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MÚSICA NEGRA E A DIÁSPORA:

REFLEXÕES SOBRE O CARIBE HISPÂNICO

ROBIN MOORE*

Tradução
Luciano Dutra**

Eu comecei inicialmente a considerar a utilidade dos paradigmas da


diáspora voltados aos estudos musicais no Caribe como resultado de uma
conferência organizada pelo Centro Para a Pesquisa de Música Negra em 2009
e continuei a refletir sobre o assunto desde então. Como parte desse processo,
fui influenciado pelos escritos de vários autores, especialmente no que se refere
às várias formas que o termo diáspora é utilizado atualmente. Em seu ensaio
posicional, por exemplo, Rogers Brubaker 1 resume apropriadamente como as
formas particulares de uso do termo mudaram nas últimas três ou quatro
décadas (algo que ele se refere como uma "diáspora da diáspora"). Ele também
observa os aspectos mais comuns da definição na literatura das ciências sociais,
como muitos outros, incluindo (1) um processo de deslocamento traumático
e/ou movimento; (2) uma identificação com uma pátria distante; e (3) a
preservação de uma identidade social distinta da população circundante. A estes
devemos acrescentar (4) uma tendência a identificar-se com outros grupos
diaspóricos de semelhantes origens, culturais ou de outra natureza. Esta
característica está implícita nos escritos de vários autores, embora nem sempre
mencionadas abertamente. Brubaker sugere na conclusão de seu ensaio que a

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consciência diaspórica é melhor concebida se a levarmos em conta como uma
posição ideológica ou uma reivindicação dos grupos que podem servir apenas a
determinados períodos como uma visão útil, ao invés de uma característica
inerente. Paul Gilroy enfatiza em seus escritos uma crença de que a experiência
da opressão racial formou fundamentalmente as culturas da diáspora africana
nas Américas e do Atlântico Negro mais amplamente. Todas essas
características servem como um bom ponto de partida para discutir a
aplicabilidade das noções de diáspora para a música.
O Caribe e suas adjacências oferecem um espaço especialmente
interessante para pensar sobre as relações e influências musicais da diáspora
negra. É uma região que se tornou o lar de mais de quatro milhões de africanos
deslocados durante a vigência do comércio de escravos no Atlântico e
coletivamente é um número maior até do que no Brasil. Atualmente seus
moradores são principalmente descendentes de africanos ou mestiços e fazem
inúmeras formas de música, muitas delas demonstrando características
proeminentes de derivações africanas e/ou de ligações com outras formas
musicais afro-diaspóricas da região e arredores. Desta forma, existem
numerosos exemplos de tradições que ligam o Caribe a África musical,
linguistica ou ideologicamente, que definem os setores da população afro-
caribenha como distintos de outros, e que criam afinidades com uma noção
mais ampla de patrimônio diaspórico compartilhado.
Por outro lado, o Caribe é também conhecido por sua expressão
fundamentalmente "criolizada" ou híbrida e, em muitos casos, as influências
europeias indiscutivelmente predominam sobre as influências africanas dentro
de tal repertório. Os residentes afro-caribenhos não necessariamente se
identificam como um grupo unificado ou concebem a África como sua casa.
Além disso, muitas formas de música originalmente desenvolvidas por
comunidades afro-caribenhas ganharam popularidade para além de seus limites
e, em alguns casos, não estão mais associadas com a diáspora africana,
sobretudo no Caribe ou no exterior. O caso é semelhante ao banjo nos Estados
Unidos, originalmente de progênie afro-americana, mas agora principalmente
associado a tradições anglo-americanas. A imitação ou adaptação de tradições
europeias e africanas por vários grupos representa uma importante tendência na

