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Daniella Freixo De Faria

Conversa

Criançavolume 1

Presença-Caminho
Daniella Freixo De Faria

Conversa

Criança

com
volume 1
PRESENÇA-CAMINHO

CONVERSA COM CRIANÇA –


volume 1

Presença-Caminho

Daniella Freixo de Faria

Diagramação e Edição de Arte:

Flavio Soares e Design Company

Preparação de texto:

May Parreira e Ferreira


Ilustrações:

Patricia Auerbach

Revisão:

Rodrigo Cozzato

Gráfica:

Prol

155.412

Faria, Daniella Freixo de.

F224c

Conversa com criança: presença-


caminho -

volume 1 / Daniella Freixo de Faria. --


São

Paulo: s.n., 2013.

176 p., il.

Bibliografia

1. Psicologia infantil. 2. Educação


infantil.

I. Título.

Ficha catalográfica elaborada por Maria


Aparecida da Conceição CRB/8ª/7647
Gratidão

Meu amor, meu amigo, meu parceiro que


tanto acredita em mim, Rogério,

e minhas filhas, luzes na minha vida,


meus grandes amores, Duda e Malu.

Meus pais e grandes amigos, Vera e


João Paulo, minha amada irmã e parcei-
ra de vida, Kitty (Rajany Freixo) e
minha sogra tão querida com seu apoio
sempre amoroso, Neide. Para vocês, por
vocês e graças a vocês.
Respire profundamente, vá para o seu

coração e boa leitura.


Com carinho,

Dani

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

8
sumário

Prefácio
..................................................................

Presença-Caminho – Licença
..............................................................11

Introdução
..................................................................

Capitulo 1

PROBLEMA, O SOFRIMENTO E A
CULPA ...............................20

CULPA......................................................

JULGAMENTO
..................................................................

A MENTE E SEU FUNCIONAMENTO


........................................23

Capitulo 2

O COMEÇO DO CAMINHO
.......................................................28

ESPELHOS INFALÍVEIS
.............................................................31

PRESENÇA
..................................................................

IRMANDADE
..................................................................
Capitulo 3

MOMENTO SAGRADO - A ESCUTA


.........................................48

AUTOCONFIANTE E SEGURO
..................................................53

SER ÚNICO
..................................................................

Capitulo 4

SENTIR CADA PASSO DO


CAMINHO .......................................62

TODOS NÓS SENTIMOS RAIVA


................................................63
TODOS SENTIMOS MEDO
........................................................67

TODOS SENTIMOS TRISTEZA


..................................................73

TODOS SENTIMOS ALEGRIA


...................................................74

SEMPRE O AMOR
..................................................................
Daniella Freixo de Faria

Capitulo 5

ENCONTROS SAGRADOS
........................................................84
DE ONDE VIEMOS E PARA ONDE
ESTAMOS INDO .................88

DIREÇÃO: SENTIDO QUE FAZ


CRESCER ................................93

ENTRAR EM SINTONIA
.............................................................95

Capitulo 6

A REAL PARCERIA ENTRE A


ESCOLA E A FAMÍLIA ..............102

ADAPTAÇÃO
..................................................................

Capitulo 7
AUTORITARISMO, A GRANDE
ARMADILHA ..........................110

FRUSTRAÇÕES ACONTECEM
...............................................113

EM BUSCA DO PERFEITO
......................................................116

ARTE EM APRENDER
..............................................................11

CUIDANDO DE DENTRO E DE FORA


.....................................119

Capitulo 8

FERRAMENTAS QUE AJUDAM A


CRESCER ..........................126
CUIDANDO DO NOSSO ESTADO
INTERNO SEMPRE ...........139

PERDÃO CONSCIENTE
...........................................................141

VIVENDO A RECIPROCIDADE
.................................................143

A REAL CONEXÃO
..................................................................

Capitulo 9

O CONVITE AO NOVO
.............................................................148

REVISANDO CRENÇAS
...........................................................149
CONSTRUINDO PRINCIPIOS
INTERNOS ...............................156

QUAL CAMINHO SEGUIR


.......................................................158

INFINITAS OPORTUNIDADES
.................................................162

Capitulo 10

NOVOS RECURSOS INTERNOS


.............................................166

PRESENTE DE NATAL
.............................................................168

GRATIDÃO
..................................................................
Prefácio

São Paulo, 3 de abril de 14


Maravilhoso, surpreendente, intenso,
amoroso...

Não se trata de um livro com


orientações práticas.

É muito mais do que isso!

Trata-se de como educarmos e


convivermos com nossos filhos do

lugar mais importante e eficaz que


existe...

O lugar do amor,

Trata-se do encontro com nossos filhos


e do encontro com nós
mesmos.

De educarmos a nós mesmos para que


possamos educá-los.

Fala de ficar com o que há, o agora,


estar presente, observar e as-

sim, naturalmente encontrar.

É incrível e libertador saber que não


precisamos saber tudo, que o

grande encontro se dá quando


aprendemos juntos, pais e filhos.

A riqueza da troca!

É uma grande jornada, mas caminhando


com amor, respeito, de-

dicação e escuta, tudo fica mais fácil e o


encontro se dá naturalmente.

Agradeço a honra de escrever este


prefácio.

Agradeço a oportunidade que Deus me


deu de colocar você na

minha vida e da minha família e nos


mostrar o caminho para encontrar

este lugar tão precioso. O lugar do


amor...

Agradeço pela disponibilidade, pelo


empenho e, sem dúvida ne-
nhuma, obrigada pelo AMOR.

Boa leitura a todos!

Renata Klein

Mãe dos queridos

Victor e Nicole
PRESENÇA-CAMINHO

LICENÇA

Em toda trajetória, desde criança, meu


coração sempre foi intenso em

emoções e percepções. Sentia-me ora


estranha, ora especial. A caminhada

junto aos pais, na minha geração, trouxe


vários desafios interiores. A menina
tímida, sensível, com um mundo interno
rico, precisava aprender a viver no

“mundo real”. Precisava expressar o que


sentia. E precisava crescer.

Hoje, muito feliz, inicio esta conversa


que acontece também com

minha própria menina, com as incríveis


experiências e com pessoas com

quem tive o privilégio de estar próxima,


mesmo por um único encon-

tro. Muitos estão aqui, muitos me


trouxeram até aqui. Meus pais, mi-

nha irmã; meu marido, parceiro de vida;


minhas filhas, avós, tios, tias,
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

14

primos, primas, amigas e amigos,


professoras e professores, as crianças

que me ensinaram tanto, as famílias com


que pude conviver e tanto

aprender. Sinto profunda gratidão e


amor por cada real oportunidade
de aprender.

Peço licença para, de um lugar de


profundo amor, compartilhar essa

caminhada. Esta conversa viva tem


como propósito o convite para olharmos

para “dentro” e para o “outro” com


maior consciência do lugar do qual
partimos, para onde vamos e o quanto
podemos estar presentes, despertos
durante o percurso. Podemos aprender e
compartilhar.
Daniella Freixo de Faria
15

INTRODUÇÃO

Esta conversa começou há muito tempo


e é um bem-estar para mim.

Depois de sonhar durante noites com o


momento, tomei coragem, sinto-me

respondendo a um chamado. O chamado


para a comunicação, para o encon-

tro. Com uso da reflexão, da vontade de


aprender, de continuar o fluxo vivo,
propus-me com este livro a compartilhar
a jornada.

Gostaria de convidar com a presença-


caminho, cada pai, cada mãe, cada

professor, cada ser-único a percorrer


esse processo vivo com o propósito de
novas possibilidades. Convidar para a
disponibilidade de escuta interna que
nos coloca ativos em cada relação, em
cada oportunidade. Conscientes da

construção que se dá a cada momento.

Meu convite é para que possamos


educar nossas crianças desde a pre-

sença, do Ser-essencial que cada um de


nós é. Consciência. Com todo o po-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

16

tencial e sabedoria que está disponível e


que muitas vezes não percebemos.

Com entrega ao fluxo da vida. Viver os


momentos difíceis como oportunida-

de. Como é sair da avalanche de


informações vindas de fora e conhecer o
que

“in forma”, o fluxo, o propósito maior, a


entrega, a presença?

O ato de educar começa pela educação


do adulto, que, tendo cons-

ciência e vivência do fluxo, do Ser-


essencial, pode ajudar a criança a trilhar
esse caminho também. A educação tem
como objetivo o “des-envolver”, o

“des-cobrir” o dom, a vocação da


criança, além de auxiliá-la a encontrar
um canal de expressão social. Quando
vejo nosso mundo, penso que muito mais

do que criar crianças, com valores de


poder e competição, temos a impor-

tante missão de educar crianças para


SER, em letra maiúscula. Ser-essencial,
eixo vertical, sabedoria, respiração,
alegria, amor. Crianças que crescerão na
presença, na consciência, na escuta, na
disponibilidade de aprender sempre.

E que, realizando sua vocação,


construirão um mundo melhor, por que
não

repleto de amor, respeito, unidade e


diversidade?
Vivemos dentro de uma história
planetária, dentro da cultura de um

país, de uma cidade, de uma família, e


muitos de nós apenas repetimos pa-

drões já pré-estabelecidos. O descobrir


envolve conhecer as influências que nos
acompanham desde o nascimento e,
conscientes delas seguir no aprendizado,
ou melhor, na descoberta de quem
somos realmente. Como pais, po-

demos, com nossa orientação e nosso


olhar, manter os filhos no caminho da
repetição, no caminho das expectativas
externas. Ou podemos caminhar com

os filhos num encontro para que retirem


seus véus. Possam crescer sem nunca
desconectar, sem precisar, como nós
adultos, reconectarem-se; afinal, sempre
estarão conectados dentro, fora, inteiros,
despertos.

Fico emocionada ao me lembrar de


como comecei a trabalhar. Formada

em psicologia pela PUC de SP, sonho de


menina, apaixonada pela psicologia
Analílita de Jung e toda sua amplitude.
Depois, pude ainda fazer mais uma
especialização em Jung de dois anos e
meio. Assim começou a vida no
consultório. Atendia apenas a adultos e
tinha certeza de que esse seria o meu
caminho; mal sabia eu que seria por
intermédio dos adultos que meu encontro
com as crianças seria implacável.

Depois de muito relutar para estar com


crianças, pela discordância do

que havia aprendido; depois de um


estágio significativo na equipe do Nú-
Daniella Freixo de Faria

17

cleo Ser que realizava, dentre outras


coisas, o resgate da criança interna no
adulto, comecei a sonhar. Sonhei com
crianças por muitas noites, até que, numa
das madrugadas, sentei e escrevi um
projeto. Trabalhar com crianças de
forma preventiva dentro de escolas.
Visitei minha amada tia Sissi,
profissional experiente da área de
educação, na época diretora do colégio
Horizontes Uirapuru, e apresentei minha
ideia. Minha madrinha de profissão me
disse

que eu começaria na próxima segunda-


feira. Por quatro anos com um grupo

extracurricular de brincadeiras, apurei o


olhar, encontrei crianças, seus pais e
professores. Do trabalho surgiu o
consultório com crianças e suas
famílias, e palestras para pais e
professores com o objetivo de prevenir,
cuidar antes, trazer reflexão, novas
conexões. Tive a certeza profunda de
que havia descoberto meu dom, minha
vocação. O tempo foi generoso até esse
momento em que
me encontro agora, escrevendo,
aprendendo.

Nossa caminhada passa por


encontrarmos nosso dom, podermos
reve-

lar a vocação e apresentá-la ao mundo


para o próprio bem-estar e bem-estar de
todos. Quando podemos ter a graça de
viver assim, sentimos alegria ao

exercer nosso dom, os valores se


modificam. O dinheiro, por exemplo,
vira consequência e não mais objetivo.
É vivido como pura energia em
movimento. Segue a lei universal do
plantar e colher. A medida do tempo é
alterada; afinal, quando fazemos o que
amamos, não sentimos o tempo passar.
Ao exer-cermos nosso dom, podemos
sentir o efeito curativo em nós mesmos e
nos

outros. Quantas vezes eu fui trabalhar


meio chateada com alguma situação e,
no final, pude agradecer a cura que
recebi, pois o coração era tranquilizado.

Acredito que nossa grande missão como


educadores seja olhar para

nossos pequenos retirando os véus e


buscar o Ser que se apresenta, que já
está, buscar seu dom, sua alegria de
viver. É uma bênção para a natureza, a
sociedade e a humanidade. Afinal, é um
indivíduo que fez, faz e sempre fará a
diferença. Todo esse processo é
aprender, no sentido mais amplo da
palavra, aprender, aprender, estar
aberto, ouvir-se, ouvir o outro, sentir,
estar ali, presente. Aprender é estar vivo
e passamos a vida aprendendo.

Outro dia, pensava sobre o quanto os


momentos difíceis são mesmo

maravilhosos, pois, com eles,


aprendemos coisas importantes. E o que
era dor, para de doer. Começamos a
aprender no útero materno, depois no
nascimento, infância, adolescência, vida
adulta, maturidade e morte. O
aprendizado
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

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não para. Momento a momento, basta


prestar atenção, estarmos disponíveis.

Não se trata do aprender mental. Falo do


aprender como Ser-essencial, rumo ao
despertar, rumo à Consciência, rumo à
Unidade. Tomar a experiência

como requisito fundamental à vida, em


que tudo o que é experienciado por

completo, independente se algo difícil


ou trágico, quando vivido, atravessado,
torna-se aprendizado, eventualmente
transforma-se em alegria.

Quando penso em tudo isso, vem-me a


questão: o quanto na relação

pais e filhos estamos aprendendo? Será


que conseguimos perceber que assim
como nossos filhos, nós, pais, também
estamos aprendendo? Muitas vezes,
buscamos respostas mágicas e prontas
para lidarmos com determinados as-

suntos e, ao fazer isso, fechamos,


trancamos qualquer possibilidade de
aprendizado, tanto para nós quanto para
a criança. Ficamos tentando reproduzir e
não nos ouvimos mais, estamos no
módulo automático, o que nos coloca

muito mais distantes do real


aprendizado.
Daniella Freixo de Faria

19
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

20
Daniella Freixo de Faria

21

Capítulo 1

PROBLEMA,

O SOFRIMENTO

E A CULPA

CULPA

JULGAMENTO

A MENTE E SEU

FUNCIONAMENTO
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

22

OPROBLEMA, OSOFRIME
NTO

E A CULPA
Assumirmos a responsabilidade por
nossas vidas é realmente um

grande desafio. Outro dia ouvi a frase:


“A maior parte do nosso so-

frimento é autocriado” (Amma &


Baghavan). Frase forte e difícil de

digerir já que normalmente vemos o


nosso sofrimento como culpa de

alguém, ou mesmo nossa culpa. Alguém,


alguma coisa está me fazendo

sofrer. Pensar em sofrimento autocriado


é desafiador, mas muito in-
teressante. Para isso é necessário
entendermos a noção de problema e

também de sofrimento. Temos sempre na


vida dois lados, o externo e

o interno. Nesse sentido, o componente


externo seria o problema, e o

componente interno, o sofrimento.

Quando percebemos nossa própria vida,


é possível observar vários

eventos e situações que acontecem fora


de nós. O sofrimento nunca está lá fora,
está sempre aqui dentro. O sofrimento é
criado pela mente perante uma situação
e, portanto, não existe fora dela. Os
sofrimentos que experimenta-mos são
muito maiores que os problemas que
temos quando confrontados

com eles. Isso acontece por ansiedade,


medo e preocupação.

Os problemas existem, mas são em


menor número do que pensa-

mos. Eles parecem bem grandes devido


às atividades que criamos ao seu

redor. Imagens horríveis, cenas trágicas.


Darei um exemplo rotineiro na

vida de pais e mães. O telefone toca,


você atende, é da escola do seu filho.
Pronto, temos um acontecimento, algum
problema, mas logo entramos

na onda de um filme trágico e entramos


em sofrimento. As escolas, já tão

habituadas, correm em dizer : “Fique


tranquila, não é nada grave”. Quase

que na intenção de parar a mente com


seus palpites e nosso sofrimento.

Não é assim mesmo?

Sendo assim, fica claro o quanto temos


escolha: sofrer ou não sofrer.

Lidarmos com o problema e a direção


que ele nos traz ou sofrermos o proble-
ma e ficarmos estagnados, inundados nas
projeções da mente e de toda dor

que caminha com ela. Está nas nossas


mãos; afinal, quanto maior consciência,
menor o sofrimento.
Daniella Freixo de Faria

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Será mais produtivo, eficaz e menos


dolorido se formos em busca de

respondermos a seguinte questão: “O


que posso fazer perante o problema que
estou encarando?”.

CULPA

Costumamos ter uma resposta perante


um problema. A nossa tão co-

nhecida culpa. Ou culpamos os outros,


ou uma situação, ou a nós mesmos.

Quando culpamos os outros, estamos


presos aumentando a história e o
sofrimento, estagnados, empacados.
Como que presos numa tempestade de
areia

sem enxergar nada, o que nos impede de


caminhar e seguir em frente.

Quando nos culpamos como pais e como


educadores, acontece algo

ainda mais interessante. Essa culpa é um


dos fatores que mais nos atrapalha.
Em vez de nos manter no momento
presente, mantendo a responsabilidade

pelo encontro ativada, joga-nos para o


grande ciclo vicioso preso ao passado e
nos “des-potencializa” como pais.
Afinal, não estamos mais presentes.

Sair do movimento da culpa é


extremamente difícil, pois já é uma
crença

enraizada. Mais do que isso, temos


sempre um juízo de valor, e o que era
apenas experiência, passa a ser uma
experiência certa ou errada. Quando
certa, sentimo-nos maravilhados com a
capacidade de sermos ótimos, mas
quando consi-
deramos a experiência errada, socorro.
Pegamos as chibatas com pontas de
ferro e começamos a nos maltratar, sem
dó. Somos pessoas horríveis, feias,
erradas.

É importantíssimo percebermos que


tanto no julgamento do certo como no

do errado, estamos aprisionados, com


uma nuvem de fumaça imensa na frente
dos olhos que nos impede de sermos
quem somos, seres humanos aprendizes.

Por isso, quero fazer um convite: vamos


nos reconhecer como aprendi-

zes, vamos nos responsabilizar para


estarmos sempre disponíveis para
aprender. Qualquer experiência será o
próximo passo ao aprendizado; o que
está numa ótima direção e o que precisa
ter seu rumo revisto. Passamos a receber
constantes ajudas na construção dessa
jornada única que é a vida, que é estar
aqui e agora.

Em vez de nos culparmos, vamos nos


dar amor, colo, aconchego e

calor humano para que possamos


investir nossa energia no aprendizado,
na
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

24

potência de estarmos, mesmo na


dificuldade, aprendendo e assumindo a
pre-
sença consciente na nossa vida e dos
nossos filhos. Afinal, temos sempre duas
escolhas perante um problema: culpar
tudo e todos, incluindo nós mesmos

ou assumirmos a responsabilidade,
colocarmos nossa intenção, nossa
atenção em como podemos resolver o
problema.

JULGAMENTO

A compaixão por nós mesmos e pelos


outros faz perder a importância de

algo muito comum, o julgamento.


Quando sentimos culpa, julgamos os
outros e nos julgamos, saímos do lugar
do aprendizado, saímos do SER e
ficamos

aprisionados ao ego, ao controle, ao


medo, ao dedo que aponta os erros e
acer-tos. É o funcionamento natural da
mente que nunca desliga, acontece o
tempo todo, a todo momento. Esse lugar,
num primeiro momento, parece bastante

confortável, quando pensamos encontrar


o que deve ser concertado, no sentido de
que há algo errado. Porém, é nesse
mesmo lugar que nos perdemos de nós
mesmos, lugar onde nos colocamos e
colocamos os outros como bom ou ruim,

como bem ou mal, certo ou errado.


Viver com isso depois é viver a
distância, a solidão, o isolamento do que
é mais precioso no processo de
aprendizado, a relação viva com cada
pessoa que temos o presente de
conviver.

Com a compaixão e o amor que acolhe,


podemos perceber que o mo-

mento difícil traz o movimento


necessário carregado de novos
aprendizados.

Os julgamentos, funcionamento tão


comum em nossa forma de viver, pare-

cem claros e límpidos, mas são pura


fumaça. Aprisionam e nos deixam sem

novas possibilidades, afinal já está


marcado, carimbado, selado. O que se
há de fazer?

O convite que faço a mim e a você é


percebermos que somente jun-

tos, presentes, inteiros, com os olhos nos


olhos, conseguiremos auxiliar uma
criança, e nós mesmos, no caminho tão
importante da vida, poder Ser quem

é, revelar o Ser-essencial. Sair das


análises, que no fim são apenas
expressões de nossos próprios valores e
necessidades. Colocadas na forma de
julgamento, apenas deixam o outro na
defensiva e resistente. Esse mesmo outro
que tanto
Daniella Freixo de Faria

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nos interessa. Ou podemos até conseguir
que a pessoa concorde em agir de

acordo com nosso julgamento, mas


sabemos que, quando alguém age por

medo, culpa ou vergonha, em vez de


estar de coração aberto, mais cedo ou

mais tarde existirá uma conta a ser paga.


Surgem ressentimentos, ou mesmo
autoestima baixa por culpa, vergonha ou
medo.

O caminho da confiança, do amor, do


encontro, do respeito, da troca,

é possível. É um caminho construído,


passo a passo, olhar a olhar, palavra a
palavra, silêncio a silêncio. Não está
pronto, não está fora. Está na dança
viva, em cada momento, como
oportunidade de Ser, enxergar e
encontrar o outro.

O adulto educado não seria mais aquele


com todos os títulos, pro-

fissional reconhecido, que frequentou


ótimas escolas, um nato cumpridor

de regras e mandatos externos, capaz de


reproduzir padrões e tradições.

Falando assim, pareço falar de um


homem meio máquina. O adulto edu-

cado deveria ser aquele cidadão


consciente, profissional, que expressa
sua vocação, contribui para a sociedade
com esse dom, é capaz de reconhecer o
outro também como alguém único,
reconhece as semelhanças, diferenças,

é capaz de escutar desde um espaço de


profundo respeito, amor e silêncio.

O olhar para o outro é puro


reconhecimento de que ali também há
um

Ser-essencial.

A MENTE

E S E UF UNC IONAME NT O
Acredito que para vivermos com o
nosso Ser-essencial, é importante

demais que entendamos o funcionamento


da nossa mente. Quando obser-

vamos a mente, é possível perceber os


processos que acontecem e se per-

petuam. A mente é importante para nos


ajudar nos cálculos, dirigir carros,
escrever este texto, dentre muitas
atividades lógicas e de organização, mas
a mesma mente cresceu e tomou conta de
outras áreas que nada têm a ver.

Nosso Ser-essencial está longe da mente


e todo o funcionamento da mente
nos coloca longe de nosso Ser-
essencial. Para entender seu
funcionamento, já falamos da culpa e do
julgamento, atividades naturais da
mente. Agora

falaremos de mais aspectos.


CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

26

A mente busca controlar, entender e


racionalizar as emoções. Quando

alguma forte emoção surge por algo


desagradável, a mente tenta entender.

Perdemos tanta energia que acabamos


isolados das raízes da situação, man-

tendo a carga emocional da situação


aprisionada. O outro funcionamento é o
de se tornar, se transformar. Amar e ser
amado são duas necessidades vitais. A
mente sempre busca quais as mudanças
temos que fazer em nós para sermos

merecedores desse amor. Tentamos ser


outras coisas porque entendemos que

parte de nós não é merecedora do amor.


Aí, vemos a mente funcionar a todo
vapor. Ela mesma se julgou, culpou-se,
identificou a dor e seguiu em mudar e
transformar para que ela mesma possa
se perceber merecedora de amor.

Se todos nós funcionamos assim, ao


observarmos nossa mente, sabere-

mos que as crianças também vivem


dessa maneira. Podemos falar de nossos

corações, de nosso Ser-essencial. O


sofrimento desapareceria, teríamos
apenas os problemas, nossa
reponsabilidade e o aprendizado.
Afinal, no coração, a mente não é
necessária nem requerida.

A prova disso é que quando estamos


bem, felizes, a mente fica em

segundo plano, quase que em silêncio.


Quando estamos bem, a tagarela da

mente não aparece contando histórias


catastróficas. Se ela aparece gerando
conflitos, o ciclo se inicia. Nosso
aprendizado e o que podemos ensinar às
crianças é não embarcarmos na tentativa
da mente em gerar conflitos. Existem
três tipos de sofrimento:
Sofrimento Físico: associado ao corpo e
às necessidades do mundo ex-

terior, moradia, saúde, dinheiro,


segurança.

Sofrimento Psicológico: para amar,


quando não conseguimos amar as

pessoas que sabemos que merecem


nosso amor, sentimo-nos culpados e nos

condenamos por isso. Para sermos


amados, movemo-nos em busca de
aceita-

ção e amor e projetamos a perfeição


merecedora do amor. Como a projeção
não é real, acabamos sempre na busca
de receber amor sem nunca conseguir-

mos receber de fato. Ou por causa de


muitos pensamentos negativos, acaba-

mos por viver o medo e o desamparo.

Sofrimento Existencial: sentimento de


ausência ou descontentamento

fundamental que há latente em todos nós


em busca da pergunta: por que da

vida? Condição inerente ao ser humano.


(fonte: Amma&Baghavan)

Diferente do que imaginamos e do que


fazemos, fugimos do sofrimen-
Daniella Freixo de Faria

27
to; a liberação do sofrimento só
acontece quando o vemos de frente,
acalmando a mente que tanto teme a dor
e vivendo a alegria do novo
aprendizado, que só aparece quando
atravessamos esse momento, esse
desconforto. Por tudo

isso o amor, a energia viva do amor, que


é livre deve estar assim livre e
independente de qualquer
comportamento ou condição. Quem traz
o sofrimento

é a mente, nunca o coração. Com tudo


isso, podemos entender o processo de
educação em dois níveis.

O primeiro, superficial, que trata de


auxiliar a criança a viver neste

mundo. Ajuda a desenvolver tanto a


mente quanto o corpo para que possa

expressar todo o potencial do Ser. A


mente, necessária a todos nós, que
possibilita que o Ser-essencial aconteça.

O segundo nível é o profundo, essencial,


que cuida para que o dom,

a vocação possa encontrar seu canal de


expressão. É na própria vida vivida,
puro movimento, que os dois níveis,
importantes e essenciais, caminham.

Nós, pais e mães, podemos ser


educados, ao descobrirmos também em
nós,

nosso “Ser-essencial”.

Com essa presença, como dizem Theda


e Moacir, o amor e a liberdade

estão no começo da jornada e não no


fim. Nessa jornada, é com o amor e a

liberdade que os passos acontecem, pois


é com essa presença que podemos

realmente viver a magnífica


oportunidade que nos foi dada. A
oportunidade de aprender, a
oportunidade de amar, de estarmos aqui
e agora.
Vamos, nesta conversa, integrar os dois
níveis, o superficial e o profundo.

Viver a integração com as crianças,


como pais, como educadores, como
seres-

-essenciais que somos. Vamos


reencontrar nosso eixo vertical, nossa
respiração, nossa conexão, nossa
potência como pai, como mãe, como
Ser. Nós podemos

crescer com nossas crianças tão


queridas, sempre juntos, aprendendo.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

28
Daniella Freixo de Faria

29

Capítulo 2

O COMEÇO

DO CAMINHO

ESPELHOS

INFALÍVEIS

PRESENÇA

IRMANDADE
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

30

OCOMEÇO

DO CAMINHO
“O indivíduo não pode ser separado do
meio ambiente em que aparece

e vive. Cuidar de um é cuidar do outro.


É apenas um aparecendo como dois.

Educar é cuidar da totalidade formada


pelo meio e pelo indivíduo. O meio

é o campo que condiciona e imprime


suas características no indivíduo, e o
indivíduo imprime suas características e
modifica o campo” (Theda Basso e
Moacir Amaral).

No encontro, que começa na gestação, já


iniciamos o processo de edu-

cação ao cuidarmos de nós, mulheres, na


gravidez. O corpo do bebê, depois de
inúmeras transformações, nasce para,
aqui fora, continuar o desenvolvimento.
Necessita de todo o carinho,
acolhimento e alimento. A criança irá
aprender, com nossa ajuda, a usar um
instrumento básico, seu corpo. Aprende
a andar, correr, falar ,pensar, comer,
sentir.

A criança passará por todas as fases do


desenvolvimento, por todos os

sentimentos, emoções. Está inserida em


uma cultura, em um mundo repleto

de crenças, valores, pensamentos, ideias


e ideais. Sofrerá todas as influências,
receberá todas as marcas.
Nossa oportunidade, nosso presente,
nossa missão como educadores,

a cada encontro, a cada gesto de


carinho, a cada não, a cada sim, é
estarmos a serviço de algo maior
acontecendo. Um indivíduo descobrindo
quem realmente é, descobrindo seu dom.
Alguém que sentirá vibrar dentro de si a
vida viva, podendo e querendo a cada
etapa da vida encontrar seu lugar,
encarar com inteireza os fatos, sentir e
viver o verdadeiro e perceber o que não
é.

Fazer escolhas com consciência, agir em


vez de reagir. Uma vida em que o

aprender, o amar, o despertar, faça


sentido.

Nós, educadores, somos seus


acompanhantes, seus parceiros. E passa-

remos por todos os momentos, podendo


conscientemente ajudá-los a realizar
quem são ou aprisioná-los no que nós, a
família, a sociedade, a religião, a políti-
ca, as crenças, a mente, a história,
queremos, com nossa ignorância, que
sejam.

Mesmo vivendo com a criança cada


etapa de seu desenvolvimento, vamos
estar conscientes do que também está
acontecendo. Assim, o real ato de
educar pode-
Daniella Freixo de Faria

31
rá acontecer tanto no nível profundo,
essencial, quanto no superficial.

Vamos refletir de que forma prática, no


dia a dia, podemos colaborar

para esse processo durante as etapas?


Será possível?

No processo, há um movimento
importante que todos desenvolvemos

que chamei aqui de “autoestima” ou


“autoimagem” que trata do quanto gos-

tamos de nós mesmos, sobre nosso


próprio valor. Como me vejo, o que
“sei”
sobre mim. Mais do que isso, esse
sentimento passa pela primeira forma de
construção emocional do próprio
respeito e amor. Tanto no sentido de
amar quanto no ser amado. Respeitar e
também ser respeitado. Podendo sentir o

direito à vida, a gratidão e o respeito


pela vida. É de extrema importância
para o desenvolvimento emocional,
psíquico e contorno corporal.

Com o reconhecimento, sentimo-nos


vivos, acompanhados, e temos

também a condição de nos


reconhecermos. Na primeira infância,
essa vivência determina como a criança
se sente, como se vê no mundo, o que
sente a seu respeito e o valor que se dá
como ser humano. Que fique claro que
esse valor não passa pelo poder, ou
arrogância, mas pelo calor que aquece o
coração, pela alegria e gratidão por ser
quem é e pela humildade de sempre
estar disponível para aprender.

É importante ressaltar que a descoberta


se dá na relação, no momento

presente, a todo momento. Bem diferente


de viver em função de modelos de

“como se deve ser”, contrário a vida


fluida, rio que segue seu curso natural.

Podemos amplificar essa reflexão


quando trazemos a ideia da presença, do
Eu Sou, em letra maiúscula. Muitas
vezes, ao respirar, ou quando estamos

em contato com a natureza, sentimos


mais facilmente essa presença. Esse Ser
único que se apresenta em cada um de
nós, que está em cada uma das crianças.

A Presença-caminho é estar a serviço do


eixo vertical, onde o que é, é.

O reconhecimento também é. O fluxo


vivo se expressa livre e conscientemen-
te. Estamos despertos para apenas
vivermos o fluxo. Podemos olhar para
cada uma das nossas crianças como esse
potencial único e saber que com o nosso
encontro, nossa relação, poderemos
ajudar a criança a des-velar seu dom, a
Ser o “Um” e o “Todo”.

Esse caminho passa pela certeza de ser


amada, de coração para coração.

Nós, pais, a cada dia que passa,


entramos cada vez mais em contato com
o

nosso amor, mas a criança nesse


processo precisa se sentir amada.
Talvez mui-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

32

tos de nós ainda não sintamos esse


calor, que acalenta, acalma. Talvez
muitos de nós tenhamos tido uma viagem
difícil até aqui. Talvez muitos de nós
ainda vivamos nas armadilhas da mente
com sua tagarelice, suas análises,
julgamentos e culpas.

Pensando nisso, acredito demais no


poder de cura dessa relação; afi-

nal, ao estarmos com nossos filhos,


temos a oportunidade única de estarmos
também com a própria criança existente
em nós. Dar o que gostaríamos de

ter recebido, percebermos a dificuldade,


a facilidade, a vontade, a resistência, a
necessidade. Tudo nos informa, conta-
nos a respeito da nossa jornada, que
deve ser aplaudida de pé, respeitada,
acolhida. É por meio do amor, primeiro
por nós mesmos, pela nossa criança, que
conseguiremos abrir os corações

para amarmos o outro, os filhos, os


parceiros de viagem. Oportunidade para
todos. Somos todos aprendizes, não
podemos esquecer. Afinal, é nessa
relação que a criança vai descobrir
quem é, seu valor, sua luz, seu amor e
sua alegria e que passará a compartilhar.
Nós, pais, inseridos no processo de
aprendizado, podemos ter consciência
viva do nosso papel nessa formação.
Que se dá nessa constante interação. E
mais, conscientes da nossa caminhada
rumo ao nosso próprio dom, podemos,
ainda mais conectados, encontrarmo-nos
de um outro lugar com a criança. De Ser
pra Ser, de Aprendiz pra Aprendiz.
Juntos na jornada da vida, com o amor,
com total consciência dos passos do
caminho.

Vamos?
A confiança que a criança tem nos pais,
gerada com essa certeza do

amor, faz com que a escuta de ambos


aconteça com mais qualidade. Desde

a primeira infância, podemos construir


com nossos filhos a confiança de que
sempre podem contar conosco e com
nossa escuta amorosa. É maravilhoso

perceber quando um filho tem a certeza


de que sempre seus pais buscarão
entendê-lo, ajudá-lo e auxiliá-lo. Isso já
vem pronto? Não, nunca estará objetiva-
mente pronto e conquistado. Muito pelo
contrário, é uma longa jornada sem
mapas claros, mas com a certeza do
mais importante: o processo, a
caminhada em si, o que construímos
juntos. Pura vida viva.

A comunicação ou a linguagem, aqui


entendida como toda a forma que

comunica, leva até a criança uma


informação a seu respeito. Como a
criança ainda não tem sua identidade
formada, é nessa relação, por meio dos
nossos

“olhares”, que ela irá se formar. Temos


uma responsabilidade enorme como
Daniella Freixo de Faria

33

pais, como educadores, mas digo que


temos uma oportunidade maior ainda,

de juntos aprendermos, crescermos e


vivermos nesse mundo da melhor forma
possível, com amor, respeito e
reconhecimento do outro.

ESPELHOS

INFALÍVEIS

No cuidado amoroso rumo ao Ser-


essencial que se apresenta, algo me

chama a atenção. Para ilustrar melhor,


contarei uma história minha. Lembro-

-me das brigas que eu tinha com minha


irmã, dois anos mais velha do que eu.

Brigávamos por motivos variados, mas


quase sempre por coisas bobas. Nessas
brigas ela sempre me xingava de
“gooooooooorda”. Eu sempre tive um
corpo

com estrutura, mas nunca, nunca fui


gorda. Ela, como era muito magrinha,

xingava-me com propriedade.


Resultado: passei a vida toda, até meus
17 anos, achando-me gorda, fazendo
dietas mirabolantes, sempre aflita, com
medo de que aquela gorda pudesse
voltar. Para minha surpresa, depois de
algum tempo em terapia, fui atrás de
fotos da minha infância. E, acredite,
pude perceber o óbvio, que antes não
era claro: eu nunca fui gorda, muito
menos a gorda que imaginava. Ouvi
tanto aquilo que acreditei, e mais: vivi
essa realidade.
Vamos imaginar agora o quão fundo
penetra a frase de um adulto do

círculo de confiança da criança. Eu


costumo dizer que entra direto, carimba
imediatamente. Isso acontece porque a
criança está desenvolvendo a identidade
nessa fase, ainda não tem condição
como nós adultos de responder ou

jogar fora o que o outro disse sobre ela.


Se bem que pra muitos de nós, já
crescidos, isso ainda é bem difícil, não
é mesmo?

Nós, pais e mães, muitas vezes, na ânsia


de querermos ajudar em algu-
ma situação, saímos dando nome e
sobrenome aos funcionamentos que
perce-

bemos deles. Com toda a boa intenção,


pensamos estar na direção certa para
conhecê-los ainda mais. Precisamos
saber que esse falatório da nossa parte
só prejudica os filhos e todo o processo
de autoconhecimento.

Pensamos estar mais próximos e


sabidos, mas estamos mais distantes, e

a criança, ao receber toda essa


informação, também estará mais distante
de si mesma. Lá vamos nós levados por
mais um funcionamento da mente, anali-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

34

sar, nomear e buscar entender. Coisa


que nos coloca longe de nossos
corações e de nossos filhos também.
Essa imagem que a criança começa a ter
de si mesma acontece na rela-

ção com as pessoas, em como percebe


seu próprio corpo físico, como funcio-
na com as coisas de seu interesse, com o
ambiente, o que gosta, as habilidades,
dificuldades, dentre outros. É um
processo vivo, que não para, mas que,
momento a momento, traz novas
informações a respeito da pergunta que
todos

nós conhecemos: “quem sou EU?”.


Essas informações vão sendo armazena-

das e fazem parte da resposta nada


objetiva que se movimenta conforme as
relações com o todo e sofre
transformações.

Hoje, talvez o nosso desafio como


educadores seja não mais rotular,

carimbar, enquadrar a criança em


nenhuma característica. Essa atitude
deixa a criança absolutamente presa e
sem saída. Nosso maior desafio é
enxergá-la sem o conforto de encaixar,
coisa que nos parece tão segura, mas é
muito mais frágil do que somos capazes
de imaginar.

As palavras que usamos normalmente


vêm carregadas de julgamentos

que reverberam nas crianças. As


crianças que, na construção da
autoimagem, veem-se de modo negativo,
costumam agir de algumas formas: criam
defesas

e camuflam o sentimento de
inadequação, confirmam a inadequação,
aceitam

e levam uma vida meio apagada, agindo


de acordo com essa característica, ou se
refugiam em fantasias em busca de
alguma compensação pelo que sentem

na realidade. Normalmente, não


percebemos isso acontecer. E sabe por
quê?

Porque nós fomos educados dessa


maneira. Sempre ouvimos comparações
e

sempre fomos caracterizados, seja como


tímidos, agitados, diferentes, agressivos,
molengas, terríveis e assim por diante. E
provavelmente com nossos pais, avós,
aconteceu da mesma forma.

Vamos em busca da segurança racional,


mental, saber o que está acon-

tecendo, qual é o problema, não é assim


que fazemos? Esse enquadramento

traz o falso alívio, a falsa segurança de


que conhecemos os filhos, mas estamos
enganados, estamos muito longe disso.
Como se pudéssemos escolher: viver
a vida numa fotografia, parada, que em
si contém toda informação, finita e sem
perspectivas, ou viver a vida num filme
4D, vivo, repleto de histórias e novas
possibilidades, cheiros, cores,
caminhos, aventuras, alegrias. Filme da
vida viva, construído a cada passo do
caminho.
Daniella Freixo de Faria

35

Podemos neste momento aprender outro


caminho? Se pudermos hoje,

como adultos, lembrarmo-nos dos


carimbos que recebíamos quando
éramos

crianças, talvez fique mais fácil


perceber a tamanha influência que
infelizmente segue contaminando outras
áreas importantes da vida. E o quanto,
mesmo adultos, muitas vezes ainda nos
vemos daquele jeito.

