1. Origem: Estética designa o estudo filosófico do
belo e da arte. Estética foi formada originalmente a partir do termo grego a‡sqhsij[aisthesis=sensação] daí a„sqhtikh e a„sqhtikÒj, que significa susceptível Est de ser percebido pelos sentidos. Neologismo ética cunhado por Alexander Gottlieb Baumgarten [1714- 1762] para dar título à sua obra Aesthetica, de 1750. Baumgarten foi quem distinguiu sob este neologismo, o conhecimento do belo das outras partes da filosofia. A Gnosiologia para ele se dividia em saber inferior ou sensível e saber superior ou intelectual. A Estética é o saber sensível, a que ele definiu como a ciência do pensar belo [scientia pulchre cogitandi], da qual ascende à perfeição do conhecimento sensível [perfectio cognitionis sensitivae]. A Estética estuda racionalmente o belo e o sentimento que ele suscita na sensibilidade individual, por meio da obra de arte. O belo é o objeto da estética e a arte a sua expressão. Enquanto a estética considera as teorias da percepção e criação artística, a arte tem como função principal a expressão do belo, como o que toca os sentidos e os sentimentos. Com Emanuel Kant [1724-1804], em a Crítica da Razão Pura de 1781, fala-se da estética como um juízo a priori à percepção sensível. Com esta percepção, a Estética passou do meramente sensível para uma dimensão a priori. Primeiramente com Baumgarten e posteriormente reforçado com Kant, prevaleceria a idéia da Estética como uma disciplina da filosofia, uma de suas partes, correlata à Gnosiologia, à Metafísica, à Ética e à Lógica, que designaria o estudo racional do belo e da arte, sua representação, percepção e sentimentos suscitados nos indivíduos. Em razão de ser considerada uma parte da filosofia, por vezes é denominada também como Filosofia da Arte ou Filosofia do Belo.
2. A Estética Tomista: Tomás de Aquino [1225-1274] não escreveu
nada sistematicamente sobre a estética. Não obstante, dedicou-se a tratar os seus principais conceitos em muitas obras: arte [ars] e belo [pulchrum]. A sua teoria do belo também supõe a gnosiologia, mas se fundamenta na metafísica e na ética. De tal maneira que em alguns momentos as fronteiras gnosiológica, metafísica e ética se tocam no estudo do belo e da arte. E como a estética supõe o estudo de algumas potências da alma e da natureza do corpo, parece oportuno antes estudá-las. 3. O homem: O homem é animal racional mortal [STh.I,q29,a4,ad2]. O nome homem nomeia o todo de que é composto, ou seja, o todo que é a alma intelectiva e o corpo [STh.I,q22,a2,c]. O ser humano é uma substância completa, composta de duas outras substâncias incompletas em si mesmas, a substância alma racional e a substância corpo [STh.I,q75,a4,ad1]. É relevante frisar que a substância humana só é completa, quando alma e corpo se encontram unidos, posto que a alma humana é mais completa e perfeita quando unida ao corpo, do que quando separada dele [In IV Sent.d49,q1,a4,qc1,c]. A alma racional é o primeiro ato de ser e primeiro princípio de vida [STh.I,q75,a1,c; De anima,a1,ad15] do corpo fisicamente organizado e que tem a potência de viver [CG.II,61]. Mas a alma intelectiva, cuja origem é por criação [In II Sent. d17,q2,a2,ad3], só é primeiro princípio de vida dos corpos complexos e organizados [In II Sent.d19,q1,a4,ad1]. Neste sentido, ocorpo a que se une a alma intelectiva, por infusão, quando este está disposto [De ver. q12,a3,c], deve ser um corpo misto gerado, com adequada complexidade [STh.I,q76,a5,c]. Ora, a alma racional é o que determina, no corpo, a perfeição própria do homem. Portanto, toda capacidade e, mais especificamente, a potência cognitiva, emana, originalmente, da alma racional [STh I,q77,a6,c]. O belo e a arte fazem parte da dimensão cognitiva do homem, pelos quais o homem percebe a verdade da coisa em sua proporção e harmonia. Vejamos o modo pelo qual ele percebe esta dimensão por suas potências cognitiva e apetitiva.
