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O ENSINO JURÍDICO NA TERRA DE GIGANTES12

Bruno Camilloto Arantes


Beatriz Schettini3

“não há alternativa, é a única opção


unir otimismo da vontade e o pessimismo da razão
contra toda expectativa, contra qualquer previsão
há um ponto de partida, há um ponto de união:
sentir com inteligência, pensar com emoção”4

I. INTRODUÇÃO.

Direito e literatura tem sido um dos temas preferenciais da contemporaneidade. A


aproximação entre os dois campos de conhecimento ganhou divulgação com o
desenvolvimento de estudos, análises e programas promovidos pelo Instituto de
Hermenêutica Jurídica, sob a coordenação do Prof. Lenio Streck. Hoje já é possível
encontrar tanto publicações especializadas quanto linhas de pesquisa nos cursos de pós-
graduação em Direito que desenvolvem essa temática. Ciclos de estudos, por exemplo,
nas universidades PUC-MG, UFMG, UNB, UFRJ, UFPR, UNISINOS, dentre outras
instituições de ensino, apontam a necessidade de pensar o Direito à luz da literatura ou
ainda (e mesmo) com a literatura.

Falar de direito e literatura pode parecer algo desconectado. Isso porque a partir da
modernidade5 o direito se sistematizou avocando para si autonomia e cientificidade que
o distinguiria de outros campos do conhecimento humano. A cisão entre do direito da

1
Referência à GESSINGER, Humberto, 1987. Terra de Gigantes. Disponível em
http://www2.uol.com.br/engenheirosdohawaii/discos/letras/gigantes.htm, acessado em 29/10/2012.
2
Dedicamos este ensaio a nosso ex-aluno e professor Ramon Mapa da Silva.

Doutorando em Teoria do Direito pela PUC/MG, Mestre em Filosofia do Direito pela UFMG,
Especialista e Bacharel em Direito pela UFOP; Professor Assistente III no Departamento de Direito da
UFOP.
3
Mestre em Direito Privado pela PUC/MG, Bacharel em Direito pela UFOP e Professora Assistente I no
Departamento de Direito da UFOP.
4
GESSINGER, Humberto, 2001. Esportes Radicais. Disponível em
http://www2.uol.com.br/engenheirosdohawaii/discos/letras/nuncamais.htm, acessado em 29/10/2012.
5
De forma sintética a modernidade é entendida nos limites deste trabalho como processo de compreensão
do mundo através da racionalidade iluminista desenvolvida a partir do século XVII. Para o Direito, a
modernidade pode ser pensada através da dominação racional-legal weberiana onde o fundamento da
conduta passa ser a lei posta pelo Estado. Nesse sentido, no processo da modernidade o Direito passa a
ser a forma de legitimação do monopólio da coação física do Estado.
política, da economia, da moral, e, por todos, da justiça 6, provoca uma equivocada
compreensão de que o direito é construção de uma racionalidade pura resultante
somente do ato de intelecção do homem.

Na antiguidade clássica grega; compreendida entre período pré-socrático (século VI.


a.C.) e primeiro período medieval após a questão do Império Romano (séc. V); o
Direito era pensado a partir do ideal do justo e concebido como um dos elementos
constituidores da polis. Logo a reflexão inicial era sobre a Justiça e não sobre o Direito
como um sistema normativo autônomo e desconectado de qualquer concepção do justo
dentro da cidade. Essa percepção remonta a subordinação da lei da cidade à uma lei
universal superior que pode ser compreendida dentro de uma concepção jusnaturalista
clássica. Também fruto do pensamento clássico é a forma de educação 7 do homem
grego que implica na disputa pelo poder dentro da polis. Nesse aspecto ganha
importância a literatura produzida à época que retrata as diversas questões jurídicas
pertinentes àquela sociedade8. As conhecidas tragédias gregas910, de autorias de Ésquilo,
Sófocles e Eurípedes, são obras que servem de base para reflexão sobre o direito.

Recentemente, a perspectiva apresentada por Dworkin (2007) compreende o direito


como fenômeno interpretativo desenvolvido nos moldes de um romance encadeado e
nos recoloca frente à reflexão sobre a relação entre o Direito e a Literatura (DWORKIN,
2005). Devemos, também com Dworkin, levar o direito a sério, percebendo que o
aspecto jurídico é apenas mais diante da complexidade em torno da ideia de
humanidade.

