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Domingo, 5 de Abril de 2020 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 10.

ARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 10.938 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Epidemias
Apocalipse zombie,
sem efeitos especiais P14/15
Portfólio Para que muitos
possam ficar em casa, há
muitos que saem dela P10 a 13

PAULO PIMENTA

Júlio Machado Vaz


“A sociedade está rendida ao que é jovem
e à aparência, os mais velhos não são valorizados”
P4 a 9
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2 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

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Entrevista Portfólio Ciências Sociais
Índice Júlio Machado Vaz
“Tenho hoje uma
Eles sabem
que não
em Público (I) Epidemias
Apocalipse zombie,
maneira mais saudável podem parar sem efeitos especiais
de olhar a vida”

Não queremos voltar Desalinho


Cristina Sampaio
à normalidade

O que é meu é teu


Vítor Belanciano

V
oltar à normalidade. É mos tão impreparados para a catás-
a frase destes dias. Há trofe, apesar dos avisos dos cientis-
desejo de que tudo vol- tas, os mesmos a quem pedimos uma
te ao que era. Mas tam- vacina e de quem tantas vezes dize-
bém surgem vozes a mos que se limitam a viver à conta
proclamar que regres- do Estado. E quem diz cientistas diz
sar ao passado nem pensar, se isso artistas, os mesmos que na quaren-
signiÆcar décadas que arruinaram tena nos nutrem o espírito e o senti-
sistemas de saúde, habitação, segu- do de comunidade.
rança social e ambiente, colocando- E quem diz estas actividades diz
se o lucro à frente do bem-estar das outras, tantas vezes menosprezadas,
comunidades e do planeta. que garantem a assistência, a comu-
Vivemos tempos simultâneos. Por nicação, a informação, a administra-
um lado, a resposta imediata e a tra- ção e o pensamento. Será que aquilo
gédia, com famílias enlutadas que que valorizamos como coragem in-
nem conseguem enterrar os mortos, dividual, por mais abnegados que os
e um número incalculável de pessoas proÆssionais da saúde possam ser,
que Æcará desempregada. E por ou- não é aÆnal sintoma da falência de
tro, reÇectir o futuro imediato, para um sistema que deixa os mais des-
que não voltemos ao que nos trouxe protegidos morrer, porque preferiu
aqui e conjecturar outros rumos. salvar bancos em vez de hospitais?
O que está a acontecer não tem Que optou por premiar líderes que
qualquer virtude. Mas também não levaram empresas à falência, em vez
é um castigo divino da natureza, ou de dar condições aos proÆssionais
uma guerra, como a política nos faz de saúde, e a outros, que hoje se re-
crer, quando o momento deveria ser velam essenciais, cuja única opção
o de aÆrmar a semântica da empatia, há anos foi rumar ao estrangeiro?
da solidariedade, dos cuidados, do De que normalidade falamos? Uma
conhecimento e da cooperação, tan- onde as vítimas são aplaudidas como
to microlocal como global. heróis, depois de gestos sacriÆciais, A seguir
Esta é uma crise sanitária excep- perante um sistema que prefere es-
cional, resultante de uma pandemia quecer os vulneráveis para engordar Candidaturas à Linha de Apoio de Emergência às Artes
que se deseja conjuntural, que expôs o capital Ænanceiro? O vírus mata,
insuÆciências estruturais ao nível do mas também políticas de saúde adia-
sistema de saúde, e não só, e que terá das. Queremos voltar às lógicas que Estão abertas até amanhã as apresentação facultativa ou
consequências nas mais diversas ex- nos últimos anos desvalorizaram o candidaturas à nova Linha de projectada para o futuro. Podem
tensões da nossa existência. trabalho, tratando-o como custo? Ou Apoio de Emergência ao Sector candidatar-se instituições e
Nesse sentido, voltar ao normal, viver apenas do turismo, continuan- das Artes, integrada no quadro artistas que estivessem nos
não é opção. Não é suÆciente olhar do a acreditar na miragem do cres- de medidas excepcionais por últimos seis meses a trabalhar
a pandemia como acidente, sem tirar cimento económico permanente? causa do surto de covid-19. Com nas áreas dos projectos com que
daí consequências. Até agora temos O momento que estamos a viver o valor de um milhão de euros, se candidatam e que tenham
enfrentado com urgência o vírus. tanto pode resultar em mais austeri- esta linha é Ænanciada pelo veriÆcado uma paragem total ou
Mas também há uma expiação colec- dade, autoritarismo e quanto menos Fundo de Fomento Cultural do parcial das suas actividades
tiva que nos leva a erigir heróis (mé- democracia melhor, ou construir um Ministério da Cultura e devido à pandemia. Cada
dicos e enfermeiros, ou quem pro- espaço onde a democracia seja com- destina-se a apoiar instituições e projecto poderá ser apoiado
põe lógicas sacriÆciais por bem-in- patível com o máximo de equidade artistas nas áreas das artes com montantes até 20 mil
tencionadas que sejam, como social, política, cultural e económica. performativas, artes visuais e de euros, no caso das instituições, e
Ramalho Eanes, ou Suzanne O que está a acontecer não exige ape- cruzamento disciplinar. Os até 2500 euros, no caso de
Hoylaerts, a belga de 90 anos que nas reacção. Exige também agir de apoios a conceder destinam-se a artistas. As propostas à linha de
morreu depois de ceder um ventila- forma que abra espaço para a mu- projectos que prossigam emergência devem ser enviadas
dor) e que nos abstrai. dança. Não se fará tudo de uma vez. objectivos de interesse cultural, por email (cultura.covid19@mc.
Nesse movimento acabamos por Mas outra normalidade é precisa. podendo incluir apenas o gov.pt) e o formulário está no
não interrogar o que se passa de er-
rado com o nosso sistema para estar- Jornalista SOS cultura período de concepção e
desenvolvimento, sendo a
site da DGArtes e em www.
culturacovid19.gov.pt
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 3

Ficha técnica

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Entrevista Estar Bem Crónica Opinião
Laura Spinney Respostas Quando Os tempos Director Manuel Carvalho
Directora de Arte Sónia Matos
“Só vamos aprender terapêuticas regressamos ao vão mudar? Editor Sérgio B. Gomes
a lição se morrer aos interesses velho normal? Designers Marco Ferreira e Sandra
muita gente” sexuais atípicos Silva Email sgomes@publico.pt

O valor do humano

À
pergunta “de que casa. A enfermeira não janta com internacional com exércitos, nacionalizar, racionalizar,
tem mais a família. Os velhos, nos lares, Grande angular provocações, inimigos e batalhas. impedir o desemprego e a
saudades?”, fogem uns dos outros. António Barreto Não é nada do que conhecemos. falência.
respondeu “do As chamadas grandes guerras Uns sabem o que se passa.

E
amor”. Ou então, ste é o terror. Que mundiais, a primeira e a segunda, Outros o que deve ser feito. Toda
“da minha tentamos esconder. são história. As gripes e as pestes a gente quer aproveitar a
liberdade”! Ou, ainda, “dos meus Com a televisão e as são história. As crises do petróleo, pandemia para realizar as suas
amigos”. séries. Com os a descolonização, as invasões e as fantasias. Os tolos querem acabar
Estes são os tempos em que a computadores e os guerras civis na antiga Jugoslávia, com o capitalismo. Os idiotas com
mulher não pode abraçar o telemóveis. A no Próximo Oriente e na Ásia do o socialismo. Os desavergonhados
marido que vai morrer. A família arranjar estantes. A arrumar Sudeste já são história, foram desejam ganhar dinheiro. Os
não está autorizada a enterrar o roupa. A ler e reler livros. A reais e terríveis, mas não são tresloucados pretendem
avô. O homem que vai trabalhar escrever. A organizar comparáveis ao que temos aí! conquistar o poder. E os
não se pode despedir da mulher. correspondência. A idealizar Aqui, agora, ninguém ataca intriguistas dedicam-se a
Os Ælhos não podem visitar a power points e trabalhos de ninguém. Ninguém abate encontrar culpados. Os
mãe. O namorado está interdito computador. A arranjar as ninguém, mas são homens e ressabiados procuram denunciar
de beijar a namorada. A mãe não fotograÆas de família. A reparar mulheres abatidos. As vítimas não os trafulhas. E os vigaristas só
pode acariciar o Ælho. Os amigos máquinas. A coser roupa. A são escolhidas. Os vírus não pensam em aproveitar. Verdade é
não jantam juntos. Os irmãos limpar a casa. A dormir. A matam de preferência brancos, que sabemos tão pouco!
estão proibidos de se encontrar. descansar. É o terror que negros, indianos ou índios. Não No início deste desastre, todos
Os Æéis não rezam aos seus queremos disfarçar com tarefas e perguntam a religião nem o sabiam tudo, os loucos perderam
deuses. Os cristãos não estão projectos adiados. partido político. Não querem a cabeça e disseram o que já
juntos pela Páscoa. Os É este desastre que tentamos saber que línguas falam as esquecem. Passados os primeiros
muçulmanos não vão à mesquita. perceber. Ou explicar. Mas apenas vítimas. O que não quer dizer que tempos, os que tudo sabem
Os judeus não frequentam a conseguimos encontrar o valor os países pobres não sejam mais começaram a acalmar-se. Os
sinagoga.
Estes são os dias em que os
humano da nossa vida. O valor do
presente. Para todos nós, para Parece história, vulneráveis, que os Estados sem
estruturas não sejam mais frágeis
políticos que cometeram erros
enormes agora corrigem. Outros
trabalhadores estão condenados
à paragem forçada. As máquinas
quase todos nós, o terror é
história. O que vivemos e nos mas história e que as nações mais povoadas e
menos desenvolvidas não sejam
deram garantias demagógicas,
agora acalmam-se. Mas muitos,
imóveis nas fábricas. Os aviões
Æcam alinhados na pista. Os
preparamos para viver não tem
termos de comparação. Nem é a não é. É hoje. mais fracas. E a verdade é que,
por enquanto, os países mais
cada vez mais, percebem que são
os homens e as mulheres que
carros eléctricos andam vazios. O peste ou a cólera. Nem a varíola poderosos do mundo são os que estão em causa. Os sentimentos e
mercado não tem clientes, nem ou o sarampo. Ou a tuberculose e Vivemos uma actualmente exibem os piores as famílias. A vida e o amor.
vendedores. Os comércios não a sida. Não que essas sejam ou indicadores. Mas não sabemos se Afaste-se a mentira e a demagogia,
têm produtos para os quais, de
qualquer maneira, não há
tenham sido mais brandas, talvez
não tenham sido. Mas foram em
crise no os países mais frágeis e mais
pobres da Ásia, de África ou da
festejemos a razão e aceitemos a
lágrima. A ciência e a pieguice
compradores. Os cinemas não
exibem Ælmes. O restaurante não
tempo mais largo e espaço menor.
Foram mais lentas. As notícias e
presente e no América Latina não venham a ter
crises iguais ou piores.
fazem parte do humano. São
humanas. A lágrima fácil e o
serve refeições. O quiosque não os vírus demoravam anos a futuro, sem raciocínio frio. O oportunismo e a

P
vende jornais. Os hotéis não espalhar-se. E também não é a arece história, mas sensatez. A aÇição e a serenidade.
recebem turistas. A excursão foi
adiada. As salas de museus
gripe espanhola nem a asiática,
que, para todos nós, são história e
saber ou história não é. É hoje.
Vivemos uma crise no
Todos são humanos. Como
humana, é esta sensação de que a
encontram-se vazias. As
redacções dos jornais estão
nunca pensámos que poderiam
ser actualidade. Nem ocorreu que
suspeitar do presente e no futuro,
sem saber ou
ciência avançou tanto e a vida
mantém-se tão frágil.
fechadas.
Vivemos um presente em que
poderiam voltar a ser verdade.
Mataram vidas, milhares ou
desenlace. suspeitar do
desenlace. Queremos saber tudo,
Mas o valor do humano não
está na suÆciência nem na
os velhos não jogam à sueca no
jardim. Os fãs não assistem ao
milhões. Mas não ameaçavam a
vida. Queremos já, mas nem sequer sabemos se
estaremos cá para contar. E,
presunção. O real valor do
humano está na generosidade e
desaÆo de futebol. O bando não
vai à noite beber copos e ouvir
É terror, não é guerra, não há
inimigo a abater, não há saber tudo, já, todavia, há tantos que sabem
tudo! Tantos que têm a certeza
na entrega. Na procura e na
humildade. Até na fragilidade.
música. As velhotas não fazem
tricot à beira da porta, na
adversário a estudar e a derrubar.
Não é crise económica, com mas nem das máscaras, das luvas e das
viseiras. Tantos que têm a certeza
Por isso, é preferível a incerteza
do biólogo, a dúvida do
má-língua. Os professores não
ensinam diante dos seus alunos.
indicadores, subsídios,
indemnizações, esmolas, sequer sabemos do que deve ser feito nas ruas,
nos comércios, nas escolas e nos
virologista e a cautela do médico
à certeza do político, à
Os estudantes não ouvem aulas. assistência e direitos sociais. Não hospitais. Tantos que têm soÆsticação do sociólogo e à
As Ælarmónicas não tocam. Os
coros não cantam. As equipas não
é crise com manipuladores dos
preços e especuladores das
se estaremos cá programas impecáveis para
reabilitar já a economia, evitar a
garantia do economista.

jogam. O médico não dorme em Ænanças. Não é conÇito para contar crise social, distribuir dinheiro, Sociólogo
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“Tenho
hoje uma
maneira mais
saudável de
olhar a vida”
Entrevista Júlio Machado Vaz Em À Escuta dos Amantes, conhecemos
alguns dos seus eternos amigos, como o médico Sobrinho Simões,
que é mais do que um irmão, e o seu lugar de refúgio, o seu “covil”,
em Cantelães, para onde levou as cinzas dos seus pais
Por Bárbara Wong texto e Paulo Pimenta fotografia
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 5

