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HISTÓRIA

Arqueologia Industrial

Manuel Vaz Guedes

F E U P — Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

N um artigo publicado em 1896 Francisco poderem servir os vastos conjuntos de pessoas


de Sousa Viterbo interrogava-se: “Existe que nelas estavam interessadas. Não durou
arqueologia da arte, porque não há-de haver mais de um século a passagem da fase
arqueologia da indústria ?”,[2]. experimental e de investigação (1782 —
Era um pergunta original, que tem o seu máquina eléctrica com cilindro de vidro
sentido esclarecido no desenvolvimento do manufacturada por Edward Nairne) iniciada
artigo, quando Sousa Viterbo propõe um plano no século dezoito, até ao desenvolvimento de
de acção — “Antes que tudo se perca uma indústria de aparelhagem eléctrica, com o
irremediavelmente, salvemos pela descrição e pela aparecimento das primeiras empresas de
estampa o que ainda resta, dilacerado e partido, dos material para telegrafia eléctrica (1847 —
antigos documentos da laboriosidade portuguesa”. fundação da fábrica em Berlim de Siemens &
Esta ideia salvífica para um património, a Halske), mas servindo sempre a Electricidade
que na altura se dava pouca importância, não como forma energética na actividade de outras
teve logo aplicação em Portugal. Só indústrias, (1845 — aplicação da pilha e 1873
recentemente, por influência estrangeira e — aplicação do dínamo de Gramme em
numa tentativa de criar novas áreas de estudo e galvanoplastia na empresa Christofle na
de investigação no domínio da História, é que região de Paris).
se adoptaram as ideias os métodos e as atitudes Este desenvolvimento da Indústria em torno
de uma arqueologia envolvendo aspectos da da Electricidade há um século e meio criou
Sociedade Industrial — a Arqueologia Industrial. uma área vasta de estudo e aplicação dos
Quando as actividades económicas no conceitos de Arqueologia Industrial — desde os
domínio da Electricidade abandonaram o seu métodos de fabrico até às ferramentas
carácter experimental, e porque satisfaziam específicas utilizadas na construção da
necessidades absolutas das populações, tiveram aparelhagem eléctrica; desde as técnicas de
de assumir uma forma industrial para projecto dos aparelhos e das máquinas

Edifício da Central Geradora de Massarelos da Companhia Carris de Ferro do Porto (1915) [1 ]