Temos pavor de quando somos


rotulados no ambiente de trabalho, ou

na turma de amigos, ou mesmo na


família. Quando pensamos nos carim-

bos, logo seguimos para os problemas,


para as dificuldades, mas é importan-te
demais ressaltar que os carimbos ditos
positivos aprisionam tanto quanto os
negativos. Se quisermos dizer algo
sobre nossos filhos, que tal falarmos do
processo, do quanto cada passo é
responsável pelo sucesso daquela em-
preitada, qual foi sua atitude, sua ação.
Se colocarmos todos os elogios na
criança, existirá uma expectativa e ela
passa a evitar situações desafiadoras;
afinal, precisa se manter inteligente,
bonita, esperta. Exemplo: uma criança
elogiada pela inteligência entende o
seguinte: “Tenho que ser sempre
inteligente porque essa é a imagem que
os adultos têm de mim”. Agora, manter

um alto nível de inteligência é algo


abstrato e difícil de alcançar. A saída é
buscar uma zona de conforto para
continuar se percebendo inteligente para
si e perante os outros. Mantém o mínimo
esforço, evita qualquer desafio

que possa representar um risco à


imagem. Por outro lado, na cabeça da
criança elogiada pelo esforço, o
pensamento é outro: se passou por esse
desafio, pode vencer o próximo; basta
tentar. Por isso, o elogio deve ser feito
ao processo e não ao resultado.

Somos Seres únicos, eternos aprendizes,


nossa essência: o Amor. Nossa

necessidade: expressá-lo. Somos o que


abre, o que expande, infinitas
possibilidades que, a cada passo do
caminho, aprendem aqui e agora,
conectando-se com toda potência. O
processo do espelho não falha e por isso
acaba sempre funcionando do mesmo
modo em muitas famílias. É um ciclo
vicioso, no qual pais e filhos, juntos,
criam uma nova realidade, normalmente
bastante negativa e difícil. A criança
infelizmente não tem como quebrar o
ciclo, pois ainda está descobrindo quem
é. Somos nós, os adultos, que já
sabemos quem somos, na

maioria dos casos, quem têm condição


de virar esse posicionamento familiar.

Podemos, então, sair da foto e irmos


para o filme 4D. Pensar isso, devo
confessar a você, traz-me um alívio
imenso, penso que para você também.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

36

Estamos livres para pararmos de


procurar e nomear os famosos pro-

blemas e realmente nos relacionarmos,


encontrarmos o outro. Toda a questão
passa por diferenciarmos a pessoa de
seu comportamento ou atitude. Ao igua-
larmos as duas coisas, fechamos,
fotografamos. Os comportamentos serão

corrigidos, mas o valor da criança


perante o processo está intacto. Estradas
distintas, cada uma cuidando de seu
asfalto.

Nossa atenção precisa estar focada em


qual é o objetivo e estrada para a

correção da atitude. Quando usamos a


palavra “você” seguida de algum subs-
tantivo ou adjetivo que descreva a
criança, fotografamos. Quando contamos
o que se passa dentro de nós, o que
estamos sentindo com tal atitude,
estamos falando do comportamento.

Começa simples assim: uma vez João,


ainda com um aninho de vida,

no colo da mãe, dá-lhe um tapa. Ela


imediatamente pensa: “Nossa, como ele
é bravo, agressivo”. Ela começa a olhar
para João com essa característica e
expectativa. Aqui vale ressaltar que
muitas vezes carimbamos com um olhar,
um suspiro, um pensamento, uma
expectativa desastrosa e também com
palavras, expressões em alto e bom som.
Depois de tudo, novos comportamentos

agressivos de João surgem: ele bate,


morde, chuta, e a mãe de João continua
então a comprovar a sua visão sobre ele.
Devo confessar que dá um alívio

enorme saber o que está acontecendo;


afinal, adoramos ter o controle da

situação, mesmo que seja fictício, mente


racional em busca de respostas.

João começa a receber o reflexo sobre


quem é vindo desses espelhos, re-

ferências tão importantes, mãe, pai,


avós. E novos comportamentos surgem.

Até que João pensa, acredita que ele é


assim. O ciclo está fechado e
funcionando a todo vapor.
Esses comportamentos começam a
acontecer também fora de casa;

então aos dois, três, quatro anos, quando


se inicia a vida social, o comportamento
agressivo também irá aparecer. Nesse
ponto a questão ganha força e a família
normalmente busca ajuda.

Acredito que vale a pena resgatar a


importância do amar e ser amado.

Todos nós podemos amar e sermos


amados. A criança sente uma
necessidade

ainda maior, pois sua referência sobre


quem ela é ainda é frágil e está sendo
desenvolvida, alinhando o profundo e o
superficial com nossa ajuda. A crian-

ça precisa então existir perante o pai e a


mãe, perante a professora, diante do
Daniella Freixo de Faria

37

adulto que fornece a referência tão


importante. Precisa existir para ela
mesma, é o começo da jornada rumo ao
despertar.

As crianças são tão inteligentes e


precisam tanto de reconhecimento

que, mesmo que existam negativamente,


ainda assim existem, melhor do que
não existir. É mais uma vez a mente
garantindo sua fictícia tranquilidade e
segurança. Todo reconhecimento é forte
e necessário, acredito eu, para continuar
em frente, crescendo.

Acontece geralmente aos cinco anos; a


criança já reuniu reflexos sufi-

cientes a seu respeito para poder formar


sua primeira autoimagem. Pode não se
sentir bem consigo mesma em todos os
momentos, mas, se de modo geral

se sentir amada e reconhecida, sentirá


alegria ao perceber quem é. Então toda
vez que usamos a frase “Você é” ou
“Nossa, como ele…”, precisamos estar
conscientes de que nossas crianças
confiam em nós, acreditam em nós e
nunca questionarão o que estamos
contando a elas sobre elas. E nós
podemos manter viva nossa missão, a
educação, auxiliar a criança a desvelar
seu Ser-essencial e não encaixá-la em
rótulos. Podemos, sim, com nosso
exemplo e amor, estar com elas para
viver cada situação como aprendizado
conjunto. E a partir daí, encontrarmos
novos caminhos, novas possibilidades
para lidarmos com diferentes situações.

A vivência profissional nos últimos


anos me mostrou o quão forte e

direta é essa influência. As crianças


apenas respondem. Nos encontros com
crianças, pude experimentar algo
incrível. A prova de que cada relação é
única e de que com crianças somos
todos espelhos referenciais. Por isso,
quando nós, adultos, quebramos esse
ciclo, os comportamentos também se
alteram,

pois a criança se percebe reconhecida


de outras formas e está livre, apoiada
para também agir de outras formas. Está
feliz, leve, aliviada. Ter um outro olhar
referencial faz com que ela enxergue a si
mesma com outras possibilidades,
outras cores, outros encantos. Esse novo
olhar é fruto de coração aberto, aberto
para simplesmente estar presente.
Recebendo as informações que ali estão.
Aberto ao novo, ao “não sei” que tanto
traz oportunidade da constru-

ção de novos saberes.

O mais importante: ao usar o “Como


você é…”, seguimos com as

crianças direto para o comportamento


que precisa ser transformado ou que

tanto queremos evitar. Nesse ciclo


improdutivo, a criança passa a ter um
au-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

38

toconceito negativo, está presa em seus


comportamentos também negativos,

que geram o autoconceito negativo, e o


ciclo segue assim, vivo em seu
funcionamento. A criança que se
considera má molda seus atos para que
se en-
quadrem nessa concepção. Ela
desempenha o papel que lhe foi
atribuído. O

ciclo se alimenta a todo vapor; afinal,


quanto pior o comportamento, mais ela é
censurada, punida ou rejeitada. E, em
consequência, mais profunda se torna a
convicção íntima de que é “má”. Os
comportamentos negativos não são

gerados somente assim, mas vejo que


grande parte das crianças e suas famílias
encontram-se presas nesse
funcionamento. Muitos de nós, adultos,
encontramo-nos parados nessa
armadilha, a mente brilhante,
analisando, julgando, condenando,
culpando e dizendo o quanto não somos
merecedores do amar e

sermos amados. Terrível para nós,


imagine para as crianças. Temos,
portanto, uma linda oportunidade de, ao
vivermos do coração com eles,
vivermos do

coração conosco também.

Quando atribuímos uma característica à


criança, estamos nada mais

do que fazendo um julgamento a seu


respeito. E pensando em julgamento,

fica muito clara a prisão que se


estabelece. Se eu, criança, escuto que
sou agressivo ou mole, ou burro, ou
tímido, o que me resta a fazer? A
autoimagem, o conhecimento de si que
deveria ser vivo, puro movimento, está

estagnado em uma “verdade” contada


por nós. “Verdade” que se tornará

absoluta a cada julgamento repetido


depois de cada comportamento repeti-

do, no ciclo fechado.

A pessoa que viveu com carimbos, seja


negativo ou positivo, está apri-

sionada à verdade e passa a desenvolver


um medo da vida, das mudanças. Cria
uma zona de conforto, na condição que
conhece, mesmo que seja limitante e tão
distante do seu potencial, do que pode
realizar, dos dons presentes. A zona de
conforto traz a falsa noção de segurança.
É a lei do mínimo esforço; afinal, se eu
já sou mesmo mole, inteligente, fraco,
agressivo, passivo, o que me faria
pensar em outra possibilidade. Eu sou…
Fazer o quê?

Essa conversa me fez lembrar de um


momento marcante. Sempre con-

siderada tímida, envergonhada, certinha,


fui me sentindo cada vez menor na época
da escola. Se eu pudesse, preferiria ser
uma planta a ter que enfrentar as
pessoas, as leituras em voz alta,
exercícios de matemática na lousa. Era
pânico e a certeza de que eu não dava
conta daquilo. Sofrido. Quando precisei
mudar
Daniella Freixo de Faria

39

de escola, lembro-me de um momento de


total consciência com meus tão

maduros onze anos. Pensei: “Vou mudar


de escola, tenho a oportunidade de

fazer diferente, pois não quero mais


viver na escola encolhida. Ou faço algo
diferente aqui na escola nova, onde
ninguém me conhece, ou farei o mesmo

e terei o mesmo resultado”. Dá pra


acreditar? Nem eu sei como consegui

aquilo. Fiz e minha vida escolar mudou.


Minha vida mudou, eu surgi, apare-ci,
antes de fazer isso para alguém, dei
conta de fazer para mim. Que alegria
lembrar disso, lembrar das amigas,
amigos da escola que nem imaginam,
mas me salvaram. O meu obrigada a
eles.

Hoje, olhando para trás, emociono-me


com a coragem da minha meni-

na. Outro dia minha madrinha ainda veio


me perguntar: “Dani, como foi que você
conseguiu, você mudou, onde foi parar
aquela menina tímida, quieta,

medrosa?”. Contei a história e


comemoramos, delícia. Mas afinal, qual
é o caminho então para não cair na
armadilha?

Antes de qualquer coisa, podemos abrir


os corações para compreender

a mensagem ou o pedido contido no


comportamento. É uma mensagem,

conta-nos a respeito de algo, de alguma


necessidade. Ao estarmos presentes,
temos a oportunidade de fazermos essa
virada com nossos filhos. Depois disso,
podemos então ajudar a construir uma
nova atitude (falaremos disso mais
adiante), saindo completamente do
julgamento. Quando acontece, a criança

está livre para comunicar o que


necessita de outra forma e corrigir o que
não foi legal.

Exemplo: entendi que você está bravo,


que não quer dormir agora,

mas não precisa gritar, eu estou aqui lhe


ouvindo, vendo-lhe. A criança entende
claramente que o comportamento não foi
adequado, e não ela. O mais

importante, percebe a intenção e atenção


para ouvi-la, para ajudá-la a se
comunicar de uma forma mais clara. Os
comportamentos contam pra nós como

ela está se sentindo, se pudermos olhar o


que está atrás perceberemos o real
pedido, a real necessidade.
Podemos e devemos corrigir os
comportamentos mostrando para a

criança como ela “está”, o que é muito


diferente de como ela “é”. A criança,
nessa experiência, está protegida na
certeza do amor e respeito. Nós, com
isso, permanecemos acolhendo o Ser
único que se apresenta para o aprender.

E vemos esses momentos como uma


grande oportunidade de aprendizado.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

40

Com isso, o reflexo do espelho que cria


e que colabora na formação da
autoimagem dos filhos se torna positivo.
Pois o amor, a presença nesse encontro,
está garantida. A criança percebe e
consegue aprender novas atitudes de
forma natural e fluida.

Os rótulos, diagnósticos precoces, são


preocupantes, podem funcio-

nar como reflexo sobre uma vida inteira.


Acredito que todo diagnóstico

deve ser feito com extrema cautela,


depois de cuidar de todos os processos
familiares do qual estamos falando até o
momento. Nunca me esquecerei

de um menino de sete anos prestes a


repetir de ano na escola. Nos encon-

tros com ele e seus pais, pudemos


perceber que havia um ciclo instalado.

Nascido numa família em que a mãe


tinha um funcionamento ágil e rá-
pido, ouviu desde pequeno que era mais
molenga, ou então para tudo

havia um chamado de “Vamos logo,


vamos!”. Na escola, nunca conseguia

terminar as tarefas no tempo proposto,


além do fato de que não conse-

guir acompanhar a classe. Depois de


alguns encontros e muito trabalho,

conseguimos rever os olhares, as falas, a


qualidade de presença, escuta e
disponibilidade. Os pais, com toda a
clareza e consciência, perceberam a

referência que estavam oferecendo a ele.


Com a presença, disponibilidade
para conhecer, encontrar e construir
junto a esse menino, o novo caminho

foi surgindo e suas atitudes começaram a


mudar. Voltou a aprender, a

prestar atenção; o que era lentidão foi se


transformando em ritmo, mais

confiante, e ele desabrochou na escola,


em casa, na vida. Foi de fato respeitado
e visto como único. Passou de ano
tranquilo e um dia me disse com

todas as letras: “Hoje eu sou mais feliz”.

Talvez hoje você possa ser você mesmo,


em sua jornada de aprendiz,
tendo seus pais também mais felizes,
como grandes agentes do importante

passo em estradas tomadas pela


confiança, amor, escuta e alegria.

Exemplos de vida e de retomada como


esses são muitos, mas o pro-

pósito aqui é cuidarmos antes e não nos


afastarmos da missão de educa-

dores aprendizes. Cuidando do profundo


e do superficial, cuidando de

como estar nesse mundo e como ajudar


um ser humano a desvelar o Ser

que aí está. Ajudar a pessoa a se abrir


para o Ser, para o dom e ao mesmo
tempo ensinar e continuar aprendendo na
convivência que é tão intensa,

tão presente.
Daniella Freixo de Faria

41

PRESENÇA

Quando acompanho uma família retomar


o fluxo da vida, confirmo

o quanto podemos aprender com nossos


filhos. O quanto somos aprendi-

zes sempre. A experiência de olhar


novamente, respirar, transformar desde a
criança traz para nós a oportunidade de
renascer. A oportunidade de revermos
as histórias, nossa criança e despertar
como Ser, como pessoa, como vida que
se apresenta, como Presença.

Presença, palavra forte que talvez


conheçamos apenas como estar ali, aqui,
será que veio, não veio, está, não está.
Ou na chamada da escola: “Daniella?”.

“PRESENTE!”. Presença, fluxo vivo,


capacidade de acalmar os pensamentos
e ir ao encontro do silêncio, que, ainda
repleto de barulho, encontra uma
harmonia, uma paz gostosa. Presença
que somos capazes de sentir, perceber o
sutil, o denso, a essência, a vida
pulsando, a alegria, o amor, a ligação do
micro e do macro, do um e de tudo, da
unidade e totalidade. Que nos coloca a
serviço desse dom, desse Ser que
entregue, caminha pela vida com os
outros e consigo mesmo, com a
humildade de aprendiz, vontade de
criança e o coração aberto.

Como a música que adoro – Serra do


Luar, da Leila Pinheiro –: “A

mente quieta, a espinha ereta e o


coração tranquilo”. Às vezes
caminhando mais firmes, fortes, outras
vezes com mais suavidade, sutileza, mas
sempre inteiros, despertos, prontos para
essa dança que é estar aqui vivo,
fluindo, dando e recebendo o que há de
mais sagrado: o amor. E com nossos
pequenos, temos a oportunidade de
entrar na escola repleta de
oportunidades de aprendizados, de
encontros, reencontros. Temos a real
oportunidade de

aprender a amar. Para depois expandir


essa possibilidade para todos os nossos
companheiros de viagem.

Nessa relação de abertura, a criança


com o Ser acolhido, com o reflexo

positivo, com os comportamentos e


atitudes corrigidos, está livre para
aprender, pois errar passa a fazer parte
do grande aprendizado que nunca
termina.
Saímos então do julgamento e abrimos o
mundo de possibilidades, saímos da
crítica à criança e
ensinamos/aprendemos sobre seus
comportamentos, novas possibilidades
de comunicar as mesmas coisas, saímos
da prisão e chegamos à liberdade,
saímos da dor e chegamos à alegria,
saímos do peso e chegamos à leveza,
mas, principalmente, saímos da
distância e chegamos ao encontro.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

42

A criança não é agressiva; ela pode


estar agressiva e essa agressividade

nada mais é do que um pedido de escuta,


de ajuda. Apenas nos informa, con-ta-
nos qual é o próximo passo do caminho.
Pode não parecer, mas a diferença é
enorme.
Com os pais presentes e conscientes,
qualquer movimento necessário

é percebido naturalmente. A sua


participação não está mais atrelada ao
certo e ao errado. Como se isso viesse
de fora. A resposta sempre está no
“nós”, na relação, nos olhos nos olhos.
E o nosso grande aprendizado é
simplesmente ouvir o coração, ouvir
com todos os canais abertos e estar
disponível para aprender com as
experiências.

A IRMANDADE

Como é maravilhoso ter irmão, irmã, ou


os dois. Crescer com alguém
ao lado é tão especial que talvez só
tenhamos consciência quando grandes,
adultos já formados. É importante saber
que nosso olhar interferirá diretamente
na relação entre irmãos, por isso vamos
falar disso aqui. Nas obser-vações de
uma palestra que fiz na escola Lourenço
Castanho, li: “Não vejo a hora de ir para
casa abraçar e beijar cada um dos meus
filhos únicos”. Que presente sentir quão
livre, leve e feliz é essa colocação. Isso
mesmo, mesmo tendo dez filhos, temos
dez filhos únicos. Únicos em suas
necessidades, em seu jeito, seu olhar,
seu ritmo, seu gosto, suas gracinhas, sua
própria vibração, único em quem é. Sem
a comparação como uma forma de
resolvermos algo
que não estamos conseguindo lidar.

Lembro-me do quanto eu tinha o olhar


da certinha em casa: estudiosa,

tímida; minha irmã ocupava o olhar da


preguiçosa, com mais dificuldade nos
estudos, mais “desencanada”. Nós duas
nos fixamos, hoje somos grandes amigas
e parceiras, mas, para tal, precisamos
sair desse lugar. Lugar que, nem de
longe, nossos pais quiseram nos colocar.
Esse efeito comparação é bombástico,
sempre bombástico. Não vale a pena,
nunca. Encaixa, enquadra e distancia os
dois irmãos. É importante que toda a
correção aconteça separadamente.

O olhar dos pais para os dois seres que


juntos crescerão com desafios

Daniella Freixo de Faria


43

fará toda a diferença em como essa


relação se construirá. Ou na competição
em busca de aprovação do fora, ou em
colaboração pela certeza do amor que
receberam sendo únicos e respeitados
em sua unicidade. Essa é uma questão
muito importante já que será nessa
jornada que essa relação fraterna se
estabelecerá e refletirá por toda uma
vida. Nossa responsabilidade é enorme
e precisamos estar conscientes. Imagine
uma criança que com quatro anos ouve
demais comparações com seu irmão e
fica sempre com o lado negativo. E olha
que nós nunca faríamos isso se
soubéssemos o resultado, não é mesmo?
Às vezes, na tentativa de melhorar uma
situação, temos a ilusão de que contar
que o outro irmão consegue fazer
estamos ajudando, mas não estamos;
estamos

fazendo com que a competição inútil


surja entre eles. Estamos fazendo com
que um queira existir mais e melhor,
para nós, perante o outro.

Quando incluímos o conceito de


“melhor”, automaticamente estamos

gerando uma comparação, um


julgamento; afinal, sempre é preciso ser
me-

lhor do que algo ou alguém. O desafio é


olhar para uma pessoa sem precisar
compará-lo a nada nem a ninguém para
compreendê-lo ou mesmo admirá-lo.

Quando pensamos no amor junto da


palavra comparação, é possível

perceber o quanto essas palavras não se


conversam. O amor é comparação?

Dizemos que amamos mais esse do que


aquele? Quando temos a comparação

como medida de amor, será que estamos


falando de amor realmente? Quando

comparamos, quem está em


funcionamento é nosso pensamento, a
mente.
O amor não é movimento do
pensamento, por isso, quando
comparamos o

amor, não se trata de amor, e sim de um


pensamento em ação. Desmontar esse
esquema parece bastante complicado,
mas não é. Irmãos se amam antes de

tudo, se paramos essas falas e


reconhecemos em ambos as qualidades e
feitos, isso tudo se estabiliza. E a
irmandade volta a fluir em seu curso
natural de amor, alegria, desafios
naturais, apoio e muito companheirismo.

Ao cuidarmos de nossos olhares desde o


nascimento, estamos cuidan-
do desde sempre desse relacionamento
tão precioso. A única diferença está em
quem chegou primeiro e quem veio
depois. Quando o irmão mais velho

percebe o quanto é amado, admirado


pelo menor, quando percebe que ali há

mais alguém lhe dando atenção e amor,


toda a insegurança inicial termina. E

quando esse irmão que veio depois tem


seu espaço legitimado, reconhecido

e respeitado por seu irmão mais velho,


esse amor pode ser curtido. E o mais
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

44

interessante nessa construção é


percebermos como nós, pais, também
crescemos no processo.
O primogênito, quando nasce, encontra
determinada maturidade; o

segundo e o terceiro filhos encontram


pai e mãe mais preparados e experientes
para alguns assuntos; porém, algo novo
está no ar, a família está crescendo e a
relação entre os irmãos é a grande
novidade. Por isso, muitas vezes vem a
sensação de estarmos diferentes quando
temos cada filho; estamos, sim, em outro
momento da espiral de desenvolvimento.

Quando minha filha mais velha nasceu,


aprendi a sobrevivência, a mu-

dança de valores, prioridades e como


viver o maior amor do mundo. Realiza-
ção total. Quando minha filha mais nova
nasceu, já conhecia a sobrevivência e vi
o maior amor do mundo se multiplicar,
como se abríssemos mais linhas
telefônicas, com nenhuma perda das
linhas já existentes. Com a
sobrevivência garantida, pudemos, com
a chegada da segunda filha, cuidar dessa
irmandade, desse direito de existir. A
minha pequena me ensinou o sutil, o
cuidado legí-

timo do que está dentro de nós. E nossas


duas filhotas nos ensinaram como é
maravilhoso dar sem esperar receber
nada em troca, ensinaram-nos a alegria
de compartilhar, do viver em nós.

Com irmãos gêmeos, podemos perceber


ainda mais a necessidade de

olharmos para as crianças como únicas.


Tive a felicidade e a oportunidade
incrível de atender alguns irmãos
gêmeos e digo que foi maravilhoso
perceber o quanto, apesar da ligação
forte, amorosa, íntegra, existe também
uma constante necessidade de existir. De
“Ser” e ser visto como “Um”, vivendo
desde seu próprio referencial. E quando
isso acontece, é visível a alegria, a
liberdade, e como faz bem olhar para
trás e perceber as próprias evoluções.
Poder olhar para o lado não mais como
referencial e, sim, como parceria.

Talvez na família com gêmeos essa


questão apareça tão forte que cria-

mos a maior competição já vista na face


da Terra. Pais e mães estão sempre
devendo. Explico melhor: se por acaso
um dos gêmeos está com a mãe, que

precisou passar no mercado, ela deve


dar uma passada no mercado com o

outro filho. Garantir ser visto como


único é muito diferente de fazer coisas
no um a um. Fazer coisas separadas ou o
dia do filho único não garante que a
criança seja vista e se sinta única,
amada. Não garante que um encontro de
qualidade esteja existindo. É uma
armadilha frequente, difícil de escapar.
Daniella Freixo de Faria

45
Quando o amor, o encontro e a vontade
de estar junto estão garantidos, o

natural da vida pode seguir com dez


filhos, filhos únicos, filhos gêmeos etc.
O

amor, como disse anteriormente, não é


medida; é encontro, experiência, olhos
nos olhos, momento presente.

Outro assunto bastante comum surgiu há


muito tempo, desde que nós,

agora pais, éramos crianças, ou ainda


quando nossos pais, agora avós, eram
crianças. E não sei para você, mas essa
história sempre gerou desconforto,
questionamentos e praticamente nunca
obtive uma reposta. Será que há essa
resposta? Muitos de nós até podem ter
ficado marcados com a ideia: existe o

“filho preferido?”.

Andei pensando algo interessante tendo


como referência minha própria

infância, minha atual maternidade e o


rico aprendizado com as famílias que
acompanho. E sabe o que percebi? Que
temos, sim, filhos diferentes, aliás, que
bom! Seria muito chato termos filhos
iguais em suas atitudes e temperamento.
Mas voltando à nossa reflexão, percebo
que o filho mais parecido com o
temperamento dos pais parece ter mais
afinidade. O que faz com que todo o
processo de educação seja mais
tranquilo, já que a comunicação
acontece com mais facilidade. Pelo
nosso ponto de vista, um filho parecido
conosco gera muito mais conforto no
convívio do que um completamente
diferente

de nós. Porém, será com o filho


diferente de nós que teremos a grande
chan-ce de vivermos novos
aprendizados. Como se pudéssemos
dizer: o parecido

conosco gera mais conforto, e o


diferente de nós, mais desafios e, com
isso, mais aprendizado.

Vamos rever a crença sobre a


possibilidade de alguma preferência
para

agora, por que não? Pensarmos nas


inúmeras oportunidades, ricas e novas,

que temos tanto com os parecidos quanto


com os diferentes de nós. Muitos

também pensam que a preferência acaba


recaindo sob o filho mais frágil
emocional ou fisicamente. Mas isso
também fala de como nós lidamos com
nossas fragilidades. Está certo que ver
um filho doente, frágil, não é tarefa fácil,
mas também temos que concordar que
nossa postura perante esse fato também

refletirá em como a própria criança


lidará com ele.

O fato é que todos nós, pais, mães,


filhos, filhas, estamos no mes-

mo barco, aprendendo, crescendo. Sinto


que saber dessa real possibilidade de
aprender pode fazer toda a diferença em
nossa postura como pais e filhos. O
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

46

direito de Ser quem somos sempre,


despertos aos inúmeros chamados para

qual é o próximo passo do caminho.


Vamos?

Conviver com um irmão ou irmã é o que


há de mais especial e sagrado
para uma criança. E o mais lindo é ver
quando eles percebem isso. É quando
chega o momento e a criança
simplesmente pede mais irmãozinhos.
Delícia!
Daniella Freixo de Faria

47
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

48
Daniella Freixo de Faria

49

Capítulo 3

MOMENTO SAGRADO

- A ESCUTA

AUTOCONFIANTE

E SEGURO

SER ÚNICO
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

50

MOMENTOSAGRADO

A ESCUTA
Vamos colocar nossa atenção em como
estamos ouvindo nossos pe-

quenos. Muitas vezes ficamos tão


perdidos, buscando uma luz no fim do

túnel, que não percebemos o quanto, a


todo tempo, estamos recebendo falas,
expressões, choros, situações que nos
informam o que a criança precisa ou está
pedindo.

Podemos fazer da escuta um momento


sagrado, de encontro, de troca,

de ajuda, de acolhimento. Nós


precisamos nos ouvir, ouvir a criança,
ouvir nosso coração ao ouvi-la. Isso é
estar Presente. A criança fala de muitas
maneiras. Fala com seus
comportamentos, às vezes regredido, às
vezes avançado, ou aéreo, ou irritadiço,
ou agressivo. Em outros momentos, fala
com choro, com corpo desanimado, com
corpo agitado, com barulhos, dentre
outras inúmeras possibilidades.

Lembro-me como se fosse hoje de uma


menina doce, nos seus seis

anos, que havia investido em somente


uma grande amizade na escola. Um

belo dia aconteceu da grande amiga não


querer mais estar com ela, e nesse
instante surgiu um enorme sofrimento.
Recebi um telefonema do pai dessa
pequena, que estava bem aflito.

Quando essa pequena chegou da escola


com cara, voz, olhos de choro,

o pai logo perguntou o que havia


acontecido. A melhor amiga não queria

mais estar com ela. E ele, o que fez?


Pegou-a no colo e começaram a
conversar. Ele contou o quanto sabia
que isso era difícil, havia passado pela
mesma situação na escola, quando era
menino. Ela, surpresa, perguntou o que
ele fez, e ele respondeu que tinha se
dado, então, a oportunidade de conhecer
novos amigos e que, com essas novas
amizades, tudo passou. A filha e o pai se
abraçaram muito, choraram juntos e a
vida seguiu. Depois de uns três meses,
essa mesma menina foi escolhida por
sua turma para ser representante de sala.
Havia conseguido fazer novos amigos,
além de manter a amizade com

sua grande amiga.

O momento sagrado da escuta é


construído quando a situação vivida

pelo outro pode ser realmente ouvida,


compartilhada e recebida com o ponto
Daniella Freixo de Faria

51

de vista desse outro. Muitas vezes,


quando um filho chega com algum pro-

blema, ouvimos o relato e como seu


problema também é coisa de criança,
não damos a devida importância. Por
que fazemos isso? Talvez porque nos-

so mundo adulto seja tão complexo que


quando o problema da criança é o

amigo ter pegado a sua figurinha, vemos


como insignificante. Insignificante pelo
olhar do adulto; para a criança, a
história da figurinha é equivalente a
alguém levar embora seu computador ou
seu carro. Precisamos constatar que a
criança tem seu tamanho físico,
psíquico, emocional, intelectual, e que
se comparado a esse tamanho, as
situações problema são compatíveis. O
que

é extremamente esperado e saudável. O


que para nós pode ser simples e ir-
relevante, para a criança é uma tragédia
real, com real sofrimento que, tanto
como nós, terão de aprender a lidar, a
olhar o problema de frente e não criar
sofrimento em cima deles.

Ver com o ponto de vista da criança faz


com que junto com ela possa-

mos ajudá-la a sair da situação. Ajudá-


la a sair é diferente de resolver a
questão por ela. Nosso foco é a criança
e não a situação em si. Se resolvermos a
situa-

ção por ela, a criança deixa de ser o


foco, a situação é resolvida e ela perde
a incrível oportunidade de atravessar e
aprender com o desafio.

A escuta, a conversa, a disponibilidade


e o acolhimento farão algo ex-

traordinário acontecer. Conversando, a


criança passa a aprofundar suas
reflexões. Além disso, passa a se
escutar e, nessa escuta da própria fala,
tem ideias, percebe emoções, faz novas
conexões. Com a conversa, ajudamos
nossas

crianças a chegarem ao sentimento


original. Trilhamos com elas o caminho

da construção dos mandatos internos, a


construção do que elas querem fazer ou
não fazer naquela situação. A tomada de
consciência de quais necessidades não
estão sendo atendidas e como pode
colocá-las para fora de uma maneira a
ser compreendida. Conforme esse
diálogo acontece, as próprias crianças

começam a dizer o que querem fazer.

Umas das frases que adoro e me sinto


absolutamente livre é: “Como

posso ajudar você a resolver isso?”. É


incrível, mas na maioria das vezes as
crianças têm a resposta. E nós podemos
ajudá-las a resolver como precisam.

Somente presentes e disponíveis


conseguiremos esse dialogo tão
rico e vivo. Com o genuíno interesse de
escuta e livres do julgamento,

estamos frutificando o espaço interno


para a percepção ampla. Inúmeras

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho
52

possibilidades de fazer escolhas


próprias, livres de todas as expectativas
que os rodeiam.

Outro dia um irmão mais velho


comunicou o quanto queria novamen-

te ser bebê; disse com todas as letras


que queria mesmo ser o irmão mais

novo. Foi demais vê-lo falar o quanto


estava difícil ser o maior, ser grande
naquele momento. O caminho percorrido
até a fala foi longo, mas por ter sido
realmente ouvido, conseguiu esse canal
aberto para a conversa, conseguiu
entender o que se passava. A mãe
conversou de coração aberto e se deixou
tocar; afinal, aquilo não é uma bobagem
ou coisa de criança: é legítimo.

Há momentos em que ao ouvirmos


claramente o que nossos filhos

estão sentindo, ficamos em choque,


como se a clareza da criança nos assus-
tasse. Todo o acolhimento e a qualidade
de escuta trazem como resultado a
consciência na criança além da vontade
e da naturalidade para compartilhar,
falar, chorar. As crianças esperam e
pedem isso de nós; mesmo nos bons
momentos, querem compartilhar. Outro
dia, um menino fez seu primeiro gol e

ao chegar no carro, contou, todo


entusiasmado. Seu pai, depois de um dia

muito cheio, vibrou, mas logo passou


para o próximo tema. Mais tarde, seu
filho o procurou e disse o quanto aquele
primeiro gol de sua vida era importante
e o quanto precisava demais que o pai
comemorasse com ele. O pai se
desculpou, abraçou-o e voltaram a falar
e vibrar com o gol. Lindo, próximo e
disponível. Aprendizes!

Às vezes, diante de uma crise de choro,


ficamos parados, ou assumimos

a postura da batalha; afinal, somos nós


os adultos que devem ser respeitados
pelos filhos. Mas se olharmos um pouco
para trás, veremos outra necessidade.
Passei por algo parecido com minha
filha. De repente uma crise de choro
violenta porque não queria ir jantar.
Irritada, brava comigo. Eu não entendi,
mas OK, fiquei ali, ouvindo, e disse que
não precisava gritar, não era a melhor
forma, que eu não estava entendendo;
falei firme novamente, ela parou e foi
jantar. Eu, com um aperto no coração.
Ela voltou à sala e eu perguntei se ela
queria sentar perto, conversar. A
resposta veio seca: “Não, mãe,
obrigada”.

Depois que ela dormiu, eu ainda com o


mal-estar, percebi que meia hora

antes de toda a crise ela havia me


chamado, pedido a mim para ver um
site, tentado deitar no meu colo, e eu,
naquele momento vendo contas e e-
mails, não dei atenção, tirei-a do colo
praticamente com meu cotovelo.
Socorro! Fui
Daniella Freixo de Faria

53

dormir mais tranquila, entendi, capaz de


sentir o que se passou com ela. No dia
seguinte de manhã, ela abriu aquele
sorriso, abraçamo-nos e eu perguntei se
o choro, a braveza da noite anterior
havia sido pela falta de jeito, pelas
cotoveladas em vez de encontro. Ela
disse que sim. Pedi desculpas, ela me
abraçou e pediu também. Conversamos
sobre como ela poderia ter feito de

outra forma, e eu também. Que alívio,


que delícia, que paz, nós conseguimos
nos ouvir. Isso significa que tenho que
fazer tudo o que ela quer, na hora em
que ela quer? Lógico que não. A mágoa,
a braveza, eram para “o como” e

não pelo fato de não ter feito o que ela


queria. Se eu tivesse dito que naquela
hora não podia, ela entenderia, ou até
ficaria chateada, mas foi a minha não
resposta, ou minha resposta indelicada
que a deixou furiosa.

Muitas vezes a psicologia infantil é


confundida com o “diga-me o que
devo fazer” ou dizer em determinada
situação. E com tantas respostas vindas
de fora, ficamos absolutamente
perdidos, sem potência nenhuma. As
conversas nos potencializam, pois a
cada encontro mais próximos ficamos e
mais

confiança temos na relação. A certeza


do amor, do não julgamento e do
acolhimento passam a temperar os
encontros.

Todas as experiências serão construídas


junto à criança e suas necessi-

dades; não tem resposta certa ou errada,


temos a presença-caminho para cada
pessoa, para cada criança. Respeitar
esse movimento, deixá-la viver o
momento pleno é educação,
aprendizado.

O processo acontece e uma palavra


traduz a entrega: empatia. É a nossa
capacidade de estarmos presentes no
encontro, na escuta, no movimento de
cura. É

por meio da empatia, da percepção de


que o outro está ali aberto, empático,
que a conversa pode acontecer. Se sinto
o outro fechado, sem interesse genuíno,
não me sentirei bem para tal abertura.
Quando somos empáticos, estamos
abertos a receber o outro sem
julgamento, como ele é. Não tentamos
mudar o outro ou seus sentimentos;
tentamos aprender como o outro sente,
sem buscar o porquê, apenas ver como
esse outro vê, sentir como esse outro
sente. A arte de escutar acontece na
verdade quando vivemos o insight de
que eu e o outro somos iguais, seres
humanos que sentem a mesma
necessidade de amar e serem amados.

Em muitos momentos, ficaremos com um


grande “Não Sei” em letras

garrafais quando nos perguntamos o que


está acontecendo com os filhos ou

em casa. A mente entende o “não sei”,


na maioria das vezes, como nada, zero,
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

54

resposta errada. Ficamos desesperados


atrás da resposta objetiva e a mente
tagarela segue firme na elaboração de
muitas histórias terríveis que expliquem
a realidade. No seu funcionamento
automático, busca julgar, entender,
culpar e controlar a situação. Quando
isso acontece, estamos longe, muito
longe

de compreender algo, estamos


desconectados, ausentes.
Emocionalmente, na

relação, dentro do processo, esse “não


sei” já é uma reposta, já é um
sentimento, um caminho, um início. Um
espaço aberto que permite o movimento.

Impressionante vermos a diferença do


olhar partindo da mente e depois
partindo do coração. Essas são as duas
formas que podemos viver a nossa vida
e ensinarmos nossos filhos também: a
mente tagarela com suas histórias que
tanto nos amedrontam ou o coração,
“presença-caminho”, encontro, conexão.

Resultados e trilhas muito diferentes,


não acha?

Quando o “não sei” aparece, jogamos


fora, não damos a menor aten-

ção e ainda nos julgamos incompetentes,


que não sabem de nada. Comigo

pelo menos é assim em muitos


momentos. Vamos experimentar ficar,
sentir,
respirar esse “não sei”, o tempo que for,
até que esse “não sei” passe a ser
sentido, vivido como algo, valorizado,
recebido e percebido como sabedoria,
como resposta legítima. Ao fazer isso,
atravessamos esse deserto e percebemos
que nunca estivemos sem água, sem
rumo, sem caminhar, sem sentido.

É libertador.

Podemos ter empatia com o silêncio. O


silêncio que traz tantas infor-

mações a respeito de nós mesmos e do


outro. Podemos perceber que tudo

nos “in forma”, tudo nos ensina, tudo


traz movimento. Tudo é exatamente
do jeito que deve ser. Lembrei das
quatro palavras que funcionam como um

mantra pra mim: entrego, confio, aceito


e agradeço. Vem a calma e a con-

fiança de que sim, está tudo bem. A


mente se acalma e o coração se
tranquiliza. O próximo passo do
caminho-presença surge sem sofrimento
ou dor.

E o problema, a situação enfrentada


antes se transforma em aprendizado e,
portanto, em alegria.

A empatia é ouvir com o coração e não


com a cabeça. É estar lá,
sentindo junto, aberto, mas sabe o que
fazemos normalmente? Atolamos o

outro de conselhos e resoluções para os


seus conflitos. A intenção é linda, mas a
real ajuda é apenas estar lá, respirando
junto. Para isso basta estarmos lá,
presentes!
Daniella Freixo de Faria

55

AUT OC ONF IANT E

E SEGURO

Refletir sobre a possibilidade de a


criança falar sobre emoções, senti-

mentos, é perguntar, como nós, pais,


falamos do que vai em nosso coração.
Será que nos aceitamos, olhamos para
nossos sentimentos?

Uma das situações mais comuns é tentar


esconder das crianças quando

não estamos bem. Sabemos que a


intenção é poupar e proteger a criança,
já que normalmente estamos chateados,
seja pelo trabalho, tensões do dia a dia,
trânsito. Você entra em casa irritado,
anda de forma diferente do habitual,
respira mais rápido. E quem chega para
te receber? As crianças e o cachorro,
caso tenha um. As crianças logo
começam a solicitar, e você segue
calado até o quarto, e quando tira o
sapato, escuta: “Pai, você está bem?”.
“Mãe, está brava com alguma coisa?”.
Minha filha pergunta se estou estressada,
não é sensacional?

Sei que a pergunta é terrível, mas o


preocupante é que dizemos que não

temos nada. A criança ainda insiste e


nós insistimos na resposta de que nada
diferente está acontecendo. A primeira
coisa que surge na cabeça dela é uma
grande interrogação a respeito do que
você, pai ou mãe, já sabe referente ao
que ela possa ter feito de errado ou fora
dos combinados familiares. O
pensamento que surge corre direto para
a briga com o irmão, o vaso quebrado, a
lição não feita, a nota baixa. Será que
ele já sabe? Será que ela vai me dar uma
bronca?

