o usuário pode fazer simulações de jun-
paga por essa vantagem – por vezes, bastante abs- ções de componentes e recebe feedbacks sobre
trata – o alto preço da perda de sua autonomia. suas compatibilidades ou problemas.)
Partindo desse contexto e da crítica ante- A interface de espacialidade, no seu atual
riormente esboçada, o grupo de pesquisa Morar estágio de desenvolvimento, consiste num kit de
de Outras Maneiras (mom)8 investiga a produção componentes leves, modulares e encaixáveis, a se-
autônoma de moradias. Entendemos por produ- rem montados e modificados pelo público-usuário
ção autônoma processos nos quais as decisões continuamente e com facilidade. O repertório de
acerca do espaço e da construção cabem a usuá- peças é composto de: conectores de madeira lami-
rios e construtores (à diferença da produção for- nada colada com seis encaixes em três eixos; tu-
mal heterônoma), e que, ao mesmo tempo, se be- bos de pvc em comprimentos nominais de 60 cm,
neficiam de recursos técnicos e sociais avançados 120 cm e 180 cm; tecidos de diversos tamanhos,
(diversamente da autoprodução informal). A per- cores, texturas, opacidades e elasticidades; cordo-
gunta central é sobre as possibilidades – ainda que alhas e prendedores para travar encaixes e contra-
parciais – desse tipo de produção na atual situação ventar o conjunto.
e os instrumentos propícios a ela. O objetivo dessa interface é permitir a qual-
O mom tem atualmente duas grandes pes- quer indivíduo gerar e experimentar concepções
quisas em andamento.9 A primeira investiga pres- espaciais em escala real, conforme suas preferências
e necessidades. Ela deve informar os usuários acer-
ca de características do espaço não evidentes em
8
Esse grupo de pesquisa, do CNPq, é sediado pelo Departamento de
Projeto da Escola de Arquitetura da UFMG, sob a coordenação de Silke
desenhos, modelos digitais ou maquetes, entre elas,
Kapp. Dele participam os pesquisadores Ana Paula Baltazar, Eduardo escala, profundidade (visual), movimento e relação
Mascarenhas, Otávio C. S. Brandão, Rita de Cássia Lucena Velloso, Ro- com o próprio corpo. Ao mesmo tempo, foi con-
drigo Marcandier, Sulamita Lino e Maurício Leornard, além dos estu-
dantes Amanda Olalquiaga, Larissa Moreira, Natália Arreguy e Rafael cebida como um instrumento de auxílio na comu-
Borges. nicação e discussão de idéias espaciais, oferecendo
9
Tais pesquisas se intitulam “Produção autônoma de moradias: le-
vantamento de precedentes e possibilidades” e “Instrumentos de apoio a cada pessoa a oportunidade de enriquecer o meio
ao projeto de habitação com sistemas construtivos alternativos” e são ambiente, de acordo com seu ponto de vista e de
financiadas, respectivamente, pelo Instituto Libertas de Educação e
Cultura e pelo MCT/FINEP e CNPq. modo compreensível a todos os envolvidos. Os es-