P
rogramas de rádio, de
televisão e 20 livros depois,
as reÇexões do médico
psiquiatra Júlio Machado Vaz
não são novas para os
leitores, mas é no livro À
Escuta dos Amantes, editado
pela Contraponto, que é
revelada uma faceta mais íntima, numa
espécie de autobiograÆa onde o autor dá a
conhecer os seus pais — foi Ælho único do
professor universitário Júlio Machado de
Sousa Vaz e da cantora Maria Clara —, o seu
famoso antepassado, o bisavô e Presidente
da República Bernardino Machado.
Ao longo das páginas deste livro,
conhecemos alguns momentos da sua
prática clínica que dura há 40 anos — é no
consultório que foi do seu pai, no Porto,
que Júlio Machado Vaz recebe o PÚBLICO,
num dia de Inverno, de chuva puxada a
vento que bate furiosa nas janelas antigas,
ainda a crise do coronavírus se encontrava
na China —; momentos esses que dão o
nome ao livro. Mas não só, porque no ano
em que fez 70 anos, em 2019, o médico
decidiu também reÇectir sobre a sua vida, a
vida do seu país, assim como convida o
leitor para uma viagem pelo seu gosto
literário e musical.
Em À Escuta dos Amantes, conhecemos
alguns dos seus eternos amigos, como o
médico Sobrinho Simões, que é mais do
que um irmão, e o seu lugar de refúgio, o
seu “covil”, em Cantelães, para onde levou
as cinzas dos seus pais.
Este livro é uma espécie de
autobiografia, escrito num discurso
livre, por associações. Foi uma opção
escrever assim?
Sim, foi uma opção perfeitamente
deliberada. O ano de 2019 foi muito pesado
e não precisava de escrever um livro. Mas,
em termos simbólicos, os 70 anos foram a
primeira idade sobre a qual me retive.
Porquê?
Quando eu Æz 50 anos, meu pai morreu.
Quando Æz 60, o que restava de minha mãe
[estava com Alzheimer há 12 anos] morreu.
E eu tive essa sensação das décadas. Aos 50,
não sabia para onde me virar; aos 60,
também não e aos 70 disse: “Alto e pára o
baile! Neste momento, quem está na linha
da frente para ir para a árvore de Cantelães
sou eu!” Apetecia-me escrever, em
associação livre, é verdade e a escrita
paciÆcou-me um bocado.
Estamos em 2020, já passou o medo dos
70 anos?
Em termos estatísticos, em teoria, eu não
chego aos 80... Os homens vivem menos
que as mulheres.
Os casados vivem mais?
Sim e eu vivo sozinho (risos). Portanto,
tenho mais risco. Tive a necessidade de
fechar um capítulo. Estava a receber mais
de 400 convites, de todo o lado, congressos
médicos, escolas, IPSS.
E está a recusar?
As pessoas têm sido muito compreensivas.
Digo-lhes que o que está marcado está; mas
não aceito mais nada. O ano de 2019 foi
pesado porque a clínica psiquiátrica é
pesada. As pessoas felizes não vêm cá fazer
nada. Estar bem e pagar a um psiquiatra é
um caso psiquiátrico! Ao Æm de 40 anos, eu
não sei o que é rotina porque ouço sempre
novas histórias, em que se aplica a velha
frase de “a realidade ultrapassa a Æcção”.
Depois, há a clínica em Adaúfe [o centro de
atendimento a toxicodependentes], c
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que eu continuo a supervisionar. Depois —


lá está, porque fazia 70 anos —, pensei que
eu e o Manel [Sobrinho Simões] podíamos
fazer qualquer coisa que Æcasse e daí
nasceu o Old Friends [um programa na
Antena 1]. Tudo dá trabalho, porque somos
os dois obsessivos e vamos ler artigos para
nos prepararmos para o programa. E
depois, a Multicare convidou-me para fazer
28 episódios daquilo que eu ando sempre a
reivindicar: sou professor de Antropologia
Médica e não sexólogo — embora tenha
gostado muito de fazer o Sexualidades [na
RTP], ainda há pessoas que ligam para aqui
e perguntam: “O senhor professor, além de
sexo, também fala de outras coisas?”
Caramba, eu sou psiquiatra especializado!
Ou seja, pôde falar sobre temas de que
gosta?
Sim e era um convite irrecusável porque foi
gravado na Casa da Arquitectura, em
Matosinhos, que foi feita pelo [meu Ælho]
Guilherme. Portanto, nem morto dizia que
não! Foi muito bom, mas tudo isso é muito
cansativo e cheguei ao Æm de 2019 quase
numa postura supersticiosa de “não tentes
demasiado a sorte”. Também foi pesado em
termos da Çoresta dos afectos, porque cada
vez vai haver mais clareiras e morreram
algumas pessoas por quem tinha muita,
muita estima. Havia uma coisa mesmo
supersticiosa.
Uma morte em cada data redonda?
Sim, havia qualquer coisa que me dizia “se
chegares a 31 de Dezembro, não comes
passas, nem te pões em cima de nada, mas
no dia 1 de Janeiro mudas um bocado de
vida”. Pronto. Até agora tenho cumprido,
mas posso ter uma recaída a qualquer
momento...
Teme a solidão e também a doença,
nomeadamente o Alzheimer?
Sim, sim. Há uns tempos fui convidado para
o programa Uma Questão de ADN, da TSF,
com o Guilherme e perguntaram-lhe se o
preocupava aquilo que eu tinha escrito no
livro, de sentir o declínio (minha mãe teve
Alzheimer e meu pai teve três enfartes de
miocárdio). E o Guilherme, que fez um
sucesso nas ondas hertzianas, disse:
“Absolutamente nada, o meu pai tem
sempre qualquer coisa, é hipocondríaco. A solidão não é só na velhice. Hoje género: numa viuvez, nos dois anos
Portanto, eu e o meu irmão já nem ligamos temos jovens que se sentem muito sós, seguintes, a probabilidade de um homem
a isso!” A desqualiÆcação absoluta! (risos) apesar de estarmos cada vez mais viúvo morrer é maior do que a de uma
Portanto, pode estar mesmo doente que ligados. mulher viúva, porque elas têm maior rede
os filhos não ligam nenhuma? Isso é verdade, mas ligados como? Vivemos de suporte. O que dizem os artigos
O Guilherme disse no programa que eu num registo muito superÆcial de cientíÆcos é que o casamento, em termos
estava óptimo para 70 anos, o que é comunicação, em que, verdadeiramente, o de saúde, é um melhor negócio para os
verdade. É evidente que aos 70 tenho todo
o direito de começar a ter algum déÆce
que se troca é sound bites, informações
funcionais e isso pode gerar um sentimento
Só uma vez assisti homens do que para as mulheres.
Contudo, elas vivem mais.
cognitivo. Agora, o que eu digo aos meus
Ælhos é: “DesaÆo-vos a encontrar uma
de profunda solidão. Ainda ninguém
sonhava com uma coisa chamada Facebook
a uma discussão São muito resilientes. A mulher foi
sistematicamente aprisionada à biologia, à
pessoa que tenha um dos pais com
Alzheimer que consiga encarar um
e já tinha pessoas aqui a dizerem-me “eu
sinto-me profundamente só e somos sete lá
de meus pais natureza e há uma visão essencialista que as
mulheres são dominadas pelas emoções e
esquecimento como algo normal.” Há
sempre, em pano de fundo, a ideia “e se isto
em casa”. A pessoa pode ter uma sensação
de que não há comunhão de interesses, não e minha mãe os homens são racionais. Felizmente, até
para nós, psiquiatras, o [António] Damásio
é o começo?” Minha mãe, que nos últimos
anos nem nos reconhecia, começou com
há empatia. E, pelo contrário, podemos
estar sozinhos sem nos sentirmos sós. Em disse-me que só deu-nos respeitabilidade quando disse que
isso da razão pura não existe. Mas foi
pequenas coisas. O fantasma é
perfeitamente natural.
Antropologia Médica, há autores que dizem
— o que é fascinante! — que uma pessoa que uma vez ouviu sempre assim: a razão é masculina e a
emoção é feminina. A esfera pública é
E a solidão, tem medo? tem uma boa rede de suporte social está masculina, a privada é feminina. E as
Eu vivo sozinho, mas não vivo só e isso é
uma diferença extraordinária porque eu
mais protegida em termos de saúde física e
mental do que uma que não tem. E
um palavrão da mulheres tiveram de sobreviver a isso tudo.
E depois a caminhada para uma igualdade
adoro viver sozinho — com os meus livros e
a minha música —, mas também devido à
conseguiram provar uma coisa ainda mais
bonita que é: mesmo que não utilizem essa
boca de meu pai de direitos e deveres — que ainda não
terminou —, sobre certos aspectos, foi uma
proÆssão eu não estou só, porque a minha rede, o simples facto de saberem que ela acumulação de mais tarefas para as
proÆssão é ouvir e falar. O silêncio é uma existe é um factor protector. Portanto, a mulheres. Há gente na Antropologia da
bênção extraordinária! Agora, a solidão solidão é um factor de risco. Sexualidade que fala das
assustar-me-ia muito. A solidão é quando E viver sozinho? “mulheres-orquestra”, porque mantiveram
não temos os outros. Eu vivo sozinho há Também — não gosto nada de ler essa muito daquilo que era da sua
40 anos, uma vida. parte... Mas há aspectos que tocam o responsabilidade a nível familiar e passaram
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FACEBOOK DA ANTENA 1
momento, é o Æm do mundo. Com o passar
da idade, há, realmente, um rever de
hierarquias.
Relativizamos?
Sim. Eu hoje sou capaz de pensar duas ou
três vezes antes de decidir ou entrar num
conÇito. Há 20 ou 30 anos, não seria assim.
Depois, há outras questões como, por
exemplo, [a casa de] Cantelães, que tem 20
anos, mas gozo-a hoje de uma maneira que
aos 40 não seria capaz de gozar.
Com a idade, regressamos ao passado?
Sou Ælho único, contra o meu voto (risos)...
... Quando era miúdo pedia para ter
irmãos?
Então não pedia!? Eu intuía, sem sequer
conhecer a palavra, que em minha mãe
havia ambivalência e que a resistência era de
meu pai. Eu era mínimo e, uma vez, minha
mãe cedeu e disse-me: “Pede ao teu pai [um
irmão].” Eu era mínimo e telefonei a meu
pai, que foi o homem mais educado que
conheci em toda a minha vida, e
respondeu-me secamente do outro lado:
“Gastou uma chamada por causa disso?
Vemo-nos ao jantar.” Eu disse a minha mãe,
que percebeu que eu estava varado, e penso
que Æcou arrependidíssima. O que é que
aconteceu? Eu nasci com quatro quilos e a
coisa esteve feia. A minha avó materna vivia
connosco e contou-me que meu pai, no
corredor, dizia: “Se isto se resolver, nunca
mais, nunca mais.” Marcou-o de tal maneira
que quando eu anunciei a segunda gravidez
da minha ex-mulher, meu pai disse-me: “Mas
quer abusar da sorte?” Viveu a segunda
gravidez num permanente estado de alerta.
Como é ser filho único?
Fui Ælho único numa família enorme. Meu
bisavô teve 17 ou 18 Ælhos. Eu cresci nas
ilhas da Anselmo Braamcamp, na zona do
BonÆm [no Porto], e aprendi a falar com
toda a gente, com as visitas de meu pai à
noite, que era tudo salamaleques; e com
gente que vinha à janela e se virava para os
Ælhos e dizia: “Anda jantar, meu Ælho da
puta!” Tive sempre a nostalgia das grandes
mesas. Numa determinada altura, quando
estava a fazer o Sexualidades, também tinha
essa sensação de que não podia continuar
àquele ritmo. Na altura, cheguei aos 80
a ter as questões laborais. deveres iguais, mas não há perda de direitos Família e amigos quilos, de tal maneira que tinha episódios
Isso confirma-se nos estudos que adquiridos. Portanto, tu continuas a pagar e Na página anterior, Júlio Machado de apneia de sono. Tinha a minha rotina
contabilizam as horas de trabalho e seguras-me na cadeira para eu me sentar!” Vaz com os pais; em cima, com aqui, ia gravar a Lisboa, metia-me no carro,
concluem que as mulheres trabalham Às vezes, há um receio de dizer qualquer Manuel Sobrinho Simões, seu amigo no Ænal das gravações, e vinha com a
mais horas do que os homens. coisa que não esteja alinhado com o que a de longa data, com quem faz o música aos berros. Nessa altura, os convites
E trabalham! Há questões deliciosas nisso, maioria ou com o que uma minoria, que programa Old Friends, na Antena 1. das escolas era um despautério e não me
nós, homens, adoramos dizer e, às vezes seja capaz de mobilizar autênticos “Dá trabalho, porque somos os dois sentia no direito de dizer não porque tinha
peço desculpa — outras vezes não peço autos-de-fé, pensa e isso assusta-me um obsessivos e vamos ler artigos para a noção que, mais dia, menos dia, iam-me
porque o politicamente correcto chega a bocado. nos prepararmos para o programa” cortar o pio.
extremos —, mas nós adoramos dizer “eu Porquê? E cortaram?
ajudei”, não dizemos “eu partilhei”. Vou-lhe dar um exemplo, às vezes há uma Não, mas puseram-me às muitas da manhã,
Ajudar? Dá a entender que eu não tinha graçola e eu rio-me. Há graças inaceitáveis, aspecto, os mais velhos acabam por ter um no segundo canal.
obrigação. Costumava dizer aos meus mas há outras que não e que se entra num estatuto que não é valorizado. A mensagem Porque Portugal não estava preparado
alunos que, às vezes, o machismo é como a exagero... Eu tenho 70 anos e tive muitos que se passa é: ora aqui estão maneiras de para falar sobre sexualidade?
hemoÆlia, ataca os homens mas é anos de experiência de pesar o que dizia e, Ængir que não está a envelhecer, quando o Portugal estava, havia era pessoas que não
transmitido pelas mulheres. Muitas agora, por razões diversas, acabar nisso não ideal seria ajudar as pessoas a estavam!
continuam a educar os rapazes de maneira me agrada. envelhecerem bem. Sentia que não podia continuar naquele
diferente. O meu Ælho mais velho faz tudo o Chegamos a uma altura em que Como é que se envelhece bem? ritmo.
que a mulher faz em casa. pensamos: “Eu já estou numa idade em Não fazendo do envelhecimento um drama. Os meus primos mais velhos ainda
Falava do politicamente correcto, por que posso dizer tudo”? Se conseguimos uma progressiva contavam histórias de Paredes de Coura, a
vezes chega a ser inquisitorial, é culpa Não, de maneira nenhuma. Se estivermos paciÆcação com o passar dos anos — quinta da família. Meu pai contava que, às
das redes sociais? lúcidos, a idade traz-nos outro tipo de aconteceu-me a mim o que vi acontecer a vezes, eram 44 e que dormia em cima da
As redes sociais são capazes de responsabilidades. Embora esta sociedade outros: determinadas questões que me mesa de bilhar. Isto para um Ælho único era
linchamentos. Eu tenho uma amiga, desde seja cruel com os mais velhos e os infernizaram a vida aos 40, hoje, penso que o paraíso! Tive sempre uma fantasia: se um
os 17 anos, com quem janto uma vez por discrimine, eu fui educado com a ideia de não foi nada. Na adolescência, também dia tiver dinheiro, vou comprar uma quinta
mês, eu sempre paguei e, um dia, de que os mais velhos tinham mais temos dramas, parece que o mundo vai e a mesa vai estar sempre cheia. Estava a
provocação, disse-lhe: “Isto está a mudar, experiência, essa generalização é sempre acabar; quando somos mais velhos, gravar o Sexualidades e um dos meus
com a igualdade, quando é que pagas tu?” E falsa porque conheço adolescentes com 60 dizemos coisas terríveis como “ó querido, amigos mais queridos ligou e disse que
ela disse-me: “Tu ainda não percebeste qual anos. A nossa sociedade está muito rendida nem imaginas quantas namoradas ainda precisava de falar comigo. E eu liguei de
é a minha visão do feminismo: direitos e ao que é jovem e à aparência e, nesse vais ter” e é desadequado porque, naquele volta, naquele tempo o telefone era c
8 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

