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BORD, Jean-Paul. Graphique. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT Michel (Org.).


Dictionnaire de la Géographie et de l´espace des sociétés. Paris: Belin, 2003. p.
428-429. Tradução de trabalho de Fernanda Padovesi Fonseca e Jaime Tadeu Oliva

Gráfica
Conjunto de linguagens gráficas não-verbais e não-seqüenciais de pretensão
cognitiva, que produz figuras. Especialmente: linguagens que permitem representar os
espaços por objetos analogicamente espaciais, entre os quais a carta.

A gráfica se define como a „parte racional do mundo das imagens‟ (Bertin, 1967).
A gráfica se fez conhecer por meio de algumas obras... O nome (a gráfica) assim como
o adjetivo (representação gráfica, construção gráfica) ou o sufixo – gráfica (que serve
para formar os adjetivos – topográfico, geográfico) viram seus sentidos ser
multiplicados mesmo se restringirmos o uso do termo para o domínio das
representações. Nascido de graphein („eu escrevo‟), a palavra „gráfica‟, empregada
como nome feminino, designa uma disciplina que engloba tudo o que se exprime com a
ajuda de uma figura (curvas, redes, diagramas, cartas) e que faz apelo à linguagem
visual. Ela é um instrumento de tratamento de informação que utiliza a percepção
visual e o raciocínio lógico para comunicar. No final do século XIX, alguns teóricos
(Cheysson, Levasseur, Vauthier, etc) estabeleceram suas premissas. Assim, para
Cheysson (1880), a gráfica, língua universal, fala a todos com rapidez e exatidão: „os
procedimentos gráficos, unidos por vezes à noção de geografia, permitem não somente
abarcar com um só golpe de olho uma série de fenômenos, mais ainda, assinalar as
relações ou as analogias, encontrar as causas, desobrigar a lei.‟ (citado por Palsky,
1996, p. 249). No entanto, será preciso esperar quase um século para que Jacques
Bertin e sua equipe estabelecessem as regras e as leis do sistema de signos que
permitem construir uma imagem para ver, um desenho útil que dê uma resposta rápida
às questões que o leitor se põe. „Utilizar da melhor maneira possível essa potência
considerável da visão, num quadro de raciocínio lógico, tal é o objeto da gráfica, nível
monossêmico da percepção visual.‟ (Bertin, 1967). Esse sistema de percepção que se
endereça ao olhar dispõe de três variáveis sensíveis: a variação das manchas e as
duas dimensões do plano. As relações entre as três variáveis implicam, a fim de que a
mensagem passe no instante mínimo da visão, na abordagem que segue:

1. A análise da informação;
2

2. A escolha das implantações e das características do plano de duas dimensões; as


implantações são de três tipos: pontual, linear e zonal e podem exprimir uma
informação diferencial ou de caráter ordenado;

3. Enfim, a visualização dessas informações com a ajuda de seis variáveis visuais (ou
retinianas) que são, para as informações diferenciais ou de separação, a forma, a
orientação, a granulação e a cor e, para as informações ordenadas, o valor e o
tamanho.

Esse conjunto que constitui os meios do sistema gráfico está sujeito ao conjunto
de regras da semiologia gráfica (Bertin, 1967).

Se „a obra de Bertin pode ser legitimamente considerada como uma ruptura


epistemológica na figuração racional, em particular na cartografia‟ (Grataloup, 1996), a
reflexão, ulteriormente aos trabalhos de Bertin, „entrou em letargia‟, adormeceu. Com o
desenvolvimento da informática, com a utilização mais e mais forte da cor (pouco
estudada por Bertin), outras pesquisas se tornam, portanto, necessárias. A expressão
„semiologia infográfica‟ (Muller & Laurini, 1997) poderia recobrir o conjunto de métodos
e técnicas permitindo apresentar de maneira inteligível uma mensagem sobre a tela.
Entretanto, não será preciso retornar aos primeiros trabalhos da semiologia gráfica,
para empreender essas pesquisas.

Com efeito, se essas regras trouxeram uma visualização mais correta da


informação, elas foram também, paradoxalmente, um freio para a reflexão conceitual
que a disciplina deveria ter tido. O efeito de verdade que subentende essa construção
tem a tendência de fazer esquecer que toda imagem não é neutra e que resta uma
interpretação a qual depende em primeiro lugar das escolhas de informação.

Também é preciso tomar a gráfica como um canal, certamente importante, mas


com a condição que ela seja inserida num processo de realização mais vasto.

Nesse processo, a gráfica ocupa um lugar central (no sentido primeiro do termo)
entre, a montante, a problemática necessária a toda pesquisa e, a abaixo, a explicação
e a interpretação que estão freqüentemente de par com a força do texto escrito e do
discurso, formas que tem mais impacto junto ao público. O texto vem, com efeito, não
somente explicitar a mensagem fornecida pela imagem, mais igualmente vai bem
freqüentemente além propondo outras chaves de leitura mais finas e diversificadas,
situação em que a imagem sozinha não pode dar conta.
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LÉVY, Jacques. Euclidien (Espace). In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT, Michel (Org.).
Dictionnaire de la Géographie et de l’espace des sociétés. Paris: Belin, 2003. p. 351.
Tradução de trabalho de Fernanda Padovesi Fonseca e Jaime Tadeu Oliva

Euclidiano (Espaço)
Numa definição restrita, o espaço euclidiano é aquele construído segundo uma
métrica euclidiana, tendo como referência a geometria concebida pelo grego da Sicília
Euclides (450-380 a.C). Esse espaço supõe a continuidade (nada de lacuna) e a
contigüidade (nada de ruptura), mas também a uniformidade (métrica constante em
todo ponto). É um caso particular do que em matemática denomina-se como “espaço
métrico”.

O espaço euclidiano é portanto territorial e não serve para pensar as métricas


próprias às redes. Ele é isótropo (as características de um ponto não dependem da
posição), não admitindo mudança de passo na medida da distância. Ora, pode-se
conceber espaços territoriais (contínuos e contíguos) não uniformes, se são associados
à determinação da distância entre dois pontos dos gradientes, formalizados, por
exemplo, como valores numéricos dados, como coeficientes ou como expoentes.
{pensando no espaço social os coeficientes de acessibilidade – de circulação – em
cada ponto do espaço mostram que não há uniformidade nesse espaço}. Uma carta
com projeção conforme, que se apresenta portanto com uma escala de comprimentos
variáveis, fornece um exemplo banal dessa não-uniformidade. O espaço de um
pedestre podendo circular em todas as direções, porém confrontado às variações das
declividades, funciona a velocidades horizontais variáveis – outro caso de métrica
territorial não uniforme.

Numa acepção mais ampla, pode-se denominar paradigma euclidiano a


concepção que consiste a não imaginar outro espaço que não seja o euclidiano,
recusando notadamente o recurso às métricas topológicas. Tal postura foi dominante
na geografia tradicional, e ela permanece em cartografia.
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CASTI, Emanuela. Cartographie. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT Michel (Org.).


Dictionnaire de la Géographie et de l´espace des sociétés. Paris: Belin, 2003. p.
134-135. Tradução de trabalho de Fernanda Padovesi Fonseca e Jaime Oliva

Cartografia
“‟Cartografia‟ é um neologismo nascido no fim do século XIX para designar a
ciência que estuda e realiza as cartas geográficas. Com o passar do tempo, outras
significações emergiram e a cartografia também se tornou:

 Uma teoria de ações cognitivas e de tecnologias pelas quais o homem reduz a


complexidade de todo o meio e se apropria intelectualmente do mundo.

