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ALBERTO VIEIRA
CEHA(MADEIRA
1
. “Ho Iffante mandou a Valença por canas de acucar...”, in Códice Valentim Fernandes, Lisboa,
1997, p.141
2
. Virgínia Rau, O Açúcar da Madeira nos fins do século XV. Problemas de Produção e Comércio, Funchal, 1962, p.23.
do mesmo destino, sob o signo dos incentivos da coroa de Aragão 3 . Se tivermos em
conta as relações existentes entre ambas as áreas sob o domínio da coroa de Aragão
e Portugal, resultantes do casamento de D. Duarte com Leonor de Aragão, estará
aberto o caminho nas duas vias para a cana de açúcar.
A cana-de-açúcar na primeira experiência além Europa demonstrou as
possibilidades de rápido desenvolvimento fora do habitat mediterrânico. Gaspar
Frutuoso testemunha isso mesmo ao referir que "esta planta multiplicou de maneira
na terra, que he o assucar della o melhor que agora se sabe no mundo, o qual com
o benefício que se lhe faz tem enriquecido muitos mercadores forasteiros e boa
parte dos moradores da terra". Tal evidência catalizou as atenções do capital
estrangeiro e nacional que apostou no seu crescimento e promoção favorecendo a
rápida afirmação.
A moenda e o consequente processo de transformação da guarapa em açúcar, mel,
álcool ou aguardente projectaram as áreas produtoras de canaviais para a linha da
frente das inovações técnicas, no sentido de corresponderem às cada vez maiores
exigências. A madeira e o metal foram a matéria-prima que deram forma a
capacidade inventiva dos senhores de canaviais e engenhos. Na moenda da cana
utilizaram-se vários meios técnicos comuns ao mundo mediterrânico. A
disponibilidade de recursos hídricos conduziu à generalização do engenho de água.
Na Madeira, o primeiro particular que temos conhecimento foi o de Diogo de Teive
em 1452. E este terá sido o primeiro engenho que se veio juntar ao lagar do infante
O infante, donatário da ilha, detinha a o exclusivo destas infra-estruturas e quem
quisessem segui-lo deveria ter autorização sua. Esta infra-estrutura resultou apenas
nas áreas onde era possível dispor da força motriz da água, ficando nos demais
espaços ficou reduzido apenas ao uso da força animal ou humana. Os últimos eram
conhecidos como trapiches ou almanjaras. O infante D. Fernando em 1468 refere as
estruturas diferenciando os engenhos de água, alçapremas e trapiches de besta. Até à
generalização dos engenhos de cilindros horizontais no século XVII, a infra
estrutura para espremer as canas era composta do engenho ou trapiche e da
alçaprema.
Não conhecemos qualquer dado que permita esclarecer os aspectos técnicos destes
primeiros engenhos. Apenas se sabe, segundo Giulio Landi, que na década de trinta
do século XVI funcionava um com o sistema semelhante ao usado no fabrico de
azeite: "Os lugares onde com enorme actividade e habilidade se fabrica o açúcar
estão em grandes herdades, e o processo é o seguinte: primeiramente, depois que
as canas cortadas foram levadas para os lugares acima referidos, põem-nos
debaixo de uma mó movida a água, a qual triturando e esmagando a cana, extrai-
lhes todo o suco".
Na ilha de São Miguel a cultura da cana está inegavelmente ligada aos madeirenses.