6
A despeito da amplitude própria ao termo Justiça, aqui o mesmo é utilizado como a pretensão de
correção que o Direito possui. Afastamos-nos, assim, de uma perspectiva relativista em relação à
possibilidade de correção das decisões judiciais.
7
“Só o Homem, porém, consegue conservar e propagar a sua forma de existência social e espiritual por
meio das forças pelas quais a criou, quer dizer, por meio da vontade e da razão.” (JAEGER, 2003, p. 03).
8
Para aprofundamento ver a organização do trabalho (e da justiça) através da obra de Hesíodo (1996) no
clássico Os Trabalhos e os Dias.
9
Faz-se, aqui, uma generalização para efeitos didáticos. Para aprofundamento do tema, as tragédias de
cada um desses autores devem ser vistas e estudadas de maneira individualizada devido à riqueza de
detalhes das mencionadas obras.
10
“A tragédia é o inevitável, o pré-destinado, aquilo que não se pode escapar. Em algum lugar a vingança
espreita, só, aguardando o momento certo, quando causará maior dor, mais atordoamento.” (NOGUEIRA;
SILVA, 2010, p. 35).
Ser humano é ser que pode ser compreendido nas diversas possibilidades hermenêuticas
incluindo suas idiossincrasias, aporias e incompletudes 11. Direito e literatura são
fenômenos culturais criados pelo homem para sua própria compreensão mundana. A
literatura, portanto, pode ser fonte de compreensão do direito a partir do momento em
que retrata algum aspecto do fenômeno jurídico de determinada sociedade12.

Direito é a articulação necessária e indissociável entre pensamento e ação (teoria e


prática). Como a Arte, o Cinema e a Literatura, o Direito também é manifestação
cultural historicamente situada e, assim sendo, a relação do Direito com a Literatura se
mostra fulcral para compreensão do próprio homem contemporâneo.

II. DESENVOLVIMENTO

O honroso convite para escrever este ensaio, nos levou à escolha de uma obra literária
para guiar nossa reflexão. Desta forma, partimos do seguinte problema: o ensino
jurídico brasileiro, a partir do ano 200013, se mostra adequado à formação dos bacharéis
em direito frente aos desafios da sociedade contemporânea? A resposta preliminar à
questão é que, apesar dos avanços experimentados pelo ensino jurídico na última
década, o que pode ser observado tanto na graduação quanto na pós-graduação, o
mesmo continua preso ao ideário racionalista14, de cunho positivista15, que não condiz
com a complexidade do mundo contemporâneo.

11
A partir da construção do “princípio da incerteza”, de W. Heisenberg, e da noção de
complementaridade de N Bohr, a própria física muda do paradigma da certeza para o paradigma da
probabilidade.
12
“as obras literárias nos convidam à liberdade da interpretação, pois propõem um discurso com muitos
planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades da linguagem e da vida” (ECO, 2003, p. 12)
13
A partir da década de 90 houve a expansão dos cursos de direito pelo Brasil. Um dos efeitos dessa
expansão foi a queda da qualidade do ensino com o aumento considerável do índice de reprovação no
conhecido exame de ordem para que o formando possa ingressar nos quadros profissionais da OAB. A
partir de 2001 a OAB Federal instituiu um sistema de avaliação dos cursos de Direito outorgando, àquelas
instituições de reconhecida qualidade, o Selo de Qualidade da OAB que implica na recomendação da
instituição de ensino. Logo, o presente ensaio parte da constatação da OAB de que os cursos de Direito
possuem baixa qualidade não se adequando às exigências mínimas quanto à formação do profissional de
Direito.
14
Tal ideário racionalista apresenta o Direito como um exercício de racionalidade pura onde os
argumentos jurídicos são construídos silogisticamente através da lógica formal.
15
Utilizamos aqui uma ideia de positivismo de matriz kelseniana e hartiniana que, apesar das grandes
diferenças, são as duas grandes referências do séc. XX. Por opção metodológica não se abordará autores
contemporâneos como, por exemplo, Neil MacCormick e Joseph Raz.
O objetivo geral do presente ensaio é lançar um olhar sobre o ensino jurídico brasileiro
de graduação a partir dos olhos de um clássico da literatura mundial: Dom Quixote, o
Engenhoso Fidalgo de la Mancha. Escrito por Miguel Cervantes (1547-1616) a obra é
publicada em 1605 e conta a história de um famoso fidalgo apaixonado por livros de
cavalaria que narravam histórias dos aventureiros (cavaleiros) que andavam a fazer
(praticar) o bem pelo mundo afora. Acreditando nas histórias dos livros, o ávido leitor
(Dom Quixote) resolve assumir a condição de cavaleiro andante para, correndo o
mundo atrás de aventuras e fama, desfazer os agravos perpetrados pelos homens uns
contra os outros. Paramentou-se: buscou as armas de seu bisavô limpando-as e
consertando-as e depois foi ter com seu cavalo que rebatizou de Rocinante. Então, se
batizou de Dom Quixote de la Mancha. Elegeu como sua musa e senhora de seus
pensamentos Dulcinéia del Toboso. Em sua primeira saída à busca de aventuras Dom
Quixote é batizado nas leis da cavalaria 16 convencendo seu vizinho a se tornar seu fiel
escudeiro: Sancho Pança. Já na segunda saída de Dom Quixote, agora acompanhado de
seu fiel escudeiro, o nobre cavaleiro se depara com os famosos moinhos de vento
transformados pela imaginação em gigantes, o que resulta numa notável batalha que já
se inicia perdida.

