Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Bruno Camilloto
Professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto. Doutor em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto.
1. Introdução.
exige a participação do cidadão na formação dos atos públicos uma vez que os
efeitos de tais atos serão experimentados pelo próprio cidadão. Essa exigência se
se constitui a partir das relações humanas. O Direito deve ser um conhecimento que
O presente texto foi produzido no curso de Doutorado em Direito junto a PUC-MG (2011-2015).
Durante o desenvolvimento da pesquisa o autor contou com o apoio da UFOP, FAPEMIG e CAPES.
1
Para o desenvolvimento da relação entre o Direito e outros modos de pensar ver: MARÇAL, 2007.
2
Necessidades teóricas e práticas, num sentido amplo, devem ser compreendidas como aquelas
inerentes a satisfação intelectual, espiritual e material do ser humano. Sou grato a Vanessa Nunes
Kaut pela observação lançada sobre esse argumento.
2
teórica e prática sobre uma realidade social. O resultado dessa atividade deve
Fenomenologia do Espírito Hegel, segundo Pinkard (2010, p. 07), afirma que “[...]
toda filosofia é seu próprio tempo apreendido no pensamento [...]”. Nesse sentido,
das ideias que formam uma rede conceitual. É essa rede de conceitos que permite a
pelas mudanças produzidas na estrutura social como um todo. Diante de uma nova
categoria do pensamento.
3
Em sua Filosofia do Direito Hegel (2010, p. 41) propõe: “O que é racional, isto é efetivo; e o que
efetivo, isto é, racional.”. A versão mais conhecida dessa passagem diz que o racional é real e o real
é racional. Essa expressão explicita a capacidade de agir associada ao pensar. Tudo que existe é
pensamento e nada pode existir fora dele.
4
Não se pretende resumir de forma temerária toda a riqueza e complexidade do pensamento
moderno. Contudo, nos limites deste trabalho, a ideia central do pensamento que será abordada é o
conceito de ‘representação’.
3
semântica que pode ser encontrada nas concepções tradicionais da filosofia, tais
forma de reflexão que foi reconhecida, ao longo da tradição filosófica, como diferente
com Marçal (2011), o pragmatismo pode ser compreendido como uma análise e
2. Pragmatismo Clássico.
norte-americano.
6
O Clube Metafísico foi fundado por Oliver Wendell Holmes Jr., Willian James e Charles Sanders
Peirce. Contudo, Brandom (2011) indica que o Pragmatismo numa perspectiva clássica se alicerça
em outra tríade de personalidades: Peirce, James e Dewey.
5
7
Segundo Waal (2007, p. 17) “Esses homens chamavam a si mesmos, meio desafiadora, meio
ironicamente, “O Clube Metafísico”, já que nos primeiros anos de 1870 a metafísica era considerada
fora de moda.”.
8
O pensamento de Peirce é por demais complexo para ser simplificado em poucas linhas. Wall
(2007) já explicita que há, pelo menos, dois períodos diferentes do pensamento de Peirce: (a) o
primeiro tomado pelo tema do princípio do pragmatismo, cujo texto central é “Como tornar nossas
ideias claras” e (b) o segundo marcado por uma virada normativa. Para aprofundamento ver: Wall
(2007).
9
Segundo WALL (2007, p. 149), a máxima pragmática é reformulada por Peirce da seguinte forma:
“Considere quais efeitos, que poderiam ser concebivelmente ter consequências práticas, concebemos
que tenha o objeto de nossa concepção. Então, nossa concepção desses efeitos é o todo de nossa
concepção do objeto.”.
6
(ambiente). Peirce se preocupa com os hábitos, uma vez que esses se tornam
está diante de certas circunstâncias. Logo, os hábitos fundam as ações que geram
efeitos. A consideração dos efeitos implica na concepção dos próprios objetos, isto
prováveis efeitos que aquele mesmo objeto possa gerar num ambiente social.
Contudo, para Peirce, a significação não é constituída nem pelos ‘efeitos’, enquanto
percepção sensorial, nem pelo ‘ato em si’ que produz os efeitos, mas pela “[...]
das consequências a nova análise pela razão. Essa compreensão demonstra que o
raciocínio científico, para Peirce, deve ser desenvolvido pela ideia de abdução 10 11
,
em que o ponto de partida é um fato problematizado e uma hipótese que deve ser
10
Com MARÇAL (2013; p. 90): “Com o raciocínio abdutivo Peirce pretendeu estar desenvolvendo
uma nova modalidade de raciocínio ao lado do dedutivo e do indutivo. Enquanto no raciocínio
dedutivo se passa do geral para o particular (sem produção de novo conhecimento) e no raciocínio
indutivo se passa do caso concreto à regra ou lei universal (produzindo novo conhecimento), no
raciocínio abdutivo ou hipotético, em função da pressuposição de um enunciado geral, se passa de
um caso concreto à especificação e confirmação de uma hipótese explicativa. A abdução, pois,
associa a inferência, ao introduzir hipóteses com base na experiência, à dedução, na medida em que
da hipótese são deduzidas consequências, cuja verdade material pode ser indutivamente verificada.