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paços assim gerados podem servir simplesmente a mulher e quatro homens, todos ex-alunos do cim,
um uso temporário ou a uma atividade coletiva (se- que haviam se apresentado voluntariamente, após
melhante a um jogo) e também para definir cons- a comunicação da coordenadora administrativa
truções permanentes com outros materiais. do centro. Nenhum deles tinha conhecimento
Nesse último caso, ter-se-á uma inversão prévio da interface, de seus componentes, módu-
do processo de projeto mais usual. Como já in- los e encaixes. Cinco membros da equipe do mom
dicado anteriormente, tal processo consiste em acompanharam o experimento, procurando man-
transpor dados concretos para mídias abstratas de ter um nível de participação tal que sua presença
representação, elaborar as soluções em abstrato não inibisse o grupo, pela divisão ostensiva entre
e retorná-las prontas à realidade no momento da observadores e observados, e, ao mesmo tempo,
construção. Dominam os agentes que têm conhe- não interferisse em suas decisões. Após breve
cimento das mídias (ou media), mesmo que haja a explicação sobre o encaixe das peças, o grupo foi
participação de usuários e até de construtores. No solicitado a criar, com o material da interface, um
processo proposto, o medium é auto-explicativo. espaço de sombra no qual coubessem as dez pes-
A realidade não é um ruído, mas o meio em que se soas presentes.
ensaiam, alteram e revisam as soluções espaciais. Os jovens começaram a trabalhar com as
Apenas depois de alcançadas essas soluções bási- peças maiores – evidentemente mais propícias ao
cas, o conhecimento especializado – com as abs- objetivo comum –, sem nenhum tipo de discus-
trações indispensáveis – entra no processo como são prévia sobre o que iriam fazer ou mesmo para
uma forma de apoio, se isso for pertinente. tentar entender a lógica da modulação. Assim que
Testamos a interface de espacialidade em di- um deles montou o primeiro encaixe, os outros
versas situações: uma ocupação pública temporá- deram continuidade à mesma estrutura, sem ver-
ria de lotes vagos,10 onde ela ficou disponível para balizar idéias ou planos quanto à montagem. Con-
uso público; uma feira de ciências, na qual crianças versando sobre outros assuntos, simplesmente
eram suas usuárias; uma escola de circo, em que trabalhavam, tendo em mente que precisariam de
foi utilizada como cenário e camarim; e um tes- um espaço amplo o suficiente para todos.
te mais objetivo com adolescentes moradores do Quando uma primeira parte da estrutura es-
Aglomerado da Serra, a maior favela de Belo Ho- tava montada, ainda sem os tecidos de fechamento,
rizonte. Ficaram evidentes algumas deficiências comentaram que ela não seria suficiente para criar
da interface (discutidas no item conclusivo deste um espaço de tamanho adequado. Então, sem mui-
artigo, sobre o papel do arquiteto), mas também ta reflexão ou discussão, decidiram acoplar mais
vantagens, tanto na sua aplicação num processo um cômodo, semelhante ao que tinham acabado de
criativo quanto para a produção de espaços sem a montar. Feito isso, começaram a colocar os tecidos.
necessidade de planejamento. Depois de amarrar o primeiro fechamento lateral
A experiência com os adolescentes da favela de tecido, concluíram que seria melhor aumentar
nos permite dizer que o pressuposto do planeja- também a largura dos cômodos para ganhar espaço
mento como única alternativa viável à produção interno. Como a quantidade de peças de 180 cm
do espaço se mostra falso. Ela foi realizada ao ar não era suficiente para a ampliação, testaram e en-
livre, num pequeno local externo e pouco utiliza- tenderam muito rapidamente a lógica do módulo
do do Centro de Integração Martinho (cim), or- e usaram as peças de 120 cm e 60 cm. Terminaram
ganização não-governamental de apoio a crianças, de montar a estrutura e colocaram os tecidos e as
adolescentes e suas famílias, com programas de cordas para estabilizá-la. Durante a montagem, que
formação diversos. Participaram do experimen- durou cerca de uma hora, outros problemas me-
to cinco jovens entre 18 e 20 anos de idade, uma nores foram solucionados à medida que surgiam:
substituíram parte dos pinos de encaixe por gram-
10
pos, compensaram o desnível do piso com calços
No âmbito do projeto “Lotes Vagos: ação coletiva de ocupação ur-
bana experimental”, coordenado pela arquiteta Louise Ganz. de pedra e emendaram tecidos.

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Interface de espacialidade montada por grupo de jovens no Aglomerado da Serra.

Para os observadores da equipe do mom, tor- de dois pressupostos, ambos preconceituosos.11