Publicado na revista ELECTRICIDADE, nº 372, pp. 293–299, Dezembro de 1999


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eléctricas até às indústrias que a Electricidade Industrial das quais se pode reter, pelo seu
criou; desde os edifícios construídos para a carácter geral, uma — a Arqueologia
Indústria Eléctrica até à aparelhagem acessória Industrial é uma área de estudo do processo de
e auxiliar para o aproveitamento industrial da industrialização através do exame sistemático
Electricidade. dos monumentos e dos artefactos que
Mas pretendendo a Arqueologia Industrial, sobreviveram à exploração desse processo.
quando aplicada às Indústrias Eléctricas, Esta definição realça alguns aspectos:
estudar, datar, catalogar, e reconstruir os — porque a Arqueologia Industrial é
objectos sobreviventes ao desaparecimento de uma disciplina auxiliar da História,
algumas dessas indústrias, tem embora possuindo métodos próprios, não
necessariamente de estar ligada à História da pode priscindir do contributo das outras
Electrotecnia para aí encontrar a informação disciplinas auxiliares para se chegar a
precisa sobre uma tecnologia que é complexa um resultado útil no âmbito da
em todos os seus domínios, e, também, na tecnologia industrial. No caso das
forma como se deu a sua evolução ao longo de Indústrias ligadas à Electricidade, como
dois séculos. E essa relação tem de ser o seu desenvolvimento se deu numa
fomentada, apesar de no âmbito da História da época em que começaram a surgir os
Electrotecnia pouco estar ainda feito face ao Museus de Ciência e de Tecnologia, o
muito que há a fazer, tanto em termos globais passado dessas indústrias encontra-se já
como no caso da História da Electrotecnia em razoavelmente documentado;
Portugal. — o estudo dos testemunhos materiais de
Por isso, quando na actualidade surge uma um passado industrial não pode ser
incursão de arqueólogos industriais no confundido com, nem pode degenerar
domínio da Electrotecnia pode resultar u m em, a elaboração de ensaios de História
trabalho intelectual que, não sendo esclarecedor Económico-Social. Nem tudo o que diz
nem tecnicamente correcto, suscita crítica ou, respeito à Indústria é objecto de estudo
até, contestação. da Arqueologia Industrial. No caso das
Indústrias ligadas à Electricidade ainda
Arqueologia Industrial há assuntos que devem ter o seu estudo
A reconstrução das indústrias destruídas no âmbito mais vasto da História da
durante a Segunda Guerra Mundial e a Electrotecnia, ou em alguns casos da
renovação ou substituição de indústrias História da Ciência;
decadentes levaram ao aparecimento de — o exame sistemático dos objectos
edifícios, de máquinas e de arquivos que físicos industriais carece do contributo
necessitavam de ser resguardados como de várias áreas de conhecimento: é
testemunhos de uma época industrial; não só pluridisciplinar. No caso das Indústrias
das que integravam a Revolução Industrial ligadas à Electricidade a colaboração da
mas também das indústrias ainda florescentes Electrotecnia terá de ser informada por
no início do século vinte. Em diversos países uma componente de História da
surgiu a partir da década de sessenta u m Electrotecnia para que a interpretação
movimento de preservação dos diferentes dos factos seja precisa, e
artefactos industriais sem utilidade imediata,
— a prática da Arqueologia Industrial
que assumiu características diferentes: forte
supõe um “trabalho de campo” para além
associativismo na actividade de amadores em
do trabalho de escrita. No caso das
Inglaterra, a estatização e a institucionalização
Indústrias ligadas à Electricidade o
dos estudos em França e a inserção do
chamado trabalho de campo pode ser a
movimento num contexto universitário na
pesquisa no arquivo de uma determinada
Alemanha.
repartição estadual de uma época
Como resultado dessas diversas atitudes passada, mas também pode ser a
foram surgindo definições de Arqueologia inspecção em local remoto do

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equipamento mecânico-eléctrico de uma actualizados no aspecto gráfico, permitir a


antiga central pertencente a um pequeno produção de uma obra encantadora [5].
aproveitamento hidroeléctrico. O registo é uma função fundamental numa
sociedade que produz tanta informação. É, por
isso, necessário promover a criação de ficheiros
regionais, mais com o aspecto de u m
repositório do que a sua materialização numa
repartição estadual, para que fique a existir
uma permanente referência ao monumento,
acessível a qualquer investigador. Em que
repositório estão registados os dados referentes
à oficina da Electro-Moderna L.da (1921),
situada nos baixos do nº 312 da Rua de
Camões na cidade do Porto, onde se
construíram as primeiras séries de motores
eléctricos de indução em Portugal e de onde
surgiu a empresa EFA (1948) que deu origem
à EFACEC (1962) ? [6].
Máquina Primária da Central de Vila Real (1894) [3 ]
Para um trabalho de Arqueologia
Industrial sobre um documento específico são
normalmente necessárias determinadas
funções: investigação, inspecção, registo e
preservação, [4].
A investigação implica uma procura e uma
Motor de Indução EML, tipo Pb 16.0 (1948)
avaliação dos objectos que podem contribuir
para o esclarecimento ou a fundamentação de A preservação é uma função que carece de
ideias sobre uma forma industrial do passado. uma utilização moderada. São já muitos os
Um velho e ferrugento cano de ferro fundido, locais industriais, pretensamente dedicados à
situado à margem de uma velha ponte romana cultura, mas com escassas condições de
e mergulhando no rio Ferreira pode ser, e é, u m habitabilidade e com difícil vida financeira. O
indício de uma tentativa de auto-abastecimento edifício de uma central termoeléctrica foi
em energia eléctrica feita no passado por uma construído no passado com a função de dar
empresa industrial da região; tentativa abrigo contra a intempérie a um conjunto de
frustada pela imposição governamental do maquinaria importante, servido por
abastecimento a partir das grandes empresas iluminação natural, mas permitindo uma fácil
produtoras e distribuidoras de energia eléctrica libertação do calor gerado no seu interior
criadas há pouco tempo. através de uma aplicação na sua concepção
A inspecção serve-se de todas as técnicas de arquitectónica do efeito chaminé e das
medida, de fotografia e de datação para condições para um fácil arejamento [7].
guardar as características do monumento Necessariamente que é um edifício típico no seu
industrial. É importante salientar a aplicação aspecto construtivo e rico em incomodidade
que as modernas técnicas de preservação de quando não estão em funcionamento as fontes
dados, principalmente as baseadas em sistemas do calor que era pressuposto libertar, mesmo
digitais, assim como os modernos meios de quando nele ocorre um evento cultural perante
comunicação podem ter numa divulgação das uma assistência tiritante.
características dos monumentos da indústria A Arqueologia Industrial, como disciplina
eléctrica; apesar da utilização de velhos auxiliar da História debruça-se sobre o
métodos, como o livro, devidamente passado, que não é muito remoto. Recolhe, por