Dom Quixote é uma obra intrincada e complexa que pode ser pensada em diversos
aspectos. De nossa parte, pensaremos Dom Quixote na sua possibilidade de trabalhar o
impossível, ou seja, “as causas perdidas”. Mas o que isso tem haver com o Direito? Para
além do trocadilho rasteiro de relacionar a ideia de causa com a ideia de caso
(causídico), onde há um vencedor e um vencido, pretendemos analisar o ensino jurídico
de graduação diante de uma realidade hipercomplexa da sociedade contemporânea. A
reflexão levará em consideração nossa experiência como professores de graduação e se
debruçará sobre a formação do bacharel em Direito tanto na dimensão humanista quanto
na dimensão instrumental.

Assim como Dom Quixote acreditou que era possível lutar com os gigantes (naquele
caso moinhos), acreditamos que é possível lutar por uma educação jurídica melhor. O
sistema de avaliação da qualidade da própria OAB Federal outorgou, em 2012, o “Selo
de Qualidade” a 89 instituições (faculdades/universidades) de ensino jurídico do país.

16
Segundo as leis da cavalaria era necessário um rito de passagem que empossasse o cavaleiro em suas
armas.
Destaca-se que foram avaliadas 790 faculdades de direito dentre os 1240 cursos que
estão em atividade17. Partindo-se desse dado empírico18 o resultado da avaliação da
OAB nos coloca diante da questão que deve interessar a todos aqueles que trabalham
com o ensino jurídico: qual o ensino jurídico que queremos para nossa sociedade? Qual
a qualidade dos nossos cursos de Direito? Qual o profissional que desejamos formar?

Nesse ponto, conectamos o Direito com a Literatura deslocando nosso olhar para
ampliar as possibilidades de compreensão desses dois fenômenos humanos
(TRINDADE; GUBERT; 2008, p. 13). Sendo assim, o tema do ensino jurídico possui
uma correlação direta com a própria compreensão que a sociedade (especialmente os
profissionais) faz o direito enquanto fenômeno social.

A constatação pela OAB de que a qualidade do ensino jurídico não se mostra apta a
formar o profissional do direito pode ser pensada em correlação com o déficit de
compreensão do próprio Direito apresentado nos bancos acadêmicos. O parecer
CNE/CES N. 55/2004 traz importantes elementos históricos para a compreensão de que
os cursos de direito foram marcados por ideários positivistas cujo tom era ditado pelas
disciplinas de direito privado e pela formação privilegiada pelos aspectos dogmáticos 19
do Direito.

Chegamos, então, ao problema apresentado no início deste tópico. O ensino jurídico de


