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Introdução
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Vamos então admitir que, ainda que de forma imprecisa, temos um ra-
zoável entendimento do que signicam os termos problema e resolução de
problemas. Vamos xar também, como objetivo de trabalho, estudar formas
de `melhorar o desempenho' em resolução de problemas. Esta é, sem dúvida,
em si mesmo um problema dos mais difíceis! De fato, mesmo o signicado da
frase `melhorar o desempenho' é bastante controverso. Por exemplo, quere-
mos que os alunos saibam aplicar corretamente as técnicas ensinadas? Ou os
queremos capazes de desenvolver estratégias próprias em situações inesper-
adas? A priori, esses dois objetivos podem ser perfeitamente compatíveis,
independentes ou conitantes.
Num certo sentido, a extensão e complexidade do assunto não nos deveria
surpreender. No sentido amplo denido acima, a atividade de resolução de
problemas engloba, virtualmente, quase toda a atividade intelectual humana
(e quiçá não humana). Por outro lado, pelo mesmo motivo, qualquer pro-
gresso na sua compreensão é extremamente importante. Em nossa opinião
o tema é também extraordinariamente estimulante. Em particular, a ativi-
dade de resolução de problemas pode ser muito graticante para todos os
participantes do processo. Esperamos um pouco disso ocorra durante esse
curso.
Um pouco de história
Muito do que será dito nessa seção está baseado no artigo [4], que re-
comendamos fortemente ao leitor.
Ao discutir idéias sobre resolução de problemas, estaremos ingressando
em um dos temas mais caros da losoa: o `pensar sobre o pensamento'. As-
sim sendo, podemos esperar encontrar idéias a respeito em muitas e variadas
fontes. Podemos começar, por exemplo, com os lósofos gregos. Assim, em
Sócrates (na versão de Platão), encontramos a opinião de que o conhecimento
não é adquirido, ele já se encontra presente em todo homem, não no corpo
material, mas em sua alma imortal. Aquilo que denominaríamos resolução de
problemas é então, para Sócrates, mera `recordação'. Para provar esse ponto,
em um de seus famosos diálogos Platão mostra como Sócrates leva, apenas
através de questões, um escravo a descobrir o Teorema de Pitágoras. Como
Sócrates não conta nada, mas `apenas' faz perguntas, ele conclui que o es-
cravo já tinha que possuir o conhecimento, precisava apenas de um estímulo
para lembrá-lo! É claro que, se acreditamos nisso, não há muito o que fazer
na direção de desenvolver a capacidade de resolução de problemas (exceto
talvez aprender a técnica de perguntas de Sócrates, o que não é pouco). Para
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uma visão um pouco mais positiva do assunto, devemos saltar um pouco no
tempo (cerca de 2000 anos) para chegar à época de Descartes (1596-1650).
Como se sabe, além de uma obra losóca fundamental, Descartes produziu
trabalhos importantes também em Matemática (notadamente na área hoje
conhecida como Geometria Analítica).
Para nossos propósitos, o importante em Descartes são suas idéias so-
bre `pensamento produtivo' que tinham um papel importante no seu ambi-
cioso projeto de construção de um método geral de resolução de problemas.
Descartes chegou a escrever dois volumes (o segundo incompleto) do `Rules
for the Direction of the Mind' (dos três planejados), onde procurava ex-
por em detalhes como, seguindo seu método, seria possível resolver qualquer
problema. Sucintamente o processo de resolução consistiria em três fases:
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1. Saturação - você trabalha no problema até ter feito tudo o que podia
com ele.
2. Incubação - você tira o problema do seu consciente e deixa o subcons-
ciente tomar conta dele. Ou seja, você dorme sobre ele. Esta é a parte
fácil.
3. Inspiração - a resposta chega subitamente, sem que você esteja pen-
sando no problema.
4. Vericação - você checa a solução apenas para ter certeza de sua cor-
reção.