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isso o seu conhecimento em fontes de na montagem dessa mostra foram bons, já as


informação, que nesta disciplina ultrapassam parágrafos soltos do texto com que se
os antigos documentos oficiais. pretendeu iluminar um percurso histórico
Para um estudo de Arqueologia Industrial (1834 a 1933), quando confrontados com a
podem servir como fontes de informação os realidade, mostram uma inábil utilização dos
objectos, a maquinaria e a aparelhagem conceitos da Electrotecnia como componente
associados ao processo de fabrico, para além importante numa situação industrial.
dos artefactos fabricados. No domínio da O início do período representado na
Electrotecnia são muitos os objectos que podem exposição no ano de 1834, pela limitação
fornecer informação, porque a utilização espacial do âmbito da exposição ao Norte de
segura da Electricidade carece de Portugal, permite constatar que, pertencendo
diversificados sistemas auxiliares, de esta época a uma fase avançada da Revolução
accionamento, de comando ou de protecção, Industrial, nesse ano ainda não se tinha
cujos aspectos tecnológicos foram evoluindo, e iniciado a Segunda Revolução Industrial que
que, por isso, e dentro de limites estreitos, estão traduz, precisamente, a marcante influência da
datados e detêm informação precisa. Electricidade nos processos e no
desenvolvimento industrial. No entanto, nesse
ano o conhecimento científico dos fenómenos
eléctricos era já suficiente para esses
conhecimentos se assumirem como uma parte
específica da Física.
Ainda passariam várias décadas antes de
surgir o gerador de Gramme (1873) e o motor,
duas máquinas eléctricas com as características
necessárias a qualquer aplicação com carácter
industrial. Cinco anos depois (1878) era
Acessórios com aperto concêntrico para Postos de
iluminada com arco eléctrico o pátio da
Transformação (1942) [8 ]
cidadela de Cascais no aniversário do príncipe
Podem servir, ainda, como fontes de herdeiro. Assim a Iluminação era a forma útil
informação no âmbito da Arqueologia com que a energia eléctrica era apresentada
Industrial todo o conjunto de documentos com pela primeira vez em Portugal, fora dos
informação relevante e que estão registados em Gabinetes de Física das suas Escolas
texto, em fotografia, em cinema ou em vídeo Superiores.
como já é o caso de recentes, mas já obsoletas, A Electricidade como forma de energia, com
tecnologias da micro-electrónica. características próprias, apresenta-se como o
Mas a fundamentação em objectos reais do resultado de uma transformação de energia
trabalho em Arqueologia Industrial e o apoio com carácter reversível. A energia mecânica
dado por outras disciplinas da História não ligada ao movimento de uma roda hidráulica é
dispensam a crítica, ou a aplicação do espírito convertida em energia eléctrica com a aplicação
crítico do autor. É, também, nesta atitude que de um gerador eléctrico e poderia ser
os ensinamentos da História da Electrotecnia reconvertida em energia mecânica por u m
podem ser úteis para permitir a realização de motor eléctrico, salvo pequenas perdas de
uma trabalho correcto, preciso e que o tempo energia. A energia eléctrica é uma forma de
tornou necessário [9]. energia convertível em máquinas e de fácil
transporte por condutores eléctricos; acções
Ensaio Crítico realizadas com um elevado rendimento
A visita a uma exposição recente de energético. Por isso, reunia as condições
Arqueologia Industrial [10] suscitou uma económicas necessárias para ser aplicada na
