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TEORIA DA DEPENDÊNCIA E

DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NA
AMÉRICA LATINA
Adrián Sotelo Valencia

Editora Praxis, Londrina, Paraná, Brasil, 2008.


ISBN: 978-85-99728-74-1.
Tradução: Fiorella Macchiavello
Univerdidade de Santa Catarina

...É necessário retomar o fio da meada no pensamento


crítico de esquerda, onde alcançou seu ponto mais
alto. Impõe-se, de fato, o comprometimento na
construção de uma teoria marxista da
dependência, recuperando sua primeira afloração nos
anos vinte e aquela registrada a
partir de meados dos sessenta [...] Retomar o fio da meada
na teoria da dependência significa reencontrar
aquilo que tem de melhor do pensamento da esquerda,
sem que isso suponha, de forma alguma,
que ela aporte uma resposta suficiente para
a problemática atual. Por isso, é necessário
assumir a teoria da dependência numa forma
criadora (....) submetendo-a numa radical revisão, a qual
começa pela critica às concepções metodológicas
do funcionalismo, que viciam a obra de alguns dos
seus autores, assim como a de certas teses importadas
do arsenal desenvolvimentista.

Ruy Mauro Marini (1992)


América Latina: Dependência e Integração, SP
BRASIL URGENTE.

Não esquecer a possibilidade de perigo nos tempos de paz,


não esquecer a possibilidade de ruína nos tempos de
prosperidade,
não esquecer a possibilidade de caos
nos tempos de ordem.

I Ching (Livro das mutações), escrito pelo


imperador Fu-Hsi (2400 a. n.e1)

1
a.n.e: antes da nossa era

2
Introdução

Neste livro avalio a vigência da teoria marxista da dependência


(TMD) no século XXI e, realizo um balanço sobre suas limitações e
alcances. Com essa finalidade, remonto à suas origens, sua trajetória
histórica nas décadas dos sessenta e setenta, através dos seus
principais representantes e, à fase do seu esgotamento estrutural
funcionalista que influenciou seus métodos e enfoques teóricos nesse
período. Finalmente, trato das novas projeções, que terão de ser
assumidas por esta teoria, para analisar e explicar o acontecer
contemporâneo dos nossos países e sociedades e, agilizar os processos
de superação da crise estrutural e civilizatória do modo de produção
capitalista em escala universal.
A relação entre a teoria e a realidade social nunca foi tão
complexa. Esta última faz menção às sociedades contemporâneas e à
maneira em que evolucionaram no contexto dos grandes sistemas
econômicos e políticos que existiram: escravismo, feudalismo e
capitalismo - imperialismo.
Além do mais, essa complexidade ―teórica e científica― se
diversifica devido à enorme preponderância que o pensamento
dominante adquiriu sobre as formas ―culturais― submissas do
pensamento teórico e crítico latino-americano, em particular do
marxismo, que tinha oferecido o exame mais acertado e profundo das
contradições do capitalismo mundial e latino-americano.
Como se sabe, tal pensamento atravessou distintas etapas
históricas, desde a época colonial e a pós- independentista até a etapa
moderna e, a que se implantou na atualidade a partir da globalização
do capital, em praticamente todas as sociedades e comunidades
humanas do planeta.
Porém desde a década de 1980 (quando o neoliberalismo emerge
e se consolida como regime hegemônico, as economias de mercado se

3
impõem e se privatizam a dimensão social e as empresas públicas do
Estado) um conjunto de autores enfatizou em documentos, seminários e
eventos acadêmicos, a existência de uma "crise teórica", sobre a qual
não existe um consenso a respeito do seu significado, e não pode existir,
entre outros motivos, devido a que cada um opina desde sua ideologia
particular e desde a ótica em que capta e emite juízos de valor.
Dessa forma teríamos, no mínimo, duas correntes. A direita, por
um lado, opina que esta crise é produto de uma "sobre- ideologização"
das ciências sociais e do pensamento (responsabilizando ao marxismo
em geral por esse fato). Por outro lado, para diversas correntes, que vão
desde a esquerda revolucionária até as reformistas e social-democratas,
tal crise seria o resultado de fenômenos adversos, tais como o
dogmatismo, a inadequação teórica de conceitos e categorias num
momento histórico de reflexão e análise; o efeito ideológico no estado
de ânimo devido ao fracasso dos processos revolucionários latino-
americanos, particularmente na Nicarágua; a desintegração da União
Soviética e, o "fim" da Guerra Fria. Esses eventos colocaram
(aparentemente) os Estados Unidos como potência imperialista
hegemônica e "unipolar" no âmbito das relações internacionais, embora,
devo reconhecer exista na atualidade uma forte polêmica ao respeito
disso (conforme, por exemplo, Arrighi, 2001; Aguirre, 2003; Veraza,
2004 e Brenner, 2004: 19-36).

A revolução tecnológica, científica e informática também teria


influenciado através de, particularmente, a grande difusão dos meios de
comunicação, criando uma ilusão ótica unidimensional nos indivíduos e
nas grandes massas sociais acerca da suposta e definitiva superação
das contradições globais do sistema (guerras, luta de classes, alienação,
pobreza, dependência e (neo) colonialismo). Ou seja, somente estaria
faltado "integrar" mais o capitalismo mediante a globalização para que

4
se pudessem satisfazer as crescentes exigências e necessidades de uma
sociedade cada vez mais despojada pelo sistema.
Disso se desprende que, uma vez conseguido o "amplio consenso
social" ―entre os líderes iluminados da intelectualidade e os
representantes do sistema capitalista―, aquele que se opusesse a essa
integração (movimentos operários, indígenas, camponeses, autonomias
étnicas, guerrilhas com bases populares, como as FARC na Colômbia e o
movimento zapatista no México, movimentos alternativos…) estariam
necessariamente atentando contra o "interesse geral" e contra a,
equivocadamente denominada, "comunidade internacional" (a burguesia
e as empresas norte-americanas, alemãs, francesas e britânicas).
Sistematizada pelos órgãos de contra-insurgência do Estado imperialista
e elaborada no marco de uma doutrina geo- militar, essa idéia daria
origem ―depois da primeira Guerra do Golfo em 1991― à "luta contra o
terrorismo", cuja máxima expressão doutrinária, fanática e criminal,
liderada pelo governo de George Bush filho, é a "guerra preventiva" em
curso, aplicada no Iraque e no Afeganistão. Isso significa, em outras
palavras, o ataque militar, imediato e fulminante contra qualquer nação,
comunidade, grupo ou indivíduo que, no juízo dos estrategistas do
pentágono e da Central de Inteligência Norte-americana (CIA),
representem um "perigo" para os interesses nacionais e estratégicos dos
Estados Unidos e seus "aliados".
Dessa forma, a contra-revolução e a luta aberta contra o
comunismo, que se desenvolveu entre 1960 e 1990 (desde a época do
presidente Kennedy, quem a inaugurou), converteram-se numa guerra e
luta contra o "terrorismo" (1990-2005), a partir dos ataques contra o
Afeganistão e o Iraque (SOTELO, setembro-outubro de 2001; 24
setembro de 2004 e 12 de abril de 2004). Como se sabe, na atualidade a
Coréia do Norte, Irã, Cuba, Colômbia e Venezuela, entre outros países,
figuram na mira de ataque dos Estados Unidos, e a lista poderia
aumentar. Devo agregar que tudo dependerá da forma em que se

5
resolva a ocupação no Iraque, assim como da resposta militar e popular
contra tal ocupação por parte do movimento de resistência nesse país.
Nos anos sessenta e setenta do século passado, o foco de atenção
da TMD foi a contradição entre a ditadura e a revolução. Este tema
centralizou os debates daquela época e deu origem a uma extensa
literatura sobre esta problemática. Posteriormente, a partir de meados
da década de 1980, quando começam a surgir os regimes que
reivindicam a "fórmula da democracia" como uma "alternativa" frente
ao militarismo, à ditadura e ao autoritarismo, o tema central que será
objeto de análise e de intenso debate (certamente, muito ideologizado)
será justamente o tema da democracia. Foi Lechner quem, sem dúvida,
sistematizou este giro ―que a direita levou até o extremo ― dado pela
intelectualidade latino-americana, quando afirmo que: "Se a revolução é
o articulador da discussão latino-americana na década dos sessenta, nos
oitenta o tema central é a democracia" (Lechner, 1986). Dessa forma a
democracia deslocava o socialismo como realidade e necessidade
histórica, e, conseqüentemente, a classe operária como sujeito histórico
de transformação.
As classes sociais, essenciais na construção teórica e política do
marxismo, ficaram, dessa forma, deslocadas e diluídas, quando muito, a
"fatores secundários", acessórios, em benefício de supostamente
(novos) "sujeitos e movimentos sociais", que representariam na
atualidade os "novos protagonistas da democracia" (veja Mires, 1993 e
Weffort, 1992: 98-105) e, cuja realização dependeria de fatores
subjetivos, como a vontade, o consenso entre diversos "setores" para
alcançar acordos ou, finalmente, da boa disposição dos governantes.
Porém, o problema substancial dessa concepção, que acalorou as
exíguas fogueiras ideológicas do neoliberalismo, radicava em que a
democracia se opôs, como conceito e processo excludente, ao tema da
revolução e do socialismo, sem que existisse um motivo ou justificativa
lógicas para proceder desta forma, nem no plano teórico, no método ou

6
na análise político-social. Em outras palavras, não existe tal exclusão
entre democracia e socialismo (em todo caso é uma exclusão fictícia,
apta para as doutrinas metafísicas). Ao contrário, existe uma verdadeira
relação dialética entre ambos: não pode haver democracia sem
socialismo, nem socialismo sem democracia, sem que ambos se
desmoronem. Para coroar esta tarefa de tergiversação em benefício de
um único conceito (a democracia), chegou a "novidade": o tema da
globalização (Flores e Mariña, 1999, Gonçalves, 2002), importado desde
os círculos de negócios, das revistas e agências de publicidade norte-
americanas na década dos noventa, que apaixonou os intelectuais,
acadêmicos, publicitários, instituições e editoriais de prestigio de
maneira intensa.
Dessa forma, depois das palavras mágicas, democracia e
globalização2 pronunciadas pelo Inteligent system ―às quais se
acrescentaram posteriormente conceitos míticos, como os sujeitos
sociais, a governabilidade e a alternância, o multi- culturalismo e a
pluralidade, os imaginários sociais e a subalternidade ― já não restava
nem a sombra da revolução. Pelo menos, no sentido que teve como
transição do capitalismo ao socialismo no pensamento latino-americano
e nas lutas sociais dos anos sessenta e setenta do século passado.
Por outro lado, as correntes funcionalistas (a teoria da
modernização e o dualismo estrutural) assumiram esta problemática
como a transição das sociedades tradicionais às industriais e
desenvolvidas, enquanto que o estruturalismo (na versão
desenvolvimentista e (neo)desenvolvimentista) elaborou o esquema
centro-periferia e o "desenvolvimento para dentro", tentando explicar os
problemas do subdesenvolvimento e do atraso. Para tal para tal função

2
É interessante a definição de Gonçalves (2002: 133) do conceito de "globalização", define-a como o
"acontecimento simultâneo de três processos: a aceleração dos fluxos internacionais, a intensificação da
concorrência internacional e a crescente integração entre os sistemas econômicos nacionais".

7
recorreu ao instrumental keynesiano e, em menor medida, ao
neoclássico.
A vertente ortodoxa dos partidos comunistas (endogenismo de
facção stalinista) se encarregava de elaborar a transição do feudalismo
―supostamente existente na América Latina desde a época colonial,
embora Gunder Frank se encarregasse de demonstrar a falsidade desta
tese― ao capitalismo, mediante una aliança de classes com a
"burguesia progressista" para "isolar" desta forma, os latifundiários
liberais e conseguir a transição para o socialismo.

A partir da década de 1980, o panorama do pensamento teórico e


crítico latino-americano vai mudar: ficará ainda mais confuso e
complexo, entre outros motivos, devido a que a vertente ortodoxa do
marxismo dos partidos comunistas (a maior parte dos quais mais tarde
se converteram para a social - democracia) desapareceu. Por outro lado,
o funcionalismo-estrutural ficou praticamente defasado do cenário
intelectual como "paradigma competitivo", por não cumprir suas
"predições" em relação à dinâmica do sistema de "estratificação social
ascendente", uma vez que se confrontou com a proletarização, a
marginalização e a pobreza extrema da maioria da população latino-
americana.
Logo, pode-se dizer que o vazio foi preenchido com o advento do
"(neo)estruturalismo" e o "pós-colonialismo", que surgiram no curso da
década de 1990. O primeiro, centrado na idéia de reestruturar o velho
paradigma desenvolvimentista, à luz, porém, ―e em concordância
(com)― dos sinais que emite o neoliberalismo. O segundo, em função do
pós-modernismo europeu e norte-americano, propõe ler e interpretar
ecleticamente a América Latina nos estritos marcos culturais pós-
modernistas e anti-racionalistas, desestruturando a idéia e a razão
histórica da monumental construção histórica que José Martí batizou de
Nossa América.

8
Nesse contexto, o que se pode dizer da TMD? Neste livro sustento
que os paradigmas dominantes da atualidade – o (neo)estruturalismo, o
pós- colonialismo e neoliberalismo - correspondem à superestrutura
ideológica, psicológica, e cultural da sociedade capitalista e imperialista
contemporânea, ainda que apresentem, às vezes, "rasgos progressistas"
na suas reflexões teóricas. Portanto, não representam, de forma alguma,
uma alternativa cognoscitiva e libertária para o grosso da população e
da sociedade. Pelo contrário, fortalecem e aperfeiçoam o Estado, o
capital e suas empresas, sem alterar as relações sociais, a propriedade
privada e a exploração do sistema. Por esse motivo, tematicamente, a
TMD deve criar categorias e conceitos dentro do metabolismo
revolucionário de transformação social e política, que lhe permitam
analisar profundamente a etapa atual em que se encontra o capitalismo
como modo de produção hegemônico em escala mundial, suas
características e contradições e, o significado da globalização no seu
comportamento, estruturas e dinâmicas.
No entanto, na medida em que subsistem como nunca (a
dependência e o subdesenvolvimento, com a subseqüente produção do
atraso e de todo tipo de atrocidades que estes suscitam para a
população nos países periféricos), a reflexão anterior deve considerar e
abordar seriamente os fenômenos que foram objeto de estudo das
ciências sociais no passado, num novo contexto marcado pela
globalização e a crise capitalista de longa duração, o imperialismo
renovado e hegemônico do pós-guerra fria, os processos de
regionalização e integração, a extensão da lei do valor e da
superexploração do trabalho como mecanismos para contrabalançar as
profundas dificuldades e desigualdades que acarretam a superprodução
e superacumulação do capital, derivadas, na grande maioria, dos novos
métodos de organização flexível do processo de trabalho e da aplicação
da tecnologia automatizada.

9
Finalmente, ainda que o tema da revolução não possa ser o tema
central das ciências sociais nos termos do debate dos anos sessenta e
setenta, deve sê-lo para a TMD, no contexto do estudo, análise e
tendências dos processos de mudança e transformação social a partir de
sujeitos históricos concretos, bem definidos e atualizados (classe
operária, camponeses e indígenas e outros setores, como os estudantes
e os movimentos anti-globalização), que coloquem como o objetivo
estratégico a luta por alcançar níveis de vida, de trabalho e de
sociedade superiores num marco histórico complexo que não poder ser
mais aquele da velha sociedade burguesa em decadência.
Se com esse intuito se precisa da revolução é uma decisão que
cabe à população e suas forças sociais e políticas, porém não como fora
decidido no passado, quando aqueles que decidiam eram os “caudilhos
iluminados”, a burocracia dos partidos políticos ou das organizações
generosamente controladas pelo Estado capitalista burocrático.

Este livro oferece um esboço da crise, valorizações e paradigmas


das ciências sociais em geral e, em particular da TMD no século XX, mas
não brinda uma visão concluída nem muito menos uma resposta a todas
as interrogantes, o que é, por outro lado, uma tarefa coletiva que terá
de ser assumida por gerações de latino-americanos.
A estrutura do livro está dividida da seguinte maneira. O primeiro
capítulo oferece um panorama global do pensamento latino-americano
na última parte do século XIX e no começo do século XX.
O segundo capítulo trata das principais correntes do pensamento
latino-americano que floresceram na América Latina depois da Segunda
Guerra Mundial, no transcurso da segunda metade do século XX.
O terceiro capítulo se ocupa da denominada “crise teórica”, que
afetou às ciências sociais, ao marxismo e à TMD no transcurso da
década dos oitenta.

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Partindo do grande período que começa com o triunfo da
Revolução Cubana (1959...), o quarto capítulo esboça a estrutura teórica
e metodológica da TMD, com o objetivo de se perguntar posteriormente
quais seriam suas características na atualidade.
Por último, o quinto capítulo reflexiona acerca do possível universo
e horizonte da TMD na época da globalização do capital, da supremacia
do pensamento neoliberal ("pensamento único") e da indiscutível
presença do (neo)imperialismo, liderado pelos Estados Unidos na
estrutura hierárquica das relações internacionais entre as nações e os
Estados.
Se este livro consegue suscitar debate e reflexão, considero que
os meus principais objetivos terão sido cumpridos cabalmente.

11
1
Teoria e realidade no pensamento social latino-
americano

Introdução

Este capítulo se centra na idéia de que o pensamento teórico e


crítico latino-americano experimentou três importantes etapas ao longo
do século XX. Na primeira, que engloba a segunda metade do século
XIX até antes da Segunda Guerra Mundial, houve predomínio do
positivismo, que assumiu rasgos autóctones. Na segunda etapa, que se
inicia a partir da Segunda Guerra Mundial até o final da década dos
setenta, se ressalta a autonomia conseguida por esse pensamento
latino-americano e suas diversas correntes teóricas frente aos
paradigmas dos países desenvolvidos (“originalidade da cópia”, como
F.H.Cardoso denominou num tom um tanto absolutista). Finalmente,
durante as décadas de 1980 e 1990 se retrocedeu e questionou
severamente a autonomia de tal pensamento. Isso coloca na ordem do
dia, a necessidade de recuperá-la, se se quer analisar e compreender de
maneira profunda a natureza da fenomenologia latino-americana,
inserida no processo de globalização do capitalismo, que lidera o
imperialismo norte-americano.

Uma auto-avaliação necessária


Avaliar a teoria da dependência é uma tarefa complexa. O
pensamento latino-americano atravessou no transcurso de sua evolução
por diferentes etapas históricas até que, finalmente, impôs-se na região
o pensamento conservador neoliberal, pelo menos desde a década dos
oitenta até a atualidade.

12
Aparentemente, uma das conseqüências da derrocada do
pensamento crítico pelo neoliberalismo3 foi a (des)virtualização - e
defasagem - do pensamento latino-americano e de suas principais
correntes teóricas de análise, compreensão, explicação e elaboração de
propostas de transformação histórica e de mudança social na população
latino-americana. Esses esforços negativos provêem, como se
apresenta ao longo do texto, da influência da academia norte-americana
e de suas correntes (neo)positivistas, pós-modernas e funcionalistas que
cobraram, nos últimos anos, auge e interesse na platéia dos países
subdesenvolvidos como, por exemplo, o conceito de choque de
civilizações do professor Samuel P.Huntington, membro do Conselho de
Segurança Nacional da Casa Branca.
De maneira análoga ao que acontecera no curso da primeira
década do século XX, no lugar ocupado pelas ciências sociais e o
pensamento crítico latino-americanos nos centros acadêmicos e
científicos, ressurgiu uma sorte de eurocentrismo e norte-americanismo
anglo-saxões renovados, com pretensões de ”epistemologia global”.
Isso coloca como desnecessário qualquer esforço endógeno de
elaboração de categorias, conceitos e hipóteses próprias com força
interpretativa e transformadora, como ocorrera na formação histórica
das idéias e do pensamento na América Latina em, pelo menos, os
últimos duzentos anos.
As dimensões nacional, regional e latino-americana (articuladas
dentro do contexto mundial) são atualmente pensadas e caracterizadas
com paradigmas e marcos teóricos elaborados nos centros intelectuais
dominantes do capitalismo central (para uma crítica, veja Fernández,
2003-2004: 93-113, onde se analisa a corrente pós-colonialista que

3
Aqui retomo a definição de Gonçalves (2002: 134) do neoliberalismo, como a
“revitalização da ideologia centrada numa maior liberdade para as forças do mercado, menor
intervenção estatal, desregulamentação, privatização do patrimônio público, preferência pela
propriedade privada, abertura estrangeira, ênfase na competitividade internacional e um menor
compromisso com a seguridade social”.

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pretende ignorar a história social própria do continente). Idéias como a
“terceira via”, “democracia” ou “governabilidade” (governance),
“choque de civilizações” e “trajetórias laborais” se apresentam como os
caminhos de investigação de toda “análise científica”, de acordo com os
cânones elaborados nos centros hegemônicos do capitalismo central.
Os países latino-americanos permanecem substancialmente num
marco de atraso econômico e social, apesar dos avanços técnico-
científicos e da adoção de perfis modernistas. E, sua fisionomia resulta
diferente em relação à forma em que se estruturaram historicamente,
em especial durante as décadas dos sessenta e setenta do século XX,
que foi justamente o período mais frutífero de elaboração da teoria da
dependência, até sua culminação na formulação (inacabada) da TMD.
Para avaliar a vigência dessa teoria no século XXI é necessário
partir da análise das condições históricas em que surgiu há mais de
trinta anos. Porque a gênese de toda teoria ou corrente de pensamento
se desenvolve sob determinadas condições, que estão imbricadas na
realidade social, econômica, política, histórica e cultural de sua
contemporaneidade.
Por exemplo, o surgimento do hegelianismo, no século XIX, foi
uma resposta sistemática às peculiares condições existentes da Europa
e da Alemanha daquela época. O idealismo alemão é incompreensível
sem a irrupção da Revolução francesa, que trasladou o eixo da
explicação e organização do Estado e da sociedade das idéias religiosas
ou metafísicas para uma base racional - já não “externa” - sobre a
existência do mundo e da história (MARCUSE, 1998).
Da mesma forma, não se pode compreender a peculiaridade do
pensamento latino-americano e da teoria da dependência sem
antecedentes históricos tão significativos como o colonialismo, a gesta
independentista, responsável pelo processo de formação dos Estados
Nacionais (1810-1850), o subdesenvolvimento e o atraso (1850-2005).

14
No transcurso da história, essas condições influenciarão autores, teorias
e correntes de pensamento de maneira direta ou indireta

O positivismo, que surgiu, se desenvolveu e entrou em crise entre o


último terço do século XIX e o primeiro decênio do século XX no México
e na América Latina (veja Zea, 1984) teve uma expressão
completamente diferente de sua matriz original européia, derivada do
pensamento de Augusto Comte e Herbert Spencer. De fato, como o
filósofo cubano Pablo Guadarrama afirma:

A evolução do positivismo seguiu, em sentido geral, caminhos


divergentes na Europa e na América Latina, posto que aqui, onde
as transformações burguesas se encontravam longe de ter obtido
sua coroação e, pelo contrário, constituíam um imperativo
histórico, o positivismo devia desempenhar em conseqüência,
uma função social progressista (GUADARRAMA, 1986:24). (Sobre
a recepção do marxismo na América Latina através do
positivismo, veja Fornet-Betancourt, 2001).

O arielismo, como uma filosofia local que surgiu no Uruguai no


começo do século XX sob a autoria do escritor uruguaio, jornalista,
ensaísta e professor José Enrique Rodó (1871-1917), foi um subproduto
da influência do positivismo norte-americano. Apesar disso, sua
perspectiva crítica denunciou o materialismo norte-americano da época,
caracterizando-o como o “império da matéria” (o reino de Calibán), cujo
utilitarismo teria aprisionado os valores morais e espirituais da época.
Ariel constitui uma denúncia e um rechaço à imposição dos valores e
costumes norte-americanos (american way of life) nas sociedades latino-
americanas que, posteriormente, na segunda metade do século XX, se
converteriam em “técnica” e “método científico” para comparar e
erguer “modelos ideais”, sendo Rostow (1974), um dos mais fiéis
impulsionadores desse procedimento, como se argumenta ao longo do
texto.

15
Posteriormente, teorias como a marxista (Mariátegui, 1976 e
1959), a teoria da modernização e da mudança social (Germani,1968), a
teoria da dependência (Marini, 1973 Bambirra, 1978; Dos Santos, 1969:
11-133 e 2002), a estruturalista (CEPAl, 1998), a (neo)estruturalista
(Guillén, 1997), a neoliberal (Gunder Frank, janeiro – março de 1977: 61
-90) e a pós-colonialista (Fernández, 2003 – 2004: 93-113) surgiram e se
espraiaram nas condições mais avançadas da etapa expansiva da
industrialização, urbanização e modernização das sociedades latino-
americanas nas reiteradas crises econômicas das décadas dos anos
sessenta e setenta do século XX e, no posterior esgotamento dos
padrões de acumulação e reprodução de capital, que conduziram ao
“triunfo” do neoliberalismo no cenário acadêmico e intelectual.
No plano das idéias, essa variedade de correntes, perspectivas e
enfoques teóricos expressa a complexidade da realidade latino-
americana e das diferentes interpretações ideológicas e das classes
sociais em relação à dinâmica da sociedade e suas peculiares
transformações. O pensamento latino-americano é, dessa maneira, um
mosaico heterogêneo de idéias, teorias e métodos de investigação que
buscam compreender a natureza dos nossos países e sociedades, num
contexto histórico global arraigado nas vicissitudes da expansão do
capitalismo mundial e, nas condições próprias, locais e regionais de
cada país em particular. O enfoque teórico e a maneira em que se
abordam essas questões (método) é o que lhe confere um verniz
específico a cada uma das correntes do pensamento.

A Autonomia do pensamento social Latino-americano:


positivismo e liberalismo

A maior parte dos pesquisadores latino-americanos concorda a


respeito do caráter institucional que as ciências sociais assumiram após

16
a Segunda Guerra Mundial, sob a influência do pensamento ocidental
europeu, no entanto mantendo sua autonomia4.
Sonntag (1989a: 70) afirma que:
...a institucionalização massiva das ciências sociais na grande
maioria dos países latino-americanos ocorreu paralelamente ao
período da expansão capitalista global, depois da Segunda Guerra
Mundial e a subseqüente modernização das sociedades latino-
americanas [...] Coincidiu com o começo do cepalismo e de suas
ciências sociais concomitantes como paradigmas, mas também
com os esforços para manter ou renovar o marxismo.
Instauraram-se cátedras e cursos universitários, criaram-se
centros de pesquisa nas instituições universitárias, enviaram-se
os primeiros formados para estudos de pós-graduação no
estrangeiro. Este processo, modestamente iniciado nos quarenta,
se foi acelerando nos cinqüenta e, particularmente, nos sessenta,
depois da reformulação que conduz ao segundo momento do
cepalismo.

No âmbito institucional, até antes daquele período - da Segunda


Guerra Mundial - o que existia era um pensamento latino-americano
liberal, equivalente a um sistema de idéias pré-científico e pré-
moderno5; um pensamento cujo método se baseava mais na
especulação, na filosofia, e na jurisprudência do que no método
científico ocidental, centrado na observação e predição, hegemonizado
pelo positivismo como representante das classes conservadoras e
latifundiárias.

Somente a – mais ou menos rápida – imposição dos projetos


oligárquicos pelas classes dominantes nos diferentes países fez
com que a ideologia “liberal” e sua base teórica, ou seja, o
positivismo, chegasse a ser, especialmente na segunda metade

4
Sobre a influência do positivismo e do liberalismo como paradigmas “eurocêntricos” na
América Latina, veja o livro de Bagú, 1971. Tenho desenvolvido a idéia do (re)surgimento
contemporâneo deste pensamento no meu ensaio, 1993: 323-344. Esta autonomia, sua
existência ou inexistência , coloca sob suspeita as teses centrais da teoria pós-colonial, a qual
afirma que o pensamento latino-americano global tem sido vítima do eurocentrismo.Veja o
capítulo 2.
5
Devo esclarecer que de nenhuma maneira considero “inferior” o pensamento existente
antes da institucionalização das ciências sociais, nem o conjunto de idéias recriadas em torno
dele. Ao contrário, o corpus epistemológico que se desprende de tal pensamento com autores do
status de Martí, Simón Bolívar, Morelos, Julio Antonio Mella, Enrique José Varona, Mariátegui ou
Sarmiento,é tão sólido que supera, em muitas ocasiões significativamente, às próprias ciências
sociais, que às vezes se revelam incapazes para explicar a dinâmica dos fenômenos sociais e
humanos na sua essência, sem distorcê-los. .

17
do século XIX e até as primeiras décadas do século atual,
hegemônica, no sentido de uma virtual exclusão das
manifestações de outras correntes do pensamento social.
(Sonntag, 1989a: 18-19).

Posteriormente, uma vez consolidadas as ciências sociais na


região sobre essa base metodológica, serão acrescentadas a estatística
e a matemática. Dessa forma:
...a década dos sessenta inicia uma sorte de época de ouro nas
nossas ciências sociais, que por primeira vez deixam de ser uma
mera caixa de ressonância do que é dito na Europa ou nos
Estados Unidos, para configurar sua própria problemática e até
pretender elaborar sua própria teoria: a teoria da dependência.
Essas ciências sociais estão, além do mais, altamente politizadas
e, contribuem, num interessante vaivém dialético, para dar
espaço científico às teses das diversas organizações políticas.
(CUEVA, 1986:33).

Desde o ponto de vista das ciências sociais, este fenômeno pode


ser catalogado —parafraseando Germani— como a passagem de uma
ciência social do tipo tradicional para uma outra, do tipo moderno,
baseada nos métodos de investigação e observação científicos. Essa
transição coincide com as políticas de modernização e industrialização
impulsionadas pela burguesia industrial (dependente) e o Estado latino-
americano desde a década dos sessenta e que deslocaram, pelo menos
formalmente, o velho sistema oligárquico-latifundiário.
Em função desse último processo e perante a necessidade de
consolidar o poder econômico e político das classes sociais emergentes -
as classes média e alta nas cidades e, a própria burguesia industrial em
ascensão nesse período - sobre o proletariado, a classe operária e os
setores populares, as correntes do liberalismo e o positivismo foram
paulatinamente deslocadas como expressões ideológicas dos interesses
materiais das classes oligárquicas e latifundiárias, assentadas no padrão
de reprodução capitalista primário-exportador que dominou o panorama
intelectual da região durante a segunda parte do século XIX.
Dessa forma, o predomínio dos estudos filosóficos e de
jurisprudência dos pensadores e escritores (cujas idéias enciclopédicas

18
se moviam pelos contornos e conteúdos das ciências sociais, humanas e
filosóficas, abordando a mais diversa gama de temas e problemáticas,
desde as econômicas até as culturais, jurídicas e filosóficas) cedeu lugar
aos estudos científico-empiristas caracterizados, segundo Gino Germani,
pela “... incorporação das orientações teóricas e metodológicas da
sociologia contemporânea” de inspiração funcionalista (Germani: 1964:
2).
O pensamento latino-americano enfrentará estas correntes para
construir novos marcos teóricos e metodológicos que analisem,
interpretem e investiguem os fenômenos da realidade social, os
conteúdos e temas das ciências sociais, para serem adaptados às —
novas— vicissitudes da história latino-americana.
Essa articulação entre a realidade e o pensamento social
constituiu, desde o começo, uma característica sui generis. Pelo menos
desde o século XIX o pensamento latino-americano — e, posteriormente,
as ciências sociais após a Segunda Guerra Mundial — vinculou a
atividade teórica à realidade histórica dos nossos países e sociedades.
Nesse sentido, Sonntag (1989a: 36) afirma que “...ainda com o
funcionalismo-estrutural como marco teórico-conceitual se esteve na
busca de aproximações mais próprias à realidade latino-americana,
similarmente ao cepalismo desde seu começo”.
Originou-se, dessa forma, um extraordinário pensamento social
latino-americano, estreitamente ligado ao estudo do acontecer social,
aos candentes problemas que enfrentava a região e ao processo
histórico de crise e transformação do modo de produção capitalista.
Como afirma Alarcón (setembro de 2001: 63): “o interesse por
desenvolver uma nova Sociologia deve estar no povo, na comunidade,
suas angústias, esperanças e utopias, sem menoscabar os desafios da
época”.
Junto à unidade da práxis e da teoria, na melhor tradição marxista
do pensamento latino-americano, destaca sua autonomia frente a todas

19
as formas de eurocentrismo, particularmente no período posterior à
Segunda Guerra Mundial, que forjou uma concepção global do acontecer
latino-americano no contexto mundial, primeiro com o teorema centro-
periferia, elaborado pela CEPAL e, posteriormente, com a teoria do
imperialismo e a teoria marxista da dependência. Como afirma Ruy
Mauro Marini:
...Pode-se falar no surgimento de uma corrente do pensamento
estruturada e, sob diversos aspectos, original na região somente
a partir do relatório divulgado pela Comissão Econômica da
América Latina, das Nações Unidas, em 1950. A importância da
teorização que começa nesse período reside na novidade de
algumas de suas elaborações —embora, às vezes, pareceram
novas somente pelo desconhecimento do marxismo, o que
caracterizava nossa vida intelectual nessa época– e na grande
repercussão que alcançou na esfera acadêmica e também
política. A análise das concepções cepalinas é, pois,
indispensável para quem deseje conhecer a evolução do
pensamento latino-americano moderno (MARINI, 1993 : 57).6

A teoria da CEPAL, o funcionalismo-estrutural e o marxismo


ortodoxo constituem as fontes de inspiração mais importantes nas
ciências sociais latino-americanas (SONNTAG, 1989a). Um dos seus
frutos foi o fato de ter alcançado, certa autonomia cognoscitiva (relativa)
no plano das idéias, frente à supremacia do pensamento dos centros
intelectuais do capitalismo desenvolvido: a Inglaterra, a França e os
Estados Unidos. Autonomia que, justamente hoje, se encontra
seriamente questionada por sua submissão ao imperialismo cultural.
Além de ter-se distanciado deste para elaborar seus princípios e
resultados, forneceu o espaço para que no curso das décadas dos
cinqüenta, sessenta e setenta se consolidaram as principais correntes
teóricas: o estruturalismo, o funcionalismo e o marxismo, assim como
diversas expressões, tais como a teoria da modernização, a articulação
de modos de produção e a teoria da marginalização social (NUN, 2001),

6
4Para mais consultas sobre a corrente cepalina, veja Rodríguez (1993) e, para a
marxista, Cueva (1986:25-37) e Fornet-Betancourt (2001).

20
o “dualismo estrutural” e, finalmente, a teoria da dependência em suas
três vertentes fundamentais: a marxista, a não-marxista e a reformista.

Conclusão

Qualquer ciência ou disciplina social que presuma sê-lo aspira a


construir sua autonomia cognoscitiva, de não ser assim (como parece
estar acontecendo na atualidade na América Latina), dificilmente poderá
desenvolver-se, cumprir seus objetivos e produzir resultados na altura
que a explicação do processo histórico exige. As dificuldades são
imensas, os obstáculos maiores, mas não se pode renunciar a reivindicar
um pensamento próprio, embora imbricado nas correntes mundiais, sem
ter que pagar as conseqüências totais de ficar órfãos de teoria e vítimas
de um eurocentrismo e anglosaxismo que somente cuida dos interesses
do Império.
Este momento do pensamento latino-americano reclama a
recuperação de sua capacidade crítica e a restituição de suas qualidades
éticas e libertárias. De não ser dessa forma, converter-se-á numa caixa
de ressonância de tudo quanto se fale no Norte.

21
2
Paradigmas e Correntes teóricas do pensamento latino-
americano (1950-2005)

Introdução

A meados dos anos setenta os críticos da teoria da dependência


(particularmente na sua vertente marxista) garantiram seu pronto
falecimento. No entanto, não conseguiram anular esta teoria como
alternativa teórica, metodológica e analítica frente às demais correntes
de pensamento. Pelo contrário, se encontra em boas condições para
restituir-se criativamente e dar conta da nova situação dos países
atrasados e subdesenvolvidos no contexto da assombrosa expansão
universal do modo de produção capitalista no começo do século XXI.
Neste capitulo realizar-se-á uma breve apresentação sobre as
principais correntes de pensamento que desabrocharam na América
Latina na segunda metade do século XX. O propósito destas frases é
avaliar a natureza e as características da TMD em relação ao potencial
analítico e explicativo dos principais fenômenos que emergiram no
processo contraditório da globalização do capital na região. Por último, é
do interesse do autor avaliar a possibilidade de se fusionar a teoria da
dependência com outros paradigmas, como a teoria do sistema-mundo.

