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Moçambicanas1
Américo Correia de Oliveira*
1. Introdução
[...]
– Se você adivinhar esse mistério, o mundo vai ficar tão admirado que até o tempo há-de
parar.
– Jure, avozinha?, berlindavam-se os olhos dela.[...]
– Avó, sei a adivinha!
No rosto da senhora nenhum sinal, nem uma ruga se alterou. Parecia que Ermelinda já cruzara
aquele risco feito na água,
fronteira entre a vida e a morte.
– Lembra a adivinha, vó? Aquela do rio de um lado só? [...]
– É o mar, avó. Esse cujo rio; é o mar2.
Este pequeno estudo sobre as semanários, bem como o acervo “Os e nigmas fornecem, com
adivinhas moçambicanas tem como mimeografado e manuscrito, inédito efeito, um meio precioso de
ponto de partida uma nossa colec- (mais de 50 %). penetrar nos arcanos do e s p í r i t o
tânea de a divinhas moçambicanas Sobre o valor cultural das adivin- indígena, porque são, sem dúvida,
( 1 4 6 3 ) 3 , fruto da consulta de um has nada melhor do que as palavras a parte mais estranha da sua lite-
acervo bibliográfico impresso4 , em de um dos maiores africanistas, ratura, a que menos se pare c e
português, e em bantu5 e português, também moçambicanista, Henri com os produtos da nossa! [euro-
com excepção de jornais diários ou Junod: p e i a ] ”6
“De facto há muitas mais a recolher! // Aqui pretendemos apenas dar uma ideia da imensa
grande riqueza que há a recolher e a valorizar, que há portanto a explorar cientificamente7!”
Uma leitura atenta da colectânea “ g é n e ro” literário. Algumas comuni- tuada por alguns dos nossos ex-
p e rm i t i r-nos-á verificar como é dades linguísticas nem sequer estão alunos da Universidade Eduard o
desigual a distribuição das adivinhas representadas (Kimwani, Cibalke e Mondlane, no ano de 1999, e por Ali
pelas diversas comunidades linguísti- Cimanyika), outras em número ínfim o (1993). Futuras recolhas, no terreno,
cas e diferentes colectores, revelando- de espécimes, fruto de uma feliz irão pôr cobro a esta disparidade, ou
nos graves lacunas na recolha deste recolha, se bem que “empírica”, efec- mesmo ausência.
Para Pires Prata9 , “o estudo das adivinha?” E deixa a pergunta sem texto adivinhístico, até pelo pouco
adivinhas [moçambicanas] é um resposta. estudo de que tem sido objecto,
tema, pouco ou nada explorado Tudo leva a crer que o autor designadamente, também, as adivin-
nem dado a conhecer.” E acrescenta, tenha razão, porque nada pare c e has portuguesas, de acordo com
à frente: “Afinal o que é uma mais difícil do que tentar definir o Arnaldo Saraiva10. Se parece inócuo
Viegas Guerre i ro (1966:60), nota de rodapé, repleta de cortes, apresenta em outras partes da África
aludindo às adivinhas da comuni- devido à sua extensão 17. Negra idênticas características. Os
dade de língua shimakonde, afirma: Nessas fórmulas, é notória a ideia Ajauas, que vivem paredes meias com
“O género é cultivado nas mais varia- de diálogo desafiante e lúdico, e de os Macondes, iniciam o certame,
das circunstâncias e s obretudo pelos enigma difícil de decifrar, e viden- dizendo: Chindavi!, a que se responde
rapazes, raparigas e mulheres. De dia ciando o seu carácter antiquíssimo: - Aise!, vocábulos com a mesma s i g n i fi-
e de noite, nas horas de ócio, ao fogo muitas delas já intraduzíveis e até cação dos parc e i ros macondes.”