3.1. Somatologia: Por somatologia entende-se aqui a ciência do corpo.
E porque não há percepção sensível sem o corpo e muito menos a ciência da proporcional e harmoniosa desta percepção, ou seja, a estética, convém iniciar o estudo da estética oferecendo uma adequada conceituação de corpo. (a)Definição de corpo: por corpo entende-se, aqui, algo pertencente ao gênero da substância material [STh.I,q18,a2,c]. Ora, porque a substância material pode ser considerada em sua realidade individual, onde está composta de matéria e forma, e em sua consideração abstraída da materialidade e de suas dimensões, segue-se que dois são os modos de consideração do corpo: corpo considerado fisicamente e corpo considerado matematicamente [STh.q7,a3,c]. Este nome corpo é utilizado para designar e significar propriamente a substância física, ou seja, aquela que possui as três dimensões quantitativas determinadas [In III Phys.lec8,n355; STh.I,q18,a2,c], ou seja, comprimento, largura e profundidade [In IV Phys.lec3]. Por dimensão entende-se, aqui, o atributo intrínseco da quantidade e a expressão das qualidades sensíveis [In IV Phys,lec13,n.541], como a figura que é a qualidade manifesta na quantidade [In VII Phys.lec5,n.914]. As dimensões quantitativas dão extensão ao corpo, uma superfície, uma planície. Por isso, define-se corpo como determinada planície [In III Phys,lec8,n.350], que existe num lugar [In III Phys,lec9,n.359], que repousa em seu lugar próprio [In VIII Phys,lec5,n.1013] e somente convém estar num lugar [In IV Phys,lec10,n.509] e jamais ocupa o mesmo lugar próprio de outro corpo [In III Phys,lec8,n.355]. Por isso, o corpo físico, natural não possui quantidade indeterminada [In I Phys,lec9,n.65] e nenhum é infinito [In III Phys,lec8]. Mas adverte que os corpos celestes, em razão de seu movimento e de sua matéria, só em sentido equívoco diz-se que são corruptíveis [In VII Phys,lec8,n.947]. Todos os demais corpos terrestres sujeitos ao tempo e ao espaço, com dimensões determinados estão sujeitos à geração e corrupção, especialmente os corpos vivos dos vegetais e dos animais. Destaca o Aquinate que há corpos na natureza das coisas, como os corpos dos animais e, especialmente, os dos homens, que além de sua perfeição própria de corpo, que é possuir as três dimensões, podem obter, também, uma perfeição ulterior, como a vida, a sensibilidade e a intelectualidade. O corpo enquanto é uma substância com a sua perfeição própria, ou seja, com as três dimensões, é dito gênero, porque é perfeição comum de tudo quanto seja corpo. Mas o corpo que além de sua perfeição própria possui, também, a vida, como o corpo vegetal, a vida e a sensibilidade, como o corpo animal, e a vida, a sensibilidade e a intelectualidade, como o corpo humano é denominado parte integrante, porque não é perfeição comum de todo e qualquer corpo, mas parte integrante da perfeição de um todo. [De ente et ess. c.1]. (b) Origem e natureza: o corpo toma a sua origem da matéria. Mas como não existe matéria sem forma, procura estabelecer de que matéria o corpo tomou a sua origem. O Aquinate, seguindo a tradição, sustenta que corpo toma a sua origem da matéria primeira. A matéria primeira é o substrato de todas as transformações substanciais [In XII Metaph., lect.2], mas não como um ser em ato, senão em potência [In VIII Metaph., lect.1; VII, lect. 6; XII, lect. 2]. A