 O corpus de inumeráveis documentos que possuem qualidades comuns (enquanto


eles constituem imagens reduzidas do Mundo projetadas sobre um plano com a
ajuda de uma linguagem codificada simbolicamente), mas de formas muito
diferentes (do mapa mundo às cartas rodoviárias, das topográficas às temáticas, do
mapa autônomo aos Atlas etc.)

A imprecisão e a multiplicidade de significações revelam a maneira ambígua e


sincrética com a qual se utiliza esse termo, o que pode ter limitado, indevidamente, o
significado elementar de „carta geográfica‟, do qual ele deriva. Define-se correntemente
a carta como uma „imagem plana da Terra ou de uma de suas regiões.‟ Há nessa
definição uma complicação que vem do deslocamento efetuado por tal enunciado a
partir do que é a carta, enquanto objeto técnico, até o que ela representa. Essa
definição em círculo, que remete ao conteúdo para explicar o objeto e ao objeto para
ilustrar o conteúdo, dissimula a natureza problemática da carta (e de sua produção),
que vem do fato que ela constitui um enunciado lingüístico fortemente sofisticado. Os
estudos mais recentes integraram essa dimensão e mostraram que a carta,
considerada como uma verdadeira linguagem, resultante de um „fazer‟ específico (um e
outro inseparáveis), é uma mediação simbólica poderosa, capaz de se interpor de uma
maneira autônoma na comunicação.

Mais precisamente, a carta reproduz o espaço graças ao princípio de analogia, e


visa a (re) apresentar os objetos segundo as mesmas disposições, relações e
dimensões pelas quais elas são percebidas na realidade. Ela faz referência a uma
ordem topológica (no sentido de uma disposição que „conecta‟ os objetos geográficos
entre eles) e participa de uma espacialização cognitiva, quer dizer, um procedimento
pelo qual os objetos são investidos de propriedades espaciais vis-à-vis um observador
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que, por sua vez, é „espacializado‟ com relação a eles. Isso se traduz pela utilização de
algumas convenções construtivas, incorporadas nos habitus cartográficos:

 O emprego de uma relação métrica entre a realidade e sua representação – a


famosa escala cartográfica que parece andar sozinha;

 Uma seleção privilegiando somente certas categorias de elementos naturais e


antrópicos representáveis;

 Uma miniaturização e um simbolismo que assegura a condensação da significação


convencional desses elementos.

Isso se traduz igualmente pela adoção de uma linguagem do tipo „hipertextual‟,


fundada sobre a utilização de códigos diferenciados: código lexical (os nomes), código
numérico, código figurativo, código cromático, código geométrico da folha. Esse
conjunto, sistema semiótico complexo, produz implicações comunicativas importantes
que permitem ao utilizador „navegar‟ na linguagem cartográfica e instituir múltiplas
ligações capazes de acrescentar e ampliar a informação.

Por causa disso tudo, surge o fenômeno da auto-referência cartográfica pelo


qual os nomes e os símbolos reproduzidos sobre a carta não representam mais
simplesmente os dados empíricos físico-naturais ou antrópicos, mas formam, por sua
autonomização lógica e semântica, outras significações capazes de influenciar a
concepção que o autor faz dos lugares submetidos a seu controle cognitivo. Assim
demonstra-se que a cartografia é um instrumento de grande importância para a ação
social.

Com efeito, se se considera os lugares e os papéis da cartografia no interior do


processo de espacialização (quer dizer nos processos de construção e de uso do
espaço geográfico pelos indivíduos e/ ou grupos), ela constitui um instrumento de uma
inegável eficácia e de uma grande potência para colocar em ação a apropriação
intelectual do território. Ela forma uma instância onde se leva a cabo, ao mesmo tempo,
a denominação (a atribuição de nomes aos pontos da superfície terrestre) e a projeção
denominativa (a transmissão de significações particulares incluídas nos nomes e a
atribuição de novos valores sociais a eles). A cartografia é, portanto, capaz de se
inserir na comunicação enquanto mediação simbólica determinando as modalidades
segundo as quais o mundo é ordenado, conhecido e sucessivamente experimentado.
Nessa perspectiva a questão do „intérprete‟ (palavra que designa, melhor que utilizador,
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a atividade cognitiva) é crucial: trata-se de um ator social que apela à carta para dela
extrair as informações que lhe permitirão perseguir seus objetivos. Com efeito, a
interpretação da carta é um momento de ação espacial que prefigura as estratégias de
produção, de utilização e de mediação do espaço. Por essa razão, ela é não somente
um instrumento importante de apropriação intelectual do espaço, mas também uma
parte integrante desse processo: é um sistema ordenador, é um viés, pelo qual a
sociedade se liga ao mundo.

A cartografia aparece então como o produto de uma cultura que torna ela
mesma (a cartografia) em cultura. Ela se liga ao potencial cognitivo de uma sociedade
em particular para qual ela traz suas capacidades de fixar e difundir os saberes
geográficos de todo tipo (saberes militares, legendários – mitológicos, ideológicos,
políticos, etc.). Ela se impõe enquanto meio de comunicação autônomo, instrumento de
interpretação do mundo no interior do dispositivo de controle da sociedade que a
produz.”
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LÉVY, Jacques. Carte. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.). Dictionnaire de la
Géographie et de l’espace des sociétes. Paris: Belin, 2003. p. 128-132. Tradução de
trabalho de Fernanda Padovesi Fonseca e Jaime Tadeu Oliva

Mapa (Carta)1
Representação fundada com base numa linguagem caracterizada pela construção de uma
imagem analógica de um espaço.

Todo mapa (carta) comporta:


I. Instrumentos para identificação do espaço-referente;
II. Uma ou várias escalas cartográficas;
III. Um princípio de transposição analógico de localizações de algum espaço para
o mapa;
IV. Uma ou várias métricas;
V. Um ou vários “temas”, quer dizer: uma substância2;
VI. Uma semiologia de representação gráfica (“legenda”) dos objetos que
correspondem a esses temas e das relações entre esses objetos.

Uma linguagem não-verbal e não-seqüencial: o mapa utiliza um sistema linguageiro


típico, com duas características fundamentais: por um lado um dominante analógico,
quer dizer num meio termo entre o simbólico puro (como a pintura abstrata ou os
enunciados matemáticos) e o “figurativo”; de outro, a leitura espacial, a qual, por
oposição às linguagens seqüenciais (como a música tocada), apresenta
simultaneamente ao receptor o conjunto da informação. A despeito da presença de
palavras, o que é considerado um aspecto de sua semiologia gráfica, o mapa se
distingue, portanto, claramente do discurso verbal, escrito ou oral, e, mais
genericamente, das linguagens onde os elementos estão organizados por uma
relação de ordem, construída sobre o modelo da sucessão temporal dos
componentes do discurso, tal como se encontra na linguagem “natural” oral. Por sua
característica não-seqüencial, os mapas se situam entre as figuras (por oposição aos
discursos) e, entre essas, eles pertencem, em razão da sua leitura global e instantânea,
à família das imagens.