A eles se deveu o transplante das socas e da tecnologia. Gaspar Frutuoso conta que
em Ponta Delgada Bastião Pires contratou o madeirense Fernão Vaz, Ao qual deu
ordem como se fez um engenho de besta, como de pastel, mas o assento da mó
diferente, porque era de uma pedra grande e mui cavada, a maneira de gamela e
furada pelo fundo, por onde o sumo das canas, que dentro nela se moiam, ia por
debaixo do chão, por uma calle ou bica, sair fora do andaimo da besta que moia, e
3
.Ferran Garcia-Oliver, Dossier: Sucre I creixement económic a la baixa edat mitjama, Afers, Fulls
de recerca i pensament, vol. XIV, nº.32, Catarroja, 1999, 167-194;
assim fez fazer também um fuso e caixa para espremer o bagaço, e uma fornalha
com uma caldeira em cima, a maior que então se achou, onde cozia aquela calda, e
cozida a deitava em uma tacha e ao outro dia fazia o mesmo, até que fez cópia de
melado para se poder fazer assuqre.(...)com sua pouca ciência e menos experiência,
saiu aquele assuqre assim tão bom e tão fino. 4
Uma das questões polémicas prende-se com a evolução da tecnologia usada para
espremer a cana. O aparecimento e generalização dos cilindros horizontais e depois
verticais é um processo controverso que tem ocupado os especialistas nos últimos
anos sem se conseguir alcançar qualquer consenso. O primitivo trapettum era já
usado na Roma antiga para triturar azeitonas e sumagre, sendo, segundo Plínio,
inventado por Aristreu, Deus dos Pastores 5 . Mas este tornou-se um meio pouco
eficaz com a generalização da produção e comércio no decurso do século XVI,
sendo substituído pelo engenho de cilindros. É aqui que divergem as opiniões.
São várias as hipóteses para a origem do sistema, sendo a mais antiga a que aponta a
evolução como uma descoberta mediterrânica. Dois textos clássicos para o estudo
do açúcar - F. O. Von Lippmann 6 e Noel Derr 7 - atribuíram a descoberta a Pietro
Speciale, prefeito da Sicília, um importante proprietário siciliano que fez testamento
em 1474 8 . Esta tese foi rebatida por Moacyr Soares Pereira(1955) e Gil Methodio
de Maranhão(1953), que demonstram a falta de fundamento da tese siciliana.
Alguma Historiografia castelhana atribui esta invenção a Gonzalo de Veloza,
vizinho da ilha de La Palma casado com a jovem madeirense, Luísa Bettencourt que
em 1518 é referido como haber inventado un ingenio para azúcar 9 na ilha de S.
Domingos. Todavia, nos últimos anos os estudos sobre a história do açúcar no
Oriente, nomeadamente na Índia e China, reforçaram a ideia de que o sistema de
moagem da cana por cilindros tem aqui a sua origem mais remota. Por outro lado os
estudos sobre a História da Ciência revelam que o sistema de cilindros era
conhecido na Europa sendo usado em diversas actividades industriais. A mais antiga
informação refere-se ao uso na China e Índia para descaroçar o algodão, fabrico de
papel, e que terá chegado à Europa a partir de meados do século XV.
David Ferreira Gouveia 10 apresenta a evolução para o sistema de moagem da cana
como um invento do madeirense Diogo de Teive, que o teria patenteado em 1452. O
engenho de três eixos surge mais tarde no Brasil sendo considerado também uma
invenção portuguesa, inegavelmente ligada aos madeirenses aí radicados. Na
Madeira as primeiras referências a eixos para o engenho datam já do último quartel
do século XV. Entretanto em 1477 Álvaro Lopes tem autorização do capitão do
Funchal para que "faça hum enjenho de fazer açúcar que seja de moo ou
d'alçapremas, ou doutra arte...o qual enjenho será d'augoa com sua casa e casa de
caldeiras..." 11 . Depois, em 1485, D. Manuel isentava da dízima "quaesquer teyxos
4
. Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.211.
5. São vários os estudos sobre o tema. Veja_se:Frederick C. GJESSING, The tower windmill for guindering sugar cane, Virgin Islands, 1977; MORENO FRAGINALS, El ingenio, La Habana, 1978;
Marie Clarie AMOURE, Jean Vienne BEREN(eds), La Production du vin et de l huile en Mediterranée, Paris, 1993, pp.477/481 e 540 e segs.
6. História do Açúcar, 2 vols., Rio de Janeiro, 1952.
7. The History of Sugar, 2 vols. Londres, 1940_50.
8. Cf. Carmelo Trasselli, Storia dello zuchero siciliano, Caltamissetta-roma, 1982. A tese foi defendida com base nos textos Pietro Panzano(opusculum de autore, primordiis et progressu felicis urbis
Panonri, 1471) e Gaspar Vaccaro Panebianco(Sul richiamo della canna zucherina in sicilia e sulle ragioni che lo exigono, Lipomi, 1826), que conforme a publicação por Moacyr Soares Pereira(1955)
dos textos é evidente a falta de fundamento.