Um filme gigante passa pela cabeça e,


sem reposta, seguem diretamente para o
medo, para a culpa, para o não encontro.
Algo mais danoso pode acontecer. A
criança que havia percebido
corretamente fica se convencendo de
que percebeu errado, mesmo tendo todos
os sinais. Ela foi checar a percepção e,
diante do

“nada”, fica totalmente insegura . A


conclusão da criança é que está
enganada.

Quando não confirmamos uma


percepção correta, deixamos nossos
pequenos
frágeis na confiança de sua percepção,
intuição e sentimentos.

E por que os adultos fazem isso? Porque


achamos que “deveríamos”

estar sempre bem. Fazemos uma aliança


com como “deveríamos estar” e, com

isso, afastamo-nos de como realmente


estamos. Uma traição a nós mesmos.

Essa traição propõe também a traição da


criança, que fica confusa entre o
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

56

que percebe e o que gostaríamos que


percebesse. Cria-se com isso um ciclo
de afastamento de cada um consigo,
além do afastamento entre o adulto e a
criança. Essa é a não presença.

Um dos maiores aprendizados é


exatamente confiar no nosso sistema,
nos nossos instrumentos de navegação,
desenvolvê-los. Podemos ajudar nos-

sos filhos a confiar nesse incrível


sistema desde pequenos apenas
confirmando suas percepções. A escuta
interna é aprendida e fará toda a
diferença em como nos relacionamos
com o mundo externo e com o mundo
interior.

Dentro da relação de extrema confiança,


podemos ser o grande exem-

plo de que sentimos tristeza, medo,


alegria, raiva e amor. Mostrar tristeza
ou medo, ou raiva vai servir para que a
criança perceba que sentir, todos nós
iremos. Cada um à sua maneira, mas
todos nós sentimos. E que podemos

também aprender com esses momentos,


aprender a dar novos ou diferentes

significados para as experiências. Não


iremos dividir com ela os problemas do
mundo adulto, que causariam mais
angústia. Lembrando que falaremos a

verdade adaptada à idade da criança e


contexto do momento.

Essa confiança é alimentada de muitas


formas. Uma delas é falarmos

a verdade sobre para onde iremos, que


horas voltaremos, o que acontecerá
no dentista ou pediatra. Essa confiança
construída no cotidiano da vida fará com
que nossa relação amadureça de forma
sólida e respeitosa. No processo a
criança tem sempre a certeza de que
estamos sendo honestos, verdadeiros e
capazes de cumprir o que falamos. Isso
ensina a importância da palavra dada.

Podemos e devemos mostrar a


humanidade que se expressa nos senti-

mentos. Quando negamos, é como se


deixássemos as crianças sem parâme-

tros, à deriva. Como se sentir fosse algo


errado, ruim.

Quanto mais verdadeiros formos com


nossos filhos, melhor. É na total

autenticidade que a relação de


aprendizado mútuo trará os melhores
caminhos e as melhores escolhas. A
importância de existirmos para nossos
filhos. Para isso, é importante existirmos
para nós também. Sentimos, sonhamos,
alegra-mo-nos, ficamos tristes, temos
nossos medos, nossas vontades. As
crianças, nesse processo conjunto de
aprendizado, vão nos enxergar não só
como seus pais e mães, mas também
como seres humanos.

Voltando a falar mais uma vez da


educação, é por meio da presença-

-caminho que as coisas acontecem. Não


existe apenas o guia externo; existe o

Daniella Freixo de Faria


57

seu caminho, o guia interno. Até porque


vivemos muitos contextos diferentes.

Num dia desses discutindo sobre a ideia


dos contextos, falávamos o

quanto é difícil vermos uma mãe dando


banho numa criança no farol; o quan-to
ficamos mal com aquela cena. Já
tomamos nosso banho e num chuveiro e

banheiro quentinhos. Pensando naquele


contexto, talvez para aquela criança seja
um dos melhores momentos, pois tem a
mãe cuidando, lavando e se

dedicando a ela. Óbvio que no exemplo


outras importantes circunstâncias

se apresentam, a absurda situação de


alguém morar na rua é uma delas. Mas
pensando na visão da criança e na nossa
visão, o que quero levantar é que cada
um vive de uma forma e que pode
encontrar sua forma de viver. Quero
dizer, o caminho não pode ser
construído de fora para dentro, e, sim,
de dentro para fora. Na presença-
caminho.

O que podemos receber são informações


que ajudam a construir a pre-

sença-caminho. Cada Ser-essencial,


cada encontro, cada olhar são únicos de
uma mesma totalidade. Somos gotas de
um mesmo oceano! Respiramos o

mesmo ar! Somos Um! Sentimos,


choramos, rimos, amamos e queremos
ser

amados.

SER-ÚNICO

Acredito demais na natureza, e perceber


seus ciclos e seu processo na-

tural de crescimento nos ensina sobre


nosso processo. Com os seres humanos
não é diferente. Estamos em movimento,
ar entra e sai, o corpo se modifica, os
aprendizados em ritmo ora acelerado,
ora devagar, porém sempre ativos.
Hoje, com toda tecnologia e estudos
disponíveis, cada vez mais conhecemos
os processos das plantas, da natureza,
do aprendizado e do desenvolvimento
humano. Por um lado, temos mais
possibilidades de compreensão, de
auxílio e de retomada quando algo não
vai bem. Por outro, temos também um
en-quadre, um caminho pré-concebido
de como essa caminhada deve ocorrer.

Com as crianças não é diferente. Hoje


temos informações sobre desen-

volvimento pedagógico, curvas de


crescimento, dentre muitas outras formas
de medição e controle. Toda essa
evolução trouxe muitos benefícios, mas
nunca podemos nos esquecer de que
apesar de termos muito em comum,
somos

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

58

únicos. A criança tem em si a potência


para o crescimento e aprendizado.

Seria muito melhor se confiássemos


nessa realidade e pudéssemos olhar com
a confiança no potencial vivo do
crescimento. Muitas vezes duvidamos
do

potencial. E, com isso, enganamo-nos ao


pensar que será por meio da pressão que
nossos filhos vão crescer.

Cada planta, flor, árvore, tem seu ritmo


de crescimento. Cada ser hu-

mano, cada criança. A criança irá se


lançar em algo novo quando se sente

segura. Segurança física, emocional, em


si mesma e confiança nas relações que a
cercam. Quando voltam um passo atrás,
logo ficamos desesperados.

Acredito ser fundamental sabermos que


toda criança possui seu pró-

prio ritmo de crescimento, um padrão


que lhe é específico e deve ser
respeitado. Uma grande espiral
ascendente, passamos pelos mesmos
pontos inúmeras

vezes, mas temos a oportunidade de


fazê-lo de um lugar de maior
consciência, clareza. Crescer, aprender,
não é um processo linear, reto, uma
progressão já pré-calculada. É um
processo vivo, único, que se apresenta
num ritmo que, muitas vezes, parece não
ter ritmo nenhum, mas ainda assim é
música. Podemos ouvir a canção de
nossos filhos a cada passo, mesmo que
essa música nos traga o silêncio, a
parada. Se pararmos para pensar, o
silêncio, a pausa na música, é o que
possibilita a música de existir. Som e
pausa, som e pausa…

Daí, cantamos e ouvimos belas


melodias.

Queremos sempre a indicação de que


estamos caminhando para frente,

mas compreender esse ritmo vivo passa


por compreender que todos os mo-
vimentos fazem parte da música, que
está no processo rumo à consciência,

rumo a expressar o Ser único Luz, dons,


rumo ao despertar. Nessa dança viva do
processo de crescimento, em todas as
fases, avança para o novo e regride para
o velho. Ele vai e vem, como a maré. O
crescimento é um movimento de
expansão e contração, inspiração e
expiração. A vida é isso, a respiração é
isso.

A linha reta foi transformada em modelo


a ser seguido, modelo artificial, irreal.
Podemos pensar que o passo para trás
nada mais é do que buscar forças e
segurança para o novo, ou uma
despedida do velho para ir em busca do
novo, ou mesmo o conforto antes do
desconforto da novidade, do
desconhecido.

Outro dia, ouvi de uma amiga que o


filho, depois do nascimento do ir-

mão, voltou a deixar o xixi escapar. A


preocupação é natural. O novo irá surgir
e o velho se despedirá. Ar entra e o ar
sai. Segurança onde estou e crescimento
Daniella Freixo de Faria

59

a seguir. É interessante lembrar como


também fazemos o mesmo movimento.

O desconhecido, o novo movimento,


pode ser vivido quando estamos segu-
ros internamente, o que nos traz a
certeza de que somos capazes de
suportar o momento que em breve será
conhecido de novo e de novo.

Buscamos com nosso funcionamento


mental a tão sonhada permanên-

cia. E quando percebemos que não


existe, podemos encontrar o que
vivemos, um eterno processo de
aprendizado e transformação.
Interligados e conectados. Processo
entendido como puro movimento, vivo,
que vem, acontece e

vai. Da folha que caiu da árvore, aos


humanos com suas emoções às
explosões solares. Todos os processos
sendo vividos. Como as ondas do mar.
Como diz a música de Lulu Santos e
Nelson Motta:

Nada do que foi será

De novo do jeito que já foi um dia

Tudo passa, tudo sempre passará

A vida vem em ondas como o mar

Num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é

Igual ao que a gente viu há um segundo

Tudo muda o tempo todo no mundo


Não adianta fugir

Nem mentir pra si mesmo

Agora

Há tanta vida lá fora, aqui dentro

Sempre

Como uma onda no mar

Como uma onda no mar

Como uma onda no mar

Olhar as crianças como ondas no mar,


elas crescem seguras, podem,
sim, dar um passo para trás para novos
passos surgirem. Nesse encontro, o colo,
o aconchego, pode acontecer. O
incentivo e a garra. E a cada entrada e
saída de ar, mais esse Ser pode se
expressar e se realizar. Vivendo a
pressão natural de uma onda que recua e
cheia de energia, chega tão longe.
Respei-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

60

tar o ritmo nada mais é do que respeitar


o Ser que se apresenta. Estimular é
muito diferente de pressionar. Perceber
que abrir mão do velho e seguir rumo ao
novo pode ser incrível, maravilhoso,
uma grande ação, uma pequena ação,
uma ausência de ação. É o que é para
cada um de nós. O importante é estar
feliz em aprender. A diferença na longa
viagem pelo oceano da vida.
Daniella Freixo de Faria

61
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho
62
Daniella Freixo de Faria

63

Capítulo 4

SENTIR CADA

PASSO DO CAMINHO

TODOS NÓS

SENTIMOS RAIVA

TODOS SENTIMOS MEDO

TODOS SENTIMOS TRISTEZA

TODOS SENTIMOS ALEGRIA


SEMPRE O AMOR

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

64

SENTIRCADAPASSO
DO CAMINHO

Quando nós sentimos e lidamos com


cada um dos nossos sentimentos,

podemos ajudar as crianças a viver e a


lidar também. Podemos sair das reações
e escolher de forma consciente nossas
atitudes. É importante ressaltar que em
nossa cultura a alegria e o amor são
extremamente valorizados, enquanto
raiva, tristeza, medo, são disfarçados. O
esforço que fazemos quando estamos
tristes e temos que mostrar aquela cara
alegre para o mundo. Vamos refletir
sobre isso?

Valorizamos, priorizamos, damos


atenção aos “bons” sentimentos. Isso
pode ter um efeito devastador, pode
levar alguém a usar a eterna máscara

protetora dos reais sentimentos, pode


fazer uma criança sentir-se errada,
envergonhada por sentir raiva ou por
estar triste ou com medo. As crianças
são donas de seus sentimentos, o que
não significa que sabem o que fazer e
como lidar com eles. Muitas vezes,
percebemos que os sentimentos é que
são donos das crianças, das pessoas.

É uma relação que parece ir de um lugar


a outro; a única coisa que não

muda é que sentir todos sentimos, e


muito. Devemos cuidar das reações, mas
o sentimento é legítimo e deve ser
respeitado, ouvido, aceito.

Em seu livro Autoestima do seu filho,


Doroth Briggs fala da emoção

que causa movimentos gerados por


transformações no corpo. “Os sentimen-

tos mobilizam o corpo para a ação. Sob


a tensão das emoções fortes, certas
glândulas entram imediatamente em ação
e ocorrem modificações psicológicas
importantes. O ritmo cardíaco
intensifica-se; o sangue centrado no
sistema digestivo é desviado para os
músculos maiores; o açúcar do fígado é

bombeado para a corrente sanguínea a


fim de proporcionar mais energia; a
adrenalina é liberada; as taxas de
coagulação do sangue aumentam; a
respi-ração é mais rápida; as glândulas
de suor são ativadas; os músculos
maiores ficam tensos, prontos para a
ação. Em suma, o corpo preparado para
lutar ou fugir. As emoções nos
transformam em pessoas quimicamente
diferentes”.

Interessante perceber nossa humanidade


e o quanto estamos todos no

mesmo barco, não é mesmo? O


desenrolar de um sentimento em nosso
corpo
Daniella Freixo de Faria

65
vem mostrar o quão intenso é esse
momento. É legítimo até quimicamente.

Por isso, ao negarmos ou não


reconhecermos os sentimentos, em nós
ou nas

crianças, estamos na verdade remando


contra a maré. Quando nadamos a

favor, o mar se tranquiliza. Quando


expressamos o sentimento, surge
imediatamente o alívio. Agora, quando
negamos ou tentamos abafar, funciona
como se estivéssemos tentando parar a
erupção do vulcão, aumenta a pressão e
vem a explosão, que pode ser para fora
ou para dentro, contra si mesmo.
A criança sente-se segura quando tem
seus sentimentos respeitados,

acolhidos e legitimados. As emoções


mostram-se de forma espontânea e são

parte integral do eu de cada pessoa.


Com honestidade, sinceridade e escuta
sagrada, empatia, podemos aprender a
lidar com cada um dos sentimentos.

Podemos legitimar nossos próprios


sentimentos e com isso reconhecer o
nos-so próprio direito de sentir.
Primeiro passo para também reconhecer
o direito da criança de sentir. Iniciamos
então a jornada!

TODOSNÓSSENTIMOS
RAIVA

Talvez a raiva seja um dos sentimentos


mais visíveis. Afinal, em algum

momento virá a tona, via explosão para


fora ou para dentro. Sentimos raiva, as
crianças também, e precisamos aprender
a escutá-la e expressá-la. Existe uma
diferença significativa entre sentir raiva
e reagir na raiva. As crianças podem e
devem aprender que a violência não é
um bom caminho. Além de dar-

mos o exemplo, podemos ajudar a


criança a distinguir e entender o que vai
no coração. É muito importante que,
antes mesmo de corrigir o
comportamento, possamos legitimar o
sentimento e aí buscar uma nova forma
de agir, caso seja essa a situação. Ao
evitar o comportamento indesejado,
estamos na verdade tratando as crianças
como robôs, que devem ter sempre a
resposta certa, a atitude certa e a
emoção certa. É um imenso desafio e
uma oportunidade

para nós, já que fomos educados dentro


do modelo de como devemos nos

comportar. Vendo-nos assim,


dificilmente daremos ouvidos a esse
sentimento nos filhos. Ao estarmos
aprisionados em como “devemos ser”,
aprisionamos

os pequenos também.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

66

A raiva sempre aparece como uma


frustração ou injustiça, por falta de

comunicação ou pela prisão do carimbo


negativo já pré-estabelecido. Muitas
vezes entendemos o ataque de raiva
como uma postura injustificada, mas se
olharmos mais de perto, entenderemos
que história será essa. Podemos
descobrir o que tanto incomodou e
podemos construir uma nova atitude
perante a situação. Caminhada que nos
coloca mais uma vez no grande e
assustador

“não sei”, mas que com a confiança na


escuta, suportamos ficar ali, juntos até
que o céu volte a ficar azul, limpo,
claro. A raiva surge de muitas situações,
preocupação, culpa, decepção, rejeição,
injustiça, choque, incerteza ou confusão.
Raramente a raiva vem em primeiro
lugar, ela sempre carrega em si outra
emoção. Ao ouvirmos a raiva, podemos
chegar ao sentimento original e, ao

ouvi-lo, podemos mudar a atitude. A


raiva aparece como o grande grito, o

grande estouro de algo que não vai bem.

Acredito que podemos aprender novos


caminhos de expressão. Por

isso, tenho trabalhado com crianças e


pais no intuito de, mesmo na expressão
da raiva, conter a violência contra outra
pessoa, contra objetos e contra si
mesmo. É um importante combinado, um
importante limite no aprendizado.
A violência não será permitida. Os
sentimentos negativos expressos e
aceitos perdem o seu poder destrutivo.

Como nos sentimos quando vemos uma


criança com raiva? Ficamos

com raiva também? Assustados? Com


medo? Sem saber o que fazer? Bravos?

Como podemos nos acolher como


aprendizes já que não “temos que saber

lidar?”.

Sustentar isso seja talvez o grande


desafio. Aceitar o sentimento, ficar

ali, se ouvir, ouvir o outro, ouvir o


silêncio, a respiração, o coração
acelerar e se acalmar, construir junto.
Qual será o próximo passo? Talvez o
próximo passo seja não dar passo
nenhum. Cada relação, cada criança,
cada família ao se ouvir construirá o
melhor a fazer. Precisamos aceitar,
reconhecer, acolher o sentimento para
depois buscarmos novas formas de
liberação. Às vezes é útil usarmos
almofadas para bater, para a criança
esvaziar o sentimento numa ação na qual
nada nem ninguém sairá machucado.
Conforme segue no aprendizado, a
criança pode refinar e descobrir novos
caminhos.

Importante é vivermos esse caminho por


meio da conversa, do “estar

junto”, para então compreender o que


originou a raiva. A criança, quando
Daniella Freixo de Faria

67

percebe que foi compreendida, que nós


temos empatia com a questão, acal-

ma-se, pois agora não se encontra mais


sozinha no turbilhão de emoções.

Para o que precisa ser transformado,


vamos encarar como se pudésse-

mos olhar atrás da cortina (o acesso de


raiva). Quando conseguimos olhar a
raiva como pura comunicação e
chegamos ao lugar de escuta, tudo se
acalma e podemos seguir em frente. É
um movimento valioso que pode ser
utilizado como despertador, um aviso,
um chamado de que alguma necessidade
está

abandonada e precisa ser olhada com


carinho e atenção. É como se o copo

não transbordasse mais, pois somos


agora capazes de olhar atrás da cortina.

Gastamos muita energia culpando os


outros por nosso sentimento

quando, na verdade, a raiva surge por


uma necessidade não atendida. E o fato
de não ser atendida pelo outro não é a
causa da raiva, apenas um estímulo.

Recebemos inúmeros estímulos e o que


fazemos com esses estímulos é o que

nos importa. Podemos perceber que há


estímulos que antes processávamos

com raiva, com a culpa sempre sendo do


outro, ou mesmo sempre nossa,

mas sempre pela culpa. Podemos


experimentar a escolha consciente de
como

vamos lidar com esse mesmo estímulo.


E, com isso, viver então a mesma situ-
ação com nossa total presença e
capacidade de escolha.

Como expressamos nossas


necessidades? Será que realmente
sabemos

quais são? Como seria nos


responsabilizarmos, sem o peso da
culpa?

Neale Donald Walsch, escritor de quem


gosto muito, recentemente pu-

blicou essa frase em seu Facebook:


“Nada tem nenhum significado até que

você dê a ele. Isso pode mudar


completamente sua experiência da
vida”. Voltando às crianças, prendemo-
nos mais aos comportamentos durante o
ataque

de raiva do que na busca de qual


necessidade não está sendo atendida. Se
pudermos trabalhar em nós, adultos, a
questão por esse prisma, poderemos
prepará-los para a percepção de suas
próprias respostas aos estímulos
recebidos.

Os sentimentos surgem antes dos atos.


Será nesse exercício constante de amor
a nós mesmos e a aceitação do legítimo
aprendiz que, realmente poderemos

crescer com nossos desafios. É a


possibilidade de voltarmos a viver a dor
que faz parar de doer.

Temos a possibilidade de lidarmos mais


uma vez com a situação de-

safiadora de frente, atravessando e


sentindo todo o processo de aprendiza-
do. Coisa bem diferente da tagarelice da
mente. Conceitos críticos e cruéis
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

68

nos impedem de ver a luz, a beleza, a


sabedoria que temos dentro de nós.

Perdemos a conexão divina que todos


Somos. Ao nos vermos como um

objeto cheio de erros e falhas, passamos


a ser violentos com nós mesmos,
diminuindo-nos e muitas vezes nos
abandonando. Temos a oportunidade

maravilhosa de vivermos a compaixão.


Quando fazemos isso, somos capazes

de olhar para qualquer situação e irmos


em busca da luz, do aprendizado

que traz um novo movimento, que serve


a um propósito maior. Quando

nos criticamos com crueldade, nos


levamos ladeira abaixo para um lugar

de raiva, desprezo, abandono e ódio por


nós mesmos, o que impossibilita

qualquer chance de aprendizado. Os


processos de julgamento de si mesmo

e dos outros são expressões trágicas,


finitas e de necessidades não atingidas.

Fecham, trancam e nos deixam lá, a sós.


Apenas acompanhados da mente e

seu funcionamento, que tanto fazem


brotar o sofrimento, autocriado e tão

desnecessário.

Escuta interna, compaixão e carinho são


os melhores ingredientes para

vivermos essa linda jornada. Outra


forma em que a raiva aparece vem do
sentimento de vergonha. Mudamos
nossos comportamentos, muitas vezes

por estarmos envergonhados, o que


ainda não nos faz escolher de forma
livre e espontânea. A criança se
encolhe, sente ódio de si mesma,
normalmente

não consegue sair da situação e passa a


estar confinada em sua autoavaliação
catastrófica. E o mais difícil é que a
criança que sente vergonha não alcança
o legítimo sentimento trazido por tal
situação, como frustração, tristeza,
decep-

ção, angústia e, sendo assim, não


aprende com eles.
Quem foi que fez essa baderna? Quem
foi que começou a briga? Quem

é que ainda não sabe puxar a descarga?


E outras perguntas constrangedoras não
valem a pena, deixam as crianças
expostas perante outras e, sinceramente,
saber a resposta não fará nenhuma
diferença.

Precisamos, em vez de achar um


culpado para depois envergonhá-lo,

apenas orientar, passando sempre longe


do julgamento, do pejorativo e da

incompreensão. Ao julgar estamos


separados, no funcionamento da mente,
ao orientar voltamos a estar juntos,
voltamos a viver do Coração, do
caminho-presença.

Ao aprendermos sobre nós, podemos


perceber todo o processo aconte-

cendo dentro de nós, e assim a


possibilidade de fazermos escolhas a
respeito
Daniella Freixo de Faria

69

de qual atitude teremos. Uma criança


crescendo com essa consciência traz a
compaixão ao seu mundo, ao nosso
mundo. Maravilhoso e libertador.
A comunicação, a certeza da escuta, a
empatia, fazem toda a diferença.

Passaremos, antes de qualquer coisa,


pela oportunidade de viver a escuta em
nós e desvelar a real necessidade,
possibilitar viver o perdão e a
compaixão.

Olhamos em frente, livres das correntes


da culpa, vergonha e julgamento.

Conectados, encontramos as
necessidades, podemos compreender,
perdoar

e recomeçar. Talvez grande parte do


nosso aprendizado esteja nessa
vivência.
TODOSSENTIMOS

MEDO

Um outro sentimento forte é o medo.


Como é difícil ver uma criança

com medo. É como se o


desenvolvimento, até então natural,
acontecesse

com o freio de mão puxado. A


autoconfiança abalada, em estado de
alerta

constante, não relaxa, não se entrega,


não está disponível internamente

para o novo. Medo da violência física,


do abandono, da separação dos pais, de
monstros no armário, da loira do
banheiro ou mesmo dos meninos

grandes. Outro dia uma amiga me contou


do grande medo que sentiu no

período escolar quando tinha seis anos.


Ela estava no bebedouro da escola
quando um menino grande apareceu e
disse: “Você não pode beber dessa

água, se eu te pego aqui de novo, eu te


mato, e se você contar para alguém
sobre nossa conversa, te mato também”.
A amiga fala o quanto mudou seu

comportamento daquele dia em diante na


escola. Passou a ter medo dos
meninos grandes, medo de andar pela
escola, e o pior: medo de pedir aju-

da. O tempo passou e ela conta que


nunca falou essa história pra ninguém,
uma de muitas que demonstram a
seriedade de uma experiência de medo

vivida por uma criança.

Quando ouvimos de um filho que está


com medo, por mais que nos

pareça bobo ou sem cabimento, temos


que saber que para ele é real. E que

influenciará na sua realidade imediata.


Mais do que isso, precisamos ser
exemplos vivos de que sempre é melhor
compartilhar, pedir ajuda. E o faremos

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

70

oferecendo acolhimento, empatia,


escuta, presença. É importante sentirem
que não estão e nunca estarão sozinhos.
Nós somos a grande ponte que fará a
criança não comprar as tagarelices da
mente e voltar ao coração, mas, para
isso, precisamos aprender a fazer
primeiro conosco, não acha?

Nolte e Harris colocam que “(…) os


pais têm o poder mágico de dissi-

par os medos dos filhos”. Ao estarmos


presentes, abertos aos pedidos de ajuda,
nós funcionamos como a certeza de que
tudo está e estará bem. A criança
consegue olhar para o medo de perto.

Uma das histórias mais lindas que ouvi


foi de um menino que morria
de medo das formigas. Não brincava ao
ar livre, pois sempre as encontrava.

A mãe, depois de refletirmos sobre o


apoio, a presença, foi a um parque

com ele e se colocou à disposição para


juntos conhecerem e enfrentarem as
formigas. Essa mãe convidou-o para
encontrá-las com o coração e não mais

comprar as histórias da mente. Ele topou


o desafio e depois de pisarem,

darem petelecos, cobrirem de areia


muitas formigas, ele terminou o dia com
terra até o último fio de cabelo. Livre
para brincar, sem medo. Recentemente,
tive a alegria de receber um convite
para o lançamento do seu primeiro livro,
com apenas oito anos. O nome do livro:
“Histórias Horripilantes”.

Maravilhoso, que alegria!

Nosso apoio é fundamental. Às vezes,


coisas que mudam de repente,

uma vontade de não ir mais à escola ou


ao clube, podem indicar que algo

aconteceu. Tive uma experiência


parecida com minha filha mais velha.
Duas vezes por semana ela ia do seu
prédio na escola para o de sua irmã
mais nova com uma amiga e um amigo
de sua sala. Adorava esses dias, o
desafio, a responsabilidade, a vontade,
o orgulho, a conquista, a farra ao
encontrar comigo e sua irmã já no outro
prédio. De repente, começou a dizer que
não queria mais, e ao perguntar por quê,
ela respondia: “Porque não”. Mais
tarde, coloquei minha sensação de que
algo que ela gostava tanto, de uma hora
para outra, tinha mudado e que alguma
coisa poderia ter acontecido que
pudesse ter interferido na nova decisão.

Imediatamente, começou a chorar,


dizendo que ouviu o amigo que an-

dava com ela na escola com dois


meninos combinarem que iam aprontar
com

as meninas. Ao ouvir a conversa e não


sabendo o quanto era possível tudo

aquilo acontecer, veio o medo. Depois


de acalmá-la, perguntei como eu po-
Daniella Freixo de Faria

71

deria ajudá-la. Ela queria falar com a


orientadora e com a professora. Fomos e
ela disse como se sentiu, conversou com
os amigos que pediram desculpas e
conseguiu superar o medo, voltando à
alegria de sua independência na saída
das aulas, mesmo que dentro do espaço
escolar.

Quando vemos um filho com medo, é


importante que saibamos

realmente da importância do nosso


apoio, a real força que trazemos para
eles olharem de frente para a situação e
não murcharem. Muitas crianças que
passaram caladas por situações difíceis
na escola, por exemplo, são confundidas
com crianças tímidas. Elas não são
tímidas; podem estar querendo passar
pela vida despercebidas para não
sofrerem o momento de tensão. O ponto
crítico da situação é perceber que todo o
processo de desenvolvimento que
deveria ter seu fluxo natural é afetado de
forma direta no seu ritmo, na sua
disponibilidade para o novo. Que
tranquilidade tem uma criança assustada,
em estado de alerta para aprender, para
crescer, para se divertir, para Ser?

Nós, em casa, os professores e


orientadores podemos, devemos ter

essa questão como um real estado de


alerta. Se mantivermos distância, será
caro demais depois. Não vale a pena.
Muitas vezes também iremos perceber o
quanto nossos pequenos nos têm por
perto quando “sentem” medo. Coloquei

a palavra entre aspas, pois tenho visto


crianças de tamanha perspicácia que,
quando percebem o quanto ganham
atenção de seus pais, ao sentir medo,

provocam-nos na cara de pau. Por isso,


queridos parceiros de jornada,
precisamos estar atentos à legitimação
do medo, ou mesmo ao auxílio que
precisamos dar à situação, para que as
crianças façam reais pedidos, e nós
possamos atender a necessidade que se
apresenta.

Em um mês, quando trabalhei bastante,


minha filha mais nova, come-

çou a ir para a minha cama durante a


noite dizendo que estava com medo de
bruxa. Nos primeiros dias a acolhi e
acalmei seu medo. Depois, comecei a
ser acordada por ela, dizia que estava
com medo de bruxa. Conversamos
depois
sobre seu medo e ela explicou que às
vezes tem medo de verdade e, em outras
noites, tem apenas saudade. Ao
diferenciarmos as coisas, pude atender
as duas necessidades.

Como diferenciar uma situação da


outra? Vivendo, sentindo, ouvindo

os canais de percepção, intuição, além


de conversar com eles sobre o que
sentimos e ajudá-los a nomear o que
sentem.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

72

Com o tempo e proximidade,


conseguimos até compreender tais pe-

didos, antes de um novo comportamento


ser instalado. O que pode nos per-

mitir dormir a noite inteira, paraíso.


Depois da conversa, acredite, minha
pequena dormiu sem acordar por muito
tempo. Nem eu acreditei.

O medo pode trazer a oportunidade de


experimentar o cuidado, a pro-

teção, o respeito. A atenção advinda do


medo traz o lado positivo. Esse
equilíbrio é vivo e precisa ser
diariamente construído.

Em relação ao medo surge mais uma


situação. O medo que muito de

nós, pais, sentimos por eles. Certa vez,


conheci um menino que tinha alguns
medos. Chegava a ter dificuldade para
descer escadas, subir em algo mais alto,
fazer coisas que outras crianças faziam
com naturalidade. Durante o período
juntos, pude conhecer a história dessa
família. Quando pequeno ele teve
problemas de saúde . O pai, desde
então, passou a sentir um medo enorme
de que algo acontecesse. Algum
acidente, alguma violência ou doença.
Mesmo sem

nunca ter ouvido uma palavra, o


pequeno sentia. Era como se ele já
estivesse no mundo adulto com todas as
preocupações, cuidados e noção de
perigo.

Com o tempo e a questão trabalhada


com os pais, o menino conseguiu come-

çar a se soltar. Aprendeu a andar a


cavalo, pôde ser o moleque que estava
lá e não podia aparecer.

As crianças percebem a vibração, leem


nossos olhos, sentem nossa

tensão. Precisamos ter consciência de


como vai o nosso medo. Assim como

estamos aqui para ajudá-los, as crianças


percebam que também somos hu-

manos, que também temos nossos medos


e buscamos apoio para superá-

-los. Acredito que essa seja uma questão


bastante atual, pois muitos de nós
tivemos uma infância com menos
perigos reais, menos violência, sentindo
medos de criança, do bicho-papão, do
lobo mau, do pesadelo. Hoje, sabe-

mos dos reais perigos e o quanto custa


para vencê-los e sair de casa para
trabalhar, ir à escola etc.

É um imenso desafio, porque, se


deixarmos, o medo toma conta. O

caminho é esse aprendizado sobre nós


mesmos, conectarmo-nos com quem

realmente somos, para podermos olhar


para o medo real, que nos faz fechar a
janela do carro, mas que não nos
paralisa. Muitas vezes, quando estamos
com medo, estamos tão assustados,
acabamos gerando medo nos nossos
filhos. Por exemplo, o chamar atenção
passa a ser agressivo e podemos ver
Daniella Freixo de Faria

73

a criança com medo de nós. Mas se


voltarmos um pouquinho, poderemos

perceber que somos nós que estamos


morrendo de medo, antes de eles es-

tarem com medo de nós. Pode ser o


medo de não darmos conta, o medo

do novo, o medo da mudança, do


trabalho, do desemprego. É um ciclo

que se fecha sem nenhuma das partes


perceber. É um ciclo que precisa de
luz, de consciência para se transformar.
E quando isso acontece, quando

percebemos nossos medos, podemos


receber novamente a ajuda de nossos

pequenos. Não geramos mais medos


gratuitos nos pequenos e estamos nos

ajudando a superar nossos medos.

Nas férias, quando estávamos prestes a


entrar no avião, eu já aflita

porque tenho (ou tinha) medo de avião,


penso um monte de bobagens, a

mente tagarelando sem parar,


controlando-me toda, recebo da minha
filha,

a seguinte pergunta: “Espera aí, mãe, se


o avião sobe e voa no céu, ele

também pode cair. Ele pode cair?”. Eu


não sabia se ria ou chorava, ela me pôs
de frente com meu medo e eu tive que
lidar com ele ao vivo, no ar. E a cada
momento de turbulência, minha filha
mais nova, perguntava se ia cair.

A viagem foi longa, mas a cada


resposta, a cada pergunta, fui desviando,

enfrentado, conhecendo meu medo e me


conhecendo também. Elas me de-

ram uma aula, garanto a você. Fora o


monte de gargalhadas ao perceberem

minha reação, e a das pessoas próximas


ao redor.

Voltando aos amigos animais, eu tenho


um cachorro muito fofo, que

adora crianças, supercalmo e carinhoso.


Mas quando eu sinto medo dele morder
alguma criança com a qual ele não
convive, ele sente. Acredite, o medo
dele é ainda maior, e, do nada, ele
começa a latir. No início, pensávamos
que ele estava atacando, foi difícil, mas
ele nunca mordeu ninguém. Depois,
percebemos que ele só agia assim
quando alguém, na maioria das vezes eu,
estava com medo dele machucar alguma
criança. Eu sentia um frio na barriga,
talvez por ele ser muito grande e sua
boca ficar na altura do rosto dos
pequenos.

Conclusão: ele sente mais medo do que


eu sinto, “(…) afinal, deve ser algo
perigoso para minha dona ter tanto
medo”. Nessa hora ele parece bravo,
mas está extremamente assustado.

Acho que conosco acontece a mesma


coisa. E depois, quando fiquei ali,

junto, vendo o que sentia, percebi que o


medo não era das crianças: era meu.

Eu sentia um medo dele morder, e ele


perdia o rumo; pude sentir o medo no
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

74

corpo, o frio na espinha. Depois de dois


dias cuidando de mim, e de mim

perto dele, acredite, nunca mais


aconteceu, ufa!

Atacamos quando estamos assustados.


Podemos nos tornar geradores

de medo nos pequenos, sem ao menos


percebermos. Ouvimos e compramos

as histórias da nossa mente tagarela.


Vamos para a violência na forma de
falar, de olhar, e quando nos damos
conta, vemos os filhos encolhidos diante
de

nós. “Se minha mãe ou meu pai estão


com medo, deve ser perigoso mesmo”.

E o medo, em vez de diminuir, só


cresce. Bastante comum é percebermos
o

quanto nós temos medo que as crianças


tenham medo.

Vale ressaltar a importância de cuidar


do que as crianças assistem em

filmes ou noticiários. Alcançam o


mundo adulto com todas as dificuldades

sem ainda ter ferramentas para digeri-lo.


É crucial permitir que as crianças sejam
crianças também nesse aspecto. E que,
aos poucos, conforme cresçam

e se estruturem internamente, possam


naturalmente ampliar as informações
que recebem.

Juntos, com o diálogo aberto, podemos


auxiliá-los a atravessar esse

momento acompanhados, recebendo


todo o amor e o exemplo de quem vive

a mesma situação. O importante é


sermos realmente o canal aberto, a
certeza da escuta, a certeza da
seriedade, a certeza do amor, a certeza
de que ele ou ela não estão sozinhos/as.

Krishnamurti diz algo lindo e importante


demais: “O medo é um

assunto muito complexo, tão antigo


quanto as colinas, tão antigo quanto
a humanidade, e ele tem uma
extraordinária história para contar. Mas
você deve saber a arte de escutá-lo, e
existe uma grande beleza nesse escutar.

Existe somente o escutar; a história não


existe”. Pensar nessa frase depois de
conhecermos a mente tagarela é
surpreendente. Compramos o que a
mente nos diz ou seguiremos nosso
coração. Conforme seguimos
aprendendo

sobre o funcionamento da mente, mais


fácil é diferenciar o que é um fato e o
que é a história com todo sofrimento que
criamos sobre o fato. Perceber que
temos essa escolha faz toda diferença .
Libertador, liberdade, vida que segue o
coração.

Daniella Freixo de Faria


75

TODOSSENTIMOS

TRISTEZA

Outro dia ouvi de uma mãe: “Eu não


aguento vê-lo triste, faço qualquer

coisa para passar”. Ver uma criança


triste realmente é de cortar o coração.
Nossa, como é difícil, dá vontade de
arrancar com as mãos e nunca mais
deixar voltar. Mas a tristeza existe,
todos nós sentimos, todos passamos por
ela. Todos nós sabemos que ela vem e
vai, vem e vai. Vejo a tristeza como
aquele túnel que teremos que atravessar,
que tem fim, mas tem percurso, caminho
e aprendizado. Tem seu tempo.

Muitas vezes quando encontramos nosso


pequeno triste, tentamos dis-

traí-lo, comprar, sair para passear, ligar


a televisão, fazer qualquer coisa. A
intenção é linda, mas o resultado a longo
prazo não é bom. Quando é ignora-da,
achamos que ela foi embora, mas não,
está lá, guardada, até que um belo dia
surge uma grande tristeza que nem
sabemos de onde vem, muito menos

qual é a sua razão. Com nossa presença-


caminho, com acolhimento, damos o

colo que a criança precisa. E por meio


da palavra, do olhar, do choro, vamos
atravessar esse túnel juntos. De mãos
dadas, abraçados.

Vejo a tristeza como um grande


chamado. Um chamado para a refle-

xão, para olhar para dentro. Depois de


um tempo vivendo momentos como

esse, as próprias crianças passam a nos


contar o que vai dentro delas, no-
meando seus sentimentos, podendo
acompanhar esse processo interno até o

momento em que se dissipa. A tristeza


nos faz crescer e passa a ser mais uma
experiência de todos nós. As crianças,
quando estão tristes, compreenderão que
podem pedir ajuda, podem estar
acompanhados. Quando podemos

sentir amor e compaixão por nós


mesmos, chegamos a um lugar em que o

aprendizado acontece de forma amorosa,


respeitosa, com gratidão. Gratidão pela
oportunidade de viver a experiência que
tanto faz crescer.

Percebemos nossa humanidade tão


parecida com o outro, mesmo pos-

suindo tantas particularidades. Somos


capazes de acolher, de sermos
acolhidos, podemos descobrir que nunca
estivemos e nunca estaremos sós.

Somos esse Ser de luz. E o que surge


com isso? A certeza no coração

de que sempre, sempre o melhor está


acontecendo, pois tudo é como tem que
ser. É possível aprender que perante um
desafio temos três tipos de resposta:

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

76

A primeira resposta é nos colocarmos


como vítima da situação; na pri-

meira oportunidade, viramos as costas


para a experiência e passamos o tempo
tentando evitar.

Na segunda resposta, a pessoa encara os


fatos, porém, mantém um

distanciamento que garante um


envolvimento superficial. Uma vez livre
da

situação, evitará que ela aconteça.


Na terceira e extraordinária resposta a
pessoa tem uma ruptura com

seus padrões que seriam esperados. Não


só encara e desafia os fatos como

se coloca inteiro e pronto para viver as


mudanças que tal situação traz

como aprendizado. Muda sua vida e das


pessoas à sua volta. Faz um tram-

polim para promover uma transformação


positiva em sua vida e na daque-

les que ama.