análise de alguns temas superficialmente Indústria e para permitir o crescimento da
apresentados. Se os meios materiais empregues capacidade industrial.
Em Portugal, e no Norte do país, a
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electricidade começou por ser aplicada, como empresa distribuidora de energia União
uma exploração empresarial, na iluminação de Eléctrica Portuguesa (UEP) mostra que o
várias povoações (Porto, 1886; Braga, 1893; consumo era diminuto, que o preço da energia
Vila Real, 1894) [11] e no transporte público não compensava significativas reconversões
urbano (Porto, 1895) [12]. As fontes de energia numa indústria manufactureira ou que já se
primária eram a energia térmica resultante da movia accionada por uma máquina a vapor;
combustão do carvão e a energia mecânica mostra também que, como muitos sabem, o
associada a uma queda de água [13]. transporte da energia eléctrica a longa
O aproveitamento industrial da distância não altera o valor da potência
Electricidade foi diminuto no Norte do país e disponível no aproveitamento hidráulico (!)
no resto de Portugal, criando durante décadas [10].
um grave problema de consumo. O consumo de
energia eléctrica em Portugal durante a
primeira metade do século vinte dificilmente
justificava o aproveitamento dos recursos
hídricos disponíveis [14], o que se deve ao
carácter fraccionário das empresas industriais
que raramente atingiram uma dimensão
apreciável, que justificasse a concentração do
sistema individualista, auto-produtor disperso,
numa rede eléctrica nacional [15].
Constitui um caso paradigmático o
aproveitamento das quedas do Lindoso em
1921, feito por uma empresa espanhola
(capitais estrangeiros), com o fim de abastecer
em energia eléctrica a cidade de Braga e V i l a
Nova de Gaia em 1921 e o Porto em 1923.
Apesar de dimensionado em 1921 para uma
potência activa de produção de 2 x 7 MW só
em 1932 foi a potência activa instalada Centrais Eléctricas em 1922 no Noroeste de Portugal [16 ]
aumentada para 28 MW.
Quanto à importância do aproveitamento
Aproveitamento do Lindoso — cronologia do Lindoso (1922) para a alimentação em
1907 alvará de concessão das quedas do Lindoso energia eléctrica do vale do Ave verifica-se que
1908 criação da Sociedade Eléctra del Lima a solução proposta na altura [16] não
1909 início das obras contemplava essa opção. Era preferida a
1919 constituição da União Eléctrica Portuguesa alimentação pelos pequenos aproveitamentos
1920 celebração de contratos de Braga e V.N. Gaia do Varosa (1,5 MW), do Ermal (500 kW),
1922 início de funcionamento da central (7 MW) Corvete (200 kW) e Santo Tirso, considerando
1923 energia eléctrica para o Porto ainda a existência das centrais locais
1923 funcionamento do segundo grupo (+ 7 MW) particulares de Campelos (500 kW) e da
1925 fornecimento de energia pela UEP central termoeléctrica de “A Boa Reguladora”
1927/29 contrato e fornecimento a Coimbra em Famalicão. Esta opção resultava,
1932 funcionamento de mais um grupo (+ 14 MW) certamente, do pequeno valor do consumo de
1945 funcionamento de outro grupo (+ 14 MW) energia eléctrica dessa região em 1922.
Quando a Lei 2002 de 26 de Dezembro de
A evolução da potência instalada na central
1944 — Lei de Bases da Electrificação
do Lindoso, apesar das pequenas alterações no
Nacional — foi publicada ainda era a falta de
sistema hidráulico, apesar do aumento da área
consumo o principal problema de
populacional servida e do aumento da
desenvolvimento do sistema eléctrico nacional
distância dos locais de consumo atingidos pela
porque, a partir dessa altura, a electrificação