As teorias do desenvolvimento no âmbito das ciências sociais


latino-americanas

Sem dúvida, as teorias do desenvolvimento são um genuíno


reflexo da reorganização do mundo capitalista após a Segunda Guerra
Mundial, sob a supremacia incontrastável dos Estados Unidos, como
centro do imperialismo mundial, trás haver deslocado o imperialismo
inglês.

22
Desde o ponto de vista ideológico, o objetivo dessas teorias
consistia em justificar o domínio dos povos e nações que arribaram na
história mundial a partir dos processos de descolonização e mediante a
luta pela constituição dos seus Estados nacionais.
Criou-se naquele período um novo mundo nos contornos do
sistema capitalista, a partir da crise do colonialismo histórico,
particularmente da Grã Bretanha, França, Espanha, Portugal e Holanda,
e do desencadeamento de poderosos movimentos políticos de
descolonização, que culminarão na formação do que se chegou a
conhecer como o Terceiro Mundo (na terminologia oficial), e no
surgimento do maior conglomerado humano da história: a República
Popular China.
Os novos países e suas Nações-estado (uns capitalistas e outros
socialistas), à diferença das nações historicamente industrializadas,
caracterizaram-se por ser “subdesenvolvidas”, em oposição aos
autodenominados “países desenvolvidos” do centro histórico do
capitalismo. Para marcar essa diferenciação utilizaram-se métodos de
medição quantitativos que estabelecem as fronteiras existentes entre
ambos grupos de países com base nas teorias de desenvolvimento, de
facção neoclássica e funcionalista.

A teoria do desenvolvimento capitalista no pensamento de


Rostow

Entre os autores norte-americanos, Rostow (1974) foi quem


melhor expressou a teoria do desenvolvimento – a qual seria assumida
mais tarde e, em forma passiva, pelas correntes mais predispostas ao
liberalismo e ao conservadorismo na América Latina – que permite
compreender conjuntamente esta perspectiva das ciências sociais, a
qual dominou no curso das décadas dos cinqüenta e sessenta, não só os
Estados Unidos, mas todos os outros países do mundo.

23
Vale a pena deter-se por um momento na análise da obra clássica
deste autor, As etapas do crescimento econômico, um manifesto não-
comunista, uma vez que apresenta as idéias mais acabadas a respeito
da formulação da teoria do desenvolvimento.
Para Rostow o processo de desenvolvimento se divide em cinco
etapas lineares e sucessivas, que são: a) a sociedade tradicional, b) as
condições prévias ao impulso inicial ou decolagem, c) o impulso inicial,
propriamente, d) o estágio maduro, e, e) o consumo de massas de bens
e serviços pela população (ROSTOW, 1974:16).
Rostow assinala que a “etapa pré-moderna e pré-industrial” da
“sociedade tradicional” envolve:
... todo o mundo pré-newtoniano: as dinastias na China, a
civilização do Meso-Oriente e do Mediterrâneo, o mundo da
Europa medieval. E, agregaremos as sociedades pós-newtonianas
a estes, que, durante algum tempo, permaneceram intactas e
sem serem movidas por uma nova capacidade humana de
administrar regularmente sua circunstância em seu próprio
beneficio econômico (ROSTOW, 1974:17).

No que diz respeito à segunda etapa, as condições prévias ao


impulso inicial, que o autor situa historicamente na Europa Ocidental
entre o final do século XVII e o começo do século XVIII (ROSTOW,
1974:18), menciona que são sociedades que se encontram num
“processo de transição”, o qual se entende como a passagem de uma
sociedade tradicional para uma moderna – tema que será objeto de
estudo das correntes funcionalistas, adotadas por autores como Gino
Germani e Aldo Solari, e, que se analisarão ao longo deste livro (p.65 e
ss)
A terceira etapa se identifica com a decolagem econômica que,
segundo Rostow, consiste num processo onde se superam
definitivamente todos os obstáculos e resistências que freiam o
desenvolvimento permanente do capitalismo, o qual se produz em
“progressão geométrica’ e ““... se transforma, por dizê-lo em certa
forma, em parte integrante dos seus hábitos e de sua estrutura

24
institucional” (ROSTOW, 1974:20). De acordo com este autor, o impulso
inicial se deriva do avanço tecnológico e da formação do capital fixo,
elementos que nunca explica e, cuja origem histórica não é
aprofundada. O país que exemplifica este processo de decolagem,
como menciona Marx, é a Inglaterra do final do século XVIII e começo do
século XIX (ROSTOW, 1974:21). Para outros países, como a França e os
Estados Unidos, Rostow situa sua decolagem antes de 1860. A
decolagem da Alemanha, no terceiro quarto do século XIX, do Japão,
depois de 1875 em diante, do Canadá e Rússia, 25 anos antes da
Primeira Guerra Mundial (1914), enquanto que a decolagem da China se
desenvolveu até a década dos cinqüenta do século XX (ROSTOW,
1974:21).
Por dedução, seguindo esta trajetória, a decolagem de alguns
países latino-americanos como o Brasil, México, Chile ou Argentina pode
ser situado justamente neste período porque coincidem, grosso modo,
com o processo de industrialização por substituição de importações, que
deixou para trás a velha economia primário-exportadora. Embora, não a
desmantelara, e sim a (re) funcionalizara no contexto da expansão do
capitalismo.
A quarta etapa, o estágio maduro, surge trás o impulso inicial e
constitui para Rostow (1974:21), um processo de “progresso contínuo”
do capitalismo, em que a tecnologia se generaliza e se aplica no
conjunto dos setores produtivos que constituem a economia como um
todo. Em termos gerais, se passa de uma situação onde uma
significativa proporção da renda nacional (entre o 10% e o 20%) que era
investida em importações, passa a ser investida agora na substituição
das mesmas, o que possibilita a produção massiva de mercadorias
destinadas à exportação em direção dos países desenvolvidos.
Este processo de maturidade, segundo o autor, ocorre por volta de
60 anos após o impulso inicial ou decolagem e, constitui a etapa do
capitalismo pleno.

25
Em relação a isso, Rostow (1974:22) afirma:
...no aspecto mais formal, podemos definir a maturidade como a
etapa na qual a economia demonstra sua capacidade para
deslocar as primeiras indústrias que propiciaram seu impulso
inicial, e absorver e aplicar, efetivamente, sobre um amplíssimo
conjunto dos seus recursos –ou na sua totalidade- os frutos mais
desenvolvidos da tecnologia, considerada naquele momento,
como moderna.

Este processo ocorreu num lapso de tempo de 60 anos em países


como a Alemanha, a Inglaterra, a França e os Estados Unidos no final do
século XIX e começo do século XX. O período que transcorre entre o
período inicial e o de maturidade depende, concretamente, como
sustenta o autor, da natureza da aplicação da tecnologia ao monto de
capital e, de sua acumulação constante. Entretanto, não explica a
natureza da tecnologia nem a origem do capital, que Marx encontra na
acumulação originária do capital. Isso implica teórica, histórica, política
e empiricamente um processo de separação violenta do produtor direto
(trabalhador, camponês, artesão ou comunidade) da propriedade dos
seus meios de produção e a conversão resultante de sua força de
trabalho em mercadoria (c+v+p), onde c é igual ao capital constante, v
é igual ao capital variável e p é a mais-valia.
Como um complemento do conceito marxista de acumulação
originária, que se remonta ao processo inicial de separação violenta dos
produtores diretos dos seus meios de produção, Harvey (2004) introduz
o conceito de acumulação por (des)posse para explicar os processos
contemporâneos de acumulação e reprodução no contexto da
privatização dos recursos públicos, na maior parte dos países
subdesenvolvidos do Terceiro Mundo.
Finalmente, Rostow denomina a quinta etapa como a etapa de
consumo de massas de bens e serviços duradouros. Representa o
advento e a consolidação da sociedade industrial desenvolvida (FROM et
al., 1987), do Estado de bem-estar (JESSOP, 1999) e do fordismo,

26
baseado na cadeia de montagem e, que tem na indústria automobilística
sua expressão mais acabada (CORIAT, 1985 e ARENAS, 2003).
No parágrafo seguinte Rostow (1974:25) resume sua concepção
sobre a evolução econômica do capitalismo:
Uma sociedade tradicional começa sua modernização, o período
de transição, no qual se criam as condições prévias ao impulso
inicial, em resposta, geralmente, à intrusão de uma potência
estrangeira, coincidindo com certas forças nacionais que
contribuem para a modernização. Posteriormente, o impulso
inicial em si, a marcha em direção à maturidade, que geralmente
envolve a vida de aproximadamente duas gerações. E, por último,
se o aumento da renda conseguiu igualar a difusão da maestria
técnica (o que [...] não é necessário alcançar em forma imediata),
o desvio da economia em pleno estágio maduro em direção do
fornecimento de bens e serviços de consumo duradouros (assim
como o Estado de bem-estar social) para a crescente população
urbana – e, posteriormente, a suburbana.

Se por um lado é verdade que existem diferenças entre os autores


que adotaram as teorias do desenvolvimento, por outro, seu
denominador comum se sintetiza em duas teses que influíram nas
ciências sociais, inclusive até nossos dias, especialmente no que
concerne ao método para se comparar sociedades industriais
desenvolvidas e sociedades subdesenvolvidas e dependentes.
A primeira delas consiste na idéia de que o subdesenvolvimento é
uma etapa prévia e necessária para alcançar as pautas do capitalismo
pleno. Desprende-se disso a tese de um continuum (MARINI, 1944a;
137), num processo linear, onde o subdesenvolvimento constitui, em si,
a ante-sala necessária que precisa ser superada. Esta é a idéia chave
da concepção desenvolvimentista do take-off, que expressa a
necessidade de reunir as condições da primeira etapa (do
subdesenvolvimento) para poder decolar posteriormente e, alcançar a
plenitude do capitalismo.
A segunda tese é quantitativa e determinista: se expressa num
conjunto de parâmetros formais para medir o subdesenvolvimento,
utilizando índices como a alfabetização, nutrição, natalidade e

27
mortalidade, renda per- capita, níveis de pobreza, taxa de formação do
capital fixo e produtividade. Convertidos posteriormente em modelos
matemáticos, estes parâmetros expressam o nível em que se encontra
uma sociedade em relação a uma trajetória que marca o continuum
evolutivo.
Dessa forma, a línea divisória entre os países desenvolvidos e os
subdesenvolvidos compreende –simplificadamente- parâmetros
quantitativos da sociedade, conforme a seguinte sentença:
A tese do círculo vicioso da pobreza sugere uma clara distinção
entre os países desenvolvidos (ricos) e os subdesenvolvidos
(pobres), baseada em amplas diferenças nas rendas per - capita
desses grupos, claramente distintos. Além do mais, segue-se da
tese, que essas diferenças de renda per - capita têm que
aumentar, porque enquanto que os países desenvolvidos
progridem, os países subdesenvolvidos estão estagnados ou,
inclusive, retrocedem. Daí a sugestão da desigualdade
internacional das rendas sempre em ascensão, que familiarmente
se denomina como a constante ampliação da brecha (BAUER,
1985: 49).

Os autores neoclássicos do desenvolvimento não explicam as


causas que provocam essa constante ampliação da brecha, verdadeiro
nó gordiano de qualquer teoria séria e com pretensões de cientificidade.
Em geral, autores como Arthur Lewis e Collin Clark chegam, quando
muito, a apontar o baixo nível tecnológico, a insuficiência de
investimentos e a corrupção dos governos como causas do
desenvolvimento. Bastaria, então, corrigir essas deficiências para
alcançar a etapa de desenvolvimento (JAGUARIBE, 1992:39). Nesse
sentido, países como o México estariam na cima da plenitude do
paradigma.
Traduzidas em equações sociais e em modelos ideais, estas
teorias se reduzem às dimensões quantitativas que surgiram depois da
Segunda Guerra Mundial, como a reação ideológica e política dos
centros de poder do capitalismo para justificar a nova ordem pós-
colonial, dominado pelo sistema imperialista, liderado pelos Estados
Unidos.

28
Posteriormente, as teorias do cepalismo e da modernização terão
uma grande influência ao tentar explicar – sem conseguir fazê-lo
plenamente – a natureza do desenvolvimento, de maneira particular,
sob a idéia evolucionista da modernização a partir da transição de uma
sociedade tradicional para outra desenvolvida ou da passagem do
“desenvolvimento para fora” para o “desenvolvimento para dentro”.
Analisemos, pois, essas correntes de pensamento: a teoria da
dualidade estrutural e a teoria da modernização e da mudança social,
ambas enquadradas no pensamento sociológico funcionalista que
surgirá nas décadas dos sessenta e setenta do século XX.

O dualismo estrutural

O dualismo estrutural é uma variante da antropologia cultural do


desenvolvimento, ainda que sua origem date do começo do século XX
em função da questão indígena (QUIJANO, 1989: 30 e YOICHI ITAGAKI,
1968), a qual promove:
A modernização das condições econômicas, sociais, institucionais
e ideológicas do país. Isso, além de trazer a possibilidade de
tensões e de crises, se manifestaria, durante certo período de
tempo como uma situação de dualidade estrutural. O tema da
modernização e a noção de dualismo estrutural inspiraram o
grosso da produção sociológica e antropológica desse período [os
anos cinqüenta] (MARINI, 1972:72)

Como se sabe, a teoria da dualidade estrutural se remonta ao


começo do século XX, enquanto que na América Latina sua difusão
corresponde ao trabalho de Jacques Lambert (1970). Desde certa
perspectiva, esta teoria se relaciona com a teoria do enclave (CARDOSO
e FALETTO, 1969 e BAMBIRRA, 1974) na fase histórica, que os
desenvolvimentistas denominam de “desenvolvimento para fora”.
Neste, as sociedades e economias constituem espaços econômicos que,
desde a perspectiva da acumulação de capital e da dominação política,

29
são verdadeiras extensões dos territórios estrangeiros (uma espécie de
áreas francas para o mercado mundial da atualidade).
A característica marcante do dualismo estrutural radica na
concentração das unidades altamente produtivas em espaços
restringidos do território nacional, onde se assentam os enclaves
econômicos evoluídos, que concentram os frutos do progresso técnico.
Em relação a isso, Pinto (1985:39-40) afirma que:
O visível aumento da produtividade não só se concentrou no setor
exportador e nos seus satélites, mas, por diversas razões também
não se conseguiu irradiar para trás, em direção do hinterland, que
continuou vivendo no passado “econômico”. Um mapa da
atividade produtiva no começo do século teria mostrado com
clareza uma serie de manchas, geralmente, perto do litoral,
embutidas e em certo grau, isoladas da massa territorial
circundante.

Essas manchas correspondem ao pólo capitalista desenvolvido,


enquanto que os supostos espaços isolados (tradicionais do interior, os
hinterland), vegetam no pólo subdesenvolvido, atrasado ou, no pior dos
casos, feudal.
Como se verá logo mais, a dualidade estrutural apresenta o
subdesenvolvimento como a antípoda do desenvolvimento e pretende
explicar por que essa condição não tem sido ainda superada, justamente
porque existem relações atrasadas que o freiam, raciocínio
completamente tautológico.
Essas correntes de pensamento partem do suposto metodológico
de que existem classes sociais não capitalistas – camponeses,
latifundiários e indígenas – que ocupam um peso muito grande na
sociedade. Estes devem transformar-se paulatinamente sob a influência
de forças sociais progressistas, tais como a classe operária, as classes
médias e a burguesia, no entanto com o apoio do Estado.
Existe dualidade estrutural porque, supostamente, esses países
possuem estruturas capitalistas e não-capitalistas que coexistem entre
si, mas que se conectam através de suas relações com a metrópole
(FRANK, 1991), versão que se encontra tanto nas correntes

30
funcionalistas como nas do materialismo histórico de corte stalinista e
ortodoxo (QUIJANO, 1989: 31), como na coexistência dos modos de
produção; à exceção de que nesta última existem relações intra, modos
de produção no próprio interior da nação.
Para superar a dicotomia desenvolvimento – subdesenvolvimento
precisa-se modernizar a sociedade e permitir que o capitalismo
transforme as relações econômicas e sociais atrasadas e, ao mesmo
tempo, gere uma estrutura de país plenamente capitalista, com suas
relações sociais e jurídicas correspondentes, do tipo: propriedade
privada, impulso às forças produtivas e sistemas políticos avançados.
Dessa forma, em síntese, se poderá concluir o processo de
modernização para superar o subdesenvolvimento (SOTELO, 1990: 49-
58).
Geralmente, nos países latino-americanos, onde a modernização
do sistema econômico e social se expressou com mais vigor (o México, o
Brasil e a Argentina), este assumiu a forma de industrialização por
substituição de importações para impulsionar os mercados internos de
consumo e de trabalho, processo que ocorreu em duas etapas, entre
1930-1950 (fase simples) e 1950 – 1982 (fase complexa). O genuíno
resultado desse movimento foi o traslado do eixo de acumulação de
capital para as atividades industriais em detrimento da agricultura, a
mineração e os serviços tradicionais.
O dualismo não explica a natureza do atraso histórico dos países
subdesenvolvidos e dependentes, não repara na suas causas e
dinâmicas, apesar de que essas determinações influenciarão no seu
futuro, tanto na época posterior à independência (1810-1850) – e no
período seguinte, relativo à formação, consolidação e crise da economia
latifundiária primário-exportadora (CUEVA, 1993) - como no século XX,
que verá a ascensão e crise da industrialização e, o surgimento do
neoliberalismo e da (des)industrialização (SOTELO, 2004).

31
Analogamente à maioria das teorias neoclássicas, o dualismo
estrutural não ofereceu uma resposta ao problema de por que persiste o
subdesenvolvimento e o atraso nas sociedades latino-americanas,
apesar de que os Estados tenham posto em prática a maior parte das
políticas de modernização, antes e depois da segunda metade do século
XX. Foi o professor francês, Jacques Lambert, máximo expoente dessa
corrente de pensamento, quem tentou oferecer uma resposta a estas
questões. Na continuação abordar-se-á a análise de sua obra principal:
A América Latina, estruturas sociais e instituições políticas (1970), uma
vez que oferece um panorama global dessa perspectiva teórica.

Evolucionismo e desenvolvimento linear na tipologia do


desenvolvimento de Lambert

Na primeira parte desta obra (1970:77-113), Lambert constrói uma


tipologia evolucionista aplicada às distintas etapas históricas da América
Latina. Por isso, é conveniente fazer uma análise dessa tipologia para
extrair os elementos – e o alcance – dos seus postulados sobre a
explicação do atraso e do subdesenvolvimento nas condições
específicas da região latino-americana.
Lambert acredita que esses problemas têm como causa principal a
sobrevivência de estruturas tradicionais e arcaicas que os geravam e
reproduziam, como pode ser deduzido do seguinte parágrafo do seu
livro:
A imobilidade de suas estruturas caducas foi uma das causas
pelas quais a América Latina tem visto sua evolução econômica e
social dissociada dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Para
a maior parte da América Latina, o século XIX tem sido um século
perdido, inclusive para os países mais favorecidos – Argentina,
Brasil, Chile, México, Uruguai – foi, em todo caso, a primeira
metade do século que se perdera. Ao final do século XIX, os
Estados Unidos estavam mais povoados que toda a América
Latina e, em quanto que 80 milhões de norte-americanos eram
ricos e instruídos, 60 milhões de latino-americanos permaneciam
em grande medida iletrados e miseráveis. A América Latina
convertera-se num mundo subdesenvolvido, especialmente em

32
relação à Europa central e à América anglo-saxão, as quais se
transformaram muito rapidamente (LAMBERT, 1970:35).

Lambert classifica vinte países da América Latina em três grandes


grupos em função de dois critérios: a) que se encontrem constituídos em
pequenas comunidades fechadas e b) que se encontrem integrados de
maneira mais ou menos coerente como sociedades nacionais
progressistas (?).
No primeiro grupo de países, que o autor caracteriza como
desenvolvidos ou relativamente desenvolvidos, figuram a Argentina e o
Uruguai. O segundo grupo, constituído pelos países subdesenvolvidos,
caracterizados pela existência de pequenas comunidades autárquicas e
isoladas, compreende o Peru, Equador, Paraguai, Nicarágua, El Salvador,
República Dominicana, Guatemala, Honduras, Bolívia e Haiti. Por último
no terceiro grupo, também denominado de países desigualmente
desenvolvidos, figuram o Chile, Venezuela, México, Brasil e Colômbia.
Além desses três grupos, Lambert identifica a Costa Rica, o Panamá, a
Cuba, o Porto Rico, a Jamaica e a Trindade e Tobago como situações de
exceção porque esses países, de acordo com o autor, dependem de
metrópoles européias. Esta classificação pondera o conteúdo político e
sociológico, mais do que o econômico, como fundamentos para a
construção de sua tipologia (Lambert, 1970: 77-81). Ao mesmo tempo,
cada um desses grupos admite no seu seio certas características. Assim,
enquanto que o primeiro possui uma estrutura arcaica e uma menor
população, a estrutura do segundo grupo é evoluída e isso lhe permite
caracterizar esses países como não - subdesenvolvidos, “mais no
sentido relativo de países menos ricos e menos industrializados do que
os Estados Unidos ou do que os países mais desenvolvidos da Europa”
(LAMBERT, 1970: 79).
Como se pode observar, Lambert utiliza o método comparativo
que envolve países imperialistas como os Estados Unidos, a Inglaterra

33
ou a Francia dentro do modelo ideal para contrastá-los com os que
pertencem ao âmbito da periferia da economia capitalista mundial.
Os países do terceiro grupo são os países propriamente dualistas,
porque possuem grandes extensões territoriais, numerosa população e
mantêm uma combinação de formas de organização social arcaicas que
coexistem com as mais evoluídas.
Na página 80 do seu livro, Lambert apresenta um quadro
sinóptico, onde consigna as características dos três grupos de países
latino-americanos que servem para estruturar sua classificação. Desta
forma, utiliza indicadores como superfície, população, taxa de
natalidade, expectativa de vida, crescimento demográfico, renda per -
capita, percentagem da população urbana, percentagem das classes
médias, percentagem da população integrada à nação, calorias per -
capita e analfabetos maiores de 15 anos.
Esses dez indicadores constroem a tipologia de Lambert, ao
mesmo tempo em que são os suportes da explicação das diferenças
históricas, estruturais e sociais dos distintos países e grupos dos países
latino-americanos. Sustentam, ao mesmo tempo, a concepção do
dualismo estrutural, que se desenvolve nos anos sessenta no
pensamento latino-americano.
Em síntese e de acordo com o dualismo estrutural:

...cada país da América Latina está composto por duas


sociedades: uma rural e outra urbana. Elas são diferentes, e em
parte independentes, embora se encontrem vinculadas a um
mesmo marco político-administrativo. Cada uma delas tem sua
própria dinâmica. Ambas se justapõem, mantendo entre si
relações externas, parciais e tangenciais. A coexistência constitui
no dualismo estrutural, e expressa um estágio intermediário ou
forma híbrida, resultante da passagem de uma sociedade antiga
para outra que ainda não terminou de emergir ou não funciona na
sua plenitude. As diferencias se apresentam em termos de
estruturas e dinâmica, de produtividade, de renda, de aptidão
para gerar, absorver e difundir transformações (LAMBERT, 1970:
80).

34
O âmago dessa concepção radica em que não se explica a
vinculação de ambas sociedades (a urbana e a rural) através do marco
político-administrativo, o qual, se encontra - nos países latino-
americanos - intensamente influenciado e (sobre)determinado pelos
interesses políticos e estratégicos dos países centrais, através de, por
exemplo, as relações comerciais e diplomáticas, da legislação
internacional, das pressões dos Estados e das empresas imperialistas
ou, finalmente, mediante a pressão militar. Em todo caso, a vinculação
entre ambos se dá através das ligações que os atam ao poder político
desses países ou ainda, mediante a ação política das elites e das
burocracias internas que operam nos países subdesenvolvidos. Kaplan
critica esta concepção de Lambert ao observar nela a extrema
simplificação de um processo histórico sumamente complexo. Sua
elaboração é a seguinte:
O esquema está sujeito a críticas, principalmente, pela
simplificação histórica e sociológica que lhe é inerente. Pretende
atribuir exclusivamente ao caso da América Latina e do Terceiro
Mundo, um rasgo de toda a história humana […] A concepção do
dualismo estrutural supõe, pelo contrário —implícita ou
explicitamente— que os países latino-americanos se
desenvolvam, ou devam desenvolver-se, imitando os processos
dos países capitalistas avançados, com etapas, seqüências e
rasgos similares. Outorga-se assim prioridade ao dinamismo dos
fatores exógenos, e se julgam as particularidades estruturais
como desvios. A sociedade urbana é identificada como o
desenvolvimento e a modernização, e a sociedade rural como seu
enigma. Não se estabelece uma correlação precisa entre o
conceito de sociedade tradicional e o de sociedade moderna, por
um lado, e as situações sociais definidoras e explicativas de
ambas, por outro, nem com as etapas sócio-econômicas
fundamentais. Os processos de transição de uma sociedade para
outra também não são explicados. Subestima-se o papel dos
grupos sociais e das forças políticas (Kaplan, 1985: 56-57).

Em essência, a limitação mais importante do dualismo estrutural


decorre de sua incapacidade para explicar, dialética e dinamicamente, o
processo de transição que acontece quando uma sociedade constituída
e articulada em forças políticas, classes sociais e luta de opostos, decide
começar um processo de transição desde uma situação de ausência do

35
desenvolvimento (ou anti - desenvolvimento) para uma outra, onde
aquele se estimula e se consolida no contorno do capitalismo.
A esta tarefa estaria, supostamente, abocada a teoria da
modernização e da mudança social.

A teoria da modernização e da mudança social


Se o dualismo estrutural é uma teoria que floresceu no transcurso
dos anos cinqüenta e sessenta com forte influência do estrutural-
funcionalismo norte-americano, que pretendia explicar e adaptar as
estruturas de mudança às características do modo da sociedade
ocidental, a teoria da modernização — que “cobre o ciclo de predomínio
parsoniano na pesquisa social latino-americana” (QUIJANO, 1989: 30) —
se internaliza e compromete mais com a estrutura cognoscitiva e
acadêmica das ciências sociais e humanas latino-americanas. Por esse
motivo, lhe é dado aqui um tratamento autônomo.
Gino Germani, intelectual de origem italiano, radicado na
Argentina, é o principal representante da teoria da modernização. Entre
suas obras destacam-se A Sociologia na América Latina (1964),
Economia e sociedade numa época de transição (1968) e Sociologia da
modernização (1969). Segundo Kahl (1986), que realiza uma biografia
intelectual de Germani, a melhor contribuição original deste mestre da
sociologia consiste na combinação certeira que faz da tradição teórica
européia clássica com os novos métodos da pesquisa empírica, que se
realizaram nos Estados Unidos naquela época (KAHL, 1986: 117).
Ligado à CEPAL, outro pioneiro desta escola é Medina Echavarría,
com obras tão importantes como Considerações sociológicas sobre o
desenvolvimento econômico da América Latina (1969). Nesse livro,
Echavarría analisa as conseqüências sociais do desenvolvimento
econômico — tema parcial ou francamente ausente naquele tempo
entre os economistas da região — e sugere o problema entre a relação
da economia e da sociedade na América Latina, questão que na

36
sociologia clássica fora central. Segundo este autor, a separação desses
âmbitos é necessária para encontrar os mecanismos de oposição e
reforço mútuos do processo de desenvolvimento. Nessa concepção,
Echavarría se mostra firmemente influenciado pela sociologia
compreensiva de Max Weber (1964), em particular pela obra Economia
e sociedade, que o próprio Medina traduziu para o Fundo de Cultura
Econômica em 1944.
A sociologia científica da modernização — versão estrutural-
funcionalista do capitalismo e da mudança social — define o
desenvolvimento como a transição da sociedade tradicional para a
sociedade industrial moderna, no sentido apresentado por Rostow. Na
medida em que aquela se aproxima desta última, mediante o processo
de modernização — onde o modelo ocidental europeu e norte-americano
constitui o paradigma a ser alcançado—, a sociologia científica desdobra
três linhas que correspondem às necessidades da pesquisa na sociologia
norte-americana nesse período.
Desenvolve, em primeiro lugar, estudos de caráter descritivo para
conseguir dados primários sobre a estrutura econômica e social em
aspectos tais como as características da industrialização, o emprego, a
urbanização, a mobilidade e a estratificação social (eixo central das
teorias funcionalistas). Em segundo lugar, reúne e classifica dados
relativos à educação, capacitação profissional, movimentos migratórios,
participação política e circulação de elites. Por último, analisa os
aspectos psicológicos com o objetivo de mesurar o sistema de
estratificação social e detectar as atitudes, afins ou contrárias, da
mudança social, influenciado pelas classes dominantes.
A articulação empírica desses três níveis, baseados na
objetividade do conhecimento, na neutralidade valorativa e, em menor
medida, em questões ideológicas, tem como objetivo conhecer a
propensão de uma sociedade para assimilar os valores e condutas
próprias da sociedade industrial (sociedade de consumo) mediante o

37
abandono do atraso e a superação valorativa da sociedade tradicional:
dos seus costumes, leis, tradições e ordenamentos.

O método de análise do funcionalismo sociológico descreve esse


processo mediante o “efeito demonstração”, que consiste no impacto da
difusão das pautas de produção e consumo e, dos estilos de vida dos
países industriais nos países periféricos. Destaca também o “efeito
fusão” que irradiam os países industrializados na estrutura econômica,
social e político-cultural dos países subdesenvolvidos a partir da
transferência de atitudes e ideologias (fenômeno de assimilação dos
valores e ideologias hegemônicas por parte das culturas subalternas,
geralmente através dos meios de comunicação).
Na mesma direção, ao se referir às sociedades que se modernizam
e aos elementos que uma teoria social deve integrar, Apter afirma que:
“A solução da dependência externa e sua dissolução interna constituem,
em nossa opinião, o problema político concreto mais urgente nas
sociedades que se modernizam” (1974:55).
Dessa problemática geral se deriva o objetivo central da sociologia
da modernização: considerar um sistema político em termos do
equilíbrio entre o desenvolvimento e a ordem. A meta política é a
harmonização de ambos e sua maximização. Dessa forma podem servir
como guias para a avaliação da atuação dos sistemas reais.
Ordem e desenvolvimento são os objetivos políticos da
modernização, a qual é definida como a etapa prévia à industrialização
das sociedades que se modernizam.
Nesse contexto, a obra de Germani (1968, especialmente a parte I,
capítulo 3) é de singular importância pelo fato de ter sido, junto a Aldo
Solari, um dos pioneiros latino-americanos da escola estrutural -
funcionalista (para uma introdução sobre esta temática, consultar Boils e
Murga, 1979; acerca do ponto de vista do funcionalismo norte-
americano, Apter, 1970), onde a dicotomia desenvolvimento -

38
subdesenvolvimento atualiza a obra deste mestre da sociologia, numa
região particularmente convulsionada pelas recorrentes crises
econômicas, sociais, políticas e, pelos problemas inacabados da
transição e integração, aguçados pelos intensos embates da
globalização e a regionalização do sistema capitalista em escala
planetária.
Se por um lado é certo que na década dos sessenta se produz uma
crise inédita da sociologia latino-americana e do desenvolvimentismo —
engendrados na década anterior—, o paradigma estrutural funcionalista
continuará influenciando sua análise, determinando em grande medida
as políticas públicas e as políticas do capitalismo privado. Como afirmam
Cardoso e Weffort (cit. por BOILS e MURGA, 1979:65):

...a referência ao mundo desenvolvido parece ser ainda a


constante e, a postura teórica dominante continua sendo muito
mais do que se esperava, considerando a insistência na
importância das singularidades, da continuidade entre
subdesenvolvimento e desenvolvimento ou entre a “sociedade
tradicional” e a “sociedade moderna” ou, ainda, entre o pré-
capitalismo e o capitalismo.

Nas décadas dos cinqüenta e sessenta a dicotomia entre a


sociedade tradicional e a sociedade moderna dissimula as políticas
públicas e as do capital privado, inclinadas a superar o
subdesenvolvimento através da modernização das estruturas sócio-
econômicas e dos sistemas políticos, a fim de arribar na fase da
industrialização plena. Pelo menos, esta era a crença naquela época,
quando o panorama rural e os valores tradicionais eram considerados
como baluartes de um continuum social costumeiro, que dava a
sensação de ser eterno e que, por esse motivo, não seria tocado pela
modernidade.
Nos anos cinqüenta essa dicotomia justificou a modernização por
parte do Estado e de suas políticas públicas, articuladas à dinâmica do
investimento do capital privado (nacional e estrangeiro), com

39
pretensões de superar a condição periférica. Na realidade o que
acontecia era a consolidação do capitalismo dependente.
Na década seguinte, em plena crise deste modelo, a dicotomia foi
trasladada pela CEPAL ao modelo centro-periferia, onde o inimigo a ser
vencido era —agora— a dependência externa. Durante a década dos
setenta e na década seguinte, num período de estagnação e crise, a
fórmula ideológica da modernização adquiriu relevância desde a ótica
dos governos e das classes dominantes, nos programas de
reestruturação capitalista e modernização dos aparelhos produtivos na
sombra do neoliberalismo (veja Sotelo, 1993a).
No México, Brasil, Argentina, Chile e Colômbia, para mencionar os
países mais representativos, a reconversão industrial, o aumento dos
índices de produtividade, o crescimento da urbanização, a mudança
para o mercado mundial, o endividamento externo e a crise interna
permanente das sociedades de classes foram os fenômenos que
enfatizaram os problemas da estabilidade política e das contradições do
sistema capitalista. No entanto, justificaram também em boa medida, a
instauração de ditaduras militares e de Estados de contra-insurgência
(GARCÍA et al., 1978).
Em síntese, o que justifica uma análise crítica da obra de Germani
é o fato de aprofundar um sistema teórico - abstrato, o sistema
estrutural-funcionalista, cuja influência se foi debilitando e entrando em
desuso, conforme a crise do padrão de acumulação capitalista
dependente se aprofundava no curso da década dos setenta,
deteriorando desse modo o sistema de estratificação social. Contudo, é
especialmente, na década dos oitenta quando as políticas do Estado,
supostamente encaminhadas para a superação do subdesenvolvimento
e da dependência, não fizeram mais do que debilitar a industrialização e
anunciar a entrada, com muita festa e elogios, das políticas neoliberais
de (des)industrialização, privatização e abertura externa, que
prevalecem na atualidade.

40
A teoria da modernização e da mudança social na obra de
Germani
Para Germani, a dinâmica da estrutura social, no processo de
mudança, se capta somente mediante um método de percepção do
mundo sócio-cultural integrado a partir de um conjunto de partes
relacionadas entre si.
Nesse sentido, a hipótese geral indica que “…cada parte está
vinculada ao resto de tal forma que qualquer uma delas possa produzir
modificações em todas as demais em maior ou menor medida”. FONTE
A noção de estrutura implica a hipótese da inter-relação entre as
partes: “... o propósito da análise reside na verificação e
estabelecimento do caráter, direção e intensidade da relação existente”.
Sob o manto do seu modelo teórico (ideal), a teoria da
modernização supõe que a mudança social é gerada a partir da
modificação de qualquer uma das partes (estruturas parciais ou globais),
para o qual se estabelecem fundamentalmente três tipos de inter-
relação da estrutura social:

I. A inter-relação como simples interdependência das partes.


II. A inter-relação como ajuste ou desajuste das partes.
III. A inter-relação como adequação das partes da estrutura a um
sistema de valores centrais que constituem a estrutura global em
si.
Esses três níveis de inter-relação caracterizam as diferentes
mudanças que operam numa sociedade. Em relação ao primeiro item,
Germani afirma que“...a modificação de alguma das partes incidiria em
modificações nas demais partes, modificações de intensidade, direção e
extensão”.
Para o segundo nível, Germani utiliza os conceitos função e
disfunção como hipóteses para a análise do processo de transição de um

41
tipo de estrutura global para outra. Por funções, Germani entende as
conseqüências observadas que contribuem para a adaptação ou ajuste
de um sistema dado. Reciprocamente se definem como disfunções as
conseqüências observadas que diminuem a adaptação de um sistema
social.
O juízo de funcionalidade, que inclui as categorias função,
disfunção e não- função, distingue o ponto de vista do observador do
ponto de vista do objeto observado (a famosa dialética objeto - sujeito).
O primeiro permite a função latente, ou seja, as conseqüências
conhecidas do observador e ignoradas pelos participantes, enquanto
que o segundo constitui na função manifestada, referida às
conseqüências que são conhecidas pelos participantes do sistema.
No terceiro nível Germani indica a integração valorativa, que
consiste na coerência interna que as diferentes partes da sociedade e o
sistema de valores centrais (da sociedade ocidental) guardam entre si e,
que definem as sociedades humanas. Essa integração pode ser de
ajuste, normativa ou psico - social.
Para Germani nossa época é, em essência, uma época de
transição. Vislumbra a mudança social como um processo normal,
manifesto e de caráter permanente, onde as mudanças acontecem a um
ritmo vertiginoso, já não como nas épocas anteriores, que tardavam
séculos, mas violentamente. De tal modo que a intensidade da mudança
é vivida dramaticamente pelos homens, que se devem “ajustar a ele
como um processo habitual”.
Com base na teoria de Rostow, Germani acrescenta:
...em alguns países e continentes esta transformação se encontra
muito avançada, nos países que na atualidade se costumam
denominar de “desenvolvidos”. Em outros, se encontra em
marcha ou acabou de começar. Se a Inglaterra tardou 140 anos
para passar da fase que Rostow chama de take-off, a decolagem
no desenvolvimento econômico, para a fase atual de consumo de
massas, estes lapsos se reduzem para 60 anos no caso da
Austrália, Rússia, etc. Esta aceleração no ritmo não afeta somente
o processo econômico, mas envolve todos os aspectos da
mudança.