Que respostas nós damos perante a dor


de um fato. Fugimos ou apren-
demos? Nossos pequenos seguem
aprendendo conosco e com nossos
exem-

plos. Podemos juntos aprender a


crescer, aprender a confiar, a nos
conectar com nosso Ser de Luz. E essa
vivência se transforma novamente na dor
que para de doer. A dor que, ao parar de
doer, emociona-nos, toca-nos por toda
mudança que somos capazes de fazer.
Agradecemos cada desafio, cada dor,
cada momento difícil. A criança, ao
conviver com essa realidade, aprende a
estar inteira em suas emoções, situações,
desafios e aprendizados. Não está a
passeio, vive em todos os momentos, a
oportunidade de viver na Presença-
caminho.

TODOSSENTIMOS

ALEGRIA

Que delícia! Como é gostoso


compartilhar momento alegres. Leveza,

sorriso, relaxamento e a delícia de estar


junto. O que tenho presenciado é que
muitas vezes a alegria não está presente
no nosso dia a dia. Como seria estar
disponível no meio do dia, no meio de
uma semana intensa de trabalho, para
encontrarmos um espaço para a alegria?
As crianças são nossos grandes
professores. Mas será que estamos ali,
presentes de corpo e alma, para receber
as lições? Muitas vezes não. Alegria de
estarmos aqui, vivos! Essa mesma
alegria
Daniella Freixo de Faria

77

pode existir todos os dias com nossos


filhos. A qualquer momento, qualquer
hora, basta estarmos lá. Como a pipoca,
precisamos do milho, do óleo,
precisamos do calor para que tudo
aconteça. Vamos juntar os ingredientes
da

alegria e curtir cada momento?

A alegria tem junto dela a leveza, bolhas


de sabão no ar, soltas no céu,

lá longe. Empinar pipa, dançar, cantar


no chuveiro, no carro, ouvir música, ler,
brincar como fazíamos quando éramos
crianças. Nossas crianças têm essa
leveza viva, aqui e agora. Vivem o fluxo
da vida. Nós podemos nos permitir o
riso fácil, o pega-pega na hora do banho,
fazer desenhos. Brincar de faz de conta,
morrer de rir com coceguinhas.

Temos dificuldade de encontrar essa


leveza, esse espaço interno de ale-

gria com os filhos. E esse espaço é de


total relevância tanto para pais quanto
para filhos. É relevante para sermos
humanos. Que tal se começarmos pelo

que gostamos? A alegria surge na


espontaneidade, na liberdade, na
simplicidade, na surpresa. Descubra o
que você gosta, tem vontade de fazer,
faça por você, quando não sentir o
tempo passar e puder sentir a alegria de
algo que lhe fez sentido, curta cada
segundo, curta a sensação física, a
expansão.

Sempre caminharemos como aprendizes,


mesmo na alegria. Tia Ani-

nha ouviu um dia algo que nunca


esqueceu: “Ao acordar, olhe para uma
foto sua com seis, sete anos e pergunte o
que nesse dia de hoje você poderia fazer
para trazer alegria à sua criança?”.
Nossa criança está aqui, viva.

Às vezes fico encantada com meu


marido, Rogério. Vejo sua criança a
todo vapor. Ele é encantado com
videogames, filmes que dão medo – que,

aliás, os vê sozinho – carrinhos,


aviõezinhos, helicópteros de controle
remoto, alucinado pelo cachorro grande
que sempre quis. Soltando o Bono para

correr atrás dos patos (ele nunca


consegue pegar, ainda bem). Ali vive
uma criança, e é verdade, vive mesmo.
Nossa vida adulta é repleta de pressões:
dar conta do trabalho, ganhar dinheiro,
ser competente, ser trabalhador, dar
certo… Tudo isso é pressão na veia
diariamente. Nossa própria criança é o
caminho para não nos perdermos no
monte de exigências da vida moderna.
Precisamos da leveza, da brincadeira, é
questão de saúde. Não acha?

Hoje, quando cheguei em casa do


trabalho, tive uma grande surpresa.

O circo estava armado. Cada uma com


sua boneca, roupinhas, pratinhos,

mamadeirinhas, minha sala havia se


tornado a casa delas, e eu era a visita.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

78

Embarquei! Foi uma delícia, brincamos,


rimos muito e curtimos o fim de

tarde de uma maneira muito especial.


Elas foram dormir leves e alegres e

eu estou aqui contando a você o quanto


foi mágico. Minha criança amou a
brincadeira. Alegria total!

As crianças podem e é bom que


expressem e aprendam com a raiva,

contem as necessidades, compartilhem


seus medos e suas tristezas, e que nesse
fluxo vivo da vida possam a cada
momento ser quem realmente são,
sempre

crescendo , aprendendo com muita


alegria no coração.

SEMPRE

AMOR!

Não imaginei ao começar a escrever


esta conversa há seis meses que, ao

retomá-la, iria perceber que a


caminhada, a conversa, nunca parou.
Que os passos são dados um a um e que
temos a imensa oportunidade de
recebermos situações perfeitas para que
nosso aprendizado aconteça. Apesar de
sentir, escrever sobre o amor, estava
difícil, como colocar em palavras algo
tão sentido, tão forte, tão vivo?
Caminhamos alguns passos, como
sabemos que ainda temos infinitos
passos a serem dados. Porém, de algum
lugar desse longo caminho, podemos
viver o quanto o amor é realmente a
energia que move cada aprendizado.

O amor que encontra, que abraça, que


olha, escuta, fala, troca com o

coração, com vontade de simplesmente


“Ser”. O amor que carrega em si a

eterna gratidão por cada oportunidade


de crescer, por cada dor que se
transforma em aprendizado. O amor que
é capaz do perdão, não apenas do outro,

mas principalmente de si mesmo. O


amor que ao se perceber amor, já é, ver-
ticalmente, luz, Presença, amor.

Encontrar nossas crianças nesse lugar,


desse lugar, dá-nos a certeza de

que temos um caminho lindo a ser


vivido. E nossas crianças despertam em
nós essa capacidade extraordinária de
amar. O amor no processo de educação
é o meio pelo qual tudo pode acontecer,
todo o aprendizado, de tudo o que é
importante. O que me emociona nesse
processo é perceber o quanto temos

a oportunidade de amarmos a criança


que fomos, que somos ainda. Ao vi-

venciarmos a caminhada amorosa com


os filhos, podemos acolhê-los e nos
Daniella Freixo de Faria

79

acolher também. Dar colo a eles (e a


nós) nos momentos em que precisamos.

Não julgá-los e não mais nos julgar.


Viver a aceitação de si mesmo e do
outro do jeitinho que cada um é.

Tudo o que passamos, que nos toca o


coração, traz crescimento, se nos

permitirmos tocar pelo coração, pelo


amor. É divino, é luz, é encontro
sagrado.

Amor repleto de responsabilidade,


escolha, comprometimento, alegria,
atenção e dedicação. E de muitas outras
cores, cheiros, sentimentos, sensações.

Não estamos falando do amor


romântico, ou do amor que de tanto pa-

recer amar se torna permissivo ou


possessivo, não sendo, nem de perto,
amor.

O amor que cria, que nos faz feliz ao ver


o outro feliz, que preenche, que faz
brilhar. Forte. Eixo. O Amor Presença
que podemos encontrar na criança que
nos olha profundamente em busca de nos
encontrar. Olhar que muitas vezes

não somos ainda capazes de sustentar. Já


sentiu isso ao olhar profundamente nos
olhos de uma criança? Eu já.

O amor em nosso cotidiano possibilita


confiar, entregar e viver com

total presença e a certeza de que somos


capazes de cuidar. Cuidado que não é
aquele que infantiliza, deixa-nos meio
irresponsáveis, meio folgados. Falo aqui
do cuidado amoroso que acolhe a si
mesmo, o outro, a unidade e a
diversidade. O cuidado como pura
capacidade de estar lá, disponível, seja
para si mesmo, para o outro ou para o
que quer que seja. O amor que podemos

sentir pela nossa criança, pela criança


que ainda vive em nós.

Meu pai sempre me disse que seria mais


fácil educar uma criança se

nunca deixássemos de cuidar e perceber


o quanto nossa criança ainda vive em
cada um de nós. Sábias palavras! Ao
reencontrarmos a capacidade de amar
nossa própria criança, que aqui está, a
todo o momento, viva, ao
reencontrarmos nossa capacidade de
sermos seus primeiros cuidadores, neste
mundo tão grande, vivemos a alegria e a
paz de nunca mais estarmos sós.

Hoje, crescidos, podemos acolher nossa


criança, nosso adulto, nosso

Ser-essencial, e nos comprometer a


cuidar de nós mesmos, conhecermos
nos-

sas necessidades, nossos medos, nossas


alegrias, para, aí sim, mais inteiros,
quase que mais vivos, mais completos,
podermos viver nossas vidas de um
outro lugar. Talvez com olhos de
criança, apesar de sermos crescidos.

Olhar, estar com uma criança desse


lugar de amor e entrega fica muito

mais natural e tranquilo, mesmo nos


momentos difíceis, dos limites necessá-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

80

rios para o crescimento saudável. É um


processo longo e contínuo de auto-

conhecimento, de tomada de consciência


da capacidade de amar, de vibrar, de
viver plenamente na presença.

Não sei por que exigimos de nós


mesmos uma ruptura interna: “Agora

você cresceu, faça, aconteça”, como se


houvesse uma lista imensa para darmos
baixa, check list da vida. Seguimos
mandatos externos que muitas vezes não
fazem nenhum sentido e paramos de nos
ouvir, colocamos a referência fora de
nós e nos perdemos, morremos vivos,
sem ao menos perceber.

Nossa criança nos traz a leveza, a


alegria, a criatividade, a
disponibilidade. Qual o problema de
tomar aquele sorvete no meio da tarde,
de viver algo gostoso e sentir-se
fluindo? Dizem que quando encontramos
esse lugar, não sentimos mais o tempo
passar, vivemos a presença plena, como
se tudo ficasse mais saboroso, mais
colorido, mais perfumado.

Não confundir com “fazer o que der na


telha” com falta de comprome-
timento, com a vontade de quebrar todas
as regras que vivemos. Ao contrário, é
comprometimento, fluxo,
responsabilidade, escolha consciente. É
um lugar interno de muito respeito,
acolhimento e luz! É puro estado de
graça. Recebendo e dando como as
ondas do mar.

É comum ouvir de alguns adultos o


quanto não sabem mais do que

gostam, sentem que a vida é movida


pelas ordens externas. Exigências
externas que se tornam internas e nos
engolem vivos. Quando os filhos
chegam,

temos que nos deparar com a criança


fora e com a criança dentro. Rever,

questionar, reencontrar e estar inteiro. É


um processo ativo, puro movimen-to,
espiral de desenvolvimento. Cada passo
do caminho acontece no nosso

dia a dia e que, apesar dos desafios, das


obrigações que tanto nos detêm, traz o
profundo em nós. Onde e como será
possível encontrar nossa própria
criança?

Vamos nos acolher! Busquemos o


caminho que nos leva à nossa crian-

ça. O que mais gostávamos de brincar,


carrinho, boneca, amarelinha, corda,
lembrar do primeiro gol ou a primeira
boneca tão aguardada, as brincadeiras
de rua com a vizinhança, o sorvete
preferido… As brincadeiras com irmãos
ou irmãs? Sentíamo-nos livres, felizes?
Busquemos bons momentos, bons
sentimentos. Podemos lembrar e até
sentir o quanto papai e mamãe, ou
mesmo

quem cuidava de nós, o quanto eram


importantes, essenciais em nossas vidas.
Daniella Freixo de Faria

81

O quanto era importante o carinho, o


olhar, o colo da mamãe, ou vovó, ou

da querida babá, talvez a mão firme do


papai. O que me fazia morrer de
rir, coceguinhas, piadas, sustos, quando
surgiam as gargalhadas, deliciosas
gargalhadas. O que nos deixava feliz,
quais eram os sonhos. Traga de volta
momentos gostosos e apenas sinta.

Com os sentimentos vindo à tona, talvez


seja possível sentir uma forte

emoção. Talvez saudade, alegria, amor,


paz. Talvez venha uma vontade de

chorar como quando criança, talvez


surja um sorriso. Aceite o que vier.
Sinta o quanto essa criança ainda está
presente, viva, disponível.

Imagine que, junto da nossa própria


criança, iremos encontrar nossos
filhos. É possível perceber o quanto eles
precisam de nós, o quanto têm a ensinar
e a aprender conosco, o quanto cada um
é único nessa grande caminhada, mas o
quanto estamos no mesmo barco, numa
mesma jornada, numa grande

oportunidade de vivermos com e para o


amor e crescimento.

Vamos curtir o momento, vamos abraçar


os filhos, a própria criança

interna. Permitamos que esse canal de


amor permaneça disponível, aberto,

livre. Podemos nunca mais deixar as


crianças internas sozinhas e mantê-las
vivas e livres dentro de nós.
É com todo meu amor e gratidão que
agradeço por você estar aqui co-

migo. Minha criança foi meu guia.


Gratidão por chegar onde não sinto o
tem-po passar, onde o cansaço não tem
vez. Amor difícil de descrever em
palavras, melhor senti-lo do jeito que
cada um simplesmente sente e vive esse
amor, livre e com nossa profunda
entrega. Cada um vivendo e expressando
seu dom à sua maneira, única e, por ser
única, tão especial. Tudo pode ser
vivido com o Amor-Presença. Depende
de nós. Tenho a imagem de um estádio
lotado

no escuro, até que alguém com seu


celular surge como uma pequena luz na
imensidão escura. Em pouco tempo,
como que numa grande rede que se co-

munica, todo o estádio está iluminado


por cada celular de cada pessoa que lá
está. O que antes era apenas uma luz na
escuridão, agora brilha numa só luz.

Ainda com a ilusão de que somos,


estamos separados, não percebemos

que toda parte interfere no todo e vice-


versa, não percebemos que somos um.

E que cada um de nós é peça


fundamental para construirmos um
mundo me-
lhor. Por isso, para isso, acredito na
prevenção. Quando podemos começar?

Agora! Já!

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

82
Com amor, temos também um clima de
segurança, e a criança expe-

rimenta a liberdade. Algo incrível


acontece: a criança segura, que expressa
os sentimentos, aceita, é acompanhada,
estimulada a Ser que ela é, pode agora
se arriscar no novo. Surge uma ausência
de julgamento perante uma nova
vivência, ela pode se experimentar
livremente; se não der certo, sai inteira
sabendo que pode tentar de novo, que
foi só uma experiência, não diz quem ela
é (no sentido dos carimbos ou de uma
experiência ruim).

A capacidade de escolha vem de dentro,


recheada de amor. É respon-
sável, comprometida, se escuta. Aberta
a novas amizades, dançando novos

ritmos, buscando novos passes no


futebol, arriscando andar de bicicleta
sem rodinhas, gargalhando, inventando
músicas, contando histórias, livre!
Daniella Freixo de Faria

83
Capítulo 5

ENCONTROS

SAGRADOS

DE ONDE VIEMOS

E PARA ONDE ESTAMOS INDO


DIREÇÃO:

SENTIDO QUE FAZ CRESCER

ENTRAR EM SINTONIA

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho
86

ENCONTROS

SAGRADOS

Somos muitas vezes malabaristas entre o


trabalho, a casa, os filhos,

o marido, a mulher, a saúde, o estudo, o


dinheiro, o lazer, a família de origem.
Cada item complexo, intenso, com
muitas ramificações, expectativas

e solicitações. Então, como cuidarmos


da relação com as crianças que tanto
precisam de nós? São nesses momentos
que a criança experimenta a certeza de
ser amada. São momentos em que a
conversa, a cumplicidade, a confiança, a
expressão dos sentimentos, o brincar,
surgem de forma natural e espontânea.

Briggs, em seu livro “Autoestima do seu


filho”, chama esse encontro de

“encontro autêntico”, que ela descreve


como a atenção focalizada. Viver o
presente do momento presente, com
intensidade e participação direta.
Abertos para conhecer esse Ser que se
apresenta, abertos para nos conhecer
melhor por meio da relação verdadeira
e repleta de oportunidades. Os
encontros, quando autênticos,
verdadeiros, transmitem para a criança:
“É importante estar com você, você é
importante”. E a criança passa a se
perceber como importante.

Isso não significa que não precisamos


cuidar da frequência com que

ocorrem. Apesar da supervalorização da


qualidade, sem frequência a qua-

lidade mal pode se desenvolver. Todos


os dias podemos, olhar nos olhos,

conversar, brincar, focar nossa atenção.


Isso não precisa acontecer durante uma
tarde inteira. Não é uma ordem externa,
cumprir tabela. É estar ali,

presente, ouvindo, respirando junto, e


disponível para viver com o outro
esse momento único. Por outro lado,
frequência sem qualidade também

mantém a perigosa distância entre pais e


filhos. Podemos passar o dia

todo com as crianças, mas se estivermos


irritados e distantes, sem cone-

xão, estaremos mais distantes do que se


estivéssemos fora, fisicamente. O

equilíbrio dessas facetas tão importantes


nos mantém próximos realmente

dos nossos filhos.

Na maioria das vezes, estamos no


mesmo ambiente, cada um fazendo
uma coisa, e não nos vemos, não nos
falamos, não nos encontramos. É che-

gada a hora de desligar a TV, fechar o


computador e estar disponível para o
estar com o outro, mas como isso é
difícil. Parece que somos engolidos por
Daniella Freixo de Faria

87

algo maior que, quando vemos, já nos


levou embora e perdemos o momento.

Quando estamos na Presença, naquele


estado de paz interior, é possível
escapar. Como fazer depois de um
jornal repleto de notícias que nos geram
medo, aflição, tristeza? É uma reposta
importante porque traz a
responsabilidade de onde colocamos
nossa atenção. Nós temos escolha.
Nosso sistema pode não

ser capaz de viver completamente na


Presença, no eixo; esse é nosso grande
aprendizado. Somos, sim, capazes de
perceber quando estamos fora, distantes.
E respirarmos para nos encontrarmos de
novo.

Outro dia, vi um vídeo sobre a


importância de nos desconectarmos

para nos conectar. No mundo


globalizado, às vezes nos relacionamos
mais

com quem está do outro lado do mundo


do que com quem está sentado ao
nosso lado no sofá. É um difícil
exercício, e acredito que as crianças
sabidas nos cobram, chamam-nos com
maestria. Nós podemos aceitar os
convites e

curtir, nos deixar surpreender.

A qualidade também é outro aspecto que


merece atenção. Quando es-

tamos juntos de nossos filhos depois de


um dia de trabalho e escola, será que
nos encontramos de fato? Ou apenas nos
cobramos, criticamos coisas que de-
veriam ser feitas? Muitas vezes quando
pensamos encontrar com qualidade e
atenção focalizada, estamos checando
tarefas, ou até fazendo coisas para eles.
Fazer coisas para alguém é muito
diferente de “estar com”.

E olha que fazemos tantas coisas para


eles, não é mesmo? Isso não é

estar junto. Haverá o momento para a


lição de casa, para comprar o que as
crianças gostam de comer ou pagar a
escola, mas o momento do encontro

único e deve ser respeitado como algo


sagrado.

Vejo que para os pais essa questão da


presença no encontro é ainda mais

fundamental. Hoje em dia os pais


trabalham muito. E com a famosa inter-
net, muitos não desligam do trabalho 24
horas do dia. Sempre conectados,

trabalhando mais do que nunca, os pais


são preciosos. As crianças esperam por
eles ansiosas e muitas vezes só os veem
pela manhã e finais de semana.

Assim como os encontros com a mãe, o


pai é fundamental nesse caminho de

desenvolvimento.

O encontro é sagrado, pois podemos


conhecer quem é nosso filho.

Criamos , cuidamos desse espaço


interno, gerador de intimidade. No
sentido mais profundo e mais
superficial, tudo ao mesmo tempo. É
quando podemos,

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

88

de forma sincera, elogiar os passos


dados, os desafios superados e assim
construir um significativo depósito de
autoconfiança. Quando longe, sentimos o
distanciamento como um buraco entre
nós e, no desespero de tapá-lo, em vez
de retomar o encontro, usamos os
elogios como substitutos da nossa
presen-

ça. O elogio pertinente, sincero, de


quem acompanhou a criança e sua
vivência, faz a diferença; porém, o que
busca a substituição da presença
aumenta ainda mais a distância e gera
uma tremenda insegurança na criança.

Construir uma apreciação ou um elogio


contando qual ação do outro
me gerou bem-estar, ou o que eu
precisava e fui atendida e até como me

senti com isso, gera o real


“espelhamento” positivo, em que a
criança tem total noção do começo, meio
e fim de sua atitude, o que suas ações e
gestos podem gerar no outro, em
qualquer outro. Quando elogiamos o
processo, a

caminhada ,a criança percebe que é o


trajeto, o processo em si que a mantém
ativada , que a mantém viva na espiral
do desenvolvimento. Qualquer montanha
pode ser escalada. A armadilha é
elogiarmos a criança e não suas atitudes.

Quando fazemos isso , estamos dizendo


que ela já atingiu o pico da monta-

nha e, com esse entendimento, ela pouco


se arrisca a desenvolver ainda mais suas
habilidades, pois não compreende o
valor do processo , da caminhada,
entende que já atingiu seu objetivo. A
jornada perde valor , a criança perde
ricas oportunidades de aprender sobre
ela mesma e se desenvolver ainda mais
em aspectos que essa experiência lhe
traria. A diferença na postura é enorme,
é possível sentir.

Pensamos muitas vezes que o contrário


do amor seja o ódio, mas não

é. A indiferença causa muito mais


estrago. Tenho visto crianças
aprontando grandes histórias, pois, na
bronca, parecem nos encontrar na
intensidade e na presença. Parece
absurdo dizer isso, mas algumas
crianças realmente pensam que se não
conseguem os pais nos momentos
gostosos, tudo bem se os encontrarem
nas broncas. Como também já foi
possível perceber que a nossa

intensidade e disponibilidade na briga


podem ser maiores do que fora dela. É

importante percebermos isso, não como


crítica, mas possibilidade de
aprendermos novas formas, novos
caminhos para o encontro.

As crianças precisam de nós, de nossa


referência, nossos reflexos, e nos

buscam o tempo todo. Eu não sei o que


você sente, mas a alegria de chegar em
casa e ver a festa é emocionante. Somos
esperados, queridos, aguarda-
Daniella Freixo de Faria

89

dos ansiosamente. Os pequenos sempre


com histórias para contar, sempre

querendo estar perto. Somos o grande


presente que diariamente recebem e

vice-versa. Mesmo que você entre e saia


muitas vezes.

Quando temos a frequência e a


qualidade na Presença, na ausência as

crianças estarão preenchidas e toleram


nossa atenção sendo colocadas em outro
lugar, com muito mais tranquilidade.

Lembrei agora de uma passagem lá de


casa. Eu estava falando do quan-

to, para terminar de escrever o livro, eu


precisava me concentrar. Tem sido
difícil demais de caminhar fora das
férias, pois são muitos itens a organizar:
trabalho, meninas no dentista ou
precisando cortar o cabelo, balé,
natação, casa, marido. Fiquei meio
perdida de quando e como poderia
seguir num
ritmo gostoso. Minha filha está tão feliz
com o livro e numa expectativa tão
grande que chegou para mim e disse:
“Mãe, por que você não fica um fim

de semana sozinha aqui em casa pra


você terminar o livro? A gente vai com
o papai passear e você fica tranquila. O
que acha?”. O quanto isso realmente
seria ótimo, mas até agora não podia
pensar, afinal, estaria longe delas no fim
de semana. Como? Talvez ela esteja
preenchida a ponto de me propor essa

solução. Agora resta saber se eu consigo


ficar longe de todos os meus amores no
fim de semana.

O encontro sagrado passa a ser vivido


como “receber um presente”.

Normalmente, prendemo-nos ao passado


e já estamos preocupados, ocupan-

do-nos antes do futuro. E com isso,


perdemos o bonde, perdemos muitos

momentos.

Existe um filme que mostra claramente


esse funcionamento, “Click”.

Um jovem adulto encontra um controle


remoto capaz de acelerar, passar

para frente a própria vida. Ele acelera


seu trabalho para o momento das
promoções, acelera momentos
desagradáveis no casamento, dentre
outras

coisas. Mas no filme, assim como na


vida, era impossível voltar e viver
aquele mesmo momento naquele
momento, e quanto mais distantes e mais
ace-

lerados, mais rápido tudo acontecia. É


um filme que mostra o desencontro

do pai com sua família em nome de algo


mais urgente ou mais importante.

Vale a pena assistí-lo, percebermos


quantas vezes aceleramos, pulamos,
passamos para frente nossas vidas e
perdemos grandes momentos. Momentos

que não voltam!

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

90
Parece que estar com as crianças é um
ato no qual os beneficiados são

as crianças. Quando paramos para


perceber como terminamos um encontro

sagrado com nossos pequenos,


descobrimos que também ficamos em
paz.

Há alguns momentos nos quais as


crianças precisam de reforço. Se

estão vivendo alguma situação difícil,


ou alguma pressão, nascimento de

irmãos, mudança de cidade, de escola,


separação dos pais ou mesmo a mor-
te de alguém. Nossa disponibilidade
precisa ser mais intensa. Muitas vezes
pensamos que, ao atendermos todos os
desejos, darmos a eles tudo o que

querem, pensamos estar demonstrando


amor, mas precisamos ter cuidado.

O encontro sagrado, o encontro de amor,


é simples e flui naturalmente.

Nenhuma das partes está encolhida,


ambos estão bem, inteiros, felizes. O

encontro de amor acontece entre duas


pessoas, no qual ambos dão e rece-

bem amor. Recíproco, livre.


Podemos construir o momento a cada
troca, a cada gesto, a cada pala-

vra e a cada brincadeira. Nas férias,


pude vivenciar algo surpreendente com
minha pequena. Passamos o mês todo
juntas e, depois de alguns dias, ela, en-
cantadora e muito charmosa, começou
com um novo comportamento. Sem-

pre carinhosa, beijoqueira, minha filhota


começou a me chamar no meio de

alguma brincadeira, ou refeição. Quando


eu perguntava o que ela queria, ela
dizia: “Mãe, EU TE AMO”. Com apenas
três anos, ela me encheu de alegria.

Que bom que pude estar lá para receber


e dar todos esses momentos únicos.

Te amo, filha!

A gratidão aparece imediatamente.


Receba e viva esse presente, apenas

esteja presente! Seja presença e todo o


caminho, toda a caminhada, acontece.

Basta estarmos aqui!

DE ONDE VIE MOS E P AR AO


NDE

ESTAMOS INDO

No processo de educação, temos um


grande desafio: informar, questio-
nar, mantendo viva essa conversa que
estamos tendo com cada um de nós, e

entre nós. Trazer toda a conversa da


vida prática sem perder o propósito do
Daniella Freixo de Faria

91

diálogo. Informar com a consciência


plena de que o que informa vem sempre
de dentro, da relação viva com tudo o
que nos rodeia.

Vou seguir considerando que as crianças


precisam de direção e hoje pa-

recem estar apertadas em suas agendas


lotadas, sem tempo para serem crian-
ças, para “des-envolverem” seus dons,
para se conhecerem.

Minha amada avó Lourdes sempre dizia


que no seu tempo a vida era

muito mais viva, que adorava comer


manga do pé. E eu, criança, pensava:

“Lá vem minha avó com suas histórias e


saudades”. Era tudo tão distante,

e de repente, hoje adulta, mãe de duas


filhas, vejo-me contando para elas as
coisas que eu adorava fazer quando era
criança. Hoje mesmo elas me

perguntaram antes de dormir de quais


desenhos eu gostava, pediram-me
para contar as histórias. E a alegria foi
geral quando encontramos nomes

comuns. Uma delícia.

Como era bom sair de bicicleta e saber


que só precisava voltar para o

jantar, andar nos muros das casas


vizinhas, ir para as casas dos amigos
vizinhos, passar as férias na praia,
isolados, sem telefone ou mercado, na
praia com coletes salva-vidas, pranchas
de isopor e mães, primos e primas. Eu
tinha reflexões profundas sobre Deus, de
onde viemos, para onde iremos, como

estamos aqui, fazendo o quê? Olhava o


mar imenso e pensava até onde ele ia.
E as ondas, que coisa incrível.

Podemos olhar para o hoje e apenas


criticá-lo; afinal, não é tão fácil sair de
bicicleta ou mesmo estar num lugar
isolado, sem telefone. Hoje, estamos
vestidos quando temos nosso celular
conosco, não é mesmo? As crianças de

hoje vivem num mundo realmente


conectado em tempo real, o mundo todo,

dá para acreditar?

Possuem toda a informação, uma vida


movimentada, mas talvez mais

“refinada”. Vemos crianças também


mais interessadas pela arte, pela dança,
pela música, pelo aprender. Tenho a
nítida impressão que elas têm mais pro-
fundidade, mais refinamento quando
descobrem um talento ou dom, ou ca-

pacidade de investir em algo e ver seu


resultado. Não tinha como voltar e viver
no tempo da vovó Lourdes, não há como
nossos filhos terem a infância que nós
tivemos.

Tudo mudou, só não mudou o fato de que


crianças são crianças, devem

ter vida de criança, serem cuidadas,


acompanhadas, estimuladas, amadas,
res-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

92

peitadas para que possam se transformar


em adultos capazes de contar suas
histórias. Para que sejam capazes de
amar, de trocar, de cuidar.

Lembro-me muito das conversas e


momentos mágicos com minha

avó Marieta, que, sempre repleta de


arte, trouxe para a minha vida a mú-

sica, a simplicidade, a sabedoria do


corpo e da vida espiritual. Até o dia de
sua abençoada partida , permaneceu
atualizada, com imensa riqueza

interna e repleta de ensinamentos. Me


acompanhou, torceu por mim, foi

a primeira a ler esse livro e apenas


repetia o quanto me amava. E também
vovó Lourdes, a pessoa mais forte que
conheci, suportou grandes dores,

aprendeu com elas e me ensinou a dor


que para de doer. Manteve a ale-

gria de viver com seu humor rápido e


inesperado. Fé inabalável, firme,

cuidadora, sempre por perto. Pude


cuidar da minha avó em sua partida e

essa foi uma das maiores honras que já


vivi. Pude cuidar de quem sempre

cuidou tanto de mim.

Lembrar da nossa história, da nossa


criança, também nos faz perceber
como as coisas mudaram em outros
sentidos. Nós éramos crianças e
vivíamos com crianças, não tínhamos
essa participação, essa voz, essa
conversa que hoje temos com nossos
filhos. Crianças almoçavam com
crianças, tinham outra

sala de TV, uma vida meio que paralela,


que se encontrava com o mundo

adulto em alguns momentos.

Hoje, as crianças possuem vizinhos


globais e compartilham do mesmo

ambiente, jogam videogame e se


entendem em tempo real, sem ao menos
falar a mesma língua, e se entendem e
muito bem. Nossos filhos têm de se

sentir à vontade com pessoas de


diferentes culturas, capacidades e
crenças.

Ao oferecer um modelo de aceitação e


tolerância, nós lhes ensinamos não

apenas a respeitar, como também a dar


valor e apreciar as diferenças entre as
pessoas. Ensinamos que a diversidade é
uma realidade rica em aprendizados e
experiências.

Com tamanha mudança, é natural que


muitas vezes nos sintamos com-
pletamente perdidos para cuidar de nós
mesmos nesse novo mundo. Cuidar

das crianças é ainda mais delicado.

Isso nos leva a falar um pouco desse


histórico, como era, por onde

passamos e onde nos encontramos


agora: a relação pais e filhos existiu
para muitos tendo como característica
essa divisão entre os mundos do adulto e
Daniella Freixo de Faria

93

da criança, além da imposição do adulto


perante a criança. O comum era a

criança que não tinha voz, não tinha


como participar.
A família era autoritária, a obediência
acontecia pelo medo. Medo do

mais forte, medo da bronca, do tapa, do


castigo. Obedecíamos ao recebermos um
simples olhar. Obviamente houve
exceção à regra, o que acredito que
tenha contribuído para toda a
transformação acontecer. Alguns sempre
iniciam a jornada de todos que virão,
não é mesmo?

Recentemente, fiz um curso que, dentre


outras coisas, trouxe um pou-

co do histórico da criança. E é muito


interessante, pois há tempos, talvez na
época de minha bisavó, as crianças eram
vistas como miniadultos, não existia
nada voltado para elas, nenhuma atenção
diferenciada ou desenvolvida para a
criança, era um mundo que se encaixava
no mundo adulto. A criança nada

sabia, precisava aprender, e o adulto


tudo sabia e devia ensiná-la.

Depois de toda essa distância e


autoritarismo que falaremos mais

adiante, entramos num momento bastante


esquisito, porém necessário, em

que dizer “não” para uma criança era


algo bastante questionado, as crian-

ças já tinham querer, alguém com seu


jeito, seu gosto. Passamos por esse
período permissivo, no qual parecíamos
viver uma relação horizontal, mas

na verdade estávamos longe disso,


deixando as crianças praticamente à
deri-va, meio que sem rumo. Os pais à
deriva também. Obviamente, todo cami-

nho foi necessário para o


amadurecimento que hoje construímos,
para que

o equilíbrio possa surgir.

Muitos de nós sentimos a grande


confusão, o quanto estamos muitas

vezes perdidos e vivendo uma época de


grande insegurança. Grandes mo-
mentos de inconstância e incoerência.
Ora agimos de um jeito, ora de outro,
lemos tudo o que vemos pela frente em
busca das respostas de como, afinal de
contas, devemos agir com nossos
pequenos grandes filhos. É uma delícia
escrever isso porque, inserida também
no grande “não sei”, acredito que as
respostas estão dentro de nós, na
vivência de cada relação, no amor e
presença.

Não está fora, não é a mesma reposta


para todos nós, cada um, único, numa
relação também única, inteiro, para
encontrar o próximo passo.

A insegurança e inconstância que


vivemos hoje nos faz passar pelo au-
toritarismo, infelizmente com muitos
momentos de agressão física e verbal às
crianças. Ou então pela permissividade
total, crianças fazendo o que querem,

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho
94

sem rumo e vivendo a angústia de


cuidarem de si mesmas. Não é difícil
percebermos que muitas vezes nos
sentimos reféns, de mãos atadas, sem
saber o que fazer. E ficamos assim
pulando de um extremo ao outro,
buscando fora o que na verdade está em
nós.

O importante é percebermos que a


Presença é fundamental. É com o

encontro de profundo amor que tudo


acontece. Acontece mesmo. As crian-

ças, assim como nós, precisam ouvir que


são amadas, precisam, assim como
nós, de carinho, colo, beijos, abraços,
aconchego. O poder de ser tocado é
talvez uma das mais elementares,
universais e poderosas formas de
estarmos vivos, necessário à vida, tão
indispensável tanto aos recém-nascidos
quanto aos idosos.

Pesquisas recentes confirmam o que há


muito tempo as pessoas já sa-

biam intuitivamente: que há poder de


cura no contato físico amoroso. Depois
de qualquer primeiro socorro, o calor
do toque amoroso envia mensagens de
apoio à reação de cura do corpo. Depois
de um momento difícil ou mesmo

para compartilharmos um momento


importante, o colo, os braços ao redor

de nossos filhos acessam diretamente o


coração, trazem consolo, amor, calor e a
certeza de que não estão sós. Às vezes
basta um abraço forte ou um carinho
para tranquilizar a criança e ajudá-la a
se recuperar.

Crianças que carregam a certeza de


serem amadas e aceitas seguem com

força interior, fé e vontade de se


relacionar, acreditam que vale a pena
investir.

Gostam de si mesmas; tombos e


desafios, frustrações e fracassos são
encarados de outra forma, com mais
esperança, compaixão e inteireza.
Entendem

que faz parte da vida, tenho um


aprendizado com isso. As crianças
vivem o merecimento e a certeza de que
são capazes de se relacionar.

Crescer com esse olhar nos dias de hoje


é fundamental, já que infeliz-

mente hoje o valor do humano está muito


atrelado a quanto de dinheiro ou

resultado ele é capaz de produzir. O que


faz com que todo o contato interno vá se
tornando cada vez mais frágil perante a
demanda infinita de “ter” mais e mais.
Quando podemos SER, todo o resultado
é pura consequência. É fruto

da realização gerada por vivermos


nosso Dom. Trabalho que aquece o
coração e nos traz a certeza de que é
esse o nosso lugar. Já pensou em como é
maravilhoso viver assim? Depende de
nós. É possível.
Daniella Freixo de Faria

95

DIREÇÃO:

S E NT IDOQUE F AZC R E S C E
R
Podemos cuidar do superficial sem
abandonar o profundo. Escolhi co-

meçar essa parte com a questão tão


presente nos dias de hoje, os limites. No
sentido claro de direção! Será que as
crianças de hoje precisam somente de
limites? O que essa palavra significa?
Será que já perdeu seu sentido? Numa
das ricas reuniões na estrada da
educação, chegamos a mais uma
questão: não estariam as crianças
também muito limitadas? É uma boa
questão, não acha?

Para falarmos de limites (direção),


vamos falar um pouco da natureza que

tanto nos ensina. Quando vemos um rio,


talvez nunca tenhamos pensado o

quanto ter margens é importante para


que siga seu fluxo natural. Se as margens
deixam de existir, o rio não é mais rio, é
água esparramada, sem direção ou
sentido. Se as margens tomassem conta
do rio, em algum momento fluir

também não seria mais possível. Com os


lagos, com as plantas, as florestas, a
convivência dos animais, cada um
vivendo no limite necessário que garante
essa existência, sua forma, seu
funcionamento.

Em férias na Bahia e na convivência


com abundante natureza, no café
da manhã, convivemos com os macacos
locais. Numa manhã algo diferente

aconteceu: cinco dos macaquinhos


tentavam chegar ao topo de uma das pi-

lastras do telhado todo de folhas


naturais atrás do ninho que lá estava.
Adivinhe? A mamãe passarinho dava
voos rápidos em cima dos macacos, que
se

afastavam do ninho. A dança aconteceu


durante muito tempo, era uma mãe

protegendo seus filhotes e colocando


limites nos macacos. A natureza é mes-
mo repleta de exemplos.
Vamos olhar para esse direcionamento
como caminho, rumo a seguir.

A criança precisa desse cuidado, pois


quando não o recebe vive a profunda
angústia de ter que cuidar de si,
esparramada e sem saber o próximo
passo do caminho. O que a faz estagnar.
Sente-se só e responsável sem ter
condições. A presença do adulto, do pai,
da mãe, ou de pessoas que exerçam a
paternagem e maternagem são
fundamentais. Podemos e devemos
trocar percepções, insights, dúvidas,
angústias, ora bastante similar, ora
completamente distintas.

A energia masculina é fundamental para


o desenvolvimento dos pe-
quenos e pequenas. Esse olhar, tão
presente nos papais, traz a margem do
rio,

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

96
traz a proximidade que leva o outro a
existir na relação. Informa a existência
do outro. Obviamente, essa energia
também está presente nas mães, mas ela
surge depois. Com a presença
masculina, as crianças adquirem
maturidade,

limites e desenvolvem contorno. Físico,


psíquico, emocional. Quando nossos
pequenos nascem, nós, mães, vivemos a
chegada desse amor visceral. Algumas
sentem a aproximação suavemente,
outras violentamente, outras mais

adiante, outras instantaneamente. É um


processo único e intransferível, sem
certo ou errado, é apenas o que cada
uma de nós viveu, de forma diferente de
um filho para outro. Sem receita.

Nos primeiros meses, costumamos viver


a simbiose, espécie de mistu-

ra, o “Um” que é capaz de acordar na


madrugada, amamentar, superar todos

os desafios e ainda dar mais amor ao


pequenino. Muitas vezes exausta, com
um mundo novo e o medo desse mesmo
novo mundo repleto de novos
sentimentos e sensações desconhecidas,
umas deliciosas, outras nem tanto. Como
se nossa missão fosse não deixar faltar
nada, estar à disposição sempre.

Lembro do dia que, já com ajuda, fui até


a farmácia. Primeira saída

de casa, senti uma alegria, como se eu


estivesse de volta a um pedacinho da
minha vida que havia se transformado;
estava feliz com a maternidade, mas
como era boa a sensação de
independência para ir à esquina. Mesmo
sabendo que dali a 30 minutos já era
hora de voltar. Essa doação faz parte, é
necessária.

Conforme o tempo passa, a mistura se


transforma no relacionamento

entre duas pessoas que se amam,


respeitam-se, enxergam-se e querem
pro-
ximidade, mas não mais a
indiferenciação. Ternura e eixo dão o
tom crucial e formador para a criança e
para a família. O diferente traz a
diversidade em possibilidades,
maleabilidade e tolerância, todos
compartilham na mesma missão.

