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CREDO SOCIOLOGICUS opus 2019/2

Lemuel Guerra

1 . A sociologia é inseparável de um certo mal estar com a época, de um Gegenzeitgeist,


mas também de certo preparo/treinamento/aparelhamento para jogar/viver no olho do
furacão do presente. Ela não é uma potência, como são as religiões, as escolas, o
capitalismo,a ciência, o Direito, as mídias. Suas batalhas são interiores e, como todas as
batalhas, risíveis (positivismo X dialética; construcionismo X realismo, teoria X empiria
etc). Na medida em que não é uma potência, a sociologia não pode lutar contra as
potências, mas pode guerrear sem batalhas, pode fazer guerras de guerrilha. Não pode
dizer-lhes nada, não pode lhes falar. No máximo mantém, atravessando-nos, cada um
que assim deseja, conversações e guerrilhas. É em cada um, habitado pela sociologia e
habitando a sociologia, que acontecem conversações e guerrilhas: nele, consigo mesmo.

2 . A sociologia não respeita nem pai nem mãe. Entra botando pra lascar, sem pedir
licença, nem piedade, complacência! Quando ela circula em nossas veias, aprendemos
que não temos que esperar ler isto ou aquilo, e aquilo sobre isto, e isto sobre aquilo para
nos atrever a falar em nossos nomes. Nossa relação com autores, teorias, discursos
autorizados, com dogmas, é de assalto, como alguém que invade, que ocupa, que entra e
sai sem permissão, que rouba o beijo, o sexo, o prazer, sem respeito sacralizante, sem
prestar continências, nem seguir scripts. Tudo bem que eles falem pelas nossas bocas de
sociólogos, mas o que lhes fazemos dizer tem algo de monstruoso, porque envolve a
força do fluxo e agenciamento deles, mas potencializa também descentramentos,
deslizes, deformações, usos imprevistos, gagueiras, trocas de fluxos discursivos, que são
apenas fluxos, sem primazia sobre outros fluxos como os de merda, sangue, esperma,
saliva, suor, medos, correntes políticas, ação e contra-ação, de subjetivação, de trabalho
de suspensão de si e do naturalizado, ao sabor da corrente e da contracorrente.

3 . A sociologia permite um gozo em certa medida perverso: o gosto de todo ser dizer as
coisas que quer dizer em nome próprio: não como um sujeito, um eu, uma pessoa que
fala respeitosamente em seu nome, mas quando, através de um rigorosíssimo exercício,
nos despersonalizamos, nos abrimos de ponta a ponta para sermos atravessados pelas
multiplicidades e intensidades que nos percorrem. É quando aprendemos a falar do
fundo do que não sabemos, de dentro da nossa ignorância desejante, interessada, armada
com uma atenção dificultada, como aquela exigida dos que habitam pântanos e se
acostumam com nenhum chão firme nunca. Quando nos tornamos uma legião, um
conjunto de singularidades soltas, de nomes, sangue, unhas, respiração dos pequenos
acontecimentos, de estrias do magma dos fenômenos é que somos mesmo sociólogos.
Quando somos atravessados, enrabados de assalto por um estilo, um jeito, um modo de
olhar e ser as coisas que queremos ver e entender.

4 . Não tenhamos ilusões: o peso e palidez da linguagem universitária, carregamos


como um cadáver inescapável. Mas nos sacudimos, nos mexemos, seguimos linhas de
fuga, saímos e voltamos para a corda bamba, nossa casa inabitável – para a instabilidade
do fluxo, do pântano, do corpo sem órgãos, da linguagem acesa que fica tão mais
hermética, quanto mais cultos e lidos são os que nos ouvem ou leem. A ideia é aprender
a escrever e fazer sociologia para os que deixam de lado o que não entendem sem
preocupação, abrindo-se para um não entendimento que não envergonha, não atrapalha.
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O que ouvimos ou lemos não será entendido a partir de um livro ou discurso que já
lemos ou ouvimos, como se tudo fosse igual às bonecas russas, uma contendo a outra.

5 . O lance agora é considerar os discursos que produzimos e com que nos deparamos
em termos do que funciona ou do que não funciona; do como funcionam para mim,
para você, para outros. Se não funcionam, passemos para outra coisa. Nosso encontro
com os discursos escritos, lidos, desenhados, tocados, mostrados, nossa produção de
comentários, descrições, associações, todo nosso exercício da sociologia é regido pela
intensidade, ao modo das correntes elétricas: passa ou não passa. Trata-se menos de
explicar, compreender, interpretar e mais de sentir, de se deixar atravessar, de se
permitir afetar. Todo discurso será colocado imediatamente com o fora dele, algo como
uma engrenagem menor contida em engrenagens maiores e mais complexas, a serem
entendidas nelas e contra elas. Em que medida os nossos discursos serão compreendidos
e compreendemos os dos outros depende das correntes que ativamos e que são em nós
ativadas, da funcionalidade delas para nós próprios e para os outros.

