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O SOFT POWER E O ENSINO DE LÍNGUA JAPONESA: A

FUNDAÇÃO JAPÃO NO BRASIL

MICHELE EDUARDA BRASIL DE SÁ

Universidade de Brasília
ICC Ala Sul – Sala B1-167/63 – Campus Universitário Darcy Ribeiro – Asa Norte – 70.910-
900 – Brasília – DF – Brasil
michelebrasil@unb.br

Resumo. A Fundação Japão (em japonês, Kokusai Kôryû Kikin, “Fundação de


Intercâmbio Internacional”) foi criada em outubro de 1972, subordinada ao
Ministério das Relações Exteriores do Japão, e transformada em instituição
administrativa independente em 2003. Com sede em Tóquio, possui um escritório
em Quioto e mais 24 escritórios em outros 23 países. No Brasil, o escritório da
Fundação Japão tem sua sede em São Paulo e foi inaugurado em 1975. O
objetivo deste artigo é estudar a atuação da Fundação Japão no Brasil a partir
do conceito de soft power (o “poder brando”), cunhado pelo americano Joseph
Nye. Compara-se a atuação da Fundação no Brasil e na China, país cujas
relações com o Japão são mais antigas e complexas, para verificar algumas
diferenças e semelhanças existentes, demonstrando que um mesmo agente pode
usar de meios diversos para fazer fluir o soft power da maneira que seja mais
eficaz – ou seja, menos perceptível. Argumenta-se, por fim, que a educação
(ensino da língua e da cultura), mais do que a cultura pop, é um meio de se
operar o soft power de maneira efetiva, embora mais demorada.

Palavras-chave. Soft power. Fundação Japão. Diplomacia cultural. Ensino da


língua japonesa.

Abstract. The Japan Foundation (in Japanese, Kokusai Kôryû Kikin,


“International Exchange Foundation”) was created in October 1972,
subordinated to the Ministry of Foreign Affairs of Japan, and transformed in an
independent administrative institution in 2003. Having its head office in Tokyo, it
also has one office in Kyoto and other 4 offices in 23 countries. In Brazil, Japan
Foundation’s Office, in São Paulo, was inaugurated in 1975. The purpose of this
paper is to study the operation of Japan Foundation in Brazil taking Joseph Nye’s
concept of soft power as theoretical basis. We compare Japan Foundation’s
acting in Brazil and in China, a country whose relations with Japan are more
long-standing and complex, in order to verify some existing differences and
similarities, demonstrating that one agent can use diverse means to make the soft
power flow in a more effective way – that is to say, less noticeable. Finally, we
argue that education (language and culture teaching), more than pop culture, is a
way to operate soft power in a more effective way, even though it takes more time.

Keywords: Soft power. Japan Foundation. Cultural diplomacy. Japanese


language teaching.
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INTERFACIS, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, 2018.

1 INTRODUÇÃO

No dia 21 de agosto de 2016, o primeiro ministro japonês Shinzo Abe inflamou as redes
sociais com a sua surpreendente aparição, vestindo o boné do personagem Mario (do
videogame Super Mario Bros.), na cerimônia de encerramento das Olimpíadas 2016 no Rio de
Janeiro. O episódio é um exemplo recente de como o poder político interno e o chamado
“poder brando” (soft power), exercido externamente, andam próximos e de como o Japão, que
renunciou para sempre à guerra e ao uso da força no artigo 9º da Constituição de 1947,
abrindo mão do seu direito de beligerância, encontrou no soft power uma forma sutil de
alcançar alguns de seus objetivos. Um deles, por exemplo, o de propagar uma imagem
positiva e amistosa do Japão perante o mundo, era importante no período de reconstrução
após a Segunda Guerra, sendo-o também hoje, quando o próprio Shinzo Abe e seus aliados
vêm trabalhando para modificar o artigo 9º, diante das ameaças vizinhas, particularmente as
da Coreia do Norte.

Levando-se em consideração que o soft power é exercido de diferentes formas, com diferentes
resultados, dependendo do país ao qual ele é dirigido, como se pode perceber no Brasil a
existência e a efetividade do soft power japonês? Já existem estudos sobre o soft power do
Japão através da propagação de sua cultura pop em vários lugares do mundo, incluindo o
Brasil. Um exemplo desses estudos é a dissertação de mestrado defendida em 2010 por Ploy
Khumthukthit, intitulada A nova diplomacia pública do Japão. Mais recentemente, o livro
Instituto de cultura como instrumento de diplomacia, de Acir Pimenta Madeira Filho,
publicado em 2016, aborda o caso do Japão, ainda que brevemente. Também, Silvio Miyazaki
e Jaqueline Isshiki abordam o soft Power por esse viés em seu artigo “Soft Power como
estratégia de marketing: a manifestação da cultura pop japonesa no Brasil”, publicado no
mesmo ano. Este artigo pretende, no entanto, focar a questão do ensino da língua japonesa
mais do que a questão da difusão da arte e da cultura, muito embora a língua esteja
inegavelmente inferida nesta última.