Vamos reconhecer o quanto a Presença é


fundamental. É incrível, mas

às vezes nós não conseguimos sair da


superproteção, da mistura, do “meu

filho” – no sentido da posse, pensando


que estamos ajudando os filhos. A

parceria é rica. Todos e cada um são


essenciais.
Limites, regras, direcionamento, somos
semelhantes, com direitos

iguais. Temos a possibilidade de


compreender o outro. É possível
convivermos, no sentido de vivermos
com, mas, para isso, o outro e eu
precisamos nos respeitar, considerar-
nos, precisamos nos ouvir, nos enxergar.
Aprendendo o
Daniella Freixo de Faria

97

respeito que pede a convivência, somos


capazes de dar mais um passo, em que a
palavra “limites” parece não mais se
encaixar. Somos capazes de respeitar
nossa casa, nossa Terra, somos capazes
de cuidar das pessoas, somos capazes
de amar e conhecermos o ilimitado, o
amor ilimitado.

Andando pela cidade, encontro pessoas


com vidas tão diferentes, mas

nos reconhecemos. Somos humanos no


mesmo barco, cada um com seu remo

buscando águas calmas e um destino


feliz, viver no respeito, no amor, no Ser,
pura presença.

Outro dia uma propaganda de rádio


mostrou o quanto estamos liga-

dos. A locutora pedia para que todos


olhassem para o carro vizinho e dessem
um sorriso. Que delícia sorrir, receber
um sorriso de alguém que você não
conhece, delícia trocar, encontrar.
Reconhecer como o ato de conhecer de
novo, o outro e a si mesmo. Tão legal.
Existe esse vídeo na internet, vale a
pena.

Tenho que dizer a você que mais


importante do que todas essas
explicações, precisamos sentir o quanto
fazemos parte da jornada que inclui a
todos nós.

ENTRAREM

SINTONIA
Um dos nossos grandes desafios como
pais e mães, vindos de famílias,

de vidas diferentes, muitas vezes com


valores diferentes, é chegarmos a um
denominador comum na formação dos
pequenos.

A cumplicidade também precisa ser


construída à base de muita conver-

sa, muito respeito e comprometimento.


Senão, o que vemos são pais brigan-

do entre si em vez de estarem juntos. A


direção é construída, vivida,
compartilhada, suada. Não está pronta e
talvez nunca esteja; afinal, nós, pais,
também estamos crescendo,
amadurecendo, aprendendo e mudando.

Em ajustes de rota muitas vezes


necessários, as crianças não precisam

participar da conversa, que pode ser


bem difícil. Em outros casos pode ser
muito rico que participem. Como
dissemos até então, o grande
aprendizado

se dá no encontro com nossa escuta


interior, com nossa riqueza interior.

O desafio é vivermos a caminhada


respeitando as diferenças e seme-

lhanças. Percebendo a unidade e


diversidade. É crucial e importante que
cada

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

98

um, pai e mãe, viva a parentalidade de


forma comprometida. Ao transferir-
mos nossa autoridade, nossa presença,
nossa condição de lidarmos com uma

situação, para outra pessoa, estamos


dizendo às crianças que não
conseguimos, que eles não precisam nos
ouvir, ver-nos, considerar-nos. Nós nos
de-sautorizamos, e as crianças entendem
esse recado perfeitamente deixando de
fazer o que lhe pedimos ou orientamos.
Muitos de nós vivemos a cena da mãe
dizendo: “Quando seu pai chegar você
se entende com ele”.

Hoje em dia, com homens e mulheres


trabalhando, temos a oportu-

nidade de compartilhar a educação das


crianças. Ambos atuam, participam,
ajudam na lição de casa, chamam
atenção, elogiam um passo dado. Cada
um

a seu modo trazendo diferentes modos


de agir. Outro dia minha filha mais

velha me perguntou: “Por que, diferente


do papai, você fica repetindo as coisas
quando está chateada, em vez de falar de
uma vez como ele?”. Minha resposta:
“Porque o papai e eu somos diferentes e
eu repito porque às vezes não me
conformo com algumas coisas e falar me
ajuda a acalmar”. Minha filhota ainda
olhou pra mim e disse: “Prefiro o jeito
do papai, ele fala uma vez, só que mais
forte”. Olha que máximo… Confesso
que desde então vou me acalmar
longe das crianças, afinal o recado já foi
dado.

É mais difícil encontrarmos o pai que


nunca está e a mãe que está o

tempo todo. As crianças têm o privilégio


de conviver com ambos. Reuniões

de escolas repletas de pais e mães,


festinhas de amigos. Antigamente,
éramos acompanhados pelas mães, que
tiveram um papel bastante chato. Banho,
comer, lição, dormir, pode, não pode.
Às vezes solitárias em momentos
difíceis.

Toda a rotina, educação, escola,


reuniões pertenciam às mães, as
“mãetoristas”. Uma grande mudança
maravilhosa aconteceu. Hoje os pais
estão com-

prometidos, interessados, presentes. As


mães estão mais seguras, mais felizes,
mais livres, buscando outras
realizações. O que era muito solitário
agora é compartilhado.

Como manter essa sintonia, essa


construção quando o casamento aca-

ba? As separações exigem demais, são


sofridas para todos os envolvidos, até

– ou principalmente – para as crianças,


que amam aqueles que já não se amam
mais como homem e mulher. Como
casal, poderíamos nunca mais
conversar,

mas, como pais, temos e teremos uma


conversa que nunca terminará. Com

tantas separações difíceis, as crianças


acabam no meio de uma briga que não
Daniella Freixo de Faria

99

lhes pertence. É importante perceber que


é o homem e a mulher que estão se
separando. Mãe e pai, como entidades,
não se separam, já que, para os filhos,
ambos são necessários, amados,
insubstituíveis e importantes.

Mesmo passando pela extrema


dificuldade de uma separação contur-

bada, as figuras paternas e maternas


precisam estar disponíveis e presentes.
A criança conseguirá se adaptar a ter
duas casas, uma nova rotina, mas nunca
se adaptará à ausência de pai ou mãe em
sua vida. Ela precisa da presença, da
participação direta e pessoal. O adulto,
que um dia colocou o seu melhor na
relação conjugal, vive agora uma virada
dramática em seu investimento, passa a
mostrar o seu pior numa briga de gente
grande. Mesmo que discussões e
sentimentos estejam disfarçados. E a
criança vive no clima de baixa
qualidade vibracional do campo
familiar. Precisamos agir em nome de
um único propó-

sito que faz a conversa continuar: a


saúde integral das crianças.

A criança é o único motivo pelo qual a


relação mínima de respeito

entre duas pessoas precisa, pode e


merece continuar. Mas a criança não
pode somente ser o “por quê”.
Precisamos transformar esse “por quê”
em “para

que”, num propósito maior, num


movimento novo a seguir. Apenas con-

seguiremos seguir em frente como pais e


mães separados dos parceiros se

conseguirmos nos conectar com esse


propósito, com as necessidades
legítimas dos pequenos. Caso contrário,
eles presenciarão as pessoas que mais
amam no mundo sofrerem. As crianças
serão arrastadas também para o
sofrimento e

talvez nunca sejam capazes de entender,


aceitar ou conviver.

Existem efeitos preocupantes para o


emocional da criança que en-
contra os pais em constante guerra,
diminuindo, julgando e falando mal

um do outro. A confiança abalada


aparece simbolizada no sentimento de

divisão dolorido. É como se pai e mãe


tivessem que viver separados dentro da
criança.

Assisti a um documentário sobre


alienação parental: a criança que cres-

ce nessas condições vive uma morte


anunciada. Pai ou mãe “terá” que estar

“morto” no sentido da ligação afetiva,


pela imensa quantidade de informações
que não pertencem ao mundo da criança,
mas que chegam até ela por intermédio
do outro genitor. Postura violenta, cruel,
que vai em busca da destrui-

ção da imagem do outro para a criança,


que cresce pela metade, contida e em
enorme sofrimento. A criança passa a
viver algo incômodo: amar e não poder
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

100

compartilhar o amor. Começa a se


preocupar em não mostrar os
sentimentos, pois não quer magoar o pai
ou a mãe. Passa a viver presa em suas
manifesta-

ções, tensa e oprimida na Convivência,


que sempre foi tão livre, tão grande, tão
espontânea.

Surge uma nova atuação por parte dos


pequenos: os papéis se invertem

e os filhos passam a cuidar dos pais.


Essa inversão é preocupante, pois a
enorme carga emocional na criança,
ainda em formação, causa um grande
estrago.

O mundo perde o colorido, o brilho,


como se sempre estivesse faltando um

pedaço. Caminho que somente será


viável percebermos o quão maior e mais

importante é esse amor perante todo o


resto.

Caminho possível quando pudermos nos


acolher como aprendizes; afi-

nal, nunca vivemos isso antes, não é


mesmo? Como deveríamos saber lidar,
então? O acolhimento e a possibilidade
de aprender com tal situação nos tornam
mais humanos para nós mesmos, para o
antigo cônjuge, para o eterno

parceiro na formação das crianças, mas


sobretudo para as crianças.

Filhos quando têm a certeza do amor dos


pais e a presença de ambos,

são capazes de ensinar sobre a


capacidade de adaptação humana;
podemos

seguir em frente com qualidade de vida,


com qualidade nas relações. Pais que
conseguem viver esse novo movimento
encontram a paz interna, retomam a
alegria de viver. Afinal, são os
primeiros da fila a viverem essa prisão.
E podem seguir em frente.

Seria maravilhoso se todos os


envolvidos cuidassem dos direitos das

crianças serem crianças, dos filhos


serem filhos, de terem pai e mãe
livremente, de terem apenas cuidados e
preocupações de criança. Acredito
nesse caminho, busco esse caminho, e
sei que é possível. Mesmo legitimando
os sentimentos de dor, de tristeza ou
raiva do homem e da mulher durante e
depois da separação, é importante que
sejam cuidados, ouvidos e respeitados,
mas que essa dor não se misture a algo
que deve estar livre e disponível: o
amor de pais, o amor de mães por seus
filhos e o amor de filhos por seus pais e
mães.

É maravilhoso e tocante reencontrar os


pais de uma criança, ver surgir

a sintonia. Melhor ainda é ver surgir um


novo formato, novos casamentos,

novos “irmãos” e as crianças tirando de


letra. Ver o desenho da família de
crianças com os pais recasados é
incrível, ela cresce e aparece. Cada um
no seu lugar, com toda a diversidade das
casas e estímulos. Vemos também
adultos
Daniella Freixo de Faria

101
que oficialmente não são pai nem mãe
aceitando o encontro com a criança

que tanto precisa da convivência


positiva. Adultos cuidadores, crianças
como ponto de convergência entre
pessoas que só lhe querem bem. Amor
capaz de

trazer alegria, paz, mesmo que seus pais


não sejam mais namorados. É lindo ver
como as crianças e adultos aceitam o
convite de construir junto o novo, sem
ter certeza do “como”, mas tendo a
certeza “de que lugar”. De um lugar de
total cuidado amoroso, respeito, alegria
e inteireza para atravessar e aprender
com todos os momentos bons e ruins que
viverão juntos.
Capítulo 6

A REAL PARCERIA

ENTRE A ESCOLA E A FAMÍLIA


ADAPTAÇÃO

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

104

AREALPARCERIAENTRE
ESCOLA E FAMÍLIA

Acredito demais na parceria entre a


escola e a família e a cada dia perce-bo
como o encontro acontece de forma mais
clara e evidente. É fundamental que
ambas estejam envolvidas em nome da
criança.

Durante muitos anos, observamos pais


culpando a escola e vice-versa

diante de uma situação difícil. Hoje,


com o desenvolvimento da relação, a
criança foi beneficiada. Família e escola
perceberam que juntas fazem a real
diferença perante qualquer desafio.

A escola, com toda a oferta de


experiências, conhece a criança e a en-

contra na vivência diária do


desenvolvimento cognitivo, relacional,
afetivo e do seu caminhar rumo à
autonomia. Já a família vive o enlace
emocional, relacional, afetivo, de
crescimento e troca.

Envolvidos, temos boas intenções nesse


processo rico e dinâmico; po-

rém, será nosso ponto de partida a real


capacidade de entrega e confiança no
outro. Nosso desafio é descobrir por
qual caminho cada criança precisa, pode
e lhe fará bem caminhar. É nessa
descoberta que mais precisamos da
escuta, da troca. O que norteia é
perceber qual postura colabora com o
desenvolvimento da criança. Digo isso,
pois, antigamente, o que acontecia eram
pais defendendo seus filhos dos olhares
que vinham da escola e escolas
defendendo seus professores dos olhares
das famílias.

A primeira mudança é percebermos que


estamos no mesmo barco, e

que a mesma tempestade ou estado de


tranquilidade atinge a todos nós. Ao

compreendermos que a criança, por


meio de seus comportamentos, falas e

dificuldades expressa pedidos de ajuda,


podemos abrir os canais de escuta,
trocar impressões e movimentar o que
precisa ser movimentado. E, assim,

não mais perdermos tempo com culpas e


nomeações que nada acrescentam,

principalmente quando dentro desse


funcionamento.

A conversa entre escola e família sem


defesa, sem ataque, sem julga-

mentos nem culpados ou vilões é


premissa indispensável para que o
diálogo se concretize. Colocar a criança
em primeiro lugar para os ajustes
necessários.

Não há ninguém certo e/ou errado. A


família vê por um prisma, e a escola/

Daniella Freixo de Faria


105

professora, por outro. Uma dificuldade


ou uma situação que precise de cuidados
pode aparecer na escola e não se
manifestar em casa. E uma situação que
necessite de ajustes pode surgir na
escola, sem sequer ser notada no
ambiente familiar. Por isso é tão
importante termos o diálogo franco,
aberto, entregue e confiante, com família
e escola como grandes amigos,
confidentes, parceiros e responsáveis.

Quando pensamos em responsabilidade


de um Educador, logo pensa-

mos na relação com o aluno. É


importante demais que o educador
perceba o

quanto é responsável por si mesmo e só


assim será capaz de sentir paixão pela
responsabilidade que é o amor. Se nos
sentimos responsáveis, somos, portanto,
responsáveis pela humanidade inteira.
Nós somos humanidade. Respon-

sabilidade na ação, no olhar, no


considerar, no reconhecer, viver o “nós”
em vez do “eu mesmo”. Viver a real
alegria de compartilhar, crescer junto.
Ouvir a serviço de nossos filhos , de
nossos alunos, de nossas crianças.

A escuta tem grande importância no


processo, por isso é importante
perguntar: de onde internamente escuto a
escola? De onde internamente es-

cuto a família? Será que enxergo cada


criança? Será que estamos nos
dedicando em nome das crianças?
Aprender é uma vivência especial,
eterna, e mesmo com as dificuldades
inerentes, o saldo é sempre positivo. A
alegria de aprender é construída na
relação única de cada criança com sua
escola e família.

Ao nos colocarmos a serviço do amor e


da criança, estamos abertos a

trocar, a cuidarmos juntos, a ouvir e a


construirmos o caminho a seguir. Não há
certo nem errado, há apenas o melhor
para a criança, única em questão.

Não há resposta pronta, que sirva para


todos; há um passo a ser construído para
cada criança, a cada momento, de
acordo com quem ela é e o que ela

precisa.

Do lugar de encontro e escuta, o


próximo passo é a investigação pro-

cesso que aprendi com uma orientadora


muito especial. A palavra, que parece
falar de algo conclusivo, traz à tona a
abertura, a amplificação, a percepção e
sentimentos explícitos para percebermos
o que foi compartilhado. Com essa
abertura, sabendo das boas intenções de
todos os envolvidos, saímos da culpa e
chegamos à responsabilidade de fazer
parte da vida de uma criança, seja como
pais, como professores ou orientadores.
Caminhamos com o diálogo

manifesto de amor e reconhecimento da


importância na vida de uma pessoa
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

106

em processo de formação. O próximo


passo surge único, especifico e natural.

E a criança pode seguir em frente livre,


leve, solta e, principalmente, feliz.

Portanto a escolha da escola é algo


absolutamente importante. Deve

haver empatia, proximidade,


disponibilidade e confiança. Estamos
todos do mesmo lado buscando o
desenvolvimento integral da criança.
Maravilhoso!
ADAPTAÇÃO

Depois da escolha da escola, vamos


cuidar da adaptação. O ingresso na

escola é um momento que merece


atenção especial. Depois da decisão
toma-

da, opção pela instituição e matrícula


feita, só nos resta esperar pelo começo
das aulas e, com ele, a expectativa pelo
processo de adaptação. Período em que
a criança vive a primeira grande
separação dos pais, é ela existindo e
coexistindo fora do que vivenciou até
então em seu ninho familiar. Mas não
significa que seja fácil; pelo contrário,
exige uma quantidade enorme de energia
psíquica para suportar tamanho
“sofrimento”. O cenário é repleto de
choro, grude, sono conturbado,
pesadelos, falta de apetite, entre outros
sentimentos.

Podemos voltar e nos manter misturados


aos pequenos ou podemos aprender

juntos. Difícil, mas importante para que


todos cresçam.

Um novo mundo se abre, repleto de


novas experiências e sensações.

Para atravessar esse grande desafio,


algo muito importante precisa acontecer.

A criança precisa da segurança do amor


tanto dos pais quanto daqueles que o
recebem no novo ambiente, os
professores. Quando falo em amor,
refiro-me à disponibilidade interna de
acolhimento, carinho, olhar e encontro.
Quando a criança pode encontrar na
escola e nas pessoas que a recebem de
braços abertos a possibilidade de
encontros autênticos, medo e
insegurança desaparecem como mágica.

Se o calor não estiver presente, batendo


forte no peito daquele que

cuida e é cuidado, dificilmente o


encontro se realiza. Sem ele, a
insegurança permanece; afinal de contas,
as distrações iniciais logo se tornam
rotina.
Krishnamurti, em seu livro “A arte de
aprender”, diz: “Uma escola é

um lugar de lazer, onde o educador e a


pessoa a ser educada estão ambos

aprendendo. Esse é o fato central da


escola, aprender. Lazer implica em
mente
Daniella Freixo de Faria

107

quieta, nenhum motivo e, assim,


nenhuma direção. Isso é lazer e é
somente nesse estado que a mente pode
aprender, não somente ciência, história,
matemática, mas também aprender sobre
si mesma; e a pessoa pode aprender

sobre si mesma no relacionamento.” E


segue: “Certamente essa é a função

da escola: ajudar o estudante a despertar


sua inteligência e aprender a grande
importância do relacionamento correto”.

E que alegria com que as crianças vão à


escola hoje em dia. Talvez por-

que, ainda pequenas, recebem


acolhimento e estímulos para aprender.
É um

amor pela escola, professoras e amigos,


que alimentam a relação. Conforme
crescem, todo o encanto parece escorrer
por entre os dedos. Notas, provas, li-

ções, comparações. No momento em que


a escola vira outra coisa, as crianças
passam a esperar as férias, estudam por
notas e o “aprender” fica fora do plano
principal, do ponto de vista da criança.

Quando o aprender se dá na relação


viva e coconstruída, todos estão

inteiros, presentes, de corpo e alma.

Hoje um dos “vilões” do aprendizado


segundo o funcionamento das

escolas tradicionais que buscam


resultados em notas é a enorme oferta de
estímulos, sensibilidade e conexão das
crianças. Inacreditável. As crianças
buscam a relação, mesmo com o que
aprendem. Ensinar no modelo antigo,
com

toda a “decoreba” para a prova, não


gera nenhum interesse, para não dizer
nenhum aprendizado, já que depois de
passada a prova, o que foi decorado é
esquecido, abandonado. A criança de
hoje aprende na experiência, na concre-
tização de uma ideia, no sentido dado a
um assunto por meio da relação com os
colegas, com a família, com o mundo. A
criança interessada é a criança que,
apesar dos inúmeros estímulos, pode se
conectar, perceber, sentir e vivenciar o
aprendizado.

No fim do ano passado, pude


acompanhar uma criança aprendendo

sobre a água e o percurso para termos


água em nossas torneiras, em nossas
casas. Essa criança chega maravilhada,
pois em sua escola, depois de receber
toda a informação, fizeram uma busca
por todos os elementos estudados na

própria escola. Viram a caixa d’água, o


relógio girando, os canos, o filtro e todo
o sistema estudado. Não há decoreba; há
genuíno interesse. Em

vez de estar lá longe, apenas no livro,


está perto, faz parte do cotidiano. O
aprendizado é pura relação; sem nos
relacionarmos com o que pretendemos

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

108

aprender, tiraremos boas notas se


estudarmos bastante, mas depois
voltamos ao vazio.

Lembro-me de um menino que eu


acompanhava na escola, com seu

comportamento “distraído, mas


sensível”. Pediu para ir ao banheiro e,
em vez de ir ao banheiro, foi direto para
a enfermaria. Foi uma confusão, por que
ele disse que faria uma coisa e fez
outra? Direto pra orientadora.
Conversando, ele contou que uma amiga
havia se machucado e que ele queria ver
se estava tudo bem, mas a professora
não permitiu que ele saísse. O que ele
fez? Disse que ia ao banheiro e foi ver a
amiga. Não dava para seguir em frente
sem saber se a amiga estava bem. Um
novo olhar pode surgir. Pudemos
entender a

grande ligação que ele vive em suas


relações.

Sobre distração, Krishnamurti fala algo


surpreendente. O quanto vivemos

fugindo das distrações que não existem.


Explico melhor: vamos imaginar que
estamos sonhando acordado ou que
nossa mente esteja vagando por aí, no
mundo da lua. Quando observamos e
acompanhamos o passeio da mente,
também

é atenção. A observação é atenção. Não


existiria distração, somente a escolha de
onde estamos colocando a nossa
atenção. O desafio no processo de
educação é ensinar a arte dessa
observação. Podemos criar a atmosfera
de aprendizagem, uma seriedade com
senso de liberdade e alegria. Podemos
criar conexão.

Revermos conceitos, sentimentos,


entendimentos, fará toda a diferen-

ça na educação que podemos ter, dar,


trocar, fazer juntos, a educação total,
superficial, profunda, sagrada. Com a
Presença. É preciso olhar para dentro,
para fora, para os lados com toda a
atenção, presença e muito amor.

O processo do aprendiz passa a ser


entendido como caminho e pode-

mos seguir ora juntos, ora separados.


Não há caminho certo, mas há o caminho
que faça sentido para você. Quanto mais
pudermos respeitar as diferentes formas
de compreender o mesmo assunto, mais
rico será nosso aprendizado.

É bastante comum ouvirmos de algumas


professoras que tal criança

está descobrindo as contas por um meio


próprio. De forma experimental,

com apoio e no seu ritmo, irá aprender.


A educação não é somente apren-

dermos a matemática, mas aprendermos


sobre nós mesmos e sobre nossa

capacidade de aprender. A alegria é


encontrarmos professoras tão dispostas
ao encontro , agradecidas por
aprenderem com, junto, e de maneira tão
viva.

Somos todos eternos aprendizes!


Daniella Freixo de Faria

109
Capítulo 7

AUTORITARISMO,
A GRANDE ARMADILHA

FRUSTRAÇÕES ACONTECEM

EM BUSCA DO PERFEITO

ARTE EM APRENDER

CUIDANDO DE

DENTRO E DE FORA
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

112

AUTORITARISMO,

AGRANDEARMADILHA

O autoritarismo muitas vezes gera uma


sensação de conforto absurdo;

afinal, somos nós quem damos as regras,


quem as cria, modifica-as, aplica-as
como bem entendemos. Perigo, perigo!
Fica fácil compreendermos porque

o autoritarismo é uma escolha


desastrosa da nossa parte. Não existe
diálogo, conversa, troca de ideias e
percepções. É uma postura que ora age
de uma

maneira, ora de outra oposta sem


nenhuma explicação ou coerência.
Funciona como um abuso de poder. Às
vezes, o adulto descarrega frustrações
da vida nessa relação, pois afinal tem o
controle pelo medo. E não vamos
descarregar no chefe, certo?

A criança que vive assim ora tem uma


força interna enorme e enfrenta
esse adulto – o que não acontece com
frequência –, ora se encolhe na família,
na vida, pois sua desconfiança cresce a
cada incoerência e desrespeito vividos.

A criança fica em constante estado de


alerta, pois tudo pode mudar a qualquer
momento. E pode surgir alguma
violência física ou verbal.

Dentro ainda desse labirinto, muitas


crianças infelizmente ainda apa-

nham. Não sei se você já parou para


refletir, mas bater ensina… Quando

digo que bater ensina, muitas pessoas se


assustam. É verdade! Ao bater em uma
criança, ensinamos muitas coisas a ela.
Resta-nos saber qual o nosso

propósito.

A primeira coisa que ensinamos é a ter


medo do mais forte. Esse é um

medo que acompanhará a criança por


toda sua vida. Que talvez apareça no

medo do chefe, do amigo grande da


escola, na pessoa autoritária.

Quando castigamos uma criança


fisicamente ou moralmente, logo ela

começa a entender a agressão física


como um comportamento válido e nor-
mal. Se a criança nos vê agir com
naturalidade, por que não fazer o
mesmo?

Se for considerada normal, pode ser a


forma adotada pela própria criança

na resolução de seus conflitos. A força


bruta passa a ser escolhida em vez do
diálogo. Até porque a experiência que a
criança vive dentro de casa literal-mente
mostra o quanto é abrupta, violenta e
capaz de interromper qualquer situação.
Ao bater em um filho, o adulto
demonstra um total descontrole

emocional. Pior do que isso, é um


exemplo vivo de que na ausência de
con-
Daniella Freixo de Faria

113
trole, é aceitável. E mais, os tapas
acontecem em busca de alguma
retomada de controle, uma postura
paradoxal, oposta ao que se pretende.
Toda a violência gera distância. Nas
crianças, a distância aparece recheada
de medo dos pais. Nós poderíamos ser
as pessoas de total confiança, mas, com
a violência, geramos tanta desconfiança
que não ocupamos mais esse lugar. Com
a idade, a mentira surge como uma
forma de fugir do confronto. O ciclo
vicioso pode perdurar até a
adolescência quando tudo fica muito
mais intenso e sensível.

Quando as punições acontecem, o


pensamento atrelado é de que as
pessoas recebem isso porque são más. A
correção é compreendida por fazer

com que se arrependam. Como coloca


Rosenberg, são três passos:

1. Sofrer o bastante para perceber o


quanto suas ações são erradas;

2. Arrepender-se;

3. Mudar.

Na prática, a pessoa, em vez de


arrependimento e aprendizado, sente

hostilidade e ressentimento, bem longe


do objetivo inicial. O caminho
escolhido é o famoso julgamento, a
violência gera distância e ainda mais
mágoa.

Incrível, não? Quando leio este trecho,


vem-me a imagem da bola de neve

que rola montanha abaixo. Se as


crianças aprendem conosco a violência,
nós a receberemos de volta, com
certeza.

Ao apanhar ou sofrer agressão verbal,


ou emocional, a criança não

aprende. O tapa, a agressão, acontece no


susto. A criança não tem a menor ideia
do que está acontecendo dentro de nós.
Quando a violência acontece, a criança
não é capaz de fazer nenhuma ligação
clara de suas atitudes com a nossa
postura. Não constrói a noção tão
importante de atitude e consequência,
não aprende.

Falar sobre isso é duro, mas acredito


que ninguém quando bate ou

agride uma criança tem noção dos


resultados a médio e longo prazo. As
coisas se modificam quando a criança
começa a bater nos amigos, quando a
agressividade aparece de forma visível
e preocupante.

Muitos de nós levamos uns tapas quando


éramos crianças. Alguns con-

tam que sobreviveram e que isso fez


com que respeitassem os pais e repetem
a atitude com os filhos. Eu, quando
criança, levei poucos tapas, alguns
castigos no quarto, olhares da minha
mãe, uma pegada pelo braço mais forte e
a voz grossa do meu pai. Outro dia,
conversando com minha mãe, pensamos
o
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

114

quanto os pais tinham menos recursos, e


as crianças ainda não vinham com

novo “chip”. Vou desenvolver.

As crianças de hoje já vêm com a noção


do que é respeito. Exigem res-

peito de nós e, quando são


desrespeitadas, reagem com braveza,
ficam furiosas, algo visceral. Nós,
diferente delas, aceitávamos, não
reagíamos com tanta propriedade. Como
se nossa indignação não valesse, faltava
comunicação. O nível de paciência, o
tempo para resolver uma situação era
outro. Hoje, as crianças levam tapas e
gritos nas questões corriqueiras, o tapa
passa a acontecer diariamente, quando
nos encontramos perdidos, sem mais
nenhuma outra opção, in-

terrompemos o que poderia ser uma


oportunidade de aprendizado para todos.

Existem crianças que verbalizam que,


quando crescerem, vão bater nos

pais, afinal, logo estarão crescidas.


Podemos não saber, mas sentimos que
não é uma boa opção, um bom caminho,
uma boa resolução. Talvez falte
encontrarmos dentro de nós, a nossa
resposta para o momento vivido, falar
de dentro e permitir o encontro na
dificuldade. Talvez falte ainda buscar e
encontrar novos recursos para agirmos
de outra forma. Construir um caminho
com diálogo, respeito e amor. A criança
é capaz de entender, conversar e
colaborar. É capaz e precisa aprender
que toda atitude tem sua consequência,
que é responsável por suas escolhas e
que nós estamos aqui para construir esse
aprendizado tão importante para toda a
vida.

O que nossos filhos precisam e pedem é


reconhecimento, direciona-

mento com amor, exemplo e presença.


Isso significa que somos de ferro? Que
nunca iremos perder a cabeça? Podemos
perder a paciência, mas podemos

contar e conversar com nossos


pequenos, mas bater? Essa não pode ser
uma

opção, não precisa ser uma opção.

Quando falamos para nossos pequenos o


que estamos sentindo, que

estamos tristes ou chateados com alguma


atitude que tiveram, eles escutam,
pensam e podem aprender um novo
caminho, pois com o passar do tempo a

conversa sobre respeito fica cada vez


mais fluida, rápida e direta.

Caso escape, aconteça a agressão, um


pedido real, verdadeiro de des-

culpas, de perdão, pode retomar o


diálogo perdido. Nós também estamos

aprendendo, não podemos esquecer. Nós


nunca tivemos filhos com essa ida-

de, então, toda a compaixão e


compreensão de que também estamos
cami-

nhando em busca de novos recursos é


um ato de amor. Atitude que fará toda
Daniella Freixo de Faria

115
a diferença na vida de todos os
envolvidos. Abraçarmos nossas crianças
dentro e fora. Nossos filhos aprenderão
que essa compaixão, esse respeito,
começa dentro de cada um de nós.

Certa vez, pude acompanhar pai e filho


se reencontrando fora da bron-

ca. A bronca era forte, a voz era muito


forte, dava medo. Até eu sentia isso.

E um belo dia, escuto desse menino: “Já


sei como meu pai faz: primeiro ele
perde a cabeça, fica nervoso, grita, mas
depois de um tempinho, vem falar
comigo, pede desculpas, conversamos e
fica tudo bem, ele consegue falar o que
queria de outro jeito”. Foi o começo de
uma grande parceria entre os

dois, mas a capacidade daquele menino


de esperar e compreender o tempo do
pai tocou meu coração. Depois, passou a
refletir no que podia de fato mudar em
seu comportamento. A transformação, a
espiral de desenvolvimento, está viva, e
estamos nessa caminhada.

Uma relação de confiança, de respeito,


da certeza do amor, da presença,

começa, passa e termina no absoluto


cuidado pelo Ser do outro, que inclui o
corpo físico, mental, emocional e
espiritual. Lembremos sempre que
cuidar do outro é cuidar de todos.
FRUSTRAÇÕES

ACONTECEM

Se tem uma coisa aflitiva é vermos


nossos pequenos frustrados. Nossa,

que sufoco. Uma jovem chegou para a


terapia com forte depressão depois de o
namorado terminar com ela. Fomos
compreendendo o quanto durante a vida
até aquele momento ela havia ouvido
“não”, havia se frustrado. Foi muito
sofrido o

“não”, talvez o primeiro grande “não”


de sua vida. Os pais “reféns” sempre
fizeram tudo o que ela quis, tínhamos a
sensação clara de que ela era quem
coordena-va a casa, a família. Depois
de todo o processo ela me disse: “Conte
minha histó-

ria, os pais precisam saber que não


permitir que um filho se frustre é penoso
e traz consequências danosas ao longo
de uma vida”. Hoje, está inteira e muito
mais feliz, vive uma vida mais real, com
relacionamentos também mais
verdadeiros.

A frustração faz parte, ensina, fortalece.


Talvez a frustração por não

ter feito o gol no jogo de futebol, por


não ter conseguido andar de bicicleta
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

116

sem rodinha, por não ter conseguido


ainda escrever, ou ler, é importante para
aprendermos a tolerância. Muitas vezes,
as coisas não acontecem, não saem
como queremos. É difícil, gera
incômodo, mas produz grandes
aprendizados.

Aprendemos a esperar pela satisfação;


nesse sentido, aprendemos o

tempo. Desenvolvemos persistência,


resistência e paciência. Lembro-me

como se fosse hoje de um período difícil


no início de meu trabalho com

crianças. Comecei a levar o projeto


“Autoestima e Desenvolvimento” para

outras escolas e precisava marcar


horários com as orientadoras. Depois de
não conseguir nenhuma reunião, ter
ligado para umas vinte escolas, cheguei
à casa dos meus pais chateada, triste,
achando tudo difícil. Disse-lhes o
quanto estava sendo duro e que talvez
não fosse uma boa seguir com a ideia.
Minha mãe, como sempre, deu-me colo,
fofa, paciente, dizendo que eu tivesse
calma e acreditasse que daria tudo certo.
Meu pai olhou e me perguntou: “Já
desis-tiu?”. Conforme eu seguia
justificando a minha empacada, ele
seguia fazendo a mesma pergunta. Por
muitas vezes. Desci as escadas furiosa,
chorando muito, entrei no carro, parei na
esquina e comecei a ligar novamente.
Naquele dia, consegui marcar quatro
reuniões. Foi incrível, o colo seguido da
permanência no momento e construção
do próximo passo foram cruciais. Não
desistir do

sonho, investir e a cada passo do


caminho seguir em busca de sua
realização.

Um divisor de águas. Não aconteceu no


ritmo que eu gostaria, mas tudo

bem, aconteceu no ritmo que tinha que


ser. Eu precisava fazer minha parte,
cuidar, plantar e colher.

É igual aos meninos com os gols, são


sensacionais. Quando assistem,

não tem gol em todos os jogos, não são


todos os jogadores que marcam gol, às
vezes perdemos, ganhamos, ou
empatamos. Quando eles são os
jogadores

e vivem a frustração de perder, de não


fazer gols, muitos gols, ou pelo menos
um, ficam arrasados.

Aconteceu com um querido que, depois


de perceber que o que via

na TV também aconteceria no seu treino,


passou a se dedicar e cada gol foi muito
aguardado, curtido, esperado e
batalhado. Ele soube construir seus
momentos e fazer seu melhor.

A criança cria uma força interna, uma


forte luz no coração. Não por-

que, como dizem alguns, a vida seja


dura, pedreira, mas porque passa a viver
a natural maturação de tudo ao que se
dedica. Como plantar e colher. Passa a
Daniella Freixo de Faria

117

respeitar o tempo como aliado e não


como vilão. Acho que isso nós, adultos,
ainda temos que aprender.

Quando acompanhamos um momento de


frustração de nosso filho,

o que fazer? Escute, escute, escute.


Acolha e veja dentro de você como
pode contar para seu pequeno o quanto
aquele momento é importante para seu

crescimento, para que consiga aquilo ao


que se dedica, do jeito que tem que ser,
no tempo que tem que ser.

Falar desse entendimento da noção de


tempo é crucial para entender-

mos a questão da importância da


frustração. Todos nascemos repletos de
desejos, inatos. Desejo que quando
realizado, acabou, logo outro aparece na
nossa infindável fila de desejos, sempre
voláteis. O desejo é o momento
presente, em si. Acaba, outro precisa
surgir e ser realizado. Outro e mais
outro…
e assim por diante. As crianças estão
com tudo nesse momento, por isso
pedem, querem tudo, o tempo todo.

Do desejo negado, ou que não se realiza,


podemos chegar à vontade que

carrega em si todo o aprendizado da


noção de tempo. A espera pela
realização da vontade nos apresenta o
tempo, possibilita-nos o aprendizado da
experiência do tempo que se alonga,
multiplica-se. Somos então capazes de
adiar a realização de um desejo, pois
percebemos a importância de algo mais
a frente no tempo.

Da vontade surgem os sonhos, sonhos


entendidos como projetos. Será
com muitos investimentos e sacrifícios
que esses mesmos sonhos podem se

tornar realidade. Quando isso acontece,


precisamos abandonar o sonho para nos
relacionarmos com a realidade. Nesse
encontro sagrado com a realidade,
tocamos e somos tocados, vivemos toda
a sua complexidade sem fim.
Complexidade muito maior do que a que
fomos capazes de sonhar. Desse verda-

deiro fecundar, dessa entrega para a


relação com a realidade, novos sonhos
podem surgir, fecundar e gerar novos
sonhos. Um ciclo vivo que gera vida e
puro e eterno movimento. Processo rico,
sem fim, que nos leva a seguir em frente,
a fé, ao aprendizado, ao encontro com a
realização como seres humanos, como
húmus, como terra fértil.

Nossos filhos são, com certeza, nosso


maior sonho, nossa mais com-

plexa realidade e talvez o maior de


todos os aprendizados. Filhos sonhados
seguem reais e será com nossos filhos
reais que teremos a grande experiência
de sermos pais e mães em vez de termos
filhos.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

118

Ao colocarmos limites nos nossos


filhos, ensinamos a eles algo muito

importante: o tempo, a vontade, o sonho.


Ensinamos o “porquê” de estarmos aqui.
O quanto essa é mesmo uma jornada de
herói que, ao se relacionar com seus
sonhos, constrói a realidade, vive a
realidade tal como se apresenta, e dessa
experiência, sonha e busca sua
realização, vive mais uma realidade.
Mesmo que muitos sonhos não se tornem
reais, funcionam como grande farol de

navegação.

Tudo isso nos possibilita o calor no


peito, a vontade que toca a alma

e que nos faz sentir o quanto temos muito


a colaborar. Somos convidados a
navegar pela vida em vez de vivermos
sem destino. Aprendi demais quando

tive o privilégio de assistir a uma


palestra do psicólogo Guto Pompéia.
Muito obrigada.
É rico, precioso, acompanhar uma
criança colhendo os frutos. Sorri-

so, leveza, alegria, liberdade,


espontaneidade e a confiança de que é
capaz.

Demais!

E MB US C ADO

PERFEITO

Essa conversa começa comigo contando


a você um pouco da minha

história. Sempre fui uma menina


certinha, em busca do perfeito em muitos
aspectos. Seja na escola ou aparência. E
como esse perfeito não vinha nunca,
ficava muito triste, chateada e sem muita
esperança, com um nível de frustra-

ções maior do que o esperado. Quando


comecei a fazer terapia já nos meus 18

anos, a questão apareceu. E finalmente


eu olhei de frente para ela.

Depois de muito trabalho, cheguei à


parte com minha mãe. Minha mãe,

grávida , passou a ter um medo constante


de que eu não fosse “perfeita”, devido a
algumas circunstâncias que havia
passado. Minha mãe me conta que
quando me viu, repetia o quanto eu era
perfeita, perfeita, perfeita. Viver com
essa palavra durante meus primeiros 18
anos foi difícil, eu vivia com medo,
pressão e, em outro contexto, eu tinha
que ser perfeita. Racionalmente perfeita.

Resolvi contar a história depois de


acompanhar algumas crianças extre-

mamente exigentes com suas produções,


suas atitudes. Lembro com carinho
Daniella Freixo de Faria

119

de um dia que minha filhota queria


desenhar uma fazenda com uma meni-

ninha, e quando percebi, já havia


utilizado umas quatro folhas e nada
estava bom. Gelei. Será que ela sente a
mesma coisa que eu? Fui eu quem fez
isso?

Culpa, culpa, culpa. Medo, medo, medo.


Infelizmente ainda aparece. Respiro,
olho para ela e para mim, começamos a
conversar. Estávamos no sítio, natureza
abundante em volta. Começamos a
passear pelo jardim. Eu perguntei a

ela se aquelas flores eram perfeitas; ela,


bastante confusa, sentia que sim, mas
depois que não. Começamos a perceber
a perfeição da flor por ela ser daquele
jeitinho, mesmo que fosse um pouco
torta ou com as cores um pouco
diferentes. Depois, olhamos um
coqueiro, todo torto, mas era perfeito
porque era ele mesmo, coqueiro,
daquele jeitinho. Foi uma delícia,
principalmente para a minha criança.
Ufa! Ela voltou para o papel e
descobrimos juntas que, para desenhar,
precisávamos apenas de dedicação e
amor. E que, fazendo nosso

melhor, aquela produção, daquele jeito,


seria o que é, o já “É”, já está. Desde
esse dia os desenhos voltaram a brotar.