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região e deve ser contabilizada como parte de qualquer compreensão de sua
música. Todos esses fatores problematizam o uso do paradigma da diáspora.
Este artigo explora brevemente vários gêneros representativos do Caribe
Hispânico, o que coloca questões sobre a relação da música com as noções de
diáspora. O ensaio presume que a filiação diaspórica normalmente resulta de
um projeto ativo ou uma reivindicação relativa à etnia ou ao patrimônio
cultural, como sugerido por Brubaker. Em última análise, no entanto, sugere-se
que os significados raciais só podem ser avaliados através de uma análise da
totalidade das formas culturais de uma área. Aqui defendemos modelos de
análise mais amplos ao invés de um foco exclusivo em populações negras da
diáspora, já que os significados da negritude e da expressão cultural negra, até
mesmo para grupos minoritários específicos, têm se desenvolvido em diálogo
com grupos não-diaspóricos.
Muitos aspectos da experiência diaspórica no Caribe têm atraído a
atenção acadêmica ao longo dos anos, apesar do fato de que tais escritos não
tenham necessariamente travado diálogo com debates teóricos relacionados às
noções de diáspora. A questão das "retenções" culturais africanas serviu como
um foco central por décadas e continua a inspirar algumas novas pesquisas
como a de Ivor Miller sobre a música Abakuá.2 Os tópicos que surgiram mais
recentemente incluem a cultural reciprocidade entre a Europa e o Caribe 3 e
entre a África e o Caribe; 4 o contato entre diferentes populações afro-
caribenhas das Américas; 5 as repercussões culturais da imigração de e para o
Caribe, muitas vezes para os Estados Unidos6 e os efeitos da mídia, do turismo,
da mudança tecnológica, da empresa capitalista, e de outras forças
transnacionais sobre o fazer musical. A análise ao longo destas linhas oferece
importantes olhares sobre os aspectos da diáspora, ainda que muitas vezes
redirecione o foco da investigação para temas que não são exclusivos a estes
aspectos. Por outro lado, obriga-nos a considerar se as noções de diáspora
deveriam constituir o modelo central da pesquisa musical sobre o Caribe.
O modelo musical que parece caber facilmente dentro dos paradigmas
diaspóricos inclui a percussão tradicional e a canção, frequentemente associadas
ao culto religioso. As melodias da maioria das canções de Santería e Palo, por
exemplo, são cantadas em iorubá fragmentado ou em dialetos do Congo e

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muitos dos instrumentos e ritmos de acompanhamento cerimoniais têm
antecedentes diretos da África Ocidental. O repertório religioso deste tipo está
intimamente associado a determinadas comunidades de descendentes de
africanos e é realizada em grande parte por e para eles. Apesar de séculos de
perseguição por parte dos espanhóis e outras autoridades, a música e as
cerimônias continuaram, surpreendentemente, a florescer, pois servem
claramente a uma importante função, criando uma sensação de patrimônio
comum, definindo um espaço simbólico além do controle da sociedade em
geral e estabelecendo uma contra-narrativa que coloca o patrimônio africano no
centro do culto coletivo.
O repertório Ocha conecta diretamente as culturas da África, de Cuba e
de outras partes das Américas de várias maneiras, mas pouca pesquisa tem sido
feita sobre suas associações com estes artistas. Podemos presumir que o apelo
de tal música para eles está relacionado principalmente às suas qualidades
diaspóricas e ao fato de que vem da África ou tem semelhanças com tradições
do Brasil, de Trinidad e de outros lugares? Seria talvez a história e a extensão de
sua difusão internacional desconhecida ou simplesmente ignorada pelos artistas
locais? Poderia o seu principal apelo derivar então de sua capacidade de unir ou
espiritualmente sustentar comunidades marginais em relativo isolamento? O
quão central é a África nas concepções de culto em Cuba? As perspectivas
locais podem variar muito, e devem ser exploradas, assumindo que a ideologia é
fundamental para as noções de diáspora.
Desde a década de 1930, a canção afro-cubana religiosa tem servido de
inspiração para muitos tipos diferentes de música popular. Um exemplo recente
inclui o rap cubano, especialmente influente a partir de meados da década de
1990 até cerca de 2003. Este tipo de música está entre as mais fáceis de
descrever como repertório diaspórico, em oposição aos estilos discutidos
abaixo. Não só artistas negros cubanos ouviam artistas negros nos Estados
Unidos, inspirados pelo sentimento de orgulho racial e distinção que eles
percebiam como característica de sua música, não só a ênfase do rap americano
sobre a poesia improvisada, o movimento do corpo e outros elementos
ressoam com suas próprias formas de patrimônio musical, mas os próprios ex-
patriotas afro-americanos, alguns deles ex-panteras negras, ajudou

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intelectualmente a guiar o movimento, mantendo muitos rappers cubanos
focados em temas relacionados à raça e etnia como entendido nos Estados
Unidos, além de outras preocupações sociais. A agenda política e racial explícita
do movimento rap cubano, portanto, deriva da comunicação da diáspora negra.
Um exemplo de tal repertório é uma música intitulada "La llaman puta"
(Chamam-na puta), um rap cubano escrito em 2002 pelo duo Obsesión. 7 A
composição fornece uma leitura afro-feminista da prostituição cubana, um
fenômeno que testemunhou um ressurgimento com o início da crise econômica
e do crescimento do turismo nos anos 1990. Uma maneira de como as
mulheres jovens, especialmente mulheres negras, reagiram à instabilidade
financeira foi procurar relacionamentos com os visitantes estrangeiros que
podem pagá-las por sexo, comprar-lhes presentes, ou casar-se com elas e levá-
las para viver no exterior. Os meios de comunicação cubanos tendem a difamar
essas mulheres, descrevendo-as como amorais, mas Magia López contesta esse
ponto de vista e explora as motivações lógicas que levariam as mulheres a
vender seus próprios corpos. Um especial interesse musical nesta música é a
fusão de bases derivadas do rap norte-americano e baixos influenciados pelo
jazz com elementos da música religiosa afro-cubana. Destaca-se também a
inclusão do chéquere de origem da África Ocidental, o uso do sino 6/8 do
repertório Santería, e fragmentos de canções de louvor a Ochún, deusa da
beleza e do amor físico.8
Este é o tipo de exemplo que Paul Gilroy discute em seu “The Black
Atlantic” e em ensaios como “A Dialética da Afiliação Diaspórica”. É muito
importante considerar as perspectivas musicais de Gilroy, já que é um de seus
interesses principais e também pela influência que eles exercem sobre os outros.
Sua análise é criteriosa em muitos aspectos, certamente, como sua insistência
sobre a definição de cultura expressiva em termos de formas racializadas de
poder e subordinação, e sua ênfase sobre os fluxos e influências culturais
transnacionais. 9
Um aspecto mais problemático de sua obra a partir de minha perspectiva
é a sua equação de vocais pergunta e resposta com uma visão das relações
sociais igualitárias e de não-dominação. 10 Talvez eu esteja discutindo acerca de
uma metáfora, mas isso me parece uma generalização perigosa. Muitos estilos

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musicais globais incorporam linhas vocais antifonais e não apenas aqueles
provenientes da diáspora africana e estão associadas com uma variedade de
relações sociais. As próprias comunidades da diáspora não podem,
invariavelmente, sequer serem descritas como igualitárias, sobretudo em termos
de gênero. Gilroy, líder de interações de coro, percebe como o termo igualitário
quase poderia facilmente ser visto como uma metáfora para a ditadura, com um
grupo de seguidores obedecendo servilmente às pistas de um único líder. Os
acadêmicos têm insistido desde pelo menos os anos 1980 que as relações entre
estrutura musical e estrutura social são difíceis de determinar e não podem ser
presumidas com base em apenas um som.
Mais amplamente, alguns estudiosos têm sugerido que o foco exclusivo
de Gilroy sobre a expressão da diáspora negra pode ser um quadro insuficiente
para avaliar a emergência e a importância das formas culturais que lhe
interessam. Ben Vinson, por exemplo, ao defender o uso da diáspora como um
conceito no estudo da América Latina e arredores, 11 sugere que “o principal elo
que une os estudos sobre a diáspora não deve ser exclusivamente o da cor”,
uma prática que ele acredita resultar em um “reducionismo, um essencialismo
racial”. Paul Tiyambe adota um argumento semelhante, questionando o foco de
Gilroy sobre comunidades negras em detrimento de outras. Ele acusa Gilroy de
desacreditar leituras essencialistas de expressão diaspórica e, ao mesmo tempo,
“buscar desesperadamente um Atlântico ‘negro’ e não um ‘branco’ ou
‘multicultural’”.12 Certamente, as histórias subalternas deveriam enfatizar
fortemente a experiência dos grupos socialmente marginais como um
contrapeso para histórias anteriores que os excluíram. Mas, um fragmento de
referência que considera apenas o Atlântico negro seria suficiente para
compreender a dinâmica do fazer musical no Caribe ou em outros lugares?
A salsa serve como um caso interessante a considerar a partir dessa
perspectiva. A salsa é um dos gêneros mais característicos do Caribe, mas é
provavelmente mais reflexivo do hibridismo do que da negritude em si, apesar
de estudos particulares por Ángel Quintero Rivera 13 e outros que enfatizam a
importância de suas estruturas e elementos provenientes da África. Brubaker,14
citando Stuart Hall,15 observa que a experiência da diáspora negra é
frequentemente caracterizada pelo hibridismo e enfatiza a tensão na literatura