Este artigo encontra-se estruturado da seguinte maneira: primeiro, será dada atenção ao
conceito de soft power e ao seu contexto no Japão; em seguida, será apresentada a Fundação
Japão, um dos principais agentes de diplomacia pública japonesa, e serão comparadas as suas
trajetórias na China e no Brasil, a fim de exemplificar como um mesmo agente se comporta de
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maneira diferente em contextos históricos, geopolíticos e culturais distintos; e, por fim,


estudando-se as áreas de atividade da Fundação Japão, será defendida a tese segundo a qual a
educação (ensino da língua e da cultura) possui um resultado mais efetivo e duradouro,
embora a longo prazo, que o da simples circulação de produtos de cultura de massa. Aliás, é
de se questionar se a circulação destes produtos representa de fato a presença de soft power. É
possível que a própria política do governo japonês, após a década de 90, tenha partido mais da
demanda apresentada pelos consumidores no mundo do que de uma visão estratégica
propriamente dita, ressalvando o fato de que o governo soube aproveitar esta demanda
(OTMAZGIN, 2012, p. 53).

2 SOFT POWER – O PODER BRANDO

Desde que Joseph Nye criou o termo soft power, muitos trabalhos já foram publicados, tanto
utilizando esse conceito como instrumental teórico quanto criticando-o ou expandindo-o.
Vyas (2008) apresenta algumas fontes que demonstram essa variedade e afirma que “a
exposição original de Nye sobre a ideia não explicou adequadamente uma base teórica para o
soft power”, o que levou a muitas lacunas que vão sendo preenchidas conforme vão surgindo
outras análises1.

O que é, de fato, o soft power – “poder brando”? Joseph Nye apresenta uma resposta a essa
pergunta no prefácio de seu livro Soft Power: the means to success in world politics, edição
de 2004: “é a habilidade de conseguir o que você quer através de atração mais do que de
coerção ou de pagamentos. Ela surge da atratividade da cultura de um país, de seus ideais
políticos e de suas políticas. Quando nossas políticas são vistas como legítimas aos olhos
alheios, então nosso soft power está elevado”.2 O autor o opõe, logicamente, ao hard power, o
poder das armas e da coerção pela força. Há ainda o smart power, que pode ser definido como
a capacidade de articular o uso dos dois anteriores.

1
“While it is true that Nye's original exposition of the idea did not adequately explain a theoretical basis for soft
power, an explanation of the processes behind it can be attempted by using ideas from constructivist theories in
international relations (Hopf 1998) as well as ideas from theories of the effects of international communications
on international affairs (Taylor 1997, Wasburn 1992)”. (VYAS, 2008)
2
“It is the ability to get what you want through attraction rather than coercion or payments. It arises from the
attractiveness of a country's culture, political ideals, and policies. When our policies are seen as legitimate in the
eyes of others, our soft power is enhanced” (NYE, 2004, p. 10).
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Embora o termo soft power tenha sido utilizado por Nye (2004) originalmente em relação à
atuação dos Estados Unidos, esta expressão tornou-se conhecida, estudada e daí aplicada
também no Japão, como em vários outros países (OTMAZGIN, 2012). Fukushima (2006, p.
18) aponta a existência no Japão de duas tendências básicas de pensamento. Na primeira, tem-
se um grupo que considera que o Japão ainda tem muito a desenvolver em se tratando de soft
power, pois, comparado a outros países como China e Índia, que cresceram muito nos últimos
anos, continua economicamente estagnado, situação que poderia ser compensada pelo melhor
uso do soft power. Na segunda, tem-se um grupo que considera que o Japão exerce seu soft
power de maneira ampla e satisfatória – através da difusão de sua culinária, música, mangás e
animes, por exemplo – , indicando-o inclusive como um exemplo neste exercício,
especialmente no contexto da Ásia.

Fukushima (2006), incluindo-se no primeiro grupo, argumenta que o aumento da


popularidade de sushi ou de mangás não necessariamente significa o uso eficiente do soft
power, na medida em que não significa também que os consumidores desses produtos e de
toda a cultura pop japonesa amplamente compreendida serão necessariamente apoiadores do
Japão e de suas políticas. Na verdade, Fukushima (2006) deixa entrever que sua concepção de
soft power, e talvez a concepção que possuem todos aqueles que se coadunam com o primeiro
grupo, esteja baseada mais na efetiva persuasão em prol de interesses domésticos, defendendo
uma maior participação e atuação japonesa nos fóruns internacionais e outros espaços
internacionais de debate.

Fukushima (2006, p. 19-20) levanta cinco razões para esta “apatia”, que estaria levando o
Japão a menosprezar o seu soft power potencial: 1) dependência e expectativa em relação aos
Estados Unidos; 2) preferência tradicional pelo silêncio; 3) propensão a não querer
posicionar-se de maneira diferente dos demais; 4) falha na educação japonesa no que se refere
ao cultivo e aprimoramento da lógica, a argumentação e o debate; 5) subaproveitamento do
estudo de língua inglesa, que é a chave para a comunicação internacional.