Nós duas entendemos que não é o mental


que decide ou julga; é nossa

entrega, nossa presença naquilo que o


torna único e especial. O resultado será
belo se pelo caminho pudermos estar
inteiros. O racional, o mental, não
compreende esse lugar e muitas vezes
nos joga para muito longe de nós
mesmos.

Coloca-nos no funcionamento
automático da mente: julga, culpa,
critica e vai em busca de tentar se
tornar.

Ao começar a conversa, senti medo de


não ajudar, de não ser útil ou

esclarecedor. Então, minha mente pôde


fluir e codificar em palavras todo o
fluxo de informação que estou
recebendo, perfeito no “Ser” e não aos
nossos olhos julgadores da mente, do
certo, do bom, do errado ou ruim.
Às vezes, exigimos coisas sem nexo ou
sem ter a ver com a criança que

se apresenta diante de nós. Ou queremos


o dez, o onze, o doze como resulta-do da
prova. Precisamos e podemos tomar
cuidado para que o que deve servir
como estímulo não passe a desmotivar a
criança, além de gerar imagem de

incapacidade ou incompetência nela.

O pensamento é limitado em sua própria


natureza, apenas limitado.

O pensamento é medida – o mais e o


menos, maior e menor. Essa medida

é o movimento do tempo. Impõe o


funcionamento sempre num primeiro

momento com a percepção estreita do


todo. O pensamento é o resultado

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

120
do conhecimento e memória que
guardamos depois de uma experiência
vi-

vida. Carrega o passado, como se já


tivesse uma resposta para o novo, pois o
novo já é antigo, conhecido. Quando
fazemos isso, o novo não é novo,

as inúmeras possibilidades de
aprendizado desaparecem, afinal
usaremos

o conhecido, aparentemente seguro.


Mantemo-nos limitados, com a sen-

sação de sempre vivermos uma situação


da mesma maneira. Sendo assim,
por mais sutil, bacana, que seja o nosso
pensamento, ainda assim perverte o
todo. E mesmo assim, temos dado tanta
importância ao pensamento, a

todo o processo da mente. Podemos


receber o presente de nos encontrar

a cada encontro.

E a busca do perfeito da mente,


impossível de se atingir, abre espaço

para a perfeição na imperfeição, abre


espaço para a simples e tão complexa
oportunidade de estarmos aqui,
presentes, vivos.

ARTEEM
APRENDER

Escrevi durante muitas madrugadas


durante as três férias escolares

de minhas filhas. Ficamos no sítio


durante o mês todo e pude experimen-

tar com idas e vindas de familiares e


amigos, com o que vivia durante o dia e
escrevia à noite, algo sensacional.
Diante de alguma dificuldade, questões
para escrever ou qual seria o próximo
passo a dar, no dia seguinte,

brincando com as filhas, conversando


com marido, amigos ou mesmo ven-

do um filme, nos meus sonhos, em todos


os momentos, recebi respostas às

minhas perguntas, qual era o caminho.


Pude fluir. Fiquei impressionada,

feliz, encantada com o quanto tudo já


está, já é e o quanto as respostas, o que
precisamos dizer, receber, sentir, saber,
são disponíveis nos encontros, nas
experiências do dia a dia, no simples, no
aqui e agora. Pareceu mági-ca. Talvez
seja nossa mente, nosso ritmo
alucinante, nossa surdez que nos afasta
do que é tão simples, tão fluido.
Incrível, libertador. Afasta-nos do nosso
coração, do nosso centro, do Ser que se
apresenta e que diferente

de precisar saber, sente e, ao sentir,


vive a situação como oportunidade de
aprendizado, maturação, encontro.
Daniella Freixo de Faria

121

Ontem, senti grande dificuldade para o


próximo passo. Quando trago

orientações mais práticas, logo me sinto


incomodada. O “como” acontece,

simplesmente acontece. Mas precisamos


de nós, presentes, no amor, no res-

peito, na disponibilidade, ouvindo o


coração, nossos filhos, ouvindo-nos.
Vamos aprender de fato?

Theda e Moacir dizem: “O falso


desaparece no ato de aprender, que não
conhece limites. Não existe hora certa
para se aprender. Todo momento é
aprender. O adulto educado que não está
a aprender pode ter muito conhecimento,
muita riqueza, mas fica ao largo da vida
e tende à deterioração que a fixação
necessariamente produz. Saiu do fluxo,
coagulou-se e cristalizou em uma forma
definida e limitada. Chegou à conclusão,
ao fim. Pode viver muitos anos, mas já
está morto. A morte que não morre e por
isso não se oferece à ressurreição”.

Educar é o ato de educar a si mesmo.


Autoconhecimento vivo, fluido,

aberto, livre, movimento. Buscando


simplesmente Ser porque o resto
acontece. É
o encontro com o espaço de silêncio, a
mente quieta, a espinha ereta e o
coração tranquilo, como diz a música
linda de Leila Pinheiro. Como dizem
Theda e Moacir: “Pode-se aprender,
mas não se pode ensinar”. É uma linda
dança que passa por muitos ritmos, mas
é dança, música, movimento, vida. É
possível nos infor-marmos sobre o
desenvolvimento das crianças, fases,
necessidades, capacidade de
compreensão, melhores maneiras de
comunicar para que elas possam
entender?

Sim, é possível, mas se não vivermos


em paralelo a nossa educação, tudo fica
fora de nós, vazio. Fica incômodo dizer
o que fazer, não há como fazer isso.
Podemos e vamos compartilhar o
conhecimento que está fora, mas não
podemos abandonar o que vai dentro de
nós e que nos trará a real educação. O
que nos trará aprendizado, o que nos
tornará educados e educadores. Leila
Pinheiro ainda canta:

“Viver é afinar o instrumento, de dentro


pra fora , de fora pra dento, a toda hora,
a todo momento, de dentro pra fora , de
fora pra dentro”. Linda música da vida.

CUIDANDO

DEDENTROEDEFORA
Vivemos, quando crianças, uma mistura
natural de amor e medo.

Amamos tanto nossos pais e temos tanto


medo de perder esse amor que,

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho
122

apesar de nossas próprias vontades já


existirem, obedecemos. É o respeito
pela obediência. Afinal de contas, como
é que vamos educar nossas crianças?

Digo sim, digo não? Não digo nada,


finjo que não vi? Faço sermão de meia

hora? Converso? O que fazer? Como


fazer? Perguntas que atordoam, pois

queremos sempre a resposta, queremos


sempre saber. Lembra do “não sei”?

Nosso caminho como humanidade


começa dentro da casa de cada um,
é importante que no lugar interno,
externo, o amor e o aprender
prevaleçam no dia a dia. Como é saber
que os filhos estão aprendendo ao
mesmo tempo

em que a gente, tudo junto? Como é


sabermos que nenhum de nós estará

pronto, com diploma, formado para


educar um filho? Tudo pode ficar mais

leve, com menos exigências e culpas. É


importante sermos pais e mães, com a
hierarquia respeitosa que pede esse
lugar. Pais e mães próximos,
construindo a cada passo uma nova
relação viva de autoridade positiva.
Existem alguns pontos que, ficando mais
claros, podem nos ajudar no

encontro com os pequenos, vamos


conhecê-los: será que nós temos a noção

do quanto somos exemplos para nossos


filhos 24 horas por dia? Já pensou?

É muito, o tempo todo. Eles veem como


somos, como agimos, como come-

mos, como nos cuidamos, como


trabalhamos, como sentimos a vida
vivida.

Somos o primeiro referencial. Um forte


referencial. Isso dá um medo, né? A
mente logo segue em disparada
produzindo histórias catastróficas.
Nossa, e agora? Será que se formos
incríveis na frente das crianças, mesmo
que forçadamente, conseguiremos dar
um bom exemplo? Provavelmente não.
São as

nossas atitudes, mais do que nossas


palavras. Quem somos de verdade.

Voltando à perfeição, que imensa


armadilha temos aqui. Se a mente

tomar a frente e cuidar de quais


exemplos dar às crianças, como um
robô,

estaremos distantes, muito longe de


sermos um bom exemplo, pelo simples
fato de que não seremos de verdade.

Quando ouvimos o coração, sentimos


com todo amor e compaixão

que somos aprendizes. Estamos juntos


no mesmo barco, pretendendo fazer

o melhor, mas também podendo ser


exemplo da capacidade de voltar atrás,

pedir perdão, se corrigir.

Conscientes do caminho, podemos


cuidar amorosamente de cada passo.

Ir, voltar, ir novamente, movimentar-se


segundo a escuta sagrada. Poder ficar no
vazio, no “não sei”, mas sempre
sentindo que estamos todos juntos. Mas

Daniella Freixo de Faria


123

como? Como? Como? Sentindo,


ouvindo, para aí sim tomar atitudes. Não
mais reagindo sem ouvir o outro e sem
ouvir-se primeiro. Então o “como”
acontece.

A autoridade positiva acontece e a


segurança das crianças também.

As crianças entendem tudo o que


falamos para elas, prestam atenção

em nós, querem-nos perto, participando.


À vezes, não escolhemos o caminho
mais simples pelo fato de achar que elas
não entendem. Entendem, são capazes de
conversar, questionar, reivindicar,
concordar e escolher. Podemos ser
honestos com elas, dizer-lhes o que
sentimos com determinada atitude.

Quando pensamos que não entendem,


logo nos surpreendemos com

as ordens que recebemos de pequenos


com dois ou três anos. Como é que

não entendem? Chega a ser engraçado.


Com combinados e regras, podemos

construir juntos, preparamos as crianças


para o próximo passo, que pode ser um
simples banho. O banho é um ótimo
exemplo. Alguém de nós por acaso

interrompe algo que está adorando fazer


para ir tomar banho? Muito difícil.

E entramos no quarto do filho sem


reparar no que ele faz e começamos a

ladainha do “vai tomar banho”. Aí ele


diz que já vai e nossa fumaça começa a
sair pela cabeça. No terceiro pedido, já
estamos aos berros.

Quando combinamos, damos nossa


palavra, e a criança também, aprende-

mos o valor de se comprometer com


algo. A criança que combina que,
mesmo indo ao shopping, hoje não será
dia de comprar nada – pode sustentar ir
ao shopping, querer muitas coisas,
lembrar que combinou, deu sua palavra
e não pedir nada, ou se pedir e ouvir um
não –, consegue compreender e aceitar
esse não. Mesmo que isso seja difícil.
Quando vamos ao shopping, também
temos vontades, nós combinamos antes
conosco, não é mesmo? Acho que nunca
havia pensado nisso antes.

Ao conversar com os filhos, vamos nos


surpreender com o quanto são ca-

pazes. Com o diálogo vivo, a rotina da


casa pode ser compartilhada e
incrementada com a participação de
todos. Regras são cocriadas e
respeitadas. Dão sentido, rumo ao dia a
dia. Algumas regras são inegociáveis.
Tais como as relacionadas à segurança
integral: usar cinto, viajar na cadeirinha,
colocar agasalho quando estiver frio,
usar equipamento de proteção nos
esportes, não se aproximar de janelas,
escovar os dentes, tomar banho,
respeitar, não bater, tratar bem as
pessoas.

Outras regras têm como objetivo manter


a vida em ordem e tendem

a ser mais flexíveis. É preciso cuidar do


horário e local das refeições, horário do
banho, guardar brinquedos, tempo no
videogame, hora da lição. Podemos
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

124

elaborar uma rotina na qual todos os


itens estejam contemplados de forma
harmônica e eficiente. Com a
participação dos pequenos na
elaboração dos combinados, há maior
participação e empenho para que sejam
cumpridos. Caso não cumpram um
combinado, a retomada é muito mais
rápida, eficiente e sem sermões. A
própria criança já sabe; afinal, ela
participou da construção da rotina.

As regras trazem uma tranquilidade no


que se refere a saber qual é o

próximo passo, saber o que acontece


caso cumpra ou não algum combina-

do. Sabe o que esperamos delas e


percebem que com a colaboração a vida
de todos melhora, torna a vida muito
mais simples.
Vamos conversar, muito diferente de só
falar, dos famosos sermões. Ao

trocar, podemos chegar à solução juntos.


Combinar antes, avisar antes, evita um
desgaste enorme. Com o vínculo de
amor, aprendizado e respeito formado, a
criança está tranquila de que seus
comportamentos serão orientados e ela
não será carimbada.

Essa confiança é construída diariamente


e reconhecida por nós e pelas

crianças. A criança sente total segurança


de que não haverá descarga de raiva,
sabe que estamos também cuidando de
nós, sente isso. Sabe que nós estamos
conscientes de que todo esse encontro é
vivo e sagrado. Sabe que agimos e não
mais reagimos perdidos por aí. Sabe que
se passarmos do ponto nós também não
queremos isso; sendo assim, ela passa a
colaborar. Falando em rea-

ção, acho que a birra mostra como


podemos entrar no turbilhão sem
perceber.

E por mais incrível que pareça, a birra é


um funcionamento natural, es-

perado. A criança em seu início de vida


é egocêntrica, todos nós passamos por
isso. Ela é o centro, tudo é para ela. As
birras são uma necessidade ou vontade,
a criança apenas expressa dessa forma.
Nosso papel é ajudá-la a desenvolver a
comunicação. Como pode expressar a
necessidade de uma forma que não seja

pelos choros, gritos e chiliques?

Quando atendemos uma necessidade por


meio da birra, estamos dizen-

do com todas as letras para eles que é


com birras que conseguirão as coisas.

Podemos ajudá-los manifestando o


quanto queremos compreendê-los e
como

é difícil de entender o que querem. E


mostrar como falar a mesma coisa e

ser compreendido, ouvido. Olhos nos


olhos, calma, firmeza amorosa e muita
conversa. Podemos e devemos mostrar a
eles qual é o próximo passo do caminho
e, depois, acompanhá-los.
Daniella Freixo de Faria

125
Capítulo 8

FERRAMENTAS QUE
AJUDAM A CRESCER

CUIDANDO DO NOSSO

ESTADO INTERNO SEMPRE

PERDÃO CONSCIENTE

VIVENDO A RECIPROCIDADE

A REAL CONEXÃO
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

128

FERRAMENTAS

QUE AJ UDAMAC R E S C E R

Ferramentas não são respostas, são


auxílios para que possamos desco-

brir respostas. São informação, como


um vaso vazio que precisa ser
preenchido de vida, movimento, vozes e
olhares. Será na nossa relação familiar
que esse vaso pode ser preenchido,
pode ganhar vida. Imagine a argila
girando e você com as mãos fazer um
lindo vaso. Vamos receber a informação
de como

fazê-lo, mas ao mesmo tempo, se não


estivermos ali, nenhum formato surgirá.

Gosto demais de TRÊS palavras como


norte em nossa preciosa missão:

A primeira é CONSTÂNCIA.

Isso significa estar sempre, sempre


presente, disponível para a ação edu-
cativa. Muitas vezes mudamos os
combinados que fazemos por pura
pregui-

ça. Confesso. A criança percebe isso


nitidamente, e adivinhe? Passa a buscar
o resultado que quer, pois acredita que
se insistir, ganha, entende que uma hora
desistimos. E desistimos mesmo. Com
isso, nossa palavra passa a valer cada
vez menos, e a da criança segue junto.
Isso não quer dizer que é proibido
mudar combinados. Não, mas podemos
fazer concessões estando presentes

e atentos ao que consentimos e ir em


busca do “por que” e do “para que”.

Encontrar novo sentido, mesmo que o


novo sentido seja quebrar uma regra.

Constância na presença, no estar atento,


conectado ao fluxo vivo, ajuda

a criança a aprender de fato, pois


sempre que tal atitude acontece, ela é
acompanhada. Com momentos mais
difíceis também é possível estar
presente e

construir uma nova saída. A constância é


encontro, disponibilidade de aprender,
de reencontrar de novo o caminho caso
tenhamos nos desviado, ou caso
presenciemos nosso filho se desviando.
Lembra da margem do rio?

Pude perceber minha filha, com quase


três anos, o quanto ela fala natu-

ralmente o “obrigada”, “por favor”,


“desculpe”, “dá licença”. Ouvindo-a
falar com tanta naturalidade, hoje eu
presto atenção quando esqueço na minha
fala.

Ela recebeu uma indicação constante de


que essas palavras, esses gestos,
precisam ser usados, e com isso
aprendeu, entendeu, e faz seu uso com
maestria e naturalidade.

A criança que vive a Constância tem a


certeza de que está sendo vista,

acompanhada, e mais, percebe o quanto


temos um caminho a percorrer. E
Daniella Freixo de Faria

129
que para determinadas atitudes, sempre
será auxiliada. Por isso, meu caro
amigo, “Xô, preguiça”, “Xô, fingir que
não viu”. Estamos e estaremos aqui, e,
mesmo que exaustos, podemos ajudar
nossos pequenos, mesmo que seja para

contar nossa exaustão.

A segunda palavra é COERÊNCIA.

Não adianta um dia gritar, no outro não


fazer nada, no outro con-

versar, no outro sair bufando. A


coerência da forma, do “como”
corrigimos um comportamento, é
extremamente importante. A criança
confia em nós
quando se sente segura ao perceber
como nós lidamos com o comportamento

não desejado. Quando a criança conhece


e percebe essa forma, passa a ouvir
melhor o que dizemos. E nós podemos
ouvi-la também. O incrível acontece,

começamos a nos comunicar pra valer.


Ninguém precisa ter medo, pois a
certeza da forma está garantida.

Outro dia, minha pequena chorava,


chorava para tudo, absolutamente

tudo, comer, tomar banho, pentear o


cabelo. Eu seguia dizendo as mesmas

coisas, o quanto daquele jeito ficava


mais difícil e demorado. Ela parava,
com-preendia, mas logo depois voltava
a chorar. Foi engraçado, minha mãe
disse:

“Nossa, como você tem paciência, eu já


tinha dado uns gritos”. Demos risada, a
coisa estava caótica, mas eu sabia que a
minha constância e coerência leva-riam
minha filha para a reflexão sobre o
“chororô”.

Somos os adultos, já capazes de nos


controlar, acalmar e buscar um

melhor caminho para lidar com


momentos difíceis ou chatos. Se nos
des-
controlarmos, os gritos só aumentarão. E
aí caímos no velho movimento de

quem grita mais alto; afinal, as crianças


aprendem rapidinho como funciona.

E mais, percebem o exato momento de


conseguir tudo de nós no grito. Pen-

sam: “Mesmo que não seja em todas as


vezes, sempre vale a pena tentar, vai que
dá certo”.

Outra coisa que dizemos sem perceber:


“Vamos tomar banho?”. Aca-

bamos por ouvir muitos “nãos”, de


forma firme e incisiva, e ficamos meio
que sem saber o que fazer. Quando
falamos: “Vamos pro banho, chegou a
hora”,

temos outro resultado. A afirmativa deve


vir na hora em que esperamos uma ação,
nos momentos em que algo precisa
acontecer. O ponto de interrogação só
complica nossa comunicação, que
muitas vezes se perde e o que tínhamos
que fazer também.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

130

Outro dia na casa de uma amiga,


estávamos com um dilema. O vizinho

veio buscar a fantasia que o filho pegara


emprestado. Muito paciente e amorosa,
minha amiga falou que ele precisaria
tirar a fantasia, mas terminou a frase
com o ponto de interrogação e a
resposta, firme, veio num enorme: “Não
vou devolver”. Ela mudou sua postura e
disse o que iria acontecer (sem nenhuma
pergunta) e partiu para tirar a fantasia.
Porém, antes de tirar, ofereceu a ele três
opções: colocar a fantasia do Batmam,
do Ben 10 ou ficar sem fantasia.

Aí, fez a pergunta. O pequeno reclamou,


chateou-se, escolheu não pôr fantasia
nenhuma, mas em poucos minutos pode
seguir em frente e a fantasia foi
devolvida.

Quando as crianças precisam de direção


e nós não a damos, criamos

uma grande tensão que se arma sem ao


menos percebermos. E damos à crian-
ça a sensação desagradável de que ela
cuida de si mesmo, sem ter condição pra
isso.

Assisti no canal a cabo GNT a uma


experiência com meninas de onze

anos. Dez meninas foram colocadas


numa casa sem a presença de nenhum

adulto e receberam a instrução de que


ficariam ali por um tempo determi-

nado. Quando perceberam que estavam


sem nenhum adulto para colocar as

regras, fazer combinados ou estabelecer


limites, as meninas barbarizaram.
Pintaram paredes, molharam colchões, a
pia repleta de louça suja, comeram cada
uma num horário, jogaram roupas no
chão. Curtiram o que pensavam

ser a tal liberdade.

E perceberam o que havia acontecido e


que teriam que dormir naqueles

colchões e viver naquela bagunça.


Imediatamente surge uma ordem, ainda
de-sorientada, mas a maioria das
meninas começa a faxina. E quem não se
mexeu foi supercriticada e não mais
aceita pelo grupo. Quando o tempo na
casa terminou, foi possível ver a alegria
de abraçar mães e pais e seguir sendo
criança.
A terceira palavra: CONSEQUÊNCIA.

Viemos da geração “um tapa de vez em


quando vale a pena” e da era

dos castigos. E nosso grande esforço é


construir nos pequenos a noção clara e
vívida de consequência. Todos os
nossos atos têm um efeito, toda ação
gera uma consequência.

Nossa intenção ao aplicar a


consequência é muito diferente de
castigar

ou aplicar violência física ou verbal. De


forma natural, devemos ajudá-los a
Daniella Freixo de Faria

131
olhar para si mesmo, para o outro,
perceber o que a atitude causou. E,
depois dessa percepção, ajudá-las a
reparar e restaurar o que for necessário,
dentro e fora. Para construir valores. As
crianças começam a se comportar
melhor porque refletem, verificam o
quanto vale a pena cuidar das coisas,
das relações, das pessoas e de si
mesmas. A noção de consequência
carrega a intenção real e honesta de
educar, ensinar. Traz o convite para que
a criança reflita, sinta e perceba suas
ações e seus resultados, traz a
possibilidade da responsabilidade
consciente. A reflexão traz riqueza
interna de percepções de si mesmo e do
outro, uma sólida construção de valores
internos.

Diferença entre castigo e consequência:


o castigo ou punição funciona

como cumprir uma pena. Ao castigar,


estamos punindo com algo que não

traz reflexão e que suscita o sentimento


de raiva, muitas vezes de injustiça na
criança porque podemos estar mais
irritados e descarregamos a raiva.
Existe uma disputa em que alguém vence
e alguém perde. A raiva é o diálogo por

onde passa essa disputa, que na maioria


das vezes termina mal. A criança, ao
cumprir pena, fica mais focada no
castigo em si do que na reflexão de sua
atitude. E, ao sair, normalmente repete o
comportamento não desejado pelo
simples fato de que não aprendeu ao ser
castigada. E continua brava e muitas
vezes descontrolada.

As crianças podem até mudar seu


comportamento para evitar as pu-

nições, mas não aprendem, não


desenvolvem consciência e autonomia
para

viver suas escolhas. Logo a punição


deixa de funcionar, como se a criança
não ligasse mais para o castigo. Muitas
até falam: “Já é para eu ir para o
castigo?”.
Vem o desespero de não sabermos mais
o que funcionará.

A violência aumenta, a tentativa de


controle também, mas os resulta-

dos continuam uma catástrofe. Ainda


bem que temos outros caminhos. Para

enxergar o quanto a punição não é um


bom caminho, podemos fazer duas

perguntas: “O que eu quero que essa


pessoa faça, que seja diferente do que
está fazendo agora?” e “Quais as razões
dessa pessoa para fazer o que estou
pedindo?”( Marshall Rosemberg). A
primeira pergunta pode até ser que
funcio-ne com a punição, mas quando
chegamos à segunda pergunta, não tem
jeito.

Saber que a pessoa fará o que pedimos


porque está pressionada é muito

diferente de vê-la fazer algo porque


acredita, porque compreendeu, mudou

sua posição, porque aprendeu.


CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

132

Lembro-me de um menino que veio para


terapia por mau comporta-

mento. Com a mãe presente, disse:


“Mãe, estou de castigo faz tempo, não

posso andar de bicicleta nem brincar na


rua, e eu nem me lembro mais o que foi
que eu fiz”. Naquele dia, fizemos muitos
combinados, começamos uma

conversa que teremos que ter por muito


tempo. E ele pôde voltar a andar de
bicicleta, atendendo ao pedido de voltar
no horário combinado, de não sair sem
avisar. Deixamos também acertado o
que seria a consequência caso ele

não cumprisse sua parte.

Aplicar a consequência significa ajudar


a criança a se perceber em primei-ro
lugar. É importante que um amigo
perceba que ao bater no outro, ele fica
triste, chateado, com dor, magoado. É
importante que o amigo perceba como
pode reparar suas ações, quando
necessário. Será olhando nos olhos,
sentindo o outro, trocando, que
chegaremos à resposta de cada situação
específica.

Aprendemos a nos relacionar desde


nosso nascimento, mas o rumo do pro-

cesso é a boa convivência, o “viver


com”. A criança passará por algumas
etapas:

– Consequência direta de sua atitude;

– Olhar para o outro;

– Perceber seus sentimentos e do outro;

– Restauração e perdão conscientes.


Lembro-me de quando brigava com
minha irmã e íamos para o castigo

no quarto. Depois, tínhamos que pedir


desculpas, mas pedíamos desculpas

para sair do castigo, não estávamos


realmente nos desculpando. Funcionava
como um protocolo a ser seguido.
Funciona mais ou menos assim: quando
as

crianças têm medo de ser punidas,


pensam muito mais no castigo, na
punição, do que em seus próprios
valores. Ficam com medo do que virá,
que se reflete diminuindo a autoestima e
boa vontade.
Se os pequenos apenas escovam os
dentes porque sentem medo, sua

boca pode até estar saudável, mas seu


amor, carinho e respeito por si mesmo
estarão abalados. A consequência não
tem em si a intenção de punição, e sim
de trazer aprendizado e reflexão. Tem a
intenção de mostrar o quanto todas as
nossas ações possuem reações,
resultados que viveremos.

Sabe aquela TV novinha, toda linda?


Minha filha um dia chegou no

meu quarto dizendo que havia riscado a


TV. Fiquei assustada. Ela queria ver se
a canetinha funcionava na TV.
Funcionou. Peguei um pano com líquido
Daniella Freixo de Faria

133
especial, ela limpou a TV e ficou dois
dias sem ver televisão. Castigo? Não!

CONSEQUÊNCIA.

Quando estragamos algo, não o temos


mais. Ela nesse dia aprendeu que

riscar a TV não é uma boa ideia.


Estragar nossas coisas não traz bons
resultados.

Na apresentação da consequência,
podemos falar firme se necessário, mas
nosso estado interno tem de ser de total
tranquilidade. Pode parecer difícil, mas
a cada passo dado vamos nos
tranquilizando. Conseguimos encarar
melhor esses inú-
meros desafios, quando percebemos o
quanto eficiente, amoroso e produtivo é
agir assim. Quanto mais direta a
consequência, mais claro fica para a
criança.

Nós ficamos livres para apenas mostrar


à criança a escolha que fez e

sua consequência. A diferença com


castigo parece pequena, mas é enorme.
Se sentimos empatia com eles, mantêm-
se focados no aprendizado que interessa
em vez de ficarem pensando na punição
que receberam de nós. Essa tensão

entre pais e filhos diminui já que todos


estamos no mesmo barco em busca de
construirmos valores e vivermos com
eles.

Outro dia estava com dois irmãos que se


batiam demais. Nós já havía-

mos combinado que bater não é uma


opção para resolver as questões. Nesse

dia eles começaram a se bater, eu


imediatamente coloquei cada um em um

sofá e disse: “Nós estamos aqui para


brincar e brincar não é bater. Estou
entendendo que vocês não querem mais
brincar, é isso?”. Os dois imediatamente
disseram que não, queriam brincar.
Sabiam que caso continuassem a bater,

nossa brincadeira acabaria e eles


ficariam naquele sofá sem fazer nada.
Os dois, quando questionados,
escolheram brincar novamente, mas
sabiam que

para isso precisavam cuidar do outro,


pedir desculpas de verdade.

E cuidar de seus conflitos de uma nova


forma, caso acontecessem. Com

o passar do tempo e as situações sendo


tratadas assim, as crianças passam a
refletir sobre seus comportamentos antes
mesmo que ele aconteça. Cuidam

antes, pensam antes e assim previnem o


que não querem e podem seguir
numa melhor direção.

Podemos até oferecer dois caminhos


para que escolham qual resultado

preferem, o que preferem viver. Vou


explicar melhor. Sempre na vida temos
dois ou mais caminhos a seguir, e
sempre, todos os dias, estamos fazendo

escolhas. Podemos oferecer esses


caminhos, com seus resultados já
“sabidos”

para que possam escolher e viver sua


escolha.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

134

Vamos aos exemplos, lembrando que


aqui a ideia não é dar a resposta

e sim refletirmos sobre, como e o quanto


essa postura se difere do castigo, da
punição. E o quanto caminhamos por
lugares mais calmos e eficientes

com ela.

Sabe aquela hora do banho tão difícil.


Normalmente chamamos, cha-

mamos, e depois chamamos, chamamos


e nada. Depois é gritaria, irritação

etc. Ficamos iguais ao rádio da cozinha,


tagarelando sem parar, ligado o dia
todo, mas ninguém prestando atenção no
que diz ou em que música toca.

Se a comunicação for olhos nos olhos,


inteiros, chamando a criança para o
encontro, seguimos em frente na
conversa que nunca para.

“O que prefere? Tomar banho agora,


depois jantar e brincar mais um

pouco, ou demorar, tomar banho mais


tarde, jantar e não brincar, afinal de
contas não dará tempo. O que escolhe?”.
A criança é inteligente e vai pensar o
que quer. Pode ser que ela prefira a
segunda opção e não há problema algum,
nós damos as opções que são viáveis
para nós. Pode acontecer. Saímos da
raiva e entramos nos amor, saímos da
irritação e entramos no respeito.
Respeitando que o bom para mim pode
não ser para o outro e vice-versa, mas
que nessa
caminhada os passos serão dados com
respeito e amor por mim mesmo e por

quem está à minha volta. Vamos acabar


com os embates.

E não faltam exemplos em casa. Minha


filha que está amando aprender

a nadar sem boia e quis tirá-la sozinha


na piscina. Já havíamos combinado que
sem boia, só com um adulto junto. Então
ela escolheu dentre os dois caminhos:
“Ou você fica de boia e quando um
adulto entrar a tiramos ou insiste em
ficar sem boia e sai da piscina. O que
você escolhe?”. Ela ficou de boia e
continuou na piscina e, depois de pouco
tempo, eu estava com ela curtindo tirar a
boia. Ela poderia ter escolhido sair, era
uma opção, que eu não escolhe-ria, mas
ela poderia achar melhor, não é mesmo?

Outro dia, saindo da escola, minha


pequena começou a comer o choco-

late que havia ganhado. Quando


chegamos no carro, pedi que guardasse
para não virar. O choro começou com
tudo, daqueles de dar vergonha de tanto

grito. Ofereci dois caminhos: “Ou você


se acalma e come o chocolate em casa
ou você continua gritando e não terá
mais chocolate porque afinal eu acredito
que você já consegue esperar um pouco
e sabe que pode virar tudo no carro.
O que você prefere?”. Seria horrível se
ela tivesse optado por gritar, mas era
Daniella Freixo de Faria

135

a opção que ela também tinha. O tempo


que ela tinha para se decidir era até eu
entrar no carro. Ela disse: “Parei, mãe,
mas chegando na garagem de casa você
me dá?”. Fiquei surpresa, achei que ela,
no meio daquela gritaria, não estava nem
prestando atenção ao que eu falava. Com
seus quase três anos, ela fez uma boa
escolha.

Se não estamos realmente inteiros para


construir juntos a reflexão, o

que era consequência acaba virando de


novo castigo, e a ideia do “Ou esse
caminho ou aquele” vira a chantagem do
“Se você”.

Estava no consultório com um menino


que, sempre na hora de ir em-

bora, não queria ir. E como alguns “Se


você…” estavam escapando em casa,

ele não teve dúvida. Brilhante, me disse


que “SE” fosse embora sem brincar
mais um pouco, nunca mais iria brincar
comigo nem me ver. As crianças são tão
espertas e inteligentes que aprendem
rápido e aplicam o aprendizado sem dó.
Trabalhamos muito nesse dia, e eu disse
que sentiria muita saudade e que era uma
pena, que por causa de não ter mais um
pouquinho de brincadeira
nunca mais iria querer brincar comigo.
Foi duro, difícil, mas ele parou para
pensar, conseguiu ir embora numa boa já
deixando escolhido qual seria a
primeira brincadeira na semana
seguinte.

O “Se você” é pura chantagem, a criança


se sente sem possibilidade de

escolha, absolutamente na mão do outro,


construindo a ideia de que sempre há
algo a ser pago, como se estivesse
sempre em dívida. Percebemos porque
nós passamos a ser vítimas, encontramo-
nos em dívida o tempo todo, somos

nós a ouvir “Se você”.


Ensinar nossos filhos a refletir, a
escolher, faz com que as crianças

passem da heteronomia para a


autonomia. A criança que antes obedecia

pelo medo, seguindo ordens externas,


passa a refletir, a escolher seguindo os
valores que está desenvolvendo dentro
de si. Pode ser quem é perante

qualquer pessoa ou situação, pode


seguir seu coração, fazer o que acredita
e estar em paz.

Ainda vemos muitos adultos


heterônomos, seguindo ordens externas,

com obediência cega, ainda com medo,


aos seus 30, 40, 50 anos. Uma das

situações nas quais ainda somos


heterônomos é o trânsito. Usamos o
cinto

apenas depois que as multas passaram a


existir, paramos no farol quase no
vermelho porque tem na esquina um
guarda que irá nos multar. Se fôssemos
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

136

autônomos nessa questão, tenho certeza


que nosso trânsito seria menos caó-

tico, teríamos mais gentileza; afinal de


contas, estaríamos seguindo um mandato
interno e não mais uma ordem que chega
pela dor no bolso ou medo de

perder a carteira de motorista.


Uma pessoa autônoma faz escolhas
baseadas em quem ela é, quais os

seus valores e consciente das


consequências de seus atos. Consciente
de que cada ato no mundo me define
como ser humano. Somos responsáveis,
e viver esse aprendizado vivo faz de
nossos filhos também responsáveis por
suas escolhas.

No longo caminho repleto de


experiências do superficial e profundo,

vamos, ao aprender a conviver e a


escolher, conseguindo viver quem
somos

realmente, descobrindo nosso dom,


colaborando com nossa humanidade,

com nossa casa. Vamos despertando o


brilho, a luz que há em todos nós.

Precisamos ir além do que parece.


Vamos a mais exemplos: quando eu era

pequena, adorava provocar meu primo,


e adivinhe, eu apanhava dele. Minha

tia conta que quando me ouvia chorar,


entrava em pânico. O que acontecia?

Como ele tinha me batido, eu chorava


muito, era ele que tomava bronca, ia pro
castigo. Comigo nada acontecia. Nossa,
como eu o provocava.
Teve um dia que estávamos na praia e
ele havia tomado banho para o

aniversário de outra prima nossa. Eu o


joguei na piscina, de roupa, de óculos.
Ele ficou furioso comigo, passei umas
duas horas trancada no banheiro
enquanto tentavam acalmá-lo. Se me
pegasse, acabaria comigo. Outra vez,

depois de eu invadir seu quarto e


brincar com seus carrinhos sem pedir,
ele soltou sua cadela pastor alemão,
atrás de mim e eu passei horas dentro de
um armário pequeno, apertada com a
cachorra cheirando nas frestas. A reação

dele era tão explosiva que ninguém


nunca reparou no que acontecia antes ou
mesmo me deu uma bronca. Foi duro, né,
primo? Hoje, somos grandes amigos e
aproveito para dizer o quanto lhe amo. E
não é que acabei de confirmar?

Perguntei à minha mãe se nas brigas com


meu primo ela percebia o quanto eu o
provocava, a resposta foi o que eu
pensava: não. “Pensávamos que ele que
saía batendo mesmo”.

Muitos de nós ainda faz isso, damos


bronca no que bateu, no que gri-

tou, no que jogou, no que fez algo fora


do que é esperado. Porém, se olharmos
com mais calma, iremos perceber que o
grito, o tapa, o chute, foram
Daniella Freixo de Faria

137
tentativas de comunicar algo, que num
primeiro, num segundo, num terceiro
momento, não foram ouvidas. Não estou
dizendo que o grito ou tapa não

devem ser corrigidos; muito pelo


contrário. Mas devem ser vistos com
mais amplitude, dentro de um contexto,
inserido numa relação na qual o outro

também existe. A sensação daquele que


não se controlou e partiu para a agressão
é de injustiça, afinal a história não foi
compreendida de forma integral.

Ontem mesmo eu estava aqui escrevendo


quando ouvi uma gritaria

das meninas. Uma estava dizendo que


não gostou do grito e por isso cho-

rou, outra dizendo que gritou porque


estava pedindo que a irmã parasse de
cantar e ela não ouvia. Depois do
terceiro pedido veio o grito. Aí o susto e
o choro também surgiram. Quando
perguntei como poderíamos nos entender
com isso tudo, combinaram um tempo de
cantoria e outro de televisão.

Abraçaram-se, entenderam-se e pediram


desculpas uma à outra. Tenho que

confessar que, no piloto automático,


daria apenas a bronca na que gritou,
dizendo: “Não grite!”, talvez gritando
também. É sério, pois na maioria das
vezes não estamos juntos quando
conflitos como esse acontecem.
Precisamos, antes de sair brigando,
entender o acontecido, amplificar a
comunicação, que por algum motivo não
aconteceu. Precisamos deixar que as
crianças sejam os protagonistas, que
conversem entre si. Não somos
parceiros do aprendizado se apenas
chegamos com a bronca ou o julgamento
de quem está certo ou

errado. Erramos nós ao agirmos assim.


Muitas vezes somos injustos, e as

crianças se revoltam. Essa postura não


ajuda em nada; amplificar é o caminho.

Auxiliar a conversa é o caminho.


O que nossos filhos estão aprendendo de
mais valioso é o grande de-

safio de se comunicar. De contar suas


necessidades e limites. Preciso contar
para você um outro desafio que tive com
minha filha nas férias. Era muito cedo e
eu estava com sono por ter escrito até
quatro horas da manhã. Quando a
funcionária do sítio chegou, pedi que
olhasse as crianças e fui deitar mais um
pouco. Quando acordei, minha mãe
comentou que as meninas

haviam feito a maior bagunça com


massinha de modelar. Fui ao encontro

delas, vi o caos e comecei o sermão.


“Meninas, assim não dá. Vocês pre-
cisam cuidar das suas coisas, as
massinhas misturadas, o tapete
acabado”.

Ela olhou para mim firme e disse: “Mãe,


estou muito triste com você, não

é justo”. Eu parei para ouvi-la. Ela me


mostrou onde brincou de massinha
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

138

e realmente não havia nada de bagunça,


e mais, começou a chorar muito,

pois a funcionária da casa havia pedido


para ela cuidar da irmã, coisa que eu
nunca pedi, mas que ela atendeu. E se
deu conta de que não havia cuidado

da irmã como “devia ser”, pois ela


espalhou massinha pelo quarto todo.

Foi muito difícil perceber o peso que


ela estava carregando e que eu ajudei a
pesar mais ainda. Eu devia ter ficado
com elas ou instruído melhor a
funcionária. Aprendizado, aprendizado!

Ela precisou de tempo para se acalmar


enquanto eu explicava que em

algumas famílias que não têm ajuda, às


vezes o único jeito é uma criança cuidar
da outra. Porém, disse que uma criança
pode até ajudar, mas nunca cuidar
sozinha de outra criança.

Ficamos as três juntinhas até passar,


pedi desculpas e a retirei do lugar de
responsável pela irmã. Ela entendeu
com clareza que essa não é sua
responsabilidade, e eu tive clara qual é
a minha. Precisei também me pegar no
colo sabendo que minha criança também
estava ali, triste com o acontecido.