1
Nessa tradução optou pela tradução do francês Carte por Mapa.
2
Componente não espacial de uma configuração espacial. Segundo Jacques Lévy com a escala e a
métrica a substância constitui o terceiro componente de toda configuração espacial elementar. É um não
espacial por construção das outras disciplinas, por exemplo: economia, sociologia, ciência política etc.
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O mapa explora um sistema específico de signos, minoritário diante da


dominação das linguagens verbais. Em conseqüência, a auto-referência (quer dizer, o
fato de que os outros objetos construídos na mesma linguagem se incorporam ao
referente exterior ou, mesmo o mascaram) por fazer da cartografia um exercício
fechado sobre ela mesma, toma um curso particular. A intertextualidade (uma auto-
referência) é, certamente, fundamental entre as linguagens verbais, mas o universo do
discurso é aqui tão próximo ao mundo social global que a auto-referência é quase
sinônimo de contexto cultural. Com o mapa, tem-se um universo próprio, que é tanto
mais encantador e atraente, quanto não é imediatamente acessível mas, ao mesmo
tempo, dele se esquece um pouco rápido, assim como é fácil evitá-lo. A imensa
maioria de nossos contemporâneos não utilizou jamais um mapa, inclusive num
contexto de práticas que poderiam ser muito facilitadas por um tal uso: mobilidades,
escolha de localizações, apropriação de redes e territórios. O mapa é hoje, ao mesmo
tempo, supervalorizado e largamente ignorado. O mundo do mapa permanece um
domínio à parte.

Uma história ocidental?: a história do mapa exprime a lenta emergência do


“paradigma zenital” (conforme a expressão de Claude Raffestin). Entre os mapas mais
antigos, de cerca de dois mil anos, que efetivamente chegaram até nós (os mais
precoces, como aqueles dos gregos, chegaram até nós por meio de cópias mais ou
menos fiéis), constata-se uma hesitação entre as visões em plano e as visões em
elevação. Os objetos representados, freqüentemente de maneira parcialmente
figurativa, são vistos de frente enquanto que o conjunto da folha pertence ao registro
da representação “vôo de pássaro”. É o caso de documentos europeus, anteriores à
Renascença, mas também dos árabes e dos chineses. O balanço completo da
representação plana corresponde a um esforço de abstração paralelo, à rarefação
progressiva das perspectivas oblíquas, tais quais elas são vistas nas primeiras vedute3, e
dentre as representações de batalhas, na pintura ocidental a partir do século XVIII. Há
como uma especialização da pintura e da cartografia dentre duas opções
ortogonais. De fato, a cartografia evolui segundo um duplo movimento: 1. uma
especialização progressiva em direção a uma linguagem propriamente cognitiva,
eliminando as dimensões do mito e do imaginário e valorizando os usos técnicos:
navegação, manobras militares, gestão administrativa e jurídica; 2. Uma formalização
geométrica e uma precisão geodésica dando nascimento à cartografia matemática.

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Vistas das cidades romanas.
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Esse segundo aspecto pode ser considerado como independente do primeiro, pois já
presente entre os Gregos. Com seu “diafragma” (oeste-leste) e sua “perpendicular”
(norte-sul) se cruzando em Roma, Dicearco4 deu corpo, independentemente dos
conhecimentos concretos do planeta, às idéias de latitude e longitude, elaboração
continuada durante os cinco séculos seguintes por Erastóstenes, Hiparco e Ptlomeu
até se chegar a um esboço de uma cartografia geométrica em relação à qual pode-
se considerar Mercator (aliás Gerhard Kremer, 1512-1594) como o continuador
principal.
Haveria uma especificidade européia na antecipação dos espaços ainda não
explorados, no ato de domesticar o desconhecido somente pelo seu poder de medir
(de medida)? De fato, durante uma longa parte da história ocidental da cartografia
se misturaram conhecimento verificáveis e mitos: reconhece-se o papel produtivo
desses diferentes tipos de ilusões geográficas e cartográficas na descoberta da
América pelos Europeus. Durante ainda vários séculos, a pesquisa de um continente
austral capaz de equilibrar o hemisfério Norte prosseguirá até a eliminação
experimental, no fim do século XIX, de numerosas hipóteses mais ou menos fantasiosas.
A singularidade européia não diz respeito tanto a uma capacidade intelectual fora do
comum (encontram-se competências comparáveis nas mesmas épocas no mundo
árabe e na China), mas sim à possibilidade de se confrontar representações
intelectuais e de exploração do mundo. Ora, essa experiência não é unicamente de
natureza cognitiva. Ela é, num aspecto decisivo, a conseqüência de uma prática do
salto de escala ligado à geopolítica européia: além da gestão dos territórios
controlados de modo durável pelos Estados, o Kriegspiel torna possível um contato
violento com a alteridade e aproxima espaços concretos, materiais ou ideais,
daqueles do mapa.

Mapa e linguagem científica: Em conseqüência de sua dupla espacialidade, aquela


do referente e aquela de sua linguagem, o mapa se apresenta como a encarnação,
como a expressão concreta do objeto da geografia e, isso não deixa de criar
confusões. Assim, todo mapa é evidentemente temático. A noção de “mapa geral,

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Historiador, geógrafo e mitógrafo grego de Messina (Messena), Sicília, (347-285 a. C) que fez
profundas modificações na geografia de Anaximandro e Hecateu. Foi um ocidental, primeiramente
influenciado pelo pitagorismo, passando depois ao círculo peripatético... Criou um planisfério em que a
posição de cada região geográfica era estabelecida em relação a distância que a separava de uma linha
imaginária orientada de leste para oeste, chamada de diafragma.
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sistemático, topográfico” que se constituiu num artefato completo, é uma pura ilusão
de transparência que seria bem pueril, se ela não tivesse tido “efeitos de realidade”
não negligenciáveis em matéria de geopolítica. Na história da Geografia, esse
artefato serviu de recurso para o empirismo e para a recusa de uma reflexão sobre o
objeto e os métodos da pesquisa. A mapa “geral”, de fato mapa topográfico,
pensado para um uso militar, significou um inesperado efeito epistemológico, o qual se
apossou de uma disciplina muito feliz de encontrar, com o mapa, um “curto-circuito”
confortável entre o real e o pensado.
Entretanto, se o mapa não é o espaço, um mapa é realmente um espaço.
Pode-se, seguramente, tratá-lo como um simples quadro (tabela) de dados, ou como
um simples cruzamento entre coordenadas terrestres e uma outra informação
(toponímia, cotas hipsométricas ou “batimétricas”) e com isso se afastar do mapa
para fazer uma charte (em inglês, o uso da palavra carta foi mantido para as cartas
náuticas). Se, ao contrário, se assume a leitura espacial, quer dizer, instantânea e
global do mapa, isso se torna ipso facto um modelo gráfico, emitindo uma mensagem
fortemente restrita pelas condições de sua recepção. Desde que se reconheça nos
universos ideais a mesma legitimidade que os universos materiais para se tornar não
apenas uma fonte de informação, mas também, simplesmente, um objeto a se
conhecer, a mapa torna-se um “terreno” entre outros para o geógrafo.
Por sua característica espacial os mapas apresentam uma ordem linguageira
(de linguagem) que enriquece e desarruma o universo habitual dos “enunciados” com
objetivo científico. De um lado, eles organizam uma coexistência de elementos que
poderiam se apresentar de maneira dispersa numa exposição verbal, o que os impele
à coerência (uma coespacialidade). De outro lado, eles impõem uma concisão da
mensagem em seu propósito e uma ditadura do instante na leitura, mas se prestam
aos deslizamentos de sentidos, assim como com as outras imagens, pela falta de
apoios sistemáticos e sem limite de quantidade, que é que permite a linguagem
verbal. A supressão de “ruídos” visuais permite evitar os “efeitos secundários” sobre a
mensagem de informações acessórias. O recurso aos contornos “generalizados” (quer
dizer, simplificados) aparece legitimado já que ele contribui para que se concentre o
olhar do leitor sobre o essencial mas, se se vai muito longe em outro sentido, a escolha
de formas geométricas muito simples, de significações culturais fortes, pode criar novas
interferências e efeitos indesejáveis; esse é um dos paradoxos da elaboração
coremática em modelização cartográfica.
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Escala e projeção: a escala cartográfica do mapa – sua relação de redução do