Além de introduzir a hipótese, a abdução faz a avaliação da hipótese.”.
11
Para aprofundamento em relação ao raciocínio abdutivo ver: ECO; SEBEOK (2014).
7
dúvida e de crença que Peirce relacionou com a ideia de estados da mente, na qual
satisfatório (PEIRCE, 1878). Em 1903 Peirce propõe que a máxima pragmática seja
fenômenos e os fins específicos ou, ainda, “na medida em que podemos agir sobre
seletivo13 que é a forma prática comum dos seres inteligentes em todos os estágios
do desenvolvimento.
pesquisa (método) relembrando que o termo deriva da palavra pragma que significa
ação, mas afasta-se da máxima pragmatista propondo uma análise do objeto pelos
do mundo que esse sistema deveria supostamente representar. Por sua vez, o
de avaliação das ideias a partir do teste das consequências previstas por essas
ideias. Assim, “A verdade das ideias somente pode ser determinada se as ideias têm
14
A questão de saber se existem objetos fora do fluxo de consciência leva James a estabelecer uma
relação contingente entre o objeto percebido e um fluxo de consciência (SHOOK, 2002, p. 117).
Apesar da importância desta questão no pensamento de James, para os contornos metodológicos
desse trabalho, o argumento desenvolvido é de que o empirismo radical de James implica no
estabelecimento de uma perspectiva plural dentro de um ambiente social múltiplo.
9
sentido.
pragmatismo pretende ser uma filosofia sem fundamentos ontológicos a priori, isto é,
elimina (descarta) outros. Esse processo é conceituado como hábito. (ii) Das Leis da
regularidades, que, por sua vez, propiciam a dinâmica dos hábitos na qual ‘todos
ainda que a
17
Brandom (2011, p. 06) apresenta, então, uma tensão existente entre o Naturalismo e o Empirismo a
partir do século XX nos seguintes termos: “O pragmatismo como nova forma de naturalismo foi
acoplado com uma nova forma de empirismo. O método experimental científico é visto apenas como
o explícito, destilação principiadora do processo de aprendizagem seletivo que é a forma prática
comum às criaturas inteligentes em todas as fases do desenvolvimento.”.
18
Brandom (2011, p. 08) defende que o conceito de experiência utilizado pelo Pragmatismo Clássico
é um novo conceito (desacoplado da ideia de natureza) à medida que levanta a crítica ao processo de
racionalização das práticas sociais através da perspectiva pragmática. Segundo essa crítica, há uma
diferença entre as duas concepções de racionalidade: “[...] o processo kantiano é estruturado pela
racionalidade, relações conceituais entre incompatibilidade e consequências, enquanto a versão
pragmatista é estrutura pela naturalidade, relações causais de incompatibilidade e consequências).”.
12
racionalidade expressivo-histórica.
3. Pragmatismo Normativo.
19
Para Brandom (1994, p. 05), a sapiência é a capacidade de compreensão (inteligibilidade) que
seres de linguagem (usuários de conceitos) compartilham entre si atribuindo estados intencionais
como crença e desejo como razões constitutivas para uma ação (comportamento). Em contraposição
a esta ideia, Brandom (1994, p. 05) apresenta o conceito de senciência que é a capacidade de sentir
(percepção) compartilhada por seres de linguagem e seres não usuários de conceitos.
13
de conhecimento de knowing that (‘saber o quê’) para knowing how (‘saber como’),
14
isto é, acreditar que coisas são (know that) é saber das possibilidades práticas de
fazer alguma coisa (know how) (BRANDOM, 2011, p. 09).20 Essa dinâmica entre as
prática).
as questões do conhecimento.
Brandom (2011, p. 12) considera que o uso dos conceitos pelos sujeitos dos
do conteúdo conceitual pelo uso (prática) dos conceitos. Com Brandom (2011, p
26)22 “Para Hegel, não menos que para Quine e Dewey, nós devemos compreender
20
O ‘saber o quê’ e o ‘saber como’ não são conceitos estanques e opostos, mas, ao contrário, são
complementares e estão em profunda articulação conceitual alternando-se num movimento dialético
constante. Logo, para ‘saber como’ é necessário ‘saber o quê’ e vice-versa.
21
Prática social é descrita como as manifestações das interações intersubjetivas pressupondo uma
estrutura normativa implícita que deve ser explicitada pelo jogo de dar e pedir razões.
22
Essa leitura não idealista é desenvolvida também por Pinkard (2010) e outros filósofos norte-
americanos.
15
um desafio a todo ser humano que se propõe a refletir sobre a própria estrutura do
esse desafio à medida que constrói e reconstrói bases racionais para informar
racionalidade científica deve ser compreendida como o processo prático pelo qual o
lógico, (2) instrumental, (3) interpretativo, (4) inferencial e (5) histórico. Tais modelos
excludente. Para os objetivos deste texto o foco será nos modelos inferencial (4) e
histórico (5).
pedir razões. Tal jogo é um jogo de linguagem (um diálogo propriamente dito) em
termos das autorizações que aquelas inferências permitem que sejam utilizadas no
23
Notadamente a própria noção de jogo de linguagem já explicita o caráter intersubjetivo dessa
proposta de racionalidade.