Uma experiência gestáltica típica foi descrita por Henry Poincaré em
sua obra `The Foundations of Science'. Ele conta que estava trabalhando
arduamente, e sem sucesso, em um problema (sobre funções Fuchsianas). Ele
então fez deliberadamente uma pausa, para uma excursão geológica. Assim
que tomou o onibus para a excursão, ele teve uma inspiração. O resultado
procurado chegou como um raio, de maneira completa e clara e no mesmo
momento Poincaré teve certeza de ter resolvido o problema. Mais tarde, ele
vericou o resultado calmamente.
Ainda que a descrição Gestaltista da solução de um problema seja muito
interessante, e sua concepção de um problema como um todo organizado
seja bastante relevante como contraposição à atomização então em voga (em
parte devido às idéias de Descartes), seu apelo a noções vagas relacionadas
ao funcionamento da `mente' não é de grande ajuda para um programa de
ação em resolução de problemas.
Uma mudança radical de posição é encontrada na escola behaviorista. Na
versão do psicólogo americano B.F. Skinner, ela propõe, de fato, a completa
exclusão do conceito de mente da teoria do conhecimento. De acordo com
Skinner as noções de mente e mentalismo são, na melhor das hipóteses,
construções inúteis. A proposta de Skinner consiste então em a) determinar
as ações produtivas b) reforçá-las. Apesar da relevância das idéias de Skinner
para, digamos, treinamento de ratos e pombos, elas se revelaram, no mínimo,
insucientes para o ensino em níveis mais elevados.
Em 1945, G. Polya publicou `How to solve it' [3] em que ele procura expor
as linhas gerais de uma teoria de resolução de problemas. Lá ele descreve
a resolução de um problema como consistindo de quatro fases: entender o
problema, formular um plano de ataque, executá-lo e vericá-lo. Ao detal-
har essas fases, Polya lança as bases do que ele chama `heurística moderna'
em que ele dá sugestões e propõe estratégias para auxiliar na resolução de
problemas complexos.
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As sugestões contidas em `How to solve it' são dissecadas mais exten-
sivamente, com uma rica gama de exemplos nos dois volumes de `Mathe-
matics and Plausible Reasoning' [1] e `Patterns of Plausible Inference' [2].
Nesses trabalhos, recheados de exemplos históricos de inventividade e criação
matemática Polya explicita com mais profundidade sua visão pedagógica e
losóca. O seguinte parágrafo, retirado do primeiro dos trabalhos citados
resume sua posição: "Fatos matemáticos são primeiro conjecturados e de-
pois provados, quase toda passagem neste livro objetiva mostrar que este é o
procedimento normal. Se o aprendizado de Matemática tem algo a ver com
a descoberta em Matemática, deve ser dada ao estudante oportunidade para
trabalhar em problemas em que ele primeiro conjecture e então prove fatos
matemáticos de nível apropriado". Voltaremos a Polya e sua heurística mais
tarde.
As idéias de Polya sobre resolução de problemas, ainda que representando
considerável progresso sobre a tradição de trabalho rotineiro vigente em sua
época, podem ser questionadas de vários pontos de vista: elas realmente
funcionam? as pessoas realmente as usam ao resolver problemas? podem ser
ensinadas? Para muitas pessoas trabalhando especicamente no treinamento
de estudantes para a resolução de problemas (por exemplo para competições
como as Olimpíadas de Matemática), as sugestões de Polya são inúteis. A
maneira de melhorar a habilidade na resolução de problemas é ... resolver
problemas! De outro lado, as idéias de Polya foram contestadas por muitos
cientistas trabalhando na área de inteligência articial, que procuravam es-
tratégias para resolução de problemas que pudessem ser implementadas em
um programa de computador.