matéria por ser primeiro sujeito das formas, ao ser informada por uma forma específica, torna-se atual, como o seu substrato individual, por isso, a matéria é considerada princípio de individuação da forma que recebe [In VII Metaph., lect.10], cuja recepção e individuação estabelece na matéria as três dimensões: comprimento, largura e profundidade, colocando-a na categoria corpo [De ente et ess. c.1]. Portanto, corpo é o que resulta da informação substancial da matéria primeira e a individuação da forma substancial recebida na matéria, sob certas dimensões quantitativas [In I Sent., d. 8, q. 5, a. 2; d. 9, q. 1, a. 2, d. 23, q. 1, a. 1; d. 25, q. 1, a. 1, ad. 3, ad. 6; d. 36, q. 1, a. 1, con; De ent. et ess., cap. 2, n. 7; De nat. mat., cap. 1, n. 370; cap. 2, n. 375; cap. 3, n. 377; cap. 4, n. 379, n. 380, n. 383, n. 385, n. 389; cap. 5, n. 393, n. 394; cap. 6, n. 398; De prin. indiv., n. 426, n. 428]. O corpo tem a sua origem da matéria informada pela forma substancial e pelo acidente quantidade e sua natureza é, por isso mesmo, material, individual, sensível. O corpo do primeiro homem é segundo o Angélico, que se pauta nas Escrituras [STh I,q91,a4,c], formado do barro [STh I,q91,a1,c] imediatamente por Deus [STh I,q91,a2,c] e convenientemente disposto para receber o espírito [STh I,q91,a3,c]. Tendo sido formado a partir do corpo do homem, o corpo da mulher [STh I,q92,a1-4] representa, para o corpo do homem, a perfeição de que está privado o corpo do homem e lhe serve de ajuda e complemento na geração [STh.I,q92,a1,c] e representa, em si mesmo, a privação de alguma perfeição que lhe complementa o corpo do homem. Toda ulterior formação de corpos humanos subordina-se à geração, a partir dos corpos do primeiro homem e da primeira mulher. Dos primeiros pais foram gerados todos os outros corpos humanos.
3.2. A potência cognitiva: Obviamente não há percepção sensível no
homem sem a potência intelectiva. Por isso, toda e qualquer percepção sensível supõe a inclinação da faculdade intelectiva, a ponto de poder- se dizer que não são os sentidos que sentem, mas a alma pelos sentidos. Ora, se o intelecto é a máxima expressão da alma em perfeição e faculdade, nada sentirá o corpo que não tenha a ver com alguma inclinação ou mesmo com alguma percepção intelectiva. (a) o intelecto: a palavra intelecto provém de intus legere, 'ler por dentro'; trata-se de uma potência cognitiva da alma humana, por meio da qual a alma conhece algo de si, algo do que lhe rodeia e algo do que lhe transcende. O intelecto é a mais nobre potência da alma, mas não a própria natureza da alma [STh I,q79,a1,c].Difere dos sentidos [In I Met.lec2,n45; In II Met.lec1,n282-286]; seu objeto é a verdade [In VI Met.lec4,n.1230-1240]; possui duas operações, uma indivisível e outra de composição [In VI Met.lec4,n.1232]; está ordenado ao inteligível [In XII Met.lec8,n.2540]; humano é imaterial [In IX Met.lec11,n2624]; divino inteligi-se a si mesmo [In XII Met.lec11,n2611-2626]. (b) objeto próprio do intelecto: o ente é o que primeiro considera e conhece o intelecto [In I Met. lec.2, n.46]; o intelecto ordena-se ou orienta-se primeira e naturalmente à consideração do ente. O ente diz-se do que tem ser. Portanto, tudo que tem ser é ente e a isso ordena-se o intelecto. É o sujeito da Metafísica [In IV Met. lec.1, n.529-531]. Não é gênero, pois não possui