Æxo, e disse-me que estavam a vender uma deprimido?


quinta em São Pedro do Sul a um preço A maneira mais simples de responder é:
espantoso e se queria comprar com ele. quando eu deprimi, ainda não era
Comprámos, recuperámos a casa e nem psiquiatra, ainda não tinha feito o exame
uma noite dormimos nela. Nós não (risos).
tínhamos ligação a São Pedro do Sul. A pergunta é estúpida porque qualquer
Perguntei aos meus Ælhos onde gostavam de médico pode adoecer, mas não conhece
ter uma casa e eles responderam que o psiquiatra as ferramentas que evitem
queriam no Gerês. Disse-lhes que não a depressão?
porque encontraria as pessoas com quem Em primeiro lugar, eu como tantas outras
me cruzo de segunda a sexta no Porto. Fui a pessoas, sem me aperceber, fugia à frente
uma imobiliária e disse que queria um da depressão.
terreno para construir uma casa, o Porque não queria ver as evidências?
Guilherme estava a acabar arquitectura; É natural. E, aí, ser médico ainda me dava
disse que queria a dez ou 15 minutos do mais armas porque somatizava. Tinha uma
Gerês e levaram-me para a Cabreira. Vimos crise de ansiedade e decretava que era
terrenos atrás de terrenos, até que, mesmo hipoglicemia. Tive a sorte de o meu amigo,
ao Æm da tarde, o senhor disse que tinha que ainda hoje é meu cardiologista, o
um muito isolado. O carro não chegava doutor Pedro van Zeller, um dia numa aula
mesmo ao terreno. Nós descemos e, de prática virar-se para mim e dizer-me:
repente, chegámos e estava uma luz muito “Quando é que deixa de andar à procura de
habitual no Porto, parece prata no rio razões físicas para o seu mal-estar e percebe
Douro, e o Guilherme disse-me: “É isto.” que está angustiado?” Não havia em mim o
Conseguiu transformar Cantelães na preconceito. Eu como bom hipocondríaco
casa de família? estava convencido de que umas vezes era
Em 20 anos, a família nunca esteve lá toda isto e outras era aquilo.
uma semana. O que faz pouco sentido. O E como é que decide fazer Psiquiatria?
pormenor com piada: cresci a ouvir meu Fui para Medicina graças a uma campanha
pai a falar da velha quinta de Mantelães, muito bem orquestrada por minha mãe e
sobre a qual escreveu Aquilino [Ribeiro], não sabia que especialidade seguir. Estava a
que era meu tio-avô por aÆnidade, e eu terminar e a ver a Guerra Colonial e, de
acabei em Cantelães. Qual foi o meu grande repente, entrei em Psiquiatria e pensei
falhanço? Não cheguei a ver meus pais lá. “pelo menos aqui fala-se mais com as
Mas estão lá. pessoas”. Quando disse a meu pai, aqui [no
Estão lá à minha espera. Isso foi doloroso consultório], caíram-lhe os queixos e disse:
porque o Guilherme construiu uma casa “O que é que se faz em Psiquiatria?” Esta foi
que é uma varanda sobre a Cabreira e eu sempre discriminada pela Medicina.
tinha sonhado com uma grande mesa, com Ouvimos sempre protestos sobre a
meus pais à cabeceira. Não fui a tempo. preocupação com a saúde mental, mas dizem: “O senhor esteve deprimido, fez um abrandar, mas tenho tido saúde, estou
Diz no livro que os seus pais foram os grande parte das vezes a discriminação vem programa de televisão, então pode-se sair paciÆcado com a vida. Se Deus mandasse o
primeiros amantes na sua vida. da Medicina. disso.” arcanjo Gabriel dizer-me: “Tu não morres,
Foi um amor lindíssimo de ver. Estava a Porque não há evidências? No livro, conta que a sua mãe dizia que com que idade queres estar?” Eu diria “70”,
escrever o livro e a pensar: vai haver Não há evidências! Soube que na Suíça se o professor andava sempre à procura, porque tenho hoje uma maneira mais
pessoas que vão ler e pensar mal de minha fazia psicoterapia, não havia praticamente mas que não sabia o que procurava. Já saudável de olhar a vida. Hoje as minhas
mãe, dizer que ela lhe aturou umas pastilhas [comprimidos] e Æquei fascinado. sabe? hierarquias diÆcilmente mudarão muito e
maroteiras e devia ter feito alguma coisa. Fui para a Suíça e tinha as condições ideais (Risos) Estava-me a rir porque o meu receio isso é uma paciÆcação.
Eles festejaram os 50 anos de casados e não para deprimir, começaram a chegar cartas é que continuo a não saber! Teve algumas zangas com o seu pai e os
sabiam porque já estavam demenciais, e de meus pais que tinham saudades dos Aparentemente, em termos pessoais e assuntos ficavam sempre resolvidos?
estava naquela mesa e pensei que foi um netos e comecei a afundar. Estava profissionais, o professor está realizado. Toda a minha educação esteve na mão de
privilégio. Eu, às vezes, amuava, porque completamente deprimido e, quando Por isso, o que se procura aos 70 anos? minha mãe, que pressentia que entre nós
percebia que não era indispensável naquele voltei, comecei a fazer psicanálise com o Há um remorso que tenho e me vai [pai e Ælho] havia muita parcimónia,
amor, eles bastavam-se completamente. doutor Jaime Milheiro, tinha 28 anos. A acompanhar até ao Æm, de não ter escrito embora soubesse que nos adorávamos, e
Tentou replicar o amor dos seus pais? minha vida teria sido mais simples se tivesse um segundo romance. tinha truques deliciosos como obrigar-nos a
Pode parecer de uma ingenuidade percebido isso dois anos antes, mas a Mas ainda tem tempo. irmos os dois jantar. Uma vez tivemos uma
escandalosa num tipo de 24 anos, mas eu, psicanálise foi uma opção minha porque Sim, mas não vou escrever por causa de discussão feroz e disse-lhe: “O avô
quando me casei, estava convencidíssimo podia ter optado por antidepressivos, mas Eugénio de Andrade. Eu gostava muito de Presidente [Bernardino Machado] se fosse
de que era para a vida. Fui eu que me quis precisava de perceber o que estava a Eugénio, da sua poesia e do homem, que vivo tinha vergonha de ti!” (pausa) Foi de
divorciar, mas não obsta que não quisesse ir acontecer-me. Fiz quatro anos e meio. Na tinha uma enorme qualidade, dizia na cara. uma agressividade. Meu pai Æcou branco e
até ao Æm. Só uma vez assisti a uma realidade, sobre certos aspectos, estar a Quando lhe dei o meu romance [Muros, de disse: “Sua mãe já deve estar à nossa
discussão de meus pais e minha mãe estudar Psiquiatria não me defendia de 1997], o Eugénio escreveu-me um bilhete a espera. Presumo que esteja de acordo que a
disse-me que só uma vez ouviu um palavrão nada, mas agravava porque havia coisas que dizer: “Cá recebi Muros, que li com muito pouparemos à nossa diferença de opinião.”
da boca de meu pai. começava a ver e não percebia como podia agrado. Tem páginas belíssimas e outras Chegámos os dois a casa como se nada
Esse é um bom exemplo: os pais não resolvê-las. que mostram bem como você não tem tivesse acontecido.
discutirem à frente dos filhos? Continua a existir discriminação em tempo para escrever um romance. Fico à Havia uma reverência pelo “avô
Sim, mas às vezes não há discussões e há relação a quem tem problemas de saúde espera que escreva um romance como deve Presidente”?
um deserto que as crianças sentem. As mental? ser escrito.” Eu não sou um escritor, sou um Os Machados eram todos anti-salazaristas,
crianças não sabem o que se está a passar, Existe e quando tornei público que estive escrevinhador. Para mim, um escritor é viviam na nostalgia de um 25 de Abril, fosse
mas têm uma intuição infalível para deprimido nunca me passou pela cabeça alguém para quem a escrita é o núcleo da quando fosse. Lembro-me de estar na
perceber que algo está mal. Compreendo a que estava a lutar contra a discriminação sua vida. Eu já escrevi 20 livros, mas não Avenida dos Aliados com meu pai e meu
convicção de algumas pessoas de “pelos que existe contra a doença mental. Disse-o interessa porque foi sempre uma coisa avô, quando [Humberto] Delgado veio e
meus Ælhos, eu vou Æcar”, depois há outras naturalmente. Houve colegas que me lateral, em associação livre. meu pai e meu avô estavam abraçados a
pessoas que estabelecem prazos. telefonaram, em pânico, a dizer: “Mas como Como faz neste livro, onde há também chorar porque acreditaram que podia
Até os filhos saírem de casa? é que queres ter um consultório, admitindo páginas de ficção? ganhar as eleições. Quando fomos ver os
Frequentíssimo. Há pessoas que no dia que estiveste deprimido?” Tenho de admitir Sim, discuti muito isso com o meu editor, o resultados das eleições, no BonÆm, meu pai
seguinte aos Ælhos saírem de casa saem. E o que isso me favoreceu. Rui Couceiro, que me disse para não o disse: “Então o almirante Américo Tomás
outro, às vezes, surge aqui e diz-me: “Mas Porque compreende o doente? fazer, porque esse [os trechos que inclui no ganhou com 100%. Eu, pelo menos, votei
não aconteceu nada!” Pois não, já foi Sim, pessoas que chegam aqui e me dizem: livro] é o romance que devo a Eugénio e eu contra...”
decidido há dez anos. A própria questão do “O senhor, se calhar entende, de manhã é respondi-lhe que quero agradecer à Eu tinha uma ciumeira feroz do “avô
divórcio, quando me aconteceu, coincidiu um esforço levantar a persiana.” E eu Occitânia tudo o que me deu e não vou Presidente” porque, fosse qual fosse a
com o período em que estive deprimido. entendo porque passei por aquilo. E, escrever um romance. De vez em quando, conversa, meu pai dizia sempre “sobre isto,
Como é que um psiquiatra fica depois, outras muito práticas que me tenho pessoas que me dizem que devia o avô Presidente disse...” Não se aguentava!
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 9

só senti isso, não em hospital, mas no Queria voltar à saúde mental...


consultório, de início, que apareciam Que tem sido, sistematicamente, a parente
pessoas e eu percebia que a maneira como pobre da medicina, o que é inaceitável. Se
estava vestido as incomodava. houvesse uma maior cobertura de
Iam procurar outro médico? psiquiatras e psicólogos... Onde é que se
Exactamente, eu dava-lhes nomes. Também joga a batalha da sobrevivência? Nos
tinha vantagens, de vez em quando, cuidados de saúde primários. Se estes
apareciam pais com adolescentes e aparecia
eu, que ainda era novo. Noutro dia, As pessoas felizes funcionarem, o resto do sistema Æca mais
desafogado. Hoje vai tudo para as urgências
encontrei uns ex-alunos que me disseram
que se lembravam de mim de jeans e não vêm cá fazer porque nos cuidados de saúde primários
não há uma organização como deve haver e
sapatilhas; e que eu lhes pedia que, se me
desviasse do programa, para me chamarem nada. Estar bem porque, quando há, as pessoas não conÆam.
O meu receio é que um dia destes estejamos
a atenção, e não eram precisos cinco
minutos! Meu pai também era assim, falava e pagar a um a viver da reputação e de recordações de um
Sistema Nacional de Saúde (SNS) que está a
contra Salazar, de política internacional...
Mas isso também faz falta na formação psiquiatra é um desaparecer. E nunca ninguém me ouviu
demonizar o privado, mas o que não pode
dos futuros médicos, saber um pouco de
literatura e cultura? caso psiquiátrico! acontecer é a hierarquia ser alterada. A jóia
da coroa é o SNS.
Dei sempre aulas com slides de matéria com No livro diz que está cansado,
quadros [pintura] e poesia. Nunca me nomeadamente “das perguntas
arrependi. As pessoas gostavam.
Falta só na medicina ou nas engenharias Eu vivo sozinho, repetidas sobre sexos monótonos”.
Isso aí já nem é justo dizer. A televisão
e noutras ciências exactas?
Falta em tudo, tudo. Esta clivagem entre mas não vivo só põe-nos um carimbo na testa e eu tinha o
do Sexualidades. As pessoas não têm a
ciências e humanidades é trágica. Um
médico ou um engenheiro culto será e isso é uma culpa, mas eu andava de escola em escola a
ouvir as mesmas perguntas. Estes últimos
sempre melhor. É espantoso como dizemos
de alguém, com a maior das facilidades, diferença anos têm sido muito gratos porque eu
verdadeiramente do que gosto é de
“tem mundo”. E não transpomos isso para
outras coisas. Nós, médicos, temos uma extraordinária Antropologia Médica. Agora tenho cada vez
mais pedidos para falar sobre a relação
péssima reputação em termos culturais. médico/doente. É mais cómodo para nós,
Nós fomos educados, [na faculdade] para a médicos, o paradigma curativo, saber qual é
doença aguda e para curar, com o aumento
da esperança média cada vez mais temos de Na política, tive o problema e, hoje, a saúde é demasiado
complexa para ser deixada só à medicina.
cuidar, porque são doenças crónicas que
“não matam mas moem”. sempre muita Não são os próprios médicos que não
deixam os outros entrarem?