nou-se nítido que os participantes já tinham por Apóiam-se na lógica conservadora, que considera
hábito trabalhar em grupo, sem planejamento pré- o favelado um marginal potencial, ou na lógica pro-
vio nem necessidade de comando. Essa prática pa- gressista, que encara o favelado como um bom sel-
rece funcionar bem: todos se engajam no trabalho, vagem vitimado pelas circunstâncias. Num como
que engloba, indistintamente, criação e produção noutro caso, a favela é isolada da cidade da qual faz
material. Chamou a atenção o fato de que, no iní- parte e a intervenção institucional (de órgãos gover-
cio, quando lhes falamos da pesquisa e de materiais namentais, acadêmicos ou ongs) ignora completa-
alternativos de construção, não se entusiasmaram mente a lógica de (sobre)vivência da comunidade,
muito. A imagem deles de construção é negativa: suas dinâmicas e peculiaridades. Nosso interesse é
“virar massa”, carregar peso, trabalhar ao sol, ser- inverter essa tradição. Em vez de intervir na favela,
viço pesado e mal remunerado. Depois do espaço cabe entender a sua lógica de produção do espaço
montado, quando todos se acomodaram nele para e verificar a sua pertinência na produção formal e,
conversar, se mostraram interessados pela pesquisa. conseqüentemente, em futuras intervenções ins-
Embora não conseguissem se desvencilhar do ideal titucionais em locais como esse.12 O pressuposto
da casa de alvenaria, expressaram vontade de testar (ou mito) do planejamento, entre os diversos que
sistemas construtivos alternativos, pela facilidade vimos pesquisando quanto à produção do espaço
de montagem e alteração. Segundo a única mulher habitacional, como única possibilidade de garantia
participante, esse tipo de processo construtivo “é da qualidade do espaço, nos parece um dos mais
bom demais, dá até para parar de ficar no fogão importantes a ser questionado.
da casa dos outros e mudar de trabalho”. Quanto PAPEL DO ARQUITETO
ao planejamento dos espaços, eles nem sequer o Diante do exposto anteriormente, o papel
consideram para discussão. O processo coletivo de convencional do arquiteto na produção do espaço
produção do espaço parece ser usual, assim como a se torna duvidoso. Se de fato a questão for, como
ausência de planejamento. Ainda que todos tives- diz Lefebvre, tornar o espaço propício a relações
sem em mente um mesmo objetivo, não sentiram
necessidade de prefigurar o produto final. Fica clara 11
SOUZA E SILVA, 2004.
a diferença entre o processo de produção informal, 12
Algumas experiências institucionais de intervenção nas favelas já co-
meçavam a respeitar a lógica de vivência da comunidade. Por exemplo,
sem planejamento, e o processo formal, cuja base é na urbanização de Brás de Pina, no Rio de Janeiro, nos anos 1960, a
o planejamento. equipe técnica solicitava dos moradores desenhar suas próprias casas e,
então, ajudava a sanar possíveis problemas de projeto. Contudo, apesar
Segundo Jailson de Souza e Silva, as interven- da participação da comunidade, ainda se impunha a lógica de produção
ções externas nas favelas usualmente seguem um do espaço sustentada no planejamento, estranha à favela.