diferença [In I Met. lec.9, n.139]. É o que tem ser [In XII Met. lec.1, n.2419]. É tomado do ato de ser [In IV Met. lec.2, n.556-558]. Diz-se substância [In III Met. lec.12, n.488-493]. É considerado de quatro modos: do acidente, da verdade da proposição, dos predicamentos e se divide em ato e potência [In VI Met. lec.2, n.1171]. Pode ser essencial, acidental, real e de razão, dos predicamentos e do ato e da potência [In V Met. lec.9, n.885]. Ente por acidente não é propriamente ser [In XI Met. lec.8, n.2272]. Não há ciência acerca do ente por acidente [In VI Met. lec.2, n.1172-1176]. Ente de razão é próprio da Lógica [In IV Met. lec.4, n.574]. É o que primeiro capta o intelecto [In I Met. lec.2, n.46]. (c) ação própria do intelecto: conhecer a realidade e dela apreender a verdade; esta é a ação própria do intelecto; a verdade é o que visa o intelecto, quando ele considera o ente; por isso, a verdade é a adequação do intelecto com a coisa, que é um ente. O conhecimento da verdade é por dupla via: por resolução e por composição [In II Met. lect. 1, n.278]; o seu conhecimento implica dupla dificuldade: uma da parte das coisas e outra da parte de nosso intelecto [In II Met. lect. 1, n.279-286]; para o seu conhecimento os homens se ajudam duplamente: direta e indiretamente [In II Met.lect. 1, n.287-288; lect. 5, n.334]; é conveniente buscá-la [In II Met. lect. 5, n.335-336]; dos primeiros princípios é previamente determinada, e resolvem muitas dificuldades em sua aplicação [In III Met. lect. 1, n.338]; o verdadeiro e o falso nas coisas não são senão afirmar e negar [In IX Met. lect. 11, n.1896-1901; In VI, lect. 4, n.1230-1240]; está mais no ato que na potência e mais nas simples que nas compostas [In IX Met. lect. 11, n.1910-1913]. (d) o processo de conhecimento pelo intelecto: a abstração é o processo próprio do modo como o intelecto conhece o ente; o intelecto não conhece as coisas nele mesmo, senão, pela abstração, depois da recepção das formas sensíveis impressas que, impregnadas de materialidade e individualidade, são depositadas, pela potência sensitiva, nos sentidos internos, cuja separação da materialidade e individualidade é feita pelo processo de abstração. Designa em Tomás uma atividade do intelecto pela qual considera a forma comum de um objeto separada (abstraída) de sua matéria e de suas condições individuais. Ela é tríplice: da matéria, dos inferiores e dos sentidos [In I Met. lec. 10, n. 158; In III Met. lec. 7, n. 404-405; In VIII Met. lec. 1, n. 1683 e In XII Met. lec. 2, n. 2426]. A abstração da matéria é de quatro modos: matéria sensível, inteligível, comum e individual [In VI Met. lec. 1; In XI Met. lec. 7, n. 2259-2264]. (e) a passividade do intelecto: no primeiro momento do ato de conhecimento, o intelecto é passivo, porque recebe as informações que as potências sensíveis, tanto internas, quanto externas, fornecem para a alma; por isso, conhecer é padecer, enquanto isso significa receber aquilo para o qual estava em potência, sem que nada lhe fosse tirado [STh I,q79,a2,c]. (f) a atividade do intelecto: num segundo momento do ato de conhecer, o intelecto é agente, pois é necessário que o próprio intelecto, depois de recebidas as formas sensíveis, - as espécies impressas ou imagens - opere e as coloque em ato, pela abstração das formas inteligíveis, formando novas espécies - as espécies