A ciumeira era de tal ordem que eu não lia


No livro critica as consultas de
psiquiatria de 15 minutos. dificuldade em Gosto de acreditar que isso está a mudar. Os
médicos não foram educados para trabalhar
os livros que meu bisavô tinha escrito.
Hoje é um conservador de esquerda. O
Alguém pode fazer medicina assim? Por
vezes pergunto-me por que há tantos estar integrado em equipa com outras proÆssões. E quando
eram obrigados, eram os chefes. Eu nisso
que é isso?
Sou um conservador porque sou reticente
congressos com o título “para a
humanização da medicina”. Quando é que a em grupos. Eu, à tive sorte porque trabalhar em
toxicodependência é uma cura de
perante as mudanças. Mas mais do que isso,
cresci a ser ensinado que, na medida do
medicina se desumanizou? Porque é que
tantas faculdades têm disciplinas sobre a esquerda, já votei humildade. Hoje em dia, uma comissão que
planeie estratégias de saúde, como é que se
possível, devemos ter todos as mesmas
oportunidades e somos todos iguais — isso
relação médico/doente? Porque descobriram
que esse é o núcleo da proÆssão e que essa PCP, BE, PS... e vou pode dar ao luxo de não ter arquitectos,
gente do planeamento urbano? A saúde ou
era um artigo de fé dos Machados. Cresci a
achar que a esquerda se preocupava mais
tem andado pelas ruas da amargura. Porque
não demos a formação devida, porque as manter-me assim é uma coisa transversal ou então esqueçam!
Não é católico, mas teve uma formação
com estes valores. Na política, tive sempre condições que os médicos têm não são as católica que se reflecte na sua escrita?
muita diÆculdade em estar integrado em melhores. Há médicos cujo horário de saída Tive dez anos num colégio de padres, muito
grupos. Eu, à esquerda, já votei PCP, BE,
PS... e vou manter-me assim. Neste
é às 14h e saem às 18h porque querem fazer
medicina. Quando na Suíça disse que via 12 O meu receio é especiais, no João de Deus, onde as aulas de
Moral, na década de 1960, eram facultativas
momento, estou entre a ala esquerda do PS
e o BE. Agora, nunca vou para um acto
doentes em duas horas, o meu chefe
disse-me: “Não é o doutor que vê os doentes, que um dia destes e estavam a abarrotar. O padre Albano
pegava numa bolacha Maria e dizia:
eleitoral com um voto decidido.
É um privilegiado?
são eles que o vêem a si.”
Essa é uma das razões por que as estejamos a viver “Rapazes, se um dia alguém vos perguntar
o que é ser cristão, é isto.” Cortava a
Sou um Ælho da média burguesia do Porto.
Num país como Portugal, eu sou um
pessoas procuram terapias não
convencionais, onde há tempo para as da reputação e de bolacha ao meio e continuava: “Ao lado,
está alguém com fome.” E isto era
homem rico.
Sente que também foi privilegiado
ouvir e ver?
O fenómeno não é novo. Por que é que os recordações de um poderosíssimo. Em que aspecto é que foi
importante para mim? Eu sou agnóstico e
enquanto aluno de Medicina por ser
filho de quem era, por vir trabalhar
cátaros [de que falo no livro] tiveram
sucesso? Porque enquanto os bispos Sistema Nacional não me tenciono converter na hora da
morte, Æcaria muito desiludido comigo
com o seu pai?
Enquanto aluno, em termos psicológicos,
andavam a caçar, a dormir com concubinas
e a viver em palácios, eles estavam ao pé de Saúde que está mesmo porque isso é oportunismo, mas
preocupo-me com o futuro da Igreja. Por
ser Ælho de meu pai era pesado. Meu pai era
das melhores médias da faculdade. Meu pai
das pessoas. Na medicina, acontece a
mesma coisa. Chegam aqui e dizem-me: a desaparecer razões afectivas, mas também pragmáticas,
porque a Igreja tem um poder brutal.
ia de autocarro para a faculdade [onde dava “Eu simpatizo muito com o meu médico de Escreveu: “O meu pai saboreava a vida,
aulas] para, quando eu acordasse, ir de família, mas ele não olha para mim, só para eu sinto-me devorado por ela.” Porquê?
carro para a faculdade. Depois, vínhamos
juntos. Meu pai, “o homem mais bem
o computador.” Eu tenho sempre de dizer:
“Se o meu colega não preencher aquelas Hoje, a saúde Pelo ritmo alucinante em que vivo.
Mas não vivemos todos?
vestido da cidade”, e eu de jeans e cabelo
comprido. Hoje, acho que sei o que
coisas todas, mete-se numa alhada.” Antes
convidavam-me para falar de sexualidade, é demasiado Sim, eu não sou uma excepção!
Então o que podemos fazer?
aconteceu: era eu a tentar criar uma
identidade, sabendo que competir com ele
agora de Antropologia Médica, que é a
relação médico/doente e eu aconselho os complexa para Eu estou a abrandar, mas nem todos
podem. Há gente que não pode. É
era impensável.
Uma imagem de marca que ficou até
meus colegas a sentar os doentes ao seu
lado, para verem o computador. Isso faz ser deixada assalariado, abranda quando? Eu posso
dizer que não aos convites. É o que estou a
hoje. O psiquiatra precisa da bata?
Isso é curioso. Mesmo dentro da Medicina
com que o doente sinta ligação. Não
concordo que seja tudo uma aldrabice, por só à medicina fazer. Mas, por uma questão de inércia, é
muito difícil abrandarmos.
isso é uma das coisas complicadas, porque exemplo, tenho uma óptima experiência de
éramos médicos que não usávamos bata. Eu acupunctura. bwong@publico.pt
10 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

O Ronaldo dos padeiros


Bela e Diogo, mãe e filho, são o nervo da padaria
Cantinho. Por estes dias, o trabalho diminuiu por
causa das recomendações de recolhimento e
isolamento social. Mas nem por isso o ritmo abranda,
muito pelo contrário. David, que anda frenético entre
uma e outra tarefa, diz que “nasceu na farinha”. “Uma
pessoa habitua-se. Nascemos nisto e nisto vamos
morrer.” Chamam-lhe “Ronaldo dos padeiros”

Eles sabem que


não podem parar
Portfólio “O país não pode parar”. Nas últimas semanas, ouvimos vezes sem conta
este apelo, ora em tom mais comedido, ora mais musculado. Seja como for, há
muitas pessoas, de muitas profissões, que sabem que não podem parar. E não é
preciso que lhes digam. Eis quatro: padeiros, polícias, agricultores e professores
Por Adriano Miranda
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 11

Pedagogia e desobediência
Com a renovação do estado de
emergência, vieram maiores restrições de
circulação e deslocação e multiplicam-se
os apelos para que o isolamento social se
cumpra de maneira ainda mais eficaz
(entre as 00h de 9 de Abril e as 24h de 13
de Abril, as pessoas não possam fazer
deslocações para fora do concelho da sua
residência). As forças de segurança têm
estado na linha da frente quando é preciso
quem nos lembre da importância de
cumprir os apelos da DGS para tentar
travar o grave surto de covid-19. A
abordagem tem sido sobretudo
pedagógica, mas já houve 108 detidos por
crimes de desobediência. Nestas páginas,
agentes da PSP de Aveiro patrulham vários
locais do concelho, pedindo a quem se
aventura fora de portas sem um motivo
atendível para regressar a casa
12 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

Semear e colher
Márcio, agricultor, tal como o bisavô, o avô e o pai, deixou o fato e
gravata e o sector bancário para se dedicar à terra. Fundou a Banca
Terra. Madruga para tratar das couves, alfaces, pimentos, cebolas...
Nas últimas semanas, a pressão das grandes superfícies tem
aumentado. “Parece que estão a vender mais. Querem
essencialmente produtos para sopa. A procura de alface decaiu
imenso. Agora, as pessoas só querem fazer sopa.” Por outro lado, a
entrega de cabazes porta a porta aumentou exponencialmente.
Patrícia, a mulher de Márcio, não tem mãos a medir. Já não dá
resposta aos pedidos. De luvas e facas, Manuela, Adília, Ana Jorge,
Damas, Alexandre e Márcio colhem o que semearam. No meio dos
campos, parecem esquecer o vírus. Fazem o que sempre fizeram
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 13

“É estranho, muito estranho”


Há professores que trabalham no
quarto. Outros preferem a sala. Alguns,
a varanda. Poucos, o jardim. Mesmo
em tempos de isolamento por causa da
pandemia do novo coronavírus, há
quem procure o ar livre. Seja qual for o
lugar que cada um escolhe para
ensinar, certo é que falta a azáfama, o
frenesi, a confusão e a algazarra típicas
de uma escola. Falta a presença, o
olhar, a voz ao vivo, a proximidade
física. As tecnologias, para quem as
tem e sabe usar, têm ajudado a
encurtar distâncias e a manter um
certo “quotidiano” entre professores e
alunos. Alguns professores vestem-se
como se fossem para a escola, tentam
manter um ritual, mas o desencontro
com a realidade actual acaba por
ganhar: “É estranho, muito estranho.”
Paula, Fátima, Guiomar, Pilar, Elisabete
(ao lado) e João ensinam agora à
distância. Guiomar, como muitos
outros, “só quer é que isto acabe”
14 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

O Instituto de Ciências Sociais (ICS) é uma escola da Universidade de Lisboa e


um Laboratório Associado do Sistema Científico Nacional dedicado à
investigação, aos estudos pós-graduados e à divulgação de ciência nas áreas
de Antropologia, Ciência Política, Economia, Geografia, História, Psicologia
Social e Sociologia (www.ics.ulisboa.pt). Durante um ano, todos os domingos,
investigadoras e investigadores com diferentes formações, idades e
percursos académicos partilham o seu trabalho com os leitores do P2.

Epidemias
Apocalipse
zombie, sem
efeitos especiais
Zombies e epidemias presas que se contagiam e transÆguram em
Ciências Sociais em Público (I) crescente malignidade, híbridos de vampiros

O
encontro sobre e monstros esfarrapados, com sangue a
Que vamos lembrar desta epidemia? Quando epidemias e cidades era jorrar dos olhos e orelhas, pele a explodir,
na Universidade de ramos peçonhentos nascendo do tronco e
tudo passar, ao lado das memórias, talvez Goethe em Frankfurt, em membros, e outros elementos dos Ælmes de
2014, e reunia estudiosos terror. No cinema de pendor realista, os
também a certeza de ser prioridade política do tema colhidos entre a equivalentes dramáticos são o contágio
antropologia, a história, descontrolado, a evolução rápida de
e económica o reforço à saúde pública, à os estudos de ciência e a sintomas, hemorragias violentas,
saúde pública. Uma das apresentações era mortandade generalizada, militarização do
investigação, aos dispositivos para prevenção sobre zombies e sobrevivência a epidemias. espaço público, cenário de guerra e,
Estranhámos, alguns, a intrusão da idealmente, um Ænal de redenção pela
de calamidades e aos mecanismos de linguagem do cinema e jogos num simpósio ciência e a medicina, cujos agentes
em que dominavam os nomes sérios da personiÆcam heróis em duríssima provação.
mobilização de solidariedade social cólera, febre tifóide, síÆlis, tuberculose, Assim se viu em Contágio (2011), em Fora de
sida, SARS, chikungunya, dengue; em que Controlo (1995) e, de certo modo já, no
se falava de biossegurança e clássico de Elia Kazan Pânico nas Ruas (1950).
Por Cristiana Bastos cidades-sentinela, de políticas urbanas e Mas nem sempre é assim na vida real ou não
sanitárias passadas e contemporâneas, e se o é no início de cada nova epidemia.
articulavam interpretação histórica, análise As epidemias, mesmo as que se tornam
do presente e aprendizagem para uso apocalípticas, podem chegar sem efeitos
futuro. Eu levava a análise das políticas de especiais. Chegam em silêncio, invisíveis,
regulamentação para a síÆlis e prostituição mascaradas da banalidade das gripes e
em Lisboa e dos debates sobre transmissão resfriados, de pneumonias atípicas,
e tratamentos na primeira metade do encontrando negação e resistência,
século XX, apresentando um caso de surto fazendo-se acompanhar de informações
numa família multigeracional de Alfama, contraditórias, com notícias de longe, de
em que o alegado paciente zero fora um perto e, um dia, a má notícia de já estar
bebé aleitado por uma vizinha infectada — instalada no nosso espaço — país, continente,
resultado colateral de um trabalho já bairro, família, comunidade, rede de amigos.
terminado sobre o antigo hospital do Geram-se, entretanto, epidemias paralelas
Desterro em Lisboa e assistência à síÆlis. de notícias e contranotícias, de opiniões e
Outros participantes levavam análises da dissertações sobre o signiÆcado de uma
China e vizinhanças, do Mediterrâneo, do pandemia e da globalização, sobre os
Índico, das Américas. Ninguém vinha do cenários de devastação anunciados em
planeta Hollywood nem havia secção de fórmulas matemáticas, sobre o Æm do
Æcção cientíÆca, mas a referência ao mundo como o conhecemos. Surgem as
apocalipse zombie não estava ali deslocada; medidas de saúde pública que alteram os
pelo contrário, era a vanguarda conceptual quotidianos e reequacionam o futuro
na preparação para calamidades, a metáfora próximo e distante, não sem dar azo a mais
usada em departamentos de prevenção e epidemias de comentários sobre o estado de
saúde pública para hipotéticas epidemias de excepção; a biopolítica; as desigualdades
contornos imprevisíveis. que a epidemia reforça; o futuro da
economia e do ambiente; o potencial da
crise na transformação do modo como
Imaginação e realismo vivemos e viveremos; as políticas sanitárias
Ontem e hoje no cinema e na saúde comparadas; a pertinência dos testes; a
No topo, cena do filme Fora de Controlo (1995), em que os protagonistas lutam para A evocação de zombies traz-nos bandos de validade dos números apresentados; as
conter um vírus do tipo do ébola. Em cima, desenho asteca com vítimas de varíola mortos-vivos deambulando em busca de atitudes vigilantes de alguns governos e a
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 15

o tráÆco viral entre espécies e multiplicava as americanos); até a influenza de 1918,