24
Comprometimentos e autorizações possuem status deôntico.
17
marcador oficial de pontos, mas os próprios fãs do jogo podem fazer suas próprias
desenvolvimento da partida.
que, nas práticas linguísticas, são usados conceitos apropriados para cada jogo
conceitos é explicitado por meio dos usos e práticas daquele conceito que são
própria história.
articula, ainda, com o pressuposto kantiano de que seres racionais são seres
conceitos surge durante o processo de sua aplicação. Os conceitos não são fixos ou
sendo utilizados. Logo, os conceitos podem ser alterados pelas várias situações
casos (usos)?
conteúdos dos conceitos que mais tarde os juízes terão de aplicar (BRANDOM,
1999, p. 180).
Brandom (2002, p. 13) considera ainda que os juízes devem justificar suas
que ela se torne um conjunto de razões para novas decisões futuras proferidas por
outros juízes.
decisões futuras, e (ii) a própria decisão presente que deverá apresentar tais
dimensões: (i) social;30 (ii) inferencial31 e (iii) histórica32 (BRANDOM, 1999, p. 181).
28
Brandom (1999, P. 181) faz menção ao ‘constrangimento do juiz’ do ponto de vista material e não
somente formal.
29
Precedente é utilizado aqui como referência a um caso já julgado que sirva de fundamento racional
para novas decisões no contexto de aplicação judiciária do Direito.
30
Formada pela autoconsciência de si (sujeitos comprometidos e responsáveis) e pela
autoconsciência da comunidade (reconhecimento e atribuição mútua pelos ‘selfes’ de obrigações e
responsabilidades).
31
Como estrutura caracterizada pela relação entre ‘particulares’ e ‘universais’ no processo de fazer
julgamentos e na aplicação de conteúdos determinados.
32
Como processo de negociação e adjudicação de argumentos de autoridades, reciprocamente
condicionados, e administração de conceitos normativos na sua aplicação aos casos atuais.
21
que devem explicitar os conteúdos das normas implícitas nos contextos do passado
determinada comunidade.
cidadãos.
33
Concebido como a estrutura que faz inteligível a normatividade como tal (BRANDOM, 1999, p.
178).
34
Segundo MARÇAL (2006, p. 106) “Em vez, portanto, de os conceitos se caracterizarem
primariamente por representar coisas e apontar para objetos referidos, externos à linguagem e
distintos dos próprios conceitos, os conceitos são a própria discursividade em ação.”.
22
utilizadas pelos interlocutores. Proposição é aquilo que pode servir como premissas
usuários de conceitos) somos seres crentes (crer é tomar algo por verdade-correto)
e agentes (agir é fazer algo que se acredita ser verdade-correto). Considerando que
23
ações, o conteúdo desses conceitos pode ser elevado à condição de verdade numa
dois sentidos: primeiro por uma pragmática preocupada com o uso dos conceitos e
vislumbrado em três etapas: (i) uma pragmática normativa; (ii) uma semântica
4. Conclusão.
racional.
pedir razões.
(BRANDOM, 1983, p. 643). Fazer uma jogada (dar uma razão) não é uma ação sem
(BRANDOM, 2000, p. 191). Fazer uma jogada é praticar uma ação dentro das regras
do jogo de forma que ela possa fazer alguma diferença no resultado daquele jogo.
Da mesma forma, argumentar e/ou decidir juridicamente não pode ser compreendido
conceito jurídico como razão para decisão é assumir responsabilidade para com
esse uso e para com o conceito. Usar uma razão jurídica é comprometer-se com ela.
exigível) proposta por Brandom pode ser pensada a partir das relações
ao jogo de linguagem uma vez que é possível descrever as alterações dos três
correspondente. Dar e/ou pedir uma razão jurídica é uma prática social que possui
Constituição de 1988, asseverar (dar ou pedir uma razão) é (i) comprometer-se com
normatividade constitucional.
formação de conceitos jurídicos devem configurar um jogo de dar e pedir razões que
REFERÊNCIAS
MARÇAL, Antonio Cota. “Princípio: estatuto, função e uso no Direito”. In: TAVARES,
Fernando Horta (org.), Constituição, Direito e Processo. Curitiba: Juruá, 2007, p.
31–58.
MENAND, Louis. 2001. The Metaphysical Club. A Story of Ideas in America. Farrar,
Straus and Giroux. New York.
http://www.lusosofia.net/textos/peirce_como_tornar_as_nossas_ideias_claras.pdf;
Acesso em: 02 abr. 2014.
PINKARD, Terry. Saber absoluto: por que a filosofia é seu próprio tempo apreendido
no pensamento. Revista Eletrônica Estudos Hegelianos, ano 7, n.13, p. 07-23,
dez. 2010. Disponível em: < http://www.hegelbrasil.org/reh_2010_2_art1.pdf>.
Acesso em: 08 out. 2014.
WAAL, Cornelis de. 2007. Sobre Pragmatismo. Tradução de: Cassiano Terra
Rodrigues. São Paulo: Edições Loyola.