graduação ainda não permitiu uma possível (e necessária) reflexão do Direito a partir
das contribuições científicas do século XX. Ainda estamos presos num modelo
mentalista de pensamento jurídico (CRUZ, 2011) que acredita no raciocínio subsuntivo
oriundo da lógica formal20. Continuamos a ensinar que há a decisão jurídica é uma
dedução construída a partir da premissa maior que é o texto normativo, da premissa
menor que são os fatos chegando-se à conclusão que é a aplicação da consequência
jurídica naquele caso21. Esso modelo de raciocínio não condiz com a perspectiva
17
<http://www.oab.org.br/noticia/23763/oab-confere-selo-de-qualidade-a-89-cursos-de-direito-
brasileiros> acessado em 15/01/2013.
18
Não se desconsidera as possibilidades de reflexão crítica sobre o sistema de avaliação. Contudo, em
razão dos objetivos do presente ensaio não desenvolveremos o texto neste sentido.
19
Com MARÇAL (2011), a própria palavra dogmática deveria ser revista pelos estudiosos do Direito
tendo em vista que o termo dogma consubstancia uma crença que não pode ser questionada ou discutida.
20
Lógica forma é utilizada aqui como aquela que se preocupa somente com a estrutura do raciocínio.
21
Como nos alerta MARÇAL (2006, p. 116): “Na ordem da explicação o Direito não pode equacionar
uma demanda pelo reconhecimento de um direito subjetivo recorrendo a uma formula ou equação
científica contemporânea. O direito ainda não se “apropriou” dos ganhos da ciência
contemporânea e, muito menos, da filosofia contemporânea. Como diz MARÇAL
(2011, p. 73) “O Direito brasileiro, em seu ordenamento e em suas práticas, (...), não
acompanhou o processo moderno de conformação da vida e do próprio Direito aos
padrões científicos vigentes”.

Para uma reflexão do próprio sentido do Direito precisamos de mais filosofia no direito
e não menos da filosofia do direito (GUBERT; NETO COPETTI; 2007) “uma vez que o
Direito (...) é ainda prevalentemente dedutivista, dogmático, metafísico e
transcendentalizados em sua auto-concepção teórica e prática” (MARÇAL 2011, 74).

E, assim como nosso herói, Dom Quixote, trava suas batalhas com seus adversários
imaginários, o ensino jurídico também se lança a enfrentar os desafios do mundo
contemporâneo hipercomplexo22 armado com as concepções teóricas longinquamente
alicerçadas pela escola da Exegese fundada no século XVIII.

Não compreender o Direito como ciência social aplicada, que relaciona diretamente a
teoria com a prática, é seccionar o Direito retirando dele seu caráter intersubjetivo e
desconhecendo o aspecto democrático dele. Enquanto continuarmos ignorando as
contribuições da virada linguístico-pragmática, dos desenvolvimentos das
hermenêuticas filosófica e existencial, da teoria da linguagem, continuaremos criando
nossos próprios gigantes que deverão ser corajosamente combatidos sem que, contudo,
tenhamos condições (armas e instrumentos) de vencer quaisquer batalhas.

E o problema não para por aí. Se o ensino jurídico está tão ruim que a OAB só
recomenda 89 curso em todo país de um total de 790 avaliados 23, porque ainda se insiste
na abertura de cursos de direito de graduação? Mas há ainda uma questão dialética: se a
OAB reconhece e divulga que há um déficit no ensino jurídico no país e se
matematicamente construída ou formalmente correta”.
22
A hipercomplexidade da sociedade contemporânea pode ser percebida a partir do segundo pós-guerra
quando a humanidade passou a experimentar um constante desenvolvimento tecnológico, comunicacional
e científico. Essas transformações, que continuam ocorrendo atualmente, alteraram profundamente a
forma de produzir e consumir os bens pelas sociedades humanas. Um dos conceitos surgidos a partir
dessas mudanças é a ideia da sociedade de massa. Para aprofundar sobre o tema ver: DEBORD, Guy. A
sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1997 e CRAWFORD, Richard. Na era do
capital humano. São Paulo: Atlas, 1994.
23
<http://www.oab.org.br/noticia/23763/oab-confere-selo-de-qualidade-a-89-cursos-de-direito-
brasileiros> acessado em 15/01/2013.
consideramos que os bacharéis aptos a ingressarem no corpo da OAB são aqueles que,
após 05 (cinco) anos de estudo demonstram através do exame de ordem que possuem tal
aptidão, porque, então, que a OAB reduziu a exigência temporal para que os alunos
possam prestar o exame de ordem? Diretamente: se 05 anos não estão sendo suficientes
para uma adequada formação, porque o aluno do 4º ano 2425, que ainda não viu todo o
conteúdo programático, poderá prestar o exame da OAB?

Parece-nos que, se o ensino está ruim conforme o dado empírico obtido a partir da
avaliação da OAB, o que deveria acontecer é o estudo das causas e um trabalho
incessante para transformar a realidade do mesmo de forma que os alunos possam após
05 anos de estudo lograrem êxito no primeiro desafio profissional que encontram pela
frente: o exame de ordem.