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livres de constrangimentos, esse papel não mais cional da arquitetura, quando se tenta criar algo
consiste em desenhar objetos arquitetônicos ou que extrapole o procedimento padrão do plano e
urbanísticos, mas em produzir interfaces. O ar- incorpore as diversidades de uso e a impossibilida-
quiteto pode dar um passo atrás e, em lugar de de de sua previsão. Ao descrever o estabelecimento
predeterminar espaços, criar instrumentos para do plano da casa (the lay of the plan), ela aponta a
que usuários e construtores possam determiná- necessidade de abordar a arquitetura como ação:
los, eles próprios.13
O plano não é realmente um plano, porque isso de-
Ainda que, atualmente, a maioria dos ar-
nota uma fixação; esse arranjo de coisas ainda tem
quitetos que projetam para a construção tenha de se acomodar, aberto como ainda está às “vagarias”
por objetivo criar produtos acabados, a idéia do [vagaries] do design e do fazer. Quando ele final-
design como processo aberto não é novidade. mente se acomodar, naquele momento glorioso da
Uma crítica operativa (prática, e não apenas teó- construção final, essa acomodação será por apenas
rica) da arquitetura como produto acabado vem um instante (traga os fotógrafos rápido!) antes que
ganhando força, desde a última década do sécu- nós nos mudemos e deixemos nossas vidas bagun-
lo xx, especialmente no ambiente acadêmico. çarem a acomodação. Por isso, tratem o plano não
Exemplos de tal visão crítica foram reunidos na como um substantivo passivo, mas como um verbo
revista Architectural Design, em 1998, sob o títu- ativo: planejar para ação.17
lo Consuming Architecture. Sarah Chaplin e Eric
A raiz dessa crítica operativa da arquitetura
Holden introduzem a edição, mostrando que “há
como produto acabado, que ganha força no fim do
sempre o espectro do anticonsumidor, aquele que
século xx, está de fato na arquitetura pré-moderna,
por meio de renúncia, apropriação, customização
como mostram as supramencionadas constatações
e manipulação voluntária altera o objeto de con-
de Giedion acerca do espaço produzido na França,
sumo para atender seus próprios propósitos”.14
a partir de meados do século xix. Giedion viu que
No mesmo ano, Jonathan Hill editou Occupying
ali a arquitetura deixava de ser monumento para se
Architecture: between the architect and the user,
tornar design coletivo e interpenetração, ou seja, para
com contribuições diversas sobre o assunto. Hill
assumir as características de processo aberto de de-
afirma que “muitos arquitetos falsamente man-
sign. A partir da década de 1970, a possibilidade de
têm que arquitetura seria (…) seus edifícios deso-
um tal processo aberto foi também abordada por
cupados”;15 em oposição a isso, seu livro “ilustra
John Chris Jones e Vilém Flusser, em comentários
que arquitetura não é apenas um edifício: ela é a
teóricos bastante contundentes (dos quais, diga-se
relação entre um objeto e seus ocupantes”.16
de passagem, críticos operativos como Wiggleswor-
Vale também mencionar a discussão que ins-
th e Till parecem não ter tomado conhecimento).
pirou Sarah Wigglesworth e Jeremy Till no design
Recorremos aqui a esses dois autores para elucidar
de sua própria casa/estúdio. Wigglesworth mostra
um pouco melhor o que um design efetivamente
a dificuldade de trabalhar com a linguagem tradi-
aberto poderia significar.
13
Essa tese não se assemelha em nada a idéias contemporâneas de in-
John Chris Jones é mais conhecido pelas suas
corporação das tecnologias digitais na arquitetura, embora essas últi- contribuições no chamado design methods move-
mas sejam muito bem-vindas. Pensar a produção da arquitetura como ment, cujo marco inicial foi uma conferência orga-
produção de interfaces é muito mais complexo do que, simplesmen-
te, associar a arquitetura a interfaces, sejam elas físicas sejam digitais. nizada, por ele e Peter Slann, em 1962 (“The Con-
Ainda que este artigo contenha idéias também referidas em diversas ference on Systematic and Intuitive Methods in
das chamadas arquiteturas virtuais de fins dos anos 1990 e início desse
século, importa ressaltar que há uma diferença clara, embora pouco ex- Engineering, Industrial Design, Architecture and
plorada na arquitetura, entre digital e virtual. Essa distinção diz respeito Communications”), sucedida, em 1970, pelo seu
ao caráter de evento, ou de acontecimento não predeterminável, do vir-
tual, em contraponto ao usual caráter pré-programado das interfaces e célebre livro Design Methods.18 Tratava-se já então
ambientes digitais. Para a distinção entre digital e virtual na arquitetura, de uma abordagem não convencional do design-
cf. BALTAZAR DOS SANTOS, 2005.
14
CHAPLIN & HOLDING, 1998, p. 7.
15 17
HILL, 1998, p. i. WIGGLESWORTH, 1999, p. 117-119.
16 18
Ibid., p. i. JONES, 1970.