espaço de referência – se revela bastante afastada da escala geográfica. De uma
parte porque a escala cartográfica responde aos imperativos de formato e de
legibilidade que derivam da “tecnologia” própria da cartografia; de outra parte,
porque um dos usos possíveis do mapa consiste em se dar um enquadramento tão
neutro quanto possível para fazer se manifestar (nas condições de comparabilidade
com uma outra situação) um fenômeno espacial. Nessa justificativa experimental que
pode justificar o recurso a uma métrica convencional de tipo euclidiana, o mapa em
seu conjunto evidencia mais a extensão do que o espaço. São, portanto, tanto o
recorte do espaço tratado, as métricas escolhidas e os meios utilizados para exprimir os
tamanhos do espaço, que darão conta da escala geográfica. A escolha de
comprimentos e de superfícies euclidianas como componentes de uma métrica de
base tem como efeitos radicais a desvalorização de todo o espaço (tal como o das
cidades) cujo recorte não é ligado a esses parâmetros.
Quanto à temática da projeção que acompanhou o nascimento da
cartografia matemática, ela é menos fundamental do que aqui parece. A projeção
consiste numa aplicação bijectiva5 associando cada ponto de uma esfera (ou do
elipsóide terrestre) a um ponto de um plano (um único). Sabe-se que essa
transformação exige de conversões (mudanças) na estrutura geométrica do espaço
considerado: não se podem conservar ao mesmo tempo os comprimentos, as
superfícies e os ângulos. De onde a escolha entre, respectivamente, as projeções
eqüidistantes, equivalentes ou conformes. Entretanto esse problema de soluções
inevitavelmente híbridas (“bastardas”) não é forçosamente essencial. Não mais que
um caso particular do ponto III (na introdução, sobre transposição analógica) da
definição. Primeiramente porque, para as extensões de pequenas dimensões em
comparação com as do planeta, as escolhas de projeção têm pouco efeito. Em
segundo lugar, (e sobretudo) porque a projeção não é mais que uma das opções
para representar o espaço do planeta, e nem sempre a melhor. Colocando todos os
pontos da Terra sobre um mesmo plano, o resultado de uma projeção em duas
dimensões, o mapa-múndi, tem como efeito o primado dos oceanos (que representa
71% da superfície), o que, pelo fato da perda do controle na passagem da esfera ao
plano, acaba, notadamente, por criar rupturas exageradas entre os continentes. De
onde a necessidade de retomar essa questão em função de um problema explícito,
colocando, eventualmente, em causa o postulado da bijeção. Os desenvolvimentos

5
Isomorfismo entre duas figuras.
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das matemáticas fora de geometria euclidiana podem aqui ser preciosos. Pode-se
assim considerar a Terra não mais como um espaço em três dimensões, mas como
uma superfície curva, para o que a cartografia não é nem um pouco desarmada.
Mas genericamente, o espaço mundial (o geográfico, o social) põe a questão de sua
organização e, as maneiras pelas quais o mapa pode dar conta dessa organização
são múltiplas e para isso, deve se centrar a reflexão sobre as regras de base da
construção do mapa. É nesse contexto, vamos ver, que se encontra um dos campos
contemporâneos da renovação da cartografia.

Profusão, crise e renovação do mapa: o mapa serviu (tem sido de muita utilidade)
como auxiliar de várias atividades humanas com forte componente espacial: a
exploração, a guerra, o controle estatal e, mais recentemente, a escolha de
implantações de empresas ou os passeios. Os mapas são multiplicados com tanto mais
de facilidade quando os problemas técnicos da coleta de dados e de seu tratamento
conheceram solução novas e satisfatórias, graças à estatística, ao sensoriamento
remoto e à informática. O sistema de informação geográfica (SIG) consagra o sucesso
técnico de uma cartografia em proliferação embora dissociada do suporte do papel.
Contudo, vê-se projetar uma certa crise do mapa, segundo um quádruplo ponto de
vista.
1. Como toda linguagem, o mapa pode servir para transmitir ideologias implícitas, e
até para instrumentalizar seu leitor. De onde uma crítica, primeiramente tímida,
depois mais e mais dura aos métodos fraudulentos de conduzir a convicção,
obtida com a ajuda de um mapa (lá onde o texto teria fracassado), explorando as
características próprias da leitura do mapa (sincronismo e limitação do volume de
mensagem) para jogar com o irracional. É notadamente o caso em matéria de
geopolítica e de planejamento do espaço.
2. O mapa não é sempre utilizado de maneira universal pois o esforço de
aprendizagem de suas linguagens permanece considerado como desproporcional
com respeito às suas contribuições. O acréscimo de mobilidades não se traduz por
uma expansão proporcional do uso do mapa.
3. O mapa parece mais e mais substituível por outras técnicas como os dispositivos de
localização que integram um GPS (Global Positioning System, sistema de
localização planetário), que difundem informações precisas que lhe demandam e
descarta a passagem por um documento, ao menos parcialmente, independente
do uso que será feito.
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4. Um número crescente de fenômenos aparece tratado e mal tratado pelo mapa:


os espaço densamente povoados, que se encontram submergidos pelas extensões
vazias, as redes, onde os pontos e as linhas cabem mal na lógica de superfície que
domina a “folha cartográfica”, a complexidade e o entrelaçamento de espaços,
subjetivos e objetivos, materiais e ideais, que se encontram “laminados”
(achatados) pela representação plana. Assim, a utilização de figuras pontuais mais
ou menos sofisticadas para representar as cidades participa de supervalorização
das superfícies em detrimento dos espaços onde o recorte seria definido segundo
outros critérios. O mapa seria bem adaptado para representar e servir um mundo
rural, ancorado no solo, guerreiro e autoritário: o que há de vantagens em mapas
assim para um mundo urbano, móvel, pacífico e democrático? Sob a profusão, se
assistiria à obsolescência do mapa, por conta de seu desprendimento progressivo
vis-à-vis à demanda social.
Nesse contexto, algumas vozes anunciam a morte do mapa e notadamente
sobre dois pontos decisivos que podem perturbar (desarrumar, desordenar) as
ferramentas da informática: o caráter estático de um documento fixo, face à
possibilidade de organizar os mapas em seqüência dinâmica (feita de imagens
múltiplas); a restrição das duas dimensões, face aos procedimentos de simulação de
três dimensões numa tela ou mesmo com os dispositivos mais sofisticados de
“realidade virtual”. Há certamente nisso aberturas estimulantes: são novos objetos que
vêm ao dia, mas que não colocam forçosamente em causa o interesse por um
documento estável em duas dimensões. Do mesmo modo que o cinema não matou a
fotografia, e assim como essa última não eliminou a pintura, pode-se pensar que o
mapa possui regras de construção que valem pelos constrangimentos que eles
impõem: as duas dimensões correspondem a um aspecto significativo da organização
das sociedades, aquele mesmo que estuda a geografia; a imagem fixa permite um
melhor controle do receptor, o mantém como leitor, mais do que como espectador. A
multiplicação de tecnologias alternativas obriga entretanto o mapa a se “re-centrar
sobre sua trincheira de excelência”. Isso se situa notadamente na capacidade de dar
a ver, de maneira regular, as interações entre espaço e extensão, a relação entre
uma espacialidade particular e um fundo de mapa. É justamente esse último (o fundo
do mapa) que foi tratado como uma evidência (“foi naturalizado”), após a imposição
do fundo euclidiano único, onde convém retrabalhar as regras de construção. Isso
passa pela abertura das métricas (sem excluir as métricas reticulares), a pesquisa de
fundos multiescalares (por exemplo, com o uso de anamorfoses, como já propôs
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fortemente o mosaico de Madaba6, no século V), a realização de uma