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existente entre as maneiras com que a música pode servir para manter as
fronteiras sociais através da identificação com determinadas comunidades, ou
alternativamente corroê-las através de uma multiplicidade de associações e/ou
influências. Este é um ponto importante a considerar em relação à salsa, uma
música que tem atraído o público internacional, indiscutivelmente, mais apagou
suas fronteiras culturais do que as criou.
Não só os elementos musicais de origem africana fundiram-se com
outros elementos neste repertório (a utilização de instrumentos e padrões
harmônicos de origem europeia, por exemplo), mas as associações deste tipo de
música durante a sua popularização em Nova York girava em torno de noções
da identidade panlatina e da experiência de imigrantes urbanos de muitos
países, não somente daqueles grupos da diáspora negra. Seu público naquele
período e agora tende a ser racial e etnicamente misto, assim como seus artistas.
Os principais defensores desta música são os porto-riquenhos, sem dúvida o
grupo demograficamente mais branco do Caribe. Claramente, as comunidades
afro-caribenhas atuam centralmente na pré-história da salsa,16 mas tem
significativamente uma participação mais tímida depois de cerca de 1970.
A história da salsa faz-nos refletir sobre a vinculação da performance
musical a atividades culturais agressivas e a ideologias ativistas. Muitos latinos
viviam deploravelmente em bairros marginalizados do Bronx e no leste do
Harlem nesta época. Eles lutaram para vencer na sociedade americana e
ressentiram-se com a falta de atenção para com a história e a cultura da
América Latina e com a língua espanhola dentro da maioria das escolas
públicas. A salsa, deste modo, tornou-se um importante símbolo de resistência
às normas culturais anglocêntricas. Muitas canções também referenciam o
movimento de independência de Porto Rico, uma campanha pela soberania
sobre os Estados Unidos. As fortes conotações políticas da salsa nos anos 1970
desenvolveram em conjunto com o surgimento do movimento Black Power, os
Young Lords, e outros grupos associados com notórias formas de protesto.
É claro que, de tempos pra cá, os significados associados ao gênero
mudaram consideravelmente depois de fazer sucesso e passar a fazer parte do
mercado de consumo de massa. Dado o desenvolvimento complexo da salsa, a
ampla difusão e o público variado, questiona-se se o seu apelo atual relaciona-se