42
Sem duvidar da legitimidade dessas hipóteses, que efetivamente
acontecem no processo histórico, questiona-se aqui a ausência da
explicação das causas que provocam a aceleração no ritmo da mudança
ou da “decolagem” (take-off), porque esta é também utilizada pelos
autores desenvolvimentistas como um paradigma, para estabelecer
suas tipologias e seqüências, que supostamente delimitam e explicam,
na esfera econômica, social e cultural, as diferenças substanciais entre
as sociedades desenvolvidas e as subdesenvolvidas. Sistema de idéias
que, por serem muito repetidas, se terminam convertendo em verdades
absolutas, assumidas passivamente pelos cidadãos.
Parece ser que o problema radica no fato de que a dinâmica
econômica é considerada uma conseqüência afetada e não a causa do
ritmo de aceleração das mudanças. Isso significa, em contraposição aos
postulados da teoria marxista, que a estrutura do capitalismo não é a
causa determinante das superestruturas da sociedade, mas de qualquer
relação do tipo social (teoria da inter-relação humana), ora objetiva ora
subjetiva, pode produzir a mudança e modificação das estruturas
parciais ou globais. Dessa forma, resulta indiferente que seu impulso
original provenha da religião, da cultura, da tradição, ou mesmo da
economia ou da estrutura de classes. Isso é congruente com a
concepção funcionalista de três níveis, apresentada anteriormente, onde
os aspectos subjetivos e psicológicos desempenham um papel
determinante.
Resta ainda uma interrogante: O que produz a mudança e a
modernização da sociedade? E, finalmente, como se produz a
diferenciação entre as sociedades desenvolvidas e as não
desenvolvidas? Para responder a essas interrogantes, Germani utiliza a
idéia de transição que é, por certo, extremamente descritiva, até o
ponto que não permite se quer a elaboração de uma hipótese próxima
de uma verdadeira análise. De fato: “o típico da transição é a

43
coexistência das formas sociais que pertencem a diferentes épocas. Isso
imprime um caráter particularmente problemático ao processo, que é
vivido, inevitavelmente, como uma crise”. Este conflito, por lógica, tende
a perpetuar-se porque a transição histórica se desenvolve muito
lentamente. As diferentes fases da mudança e os diversos interesses
sociais da comunidade, clã, casta ou classe, nunca se superam
completamente, são subordinados ao interesse vitorioso (de, por
exemplo, os caciques, latifundiários ou da burguesia) e vão sendo
arrastados por esses interesses, século após século. Foi isso o que
aconteceu no período pós-colonial com as relações servis e escravistas,
herdadas da colônia na maior parte das sociedades latino-americanas
(Halperin, 1972): um poderoso processo, acompanhado de suas
respectivas mudanças de consciência, atitudes e costumes dos homens
e das sociedades, o qual, Facundo de Sarmiento (1970) apreende
acertadamente a partir da dicotomia entre a civilização e a barbárie.
Vale a pena mencionar, adiantando um tema que será
apresentado posteriormente, que não se trata, porém, da coexistência
de formas sociais e de modos de produção que pertencem ao passado e
são vivenciados como crises — como, por exemplo, a sociedade
tradicional versus a sociedade moderna ou o feudalismo versus o
capitalismo - como se descola dos textos de alguns teóricos marxistas
estruturalistas, entre os que se destacam Althusser (1974), Cueva
(1993) ou Poulantzas (1985). Trata-se de um processo histórico-social
de transição global internacional, dinamizado pelas contradições do
sistema capitalista e pela pugna de interesses irreconciliáveis – luta de
classes, se preferível, embora esta categoria tenha um tom de rigor para
os ouvidos finos da pós-modernidade -, que se encontram sob sistemas
de dominação específicos.
As mudanças de ordem subjetiva nas atitudes, no pensamento,
numa palavra, em todas as formas da consciência social e humana, são
consideradas como mudanças do que Germani denomina da estrutura

44
da personalidade. Dessa forma, aquilo que é identificado como
desenvolvimento econômico não é outra coisa do que a própria
mudança na estrutura da personalidade e, não pode ser de outra
maneira, já que, para o autor, esse processo é entendido como a
passagem de uma sociedade tradicional para outra desenvolvida. O
modelo dicotômico marca a diferença entre o estado inicial e o final ou
tendencial.
Essa dicotomia postula que a sociedade tradicional se encontra
baseada numa economia de subsistência, enquanto que a sociedade
industrial funciona como uma economia expansiva, dinamizada pela
crescente aplicação de técnicas modernas, pelo sistema monetário e
financeiro, e pela produção e troca de mercadorias.
Esses dois modelos de sociedades se definem em função das
modificações que operam em três níveis ou princípios básicos da
estrutura social:

a) O tipo de “ação social” que desloca indivíduos ou coletividades,


também denominados de “agentes” ou “atores”.
b) A atitude perante a mudança, que pode ser positiva ou
negativa.
c) O grau de especialização das instituições (burocracias e
tecnocracias, elites normativas, partidos políticos).
O primeiro supõe a capacidade que um indivíduo ou coletivo tem
para influenciar o(s) outro(s) e modificar sua conduta. O segundo, a sua
aptidão para promover ou enfrentar a mudança social e, o terceiro, o
processo de racionalização da sociedade e do Estado. Numa palavra, a
passagem da sociedade do tipo tradicional para o tipo racional-legal
(modernidade), que corresponde cronologicamente à sociedade
burguesa.
É importante indicar que a teoria da ação social é o suporte da
construção funcionalista da teoria social que considera um indivíduo

45
isolado como o sujeito produtor do fato social. Essa teoria, criticada por
Laurin-Frenette (1985, 2a ed.), identifica, simultaneamente, três
correntes teóricas no seu interior. A primeira é denominada da corrente
de poder, que parte de Max Weber e se estende em autores como
Lenski, Aron e Mills. A segunda corrente, caracterizada como
problemática de status, se origina em Parsons e Shumpeter e tem
continuidade em autores como Warner, Barber, Tumin e Wesolowski. Por
último, a corrente teórica do conflito social se origina a partir de
Darhendorf e continua em autores como Touraine, Buckley e Galbraith.
O importante é que para Laurin-Frenette estas três correntes têm a
teoria da ação social em comum, como a peça-chave para estabelecer
os critérios que distinguem uma sociedade desenvolvida de uma
subdesenvolvida.
Nesse contexto, as mudanças na sociedade vão acompanhadas de
suas respectivas modificações. Modifica-se o tipo de ação social: do
predomínio das ações prescritivas se passa a uma ênfase nas ações
eletivas do tipo racional, que supõem a liberdade e a vontade do
indivíduo. Da institucionalização do tradicional se passa à
institucionalização da mudança e à modernidade, para afiançar o
processo econômico. E, de um conjunto relativamente diferenciado de
instituições se transita para uma diferenciação e especialização
crescentes, cuja expressão é o surgimento do Estado e da burocracia
moderna.
Apesar das verificações empíricas da teoria funcionalista da
modernização, permanece o problema central: Qual é a causa
fundamental do crescimento e do desenvolvimento e, por conseguinte,
da diferenciação entre os países avançados e os não desenvolvidos? O
que gera a transição e a mudança social?
Germani — e com ele, os funcionalistas — argumentam que, por
exemplo, uma mudança nas atitudes das mulheres e dos jovens, além
de gerar um conflito com a autoridade patriarcal (delinqüência,

46
drogadição, expressões em voga), pode ser considerada como um efeito
da modernização porque questiona o sistema legal vigente de valores.
As mudanças subjetivas que operam num indivíduo em qualquer
época e, que têm expressão nos diversos planos de sua vida social —
cultural, religiosa, na arte ou na conduta — numa conjuntura histórica
determinada, como pode ser a colônia ou a independência, entram em
conflito com as estruturas de dominação estabelecidas e,
conseqüentemente, com os interesses dos indivíduos, grupos ou classes
portadores da hegemonia (para este conceito veja Gramsci, 1975,
Anderson, julho-setembro de 1977: 5-57 e Cueva, 984: 31-39). Isso
aconteceu no Renascimento (período que se estende do século XIV ao
XVI) frente ao sistema feudal em decadência e, com a nova consciência
nacionalista dos grupos crioulos frente à coroa espanhola na época da
independência da América Latina.
São mudanças que, se bem têm uma especificidade interna e
estatutos próprios, se localizam numa dimensão histórica mais amplia.
Esta se deriva dos complexos processos civilizatórios em função do
desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade e de suas
correspondentes superestruturas (Ribeiro, 1975 e 1976). Perante a
ausência de uma explicação dialética congruente com o processo
histórico, Germani apela à noção de assincronia. Ou seja, um fenômeno
sócio-cultural inerente à mudança, incongruente em relação às
estruturas parciais e que se define em função da não-correspondência
entre a integração funcional normativa institucionalizada e a integração
psico-social.
Deste modo existe assincronia geográfica — de onde surge o
subdesenvolvimento segundo Germani —, assincronia institucional,
assincronia social e assincronia motivacional.
Na análise dicotômica da sociedade, a assincronia se resolve pelo
efeito demonstração, que alude à tendência dos países não-

47
desenvolvidos para alcançarem pautas de consumo e de cultura
vigentes nos desenvolvidos.
Não obstante, o efeito demonstração não anula a coexistência das
formas sociais antagônicas, as refuncionaliza na forma mais
desenvolvida (o capitalismo) em virtude do efeito de fusão: fusão entre
as atitudes pré-capitalistas e as capitalistas, em relação à atividade
econômica industrial. Dessa forma, se sintetiza, por exemplo, a fusão
entre o modo aristocrático de vida senhorial latino-americana e o modo
de consumo próprio da sociedade industrial desenvolvida (uma
ilustração deste fenômeno se encontra em Halperin, 1972).
A análise dicotômica da sociedade, em função do efeito de fusão,
conduziu à elaboração da Teoria da Coexistência dos Modos de Produção
que, ao supostamente comprovar a dualidade estrutural desde a ótica
do marxismo, colocou o debate em torno do caráter feudal ou capitalista
dos países latino-americanos (esta polêmica está compilada em
Assadourian et al., 1973), a qual girou em torno dos conceitos de modo
de produção e formação sócio-econômica. Na vertente ortodoxa do
materialismo histórico, este fenômeno de coexistência levou alguns
autores a falar na coexistência de modos de produção e a elaborar
categorias analíticas para fundamentar o caráter feudal da região (para
uma réplica veja Marini, 1973 e Gumder Frank, 1974 e, sobre a origem,
Mariátegui, 1976).

A concepção da mudança
A teoria da modernização considera a mudança social através da
terminologia desenvolvimentista, utilizando a análise comparativa
(dicotômica) desde o crescimento e percorrido de atividades, que supõem a
transição de um tipo de funções adscriptivas, difusas, particularistas e
afetivas, correspondentes à sociedade tradicional, para o uno universalista
(vendedor-cliente), de desempenho (eleição) específico, neutro
afetivamente, correspondente à sociedade industrial moderna e urbana.

48
Os termos sociedade tradicional e sociedade industrial operam como
pólos opostos, como duas sociedades que se contrapõem e se excluem
mutuamente, e onde a segunda tende a assimilar a primeira. A debilidade
de tal concepção radica em que não fundamenta teórica nem
metodologicamente o processo causal e circunstancial, em virtude do qual
gera a diferenciação entre os países capitalistas desenvolvidos (industriais)
e, os países dependentes e subdesenvolvidos (tradicionais).
Para obter o perfil teórico final da concepção funcionalista que se
critica aqui é necessário analisar como é que se explica a dinâmica interna
da mudança social. E, para isso, Germani se desloca desde “…a
comunidade local até a noção de transferência de lealdades e ao processo
de participação crescente”. O que significa isso? Que, enquanto que na
sociedade tradicional iletrada (ou não-histórica) a comunidade local é a
base territorial da nação, na sociedade industrial esta base está constituída
pela nação:

Um dos rasgos do desenvolvimento é seu caráter expansivo, o


qual implica na permanente mudança, o progresso tecnológico, o
contínuo avançar da fronteira [...] Na medida em que o processo
continua, todas as regiões e grupos marginais vão ficando
incluídos na nova forma de civilização [...], os laços que atavam a
comunidade local se destroem: seja pela obra direta da indústria,
ou como repercussão de outras mudanças na estrutura social.
FONTE

Esta apreciação germaniana constitui um extremo importante para


comprovar o processo de formação da modernidade capitalista e do Estado
nacional na América Latina, não só “por obra direta da indústria”, como
assevera Germani (cuja expansão se percebe nas metrópoles a partir da
segunda metade do século XIX), senão pela peculiar inserção na economia
capitalista mundial e, pelas condições internas, culturais e sócio- políticas
que aceleram sua integração.
Em outras palavras, a formação sócio-econômica latino-americana,
tradicional, patriarcal, atrasada, é um elemento da constituição das
sociedades capitalistas modernas do Ocidente (“o subdesenvolvimento é
um produto do desenvolvimento do capitalismo mundial”).

49
Quando o processo de modernização é colocado em funcionamento,
nem todas as regiões e grupos marginais vão sendo incluídos na “nova
forma de civilização”, como afirma Germani. Pelo contrário, essas áreas
vão sendo progressivamente desarticuladas e submetidas às novas
estruturas dominantes do poder econômico e político-ideológico, que
correspondem à nova civilização humana (capitalista), preservada e
reproduzida pelo Estado.
Consumado este processo, particularmente durante a primeira
metade do século XX, se introduz um novo elemento, relativo à
estratificação social, para explicar a dinâmica interna da mudança social: a
participação crescente permite—mediante a mobilidade social ascendente
—a transferência de pautas de consumo da classe média para setores cada
vez mais vastos da sociedade, através do consumo de massas (o fordismo
periférico na terminologia de Lipietz), o qual é estimulado pelas grandes
concentrações demográficas e urbanas.
A desintegração da pequena comunidade local, que segundo Germani
originou uma nova unidade psicologicamente significativa, aconteceu nas
camadas que eram portadoras das novas formas de vida, principalmente a
burguesia em ascensão. Germani afirma que: “No Ocidente a transição foi
acompanhada pelo surgimento de um sistema valorativo, particularmente
adequado para a sociedade industrial [...] a afirmação do indivíduo e de sua
autonomia, a primazia da razão, a ênfase sobre a liberdade e a igualdade”.
Esse sistema valorativo afiançou o triunfo da sociedade industrial
sobre a sociedade tradicional, reafirmou a oposição do campo e da cidade e
a passagem da comunidade local para a nação, do sistema político
monárquico para a democracia representativa e, ergueu a razão por cima
dos dogmas e dos preceitos religiosos. A sociedade de massas substituiu a
economia de subsistência e afirmou o indivíduo como o novo sujeito
político, que juridicamente era igual e livre perante a lei.
Essas antinomias, no contorno epistemológico da teoria funcionalista
da modernização, não respondem a um processo histórico que dê,
verdadeiramente, conta da concatenação dialética dos fenômenos sociais.

50
Contrariamente, são testemunhas de um conjunto de fatos históricos
empírica e formalmente registráveis, cuja lógica responde à ação do
indivíduo isolado e à maneira em que, supostamente, as partes da
estrutura se interrelacionan com a estrutura global da sociedade capitalista.
Trata-se, pois, de uma mudança concebida como a média tendencial,
que avança na direção de um todo empiricamente estabelecido,
configurado pela sociedade ocidental capitalista, e que constitui o protótipo
do modelo ideal do funcionalismo, o qual autores como Rostow erigem
como o paradigma civilizacional.
Nesse sentido, na transição e mudança todas as sociedades não-
desenvolvidas avançarão, inexoravelmente, na direção de um paradigma
de plenitude econômica, sempre que se assumam os símbolos da
modernidade das sociedades desenvolvidas: as grandes cidades, a
construção de prédios inteligentes (ultra)modernos, o acesso à educação, à
tecnologia (Internet), ao automóvel —como ato de prestígio social—, a
construção de (super)estradas e supermercados e, de meios de
comunicação e informação modernos.
Desta forma, a teoria da modernização pretende explicar o acontecer
histórico das sociedades latino-americanas racionalmente, desde a época
colonial até a constituição das sociedades capitalistas, estruturadas em
nações-Estado em vias- de- desenvolvimento. No entanto, não leva em
consideração que enquanto não abandonem tal condição, sua permanência
como tais será inviável e, seu destino manifesto estará sempre
determinado pelo acontecer histórico das sociedades desenvolvidas do
Ocidente.
Por último, a teoria da modernização cria uma ilusão ótica a partir da
informação que arrecada na realidade empírica dos países capitalistas
ocidentais e constrói uma teoria e método de exposição, para aplicá-los às
sociedades subdesenvolvidas. Logo, deriva logicamente a evolução
histórica destas em função de sua trajetória linear (acelerada ou tardia)
para assumir finalmente o perfil das sociedades ocidentais, onde os Estados
Unidos figura como o paradigma a ser alcançado.

51
Com o fim de fechar esta temática, destacam-se três elementos
críticos em relação à teoria da modernização.
No plano teórico, esta teoria formula uma construção a-histórica da
realidade latino-americana, uma vez que esta é assumida como um simples
reflexo do passado histórico dos países capitalistas desenvolvidos (o
impulso inicial). Por tanto, suas categorias e conceitos simplesmente se
moldam às características nativas dos nossos países e se perfilam em
função do paradigma ocidental, representado pelo “excepcionalismo norte-
americano” (a frase corresponde ao título de um livro de Lipset, 2000).
Em segundo lugar, o método empírico constrói seu objeto e o
converte no modelo ideal. Transfigura a sociedade metafisicamente, numa
pluralidade de indivíduos - sujeitos, que supostamente são os artífices da
ação social, geradora de instituições.
O terceiro elemento é histórico-social e se refere às características do
processo histórico e do papel que os indivíduos, grupos e classes sociais
desempenham nele, coisa que o funcionalismo não contempla no seu
marco de análise.
Por outro lado, a teoria da modernidade não assume que o regime
capitalista é anárquico e contraditório porque, como revela a experiência
histórica, mais cedo ou mais tarde termina provocando colapsos
econômicos e políticos em escala mundial, regional, nacional e local, que se
traduzem em crises econômicas, guerras, catástrofes ecológicas e
nucleares.
As crises estruturais afetam a reprodução do sistema capitalista no
longo prazo e, geralmente, a reação das classes empresariais é contê-la
mediante onerosos ônus que recaem sobre a sociedade e sobre os
trabalhadores. Em última instância, utiliza-se a repressão e o extermínio
dos opositores (a contra-insurgência e a guerra preventiva são dois
exemplos de estratégias eficazes da dominação do capital).
A socialização das forças produtivas, para o qual contribui a
tecnologia, entra em contradição com as relações de propriedade e de
apropriação, predominantemente privadas e mercantis. Estes fatos

52
estimulam, de maneira involuntária, as lutas de classe e a mudança —ou
retrocesso— social em múltiplas direções. Uma dessas lutas propõe
estimular a organização das classes populares e dos trabalhadores até o
ponto em que se chegue a construir instâncias políticas que elevem
qualitativamente a consciência de classe. Propõe também criar
instrumentos de luta em sindicatos, partidos políticos ou vanguardas
revolucionárias.
Politicamente, esta organização se traduz numa luta constante pela
conquista do poder político e a aceleração da mudança social, num entorno
preponderantemente agressivo e imposto pelas classes dominantes
(latifundiários, caciques, burguesias, paramilitares ou burocratas).
Economicamente, a ação popular dirige seu esforço para conseguir
um conjunto de demandas vinculadas à melhoria de suas condições
materiais de vida e de trabalho e, a afiançar sua participação dentro da
estrutura social para garantir a satisfação de suas necessidades básicas em
matéria de saúde, educação, recreação, moradia e alimentação.
Culturalmente, as massas aspiram a alcançar níveis de educação
melhores e universais (ensino básico, fundamental e ensino médio) para
desenvolver suas potencialidades culturais e espirituais e, desse modo,
transcender às múltiples formas de alienação social e individual, que geram
as diversas ideologias das sociedades burguesas e dependentes.
Essas contradições do capitalismo dependente se expressam na
realidade contemporânea das sociedades latino-americanas. O fato é que o
objetivo preliminar da sociologia da modernização (que buscava o equilíbrio
e a integração do sistema político como etapa prévia à industrialização e à
autonomia do capitalismo) não só nunca se cumpriu, mas adquiriu hoje um
matiz trágico, perante o aprofundamento e redefinição da dependência
estrutural. Esta última se expressa em múltiples fenômenos, como o
endividamento externo e a impossibilidade para (re)converter as economias
internas dos países latino-americanos em verdadeiros sistemas industriais,
modernos, integrados, capazes de contra-restar a dependência e o
(anti)desenvolvimento (para este conceito veja Da Peña, 1999).

53
Como economias tradicionais, “o bloco dos países da América Central
e do Caribe e alguns andinos, como a Bolívia e o Equador” se encontram
ainda na época de transição. Outros, como o México, Brasil, Chile ou
Argentina superaram esta complexa etapa durante a segunda parte do
século XX, ao se converter em sociedades urbanizadas e semi-
industrializadas que, no entanto, no começo do século XXI mantêm sua
condição de atraso, subdesenvolvimento e dependência. Dessa forma, nem
a transição, como garante o funcionalismo, nem a nova fase de integração
à economia mundial implicaram nem sequer na diminuição dos riscos de
crise de legitimidade e estabilidade dos sistemas políticos (as guerrilhas
nos sessenta e os movimentos sociais e populares nos oitenta e noventa). O
processo de modernização também não melhorou os níveis de vida da
população. Pelo contrário, os resultados das políticas capitalistas aplicadas
na América Latina no último período de industrialização por substituição de
importações (1950-1982) e, mais veemente no período neoliberal (1982-
2005), aprofundaram a dependência, o atraso e o subdesenvolvimento
(veja PNUD, 2004). Resultados que refletem o deslocamento da problemática
estrutural funcionalista (nos termos da transição de uma sociedade
tradicional para uma sociedade industrial) em direção de uma nova
problemática, mais complexa e heterogênea, que coloca especial ênfase no
conceito de transição, nos termos da contradição capitalismo-socialismo. O
constante processo dialético no capitalismo latino-americano reproduz
diversas fases do atraso, tanto naqueles países que ainda permanecem nos
marcos permissíveis das sociedades tradicionais, como em outros que,
embora tenham desenvolvido suas estruturas sociais, políticas e de
urbanização e, alcançaram altos coeficientes de industrialização, ainda se
mantêm dentro das árduas estruturas da dependência, como são os casos
do México, Brasil, Chile, Argentina ou Colômbia.
Uma outra linha da transição — que começou com o triunfo da
Revolução cubana, mas que sofreu fraturas com a derrocada da União
Soviética e do bloco socialista no final da década dos oitenta do século
passado — caminhava na direção de romper com as estruturas de

54
dominação do capitalismo dependente na Guatemala, El Salvador e
Nicarágua. Entre outros fatores, seu fracasso obedeceu à burocratização
dos processos revolucionários e à entrada das vanguardas no jogo eleitoral
formal, habilmente arranjado pelos Estados Unidos depois de impulsionar a
guerra de baixa intensidade, que durou praticamente uma década, até que
conseguiu seus objetivos estratégicos e contra-insurgentes.
Um caso imerso nesse processo, porém qualitativamente diferente, é
aquele experimentado pelos países do Cone Sul (Brasil, Argentina, Paraguai
e Uruguai). Esses países têm experimentado desde regimes militares,
implementados pelo capital transnacional e as oligarquias locais, até novos
regimes, chamados de democráticos, civilistas, baseados em democracias
burguesas representativas. Aqui, a democracia parece suprir a necessidade
da revolução como uma fórmula de mudança social. Porém, ainda é muito
cedo para estabelecer um juízo definitivo, e nesse marco se encontra o
caso colombiano, que é prova disto em função da vigência da guerrilha
mais antiga na região, aglutinada em torno das FARC ou, o caso mais
recente, o da Venezuela, onde a democracia restringida cedeu lugar à
legitimação política nas urnas, através da figura do plebiscito do governo
Chávez frente às tentativas desestabilizadoras e golpistas dos Estados
Unidos e da auto-proclamada oposição.
Desta forma, o progresso econômico e a mudança social na América
Latina contemporânea representam, cada vez mais, um processo político-
social que depende tanto das políticas do capital e do Estado, como da
maneira de impô-las e implementá-las na sociedade através da coerção e
do consenso (hegemonia, na terminologia de Gramsci, veja Cueva, 1984:
31-39) ou mediante sua combinação. Também são definitivas as múltiples
formas em que os sujeitos (a população, os trabalhadores, os camponeses),
alguns agrupados em movimentos sociais, se organizam politicamente para
influenciar — e, em alguns casos modificar e romper — o curso da história,
seja nos contornos das estruturas do capitalismo dependente (ciclo
oligárquico, populista, ditatorial ou demo-neoliberal) ou nas novas
estruturas de poder (socialismo e democracia).

55
Sonntag (1989) sintetiza os aportes e as diferenças dos teóricos da
modernização, como Germani e Echavarría, quando afirma:
Gino Germani apresentou em 1963 um estudo acerca dessa
transição, a qual inclui uma contraposição acerca dos tipos ideais
da sociedade “tradicional” e da “industrial” […] Discute os
problemas da transição numa forma mais sofisticada do que
outros estudiosos que se enquadram nessa escola de pensamento
[...] Analogamente, Medina Echavarría, no próprio seio da Cepal,
desenvolveu formulações similares, porém mais ricas em
diferenciações conceituais e teóricas, provavelmente em virtude
de um melhor conhecimento, não-filtrado pelas interpretações
parsonianas e estrutural-funcionalistas da sociologia européia da
década dos vinte e do segundo Pós-guerra.

As teorias que se acabam de analisar enquadram-se em modelos a-


históricos e matemáticos e, não apreendem os aspectos qualitativos e
sociais do desenvolvimento histórico do capitalismo em condiciones de
dependência estrutural, o qual constitui sua especificidade. Esta tarefa será
empreendida por outros paradigmas —o cepalismo (CARDOSO, 1989: 175-
215) e a teoria da dependência— que se constituirão como expressões
particulares adaptadas às problemáticas específicas da América Latina no
cenário internacional.

O desenvolvimentismo cepalino
Derivada das teorias de facção neoclássica, porém com fortes
ingredientes keynesianos, outra corrente de pensamento que terá uma
grande influência nas ciências sociais é o desenvolvimentismo. Este se
associa ao aparecimento da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL), dependente da ONU, no final da década dos quarenta, sob a saliente
figura de um dos seus fundadores: o doutor Raúl Prebich (RODRÍGUEZ,
1993, oitava edição).
Cabe indicar que existem, no mesmo período, outras expressões
teóricas, tais como o funcionalismo, o marxismo não-acadêmico (articulado
aos partidos comunistas) e, uma série de expressões filosóficas
enquadradas nos escritores e pensadores, dentro de campos tão diversos
como são o direito, a antropologia ou a psicologia.

56
Cada uma destas expressões vinha elaborando suas formulações nas
décadas anteriores, como se constatou no primeiro capítulo deste livro.
Dentro das alternativas teóricas da década dos cinqüenta, se destacam as
teses dos economistas estruturalistas desse organismo internacional. Sua
proposta central consiste no “desenvolvimento para dentro” e na redução
da dependência externa. Tese que se confronta com a teoria tradicional do
comércio exterior de cunho ricardiano (CEPAL, 1969), a qual argumenta que a
divisão internacional do trabalho especializou os países latino-americanos
na produção e fornecimento de matérias primas e alimentos para os países
industrializados desde meados do século XIX.

Os postulados da teoria ricardiana do comércio internacional são os


seguintes:
a) O aumento da produtividade nos centros produtores dos países
industrializados chegaria a ser compartilhada, com vantagens adicionais,
pelos países dependentes devido a que o progresso técnico se difunde com
maior vigor e amplitude na produção do tipo industrial.
b) A demanda de produtos primários (importações) cresceria em proporção
direta ao incremento das rendas dos centros industriais, estimulando as
exportações e as rendas dos países subdesenvolvidos.
c) Na medida em que esse modelo primário- exportador se reforce, a
evolução econômica destes países ficaria garantida em forma mais
equilibrada e similar à dos centros industrializados.
Em resposta a este esquema simples da divisão internacional do
trabalho, fundado na especialização produtiva para o mercado mundial, a
CEPAL esquematizou um modelo de “desenvolvimento para dentro”, cujo eixo
é a criação da indústria latino-americana mediante sua diversificação em
ramos, setores e áreas produtivas. O Estado deveria intervir e pôr em
prática – mediante o planejamento - políticas agressivas e dinâmicas de
substituição de importações para estimular os mercados internos, através
da expansão da demanda das classes sociais, principalmente, das urbanas,
potenciais possuidoras de um poder de compra forjado pela industrialização
e pela política distributiva do Estado.

57
Originou-se dessa forma um novo padrão de reprodução capitalista,
como resultado do processo de transformação estrutural dos sistemas
econômicos e em resposta política frente à crescente deterioração do
intercâmbio comercial com o estrangeiro (intercâmbio desigual na versão
da TMD).

Por outro lado, existia uma arraigada crença na possibilidade de


conseguir a autonomia do capitalismo latino-americano mediante a
intervenção estatal, a substituição de importações e o fortalecimento dos
mercados internos, com a ajuda da tecnologia. Em auxílio desta estratégia
deveriam fomentar-se sindicatos fortes, burguesias vigorosas, salários reais
com poder de compra e virtuosas articulações entre os setores produtivos e
os agrícolas.
Igualmente, a grande maioria dos autores entendia a dependência,
no espírito da concepção seqüencial e linear de Rostow, como uma etapa a
mais na sucessão linear para se alcançar a fase plena do capitalismo. Isso
no aconteceu desse jeito. De fato, como Agustín Cueva (1993: 193) afirma:

O desejado desenvolvimento nacional autônomo não foi, de fato,


mais do que una quimera. A economia latino-americana não
conseguiu desenvolver um mecanismo autônomo de acumulação,
já que esta continuou dependendo, em última instância, da
dinâmica do setor primário-exportador e das suas variações no
mercado internacional.

O resultado da aplicação das políticas desenvolvimentistas, nos anos


sessenta e setenta, consistiu mais na afirmação da dependência e dos
desequilíbrios estruturais, que afloraram durante esse período no conjunto
dos países da região, do que na conquista da autonomia pregada pela
burguesia e seus intelectuais orgânicos. Quando as teses autonomistas da
CEPAL entraram em crise, a concepção teórica e política que esse organismo
tinha do sistema capitalista, entrou também em crise. De fato, a crise que
se precipitou desde meados dos sessenta e no curso dos setenta será a
ante-sala para o surgimento do (neo)desenvolvimentismo.

O (neo)desenvolvimentismo

58
Como corrente de pensamento de grande importância, a teoria da
dependência terá que enfrentar dois enfoques importantes: o
(neo)desenvolvimentismo e o endogenismo para, finalmente, fazer frente
ao neoliberalismo no curso dos anos setenta e na primeira metade dos
oitenta. É importante indicar que para Frank (1991: 35) o estruturalismo
cepalino, o marxismo dos partidos comunistas e o neoclassicismo fazem
parte de um mesmo conglomerado, uma vez que “todos eles
compartilhavam a visão de que o subdesenvolvimento era original ou
tradicional. Todos postulavam que o desenvolvimento poderia acontecer
através de reformas graduais nas sociedades e/ou economias atuais, onde
um setor moderno se expandiria e eliminaria o setor tradicional”.
No entanto, além dessas características comuns, que também são
compartilhadas pela teoria da modernização, o (neo)desenvolvimentismo –
que surgiu a meados dos anos setenta -, evolucionou paralelamente ao
endogenismo naquele período, porém, com uma trajetória diferente. Um
conjunto de autores com inclinações social-democratas retornou ao
desenvolvimentismo e ao marxismo, influenciados por autores como
Steindl, Kalecki e Hilferding. Eles argumentam que a plenitude do
capitalismo é plausível de ser alcançada, assim como sua autonomia,
inclusive em situações de subdesenvolvimento e dependência. Ligado à
burguesia industrial, o (neo)desenvolvimentismo recorre aos expedientes
cepalinos do passado para justificar uma nova ofensiva ideológica.
Os elementos sob os quais baseia sua estratégia são:
a) A ofensiva reformula o cepalismo como uma alternativa perante a teoria
da dependência — particularmente contra sua vertente marxista — e, em
menor medida frente às idéias neoliberais.
b) A burguesia busca afirmar seu domínio no plano nacional e melhorar sua
posição internacional, numa espécie de sub-imperialismo em países fortes
como o Brasil, Argentina e México, embora as projeções geopolíticas sejam
diferentes.

59
c) Para a consecução do ponto b), a burguesia recruta velhos
desenvolvimentistas, como Prebich, Furtado, Aníbal Pinto, Aldo Ferrer,
María da Conceição Tavares, Francisco de Oliveira e outros autores, como
Rolando Cordera e Carlos Tello, incluindo pessoas—como o ex-presidente
do Brasil, Fernando Henrique Cardoso— que militaram nas filas da
dependência dentro da vertente reformista e social-democrata.
d) Da mesma forma em que o endogenismo, o (neo)desenvolvimentismo
enfatiza as condições estatal-nacionalistas do capitalismo latino-americano
no cenário internacional.
e) Surge do anterior, seu postulado central: a crença na autonomia do
capitalismo expressa as intimas aspirações da burguesia industrial latino-
americana no contexto internacional e regional perante as burguesias
transnacionais dos países desenvolvidos. É claro que esta tese não
pressupunha, em momento algum, romper ou superar a dependência, como
será visto posteriormente, quando muito, alcançar certas formas de
associação com o capital internacional para forjar burguesias dependentes
associadas.
f) Por último, com o fim de conseguir a adesão à sua causa, a burguesia
levanta a consigna de promover uma melhor distribuição da renda em favor
das classes populares.

O endogenismo

O endogenismo tem que ser analisado, necessariamente, através do


materialismo histórico e das correntes marxistas, que se desenvolveram na
América Latina desde o término do século XIX e na segunda metade do
século XX, até seu virtual desaparecimento na década dos oitenta e, sua
conversão prática em partidos políticos social-democratas.
Esta corrente também conhecida de marxismo ortodoxo (SONNTAG,
1989a: 36) caracteriza-se, na história do pensamento latino-americano, por
ponderar os fatores internos — luta de classes, acumulação primitiva do
capital, Estado e oligarquias — como fundamentais em qualquer explicação

60
dos fenômenos histórico-sociais. Enquanto que os fatores externos —
imperialismo, acumulação e divisão internacional do trabalho, comércio
mundial, entre outros — desempenham um papel secundário nessa
explicação.
Por esse motivo, convém diferenciar o marxismo ortodoxo do
dogmatismo, uma vez que na maioria dos casos, ao mesmo tempo em que
é causa de confusão, este último caracterizou as teorizações dos partidos
comunistas latino-americanos ao longo da história, e provocaram uma
verdadeira tergiversação do marxismo e das formulações dos seus
criadores.
Em História e consciência de classe, escrita em 1923, Lukács (1969:
2) esclarece que o marxismo ortodoxo:

Não significa o reconhecimento acrítico dos resultados da


investigação marxiana, nem a “fe” em tal ou qual tese, nem a
interpretação de uma escritura “sagrada”. Em questões de
marxismo a ortodoxia refere-se exclusivamente ao método. Essa
ortodoxia é a convicção científica de que no marxismo dialético se
descobriu o método correto de investigação; que esse método
não pode ser continuado, ampliado, nem aprofundado a não ser
no sentido dos seus fundadores.