expressasou conceitos -, na medida em que as conhece em ato e as torna semelhantes a ele e subsistentes nele [STh I,q79,a3,c]. O intelecto agente é potência intelectiva, ou seja, existe na alma humana como sua potência de entender as coisas em ato. Cada homem possui o seu intelecto individualmente; e este se assemelha, por natureza e perfeição, aos dos demais homens. Portanto, ele não existe separado da alma, embora não dependa de algum órgão do corpo para operar no que lhe é próprio [STh I,q79,a4,c], nem é único ou um só para todos os homens [STh I,q79,a5,c]. (g) partes da potência intelectiva: São seis as partes da potência intelectiva, com as quais o intelecto concebe um conceito verdadeiro, certo, abstrato, universal ou comum de muitos: a memória, a razão, a razão superior e inferior, a inteligência, o intelecto especulativo e prático, a sindérese, a consciência. - a memória - é parte da potência intelectiva da alma humana responsável por reter, conservar e recordar as imagens inteligíveis das coisas que são apreendidas [STh I,q79,a6,c]. Como tal, a memória não é uma outra potência distinta da potência intelectiva, senão que é da mesma potência intelectiva, pela qual além de ser potência passiva é conservativa [STh I,q79,a7,c]. - a razão - é parte da potência intelectiva da alma humana responsável pelo raciocinar, ou seja, ir de um objeto conhecido a outro; mas isso não difere a razão do intelecto, senão por causa das funções e não da natureza, pois uma coisa é o conhecer, que é simplesmente apreender a verdade inteligível, e outra coisa é raciocinar, como foi dito acima [STh I,q79,a8,c]. - a razão superior e a razão inferior - não são também duas potências distintas da potência intelectiva, senão que são dois nomes distintos dados a duas funções distintas de uma mesma natureza: a razão superior é a sabedoria, conhecimento conseqüente dos hábitos dos primeiros princípios indemonstráveis e a razão inferior é a ciência, conseqüente da aplicação dos hábitos dos primeiros princípios na demonstração das coisas temporais [STh I,q79,a9,c]. - a inteligência - é propriamente o ato mesmo do intelecto, que é o inteligir e não é uma outra potência, senão o ato da potência intelectiva [STh I,q79,a10,c]. - o intelecto especulativo e o prático - não são duas potências ademais da intelectiva, senão que são a consideração da mesma potência intelectiva, segundo os seus fins: especulativo, que não ordena o que apreende para a ação e o prático, que ordena para a ação aquilo que apreende [STh I,q79,a11,c]. - a sindérese - não é parte da potência intelectiva, nem mesmo é uma outra potência do intelecto, não é senão um hábito natural do intelecto que entende e concebe os princípios da ordem da ação que incita ao bem e condena o mal, na medida em que julga o que encontramos, mediante os primeiros princípios [STh I,q79,a12,c]. - a consciência - significa aquilo que implica a relação do conhecimento com alguma coisa, não é uma potência, mas um ato que atesta,obriga ou incita ou ainda acusa, reprova ou repreende, mas tudo isso resulta da aplicação de algum conhecimento ou ciência que temos do que fazemos, por isso, consciência é conhecimento com um outro. Neste sentido, a consciência forma parte da potência intelectiva, não como uma outra potência, senão como um ato pelo qual se aplica o conhecimento de alguma coisa [STh I,q79,a13,c].