Assim, por volta da década de 70, o julgamento sobre a heurística de
Polya parecia bastante negro. Entretanto, mais recentemente, as coisas pare-
cem ter melhorado um pouco para sua heurística. Aparentemente, muitas
das idéias de Polya (por exemplo a idéia de examinar casos especiais) es-
tão basicamente corretas, mas não são sucientemente detalhadas. Quando
examinadas mais de perto suas sugestões muitas vezes geram dezenas (ou
mais) de sugestões mais especícas, cada uma delas útil para uma classe
especial de problemas. É claro, então, que o problema passa a ser que forma
especíca a sugestão deve tomar em cada caso para ser útil. Voltaremos a
esse ponto mais tarde.
Por outro lado, mais recentemente, outros aspectos da resolução de pro-
blemas - não considerados por Polya - ocuparam a atenção dos estudiosos.
Por exemplo, estudos comparativos da performance de `bons' e `maus' re-
solvedores de problemas e também análise da resolução de problemas por
computadores revelaram a importância da `metacognição', isto é, do con-
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trole eciente dos nossos próprios processos mentais. Este é, de fato, um
exemplo das possibilidades abertas para o avanço na compreensão dos pro-
cessos mentais, pela interação de dois campos de pesquisas bastante distantes
em princípio: a dos educadores e psicólogos interessados na teoria do apren-
dizado e pesquisadores em inteligência articial (I.A.). Outros exemplos
que apenas citaremos, seriam a importância das `crenças' ou `preconceitos'
(`scripts', `esquemas', no jargão da I.A.), e a adequação de `sistemas de rep-
resentação.
Em uma direção um pouco diferente, outro campo de estudos de enorme
importância potencial, para o nosso tema (entre outros) é a pesquisa em
redes neurais (naturais ou articiais) ao propor possíveis mecanismos físicos
para a aquisição de conhecimentos e habilidades.
Para terminar esses breves comentários históricos, gostariamos de en-
fatizar que muitos estudos apontam a importância fundamental de aspec-
tos `afetivos': motivação, atitudes do professor, qualidade das relações em
sala de aula etc. Em outras palavras, mesmo reconhecendo a importância
e relevância das pesquisas mais `técnicas' e `cientícas' centradas nos aspec-
tos cognitivos da atividade de resolução de problemas, é primordial ter em
mente que estamos tratando de uma atividade humana. Em nossa opinião,
nas situações reais em sala de aula nenhuma quantidade de conhecimento
técnico será suciente para suprir a ausência de sensibilidade e percepção
humanas.
Um problema
Para iniciar nossa discussão sobre resolução de problemas consideremos
um exemplo especíco (um dos meus favoritos).
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F
7
F
O que se tem?
a h b
A B
Um problema auxiliar
apropriado.
F=B-A
a h b
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F
B
A
Como se pode x
calcular isto?
A = a2 x/3
a h b
A B
Analogamente:
x
B = b2(x+h)/3
a h b
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F
B
A
E como se pode
obter isto? x
x/(x+h) = a/b
a h b
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Esta fase é, certamente, a parte mais delicada na resolução de um pro-
blema e, talvez, o ponto mais fraco na argumentação de Polya. O fato
irredutível é que, para resolver um problema, precisamos de uma idéia.
Ainda que determinadas atitudes e procedimentos possam facilitar o seu
surgimento, o mecanismo exato pela qual ela surge (ou não) é ainda um
profundo mistério.
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que úteis, são muitas vezes demasiado gerais para ajudar em problemas es-
pecícos. De fato, quando observadas de perto, as sugestões se dividem em
muitas outras, aplicáveis apenas em classes especiais de problemas. Essas
estratégias mais especícas podem então, em certos casos, desempenhar um
papel mais efetivo na resolução de problemas que estejam no escopo consi-
derado.
Por exemplo, no caso em que o problema contem um parâmetro n é
muitas vezes útil calcular casos especiais e procurar por uma regra ou padrão
indutivo.