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de alguma forma com as noções da diáspora negra entre os grupos não-
diaspóricos, se mesmo os descendentes de africanos ou de imigrantes latinos
invariavelmente fruem esta música através das lentes da diáspora negra; e mais
amplamente se a diáspora como um paradigma explica melhor a história da
salsa. Alguns de seus aspectos, tal como uma forte atração para a música em
partes da África subsaariana contemporânea, parecem estar de acordo com os
modelos da diáspora, mas outras não. Talvez um trabalho etnográfico mais
detalhado nos desse uma resposta.
A questão de saber se um foco central na diáspora enfatiza
demasiadamente as associações ideológicas sobre a África em aspectos
culturais, sociais ou ideológicos, enquanto minimiza outros tipos de ligações é
talvez ainda mais clara na história do bolero latino-americano. Tal como
acontece com outros gêneros, como o danzón, o bolero representa um exemplo
de música com fortes influências internacionais que se formou como um estilo
híbrido em determinadas comunidades afro-cubanas. Seus primeiros artistas e
defensores no Caribe consistiam em grande parte da população urbana, de
classe média, negros e mulatos do leste de Cuba, cujos gostos foram fortemente
influenciados pela ópera e pela música de salão europeias, bem como pelos
boleros espanhóis. Não só os primeiros boleros caribenhos em grande parte
estão em conformidade com as normas estilísticas europeias, mas também
assim que o gênero se espalhou por toda a região entre os artistas brancos e
negros no início do século XX, logo perdeu quaisquer associações diretas com a
comunidade negra.
Mesmo em seus anos iniciais, as letras dos boleros afro-cubanos não
carregavam nenhuma ideologia ou postura racial. Por conta de sua popularidade
durante as guerras de independência contra a Espanha, muitas canções faziam
referência a essa luta, mas nunca incorporava o discurso afro-cêntrico. As letras
tendiam a ser refinadas e metafóricas com harmonias complexas, refletindo o
gosto da classe média e na maioria das vezes giravam em torno de temas
românticos. Pode-se pensar nisso como uma música "integracionista", realizada
por setores emergentes da comunidade negra. O estilo do bolero é
fundamentalmente transnacional, resultante do movimento de formas culturais
entre vários lugares do que uma inovação de um único local. Como sugerido

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acima, até mesmo o termo "bolero" vem da Espanha, onde se refere a um
gênero distinto de música tocada em um tempo ternário para o
acompanhamento de instrumentos de cordas e castanholas.
Os músicos cubanos executavam seus primeiros boleros em duas
guitarras acompanhadas por claves, estas tocadas num padrão de dois compassos
rítmicos associados à música da dança popular atual. O instrumento de claves e
seu ritmo nos primeiros boleros, nos quais o padrão de cinco notas conhecido
como cinquillo figurava proeminentemente, representavam os únicos elementos
desta música que podiam ser facilmente identificados como provenientes da
África. As próprias claves desenvolveram-se entre os estivadores negros que
usavam cavilhas de madeira semelhantes às usadas na construção e reparação
naval. Para uma transcrição do padrão cinquillo e uma discussão adicional sobre
a história dos primeiros boleros. 17
Os exemplos dos primeiros boleros latino-americanos são difíceis de
encontrar. Como uma referência, sugiro ouvir a gravação do repertório dos
primeiros boleros interpretado por Pablo Milanés em seu álbum Años III. Uma
das peças que ele executa neste disco foi escrita em 1907 por Sindo Garay,
aluno de um dos primeiros compositores de bolero, Pepe Sánchez. Ele adapta-
se bem às normas estilísticas iniciais, com a ressalva de que três guitarras são
ouvidas na gravação, em vez das duas guitarras mais tradicionais. Curiosamente,
na biografia de Garay, um indivíduo mestiço, menciona "nunca ter gostado
muito da música negra", aparentemente referindo-se à percussão e às canções
religiosas. Em vez disso, ele se identificou fortemente com a grande população
indígena extinta de Cuba, batizando seus filhos com nomes de chefes tribais do
século XVI. Como deveríamos conciliar esse tipo de música com o paradigma
da diáspora?
O último exemplo que gostaria de discutir é o mais tangencial às noções
tradicionais da diáspora africana e do seu patrimônio. Poderíamos questionar a
relevância deste ponto para a nossa discussão, mas eu acredito que ofereça
importantes observações. Refiro-me a música associada à tradição cubana do
teatro de blackface, 18 uma forma extremamente popular de entretenimento do
final de 1860 até pelo menos a década de 1940.19 A música deste tipo refere-se a
questões de enquadramento social, mais especificamente como as noções da