3.3. A potência apetitiva: Basicamente o intelecto busca relacionar-se
com o mundo exterior pelos apetites intelectivo - vontade - e pelo apetite sensitivo - concupiscível e irascível. Neste sentido, cabe saber o que é fundamental deste apetite para a percepção sensível do mundo sensível para a concepção do que é belo. (a) definição: por potência apetitiva entende-se a inclinação natural da alma racional, ou seja, da forma humana para aquilo que lhe é natural, daí o apetite natural [STh I,q80,a1,c]. (b) tipos de potência apetitiva: há o apetite da potência sensitiva - o concupiscível e o irascível - e o apetite da potência intelectiva - a vontade -, que são potências diferentes por causa não só de seus atos e objetos, mas também por causa de seus respectivos sujeitos: a potência sensitiva, tanto o concupiscível, quanto o irascível, têm por sujeito o composto de alma racional e corpo, e a intelectiva, a vontade, tem por sujeito a alma. Ambas as potências distinguem-se entre si, tendo em comum o fato de serem potências passivas, cuja natureza é ser movida pelo objeto apreendido e visto que o objeto apreendido pelo intelecto é de gênero diverso do objeto apreendido pelo sentido, segue-se que o apetite intelectivo é uma potência distinta da potência do apetite sensitivo [STh I,q80,a2,c]. (c)apetite sensitivo: - a sensibilidade - não é apenas apetitiva, mas também cognoscitiva, de qualquer modo, este é o nome do apetite sensitivo; a operação da potência apetitiva sensitiva se dá por um movimento sensível, causado pela apreensão sensível, como se atesta a seguir: a visão é a sensibilidade que resulta da relação que há entre o órgão sensorial - os olhos - e o objeto sensível, na apreensão de sua forma sensível [STh I,q81,a1,c/De ver. q25]. Outro nome é o de sensação, que em parte serve para nomear esta relação que acabamos de mostrar. (d) tipos de apetites sensitivos: o apetite sensitivo se distingue em concupiscível e irascível, como duas potências distintas do apetite sensitivo; porque o apetite sensitivo é uma inclinação natural conseqüente da apreensão sensitiva, deve haver, portanto, na parte sensitiva, duas potências apetitivas: - o concupiscível - pela qual a alma humana é absolutamente inclinada, por conseqüência da apreensão sensitiva, a buscar o que lhe convém na ordem dos sentidos e a fugir do que pode prejudicar; - o irascível - pela qual a alma humana resiste às causas de corrupção e aos agentes contrários que põem obstáculo à aquisição do que convém [STh I,q81,a2,c]. É a razão que move e dirige o apetite sensitivo, portanto estas duas potências sensitivas, o apetite sensitivo concupiscível e o apetite sensitivo irascível, obedecem à razão, quanto ao mando e ato e submete-se à vontade, quanto à execução sendo, portanto, desta maneira que elas obedecem à razão [STh I,q81,a3,c]. (e) apetite intelectivo: - a vontade - é um apetite superior ao apetite sensitivo, não havendo nela nem concupiscível, nem irascível [STh I,q82,a5,c/De ver.q23]; é a inclinação natural do intelecto para algo; por isso, diz-se apetite do intelecto ou da razão; assim como se chama natural o que é segundo a inclinação da natureza, denomina- se voluntário o que é segundo a inclinação da vontade, que deseja alguma coisa de maneira necessária [STh I,q82,a1,c], embora não queira por necessidade tudo o que ela queira [STh I,q82,a2,c]. A vontade não é uma potência superior ao intelecto, pois o objeto próprio do intelecto é mais nobre e está nele mesmo, como quando se diz que a verdade e a falsidade a que consideram o intelecto estão na mente, enquanto o objeto próprio da vontade está na coisa, como quando se diz que o bem e o mal, a que tendem a vontade, estão nas coisas. Ora, o que é mais abstrato e nobre e reside no intelecto é superior em relação a tudo o que não seja abstrato e nele não esteja. Neste sentido, a vontade é inferior ao intelecto e, inclusive, depende dos princípios do intelecto para executar a sua ação [STh I,q82,a3,c], mas isso não significa que a vontade mesma não possa mover o intelecto, já que o objeto próprio da vontade, o bem, é causa eficiente de todas as potências da alma, inclusive, do intelecto, excetuando-se a potência vegetativa, que não é submetida ao nosso querer [STh I,q82,a4,c]. - o livre arbítrio - é uma potência [STh I,q83,a2,c/De ver.q24] apetitiva- cognoscitiva [STh I,q83,a3,c] que faculta o homem julgar os objetos do apetite sensitivo e do apetite intelectivo, segundo o que deles conhece, cujo julgamento não resulta de um instinto natural, senão de certa comparação da razão frente à orientação de certas apreensões sensíveis e inteligíveis; e é necessário que o homem julgue livremente, pois isso é uma exigência natural do ser racional [STh I,q83,a1,c]; o livre-arbítrio não é senão a própria potência apetitiva do intelecto, pois assim como o intelecto está para a razão, tratando-se da apreensão intelectiva, da mesma maneira, tratando-se do apetite intelectivo, a vontade está para o livre-arbítrio, que nada mais é do que a potência de escolha [STh I,q83,a4,c]. Assim, o intelecto tem por um lado a potência de raciocinar (razão), enquanto vai de um conhecimento a outro e, por outro lado, tem a potência de querer (vontade), enquanto isso é um simples desejo e tem a potência de eleger (liberdade), enquanto deseja alguma coisa por causa de outra que se quer conseguir [STh I,q83,a4,c].