Sem perder de vista que o artigo de Fukushima foi publicado em 2006 e que ele exagera
quando diz que o Japão parece estar novamente entrando no período sakoku3, ainda há outras

3
Sakoku jidai, a “era do país fechado”, foi o período compreendido entre os anos 1639 e 1854, com o
fechamento oficial do Japão aos navios estrangeiros e a chegada do Comodoro Perry e seus navios negros à baía
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críticas possíveis às razões por ele levantadas, sem discordar do fato de que não apenas China
e Índia, mas outros países menores, como Singapura, por exemplo, têm se destacado mais que
o Japão nos debates no âmbito da Ásia. A segunda razão e a terceira são características de
cunho cultural, que não se restringem ao Japão. Afinal, não se pode depreender que as
máximas “ouvir antes de falar” ou “silence is golden” pertençam exclusivamente ao modo de
pensar e agir dos japoneses. Além do mais, é preciso cautela ao atribuir características
culturais às participações nos debates internacionais, pois sempre haverá as diferenças
individuais dos líderes e representantes, como também haverá as semelhanças entre grupos
aparentemente contrários. O silêncio, por exemplo, é muito importante para o budismo,
presente e representativo na Índia, na China, na Coreia e no Japão, para citar alguns. Quanto à
quarta e à quinta razões, por sua vez, a crítica feita repousa, em última análise, sobre o sistema
educacional, o que também não é justificativa para a falha na implementação de um efetivo
soft power nos termos que se deseja defender, pois é um argumento generalizante. Ou seja,
ainda que ambas as premissas fossem verdadeiras, rendendo alunos fracos na organização do
raciocínio e da argumentação e pobres na proficiência em língua inglesa, seria impossível não
haver pessoas especializadas, que recebessem treinamento e instrumental adequado para além
da educação comum, capazes de articulação e de atuação na esfera internacional.

É possível aproximar o primeiro grupo (o dos que pensam que o Japão poderia melhorar seu
soft power) ao que o próprio Joseph Nye (2004, p. 6) diz quando escreve que, “em termos de
comportamento, o soft power é o poder que atrai”, o poder de persuasão é indubitavelmente
parte dele, mas não o limita. Soft power é mais que influência, até porque a influência pode
ser verificada objetivamente também no uso da força, do hard power. A questão é mais ampla
e possui muitas circunstâncias intervenientes, bem como são muitas as manifestações deste
“poder brando”. Quanto ao caso do Japão, em breve artigo sobre o soft power na Ásia,
publicado em 2005 no jornal The New York Times, Nye (2005) comenta que o
desenvolvimento econômico do país aumentou o seu soft power e salienta que, dentre todos
os países da Ásia, o Japão possui mais recursos potenciais de soft power. Mais de dez anos
depois da publicação desse artigo, pode-se perceber que a China e a Coreia atualmente vêm

e Edo (atual Tóquio), respectivamente. Durante este período, o Japão ficou oficialmente fechado ao contato com
estrangeiros, embora este contato não tenha sido completamente interrompido, dada a presença de alguns deles
clandestinamente e de outros em situação especial, como os holandeses circunscritos à ilha de Dejima, próxima a
Nagasaki. (FRÉDÉRIC, 2008, p. 222- 996).
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acompanhando a onda, fazendo frente ao Japão no que diz respeito à difusão cultural
especificamente.

Para melhor compreender a situação, é preciso pensar os termos antes de proceder à análise.
Sendo assim, duas perguntas se colocam: 1) que tipo de ações estão contidas no exercício
deste “poder brando”?; 2) como se mede o nível de “brandura” destas ações? A última
pergunta parece mais fácil de responder: quanto menos perceptível o poder exercido, mais
brando ele é. Já a primeira requer uma reflexão um pouco mais elaborada.

Vyas (2008) compara dois exemplos de uso do soft power: um deles é o estabelecimento de
ODAs (Assistência Oficial para o Desenvolvimento) 4. Neste caso, a coerção implicada no
apoio financeiro de um país para outro é mais perceptível e pode de fato influenciar
determinadas decisões, na medida em que esse apoio seja mais importante, ou menos. O
segundo exemplo é a circulação de produtos culturais, da qual a difusão da cultura pop
japonesa é um exemplo bastante ilustrativo. As pessoas consomem filmes, desenhos animados,
histórias em quadrinhos, fantasias para cosplay, jogos e aplicativos, entre outros produtos,
sem se preocuparem a respeito, ou mesmo sem se aperceberem, da influência exercida pelo
país do qual importam esses produtos.

Otmazgin (2008), em seu artigo “Contesting soft power: japanese popular culture in East and
Southeast Asia”, advoga que a difusão da cultura pop japonesa em outros países da Ásia é
mais um caso de moldar os mercados culturais dessas regiões do que propriamente de exercer
alguma influência política local. Para ele, cujo trabalho baseou-se em entrevistas feitas com
sessenta e cinco pessoas engajadas em indústrias de mídia locais de cinco lugares diferentes
(Hong Kong, Cingapura, Xangai, Bangkok e Seul), “a admiração de aspectos contemporâneos
da sociedade e cultura japonesa não é o resultado de uma coerção consciente da parte do
estado, mas é antes cultivada através das escolhas de consumo” (OTMAZGIN, 2008, p. 75),
ou seja, em economias de mercado os governos possuem poder limitado5. Esse soft power

4
O termo Official Development Assistance (ODA) foi criado no contexto da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Japão faz parte desde 1964. Vyas refere-se a esse tipo de
assistência, embora a chame de Overseas Development Assistance.
5
Furthermore, the admiration of contemporary aspects of Japanese society and culture is not the result of
conscientious coercion on the part of the state, but is rather cultivated through consumerist choice. In this context,
governments in market economies can offer fairly limited guidance (OTMAZGIN, 2008, p. 96).
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pode ser considerado inclusive contraproducente, em se pensando na recepção a produtos


norte-americanos, por exemplo, que geram uma sensação de “tentativa de dominação velada”.