6 . Trata-se de adotar o registro da intensidade, da clandestinidade, da relação com o


fora, da experimentação, dos reflexos dos nanoacontecimentos e megamovimentos em
grupos, indivíduos, cursos de fenômenos, maquinações que incluem o humano e o não-
humano, sem concessão alguma, exceto a de encontrar aliados que queiramos e que nos
queiram.

7. No exercício da sociologia não importam os títulos autorizativos para a produção de


discursos: é quase como falar de algo como se fôssemos um cão com olhos e olfatos
reveladores, sem respeito ao realismo raso dos que exigem que alguém seja drogado,
para falar sobre drogas, que tenha visitado a Austrália, para falar sobre os cangurus.
Para quem faz sociologia não funciona o argumento do loteamento da experiência, a
reserva de domínio do real, do experimentado, nossas leituras dos autores e dos
fenômenos são corsárias, com base na pirataria e na apropriação, as quais quanto mais
imprevistas e escandalosas, mais valiosas.

8. A aposta da sociologia não é na ontologia dos fenômenos, dos grupos, das


identidades, das instituições, mas nas relações transversais em que esses e outros traços
e efeitos da vida social são produzidos, sem se preocupar em estabelecer com certeza
que se pretende científica o ser e o estar no mundo – nenhuma bicha, nenhum hétero,
nenhum professor, aluno, ou qualquer coisa em que pensemos e pelo que nos
definamos, poderá dizer com certeza: eu sou uma bicha, eu sou hétero/homem, eu sou
hétero/mulher, eu sou hetero/homo-transX/Y/Z, eu sou professor, eu sou aluno etc.
Mobilizamos jogos de linguagem em cujo âmbito e a partir dos quais pinçamos
conceitos, categorias, com as quais antes de querer oferecer fórmulas explicadoras aos
moldes das ciências duras, construímos interpretações de subterrâneos e mecanismos
invisíveis em atuação no estilo figuracional (metonímico, metafórico). A sociologia
opera em um regime do incerto, dos improváveis, do devir universal, pensando como os
grupos, indivíduos, instituições, nações, descobrem, simbolizam, definem os vários, as
populações, as espécies, os materiais, sentimentos, símbolos, discursos, práticas
diversos que os habitam e atravessam.

9. A análise sociológica de discursos, de fenômenos sociais, define-se como a produção


profissional de dissonâncias desestabilizadoras das harmonias pretendidas pelos
conjuntos de atores mobilizados para a produção da vida social. Essas dissonâncias se
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produzem quando o sociólogo recua da posição lhe outorgada biograficamente, pela sua
inserção em sistemas de socialização e moldagem de si, no fora e dentro da sua própria
formação de sociólogo, ativando os modos antirreduplicação, antinaturalização do seu
lugar e do lugar dos outros sociais, introduzindo uma espécie de ‘desafinação no coro’,
algo a ser evitado pelos que se interessam em apagar os vestígios dos golpes e
contragolpes, com o objetivo escroto de manter a aparente inescapabilidade das coisas
socioculturais, pela proteção das forças com que se exercem as correntes sociogênicas
que nos arrastam, poderosas.
10. A sociologia se coloca diante de discursos, de fenômenos sociais de quaisquer das
ordens, transcendendo o objetivo de registro, da mera descrição, da apresentação neutra
dos fatos; através das chaves analíticas da sociologia executamos tarefas definidas pelo
olhar sociológico – recortar, questionar, focalizar de modo suspeitativo, suspendendo e
nos esforçando para iluminar os agenciamentos de subjetividades, os silêncios, as
metáforas, as encenações, a eloquência e plausibilidade dos discursos, dos cursos de
ação performatizados, instaurando uma certa capacidade e perspicácia irônicas e
iconoclastas, exercitando, ao modo de um psicanalista ou detetive do social, uma
atenção difícil ao que se lhe apresenta como a realidade dos fatos, a arrumação
convincente das aparências e essências intervinculadas, praticando a análise dos
raccords, das continuidades e descontinuidades e seus paradoxos.
11. O/a sociólogo/a faz seu trabalho de revolver os jogos de tensões, as tensões dos
jogos, montando, através de sua paixão antidocumental, aquela que desconfia de sua
potência de ‘registro do verdadeiro’, maquinações antimaquínicas, assumidas em seu
caráter pluriperspectivístico, parcial, contaminado, resultante do deixar-se
atravessamento pela legião de autores, de sujeitos que falam pela sua boca e são por
ele/ela falados, gaguejados, silenciados, distorcidos, empoderados, desentendidos,
estendidos, traídos, usados, parafraseados, negados, atravessados – os léxicos em cujos
fluxos e contrafluxos somos forjados, constroem-nos como falantes, constroem nossos
lugares de fala e não o contrário.