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negritude estão sendo constantemente reavaliadas e redefinidas no presente
dentro de contextos particulares por descendentes de africanos e outros. Como
no caso de cânticos religiosos e do exemplo do rap discutido anteriormente, a
comédia blackface é alimentada por atitudes relacionadas à expressão negra que
se desenvolveu fora da comunidade afro-cubana. Práticas generalizadas como
esta força-nos a considerar os processos pelos quais as ideologias raciais se
desenvolvem. Estes processos levantam questões sobre as relações entre as
formas culturais que existem dentro da comunidade negra e as percepções
externas de negritude que se deve negociar ou responder.
Vários menestréis americanos tiveram uma contrapartida no blackface
cubano, pois de fato os menestréis americanos fizeram turnês em Cuba durante
a Guerra Civil e influenciou as performances por lá. Personagens como Jim
Crow, um caipira feliz, tinha uma correspondência com o Negro Bozal, um
escravo africano recém-chegado que só falava em espanhol quebrado. Da
mesma forma, Zip Coon se assemelha ao cubano negro catedrático, um tipo
urbano pretensamente sofisticado que se vestia de maneira espalhafatosa e tenta
falar de forma eloquente enquanto ludibriava os outros com palavras
compridas. Por meio deste último personagem, como Jill Lane observou, o
público aprendeu que o fato de ser bem educado, ler livros sérios, ou escrever
versos era um comportamento tipicamente "branco", e qualquer afro-cubano
fazendo isso deveria ser visto como trapaceiro, “ridículos intrusos em um
mundo branco”. 20 Uma melhor observação ao legado ideológico de expressão
racista como esta é fundamental para compreender a violência, a opressão e a
resistência que autores como Paul Gilroy descrevem como características
próprias do Atlântico Negro. Por essa razão, eu diria que um foco exclusivo no
patrimônio negro do que em quadros mais amplos de análise, sobre ideologias
conflitantes ou agendas culturais, corre o risco de não considerar a gama de
forças que contribuíram para a cultura negra.
O recente livro de George Lipsitz How Racism Take Place (Como o
Racismo Acontece) de 2011 adiciona dois pontos pertinentes a essa discussão
que poderiam ser considerados como o outro lado das questões levantadas pelo
exemplo acima do blackface. No capítulo “New Orleans Today: We Know This
Place”, Lipsitz ressalta o fato de que os afro-americanos desta cidade

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desenvolveram afiliações diaspóricas “reais e imaginárias” com outras
comunidades negras em todo o hemisfério e além, mas também “identificaram-
se com outras comunidades lesadas de todas as raças, com pessoas que lutam
em casa e em todo o mundo por direitos, recursos e reconhecimento”. 21 Desta
maneira, estas afiliações diaspóricas não se limitaram à africana. Na página
seguinte ele observa que “os ritmos e sensibilidades africanos que permeiam a
música de Nova Orleans tornaram-se ferramentas para criar uma unidade pan-
étnica entre os diversos grupos”, servindo assim como ferramentas que vários
grupos usaram em questões raciais ou em outro projeto político. De maneiras
diferentes, estas duas citações sugerem que uma plena compreensão das lutas
afro-americanas ou outros conflitos contra o racismo, e dos usos e significados
da música negra como parte desse processo, envolve um quadro analítico que
se expande para além da comunidade negra em si.
Em última análise, eu acredito que os pesquisadores do Caribe iriam
encontrar informações mais úteis em uma abordagem que responda com
relativa facilidade para uma grande variedade de fazer música. Pode-se incluir
nesta abordagem o repertório de concerto de compositores negros, brancos e
mestiços que incorporem influências folclóricas de origem diaspórica; o jazz e o
jazz latino executados por artistas oriundos da diversidade racial ou étnica; o
rock da América do Norte ou do Sul, ou qualquer um dos gêneros
mencionados anteriormente, associados a multiplicidade de grupos e graus de
significado racial. A fim de desenvolver tal modelo, imagino que será necessário
mover-se para além de um foco exclusivo na diáspora africana em direção a
uma visão que considere a música em quadros mais amplos.
Um texto que eu achei útil para pensar em algumas destas questões é o
frequentemente citado Racial Formation in the United States (Formação Racial nos
Estados Unidos) de Michael Omi e Howard Winant. Estes autores utilizam o
termo formação racial para descrever os processos históricos em que as categorias
raciais foram criadas, experienciadas e, finalmente, transformadas ao longo do
tempo. As formações raciais referem-se às formas mais amplas em que as
sociedades estão organizadas. O comércio de escravos no Atlântico, por
exemplo, e a instituição da escravidão pelo sistema de plantation que forneceu o