9 . RIO MORENO, Justo L. del, Los inicios de la agricultura europea en el Nuevo Mundo, (1492-1542), Sevilla, 1991, p.306
10. GOUVEIA, David Ferreira, O Açúcar da Madeira. A manufactura açucareira madeirense (1420-1550), in Atlântico, IV, 1985, 260-272
11. ANTT, Convento de Santa Clara, maço 13, nº. 1, 4 Julho 1477.
que forem necesarios para eyxos esteos cassas latadas dos enjenhos e tapumes..." 12 .
Em 1505 Valentim Fernandes refere que o pau branco era usado no fabrico de
"eixos e parafusos pera os enjenhos de açúcar". A isto associa-se o inventário do
engenho de António Teixeira, no Porto da Cruz em que são referidos como aprestos:
rodas eixos, prensas, fornalhas espeques (...) 13 . Noutro documento de 1546 refere-se
a existência deste tipo de engenho nas fazendas de Manuel Damil em Câmara de
Lobos, foreiras ao convento de Santa Clara, pois o mesmo declara que aquelle anno
mandou fazer a roda nova por ser velha a que estava e não aproveitar para servir e
os eixos servirem hum anno... 14 Por fim tenha-se em conta que os primeiros
engenhos construídos no Brasil, mais propriamente em S. Vicente, são de eixos
feitos por destros carpinteiros madeirenses que acompanharam o governador Mem
de Sá.
A situação da Madeira a partir de meados do século XV é de incremento da cultura
à qual se aliam as inovações tecnológicas de que certamente o engenho de Diogo de
Teive foi o primeiro exemplo. Se estas referências forem indício dos engenhos de
cilindros quer dizer que é na Madeira que encontrámos a mais antiga referência
desta tecnologia no espaço atlântico e será a partir daqui que a mesma se difundiu
no espaço Atlântico. Foi a partir da Madeira que se generalizou o consumo do
açúcar sendo necessária uma produção em larga escala. A pressão do mercado
europeu conduziu à rápida afirmação da cultura na segunda metade do século XV,
situação que só seria possível de alimentar com o recurso a inovações tecnológicas
capazes de atenderem a tais solicitações. A evolução para o sistema de cilindros não
reverte no melhor aproveitamento do suco da cana, mas sim em vantagens
acrescidas para a rapidez do processo de triturar a cana.
Os madeirenses estiveram ligados à promoção da cultura e construção dos primeiros
engenhos açucareiros nas ilhas Canárias, dos Açores, S. Tomé, e Brasil, chegando
mesmo ao norte de África, situação que foi interditada pela coroa em 1537. Por
outro lado a sua origem não poderá associar-se a uma influência directa da Índia ou
da China, onde estiveram muitos madeirenses, uma vez que as primeiras referências
são anteriores à primeira viagem de Vasco da Gama.
O engenho de S. Jorge dos Erasmos, na Ilha de S. Vicente, foi feito com a mão
engenhosa de madeirenses 22 . Esta aposta da coroa na rentabilização do solo
brasileiro através dos canaviais levou-a condicionar a fuga de mão-de-obra
especializada, que então se fazia na Madeira. Assim, em 1537 os carpinteiros de
engenho da ilha estavam proibidos de ir à terra dos mouros. Com tais
condicionantes e colocados perante o paulatino decréscimo da produção açucareira
na ilha, muitos madeirenses foram forçados a ir ao encontro dos canaviais
brasileiros. Em Pernambuco e na Baía, entre os oficiais e proprietários de engenho,
pressente-se a presença madeirense. Alguns destes madeirenses foram importantes
proprietários de engenho como foi o caso de Mem de Sá ou de João Fernandes
Vieira, o libertador de Pernambuco 23 .
A Madeira não foge à regra e a xenofobia é uma das armas usadas entre a
concorrência das diversas sociedades mercantis. Na década de sessenta o principal
alvo dos madeirenses foi os judeus e genoveses porque monopolizavam o comércio
do açúcar. Em 1461 os moradores solicitaram ao infante D. Fernando a proibição da
sua actividade na ilha, como compradores de açúcar ou arrendatários dos direitos 28 .