Diferentemente da ortodoxia que opera nos níveis do método de


investigação e de exposição, o dogmatismo (dentro do marxismo, o
funcionalismo ou o estruturalismo) substitui, mecanicamente e sem
mediações, a realidade empírica e histórica pelo corpo de idéias, conceitos,
postulados e hipóteses, que operam nos sistemas de ideação, elaborados
em altos níveis de abstração. Isso leva a que, como afirma Marini
(1973:13), se substitua “o fato concreto pelo conceito abstrato”
(dogmatismo) e se adie qualquer possibilidade de análise concreta,
empírica e objetiva da realidade.
Citado pelos autores desta corrente, que:

colocavam num mesmo plano o conceito de modo de produção, a


partir do qual Marx formula seu estudo, e o de formação social,
como forma histórica de realização daquele conceito, obrigando à
busca de fases de desenvolvimento que —como, por exemplo, a

61
manufatura— nem sequer chegaram a se cristalizar plenamente
em muitos dos países dependentes. (Marini, 1995: 37).

Para Sonntag (1989a: 43), a estratégia do marxismo ortodoxo:

...enfoca primeiramente a problemática da existência das relações


de produção e propriedade feudais e de sua superação,
basicamente no campo e na agricultura, para logo em seguida
visualizar a exploração por parte do imperialismo. Em termos
concretos, isso significa a necessidade de chegar numa reforma
agrária que implique na destruição dos latifúndios e na entrega
das terras aos camponeses [...] e a urgência de nacionalizar as
empresas dos enclaves do imperialismo. Isso deve ser o resultado
de uma revolução. Os protagonistas dela são os explorados, ou
seja: a aliança entre os camponeses e os operários,
eventualmente com a inclusão da pequena burguesia [...] com a
presença da burguesia local, fazendo parte da aliança.

Em função disso, a estratégia dos partidos comunistas consiste em


realizar a revolução democrático -burguesa, seguida da luta contra o
imperialismo.
Paulatinamente, através de etapas — concepção linear e seqüencial
da história — desenvolver-se-ia plenamente o capitalismo e, chegar-se-ia a
realizar a revolução pacífica socialista, mediante uma luta antiimperialista e
democrática.
A expressão teórica dessa estratégia prático -política é denominada
de endogenismo e, constitui uma resistência da intelectualidade ligada ao
marxismo histórico e dogmático dos partidos comunistas de orientação
soviética e maoísta. Seu ponto de partida se expressa nos seguintes
termos:

...a acumulação primitiva do capital nessas economias —


dependentes— que deve ser acompanhada, conforme o
esquema de Marx, das fases manufatureira e fabril, num processo
que se entrelaça e articula com outros modos de produção, que
preexistem ao capitalismo. O imperialismo constituiria uma
variável a ser introduzida ex-post, uma vez entendida a
particularidade da formação social em estudo (MARINI, 1992: 93).

O endogenismo, em particular aquele dos historiadores, centra-se na


análise das condições históricas e nas contradições internas do capitalismo

62
latino-americano, às quais lhe confere predomínio (SEMO, 1975; BARTRA,
1974; CARDOSO, CIRO e BRIGNOLI, 1979). De fato, em sua crítica à teoria
da dependência, Agustín Cueva garante que o método que explica as
formações particulares a partir de sua articulação com a economia mundial,
possui “limitações inerentes a esse enraizado anseio de explicar o
desenvolvimento interno de cada formação social a partir de sua
articulação com outras formações sociais, em lugar de seguir o caminho
inverso” (CUEVA, outono de 1974:74).
Ao contrário, para Cueva o método correto para a compreensão da
natureza das formações sociais latino-americanas é justamente oposto.
Fica claro quando se pergunta: “Não será melhor a índole das nossas
sociedades a que determina em última instância sua vinculação ao sistema
capitalista mundial?” (CUEVA, outono de 1974: 75).
Outros autores compartilham a visão endógena da articulação dos
modos de produção. É o caso de, por exemplo, Fernando Arauco quem,
fazendo menção às contribuições positivas de Marini questiona, no entanto
que:
...se situam na análise deste ciclo, mas a explicação global do seu
funcionamento deve levar em consideração adicionalmente — se
pretende fixar toda sua causalidade estrutural - a problemática
que está sendo tratada sob a denominação geral de articulação
dos modos de produção. (ARAUCO, 1974: 84).

Na década dos setenta, autores como Bartra (1974) utilizaram


conceitos diferentes, como o sub - capitalismo, compartilhando ao mesmo
tempo a teoria da articulação dos modos de produção, que é uma versão
althusseriana e balibariana do dualismo estrutural no contexto do
materialismo histórico. Nesse ponto, é oportuno indicar a diferença que
existe entre o dualismo estrutural e a articulação dos modos de produção.
No primeiro as estruturas ou pólos capitalistas e pré-capitalistas estão
desconectados entre si, se articulam, porém através da metrópole. Na
segunda se articulam estreitamente (dois modos de produção, v. gr., o
feudal e o capitalista) no seio de uma mesma formação econômico-social,
originando dessa forma, o fenômeno de coexistência de diferentes modos

63
de produção (conforme ASSADOURIAN et al., 1973. Sobre as teses anti-
feudalistas, o livro de Frank, 1974 e a réplica em Laclau, 1978).
Com base nessas considerações teóricas, muitos acreditam enxergar
no marxismo histórico a contrapartida ideológica do pensamento (burguês)
da CEPAL, na medida em que —supõe-se— postula os interesses ideológicos
da classe operária. Dessa forma, Bambirra (1978, p. 16) afirma que:
“Sabemos que as teses dos Partidos Comunistas correspondiam ao
pensamento hegemônico da classe operária e, as da CEPAL, à burguesia
industrial nacional latino-americana”.
Para outros, é a fonte de inspiração das ciências sociais na região
durante o primeiro decênio e meio, após a Segunda Guerra Mundial
(SONNTAG: 1989a: 37). É provável que seja ambas coisas ao mesmo
tempo. O certo é que sua influência se remonta ao aparecimento dos
partidos socialistas (mais tarde, comunistas) no começo do século XX, como
no caso do Partido Socialista Operário do Chile em 1912, fundado por Luis
Emilio Recabarren, ou o Partido Comunista Mexicano, criado em 1919 e, os
posteriores partidos comunistas no Brasil (1921), Cuba (1925), Guatemala
(1925), El Salvador (1930) e Peru (1930), filiados à III Internacional.
Depois da Segunda Guerra Mundial a linha ideológica dos partidos
comunistas retorna para a árdua ortodoxia que delineia os aspectos mais
mecanicistas e reacionários do marxismo stalinista, enfatizando a
escatológica Teoria das Etapas, que formula uma sucessão linear na
história dos modos de produção das sociedades humanas: escravismo,
feudalismo, capitalismo e socialismo, pelos quais —infalivelmente— tem de
atravessar. Concepção mecânica e metafísica que, cabe ressaltar, é a
responsável absoluta pela falsa identidade interposta entre o marxismo e o
sovietismo, entre a filosofia marxista viva e criadora de Marx, Engels e
Lênin e, a visão rígida da burocracia soviética, que dominou a ex-URSS até
1989.
Os elementos essenciais desse marxismo latino-americano, no seu
diagnóstico do atraso e da estratégia para sua superação, sintetizam-se nos
seguintes incisos:

64
a) Partem de uma trajetória evolucionista e mecânica de sucessão
dos modos de produção já indicados, que deverá necessariamente
conduzir, primeiro, ao socialismo e, mais tarde, ao comunismo, sem
que nunca (à exceção de Marx) se tenha explicado a diferença entre
ambos.
b) Os países latino-americanos se encontram em transição entre o
feudalismo e o capitalismo. Por esse motivo, é necessário acelerar
essa transição para que este último entre em crise e provoque sua
“falência”.
c) Dada a existência de uma estrutura econômica tridimensional,
integrada por um setor agrário-feudal ou semi-feudal, um setor
capitalista e outro imperialista ou transnacional, que coexistem no
seio do modo de produção, é preciso fundar a aliança com o setor
mais progressista: a “burguesia” industrial em ascensão.
d) As classes exploradoras são: a burguesia imperialista, a burguesia
local e os latifundiários ou a oligarquia. Enquanto que as classes
sociais oprimidas são constituídas pelos camponeses, operários,
proletários e a pequena burguesia.
e) O sistema político opera em função da aliança entre o imperialismo
e os latifundiários.
f) Em função do ponto b), para liquidar o feudalismo é necessário
impulsionar a reforma agrária e promover a mudança na aliança com
a burguesia local. Existe o caso da revolução democrático- burguesa
pela via pacífica, cuja expressão máxima foi a experiência da Unidade
Popular no Chile (1970 e 1973) e seus desastrosos resultados após a
ditadura militar, além da derrota de qualquer tentativa por instaurar
o socialismo devido a que, como Cueva (1984: 38) afirma, “a
experiência chilena fracassou em grande medida por levar sua
vocação democrática até as últimas e quase suicidas conseqüências”
(em relação à via chilena, veja Marini, 1976).

65
Sem a intenção de menosprezar os méritos que sua ação tenha
desencadeado, a história do marxismo endogenista dos PCs latino-
americanos é a história de suas alianças com a burguesia dependente,
operacionalizada como uma alternativa para isolar o inimigo principal — as
classes latifundiárias e feudais — e, posteriormente transitar para o
socialismo. Questão que nunca aconteceu na América Latina, como
testemunha a história das lutas de classes e as revoluções que
desdobraram no curso do século XX.

O (neo)gramscianismo de esquerda e de direita

Esta corrente de pensamento constitui uma particularidade nos


processos políticos e ideológicos que emergiram na América Latina no curso
da década dos setenta, principalmente a partir da crise estrutural do
padrão de acumulação de capital via industrialização por substituição de
importações e o definitivo esgotamento das fórmulas desenvolvimentistas,
(neo)desenvolvimentistas e, do funcionalismo sociológico da modernização.
Tudo isso permitirá a emergência do neoliberalismo.
Nesse sentido, o contexto político e ideológico do surgimento do
(neo)gramscianismo relaciona-se tanto à onda de ditaduras militares (1973-
1985) que sacudiram à América Latina, e cujo ciclo é inaugurado a partir do
golpe militar no Brasil em 1964, quanto ao euro- comunismo (expressão da
crise da esquerda na Europa), que tende a desvirtualizar o socialismo
realmente existente durante a década dos setenta.
Ambos acontecimentos, particularmente a queda do governo da
Unidade Popular e o golpe militar no Chile, acarretaram uma nova reflexão
teórica no acontecer latino-americano num plano predominantemente
político. É aqui que Gramsci “caiu como uma luva” para certa
intelectualidade na realização desta labor.

66
Em geral, adverte-se que o gramscianismo, no dizer de um autor,
consiste na “oportunidade para sair do marxismo sem renunciar ao ideal
socialista” (RAJCHENBERG, 1995: 283), fórmula que expressa com bastante
clareza a abdicação explícita de um grande número de intelectuais da
teoria marxista (que reforçar-se-á com o neoliberalismo e com a derrota do
socialismo soviético no final da década dos oitenta), para assumir a mais
variada gama de posições ideológicas e políticas, tanto perante o
capitalismo quanto o socialismo.
Situado no restrito plano da superestrutura ideológica, o
(neo)gramscianismo—na maioria dos casos, tergiversando as formulações
originais de Antonio Gramsci— adotará conceitos, tais como Estado,
sociedade civil, hegemonia, ocidente-oriente, guerra de posições, bloco
histórico e classes subalternas, entre outros, para serem trasladados —às
vezes mecanicamente— para a realidade latino-americana, numa suspeita
explicação substancial da fenomenologia política.
Contudo, mais do que contribuir para tal propósito durante esse
período (nas décadas dos setenta e a primeira metade dos oitenta), esta
corrente de pensamento obscureceu ainda mais os problemas e
contradições com que se debatiam os países latino-americanos. De fato,
como Agustín Cueva afirma (junho de 1986: 34):
Essa corrente semeou uma enorme confusão na América Latina, e
contribuiu para o desarmamento ideológico de muitos setores da
esquerda, no momento em que se requeria mais firmeza para
combater o imperialismo, cada vez mais prepotente e agressivo.
Dentre outras coisas, nos levava a perder essa consciência
terciero- mundista, que nos enriquecera nos sessenta. Agora se
pressupunha, ainda que teoricamente, nossa pertencia àquilo que
Gramsci denominou de “Ocidente”. Não faltou quem pressagiasse
que na virada do milênio países como o México, Brasil e
Venezuela ingressariam no clube dos desenvolvidos. Percorríamos
no meio desses sonhos quando a crise de 1982 nos deparou o
duro despertar que conhecemos: muito diferente do redil dos
subdesenvolvidos e nem sequer com a cabeça em alto.

Por outro lado, Marini (1995:39-40) indica que o (neo)gramscianismo


surgiu como uma crítica às organizações e ideologias (de antecedente
leninistas) que hegemonizaram a “via chilena para o socialismo”. Essa
corrente assumiu a tese central de que a luta pelo poder não pressupõe a

67
conquista prévia do aparelho de Estado, mas constitui um processo que
conclui com essa conquista. Isso conduzirá a legitimar o marco da
legalidade como via idônea para avançar, estritamente mediante o
processo eleitoral, para a instauração do socialismo.
Figuram, de fato, duas perspectivas do (neo)gramscianismo: uma, de
esquerda, que levantou a polêmica do caráter fascista ou não-fascista das
ditaduras militares e na qual participaram autores como Theotônio dos
Santos, Agustín Cueva e Pío García. A segunda, de direita, discutiu
principalmente o problema do Estado desde a perspectiva do Estado
autoritário, em função das teses contratuais de Norberto Bobbio. Autores
como Fernando Henrique Cardoso, Guillermo O’ Donnell, Juan Carlos
Portantiero ou Norbert Lechner encaminharam-se nesta direção (sobre este
tema, além do trabalho já citado de Marini, veja Portantiero, 1995: 261-275
e Pereyra, 1995: 277-288).
Na década dos anos oitenta o (neo)gramscianismo—da mesma forma
que o endogenismo— sofreram os embates da crise econômica e os efeitos
político-ideológicos do surgimento do processo formal de democratização
do Estado capitalista, concomitantemente ao paulatino declive das
ditaduras. Estes fenômenos incidiriam sobre o começo do desuso destes
paradigmas para ceder lugar à afirmação das variadas fórmulas ideológicas
do neoliberalismo.

A heterogeneidade estrutural
Esta corrente de pensamento pretende elucidar a especificidade do
capitalismo nos países atrasados e dependentes. Para Rodríguez (outubro
de 1998), é, sem dúvida alguma, Raúl Prebisch quem realmente formulou o
conceito de heterogeneidade estrutural. Rodríguez afirma:

O pensamento estruturalista latino-americano lhe deve a Aníbal


Pinto a precisão do conceito de heterogeneidade estrutural e,
especialmente, o fato de ter colocado de manifesto sua
importância para a análise do subdesenvolvimento ou da
condição periférica. Porém, o conceito de heterogeneidade é
anterior aos seus trabalhos: já na obra inaugural de Prebish se
encontra formulado e, no Estudo Econômico da América Latina de

68
1949 [...], mas é Aníbal Pinto quem o precisa e aprofunda em dois
artigos na primeira metade dos anos sessenta, que mais tarde se
fundem num só.

De acordo com Quijano (1989:30), o conceito de heterogeneidade


estrutural era dirigido contra o dualismo do funcionalismo antropológico,
imerso na teoria da modernização e, nas diversas interpretações da
vertente ortodoxa do materialismo histórico, que caracterizaram o
pensamento latino-americano nos termos de uma pugna fictícia entre o
feudalismo e o capitalismo, como já se comentou anteriormente. Além do
mais, há de se indicar que o conceito de heterogeneidade estrutural tem
duas vertentes. A primeira se descola de visões renovadas do marxismo,
enquanto que a segunda surge no seio de correntes keynesianas e
estruturalistas ligadas à CEPAL.

Desde a perspectiva de um marxismo não ortodoxo e mais social-


democrata, no fim da década dos cinqüenta e no transcurso dos sessenta,
Córdova e Michelena (1977) desenvolveram na Venezuela o conceito de
heterogeneidade estrutural “para fazer menção à coexistência e
compenetração dos diferentes modos de produção numa mesma formação
social e, com uma nova interpretação da dependência” (SONNTAG, 1989a:
47). Heterogeneidade e dependência se conjugam no universo capitalista
da periferia porque, no dizer de Kaplan (1985), a heterogeneidade
estrutural significa um degrau adiante no processo capitalista de economias
mais integradas, que acusam maiores coeficientes de progresso industrial
diversificado no contexto do “desenvolvimento para dentro”, a fase mais
complexa do processo histórico de industrialização da economia latino-
americana. A segunda vertente é liderada por Raúl Prebisch e Aníbal Pinto
em múltiples trabalhos. Em termos gerais, formulam que a
heterogeneidade supõe a passagem do “desenvolvimento para fora” (1850-
1930) para o “desenvolvimento para dentro” (1930-1982). Isso reforça a
heterogeneidade estrutural no próprio espaço das economias
modernizadas:
Heterogeneidade histórica, em que convivem as unidades
econômicas representativas de fases separadas por séculos de

69
evolução, desde a agricultura primitiva, às vezes pré-colombiana,
até a grande planta siderúrgica ou de automotores, montadas à
imagem e semelhança daquela instalada numa economia aberta”
(Pinto, 1985: 43).

Diferentemente do dualismo estrutural que isola o que é tradicional


daquilo que é moderno, a idéia essencial da heterogeneidade radica na
possibilidade da coexistência de ambas dimensões no mesmo espaço, seja
nacional ou regional, embora a segunda vá, paulatinamente, se
marginalizando até sua conversão em informal. A formulação de Pinto é a
seguinte:
Por um lado teria de ser lembrado aquilo que fora chamado de
“heterogeneidade estrutural” das economias (e as sociedades)
latino-americanas, ou seja, a convivência no nível regional e
nacional de sistemas ou modalidades que correspondem a etapas
muito diferentes de desenvolvimento. Trata-se de uma realidade
mais geral e complexa do que aquela do “dualismo”, fenômeno
que merecera muitas reflexões e que tem a ver, especialmente,
com a estrutura típica de uma economia de “enclave”, na qual
sobressaem um “foco” exportador “modernizado” e um
hinterland relativo ou absolutamente separado e alheio do núcleo
dinâmico (PINTO, 1985a: 164).

Aqui se adverte uma contradição na formulação de Pinto quando, no


final da citação anterior, garante que frente ao pólo exportador sobrevivem
regiões (hinterland) isoladas, absolutamente separadas e alheias do núcleo
dinâmico. Proposta que coincide com o dualismo estrutural e que só será
superada no seio da teoria marxista da dependência, quando se concatene
o problema do subdesenvolvimento no contexto da expansão do
capitalismo mundial.
Se por um lado Quijano (1989: 40 y ss.) está certo ao descobrir a
afinidade do dualismo tanto na retórica funcionalista da modernização
como na ortodoxia do materialismo histórico — que se expressa na maior
parte das formulações teóricas dos partidos comunistas—, por outro lado,
demonstra, ao mesmo tempo, que a superação histórica e teórica de ambas
concepções não anula a heterogeneidade estrutural. No entanto, parece
retroceder ao constatar que a formação do capitalismo dependente e
subdesenvolvido reduz a heterogeneidade estrutural, segundo se infere do
texto, ao pólo marginal e à economia informal que se derivam,

70
supostamente, do forte processo de (des)camponização que aconteceu na
região latino-americana na segunda metade do século XX. Esta é a mesma
posição de Rodríguez no texto citado acima (outubro de 1998), quando
reduz a heterogeneidade praticamente, à dicotomia ocupação-
desemprego.
Parece ser que aqui se confundem duas dimensões problemáticas.
Por um lado, aquela que se deriva da falsidade implícita nas teorias da
modernização, respeito à suposta existência no seu próprio seio de uma
mesma formação social de estruturas tradicionais e modernas, autárquicas
e desconectadas entre si. Teses que, na perspectiva dos representantes
ideológicos dos partidos comunistas, foi compartilhada sob a fórmula
feudalismo-capitalismo (marxismo dogmático) e tradição-modernidade
(funcionalismo-estruturalismo).
Por outro lado, o fato histórico e incontestável sobre a supremacia do
capitalismo — e sua afirmação dominante como estrutura dependente,
atrasada e subdesenvolvida— não implicava, como se desprende das teses
de Marini e de outros autores dependentistas, como Gunder Frank, que as
problemáticas articuladas e implícitas na heterogeneidade estrutural foram
superadas ou mesmo expelidas pela teoria da dependência. Esta ultima
incorpora, segundo Quijano, os conteúdos da heterogeneidade estrutural
(1989:30), sem identificar, porém, a qual corrente da teoria da dependência
se refere: se à vertente marxista ou à versão social- democrata e reformista
da mesma.
Com esse esclarecimento pode-se constatar empiricamente o fato de
que fenômenos como a informalidade, a marginalidade social ou a
(des)camponização (que se espalharam vertiginosamente nas décadas dos
setenta e oitenta do século passado em função da inusitada expansão do
sistema capitalista) ficaram estrutural e politicamente subordinados à
lógica da reprodução do capitalismo dependente. O objetivo era atender as
condições estruturais de tal expansão e engendrar um exército industrial de
reserva ampliado, produzir valor e mais-valia, reduzir os salários reais,
aumentar as taxas de exploração do trabalho (inclusive através da

71
aplicação de tecnologia para elevar a produtividade) e aprofundar e ampliar
a concorrência entre os próprios trabalhadores.
Na atualidade, na fase mais adiantada do sistema capitalista
universal — neoliberalismo e mundialização— esses fenômenos continuam
existindo, inclusive com uma intensidade e amplitude maiores nas
sociedades latino-americanas, sem que o Estado ou o capital sejam capazes
de erradicá-los. Pelo contrário, estão sendo refuncionalizados num novo
contexto de abertura externa e privatização econômica, dentro das
necessidades de reprodução do capital social global. Mas, torna-se evidente
que as sociedades contemporâneas não são as mesmas de quando essas
teorias da heterogeneidade foram formuladas. Hoje são mais complexas, e
desiguais. Ao respeito disso, Quijano garante que:

...ainda se admitindo que as relações de produção esgotam a


anatomia da sociedade, seria improvável descolar disso todo o
tecido que esta envolve e, em particular, os padrões e tendências
de agrupamento social, denominados de “classes sociais”. Na
América Latina esse problema é muito mais complicado, se
admitindo a ação de uma heterogênea pluralidade de relações de
produção.
Isso significa que se pode admitir que o sistema de classes sociais
do capital é central na sociedade, mas que se encontrariam
presentes outros sistemas e/ou fragmentos deles que não tem o
mesmo caráter. E, em tal caso, é imprescindível indagar sobre as
relações entre esses sistemas, pois o caráter concreto de cada
classe ou fragmento dela não procede, nem pode proceder,
exclusivamente, da lógica de respectivo padrão, e sim de um
complexo e contraditório entrelaçamento entre todos os padrões
e suas respectivas lógicas históricas (QUIJANO, 1989: 44-45).

Para Quijano, captar a nova realidade social da América Latina a


partir da reestruturação de suas relações sociais e das relações poder já
não pode ser obra da teoria da modernização, nem do materialismo
histórico (este último, indevidamente, identificado com o marxismo em
geral), já que na experiência latino-americana tal materialismo foi
predominantemente imputado pelos representantes ideológicos dos
partidos comunistas e pelo endogenismo. Segundo ele (pp. 47-48), a (nova)
investigação direcionada para o estúdio dos movimentos sociais se
convertera no objeto de estudo e de investigação na década dos oitenta.

72
Mas, o autor não repara na resposta à seguinte questão: com que
instrumentos teórico-conceituais, sistema de idéias e ideologia será
abordado o estudo dos novos movimentos sociais que para ele constituem
a “modalidade de expressão dessas tendências da sociedade na cena da
sociedade civil latino-americana” (?) (1989: 49). Não existe uma resposta,
somente a sobreposição de um conceito (movimentos sociais) e o
deslocamento do marxismo sem argumentos sólidos e convincentes.

A supremacia neoliberal e o pensamento social


O pensamento crítico latino-americano e as ciências sociais afins
como a filosofia, a antropologia, a sociologia, a economia e a ciência
política foram desarticulados no curso das décadas dos oitenta e noventa
pela ação corrosiva do neoliberalismo nos centros culturais e intelectuais
latino-americanos: universidades, centros e institutos de difusão e pesquisa
de ciências sociais e humanidades.
O “pensamento único” anunciou com grande festa o “fim da história”,
a reabilitação das “democracias governáveis” sob as diretrizes de
Washington, e o “fim das desigualdades sociais e das contradições do
capitalismo”. Nesse contexto, os efeitos ideológicos e políticos do golpe
militar chileno de 1973 nas sociedades latino-americanas e, em especial, na
sua intelectualidade merecem especial atenção, uma vez que tal golpe:
passa a somar-se à cadeia de levantamentos militares que
começaram na região em 1964 com a derrocada de João Goulart,
[fato] que constituiu um período de interrupção e desarticulação,
tanto da atividade política quanto do desenvolvimento das
ciências sociais, especialmente do marxismo. As equipes de
trabalho desarticularam-se e os centros de estudo e pesquisa
sociais foram fechados, provocando um forte baque na produção
teórica, que se vinha desenvolvendo com muita força no Cone Sul
(GILBERT, 1996: 4).

A desarticulação do pensamento crítico latino-americano aconteceu


em decorrência de uma série de acontecimentos, entre os quais se
destacam os seguintes: a crise estrutural do capitalismo, a derrota da
revolução nicaragüense, a perda da eficácia política e o desgaste das
ditaduras militares, o início do processo de democratização formal do poder

73
político do Estado latino-americano sob a égide das “democracias
governáveis” e a tutela dos Estados Unidos, a queda do Muro de Berlin e a
desintegração da União Soviética, a pós-guerra fria e a implementação do
Consenso de Washington (1989).
A crise estrutural que estremeceu à América Latina na década dos
oitenta—durante a famosa “década perdida” que estimulou a entrada do
neoliberalismo na região e a tomada de poder dos aparelhos produtivos
pelas gigantescas empresas transnacionais— enfrentou às ciências sociais
e ao pensamento crítico com os embates do pensamento eurocêntrico e
norte-americano (sob as mais variadas formulações pós-modernas). O
objetivo dessa incursão ideológica foi suplantar um pensamento que
explicava e analisava criticamente a inserção da América Latina na
economia capitalista mundial: o marxismo. E, a forma que esse
deslocamento teórico iria assumir se dava mediante a redução drástica da
autonomia cognoscitiva, conceitual, metodológica e analítica que se
mantivera na produção intelectual e científica da região. Para esse fim, a
(re)orientação dos financiamentos educativos e científicos na direção dos
centros de promoção do pensamento neoliberal teve grande importância,
dentre outros fatores (esse tema é analisado em Sotelo, 2000).
A partir desse momento, alastrou-se o esforço global e sistemático,
através dos médios de comunicação e informação, dirigido a “explicar” o
acontecer latino-americano a partir dos marcos teóricos de referência e
métodos provenientes dos centros dominantes (como a teoria pós-colonial),
em meio do crescente processo de enfraquecimento do pensamento crítico
na região. O resultado foi, em geral, o empobrecimento do pensamento
latino-americano e o abandono da teoria e dos métodos de investigação
integrais que, com visões globais e dialéticas, garantiam sua autonomia
intelectual frente aos centros acadêmicos e intelectuais dos países
imperialistas. Ao respeito basta constatar o ensino massivo da teoria
neoclássica e do funcionalismo sociológico nas faculdades de ciências
sociais e de humanidades nas universidades públicas latino-americanas na
atualidade. Os fenômenos sociais e humanos são representados de maneira

74
restringida, como simples modelos matemáticos suspeitamente científicos,
a-históricos e sem nenhuma conotação em relação à realidade social das
nossas populações e países. Dessa forma, em meio de crises periódicas, da
pobreza propagada na sociedade e da precarização do mundo do trabalho,
o desemprego e a desigualdade da renda, difunde-se nos programas oficiais
de estudo o equilibro perfeito da macroeconomia neoclássica e, a
modernização da sociedade através de sistemas orgânicos de integração
social inexistentes. Com esse fim, se assumem passivamente, as teorias
provenientes dos centros hegemônicos intelectuais, como a teoria dos
jogos, a marginalidade social, a terceira via, a globalização, o equilíbrio dos
mercados, o monetarismo, a austeridade, os sujeitos sociais, a teoria do
capital humano, a pós-modernidade ou o pós- ocidentalismo. Pensa-se, por
exemplo, na devastação massiva do medio ambiente dos países latino-
americanos com idéias importadas — e impostas— pelo Banco Mundial.
Além do mais, a bibliografia é, na maioria das vezes, em inglês, e
preferentemente, de autores europeus e norte-americanos, com ausência
de autores latino-americanos e mexicanos, dos críticos, particularmente,
quem são praticamente ignorados nas cátedras e nos programas de estudo.
Para tudo isso contribuiria uma sistemática (contra-revolução)
ressurreição de conceitos, linguagens, categorias, símbolos e ideologias que
se esforçaram para se colocar por cima dos conteúdos críticos das idéias,
conceitos, hipóteses, leis e métodos imaginários. Ou seja, o resultado da
elaboração epistemológica latino-americana no período anterior. Conceitos
como democracia substituem agora ao de revolução; movimentos e
sujeitos sociais substituem o conceito de classe e luta de classes; a terceira
via, importada da Europa, substitui a necessidade das populações e das
classes sociais de construir sistemas alternativos de vida, trabalho e
existência, de natureza radicalmente diferente daquela do sistema
capitalista, como modo de produção. O conceito de Estado ficou
substituído pelo conceito metafísico de setor público e, o imperialismo, pela
ambígua globalização ou império - este último, por exemplo, na versão
pós-moderna e (neo)conservadora de Negri e Hardt -. (2002; para uma

75
crítica sobre estes autores veja Borón, 2002 e sobre uma variante ao tom
da ideologia pós-moderna, hoje em voga, que nega a necessidade de lutar
pela conquista do poder político do Estado, veja Holloway, 2002).
O neoliberalismo constitui-se, dessa forma, na ideologia dominante
nos centros culturais e de pesquisa, nas universidades públicas e nos
espaços estatais. Em benefício do projeto mundial de expansão capitalista,
se ressuscitam e se fazem passar por (ultra)modernas as idéias arcaicas
provenientes da economia política clássica, principalmente, de Adam Smith
e David Ricardo, retomadas pelo pensamento pós-marxista de autores que
vão desde William Stanley Jevons e Alfred Marshall até outros como Böhm-
Bawerk, Friedrich von Hayek —ambos do Círculo de Viena—, Milton
Friedman e Arnold Harberger —estes últimos assessores das ditaduras
militares e do neoliberalismo na América Latina—, para destacar os mais
conhecidos. Conceitos fundamentados na idéia-força, de enorme falsidade,
de que o mercado estava encaminhado para se constituir no mecanismo
propulsor do sistema econômico e da humanidade (sobre este tema veja
Frank, 1977: 61-90)7
Nesse cenário nem os próprios neoliberais assumem seus dogmas
inventados. De fato, preocupados pela reprodução estratégica do
capitalismo, não acreditam mais nos seus mercados, questão que
comprova o mega- especulador George Soros, quem, para impedir o
colapso dos mercados financeiros e reconhecer que estes são instáveis,
não vacila em afirmar que “a disciplina do mercado deve ser
complementada com outra disciplina: a manutenção e a estabilidade nos
mercados financeiros, como objetivo explícito da política pública” (Soros,
1999: 20, itálico meu). Enquanto que Gray (2000: 250), outro liberal,
expressa:
Na atualidade, os mercados globais provocam a cisão das
sociedades e o enfraquecimento dos Estados […]A história
confirma que os mercados livres não são capazes de se auto-
regular; são instituições inerentemente voláteis, susceptíveis a

7
Para uma critica sobre estas vertentes da economia marginalista veja o livro de Bujarin
(1974), centrado nas duas principias expressões burguesas do pensamento anti- marxista: a
escola histórica e a escola austríaca.

76
disparadas e quedas especulativas. Durante o período em que o
pensamento de Keynes era dominante, se reconheceu que os
mercados livres são instituições muito imperfeitas. Para funcionar
bem precisam não só de uma regulação, mas também de uma
gestão ativa. Durante o período do pós-guerra, a estabilidade dos
mercados livres se manteve em virtude dos governos nacionais e
do regime de cooperação internacional.

O corpus das idéias evangélicas da ideologia neoliberal, predica que:

...a sociedade representa um conjunto de indivíduos livres e iguais


perante a lei, que agem movidos pelo interesse pessoal, egoísta,
subordinados tão somente ao movimento objetivo das coisas, o
qual se expressa em leis naturais, como as da oferta e demanda.
A pesquisa dos processos e regularidades que caracterizam certo
processo econômico, objeto de estudo da economia política,
converte-se assim na exaltação apologética das leis cegas do
mercado. O liberalismo, expressão doutrinaria dessa nova
postura, alcança então sua plenitude (MARINI, 1994, p. 20).

De acordo com o neoliberalismo, qualquer intervenção extra-


econômica dirigida a regular o sistema econômico e social é intolerável
para as forças do mercado: a intervenção da sociedade, dos sindicatos, dos
partidos políticos e, ainda do Estado capitalista, são forças que estragam a
boa marcha dos negócios. Na lógica neoliberal, no seu fantasioso mundo
subliminal, a única intervenção racional é a dos empresários privados: eles,
mais do que ninguém, são os destinados a garantir e distribuir os benefícios
econômicos e sociais de sua ação, sob uma implacável lógica capitalista
neoliberal, que obedece às políticas de privatização do Estado, formalmente
impulsionadas desde a década dos oitenta pelos governos mercantilistas
latino-americanos, assessorados pelos organismos internacionais tais como
o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a OCDE.

De fato, a crise da década dos setenta foi avistada pelas burguesias e


os ideólogos das burocracias políticas como o resultado da “prisão” das
forças do mercado por parte do Estado. No México, esta arcaica visão
neoliberal prevalece no mandato empresarial de Vicente Fox e nos
principais partidos políticos registrados (PRI, PAN e PRD). Para eles a situação
de recessão e crise que impera na economia mexicana e a falta de
crescimento econômico, obedecem à ausência de reformas estruturais. Em

77
linguagem clara e direta, ao adiamento da privatização da eletricidade e do
petróleo, assim como da imposição do imposto ao valor agregado para
medicinas e alimentos básicos para a população (reforma fiscal, na
linguagem da tecnocracia neoliberal). Finalmente, à impossibilidade de
implementar a reforma laboral (conhecida como a Léi Abascal), que
introduz os contratos temporais, flexibiliza as relações laborais e introduz a
precarização do mundo do trabalho em forma massiva. Acredita-se que por
não ter concretizado essas reformas neoliberais a crise se mantêm (em
relação a esse último tema, veja Sotelo, 2003a), embora não se reconheça
que onde já se implementaram, como no Cone Sul, a situação do mundo do
trabalho e da sociedade tem piorado fatalmente para a população.
Perante a sacrossanta idéia da supremacia do mercado como motor
propulsor do progresso humano e social, não existia, aparentemente, as
condições para uma contestação por parte do pensamento crítico, porque
este se acostumara a caracterizar facilmente a fenomenologia latino-
americana. Na verdade, não se tinha consciência de que a crise do
pensamento latino-americano, iniciada na década dos oitenta, era a
expressão da inadequação dos postulados, hipóteses, teses e idéias que
foram elaboradas para explicar os problemas gerais e os fenômenos
econômicos e sócio-políticos no contexto das transformações do modo de
produção capitalista em condições de dependência estrutural.
Porém, uma coisa era essa inadequação e outra, muito diferente, era
o fato de que as correntes e teorias latino-americanas já não tivessem
nenhuma força explicativa, e que as ferramentas teóricas e os métodos de
investigação elaborados pelas ciências sociais careceram de significado e
de funcionalidade para compreender e explicar a natureza dos nossos
países e sociedades, tanto entre elas mesmas como no cenário
internacional.
Outros acontecimentos contribuíram para gerar esta impressão, cuja
influência afiançou a ideologia da globalização e o pensamento único, que
postula, essencialmente a ineficácia do marxismo e dos seus conceitos
analíticos: a) a vitória da direita e a derrota da esquerda junto com seu

78
pensamento político, b) a crise dos países capitalistas adiantados, e c) o
uso das novas tecnologias, das comunicações e da informática, sob o
controle absoluto do capital (PETRAS, 2000: 35-36).
Na América Latina outros fatores também auxiliaram para evidenciar
a incapacidade explicativa do pensamento latino-americano, tais como a
crise estrutural e financeira de 1982, o efeito da desmilitarização do Estado,
a ilusão ótica que causava em amplos setores da população e da
intelectualidade, o surgimento da democracia e, finalmente, o triunfo da
direita e do empresariado na condução política do poder do Estado
capitalista neoliberal. Em suma, se por um lado é verdade que o resultado
de todo esse processo se traduziu na constituição da mais perversa visão
da ideologia neoliberal no mundo, não é menos verdade que o pensamento
latino-americano seja capaz de remontar derrotas, se reconstituir e
aproveitar criativamente a crise dos paradigmas neoliberais (com sua
“eficácia racional”), retomar e reafirmar sua autonomia, marcando ao
mesmo tempo novas pautas de análise, na busca de alternativas radicais —
ou seja, de raiz — no plano cultural, social e humano, a partir da superação
qualitativa do modo de produção e de vida capitalistas.