possibilidades de epidemias fatais e globais. possivelmente originada no Kansas, EUA, é
Ou seja, se a equação era de uma luta conhecida até hoje como “gripe espanhola”,
vitoriosa de humanos contra vírus, como se só porque Espanha a noticiava quando os
acreditava nos anos 70, os dados dos anos 90 outros, em guerra, a abafavam. Criando
mostravam que os vírus estavam a ganhar, incidentes diplomáticos, alguns políticos
efeito das próprias acções humanas. Note-se irresponsáveis referem o SARS-Cov-2 como
que esses pequenos seres, que nem sequer “vírus chinês” — algo que é não apenas
têm vida independente e consistem em ofensivo como vai contra as directivas da
agregados de genes que se reproduzem OMS, que desencoraja a nomeação de
parasitando células vivas, não têm em si epidemias com referência a lugares (por
qualquer signiÆcado ou intenção. Mas, dos exemplo, o vírus do Nilo ocidental).
milhares de milhões que existem, alguns Espera-se que este ano seja também
podem tornar-se um desastre no encontro lembrado como aquele em que se ampliou a
com as células humanas. O desastre é consciência sobre a necessidade de manter
máximo quando o organismo não tem estruturas de assistência preparadas e bem
memória, nunca esteve confrontado com equipadas, de pôr como prioridade política
aquela sequência, não criou “imunidades”. o investimento na investigação e na saúde
Assim aconteceu logo no século XVI às pública, entre hospitais, postos de saúde
populações das Américas, quando alguns descentralizados, linhas de atendimento,
vírus de gripe lá chegaram nos corpos apoio aos proÆssionais. Que as políticas
europeus com sistemas imunitários a eles orçamentais não desfalquem estes sectores e
acomodados, e a varíola foi disseminada, doravante os reforcem: se há um
acidental ou propositadamente. Estamos ensinamento central do estudo das
agora em situação semelhante, mas os vírus epidemias, passadas e presentes, é a
desconhecidos não vieram dos importância do reforço da saúde pública e
conquistadores espanhóis. Vieram, talvez, da investigação.
dos morcegos-ferradura asiáticos.
Memória
De zombies a zoonoses Não sabemos como vamos lembrar-nos desta
displicência genocida de outros; a eÆcácia sida. Jovens saudáveis com pneumonias que Em vez de vampiros, temos morcegos neste epidemia. Sugere o historiador Charles
das medidas na Ásia; a desunião europeia; o pareciam fáceis de tratar morriam nos enredo. Talvez pangolins. Tivemos galinhas e Rosenberg que estas percorrem uma
signiÆcado das fronteiras. centros médicos mais avançados e dotados outras aves, no que foi uma das ameaças dramaturgia com um momento inicial de
Este apocalipse veio em segmentos: a uns do mundo. O resto é conhecido: em alguns mais próximas de epidemia generalizada, a negação, seguido de confusão, depois de
zombiÆca em clausura doméstica, com ou anos identiÆcou-se o retrovírus (vírus de gripe aviária. E camelos, no MERS. E porcos; reconhecimento e medidas; e ao Ænal que
sem os desaÆos do teletrabalho e ensino ARN, que se replica num processo inverso ao uma vaga de peste suína antecedeu a sida e um dia chegará segue-se o esquecimento. A
improvisado à distância; a outros traz habitual dos vírus de dupla hélice, ou ADN) outras sucederam-lhe. E chimpanzés e “gripe espanhola” de 1918 Æcou quase
cenários de guerra em hospitais, unidades que desmantelava o sistema imunitário, o outros símios, todos portadores de vírus a escondida da história, apesar de brutal e
de assistência, lares de idosos, morgues e VIH; constatou-se que atingia milhões; que estão acomodados. De forma rápida ou devastadora. Um dos raros testemunhos
cemitérios; a alguns requisita para percebeu-se que aÆnal as doenças lenta, num só encontro alimentar entre um literários, Pale Horse, Pale Rider, de Katherine
manutenção de infra-estruturas; a muitos infecciosas e transmissíveis, de que esta era humano e um morcego, ou na repetida Ann Porter, que a viveu, foi só publicado em
traz o espectro do desemprego e falência; a um caso, não eram um capítulo em vias de manipulação da carne de símios caçados, ou 1939. Nemesis, de Philip Roth, sobre a
outros exponencia a já frágil situação no encerramento mas antes um lugar para na produção concentracionária de carne em epidemia de poliomielite em Newark, que o
limite da existência; e em uns tantos gera pesquisa pioneira; uniram-se esforços entre gigantescas prisões de aves ou de porcos, ou autor testemunhou na década de 1940, é de
uma criatividade solidária que se traduz em parceiros múltiplos — comunidades, nos mercados de espécies vivas, muitas são 2011. Um grande intervalo separa também a
produzir, a partir da base, meios de apoio cientistas, clínicos, laboratórios, governos, as situações associadas à cadeia alimentar publicação do Diário do Ano da Peste, de
aos serviços de saúde, inventar OMS, UNAIDS — para desenvolver modos de em que vírus passam de uma espécie para Daniel Defoe, em 1722, da epidemia de
equipamentos com materiais alternativos ou prevenção e mitigação, incluindo o combate outra e chegam aos humanos. Por vezes, são Londres a que este se reporta, ocorrida em
desenvolver esquemas de apoio alimentar e ao estigma e o envolvimento dos afectados, elementos ainda mais simples que os vírus, 1665. Já a sida teve muitas vozes em directo,
social aos mais vulneráveis. e, claro, para desenvolver terapêuticas como se viu no caso das vacas loucas, deixando uma impressionante produção
eÆcientes. Estas chegariam na década de 90 envolvendo também ovelhas, que trouxe a artística em todos os campos. O ébola
e generalizaram-se na seguinte, não todos, incluindo humanos, a proteína originou best sellers do género terror médico.
Inesperada ou anunciada? deixando de replicar no acesso, mesmo com infectante (prião) que desfaz o sistema A covid-19 está a gerar todo um novo estilo
Muitos interrogam-se como é possível mecanismos de mitigação, as grandes neurológico e se mascara de doença de diarismo digital, com formação de grupos
termos a epidemia de covid-19 em pleno assimetrias mundiais que a epidemia tornara degenerativa. E sabemos que há muitos mais em redes sociais, núcleos de interpretação
século XXI, com tantas conquistas médicas e óbvias. Pelo caminho, estima-se que que podem surgir com os degelos e outros de resultados, enquanto grande parte da
farmacêuticas, com tanta tecnologia morreram cerca de 30 milhões. Segundo efeitos das alterações climáticas em curso. vida se transfere para um telequotidiano.
disponível. Talvez a pergunta faça sentido dados da OMS, cerca de 40 milhões Estas décadas poderão ser lembradas Mas só uma parte, já que continuam, sob
para quem herdou a visão optimista dos convivem com VIH, dos quais pouco mais de como as da consciência das zoonoses, isto é, stress inusitado, a produção e distribuição
anos 60-70 do século passado, quando se metade recebe tratamento. doenças transmitidas por animais não de alimentos, a recolha de lixo, a
acreditava que a luta contra as doenças A sida não veio só; já antes se identiÆcara o humanos a humanos. Este ano será manutenção de infra-estruturas, e, em modo
infecciosas estava tecnicamente ganha. ébola, demasiado letal para se espalhar para lembrado como uma interrupção geral, uma de apocalipse, o corpo-a-corpo nos
Havia antibióticos e vacinas; estava fora das comunidades em que emerge, uma paralisia não desejada, com bolsas de hospitais. Esses momentos dramáticos e
esquecida a pneumónica de 1918, a última vez que mata o portador quase de imediato. apocalipse para quem está no olho do muitas vezes trágicos vamos querer afastar
das grandes pandemias; a erradicação da Muitas outras infecções e potenciais furacão, onde caem corpos, faltam da lembrança, realocando a imaginação para
varíola exempliÆcava o sucesso de um epidemias foram elencadas pela jornalista de equipamentos, sobra stress, faltam os um cenário em que nada disto torna a
programa vertical à escala global, que se ciência Laurie Garret em The Next Epidemic instrumentos habituais dos humanos contra acontecer. Talvez o cenário possível,
procurava replicar noutros casos (pólio, (1992), num volume sobre Sida no Mundo as infecções, sobra desespero, falta desejável e viável de escolhas políticas que
malária, tuberculose). Vaticinava-se um (AIDS in the World), lançado pela Escola de signiÆcado. Não virão a faltar intérpretes a põem em primeiro lugar a saúde, que
futuro sem novidades para a infecciologia, Saúde Pública de Harvard. Esse elenco, bem emprestar signiÆcados e moral a estas reforçam a investigação, a solidariedade
que Æcaria circunscrita à chamada medicina como a análise crítica das determinantes epidemias, algo que sempre se fez, mesmo social, e uma ampla e eÆcaz cobertura
tropical e ao mundo dito em económicas e políticas que levam a que depois de consolidada a teoria dos sanitária com dispositivos de prevenção que
desenvolvimento — onde não se dera ainda a simples vírus se tornem epidemias globais micróbios: de castigos divinos a intentos não passem pelos excessos de intrusão
chamada transição epidemiológica entre a afectando desigualmente as populações, maléÆcos de grupos e países em tensão digital já em curso nalguns lugares. Que
predominância de infecciosas e seriam expandidos nos livros seguintes, guerreira, as interpretações são ágeis em venham, com os romances e peças de teatro
transmissíveis (disenterias, tuberculose, etc.) entre os quais, o sugestivo The Coming culpabilizar grupos, nações, intenções. de tédio ou de terror, também as narrativas
para a predominância de crónicas e Plague, de 1994. Na mesma linha, o Assim se fazia com a peste medieval de ediÆcação da saúde pública como
degenerativas (cardiovasculares, virologista Stephen Morse mostrava em (judeus), com a síÆlis no renascimento prioridade. Só assim afastaremos os zombies.
oncológicas, diabetes). Tudo mudou Emerging Viruses (1993) o modo como a europeu (franceses, napolitanos, espanhóis),
rapidamente, e logo nos anos 80. Primeiro, a intervenção humana no ambiente acelerava com a sida (homossexuais, haitianos, Antropóloga, Instituto de Ciências Sociais
16 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

Laura Spinney
“Só vamos aprender
a lição se morrer
muita gente”
Entrevista A jornalista de ciência e escritora Laura Spinney
estudou o enorme impacto da crise provocada pela gripe
espanhola de 1918 para o livro Pale Rider. Para esta especialista, que
tem assinado vários artigos sobre a actual pandemia de covid-19,
“a história demonstra que gostamos de reagir em vez de prevenir”
Por Ivo Neto

E
scolas fechadas, cidades em conseguimos perceber a existência de uma muito. A melhor hipótese que temos é Foi uma forma de pressionar os
quarentena e cartazes a espécie de curva de Bell [gráÆco usado para abrandar a doença e isso só se torna governos?
alertar para a importância representar uma distribuição normal, uma possível com distanciamento social. São Acredito que sim. A emergência global foi
de lavar as mãos. Imagens linha em forma de sino]. Cresce de forma exactamente as mesmas técnicas usadas há declarada ainda no Ænal de Janeiro e essa
que fazem parte do nosso exponencial até atingir um pico e depois cem anos. Estratégias como a quarentena medida já previa estratégias de contingência
dia-a-dia, mas que mais não cai, eventualmente até desaparecer. Há um ou o isolamento social, a insistência na muito fortes. Escalar para pandemia não
são do que um reÇexo do padrão entre o novo coronavírus e a gripe lavagem das mãos ou a utilização de trouxe muitas mais possibilidades de
que aconteceu há cem anos espanhola. Além disso, são surtos que máscaras. combate. A pandemia foi declarada muito
quando, depois da Primeira Guerra evoluíram para um patamar global. E foi mais pacífico na altura o para fazer com que os responsáveis
Mundial, o mundo enfrentou um tipo de Mas, cem anos depois, o mundo está isolamento? nacionais acordassem. Certamente,
inimigo diferente, ainda mais mortífero do diferente… O debate foi exactamente o mesmo. Se perceberam que o maior risco não era o
que as batalhas travadas nas trincheiras. A Obviamente. De uma forma muito particular deveriam fechar as escolas, se as máscaras pânico, mas sim a complacência.
gripe espanhola, ou pneumónica, matou, de no que diz respeito às componentes funcionam ou se apenas funcionam em Foi uma questão política.
1918 e 1920, entre 50 a 100 milhões de tecnológicas. Mas, ainda assim, há determinados casos. O que hoje discutimos Sim. Essencialmente, o que quero dizer é
pessoas. Um quarto da população mundial elementos que não se alteraram. é muito semelhante ao que foi discutido na que a OMS fez a declaração de pandemia
da época foi contaminada. Em Portugal, No combate à doença? altura. para galvanizar os governos a fazerem mais
terão morrido cerca de 70 mil pessoas. Cem Sim. É realmente muito interessante que no Com todo o conhecimento sobre crises e mais rápido. As estratégias não estavam a
anos depois, o mundo enfrenta um novo período antes do desenvolvimento de uma passadas, será que o coronavírus foi funcionar.
vírus global. A jornalista de ciência Laura vacina, que vai demorar pelo menos um inicialmente ignorado? E há estratégias bem diferentes mesmo
Spinney, autora do livro Pale Rider: The ano, estamos reduzidos a usar o mesmo tipo Hoje, é muito fácil julgar. Quando tudo em países próximos. Temos o caso do
Spanish Flu of 1918 and How It Changed the de técnicas de distanciamento social que começou, sabia-se pouco e nunca ninguém Reino Unido. A estratégia inicial,
World, estudou o impacto dessa crise na foram usadas há cem anos. pensou que escalaria para um patamar diferente da maioria dos países
sociedade e a forma como o mundo Estamos, então, neste primeiro período, global. Mas, assim que a Organização europeus, terá sido também ela política?
enfrentou o problema. Apesar dos avanços a combater o coronavírus com as Mundial de Saúde declarou o coronavírus Uma forma de sublinhar o “Brexit”?
tecnológicos, a quarentena e o mesmas armas que foram usadas contra como uma emergência global, os governos A decisão foi política em todos os países. A
distanciamento social, mesmo num mundo a gripe espanhola. Um século depois… deveriam ter actuado de uma forma mais grande maioria demonstrou ser relutante
global, diferente dos anos 1910, continuam a Temos melhores medicamentos, há assertiva do que Æzeram. Deveriam em aprender com o que aconteceu noutros
ser a armas mais eÆcazes. antivirais e ventiladores. Exemplos de ter intensiÆcado as medidas desde logo. países. E isso, para mim, é uma grande
Quais são as semelhanças entre o novo ferramentas que não existiam naquela Claro que é muito fácil julgar agora… Mas é vergonha. A estratégia britânica foi guiada
coronavírus e a gripe espanhola de 1918? altura. Mas os antivirais, por exemplo, não verdade que os governos actuaram de forma por um modelo matemático que sugeria a
Uma pandemia tende a evoluir de forma são particularmente eÆcazes neste novo muito lenta e, acredito, foi por isso que a imunidade de grupo e que seria atingida de
muito parecida, independentemente da vírus. Claro que podem mitigar os sintomas OMS passou para a fase seguinte: a de forma rápida. Depois, perceberam que
doença que é. Se visualizarmos, quando alguém Æca doente. Mas não pandemia. muitas pessoas morreriam e que o sistema
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 17