autoconfiguração de fundo pelas distâncias relativas entre os objetos, o que também
é uma via de saída dos impasses da projeção, Renunciado ao “mito” do “mapa
sistemático, geral” se entrará então mais livremente no universo do cartograma
(mensagem indissociável de um projeto explícito). O cartograma oferece soluções
para o ponto VI da introdução, mas também para o ponto III da definição, já que ele
define um princípio de analogia real/representação que se liberta da projeção, tendo
em conta o ponto V, a temática (o “conteúdo” do mapa). Entre suas diferentes
variantes, a abordagem “cartogramática” inicia, portanto, uma reintegração num
mesmo dispositivo intelectual das diferentes características do mapa.
Assim o que resta de “mágico” numa cartografia de planejamento e de
urbanismo, por vezes apresentado como se sempre ali estivesse pelos profissionais ou
pelos decididores acima da cabeça dos cidadãos, poderia ceder lugar a uma
cartografia participativa, instrumento para um planejamento compartilhado.
O campo da cartografia é societal na medida onde ele concerne ao mesmo
tempo ao conhecimento teórico e à vida cotidiana, à linguagem e à tecnologia, à
economia e à política. Nesse programa de trabalho já parcialmente realizado pelo
“concebedores” e pelos utilizadores de mapas contemporâneos, trata-se no fundo da
retomada do diálogo entre linguagem cartográfica e linguagem geográfica.

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Em Madaba, antiga cidade bizantina na atual Jordânia, encontra-se o antigo mosaico colorido do mapa
da Terra Santa (do Líbano até o Egito), numa igreja ortodoxa.
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LEVY, Jacques. Anamorphose. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT Michel (Org.).


Dictionnaire de la Géographie et de l´espace des sociétés. Paris: Belin, 2003. p. 74.
Tradução de trabalho de Fernanda Padovesi Fonseca e Jaime Tadeu Oliva

Anamorfose
Procedimento que permite dar a uma carta, ou mais precisamente, ao fundo da
carta uma métrica diferente da euclidiana. Uma tal carta é denominada cartograma.

A origem da idéia de anamorfose vem da pintura da Renascença e das


pesquisas descendentes da perspectiva. O quadro de Hans Holbein o Jovem, “Os
embaixadores” (1533), mostra um crânio que se apresenta como se ele fosse visto sob
um ângulo muito agudo em relação à tela. Essa incrustação de uma visão do espaço
numa outra é característica do fato que a pintura européia (no momento mesmo onde
ela começa a controlar perfeitamente a construção de um espaço figurativo sobre o
modelo da imagem ocular) toma suas distâncias com essa pretensa transparência da
representação do real.

Será preciso um pouco mais de tempo para a cartografia para fazer a prova de
uma tal reflexidade. O tabu da métrica euclidiana não pode ser transposto a não ser
tardiamente e com muita dificuldade, apenas na segunda metade do século XX graças
notadamente aos trabalhos de Waldo Tobler, que dará uma base matemática sólida às
construções cartográficas não-estandartes. A anamorfose permite sair da ditadura da
“superfície vazia”. Essa ditadura faz dos objetos geográficos mais importantes, entre os
quais as cidades, ocuparem freqüentemente um lugar muito limitado na carta por causa
de sua densidade, que é justamente uma de suas características significativas.
Tratando as superfícies de fundo de carta como entidades sensíveis às realidades a
serem representadas, sai-se de um impasse. A extensão deixa de ser um componente
intangível da carta e em entra em diálogo com a temática escolhida.

Várias técnicas são disponíveis para associar as superfícies a séries quaisquer


de variáveis, respeitando na melhor das hipóteses as formas familiares das cartas
euclidianas. Entre as técnicas, se distingue o caso onde a anamorfose cria uma carta
na qual o tema e o fundo se confundem de modo que se torna impossível introduzir um
novo tema (anamorfose temática) e o caso onde a anamorfose cria um novo fundo
explorável por um tema qualquer (anamorfose de fundo ou cartograma). O ponto
teórico decisivo consiste em assumir que não se trata de “deformação” (o que manteria
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o fundo euclidiano como referência única) mais de uma construção – assim como toda
carta o é.

A anamorfose é um dos métodos que permite se libertar do fundo euclidiano.


Pode se citar igualmente o recurso a um fundo em rede (os polígonos e as superfícies
perdem sua pertinência) ou a criação de uma imagem sem fundo de carta, a partir de
distâncias relativas definidas pelo tema da carta.
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LUSSAULT, Michel. Image. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT, Michel (Org.). Dictionnaire de la
Géographie et de l’espace des sociétes. Paris: Belin, 2003. p. 485-489. Tradução de trabalho
de Fernanda Padovesi Fonseca e Jaime Tadeu Oliva

Imagem
No sentido etimológico original, reprodução inversa que uma superfície polida dá
de um objeto que ali se refletiu. Por extensão, sistema de signos não-verbais que
representa alguma coisa. De maneira mais abrangente, sistema de signos
mediatizando a relação indivíduo-ator com o mundo.

A. Da imagem ao visual: a imagem, no primeiro sentido, é um sistema de signos não-


verbais e não seqüencial que forma uma cópia, um duplo analógico do objeto. A
imagem é considerada nessa concepção mais restrita como um enunciado icônico. O
ícone é para Charles Sanders Pierce um signo em relação de similaridade (analogia)
com seu objeto (ao lado do símbolo em relação arbitrária com o objeto e o índice em
relação física com o objeto). Reencontra-se igualmente lá a significação inicial da
palavra figura, a saber: representação de um objeto. A palavra ícone é doravante
correntemente empregada nas ciências sociais (e não somente nas “ciências
artísticas”) para designar, bem além da imagem religiosa bizantina, um enunciado
visual em relação direta com um objeto representado.