A corrente (neo)estruturalista

Após a instauração do neoliberalismo na América Latina, com a


aprovação das forças vivas das classes dominantes, muitos autores
buscaram diferentes alternativas perante a crise em que a maior parte dos
povos e países do continente se debatiam durante a década dos oitenta e
começo dos noventa. Nesse momento se cristalizou a idéia de que a única
saída que restava frente ao neoliberalismo e suas doutrinas de mercado,
frente à derrota e ao fracasso do estadismo e do socialismo soviético e dos
países do bloco, era justamente o (neo)estruturalismo, que implicava, em
síntese, na articulação das políticas de mercado com o intervencionismo
estatal para propiciar uma nova via de industrialização que —
diferentemente do passado— se sustentara na projeção para o exterior.

79
A gênese teórica do (neo)estruturalismo é a seguinte: parte de uma
revisão das idéias estruturalistas vigentes nos anos cinqüenta; ato seguido,
contrabalançá-las com o processo concreto de expansão capitalista, que se
desencadeou nas décadas de 1960 e 1970 (balançando acertos e
fracassos); continua a abordagem da crise estrutural da década dos oitenta,
para culminar com uma revisão e reinterpretação das causas e dos
problemas derivados de tal crise. Por último, em função do anterior, faz-se
referência à análise de perspectivas e propostas —supostamente—
encaminhadas para a superação da crise capitalista e o descobrimento de
novos caminhos por donde transitar (SUNKEL, 1995: 9 e ss.).
O (neo)estruturalismo é um paradigma teórico dentro das ciências
sociais que pode ser rastreado, pelo menos, desde meados da década dos
oitenta, de acordo com o texto de French-Davis, publicado em 1986, assim
como de outros autores (neo)estruturalistas (Fajnzylber, 1983; para uma
análise e crítica sobre este, veja Sotelo 2004, capítulo 4).
Segundo French-Davis (1986:116), a perspectiva (neo)estruturalista
está fundada sobre três pilares: o econômico, a eqüidade social e a
autonomia nacional —questões que até a atualidade, no primeiro
qüinqüênio do século XXI, contando a partir do século XIX, ainda não se
cumpriram na América Latina, nem se cumprirão no futuro próximo—. Este
autor também formula que o velho estruturalismo adoeceu de duas
insuficiências. Por um lado, ignorou as variáveis macroeconômicas de curto
prazo (déficit fiscal, liquidez monetária, etc.) e, do outro, desprezou as
políticas de médio prazo, que concernem aos objetivos nacionais em
matéria de desenvolvimento e planejamento (French, 1986: 119). Sobre o
retrocesso do monetarismo de corte neoliberal, este autor afirma:
No nosso juízo, corresponde retomar a tradição estruturalista,
incorporando-lhe uma preocupação sistemática pelo desenho de
políticas econômicas. Os equilíbrios macroeconômicos, a
coordenação entre o curto e o longo prazo, o acordo entre os
setores públicos e privados, a construção de estruturas produtivas
e de gestão que incorporem uma igualdade maior e, as
considerações a respeito das estratégias e políticas que
possibilitem uma maior autonomia nacional, são aspectos que
possuem grande relevância. Isso é o que pode ser denominado de
“(neo)estruturalismo” (FRENCH, 1986:119).

80
Outros autores garantem que o documento que fundou o
(neo)estruturalismo é , provavelmente, Transformação produtiva com
eqüidade, já que foi elaborado pela CEPAL em 1990 para revisar sua própria
teoria. Ao respeito Braite-Poplawski (s/d, documento na Internet:
http://tiss.zdv.uni-tuebingen.de/webroot/sp/barrios/themeA3b-sp.html )
formula que: “O conceito de Transformação Produtiva com Eqüidade de
1990 nasceu após uma revisão feita pela CEPAL ao velho Modelo do
Estruturalismo e é visto como a base fundamental do (neo)estruturalismo”.
Neste documento a CEPAL propõe o seguinte objetivo:

...a transformação das estruturas produtivas da região num


marco de progressiva eqüidade social. Mediante esta
transformação, pretende-se criar novas fontes de dinamismo que
permitam cumprir alguns dos objetivos próprios de uma
concepção atualizada do desenvolvimento: crescer, melhorar a
distribuição da renda, consolidar os processos democráticos,
adquirir maior autonomia, criar condições que detenham a
deterioração ambiental e melhorar a qualidade de vida de toda a
população.

A reflexão crítica sobre a crise que estremeceu a América Latina na


década dos oitenta (“década perdida”), revela os erros e omissões que a
CEPAL teve ao longo da aplicação de suas estratégias e propostas para
superar o subdesenvolvimento e o atraso. Porém, não chega nem perto de
formular a modificação das estruturas do modo de produção capitalista nos
nossos países, particularmente no que diz respeito às relações de
propriedade e à reforma agrária.
Esta corrente constitui uma resposta — embora mais em relação à
forma do que ao conteúdo — às políticas selvagens do neoliberalismo que,
desde um começo, produziram estagnação econômica, pauperização da
sociedade e pobreza extrema, fortemente suscitadas a partir das políticas
do ajuste estrutural e da austeridade, que quase todos os governos latino-
americanos adotaram na década dos oitenta do século passado.
Segundo Guillén (2000:211), o (neo)estruturalismo surgiu no final da
década dos oitenta e começo dos noventa e, nele se podem apreciar duas
vertentes: por um lado, a inicial, muito próxima do neoliberalismo, com a

81
diferença de que impulsionou programas heterodoxos de ajuste e
estabilização, particularmente na esfera dos circuitos monetários e
financeiros. Surgiram dessa forma os planos monetaristas de estabilização
como o Plano Cruzado no Brasil e o Austral na Argentina.
Uma segunda linha do paradigma (neo)estruturalista apareceu com o
fracasso da vertente ortodoxa e se caracterizou pelo crítico retorno ao
pensamento original da CEPAL. O melhor do seu aporte político se cristalizou
na proposta de realizar uma síntese do enfoque neoliberal e do velho
estruturalista velho para “responder às características e exigências da
época atual, superando as experiências negativas das décadas recém
passadas” (Ramos e Sunkel, 1991, cit. Por Guillén, 2000: 212).
O trabalho de Sunkel e Zuleta (1990:35-53) também se situa nessa
direção. Para eles, o (neo)estruturalismo—derivado do documento
Transformação produtiva com eqüidade— é uma síntese do pensamento
estruturalista latino-americano, embora renovado e reformulado e, da
“contribuição (neo)estruturalista que surgira na última década” (Sunkel e
Zuleta, 1990: 36).
Porém, quando as formulações destes autores (neo)estruturalistas se
lêem entrelinhas— consideravelmente empobrecidas em relação às
formulações dos fundadores do estruturalismo latino-americano original,
tais como Prebisch, Furtado e Pinto— não deixa de surpreender sua enorme
semelhança com as do neoliberalismo, além de evidenciar seu forte matiz
tecnocrático no tratamento dos problemas do desenvolvimento na época da
globalização, desde sua proposta para reativar as taxas de crescimento
econômico dos países latino-americanos. Porém nem se quer explica como
nem quais as pessoas estão chamadas a realizar esta tarefa. Na seguinte
passagem, que formula as políticas para recuperar e consolidar o
desenvolvimento latino-americano e que sintetiza a concepção
(neo)estruturalista, adverte-se o caráter metafísico, ingênuo, irreal e
mecanicista de suas formulações:
...em consonância com o diagnóstico (neo)estruturalista inicial,
ambas alternativas reúnem proposições concretas, orientadas a
configurar uma estrutura produtiva que permita crescer com
dinamismo e garanta uma eficiente inserção dos nossos países na

82
economia mundial, incremente a geração de emprego produtivo,
diminiua a heterogeneidade estrutural e, deste modo, melhore a
distribuição da renda e alivie a situação de extrema pobreza em
que vive a grande parte da população latino-americana (SUNKEL e
ZULETA, 1990:42).

Observe a mecânica no círculo vicioso desse raciocínio : a


recuperação e consolidação do desenvolvimento criam uma estrutura
produtiva que cresce e garante uma “inserção eficiente” nos mercados
internacionais, cria mais empregos, reduz a heterogeneidade estrutural
para melhorar a distribuição da renda e reduz a extrema pobreza.
Pergunta: quem constitui aqui, nesse raciocínio, o “sujeito ativo”? Resposta:
a estrutura produtiva! Além do mais, na suas anotações, estes autores não
indicam como é que se consegue aquilo. No máximo, tal como formulara a
CEPAL no passado, são novamente o capital (nacional e estrangeiro), assim
como o Estado (velhos atores já conhecidos), os únicos sujeitos nesse
processo. Dentro desta concepção, a população, os trabalhadores e as
classes sociais, figuram, quando muito, como simples espectadores.
Os (neo)estruturalistas retomam a velha idéia do “desenvolvimento
para dentro” —que em essência significa endogenizar o capitalismo— e,
reciclam a ilusão da autonomia do capitalismo, enquanto que o “novo” é
impulsionar a (nova) industrialização com o auxilio do Estado —agora
reduzido à simples “setor público”— mas, diferentemente do passado,
fincado na especialização do mercado mundial, na exportação de matérias-
prima, de alimentos, produtos manufaturados e de massas crescentes de
força de trabalho em praticamente todos os países latino-americanos.
Em relação à “raiz principal” das causas dos problemas econômicos
e, especificamente, do subdesenvolvimento, esta é derivada não das
profundas contradições das estruturas capitalistas, mas daquilo que eles
denominam de “distorções estruturais” (SUNKEL e ZULETA, 1990: 51).
Transcorre, dessa forma, o discurso (neo)estruturalista: varia na
linguagem, mas possui, em essência, os mesmos argumentos e
formulações que se assemelham cada vez mais à linguagem e aos
postulados ortodoxos e heterodoxos do neoliberalismo. Cristóbal Kay

83
(1998), um (neo)estruturalista heterodoxo que pretende harmonizar o
estruturalismo e a teoria da dependência (sem esclarecer a qual de suas
correntes teóricas se refere), reconhece esta semelhança com o
neoliberalismo quando afirma que: “O (neo)estruturalismo adotou certos
elementos do neoliberalismo ao mesmo tempo em que conserva algumas
das idéias estruturalistas medulares, embora existam autores que tenham
rejeitado o (neo)estruturalismo, designando-o como a mera cara humana
do neoliberalismo e sua segunda fase”.
Os (neo)estruturalistas defendem, dessa forma, uma série de
princípios neoliberais, como criar um Estado eficaz, privatizar as empresas
produtivas não estratégicas (?), induzir o capital estrangeiro a investir,
reduzir as funções empresariais do Estado (porque hoje são menos
necessárias) e despolitizar a gestão pública. Todo o ideário das políticas
estratégicas que o radicalismo neoliberal aplicou sem piedade e
sistematicamente nas duas últimas décadas a todas as populações do
Terceiro Mundo.
Em relaçãoàs similitudes entre o neoliberalismo e o
(neo)estruturalismo, Sunkel e Zuleta enunciam aquilo que é obvio: “tanto
os neoliberais quanto os (neo)estruturalistas coincidem na impostergável
necessidade de efetivar profundas transformações na estrutura econômica
dos nossos países” (Sunkel e Zuleta, 1990: 49), sem identificar, porém, os
sujeitos concretos, os meios e as políticas reais, nem muito menos, os
obstáculos e dificuldades que possam ser encontraadas no caminho.
Parecera que toda a diferença entre ambos paradigmas radica no tamanho
e dimensão da intervenção do Estado capitalista: enquanto que para o
primeiro deve ser nula, para o segundo deve garantir uma certa
“intervenção razoável e eficaz”.
De fato, após reconhecer que o (neo)estruturalismo é a “única
alternativa factível e confiável perante o neoliberalismo nas circunstâncias
históricas atuais”, Kay (1998) sustenta que: “...o (neo)estruturalismo atribui
maior relevância às forças do mercado, à empresa privada e aos
investimentos estrangeiros diretos em comparação ao estruturalismo”.

84
Alega, porém, que o Estado deveria governar o mercado. O resto constitui
minúcias em relação aos caminhos que hão de ser seguidos para conseguir
a plenitude do sistema capitalista, embora dependente, em nossos países.
Kay (1998), como o resto de autores desta corrente, é ainda mais explícito
ao reconhecer sem rodeio a possibilidade da continuidade do modelo
neoliberal e, vislumbra a insólita possibilidade de que este produza
“melhores condições sociais e seguridade para os grupos mais vulneráveis
e fracos da sociedade”, além de reduzir as “desigualdades” entre os países
pobres e os países ricos. Nesses termos se estabelecem as diferenças entre
o(neo)estruturalismo e neoliberalismo no pensamento contemporâneo.

A teoria pós-colonial: Dependência ou pós - colonialismo?


Na Inglaterra no final da década dos cinqüenta do século passado se
desenvolveu uma linha temática articulada aos temas da literatura, cultura
e arte, que se divulgou como Estudos Culturais. Seus representantes foram
Raymond Williams, William Hoggart, Eduard P. Thompson e Stuart Hall
(FERNÁNDEZ, 2003-2004: 94, PAJUELO, 2001 e CASTRO-GÓMEZ, 1998).
Na origem, esta escola de Estudos Culturais manteve uma atitude
crítica no contexto do pensamento marxista, o que redundou numa
profunda “…crítica sistemática à visão redutivista e mecânica dos
processos ideológicos e o descobrimento da cultura como uma esfera com
relativa autonomia” (FERNÁNDEZ: 2003-2004: 94).
Contudo, no final da década dos oitenta, após a queda da União
Soviética e a afirmação do neoliberalismo através do Consenso de
Washington (1989), tal escola se trasladou para os Estados Unidos, onde
sintetizou seu conteúdo crítico e sua visão global. Com isso, reformulou
uma perspectiva fragmentada e pós-moderna acorde à lógica capitalista e
neoliberal, dando origem ao chamado multi-culturalismo — como ideologia
do capitalismo global (FERNÁNDEZ, 2003- 2004:105)— nas universidades
norte-americanas. Mais tarde, esta teoria se trasladou para a América
Latina (entre seus inspiradores teóricos figura Rawls, 2001, como expoente
desta teoria. Veja também Martín-Barbero, 2001).

85
Outros autores sugerem que, desde um angulo latino-americano, a
teoria pós-colonial assumiu a forma de “pós-ocidentalismo, como a
“continuação e aprofundamento da crítica pós-colonial” (PAJUELO, 2001) e,
cujas coordenadas geopolíticas são: 1) A pós-modernista (européia e norte-
americana, com autores como Lyottard e Baudrillard na liderança), 2) O
pós-colonialismo com duas vertentes: a) a vertente indiana, representada
por Guha, Baba, Spivak e os estudos subalternos e, b) a vertente pós-
orientalista, onde se situa Edward W. Said; 3) O pós- ocidentalismo,
representado por autores como Mignolo, Coronil, Dussel, Quijano, Lander,
entre os mais representativos (Mignolo, cit. por PAJUELO, 2001).
Segundo Coronil (2000:87), desde o começo, os estudos pós-coloniais
omitiram duas questões de suma importância. Por um lado, ponderaram o
estudo do colonialismo europeu na Ásia e na África e, omitiram o europeu,
que operou na América, desde a Espanha, França, Portugal, Holanda e
Inglaterra, particularmente no território latino-americano, que se projetou
posteriormente para a África e Ásia. A segunda omissão, essencial, é aquela
relativa à notável ausência do imperialismo, como categoria analítica,
quando este último foi—e continua sendo — fundamental nos estudos e
reflexões dos pensadores latino-americanos.
No momento em que um grupo de pesquisadores de origem latino-
americana, utilizou o multi- culturalismo para aplicá-lo nos estudos latino-
americanos dentro das universidades norte-americanas, surgiu aquilo que
se conhece como estudos subalternos ou teoria pós-colonial. Na América
Latina figuram dentro desta última linha autores como Walter Mignolo,
Ileana Rodríguez, Santiago Castro, Eduardo Mendieta, Fernando Coronil e
Alberto Moreiras (Fernández, 2003-2004: 95-96); entre seus precursores
podem ser mencionados autores latino-americanos e caribenhos como
Fernando Ortiz, Franz Fanon, Aimé Césaire, Edouard Glissant e Fernández
Retamar.
Não obstante, é, sem dúvida, Edward Said, com seu livro
Orientalismo, escrito em 1978 (2002), o inspirador da teoria pós-colonial –
ainda que não necessariamente pós-colonialista e, muito menos, de direita

86
— em autores como os indianos Spivak e Guha (1988), o sul-africano B.
Parry e o árabe A. Aijaz.
É importante indicar que as fontes originárias da teoria pós-colonial
correspondem à genealogia de Michel Foucault, ao psicanálise de Jacques
Lacan, à teoria (des)construtivista e (meta)narrativa de Jacques Derrida
(todos enquadrados na ideologia da pós-modernidade e no anti-
ocidentalismo) e à filosofia existencialista de Martín Heidegger.
A teoria pós-colonial, com eixo nos países que pertenceram ao
Commonwealth — nações que mantiveram uma real ou simbólica adesão à
coroa da Inglaterra—, divide a história humana em dois períodos: um que
corresponde ao colonial e outro, ao da descolonização (1950-1970). A
reflexão dos autores desta escola de pensamento se concentra nesse
último, uma vez que extraem daqui suas principais hipóteses e resultados.
Em relação a isso, Robotham (s/d) argumenta que:
...o Movimento dos Países não Alinhados vivia seus anos de maior
influência. Corresponde àquilo que Samir Amin chamou da Era
Bandúng, quando o mundo menos desenvolvido se encontrava
dominado por figuras como Nehrú, Nasser; Sukarno e Nkrumah. É
o período do auge da Guerra Fria, quando o imperialismo se
enfrentou ao desafio do Socialismo Real e ao problema da “via
não capitalista”, e quando a transição ao socialismo dominava a
vida intelectual e política.
O fim da descolonização constitui um termo adequado para definir
este período porque a etapa de oposição dos anos setenta se
achou capaz de concretizar os assuntos econômicos e sociais que
ficaram pendentes devido a que o processo da independência se
limitou a tratar temas puramente políticos ou constitucionais. Não
se conseguiu contemplar a si mesma como uma superação total
do marco herdado do Ocidente, mas como a possibilidade de
ampliar aquilo que se entendia como os preceitos mais críticos do
pensamento ocidental para a esfera da vida econômica e social, a
saber, o marxismo e a revolução. Isso permitiria materializar os
frutos da civilização e da modernidade do Ocidente no mundo
menos desenvolvido. Em outras palavras, durante este período,
pretendia-se acabar com a exploração sofrida nas mãos do
Ocidente como medida para conseguir incorporar-se na corrente
da modernidade ocidental sobre a base de uma igualdade social e
econômica.

Para Samir Amin (1995:16), a Era ou Projeto Bandúng (1955-1975),


cuja essência é a luta contra todas as formas de colonialismo, levantada
pelos países do “terceiro mundo”, significa:

87
...o triunfo da ideologia do “desenvolvimento”, que se fundou num
conjunto de certidões aparentes, próprias de cada uma das
regiões do mundo, ainda que todas estivessem profundamente
assentadas nas opiniões dominantes: o keynesianismo e o mito do
crescimento controlado e indefinido no oeste, o mito do alcance
mediante o “socialismo” de Estado soviético, o mito do alcance da
interdependência no Terceiro Mundo.

Para Robotham, se de um lado o processo de descolonização


conseguiu os objetivos da independência nacional e da formação do Estado
independente, por outro, redundou no reforço do ocidentalismo e o
racionalismo, que são próprios da etapa prévia ao período pós-colonial (a
modernidade). Por isso, os autores desta corrente rejeitam cabalmente
qualquer volta ao ocidentalismo - modernismo (“por ser parte das
ideologias dominantes colonialistas”), incluindo suas vias preferentes: a via
capitalista ou o socialismo (razão instrumental).
Por isso, se considera o pós-colonialismo como, essencialmente, uma
ideologia (mais do que uma disciplina científica) da vertente pós-moderna,
como o próprio Robotham reconhece ao afirmar que:
...o período pós-colonial foi muito diferente do período de
descolonização. Aqui não se colocou ênfase numa antropologia
que amplie a racionalidade revolucionária no mundo menos
desenvolvido, mas a rejeição total de um projeto racionalista na
maneira já conhecida de Nietzsche […] se a dependência, a
economia política e a teoria dos sistemas mundiais constituíam
rasgos característicos do anti-colonialismo, da Era Bandúng, o
período pós-colonial estava definido pelas diversas imagens da
marca do pós-modernismo.

E conclui assinalando que: “portanto, aquilo pós-colonial constitui


uma forma de consciência bastante mais extrema do que a descolonização,
porque considera que os supostos racionalistas implícitos nesse projeto
carecem de sentido, são enganosos e restritivos, em síntese, um fraude”.
Por outra parte, esta ideologia predica a aplicação dos princípios e
das histórias particulares dos países que foram ex-colônias da França e da
Inglaterra, argumento que no caso latino-americano é sumamente
problemático e questionável. Formula-se dessa forma, por exemplo, que na
medida em que se operacionalizava a descolonização de países como a
Índia ou a África, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, se teria

88
produzido na América Latina uma perda de identidade, num continente
onde a independência política se espalhou durante as primeiras décadas do
século XIX.

Criticando esta formulação, Fernández argumenta que:

O suposto comum de onde parte este discurso—o pós-


colonialismo— sobre aquilo que é nosso, constitui a hipótese
segundo a qual, na segunda metade do século XX, se produz na
América Latina, como conseqüência da globalização e dos
movimentos migratórios concomitantes, uma profunda quebra da
identidade latino-americana (FERNÁNDEZ: 2003-2004: 96).

Porém, aquilo que o discurso pós-colonial ignora é precisamente que


“a consciência latino-americana é, há mais de um século já, um espaço
heterogêneo em constante transformação, onde nenhuma formulação da
identidade é permanente ou aceita de modo geral” (FERNÁNDEZ: 2003-
2004: 99).
Esta premissa coloca o discurso pós-colonial fora de foco, uma vez
que o problema da identidade em países que alcançaram sua
independência política há quase duzentos anos ficou prática e
historicamente resolvido, principalmente desde a perspectiva das classes
subalternas e exploradas, que cultivam seus valores, culturas e tradições.
Os primeiros níveis de importância assumem, dessa forma, novas
problemáticas contemporâneas, tais como a ameaça da desintegração
nacional pelo crescimento da privatização econômica, do endividamento
externo, da pseudo-integração dirigida pelas elites burocráticas e
coorporativas, encravadas na estratégia global do imperialismo, ou ainda o
problema da crescente e extrema pobreza da grande maioria das
populações latino-americanas.
Em contraposição às idéias pós-modernas do pós-colonialismo e suas
variantes (o pós-ocidentalismo, o multi-culturalismo e a subalternidade),
estes problemas não têm nada a ver com o estado de ânimo em quanto à
decisão de se participar num projeto ocidentalista ou orientalista. Achúgar
(1998, cit. Por FERNÁNDEZ: 2003-2004:96), supõe que:

89
...a aplicação de categorias originadas em países pertencentes ao
Commonwealth implica em ignorar a memória latino-americana,
desconhecer suas especificidades culturais e assemelhar sua
experiência histórica à dos próprios países africanos e asiáticos,
ancorados numa memória escrita ou falada em inglês.

Além do mais: “Os lineamentos pós-colonialistas, trasladados desde


sua origem em ex-colônias britânicas para a América Latina, operam
desconhecendo a heterogeneidade do pensamento latino-americano”
(FERNÁNDEZ, 2003-2004:99).
Heterogeneidade que, desde o ponto de vista da epistemologia, possibilitou
a produção de idéias, teorias, conceitos, hipóteses e imaginários, desde e
para a América Latina e, não necessariamente num contexto orientalista ou
eurocêntrico. O anterior evidencia que, ainda dentro da modernidade, o
pensamento latino-americano foi capaz de forjar um sentido crítico, de
baixo para cima, subalterno (no sentido de Gramsci), anti- capitalista e anti-
imperialista (MARIÁTEGUI, 1931). Esta tese é negada, abertamente, por
Mires (1993) sob um dissimulado pós-colonialismo pós-moderno quando,
depois de descartar o proletariado e a classe operária como sujeitos ativos
da história, se esforça inutilmente em encontrar o ator social na América
Latina, supostamente novo e pluridimensional (MIRES, 1993:18 e ss.).
Encontra-o no metafísico e ambíguo ator marginal ou no sujeito
indeterminado (p. 131), o que é exatamente a mesma coisa.
A respeito disso, um autor comprometido com as teorias
(neo)coloniais, como Castro-Gómez (1998) reconhece o que fora
mencionado anteriormente, ao se distanciar de algumas premissas dessa
teoria quando afirma:
Não fico muito convencido com o modo em que os teóricos pós-
coloniais relacionam o conhecimento social dos expertos (ciências
humanas e sociais) com a racionalidade dos sistemas abstratos
nas condições da globalização.
Parecera que as representações colonialistas sobre a “América
Latina” fossem geradas unicamente desde os aparelhos teórico-
instrumentais dos países colonialistas, o qual deixaria intacto o
problema do modo em que tais representações, em virtude da
própria dinâmica da globalização, são produzidas também na
América Latina. Certamente, as teorias pós-coloniais estão certas
ao mostrar que o conhecimento científico da modernidade se
encontra diretamente vinculado à expansão do colonialismo.

90
Incorrem, porém, no meu juízo, no mesmo gesto colonialista
criticado por Bhabha e Spivak: acreditar que a América Latina tem
sido a simples “vítima” do ocidentalismo, um elemento
inteiramente passivo no processo de globalização. Isso explica por
que Walter Mignolo, retomando a hermenêutica filosofia da
“América profunda” elaborada por Dussell e Kusch nos setenta,
gostaria de descobrir no “pensamento latino-americano” um
âmbito de exterioridade em relação às representações coloniais
modernas.

Não é em vão que esta heterogeneidade, que na realidade existe no


pensamento latino-americano — e na qual insistiram sistematicamente a
maioria dos estudiosos na última metade do século — é objeto de ataques
por parte do imperialismo ideológico, que trata por todos os meios de
ignorá-la ou menosprezá-la em benefício de um projeto homogenizador e
hegemônico, que pretende cristalizar a imposição de economias de
mercado em todos os países e populações latino-americanas para garantir
o controle absoluto por parte das empresas transnacionais norte-
americanas. Esta integração se concretizaria sob seu mandato, através de
instrumentos (neo)panamericanistas, como o Tratado de Livre Comércio
(TLC) e a Área de Livre Comércio das Américas ( ALCA). Como se a formação
histórica específica da América Latina não tivesse nada a ver, o
imperialismo ideológico e cultural esquece que:
A América Latina constitui uma unidade não somente cultural,
mas também histórica, no sentido mais forte do termo, posto que
está dotada da mesma tradição, o mesmo inimigo comum e um
anelo similar de libertação. No entanto, aspiramos a ser dialéticos
o suficiente como para entender que se trata de uma unidade não
só na adversidade, mas também na diversidade: cada país possui,
como é óbvio, suas peculiaridades e, o ritmo de desenvolvimento
de suas contradições é próprio de cada país, o que, sem dúvida,
imprime modalidades específicas e tempos diferenciados a sua
luta de classes (Cueva, 1984: 39).

Independentemente da existência no interior da corrente pós-colonial


de diferentes posições políticas e ideológicas, em termos gerais e de acordo
com seus postulados essenciais:
...o pós-colonialismo revela-se como uma expressão cultural não
alheia aos interesses hegemônicos dos Estados Unidos: um
panamericanismo renovado, que busca, em nome dos
subalternos, obstruir nosso americanismo; uma agenda que
procura recolocar a autoridade e que formula a necessidade de

91
revisar o passado e a memória coletiva (FERNÁNDEZ, 2003-
2004:104).

Por outro lado, os problemas nucleares aos que o pós-colonialismo faz


alusão já foram formulados no passado — e no pressente estão sendo
reformulados — pela maior parte dos autores e correntes latino-
americanistas, ainda que naturalmente desde diferentes perspectivas
teórico- políticas. No fundo, o discurso pós-moderno — nas suas vertentes
de pós-colonialismo, subalternidade ou pós- ocidentalismo — ignora o
problema da dependência (estrutural, comercial, financeira, produtiva,
tecnológica, ideológica, imperial e cultural) e do subdesenvolvimento, que
envolvem, necessariamente, o universo contraditório de sua inserção
protocapitalista na divisão internacional do trabalho, que os redefine e
aprofunda: verdadeiros inimigos de batalha para a população e
trabalhadores dos países explorados e oprimidos do - equivocadamente
chamado de- Terceiro Mundo, que os autores de outrora preferem ignorar
porque, garantem, a dependência já é um conceito superado que
corresponde à era da descolonização pré-moderna.
Todo caso, a questão fundamental não é se se está na lógica de um
discurso incompreensível anti-ocidentalista, anti-nacionalista ou pós-
moderno (os três imersos nas sociedades capitalistas de classe). O
essencial radica em articular a compreensão da realidade global e
contraditória da América Latina no contexto da mundialização do capital,
com o objetivo de (re)encontrar as vias idôneas que rompam e superem as
estruturas da dependência histórica que ata nossos povos à lógica de
acumulação e reprodução do imperialismo como sistema mundial. Desta
forma, nossos países poderão encontrar e construir as rotas e projetos
econômicos, sociais, políticos e culturais para superar e transcender, ao
mesmo tempo, o modo de produção capitalista.
No plano das idéias, tanto desde o ponto de vista das ciências sociais
como do pensamento teórico-crítico latino-americano — da teoria da
dependência, em particular — é necessário definir a especificidade das
formações latino-americanas como objeto de estudo na dinâmica das

92
condições variáveis das estruturas do capitalismo mundial. Este estudo tem
como característica apreender, sistematizar, diagnosticar e construir
hipóteses em relação às similitudes dos países, assim como a respeito de
suas diferenças. Isso último pressupõe, necessariamente, a introdução do
método comparativo integral. Aqui se podem indagar facilmente — sem
sobrepor, nem deslocar — as diferenças históricas, epistemológicas,
culturais e políticas entre a descolonização dos países do Terceiro Mundo
após a Segunda Guerra Mundial e o processo de descolonização e formação
dos Estados nacionais da América Latina nas primeiras décadas do século
XIX. Isso permite des - embaçar o falso dilema ocidentalismo-orientalismo,
ao estilo de barbárie e civilização de Samuel Huntington, para trasladar e
implantar o debate no instigante problema do significado que hoje assume
— no século XXI— a superação, por todos os meios, da dependência
histórica e estrutural, que mantêm nossos países imersos no
subdesenvolvimento e na miséria, encravados na estrutura do capitalismo e
o imperialismo que se reproduzem em escala global todos os dias.
Apesar de sua diversidade (política, cultural, lingüística, populacional,
territorial e antropológica), a América Latina possui linhas de continuidade e
de ruptura que marcam seus grandes rasgos e desafios históricos. Por isso,
nossa América é uma grande construção macro-histórica — quiçá
ocidentalista, desde o locus do pós-colonialismo, mas profundamente
antiimperialista e revolucionária—, elaborada por José Martí para contrapô-
la a esse outro grande projeto geo-imperialista e transgressor dos Estados
Unidos, fundamentado no panamericanismo e que hoje tende a se
reencarnar na ALCA. Quiçá uma forma metodológica de assumir seu estudo
seja justamente proceder a cruzar essas linhas de ruptura e continuidade
(colonialismo- pós-colonialismo) com as similitudes e diferenças existentes
em cada país, região e localidade. Este procedimento metodológico
permitiria entender, paralelamente, as diferenças entre um país como o
Brasil e regiões como a América Central e o Caribe, as similitudes entre os
três e com outros conjuntos da Ásia ou da África, sem a necessidade de
antepor uma falsa dicotomia entre o pós-colonialismo, a descolonização e o

93
pós-ocidentalismo. Em termos gerais, se pode subscrever que o
pensamento pós-moderno peca:
de posturas e tendências que combinam uma tremenda
pedanteria e uma completa falta de rigor e seriedade […] na
chamada “pós-modernidade” observa-se uma surpreendente
ignorância em relação às normas da prática científica e o afã,
nada pudico, de evadir olimpicamente as exigências do
pensamento racional (VALENZUELA, 2004:19).

Em síntese, ressalta-se que, no seu universo fechado, abstrato e


amnésico, o pós-colonialismo representa a negação epistemológica das
histórias, imaginários e relatos particulares dos países subdesenvolvidos
antes do segundo Pós-guerra.

A teoria do sistema-mundo e da dependência: convergência


ou divergência?
Deixou-se por último a teoria do sistema-mundo que é, sem dúvida,
uma das mais importantes do pensamento contemporâneo. Além do mais,
é a mais próxima da TMD e ao mesmo tempo, permite discutir e valorizar sua
pertinência no século XXI.

Foi Dos Santos quem, influenciado pela tendência dos fenômenos


sociais e humanos de serem projetados global e simultaneamente em
vários espaços e tempos, formulou que a configuração atual da teoria da
dependência se expressa na sua integração- dissolução na teoria do
sistema-mundo. Sua formulação é a seguinte:

As implicações da teoria da dependência se encontram ainda em


vias de serem desenvolvidas. Sua evolução em direção a uma
teoria do sistema mundial, buscando reinterpretar a formação e o
desenvolvimento do capitalismo moderno dentro dessa
perspectiva, é um passo adiante nesse sentido (DOS SANTOS
2002:52).

Pela importância desta formulação, vale a pena realizar, ainda que de


maneira breve, um balanço da teoria do sistema-mundo e suas relações
com a teoria da dependência porque, considerando as raízes da primeira,
arraigadas na perspectiva sistêmica e nas concepções da Escola dos Anais,

94
dirigida por Braudel (veja Aguirre, 1997 e para a Escola dos Anais, do
mesmo autor, 1999), adverte-se que são totalmente diferentes em seus
princípios e formulações epistemológicas, especialmente, no que diz
respeito à TMD. Em relação a este tema, Aguirre (2003:29) postula que:
...não é possível entender os trabalhos de Wallerstein sem essa
herança múltiple braudeiana que, em primeiro lugar, implica na
divisão de todos os fenômenos abordados no presente ou no
passado desde uma ótica intensamente histórica, que os recoloca
em forma permanente dentro dos vários registros temporais dos
acontecimentos, das conjunturas e das estruturas de longa
duração histórica, para delimitar sua verdadeira profundidade e
sentido e, desse modo, outorgar-lhes sua real significação
histórica específica...
Em segundo lugar, é fácil reconhecer a presença de Braudel e
também dos primeiros Anais em geral, no esforço wallersteiniano
permanente de recolocar, uma e outra vez, os problemas
investigados dentro de uma perspectiva globalizante ou
totalizante que, no caso específico, derivou na recolocação de tais
temas dentro do horizonte da já aludida dinâmica global
planetária do sistema-mundo capitalista em seu conjunto...e
numa linha, que neste caso remonta aos trabalhos de Marc Bloch
junto aos do próprio Fernand Braudel.

Uma das diferenças mais importantes da teoria do world-system


analysis em relação à TMD é o sobre- dimensionamento que a primeira lhe
outorga ao fator mundial por cima dos fatores nacionais e locais até
ficarem, estes últimos, praticamente sufocados na lógica mundial:
Dessa forma, aquilo que o segundo perfil da visão de Wallerstein
postula sobre o capitalismo é que para entender qualquer
problema histórico ou mesmo presente dos homens, em qualquer
um dos momentos do período entre os séculos XVI ao XXI, o que
está faltando é remitir e conectar de maneira orgânica esse
último com a dinâmica e estrutura, primeiro semi- planetária e
depois, planetária do sistema-mundo global. Isso quer dizer que
vai além das dinâmicas e dos marcos das “sociedades”, das
“nações”, dos “Estados” e até das “macro-regiões” e as
“civilizações”. Existe também uma dinâmica - marco mais
universal do que o sistema-mundo como um todo, que não é só
real e ativa, mas que influencia de maneira determinante na
irrupção, no curso e desenlace específico de tais acontecimentos,
situações e processos que se desenvolvem de modo constante no
seu seio (AGUIRRE, 2003:42).