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contexto para a produção inicial da música caribenha, constituem estes
componentes de determinadas formações raciais.
Omi e Winant também propõem o conceito de um projeto racial,
definindo-o como uma interpretação ou representação de uma disputa que visa
alterar a dinâmica racial existente. 22 Este conceito parece se encaixar com a
descrição da diáspora de Brubaker como uma postura ou reivindicação. O
Movimento dos Direitos Civis e o Movimento Black Power representam
exemplos de projetos raciais específicos que têm noções alteradas de raça e
levaram a determinados tipos de criação de música. Exemplos de artistas que
usaram a música para criticar ou dialogar com as realidades raciais em conjunto
com movimentos ideológicos mais amplos também são frequentemente
encontrados no Caribe Hispânico.
É possível expandir a estrutura de Omi e Winant para incluir a noção de
um projeto ou formação cultural, quer como uma categoria separada ou uma
subcategoria? Os autores não especificam como suas terminologias se
relacionam com a cultura, embora eu suspeite que eles argumentem que a
música e outra expressão representam alguns dos canais mais importantes
através dos quais as ideologias raciais são vividas e/ou postas em questão.
A vantagem de conceber o fazer musical do Caribe como parte dos
projetos e formações culturais inter-relacionados, ou talvez interpenetrados, é
que nos permite fazer referências a um repertório mais amplo. As formas
musicais de resistência, como a música de Santería ou o rap politizado poderiam
ser estudadas como parte de um projeto ativista; as ideologias da expressão
blackface também poderiam ser analisadas de forma semelhante. O bolero pode
ser visto como parte de uma formação cultural predominantemente europeia,
relacionada a um “status quo” musical dominante que não carrega de forma
contundente as inter-relações diaspóricas ou o patrimônio africano. A música
híbrida como a salsa ou merengue dentro deste modelo poderia constituir um
meio termo de negociação estética. Por conta dos gêneros híbridos existirem
em uma grande gama de estilos, alguns mais africanos, outros mais de influência
europeia, eles podem ser analisados de várias maneiras e facilmente se tornam
símbolos contestados, como aqueles em que vários grupos se apropriam para
fins particulares e/ou os alteram estilisticamente para se ajustar às suas

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respectivas preferências. Finalmente, o foco nas formações tem a vantagem de
ajudar a interpretar o movimento da cultura diaspórica para além de suas
comunidades originais e sua integração em novas formações ou projetos
culturais que pode ou não se encontrar com as ideologias raciais. O fenômeno
da salsa em Nova York é um exemplo disto.
O foco na diáspora nos encoraja a olhar para as interações entre locais
distintos e a pensar sobre regiões ou hemisférios inteiros, como parte de uma
experiência afrodescendente interconectada. Há muitos casos em que tal olhar é
útil. Mas o foco em questões como orientação patriótica ou até mesmo a
manutenção de limites sociais podem também limitar a pesquisa. Em última
análise, a música negra é mais do que suas conexões diaspóricas; a música negra
só emerge como uma categoria significativa em relação à música branca e a
outro tipo de música não-negra, e dentro da experiência social negra é definida
em grande parte através do contato com o povo branco e com outros grupos.
A música do Caribe Hispânico traz à baila algumas dessas limitações do
paradigma da diáspora, dada a diversidade das suas formas musicais, as
categorias raciais complexas e não binárias utilizadas pelos moradores locais, a
variedade de graus de identificação com o patrimônio da diáspora entre estes
povos afrodescendentes, e a frequente presença da música diaspórica além das
comunidades da diáspora.
Como Ben Vinson observou, as noções de negritude no Caribe e na
América Latina podem ser “simultaneamente segmentadas, negadas, e
relutantemente aceitas - durante todo o tempo se transformando em algo que
aparentemente se estende além da negritude”. Um foco sobre as atitudes e usos
da cultura diaspórica na sociedade de forma mais ampla e sobre os quadros
culturais em que tal expressão se desenvolve, deve revelar-se mais útil para
compreender as complexidades da região e ajudar a conceber as formas
polivalentes de negritude que transcendem os paradigmas existentes.