É fácil encontrar os judeus em ligação estreita aos genoveses, controlando parte
significativa do comércio dos novos espaços atlânticos. A sua presença nas ilhas é
evidente desde os inícios da ocupação. Difícil é encontrar o rasto da sua presença,
24
. A Bibliografia é extensa. Aqui destacamos apenas os textos de Maria José Ferro Tavares. Vide Bibliografia no final.
25
. cf. José G. Salvador, Os Cristãos-novos e o comércio no Atlântico meridional, S. Paulo, 1978, 149; António José Saraiva,
Inquisição e Cristãos Novos, Lisboa, 1994, 134-135.
26
. Vide Maria José Ferro Tavares, os judeus na época dos descobrimentos, Lisboa, 1995.
27
. Para a Madeira não existe estudo completo sobre a inquisição como é o caso de Paulo Braga, A Inquisição nos Açores,
P.D., 1997.
28
. AHM, Vol. XV, 1972, 14-15, 3 de Agosto de 1461.
pois tal como nos diz José Gonçalves Salvador 29 “muitos vão para as ilhas e se
acobertam sob a capa de cristãos”.
Os judeus estão envolvidos em todas as actividades, todavia, como nos refere Maria
José Ferro Tavares, “a actividade mercantil e a ocupação principal”. E dentro
destas parece que tiveram uma predilecção especial pelos negócios baseados no
açúcar. Pelo menos é a opinião de José Gonçalves Salvado 30 , que é peremptório em
afirmar que “os hebreus sefarditas aparecem identificados com as actividades
ligadas ao açúcar primeiro nas ilhas adjacentes a Portugal e depois nas demais
possessões”.
Não obstante ser visível as operações de judeus e cristãos novos no Funchal, apenas
foi possível identificar os seguintes mercadores com este rótulo:
29
. Os cristãos novos e o comércio Atlântico Meridional, S. Paulo, 1978, 246.
30
. Os magnatas do Tráfico Negreiro, S. P., 1981, 87.
31
. Publ. V. Rau, O açúcar na Madeira, Funchal, 1962.
32
. Ob.cit., p. 24
33
. O Comércio Inter-Insular, Funchal, 1987, 130.
Diogo Rodrigues, o velho 157,5
Duarte Rodrigues 1509-94 158
Manuel Rodrigues 1594
Francisco Roiz Tavira 1576-626
João Roiz Tavira 1568-626
Rodrigo de Veiga 1594 Natural da ilha residente em Lisboa
Francisco Roiz Vitória 34 1591
34
. É o único sob o designativo de judeus, os demais são cristãos-novos.
35
. MELLO, José António Gonsalves de, Gente da nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, Recife:, 1989;
RIBEMBOIM, José Alexandre, Senhores de Engenho judeus em Pernambuco colonial 1542-1654, Recife, 1995;
SALVADOR, José Gonçalves, Os Cristãos-Novos. Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680), S. Paulo, 1976.
na Madeira que o açúcar iniciou uma nova fase de fulgor que animou a economia
atlântica. Os madeirenses podem ser com propriedade definidos como os seus
arautos da expansão atlântica, mas foram os genoveses e venezianos que nos
legaram o mercado. A eles juntam-se os judeus que fugidos da Inquisição
acompanharam o processo de avanço da cultura para o Sul e Ocidente.
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA GERAL:
BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA
2. HISTÓRIA DO AÇÚCAR
BRAGA, Pulo Drumond, "O açúcar da ilha da Madeira e o mosteiro de Guadalupe",
in Islenha, 9, 1991, 43-49
GREENFIELD, Sidney M., «Madeira and the beginings of sugar cane cultivation
and plantation slavery", in Comparative Perspectives on New Worid Plantation
Societies, New York Annals of the New York Academy of Sciences, vol. 292, New
York, 1977, pp. 236-252.
RAU, Virgínia, "The setlement of Madeira and the sugar cane plantation", in A.A..
G. Bijdragen, II, Wageningen, 1 964, 3-12.
RIBEIRO, João Adriano, "A casquinha na rota das navegações do Atlântico norte
nos séculos XVI-XVIII", in III CIHM, Funchal, 1993, pp. 345-352
SOUSA, João José Abreu de, "No ciclo do açúcar", in Islenha, n.° 5 (1989), pp. 51-
59.
"A indústria de conservas na Madeira. Século XV-XIX,,, in Diário de
Noticias, Funchal, 1 de Abril de 1984.