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passou a ser tratada como obra de geométricas esclarecem muito pouco, enche
desenvolvimento na qual se encontrava espaço numa exposição, mas é um mau serviço
empenhado o Estado. Todos estes factos podem prestado à Arqueologia Industrial.
ser analisados numa perspectiva de
Arqueologia Industrial quando mostram a
incapacidade, e a fragilidade, da Indústria
para se reconverter ou para adoptar a nova
forma de energia e dela tirar o respectivo
proveito económico.
Consistindo um sistema global de
aproveitamento da energia eléctrica, em meio
industrial ou em qualquer outro meio, numa
conversão inicial de uma outra forma de
energia em energia eléctrica, no seu transporte
e distribuição e, geralmente, numa conversão Alternador trifásico com excitatriz AEG (1939)
final da energia eléctrica em energia mecânica, O mesmo se pode dizer quanto aos motores
surgem como elementos importantes deste eléctricos. Mas, infelizmente, há que escrever
processo as unidades — máquinas eléctricas — que, numa exposição pública, apresentar uma
que no início e no final do sistema promovem antiga máquina têxtil (191?), ligada a u m
uma conversão de energia envolvendo a energia motor de accionamento duma época recente
eléctrica. É, portanto, necessário num trabalho (motor de indução trifásico), constitui uma
de Arqueologia Industrial saber caracterizar as anacronismo [18] que, pelo menos, deveria ser
máquinas eléctricas, salientar as assumido e esclarecido a todos os visitantes,
particularidades construtivas, ou de aplicação, incluindo os que têm conhecimentos de
capazes de fornecer uma informação útil e de electrotecnia. Já é de lamentar que um conjunto
saber integrar a informação recolhida no de motor de indução trifásico com rotor
contexto da Indústria em estudo. bobinado e respectivo sistema de comando, que
Tendo a indústria eléctrica alcançado cedo, inclui um reóstato de arranque e u m
e por necessidade de uma boa exploração amperímetro montado numa coluna adjacente,
económica, um elevado grau de normalização, é não tivesse a chamada de atenção para as
relativamente fácil encontrar informação útil particularidades que a sua manobra tem, e que
numa máquina eléctrica reduzida a objecto estão bem patentes no tipo construtivo
arqueológico. Para além da chapa de utilizado na sua época; e, necessariamente,
características, o seu princípio de contêm uma importante informação sobre a
funcionamento, os seus aspectos construtivos formação técnica do operário encarregado
(do desenho aos materiais utilizados) e a sua dessa manobra.
montagem, tudo pode dar informações úteis, Como disciplina recente, a Arqueologia
passíveis de serem recolhidas em ficha Industrial, ao incidir o seu estudo sobre
normalizada [17] devidamente adaptada. objectos do âmbito da Electrotecnia, só tem a
No caso de um gerador de corrente lucrar com a divulgação dos seus meios de
alternada, dotado de chapa de características, investigação ou de dedução e com a
há que recorrer a técnicas auxiliares para demonstração pública da sua correcta
tornar legíveis as inscrições quando estas aplicação.
estiverem pouco visíveis, e se no veio do É muito vasta a variedade de aparelhagem
alternador está acoplada a excitatriz (mais necessária ao funcionamento em segurança de
importante do que o tambor da correia), mesmo uma sistema eléctrico. Por isso tem interesse a
que reduzida apenas aos elementos rotóricos, apresentação de alguns elementos utilizados na
há que o salientar esse facto porque a instalação eléctrica de uma fábrica. No entanto,
informação nele contida é útil. O simples carece de esclarecimento e de realce essa
apresentar de uma máquina, sem expor as importância, porque a mera apresentação dos
informações úteis, já que as dimensões
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elementos pouca informação revela, e a sua propaganda industrial.