Por extensão, é imagem toda representação visual, quer ela seja material ou
mental e quer ela se refira a uma realidade objetal concreta do mundo físico ou a uma
idealidade abstrata. Uma tal abertura impeliu os pesquisadores a ultrapassar a postura
clássica da “imagerie” e da iconografia fixa ou móvel ao abordar todos os dispositivos
visuais – que incluem, por exemplo, a paisagem, a cenografia, as instalações diversas,
enfim toda coisa estruturada “olhável”. Trata-se da expressão de uma vontade de
romper com o que muitos desses especialistas nomeiam como uma epistemologia anti-
visualista dominada pelo paradigma do texto que teria reinado incontestável desde
Platão na cultura letrada ocidental (e, mais particularmente na cultura e nas ciências
sociais “continentais”). Barbara Stafford, partindo da constatação da inflação de
imagens no mundo contemporâneo, sintetizava essa desvalorização por uma eficaz
fórmula: “It‟s raining images outside, but we are locked indoors” (Stafford, 1996, p. 87)
{“Chovem imagens lá fora, mas nós estávamos fechados aqui dentro”}

Não se pode compartilhar essa idéia sem reservas, pois sempre houve, na
França, notadamente, uma tradição de abordagens visualistas nas ciências artísticas,
em semiótica, em filosofia, em história. Entretanto, a formalização do campo do visual é
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interessante. Ela permite ultrapassar a “iconologia” erudita para abordar o vasto


domínio de todos os enunciados visuais (croquis, desenhos, planos de urbanismo,
materiais publicitários, logos etc), de formas visíveis e o campo não menos amplo de
usos do olhar nas sociedades, do papel da visão na construção da realidade social e
na prática dos indivíduos. Essa extensão da reflexão das coisas para ver as maneiras
de ver as coisas (que influem sobre a constituição das imagens e dos discursos) é sem
dúvida uma das aquisições da abordagem do visual.

Tendo em conta o papel eminente do material espacial na exposição (na


construção da visibilidade) das substâncias societais, compreende-se que os geógrafos
sejam fortemente ligados a essa questão. Podia-se assim mostrar, por exemplo, todo o
interesse de considerar a paisagem como um objeto visual, onde se tenta compreender
a genealogia e os efeitos de sentidos, algo que dê a possibilidade de romper com as
abordagens clássicas (Mondada, Södeström & Panese, 1992; Cosgrove & Daniel,
1989)

Numerosos trabalhos também investiram no domínio da iconografia espacial


“trivial” (aos olhos de geógrafos tradicionais) que proliferaram na publicidade, e também
no conjunto de imagens dos profissionais do projeto urbano e planejamento, que vem
se transformando num terreno de investigação particularmente estimulante
(Söderström, 2000, Lussault, 1996; 1998). No contexto anglofóno, a abordagem do
visual permitiu também alimentar uma crítica contra a cultura dominante moderna,
imperialista, masculina e branca. Gillian Rose, sublinhou que se podiam estabelecer as
ligações entre o olhar reificador dos geógrafos sobre a natureza e a coisificação das
mulheres pelo olhar do homem sobre o corpo feminino (Rose, 1992).

Podia-se, logo, ver nascer trabalhos se apoiando sobre disciplinas que a


geografia não tinha o costume de mobilizar (semiótica, sociologia das ciências, filosofia,
história dos saberes etc). Pode-se mesmo pensar que a pressão dos “visualistas”
incitou os geógrafos a empreender a necessária reflexão crítica sobre sua ferramenta
fetiche, a carta, a respeito da qual eles foram e permanecem os defensores maiores
(iconodoules – defensores da veneração das imagens no cristianismo, contra os
iconoclastas que acham que o sagrado não pode ser representado ou imitado). Essa
reflexão, muito lenta ao se desenhar, se difunde doravante: ela não consiste em
colocar na praça uma semiologia gráfica mais fiável e eficaz para representar uma
realidade “exterior” à representação (com a inspiração dos trabalhos de um Jacques
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Bertin), algo assim será permanecer no interior de uma concepção positivista. Trata-se,
sobretudo de compreender a cartografia numa perspectiva de reconhecimento do
princípio da construção da realidade social. A realidade dos objetos da sociedade não é
dada, porém construída e reconstruída e a imagem espacial em geral (e a cartografia
em particular) é instituinte dessa realidade que ela contribui para definir e para
configurar.

Hoje, as pesquisas visam a apreender como o visual se desdobra numa


sociedade, sem se limitar a um exame semiótico de um único gênero de imagens
considerado nele mesmo e por ele mesmo. Nesse quadro, um problema é aquele da
produção do conjunto de imagens e dos dispositivos visuais. Estudar como esses
podem se materializar e se difundir nos contextos societais particulares, sondar suas
condições de possibilidade (ideológicas, cognitivas, tecnológicas, técnicas) e seus
efeitos de realidade, é o caminho das pesquisas de maior importância, como mostra o
trabalho de Denis Cosgrove sobre as novas representações da Terra (Cosgrove, 1994).
Os geógrafos permanecem sem dúvida muito pouco presentes nesta matéria num
período onde as novas imagens de espacialização de dados e informações proliferam,
notadamente via os SIG. Falta hoje uma vigorosa apreensão desconstrutiva dessa
“imagerie” onipresente, e isso malgrado a existência de trabalhos marcantes, no
entanto ainda muito isolados. Mas não seria preciso que, saindo pouco a pouco da
fascinação pela carta, os geógrafos sucumbissem numa outra pasmaceira: aquela da
“imagerie” numérica dos SIG.

O poder da imagem: uma outra vasta problemática se oferece à análise no campo do


visual: aquela da eficácia pragmática da imagem, em relação ao que ela instaura,
enquanto enunciado produtivo, ativado pelos atores e circulando entre eles como
instrumento de seus atos, uma visão do mundo dos fenômenos que é sempre um
mundo de ação. Nessa matéria, os trabalhos sobre o visual em planejamento, em
urbanismo, em arquitetura, domínios onde se manifestam claramente as ligações entre
imagens, realidades construídas, atos, são, desde o início dos anos 1990, os mais
propícios para as reflexões sobre os poderes da imagem espacial (Pousin, 2001).

Se se apóia sobre as conclusões dessas pesquisas – generalizáveis ao conjunto


do campo da imagem espacial, inclusive para a “imagerie” especializada dos
geógrafos, já que a hipótese elaborada por todos esses pesquisadores é que não há
diferença de natureza entre a iconografia científica, aquela dos planejadores, a dos
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publicitários, aquela das mídias etc., mas uma diferença de registros – o sucesso e a
eficácia dos documentos visuais, seu valor pragmático, parece ter três “poderes”
essenciais:

 Eles constituem instrumentos de dominação do espaço por sua atitude de reduzir


radicalmente sua complexidade {Monmonier fala disso sobre a Guerra do Golfo em
relação às cartas};

 Elas se beneficiam do efeito de verdade consubstancial ao ícone;

 No caso particular das imagens “planejadoras” (do planejamento), a figuração


permite uma representação perfeita da virtualidade espacial projetada.