4. Conceitos fundamentais: (a) A arte: Em nossos dias arte significa
toda produção bela, através de um ser consciente. Tomás define a arte como a reta razão de fazer algumas obras [Sum. Theo. I-II, q.57, a.3,c/C.G. I,93;II,24]. O artífice é consciente e mentor de algo em função do conhecimento e memória que possui de alguma coisa já conhecida e experimentada, algo que é executado ou produzido pela força de um hábito, por cuja repetição a imaginação tornou-se criativa, segundo a ordem e o juízo da razão. O que significa a reta razão? Diz-se reta a razão que no seu operar e produzir segue a sua norma, os seus próprios princípios, na medida em que se vale, por meio dos atos humanos e de determinados meios, para produzir algo. A arte, enquanto uma produção da razão, segue à retidão da mesma no que se refere à aplicação dos seus primeiros princípios, como os da contradição, identidade, causalidade e finalidade. A ordem que a razão faz considerando as coisas externas [In I Etica, lec.1 n.2] e a ordem que ela imprime no que faz, segue os princípios da própria razão: início, meio e fim. Neste sentido, a arte é a virtude de bem fazer, produzir, segundo a razão [C.G. III,10]. Portanto, a arte não é só cognoscitiva mas, sobretudo, operativa [Quodlb. V, q.1, a.2,c]. Na obra de arte há que se distinguir a virtude do artista, que conduz a arte e refere-se à habilidade do artífice, da obra de arte produzida, que é o efeito produzido pela arte [In VI Etic. lec.3]. O artista leva em consideração três coisas ao produzir uma obra de arte: a causa eficiente que se refere à consideração do que ele produzirá, a causa material, que se refere à escolha do material sobre o qual produzirá e a causa final, que é a obra de arte constituída [In VI Etic. lec.3]. A arte, por sua operação, imita a natureza em sua produção [C.G.III,10]. A beleza da arte deve ser considerada mais na própria produção artística do que no artífice [Sum. Theo. I-II, q.57, a.5, ad1]. O Aquinate a divide em artes servis e artes liberais: as servis são aquelas que se ocupam das produções manuais, pelo ofício do corpo e as liberais as que se referem às produções intelectuais, pelo ofício da razão, como o saber literário, ou seja, o trívio, a gramática, a retórica e a dialética e o saber científico, o quatrívio, a aritimética, a geometria, a música e a astronomia [Sum. Theo. I-II, q.57, a.3,ad.3]. A arte distingue-se da ética nisso, que ela é a arte do fazer e a ética é a do agir [Sum. Theo. I-II, q.57,a.4]. Tomás concebe a arte como independente da moral, contudo se opõe a qualquer arte que se instrumentalize contra a moralidade, pois a arte subordina-se adequadamente à moralidade, já que o agir é mais do que o fazer e este o supõe. A arte deve auxiliar a moral naquilo que lhe é próprio, ou seja, conduzir o homem na busca do bem e da beleza absolutas. Embora não se chegue diretamente ao bem pela obra de arte, porque ela se ordena ao que é belo e útil, ela muito serve para intuí-lo. Por isso, a arte não torna o artista bom, senão hábil [Sum. Theo. I-II, q.57, a.4]. Portanto, para ser um artista renomado e que produz obras de arte não é pressuposto uma vontade reta, senão