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como-processo. Todavia, mais tarde, no bem me- esse obstáculo apenas obstrui as ações de seus
nos conhecido Designing Designing (1991), Jones usuários ou se abre possibilidades de uso.
critica as posturas assumidas anteriormente por A questão se põe, portanto, nos seguintes
ele e outros integrantes do Design Methods Mo- termos: “que forma devo dar aos meus designs
vement, atentando para o fato de que o próprio projetados para que as pessoas depois de mim
método acaba sendo um produto: “a falha no mé- possam usá-los para ajudá-las a dar continuida-
todo-feitura foi que nós fizemos métodos como de [ao processo] e, ao mesmo tempo, para evitar
‘produtos’ e os entregamos para designers esperan- obstruí-las?”.24 Essa pergunta não tem resposta
do que eles os usassem como ‘ferramentas’, como direta, mas abre uma discussão sobre a responsa-
meios para um fim. O que se tornou uma armadi- bilidade no design, que, segundo Flusser, significa
lha lógica, transformando a idéia de processo em abertura às outras pessoas.25 Para ele, a maioria dos
seu oposto”.19 Mais adiante, afirma que eles “não designs é criada irresponsavelmente, ou seja, o de-
perceberam que as pessoas habitando o mundo-de- signer se ocupa do objeto, em vez da possibilidade
signed (...) teriam de ser designers”.20 de abertura às pessoas. O problema é que esse de-
Jones propõe, então, a continuação do design sign irresponsável tem sido a regra, motivado, em
no mundo. Isso tem duas implicações. Primeiro, se parte, pela necessidade dos próprios arquitetos
há a possibilidade de algum método de design, ele de um controle sobre sua “obra” e, ainda, porque
não pode se configurar como produto, isto é, não essa atitude se insere numa estrutura social e eco-
deve estar pronto para ser usado por designers. O nômica também pautada para o controle.
método ou conjunto de regras, direções ou princí- Mas há alternativas, embora não sejam sim-
pios – não importa o nome – precisa ser aberto o ples nem se deixem reduzir a novas metodologias.
suficiente para permitir a arquitetos e usuários dar Elas implicam justamente mudanças de atitude, e
continuidade ao design. Segundo, o design-como- não meras substituições metodológicas no âmbi-
processo produzido por designers (chamado, aqui, to de um processo tradicional de projeto cunhado
de interface) necessita a interação dos usuários para pelo propósito da previsibilidade máxima. Tanto a
se tornar temporariamente completo; mas, se pen- noção de processo quanto a de produto precisam
sarmos tal design em processo, seu resultado será ser revistas, de modo que não mais se busquem
sempre continuação, e nunca produto.21 procedimentos ou arquiteturas ideais, e sim possi-
Isso ecoa a idéia do filósofo Vilém Flusser bilidades de cada indivíduo ou grupo decidir sobre
acerca do design responsável, intersubjetivo, aber- o procedimento mais adequado a cada situação.
to às pessoas.22 Para ele, design se define como Contudo, o fato de interfaces ou instrumen-
geração de um obstáculo à remoção de outros tos tomarem o lugar de planejamentos acabados
obstáculos; por exemplo, “um ‘objeto de uso’ é não garante, por si só, o design aberto, passível de
um objeto que se usa e se precisa para tirar outros continuidade por outros designers, como propõe
objetos do caminho”.23 A contradição inerente a Jones, ou feito responsavelmente, como indicado
tal definição, ou melhor, ao design como atividade por Flusser. Qualquer instrumento tem em si as-
humana, está no fato de que todo objeto (obstá- pectos determinados e indeterminados: determi-
culo) a ser transposto levará ao design de um novo nado por possibilitar certas ações, e outras não;
objeto, que, por sua vez, se torna obstáculo. De indeterminado porque não tem, por assim dizer,
acordo com Flusser, todo design é um obstáculo vontade própria. Porém, os resultados de suas
com um propósito, e dependerá do designer se possibilidades na ação podem ter maior ou me-
nor grau de previsibilidade. Até um objeto mono-
funcional, como a máquina na linha de produção,
19
Idem, 1991, p. 163.
não age sozinho, apenas tende a anular o peso das
20
Ibid., p. 163.
21
Ibid., p. 163-164.
22 24
FLUSSER, 1999, p. 58-61. Ibid., p. 58-59.
23 25
Ibid., p. 58. Ibid., p. 59.