Um outro exemplo, examinado por Polya em [1] é denominado por ele
`Padrão dos dois lugares' e trata do problema de construção de construção
de guras com régua em compasso. Nesse caso, Polya sugere a seguinte
estratégia:
2. Divida a condição em duas partes, de tal forma que cada parte, de-
termina um lugar geométrico para o ponto desconhecido, que deve ser
uma circunferência ou uma reta.
Problemas
Problema 3 Dados dois círculos que não se interceptam construir (com
régua e compasso) uma tangente externa a ambos (ver gura 7).
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Figura 7:
P∞
Problema 7 Determine 1
n=1 n(n+1)
Problemas - História
Problemas-história (`word problems') têm sido, tradicionalmente, um
veículo importante para a introdução à resolução de problemas.
Citando Polya mais uma vez: `Espero chocar algumas pessoas ao armar
que a tarefa singular mais importante da instrução matemática na escola se-
cundária é ensinar como escrever equações para resolver problemas-história'
([1] pp. 59).
Como exemplo de um problema-história, não resisto à tentação de citar
aqui uma das façanhas do `Homem que calculava', de Malba Tahan (talvez
o primeiro super-herói matemático!
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enunciados de forma a despertar a curiosidade. Se o leitor me permite um
testemunho pessoal, tive minha curiosidade matemática despertada pelos
problemas de meu avô, que jamais estudou além do curso primário, mas
adorava probleminhas curiosos. Um exemplo, do qual me lembro até hoje é
o problema do menino ladrão de laranjas (problema 9 abaixo).
Outra razão para trabalhar com problemas desse tipo é que eles propor-
cionam talvez a primeira oportunidade de perceber a conexão íntima entre
a Matemática e o `mundo real'. De fato, o trabalho de converter conceitos e
relações entre esses conceitos, da língua materna para a linguagem matemáti,
proporciona uma oportunidade extremamente valiosa de perceber e explici-
tar essa conexão. Essa habilidade pode ser tão, ou mesmo mais valiosa, do
que o aprendizado de conteúdo estritamente matemático.
Uma questão muito discutida nesse contexto é quão `realistas' devem
ser esses problemas. Muitos problemas-história são bastante articiais. Por
exemplo, os dados podem ser irrealistas ou pode não haver uma boa razão
para que determinada quantidade apareça como incógnita. De fato, em
muitos problemas, é difícil imaginar uma situação prática em que alguém
estivesse interessado em calcular a quantidade pedida pelo problema com
os dados apresentados (por exemplo quando se pede para calcular o com-
primento de uma sala, sabendo-se que ela é retangular e o lado maior tem
comprimento igual ao dobro do menor). Em outros ainda, a `incógnita' é,
nas situações concretas, perfeitamente conhecida (por exemplo nos conheci-
dos problemas sobre idades).
Muitos educadores são da opinião que problemas articiais, no sentido
acima, devem ser evitados. Outros consideram esta questão pouco relevante
e entendem que os problemas devem ser avaliados apenas pelo seu interesse
e conteúdo matemático.
Minha posição pessoal nesse assunto é um meio-termo entre essas duas.
Acredito que é benéco, quando possível, apresentar problemas que possam
realmente aparecer na prática (por exemplo o problema 10 abaixo). Eles
podem contribuir no esclarecimento do papel da Matemática e sua intera-
ção com outros ramos da atividade humana. Esta relação mais direta com
problemas reais pode também signicar uma motivação extra. Entretanto,
mesmo problemas extremamente articiais podem ter grande valor educa-
tivo quando forem estimulantes e proporcionarem o trabalho com conceitos
importantes (ver por exemplo o problema 11 abaixo) e assim, acredito que
eles também possam desempenhar um papel importante no ensino.
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Figura 8:
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sentido norte e chega exatamente no ponto de partida. Qual é a cor do urso?
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Referências
[1] POLYA, George. Mathematical Discovery, vols. I e II. Wiley, 1962.
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