Uma conseqüência equivocada desta forma de conceber o sistema-


mundo consiste em classificar somente esse sistema como capitalista, e
não os países e as regiões como capitalistas, consideradas isoladamente,
embora constituam parte do sistema-mundo. Aqui se retrocede em relação

95
às concepções da economia mundial de autores marxistas como o próprio
Marx, Lênin ou Bujarin, que desde um começo estabeleceram a articulação
dialética — diferente da somatória — das economias nacionais e a
economia capitalista mundial.
Pese às diferenças, algumas de forma, outras de conteúdo, entre o
world-system análysis de Wallerstein e a TMD não quer dizer, obviamente,
que não se possam estabelecer relações de debate e troca conceitual, até
de resultados na análise contemporânea da América Latina, especialmente
sobre o papel que cumpre no sistema capitalista mundial atual. Pelo
contrário, essas trocas hão de ser estimuladas para desenvolver e ampliar o
pensamento teórico-crítico latino-americano.
O objetivo que Wallerstein se propõe na sua monumental obra de três
volumes (1998 e 1999) é reconstruir a história global do capitalismo e da
modernidade desde o século XVI até os nossos dias e, criar uma teoria
correspondente a esse processo histórico que culminará na teoria do
sistema-mundo capitalista (AGUIRRE, 2003:37).
No primeiro volume de sua obra, Wallerstein (1999 489-502) esboça
sua concepção do sistema-mundo (word-system analysis) como um:
...sistema social, um sistema que possui limites, estruturas,
grupos, membros, regras de legitimação e coerência. Sua vida é
resultado das forças conflituosas que o mantêm unido por tensão
e o desgarram na medida em que cada um dos grupos busca,
eternamente, modelá-lo em seu benefício. Tem as características
de um organismo, na medida em que tem um tempo de vida
durante o qual suas características mudam em alguns aspectos e
permanecem estáveis em outros. (WALLERSTEIN, 1999: 489).

A perspectiva do sistema-mundo possui uma concepção analítica —


enquadrada na história econômica e social, mais do que na visão
econômica ou cultural— que pondera os processos sistêmicos
analogamente aos organismos vivos, de onde se deduz que, enquanto uma
parte do sistema muda, as outras permanecem intactas. Daqui a idéia de
que na atualidade ainda existem economias - mundo, porém não existem
impérios-mundo, onde prevaleça um poder político só. Isso obscurece a
verdadeira dimensão do imperialismo liderado pelos Estados Unidos, no

96
centro do atual bloco imperialista global, que ocupa e domina todos os
espaços do sistema capitalista, incluindo a economia-mundo.
Wallerstein considera que as economias de subsistência e os
sistemas mundiais são formas do sistema social. Já os sistemas mundiais
seriam constituídos, basicamente, pelos impérios-mundo e as economias
de subsistência. Uma terceira forma, imaginária, do sistema mundial, é o
governo mundial socialista. É interessante destacar que para este autor,
após a era moderna, cuja duração aproximada é de quinhentos anos até a
atualidade, somente existiu uma economia-mundo capitalista que se viu
impossibilitada de transformar-se em império-mundo, o que estaria a ponto
de acontecer com a atual crise de hegemonia dos Estados Unidos.
Por outro lado, a economia-mundo possui três divisões: os Estados do
centro, as áreas periféricas e, por último, as áreas da semi-periferia. Na
obra citada de Wallerstein, (1999:144), lê-se que no século XVI:

A periferia (a Europa Oriental e a América espanhola) utilizava o


trabalho forçado (escravidão e trabalho obrigatório em cultivos
para o mercado). O centro, como veremos, utilizava cada vez
mais mão-de-obra livre. A semi-periferia (antigas áreas centrais,
evoluindo na direção das estruturas periféricas) desenvolveu uma
forma intermédia, a parceria, como uma alternativa ampliada.

Esta visão pareceria aproximar a teoria do sistema-mundo e a teoria


da dependência, no que diz respeito a esta divisão tripartita, que supera a
própria teoria da CEPAL, que trabalha com o teorema bipartito centro-
periferia.
Desta proposição se podem auferir dois resultados: “A área externa
de um século se converte freqüentemente na periferia — ou semi-periferia
— do seguinte. Porém, por outro lado, os Estados do centro também podem
converter-se em semi- periféricos e os semi- periféricos em periféricos”
(WALLERSTEIN, 1999, t.1: 493):

a) Em primeiro lugar, a teoria, que estaria correta, afirma que de um


século para outro a “área externa” da economia-mundo, os sistemas
mundiais com os quais essa economia mantém relações comerciais e

97
de troca (WALLERSTEIN, 1999: 426 e ss), pode converter-se na
periferia ou semi-periferia da economia-mundo.
b) Em segundo lugar, se esboça a teoria da interdependência, que
resulta problemática: postula que um Estado central — por exemplo,
os Estados Unidos, Alemanha, França ou Inglaterra — podem mudar
de semi-periferia no transcurso de um determinado período histórico
(um ou dois séculos).

Até onde se tem conhecimento, nenhum dos países historicamente


centrais (Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos) se converteu em
periferia ou semi-periferia, pelo menos até a data e na perspectiva da TMD.

O que se observa, certamente, são diferenças estruturais entre esses


países capitalistas tanto em nível regional quanto internacional: níveis
diferenciados de evolução e posições diversas na hierarquia econômica e
geopolítica da ordem imperialista mundial.
Observa-se, porém, pelo menos a partir do pós-guerra fria, a união
estratégica do bloco imperialista, sob o comando dos Estados Unidos
(unilateralismo imperial?), que difere muito de suscitar um panorama onde
a diferenciação seja resolvida pela criação de periferias ou semi-periferias
no interior desse bloco. Na verdade, a modernidade, a globalização
econômica e, o capital financeiro, desenvolvidos nas duas últimas décadas,
aprofundaram a divisão internacional do trabalho e do capital nos centros e
super- centros, periferias, semi-periferias e micro-periferias — tal é o caso
de algumas das autonomias políticas, territoriais e culturais, como a Galicia 8
ou o Vasco no Estado espanhol - que se transformam, cada vez mais, e
rescindem — como Hong Kong ou Taiwan — devido à esses fatores e à crise
estrutural de longa duração, que prevalece na atualidade na economia
mundial.
Hardt e Negri (2002:307) questionam essa concepção do sistema-
mundo e da economia-mundo, porém sua visão em relação à estrutura do

8
Sobre esta região específica do Estado espanhol veja a página WEB da Confederação
Intersindical da Galícia (http://www.galizacig.com/index.html).

98
capitalismo é completamente equivocada, uma vez que afirmam que essa
divisão real em centros, periferias e semi-periferias é insuficiente para dar:
...conta das divisões globais e da distribuição da produção, assim
como da acumulação e das formas sociais. Mediante a
descentralização da produção e a consolidação do mercado
mundial, as divisões internacionais das correntes de mão-de-obra
e de capital se dividiram e multiplicaram, até um ponto tal que
não é mais possível delimitar zonas geográficas amplas como o
centro e o periferia, o Norte e o Sul. Em regiões geográficas como
o cone sul da América Latina ou o sul - este asiático, todos os
estratos da produção podem existir simultaneamente, desde os
níveis mais altos até os mais baixos de tecnologia, produtividade
e acumulação, um ao lado do outro, enquanto que o complexo
mecanismo social mantém a diferenciação e a interação entre
eles. Nas metrópoles, o trabalho também engloba um todo
continuo desde as alturas até as profundezas da produção
capitalista: as oficinas onde se exploram operários de Nova York
ou Paris podem concorrer com os de Hong-Kong e Manila. Ainda
que o Primeiro e o Terceiro Mundo, o centro e a periferia, o Norte
e o Sul, estejam realmente separados por linhas nacionais, existe
hoje em dia uma clara influência recíproca que distribui as
desigualdades e as barreiras segundo múltiples linhas fraturadas
[...] a divisão da esfera capitalista em centro, periferia e semi-
periferia homogeniza e eclipsa as diferenças reais que existem
entre as nações e as culturas, o faz, porém, com o propósito de
destacar certa tendência à unidade em relação às formas
políticas, sociais e econômicas que surgem nos longos processos
imperialistas da submissão formal (NEGRI Y HARDT 2002: 306-307
itálico meu).

Segundo estes autores, as diferenças de natureza não existem mais,


só existem as diferenças de grau entre os países imperialistas e os
subdesenvolvidos. Isso anula a dependência e introduz a interdependência.
Estes autores expressam dessa forma, que: “A geografia do
desenvolvimento desigual e as linhas de divisão e hierarquia não serão
mais determinadas por fronteiras nacionais ou internacionais estáveis, e
sim por limites infra e supranacionais” (2002: 307).
Mas, como é que se mantém essa “clara influência recíproca”, a
interdependência? Os autores respondem que indiretamente: acontece
através das empresas transnacionais, dos organismos hegemônicos, como
o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional e, das políticas
neoliberais que de uma forma ou outra impulsionam todos os governos
dependentes na atualidade. Evidentemente não em benefício da segunda
parte do argumento de Hardt e Negri: aquela que “distribui as

99
desigualdades e as barreiras segundo linhas múltiples e fraturadas”, mas
em detrimento concreto dos países da periferia e da semi-periferia do
capitalismo que continuam existindo, independentemente das tendências
homogenizadoras do imperialismo mundial, e que são muito reais e
prejudiciais.
De que forma o petróleo iraquiano — apropriado e saqueado pela
força das armas, a repressão política e a ocupação (neo)colonial do Estado
imperialista norte-americano— se reparte atualmente “por igual”, para
encobrir as desigualdades sociais existentes na população norte-americana,
entre os operários automotrizes desse país e os multimilionários
especuladores, magnatas das finanças internacionais? Essa influência não é
acaso negativa para as massas iraquianas, que se empobrecem cada dia
mais, e é também de absoluto benefício para a burguesia norte-americana
e suas empresas transnacionais?
Como se desprende do parágrafo anterior, os autores ignoram que
essas similitudes e diferenças, que apontam como evidente a insuficiência
da divisão do mundo capitalista em centros e periferias, originou um
acúmulo de discussões, classificações e tipologias — na maioria das vezes
imprecisas— justamente para delimitar essas diferenças e similitudes
histórico-estruturais no interior dos países dependentes, e entre estes e os
capitalistas do centro. Portanto, no há nenhuma novidade nessa
formulação, e sim uma confusão ao afirmar que nas zonas geográficas,
como o Cone Sul — a Argentina que experimentara uma das crises mais
violentas e profundas de sua história, o Uruguai, o Paraguai e o Brasil— não
existe já dependência, nem status de economias periféricas, pelo simples
fato de operar nesse lugar enclaves desenvolvidos de tecnologia,
produtividade e acumulação de capital (versão próxima da teoria
neoclássica).
Em benefício da ambigüidade teórica e política, Hardt e Negri
esquecem que essas não são as determinações de fundo no sistema
capitalista. As relações sociais de produção baseadas na propriedade
privada dos médios de produção e de consumo, a integração imperialista

10
dos sistemas produtivos e de trabalho, da circulação, da troca e do
consumo, sob o domínio do capital estrangeiro e das empresas
transnacionais, constituem as determinações de fundo. Esses fatores se
expressam na América Latina mediante a sistemática transferência de valor
e mais-valia para os centros e, o concomitante aumento da dívida externa,
que na atualidade contorna os 800 bilhões de dólares, assim como também
na superexploração do trabalho, a exclusão social de grandes contingentes
da população e a precariedade laboral no contraditório universo do mundo
do trabalho.
Outro ponto que se destaca para avaliar as diferenças e os rasgos
comuns da TMD com a teoria do sistema-mundo, ainda que de maneira
breve, é relativo às ondas ou ciclos longos, que desempenham um papel
importante em ambas teorias.
A teoria do sistema-mundo utiliza os ciclos braudelianos de longa
duração que caracteriza a estrutura do sistema-mundo. Destaca, no
primeiro lugar, a tendência estrutural da expansão progressiva e a
“consolidação do sistema-mundo capitalista por inteiro, em todos os
espaços do planeta” (AGUIRRE 2003: 48). Em segundo lugar, se descrevem
os ciclos hegemônicos, que formulam o problema do auge e queda dos
grandes impérios, desde o holandês do século XVII, passando pelo inglês do
XIX, até o atual, o norte-americano no século XX que, segundo Wallerstein, se
encontra em decadência na atualidade. Por último, no terceiro lugar, se
coloca a teoria do ciclo Kondratiev, cuja magnitude supõe duas fases: uma
(A), de ascensão, crescimento e recuperação, com 25 anos de duração
aproximada e, outra (B) depressiva, de queda, também de
aproximadamente 25 anos de duração (AGUIRRE, 2003: 51-54).
É nesse último item onde existem similitudes e diferenças. As
primeiras, devido a que a TMD utiliza a teoria do ciclo de Kondratiev, em
semelhança à teoria do sistema mundial. As segundas, porém, contêm duas
interpretações opostas em relação à situação estrutural do capitalismo
contemporâneo. Enquanto que autores como Wallerstein, Amin ou
Theotônio dos Santos supõem que nos encontramos perante uma onda de

10
ascensão, que teria sido originada na época de Clinton 9, outros autores
como Sotelo, Chesnais, Brenner, Beinstein ou Valenzuela Feijóo (que não
são necessariamente dependentistas), mostram, pelo contrário, uma série
de indicadores da economia capitalista atual dentro de um processo macro-
histórico de crise, recessões e depressões. A primeira interpretação conduz
a uma atitude otimista em relação ao ciclo histórico da evolução do sistema
capitalista e das lutas sociais, enquanto que a segunda formula que essas
lutas e o futuro dos trabalhadores terão de fazer frente a um processo
capitalista cada vez mais parasitário, recessivo e com fortes tendências à
estagnação, decomposição social e guerra.
A continuação se faz uma breve síntese do que fora mencionado até
este ponto:
A teoria do sistema-mundo proporciona elementos muito valiosos
para o conhecimento da economia internacional, incluídos os países latino-
americanos, especialmente, com a retrospectiva histórica dos ciclos longos
—de cem ou duzentos anos—. Proporciona também elementos valiosos
para o melhor conhecimento do capitalismo, cuja divisão internacional do
trabalho reproduz e aprofunda a relação dialética entre os centros, as
periferias e as semi-periferias.
Porém, dada sua natureza epistemológica, esta teoria não pode, de
nenhuma maneira, fundir-se com a TMD. Teriam de ser estabelecidos entre
ambas, preferentemente, relações de troca, debate e aportes para
conhecimento da fenomenologia contemporânea do capitalismo. A teoria da
dependência tem que seguir sua trajetória cognoscitiva própria como uma

9
Na ótica da teoria do sistema-mundo e do ciclo de Kondratiev, Martins (2003:271), por
exemplo, chega a formular, surpreendentemente, que na América Latina países como o México
ou o Chile se encontram (já) na fase A do ciclo ascendente Kondratiev, quando afirma que: “O
Brasil é um forte candidato para impulsionar os níveis de (des)capitalização da região, pois o
México e o Chile são países que já ingressam na nova fase A do Kondratiev e estão em melhor
situação relativa na região, e a crise na Argentina quiçá já tenha atingido seu ponto mais baixo”.
Tese extremamente polêmica, uma vez que se o autor tomasse um período amplo, como do ciclo
neoliberal (1981-2001), constataria sem dúvida que a taxa média de crescimento na América
Latina foi de tão só 2.05%, enquanto que o produto por habitante foi negativo (- 0.9%) e
somente cresceu, nos anos noventa, a uma taxa de 0.15% (SOTELO, 2004:71-72). Cifras que
diferem significativamente de oferecer um panorama no qual, países como o México ou o Chile, e
muito menos regiões como a América Latina, estariam entrando na paradisíaca fase A do ciclo de
Kondratiev.

10
corrente de pensamento teórica e crítica singular e, latino-americana, que
tem abundantes elementos para contribuir.

Conclusão
A avaliação anterior permite concluir que existem alcances e
limitações nas principais expressões paradigmáticas do pensamento social
latino-americano. Na atualidade as duas correntes mais importantes que
prometem superar essas limitações são a teoria do sistema-mundo e a TMD,

ainda que ambas caminhem com seus próprios meios e trilhem seus
próprios caminhos, encontrando-se em alguns campos, porém sem fundir-
se. O desejável é que esses encontros sejam cada vez mais duradouros
com o fim de atingir objetos de estudo e objetivos comuns. No caso da
teoria da dependência, terá que aperfeiçoar seus métodos e conceitos, de
maneira que possa levantar hipóteses sugestivas, cuja verificação empírica
permita compreender a essência dos fenômenos que determinam e
constituem a realidade latino-americana na atualidade.

10
3
Crise teórica: neoliberalismo e globalização
Introdução
Neste capítulo apresentam-se de maneira sucinta os efeitos que o
neoliberalismo e a globalização do modo de produção capitalista e de suas
formações sociais provocaram no pensamento latino-americano através de
suas correntes teóricas.
Avalia-se, particularmente, o lugar que o conceito de dependência
ocupa em cada uma destas correntes.

Tipologias e realidades da dependência


Correntes tão diversas que se enfrentam em seus enfoques teóricos,
metodológicos, políticos e analíticos, como o funcionalismo, o
estruturalismo e o marxismo — com suas variantes, como a teoria da
modernização, o desenvolvimentismo, os estudos ortodoxos dos partidos
comunistas ou as críticas feitas ao pensamento latino-americano por parte
do pós-colonialismo - caracterizam a dependência como conceito, hipótese
ou teoria em movimento, que guarda certo lugar dentro dessas diversas
teorizações. Se por um lado, em determinado momento de suas reflexões,
todos falam em dependência, o importante, aquilo que os distingue, é o
papel do predomínio ou subordinação que o conceito de dependência ocupa
dentro do marco teórico-conceitual. Por exemplo, para a CEPAL – mas,
também para autores como Cardosso e Faletto e, ainda, para os partidos
comunistas ou (neo)estruturalistas— essa categoria é conjuntural na
medida em que a condição de dependência pode ser superar através da
ação coordenada das políticas públicas e, a aplicação da tecnologia, com
certos ingredientes de planejamento. Para outros (Frank, Marini), a
dependência e o subdesenvolvimento são categorias estruturais, de
alcance histórico, que correspondem ao modo de produção capitalista e,
desde o ponto de vista histórico, podem ser superadas somente a partir de
sua abolição.

10
Frank (1991: 67-78) percebe esta diferença desde o começo, quando
escreve em relação à Cardoso: “É claro que Cardoso insiste na existência
de ‘situações de dependência’, contudo, não insiste na ‘teoria da
dependência’ […] portanto, Cardoso é visto como a figura que realiza a
melhor análise concreta da realidade” (FRANK, 1991: 74).
Em suma, será a forma em que a noção de dependência é utilizada
(no sentido conjuntural ou estrutural), dentro da análise concreta das
diversas reflexões, o que lhe conferirá a categoria que ocupe dentro de
uma determinada teoria: categoria essencial, auxiliar ou completamente
marginal.
Geralmente, quando se aborda a dependência (seja como enfoque ou
como teoria) existe a inclinação a identificar autores e correntes conforme
os seguintes critérios:
a) Os que negam explicitamente a possibilidade de que o capitalismo se
desenvolva na periferia, porque este sistema conduz de maneira
irremediável ao subdesenvolvimento.
b) Os que ponderam os obstáculos que o capitalismo enfrenta na periferia,
enfatizando, geralmente, a tese da estagnação estrutural (esta última
aparece no trabalho de Furtado, 1966)10.
c) Os que aceitam a possibilidade do desenvolvimento capitalista,
enfatizando, porém, a forma dependente que adota em relação ao
capitalismo dos centros (Marini e Frank; em relação a este tema, veja
Carcanholo, 2004).
Gabriel Palma (1987)11 critica essa classificação, propondo outros
critérios na sua tipologia:

10
O enfoque estruturalista de Furtado lhe permite inferir uma tendência na direção da
estagnação econômica da América Latina, devido à, entre outros fatores, a estagnação do
crescimento que provocam tanto a propensão à concentração do progresso técnico nas unidades
produtivas mais eficientes e rentáveis como a intensa concentração da renda. É dessa forma em
que Furtado conclui que: “No caso mais geral, a queda na eficiência econômica provoca
diretamente a estagnação econômico” (1987:97). E posteriormente afirma: “Nesse sentido pode-
se atribuir ao problema da estagnação econômica um caráter estrutural” (1987: 100).

11
Esta obra apresenta a influência do dependentismo latino-americano nas discussões
européias.

10
a) Gunder Frank e a Escola do CESO no Chile. Aqui figuram Dos Santos,
Marini, Caputo e Pizarro, além de outros autores como Hinkelammert, do
Centro de Estudos da Realidade Nacional da Universidade Católica do Chile.
O denominador comum deste grupo radica na tentativa de elaborar uma
teoria do subdesenvolvimento.
b) Investigadores associados à CEPAL como Sunkel e Furtado, que se
caracterizam por analisar e criticar os obstáculos que se interpõem ao
desenvolvimento nacional.
c) Por último, os autores que se concentram na análise das situações
concretas de dependência, nas formas em que estas se desenvolvem como
“...formas específicas nas que a economia e a política das nações
periféricas se articulam com as das nações desenvolvidas” (Palma,
1987:49).
Por outra parte, Sonntag (1989a:57 e ss) elabora um esquema mais
simplificado, que identifica as raízes do pensamento da dependência na
obra de Baran (1969), numa linha a partir de Gunder Frank até a
configuração do cepalismo, para, dessa forma, se familiarizar com as teses
desenvolvimentistas de Cardoso e Faletto. Segundo Sonntag, no curso da
década dos setenta, o pensamento dependentista se dividiu em duas
correntes: o enfoque (Cardoso e Faletto) e a teoria onde, do lado de Dos
Santos e Bambirra, Marini elabora a tentativa mais completa na
estruturação das bases objetivas e científicas da teoria da dependência,
como se verá na seqüência.
A diferença entre ambas formas (o enfoque e a teoria), segundo
Sonntag, radica em que enquanto o primeiro é um método de aproximação
à realidade, a segunda elabora hipóteses e leis precisas para explicar a
natureza do capitalismo dependente na sua especificidade, como se a
segunda não tivesse também um método de aproximação à realidade.
Curiosa maneira de conceitualizar as diferenças!
Estas classificações se contrastam com as classificações arbitrárias e
inconsistentes de Castañeda e Hett (1988, 5ª ed.) quando tentam
demonstrar a inexistência das relações de dependência nos países

10
subdesenvolvidos e, portanto, invalidar a expressão teórica dessas
relações: o dependentismo. Para estes autores, que interpretam Lênin
dogmática e confusamente (1961: 689-798), o imperialismo gera uma
contradição universal: tudo é imperialismo. Por serem capitalistas, até
países como o Nepal, Equador e República Dominicana são imperialistas:
“Afirmamos, evidentemente, que países como o México, Brasil, Irã, Coréia
do Sul, são países imperialistas no justo sentido do termo. Não
consideramos, porém, ter conseguido demonstrá-lo” (CASTAÑEDA e HETT,
1988:190). Deste modo, deixam aberta a possibilidade de caracterizar
também como imperialistas, países como a Guatemala ou o Haití na mesma
categoria que os Estados Unidos, a França ou a Inglaterra.
Em síntese, conclui-se que não deve existir uma rigidez que exclua a
teoria da dependência dos estudos concretos da dependência. Pelo
contrário, deve existir flexibilidade e articulação. Essas características,
certamente, não se encontram nem em Palma, nem no esquema
simplificado de Sonntag, no sentido que, embora ambos autores aceitem a
existência da teoria como tal, esta não exclui (mas, integra) os níveis
abstrato e concreto que os críticos não querem reconhecer.

Globalização e crise teórica: (re)projeção da dependência


A teoria da dependência não escapou das dificuldades teóricas e das
contradições estruturais do capitalismo do último terço do século XX. Pelo
contrário, foi também sobre- determinada pelas trajetórias e dificuldades
pelas quais o pensamento latino-americano atravessou na segunda metade
desse século: desagregação, rupturas, questionamentos e reformulações
como também acontecera com outros paradigmas na ascensão do
neoliberalismo como ideologia hegemônica. Este será o marco
epistemológico para reproduzir aquela lógica implacável que marca os
comportamentos do pensamento social em função do predomínio, ou não,
do pensamento conservador. De fato:
...nos períodos de predomínio conservador, podemos esperar um
pensamento social muito ideologizado e, pelo mesmo, deformador
das realidades e processos sociais objetivos. Pelo menos, no que

10
diz respeito aos fundamentos da formação social. Pelo contrário,
nos períodos históricos em que se intensificam os conflitos e se
assiste ao auge dos setores populares (do proletariado industrial
em especial), o que cabe esperar é o desenvolvimento de um
pensamento social mais crítico, mais radical e profundo. Também
mais objetivo e certeiro. Portanto, o avanço do saber em matérias
sociais não é independente dos movimentos na correlação política
do discurso em que o conflito social se envolve (VALENZUELA,
2004:14).

Junto a essa força neoliberal, que além do mais se converteu na


ideologia do Estado, a desmilitarização e a nascente democracia formal —
está última como um dos fenômenos mais relevantes a ser ponderado pelos
ideólogos neoliberais e pelo Pentágono, mas também pelos intelectuais de
esquerda — anulavam, aparentemente, os objetivos estratégicos que a TMD

levantara, tais como a necessidade da revolução como a via para superar o


subdesenvolvimento e a dependência, embora não se esclarecera nunca de
que tipo de democracia se tratava (todos os problemas não se encontravam
já formulados e, resolvê-los era somente uma questão de tempo?).
Teria que passar uma década para que se descobrisse que tal
democracia (e sua correspondente ideologia) não atentava contra a
natureza capitalista e de estelionato do regime neoliberal da economia de
mercado. Pelo contrário, ambos poderiam coexistir sem problema algum —
como corroboraria posteriormente o Consenso de Washington e sua
aprovação a- crítica por quase todos os governos neoliberais latino-
americanos— no contexto que impunha um modelo de acumulação de
capital dependente neoliberal e no seu já conhecido regime político
democrático e representativo, porém essencialmente autoritário.
Na América Latina inteira se instituíram este tipo de regimes a
meados da década dos oitenta (aproveitando a experiência autoritária do
passado), uma vez derrotado o movimento operário e popular,
desarticuladas suas lideranças e os quadros das esquerdas revolucionárias,
superados os obstáculos que ainda representavam as inércias das políticas
populistas à livre mobilidade do capital, em particular, do capital financeiro
especulativo e volátil que se imporia na região no curso dessa década (veja
Chesnais, 1996).

10
Muitos autores destacaram as causas do surgimento da teoria da
dependência na segunda metade dos anos sessenta (BAMBIRRA, 1978).
Ventilaram-se também polemicas sendas na década seguinte. Delas não
nos ocuparemos aqui (veja Camacho, 1979; Cueva, 1974; Cardoso e Serra,
1978; Marini, 1978; Johnson, 1986; Cardoso, 1989 e Castañeda e Hett,
1978, entre outros. Para uma contra- crítica, Sotelo 1994, 1999 e 2001).
Porém, se por um lado é verdade que se reconheceu a importância
da TMD perante o desenvolvimentismo, o marxismo ortodoxo dos partidos
comunistas e outras teorias como a da modernização, isso não aconteceu
com seus diagnósticos para o futuro, uma vez que implicavam,
necessariamente, numa solução radical daquilo que a intelectualidade de
esquerda de outrora, praticamente, descartara.
A maioria das críticas indicava os erros da TMD e os sobre-
dimensionava, passando por alto suas contribuições tanto para o
pensamento teórico e crítico latino-americano como para o movimento
popular. O resultado foi a declarada intenção de liquidar sua vigência sem
levantar, porém, fundamentos convincentes e reais e, ocultando suas
criativas potencialidades.
É dentro desse contexto em que se deve planejar uma análise
profunda sobre a pertinência dessa teoria na atualidade, especialmente da
vertente marxista, que é a que nos interessa aqui, devido a que é a única
teoria e filosofia com capacidade de renovação e transcendência
(MÉSZÁROS, 1999), uma vez que os outros paradigmas se integraram já ao
sistema.
Faz-se necessário sintetizar e avaliar os erros e limitações dos críticos
para, a partir daí aprofundar o veredicto final em relação a sua importância
atual.
Em primeiro lugar, considera-se que a TMD detectou e adiantou temas,
fenômenos e problemáticas da maior importância, ainda vigentes na
atualidade e que, de nenhuma maneira, tem sido superados: o
desemprego, a marginalidade social (hoje chamada de informalidade), o

10
esgotamento das ditaduras, o surgimento da etapa democrática e o
advento do neoliberalismo.
Omitindo essas circunstâncias, os médios de comunicação
impuseram temas como a globalização — que somente pela ignorância das
formulações da TMD se percebeu como uma novidade, considerando que foi
um aspecto metodológico central no qual essa teoria insistiu todo o tempo
— democracia, gobernabilidade, geopolítica, competitividade, políticas
públicas ou movimentos sociais. Estas questões saturaram os programas
de ensino e os espaços intelectuais e acadêmicos, apresentados agora
como panacéia do conhecimento. Esqueceram, por exemplo, as crises
econômicas do capitalismo, da agricultura e dos seus sujeitos, os
camponeses; da problemática rural e indígena, dos fatores objetivos e
subjetivos que obstaculizam a transição para verdadeiros sistemas sociais
de vida e de trabalho alternativos. De golpe o mundo do trabalho sumiu,
substituído pela volátil sociedade do conhecimento, sob a inspiração das
influentes teses de Habermas (para uma crítica, consultar Antunes e Sotelo,
2003:102-120). As classes sociais se esfumaram num sopro divino e, no seu
lugar restou a voluntariedade de indivíduos isolados e de virtuais sujeitos
sociais alternativos, que existem somente como caricaturas, nos manuais
simplificados de sociologia.
Por outro lado, sustentada na base de conceitos como modo de
produção, divisão internacional de trabalho, mercado mundial, mais-valia,
lucro, acumulação de capital, monopólio, imperialismo, atraso e
subdesenvolvimento, a teoria da dependência ventilou —e ainda ventila—
fenômenos e problemas latino-americanos que se inter-relacionam
dialeticamente com aqueles que historicamente apregoaram a expansão
capitalista mundial desde o século XVI. A partir desses conceitos,
estruturavam-se planes concretos na realidade objetiva para abordar
questões específicas, como a troca desigual, a (des)acumulação de capital,
a superexploração do trabalho, as transferências de valor, os problemas de
realização e os mercados internos, questões relativas às estruturas de
classe e ao poder do Estado em diferentes fases históricas.

11
Pode-se observar uma grande diferença em relação ao período de
auge da teoria da dependência durante a década dos setenta. Consiste na
influência dos aspectos nacionais, delimitados pela dinâmica do Estado-
nação, nas características do pensamento e dos conceitos e, no método, do
qual a globalidade deve ocupar-se agora.
Hoje, pelo contrário, sob o fatídico lastre da financeirização da
economia mundial, questões como o contexto histórico (com projeções
globais cada vez maiores), a expansão capitalista, a formação de novas
migrações nacionais, regionais e internacionais, o crescente peso das
remessas enviadas pelos trabalhadores latino-americanos ilegais na
formação do Produto Interno Bruto de nações subdesenvolvidas como o
México, El Salvador ou Guatemala (SOTELO, 2004) e, fenômenos novos,
como a revolução informática e das telecomunicações, a automatização
flexível e a simultaneidade dos ciclos financeiros em todo o mundo, fazem
com que o pensamento crítico e a TMD se expressem globalmente, sem
dissolver a perspectiva nacional, regional e local, como pretendem a
ideologia neoliberal, as vertentes pós-colonialistas e do sistema-mundo ao
encerrar o mundo na suas gaiolas de ferro.
O anterior leva a formular que diluir a noção de dependência na
ambigüidade da globalização (para uma crítica sobre este último conceito
veja Saxe- Fernández, 1999 e Vilas, 1999) não resolve o problema da
relação entre a teoria (moderna) da dependência (com suas categorias
analíticas: valor, mais-valia, troca desigual, superexploração, ciclo do
capital, exportações, dialética: mercados internos e mercados externos,
subimperialismo, que dão conta da realidade contemporânea em nossos
países e sociedades) e os processos da realidade social mundial que se
produzem em ondas globais.
Esta dissociação entre dependência e realidade social facilitou a
argumentação por parte do pensamento burguês e conservador em relação
à necessária integração entre o pensamento social latino-americano e o
establishment epistemológico dominante dos centros acadêmicos e
ideológicos do capitalismo central.

11
Deve-se reconhecer que houve, certamente, deficiências e limitações
na análise e no diagnóstico que as diferentes correntes do pensamento
latino-americano elaboraram—não só a TMD— em relação aos problemas
que a crise capitalista gerava no âmbito econômico, social, político e
cultural, e sua (relativa) solução no primeiro momento da chamada
globalização, particularmente depois da queda da União Soviética e a
abertura da China para o mercado internacional (GONÇALVES, 2002).
Se de um lado, isso se deu em função de uma série de circunstâncias,
identificadas anteriormente, que possibilitaram a chegada do
neoliberalismo como ideologia dominante, compatibilizando sua doutrina
baseada em princípios liberais e evolucionistas com as características do
novo padrão de acumulação e dominação política que se imporia na
América Latina nas duas últimas décadas do século XX; não obstante, isso
se expressou na crise teórica da TMD, que estremeceu também o
pensamento latino-americano no curso da década dos oitenta (MARINI,
1993: 55-86), tendo sua contrapartida material na economia,
particularmente durante a devastadora crise do padrão de reprodução
capitalista das décadas dos oitenta e noventa que desmantelou a
industrialização e obrigou aos países latino-americanos a se (re)inserirem
na economia mundial em condições de absoluta desvantagem,
integralmente benéficas, porém, para os países desenvolvidos.
Por fortuna essa crise (teórica e paradigmática) permitiu encontrar
novos conceitos e categorias, sem substituir as precedentes, enriquecendo-
os e dotando-os de novas significações. Somente dessa forma as crises do
pensamento social são salutares: sempre que sirvam para revolucionar o
conhecimento dos fenômenos sociais e humanos. Essa conjuntura não está
sendo aproveitada na atualidade, entre outras razões devido à evidente
incapacidade mostrada -até agora- por parte do pensamento crítico para
se sobrepor às modas intelectuais impostas desde o estrangeiro (como o
pós-modernismo, em todas suas versões).
Nesse sentido, a evolução do pensamento crítico latino-americano
tem dois momentos importantes. O primeiro abrange desde o término da

11
Segunda Guerra Mundial até o fim dos anos setenta. Neste período os
processos de industrialização, modernização e urbanização se impõem,
enquanto que as correntes estruturalista e marxista fortalecem suas
hipóteses em relação à intervenção do Estado. Em particular, a corrente
marxista postula elementos concretos para uma mudança social radical,
que transcenda o modo de produção capitalista. A corrente estruturalista
também indica o mesmo caminho, enfatizando, porém, a integração social
e política no marco do Estado-nação capitalista.
O segundo momento começa em volta da crise estrutural e financeira
do capitalismo latino-americano de 1982, quando começam a operar
importantes mudanças qualitativas no pensamento social, o qual nem
sempre encontra os conceitos e métodos adequados para se colocar na
altura da explicação que a nova época em que nos encontramos reclama.
Contudo, a inadequação teórica — seja pela falta de conceitos, pela
insuficiência da pesquisa e de informação adequada ou pela ausência de
hipóteses em relação ao objeto de estudo — teria de resolver-se mediante o
esforço que todo pesquisador, coletivo, classe social ou grupo deve fazer
para construir instrumentos conceituais, metodológicos e analíticos com o
fim de descobrir as tendências e as possibilidades de transformação nas
sociedades humanas. Em relação à sociologia, Germaná (2001) afirma que:
...existem indícios precisos de que estamos vivendo uma extensão
do processo de reestruturação do conjunto da vida social, tanto
nos seus aspectos materiais, quanto nos seus aspectos
intersubjetivos, incluindo as formas de conhecimento, como a
Sociologia. Nossa disciplina se encontra no meio de uma profunda
crise na medida em que as teorias, os conceitos e os fundamentos
epistemológicos com os quais foi construída, e que continuam
agindo na pesquisa prática da sociológica dominante, não nos
podem oferecer a imagem adequada de uma sociedade
profundamente renovada nos seus aspectos fundamentais. O tipo
de problemas formulados e as formas de organizar a resposta a
essas questões não permite elaborar uma imagem global ou
coerente da sociedade que dê conta dos modos de organização e
das tendências de mudança da sociedade contemporânea.
Conseqüentemente, a Sociologia foi afetada no seu núcleo básico:
na sua capacidade para compreender e/ou explicar a sociedade.
Esta angustiante comprobação formulou a peremptória exigência
de reconstruir os supostos epistemológicos e organizativos da
nossa disciplina (para a sociologia no Peru e, em particular, na
Universidade de São Marcos, veja Ríos, 2001).