Fugindo um pouco da esfera do mercado, voltando-se para a educação, ensino da cultura e da


língua, como meio de exercer o soft power, a dinâmica pode ser bem mais complexa. Essa
questão será tratada em seguida, partindo do trabalho da Fundação Japão, um dos principais
atores de diplomacia pública japonesa.

3 A FUNDAÇÃO JAPÃO: COMPARANDO DUAS REALIDADES

Os antecedentes da Fundação Japão (Kokusai Kôryû Kikin, Fundação de Intercâmbio


Internacional, em português) são brevemente apresentados por Vyas (2008), em 1934 havia
sido criada pelo governo militar uma agência denominada Kokusai Bunka Shinkôkai
(Organização Internacional de Promoção Cultural), cujo objetivo alegado era o de promover a
cultura japonesa e os ideais da chamada Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental
(OTMAZGIN, 2012). Foi, aliás, a primeira instituição não ocidental de intercâmbio cultural
em nível internacional (KUMTHUTHIT, 2010). Já estavam contidas nas atribuições desta
organização a elaboração de materiais de ensino de língua japonesa para os locais ocupados
pelo Japão. Teve suas atividades reduzidas após a guerra, obviamente por conta da difícil
situação econômica pela qual passava o país derrotado, mas ainda assim continuava mantendo
algumas de suas atividades. A criação da Fundação Japão parece ter sido motivada pela
necessidade de incrementar e melhorar as relações entre o Japão e os Estados Unidos
(ZEMANS; KLEINGARTNER, 1999; KATZENSTEIN, 20026 apud VYAS, 2008).

A Fundação Japão foi criada por meio de uma lei de 1972, após discussão e subsequente
aprovação na Dieta, muito tempo depois do fim da guerra e do término da ocupação
estadunidense em território japonês. Inicialmente, subordinada ao Ministério dos Negócios
Exteriores (Ministry of Foreign Affairs – MOFA), passou a contar com um pouco mais de
autonomia a partir de 2003, quando se tornou uma instituição administrativa independente,

6
ZEMANS, J.; KLEINGARTNER, A. (ed.) Comparing Cultural Policy: A Study of Japan and the United
States. London: AltaMira Press, 1999; KATZENSTEIN, P. J. Open regionalism: cultural diplomacy and popular
culture in Europe and Asia. Annual Meeting of the American Political Science Association, 2002. Disponível
em: < http://www.allacademic.com/meta/p65437_index.html > Acesso em: 30 jul. 2008.
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mas encontra-se ainda assim relacionada ao Ministério. Comparada a outras organizações


semelhantes de outros países, como o Goethe Institute (Alemanha) e o British Council (Reino
Unido), por exemplo, não é tão grande, se colocados na balança o número de empregados e o
orçamento anual de cada uma delas. Aliás, a criação da Fundação Japão parece ter seguido os
moldes de organizações similares de outros países (VYAS, 2008). Madeira Filho (2016)
aponta o British Council como seu modelo.

Abordar o trabalho da Fundação Japão em diferentes países e, logo, em diferentes contextos,


requer um estudo muito mais longo e detalhado do que o que se pretende neste artigo. Por esta
razão, limitaremos a pesquisa à atuação da Fundação no Brasil, comparando-a com a sua
atuação na China. A escolha se justifica pelo seguinte: trata-se de um país que possui relações
muito mais antigas e conturbadas com o Japão, além de sua posição geopolítica,
representando um contexto totalmente diferente do brasileiro. Para demonstrar como um
mesmo agente, no caso a Fundação Japão, pode operacionalizar o soft power de formas
diferentes, constituindo um poder mais ou menos brando, em países diferentes, a China parece
um segundo elemento de comparação satisfatória. Outra proposta interessante, mas que não
caberia, no presente trabalho, seria estabelecer uma comparação entre dois países de
background semelhante – como Brasil e Peru, por exemplo, ambos com histórico de
imigração japonesa, na mesma época, ambos na América do Sul etc.