A compreensão do problema da qualidade da educação jurídica pode ser percebida em


duas direções: (i) a primeira, já explicitada no início do presente ensaio, relaciona-se
com a própria compreensão do Direito a partir da Modernidade e (ii) a segunda
relaciona-se com a compreensão da disciplina de Direito Civil que se colocou como o
grande ramo do Direito, influenciando diretamente a educação jurídica. O movimento
de codificação, aliado ao pensamento da Escola da Exegese francesa, forjou o modelo
de pensamento jurídico moderno e contemporâneo.

Contudo, a partir da constitucionalização resultante dos movimentos políticos do Séc.


XVIII, o Direito Civil (privado por natureza) vai cedendo o lugar de centro do
pensamento jurídico ao Direito Constitucional que redimensiona a compreensão do
Direito e reivindica prioridade para a Constituição. Nesse cenário é preciso mudar os
fundamentos exegéticos oriundos da Escola Francesa onde o Código Civil era o
elemento estruturador da vida privada. Alterar o olhar para um Direito Civil além dos
códigos oitocentistas é um bom começo, mas ainda insuficiente. É necessário
vislumbrar um ensino jurídico para além das figuras centrais do proprietário, do
contratante e do pai. É preciso que o ensino jurídico se reformule diante das práticas
sociais estabelecidas na sociedade.

24
Correspondente ao 8º período no sistema semestral.
25
<http://www.oabmg.org.br/exame_novo/doc/Edital%20do%20IX%20Exame%20de%20Ordem
%20Unificado.pdf>, acessado em 15/01/2013.
A era da sociedade patrimonialista, individualista e egoísta, desenhada pelo direito
privado dos séculos passados, não pode mais subsistir na pluralidade (moral e jurídica)
da contemporaneidade. Logo, o ensino jurídico deve vislumbrar esse novo cenário
estabelecendo uma reflexão crítica que possibilite uma formação jurídica adequada às
necessidades dessa sociedade plural.

O ensino jurídico deve revisitar os conceitos clássicos desenvolvidos a partir do


indivíduo considerado como sujeito de direito por sua capacidade de participar de
relações jurídicas patrimoniais. Logo, por meio do instituto da personalidade, adquirida
quando do nascimento com vida, o indivíduo teria liberdade concebida como autonomia
da vontade para apropriação de bens.

O estudo do Direito pela codificação, no caso do Brasil pelo Código Civil de 1916, é a
expressão da Escola da Exegese cuja pretensão racionalista compreendia o direito como
um sistema de regras fechadas que aprisionava, em seu corpo normativo, todas as
relações jurídicas possíveis. Estabelecia, através de fórmulas jurídicas, categorias de
direito privado (sujeito de direito/coisa - bens; relação jurídica; contrato; propriedade;
testamento), que buscavam trazer segurança jurídica.

A utilização do direito civil nos parágrafos anteriores se deu como exemplo em razão da
afinidade dos autores com a disciplina e dá própria importância que a disciplina possui
para a história do Direito. Contudo, o raciocínio subsuntivo clássico e a compreensão do
Direito através da codificação pode ser estendia aos outros campos da dogmática
jurídica.

A insistência (irritante) do ensino jurídico de se constituir dentro da sala de aula em


total dissonância com a realidade contemporânea, incluindo nela as próprias práticas
judiciárias, leva a uma formação precária do aluno que não consegue compreender a
utilização dos conceitos repetindo a cisão entre “questões de fato” e “questões de
direito” como se fenomenologicamente isso fosse possível26.
26
Conforme o exemplo de STRECK, em palestra proferida no 4ª Congresso Constituição e Processo na
cidade de Belo Horizonte, MG, em 2011, enquanto os professores de direito civil se empenham em
ensinar aos alunos os requisitos de validade do negócio jurídico, quais sejam, agente capaz, objeto lícito,
possível e determinado ou determinável e forma não prescrita ou defesa em lei (artigo 104 do Código
Civil), nas férias escolares o Direito é atropelado (a cada cinco minutos - ou menos) pelo carrinho do
vendedor de picolés que acabou de “celebrar” um contrato de compra e venda com um menor (portanto,
Compreender o Direito a partir de sua racionalidade prática sem, contudo, perder de
vista a complexidade inerente ao fenômeno jurídico deve ser meta de um ensino jurídico
adequado ao ideário de democracia consagrado pela Constituição brasileira de 1988. A
inadequação (ou equívoco) do ensino jurídico, nos limites propostos pelo presente
ensaio, está na insistência das faculdades de direito em oferecer um ensino de cunho
tecnicista voltado, quase exclusivamente, para a repetição de conteúdos dogmáticos de
forma acrítica27.

