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Um monumento para o centenário: a glória dos anônimos

Por Fernando Vojniak

Jornal Voz do Oeste – Chapecó – Quinta Feira, 8 de Junho de 2017

Já é de amplo conhecimento que a prefeitura municipal de Chapecó propôs a


criação de um monumento para a comemoração do centenário de fundação do
Município. Propõe-se a elaboração de três estátuas em bronze representando três
personagens considerados importantes na história da região: um empresário fundador de
frigorífico, um empresário da colonização e um agricultor fundador da maior
cooperativa da região, uma das maiores do Brasil. O projeto foi devidamente
encomendado a um artista reconhecido e, ao seguir para a câmara, fora fortemente
criticado, especialmente pela oposição. Assim que a decisão de seguir com o projeto se
tornou pública, imediatamente gerou polêmica, especialmente nas redes sociais.

Os internautas e a população em geral reclamam de que é muito dinheiro para


uma iniciativa como essa, quando temos, no município, falta de remédio, escolas
necessitando de reformas e estradas esburacadas. As reclamações são inúmeras nesse
quesito da distribuição de recursos. Há também aqueles que contestam a escolha das
personagens que são descritas por esses críticos como representantes da velha oligarquia
coronelista e, ademais, já foram diversas vezes homenageados, tendo seus nomes
associados a praças, ruas e avenidas e seus bustos de bronze espalhados nos espaços
públicos. Outros, ainda, sugerem que o homenageado deveria ser o índio, o caboclo, o
migrante, o pequeno agricultor ou o cooperado, esses, expropriados da terra pelo
processo colonizador ou em razão de diversas crises financeiras ou climáticas que faz
engrossar os movimentos sem terra, sem teto, sem futuro.

Considerando isso, algumas questões se impõem: primeiramente, é preciso saber


se queremos comemorar com um monumento. Não acredito que seja simplesmente uma
questão de aplicação de recursos. Um município pujante como Chapecó tem que ter
recursos para garantir a saúde da população, reformar suas vias e também investir em
cultura, em arte, em história. Se não tiver condições de garantir esse mínimo, então é
como dizem por aqui: fecha a bodega! Não acho que o valor seja muito alto se
quisermos explorar as potencialidades de um monumento como investimento no
desenvolvimento da arte e da avaliação crítica de nosso passado. A arte é tão importante
para a educação e a qualidade de vida, quanto uma escola, uma arena esportiva ou um
aeroporto moderno.

Devemos escolher outras personagens? Questão difícil. Penso que esse não é o
melhor caminho. Não adianta substituir um herói por outro. Acredito que devemos
abandonar de uma vez por todas a visão positivista da história que elege apenas aqueles
homens ilustres e seus feitos notáveis como os verdadeiros sujeitos e fatos dignos de
rememoração. Ora, não há critério para se eleger um fato ou um sujeito privilegiado.
Como estabelecê-lo? Por testemunhas? Por documentos oficiais? Sabemos que as mais
honestas testemunhas se enganam e que os documentos oficiais também mentem. Para
escrever em minúcias um dia na vida de seu personagem Tristam Shandy, o escritor
irlandês Laurence Sterne precisou de um ano inteiro para realizar o trabalho e a
descrição preencheu um enorme volume. Isto é, diante do incrível acúmulo de fatos e
personagens no decorrer dos tempos, qualquer critério de escolha é injusto. Depois da
literatura do século XIX e do cinema do começo do século XX terem alçado pessoas
anônimas e situações cotidianas ao templo da arte, os historiadores também passaram a
produzir uma história que já não busca apenas os heróis ilustres e os grandes atos
administrativos como objetos de estudo. As mulheres, os índios, os operários, as
minorias étnicas têm sido reivindicadas no panteão dos sujeitos da história e a vida
privada, os hábitos culturais, as sociabilidades cotidianas agora dividem espaço com os
fatos políticos. Assim, colocar uma estátua de um índio ou um caboclo no lugar do “trio
fundador”, não resolve o problema. Não tenho dúvida de que o leitor deve imaginar que
cada um de nós, cada cidadão chapecoense pode acreditar que mereça uma homenagem,
por mais singela que seja. Cada um de nós sabe o quão heróica foi ou é a vida de um
trabalhador nos frigoríficos da região ou de um pequeno agricultor ou cooperado.
Portanto, eleger uma personagem, uma cultura, é deixar todas as outras de fora.

O prefeito Luciano Buligon declarou que não fora ele que escolheu as
personagens, mas sim a história. Ora vejam só, temos aqui um prefeito muito
qualificado para tirar o corpo fora, mas pelo visto, conhece muito pouco a história do
município que governa. Ao contrário do que diz o prefeito, os historiadores regionais
produziram uma história profundamente crítica dos modelos tradicionais e dos
historiadores amadores que predominaram até pouco tempo atrás, os quais sequer
consideraram os povos nativos, inclusive os pré-históricos. Há muito tempo que se
produz, da graduação à pós-graduação, uma história crítica do passado da região que
hoje é problematizado a partir de outros ângulos. Também o cotidiano, o vulgar, o
anônimo, o incógnito, tornaram-se objetos dos estudos históricos contemporâneos. Já
não se pratica uma história laudatória e seletiva

Finalmente, eu não pretendo dizer que se deva ou não erigir um monumento


artístico em comemoração ao centenário, mas entendo que a população tem o direito de
comemorar, apesar das injustiças que a história regional não se cansa de nos mostrar.
Todos temos a consciência de nossa parcela de contribuição. Se a comemoração do
Centenário de Chapecó significar a glória de cada cidadão chapecoense, passados e
presentes, significar a glória dos anônimos, então terá meu apoio.

Sugiro que os proponentes do projeto repensem este investimento nessa


comemoração. Que tal um amplo debate democrático sobre como eleger um objeto
artístico representativo do sentimento de participação coletiva na história, de
responsabilidade com uma memória crítica e de desejo de construção fraternal do
futuro? Por que não realizar um concurso artístico amplo e irrestrito? Não precisa ser
direcionado apenas aos artistas locais. Não vejo problema em investir-se alto e bem em
arte, investir em grandes artistas. Temos o direito de proporcionar a convivência com
obras de arte que tenham a capacidade de nos surpreender. Isso não quer dizer que
eventualmente um artista local não possa nos surpreender. Tanto melhor se for assim.
Apenas precisamos lembrar que é preciso investir em educação, arte, cultura e história
com responsabilidade e participação democrática. A verdade é que para muitos de
nossos gestores, parece que esses cem anos não se passaram, parece que muitos
políticos ainda vivem no começo do século passado.

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