11
Esta citação merece dois comentários. Em primeiro lugar, o juízo de
Germana em relação à sociologia seria correto sempre que se defina em
que consiste essa profunda renovação da sociedade que, por certo, não se
reflete por completo nas teorias, conceitos e fundamentos epistemológicos.
Esta é uma questão essencial e estratégica que não foi resolvida até o
momento pelas ciências sociais. Em que consiste essa transformação? É tão
profunda como para considerar as sociedades contemporâneas
diametralmente diferentes, tanto na sua essência como na sua forma das
que existiram há somente trinta ou quarenta anos? Em segundo lugar, o
autor utiliza corretamente a palavra reconstruir para fazer menção a um
processo de recuperação -superação do pensamento latino-americano com
o objeto de redimensionar, numa escala superior, o desenvolvimento
ascendente do conhecimento dialético da realidade social. Não obstante,
para reconstruir é necessário identificar em que consiste o objeto da
reconstrução, e é aqui onde justamente radica o problema.
Isso coloca em evidência a crise teórica do pensamento latino-
americano - e, por extensão, da teoria da dependência —, estimulada pelos
espetaculares efeitos dos acontecimentos ocorridos na Europa do Leste,
que desmoronaram o bloco socialista no final da década dos oitenta com o
triunfo absoluto da ideologia neoliberal na região e em vastas zonas do
mundo. Tal ideologia –aproveitando a confusão - pretendeu anular
quinhentos anos de história latino-americana, posto que uma de suas
missões foi a de predicar que a partir do seu triunfo tudo seria novidade,
que o anterior não existiria e que o mundo e a história têm de ser
reinventados sob o frio olhar do ocidentalismo. Ignorando, deste modo, que
o novo não é outra coisa do que o movimento histórico-dialético que
transforma continua e contraditoriamente a sociedade.
Portanto, o que hoje aparece como eterno, amanhã é somente um
ponto efêmero e uma transição da história.
Porém, além dessas dificuldades, as questões relativas à
epistemologia não se resolvem por decreto burocrático, por exemplo, com a
“reengenharia teórica” (começar de novo), como no caso dos empresários

11
norte-americanos, que utilizam-na para reestruturar suas empresas e
fabricas deixando, na maioria das vezes, sem emprego aos seus
trabalhadores.
Essas dificuldades se superam rearticulando as linhas-chave do
pensamento social e das ciências sociais, ai onde seus raciocínios se
detiveram durante a década dos oitenta, para projetá-las criativamente no
conhecimento da essência e na forma dos fenômenos sociais e humanos
que começam a tornarem-se rígidos no início do século XXI.

A idéia de Marini (1993: 84) se encontra ligada a isso, ao se referir à


necessidade de recuperar o pensamento crítico latino-americano para
aprofundar o conhecimento da realidade:
...é necessário retomar o fio da meada no pensamento crítico de
esquerda, ai onde alcançou seu ponto mais alto. Impõe-se, de
fato, o comprometimento na construção de uma teoria marxista
da dependência, recuperando sua primeira afloração dos anos
vinte e aquela que se registrou a partir dos sessenta [...] Retomar
o fio da meada na teoria da dependência significa reencontrar
aquilo que tem de melhor no pensamento da esquerda, sem que
isso suponha, de nenhuma maneira, que ela aporte a resposta
suficiente para a problemática atual.

Petras e Veltmeyer (2003:95) se colocam no mesmo sentido,


afirmando que “para discutir o capitalismo e o imperialismo na América
Latina, o primeiro passo é descartar a linguagem exagerada, imprecisa e
velada no discurso que está em voga, e voltar às categorias mais precisas e
rigorosas da análise marxista”.
Dessa forma, as ciências sociais latino-americanas contemporâneas
— que de alguma maneira foram perdendo força cognoscitiva perante os
centros acadêmicos e intelectuais dominantes pela simples razão de que
estes impuseram seus raciocínios e pontos de vista — devem partir de uma
recuperação crítica da relação pensamento social - realidade social -
processo histórico e, em segundo lugar, afirmar sua autonomia intelectual e
cognoscitiva, única maneira de recuperar aquilo que é nosso frente às
múltiples formas da ideologia dominante.
Certamente o mundo mudou e, as sociedades também, porém isso
não descarta o esforço para avaliar os aspectos positivos que a

11
investigação latino-americana realizou em aras de traçar alternativas para
a América Latina: o cepalismo, estimulando a industrialização e a
intervenção do Estado; o marxismo ortodoxo, buscando a solução através
de reformas paulatinas e alianças anti- feudais e antiimperialistas com a
burguesia; o (neo)estruturalismo, retomando criticamente os cânones
originais do pensamento estruturalista da CEPAL e, por último, a teoria da
dependência, denunciando a impossibilidade de alcançar a plenitude e
autonomia do capitalismo sem romper com a dependência, formulando
uma alternativa simultânea socialista e democrática de superação do
capitalismo e do sistema imperialista, hoje mais poderoso do que nunca.

Conclusão
O processo de globalização do capital ofuscou o horizonte das teorias
latino-americanas desde a década dos oitenta em benefício do pensamento
único. No entanto, incidiu também neste resultado um conjunto de
fenômenos: a crise estrutural e civilizatória do sistema capitalista mundial,
a transnacionalização tecnológica e produtiva das corporações
multinacionais, a unipolaridade que hoje caracteriza as relações
internacionais, o surgimento de novas potências mundiais como a China, a
União Européia e o Japão, a baluarte da luta contra o terrorismo como
justificação da guerra preventiva declarada unilateralmente pelo
imperialismo norte-americano para invadir e ocupar territórios e nações
com o objetivo de se apoderar dos recursos naturais, o surgimento de
grandes movimentos mundiais denominados de altermundistas, assim
como a redefinição e redistribuição de continentes e territórios na Ásia,
África e América Latina como conseqüência da dinâmica regionalista,
integracionista e fraccionalista que os projetos dominantes tipo TLC ou ALCA

acarretam, sob o domínio absoluto dos Estados Unidos.


Estes fenômenos, extremamente complexos, impactaram e
ofuscaram profundamente as melhores reflexões teóricas, especialmente
as principais correntes do pensamento latino-americano na segunda
metade do século XX. No entanto, ao mesmo tempo, e de maneira

11
contraditória, criaram pautas para levantar e assumir criticamente essas
limitações com o objetivo de regenerar a discussão com a idéia de
encontrarem alternativas frente a uma ordem mundial que se desmorona e
que arrasta a humanidade junto com ela.
Em definitiva, a TMD tem muito a aportar, especialmente quando,
nessas imediações truculentas, coloca sua tese central novamente:
substituir o subdesenvolvimento e a dependência implica em derrotar o
capitalismo em sua forma global (o imperialismo), sem que no longo prazo
se vislumbrem soluções intermediárias. Este é o desafio que, simplesmente,
não convence a muitos, no entanto, também não se encontram dispostos a
encará-lo.

11
4
O surgimento e a estrutura da TMD

Introdução

Neste capítulo se discute o surgimento e a estrutura da teoria da


dependência com a finalidade de situar o lugar que ocupa no pensamento
latino-americano. Além de valorizar seu potencial explicativo, se destaca a
idéia de que tal teoria não se encontra concluída, como divulgaram seus
infamadores e os médios de comunicação, pelo contrário está sujeita a um
processo de construção que envolve relacionar o método de pesquisa com
o método de exposição constantemente e, fornecer os insumos empíricos
que nutram sues conceitos e hipóteses de trabalho.

Etapas e objeto de estudo da TMD

Como ponto de partida, distinguem-se as sete etapas em que Fornet-


Betancourt (2001) divide a recepção filosófica do marxismo na América
Latina para mostrar como, justamente a última, valoriza o significado e a
importância da TMD.

Estas etapas são:


a) Etapa preparatória ou de difusão confusa do marxismo (1881-1883).
b) Limite ideológico e encontro entre o marxismo e o positivismo (1884-
1917).
c) Recepção do marxismo através dos partidos comunistas latino-
americanos (1918, 1919-1929).
d) Etapa de naturalização do marxismo e da significação da obra de
Mariátegui (1928-1930).
e) Etapa das polemicas filosóficas sobre o marxismo ou de sua incorporação
no movimento filosófico latino-americano.
f) Etapa stalinista e de estagnação dogmática do marxismo (1941-1958).
g) Fase atual (1959-1991): tentativas de naturalizar o marxismo.

11
Para Betancourt, a última etapa — que começa com o triunfo da
Revolução cubana e continua vigente na atualidade— incorpora, como
parte do ressurgimento do pensamento latino-americano, a vertente
marxista da teoria da dependência, que surgiu no curso da década dos
sessenta, para se afirmar definitivamente na década seguinte.
A intensa análise de Fornet-Betancourt (2001:276- 277) estabelece
que depois de 1965, sob a influência da Revolução cubana e perante o
fracasso da Aliança para o Progresso ( ALPRO) — criada pela administração
Kennedy para combater a revolução—, se iniciou a “reorientação do
pensamento político na América Latina” que converteu o marxismo num
ponto de referencia obrigatório nas ciências sociais latino-americanas.
Sua formulação é a seguinte:

Com tal reorientação configura-se o desenvolvimento da ciência


social como o espaço mais importante para a transformação
teórica das perspectivas de análise marxista na América Latina.
Como se sabe, este desenvolvimento leva ao surgimento da
chamada nova ciência social latino-americana que engloba a
ciência política, a economia e, especialmente, a sociologia. Desde
um ponto de vista epistemológico, porém também político, se
pode considerar a formulação da teoria da dependência (ou das
teorias da dependência) como o verdadeiro eixo de
desenvolvimento desta nova ciência social latino-americana, uma
vez que se introduz com ela um novo paradigma para a
interpretação da situação do subcontinente; e também,
logicamente, para a ação política (2001:276).

Observe-se que o autor valoriza a teoria da dependência como


expressão da nova ciência social latino-americana e destaca o papel que o
marxismo cumpre em tal reformulação. Uma precisão adicional, que é
geralmente ocultada pelos críticos e opositores da TMD, revela a íntima
relação entre o marxismo e a teoria da dependência. Ao respeito disso,
Fornet-Betancourt (2001:277), escreve que:

No marco deste trabalho é importante assinalar que a formulação


da teoria da dependência na nova ciência social latino-americana
não se formula como uma alternativa frente a teoria marxista-
leninista do imperialismo. Concebe-se, pelo contrário, nos termos
de uma visão complementar e enriquecedora da marxista, cuja
fundamentação específica é função da peculiar situação histórica
do subcontinente. Daqui que — para ressaltar agora somente este

11
aspecto — o desenvolvimento da teoria da dependência signifique
ao mesmo tempo o desenvolvimento do marxismo como
componente essencial da teoria latino-americana da libertação.

Esta observação era necessária para delimitar as diferentes origens


das duas grandes vertentes da dependência. De um lado, aquela que surge
como a continuação da teoria dominante da CEPAL, onde comparecem
autores como Cardoso, Faletto e Paul Singer. Por outro lado, aquela que faz
menção à TMD, cujas origens acaba de situar Fornet-Betancourt e que vai à
raiz dos problemas latino-americanos.
Em relação ao contexto histórico e teórico-político do surgimento da
TMD, Bambirra (1978) propõe seis aspectos que influenciaram sua formação:
a) As análises de Marx e Engels sobre a questão colonial.
b) A polemica dos social-democratas russos e do próprio Lênin com os
narodniki populistas na Rússia.
c) A teoria do imperialismo e seus alcances sobre a questão colonial nos
escritos de Hilferding, Rosa Luxemburgo e Lênin.
d) A polemica no interior do Segundo Congresso da Comintern sobre as
teses da questão colonial.
e) A aplicação criadora do pensamento de Mão Tse Tung e, por
conseguinte, da experiência da revolução socialista na China após 1949.
f) Por último, a obra de Paul Baran, escrita nos anos cinqüenta sobre o
problema do subdesenvolvimento, seria outra fonte de importante
influência.

Acrescenta-se outro elemento em função do debate com o marxismo


endogenista e com as teses da CEPAL por grupos de jovens intelectuais e
militantes da esquerda revolucionária, identificada com as formulações da
Revolução cubana e com os ideais libertários e justiceiros do socialismo.
Esta reflexão encontrará sua sistematização na teoria da dependência de
filiação marxista, na medida em que é esta doutrina, e não outra, que
proporciona os elementos teóricos e o método de investigação e de

12
exposição que possibilitam sua constituição (para este ponto veja os
trabalhos reunidos em Marini e Millán, 1994).
Em relação ao contexto histórico, a teoria da dependência surgiu no
Brasil ao calor do golpe militar que depôs o governo constitucional de João
Goulart em 1964 e se sistematizou posteriormente no Chile,
principalmente, devido às condições favoráveis, oferecidas pelo triunfo do
movimento popular e pela instalação da Unidade Popular no governo em
1970. Finalmente, foi no México onde experimentou um dos seus mais
frutíferos períodos.
Diferentemente de outros autores da teoria da dependência
(Cardoso, Furtado, Ferrer, Weffort), a tentativa mais acabada para edificar
os pilares científicos desta teoria foi, sem dúvida alguma, desenvolvida por
Rui Mauro Marini, principalmente no seu livro Dialética da dependência,
publicado pela editora Era em 1973.
A obra começou a circular em forma clandestina pelo continente
latino-americano, o que revelava sua importância para a intelectualidade
latino-americana daquela época.
Na continuação se apresentam os conceitos de alguns autores sobre
a dependência, com o propósito de brindar a chave para compreender esta
teoria na dimensão certa. Marini (1973:18) define a noção de dependência
como uma:
...relação de subordinação entre nações formalmente
independentes, em cujo marco as relações de produção das
nações subordinadas são modificadas ou recriadas para garantir a
reprodução ampliada da dependência. O fruto da dependência
não pode ser, conseqüentemente, nada além de mais
dependência, e sua liquidação supõe necessariamente a
supressão das relações de produção que ela implica.

Por outro lado, dos Santos (1974:42) considera que:


A dependência é uma situação onde a economia de certo grupo
de países está condicionada pelo desenvolvimento e expansão de
outra economia, que é submetida àquela. A relação de
interdependência estabelecida por duas ou mais economias, e por
essas e o comércio mundial, adota a forma de dependência
quando alguns países (os dominantes) se podem expandir e auto-
impulsionar, em quanto que os outros (os dependentes) somente
podem fazê-lo como reflexo dessa expansão, que pode influenciar
positiva e/ou negativamente seu desenvolvimento imediato. De

12
qualquer maneira, a situação básica de dependência leva aos
países dependentes a uma situação global que os mantêm
atrasados e sob a exploração dos países dominantes.

Dos Santos esclarece que a dependência condiciona “uma


determinada estrutura interna que a redefine em função das possibilidades
estruturais das diferentes economias nacionais” (1974:44). Com essa
afirmação confirma seu afastamento, da mesma forma que Marini, das
teses estagnacionistas do desenvolvimentismo.
Para Frank (1974: 13), a dependência:

...não deve nem pode se considerada como uma relação ‘externa’


imposta a todos os latino-americanos desde fora e contra sua
vontade. A dependência é igualmente uma condição ‘interna’ e
integral da sociedade latino-americana, que determina à
burguesia dominante latino-americana, mas que ao mesmo
tempo é consciente e prazerosamente aceita por ela. Se a
dependência fosse somente ‘externa’ se poderia argumentar que
a burguesia ‘nacional’ possui as condições objetivas para oferecer
uma saída ‘nacionalista’ ou ‘autônoma’ do subdesenvolvimento.
Entretanto, esta saída não existe —segundo nosso argumento—
precisamente porque a dependência é integral e faz com que a
própria burguesia seja dependente.

Com base nessas definições, o objeto de estudo da teoria da


dependência é a formação econômico-social latino-americana a partir de
sua integração subordinada à economia capitalista mundial. Abrange o
período colonial e a pós-independência, na qual a economia exportadora
cede lugar à formação de uma economia industrial capitalista dependente,
que forja seu próprio ciclo de reprodução. No entanto, no plano do mercado
interno, se divide em duas esferas: a superior, própria do consumo das
classes burguesas e médias, e a inferior, que corresponde ao consumo das
classes trabalhadoras que se reproduzem à custa do salário. Na produção
surge, dessa forma, um regime de superexploração do trabalho (SOTELO,
1994) – categoria percebida por alguns autores como a contribuição mais
aperfeiçoada e original do pensamento de Marini12- como contrapartida da
12
“O grande aporte de Marini para a teoria da dependência foi demonstrar como é que a
superexploração do trabalho configura uma lei de movimento própria no capitalismo
dependente” (BAMBIRRA, 1978:69-70). Incorretamente, Osório (2004:90,93 e ss) acredita
advertir uma suposta concepção em Marini, na qual a superexploração do trabalho derivaria

12
transferência de valor e da mais-valia que as economias dependentes
realizam para as economias industrializadas e cuja síntese é o tremendo
endividamento externo dos países latino-americanos. Em relação a este
último, de acordo com a CEPAL, a região transferiu desde 1999 até os dias de
hoje, 78 bilhões de dólares por ano para o estrangeiro, o que equivale a
4.6% do produto interno bruto da região (La Jornada, 13 de agosto de
2004).
É importante destacar que o marco teórico e o método de análise da
teoria da dependência é, justamente o marxismo — afirmação amplamente
fundamentada na obra de Fornet-Betancourt—, e parte da teoria do valor-
trabalho em Marx e de outras noções, como o lucro, a renda da terra e a
mais-valia.
Contudo, não se limita a isso, aborda também os problemas sócio-
políticos e questões particulares que envolvem o debate político, a cultura,
a tecnologia e a educação. Para analisar as formações sociais latino-
americanas a TMD parte da circulação mundial do capital: do ciclo do capital
dinheiro e do capital mercantil para, posteriormente, abordar a esfera da
produção interna dos países dependentes e, em seguida, formular o
problema da formação de suas próprias esferas de circulação e realização
no plano da economia interna (Marini, 1979). Como resultado da unificação
de ambos procedimentos torna-se possível analisar as situações concretas
de dependência e os fenômenos sociais e políticos que se descolam dessa
situação13.

exclusivamente da “violação da lei do valor da força de trabalho” e não de um regime que, ao


articular a intensificação do trabalho, o aumento da jornada laboral e a expropriação de parte do
consumo do operário por parte do capital, configura “um modo de produção fundado
exclusivamente na maior exploração do trabalhador e, não no desenvolvimento de sua
capacidade produtiva” (MARINI, 1973: 40), independentemente — e é isso o que Osorio não
adverte— de que se viole ou não a lei do valor, o que, por outra parte, pressupõe o
estabelecimento prévio de um “valor ideal” que aja como “modelo”.

13
Mignolo (1997), da vertente pós- ocidentalista dos estudos pós-coloniais, não entendeu
este procedimento do método de Marini, quando ao criticar a teoria da CEPAL e do marxismo
dogmático (cujos pensadores estavam “auto- colonizados”, segundo ele), acredita encontrar em
Marini um recurso para entender a América Latina no século XX a partir de “suas histórias locais”,
quando na realidade Marini formula exatamente o contrário.

12
Além do mais, a teoria da dependência, ao lado das ciências sociais,
vai diversificando suas linhas temáticas e objetos de estudo 14, esforçando-se
em alcançar a altura necessária para compreender os fenômenos
contemporâneos.
Em outra oportunidade (Sotelo, julho de 1991- dezembro de 1992:
33-37) indicou-se que em função do nível de construção teórica em que se
elaborou a Dialética da dependência, seu autor considerava esta obra como
um esboço para coroar essa inacabada tarefa. Da mesma forma, tal tarefa
deveria ser o fruto genuíno de um esforço de análise coletiva, de discussão
e pesquisa (OURIQUES, 1995), que dê conta no futuro, de maiores
capacidades analíticas da TMD para caracterizar a natureza dos fenômenos
econômico-sociais e políticos que se registram na América Latina dentro do
complexo e contraditório processo de reestruturação e globalização do
mundo, sob o incontrastável predomínio do capital no transcurso do século
XXI.

Conclusão
O triunfo da Revolução cubana abriu uma nova etapa no pensamento
social e crítico na América Latina, que se prolonga até os dias de hoje.
Enquanto essa revolução e seu ideal libertário continuem vigentes,
assim como as desastrosas condições que provocam atraso e
subdesenvolvimento em nossos países capitalistas dependentes, a TMD terá
também um papel importante a ser desempenhado tanto na teoria como, e
ainda mais relevante, nos processos de transformação social e de
libertação.
Nesse contexto, e sob o objeto de estudo da TMD, é que esta teoria
tem que se projetar para brindar um horizonte de mudança e
transformação dentro dos processos econômicos, sociais, políticos e
culturais inéditos que estão emergindo no continente como verdadeiros
14
Fazendo uma revisão pormenorizada da produção intelectual dos últimos vinte anos na
América Latina, Sosa (fevereiro de 1984:7-24) observa certeiramente a presença de novos temas
de pesquisa, surgidos atualmente e relativos aos problemas da reestruturação econômica, a
flexibilidade do trabalho e sua imbricação com a tecnologia.

12
movimentos e forças de resistência frente à globalização do capital e do
imperialismo.

12
5
O horizonte da teoria da dependência no
século XXI: crise, paradigmas e avaliações.

Introdução
Neste capítulo se avalia a pertinência da TMD no momento atual para
se reformular e se constituir num suporte teórico, metodológico e analítico
sólidos, que permitam analisar e compreender a natureza das sociedades
latino-americanas no contexto (inédito) de expansão universal do
capitalismo.
Da mesma forma, com o afã de vislumbrar vias alternativas para os
grandes núcleos humanos e de trabalhadores em sua luta constante por
alcançar sistemas de vida e de trabalho isentos de desigualdade,
exploração e miséria.

De críticas e avaliações a TMD se fortalece


A teoria da dependência trabalha com categorias, conceitos, teses e
hipóteses muito diferentes daquelas utilizadas pelos autores do sistema
mundial, pelo marxismo endogenista ou, finalmente, pelo
(neo)estruturalismo e o pós-modernismo em qualquer uma de suas
vertentes.
Tanto a concepção da economia mundial, dos ciclos econômicos, das
formas históricas de produção e da acumulação de capital, assim como da
troca comercial desigual e o próprio conceito de dependência e
subdesenvolvimento mantêm sua autonomia num marco epistemológico,
metodológico e analítico em relação daquelas escolas.
É possível que aconteça uma troca de idéias — e que, inclusive,
existam coincidências — entre a teoria do sistema mundial e a da
dependência, como se sugere anteriormente, que gere debate e dúvidas
sobre questões fundamentais do pensamento social e da natureza dos

12
fenômenos latino-americanos. Isso não implica, porém, em
necessariamente renunciar a sua construção e a seu enriquecimento, como
foi, no fundo, o desejo de Marini, afirmando — ao mesmo tempo — sua
autonomia frente ao resto dos paradigmas.
Apesar do acúmulo de críticas— da maior importância— que se
fizeram para deslegitimar este pensamento, articulada à teoria da
dependência, a perspectiva teórica mantém toda sua vigência. Por isso
resulta surpreendente o artigo crítico de Katz que afirma:
...recentemente o dependentismo foi abandonado por suas mais
renomeadas figuras. Dos Santos não considera mais o
subdesenvolvimento como produto da dominação dos países
centrais e, estima, por isso, que a aplicação de políticas
industrializadoras permita superar o atraso e, Marini afirma que
esse objetivo se conseguirá através da conformação de blocos
regionais.

Com o fim de evidenciar a inconsistência e má fé desta formulação,


se apresentam duas observações preliminares. Em primeiro lugar, Katz
comete o mesmo erro daqueles que criticaram a teoria da dependência no
passado: colocar no mesmo saco autores da mais variada gama de
concepções ideológicas, filosóficas, políticas e teóricas. O autor não explica
o que é aquilo que denomina de dependentismo. Se, por exemplo, entende,
por dependentista todo aquele que pronuncia a palavra dependência,
mesmo no caso de um neoliberal. O problema deste tipo de afirmações e
críticas incisivas radica em que flutuam no vácuo, uma vez que não citam
textualmente onde é que tais autores fazem essas formulações. Portanto,
essas críticas resultam completamente infundadas. Além do mais, se fosse
assim, os problemas aos que a TMD faz alusão, evidentemente, não
desapareceriam por decreto (uma vez que a própria realidade os legitima)
como, por outro lado, nunca desapareceram das ciências sociais e do
pensamento latino-americano, apesar da conversão ao neoliberalismo de
uma infinidade de intelectuais marxistas e críticos na década dos oitenta.
Em segundo lugar, relendo o texto de Dos Santos (especialmente a
parte a qual Katz faz alusão: “Os fundamentos teóricos do governo
Fernando Henrique Cardoso: nova etapa da polêmica sobre a teoria da

12
dependência”, Dos Santos, 2002: 101-136) não encontro nenhuma
afirmação que justifique o falaz argumento que Katz lhe atribui a dos
Santos: que a industrialização supera o atraso!
Pelo contrário, uma leitura atenta do texto de Dos Santos indica uma
afirmação positiva em relação à teoria da dependência (que, certamente,
implica no atraso e outras características do subdesenvolvimento) e,
conseqüentemente, que esta continua mantendo as estruturas da
dependência e do atraso.
De fato, em relação à Cardoso, Dos afirma que:
Há alguns anos que seus seguidores falam sobre o fim da teoria
da dependência, no sentido de negar as teses que esta levantou
na década de 1960. Não obstante, todos os anos e no mundo
inteiro novos livros sobre a “teoria da dependência” são
publicados, o qual indica que ela não morreu (Dos Santos,
2002:123).

Dos Santos reafirma a vigência das leis do capitalismo dependente,


na mesma forma em que Marini o faz, ao indicar que tanto a
industrialização quanto a revolução científico - técnica aprofundam as
situações de superexploração do trabalho, da marginalização social e do
desemprego estrutural, para cada vez maiores contingentes de
trabalhadores e dos sujeitos participantes no mundo do trabalho (veja
Sotelo, 2003). Deve-se destacar, porém, que essas leis, como se descola de
uma análise marxista rigorosa, não são imutáveis (o qual, não pode ser
defendido por nenhum autor sério nas ciências sociais), mas correspondem
a situações variáveis da luta de classes, a correlações políticas específicas e
a crises capitalistas cada vez mais intensas na fase neoliberal do atual
regime de acumulação e reprodução do capital.
O que de fato, Dos Santos ratifica, mas num contexto que não tem
nada a ver com aquilo que Katz lhe atribui, é o fato de que a situação de
dependência pode mudar —e inclusive ser superada!— se as condições
políticas, geopolíticas, mundiais, regionais ou nacionais mudam. Sua
formulação é a seguinte:
Não existe um limite econômico absoluto para o pleno
desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo
dependente. Os limites são políticos. E, a mudança nas condições

12
políticas e geopolíticas mundiais ou regionais pode alterar as
condições políticas nacionais ou locais desses países, superando
sua condição de dependentes. Em 1964, no Brasil, se o
enfrentamento entre os setores nacionais - democráticos e os
liberais tivesse sido mantido somente no plano interno, o golpe de
Estado de 1964 teria fracassado, como fracassaram todas as
tentativas anteriores de golpe. Foram dois os fatores que
desestabilizaram a correlação de forças: a ação conspiradora do
grande capital internacional investido no Brasil, que formou o
Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e, a ameaça direta da
invasão de tropas norte-americanas, hoje plenamente
reconhecidas a partir da revelação dos papéis de Lyndon Johnson
(DOS SANTOS, 2002:117).

Ou seja que não se trata de nenhum abandono da teoria da


dependência, mas das circunstâncias em que essa situação pode ser
modificada pela ação de um conjunto combinado de fatores e forças
mundiais, regionais, nacionais e, ainda, locais.
Em relação à injusta atribuição que Katz faz a respeito de Marini, no
sentido de que este abandonou a teoria da dependência, pode-se dizer que
tanto nos textos anteriores (SOTELO, julho-dezembro de 1990) ao de Marini,
mesmo ao que Katz se refere (MARINI, 11 de fevereiro de 1990), como em
outros posteriores (MARINI, 1992), em nenhuma parte se adverte essa
absurda formulação de que supostos blocos regionais permitiriam acabar
com o atraso e o subdesenvolvimento. Muito distante dessa formulação,
nesse livro Marini propõe que efetivamente:
...é necessário retomar o fio da meada no pensamento crítico de
esquerda, ai onde alcançou seu ponto mais alto e que
corresponde à teoria da dependência. Impõe-se, de fato, o
comprometimento na construção de uma teoria marxista da
dependência, recuperando sua primeira afloração dos anos vinte
e aquela que se registrou a partir dos sessenta (MARINI,
1992:100-101, em itálico pelo autor)15.

Aprecia-se, pois, que Marini nunca abandonou a teoria da


dependência (veja Sotelo, 2002), ao contrário, reafirma-a em praticamente

15
No mesmo sentido se expressa Coggiola (25 de agosto de 2004) quando, sem
fundamentações e sem citar os lugares concretos em que funda suas falsidades, argumenta no
velho tom trotskista que em “textos recentes” —que nunca identifica— Marini supostamente
professa uma “fascinação pelo impulso do capital e por sua capacidade de pôr um fim à crise”,
sendo que essa formulação é totalmente alheia a Marini. Em todo caso, Coggiola não entendeu
nada da teoria marxista da dependência na versão de Marini, ao confundir o ciclo do capital com
a troca desigual e a superexploração do trabalho.

12
todos seus textos desde o momento em que reclama sua marxistização;
formulação que autores como Katz — não se sabe com qual fim — preferem
ignorar. De fato, em outra parte Marini afirma que:
É assim como, na medida em que a teoria da dependência se
desenvolva, necessitará de mais e mais elementos marxistas para
entender essa realidade complexa que tenta analisar. É
precisamente ai onde, a partir de certo momento, alguns vão
ficando no caminho, porque na medida em que se avança na
incorporação do marxismo, os autores que utilizaram questões do
marxismo, misturando, no entanto, um instrumental funcional-
desenvolvimentista, ficaram para trás. Dizem: ‘por ai não
seguimos, isso conduz a uma posição radical, a uma posição
revolucionária e nós não somos revolucionários’.
Porém, nas suas expressões mais acabadas, a teoria da
dependência se formula, fundamentalmente no campo do
marxismo, e se converte, dessa forma, numa corrente marxista
[...] não nasce como pensamento marxista, incorpora
instrumentos marxistas, porém quanto mais avança em suas
formulações, maior necessidade tem do marxismo, até que
finalmente se formula por inteiro no plano do marxismo [...]
somente através do marxismo é que se pode compreender cabal
e plenamente a dependência, portanto, a teoria da dependência
tal e como fora sugerida teria de ser superada e, dar lugar a uma
teoria marxista da dependência (SOTELO, julho-dezembro de
1990, p. 53).

São outros os autores, como Cardoso (veja entrevista que concede a


Pompeu de Toledo, 1998), Singer (2000), Goldenstein (1994), Bresser
(1997) ou Mantega (1997)16 —que misturam cômoda e irresponsavelmente
o marxismo com o funcionalismo e a teoria neoclássica—, abandonando a
teoria da dependência para assumir as formulações do campo neoliberal.
O mesmo ocorreu com diversas correntes, como as do funcionalismo,
o estruturalismo e o weberianismo, que mantiveram um relativo e subjetivo
compromisso social na década dos setenta, mas abandonaram-no
definitivamente durante as décadas subseqüentes do século passado.
Dentro do marxismo, autores evidentemente não dependentistas
ligados à partidos comunistas ortodoxos (trotskistas e maoístas) ou à social-
democracia nunca assumiram as formulações da teoria da dependência.
Melhor ainda, criticaram-nas ou preferiram francamente ignorá-las, como
no caso de Coggiola.
16
Para una crítica sobre esses autores veja Martins e Sotelo, 1998.

13
Surge então uma questão diferente: se por um momento aceitamos
que a TMD efetivamente desaparece e cede seu lugar epistemológico,
metodológico e analítico, o que resta no seu lugar? Este seria ocupado por
correntes ecléticas como o (neo)estruturalismo e o neoliberalismo, teorias
ideológicas, comprometidas com a ordem capitalista existente em
diferentes graus e extensões. A primeira, estabelecendo reformas para
conferir um rosto mais humano a esse sistema e, a segunda, hoje
dominante, privatizando todas as dimensões públicas e sociais desse
sistema para favorecer o livre jogo das leis do mercado, completamente do
lado dos interesses estratégicos das empresas transnacionais, do capital
estrangeiro e dos cacos de burguesias locais que ainda sobrevivem nos
países dependentes.
Contudo, não é esse o caso, afortunadamente. Na trajetória que
marcou Marini, aquela de sua marxistização, a TMD é a única que pode ser
formulada seriamente, contra vento e maré e, na perspectiva histórica de
longo prazo, a superação não só do universo ideológico neoliberal (hoje
dominante), através de sua crítica sistemática, mas do capitalismo
dependente em sua fase neoliberal, enquanto que as posições dominantes,
como o (neo)estruturalismo e o pós-modernismo e seus subprodutos (o pós-
colonialismo ou o ocidentalismo), preocupam-se—implícita ou
explicitamente— por sua reprodução através da implementação de
reformas estruturais e de alianças com as classes dominantes e com o
Estado.
Numa entrevista concedida a Natanson, (19 de julho de 2003), Dos
Santos indica três elementos que explicam a atualidade da teoria da
dependência. Em primeiro lugar, conceber à América Latina no marco da
expansão do capitalismo mundial. Em segundo lugar, considera
corretamente a teoria da dependência como “uma conquista do
pensamento social latino-americano”, ao mesmo tempo em que é uma
herança à qual não podemos renunciar, mais ainda, frente às tendências
eurocêntricas e de predomínio norte-americano que tendem a desagregar

13
qualquer forma de pensamento crítico e autônomo que fuja dos horizontes
do pensamento dominante.
Por último, o terceiro elemento considera que a teoria da
dependência integrou as ciências sociais e permitiu unir as esferas política,
econômica e social, em oposição ao reducionismo, processado atualmente
nas idéias e nas ciências sociais inspiradas no neoliberalismo nos campos
da sociologia, a economia e a ciência política, sob um recurso errado que
delimita o objeto de estudo. Isso nos leva, no dizer de Marx, a
desconsiderar a floresta para observar a árvore e, produzir conhecimentos
que obscurecem a realidade social (alienação).
Portanto, o papel atual da TMD não pode ser outro além daquele que
cumpra com: a) a crítica sistemática da nova ordem mundial capitalista
dominada pelo bloco imperialista, liderado pelos Estados Unidos, e b) a
busca de alternativas para além do capital, transcendendo essa ordem na
era da guerra preventiva comandada por Bush e seus falcões do
pentágono.
A TMD não pode ser rebaixada, como algumas pessoas desejam, ao
cumprimento de um papel funcional e acessório (de comparsa) dentro
dessa ordem, alternativa entre o neoliberalismo e o socialismo: uma
espécie de “terceira via”, hoje em voga, e que personagens neoliberais e
pró-imperialistas tão dissimiles como Tone Blair, Sharon, Clinton, Reagan,
Aznar, Cardoso, Jacques Chirac, Berlusconi ou Fox assumem. Para isso
existe a social democracia e seus partidos políticos de direita em todo o
mundo.
A TMD também não se pode converter numa lista de propostas de
políticas públicas, costume atual entre a burocracia ilustrada para tentar
corrigir os desvios, desvarios e contradições estruturais do sistema,
elaborando e recomendando, por exemplo, reformas estruturais
(privatização do setor público, recorte do fundo de pensão e flexibilidade
laboral) que, no fundo, coincidem com os interesses geo- estratégicos do
Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, das empresas
transnacionais e do tesouro norte-americano.

13
É nesse sentido em que se dirigem as reclamações de Lichtensztejn à
TMD:

...esse tipo de enfoque [refere-se à teoria da dependência] não


era um corpo de idéias uniforme nem coerente, uma vez que se
baseava em grandes princípios contestatórios sem propostas
operativas, as quais foram surgindo em cada caso sem seguir um
mesmo padrão teórico ou ideológico (LICHTENSZTEJN, 2001:97).