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decisões do agente no desfecho do evento. Inver- esculturas interativas, até instrumentos musicais”.27
samente, as ações de usuários são potencializadas Outra particularidade, decorrente das anteriores, é
quando usam instrumentos cujos resultados não a abertura da ferramenta a distintos procedimentos
estão pré-programados, por exemplo, a interface de uso, e não apenas a diferentes propostas de re-
de espacialidade descrita anteriormente. O ins- sultados. Finalmente, ela deve possibilitar colabo-
trumento, nesse caso, se mostra mais propício a ração e intercâmbio, no sentido tanto de uso por
ações potencialmente criativas. grupos trabalhando colaborativamente quanto no
Embora, como foi indicado, a discussão do da receptividade a outras peças e lógicas de conjun-
design aberto já comece a ser levantada na arqui- ção não programadas em sua estrutura (receptivi-
tetura, ainda não houve aí nenhuma exploração dade que, aliás, o l ego tradicional não possui).
aprofundada de procedimentos e princípios. Em Se considerarmos a supramencionada mu-
áreas afins, como a do design de interfaces digi- dança de atitude em relação ao papel do arquiteto,
tais, visando à criatividade, tal discussão se encon- nenhum desses princípios é incompatível com a
tra bem mais avançada. Daí concluirmos nosso ar- criação de interfaces para a produção do espaço.
gumento com alguns apontamentos extraídos do A própria interface de espacialidade do mom, não
relatório “Design Principles for Tools to Support obstante suas limitações, obedece à maioria desses
Creative Thinking”,26 trabalho conjunto de sete princípios: ela é fácil de usar, pois suas peças são
pesquisadores de diferentes lugares do mundo, leves e não muito grandes; o potencial de flexibi-
cujo objetivo foi sistematizar uma série de prin- lidade é auto-evidente; e as pessoas testam possi-
cípios de design para guiar o desenvolvimento de bilidades sem constrangimento de desmontá-las.
novas ferramentas de suporte à criatividade. Já utilizamos a interface em situações em que
Resnick et al. constatam que é muito difícil montamos um espaço, e outras pessoas o altera-
estudar a própria criatividade, mas não tão compli- ram, e em outras nas quais usuários inexperien-
cado assim examinar os processos usados por pes- tes o montaram sozinhos. Em nenhum dos casos
soas criativas, para tentar incorporar algumas das houve dificuldade de brincar com a estrutura. Ao
melhores práticas em ferramentas a serem disponi- mesmo tempo, também arquitetos se mostraram
bilizadas a todos. Desse raciocínio resultam quatro entretidos na exploração do potencial da interface
características relativas ao suporte à exploração. As além da sua lógica ortogonal.
ferramentas devem oferecer ao usuário: facilidade O que falta efetivamente a esse instrumento
de experimentar respostas, fazendo e desfazendo; é o que Resnick e seus colegas chamam de wide
auto-evidência da flexibilidade, pois flexibilidades walls. Em experimentos como do Aglomerado da
não evidentes tendem a não ser usadas; facilidade Serra, pudemos perceber que ele restringe a criati-
de uso para iniciantes (low threshold), com possi- vidade dos usuários quanto à geometria do espaço
bilidade de sofisticação para usuários experientes produzido. Isso ocorre não pelo fato de o sistema
(high ceilling); e interação prazerosa, a fim de que ser modular, mas por induzir a encaixes sempre
os usuários não precisem concentrar seus esforços ortogonais das peças estruturais (os tubos). Eis
em aprender a usar a interface, em vez de interagir. uma deficiência da interface que deve ser altera-
Além dessas quatro características, os pes- da, seja pela ampliação do repertório de peças e
quisadores apontam a necessidade de wide walls, procedimentos, seja pela tentativa de facilitar o
ou seja, que a ferramenta permita e instigue uma acoplamento de peças não previstas (receptivi-
ampla gama de explorações. O melhor exemplo dade). Contudo, isso não invalida o seu – ainda
disso são os tradicionais bloquinhos l ego e, mais que modesto – avanço experimental na direção do
recentemente, o l ego programável do mit, com o não-planejamento ou na de uma produção do es-
qual as crianças são estimuladas a “criar qualquer paço em que o componente intelectual/abstrato
coisa, desde criaturas robôs, casas ‘inteligentes’ e não prevalece a priori sobre o elemento material.

26 27
RESNICK et al., 2005. Ibid.

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Dados das autoras


ANA PAULA BALTAZAR
Arquiteta, mestre em arquitetura e urbanismo
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
doutoranda em arquitetura (The Bartlett School of
Architecture, UK). Pesquisadora do Departamento de
Projetos da Escola de Arquitetura da UFMG.

SILKE KAPP
Arquiteta, mestre e doutora em filosofia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora
adjunta do Departamento de Projetos da Escola de
Arquitetura da UFMG e pesquisadora do CNPq.
Recebimento: 14/mar./06
Aprovado: 22/jun./06

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