Em julho de 1932, o Japão, através da Mannichi Bunka Kyôkai (Associação Cultural Manchu-
Japão), começou a introduzir a cultura japonesa na Manchúria, em princípio com a
justificativa de erradicar os nocivos costumes do Ocidente, e também propondo, de forma
sutil, ou nem tanto, a superioridade do Império Japonês, o que lhe dava autoridade para
conduzir esse processo de “expurgação” (OTMAZGIN, 2012). O Japão contou com o
trabalho de professores, escritores, músicos, artistas, enfim, de diversas pessoas chamadas de
maneira geral de bunkajin ou agentes de cultura, literalmente “pessoas de cultura”. Contudo, a
supremacia japonesa na Ásia não duraria para sempre, e, depois da derrota do Japão na
Segunda Guerra Mundial, o projeto de difusão da cultura japonesa em nível internacional
ficou profundamente abalado. Antes de qualquer coisa, era preciso reatar relações
diplomáticas com alguns dos vizinhos, e qualquer tentativa de promover a cultura japonesa
não seria vista com bons olhos. Com efeito, logo após o término da ocupação americana no
Japão em 1952, a promoção da cultura, além de se constituir um entrave em vez de um salto,
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não era considerada realmente digna de investimento (OTMAZGIN, 2012). Não se pode
comparar o suporte dado à exportação de produtos manufaturados à exportação de produtos
culturais nem mesmo hoje, e muito menos naquela época.

Com a assinatura do Tratado de Paz e Amizade entre Japão e China em 1978, começaram os
intercâmbios culturais e artísticos entre os dois países, através da Fundação Japão, mas
sempre marcados pela exigência de reciprocidade por parte da China. Isto se deve a
ressentimentos anteriores, mais precisamente à ocupação japonesa na China (1937-1945),
com a presença forçada da cultura japonesa em território chinês (VYAS, 2008). Aliás, esses
ressentimentos ainda no presente dificultam as ações da Fundação Japão como agente de soft
power, especialmente na esfera universitária.

Nos anos 80, porém, houve uma mudança de atitude da China em relação ao Japão, que
passou a ser visto pelos chineses como um “modelo de desenvolvimento”. Logo, a procura
pelo estudo da língua japonesa se intensificou neste período, estabilizando-se durante a
década de 90, quando o Japão, por sua vez, passou por um período de estagnação econômica,
coincidindo com o fato de a China aplicar esforços em buscar outros “modelos”, tendo
experimentado grande progresso em suas reformas e em sua abertura (VYAS, 2008). Foi
justamente a partir dos anos 90 que houve uma mudança na política cultural do Japão
(OTMAZGIN, 2012). Hoje em dia, percebe-se que a China e também a Coreia rivalizam de
certa forma com o Japão a exportação de seus produtos culturais para outros países, já atentas
para o potencial soft power através da difusão da cultura pop. No Brasil, bandas e novelas
coreanas, os populares doramas, têm chamado a atenção dos jovens recentemente, e a língua
chinesa tem sido mais procurada para estudo, especialmente depois do estreitamento de
relações entre Brasil e China e do BRICS.

Quanto à presença da Fundação Japão no Brasil, a situação é bem diferente. O escritório da


Fundação em São Paulo foi inaugurado em 1975, na época em que a política exterior do
Brasil se pautava pelo chamado pragmatismo responsável, sendo uma de suas características a
abertura a novos mercados. Não que o Brasil visse no Japão um novo mercado, pois as
relações entre Brasil e Japão se iniciaram em 1895, com a assinatura em Paris do Tratado de
Amizade, Comércio e Navegação entre o Brasil e o Japão (GARCIA, 2000), mas talvez uma
nova oportunidade de aproximação. O referido Tratado tinha sido o instrumento para o início
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da vinda de imigrantes japoneses para o Brasil. Por causa da imigração, o Brasil é hoje o país
que abriga a maior população de japoneses e descendentes, referidos de forma geral como “a
maior comunidade japonesa”, fora do Japão. Só este fato já demonstra a diferença entre Brasil
e China ao lidar com a presença japonesa. No Brasil, imigrando e, em última análise,
trabalhando; na China, ocupando e dominando. O primeiro navio com imigrantes japoneses, o
Kasato Maru, aportou em Santos em 1908. A história dos imigrantes japoneses no Brasil é
marcada por momentos de sucesso, mas também de perseguição e derrotas, especialmente
durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1942 o Brasil rompeu relações diplomáticas com o
Japão, vindo a restabelecê-las somente em 1952.

Durante a guerra, os imigrantes foram proibidos de conversarem em japonês, de terem e


utilizarem livros escritos em japonês e, por isso, ensinar língua japonesa era uma transgressão,
um crime. É bem verdade que, na época, o ensino de língua japonesa se dava de forma
endógena, praticamente limitado à colônia e aos descendentes. O único curso de língua
japonesa que não foi paralisado foi o de Cotia, mas sem uso de materiais didáticos, com aulas
ao ar livre (MORIWAKI; NAKATA, 2008). Apesar da perseguição dos eugenistas, mesmo
antes da guerra, e dos problemas ocasionados pelos embates entre kachigumi e makegumi7
após ela, os japoneses que se estabeleceram no Brasil e seus descendentes encontraram aqui
um ambiente muito menos hostil do que o da China logo após a derrota do Japão. Além disso,
o Japão é exótico para os brasileiros mais do que para os chineses, e o interesse pelo diferente
pode ser considerado também um elemento importante, no que diz respeito à atração, o que é
fundamental para o soft power. Quando a Fundação Japão começou a atuar no Brasil, o
cenário de hostilidade em relação aos japoneses por causa da guerra já havia sido superado.