DR
A variação que existe reÇecte a capacidade
que os diferentes países tiveram para reagir
ao aumento de contagiados. Há mais mortes
quando não se podem tratar os infectados
nos cuidados intensivos ou quando faltam
ventiladores. Mas os números variam de
hora para hora.
Mas os avisos foram feitos ao longo da
última década.
Sim. Fomos avisados e não Æzemos o
suÆciente para nos protegermos.
Porquê?
Somos humanos. E a história demonstra
que gostamos de reagir em vez de prevenir.
De actuar depois em vez de prevenir.
Infelizmente, é assim que somos.
Mas há países que actuaram cedo.
Sim. Se olharmos para os asiáticos, os
indicadores demonstram que conseguiram
mitigar a pandemia de uma forma mais
eÆcaz do que no Ocidente. Muito por causa
daquilo que aconteceu com a SARS.
Aprendemos, mas de uma forma muito
lenta. Não investimos o suÆciente nos
nossos sistemas de saúde. Mais uma vez, a
história demonstra que há uma tendência
para o pânico quando há uma pandemia e
depois de esquecimento e descuido,
quando está controlado. Só vamos aprender
verdadeiramente a lição se morrer muita
gente.
A China limitou o acesso a estrangeiros.
O mundo será diferente quando a
pandemia estiver controlada?
A estratégia da China, ao longo dos últimos
anos, é de abertura e não de se fechar. A
extensão das mudanças está muito
dependente da gravidade e das
consequências Ænais da pandemia. Nos
EUA, certamente, haverá uma discussão
alargada sobre o acesso aos cuidados de
saúde e na Europa teremos de repensar a
organização dos nossos sistemas de saúde.
O que está a acontecer é a prova de que não
servem para o número de pessoas que
existem e para o crescimento populacional.
São sistemas que envelheceram.
BETTMANN ARCHIVE/GETTY IMAGES
Uma das estratégias usadas na gripe
Máscaras de saúde acabaria por entrar em colapso e espanhola foi o isolamento de cidades
Em cima, Laura mudaram. Perceberam que a imunidade inteiras. Gunnison, no Estado do
Spinney, que deve ser alcançada de forma lenta. E é isso Colorado, nos EUA, passou incólume
assina que estão a fazer. Não estou é certa de que quando todas as comunidades à volta
regularmente já não seja tarde para evitar o que está a foram infectadas. A Europa ergueu
textos sobre acontecer em Itália ou Espanha. barreiras históricas entre países. Vão
ciência em Os números continuam a escalar a um permanecer?
alguns dos ritmo muito rápido. A covid-19 poderá Não. E se há coisa que o novo coronavírus
principais ser tão grave como a gripe espanhola? demonstra é que as fronteiras não
jornais e revistas Temos de olhar para os números de uma funcionam. As fronteiras são inexpressivas
do mundo. forma relativa. A população actual é quatro quando se trata de um vírus. Uma das lições
Sobre o actual vezes superior. Estima-se que a gripe que vamos aprender é a ter mais respeito
surto de espanhola tenha matado 50 milhões de pela OMS e a desenvolver mais cooperação
covid-19, a pessoas, possivelmente 100 milhões. entre os vários países.
jornalista diz: Apresentou níveis de letalidade superiores Poderemos também ver uma corrida
“Fomos avisados a qualquer outra pandemia de gripe na internacional para a descoberta da
e não fizemos história. Apesar de existirem padrões vacina?
o suficiente semelhantes, não acredito que o Tenho a certeza. Tal como aconteceu a
para nos coronavírus tenha níveis semelhantes de corrida para chegar à Lua. E todos devemos
protegermos.” infectados ou mortes. E os dados que estar gratos por isso. Porque precisamos
Spinney revela temos, mesmo que ainda sejam precoces, dela.
ainda que apontam para uma mortalidade entre os 1% E essa corrida não poderá ser perigosa?
muitos dos e os 2%. Se estes valores se concretizarem, o Há mecanismos para acelerar o processo
dilemas e das que continua a ser uma incógnita, teremos quando a necessidade justiÆca, tal como
discussões de resultados mais próximos dos de outras aconteceu com o ébola. Mas há médicos que
há cem anos são pandemias, como a gripe asiática, em 1957, aconselham a manter a calma. Há um
iguais aos de ou a gripe de Hong Kong, em 1968 — grande debate. Mas não se pode cortar a
hoje, como o uso nenhuma delas matou mais do que quatro segurança. Uma hipótese é deixar a vacina
generalizado milhões de pessoas no máximo. O que, sair de forma gradual, libertando-a para os
(ou não) de ainda assim, é muita gente. doentes de risco. Mas é tudo uma grande
máscaras E o que motiva taxas mais elevadas incógnita.
como, por exemplo, em Itália, que
ronda os 10%? ivo.neto@publico.pt
18 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 19

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de palavras que exprime a ideia (Esperança/Arronches) Arruda dos Vinhos - Da
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Misericórdia Avis - Nova de Aviz Azambuja - Portalegre
que serve de cumprimento de Miranda , Peralta (Alcoentre), Ferreira Camilo 14º 19º
despedida. República 11º 15º
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Internet). 3. Itérbio (s.q.). Reduzir Fernandes (Golpilheira) Beja - Central Belmonte 15º 18º
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4. Pequena ânfora de barro. (...) Bombarral - Miguel Borba - Carvalho Cortes Setúbal
Helena Mira Mateus, foi Cadaval - Central Caldas da Rainha - Caldense
professora catedrática e linguista 12º 20º Évora
Campo Maior - Central Cartaxo - Central do
(1931-2020). 5. Grande 12º 18º
divertimento. Prefixo (duas
Cartaxo Cascais - Alvide (Alvide) , Vilar AMANHÃ
(Carcavelos), Primavera (Parede) Castelo
vezes). Crença. 6. Nome da 21.ª
Branco - Reis Castelo de Vide - Freixedas
letra do alfabeto grego. Catedral.
Solução do problema anterior: Castro Verde - Alentejana Chamusca - Joaquim 15º Beja
Rádio (s.q.). 7. João Gomes (...), Sines
HORIZONTAIS: 1. PCR. Cifrado. 2. Raiar. Locar. 3. Sob. Método. 4. Ko. Abóbada. Maria Cabeça Constância - Vila Farma
Ministro da Defesa Nacional. 8. 12º 17º
Produzira som. Reunião de 5. AP. Vi. 6. Procela. LA. 7. Fé. Rol. Tías. 8. Hum. Temia. 9. Nau. Um. IP. 10. Constância , Carrasqueira (Montalvo) Coruche - 14º 19º
Minecraft. 11. Aveia. Carão. Misericórdia Covilhã - São João Cuba - Da
pessoas de má índole ou fama. 9.
Misericórdia Elvas - Sousa Entroncamento -
Antigo carro romano puxado a 2-2,5m
VERTICAIS: 1. PR. Km. Finta. 2. Caso. Pé. 3. Rio. Ar. Hume. 4. Abaporu. II. 5. Cr. Terra Estremoz - Carapeta Irmão Évora - Diana
dois cavalos. Simples. 10. Unido.
Comuna. 6. Móvel. Me. 7. Flébil. CC. 8. Rota. Ateira. 9. Acode. Ímpar. 10. Dada. Faro - Almeida , Da Penha Ferreira do Alentejo -
Uma das secções do Público. 11.
Lai. Fã. 11. Oro. Basalto. Singa Ferreira do Zêzere - Graciosa , Soeiro, Sagres
Dólmen. Atrever-se a.
Moderna (Frazoeira/Ferreira do Zezere) Figueiró Faro
14º 20º
dos Vinhos - Campos (Aguda) , Correia Suc. 15º 19º

SUDOKU
Fronteira - Costa Coelho Fundão - Diamantino
Gavião - Mendes (Belver) , Pimentel Golegã - 16º
Lusitano Grândola - Costa Idanha-a-Nova - 1,5-2m

Solução do problema 9649


Andrade (Idanha A Nova) Loulé - Miguel Calçada
, Nobre Passos (Almancil), Avenida Loures - Nova
Açores
do Infantado , Tejo (Moscavide) Lourinhã - Corvo
Quintans (Foz do Sousa) , Liberal (Reguengo Graciosa
Grande) Mação - Catarino Mafra - Barros (Igreja Terceira
Flores
Nova) , Nogueira (Venda do Pinheiro) Marinha S. Jorge 12º 17º
Grande - Sta. Isabel Marvão - Roque Pinto 12º 16º
Mértola - Nova de Mértola Monchique - 17º
17º Pico
Moderna Monforte - Jardim Montijo - União
Mutualista Mora - Canelas Pais (Cabeção) , 2-3m
Falcão, Central (Pavia) Moura - Ferreira da Costa Faial
Mourão - Central Nazaré - Sousa , Maria Orlanda 13º 16º
(Sitio da Nazaré) Nisa - São Damião Óbidos - 2-3m S. Miguel
Vital (Amoreira/Óbidos) , Senhora da Ajuda 14º 18º
(Gaeiras), Oliveira Odivelas - Do Altinho , Joleni Ponta
Oeiras - das Túlipas (Miraflores) Oleiros - Martins 17º Delgada
Gonçalves (Estreito - Oleiros) , Garcia Guerra,
2,5-5m
Xavier Gomes (Orvalho-Oleiros) Olhão - Nobre
Sousa Ourique - Nova (Garvão) , Ouriquense
Madeira Sta Maria

Problema 9651 Pedrógão Grande - Baeta Rebelo Penamacor -


Dificuldade: Muito difícil Nova Peniche - Central Pombal - Paiva Ponte de Porto Santo
Sor - Sousa Portalegre - Cunha Miranda Portel -
17º 22º
Fialho Portimão - Moderna Porto de Mós - 18º
Lopes Proença-a-Nova - Roda , Daniel de Matos
(Sobreira Formosa) Redondo - Holon Redondo
Reguengos de Monsaraz - Martins Rio Maior - Funchal
Central Salvaterra de Magos - Martins 1,5-2m
1,5-2m 19º 19 º 22º
Problema 9650 Santarém - Confiança Santiago do Cacém -
Jerónimo Sardoal - Passarinho Serpa - Serpa
Dificuldade: Fácil Jardim Sertã - Farinha (Cernache do Bonjardim)
, Confiança Sesimbra - Leão Setúbal - Louro , Sol Lua Quarto
Monte Belo Silves - Algarve , Dias Neves, Edite,
Nascente 07h15 minguante
Ass. Soc. Mutuos João de Deus Sines - Atlântico ,
Solução do problema 9648 Monteiro Telhada (Porto Covo) Sintra - Guerra Poente 20h04 08 Abr. 8h17
Rico (Agualva) , André (Queluz), Rio Mouro (Rio
de Mouro) Sobral Monte Agraço - Moderna
Sousel - Mendes Dordio (Cano) , Andrade Tavira
- Sousa Tomar - Misericórdia Torres Novas -
Marés
Lima Torres Vedras - Torres Vedras Vendas Leixões Cascais Faro
Novas - Ribeiro Viana do Alentejo - Viana
Vidigueira - Costa Vila de Rei - Silva Domingos
Vila Franca de Xira - Raposo , Central Vila Nova Preia-mar 01h26 3,2 01h03 3,2 01h09 3,1
da Barquinha - Tente (Atalaia) , Carvalho (Praia 14h01 3,2 13h36 3,2 13h39 3,2
do Ribatejo), Barquinha Vila Real de Santo
António - Pombalina Vila Velha de Rodão - Pinto Baixa-mar 07h48 0,7 07h24 0,9 07h20 0,7
Vila Viçosa - Duarte Almada - Central (Palhais)
(Charneca da Caparica) Alvito - Baronia Ansião 20h03 0,8 19h39 0,9 19h36 0,8
- Moniz Nogueira Montemor-o-Novo -
© Alastair Chisholm 2008 and www.indigopuzzles.com Sepúlveda Ourém - Avenida Redondo - Alentejo Fonte: www.AccuWeather.com
20 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

Dia de Äcar

aos comandos de todos, Marco


CINEMA Os mais vistos da TV RTP1 11,2%
% Horácio prestam-se a oferecer
Sexta-feira, 3 conselhos (ir)relevantes para estes
A Origem
Hollywood, 15h50 Jornal da Noite
% Aud. Share
SIC 16,1 27,1
RTP2 1,4 dias de reclusão. Cada episódio é
rematado pela actuação de um
Dom Cobb é um ladrão de ideias e Nazaré SIC 16,0 26,4 SIC 20,6 convidado especial, chamado a