12. Depois que passa pelas mãos, pelos olhos, pelo nariz, pelo desejo do sociólogo, tudo
parece seu. Depois que passa pelas suas mãos, olhos, desejo, nariz, nada parece seu! A
tarefa do sociólogo: dar aos fenômenos uma voz, uma imagem, uma fantasmagoria
elaborada, sem medo de perdê-los, traí-los! Ao contrário, só interessa ao sociólogo o
que teve força, caráter, para se perder dele. O sociólogo não trancafia afetos, cheiros,
memórias, paisagens, funcionamentos, fluxos e contrafluxos, imagens que ele criou. O
sociólogo é parteiro desanestesiador do mundo que o marca e que é por ele ousadamente
reconstruído.

13. A análise sociológica nunca é um simples resultado da aplicação de modelos


teóricos que se conhecem a si mesmos com toda a clareza. A interpretação sociológica
de um fenômeno é menos construída a partir de teorias, conceitos, categorias externas a
ele do e mais o resultado do encontro sistemático com o funcionamento insólito de
mecanismos objetivos que afetam modos de agir, de sentir, jogos de linguagens e
subjetividades narrativas interproducentes dos sujeitos em suas interações, cenários em
que atuam e fluxos e contrafluxos ativados.

14. O olhar/o ouvir/o sentir/o imaginar/o adivinhar sociológico serão tão mais
interessantes e flamejantes quanto mais capazes de perceber modulações, consonâncias,
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dissonâncias, cadências, pausas, silêncios, vagarosidades, acelerações, variações nas


espessuras fenomênicas e epifenomênicas, o contraponto espesso dos sentidos e dos
não-sentidos da complexa rede de acontecimentos que formam a vida social, oferecendo
para os indivíduos interessados modos de tradução do que vivem e deixam de viver, aos
quais eles eventualmente sejam indiferentes ou mesmo resistentes.

15. A sociologia tem como objetivo compreender/interpretar/explicar os sentidos das


ações sociais, mas ainda mais os não-sentidos observados no nível dos fenômenos e no
nível dos epifenômenos – o não senso na profundidade e o não senso na superfície.
Superfície e profundidade têm não-sentidos diferentes: os da superfície se oferecem
como cintilâncias dos não-sentidos dos ‘acontecimentos puros’, esses que nunca
terminam de chegar nem de se retirar. Os não-sentidos dos ‘acontecimentos puros’, ao
modos de vapores magmáticos, sopram sobre as superfícies seus sinais, oferecendo-se
apenas de modo oblíquo, ao modo da luz que, à medida que tem suas partículas ou
ondas alteradas, revela a existência, a densidade, a extensão dos corpos celestes, suas
forças de atratividade e repulsão, seus modos de existência nos pontos das malhas do
universo considerado.

16. A interpretação sociológica não apela a um a priori teórico/lógico. Ela emerge de


uma ação oblíqua e em aprendizados frequentemente baseados na ‘alteração’ dos
fenômenos a serem explicados bem como dos seus intérpretes. Ela é forjada através de
uma atuação não claramente raciocinada/intencionada, na qual os analistas são sujeitos e
objetos simultaneamente. Trata-se de uma abordagem que implica uma atenção
especializada à linguagem indireta e às vozes dos silêncios dos (epi)fenômenos
socioculturais focalizados.

17. Nos que fazem sociologia, o pensamento/razão e as emoções não dirigem ‘de fora’ a
interpretação exercitada: sociólogos são eles mesmos os fenômenos a serem analisados,
eles sujeitos se constroem à medida que reconstroem os seus objetos, criando meios de
expressão, idiomas analíticos que se moldam de acordo com sentidos e não-sentidos
fenomênicos e epifenomênicos, tomados como pontos a serem iluminados, dobrados,
redobrados.

18. Toda análise sociológica é também uma fonte de recriação dos instrumentos teórico-
metodológicos através dos quais se exercita, os quais passam a ser manejados segundo
sintaxes novas, despertadas pelas relações sujeito-objeto ativadas. O senso comum
limita-se a abordar por signos convencionais as significações dos fenômenos já
instaladas na sociedade/cultura. A sociologia é a arte de captar sentidos e não-sentidos
não dantes objetivados, tornando-os acessíveis aos sujeitos que os
ativam/experimentam, como se fosse a produção em prosa de uma poética das relações
humanas – em suas implicações com o não-humano – através da qual emerge o apelo
arriscado de liberdades e aprisionamentos particulares a conjuntos de outras liberdades e
aprisionamentos – referidos a outras espacialidades e temporalidades – em cuja
presença o ‘a ser explicado/descrito/interpretado’ é colocado.

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