III. CONCLUSAO.

O tema aqui problematizado não se esgota nessas pequenas reflexões. Há muitas


possibilidades para reflexão sobre o ensino jurídico assim como inúmeras perspectivas
para olhar o Direito a partir da Literatura.

O objetivo do presente ensaio foi lançar luzes sobre o ensino jurídico a partir da obra
Dom Quixote. A abertura hermenêutica que a literatura possibilita deve ser
compreendida como uma forma de oxigenação do Direito na necessária interlocução
com outros campos do conhecimento 28. Não é possível pensarmos o Direito
ensimesmado e longe de qualquer realidade social. Direito é ciência social aplicada que
requer um diálogo permanente entre os cidadãos para se constituir como normatividade.

Essa interlocução deve acontecer com o auxílio de uma nova hermenêutica jurídica que
vise concretizar os direitos fundamentais consagrados no texto de nossa Constituição
Federal. Por sua vez, a perspectiva estruturante do Direito (MULLER, 2012) se
relaciona com a construção do ideário de Estado Democrático onde a cidadania requer a
participação de todos na necessária tarefa de pensar, refletir, teorizar, aplicar e,
especialmente, agir no intuito de tornar o Direito realmente democrático. A democracia

incapaz).
27
Por outro giro, esse problema também pode ser percebido a partir da própria estrutura dos concursos
públicos organizados pelos Poderes Públicos onde a forma e o conteúdo das avaliações preferem
repetição acrítica de conteúdos dogmáticos aos possíveis raciocínios críticos por ventura desenvolvidos
pelos candidatos.
28
Ressalta-se, aqui, a dificuldade que os cursos de direito tem de dialogar com outras áreas de
conhecimento. A interdisciplinaridade que perpassa o discurso científico contemporâneo deve ser
absorvida pelo Direito de forma a se deixar influenciar por outros saberes ao mesmo tempo em que
exercerá um papel fundamental na própria normatividade das outras áreas.
e o Direito devem, então, partindo de uma racionalidade discursiva, ser compreendidos
como processo de construção de permanente.

Logo, o desenvolvimento do pensamento jurídico é processo que pode ser pensado a


partir da literatura e construído filosoficamente vez que a “Filosofia é uma construção
de pontes” (TIBURI, 2010, p. 179). A construção da ponte entre o Direito e a Literatura
é linguística e pragmaticamente onde

A filosofia vai se mostrando como mais que pensamento, como ação que se dá
quando reonhecemo-nos como seres de linguagem capazes de articular o mundo por
meio de palavras, de perguntar e responder. Todo diálogo e todo encontro nele
baseado é lugar de ética. (TIBURI, 2010, p. 156)

A construção de espaços públicos de diálogo torna-se fundamental dentro de uma


compreensão de que o Direito deva ser democrático ou se democratizar. Isso implica na
reflexão sobre nossas práticas de ensino jurídico: “o que ensinamos?”, “porque
ensinamos?” e “como ensinamos?”. A partir dessas questões podemos pensar na
adequação do nosso ensino jurídico dentro da sociedade contemporânea. A sala de aula
deve ser compreendida como um espaço público por onde passa a construção do nosso
Direito e, por que não, também da nossa sociedade29.

Utilizando a metáfora literária escolhida para guiar nosso olhar, na luta contra os
gigantes, o que nós, professores de Direito, podemos aprender com Dom Quixote?
Dentre várias, talvez a lição de que seja necessário acreditar nos sonhos. É preciso
acreditar nas causas perdidas e nos devotar a elas com imenso amor. É preciso ser
odiosamente otimista quando se trata de estabelecer com o outro um diálogo profundo
sobre a compreensão dos conceitos e consequências jurídicas. Afinal conceitos jurídicos
não são somente conceitos abstratos construídos a partir de uma racionalidade pura,
mas, também, partes da literatura, dos valores, dos princípios e da prática social de
todos nós.

29
Não só a sala de aula dos cursos de Direito, mas toda e qualquer sala de aula.
IV. BIBLIOGRAFIA.

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