Televisão
um espião de topo. A sua reinterpretar uma canção sua em
TVI
Terra Brava SIC 14,6 27,5
especialidade é entrar na mente Primeiro Jornal SIC 13,0 30,9 12,0 versão de esperança e humor.
das pessoas e extrair-lhes, durante
Cabo
Quer o Destino TVI 11,5 19,1
lazer@publico.pt
38,1
DOCUMENTÁRIO
o sono, os seus mais profundos
FONTE: CAEM
segredos. Mas, agora, para
resgatar a sua vida, tem uma
missão ainda mais complexa para RTP 1 1000 à Hora 2.04 Chicago Fire 2.51 FOX A Febre do Ouro: Água Bravas
cumprir: implantar uma ideia na 6.08 Todas as Palavras 6.30 Espaço Mar de Paixão 3.38 Saber Amar 9.52 Batman - O Início 12.10 12 Desafios Discovery, 21h
mente de alguém. Ele reúne a sua Zig Zag 8.00 Bom Dia Portugal Fim de 14.12 Tracers - Nos Limites 15.58 Estreia da terceira temporada da
equipa e delineia o impossível. Semana 10.30 Missa de Domingo de Missão Impossível: Nação Secreta série que acompanha uma família
Com argumento e realização de Ramos 12.04 As Idades da Inocência TVCINE TOP 18.36 Divergente 21.20 Insurgente de garimpeiros modernos, no
Christopher Nolan, um thriller de 13.00 Jornal da Tarde 14.31 Faz Faísca 11.40 A Vida Secreta dos Nossos 23.33 O Cavaleiro das Trevas Renasce longínquo e inóspito deserto do
acção com Leonardo DiCaprio, 15.20 Fado - História de Um Povo 17.12 Bichos 2 (VP) 13.05 Pokémon Detetive 2.30 The Walking Dead 3.15 APB Alasca. Depois de uma década a
Michael Caine, Joseph Jogo de Todos os Jogos 19.08 O Preço Pikachu (VP) 14.55 Aquaman 17.20 trabalhar juntos, Fred e Dustin,
Gordon-Levitt, Marion Cotillard e Certo 19.59 Telejornal 21.00 Especial Monstros Fantásticos: Os Crimes de pai e Ælho, separam-se com o
Ken Watanabe. Das oito Estado de Emergência 21.30 I Love Grindelwald 19.35 Captive State - FOX LIFE objectivo de aumentar as
nomeações para os Óscares, Portugal 23.19 Simone, o Musical 1.26 Cercados 21.30 After 23.15 O Intruso 9.03 Chicago Med 12.51 Nora Roberts: hipóteses de sucesso. Mas a dureza
colheu quatro estatuetas em Djon Africa 3.08 Web Therapy 3.36 0.55 A Primeira Purga 2.30 Família A Queda de Um Anjo 14.39 The Murder continua: piscinas geladas, quedas
categorias técnicas. África Colossal 4.28 Televendas Instantânea Pact 16.22 A Date to Die For 18.17 Uma de pedras e ursos são alguns dos
Noite com Beth Cooper 20.16 O Que obstáculos e perigos a enfrentar.
Monstros Fantásticos: Uma Rapariga Quer 22.20 Uma Sogra
Os Crimes de Grindelwald RTP 2 FOX MOVIES
MÚSICA
de Fugir 0.20 Dizem por Aí...
TVCine Top, 17h20 7.00 Euronews 8.00 Espaço Zig Zag 11.13 Namoro à Espanhola 12.47
O magizoologista Newt 12.23 Nas Profundezas 12.44 Capitão Whiskey Tango Foxtrot 14.27 A Chefe
Scamander é recrutado por Bíceps 13.06 A Ilha dos Desafios 14.01 15.55 Arma Mortífera 17.36 Arma DISNEY José Cid
Dumbledore para enfrentar o Scream Street 14.12 Os Daltons 14.28 Mortífera 2 19.21 Arma Mortífera 3 21.15 15.20 A Raven Voltou 15.45 Gabby TVI, 15h35
poderoso Gellert Grindelwald, Chovem Almôndegas 14.50 Folha de Arma Mortífera 4 23.17 O Especialista Duran Alien Total 16.10 Miraculous - As Uma tarde com o veterano José
que planeia reunir feiticeiros dos Sala 14.58 O Comissário Montalbano 1.02 A Fúria do Herói 2.28 Rambo: A Aventuras de Ladybug 16.35 Sadie Cid: primeiro, é entrevistado por
quatro cantos do mundo e 16.45 A Grande Travessia: Viajando Vingança do Herói 3.57 Rambo III Sparks 17.00 Gravity Falls 17.50 Star Fátima Lopes em Conta-me Como
dominar toda a população pelos Andes de Balão 17.15 Caminhos Contra as Forças do Mal 18.40 Os És; de seguida (às 15h35), surge
não-mágica. Com realização de 17.41 70x7 18.12 Chegou a Felicidade Green na Cidade Grande 19.25 em palco perante um Campo
David Yates, que já dirigira os 19.06 Joanna Lumley na Índia 19.54 CANAL HOLLYWOOD Miraculous - As Aventuras de Ladybug Pequeno esgotado, no concerto de
últimos quatros episódios da saga Corrida Ecológica 20.18 Cuidado com 11.40 Como Cães e Gatos 13.10 19.47 Sadie Sparks 20.11 Gravity Falls 24 de Novembro de 2008.
Harry Potter e também Monstros a Língua! 20.36 A Estagiária 21.30 Austrália 15.50 A Origem 18.15 Mad 21.00 Gabby Duran Alien Total 21.23 A
Fantásticos e Onde Encontrá-los, Jornal 2 22.04 Folha de Sala 22.10 Max: Estrada da Fúria 20.15 Raven Voltou 21.45 Coop & Cami Bobby McFerrin ao Vivo
um Ælme de aventura ambientado Tribunal de Família 23.04 Bobby Colombiana 22.00 A 5ª Vaga 23.55 no Alfa Jazz Festival
anos antes da chegada de Harry McFerrin ao Vivo no Alfa Jazz Festival Apanha-me Esse Gringo 1.30 7 RTP2, 23h04
Potter a Hogwarts, que adapta a 0.04 A Pequena Morte 1.04 Acima das Pecados Rurais 3.15 The November DISCOVERY Bobby McFerrin não pode ser
obra homónima de J. K. Rowling Nossas Possibilidades 1.50 Euronews Man - A Última Missão 17.45 Desmontar a História 19.20 desligado desse enorme sucesso
(também responsável pelo Como Fazem Isso? 21.00 A Febre do chamado Don’t worry, be happy.
argumento). O elenco inclui Eddie Ouro: Águas Bravas 3.00 A História do Mas pode ser associado a muito
Redmayne, Katherine Waterston, SIC AXN Universo 4.30 Desmontando o mais — é um dos mais premiados
Dan Fogler, Zoë Kravitz, Victoria 6.00 Malucos do Riso 6.40 Marvels 14.04 Batalha do Pacífico 16.19 A Hora Cosmos e mediáticos cantores do jazz
Yeates, Callum Turner, Jude Law e Spider Man 7.00 O11ze 7.25 Uma Mais Negra 17.54 Fúria de Titãs 19.36 A contemporâneo. Este é o registo
Johnny Depp. Aventura Secreta 9.00 Olhó Baião Ilha 21.55 Ali 0.40 Salt 2.25 No Limite do espectáculo que deu, em 2013,
12.00 Vida Selvagem: Animal Babies - da Ilusão 4.06 Assalto ao Metro 123 HISTÓRIA no Alfa Jazz Festival (Ucrânia),
Djon Africa First Year on Earth 13.00 Primeiro 17.07 A Fortaleza de Ricardo, Coração tendo como mote o álbum que
RTP1, 1h26 Jornal 14.15 Fama Show 14.45 de Leão 18.00 Piratas e Templários lançou nesse ano, Spirityouall.
A história de Miguel “Tibars” Investigação Criminal Los Angeles AXN MOVIES 20.10 Templários e o Santo Graal 21.33

INFANTIL
Moreira, ou Djon África, Ælho de 15.30 O Código Da Vinci 17.45 Bastille 14.00 Melhor é Impossível 16.18 A A Maldição de Oak Island 22.58
cabo-verdianos, nascido e criado Day - Missão Antiterrorista 19.30 Não Máquina do Tempo 17.55 O Segurança Alienígenas 1.06 Jesus: A Sua Vida 2.31
em Portugal. Educado por uma Há Crise 19.57 Jornal da Noite 21.30 do Shopping 19.30 O Segurança do A Fortaleza de Ricardo, Coração de
avó e sem nunca ter conhecido o Isto É Gozar Com Quem Trabalha 21.50 Shopping: Las Vegas 21.15 A Minha Leão 3.27 Fortalezas Medievais Uma Aventura do Outro
pai, Tibars viaja até Cabo Verde, 42.º Festival Internacional do Circo de Namorada Tem Amnésia 22.54 Miúdos Mundo (V. Port)
onde espera encontrá-lo. Mas essa Monte Carlo 23.45 Terra Nossa 1.30 Os e Graúdos 0.36 O Delator! 2.17 O TVCine Emotion, 11h35
viagem será, sobretudo, de Deuses do Egipto Coleccionador de Ossos 4.07 ODISSEIA Luís, um rapaz solitário de 12 anos,
autodescoberta. Assinado por Robocop - O Polícia do Futuro 18.29 Animais Bebés do Mundo 19.18 conhece Nag, Wabo e Mog, três
Filipa Reis e João Miller Guerra, o Lugares Secretos da Ásia 20.02 alienígenas amorosos mas muito
Ælme inspira-se na história real de TVI América do Norte Vista do Céu: trapalhões, cuja nave se
Moreira. 6.22 Todos Iguais 6.53 Campeões e AXN WHITE Cidades 24H 20.54 A Queda da despenhou no seu quintal. Mas os
Detectives 8.12 O Bando dos Quatro 13.03 Inesquecível 13.48 A Loira Cortina de Ferro 21.50 Memphis Belle: novos amigos têm de ser

HUMOR
9.28 Detective Maravilhas 11.05 Missa Virtual 15.20 Momentos Perdidos Avião de Combate 22.39 Hidroaviões: protegidos de um inimigo mortal:
12.30 Mesa Nacional 13.00 Jornal da 16.49 Cinco 18.19 Mentes em Conflito Uma Nova Era 23.31 Sex Mundi, a o seu próprio pai, um ovnilogista
Uma 14.40 Conta-me Como És 15.35 19.50 Estranhos Companheiros 21.25 Aventura do Sexo 0.20 Huang’s World convicto de que extraterrestres são
A Vida Lá Fora José Cid no Campo Pequeno 18.22 Georgia O’Keeffe 23.01 Confissões de 1.06 A Queda da Cortina de Ferro 2.02 seres muito perigosos. Uma
TVI, 23h22 Pesadelo na Cozinha 19.57 Jornal das 8 Uma Noiva Americana 0.38 Injustiçado Memphis Belle: Avião de Combate comédia animada com realização
Estreia. Nilton, António 22.00 Mental Samurai 23.22 A Vida Lá 2.10 The Halcyon 3.00 The Detail 3.45 2.55 Hidroaviões: Uma Nova Era 3.53 dos irmãos Wolfgang e Christoph
Raminhos, António Machado, Fora 0.06 Querido, Mudei a Casa! 0.58 A Teoria do Big Bang 4.57 O Mentalista Dark Net 4.21 Alimentos 3.0 Lauenstein, também responsáveis
Guilherme Duarte, João Seabra e, pela oscarizada curta Balance.
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 21

Ficar (em casa)

EM DESTAQUE
Actividades

Saudades do mar?
Aviste-o de casa
“Hoje, nas nossas exposições, não para identiÆcar o padrão de uma
se ouvem as gargalhadas e não se uge-de-pintas-azuis, responder a
vêem os sorrisos que nos uma adivinha sobre a
costumam encher de alegria e lontra-marinha, saber curiosidades
motivação. Os aquários continuam sobre o peixe-lua, conhecer um
com a cor que nos enche o olhar e projecto de conservação, ver um
o mesmo movimento que tem o Ælme sobre o mar português ou
poder de nos inspirar.” A embarcar na “onda de
mensagem chegou do Oceanário de tranquilidade” que pode ser um
Lisboa (fechado), há cerca de uma simples vídeo dos habitantes do
semana. Com uma promessa: aquário nas suas navegações.
“Vamos continuar a levar o Quem tem saudades de ver o mar
Oceanário e o oceano até si.” Já escusa de sair de casa: basta
está a ser cumprida. No Instagram mergulhar em família nestes
e no Facebook, há pelo menos uma desaÆos. Não faltam sequer umas
sugestão por dia, para Æcar Em Férias Debaixo d’Água.
Casa a Ver o Mar. Podem pedir-lhe Sílvia Pereira

Guimarães 2012 — Capital Europeia sessão termina com uma sugestão


da Cultura, o grupo Outra Voz deu de leitura dos convidados. Para
corpo a uma experiência quem não conseguir assistir aos
inesquecível e também de futuro. directos, os vídeos estarão
Hoje, reúne cerca de uma centena disponíveis em https://etaste.pt/
de pessoas de várias proveniências categoria/coronavirus/live-chef-
etárias, culturais e geográÆcas resistir/. Andreia Marques Pereira
numa associação cultural sem Æns
lucrativos constituída em 2013. A Visitas
experiência, bem como os seus
métodos e os seus frutos, foi
registada num documentário
Arquitectura
realizado por Filipe Frederico
Leite, que se estreou em 2017,
em casa
Séries Jarreau. A série, criada por Glenn percorreu várias salas e agora, em A Casa da Arquitectura de
Gordon Caron, teve a sua vida tempos de quarentena, pode ser Matosinhos inaugura hoje um novo
Modelo original de 1985 a 1989 nos EUA.
Em Portugal, nos Verões da década
visto nos canais de YouTube da
produtora Os Fredericos e da alento à indústria gastronómica e
espaço. O canal Studio Casa abre
portas para reforçar a oferta de
e Detective de 1990, ainda estava em reposição
para fazer render as grelhas da
Outra Voz (e no Facebook desta).
Nuno Pacheco
dar a conhecer o mundo da
restauração portuguesa. A
conteúdos digitais, numa altura em
que a programação do Centro
no YouTube altura em que menos espectadores
viam televisão. J.A.C. Alimentação
plataforma virtual Live Chef,
criada pelo chef do restaurante do
Português de Arquitectura está
suspensa. Semanalmente, no
ao seu dispor Música Live Chef:
Torre Palma Wine Hotel, em
Monforte, juntamente com o
Facebook, YouTube e Instagram da
casa, sob o signo #aCasaemCasa,
Numa altura em que estar em casa foodie Guilherme Filipe, quer há entrevistas a um conjunto de
e recordar tempos mais simples é
uma inevitabilidade, Modelo e
Outra Voz conversas servir como “janela para o mundo
da restauração portuguesa, dando
personalidades. Nesta primeira
temporada, são dez os convidados:
Detective e a tensão “será que eles
vão ou não” de Willis e Shepherd
para ver de cozinheiros a conhecer alguns dos seus
protagonistas mais promissores”,
Álvaro Puntoni, Ângelo Bucci,
Carlos Alberto Maciel, Celso Sim,
estão aí para ajudar. Onde? No
YouTube. Do primeiro episódio às
e reouvir O anÆtrião é o chef Filipe Ramalho
(do restaurante Basilii), os
lê-se no comunicado. Cozinheiros
e pasteleiros são convidados para
Elisabete França, Marcelo Ferraz,
Marcelo Morettin, Marta Moreira,
mais emblemáticas aventuras dos Criado em 2010, no âmbito da convidados são cozinheiros e partilharem, em directo, histórias, Martin Corullon e Zuza Homem de
detectives e potenciais amantes da Área da Comunidade de pasteleiros. Juntos querem dar ideias e curiosidades sobre a Mello. Podemos também fazer uma
Blue Moon Detective Agency, há gastronomia nacional, em visita virtual a 360º ou espreitar a
muitos capítulos disponíveis para conversas informais. Os encontros exposição Souto de Moura —
recuperar a memória dos serões estão marcados para a página de Memória, Projectos, Obras,
das terças-feiras à noite da RTP1 Instagram do chef ao longo do comissariada por Francesco Dal
nos anos 1980 ou das pequenas mês, sempre às 17h e com Co e Nuno
Nu Graça Moura,
grandes vitórias no Agora, Escolha duração de meia hora. a. O que re
reúne desenhos,
de 1988, quando, na RTP2, a seguir público pode participarar com maqu
maquetas e documentos
ao almoço, o programa mais perguntas previamente te do prestigiado
pr arquitecto
votado era Modelo e Detective. Para enviadas que são p
português que
encontrar, há que recordar o título colocadas aos ali depositou
em inglês, o Moonlighting da convidados durante o seu vastíssimo
canção do genérico assinada por Al a conversa. Cada acervo. C.A.M.
22 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

Estar bem
GETTY IMAGES/ISTOCKPHOTO

púberes (ou seja, com os primeiros


sinais de desenvolvimento sexual),
com idades tipicamente compreen-
didas entre os 12 e os 14 anos. Os
interesses sexuais hebéÆlos distan-
ciam-se assim dos interesses se-
xuais pedóÆlos no sentido em que
os primeiros são atraídos por crian-
ças que apresentam alguns sinais
de desenvolvimento sexual secun-
dários, mas são sexualmente ima-
turas. A pedoÆlia e a hebeÆlia po-
dem ser assim distinguidas da te-
leoÆlia que representa o interesse
sexual por pessoas adultas, já se-
xualmente maduras.
Algumas investigações realçam
que apenas alguns indivíduos com
interesses sexuais pedóÆlos pros-
seguem para o contacto sexual com
crianças e, com isso, para um epi-
sódio de agressão sexual. Desta for-
ma, existem indivíduos com inte-
resses sexuais pedóÆlos que restrin-
gem o seu desejo por contacto
sexual com crianças a uma mera
fantasia, enquanto outros correm
o risco e cometem a agressão. Esta
circunstância implica que é funda-
mental a aposta na prevenção dos
crimes sexuais cometidos contra
menores, possibilitando uma res-
posta clínica que reduza fortemen-
te a probabilidade de recair. Ao
longo dos anos, as investigações
têm sido claras ao indicar que indi-
víduos que não são alvo de trata-
mento têm maior probabilidade de
reincidência.