a que se aquecem dentro e fora de indecifráveis. Também, as fórmulas [ Veja-se o parágrafo anterior]. No
casa, divertem-se jogando às adivin- adivinhancísticas angolanas pare c e m mesmo sentido se pronuncia Manuel
has. Também os homens a s dizem reforçar estas características. Outro s Amaral (1990:279): “As adivinhas
entre si e aos rapazes, uma vez por l u g a res, outros povos, se bem que servem de entretenimento aos wayao,
outra, na quietação da c h i t a l a Bantu, mas o mesmo “secre t i s m o ” , rindo muito quando o interlocutor
[aldeia] ou em pleno mato, na folga “competição” e “ludismo”!... tem dificuldades em re s p o n d e r.
que se segue às grandes b atidas de No mesmo sentido, vão as afir- Começam, quase sempre, por anun-
caça.” mações de Viegas Guerreiro (1966: ciá-las, dizendo: Cinda (adivinha), ao
Os “enigmas de iniciação” da 60-61), em relação à comunidade que respondem: J i i c e! (diga)”.
comunidade de língua emakhuwa shimakonde: “As adivinhas pro p õ e m - Ludovico (s. d.: 3), referindo-se
(Martinez, 1989) têm, como é natu- se de muitos modos e são principal- à comunidade linguística echuwabu,
ral, o seu lugar próprio n os re s p e c t i- mente um jogo colectivo que se a f i rma: “O contador de adivinhas
vos ritos. Pires Prata, referindo-se à executa sob a forma de desafio. dirige-se aos outros, dizendo: ‘Era
mesma comunidade, escreve: “Não Constituem-se dois grupos, que se uma vez”[ C i d d a p i n y u ! . . . ]. Os outros
são de todo os dias, nem de todas as colocam frente a frente. Um dos respondem-lhe: ‘Guerra’ ou ‘Mmange’
horas. Têm tempo apropriado e j o g a d o res lança a pergunta a um ou ‘ T x i p i t t h e ’ ou ‘ C i v i re ’, ‘Passa//
determinado. O código (?) penal para o u t ro d o g rupo a dverso e , se e ste avança”. Este mesmo autor (Ludovico,
as transgressões é v ariado. Não se acerta com a resposta, passa a inicia- s. d.:1-2) escreve: “Sendo expre s-
contam ou não se fazem de dia. Há tiva para o seu grupo; e se nem ele são da genuína cultura de um
consequências... há sanções da natu- nem nenhum dos companheiro s povo, as adivinhas constituem uma
reza. Se se perder o tempo a c ontá- encontra solução, continuam, é riqueza, quer pelo aspecto linguís-
las, fora do serão, as tarefas ficarão c l a ro, na situação de interro g a d o s . tico, quer como manifestação da
paradas ou atrasadas, prejudicando a // A própria estrutura formal da mentalidade [...] De facto este
produção. ‘As coisas semeadas não adivinha anuncia o seu carácter de livrinho constitui um pequeno
a m a d u recem bem’, (em Lalaua). ‘Virá disputa. Um dos interlocutores abre dicionário prático da língua portu-
a fome’, (em Nampula). ‘Faz vir a s e m p rea competição com a palavra guesa.” E continua: “A função das
fome’, sendo contadas de dia, em N a n c h o!, difícil de t raduzir e que adivinhas é de passa-tempo (ware-
Nampula. ‘Faz nascer os chifre s ’ significará ‘Eu quero dizer-te uma d h a ), para entreter as pessoas no
‘omela manhaka’. As adivinhas, tais coisa’ ou ‘Uma adivinha’, e o inter- momento de folga, particular-
como os c ontos, não se contam de pelado responde: M w a h a ! , q u e mente ao serão à volta da fogueira
dia.” (Prata, 1983, não pag.). igualmente mal s e t raduz por ‘Diz e com a participação de todos. //
O estudo mais completo e d etal- lá’ ou ‘Venha ela!’. Segue então o É ao mesmo tempo uma maneira
hado que possuímos sobre as contexto e a resposta é d ada com de instruir os mais novos, aju-
fórmulas introdutórias das adivinhas uma só palavra e raramente com dando-os a despertar, a observar
moçambicanas, designadamente da duas.” melhor os factos da vida, a liber-
comunidade emakhuwa, é de Pires Viegas Guerre i ro (1966: 61) acre s- tar as suas energias intelectivas e
Prata. Inserimos essas fórmulas, em centa: “O género , que é universal, criativas”.