leitura ou interpretação exige uma elevada
formação técnica.
Num quadro eléctrico, mais do que as
dimensões, há que saber a função e as
características dos aparelhos aí colocados e
confrontar essa colocação com as imposições
legais vigentes na época da sua construção. A
data da construção e a marca ou o tipo dos
aparelhos de protecção ou de corte utilizados
podem, por exemplo, ser reveladores de uma
atitude de fuga à imposição social de u m
passado recente: “construir português”. Um
quadro eléctrico não muito antigo, por si só,
parece apenas um objecto de mármore, grande e
José Vitorino Damásio (1806–1875)
com o espaço mal aproveitado !
Ao destacar José Vitorino Damásio
(1806–1875), combatente Liberal e fundador da
Associação Industrial Portuense (AIP) [19],
esquece-se o professor de Mecânica e de
Construções Públicas da Academia Politécnica
do Porto ou esquece-se o director interino do
Instituto Industrial de Lisboa, e esquece-se a
acção do homem que fomentou a instalação do
primeiro telégrafo eléctrico no Porto, que foi a
primeira instalação em Portugal, esquece-se o
seu trabalho como engenheiro, e esquece-se o
membro do Conselho Superior de Obras
Públicas que deu pareceres e realizou acções
que permitiram a instalação do telégrafo
eléctrico, como serviço público, em Portugal. A
sua acção, de 1864 a 1867, como Director Geral
Quadro eléctrico simples (1939) dos Telégrafos foi notável, porque foi uma
Existe ainda um aspecto da Arqueologia acção de fomento, de concretização e de
Industrial que é digno de meditação — qual o lançamento — “de desenvolvimento e
papel da pessoa no âmbito de um trabalho de aperfeiçoamento” — de um serviço indispensável
Arqueologia Industrial ? à Indústria. Estes outros aspectos da vida de
Se a história da vida de uma pessoa é o José Vitorino Damásio, com influência na
objectivo de um trabalho biográfico, a actividade industrial da sua época, não devem
Arqueologia Industrial apenas deverá estudar ser omitidos.
os actos pessoais que tiveram influência em A Arqueologia Industrial só tem a perder
assuntos industriais. Então, tendo presentes os com as omissões de factos importantes para a
aspectos materiais e os movimentos sociais não relação entre a Electrotecnia e a Indústria, e
deve um trabalho de Arqueologia Industrial que até estão divulgados numa publicação
ignorar a acção de uma pessoa no fomento da acessível [20].
Indústria Eléctrica ou de qualquer serviço
público envolvendo a Electrotecnia, mesmo
Conclusão
numa fase inicial, para apenas narrar a Globalmente uma exposição temática,
capacidade organizativa de um associativismo desenvolvida no âmbito da Arqueologia
necessário ou as iniciativas editoriais de Industrial, mostra que a aplicação dos
conceitos desta disciplina a sistemas ou a temas
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do âmbito da Electrotecnia é defeituosa e pouco