E depois disso quem apareceu primeiro


foi a famosa culpa. Temos sem-

pre quatro opções quando vivemos algo


difícil. Podemos nos culpar, pegar as
chibatas e começar a nos castigar. Ou
podemos sair em disparada culpando

os outros. Podemos, numa terceira e


ótima opção, perceber nossos próprios
sentimentos e necessidades e seguir, e
ainda num quarto movimento perceber
os sentimentos e necessidades dos
outros.

Ela me disse depois: “Mãe, acho que


essa história é muito importante,

você precisa colocar no livro”. É mole?


É muito libertador não precisar estar
certa. Talvez esse não seja o ponto mais
importante. Amplificar, amplificar,
amplificar! Precisamos sempre
amplificar. Traduzir, traduzir, traduzir!
Ajudar as crianças a traduzir
sentimentos, necessidades. Ouvir, ouvir,
ouvir! Abrir ouvidos e o coração.
Vamos refletir, sentir e construir juntos.

O Poder de fazer escolhas. Fazer


escolhas. Estamos escolhendo o tem-
po todo, a toda hora. Mesmo nos
pequenos momentos, aprendemos a
esco-

lher e exatamente por isso é importante


que acompanhemos nossos pequenos

nessa construção tão delicada e


marcante.

Podemos construir uma relação que


substitua a linguagem que leva à

falta de escolhas por outra que


reconheça e valorize a possibilidade de
escolha. O resultado pode ser uma vida
mais leve e feliz. Quando falamos sobre
Daniella Freixo de Faria

139
a ferramenta de oferecer opções para as
crianças, trabalhamos com elas o

quanto a possibilidade de escolhas


existe e o quanto cada um de nós é
responsável pelas escolhas que faz.
Afinal, toda escolha tem sua
consequência.

Quando não aprendemos esse caminho e


não nos tornamos conscientes

de nossas escolhas, ficamos perigosos


sem entender para onde e de que jeito é
possível seguir. Escolhas conscientes
são realmente escolhas.

A consciência dos sentimentos,


pensamentos, comportamentos, per-
mite-nos estar vivos, inteiros,
responsáveis. A violência nos faz ser
quem não somos, apenas para ir contra a
opressão vinda de fora. A ordem é
externa, não passa pelo crivo da
consciência e do amor. Deixa rastros,
marcas.

As crianças, assim como nossas


crianças internas, passam a ter medo

dos castigos físicos ou mesmo verbais.


Marshall Rosenberg diz: “O medo

do castigo corporal obscurece nas


crianças a consciência da compaixão

subjacente às exigências dos pais”. E


ainda: “Em primeiro lugar, fico ima-
ginando se as pessoas que proclamam
esse tipo de punição têm consciência

dos inúmeros casos de crianças que se


voltam contra o que poderia ser

bom para elas, simplesmente por


escolherem lutar contra a coerção, em

vez de sucumbirem a ela. Em segundo


lugar, o sucesso aparente do castigo

físico em influenciar uma criança não


significa que outros métodos não

pudessem ter funcionado igualmente


bem. Finalmente compartilho das

preocupações de muitos pais a respeito


das consequências sociais de se

empregar o castigo físico”.

Marshall levanta uma questão que penso


muito nesses últimos tempos.

Com coerção, colocamos nossos filhos


em estado de alerta e prontos para a
briga que precisam e desejam ganhar.
Entramos no mesmo campo vibracional

sem ao menos perceber, e nossa


violência cresce porque cada vez fica
mais difícil vencer a batalha. Crianças
se transformam em adolescentes, em
jovens e colocam-se sempre contrários,
pelo simples fato de serem do contra.
Isso acaba com sua capacidade de
escolha que segue contaminada pelo
hábito da

oposição. A tristeza aparece quando


percebem que serão eles os
protagonistas das consequências de suas
escolhas, pode ser tarde demais para
recuperar o tempo que não volta mais.

Devemos recusar esses convites, mesmo


que nós tenhamos iniciado a

discussão. É hora de parar. Toda


agressão, como dissemos anteriormente,
é
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

140

uma necessidade não atendida. Quando


entramos no ciclo vicioso, ficamos

com a agressão e não vamos encontrar a


necessidade escondida. Comporta-

mento esse que nos leva só à obstinada


missão de ganhar a batalha.

A falta de respeito não continuará nem


será alimentada por nós. Nós

estaremos aliviados e tranquilos para


sermos parceiros desse grande
aprendizado que acontece 24 horas na
vida de todos nós. É importante ficar
claro que toda vez que aceitamos os
convites, partimos para uma disputa, na
qual alguém ganha e alguém perde, e
todos perdemos. O que conseguimos
com

isso? Uma guerra sem fim. O amor gera


respeito e esse mesmo respeito tam-

bém gera a consciência de todo esse


processo e de quem somos nós, cada um
de nós. O medo nos leva muito, mas
muito longe de tudo isso.

Uma vez, recebi o telefonema de uma


mãe cuja filha dizia que acei-

taria todos os castigos, todos mesmo,


mas que naquele dia não iria à escola de
jeito nenhum. Essa mãe aceitou o
convite e a batalha começou. Depois

de muita discussão, ela, sem entender o


que estava acontecendo, saiu de

casa para trabalhar e deixou sua filha.


Mas o extraordinário aconteceu. Essa
mãe, ainda muito incomodada com a
discussão, voltou, e tiveram a conversa
tão necessária. Ambas pediram
desculpas. A filha contou que estava
acuada com certas provocações que
estava recebendo na escola, não
conseguia lidar e muito menos fazer com
que parassem. Mãe e filha, em uma linda
parceria amorosa, foram para a escola
juntas no dia seguinte. A saída apareceu,
surgiu, foi coconstruída, não havia a
reposta antes do encontro legítimo,
apenas o desconforto e a distância.

As crianças, quando convidadas a


refletir, a trocar, a se colocar e a vi-

ver as escolhas que fazem, tornam-se


mais responsáveis, livres e felizes.
Afinal, escolhem de maneira consciente
os resultados que querem ou vão obter.

O agente que antes estava fora, repleto


de castigos, tapas e punições, agora não
é mais necessário. E mais, a criança que
cresce com essa tal liberdade
responsável não precisa quebrar as
estruturas que recebeu de sua família e
escola. Está livre, responsável por cada
passo do caminho.
Daniella Freixo de Faria

141

CUIDANDO

DONOSSOESTADOINTER
NO
SEMPRE

Quando nós não estamos bem, tudo


desaba: choro fora de hora, bata-

lhas sem nexo, tudo fica mais difícil,


mais arrastado. Quando fico estressada,
minha filha mais velha vem logo
perguntando: “Mãe, você está
estressada?”.

Ao ouvir a pergunta, desmonto, como se


ela trouxesse a consciência do meu
estado e também do quanto posso
escolher, cuidar do meu estado interno.

Respiro, respiro.

Se não temos a percepção de nós


mesmos, logo estamos aos berros, irri-

tados, perturbados, em guerra, sem ao


menos perceber. Com a minha filha mais
nova é diferente; ela já bate de frente e
me convida para disputas em que ambas
perdemos. Hoje, tenho conseguido não
aceitar esses convites, falar como me
sinto e pedir que pare com o que está
gerando o incômodo. Às vezes demora
mais. Outras vezes ela fica chorona,
sensível demais e tudo a incomoda. Ufa!

Quando a criança percebe o cuidado de


nossa parte, sente-se segura,

sabe que estamos cuidando de nós


mesmos sempre. Podemos ser firmes,
mas
o que vai dentro de nós é amor. E sabe
que, quando estamos irritados, to-

maremos providências para retomar o


estado tranquilo. Passa a ter a certeza de
que ela nunca servirá de descarga para
nossa irritação. Quando estamos
irritados, não temos paciência, não
temos a mesma qualidade de escuta, a
fala sai torta, bufamos sem parar. Seria
bom se não nos irritássemos, mas somos
pessoas vivas, crescendo, aprendendo,
frustrando-nos, chateando-nos.

Vivemos nesse mundo repleto de


exigências, numa grande corrida de

obstáculos. Iremos sim nos irritar, mas


precisamos saber o que fazer conosco
nesses momentos. O trânsito, a briga
com o chefe, a discussão com o
parceiro.

Não podemos descarregar com tanta


liberdade, então descarregamos a nossa

carga pesada na intimidade.

Com a consciência ativa ao nos


percebermos irritados, podemos parar,

sair, avisar as crianças. E interromper


uma conversa ou bronca que não nos
levará a lugar nenhum. Ao tentarmos nos
comunicar irritados, não nos co-
municamos, não somos claros, as
palavras dizem uma coisa, a vibração
outra,
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

142

tudo em direções opostas. Difícil


conseguir algo assim. Como me
disseram
num dia em uma palestra em São José
dos Campos: “Vai lá em casa e você

verá se isso é possível”. Às vezes é


difícil mesmo.

Nós devemos, precisamos, podemos


pedir desculpas a nossos filhos

quando algo ruim acontece. Muitos pais


pensam que ao pedir desculpas per-

dem a autoridade, mas, acredite, não


perdemos autoridade e ganhamos res-

peito, no exemplo de que ao errar,


podemos pedir desculpas. Humanidade,

integridade, humildade. De novo


podemos nos acolher como aprendizes.

Quando minha filha era pequena, eu


estava atrasada, disse que se não

viesse logo eu iria embora sem ela. Ela


entrou no elevador e disse: “Não faça
mais isso, mãe, você não vai embora
sem mim.” Meu coração ficou
disparado. “Vou também falar com o
papai porque ele vive fazendo isso”. Na
mesma hora pedi desculpas. O “Se
você” é uma pressão a mais que deixa o
outro sem saída. A postura traz algo
muito precioso, o exemplo vivo do
quanto alivia e preenche o coração.

O pedido de desculpas deve surgir


também quando, mesmo com boa
intenção de corrigirmos um
comportamento inadequado, o fazemos
de forma

agressiva, sem paciência, sem cabeça,


irritados. Caso isso aconteça, será bem-

-vindo, é exemplo de que voltamos atrás


e nos recolocamos. A criança percebe a
grandeza do gesto e será capaz de
repeti-lo quando necessário. E quando
for necessário, é importante que façamos
o pedido de desculpas acontecer,
postura coerente.

Podemos seguir conectados. Alguns pais


me perguntam se quando pe-

dem desculpas vão deixar de corrigir o


que precisava ser corrigido e, mesmo
errados, não pedem desculpas a seus
pequenos. E um caminho do meio?
Podemos pedir desculpas pela maneira
como falamos com eles, mas que ainda

sim o “tal” comportamento precisa ser


corrigido, pois não foi legal. Podemos
falar a mesma coisa de uma nova forma.
Nós somos exemplos 24 horas e o

perdão consciente é possível, necessário


e lindo de se viver.

Acho que o teste é para todos nós.


Recebemos os convites, vamos acei-

tar ou não? Quando aceitamos, entramos


numa fria maior ainda, pois teremos que
vencer e a criança perder, o que muitas
vezes não acontece. Ou perdere-mos e
ficaremos aflitos, loucos para retomar o
controle fictício que acredita-mos ter
nesse momentos de embate.
Daniella Freixo de Faria

143

Quando cuidamos antes de aceitar


qualquer convite e percebemos para

onde a disputa nos levará, podemos


negar e, assim, retomar a tranquilidade
para desenvolvermos o “ganha-ganha”,
voltamos para a coconstrução, a cor-
responsabilidade, a disputa não precisa
existir. Nosso eixo interno, nossa
presença no Ser, possibilita que tudo
flua, aconteça, siga o curso natural. É
dentro de nós que o amor surge, é no
eixo vertical, na percepção do Quem
Sou, na presença, na respiração, na
conexão com nosso coração.

PERDÃO

CONSCIENTE

Algumas vezes o pedido de desculpas


parece funcionar para as crianças

como uma varinha mágica. Como se


considerassem que, mesmo fazendo algo

que machuque, ao pedir desculpas


receberão sempre a compreensão, o
perdão do outro. É muito provável que a
criança passe a pedir desculpa de uma
maneira descuidada, ou até mesmo de
modo prepotente. Quando isso começa a

acontecer, nós entramos em crise, pois


nem mais o pedido de desculpas parece
funcionar como deveria. E pior, os
comportamentos se repetem, e os
pedidos, também, mas a mudança de
comportamento que é bom, nada. Um
grande

ciclo funcionando a todo vapor.

Podemos mostrar que essa forma de


lidar com a situação que machu-

cou o outro não é suficiente. Podemos


construir a percepção de que as ações
afetam os outros e que, quando os afetam
de modo negativo, as crianças

podem retomar a relação novamente. Na


empatia, na entrega e escuta que

poderão construir novos


comportamentos. Ao se importar com os
outros, o

caminho pode ser cada vez mais


tranquilo, verdadeiro e repleto de amor.

Escuto de algumas crianças que não irão


desculpar o outro, pois per-

cebem que aquele que agrediu sempre


pede desculpa, mas volta a machucar.
Esse enrosco parece difícil, mas é
importante que a criança agredida possa
ser honesta com seus sentimentos.
Vemos a consequência acontecendo na

própria relação. A criança que bateu tem


uma enorme oportunidade de per-

ceber o outro e fazer diferente do que


estava fazendo, afinal não quer ficar
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

144

só, perder o amigo. Vai buscar recursos


dentro de si para cuidar da relação de
novas formas, e, nessa hora, podemos
ser úteis. Podemos ajudar a construir o
próximo passo.

A caminhada rumo à existência do outro


se dá de forma gradativa,
conforme a criança sai do egocentrismo
rumo ao encontro de fato com seus

iguais. Enquanto o processo acontece, a


criança vive inúmeros conflitos,
momentos de disputas que podem
ocasionar uma dor num irmão, amigo ou

mesmo nos pais. A criança, com nossa


ajuda, irá perceber o outro, como ele se
sente, e começará a refletir em como
pode ajudá-lo a se sentir melhor. As
crianças pequenas chegam a colocar
gelo na mordida que deram no amigo,

fazem carinho. Já os maiores, numa


conversa, conseguem perceber a
diferença entre uma atitude de amigo e
uma atitude que não foi bacana.
Começam a se colocar no lugar do
outro.

Toda essa reflexão, traz a consciência


ampla de que o outro, assim

como eu, somos iguais e ao mesmo


tempo diferentes. Traz a percepção do

espaço comum e do individual.


Percebem o tratamento de amor,
respeito, e

passam a fazer parte da formação mais


refinada de como viveremos na casa

de todos nós.

Quando ajudamos uma criança a


encontrar esse lugar, podemos ver

surgir o verdadeiro pedido de


desculpas, aquele que vem de dentro,
sincero, com olhos nos olhos e real
intenção de perdão. Podemos viver
juntos o aprendizado de nos
responsabilizarmos por nossas escolhas,
nossas ações, e aprender a não mais
reagirmos e, sim, agirmos de um lugar
amoroso. Nós sempre

temos escolhas a fazer e isso sim é


liberdade. A escolha de como agirei em
cada situação. Ao convivermos com
nossa família pelo caminho do amor,
respeito, dedicação e escuta, a esse será
o caminho percorrido por nossas
crianças em suas vidas.
VIVE NDOA

RECIPROCIDADE

A reciprocidade nos faz “Ser” puro


amor no crescimento comum, no

“viver com”. Poder olhar para si mesmo


e se encontrar aprendendo com e

como uma criança de dois anos; poder e


querer voltar atrás. Conversar com a
Daniella Freixo de Faria

145

certeza de que somos todos “Um” no


mesmo caminho de aprendizado, cada

um a seu tempo, do seu jeito e em seu


momento, com seu natural movimento.
Chegamos ao respeito mútuo. Não temos
mais a hierarquia que antes

predominava, mandava e desmandava.


Chegamos ao olhar e escuta sagrados

que considera o outro. Chegamos à real


autonomia de um ser humano existin-do
e coexistindo com sua responsabilidade
e escolhas conscientes.

Os mandatos deixam de ser externos e


passam a ser internos, mas mui-

to distantes do famoso egoísmo, pois


não é egoísta, é respeito, é “Um”. É a
responsabilidade ampla que tenho ao
fazer minhas escolhas, ao cuidar do
nosso planeta, ao sermos nós mesmos no
amor. É a tal liberdade! Muito distinta
do que pensamos ser liberdade.

Vamos buscar dentro de nós, dentro da


nossa criança, os momentos

em que fomos reconhecidos, ouvidos,


abraçados, amados. Vamos lembrar do

alívio e alegria de poder compartilhar


nossos sentimentos. Do acolhimento que
fez a diferença para seguirmos em
frente, do carinho, do colo num momento
de medo. Os encontros marcantes,
autênticos, do quanto estar ali com essa
pessoa, ou essas pessoas, trazia a
certeza de estar sendo visto e cuidado.
A certeza de ser importante, de ser
ouvido. Mãe ou pai, avós, irmãos, talvez
uma professora, um grande amigo, não
há a melhor resposta. E caso seja muito

difícil encontrar esse momento, olhemos


para nossos filhos. Saibamos que é
assim que eles nos olham, prontos para
o encontro todos os dias. Vamos olhar
nos olhos dos nossos pequenos e
encontrar a luz pura, brilhante, que pode
nos tocar, que nos abre para esse
encontro divino, para esse presente que
é estarmos juntos.

Podemos nos abrir para aprender com


nossos pequenos grandes mes-

tres, podemos cuidar das crianças das


nossas vidas, nossos filhos, netos,
alunos, nossas próprias crianças
internas. Estando dispostos a abrir os
corações, dispostos a encontrar nossos
pequenos internos e externos desse lugar
de

amor, cada um de nós em casa, no


trabalho, na escola, por onde passarmos,
com quem encontrarmos, seremos puro
amor, capazes, sim, de mudar o mundo.
Onde tudo isso começa? Dentro de cada
um de nós, dentro da casa de

todos nós, começa com aqueles que já


amamos e se expande para os que

podemos amar, para a nossa imensa


família, que vive em nossa linda casa, o
planeta Terra.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

146

AREAL

CONEXÃO
Sempre podemos respirar, sentir o ar
entrar, sentir a vida entrar, ou

melhor, ter a possibilidade de encontrar


a vida em que já está. Sentir o profundo
em mim, a presença no mundo, o quanto
somos “um”. Somos um só

respirando numa mesma casa e com a


sabedoria interna buscando fazer desse
um lar, onde tudo e todos possam ser
reconhecidos como totalidade e como

únicos.

Respirar me trouxe à vida, respirar me


faz viver a cada segundo o se-

gundo que se apresenta. Respirar chega


como um convite ao movimento

da vida, ao momento presente, à


confiança de que tudo existe e de que os

caminhos são os passos a trilhar.


Respirar traz a consciência do eixo
vertical, do qual pertenço, estou ligada a
algo muito maior e especial, nossa
ligação com o que nos move, com nossa
própria Luz. Respirar traz a atenção ao
que realmente é, fazendo com que todas
as ilusões desapareçam e tudo possa ser
entendido desde do amor.

Desse lugar, somos capazes de olhar a


vida, o mundo, as pessoas de

uma nova maneira, com novas posturas,


atitudes e resultados. A vida sai do
funcionamento automático da mente, do
ego, e chega ao coração, à sabedoria
disponível, ao estado de Unidade.
Estamos prontos para o aprendizado que
é estar vivos, subindo na espiral de
desenvolvimento e vivendo todo esse
processo que nunca para com muito
amor, respeito, gratidão e alegria.
Daniella Freixo de Faria

147
Capítulo 9

O CONVITE AO NOVO
......................... 000

REVISANDO CRENÇAS
....................... 000

CONSTRUINDO

PRINCÍPIOS INTERNOS ......................


000

QUAL CAMINHO SEGUIR ...................


000

INFINITAS OPORTUNIDADES
............. 000
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

150

OC ONVIT E

AO NOVO
Quando nos abrimos ao amor, quanto
amor somos capazes de sentir.

Se você pudesse me ver, se eu


conseguisse colocar em palavras o
quanto estou transbordando amor,
emoção, por receber a oportunidade de
termos esta conversa, de realmente
agradecer por cada minuto deste
caminho que sempre vale a pena.

Em nome do amor por nossos filhos, por


nossas crianças, somos capa-

zes de grandes movimentos em nossas


vidas. O amor, o amor, o amor. Como

se tudo ficasse ainda mais expandido,


ainda mais vivo. O maior amor do mun-
do, como dizem por aí. Então, em nome
desse caminho vivido, eu os convido
para olhar pelo prisma do amor, o novo
movimento. Para confiar no fluxo da
vida viva. Confiar que tudo é. Nós
somos pura luz, puro amor.

Vamos largar nossos medos, que nos


mantêm presos a ideias pré-conce-

bidas, a conceitos individuais, ao


funcionamento automático da mente,
tagarela de plantão, que julga, culpa,
tenta entender e se tornar, o que nos
distancia de quem somos e abrirmos
nosso peito para olharmos mais
amplamente

para nossas vidas, nossa casa. Em nome


das nossas crianças, vamos?

Vamos rever nossas crenças, olhares,


pensamentos já estagnados presos

no antigo, no já conhecido; que podem


trazer a sensação de segurança, mas nos
mantêm presos, limitados, muitas vezes
na insegurança.

Vamos olhar para nós, seres humanos,


seres únicos, o “EU SOU” em

letra maiúscula. Vamos olhar para o


direito à vida, o amar e ser amado, as
qualidades incríveis: o amor, a
compaixão, o cuidado amoroso, a
paciência, a aceitação, compreensão,
criação e inspiração. São tantos os dons
a serem vividos, descobertos. Será que
estamos realmente conectados, abertos a
esse fluxo vivo disponível? Vamos
despertar, viver a vida de uma nova
forma, no encontro sagrado conosco e
com o mundo vivo que nos cerca.
Vamos?

“Uma mudança na percepção leva a uma


mudança de sentimento, que,

por sua vez, conduz a uma mudança na


consciência. Essa mudança na cons-

ciência impacta cada experiência da


vida, provocando uma mudança no
desti-no.” – Amma & Baghavan.
Daniella Freixo de Faria

151
R E VIS ANDO

CRENÇAS

A primeira crença enraizada é a de que


somos, estamos separados. Cada

um no seu mundo, cada um no seu


problema, cada um isolado, sofrendo.

Jung foi brilhante ao estudar o


inconsciente coletivo, em que, por mais

que sejamos diferentes, nos encontramos


em questões primordiais, questões
humanas, comuns em sua essência,
únicas em sua particularidade. Amplifi-
cando ainda mais essa ideia, estamos
falando do “SOMOS UM”. A crença de
estarmos conectados, interligados, do
quanto somos interdependentes. Pen-

sar isso é tão difícil, mas ao mesmo tão


libertador! Vamos buscar ajuda mais
uma vez na natureza, no quanto estamos
vivendo numa mesma casa, nosso

planeta. Respiramos o mesmo ar.


Podemos ser de qualquer lugar do
planeta, uma pessoa de qualquer
naturalidade e, ainda sim, respiramos o
mesmo ar.

A mesma água, a mesma terra, a mesma


humanidade. Temos a unicidade e a

diversidade coexistindo.
Quando machuco a natureza, machuco a
mim mesmo. Um ciclo fecha-

do de simples plantar e colher


repetidamente, sem parar. Ou podemos
ir para o mundo globalizado, no qual
todos os países são interdependentes em
suas economias, riquezas e
necessidades. Não dá mais para apenas
olhar para o

próprio umbigo, pensar apenas no


próprio benefício. É hora de
compartilhar.

Ao observar nossa própria estrutura


psicológica, iremos descobrir que,

do mesmo jeito que sofremos, os outros


também o fazem em variados graus

e estilos. A solidão, a tristeza, o medo, o


desespero, a inveja, o ciúme, e tantos
outros conhecidos por todos nós. A
dificuldade de nos conectarmos ao
nosso coração, nossa luz. Há diferenças
físicas, biológicas, mas um único ser
humano é o representante de toda a
humanidade. Você, eu, nosso vizinho,
cada

um de nós é o mundo, o Todo, a


humanidade. Assim, é mais fácil
perceber a nossa real responsabilidade
como humano. A ideia de estarmos
separados é

uma grande ilusão da mente.


Se entendermos o profundo significado
de que cada um de nós psico-

logicamente é o mundo, então a


responsabilidade de pesar sobre os
ombros se transforma num poderoso
amor.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

152

Ao acompanhar uma criança no seu


processo de educação profunda e

superficial, podemos desde seus


primeiros dias de vida cuidar para que
cresça possuindo total consciência do
significado da responsabilidade que a
seguirá por toda a vida. Esse caminho
inclui a responsabilidade no
comportamento, na forma de pensar e na
importância da escolha da atitude
correta. Nosso

grande desafio é percebermos esse


“Um” e cuidarmos desse “Um”
conscien-

tes. Com isso, chegaremos à real


fraternidade na terra. Compartilhando.

Até a economia mundial está interligada


e interdependente. Mundo

capitalista sim, mas codependente,


coconstrutor. Falo disso aqui, pois,
como disse anteriormente, será com
nossas crianças que construiremos o
mundo

de amanhã. Um mundo melhor para


nossas crianças. A revisão constante

de crenças é fundamental para nossa


caminhada como humanidade. Temos

um planeta abundante, rico, produtivo.


Temos seres humanos maravilhosos,

amorosos, cuidadosos com todos os


dons mais lindos que podemos imaginar.

E o que escolhemos viver?

Ensinar a fraternidade não significa


apenas doar alimentos no fim

do ano. Ser fraterno é viver a


reciprocidade. Ser, florescer, plantar e
colher, amor. É reconhecer em todos os
humanos essa mesma luz que vemos em

nossos pequenos. É reconhecermos essa


luz em nós mesmos. E acabar

com os atuais juízos de valor que julgam


e condenam pelo simples fato de

sermos diferentes.

Fraternidade como aceitação, amor por


quem conheço e por quem não

conheço. As crianças trazem isso com


tanta pureza. Falam com desconheci-

dos, abrem seus corações, são


espontâneas na manifestação de afeto,
são sinceras. Fazem amizade com
tamanha facilidade e esfuziante alegria.
Já ouvi de muitas pessoas que devemos
nos proteger das outras, pois nem todo
mundo

está nessa vibração de amor, mais


positiva. É verdade. Estamos ainda num

momento de transição, mas será com


nossa ajuda que a faremos, com nosso

comprometimento e responsabilidade.

Lembro-me um dia quando fui ao


shopping com minha filha, ainda

com três anos, e ela, do nada, disse:


“Olha, mamãe, uma amiga!”. Nosso

mundo era visivelmente distante. Como,


de que jeito duas crianças nos apro-
ximariam já que pertencíamos a mundos
diferentes? Nós, adultos, não seríamos
capazes disso. Acho que em outras
épocas daria um jeito de sair dali, mas
Daniella Freixo de Faria

153

não fiz isso. Elas conversaram, eu e a


mãe nos cumprimentamos, e naquele dia
tivemos uma aula, um exemplo do
quanto podíamos viver melhor, com
mais

proximidade e menos desconfiança. Que


alegria relembrar esse momento que,
seguido de tantos outros, mudou nossa
vida, nossa maneira de encontrar nossos
desconhecidos companheiros de viagem.
Coração aberto, presentes da

vida e oportunidade de crescimento


sempre. Outro grande dilema como pais:
será que temos que educar os filhos para
esse mundo selvagem, de extrema

competição, tão acirrada e disputada?


Para que mundo estamos preparando

nossos filhos? Não seremos nós os


responsáveis pelo mundo de amanhã?
Será que a escolha não nos cabe?

Há muitos anos, na época em que


estávamos escolhendo a escola, que

coisa complicada. Quando pensamos ter


tomado uma decisão, pronto, pen-

samos nas línguas, nos nomes,


sobrenomes, rankings, que coisa
sufocante.
Como se o que cuidasse da nossa
educação, do encontro, do que sentimos

ser o melhor caminho, se esvaziasse por


completo, dando caminho às ordens
externas do mercado louco de trabalho
futuro, das exigências alucinantes

cada vez maiores e mais absurdas.


Como se pudéssemos viver no futuro.

Pura ansiedade, viver antes, fugindo do


presente e nos tornando escravos

sabe-se lá do quê.

Hoje, infelizmente é possível encontrar


um grande número de crianças
presas ao funcionamento da mente e
todos os pensamentos negativos, jul-

gamentos, separações e medos. Crianças


com oito, nove anos com medo da

vida, dificuldade de conectar com o


coração, com o fluxo vivo. Crianças que
sentem a pressão, sentem o quanto ser
criança hoje já é um enorme desafio.

Medo da vida que vem pela frente. Nós


somos colaboradores desses pensa-

mentos; afinal, muitos de nós também


sentimos esse medo. Medo por eles,

por nós, medo do amanhã. Estamos


conectados a quê?
Ou como disse o professor Mário Sergio
Cortella em seu livro “Não

Nascemos Prontos”: “Hoje, vivemos o


futuro saqueado”. A questão central

no saque não é a materialidade da


situação, a degradação do meio
ambiente e dos recursos naturais que,
ainda que de forma incipiente, estamos
cuidando.

O fulcro da problemática é, isso sim,


admitirmos e promovermos o apodre-

cimento da esperança nas novas


gerações. A elas vimos negando o futuro
e, com facilidade, ouvem de nós
aterradores prognósticos: “Não haverá
futu-

CONVERSA COM CRIANÇA –


Presença-Caminho

154

ro! Não haverá emprego! Não haverá


natureza!”. Também desqualificamos o
presente e o passado: “Isso não é vida!
Vocês não sabem brincar! Vocês não
tiveram infância!” Ele continua: “A tudo
isso se dá um ar de fatalidade que indica
a crença na impossibilidade de alterar
essa rota coletiva; por isso, as novas
gerações começam a acreditar no mais
ameaçador perigo para a convivência

gregária e a solidariedade: o
individualismo exacerbado”.

A criança, ainda pura em sua


colaboração, começa a conviver com o
ou-

tro, seus desafios aparecem para que


sejam superados em conjunto. “Viver
com”
implica olhar o outro, considerar o
outro. Surge o grande processo de
passagem do mundo egocêntrico para o
de autonomia e, futuramente, o de
reciprocidade.

Nós, pais, somos os “coprodutores” da


caminhada através da autoridade
positiva.

Nós acompanharemos nossos pequenos


em escolhas e aprendizados diários para
que, mesmo diferenciados, sabendo
quem são, não estejam distantes,
isolados.

Quantas vezes não ficamos aliviados


quando a tragédia acontece bem
longe de nós. Hoje, com a informação
tão próxima e rápida, com o ao vivo e
em cores, as alegrias e tristezas são
compartilhadas, e o que sinto é que
somos, sim, tocados, convidados a fazer
parte. Chorar e se acabar de chorar não
fará a diferença. Ações farão a
diferença, aqui e agora, refletindo no
Todo.

A crença na competição traz algo


interessante: quando competimos, te-

mos referência de qual caminho seguir


ou de nossas escolhas, fora de nós. Está
no outro, no que é exigido, no que dá
mais dinheiro, dentre outras coisas; a
colaboração traz a referência para
dentro, para o “Quem Sou”, em letra
maiúscula, para a pergunta: Qual é meu
dom? Como posso colaborar com o meu
igual? O

que vim fazer aqui? Onde ou fazendo o


que não sinto o tempo passar? Desse
jeito está funcionando? Sempre por meio
das relações, do encontro.

Vi outro dia um interessante comercial


de banco. O locutor dizia o

quanto hoje o trabalho não é mais um


fardo, mas sim um ato de amor, um

prazer trabalhar no que se gosta. E


seguia valorizando essas questões.
Fiquei ali de boca aberta vendo,
ouvindo e pensando. Essa hoje é a
propaganda de um banco. Incrível,
inesperado, surpreendente. Temos muito
a caminhar, mas gerou reflexão, e isso é
muito bom.

Com a colaboração e a referência


interna garantidas, o caminho é cons-

truído, vivido pela criança, adolescente,


adulto, de forma autêntica e verdadeira.
Ufa! Até respirei fundo agora, que
alívio.
Daniella Freixo de Faria

155

“Cooperação requer grande honestidade.


Honestidade não tem motivo

de ser, não é um ideal, uma fé.


Honestidade é clareza, percepção clara
das coisas como são. Percepção é
atenção, e essa atenção em si joga luz
com toda sua energia naquilo que está
sendo observado e acarreta uma
transformação da coisa que está sendo
observada.” – Amma & Baghavan.

A cooperação não pode ser classificada,


não há sistema para aprender

a cooperar, não se trata de um


aprendizado da mente. É uma ação de
amor,

requer que haja amor, é pura entrega,


confiança.

Tive a oportunidade de assistir uma vez


a um renomado palestrante
do mundo dos negócios, que, no fim, fez
a pergunta: “Quem conseguiria o

cargo na empresa? Aquele com melhor


currículo ou aquele com um currículo

um pouco pior e brilho nos olhos?”.


Toda a plateia, incluindo eu, calamo-
nos.

Quando, para alívio de muitos e


preocupação de outros, ele disse que
seria aquele com brilho nos olhos. E
ainda completou que hoje o mundo do
trabalho precisa de gente que sabe quem
é, que se conhece, que gosta do que faz.

As máquinas podem cuidar do resto.


Depois disso, só nos resta dizer que
depende de nós nos olharmos com

amor e percebermos o quanto nós


podemos olhar para o mundo assim. Mas

por que esta conversa aqui, quando a


ideia é falarmos sobre nossas crianças?

A ideia é percebermos que são nossas


crenças que fazem com que esse

mesmo mundo caminhe separado,


dividido. Quando falamos de troca, de

constante aprendizado que tanto pais


quanto filhos vivem, estamos revendo
uma importante crença. A crença que
nossos bisavós, avós, pais e nós temos,
da qual as crianças não sabem de nada,
nada tem a dizer, ou contribuir. A nova
crença enxerga essa constante troca, o
constante aprendizado, o respeito mútuo,
a reciprocidade como uma possibilidade
real. Enxerga que o processo de
educação é vivo, coconstruído e para
sempre; afinal, nós todos estamos
sempre aprendendo. A sabedoria está
em todos nós, não só nos crescidos.

Temos ainda mais uma que vale a pena


falarmos. Hoje em dia ser dife-

rente é a mesma coisa que ser dividido,


não pertencente. Pensamos as diferen-

ças com o olhar que exclui, segrega,


classifica. As crianças são capazes de
notar as diferenças, mas num primeiro
momento não as têm como divisão.
Quero

dizer que as crianças podem até


perceber e falar das diferenças, mas não
ex-cluem o diferente por isso. Quem
veio primeiro, o ovo ou a galinha? Será
que
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

156

nós, ao olharmos uma situação em que


nossos filhos encaram o diferente,

trazemos a vivência da divisão? Ou será


que esse é um processo natural e que
nosso papel será cuidar para que isso
não se cristalize, para que cheguemos à
aceitação? As crianças aprendem
conosco a viverem dessa forma. Quando
na verdade somos nós que podíamos
viver de um jeito mais livre, mais feliz.

Outro dia eu estava com a minha filha


passeando num shopping e ela

avistou uma menina que tinha pele e


cabelo muito claros, quase brancos. Ela
logo me disse: “Mamãe, nunca tinha
visto uma menina com cabelo tão claro”.

Eu entrei na preocupação (de quem


ainda está aprendendo a nova crença) de
como a menina e sua mãe receberiam
essa curiosidade. Aquilo entrou como

algo natural e a vida seguiu. Sem tom


pejorativo ou falta de respeito.
Conheci, logo que me formei, uma moça
muito inteligente e dedi-

cada, sabia o que queria e a que veio.


Foi uma satisfação acompanhar sua

vibrante vontade de mudar o mundo,


uma luz por onde passasse. Diferente

da sua família de origem muito simples,


ela fez duas faculdades. Sua grande
tristeza era se sentir excluída tanto em
família quanto nas faculdades. Era
diferente nos dois ambientes e ela não se
sentia pertencente a nenhum dos dois
mundos, quando na verdade ela sempre
esteve ali, inteira, viva para os dois.
Sempre fiquei pensando o quanto todos
perderam ao não compartilhar
exatamente o que lhes parecia diferente.
A família, os outros alunos da
faculdade, ela mesma. O que poderia ser
tão rico, não foi; estavam muito

distantes para trocar.

As crianças contam seus segredos, seus


achados, dão dicas. E quando

nos tornamos adultos, escondemos,


pensamos que se compartilharmos uma

alegria logo teremos o famoso “olho


gordo”. Podemos mudar a forma de

como nos ouvimos, como


compartilhamos experiências, para quem
sabe
um dia curtir e torcer uns pelos outros,
além, é claro, de compartilhar a
sabedoria.

Depois de passarmos por todas essas


crenças, talvez a primeira grande

crença a ser transformada seja a própria


MENTE. Vamos pensar na palavra

mente, mente, mente. Podíamos brincar


com a mente que mente pra nós. A

mente tão sabida se apoderou de nosso


coração e nos mantém distantes de

nós mesmos. Faz-nos olhar para fora e


para dentro em busca de explicações,
julgamentos e condenações. Cria
conceitos que se tornam preconceitos,
culpa
Daniella Freixo de Faria

157

quem está fora, mas principalmente


quem está dentro. A crença na mente é o
que cria todas as outras crenças de que
falamos até o momento.

A mente humana é brilhante,


possibilitou-nos termos essa e muitas

outras conversas, possibilitou-nos


criarmos o tempo, contarmos o tempo,
ti-rou do papel sonhos que se
transformaram em realidade. E hoje cá
estou,

escrevendo num computador, com luz


elétrica, música, letras, números. Foi o
homem pensante, único ser pensante, que
foi capaz de criar, plantar e colher,
viver relações e principalmente se
perceber. Criou objetivos e os alcançou.
A mente foi primordial nesse processo;
porém, parece que ela tomou outras

áreas de nossas vidas. Tomou conta de


todos os processos, virou a sabe-tudo e
depois disso todas as crenças se
seguiram.

Hoje vemos um mundo ainda dividido,


mas buscando a Unidade. Hoje

vemos seres humanos se conectando


com a nossa mãe Terra, com nossa casa.
Hoje, podemos ouvir nossos corações e
percebermos que tudo é da nossa

conta, pois o outro e eu somos UM. Hoje


o coração, que sempre esteve ali

batendo, está voltando a existir.


Percebermos que a mente é necessária,
mas que existem assuntos que são de
outra natureza é nosso grande desafio.

Para iniciarmos o processo, observe sua


mente. Observe sua tagareli-

ce, seus pensamentos, suas histórias,


seus julgamentos, suas funções úteis e
depois se conecte com seu coração.
Respire, preste atenção à sua respiração
e siga para o centro do seu peito.
Perceba que resultado você irá obter
com cada um deles e escolha. A

mente pode se acalmar e auxiliar no


processo de vivermos nossa Luz,
vivermos a Presença-caminho, mas isso
só acontece quando é possível perceber

que ela, a mente, é apenas um


instrumento e não a música. A música é
muito mais que o instrumento, música é
vida viva, pulsando, respeitando a dança
e o movimento, o silêncio e o barulho,
que nessa valsa são aceitos como parte
do processo, como essenciais à vida.

Quando vemos alguém ouvindo,


sentindo, escutando, relacionando-se
com o “dentro” e com o “fora”, vemos a
troca, o aprendizado, a abertura para
construir o próximo passo do caminho.
É possível ver o brilho nos olhos.

Temos a real oportunidade para


construirmos com nossas crianças o
mundo

de amanhã em vez de preparar as


crianças para a continuação do que
vivemos hoje. Complexo, profundo e
uma oportunidade libertadora.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

158

CONSTRUINDO

PRINCÍPIOSINTERNOS

No processo vivo de educação, estamos


construindo e descobrindo

princípios internos que serão a luz das


escolhas que fizermos na vida.
Princípios de amor, recheados de
comprometimento, dedicação e – por
que não

– de correção, sempre que necessário.


Esses princípios nos dão direção e a
oportunidade de viver o que há de mais
intenso. A oportunidade de vir em

vez de tentar chegar. Digo isso porque


sempre nós dizemos que quando isso ou
aquilo acontecer, aí sim seremos felizes.
Quando na verdade nossa felicidade
vem antes, não está em lugar nenhum,
está dentro de nós.

Na presença do “Ser”. Não a felicidade


que vemos na propaganda
da margarina. Falamos de estar inteiros,
vivos, despertos para viver todos os
momentos que vêm pela frente de
coração aberto, mesmo os turbulen-tos.
É estarmos vivos de um lugar de amor,
dispostos, disponíveis para a

vida, para o novo, para o velho, para o


outro, para si mesmo. Dispostos a
aprender.

Muitas vezes nos conduzimos pela moral


externa e conceitos prontos.