Desde 1975, a Fundação Japão tem incrementado suas atividades no Brasil, das quais as mais
visíveis são as referentes ao ensino da língua japonesa e ao intercâmbio intelectual
Observaremos estas atividades um pouco mais de perto na próxima seção.

7
Os kachigumi (literalmente “grupo da vitória”) ou “vitoristas” eram os japoneses que não acreditavam na
derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial; os makegumi (“grupo da derrota”) ou “derrotistas” eram os que a
reconheciam. Sobre estes grupos o jornalista Fernando Morais escreveu o livro “Corações sujos” (2000), que foi
adaptado para o cinema com estreia em agosto de 2012 no Brasil.
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4 LÍNGUA JAPONESA E CULTURA

Joseph Nye (2004) esclarece, e nisso não há divergência, que a cultura pop é um recurso
frequente de soft power, mas sua efetividade depende do contexto, bem como a de qualquer
outro recurso de poder. Embora a presença da cultura pop japonesa seja bem evidente no
contexto brasileiro, ela apenas faz parte de uma das atividades da Fundação Japão no Brasil,
que abrange ainda o ensino da língua japonesa e o intercâmbio intelectual.

Retomando a questão colocada anteriormente, acerca de que tipo de ações estão contidas no
exercício do “poder brando”, apresentando as atividades da Fundação Japão como exemplo,
tem-se que a primeira – intercâmbio artístico e cultural – corresponde a um exercício cujos
resultados são mais aparentes: exposições, apresentações musicais, exibições de filmes e
outras atividades afins. Todas estas iniciativas acabam por representar um apelo ao consumo.
Todavia, em concordância com Fukushima (2008) e Otmazgin (2008), reitera-se que os
consumidores dos produtos japoneses (incluam-se aqui os produtos culturais, no contexto da
Fundação Japão) não necessariamente se tornam apoiadores das políticas japonesas, por
exemplo. Já as outras atividades, de ensino de língua japonesa e de intercâmbio intelectual,
embora não estejam em tanta evidência, possuem resultados mais efetivos a longo prazo, pois
lidam com a formação de opinião de maneira mais abrangente. Os participantes dos
programas de intercâmbio intelectual, por exemplo, são potenciais líderes em seus respectivos
campos de trabalho (BETZLER; AUSTIN, 19978 apud VYAS, 2008).

Língua e cultura japonesa pressupõem uma à outra. Na prática, a Fundação Japão não separa
língua e cultura, mas dá importância à educação, ensino da língua e da cultura, esta última
abarcando história, literatura, religião, antropologia etc., como ferramenta de efeitos mais
duradouros. Embora não se trate de um investimento de curto prazo, seu alcance não deve ser
menosprezado. O ensino da língua exige comprometimento da parte dos alunos, e este
comprometimento dificilmente é verificado quando não há gosto pelo objeto estudado. Deve-
se ter em mente também que o ensino da língua, embora possibilite uma compreensão mais
profunda e contínua da cultura e do pensamento japoneses, não é a única frente: a pesquisa

8
BETZLER, D.; AUSTIN, G. Gulfs in Sino-Japanese relations: an evaluation of Japan's cultural diplomacy
towards China. Journal of East Asian Affairs, v. 11, n. 2, p. 570-613, 1997.
62

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sobre assuntos relacionados ao Japão, denominada genericamente de estudos japoneses, que


verterá seus resultados também no ensino, é incentivada e fomentada.

Segundo Vyas (2008), comparando-se o uso dos recursos da Fundação Japão nos países da
Ásia Oriental e nos países do conjunto Europa-Estados Unidos, nos primeiros a prioridade
está calcada nas atividades de ensino da língua, especialmente em treinamento de professores
e elaboração de materiais didáticos, ao passo que nos segundos os recursos são direcionados
principalmente para organizar e viabilizar atividades culturais. Embora haja esta diferença,
segundo estudo da própria Fundação Japão realizado em 2003, nesses países tem aumentado
gradualmente o número de pessoas estudando a língua japonesa. Tal fato pode ser um indício
de que o soft power esteja sendo utilizado de maneira efetiva pelo investimento na cultura.
Esclareça-se aqui que se fala de atividades de ensino da língua e atividades culturais
realizadas via Fundação Japão, para não dar a impressão de que toda atividade realizada fora
do Japão tem a ver com o exercício do “poder brando”.

Em alguns momentos é difícil separar a cultura pop e o ensino da língua na utilização do soft
power, e um exemplo disso pode ser dado através de um website, criado pela própria
Fundação Japão, o Japanese in Anime & Manga (<http://anime-manga.jp/>). Oferecido em
várias línguas como inglês, espanhol, coreano, chinês e francês, mas ainda não disponível em
português), une o ensino da língua japonesa com anime e mangá e jogos elaborados pela
própria equipe de professores do Instituto de Língua Japonesa da Fundação Japão em Kansai,
Osaka e Japão (KHUMTHUKTHIT, 2010). Segundo um estudo publicado em 2012 pela
própria Fundação, são três as maiores motivações dos alunos para estudar a língua japonesa:
interesse pela língua e pelas suas peculiaridades (62,2%), aquisição da habilidade de se
comunicar em japonês (55,5%) e gosto por anime, mangá e cultura pop japonesa (54%). Daí
vê-se que nem sempre é possível avaliar separadamente a questão do soft power em se
tratando de uma instituição que abarca tanto a questão cultural e artística quanto a do ensino
da língua e o fomento à pesquisa.