contribui para uma clarificação, para uma pelos compartimentos superiores; todos os
compartimentos têm um grande pé direito
definição ou, até, para uma exemplificação dos
objectivos e das vantagens daquela recente [8] Julião Senna, engenheiro; “Memorial
disciplina para estudos históricos. do Electricista: transformadores”, Lisboa 1942
A carência da assimilação de uma definição [9] é impressionante o desprezo que ao
precisa de conceitos físicos básicos, a longo de um século o registo histórico de tantos
incapacidade de caracterização de objectos acontecimentos, relevantes na Indústria e nos
Serviços, mereceram aos engenheiros
específicos do ramo electrotécnico, a falta de
electrotécnicos que os viveram; tratou-se, sem
ligação entre a informação contida nos objectos dúvida, de uma enorme falha cultural. Cada
e os aspectos industriais em que se inserem, a vida profissional contem uma história, que
omissão de aspectos da obra de figuras merece ser contada, não fora uma timidez
marcantes da vida industrial nacional, levam a demasiado grande
uma mostra desgarrada de objectos, a uma [10] exposição de arqueologia
escrita de difusas, mas não muito correctas, industrial — “Um Século de Indústria no
generalidades e a uma confusão de épocas, de Norte 1834–1933: o génio dos engenhos“, A IP
sistemas e de ideias. 1999
Resta portanto esperar que uma mudança [11] ver o trabalho primordial de
de métodos de trabalho, ou o seu afinamento, História da Electrotecnia publicado pelo
permita então encarar, com esperança, o engenheiro electrotécnico (IST) Ilídio Mariz
necessário contributo da Arqueologia Simões, na revista ELECTRICIDADE de 1976
Industrial no âmbito da Electrotecnia. a 1993
MVG
[12] Manuel Vaz Guedes; “Porto 1895
— A Electrificação da Linha da Restauração”,
Notas e Referências ELECTRICIDADE, nº 327, pp. 271 – 274,
[ 1995.
1] Manuel Vaz Guedes; “1924 – A Estação
Central Geradora de Massarelos”, Ordem dos [13] Ezequiel de Campos, engenheiro
Engenheiros, Lisboa 1995 e economista político; “Quedas de Água — u m
grande valor que nos foge”, O Trabalho
[2] F. Sousa Viterbo (1845–1911), Nacional revista da A IP , nº 42, 1918
arqueólogo e escritor; “Arqueologia Industrial
Portuguesa: os moinhos”, O Arqueólogo [14] para viabilizar as empresas
Português, Vol II, nº 8 e 9, 1896 produtoras e distribuidoras criadas no âmbito
da lei das Bases da Electrificação Nacional (L-
[3] Cabral de Morais, engenheiro militar; 2002/44) tornou-se necessário inviabilizar
“A luz eléctrica em Vila Real”, Revista de todos os sistemas auto-produtores de energia
Obras Públicas e Minas, T. XXVIII, nº 327 e eléctrica em serviço ou em projecto
328, pp.81–127, 1897
[15] Manuel Vaz Guedes; “Ezequiel
[4] R. A. Buchanan; “Industrial de Campos e o Conceito de Rede Eléctrica
Archaeology in Britain”, Penguin Books, 1977 Nacional”, ELECTRICIDADE, nº 350, pp.
[5] “HIDROCENEL — Um Olhar sobre os 355–364, 1997
Aproveitamentos Hidroeléctricos”, Hidrocenel [16] Ezequiel de Campos;
1995 “Electricidade para o Porto — relatório”, Porto
[6] Francisco de Almeida e Sousa; “O Eng. 1922
António Ricca Gonçalves”, O Tripeiro, pp. [17] Mª Teresa Fernandes, Joam
298–303, Carmona, professores de História; “As
[7] procura-se aproveitar a circulação Centrais Hidroeléctricas Dentro do Património
natural do ar por convexão: provoca-se a Industrial: como afrontar a sua investigação”, I
entrada do ar frio nos compartimentos Encontro Nacional sobre o Património
inferiores do edifício e a saída do ar quente Industrial, Coimbra 1986

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[18] sabe-se que a empresa EFACEC [19] destaque feito através da


construtora de máquinas eléctricas só surgiu fotografia de uma estátua infeliz que
em 1962 enquanto que a empresa RABOR só “reconstroi“ a figura de José Vitorino
surgiu em 1946; também se sabe que as Damásio!…
primeiras máquinas texteis foram accionadas [20] Joaquim F. Nery Delgado,
por motores de corrente contínua devido à engenheiro civil; “Elogio Histórico de José
possibilidade de controlo da sua velocidade Victorino Damásio”, Revista de Obras
Públicas e Minas, nº 83, pp. 1–44, 1877

Publicado na revista ELECTRICIDADE, nº 372, pp. 293–299, Dezembro de 1999

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