A amplitude da função cognitiva e social da figura resulta primeiramente da


aparente confiabilidade que ela traz na apreensão do espaço. Bruno Latour explica
claramente essa potência do meio figurativo: “Não há nada que o homem seja capaz
de verdadeiramente dominar: tudo é tudo de saída muito grande ou muito pequeno
para ele, muito misturado ou composto de camadas sucessivas que dissimulam o olhar
que quer observar. Se! Entretanto, uma coisa, uma única apenas, se domina pelo
olhar: é uma folha de papel estendida (exposta) sobre uma mesa ou pregada numa
parede. A história das ciências e das técnicas é em larga medida aquela dos
estratagemas que permitem de trazer o mundo para sobre essa superfície de papel.
Então, sim, o espírito lhe domina e vê. Nada pode se esconder, se obscurecer, se
dissimular.” (Latour, 1985, p. 21)

É clara a facilidade de transpor esse raciocínio aos documentos visuais


espaciais, notadamente aqueles utilizados em urbanismo ou planejamento, por
exemplo. No momento que a atividade de pré-compreensão do mundo da ação que
todo projeto comporta, as cartas e as figuras são destinadas, além do fornecimento de
dados informativos, a realizar eufemismos da abundância de fenômenos do espaço
“real”, a aplainá-los, apurá-los (purificá-los), purgá-los de sua complexidade social,
transformando-os em fatos incontestáveis, unívocos, como algo que procede a ordem
natural das coisas; graças a essa prática “catártica”, o espaço sai organizado,
raciocinado – fiscalizado – o que resulta dessa ação de examinador, de projetista etc.

Paralelamente, pelas figuras espaciais e notadamente pelas cartas que colocam


em cena uma metrologia, quer dizer um pensamento da medida e da posição
respectiva dos objetos espaciais sobre uma extensão (concepção cartesiana do espaço
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que permanece dominante em numerosas ideologias espaciais), quer se chegar a


estabilizar o espaço, a tornar crível a idéia da perenização de sua posição. Assim, o
meio gráfico, por um golpe de força representacional, é um operador eficaz do
“apagamento” da característica insubstituível de cada espaço de atos (de ações). O
espaço fixado pela iconografia torna-se então, mas de maneira ficcional, duplamente
substituível: substituível por ele mesmo, se se pode dizer, pois doravante a figuração
deixa crer que sua situação é quase-estável no tempo. Substituível por outros espaços,
já que, por analogia gráfica, o espaço figurado torna-se estritamente comparável a um
espaço postulado parecido numa outra região e representado segundo a mesma
semiologia que exprime uma metrologia unívoca. {daí a importância de varias as
métricas} A figuração visual se afirma portanto como um instrumento superlativo de
escamoteamento da variedade e da incessante variação (em andamento) dos mundos
espaciais.

Sem contestação, a “imagerie” constitui para aqueles que a empregam a arma


do fazer-parecer-verdade e para aqueles que a aceitam – antes de a usar em outras
ocasiões - um enunciado dificilmente recusável que não mistura as coisas e desdobra
(desfralda) o espaço, presente ou futuro, em toda a evidência de sua ordenação.
Enquanto que, como sublinhou Algirdas Julien Greimas, “a linguagem [na Europa e na
França] é comumente considerada como um filtro mentiroso, destinado a ocultar uma
realidade e uma verdade que lhe é subjacente” (Greimas, 1983, 108), a iconografia
será o meio de revelação da verdade nua das coisas cristalizadas em suas essências,
que a linguagem articulada travestiria.

A “imagerie” não seria ponto faccioso como a linguagem porque ela não encobre
nada, ela exporia a integralidade do objeto representado, sem os travestimentos da
frase, do estilo, dos subentendidos e os sentidos múltiplos das palavras; pura forma
denotativa, ele proscreveria os elementos turvos da conotação. Eis, exposta
brevemente, uma doxa (opinião) poderosa. Enquanto o discurso é atingido pelo selo da
subjetividade do enunciador e do fato de não se constituir como mais que uma opinião
(um viés), mais ou menos autorizada, certamente, mas sempre percebida como
contingente da pessoa e de seus interesses, o ícone, por sua vez, possui um
enunciador anônimo – e mesmo transparente até parecer ausente – exporia a verdade
do ponto de vista incontestável (“as linhas tortas de Deus”) [aquele do “Deus Voyeur”
analisado por Michel de Certeau] que transcende todas as opiniões.
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Não é esse o fundo da crença que pode explicar o “papel de verdade” que os
geógrafos atribuem às imagens no discurso científico? E isso até fazendo da gráfica
algo análogo à linguagem formal dos matemáticos, apta à exprimir claramente as leis
universais do espaço {como por exemplo} no quadro da geografia coremática
desenvolvida na França entorno de Roger Brunet.

As representações gráficas são dadas por fiáveis; a maior parte dos atores lhe
reconhece esse status, tem confiança nelas. Se bem que elas possam ser contestadas,
elas são, entretanto, sempre “aplainadas” nas provas, sempre mostradas como médias
da verdade, é por isso que a crítica se liga ao conteúdo representado (e não ao status
epistemológico e à função política e social da representação) objeto sempre legítimo
em seu princípio.

Tudo que é colocado em imagem é visível, “olhável” (observável) como sério,


quer dizer, a ser considerado em toda à sua realidade inclusive naquela de proposição
fantasiosa, irrealizável – o irrealismo e a fantasia sendo sempre aqueles da coisa
figurada e jamais aquele da figura e da figuração. A colocação em causa concerne
apenas ao contingente visualizado, o referente, e não ao princípio de verdade do ícone.

O exame das figuras visuais permite, entretanto, escolher abordagens de todo


tipo – epistemológicas, cognitivas, sociais, políticas – que procedem de usos de
representações gráficas. Bem longe da “objetividade” pacífica e assegurada que os
geógrafos lhe emprestaram por longo tempo, a “imagerie” espacial se transformou num
dos mais eficazes instrumentos de redução da complexidade do mundo – por
escamoteamento, notadamente, de quase tudo que o remete ao vivido e às práticas
construtivas de espacialidades sempre mutantes e proteiformes (que muda de forma
constantemente) e, ao mesmo tempo, um espetacular veículo de ideologias e de
imaginários espaciais.

B. Relação com o mundo: pode-se dar a palavra imagem um sentido mais largo, sem
lhe reduzir ao domínio do visual, o que não é uma posição necessariamente aceita por
todos os pesquisadores. A imagem torna-se então sinônimo da representação, que
pode tomar formas muito diversas: texto escrito, falas, ícones, “imagerie” animada,
dispositivos visíveis... A definição da representação que convém a essa expansão do
domínio da imagem se encontra em Louis Marin, para quem ela é “a enunciação
poderosa de uma ausência” (Marin, 1993, 10); ela apresenta uma coisa que não está lá
– e na origem ela atenua a ausência daquilo que a corrupção do tempo teria feito
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desaparecer, para vir, por extensão, manifestar a presença de tudo isso que se furta ao
aqui e agora, sejam quais forem os motivos para isso. Ao mesmo tempo, ela exibe seu
próprio status de enunciado representativo, o que permite ao espectador e/ou ao leitor
de se constituir em sujeito-observador (no sentido de olhar) e ou/leitor.

O campo da representação excede o domínio da subjetividade irredutível da


pessoa e permite aceder ao modo específico de ser-no-mundo dos indivíduos e,
portanto, de sua socialização – relação com o mundo que não é puramente intelectual,
mas se manifesta bem como engajamento de um ator nas “artes do fazer” múltiplos e
variados. Pode-se, com efeito, considerar que a imagem é um sistema de signos que
mediatiza a relação do indivíduo com o mundo. A imagem convertida em interioridade
ou exterioridade, ao mesmo tempo em que ela permite a uma pessoa incorporar os
elementos herdados de sua experiência social – portanto convertendo a exterioridade
em interioridade.