Ainda sobre a importância dada às atividades de ensino da língua, ressalte-se a estratégia da


Fundação em treinar professores de língua japonesa nativos do país estrangeiro, diminuindo
gradualmente a necessidade de enviar professores japoneses nativos para todos os países em
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que realiza suas atividades (UMESAO et al. 2002 9 apud VYAS 2008). É fato que cada
professor de língua japonesa é também um agente do soft power japonês, conectando o Japão
e os estudantes. Investir nos professores – ou seja, na educação – multiplicam-se
exponencialmente as possibilidades de conexão. O apoio dado ao ensino da língua,
especialmente após a década de 80 – por meio de programas de intercâmbio e bolsas de
estudo, além de apoio financeiro10 para material didático e equipamentos – é também uma
consequência da política de internacionalização do Japão, desenvolvida na gestão do Primeiro
Ministro Yasuhiro Nakasone (OTMAZGIN, 2012).

A fim de melhor perceber a evolução do ensino da língua japonesa no Brasil, é apresentado


abaixo um quadro comparativo, elaborado após pesquisas realizadas pela própria Fundação
Japão, com informações referentes até o ano de 2017, em publicações de 2015 e 2017.

Tabela 1 – Quadro geral do ensino de língua japonesa na rede oficial de ensino11.

Fonte: Fundação Japão (2015 e 2017).

Os números que se encontram na parte inferior da tabela dizem respeito ao número total de
alunos, considerados também os cursos livres de língua japonesa, geralmente inseridos em
9
UMESAO, T. et al. Kokusai Kōryū Kikin no ayumi. Kokusai Kōryū, n. 97, p. 4-13, 2002.
10
O apoio financeiro no que toca ao material didático não se restringe à verba para aquisição, mas estende-se à
elaboração de livros didáticos, não apenas nas instituições de nível superior, mas também no contexto de cursos
como o do CEL (Centro de Estudos de Línguas) de São Paulo, cujo livro “Kotobana”, em seis volumes, é de seu
uso exclusivo. (SILVA, 2017, p. 21).
11
O total parcial referente aos dados de ensino superior reflete o número real de instituições, professores e
alunos, uma vez que, por exemplo, a mesma instituição pode oferecer graduação, disciplinas optativas, extensão
e curso do programa Idiomas sem Fronteiras, bem como um mesmo professor pode atuar em mais de uma destas
posições etc. (FUNDAÇÃO..., 2015/2017).
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escolas de idiomas dos mais variados portes. O total de 19.913 em 2014 vem com uma
ressalva de que esse resultado, na verdade, diz respeito a uma pesquisa realizada em 2012,
não havendo dados atualizados para 2014. Seja como for, percebe-se o aumento gradativo no
número de alunos, em uma proporção que pode ainda crescer, levando-se em conta que o
número de instituições e de professores também aumentou.

No ensino superior, passou-se de 6 para 8 instituições que oferecem cursos de graduação em


Letras-Japonês. Embora o número de professores dessas instituições acompanhe essa
proporção, o número de alunos desses cursos quase dobrou: de 479 para 867. No total parcial
dos alunos de todo o contexto de ensino superior, de 2006 a 2017 o número também quase
dobrou, de 1633 para 2957.

Quanto à diminuição de disciplinas optativas contadas no ensino superior, ela não deve ser
vista como um indicador tão relevante. Algumas disciplinas foram excluídas depois de
reformas curriculares realizadas no período, nas quais se objetivou simplificar as disciplinas
deixando-as mais abrangentes. O número anterior sequer representa o número de disciplinas
oferecidas, apenas as registradas.

A Fundação Japão coopera com as universidades, uma vez que é no ensino superior que os
professores e pesquisadores de língua, principalmente, literatura e cultura japonesas, são
formados. É oferecido apoio financeiro inclusive para a compra de material bibliográfico e
equipamentos, conforme as demandas e as justificativas, principalmente para os cursos
universitários em seus primeiros anos. Em estados onde não há o curso de Letras-Japonês,
como o Amazonas até 2011, ainda assim as associações de descendentes, que geralmente
abrigam e oferecem cursos de língua japonesa, podem pleitear apoio financeiro da Fundação
Japão. Neste contexto mais amplo, a Fundação Japão envia também professores japoneses
para auxiliar nas atividades docentes e treinar professores brasileiros. Mais recentemente, a
Fundação Japão tem apoiado também a iniciativa do programa Idiomas sem Fronteiras nas
universidades que dele participam, em parceria com o corpo docente e com alunos estagiários,
que, por sua vez, desfrutam da oportunidade de por em em prática aquilo para o que se
preparam nos anos de graduação.
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O livro didático utilizado nas turmas do programa Idiomas sem Fronteiras, o Marugoto, que
tem sido utilizado em vários cursos de língua japonesa dentro da universidade e também fora
dela, foi elaborado com base no JF Standard for Japanese Language Education – Padrão para
o Ensino de Língua Japonesa da Fundação Japão. Este padrão, fruto de estudos e pesquisas
realizados no âmbito da Fundação, com vistas ao ensino da língua japonesa para estudantes
estrangeiros, também deve ser considerado como um braço da sua atuação. Não é nenhuma
novidade, mas o subtítulo do método é justamente Nihon no kotoba to bunka – Língua
japonesa e cultura.