certa habilidade. Mas se o artista além da habilidade produz a sua obra segundo os princípios da vontade reta e da virtude moral, ela traduz além da beleza, a bondade do seu ato. Neste sentido é pertinente falar de uma virtude moral da arte, pela qual se reconhece a moralidade do artista em sua obra [Sum. Theo. I-II, q.57, a.3, ad.2]. (b)O belo: Em nossos o belo dias designa mais especificamente o que corresponde a certas normas de equilíbrio, de plástica, de proporções harmônicas, de perfeição no seu gênero e outras qualidades. Para o Aquinate o belo [pulchrum] é tudo o que causa admiração e sendo visto agrada, causa prazer [Sum. Theo. I, q.5, a.4, ad1]. É o esplendor da proporção da forma na matéria, que captam nossos sentidos [Sum. Theo. I-II, q.27, a.1,ad.3]. Po isso, pertence propriamente à natureza da causa formal [Sum. Theo. I, q.5, a.4, ad1]. Em última instância isso significa que o belo e a beleza [pulchritudinis] não são da matéria, mas da forma na matéria. E isso tem sentido quando se toma a doutrina tomista que afirma que a beleza propriamente dita é a que se dá e se realiza no mundo espiritual [Sum. Theo. II-II, q.145, a.2], na medida em que o ser de todas as coisas procede da beleza divina [In IV De div nom. lec.5, n.349/Sum. Theo. I, q.39, a.8]. Em tudo que foi criado se encontra a impressão da beleza divina, em justa proporção de sua natureza criada e segundo a forma que possui e o modo como ela encontra-se informada proporcionalmente na matéria. Por isso mesmo dizíamos que a estética tem fronteira estreita com a metafísica. O belo é pois uma propriedade transcendental do ser [De ver. q.1, a.1/De pot. q.7, a.2], de tal modo que onde há ser, há beleza. Já havíamos dito algo da relação entre arte e moral. Agora cabe afirmar a identidade que há entre belo e bom. Pois, bem, o belo acrescenta ao bem certa ordem à potência cognoscitiva, de modo que o bem se chama o que agrada de modo absoluto ao apetite e belo aquilo cuja apreensão agrada [Sum. Theo. I-II, q.27, a.1, ad3]. A beleza requer três elementos, a integridade ou perfeição, por isso são feias as que se encontram mutiladas ou diminutas; as proporções adequadas ou harmonia, que nada mais é que a justa expressão proporcional das qualidades da forma na quantidade da matéria; e finalmente o esplendor [Sum. Theo. I, q.39, a.8, c.], expressão da perfeição que cada forma possui. Distingue-se em beleza corpórea e espiritual. A corpórea refere-se à proporção do corpo e a espiritual aos atos bons à luz da razão [Sum. Theo. II-II, q.145, a.2, c]. Por isso, a beleza se predica proporcionalmente de cada coisa que se diga bela, enquanto possui um esplendor próprio corpóreo ou espiritual [In IV De div nom. lec.5, n.339]. O fundamento ontológico da beleza das criaturas é, como já dissemos, a Beleza divina. Deus é belo em si mesmo e não há nada que seja belo antes dEle [In IV De div nom. lec.5, n.346], por isso mesmo Ele é a causa da beleza das coisas que existem [In IV De div nom. lec.5, n.340] dentre as quais a beleza expressa na proporção corporal e da beleza expressa na operação espiritual, como o inteligir a verdade, querer o bem e especialmente o amar.