Por conseqüência, a imagem que concerne ao geógrafo (espacial) é mediadora


das relações dos indivíduos (tanto quanto o conjunto semântico estruturado), dos
grupos, das instituições do espaço, etc – objeto da prática, objeto ativo levando em
conta as suas características próprias (formas, valores etc.) – assim socializados por
essa mediação.

Uma tal abordagem faz da imagem um sistema linguageiro (não exclusivamente


discursivo, nem textual) investido nas menores ações dos indivíduos e que tornam
sensível a relação prática do indíviduo e seu “entorno” exterior. Pode-se figurar sob a
forma de um triângulo que se evoca aqui; num de seus vértices, encontra-se a imagem,
noutro o grupo social, produtor e utilizador da imagem, no terceiro, o indíviduo, também
produtor e utilizador daquela do grupo no seio do qual ele se inscreve. As relações
entre essas três entidades formam o campo da imagem em ato (Legendre, 1994).

No seio dessa imagem instrumento e expressão do agir humano, se marcará


facilmente a importância conquistada pelo visual, que se beneficia de todo o seu
potencial representativo e pragmático. Uma tal apreensão alargada da imagem,
oferece, por outro lado, a possibilidade de bem analisar as relações complexas entre os
enunciados visuais e os discursos verbais, freqüentemente associados às linguagens
da ação.
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LÉVY, Jacques. Échelle. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.). Dictionnaire de la
Géographie et de l’espace des sociétes. Paris: Belin, 2003. p. 284-288. Tradução de trabalho
de Fernanda Padovesi Fonseca e Jaime Tadeu Oliva

Escala
São três sentidos: 1. Relação de tamanho entre realidades; 2. Relação de
tamanho entre realidades geográficas; 3. Em cartografia, relação de redução entre o
referente („terreno‟) e o referido („carta‟).
A escala cartográfica é uma noção fundamentalmente diferente dos outros dois
sentidos. Embora se apoie sobre uma metáfora utilizando o mesmo objeto concreto e,
em conseqüência, embora se exprimindo pelo mesmo termo em numerosas
linguagens, as duas são fundamentalmente diferentes. Seja quando se trata de uma
classificação hierárquica entre realidades tendo uma existência independente da ação
de conhecer; seja quando é questão de medir uma transformação efetuada pela
linguagem cartográfica e de confrontar um referente e um referido.

A escala cartográfica, exprimida originariamente de forma gráfica (sob a forma


de um objeto que parece uma escala, uma régua), mais tarde associada a uma fração,
indica uma relação de redução que pode, por princípio, ser igual ou superior a 1. É
excepcional em matéria de cartas, mas a noção de escala cartográfica pode se
generalizar a toda produção de um objeto análogo a um outro, de maneira a poder
estudar e manipular mais facilmente suas características, quer seja diminuindo ou
aumentando o tamanho do objeto de origem.

Na cartografia clássica, que utilize as distâncias euclidianas como métrica de


referência, a escala funciona por homotetia (quando um ponto – ou uma figura – é
obtido a partir de outro ponto – ou outra figura, assim diz-se que esses dois pontos são
homólogos – se correspondem, se equivalem), quer dizer proporcionalidade entre dois
comprimentos, sobre o terreno e sobre a carta, segundo a fórmula onde a escala:

E = 1/e = a‟/a = b‟/b = ...n‟/n.

Uma tal simplicidade leva facilmente à adesão; entretanto nota-se que essa
fórmula não serve a não ser para os comprimentos, onde a medida (rotas terrestres ou
marítimas, linhas de artilharia...) constituíram, ao longo do tempo, um uso importante
das cartas. Se se passa para as superfícies, a proporção será igual ao quadrado da
escala nominal. Para uma carta 1/100.000 (1 cm para 1 km), a relação de superfícies
será portanto 1/10.000.000.000: há dez bilhões de cm2 num km2. Um tal deslocamento
pode ter por efeito atuar contra a intuição, por meio de uma leitura que justamente
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extrai de seu caráter analógico uma facilidade aparente de acesso à informação. É a


realização de mapas-múndi e a reflexão sobre as projeções que a acompanha que
acabaram por fazer aqueles que concebem as cartas, assim como seus usuários, a
tomar consciência do caráter não trivial da escala. A projeção de uma esfera sobre um
plano impõe fazer escolhas, tomar decisões: não se podem respeitar ao mesmo tempo
os ângulos, os comprimentos e as superfícies. É a primeira (que respeita os ângulos,
conforme, a de Mercator), que durante muito tempo dominou a produção de cartas; a
escala aqui é variável, o mais freqüentemente maior nas altas latitudes que às baixas
latitudes, fabricando assim uma Groelândia maior que a Austrália (sobre o „terreno‟ a
Austrália possui uma extensão quase quatro vezes maior). Isso retira da escala sua
universalidade. Por outro lado, a possibilidade de traçar comprimentos e superfícies
independentemente uns das outras (projeções equivalentes), algo que parece
estranho em geografia plana, dá a ver o que a cartografia matemática durante muito
tempo desejou não expor à luz (desejou esconder): o caráter discricionário das
escolhas em matéria de escala, resultado de opções tomadas entre uma série de
possibilidades e não de uma verdade intrínseca „revelada‟ pela carta. Desde que o
caráter construído (fabricado, artificial) da escala seja admitido, nada interdita
interrogar-se sobre a natureza “terreno” que a carta quis (presumidamente) transcrever
analogicamente. Isso pode ser outra coisa além da superfície: a população, a riqueza
ou qualquer outra coisa. A escala embarca então, com a carta em seu conjunto, para
novas aventuras.

A noção de “mudança de escala” serve por vezes de signo de reconhecimento


entre geógrafos. Essa marca corporativa repousa sobre uma tripla vulnerabilidade. Um
mal entendido: a pretensão do monopólio da escala quando eles falam apenas de
escala espacial; uma ingenuidade: a crença de um efeito causal direto do recorte sobre
a natureza dos fenômenos; um equívoco: a escala geográfica confundida com a escala
cartográfica.

Fiquemos um pouco nesse último ponto. É corrente desde muitos decênios – e


isso fez mesmo parte para alguns do movimento de renovação da disciplina – assistir
geógrafos repetirem a outros geógrafos para que invertam o sentido de “grande” e
“pequena” escala. Pequena escala significará grande espaço e inversamente. Pode-se
compreender que, praticando a cartografia e se interessando, por outro lado, pelas
escalas espaciais, os geógrafos tenham sido arrastados sem muita consciência a um
deslizamento de sentido. A característica recente e voluntária da inversão leva a
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pensar que se trata sobretudo de uma ideologia profissional (corporativa), que consiste
em legitimar por um controle de uma linguagem técnica e esotérica uma posição
institucional. Do ponto de vista do conhecimento, essa atitude é, de um modo geral,
insustentável. Pode-se representar um pequeno espaço sobre uma carta de pequena
escala e um grande numa carta de grande escala: basta fazer variar o recorte do papel
ou da tela. É preciso, portanto, ter clareza, sobre esse ponto: a escala cartográfica e a
escala geográfica são duas noções distintas e que não devem em nenhum caso ser
confundidas. Além disso, a confusão entre real e representação nos deve inquietar.
Essa concepção poderá parecer furiosamente pós-moderna se não se constata, mais
prosaicamente, que ela “trai” (“ataca”) uma dificuldade persistente em geografia, que é
pensar o objeto como objeto e as ferramentas como ferramentas.

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