Respostas terapêuticas
Desde 2019 que se encontra dis-
ponível em Portugal um programa
destinado a ajudar pedóÆlos a con-
trolar os seus ímpetos. Trata-se de
um programa criado pela equipa

aos interesses sexuais atípicos de Klaus M. Beier, director do Ins-


tituto de Sexologia da Charité — Uni-
versidade de Medicina de Berlim,
um projeto pioneiro, no qual um
grupo de terapeutas (psicólogos e
Ao longo dos anos, as investigações têm sido claras ao indicar que indivíduos que não são alvo psiquiatras), em Lisboa e no Porto,
se disponibiliza a intervir com ado-
de tratamento têm maior probabilidade de reincidência lescentes e adultos que sofrem de
pedoÆlia ou hebeÆlia e que desejam
Ricardo Barroso ajuda para controlar impulsos, para
nunca passarem à prática.
Do ponto de vista da sexologia clí-
nica, os interesses sexuais poderão
nores, os abusadores de crianças
não possuem uma preferência se-
não terem capacidade de fazer ne-
nhuma consideração sobre os dé- Desde 2019 que Encontra-se disponível igualmen-
te uma outra ferramenta de autoa-
ser deÆnidos como normativos ou xual especíÆca por crianças pré-pú- Æces sociais, emocionais e sexuais juda para quem sente atração por
atípicos, podendo estes últimos ter beres. A principal razão de estes que o agressor apresenta, sejam há em Portugal menores de idade e não tem acesso
características desviantes e crimi- sujeitos abusarem sexualmente de eles visíveis ou percecionados. Por a terapia presencial, podendo re-
nais. É possível encontrar pelo me-
nos dois grupos distintos de inte-
crianças poderá passar, muitas ve-
zes, pela substituição momentânea
sua vez, indivíduos com interesses
sexuais pedóÆlos apresentam uma
um programa correr a um sistema online
(troubled-desire.com/pt/). Todas
resses sexuais atípicos: indivíduos
com interesses sexuais coercivos
do/da seu/sua parceiro/a, tendo
como alvo crianças mais desprote-
preferência sexual exclusiva por
crianças pré-púberes, ou seja, que
destinado estas respostas porque este tipo de
comportamentos exige prevenção
(ativação sexual quando está pre-
sente o uso da violência/coerção),
gidas, adolescentes sexualmente
inexperientes, com deÆciência
não apresentam qualquer caracte-
rística sexual secundária (por exem-
a ajudar e, felizmente, existem já recursos
técnicos em Portugal que o permi-
e indivíduos com interesses sexuais
por crianças (ativação sexual quan-
mental, bem como crianças com
problemas de comportamento ou
plo, inexistência de pelos púbicos),
geralmente com idade inferior a 13
pedófilos tem fazer.

do olham para o corpo de uma


criança). Surgem nesta última tipo-
com origem em famílias disfuncio-
nais.
anos. Trata-se de uma perturbação
mental, que se manifesta de forma
a controlar Membro do Grupo de
Investigação em Sexualidade
logia os abusadores sexuais de
crianças e pedóÆlos. Importa, no
É também relevante considerar
que muitos destes agressores ape-
persistente com pensamentos, fan-
tasias sexuais e excitação sexual.
os seus ímpetos Humana (SexLab) do Centro de
Psicologia da Universidade do
entanto, não confundir pedóÆlos nas se aproximam de vítimas me- É também utilizada a denomina- Porto (CPUP). Professor auxiliar
com agressores sexuais de crian- nores (habitualmente social e emo- ção hebeÆlia para descrever a pre- da Universidade de
ças. Apesar do abuso a vítimas me- cionalmente vulneráveis) por estas ferência sexual por adolescentes Trás-os-Montes e Alto Douro
Público • Domingo, 5 de Abril de 2020 • 23

Crónica

Quando regressamos ao velho normal?

N
o novo normal, não meia mais tarde, não há roupa, janela, onde os vizinhos passeiam não é uma formalidade, espero
perco tempo a maquilhagem ou dilemas frívolos Bárbara Wong os seus cães numa rua em que os sinceramente que o meu
olhar para o que me atrasem, amasso e ponho carros se esqueceram de passar. interlocutor esteja de saúde. No
roupeiro, cheio, o pão no forno, que Æcou a No novo normal, produzo e novo normal, quando falo ao
sem saber o que
vestir. Não perco
levedar da noite anterior —
continuo a experimentar receitas
No novo consumo notícias de um tema só;
o mesmo que se impõe em todas
telefone em termos proÆssionais,
acabo por, invariavelmente,
tempo ao espelho numa rotina
que envolve limpeza, hidratação,
porque, embora descendente de
uma linhagem de padeiros, normal, não as conversas; o mesmo que me
faz suster a respiração enquanto
entrar na esfera pessoal, mesmo
sem querer. “Morreu-me uma
maquilhagem. Não Æco sentada
na cozinha a comer torradas e a
perdão, de industriais de
paniÆcação, ainda estou longe da sinto saudades me afasto dos poucos que passam
por mim na rua; o mesmo que
tia”, diz-me um assessor quando
lhe pergunto se está bem.
ver os emails de trabalho,
enquanto o sol quente a invade e
perfeição. Espero meia hora, o
tempo de preparar o local de de tudo o que invade os meus sonhos e me faz
acordar a pensar nesta vida que
“Desculpa, mas os miúdos estão
em cima de mim”, suspira uma
convida a Æcar mais um pouco. trabalho na mesa da sala. Como parece suspensa, mas que se colega. “Isto está a ser muito
Não perco tempo na paragem do pão quente com manteiga a era o velho desmorona a cada dia que passa. mau”, confessa uma fonte,
autocarro ou na estação de derreter, sem olhar para um No novo normal, quando assustada. “O que vai ser o nosso
metro.
No novo normal, não chego à
único ecrã, só para o lado de lá da normal escrevo “espero que esteja bem”, futuro? O futuro dos nossos
Ælhos?”, insiste. No novo normal,
MIGUEL MANSO
redacção, cumprimento a estas perguntas angustiam-me
segurança, saúdo os colegas que mais do que no velho normal.
chegaram mais cedo, lavo as No novo normal, descobrimos
mãos — no velho normal, já lavava novos amigos e novas
as mãos por andar nos solidariedades. No novo normal,
transportes públicos —, enxaguo ligamos aos mais velhos para
a chávena, encho-a de chá, olho a saber se precisam de alguma
ponte e o Cristo-Rei antes de ligar compra e compreendemos que
o computador e mergulhar no dia precisam de conversar.
de trabalho. Deixamos-lhes as compras à
No novo normal, não corro porta, falamos à distância,
para apanhar o autocarro que tentando dar aquele ar de que
pode ir cheio e seguro a mala, está tudo bem, queremos que
não vá alguém abri-la no meio Æquem animados, mas
dos solavancos e dos encontrões. fraquejamos na hora da
Ou não espero por aquele despedida, sem lhes podermos
autocarro que faz a rota maior, tocar.
em que posso ir sentada, e ver a No novo normal, fazemos um
cúpula da basílica e o jardim da bolo e cantamos os parabéns
Estrela, a sinagoga, o Marquês, virados para um ecrã quando
como se fosse uma turista pela queríamos levá-lo para a casa da
primeira vez na cidade ou família, abraçarmos toda a gente,
encontrar um velho conhecido e beijarmos o aniversariante e
irmos à conversa até casa. desaÆnarmos o “Parabéns a
No novo normal, não há idas às você”. No novo normal, não sei
compras; não há folhear as se Cristo vai ressuscitar, não
novidades nas livrarias; não há haverá gritos e gargalhadas à
montras nem monumentos para volta da mesa pascal, mas há um
ver; não há idas ao ginásio; não carro da polícia que insiste, pelo
há almoços com os colegas, em altifalante, para que
que mal nos ouvimos num permaneçamos em casa.
espaço onde a insonorização foi No novo normal, não sinto
esquecida; não há jantares com saudades de tudo o que era o
os amigos naquele restaurante velho normal, mas sinto dos
que acabou de abrir e temos abraços e dos risos dos outros
mesmo de ir experimentar; não que não os meus, com quem
há cinema, teatro e idas a atravesso este isolamento. Anseio
concertos. No novo normal, não pelo dia em que possamos,
vamos cumprir a Paixão Segundo Ænalmente, sair, respirar e viver
São João, na Gulbenkian, como sem medo de contágios.
não há Semana Santa.
No novo normal, acordo hora e bwong@publico.pt
24 • Público • Domingo, 5 de Abril de 2020

Opinião

Os tempos vão mudar?

Q
uando editou, em 1964, The Costa, em fazer ouvir a sua voz. Não se pode
times are a’Changin, Bob Dylan O Tigre de Papel jantar com uma personagem destas. Jean
previa o futuro. O seu e o da
América. John F. Kennedy fora
Fernando Sobral Monnet disse que a Europa será forjada nas
crises. O surto da covid-19 é uma dessas
assassinado meses antes e crises. É sanitária e económica. Será moral e
Dylan rompia com o passado. ética. Não poderá perder tempo com
Fora o trovador da personagens como o sr. Hoekstra.
renovação da música folk. Mais uns meses e Portugal vive um momento crucial. No
transformar-se-ia num herético: meio da sensatez política, tem sobrado
deslumbrado por Rimbaud e pelo LSD, espaço para o dislate. Transformar o Hospital
trocava a viola por uma guitarra eléctrica. Os Curry Cabral, por desígnio político do sr.
tempos tinham mudado. Recorda agora isso António Costa, numa unidade exclusiva para
numa canção sem Æm, Murder Most Foul. Diz o combate à covid-19 é um deles. Tal como
ele, que já viu tudo: “Thousands were foram, antes, as iniciativas políticas para
watchin’/No one saw a thing.” Fala da morte acabar com o Laboratório Militar e o Hospital
de J.F.K. e da misteriosa digressão mágica das Militar. Colocar-se já na Æla da frente para um
décadas de 1960 e 70. Poderia estar a falar de sebastiânico governo de “salvação nacional”,
um vírus invisível que dinamitou todas as como faz o sr. Rui Rio, é outro. Os políticos
certezas das sociedades modernas. portugueses usam demasiadas vezes a
Tal como nesses dias, os tempos estão a improvisação como almoço. Raras vezes
mudar? É verdade. desenham estratégias. Os resultados
Só que, agora, ninguém sabe onde colocar costumam ser desastrosos.
os pés: estes campos colocados à nossa Nada que os diferencie, aqui, da Europa
frente, outrora Çoridos e globais, estão dita comunitária. Há um velho ditado grego
minados. Cheios de espantalhos, de Jokers, que apetece recuperar agora: “Aqueles a
de Freddy Kruegers. Estamos num labirinto quem os deuses desejam destruir, primeiro
onde não vemos o Minotauro, mas sentimos enlouquecem.” A Europa, antes de se
a sua presença. Todos desejam respostas. destruir, está a enlouquecer. Os deuses
Mas, no mercado, estão esgotadas, como as europeus actuais simbolizam instituições
máscaras ou o álcool etílico. Em Delfos, os pós-modernas: são indiferentes ao que os
gregos perguntavam o futuro à pitonisa. cerca. No centro de toda esta tragédia sem
Hoje, o Google não nos dá respostas. Nem os solução está uma União Europeia
políticos, os mercados ou os videntes. Como burocrática. E que reage em vez de agir.
será o mundo depois da covid-19? Sabemos Poderá assistir, a prazo, a democracias mais
apenas o que desejávamos ignorar. Seremos musculadas. E quem pagará a crise? E como?
mais pobres e haverá uma astronómica E como será a gestão social de um mundo
dívida por pagar. Pior: até quando existirá empobrecido, sem presente e com um futuro
dinheiro, em países que não emitem moeda, muito nebuloso? Uma roleta russa?
para pagar a paz social? O Estado não é o O mundo tem surfado pelas redes sociais.
cofre do Tio Patinhas. Com cada vez menos contacto com a
A história do coronavírus é um duelo entre realidade. Algo vai mudar, mas talvez não
a saúde e a economia. Desejamos que ambas tanto como alguns desejaríamos. A grande
sobrevivam. Mas, até lá, temos de lidar com dúvida, no meio do cataclismo, será uma:
os vencidos da vida. Do país antes conhecido Æcaremos melhores ou piores pessoas do
como Holanda e agora novamente chamado que antes da covid-19? Foi a forma como
Países Baixos, esperávamos a subtileza dos tentámos domesticar o planeta aos nossos
quadros de Rembrandt, frutos belos de uma interesses que nos tornou alvos mais fáceis
sociedade aberta ao mundo. Pelo contrário, de vírus. Julgávamos ser os conquistadores.
coube-nos, nestes dias mais sombrios, o sr. Acabámos encurralados. A globalização, o
Hoekstra, holograma do sr. Dijsselbloem. viver numa rede sem Æm, fez agora reerguer
Julgou-se, por momentos, que o Ferrão dos fronteiras e desconÆanças. A economia
“Marretas”, resmungão que vive num caixote vencerá a saúde. Mas, mais ou menos
do lixo e que deseja que a sua vida seja o mutante, o mercado regressará sedento,
mais miserável possível, tinha agora assento como salvador. O vírus será o culpado de
no Eurogrupo. Não. Esta é uma personagem A quarentena de Bordallo todas as desgraças. E, como sempre, serão
real, menos carinhosa do que o Ferrão e usa As quarentenas não são uma novidade. Em 1879, Rafael Bordallo os mais frágeis que pagarão a crise, no meio
fato e gravata. Cómodo, com a barriga cheia, Pinheiro regressou do Brasil onde havia uma epidemia de febre- das cinzas.
pensa nele. E não nos outros. Fez bem amarela. Tem de ficar de quarentena no Lazareto, um edifício em
Portugal, por intermédio do sr. António Porto Brandão. Ali fez No Lazareto de Lisboa, memória desses dias. Jornalista e escritor

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