Seria muito proveitoso saber o que se entende por propostas


operativas, significam encaminhar-se para reformar o sistema sem
transformá-lo?. Para essa tarefa funcional e ideológica se encontram o
(neo)keynesianismo e o (neo)estruturalismo ou sua síntese metodológica
no moderno eclecticismo rigoroso (teoria pós-colonial, pós- ocidentalismo
ou subalternidade).
As leis do capitalismo dependente geram fenômenos, como o
endividamento externo público e privado da América Latina, a
especialização produtiva, a (des)industrialização e a conversão das
economias subdesenvolvidas em exportadoras de produtos primários e de
força de trabalho, a troca comercial- historicamente desfavorável para a
região, tanto no plano dos preços, como do valor, em benefício dos países
centrais do capitalismo adiantado-, o desemprego crescente e o
subemprego estrutural, a superexploração do trabalho que hoje, na “era do
toyotismo universal”, se manifesta no incremento coletivo e universal da
intensidade do trabalho, no aumento da jornada laboral e na queda
sistemática dos salários reais, ao que contribui a elevação da produtividade
do trabalho mediante a aplicação da tecnologia — como também
demonstrara Marini —. Todos estes fenômenos, em oposição aos
postulados neoliberais e (neo)estruturalistas (que os contemplam como se
fossem leis eternas), podem ser modificados em função das mudanças na
situação das classes, de suas lutas, das crises inter-imperialistas e
civilizatórias, e na forma em que assumam as contradições do modo de
produção capitalista em escala global, no médio e longo prazo.
A TMD certamente tem que se adequar aos tempos que estamos
vivenciando: uma crise global do capitalismo que, inclusive, poderia derivar

13
na Terceira Guerra Mundial, a reafirmação da divisão internacional do
trabalho e do capital, que aprofunda a brecha entre os países capitalistas
centrais, dependentes e subdesenvolvidos, a existência de uma democracia
política reduzida, na maior parte do mundo, ao simples jogo eleitoral
controlado pelas classes dominantes e as burocracias coorporativas que
reproduzem um sistema político neoliberal, no qual se exclui a maior parte
da sociedade e serve, ao mesmo tempo, como válvula de escape para suas
contradições econômicas, sociais e políticas; a extensão da pobreza, o
desemprego e a marginalização social.
Como o fizera em seu tempo, hoje a função da TMD não pode ser outra
do que submeter a uma profunda crítica todos os postulados doutrinários,
epistemológicos, metodológicos, analíticos e políticos do neoliberalismo.
Nesse ponto, e guardando a respectiva distância histórica, a idéia de
Georg Lukács (1981: 22) é eloqüente:
Em qualquer ciência, a confrontação com as antecessoras
desempenha um papel importante; também teve muita
importância entre os clássicos na economia e na filosofia. Porém
para estes, a confrontação com os antecessores era somente uma
ocasião, dentre muitas outras, para aprofundar a realidade e
considerá-la desde diferentes pontos de vista. Somente com os
ecléticos da glorificação do existente a doutrina científica da vida
se isola e, certamente tanto mais, quanto mais forte é o empenho
dos apologéticos em falsificar a realidade.

Na sua gênese a TMD combateu as velhas idéias das classes


oligárquicas e latifundiárias que privilegiavam um padrão de acumulação
primário-exportador moldado a seus interesses de classe. Mais tarde
evidenciou, as limitações e contradições do desenvolvimentismo e do
(neo)desenvolvimentismo, plasmados na convicção de que era possível
cristalizar um capitalismo autônomo na América Latina, a partir da
industrialização, os mercados internos, a modernização e a urbanização.
Com esse espírito de pugna e crescente superação epistemológica, a TMD

deve ampliar hoje sua tarefa central no terreno do combate das idéias,
hipóteses, premissas e resultados das correntes (neo)estruturalista e
neoliberal, que defendem cada uma do seu jeito, com diversos tons e
matizes, a vigência do capitalismo neoliberal em condições de dependência

13
estrutural. A primeira, apelando ao artifício de remediar as lacunas
deixadas pelo pensamento estruturalista original (como se viu
anteriormente), combinando-o, porém, com as premissas da liberdade do
mercado capitalista, que deve existir para que não se contamine o sistema.
A segunda, estendendo ad infinitum a idéia de que o único caminho que
resta para a humanidade é o de defender o sistema como um todo,
estendendo e aprofundando suas categorias fundamentais (valor, preços,
mais-valia, lucro, concorrência, produtividade, desemprego e regime
salarial) através da imposição das relações de mercado, da exploração na
esfera da produção e da acumulação de capital.
No plano das idéias, o anterior significa construir instrumentos
conceituais, analíticos, metodológicos e hipóteses encaminhadas a
demonstrar a possibilidade de encontrar e construir rotas de transição para
o estabelecimento de modos de produção, de vida e de trabalho, sistemas
sociais, políticos e culturais, superiores ao capitalismo global, que se
encontra hoje imerso numa crise civilizatória de imprevisíveis
conseqüências e desencadeamentos.
O novo marco epistemológico da teoria da dependência só pode ser
aquele que compagine o marxismo renovado e ressurgido das crises que
atravessou nas décadas dos oitenta e noventa do século XX, a partir da
investigação e a análise das características do ciclo do capital em escala
mundial e das novas formas que estão assumindo as sociedades, os
Estados e os países dependentes no contexto de um capitalismo cada vez
mais contraditório, globalizado e cobiçoso, na segunda metade do século XX

e nos primeiros anos do XXI

Contudo, também não se pode (re)construir a teoria da dependência


ignorando suas raízes teóricas e históricas e com argumentos
eurocentristas, como o faz Muñoz (2004:56-67), pretendendo uma
“formulação teórica contemporânea dos processos de dependência”, sem
mencionar — e sem conhecer— o contexto, os autores e debates que
deram origem à teoria da dependência na segunda metade do século vinte.

13
Por isso, a tarefa de construir a (nova) teoria da dependência deve
ser obra de latino-americanistas, independentemente de se radicam em
outros continentes, e deve ser refletida em conceitos, categorias e teses
que dêem conta da crítica sistemática das teorias e escolas dominantes de
pensamento, incrustadas no paradigma neoliberal, e dos obstáculos e
condições da transição e superação do capitalismo em quanto formação
económico-social dominante no mundo.
A trajetória histórica desse sistema pode derivar, facilmente, na
afirmação do capitalismo como sistema global ou ainda, como é a
convicção do autor, num mortífero estado de decadência e de crise
civilizatória sistêmica de longa duração que finalmente formula, para os
trabalhadores e a humanidade, o dilema luxemburguiano de socialismo ou
barbárie.

A ofensiva neoliberal e a resposta de Marini


O México, como a maior parte dos países latino-americanos, não ficou
de fora da ofensiva ideológica do neoliberalismo durante a década dos
oitenta, provocando aquilo que Valenzuela Feijóo chama de alienação em
escala ampliada (2004:15).
Diversas correntes teóricas foram marginalizadas ou deslocadas do
cenário discursivo formal das ciências sociais, entre as quais se destaca o
marxismo e a teoria da dependência que Marini desenvolvia. Outras
correntes, como o (neo)desenvolvimentismo e o endogenismo —arraigado
este último na tradição dos partidos comunistas latino-americanos,
posteriormente (re)convertidos na social-democracia— foram deslocados
também pelo pensamento conservador, que rearticulou o funcionalismo
sociológico, o (neo)estruturalismo e diversos enfoques da teoria econômica
neoclássica num molde eclético e de sentido comum, cuja marca era — e
ainda é — submeter povos, economias e sociedades nos imperativos das
duras leis do mercado capitalista e das empresas privadas com a mínima
ou nula intromissão do Estado na regulação da economia e da propriedade.

13
A TMD, através de Marini e de outros autores como Gunder Frank,
Vania Bambirra, Orlando Caputo ou Luis Vitale, enfrentou o dilema
neoliberal rearticulando a dialética e a teoria de Marx numa visão global,
que deixava ao descoberto as contradições e os obstáculos do modo de
produção capitalista, que os modelos macro e microeconômicos,
formalizados e matematizados, pretendiam ocultar.
Apesar das avassaladoras críticas feitas à teoria da dependência em
sua vertente marxista, que afloraram nas décadas dos oitenta e noventa,
estas surtiram o efeito contrário: ao reassumir seu papel crítico, a TMD saiu
fortalecida da profunda crise que o capitalismo latino-americano
experimentou durante a “década perdida”, questão que de alguma forma
se expressa na diversificação da literatura em matéria de estudos sobre a
dependência17.
Enganaram-se profundamente aqueles que desde suas decompostas
cavernas ideológicas do eclecticismo e o revisionismo predicaram a morte
da TMD porque este é um pensamento vivo. É dessa forma como o descreve
Marini em sua Memória (s/d, versão em disquete): “...retomar o fio da
meada na teoria da dependência como ponto de partida significa
reencontrar o que tem de melhor no pensamento de esquerda...” Embora,
certamente, como o próprio autor adverte, isso não signifique dar uma
resposta absoluta para a atual problemática latino-americana e mundial.
Isso último, em seu momento, será uma tarefa geral do pensamento
teórico-crítico latino-americano em conjunto e não a obra individual de
alguns intelectuais iluminados, como pode ser acreditado.
Por isso, Marini sempre defendeu a capa e espada a tese de que a
teoria da dependência não era uma teoria acabada, como tantos dos seus
detratores erroneamente afirmaram, mas um esboço e um projeto político
acadêmico que é necessário desenvolver. Nesse sentido podemos
considerar que Marini forjou os fundamentos de uma teoria e um
pensamento críticos que deram conta, pela primeira vez, da natureza do

17
Dos Santos incluye una lista exhaustiva de autores interesados en la teoría de la
dependencia (2000), asi como de él mismo, 1994:64-63.

13
capitalismo dependente do nosso tempo sem a dissonante interferência das
teorias euro-norte-americanas.
Na parte final de sua Memoria, Marini assevera que:
Cabe concluir, insistindo num traço peculiar da teoria da
dependência que, qualquer que seja o juízo que dela se faça: sua
contribuição é decisiva para encorajar o estudo da América Latina
pelos próprios latino-americanos e sua capacidade para,
invertendo pela primeira vez o sentido das relações entre a região
e os grandes centros capitalistas, fazer que, ao contrário de
receptor, o pensamento latino-americano passe a influenciar às
correntes progressistas da Europa e dos Estados Unidos (Memoria,
s/d, versão em disquete:70).

Esta tarefa impõe-se ainda mais urgente do que nunca no despontar


do século XXI para as universidades, institutos e centros de educação
superior e de pós-graduação, uma vez que a ideologia do autodenominado
pensamento único (ou seja, a ideologia dominante que pretende aprisionar
a realidade total —ciência, natureza, pensamento e sociedade— nos
parâmetros e sinais que o mercado lhe impõe) pretende erigir-se no totem
do pensamento humano para subordiná-lo e orientá-lo na direção dos seus
interesses estratégicos e de classe.
Felizmente, Ruy Mauro Marini escreveu sua autobiografia intelectual,
que percorre sua vida até 1990, onde o leitor pode apreciar a gênese do
seu pensamento, assim como sua trajetória política e individual e uma
relação pormenorizada dos seus trabalhos publicados e inéditos. (Para esse
fim pode ser consultada a página WEB: http:// www.marini-
escritos.unam.mx/, onde se encontram seus principais textos.)
Além do mais, sua Memória constitui um valioso recurso para
(re)construir uma importante etapa da esquerda revolucionária latino-
americana, particularmente daqueles países que acolheram Marini nos seus
diferentes exílios: o Panamá, México e Chile. Nela, apreendemos como a
formação marxista e o uso da dialética conduziram Marini a desvendar a
essência conservadora e burguesa das teorias neoclássicas do
desenvolvimento latino-americano e as correntes desenvolvimentistas e
(neo)desenvolvimentistas que surgiram no continente, assim como a crítica
radical ao endogenismo e ao neoliberalismo.

13
Diferentemente de muitos autores — e contra a crença de outros—
Marini rompeu de raiz com a ideologia da CEPAL, mas também com a
ideologia dos partidos comunistas de sua época, ao mesmo tempo que
esclarece a origem da TMD:

...contrariando interpretações comuns que a percebem como um


subproduto e alternativa acadêmica à teoria desenvolvimentista
da CEPAL, a teoria da dependência tem suas raízes nas concepções
que a nova esquerda elaborou —particularmente no Brasil, ainda
que seu desenvolvimento político fosse maior em Cuba, na
Venezuela e no Peru—, para fazer frente à ideologia dos partidos
comunistas (Memoria: 9).

Somente um discurso mal intencionado ou francamente ignorante


sobre as diversas e inclusive opostas correntes da teoria da dependência,
como o discurso de Mires (1993:55 e ss.), pode colocá-la em termos gerais
como um dos “quatro ramos do desenvolvimentismo”, é claro, da CEPAL. Este
autor certamente nega a existência do imperialismo norte-americano, ao
qual prefere batizar como uma superpotência, que não deve ser criticada
(MIRES, s/d).
Depois de acusar injustificadamente de “economicismo cepalino” à —
suspeita e inexistente— “teoria da revolução” de Marini e de Gunder Frank
— fato que só evidencia uma leitura mal feita e superficial dos textos de
Marini—, este autor assevera que “embora no seu conteúdo essencial as
teses de Marini não se diferenciavam na maioria dos casos das de Frank,
nem das teses da CEPAL, foi evidente que o autor tentou [?] fundar uma nova
teoria (MIRES, 1993: 57)”.
Mires não se dá se quer o trabalho de explicar, em nenhuma parte do
seu livro, essa observação acerca do “conteúdo essencial nas teses de
Marini”. Quiçá mais pela incapacidade de compreensão das teses marxistas
de Marini — e não cepalinas!— do que pela falta de disposição ou de
tempo.
De qualquer forma, para além desse labor ideologicamente destrutivo
e sistemático de críticos como Mires, a TMD caminhara com seus próprios
meios, buscando suas categorias e conceitos na complexa trama da
realidade contraditória da região.

13
Essa tarefa começou com a inovação de conceitos como
superexploração do trabalho (que constitui o eixo do pensamento de
Marini), a troca desigual, Estado de contra-insurgência e subimperialismo,
multi- dependência, burguesia integrada e Estado de quarto poder. Não se
podem esquecer também as importantes contribuições teóricas e políticas
feitas à teoria do Estado, à democracia e ao socialismo.
Esses conceitos constituem o esqueleto da dependência no
pensamento marinista, elaborado com o método e o marco teórico de um
marxismo vivo, ortodoxo e antidogmático que, partindo dos escritos de
Marx, Engels e Lênin e, aplicados no estudo concreto das economias e das
formações histórico-sociais da América Latina e, inclusive de outros países
dependentes e subdesenvolvidos da economia mundial como os africanos
ou a Coréia do Sul, permitiram compreender a dinâmica oculta e
contraditória do capitalismo como um modo universal de produção, ao
mesmo tempo em que revelaram sua especificidade em relação aos países
capitalistas desenvolvidos.
Em última instância, isso explica por que tais países no século XX

foram, e continuam sendo, incapazes de superar as condições históricas e


estruturais da dependência, subdesenvolvimento e atraso, que no começo
do século XXI, longe de ter-se erradicado (como apontavam os críticos e os
ideólogos do sistema), se estão aprofundando como nunca na história da
humanidade.
Num ensaio denominado “Subdesenvolvimento e revolução na
América Latina”, escrito em 1967, Marini projetou aquilo que será uma de
suas teses centrais ao afirmar:
Esse ensaio, que reflete a questão essencial das investigações
que eu vinha realizando, desde o final de 1965, resume seu
conteúdo na declaração inicial: “a história do subdesenvolvimento
latino-americano é a história do desenvolvimento do sistema
capitalista mundial”, e se dedica a demonstrar que esse
subdesenvolvimento é simplesmente a forma particular que a
região assumiu ao se integrar ao capitalismo mundial
(Memoria:18).

E não foi somente essa região que assumiu a forma do


subdesenvolvimento. Em contraposição àqueles que formulam o contrário,

14
essa foi a via capitalista dos países emergentes ou dos chamados novos
países industrializados, tais como os tigres asiáticos, com a Coréia do Sul na
liderança. A tese do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, como
produto genuíno do capitalismo mundial, mantém toda sua vigência ao
postular que os problemas contemporâneos da América Latina, Ásia e África
são produto, essencialmente, da inusitada expansão do capitalismo
industrializado e urbanizado dos séculos XIX e XX, assim como ao colocar ao
descoberto uma cruel e contraditória realidade que nos é imposta todos os
dias na vida econômica, social, política, cultural, nos nossos deteriorados
salários e nas condições de vida e de trabalho.
No nível geral e macroeconômico é um dever denunciar o monstruoso
endividamento externo — que, não é acaso produto da dependência? — das
economias subdesenvolvidas para ilustrar o processo eficiente, moderno,
de natureza financeira e especulativa que opera como um mecanismo
estrutural (CHESNAIS e PLIHON, 2003) e que “subdesenvolve” nossos
países, ao mesmo tempo em que amplia a concentração e centralização do
capital nos países imperialistas.
Esta tese, que no seu momento foi combatida por gregos e troianos,
explica a reestruturação da economia mundial da década dos oitenta e a
configuração de novos protagonistas hegemônicos no mundo, como o
Japão, a União Européia e os Estados Unidos, que monopolizam —como
afirmava Marini— os setores de ponta o processo produtivo e tecnológico,
enquanto que nos países dependentes provoca o endividamento externo —
com as conseqüentes transferências de valor e mais-valia que gera — ao
mesmo tempo em que gera (des)industrialização, particularmente, nos
países que mais se “desenvolveram” como o México, o Brasil, a Argentina e
o Chile (em relação a isso, veja Sotelo, 2004).
Nesse contexto, no dizer de Marini, a Dialética da dependência era
um texto “inegavelmente original” que contribuiu para trilhar novos
caminhos para os estudos marxistas e latino-americanos, colocando numa
outra perspectiva o estudo da realidade na região.
Ao contrário de seguir esse raciocínio e fiel ao meu princípio de
que o subdesenvolvimento é a outra cara do desenvolvimento, eu

14
analisava sob quais condições a América Latina se integrou ao
mercado mundial e como é que essa integração: a) funcionava
para a economia capitalista mundial e b) alterava a economia
latino-americana. A economia exportadora, que surge a meados
do século XIX nos países pioneiros (o Chile e o Brasil),
generalizando-se posteriormente, aparecia, nessa perspectiva,
como o processo e o resultado de uma transição para o
capitalismo e como a forma que esse capitalismo assume, no
marco de uma determinada divisão internacional do trabalho.
Aceito isso, a transferência de valor que daí surgia não podia ser
vista como uma anomalia ou um obstáculo, mas, antes de
qualquer coisa, como a conseqüência da própria legalidade do
mercado mundial e como um acicate para o desenvolvimento da
produção capitalista latino-americana, sobre a base de duas
premissas: abundância de recursos naturais e superexploração do
trabalho (a qual pressupunha abundância de mão-de-obra). A
primeira premissa dava como resultado a mono- produção.A
segunda, os próprios indicadores das economias
subdesenvolvidas. A industrialização, operacionalizada
posteriormente, estaria determinada pelas relações internas e
externas de produção, constituídas sobre a base dessas
premissas. Resolvida dessa forma, no meu entender, a questão
fundamental, ou seja, o modo como o capitalismo afetava a
essência da economia latino-americana, a formação da mais-valia,
eu passava a me preocupar com a transformação desta em lucro
e com as especificidades que essa metamorfose implicava.
Algumas indicações, referentes ao ponto a que minha
investigação chegou se encontram contidas no texto e em outros
trabalhos escritos nessa época, porém, eu somente resolveria o
problema alguns anos depois, no México.

E, efetivamente os resolveu em escritos posteriores, onde descobre e


afina as causas das recorrentes crises da economia latino-americana. Marini
afirma:
Neste terceiro exílio, eu retomei as questões teóricas colocadas
na Dialética da dependência, em três níveis: o ciclo do capital na
economia dependente, a transformação da mais-valia em lucro e
o subimperialismo. No que diz respeito ao ciclo do capital, a
investigação partiu da relação circulação-produção-circulação,
sendo aplicada, primeiro, às mudanças da economia brasileira, a
partir do primeiro choque do petróleo; objeto de intervenção no II
Congresso Nacional de Economistas do México, em 1977, que
consta na Memória do evento, o texto evolucionou para o ensaio
“Estado e crise no Brasil”, publicado por Cadernos Políticos. E, em
seguida, no plano da teoria geral, analisei, à luz dessa relação, o
movimento da economia dependente no contexto do ciclo do
capital-dinheiro. Esse foi o tema da conferência pronunciada num
seminário sobre a questão agrária e sua relação com o mercado,
cujo texto se incluiu em Mercado e dependência, um paper
publicado em 1979.(Em itálico pelo autor.)

14
En 1979, a revista mexicana Cadernos Políticos publicou um
enriquecedor e complexo ensaio de Marini intitulado: “Mais-valia
extraordinária e acumulação de capital” (abril-junho de 1979:19-39), que foi
preparado para um concurso com fim de obter uma cadeira como professor
titular da Faculdade de Economia da UNAM),

...dividido em três seções. Na primeira, apresento os esquemas


(de reprodução de Marx) e, entrando na polêmica que suscitaram
em diferentes momentos da história do marxismo, busco mostrar
a finalidade específica que cumprem na construção teórica de
Marx: a necessária compatibilidade das magnitudes de valor
produzidas nos distintos departamentos da economia e analiso as
três premissas que tanta discussão causaram: a) a exclusão do
mercado mundial, b) a existência de apenas duas classes e c) a
consideração do grau de exploração do trabalho como fator
constante. Na segunda, parto da variação desse último fator,
examinando os efeitos das mudanças na jornada, na intensidade
e na produtividade sobre a relação do valor de uso-valor e sobre a
distribuição. Na terceira seção, verifico o uso dos esquemas por
três autores: Maria da Conceição Tavares, Francisco de Oliveira e
Gilberto Mathias, mostrando que a primeira, além de não romper
de fato com o esquema cepalino tradicional (agricultura-indústria-
Estado), confunde valor-de-uso e valor; os dois segundos,
captando com intensidade a contradição moeda nacional-dinheiro
mundial, acabam por fixar-se somente no movimento da
circulação. E, o terceiro, que nos brinda uma brilhante análise
sobre o papel do Estado na determinação da taxa de lucro,
esquece considerar a relação lucro-mais-valia (retomamos essa
discussão no México, naquele ano, ocasião em que Mathias
admitiu ter-se equivocado na crítica que me fazia no seu trabalho
ao respeito da superexploração do trabalho). Esse ensaio,
provavelmente o menos conhecido dos meus escritos, é um
complemento indispensável da Dialética da dependência, na
medida em que expressa o resultado das pesquisas que eu
começara no Chile, sobre o efeito da superexploração do trabalho
na fixação da mais-valia extra-ordinária (Memória: 53-55).

Incluiu-se esta extensa citação para mostrar como existia uma


continuidade lógica e dialética nos escritos de Marini, articulada às noções
fundamentais que levantara originalmente na Dialética da dependência e
que, definitivamente, não tinham nada a ver com o estruturalismo (como
erroneamente afirma Mires, entre outros detratores da TMD) ou com a teoria
funcionalista da modernização.
Ao meu ver, esta imbricação, deve constituir um eixo diretor da TMD

no marco geral do pensamento marxista no século XXI, como a única

14
doutrina e metodologia críticas ao capitalismo em todas suas modalidades
e extensões.
Em segundo lugar, o método de análise da Dialética da dependência
— que sempre confrontou o método do endogenismo e das correntes
desenvolvimentistas e (neo)desenvolvimentistas— parte da economia
mundial (globalização) para despontar nos problemas internos da produção,
a troca e o consumo dos países dependentes. Método que deve ser
retomado à luz das mudanças recentes nos ciclos capitalistas da economia
mundial que, tal e como Marini observara, projeta-se no momento atual
como uma verdadeira economia global — embora reestruturada — capaz
de articular, hierarquicamente, as economias nacionais em blocos
comerciais e de poder, e sobre- determiná-las.
A respeito disso, Marini concebe a globalização como o:

...processo mundial em que ingressamos a partir da década de


1980, e costumou-se chamar de globalização. Caracteriza-se pela
progressiva superação das fronteiras nacionais no marco do
mercado mundial, no que diz respeito às estruturas de produção,
circulação e consumo de bens e serviços. Caracteriza-se também
por alterar a geografia política e as relações internacionais, a
organização social, as escalas de valores e as configurações
ideológicas próprias de cada país. Trata-se, sem dúvida, da
transição para uma nova etapa histórica, cujos resultados apenas
começam a ser vislumbrados, de modo certamente
insuficiente,uma vez que apenas começa, deixando fora do
alcance a maioria da população da África, porções consideráveis
da Ásia e inclusive parte de nossa América Latina. Porém, no seu
envolvente movimento, realizou já ofensivas em todo o planeta
(MARINI,1996:49).

Essas ofensivas globais do processo de globalização constituem uma


necessidade histórica do capital, uma vez que este “funciona como um todo
estruturado, tanto em nível econômico como na esfera política, embora
exista entre cada um dos seus elos certo nível de descontinuidade,
marcado por particularidades nacionais que seria néscio desconhecer
(CUEVA, 1984:34)”.
No entanto, na América Latina esta globalização de vocação
planetária, não acarretou — nem haverá de acarretar — na autonomia do
capitalismo que garanta sua continuidade nos termos de alcançar etapas

14
mais complexas e maduras do processo de industrialização em escala
global.
Pelo contrário, o que estamos assistindo, de certo modo, é o
ressurgimento da velha economia exportadora do século XIX, porém, sobre
bases mais modernas (capitalistas e informatizadas), com um eixo no
sistema financeiro especulativo e na importação de tecnologia de ponta,
porém em troca do aprofundamento da (des)industrialização e do
achatamento dos mercados internos de consumo e de trabalho da
população.
Marini defende esta idéia em seu livro América Latina: dependência e
integração (1992). Devemos extrair dela todas suas conseqüências teóricas
em matéria da expansão do crescimento econômico e social, assim como
dos problemas mais concretos que acarreta, como seus efeitos no
emprego, nos salários e na qualificação da força de trabalho que, como
subproduto desse processo de reestruturação capitalista, se precariza cada
vez mais, configurando uma autentica extensão da superexploração que
exige em toda parte — por extensão, no centro do capitalismo desenvolvido
— radicais mudanças políticas, jurídicas, ideológicas e institucionais nas
relações laborais, assim como a desregulação, flexibilização e segmentação
do mundo do trabalho.
Na sua versão mais radical, a TMD não admite reformar o capitalismo
como uma estratégia política de libertação e superação das desigualdades
sociais e da exploração capitalista. Formula, ao contrário, sua superação na
direção de uma nova ordem econômica, social e política, qualitativamente
diferente desse sistema.
A linha reformista —derrotada no passado— que privilegia o marco
eleitoral, foi estabelecida como a estratégia permanente pelos governos de
“esquerda”, de corte, geralmente, social-democrata, ligados à conhecida
“terceira via” (nem o Estado nem o mercado: todo o contrário), os quais
renunciaram, praticamente, a lutar pelo socialismo e contra o
neoliberalismo.

14
Esse é o caso exemplar do governo Lula no Brasil, que continuou a
política econômica neoliberal, inclusive, mais radical do que seu antecessor,
(PETRAS, 16 de abril de 2003 e 21 de dezembro de 2003, e STÉDILE, 4 de
agosto de 2004).
Por isso, hoje mais do que nunca é necessário assumir esta tarefa,
mas entendendo que qualquer estratégia que não formule superar o regime
de propriedade privada dos médios de produção, de exploração da força de
trabalho pelo capital e o sistema de dominação imperialista que tem no
Estado seu promotor e aliado principal, se encontra de antemão,
condenada ao fracasso.
Isso não descarta a implementação de reformas, porém, dentro da
estratégia assinalada, o que implica a necessária reformulação das lutas
populares e dos trabalhadores latino-americanos ,num marco contraditório
e problemático, onde o capital já acertou golpes duros e irreversíveis nos
últimos anos.

Conclusão
Se certamente as ciências sociais e a TMD mantiveram estreitas
relações ao longo de sua história, sua evolução é marcadamente diferente.
De fato, enquanto que as primeiras dependem de instituições como as
universidades, institutos e centros de pesquisa, a segunda — que também
se pode desenvolver dentro dessas instituições— é produto da ação
deliberada e criativa de indivíduos e coletividades que a aplicam
criticamente no conhecimento da natureza e da dinâmica das sociedades
latino-americanas.
Diferentemente das primeiras, o horizonte da TMD nesse contexto só
pode ser aquele que transcenda o universo frio e fechado do sistema
capitalista e de suas categorias conceituais, metodológicas e analíticas. De
outro modo, estará em perfeita harmonia com o pensamento dominante e
não se diferenciará dele em essência.
Em relação às críticas — algumas justas e outras francamente
irresponsáveis e injustificadas — que se fizeram à TMD até o momento, é

14
preciso reconhecer, certamente, as limitações, assumir as sugestões e
desenvolvê-las, porém de nenhuma maneira no sentido de negar sua
vigência.
No plano do conhecimento, estes problemas se derivaram, na maioria
das vezes, do grau de complexidade na análise da realidade social,
econômica, política e cultural, a qual se intensificou conforme as
sociedades se diversificavam quantitativa e qualitativamente, na medida
em que o capital impunha a globalização e as crises do capitalismo
persistiam, impondo sua devastadora lógica às sociedades
contemporâneas.
Deve-se reconhecer que o anterior não era somente um atributo da
TMD, uma vez que afetou também outras disciplinas sociais (a economia, a
filosofia, as ciências políticas, a sociologia e a antropologia) tanto em
relação ao método, quanto em relação aos conceitos e, principalmente, à
capacidade de elaborar hipóteses que estivessem à altura do profundo
conhecimento que o processo histórico atual demanda. Isso afetou a
capacidade de explorar e inferir tendências de médio e longo prazo que
permitissem compreender a trajetória histórica das sociedades latino-
americanas no contexto mundial.
Em resumo, considera-se aqui que é necessário e urgente
(re)adequar e inovar os conceitos e hipóteses de trabalho e, elevar o objeto
de estudo (América Latina) à categoria científica para que a TMD esteja em
condições realmente viáveis de compreender, em essência, as
características, estruturas e dinâmicas que a dependência, o atraso e o
subdesenvolvimento assumem dentro do processo de globalização do
capital no século XXI.

Conclusões
Uma das conseqüências que a globalização do capital ocasionou é a
aceleração da velocidade da história. Se antigamente os impérios tardavam
centos de anos para se desenvolver e cair, hoje a velocidade desse tempo
histórico se reduziu drasticamente.

14
É dessa forma como os Estados Unidos, como o “império
hegemônico” (ou, melhor ainda, como imperialismo dominante) surgido
após a Segunda Guerra Mundial, já apresenta, em menos de 60 anos,
sintomas de desgaste e esgotamento, num contexto de emergência de
novas potências, como a União Européia e a China no Oriente (para uma
discussão sobre esse tema, em particular em relação às teses gramscianas
de Arrighi, veja Veraza, 2004, quarta parte 237-324, ainda que esse autor
negue enfaticamente a teoria do imperialismo de Lênin).
Da avaliação anterior pode-se deduzir que estas mudanças
estruturais e macro- históricas também influenciaram e afetaram
enormemente todas as formas do pensamento humano, assim como sua
capacidade para apreender os fenômenos da realidade através de
conceitos, categorias e formulações de hipóteses certeiras que dêem conta
dos processos sociais e históricos em marcha.
Se, como se demonstrara, houve no passado certa articulação entre a
teoria e a prática na maior parte das correntes teóricas e políticas do
pensamento latino-americano, a partir da década dos oitenta tais correntes
apresentaram sérias dificuldades e obstáculos para ter condições de
analisar e diagnosticar a realidade e elaborar, dessa forma, alternativas de
mudança e transformação radical do sistema dominante.
Junto à aceleração do processo histórico, a capacidade de predição e
de perspectiva do pensamento teórico também se viu afetada,
especialmente no que se refere à inferência das tendências que os
fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais poderiam delinear.
Esta questão provocou, entre outras conseqüências, o fatal reducionismo
do pensamento social a níveis extremamente empíricos e apriorísticos, por
não dizer alienantes e decadentes.
A chegada do neoliberalismo como ideologia dominante no
pensamento latino-americano provocou, paralelamente, a diminuição na
autonomia cognoscitiva das correntes que surgiram principalmente, na
segunda metade do século XX. Isso também afetou o marxismo e a teoria da
dependência, os quais compartilharam, pelos motivos já assinalados neste

14
livro, a chamada crise teórica, que se expressou na insuficiência da
elaboração de categorias, conceitos e hipóteses para explicar a realidade
histórica do desenvolvimento dos nossos países e sociedades no contexto
da globalização do capital, da revolução científico-técnica e dos novos
métodos produtivos e de organização do trabalho em praticamente todo o
mundo.
Na década dos noventa e no primeiro lustro do século XXI, o panorama
é tremendamente desconsolador: as disciplinas sociais se fundiram no
discurso neoliberal de livre mercado e do individualismo metodológico
exacerbado. Mostram impotência para formularem hipóteses e diagnósticos
de investigação autônomos, que reflitam genuinamente a essência dos
fenômenos estudados sem a interferência dos paradigmas eurocêntricos e
daqueles elaborados pela ideologia norte-americana. São estes os que
tomaram a dianteira e os que marcam as pautas da pesquisa e os
conteúdos acadêmicos, utilizando para isso a influência que exercem
através do poder político, dos sistemas de bolsas para estudantes, do
financiamento das instituições de educação superior e de pós-graduação,
assim como de institutos e centros de pesquisa.
Nesse marco, é urgente recuperar a autonomia e a capacidade crítica
do pensamento latino-americano, para criar marcos epistemológicos,
quadros teóricos e métodos de pesquisa próprios, num esforço que resulte
na elaboração de conceitos e categorias particulares que, ao mesmo
tempo, sejam o fiel reflexo do metabolismo essencial dos fenômenos sociais
e humanos que acontecem na América Latina neste despontar do século.
Dentro desse contexto epistemológico a tarefa do marxismo, e em
particular da TMD, deve tomar a dianteira e, para isso, não existe outro
caminho do que retornar ao ponto onde se dissolveu a consistência entre o
pensamento teórico e crítico latino-americano (no final dos anos setenta e
começo dos oitenta) para analisar criticamente e estabelecer um balanço
tanto de suas limitações como de seus aportes essenciais.
Encontramos-nos na etapa que Fornet-Betancourt caracterizou
corretamente como o ressurgimento da nova ciência social latino-

14
americana (veja capítulo 4) — cuja vigência se subscreve amplamente. No
seio desta, se desenvolveu a teoria da dependência “como o verdadeiro
eixo do desenvolvimento da nova ciência social latino-americana”. Esta
etapa permite recuperar e reformular o pensamento teórico e crítico latino-
americano para atualizar o conhecimento que caracterizará a fase em que
se encontram os países e as sociedades deste continente —
sobredeterminados —no influxo da expansão mundial do capital, do
aprofundamento e redefinição do subdesenvolvimento, assim como da
dependência em todos os planos de sua existência: econômica, comercial,
financeira, tecnológica, cultural e psicológica.
Além do mais, a partir da análise profunda de nossas sociedades
latino-americanas, a tarefa central da TMD deve ser a busca das formas, vias,
métodos e instrumentos de ação e de luta que conduzam ao encontro e
formulação de propostas alternativas, de novos modos de produção,
comunitários e humanos, frente à evidente e longa crise do capitalismo em
sua atual fase neoliberal, e do (neo)imperialismo como sistema global, cujo
centro dominante é ainda liderado pelos Estados Unidos.
Isso significa que mais do que ser um paradigma comprometido com
o sistema — como alguns dos seus críticos sugeriram no passado — a TMD

deve, em função de sua própria autocrítica e da recuperação das linhas-


chave do pensamento social latino-americano do século XX, dar-se à tarefa
de criar uma base teórica nova e alternativa para construir uma estratégia
global que vislumbre e caracterize o momento histórico atual —e as
tendências— em que se encontram os povos e as sociedades da nossa
América.
Em síntese, essa elaboração é urgente “para que se abram novas
vias na tomada de consciência das peculiaridades e perspectivas da
realidade atual da América Latina e, ainda, de suas capacidades para
transitar na direção de uma etapa superior de desenvolvimento, na direção
de um socialismo original, democrático e libertário” (Marini, 1992:102).
A força da teoria renovada e posta ao serviço da população e da
ciência é o único caminho que permite construir coletivamente uma nova

15
ordem econômica mundial, social e humana, sem a exploração nem
regimes de dominação correspondentes às sociedades de classe, baseado,
pela primeira vez na história, na democracia, na liberdade, em relações de
igualdade entre os homens, as sociedades e as comunidades.

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