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NOTAS

* Professor da Universidade do Texas. E-mail: robin.moore@mail.utexas.edu


** Luciano Dutra de Oliveira é cientista social pela Fundação Santo André. E-
mail: lucianodutra0@gmail.com.
1 BRUBAKER Rogers. The ‘diaspora’ diaspora. In: Ethnic and Racial Studies, Vol.

28, 2005. pp. 1–19.


2 MILLER, Ivor. Voice of the Leopard: African Secret Societies and Cuba.

Jackson, MS, University of Mississippi Press, 2009.


3 LINARES, María Teresa. La música entre Cuba y España. Madrid, Iberautor

Promociones Culturales, S.L, 1998.


4 STEWART, Gary. Rumba on the River: A History of the Popular Music of the

Two Congos. New York, Verso, 2000.


5 GURIDY, Frank A. Forging Diaspora. Afro-Cubans and African Americans in a

World of Empire and Jim Crow. Chapel Hill, NC, University of North Carolina
Press, 2010.
6 FLORES, Juan. The Diaspora Strikes Back: Caribeño Tales of Learning and

Turning. New York, Routledge, 2009.


7 LÓPEZ, Magia. “La llaman puta.” On CD accompanying the DVD La Fabri-

K: The Cuban Hip Hop Factory, produced by Lisandro Pérez-Rey. Havana, Miami
Light Project, 2005.
8 cf. 00:57-01:54
9 cf. GILROY, Paul. The Dialectics of Diaspora Affiliation. In: Back, Les and

John Solomos, Eds. Theories of Race and Racism. London: Routledge, 2000, pp.
566-67
10 Ibidem. pp. 568-69.
11 VINSON, Ben. Introduction: African (Black) Diaspora History, Latin

American History. The Americas vol. 63, July 2006, p. 4.


12 ZELEZA, Paul Tiyambe. Rewriting the African Diaspora: Beyond the Black

Atlantic. African Affairs 104/414, Jan 2005, p. 37.


13 RIVERA, Angel G Quintero. Salsa, Sabor y control: sociología de la música

tropical. San Juan, Puerto Rico, Siglo Veintiuno Editores, 1999.


14 BRUBAKER, 2005, p. 6.
15 HALL, Stuart. Cultural Identity and Diaspora. In: Jana Evans Braziel and

Anita Mannur, Eds. Theorizing Diaspora. Oxford: Blackwell, 2007, pp. 233-246.
16 ver GARCIA, David. Arsenio Rodríguez and the Transnational Flows of Latin

Popular Music. Philadelphia, Temple University Press, 2006.


17 ver MOORE, Robin. Music of the Hispanic Caribbean. New York, Oxford

University Press, 2010, pp. 127-33.


18 N.T. Blackface é uma forma de maquiagem teatral realizada nos séculos XIX

e XX, primeiramente nos Estados Unidos em shows de menestréis e mais


frequentemente em shows de vaudeville em que os artistas brancos pintavam-se
de pretos criando uma forma estereotipada de pessoas negras.
19 ver ROBREÑO, Eduardo. Teatro Alhambra: antología. La Habana, Editorial

Letras Cubanas, 1979; MOORE, Robin. Nationalizing Blackness. Afrocubanismo


and Artistic Revolution in Havana, 1920-1940. Pittsburgh, PA, University of

318 Projeto História, São Paulo, n. 44, pp. 305-319, jun. 2012
Pittsburgh Press, 1997; LANE, Jill. Blackface Cuba 1840-1895. Philadelphia, PA,
University of Pennsylvania Press, 2005.
20 LANE, 2005, p. 76.
21 LIPSITZ, George. How Racism Takes Place. Philadelphia, PA, Temple
University Press, 2011, p. 215.
22 OMI, Michael and WINANT, Howard. Racial Formation in the United States.

New York: Routledge/Kegan Paul, 1986, p. 56.

Data de envio: 21/07/2011


Data do aceite: 014/10/2011

Projeto História, São Paulo, n. 44, pp. 305-319, jun. 2012 319

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