Enfim, ao observar a Tabela 01, fica a impressão de que o incentivo à educação tem crescido
e os resultados podem ser explorados, senão já interpretados, como um potencial recurso para
o exercício de soft power. Para pesquisas posteriores, falta ainda descobrir o conteúdo de
relatórios referentes aos pesquisadores, professores e outros formadores de opinião que
participaram de programas de intercâmbio intelectual da Fundação Japão, a fim de comparar
os dados e tirar outras conclusões. Seria também proveitoso ter acesso a relatórios
semelhantes, mas referentes a contextos de outros países, como China, por exemplo, embora
lá o número de estudantes, professores e instituições seja muito maior, para tentar perceber
não apenas as diferenças históricas e culturais, mas as estratégias e os resultados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos fatores que facilitam a efetividade do soft power em um determinado país é o nível de
envolvimento do próprio governo local nas iniciativas promovidas. Um exemplo mais
evidente disso no Brasil é a ação do Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos
(The Office of the Coordinator of Inter-American Affairs – OCIAA), na propagação do
American way of life no Brasil e em outros países da América Latina, na primeira metade do
século XX, tendo contado “com o apoio de pessoas ligadas diretamente ao governo brasileiro,
entre formadores de opinião, políticos e diplomatas, como foi o caso de Oswaldo Aranha”
(GALDIOLI, 2008). No Brasil, para que o ensino de língua japonesa alcançasse as
instituições públicas de ensino superior, o apoio dessas próprias instituições foi fundamental.
Vale ressaltar que os oito cursos de graduação em Letras-Japonês pertencem a instituições
públicas. Logo, esses cursos são mantidos com recursos públicos, muito embora receba do
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governo japonês apoio financeiro, apoio a eventos e publicações, bolsas de estudos no Japão,
recursos para aquisição de material bibliográfico, através, principalmente, da Fundação Japão.

O ensino da língua japonesa e os estudos japoneses, de maneira geral (entendidos como


atividades formais de pesquisa) no Brasil são exemplo de exercício quase pleno do soft power
japonês. Quase pleno porque não é completamente, mas praticamente imperceptível, o que
traz à memória a constatação de que o poder mais brando é justamente aquele exercido de
maneira mais sutil. O próprio governo brasileiro coopera com o ensino e a pesquisa ao
participar das despesas demandadas pelos cursos, no contexto da educação superior, mas não
apenas nele. Um exemplo recente que pode ser dado é o caso da criação do curso de
graduação em Letras-Japonês da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Criado em
2010, e possibilitado pelo REUNI – Programa de Apoio a Projetos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – do governo federal, o curso é resposta às necessidades
apresentadas pela própria comunidade local, através da Associação Nipo-brasileira da
Amazônia Ocidental e da Associação Koutaku do Amazonas, apoiadas por sua vez pelo
Consulado Geral do Japão em Manaus12. Os alunos formados pelo curso já estão atendendo à
demanda gerada pela criação em 2016 da primeira escola pública bilíngue português-japonês
do Amazonas, a Escola Estadual de Tempo Integral Djalma da Cunha Batista, na modalidade
ensino fundamental do 6º ao 9º ano.

No Brasil, como em outros países, o termo kôryû, que significa intercâmbio, presente no
nome da Fundação em japonês (Kokusai Kôryû Kikin), não foi traduzido. Não obstante, é com
termos como este que a Fundação Japão apresenta suas atividades: intercâmbio, “cooperação”,
interação, entendimento, diálogo. Em todos eles fica subentendida uma relação, um fluxo, não
a mera transmissão unilateral de informações e cultura. No website do Instituto de Língua
Japonesa da Fundação Japão em Kansai, o lema que aparece é “Abrir, conectar e criar: vamos
abrir as portas para a língua e a cultura japonesa, conectar o mundo ao Japão e criar uma
comunidade calorosa”. 13 De portas abertas, a Fundação faz o convite e cada vez mais
brasileiros se conectam e novas redes se formam, quase imperceptivelmente.

12
Como fatores que propiciaram a criação do curso, podem ser citadas a importância da história da imigração
japonesa no estado do Amazonas, o grande número de nipodescendentes no estado e a demanda por professores
de língua japonesa e de falantes da língua para suprir as empresas japonesas do Pólo Industrial de Manaus. Mais
informações sobre o curso podem ser encontradas em <http://linguajaponesa.ufam.edu.br/>.
13
Open, connect, and create: we will Open the door to Japanese language and culture, Connect the world to
Japan, and Create a warmhearted community.
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