Coisas que fazem parte da nossa


criação, mas são mutáveis, pois
dependem do olhar do outro para
acontecer. As leis do país, dentre outras
coisas. Diver-sos comportamentos são
repudiados em alguns lugares e são
aceitos em ou-

tros. Fazem parte da cultura. Quando


enchemos nossa mente de preconceitos,
conceitos e ideais a priori, o
acontecimento presente não pode ser
encarado, vivido. Os conceitos
funcionam como bloqueios que nos
impedem de nos

relacionar diretamente com o ocorrido.


Quando compreendemos a abertura

para a importância de encarar, viver um


fato, o momento presente, o agora se
torna o ponto central da nossa educação.
Temos o agora repleto de oportunidades
para fazermos escolhas e vivermos
aprendizados significativos.

Permanecer nos conceitos nos mantêm


presos ao passado, ao ontem,

ao que já não somos mais, mas, por essa


razão, ainda agimos como se fôssemos.
Estamos presos na mente e distantes da
real compreensão.

Falamos do encontro sagrado. Do


cuidado amoroso, respeito por tudo

e todos. Criar os filhos repletos de


moral externa e pelo medo parece ser o
caminho mais fácil e mais utilizado.
Promove indivíduos que não se
conhecem
Daniella Freixo de Faria

159
e muito menos conhecem o outro.
Criamos, assim, a vida separada,
isolada, baseada no crescente medo, em
vez do amor.

Ao estarmos presentes, mesmo que seja


no “não sei”, na presença, te-

mos a chance de viver o insight. Ele não


é aqui entendido como uma análise
cuidadosa do pensamento que buscou no
passado referências para a compreensão
e agora as aplica, estando preso no
tempo. O insight acontece por meio da
qualidade de amor que se apresenta, é
inteligência com a magnitude que usa do
pensamento como uma ferramenta e não
como fim ou objetivo.
É estar vivo, conectado, na presença, no
amor, no “Um”. E isso é sagrado, é
genuíno, natural, apenas é.

No fim do semestre, vivi algo muito


forte. Andava sentindo muito

medo, com pensamentos ruins. Depois


de uma crise forte de choro, fui para
meu quarto respirar, respirar todo esse
mal-estar. Depois da mente quieta, a
espinha ereta e o coração tranquilo, foi
possível sentir o medo, olhar para ele.

Mente calma, pensamentos observados e


lá estava eu, com meus pés firmes

no chão, simplesmente respirando.


Depois de passar por incômodo e dor,
me senti com medo. Era medo, mas não
da Daniella adulta e, sim, da minha

criança. Quando essa informação


chegou, a mulher, hoje adulta,
tranquilizou a Dani pequenina. O
coração transbordou de emoção ao
perceber o funcionamento da mente e o
tamanho do amor por minha criança.

Foi incrível, pois desde esse dia, os


pensamentos são outros e as crises

não surgiram mais. Observar a mente e


conectar ao coração, esse é o cami-

nho. Prestemos atenção: quando nos


enxergarmos pequeninos, poderemos
nos tornar livres no momento em que
nosso adulto garante à nossa criança

que ela nunca mais estará só. No


momento em que passamos a ouvir, ver
e

viver com o Ser-essencial, de nosso


coração. O medo passa e vemos brotar a
Fé, a luz que vive em nós. Eu estava lá,
aqui, e pude receber a graça. Minha
pequenina está acompanhada. Que
insight, que lindo presente.

Hoje é possível ver escolas lidando com


situações de indisciplina de

uma nova forma, onde é possível


perceber a construção do valor e
princípio interno. As escolas
perceberam que com punição conseguem
alunos quietos e comportados, mas que
isso apenas acontece quando o agente
que educa está

presente. Ou seja, quando não há aquele


que poderia punir, caos total. Além
disso, que as crianças não aprendem,
não criam valores, não refletem sobre
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

160

suas atitudes, sobre sua relação com os


outros. Com o novo olhar surgindo, é
possível cuidar da situação de um outro
lugar, que possibilite o surgimento de
reflexão.

Acompanhei um menino de doze que


anos estava sofrendo agressões na
escola por parte de um outro garoto. Até
que um dia essa agressão aconteceu
fisicamente. O aluno queria ir embora,
quando a orientadora perguntou o que
havia acontecido. Ele pensou um milhão
de vezes, mas acabou contando. Já

imaginou o dia seguinte? Foi difícil,


pois o mesmo garoto que havia batido
voltou tirando “sarro” pelo fato de ele
ter pedido ajuda à orientadora. Mas ele
não se intimidou e foi novamente pedir
ajuda. A orientadora chamou o garoto
para prestar serviços comunitários
dando aulas de futebol para meninos
mais novos.

Perguntou também para o nosso menino


se ele não o ajudaria. Conclusão: os
dois foram juntos fazer a doação, e,
acreditem, não viraram amigos, mas se
olharam, conversaram, ajudaram um ao
outro e o respeito surgiu de forma
natural e concreta. Acredito que nesse
momento todos nós aprendemos. E
como!

QUALC AMINHO

SEGUIR?

Bom, gente, se fosse fácil a gente já


estava lá, não é verdade? Qual a

armadilha? A mente, gatilho constante


para o medo. O contrário do amor não é
a raiva ou a dor, é o medo ou a
indiferença, como dissemos
anteriormente.

A armadilha é comprarmos as histórias


da tagarela. Histórias que disparam o
medo, a solidão, a tristeza, a prisão. Vou
fazer um paralelo que deixará muito
claro as duas vidas que podemos ter,
uma pelo medo e outra pelo amor.
Preparado? Eu estou pronta.

O medo é o piloto automático, vamos


para ele num milésimo de segun-

do e mal percebemos sua presença. É o


nosso funcionamento mental. Mente

tagarela, imagens surgem, o peito aperta,


vem a angústia, mal-estar físico e
emocional. Nesse momento, o medo
tomou conta. O amor é nossa escolha,

vem de um funcionamento natural, mas


consciente. O medo sempre traz à

tona os riscos, os perigos que corremos.


O amor nos mostra as oportunidades de
aprender, crescer, mudar, transcender.
Daniella Freixo de Faria

161

No medo, controlamos. No amor,


confiamos.

No medo negamos, rejeitamos.

No amor aprendemos, crescemos.

O medo nos aprisiona, deixa-nos


“pequenininhos”.
O amor é pura liberdade,
responsabilidade.

O medo traz a dúvida.

O amor é a vivência da fé.

O medo, constante apego.

O amor, a alegria do desapego.

O medo traz insegurança.

O amor, a certeza da segurança.

O medo vê sempre o que falta.

O amor é abundância.
O medo traz isolamento e solidão.

No amor, SOMOS UM.

Somos nós os responsáveis criadores de


nossa vida. Devemos parar

de reagir perante os estímulos que


recebemos do mundo. E começarmos a

fazer escolhas conscientes. Isso sim é


criação. O caminho para essa árdua e
libertadora missão rumo ao despertar
segue por uma rota bem clara:

observar o funcionamento mental, suas


histórias catastróficas, seguidas de todo
julgamento, as culpas e o tentar se tornar
algo que ainda não somos.
Mente repetitiva, compulsiva e
destrutiva. Repetitiva por sua tagarelice

incessante. Compulsiva pelo fato de não


termos controle sobre ela e des-

trutiva, pois nos coloca longe, se é que


não destrói nossos sonhos, visões,
desejos e objetivos. Somos tomados por
pensamentos negativos, seguidos

de sentimentos como medo, tristeza,


abandono e total falta de fé na vida.

Tudo fica duro demais.

Experimente observar a mente. Você


ficará surpreso com o volume de
coisas que ela tagarela. Depois,
experimente prestar atenção à sua
respiração sem modificá-la, siga para o
seu coração e sinta o quanto ele bate
forte, o quanto está vivo. Pronto para a
vida viva, pronto para realizar a terra
fértil que você, que nós todos já somos.
Prontos para nos despertar para o amor,
para a consciência. Para nosso Ser
Essencial, nosso estado de Unidade.
Nossa grande missão depois de nos
libertarmos do funcionamento mental é
livrarmos nos-
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

162

sas crianças. Crianças que veem ao


mundo livres e que com a vida podem se
manter de coração aberto e conectados
ou se perderem no medo, na dúvida,

na falta. Com nosso exemplo e com


nossa ajuda, podemos ajudá-los a não

abandonar a sabedoria de seus corações.


Dentro de nossas casas, em nossos
trabalhos, relacionamentos amo-

rosos, com familiares, amigos,


desconhecidos, podemos estar alertas
para

não mais reagir por meio dos processos


da mente, e sim criar, escolher e

presenciar o reflexo que surge no mundo


com nosso Ser-essencial. Sermos

quem realmente somos.

Saímos das repostas pré-fabricadas,


externas e muitas vezes sem sen-

tido e passamos a escolher como,


quando, de que lugar encontraremos com

nossos pequenos, conscientes. Essa é a


ação de educar, educação viva . Com
amor, o encontro acontece e o caminho é
límpido e tranquilo. Às vezes não tão
tranquilo, é verdade.

É possível suportar o “Não Sei”, o


incômodo, e manter a calma com a

certeza de que estamos disponíveis,


vazios de preconceitos e julgamentos,
inteiros, prontos para o próximo passo.
Agradecidos pela oportunidade de Ser,
de aprender. Sermos honestos,
responsáveis; afinal, também estamos
fazendo nossas escolhas a todo
momento.
É de nossa responsabilidade sermos a
expressão de nosso Ser-essencial.

Essa palavra “responsabilidade” aqui


carrega um sentido mais amplo do que o
convencionalmente utilizado. Significa
que conscientemente plantamos e

colhemos o que plantamos. Se gritamos


o dia todo com nossos pequenos,

depois de uma semana eles estão


gritando conosco, não é verdade?

Eles estão aprendendo conosco, mas nós


também estamos aprendendo

com eles. E quando vemos algo que não


queremos, vale perguntar se nós
somos os primeiros ou não a fazer
aquilo. O mais importante não é essa
resposta; o mais importante é nos
acolhermos, pegarmo-nos no colo e
inteiros seguirmos para a nova forma de
lidarmos com determinada situação,
algo

que venha de dentro, que seja legítimo.


Ao vivermos nossas vidas, desafios
surgem, situações com estímulos fortes
que nos fazem sentir vítimas; ainda
assim, somos responsáveis por nossas
atitudes.

“A postura de assumir a
responsabilidade por nossa própria
felicidade
é libertadora, pois quando você se
responsabiliza por qualquer dificuldade,
Daniella Freixo de Faria

163

você se concentra na solução. E quando


você se concentra em alguma coisa,
manifesta isso na sua vida. Se sua
atenção está no problema, cria ainda
mais problemas. Se sua atenção está na
solução, então a solução aparece.” –
Amma

& Baghavan.

Quando temos consciência do nosso


poder de escolha e da nossa capa-

cidade de amar, podemos viver a tal


liberdade. Podemos começar a receber
os presentes da vida pela conversa,
escuta, troca, puro movimento, rumo a
quem realmente Somos. Sempre
considerando, incluindo. Amor que
aceita, em

constante aprendizado. Sendo assim, o


que importa é a experiência aprendida.

A fraternidade consciente passa pelo


caminho de reconhecimento

quando podemos, cuidando do outro,


perceber o quanto cuidamos de todos

nós. O micro e o macro. Ao cuidarmos


de todos os SERES em nossa casa,

prédio, escola, bairro, cidade, país,


planeta, podemos perceber a grande
rede se comunicando. Um grupo
pequeno ou grande se transformando.

Que tal lembrarmos de quando


brincávamos de dominó, ao empurrar

o primeiro todos os outros também se


movimentam. Para onde vamos, em

que direção? Saber o que buscamos em


nossas relações funciona como um

grande farol iluminando o caminho.

Quando sei que quero conversar e não


bater em meu filho, por mais

que o tapa ainda queira aparecer, tenho


como corrigir a rota, acertar o barco,
diminuir a velocidade e retomar o curso.
Nenhum de nós está pronto; estamos
todos navegando, descobrindo novas
terras, novas maneiras, descobrin-

do o véu e encontrando quem somos em


cada respiração. Tanta coisa que não
sabemos por onde começar. Só podemos
começar de dentro, permitindo-nos

estar presentes, acalmar a mente e sentir


o que for para sentir.

Para chegarmos a esse lugar interno são


muitos os caminhos, mas algu-

mas coisas precisam estar lá: amor,


comprometimento, dedicação,
disponibilidade, vontade e humildade. A
caminhada irá acontecer de qualquer
forma, mas a paisagem depende de cada
um de nós, depende de todos nós. Não

somos o que estamos fazendo, mas, sim,


o que estamos sendo!
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

164

INFINITAS

OPORTUNIDADES

Sabe aquele momento difícil com as


crianças, com o trabalho, com o

marido ou esposa? Nossa, ficamos


arrebentados, sofrendo muito e desespe-

rançados. Quanto esses sentimentos são


ricos em oportunidades de cresci-

mento, de tomada de consciência?


Quantas vezes nessa vida atribulada
entre trabalho, crianças, marido,

esposa, casa, estudos, crises surgiram?


Muitas, inúmeras. Mas quando olho para
elas, percebo o quanto os conflitos me
levaram a refletir e descobrir meu ponto
de equilíbrio, de respeito comigo
mesma. Valeram a pena. Fizeram-me
chegar até aqui. A gratidão toma conta e
é possível perceber que quando os
aprendizados acontecem, plantamos
melhor e a colheita também acontece

com mais abundância. Fica claro o


quanto depende de cada um de nós a
vida que vivemos. É nossa
responsabilidade.
Estarmos conscientes de que conflitos,
tensões, são grandes saltos no

processo de transformação de todos nós.


Saltos que podem acontecer e, com o
aprendizado, não mais retornar; ou, sem
aprendizado, voltarem a todo momento
em busca de um só estado: Consciência.

Sei que teremos algumas notícias


difíceis para darmos às crianças, faz

parte da educação. Não podemos ter


medo de ensiná-los. O que podemos e

devemos é cuidar do lugar interno de


onde falamos com eles. Será que
falamos irritados, com raiva ou com
medo? Quando falamos com amor, por
mais

dura que seja a realidade, há sempre


uma constatação por parte das crianças:
a certeza do amor, a certeza do
aprendizado, e de que estamos realmente
juntos nesse despertar.

Gostaria de convidá-los para refletir a


respeito de algo importante do

processo de crescimento. Processo vivo,


sem começo nem fim, eterna mudan-

ça e pouca permanência. Nós somos tão


estimulados quanto estimulamos, e é
nessa dança da vida que tudo acontece.
Porém, perante um aprendizado, pela
tensão do momento, muitas vezes nós
recuamos.

Um grande funil que começa aberto,


largo, espaçoso e segue fechando,

até estar bem apertadinho. É possível e


esperado passar para o outro lado, mas
Daniella Freixo de Faria

165

o desconforto aparece. Assim como o


processo do nascimento de todos nós.

Começamos como um pontinho, com


muito espaço, seguimos crescendo, fi-

camos grandes demais para o espaço


agora apertado. E o desconforto, o fato
de não cabermos mais, leva-nos ao funil,
ao nascimento, à vida. Da mesma
maneira a vida segue, com mais espaço,
com menos espaço, apertado e de

novo esparramado. Puro movimento que


contrai – expande, inspira – expira, um
passo para frente, um para trás.

Nosso grande desafio é não termos


medo do movimento natural do

fluxo vivo, a vida com todo seu conforto


e seu desconforto, ambos fazendo
crescer e florescer. Quando nos vemos
no funil no processo de educação, somos
nós que recuamos porque entendemos o
desconforto como sofrimento,

nesse sentido encontramos uma


importante armadilha que pede nossa
aten-

ção. Voltamos para a fralda, mantemos a


mamadeira, mantemos as rodinhas

da bicicleta e proporcionamos
novamente o conforto. Mas o conforto
arran-

jado pode ser perigoso; afinal, a criança


não compreende sua própria capacidade
de superar um desafio, sua capacidade
de aprender, de seguir em frente e viver
a alegria de olhar para o antes,
compreender o tempo, sua trajetória e
dar conta de sua tão importante e
interminável caminhada.

Podemos passar juntos com nossos


filhos pelos funis do crescimento e

curtir com eles a alegria de estarmos


todos nesse mesmo caminho. Vida viva,
puro movimento que sempre vale a pena.
Esse é o convite.

Todo conflito nos leva à rica


experiência e oportunidade de
questionar-

mos crenças, valores, posturas, atitudes.


E é desse momento tão intenso que
surgem as ricas transformações. Há uma
frase de que gosto muito: “Sempre

que eu estiver agindo como se fosse


menos do que Sou ou que traga
resultados que vocês sabem que não
quero, por favor me digam. Não com
críticas,

mas com amor.” – Neal Donald Walsh.


Capítulo 10

NOVOS RECURSOS

INTERNOS

PRESENTE DE NATAL

GRATIDÃO
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

168

NOVOS R E C UR S OS

INTERNOS
Acredito profundamente que meus
bisavós não erraram com meus

avós, que não erraram com meus pais,


que não erraram comigo e minha

irmã. Acredito que nós não estamos


errando com nossos filhos. Se
pensarmos assim, estamos, além de fazer
um terrível julgamento simples e raso,
condenamos e culpamos os outros por
nossas vidas.

Quando pensamos assim, corremos feito


loucos atrás da resposta certa;

no mundo lá fora, queremos dicas.


Alguém que nos fale qual é o caminho.
O
mundo pode até nos ajudar, mas será
dentro de nós, nas nossas relações que o
caminho, a indicação interna, irá surgir e
brotar.

Sempre, em qualquer lugar, podemos


buscar melhorar os recursos que

já temos, podemos buscar novos


recursos. O que significa nos
conhecermos, amarmo-nos, sentirmos
quem somos, sermos pura Presença,
Despertar.

Será que temos consciência da nossa


própria história? As crenças po-

dem mudar, mas sempre as teremos.


Quais as minhas crenças a respeito da
vida, da família, de mim mesmo, do
trabalho, do que estamos fazendo aqui?

Como será que lido com meus


sentimentos? Será que sei onde eles

estão, será que os percebo ou sou


tomada por eles? Raiva, medo, tristeza,
alegria. Como ajudar uma criança a
lidar com eles se eu ainda não os
percebo?

Vamos aprender juntos? Será que


estamos realmente escolhendo ou sendo

escolhidos e levados sem ao menos


perceber? Ser-essencial, Presença, luz.
Conexão, sentido. Sinto esse lugar?
Confio nele?
De todas as qualidades extraordinárias
apresentadas por todos os seres

vivos, quais eu Sou? Quais já aparecem


na minha vida? Vivo o amor amplo,

rico, presença, aceitação. Vivo isso


comigo mesmo e com meus entes queri-

dos? Consigo amar quem não conheço?


Quem conheço?

Todas essas perguntas e muitas outras


fazem parte do aprendizado no

aqui, agora, juntos, únicos, disponíveis


para aprender, para abrirmos novas
possibilidades, novas conversas, novas
trocas.
Todos esses recursos estão disponíveis
em todos os lugares e nas vi-

vências que temos. Pode ser na relação


conjugal, com os filhos, no trabalho,
Daniella Freixo de Faria

169

num livro, num filme, sempre a todo


momento. Somos eternos processos,

somos transformação, somos movimento


espiral ascendente. Somos Presen-

ça-Caminho.

Nós podemos sorrir, tocar, chorar,


cuidar, criar, inspirar, expirar, rir,
perdoar, ouvir, respeitar, aceitar,
acarinhar, brincar, realizar, AMAR.
Podemos olhar profundamente nos olhos
e nos reconhecermos. Nós somos
AMOR,

Ser, Presença, Luz. Depende de nós!

Que tal olhar nos nossos próprios olhos?


Um olhar de amor e de re-

conhecimento pela caminhada até aqui.


Agradecer cada oportunidade de en-

contrar o caminho, estar aqui presentes,


despertos. Ou podermos apenas nos dar
o colo depois de tanta caminhada, já
com os pés cansados. Depois, vamos
olhar nos olhos de outra pessoa. Pode
ser o marido, a esposa, os filhos, a
ajudante da casa, alguém no trabalho,
conhecido ou desconhecido. Olhe nos
olhos e respire. Acalme-se, respire.

Sinta a pessoa, o olhar, conecte-se com


ela e deixe acontecer. Quan-

do estiver confortável, comece a


perceber que essa pessoa sente, assim
como você. Sente alegria, medo,
tristeza, raiva, alegria , amor.

Somos únicos e ao mesmo tempo tão


parecidos. Perceba que não esta-

mos sós, estamos juntos no mesmo


barco, no mesmo time. Perceba o quanto
podemos nos abrir, mostrar-nos para
esse outro. Sorria, reconheça, ame essa
pessoa que por alguns instantes parou
para te reconhecer e te amar também.

Quando sentir chegada a hora, convide o


outro para um abraço.

Por onde podemos começar nessa linda


e misteriosa jornada? Pela

nossa intenção. “A intenção é bem mais


importante do que alcançar um re-

sultado, um fim. A intenção não é apenas


uma conclusão intelectual e ideo-lógica,
mas, muito mais do que isso, é um
presente ativo, vivo. É o pavio que está
queimando em uma lâmpada de óleo.
Ele não pode ser extinto,

nenhuma brisa pode apagá-lo. O pavio é


firme e o óleo não é alimentado

por nenhuma influência ou fonte externa.


Não tem causa, e assim a chama,

o pavio e o óleo sempre permanecem…


O vital na chama da intenção é

produzir um ser humano livre, bom,


inteligente, extremamente capaz.” –

Krishnamurti. Chama que nos aquece e


nos mantém sempre acreditando

que é possível.
CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

170

PRESENTE

DE NATAL
No último Natal, as crianças resolveram
fazer um presente para o bom

velhinho. Escolheram cantar e dançar.


Na escolha da música, uma deliciosa
surpresa. Nunca havia realmente
“escutado” a música até a noite de
Natal.

Obrigada amados Duda, Malu, Bebel,


Gabi, Dudu, Nando, Nina, Carol e

novo amor da família, Gabriel. Que


música? Acho que você conhece. Minha

eterna criança agradece imensamente.

Aquarela
(Toquinho/Vinicius de Moraes)

Numa folha qualquer

Eu desenho um sol amarelo

E com cinco ou seis retas

É fácil fazer um castelo…

Corro o lápis em torno

Da mão e me dou uma luva

E se faço chover

Com dois riscos

Tenho um guarda-chuva…
Se um pinguinho de tinta

Cai num pedacinho

Azul do papel

Num instante imagino

Uma linda gaivota

A voar no céu…

Vai voando

Contornando a imensa

Curva Norte e Sul

Vou com ela


Viajando Havaí

Daniella Freixo de Faria


171

Pequim ou Istambul

Pinto um barco a vela

Brando navegando

É tanto céu e mar

Num beijo azul…

Entre as nuvens

Vem surgindo um lindo

Avião rosa e grená

Tudo em volta colorindo


Com suas luzes a piscar…

Basta imaginar e ele está

Partindo, sereno e lindo

Se a gente quiser

Ele vai pousar…

Numa folha qualquer

Eu desenho um navio

De partida

Com alguns bons amigos

Bebendo de bem com a vida…


De uma América a outra

Eu consigo passar num segundo

Giro um simples compasso

E num círculo eu faço o mundo…

Um menino caminha

E caminhando chega no muro

E ali logo em frente

A esperar pela gente

O futuro está…

E o futuro é uma astronave


Que tentamos pilotar

Não tem tempo nem piedade

Nem tem hora de chegar

Sem pedir licença

Muda a nossa vida


CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

172

E depois convida

A rir ou chorar…

Nessa estrada não nos cabe

Conhecer ou ver o que virá

O fim dela ninguém sabe

Bem ao certo onde vai dar

Vamos todos
Numa linda passarela

De uma aquarela

Que um dia enfim

Descolorirá…

Acredito que não descolorirá. E você?


Vida viva colorida, pulsando em to-

dos nós. O futuro sendo construído como


direta consequência do aqui e agora, de
nossas escolhas conscientes, de nosso
Coração. Encontrando o que já “É”, já
está.

Sabedoria, contato, encontros, liberdade


e muitos convites para vivermos no
amor.

Fé no movimento vivo de entrega,


confiança, aceitação e imensa grati-

dão. Vida que nos marca e nos traz a


imensa possibilidade de crescer,
aprender, Ser. Despertar! Vida que nos
traz o Presente de sermos Pais e Mães
eternos Aprendizes!

Sigo como aprendiz, caminhando junto


com você. Numa troca viva,

somos pura sabedoria e aprendizado.


Talvez por isso, sem ao menos perceber,
toda essa caminhada tenha acontecido no
“NÓS”, primeira pessoa do plural.
Sinto, percebo e aceito esse movimento
como um grande abraço, um grande

acolhimento seguindo no amor e na


certeza de que nunca estivemos nem es-

taremos separados. Receba meu amor e


gratidão pela oportunidade e imenso

presente de compartilharmos nossa Luz.


Estou e sempre estarei disponível

para aprender com você. Muito


obrigada.

GRATIDÃO

Sou agradecida, encantada por cada


passo do caminho, que nada seria
sem as pessoas que nele encontrei.
Gratidão por cada inspiração e
expiração.

Cada olhar, cada palavra, cada encontro


repleto de amor e entrega. É
maravilhoso sentir o amor por cada
risada, cada brincadeira inventada, cada
olhar
Daniella Freixo de Faria

173

único, cada história contada por cada


criança, Ser ÚNICO de Luz que ao

olhar pra mim também me convida ao


encontro comigo mesma.
Vocês, crianças, presentes únicos na
minha vida, são e serão meus ver-

dadeiros mestres, com que tive e terei


meus mais ricos e profundos
aprendizados. Pude reencontrar a minha
criança e viver a tal liberdade, o
profundo amor, vida viva, desperta, na
Luz, ser APRENDIZ!

Obrigada, amados pais e mães, por


tamanha confiança, uma honra,

um presente para mim. Recebam meu


carinho e enorme gratidão minha tão

amada família Freixo de Faria Bonfim,


vocês são a minha vida. Gratidão aos
amigos queridos que sempre me
apoiaram e me fizeram acreditar.
Gratidão

a Dina que cuida tão bem de nossa


família e casa. Agradecimento especial

aos meus professores que me fizeram


apaixonar por esse caminho (Escola

Lourenço Castanho, Pueri Domus,


Psicologia da PUC-SP, Cogeae Puc,
DEP

– Dinâmica Energética do Psiquismo).


Em especial Noeli, Durval e todos os
professores da Psicologia Analítica.
Obrigada Lucia Azevedo e Laura
Villares pelos primeiros anos de terapia
e supervisão. Eternos agradecimentos à
minha psicóloga, supervisora Kitty
Haasz, grande parceira nesta caminhada
com sua escuta tão amorosa. Gratidão
eterna à minha madrinha de profissão,
que sempre me apoiou em minha
trajetória, Silvana Pepe e a escola
Horizontes

Uirapuru que me acolheu no início deste


trabalho. E à equipe do Núcleo Ser, que,
com seu incrível trabalho, tanto me
ensinou sobre crianças. Gratidão pela
parceria com escolas incríveis e pelas
trocas preciosas com orientadoras,
professoras(es) e psicopedagogas que
sempre tive o privilégio de encontrar.

Sem vocês, nada disso seria possível!


Daniella

São Paulo, outono de 2013


CONVERSA COM CRIANÇA –
Presença-Caminho

174

Bibliografia

— Antunes, Celso (2005). A Linguagem


do Afeto – como ensinar virtudes e
transmitir valores. Cam-pinas/SP.
Papirus Editora.
— Basso, Theda – Amaral, Moacir
(2007). Triângulos – Estruturas de
Compreensão do Ser Humano.

Ed. Do autor / SP

— Briggs, Dorothy Corkille (2002). A


autoestima do seu filho. São Paulo/SP.
Martins Fontes.

— Cortella, Mário Sérgio (2010).


Provocações Filosóficas. Petrópolis/RJ.
Vozes.

— Kast, Verena (1997). Pais e filhas,


mães e filhos – caminho para a
autoidentidade a partir dos complexos
materno e paterno. São Paulo/SP.
Editora Loyola.
— Krishnamurti, J. (2003). A arte de
aprender: carta às escolas. Rio de
Janeiro/RJ. Terra sem caminho.

— Maturana, Humberto (2004). Amar e


brincar: fundamentos esquecidos do
humano. São Paulo/

SP. Palas Athena.

— Maldonado, Maria Tereza (2008). O


bom conflito. São Paulo/SP. Integrare.

— Maldonado, Maria Tereza (2008).


Comunicação entre pais e filhos: como
falar e agir no dia a dia das relações
familiares. São Paulo/SP. Integrare.

— Idem (2006). Cá entre nós: na


intimidade das famílias. São Paulo/SP.
Integrare.

— Nolte, Dorothy e Harris, Rachel


(2003). As crianças aprendem o que
vivenciam: o poder do exemplo dos pais
na educação dos filhos. Rio de
Janeiro/RJ. Sextante.

— Rosenberg, Marshall B. (2006).


Comunicação não violenta: técnicas
para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais. São Paulo/SP.
Ágora.

— Tiba, Içami (2007). Quem ama


educa: formando cidadãos éticos. São
Paulo/SP. Integrare.
— Idem (2006). Disciplina: limite na
medida certa. Novos paradigmas. São
Paulo/SP. Integrare.

— Vinha, Telma Pileggi (2000). O


educador e a moralidade infantil: uma
visão construtivista. Cam-pinas/SP.
Mercado das Letras-Fapesp.

— Walsch, Neale Donald (2006). As


novas revelações: uma conversa com
Deus. Rio de Janeiro/RJ.

Rocco.

— Zagury, Tania (2008). Limites sem


trauma. Rio de Janeiro/RJ. Record

— Material apostilado – Curso


Despertar da Unidade – Amma &
Baghavan (2013) Biblioteca Nacional.
Número de registro: 542.236 Livro
1031 Folha 459
Daniella Freixo de Faria

175

Este livro foi produzido através de um


financiamento

coletivo (Catarse) com o apoio de cada


um de vocês que acreditaram nesse

projeto. Recebam minha gratidão e


acreditem, essa foi uma experiência

incrível, vivemos o SOMOS UM.


Fizemos e somos capazes de fazer

grandes coisas juntos. Com amor e


carinho,

Dani!

Apoio:

Adri Assunção

Ana Paula Pereira Rabelo


Adriana Cristina Guimaraes Gomes

Analy Corretora

Adriana Gianella

Andre Sala

Adriana Pinto da Silva

Andrea Barros

Adriana Tommasini Rizk

Andrea Gaspar Marcos

Agnes Bordoni Gattai

Andrea Lema
Alan Pires

Andréa Soares

Aldrin Lucier Mendes Leal

Andreia Duboc Pazos

Alessandra Angelina Stringari

Andréia Treviso Bison

Alessandra Valadão Torres de Carvalho

Angela Xavier

Alexandra Brasil

Angélica
Alexandre Jordão

Anna Amelia Dias Carcanholo

Aline Patricia Garcia Tillmann

Anna Carolina Freitas

Alini Iolanda Chitto de Lima

Annelyze Podolan Kloster Albuquerque

Amely Pinheiro

Ariadna Freire Freire

Ana Angelica Costa

Aryana Faria Calissi


Ana Caroline Gaia Mizoe

Bárbara Margareth Menardi Biavo


Tognato

Ana Claudia Barbosa

Beatriz Gross Bueno de Moraes

Ana Claudia C G Germani

Bernardes Bastos Advogados

Ana Claudia Fortunato Santos

Bernardo RR

Ana Cláudia Giannotti


Bibi

Ana Cristina Albero Tosto

Bruna Gueiros da Silva

Ana Cristina Franco de Moraes

Bruno Freixo

Ana Maria de Morais

Bruno Gonçalves Viana

Ana Maria Dias de Andrade

Camila Costa Turbino Fernandes

Ana Maria Gonçalves Furlan


Camila Macchiaroli

Ana Paula de Lima Freire

Camila Miyazato

Camille Chevrier

Elaine Cristine Fraga Bezerra dos Reis

Carlos Eduardo Xavier

Eleonora Ramos Gomes

Carolina Cazula

Eliana Guttman

Carolina Freixo
Eliana Milreu Petroucic

Caroline Dario Vendramin

Eliane Cardoso de Albuquerque

Cecília e Luiza Stefanelo Scherer

Élina Gonçalves Vieira Paes

Celina Corazza

Elisabete Marques

Céu Alves Magalhães C. Valentim

Eliseu Costa Junior

Ceyla Brilhante
Eloah Lassance Viana

Christiane Barroso

Enzo e Pietro Veit Quinan

Christine Saraiva

Érica Meriele Ribeiro

Claudia Eid

Erilza Faria Ribeiro

Cláudia Moema Zaions

Eudóxia de Barros Lacerda

Claus Richard Blau


Évelyn

Cleia Lourenço

Fabiana Garrido Freixo

Cleonice Souza

Fabiana Lopes Megda

Clerisvan Silva Lobo

Fabiani Bobbio Nascimento Siqueira

Cristiane Maranho

Fabielle Marcovici de Almeida

Cristiano Morales
Fábio Reis

Cristina Cavalcante

Fábio, Daniel, Matheus e Edna Utima

Cristina Ferreira Coimbra

Fátima Major

Daniel Hannun

Felipe Pollastrini

Daniela Carajeleoscov

Fernanda A Lamego C

Daniela Daher Kury Pizzo


Fernanda K Mota

Daniela de Santa Marinha Pastorino de


Al-

Fernanda Oliveira e Silva (mãe da Bia)

meida da Silva

Fernanda Soares Calixto

Daniela Kutner Cordeiro

Fernando Rodrigues Palacios

Daniela Ruiz de Mendonça

Flávia Baião
Daniela Zimbrao Ferreira

Flavia Barros Kudla

Daniella Branco Areias

Flávia Kool

Daniella Christina Pereira Negrão


Puglia

Flavia Lima de Assis Oliveira

Daniella Coutinho

Flavia Taleb Valentim

Danielle Cristina Oliveira Dos Santos


Francine Aparecida de Souza Laureano

Danielle Fortuna

Gabriella Nader Gomes de Carvalho

Débora Leal

Geisa Naira Nunes

Débora Mendes Sagueshima

Gilberto Pereira da Costa

Debora Nehring

Gisela Pugliesi

Deborah Vega Longhi


Gisele Lamas Guerra

Denise Faldini

Glaucia Samara V. dos Anjos

Denise Ludovico Costa De Castro

Graciela Paula Bertolino

Desiree Coelho

Grazzyenny Giovanuci Páscoa

Diego Alfa Perez

Gui e Lu

Dora Leão de Moura


Haline Ornelas

Heliette Silva

Luciana Napolitano

Henrique Qr

Luciana Zanetti

Iara Garcia

Luciana, Lucas e Yuri Mormilho

Jana Strzygowski

Luciane Mezzari de Mello

Janice Berro Mezacasa Cavalini


Luciano Cristino da Silva do Carmo

Jaqueline Borges

Lucilia Ribas Chaves

Jaqueline Duarte

Lucineia de Souza Andrade

Jerusa Ganzaroli Koshiyama

Lucy Betânia

Jonny Ken Itaya

Lucyane Dalmazo

Josemar Kuster
Luiz Fernando Furlan

Josilene Varella Ganem

M Fernanda Erdocia

Joyce Araújo

Mara Gomes Moura de Oliveira

Joyce Braga

Marcelo & Gaby Pais da Mc Preciosa

Juliana Benevides

Marcia Amparo dos Santos Grego

Juliana Cortez
Márcia Cristina dos Santos Fonseca
Ozório

Juliana Cristina Bruno Cruz

Marcia Regina Bertoni Lauretti

Juliana de Lima Belarmino Oliveira

Marcia Regina Bertoni Lauretti

Juliana Juliatti Rodrigues

Marcia Turmina de Biagio

Juliana Mele

Marcio Fortini
Juliana Minervino

Margarete Todescato Bacchi

Juliane Laize Beserra Silva

Maria Angélica Thimothy

Juliano Souza Ribeiro

Maria Aparecida Calegari

Julyana Vasconcelos de Oliveira

Maria Cecilia Oliveira

Karine Germano Furian

Maria Clara de Castro Borges


Karol Varela

Maria Cristina Hoffmann

Katherine Rodini Vicentim Plazio

Maria Gabriela Rossa Drewes

Katia Garcia

Maria Gorete da Costa Nagata

Keidy Kaestner Cavalcanti da Silva

Maria Inês Menescal Fabricio

Kitty Haasz

Maria Izabel Schneider Wiesner


Laila RR.

Maria José Rodrigues Paiva

Lais Hirai

Maria Luisa Rodrigues Koenigsfeld

Larissa Botura Fonseca

Mariana Fischer

Leca Storto

Mariana Nolasco de Souza

Leovany Gomes de Azevedo

Mariângela RLSR
Lidiane Martins Araújo

Marlene

Luana Leonora Baião

Marly Martins Macellaro

Luana Rodrigues da Silveira

Marta Guerreiro Costa

Luana Speck Burigo

Milene Frigo

Luciana Andrade Bemfica Trajano de


Oli-
Mônica Bastos

veira

Monica Machado Storto

Luciana Boal Marinho

Neide Caldini

Luciana M. A. Hannud

Nelson Luiz Barros Moraes

Luciana Marinho Conte

Nina Rizzo Freixo


Olívia e Anita Tabourin Sarti Gonçalves
de

Rosane de Oliveira Silva

Souza

Rosangela Ribeiro

Patricia A. G. Simões

Ruth Picchi

Patricia Freitas

Sandra Cainelli Bittencourt

Patrícia Waldmann Padin


Sara L R Fontana

Paula Costa

Sergio Augusto de Andrade

Paula de Alcantara Machado

Silvana Pepe

Paula Fernanda Fernandes de Souza

Silvia Maria Lucio Gomes

Paula Haddad Rezende

Silvia Regina Machado de Paula

Paula Lopes
Simone dos Santos Silva Carvalho

Paula Raduan

Simone Vianello Bastazini Aguiar

Pauliane Veloso Brizoti

Simony Dayane

Pedro & Vicky Baskerville

Sonia Maria Moratto Rocco

Pietro Lago Palomba

Sonia Moretti Rodrigues Neves

Priscila Kobo Augusto


Sonia Neves

Priscila Renata Martins

Soraya Almeida Amoedo

Priscilla Barros Moraes

Susana Gonzalez

Psicóloga Larissa J. Círico

Suzana Natália Guirado Ferreira


Fernandes

Raffaella Gonnella , Davi M B Gomes

Sylvia Heckler
Rajany Freixo

Tamara Berenholc

Raquel de Queiroz Barbara Gebara

Tamires Ciardella

Raquel e Raul

Tânia Regina Ruivo Braga

Raquel Ribeiro

Tatiana Machado Martins

Raquel Stankevicius Afonso

Teresa C F Machado
Raquel Wolf Tomoyose

Thaís de Melo Silva Oliveira

Red Balloon

Tina Toledo Planas

Regina Dias Carvalho Scripilliti

Valdenice Freitas

Reis Juliana

Valentina dos Santos

Rena Ferreira

Valrene Batista Santos


Renata Campos

Vanessa Caponi Borges

Renata de Souza

Vanessa e Breno Savini

Renata Martins

Vanessa Machuca

Renata Munhoz Meirelles

Vanessa Tessari Nhani Rezende

Renata Ramos

Vânia da Costa Pereira


Renata Souza Oliveira Fustinoni

Vera Faria

Renato Aires

Vicky Baskerville Santos

Rita de Cássia Carvalho

Virgínia Cristina Pereira

Roberta Cintra Amaral

Virginia Curiati Freitas Alves

Roberta, Rodrigo e Luca

Vital Treinamentos
Rodrigo Zanata

Vivien Pickering Tinoco Cabral

Rogério Santos de Mendonça

Yara Caruso

Rogério Torres
Conversa

Criança

com

Para quem ama seu filho e busca


encontrar uma maneira

positiva de educá-lo.

Para educadores, professores e pais que


acreditam que
é em um lugar de muito amor e respeito
que a educação

acontece.

Para quem procura melhorar a si mesmo.

Para quem busca se tornar um pai, uma


mãe, um

educador com melhores recursos


internos para viver a

maior de todas as missões .

Este livro é um convite a uma linda


conversa com a

psicóloga Daniella Freixo de Faria


sobre o encontro

sagrado, de profundo crescimento, que


educar nossos

filhos – nossas crianças – nos


proporciona . Educadores,

pais, mães e filhos num encontro


verdadeiro, de amor

entre eternos aprendizes.

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