De maneira idêntica, minha segunda instância, que domina
o acesso à consciência, distinguiu meu amigo R. com uma exibição de afeição excessiva, simplesmente porque os impulsos de desejo pertencentes ao primeiro sistema, por suas próprias razões particulares, para as quais estavam voltados naquele momento, resolveram condená-lo como um tolo. Essas considerações talvez nos levem a achar que a interpretação dos sonhos poderá permitir-nos tirar, em relação à estrutura de nosso aparelho psíquico, as conclusões que em vão temos esperado da filosofia. Não pretendo, contudo, seguir essa linha de pensamento [adotada no Capítulo VII]; mas, tendo esclarecido a questão da distorção dos sonhos, voltarei ao problema de onde partimos. A questão levantada foi de que modo os sonhos com um conteúdo aflitivo podem decompor-se em realizações de desejos. Vemos agora que isso é possível, se a distorção do sonho tiver ocorrido e se o conteúdo penoso servir apenas para disfarçar algo que se deseja.Tendo em mente nosso pressuposto da existência de duas instâncias psíquicas, podemos ainda dizer que os sonhos aflitivos de fato encerram alguma coisa que é penosa para a segunda instância, mas que, ao mesmo tempo, realiza um desejo por parte da primeira instância. São sonhos de desejos, na medida em que todo sonho decorre da primeira instância: a relação da segunda instância com os sonhos é de natureza defensiva, e não criativa. Se nos limitássemos a considerar em que a segunda instância contribui para os sonhos, jamais conseguiríamos chegar a um entendimento deles: todas as charadas que as autoridades têm observado nos sonhos permaneceriam insolúveis. O fato de os sonhos realmente terem um significado secreto que representa a realização de um desejo tem de ser provado novamente pela análise em cada caso específico. Escolherei, portanto, alguns sonhos com um conteúdo aflitivo e tentarei analisá-los. Alguns deles são sonhos de pacientes histéricos, que exigem extensos preâmbulos e uma incursão ocasional nos processos psíquicos característicos da histeria. Mas não posso escapar a esse agravamento das dificuldades de apresentar minha tese. [Ver em [1].] Como já expliquei [em [1]], quando empreendo o tratamento analítico de um paciente psiconeurótico, seus sonhos são invariavelmente discutidos entre nós. No decurso dessas discussões, sou obrigado a dar-lhe todas as explicações psicológicas que permitiram a mim mesmo chegar a uma compreensão de seus sintomas. A partir daí, fico sujeito a uma crítica implacável, por certo não menos severa do que a que tenho de esperar dos membros de minha própria profissão. E meus pacientes invariavelmente contradizem minha asserção de que todos os sonhos são realizações de desejos. Eis aqui, portanto, alguns exemplos do material de sonhos apresentados contra mim como provas em contrário. “O senhor sempre me diz”, começou uma inteligente paciente minha, “que o sonho é um desejo realizado.” Pois bem, vou lhe contar um sonho cujo tema foi exatamente o oposto - um sonho em que um de meus desejos não foi realizado. Como o senhor enquadra isso em sua teoria? Foi este o sonho: