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§I.

À
J-7 -N 2 . kEwm m SB"ÁRio Au]vENTisTA LATiNo-AMERicANo DETEOLOGLA | SEDE BR^siLi;uL

2° Semestre de 2008

PERFEGGH®üNHSM®

Eu CosTL-MAVA SER pERFEITo: urv[ Ex-LEGALlsTA


IHUE-IE SOBRE A LEI, PERFEIÇÃO E ADVENTISMO

0 QUE DEUS REQUER?


'PROSSIGAMOS PARA A PERFEIÇÃO'

PERHiçÃO HUMANA? ANÁLisE DE MT 5:48

RESENHA CRÍTICA DO LIVRO


PERFECTION & PERFECTIONISM
-QUES:rôES SOP!RE P~OUTnRINA... "STÕ"A E "PAicTO

NA DIVISÃO SUL-AMERICANA

4
2° SEMESTRE DE 2008

PERFECCIONISMO

Editorial

ARTIGoS

Eu costumava ser perfeito: um ex-1egalista reflete sobre lei,


perfeição e adventismo
George R. Knight, Ed.D

"Prossigamos para a perfeição": o ensino bíblico sobre


santificação e perfeição
Edward Heppenstall, Ph.D (1901 -1994)

0 que Deus requer?: uma análise cn'tica da teologia da `última geração' .......... 43
Roy Adams, Ph.D

Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5 :48


Rodrigo P. Silva, Th.D

Resenha crítica do livro Per/ec/z.o77 & Per/ccfz.o#z.sím


Natanael 8. P. Moraes, doutor em Tleologia Pastoral

gc/eLs/Õcs SoZ77ie Do#/7~z.7?c7.. história e impacto na Divisão Sul-Americana .......... 95


Alberto R. Timm, Ph.D
EDITORIAL

Dedicamos o número anterior de Pc77.o#s'z.c} para tratar da teoria pós-1apsariana


quanto à natureza de Cristo na encarnação. 0 número atual, que o leitor tem em
mãos, foi dedicado ao desdobramento inevitável do pós-1apsarianismo: o perfec-
cionismo. Como indicado por Roy Adamsoa maioria dos adventistas do sétimo -
dia, em contato com a ênfase na natureza caída de Cristo em sua encarnação,ffiãõ+
tem a mínima suspeita dos resultados práticos de tal noção na vida do crente em
particular, ou na vida da lgreja, de forma geral. É claro que o caráter repetitivo da
idéia nos escritos de alguns dos "ministérios independentes" e de seus seguido-
res, chega ao ponto de ser irritante. Parece que tudo o que eles crêem, escrevem,
ensinam e pregam gira em torno dessa idéia fixa, uma cansativa melodia de uma
única nota. Fora isso, para a maioria de nós tal teologia não parece representar
nenhuma ameaça, podendo ser tratada como algo inócuo, ou mesmo inconse-
qüente. Entretanto, quando começamos a entender a direção de tal ensino em suas
implicações amplas, toma-se evidente que a insistência na absoluta igualdade de
Cristo conosco busca estabelecer alguns pontos fúndamentais convergentes e in~
ter-relacionados de uma super-estrutura teológica.
Provavelmente, a conseqüência básica do pós-lapsarianismo é encontrada na
seqüência lógica que os seus advogados apresentam: se Cristo tiiiha uma natureza
carnal, exatamente como a nossa, as mesmas paixões e propensões malignas, a
mesma inclinação para o mal, e se Ele, com a nossa natureza pecaminosa, desen-
volveu "um caráter sem pecado", então, primariamente, Ele se torna um exemplo
de conduta. Nesse caso, tragicamente, Cristo deixa de ser /f73c7c777!e#/cz/me#fe o
nosso substituto e salvador, para tomar-se um 77!ocJe/o a ser imitado, e, assim, a
salvação é entendida meramente como uma tarefa de "imitação". 0 desdobramen-
to direto dessa teologia precária é o fortalecimento do per/eccz.o#7.smo neuótico
que hoje agita muitos cristãos e comunidades adventistas inteiras. "Ele Íoz. como
#_oi#_ós pgc7emoL±E±g±:±g_¥;g±/±:, é o raciocínio. Muitos, em resultado disso, pa
sam a viver o cristianismo obcecados com idéia de "vencer como Jesus venceu'
A vida cristã toma-se. então. uma extenuante e infindável 7#c7rc7fo#o` na aual o
cristãos vivem como se estivessem em co77? Õo com Crz.s'/o. Precisamente
isso, como defendido, Jesus não podia ter nenhuma vcr#Íc7gem sobre nós
um lado, para pessoas espiritualmente sensíveis essa idéia se transforma numa
fonte de ansiedade e desânimo, para outros o resultado é o oposto: arrogância e
complexo de falsa superioridade espiritual.
0 pós-lapsarianismo e o per.f ;eccionismo resultante escorLde:rr+> a:mdaL, a;baixo
da superficie, outra idéia afim: toda a seqüência escatológica mantida pelos ad-
ventistas: chuva serôdia, selamento, alto clamor e, conseqüentemente, o próprio
retomo do Senhor, assa a de ender do c7es'em e7?Ão humano entendido como
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"desenvolvimento de caráter". A idéia relembra o


/
ensino, 'dos antigos fariseus,
que mantinham a noção de que o Messias viria, se tão üEffl ente a Torah, a lei,
fosse guardada perfeitamente por lsrael, por um único di m nosso caso atual,
não é de admirar que a partir da teoria pós-lapsariana e do perfeccinismo, surjam
entre alguns dos ministérios dissidentes o c7%Ío-z.72c7z.ccrc7o mandado de "reformar a
Jg±'' ue afinal artir da conduta dos seus membros em última análise,
ossa re ressar. Tudo isso, contudo, não passa de "jornal velho", idéias
recicladas, já encontradas em A. T. Jones, E. J. Waggoner, Albion Fox Ballenger,
M. L. Andreasen, e outros precursores da teoria da "perfeição absoluta", presente
em alguns segmentos do adventismo atual.
Em resposta a essas bizarrices, devemos lembrar primeiramente que, segundo
as Escrituras, os cristãos riiãoT-É.ãlo chamados para "vencer como Jesus venceu".
Na realidade não somos chamados.._para repçtir_oi±._duplicar a sua .LNé±LnLã_o
vencemos como Ele venceu. Antes, nós vencemos %e Ele venceu. Nossos
desejos de imitá-lo surgem como resposta humilde ao que Ele já fez por nós, e
serão sempre marcados pela permanente consciência de que entre nós e Ele existe
um enorme abismo. E toda a vez que pensamos estar próximos do alvo, este se re-
projeta para mais longe, d€ ixando-nos com o sentimento de que ainda "falta muita
terra para ser conquistada". Em segundo lugar, o segundo advento de Cristo, assim
como o primeiro, se dará "na plenitude dos tempos"{g|44), não em resultado de
esquemas farisaicos para "reproduzir perfeitamente o caráter de Cristo".
Sem dúvida, Ellen G. White tem muito a dizer sobre perfeição de caráter, mas
uma cuidadosa investigação desses textos, nos seu contextos literário e histórico
originais, leva-nos à revolucionária compreensão de que "reproduzir perfeitamen-
te o caráter de Cristo'€Thada tem a ver com experimentos farisaicos de desempe-
nho humanos ou, primariamente, com dieta vegetariana e outros atos exteriores
de nossa justiça focalizados em §e//-z.77tproveme77Í, como na deformada confusão
perfeccionista entre es'Íz./o c7e vz'cJcz e ccrróíer. Tal confusão conduz apenas ao /egcz-
/í.s'mo, #Ôo ó pcJ7/ez.ÇÔo c7e cczrcí/er. Para Ellen G. White, a "última mensagem de
graça a ser dada ao mundo é uma revelação do caráter divino. Os filhos de Deus
... revelarão em sua vida e caráter, o que a graça de Deus por eles tem feito".7 Para
Ellen G. White, ainda, o "amor é o fundamento da piedade".8 No mesmo contexto
ela observa: "Quando o eu está imerso em Cristo, o amor brota espontaneamente.
A per`í;eição de caráter do cristão é alcançada quando o impulso de auxiliar e
abençoar a outros brotar constantemente do íntimo -qu&ndo a,+"z do Céu erLÍ:her
o coração e for revelado no semblante."
Em outras palavras, "reproduzir perfeitamente o caráter de Cristo" é reproduzir
na vida o fruto do Espírito Santo (Gl 5:22-26). Não é por acaso que o texto paralelo
de Mateus 5 :48, o "sede vós perfeitos", em Lucas 6:36 apresenta "perfeição" como
sinônimo de "mísericórdia". Sermos misericordiosos, compassivos como Deus,
que trata bons e maus com a mesma disposição (Mt 5:47; Lc 3:35), é o grande
desafio cristão. Perfeccionistas, zelosos pelo segundo advento, deveriam ouvir a
fórmula de Ellen G. White para apressarmos o retorno de Cristo: "Se nos humi-
EDiTORiAL / 7

lhássemos, e fôssemos bondosos e corteses, compassivos e piedosos, haveria uma


centena de conversões à verdade onde agora há apenas uma."]° A tragédia é que,
em geral, os que se julgam "perfeitos" ou superiores, em fúnção de realizações
exteriores, inconscientes do mal radicado dentro deles, se encontram precisamente
na contra-mão do conselho inspirado.
Nessa conexão cabe, então, uma pergunta decisiva a ser feita ao perfeccionismo
e seus defensores: onde estão os exemplos da z.77?pecc7Õ!./z.c7c}c7e absoluta? Onde estão
os "perfeitos" ou a "perfeição impecaminosa" do pós-lapsarianismo, tão fortemen-
te promovida e zelosamente defendida por seus representantes? É claro que para
se evadir ao caráter embaraçoso da pergunta, defensivos, eles dirão que essa não é
"uma questão relevante". Mas pensamos o contrário! Se alguém, por exemplo, nos
diz que a evolução é um fato científico, estamos justificados em pedir as evidências
daquilo que é alegado. Assim, aonde ou em quem podemos encontrar a tal absoluta
"perfeição de caráter", frequentemente exigida dos outros? Quais os fiutos reais da
teoria perfeccionista no dia a dia daqueles que crêem na possibilidade de uma ge-
ração tão perfeita que já não necessitará de Cristo? Ou que não mais necessita orar
"[Pai] perdoa as nossas dívidas" (Mt 6: 12)? Não duvidamos das boas intenções de
muitos dos zelosos advogados do perfeccionismo adventista. A questão, contudo,
encontra-se em outro ní` el: quão bi'blica, realista e lúcida é ela?
Observe-se o que acontece com os que se tomam obcecados com a idéia de
"vencer como Jesus venceu", ou com a interpretação 1iteralista de Mateus 5:48,
ou ainda com alguns textos de Ellen G. White tratando com a perfeição de caráter.
Primeiro, o que ocorre é uma centralização no "eu". Uma exagerada concentração
precisamente naquilo de que devemos ser libertos e salvos: o nosso próprio eu. Por
outro lado, ironicamente, os perfeccionistas se tomam em geral frios, acusadores,
sem vida e gozo, marcados por uma atitude de superioridade, de pose clerical, em
relação aos demais imãos. Instala-se aí a clássica mentalidade do "mc}z.s' s'cr7?/o g%e
vocé". "Reproduzir o caráter de Cristo" se toma, em geral, uma inteminável lista
de "faça e não faça", vítima de um conceito superficial de pecado, porque, afinal, é
mais fácil externalizar o pecado e a obediência do que tratar com a nossa condição
real (Is 1 :6), enterrada nos porões`de nossa natureza. Os fariseus dos dias de Jesus
eram mestres nessa arte. Estaríamos nos esquecendo do que Cristo fez por nós,
a libertação e vitória que sua vitória já nos trouxe? De forma nenhuma. Apenas
relembramos que Lrcz77f#ccÍÇõo não é g/oréficc}ÇÕo. Impecaminosidade absoluta terá
que esperar um pouco mais, até o dia da restauração final (1Co 15 :53-57) .
Perfeccionistas, em resultado de sua noção superficial e "atomizada" do peca-
do - isto é, pecado visto meramente como atos isolados do estilo de vida, e não
como uma força que tende govemar a natureza caída, ainda presente em nós (Rm
7: 15-20) -facilmente se sentem "triunfantes e vitoriosos sobre o pecado". Com
sua visão distorcida do pecado, os perfeccionistas se tornam geralmente ácidos,
acusadores e cri'ticos, cheios de justiça própria. E assim, em lugar de se tornarem
mais cristãos, eles se tomam realmente mais fariseus. Deveríamos, ainda, per-
guntar: além de acusar e se transformar em críticos eficientes; além de se sentir
8 / PARousiA - 2° SEMESTRE DE 2008

melhores do que seus imãos dentro da comunidade de fé; além de dividir a igreja
e levá-la a perder o foco do fervor missionário, o que realmente eles estão fazendo
para o cumprimento da comissão evangélica, que é realmente a grande condição
para o retorno de Cristo? Ou será que a missão deles se esgota ao se tomarem
"vegetarianos críticos" praticantes de um tipo mais perverso de canibalismo?
Reunimos neste número de Pczro#s'Í.cz uma coleção de artigos que chamam a
atenção para o conceito bíblico de perfeição, o significado do "desenvolvimento
do caráter", ao qual Ellen G. White se refere, e temas relacionados. Esperamos que
tais artigos abençoem os nossos leitores e suas igrejas. Incluímos, ainda, o artigo
do dr. Alberto Timm, tratando com o impacto do livro 0%e'f/7.o#s o# Docfrz.7ie na
Divisão Sul-Americana, publicado a partir de 1960 na forma de artigos da revista
A4z.#z.s'/e'rz.o, e agora, finalmente, prestes a ser publicado em português, em formato
de livro, pela Casa Publicadora Brasileira.]] Embora o artigo do dr. Timm pareça
desviar-se da linha geral do tema deste número de Pczro#s'z.c7, devemos lembrar que
a publicação de g#es/z.o77s' 07! Doc/rj77e, originalmente em inglês, nos anos 1950,
representou uma extraordinária contribuição para a clarificação adventista sobre a
natureza de Cristo e tópicos relacionados, perfeccionismo inclusive.
Finalmente, uma úJ`ima palavra. Durante os últimos seis anos, ocupando a
direção do Salt, aqui no Unasp, Campus Engenheiro Coelho, julguei ser minha
responsabilidade servir também como editor de Porowsz.cr, na tentativa de garantir
sua relevância e publicação regular. Com meu retorno, em tempo integral, à cá-
tedra de teologia, a editoração de Pc7ro2/sz.cÍ passa para mãos mais capazes. Apro-
veito a oportunidade, para agradecer a atenção e interesse com os quais nossos
assinantes e leitores nos receberam durante esses anos. Que a graça do Senhor
Jesus se manifeste suprema na vida de todos os amigos e interessados na revista
teológica do Salt-Unasp-EC.

Fraternalmente,
Amin A. Rodor

REFERÊNCIAS

t Vd]a,T+oy Àdíwrr+s , The N ature of Christ : tãos", 45-73.


3 Não há qualquer dúvida de que Deus nos
Help for a church divided over perf;ection
(Hagerstown, MD: Review and Herald, convoca para a perfeição e à santidade (Hb
1994), 22. 0 subtítulo do livro de Adams cla- 12: 14). Mas esses conceitos devem ser defini-
ramente indica sua percepção da íntima rela- dos a partir da ótica bíblica. Devemos, como
ção entre a natureza de Cristo na encamação, o próprio Herbert Douglass sugere, "evitar
como discutida hoje pelos segmentos dissi- definíções absolutistas de perfeição, baseados
dentes da lgreja, e a teoria perfeccionista. na filosofia grega, e não Biblia" (Herbert E.
2 Veja Pcírozfsz.cr, 1° semestre de 2008, Douglass, "Men of Faith: The Showcase of
particulamente A. Rodor, "Cristo e os Cris- God:s Graice" , cm Perfection: The lmpossi-
EDITORIAL / 9

b/e PosS/.bí./Íy [Nashville Tennessee: Southem 4 Quem, senão o djabo, deveria ficar mais
Publishing Association, 1975], 14). Para El- descontente caso Jesus tivesse alguma van-
len G. White, embora o homem deva buscar tagem para ser o salvador dos homens? Mas
imitar a Cristo, o que não deve ser entendido Ele (Jesus) teve mesmo vantagem por possuír
superficialmente, ela reconhece que `ÉÊgJ29- a natureza moral e espiritual de Adão antes
demos, nunca odemos nos i ualar ao Mode- da queda? Obviamente não! Precisamente
±g;" (Ellen G. White, res/em%#Áospc7rc! c7 /gre- o contrário: o fato de ser diferente de nós
/.c7 [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, tomou-se sua grande desvantagem. Ele foi
2005], 2:549). Como ela mesma observa em tentado como nenhum outro. Todo o infemo
outro contexto, em sentido final], é mobilizou-se contra Ele. Sua pureza tomava
senão Jesus" (idem, Rev/.ew c!#d fJe- o contato com o mal indizivelmente doloroso
rc7/d, 5 de Fevereiro de 1895, 81). Devemos para Ele. Mais que ninguém Ele experimen-
observar, ainda, que quando ela afirma que tou a força do epicentro da tentação: tomar-se
embora Cristo não possa ser imitado, "nunca independente do Pai, e usar a Sua divindade
seremos a rovados não o imitar- em beneficjo próprío, algo que nunca conhe-
mos e nos assemelhamios a Ele, de acordo ceremos, porque não temos nenhuma divin-
C0m a Ca acidade ue o Senhor nos dá" dade para ser tentada. Será que Ele realmente
dem), Ellen G. White define qual a "imitação tinha que ser um pecador para identificar-se
do modelo" que é esperada de nós. Na mesma conosco, como insiste o pós-lapsarianismo?
página, um pouco adiante, lemos: "0 amor Tal teoria está baseada em uma lógica equi-
elas almas uem C :sto morreu condu- vocada. Como indicado por W. F. Wescott, "a
ziEá_à_nçgaç__ã_Q±g£±±£jLdispQsiçãQd£Jàzer simpatia com o pecador em sua provação não
sacrificío ara sermos depende da experíência do pecado, mas da
no Mestre Os servos de Deus experiência da força da tentação ao pecado,
mão da fé, apodçrar-se do braço on_iDotent_e que somente o impecaminoso pode conhe-
•.. Para alcançar as erecem" (ibi cer em sua plena intensidade. Aquele que caí
dem). Todo o contexto tem que ver com a imi- se rende antes da última pressão" (Wescott,
tação de Cristo no esforço missionário, para citado por F. F. Bruce, em Comme#/c7r); o#
salvar outros. Estranhamente, contudo, para the Epistle to the Hebrew FLondres.. Marshàl,
os perfec-cionistas, "imitar a Cristo" é sempre Morgan and Scott,1974], 88).
entendido em termos daquilo que comemos S Veja, Babylonian Talmud> Sa,rLhedrLrL,

ou não comemos. Essa é a fita métrica pela 97b; Shabbath, 118b; Jerusalem Talmud,
qual eles avaliam o cristianismo dos outros. E Taanith, 64a, citado por George R. Knight,
parece ser de acordo com essa norma que eles em The Pharisee's Guide to Perfect Holiness
lhes abrem ou fecham as portas do paraíso. 0 (Boise, Idaho: Pacific Press Pushing Associa-
que comemos, porém, juntamente com outros tion,1992),193.
atos do nosso estilo de vida, devem ser vis- 6 Esta fi.ase clássica é extrai'da principal-
tos como um meio para um fim, em lugar de mente do livro Pc7rcíóo/crs c7c Jescts: "Cristo
serem fins em si mesmos. À semelhança de aguarda com ffemente desejo a manifestação
de si mesmo em sua igreja. Quando o caráter
nas e, ao mesmo tem serem tão más como de Cristo se reproduzir perfeitamente em seu
o próprio diabo. Vegetarianismo em si mesmo povo, então virá para reclamá-los como seus"
não garante n-enhuma vantagem espiritual, (Elleii G. White, Pczrcíóo/os cJe /es%s [Tatuí,
como se fosse o passaporte para o Céu. Ao SP: Casa Publicadora Brasilejra, 2000], 69).
contrário, o que comemos ou não comemos, A questão, contudo, é o que significa "repro-
assim como outros desempenhos do estilo de duzir perfeitamente" o caráter de Cristo? 0
vida, são importantes, mas apenas dentro do procedimento comum para se interpretar
contexto do caráter de verdadeiro amor cris- esse texto é tirá-lo do seu contexto e associá-
tão e misericórdia, transfomado pela graça lo com outras citações "radicais" tiradas de
redentora de Cristo e incansável no interesse Uivros ta,ís como Conselhos sobre o Regime
pela salvação de outros. Á/z.7we#/crr, e também utilizadas fora do seu
10 / PAROusiA - 2° SEMESTRE DE 2008

contexto hístórjco e literário. 0 resultado, mansidão, temperança.' Gal. 5:22 e 23. Es(e
como Kníght observa, é uma teolo fruto jamais perecerá, antes produzirá uma
mesmo E11en G._ White e o próprio Deus nãLo colheita de sua espécie para a vida eterna"
oderiam reconhecer (The Pharisses 's Guide, (Parábolas de Jesus. 67-69). Precisíme"e
190). 0 contexto da citação de Ellen G. Whi- duas linhas depois é que aparece a famosa
te mencionada acíma sobre "perfeitamente citação.. "Cristo aguarda com fremente dese-
representar o caráter de Cristo" está a milha-
jo" (ibid., 69). Nesse contexto, então, o que
res de anos-luz do uso geral que lhe dão os significa "reproduzir perfeitamente o caráter
perfeccionistas. A partir do terceiro parágra- de Cri.sto em seu povo"? Julgue a honestida-
fo anterior, Iemos: "0 cristão está no mundo de! Associar estilo de vida com caráter, como
como representante de Cristo para a sa]vação
frequentemente é feito pelos perfeccionistas,
dos outros. Na vida ue se centraliza no eu
assa de rosseíra má inte
n;ião_pQdçhavercrescimentonem£hitifi£ação.
JÊ2£!gL e o resultado é que muíto "fogo estra-
Se aceitaram a Cristo como Sa]vador pesso-
nho" tem sido trazido para dentro da comuni-
a], vocês devem esquecer-se de si próprios
dade adventista.
e procurar auxí]iar a outros. Falem do amor 7 Ellen G . White, Pc7róbo/c7s Je /é's'z/J (Ta-
de Cristo, contem de sua bondade. Cumpram
tui', SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000),
todo dever que se lhes apresenta. Levem so-
415, 416.
bre o coração o peso da salvação de a]mas e 8 ibid., 384.
tentem salvar os perdidos por todos os meios 9 Ibidem.
possíveis. Recebendo o 'T,spírito de Cristo - 1° Ellen G. Whíte, rcf/É>j#%#Áos porcr #
o espírito de amor abnegado e do sacrificio
/grc/.c7 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasilei-
por outrem - crescerão e produzirão fhito.
As graças do Espírito amadurecerão o seu ra, 2006), 9: ] 89.
110 livro, com data definjda para Publi-
£Ê!:á!ÊLr. Sua fé aumentará; suas conviccões
aproft]ndar-se-ão, seu amor será mais perfei- cação em português em fevereiro de 2009,
to. Mais e mais refletirão a semelhança de trarà o título Questões sobre Doutrina. Seu
Cristo em tudo tiue é purci, nobre e amáve[. s"btl+Mlo, o clássico mais po[êmico da histó~
`0 fruío do Espíriío é: caridade, gozo, paz r;.c7 do cJch;e#ÍÍ.fmo, realmente fará justiça ao
longanimidade, benignidade, bondade, fé, volume e à sua história.
Eu costumava ser perfeito / 11

Eu costumava ser perfeito:


um ex-legalista reflete sobre lei,
perfeição e adventismo

George R. Knight, Ed.D


Historiador e ex-professor de História da Igreja na Andrews University

Resumo: Neste artigo o autor narra he shows there are inconsistence in the
sua experiência pessoal em busca da perfeccionist theory, which emphasizes
perfeição, anteriormente entendida por human accomplishments in detriment
ele como um cumprimento minucioso of divine grace. According to him, the
de inúmeras regras comportamentais. legalist concept on perfection susten-
De forma criativa e bem-humorada, ted by many Adventists is based in a
ele demonstra a incoerência da teoria erroneous interpretation of Revelation
perfeccionista, que enfatiza as realiza- 14:12, which caracterizes God’s people
ções humanas em detrimento da graça in the time of the end as “those who
divina. Segundo ele, o conceito legalis- keep the commandments of God.” The
ta sobre perfeição mantido por muitos author argues that, in Biblical concept,
adventistas baseia-se em uma inter- Christian perfection consists in altruist
pretação equivocada de Apocalipse love and joyful relashionship with God
14:12, que caracteriza o povo de Deus and the fellow. Therefore, God’s final
no tempo do fim como aqueles que demonstration to the universe will be a
“guardam os mandamentos de Deus”. revelation of his love.
O autor argumenta que, no conceito
bíblico, a perfeição cristã consiste em Introdução
amor altruísta e alegre relacionamento
com Deus e o próximo. Portanto, a de- A coisa mais importante que você
monstração final de Deus ao Universo pode saber sobre mim é que eu costu-
será uma revelação de seu amor. mava ser perfeito1. Note o tempo passa-
do – eu costumava ser perfeito em um
sentido em que agora não sou perfeito.
Abstract: In this article, the author Por que eu era perfeito? Eu era
narrates his own personal experien- perfeito porque eu era um adventista
ce in quest of perfection, formerly do sétimo dia. Eu era perfeito porque
understood by him as a detailed ac- Jesus viria logo. E, honestamente,
complishment of too many behavioral • Eu queria a fé da trasladação,
rules. In a creative and humorous way, • Eu queria o caráter da trasladação,
12 / Parousia - 2º semestre de 2008

• Eu queria a perfeição da tras- E então, é claro, há o interesse ad-


ladação. ventista no grandioso texto de Apoca-
Converti-me do agnosticismo lipse 14. Note a progressão: A men-
para o adventismo do sétimo dia com sagem do primeiro anjo, iniciada por
a idade de dezenove anos. Depois de Guilherme Miller nas décadas de 1830
me tornar adventista, olhei para mi- e 1840, declara que “é chegada a hora
nha igreja, seus membros e seus pre- do seu juízo” (v. 6, 7). A mensagem
gadores, e concluí: Que confusão! do segundo anjo, pronunciando a que-
Vocês não têm atingido o objetivo. da de Babilônia (v. 8), foi iniciada em
Logo raciocinei que eles tinham fa- 1843 por Charles Fitch. Então, surge
lhado em ser perfeitos porque não a decisiva terceira mensagem contra a
haviam tentado o suficiente. Eu seria adoração do poder da besta. Os adven-
diferente. Eu não falharia. Eu tentaria tistas têm focalizado especialmente o
mais do que qualquer um deles já ten- verso 12: “Aqui está a paciência dos
tou. Na ocasião eu estava trabalhan- santos, os que guardam os mandamen-
do na estrutura metálica da constru- tos de Deus e a fé de Jesus” (ARC).
ção de altos edifícios sobre a Baía de Essa passagem tornou-se o texto-cha-
San Francisco. Ainda me lembro que ve no adventismo do sétimo dia. Por
um dia, muito acima da baía, eu esta- quase cem anos ele foi citado integral-
va meditando sobre a perfeição. Foi mente sob o cabeçalho de cada edição
então que conscientemente decidi e da Review and Herald. Apocalipse 14
verbalmente me comprometi a ser o retrata a mensagem do terceiro anjo
primeiro cristão perfeito desde Cristo como a última antes do retorno de
– e quero dizer exatamente isso. Eu Cristo para “ceifar” a Terra (v. 14-20).
era desesperadamente sincero. Mas Os primeiros adventistas do sé-
esse pensamento continuou em minha timo dia eram hábeis em pregar a
mente, por vários anos. primeira parte de Apocalipse 14:12:
“Aqui está a perseverança dos san-
A raiz da fascinação tos”. Nesse versículo, víamos a nós
adventista com a perfeição
mesmos como aqueles que ainda es-
A abordagem adventista sobre tavam esperando pela vinda de Jesus,
ser perfeito começa no livro do depois do desapontamento de 1844.
Apocalipse, nos importantes textos E nós adventistas amamos a se-
em que os adventistas vêem retrata- gunda parte de Apocalipse 14:12:
dos a si mesmos e seu movimento. Aqui estão “os que guardam os man-
O próprio enfoque de vários des- damentos de Deus”. Ah, eu lhe digo,
ses textos nos aponta na direção do nós adventistas amamos os man-
comportamento. “O dragão”, lemos, damentos. Se você vir as primeiras
“irou-se contra a mulher e foi fazer publicações adventistas (e provavel-
guerra ao resto da sua semente, os mente algumas de hoje), notará que
que guardam os mandamentos de a ênfase estava sempre na palavra
Deus” (Ap 12:17)2. guardar. E essa é uma boa ênfase no
Eu costumava ser perfeito / 13

contexto de um relacionamento salví- quarenta e quatro mil, tendo na fronte


fico com Cristo. Aqui estão “os que escrito o seu nome e o nome de seu
guardam os mandamentos de Deus”. Pai”. E os versos 4 e 5: “São estes os
Mas os primeiros adventistas não que não se macularam com mulheres,
tinham muita certeza sobre o que fazer porque são castos. São eles os segui-
com “a fé de Jesus”, a terceira parte de dores do Cordeiro por onde quer que
Apocalipse 14:12. Eles interpretavam vá” – não apenas em parte do cami-
“a fé de Jesus” como um conjunto de nho, mas por todo o caminho. “São
verdades que deveriam ser obedeci- os que foram redimidos dentre os ho-
das. Como resultado, nossos primei- mens, primícias para Deus e para o
ros escritores – Tiago White e quase Cordeiro; e não se achou mentira na
todos os outros diziam: “Deus tem sua boca; não têm mácula.” Ora, essa
seus mandamentos. E Jesus também é uma norma muito elevada, certo?
tem seus mandamentos, tais como o Eles “não têm mácula”, ou como diz
batismo, o lava-pés e assim por dian- a King James Version, “eles são sem
te.” Eles desenvolveram uma lista falta diante do trono de Deus”. Ora,
completa de mandamentos de Jesus. eu chamaria a a essas pessoas “perfei-
Como resultado, os adventistas se tor- tas”. E não é difícil ver por que mui-
naram o povo “mandamento sob man- tos adventistas do sétimo dia pensa-
damento”, focalizando não apenas os vam dessa maneira sobre o assunto da
mandamentos de Deus, mas também perfeição. Afinal, Apocalipse 12 e 14
os mandamentos de Jesus. Éramos (e são textos fundamentais para a identi-
somos) grandes empreendedores3. dade da denominação.
“A fé de Jesus” é a porção de Todos sabemos que temos uma
Apocalipse 14:12 que Ellen G. White espécie de perfeição por meio da jus-
e outros reinterpretaram em Mineá- tificação pela fé porque estamos em
polis em 1888 para enfatizar “fé em Cristo. Mas esses textos de Apocalipse
Jesus”.4 O texto pode ser traduzido 14 despertam a pergunta: É suficiente
como “fé em Jesus” ou “fé de Jesus”. a justificação pela fé, ou devemos ser
Muitos adventistas do sétimo dia, ao impecavelmente perfeitos para fazer
ler o texto como “fé de Jesus”, têm a parte dos 144 mil? E se há algo mais
tendência de sugerir que o verso está do que justificação, o que deve ocor-
dizendo que podemos ter fé exata- rer dentro de nós? Essa questão tem
mente da maneira como Jesus tinha dividido os adventistas do sétimo dia
fé. Assim podemos ser tão absoluta- por um século. O que deve ocorrer no
mente impecáveis como Ele era abso- povo de Deus do tempo do fim?
lutamente impecável. Antes de prosseguirmos, devemos
Essa interpretação provavelmente notar o importante desenvolvimento
foi encorajada pelos primeiros cinco de Apocalipse 14. Temos os 144 mil,
versos de Apocalipse 14. Diz o verso o primeiro anjo, o segundo anjo, o ter-
1: “Olhei, e eis o Cordeiro em pé so- ceiro anjo, e imediatamente após o ter-
bre o monte Sião, e com Ele cento e ceiro anjo o grande drama da segunda
14 / Parousia - 2º semestre de 2008

vinda – a ceifa. Lemos nos versos 14 e tas que conheço. Neste momento, me
15: “Olhei, e eis uma nuvem branca, e lembro de uma dessas pessoas. Ela
sentado sobre a nuvem um semelhan- está muito satisfeita porque obteve a
te a filho de homem, tendo na cabeça vitória sobre o queijo. Agora lembro-
uma coroa de ouro e na mão uma foice me de outra pessoa. Essa é um fariseu
afiada. Outro anjo saiu do santuário, do primeiro século. Esse indivíduo é
gritando em grande voz para Aquele realmente “religioso”. Ele sabe exa-
que se achava sentado sobre a nuvem: tamente qual é o tamanho da rocha
Toma a tua foice e ceifa, pois chegou que pode carregar no dia de sábado e
a hora de ceifar, visto que a seara da a que distância ele pode levá-la sem
terra já amadureceu.” cometer pecado. Ele reduz a justiça a
Os adventistas têm desejado sin- algumas fatias muito estreitas de “re-
ceramente estar prontos para a vin- ligião”. Está convencido de que com
da de Jesus. E eles não têm apenas a essa dedicação aos detalhes do estilo
Bíblia para encorajá-los a respeito da de vida logo ele será perfeito.
perfeição de caráter, mas têm também Há também aqueles que pare-
os escritos de Ellen G. White. Aqui cem ser perfeitos devido à reforma
está uma das suas mais impressionan- de saúde. Em uma pequena igreja
tes declarações: “Cristo aguarda com adventista de trinta membros, há um
fremente desejo a manifestação de si ancião que está disposto a levar os
mesmo em sua igreja. Quando o ca- emblemas da santa ceia (ou cerimô-
ráter de Cristo se reproduzir perfei- nia da comunhão) àqueles que não
tamente em seu povo, então virá para puderam ir à igreja. Mas não partici-
reclamá-los como seus”.5 A passagem pará dos emblemas com eles, porque
então imediatamente muda para a isso seria comer entre as refeições.
cena da colheita. Em muitos sentidos Eu me pergunto: o que significa “co-
esse texto de Ellen G. White é para- munhão” para esse ancião?
lelo ao progresso e desenvolvimento A mesma congregação tem um
dos eventos de Apocalipse 14. homem de quase dois metros de altura
O conceito-chave nesta citação de que pesa apenas 59 quilos. Ele conse-
Parábolas de Jesus é reproduzir perfei- guiu tremendas vitórias sobre o apeti-
tamente o caráter de Cristo. Infelizmen- te enquanto caminhava na direção de
te, quando os adventistas do sétimo dia ser “perfeito como Cristo”. Até mes-
lêem expressões como “reproduzir-se mo se convenceu de que é errado co-
perfeitamente”, eles têm a tendência de mer cereais como trigo e aveia. Como
se tornarem um tanto emocionais. Isso resultado, infelizmente, ele sente um
aconteceu comigo quando as li pela intenso desejo de comer coisas estra-
primeira vez. Fiquei entusiasmado tan- nhas. Toda quinta-feira ele “cai em
to com a magnificência, quanto com a tentação” e come dois pedaços de la-
possibilidade da missão e promessa. zanha de berinjela. Esse homem, aos
Não sei se você já viu alguém que seus próprios olhos, está avançando
é perfeito. Às vezes, fecho os olhos e no caminho para a “verdadeira perfei-
visualizo algumas das pessoas perfei- ção”. Quando uma pessoa diz que sua
Eu costumava ser perfeito / 15

mais “pecaminosa atividade” é comer • Eu podia dizer o que estava er-


dois pedaços de lasanha de berinjela rado em qualquer coisa que você de-
por semana, ela deve estar fazendo sejasse comer.
progresso. Esse indivíduo deve ser • Eu podia dizer o que estava er-
quase perfeito, ao menos segundo seu rado em qualquer coisa que você de-
entendimento de “perfeição”. sejasse assistir.
Há um outro santo nessa mesma • Eu podia dizer o que estava er-
pequena igreja que tinha um ferimen- rado em quase qualquer coisa que
to. Uma pessoa normal teria levado três você desejasse fazer.
semanas para curar-se. Mas essa “re- • E eu podia dizer o que estava
formadora de saúde” ainda não estava errado em quase tudo o que você de-
curada depois de seis semanas por cau- sejasse pensar.
sa das deficiências dietéticas. Esse foi o Em minha própria e rigorosa
resultado de sua reforma de saúde. El- abordagem da alimentação, eu baixei
len G. White rotulou tal dedicação em de 75 quilos para aproximadamente
seus dias como “deforma de saúde”6. 56 quilos em cerca de três meses.
Alguns adventistas do sétimo dia Alguns temiam que eu morresse de
têm caminhado em estranhas direções “reforma da saúde”.
em sua busca de perfeição de caráter. • E eu quero que você saiba algo.
Talvez isso seja porque alguns de nós Em minha luta pela perfeição, eu me
não temos a mais leve idéia do que tornei perfeito. Realmente.
seja caráter. Nem temos a mínima
• Eu era o perfeito fariseu segun-
noção do que Ellen G. White queria
do a ordem de Saulo antes da estra-
dizer por caráter de Cristo.
da de Damasco.
• Eu era o perfeito monge segundo
Meu caminho para a perfeição a ordem de Martinho Lutero antes de
A passagem de Parábolas de descobrir o evangelho em Romanos.
Jesus que eu citei acima teve um • Eu era o perfeito metodista se-
grande impacto sobre minha própria gundo a ordem do combatente e esfor-
experiência adventista. Logo depois çado John Wesley antes de sua experi-
de me tornar adventista do sétimo ência de conversão em Aldersgate.
dia, algum querido irmão mostrou- Como posteriormente descobri, meu
me essa passagem. E foi depois de caminho para a perfeição tinha sido bem
ler que Cristo só viria quando seu trilhado antes de mim. Isto me leva ao
caráter estivesse perfeitamente re- paradoxo da perfeição. Aqueles dentre
produzido em seus filhos que eu vocês que conhecem alguém “perfeito”
conscienciosamente decidi que se- reconhecerão o paradoxo. Alguns terão
ria o primeiro cristão perfeito desde passado por esse caminho, e em muitas
Cristo. Imediatamente segui em mi- congregações encontro pessoas ainda
nha busca. Como resultado, dentro percorrendo-o, ou, pior ainda, pessoas
de algumas semanas, eu podia dizer tentando conviver com alguém que está
o que estava errado em quase tudo. tentando atravessá-lo.
16 / Parousia - 2º semestre de 2008

O paradoxo de minha perfeição Em minha frustração com minha


era que quanto mais pensava acerca de igreja e comigo mesmo, eu entreguei
mim mesmo e minha perfeição, mais minhas credenciais ministeriais. Mas
egocêntrico me tornava. Não somen- o presidente de minha associação,
te me tornava egocêntrico, mas quan- vendo minha perplexidade e queren-
to mais lutava e tentava, mais crítico do “salvar-me para a obra”, viajou
me tornava para com aqueles que não comigo em um passeio de carro por
haviam alcançado o meu “alto nível”. quase quinhentos quilômetros para
Não era apenas crítico ou intolerante, que pudesse me aconselhar, me enco-
mas quanto mais “perfeito” me tor- rajar e devolver minhas credenciais.
nava, mais áspero eu era com os ou- Eu não pude me livrar delas. Entre-
tros que não haviam igualado minha guei-as uma segunda vez, e elas re-
“condição superior”. E mais negativo tornaram novamente. Na terceira vez
me tornava para com a igreja e outros eu escrevi uma carta cuidadosamente
que não eram tão “puros” ou “consa- redigida contando ao presidente da
grados” como eu. minha associação como eu me sentia.
Resumindo, quanto mais eu tenta- Obtive o resultado desejado. As cre-
va, pior eu ficava. Esse era o paradoxo denciais não voltaram.
da minha perfeição. Em meu esforço Minha vida como ministro ad-
para reproduzir perfeitamente o ca- ventista havia acabado. Tanto quanto
ráter de Cristo, eu havia mais de per- me dizia respeito, eu havia termina-
to imitado o caráter do diabo. Para do como adventista e como cristão.
dizer o mínimo, tornei-me uma pes- Durante seis anos não orei nem li a
soa de difícil convivência. As pessoas Bíblia a menos que fosse forçado a
se tornavam um problema em minha fazer isso em público. Estudei filoso-
vida enquanto eu procurava imitar o fia para descobrir uma resposta mais
caráter do Salvador. Afinal, as pesso- adequada para o significado da vida,
as eram um obstáculo ao meu rigor na somente para encontrar sua falência
alimentação. E interferiam em minha a respeito das questões reais. Perto
refletida hora de meditar sobre Cris- do final de meus anos em uma “terra
to cada dia. As pessoas dificultavam distante”, cheguei à conclusão de que
meu avanço para a perfeição. se o cristianismo não tivesse a respos-
Infelizmente, há uma forma de ta, não existia uma resposta. Essa foi
perfeição que leva ao próprio ego- uma das conclusões mais assustado-
centrismo do pecado. Há um caminho ras da minha vida.
para a perfeição que é o caminho da Então, no início de 1975, Deus
morte. Há um caminho para perfeição estendeu a mão e me tocou. Ele dis-
que é destrutivo, e muitíssimos adven- se: “George, você tem sido um ad-
tistas têm seguido esse caminho para ventista, mas não tem sido um cris-
supostamente reproduzir o caráter de tão. Você tem conhecido todas as
Cristo. É a trilha errada. É a estrada doutrinas, mas não tem conhecido a
artificial, construída pelo homem. Mim.” A essa altura, passei por mi-
Eu costumava ser perfeito / 17

nha própria crise de 1888. Encontrei Cristo procura reproduzir-se no co-


a Jesus, e meu adventismo foi bati- ração dos homens; e faz isto por in-
zado, tornando-se cristianismo. termédio daqueles que nele crêem. O
A tragédia para mim, para aque- objetivo da vida cristã é a frutificação
les que tinham de viver comigo e – a reprodução do caráter de Cristo
no crente, para que se possa repro-
para aqueles semelhantes a mim, é
duzir em outros.... Na vida que se
que muitas dessas situações pode- centraliza no eu não pode haver cres-
riam ter sido evitadas se houvésse- cimento nem frutificação. Se aceitas-
mos sido mais fiéis em nossa leitura tes a Cristo como Salvador pessoal,
das declarações inspiradas. Tivesse deveis esquecer-vos e procurar auxi-
eu simplesmente lido o contexto de liar a outros. Falai do amor de Cristo,
muitas das minhas declarações fa- contai de sua bondade. Cumpri todo
voritas, eu teria sido salvo dos erros dever que se vos apresenta. Levai so-
mais graves da minha vida. bre o coração o peso da salvação das
pessoas. ... Recebendo o Espírito de
O caminho divino para a perfeição Cristo – o espírito do amor abnega-
do e do sacrifício por outrem – cres-
Com muita freqüência, temos dis- cereis e produzireis fruto. As graças
torcido a Bíblia e os escritos de Ellen do Espírito amadurecerão em vosso
G. White. Uma maneira de fazer isso caráter. Vossa fé aumentará; vossas
é não ler as declarações em seu con- convicções aprofundar-se-ão, vosso
texto. Tiramos as citações do contex- amor será mais perfeito. Mais e mais
to, tais como aquela de Parábolas de refletireis a semelhança de Cristo em
tudo que é puro, nobre e amável.”8
Jesus sobre reproduzir perfeitamente o
caráter de Cristo. Então nos dirigimos
a tais livros como Conselhos Sobre o A seguir, ela diz que “quando o
Regime Alimentar ou Mensagens aos caráter de Cristo se reproduzir per-
Jovens, e removemos mais um grupo feitamente em seu povo, então virá
de citações. Em seguida as ligamos para reclamá-los como seus”.9 Re-
com a passagem de Parábolas de Jesus produzir perfeitamente o caráter de
de tal forma que criamos uma teologia Cristo é refletir o seu amor. O caráter
que nem mesmo Deus reconheceria. de Cristo centraliza-se em compassi-
Sempre leia o contexto.7 Descubra vo relacionamento.
o que o autor inspirado está dizendo, Com muita freqüência os adven-
quer seja o autor Paulo ou Pedro ou tistas têm olhado para a religião como
João ou Ellen G. White. Que diferen- algo negativo, mas cristianismo não
ça o contexto pode fazer em nossa é o que não fazemos. Ninguém será
compreensão e em nossa vida. Por salvo pelo que evitou. O cristianismo
exemplo, vejamos o contexto de nos- é positivo em vez de negativo. O ver-
sa declaração do livro Parábolas de dadeiro cristianismo é uma religião
Jesus sobre reproduzir perfeitamente que nos livra da preocupação com
o caráter de Cristo. Nos parágrafos nós mesmos e a luta para ganhar a
imediatamente precedentes, lemos: salvação de sorte que podemos amar
18 / Parousia - 2º semestre de 2008

verdadeiramente ao nosso próximo, Essa é uma passagem muito interes-


ao nosso Deus, aos nossos irmãos, à sante. Leia-a hoje para você mesmo, e
nossa esposa, ao nosso esposo, aos conte os pontos de interrogação. Note
nossos filhos, e assim por diante. a grande surpresa que é experimen-
Essa foi a grande mensagem de tada no juízo. Por um lado, Jesus diz
Jesus. “Portanto, sede vós perfeitos”, a um grupo: “Entrai em meu reino”.
proclamou Ele, “como perfeito é o Segundo a parábola, eles dizem: “Se-
vosso Pai celeste” (Mt 5:48). Remova nhor, como fizemos isto? Não somos
esse texto do seu contexto, e você pode como aqueles fariseus. Não passamos
transformá-lo em algo que a Bíblia ja- toda a nossa vida preocupados com
mais disse. Leia-o no contexto, e você a multidão de faz e não faz.” Jesus
descobrirá o que Jesus estava tentando responde: “Vocês não compreendem.
ensinar. Começando no versículo 43, Quando estive faminto, me alimenta-
essa passagem ensina que Deus ama a ram. Quando estive na prisão, vocês
todos. Ele faz com que a chuva caia e me visitaram. E quando estive seden-
o sol brilhe sobre bons e maus, justos e to, me deram de beber.”
injustos. Jesus está dizendo que deve- Eles voltam a perguntar: “Espere
mos ser perfeitos ou maduros em amor um minuto. Como pode ser isto? Nun-
aos outros como nosso “Pai celestial é ca te vimos ou alimentamos.” “Mas”,
perfeito” em seu amor por nós. Por fa- responde Jesus, “se vocês fizeram isso
vor, lembre-se que Cristo morreu por a um destes meus pequeninos irmãos,
você enquanto você era ainda seu ini- vocês fizeram a mim.” A essa altura o
migo (Rm 5:6, 10). outro grupo está realmente se tornando
Você pode amar como Deus amou? agitado. Há um bom número de fari-
Isso é maturidade cristã ou perfeição seus nesse segundo grupo, indivíduos
cristã. E se você não crê nisso, compa- que têm dedicado toda a sua vida a
re Mateus 5:48 com Lucas 6:36. Lu- observar a multidão de detalhes sobre
cas 6:27-36 é uma passagem paralela a lei. “Espere um segundo, Senhor”,
a Mateus 5:43-48. Ambas lidam com o exclamam eles, “guardamos o sábado.
amor aos inimigos, e ambas concluem Realmente guardamos o sábado. Tí-
com a declaração de que os cristãos nhamos umas 1.500 leis e normas e re-
devem ser semelhantes a Deus. Mas a gulamentos concernentes ao sábado, e
passagem de Lucas não diz: “Portanto, guardamos todos eles. E não somente
sede vós perfeitos”, mas “sede miseri- guardamos o sábado; pagamos o dízi-
cordiosos, como também é misericor- mo rigorosamente. Éramos tão escru-
dioso vosso Pai” (Lc 6:36). Os evan- pulosos que dizimávamos cada décima
gelistas igualaram com misericórdia a folha de nossas pequenas hortelãs. E
afirmação de Cristo sobre perfeição. tínhamos uma boa dieta. Senhor, tens
Para compreender melhor esse de salvar-nos. Nós merecemos isto.”
assunto, precisamos voltar a Mateus “Bem”, responde Jesus, “há ape-
25:31-46 e à cena do grande julga- nas um problema. Quando estive na
mento das ovelhas e dos cabritos. prisão, vocês não pareciam se preocu-
Eu costumava ser perfeito / 19

par. Quando estive faminto, onde es- princípio do amor egoísta e auto-sufi-
tavam vocês?” “Senhor”, eles respon- ciência (pecado) e permitem que Deus
dem rapidamente, “se soubéssemos implante no coração e na vida o grande
que eras tu, certamente teríamos es- princípio de sua LEI.
tado lá.” “Mas”, Jesus responde, “vo- O novo nascimento inclui a mu-
cês não compreenderam. Não assimi- dança na vida de uma pessoa do ego-
laram o princípio do meu reino. Vocês ísmo e egocentrismo (pecado) para
não assimilaram o grande princípio altruísmo e amor ao próximo (os prin-
do amor. E se vocês não têm isso, não cípios da LEI). Santificação é mera-
serão felizes em meu reino.” mente o processo de alguém tornar-se
Mateus 25 é muito explícito so- mais amoroso. O retrato bíblico de
bre o fato de que o juízo gira em tor- perfeição é tornar-se maduro em ex-
no de uma questão específica. Mas pressar o amor de Deus. Tais pessoas
se você precisa de mais ajuda, tente estão formando um caráter semelhan-
O Desejado de Todas as Nações. El- te ao de Cristo, porque “Deus é amor”
len G. White diz isso tão claramente (1Jo 4:8). Sobre essas pessoas, é certo
como as palavras podem expressar. que serão salvas para a eternidade.
“Assim”, escreve ela depois de citar
Mateus 25, A demonstração final de Deus ao
universo
descreveu Cristo aos discípulos, no
Monte das Oliveiras, as cenas do Esse pensamento nos conduz ao
grande dia do Juízo. E apresentou assunto da demonstração final de Deus
sua decisão como girando em torno ao Universo. Em Parábolas de Jesus
de um ponto. Quando as nações se lemos que “a última mensagem de
reunirem diante dele, não haverá se- graça a ser dada ao mundo, é uma re-
não duas classes, e seu destino eterno velação do caráter do amor divino”.11
será determinado pelo que houverem A demonstração final ao universo do
feito ou negligenciado fazer por Ele que a graça pode fazer na vida huma-
na pessoa dos pobres e sofredores.10 na será uma demonstração do poder
de Deus em transformar indivíduos
Se as pessoas não estão transmitin- egoístas em pessoas que amam a Deus
do o amor de Deus ao seu próximo, é e à humanidade. A demonstração final
porque não o têm. Se as pessoas têm o não é alguém retratar uma pessoa que
amor de Deus no coração, não há ne- finalmente alcançou a vitória sobre
nhuma maneira em que ele possa ser pizza quatro queijos, refrigerantes, ou
reprimido. Ele encontrará expressão. algum artigo de alimentação ou com-
A expressão do amor divino por aque- portamento. A grande demonstração
les a quem Jesus ama é o importante ao universo trata com a reprodução
critério no grande julgamento final. do caráter de Cristo.
Deus quer que todos os que estiverem Um dos grandes textos do Novo
no Céu sejam felizes lá. E os que serão Testamento atinge o âmago da ques-
felizes são aqueles que renunciaram ao tão. “Nisto”, disse Jesus, “conhece-
20 / Parousia - 2º semestre de 2008

rão todos que sois meus discípulos”, os que evidentemente não têm nada a
se guardardes o sábado. “Nisto co- celebrar e em que rejubilar-se porque
nhecerão todos que sois meus dis- não têm segurança em Cristo.
cípulos”, se devolverdes o dízimo. Ora, se eu fosse o diabo, daria a
“Nisto conhecerão todos que sois vocês adventistas a verdade bíblica,
meus discípulos”, se tiverdes uma mas tornaria vocês e suas igrejas
alimentação adequada. mais frios do que uma fôrma de gelo
Inúmeros adventistas lêem o Novo no inverno da Sibéria. Por outro
Testamento como se ele estivesse di- lado, eu daria a alguns cristãos ale-
zendo esse tipo de coisas. Mas, em gria na igreja e na vida cristã, mas
realidade, Jesus disse: “Nisto conhe- confundiria de tal forma sua teolo-
cerão todos que sois Meus discípu- gia que eles não saberiam distinguir
los: se tiverdes amor uns aos outros” Gênesis de Apocalipse.
(Jo 13:35). O amor não é apenas o O que os adventistas precisam é a
único ponto em torno do qual gira o alegria da salvação combinada com
juízo, é também o ponto pelo qual suas grandes verdades doutrinárias.
Jesus identifica seus discípulos. Ser Quando os adventistas tiverem a Je-
seguidor de Cristo é ser alguém que sus no coração e certeza da salva-
ama a Deus e aos semelhantes. ção, eles não apenas terão a verdade
Inúmeros adventistas passam por com um v minúsculo (isto é, verda-
alto esse ensino fundamental do Novo de doutrinária), mas terão a verdade
Testamento. Muitíssimos têm as nor- com um V maiúsculo (o Senhor da
mas, regulamentos e leis, mas negli- Verdade). “Eu sou ... a verdade”, dis-
genciam o grande princípio que cons- se Jesus (Jo 14:6).
titui o fundamento da lei de Deus. Estou pessoalmente convenci-
Muitos, em sua luta pela perfeição, do de que a grande coisa necessária
trabalham ao nível de pecados e leis para manter o adventismo em movi-
em vez de permitir que Deus opere mento não é apenas verdade doutri-
neles ao nível de pecado e lei. Infeliz- nária, mas um maior conhecimento
mente, todas as normas e regulamen- de Jesus e a bela certeza de salvação
tos sem o amor de Jesus muito contri- em Cristo. Necessitamos tanto da
buem para a religião sombria, triste, verdade quanto da Verdade. Quando
desolada, deprimente, melancólica – os adventistas tiverem ambas, isso
ou pior ainda, religião destrutiva. será proclamado de cada parte do
Quando vou a uma reunião campal, seu ser e em sua adoração, e estarão
posso olhar para uma audiência de dez em uma situação de permitir que o
mil pessoas e identificar de um relan- Espírito Santo os use para mover o
ce os assim chamados “perfeitos”. São mundo com a bela mensagem que
aqueles que não estão sorrindo. São Deus lhes confiou.
Eu costumava ser perfeito / 21

Referências
1
Publicado originalmente em George R. 5
Ellen G. White, Parábolas de Jesus, 69;
Knight, I Used to Be Perfect: A Study of Sin grifos acrescidos.
and Salvation (Berrien Springs, MI: Andrews 6
Ellen G. White ao irmão e irmã Kress,
University Press, 2001), 85-99. Traduzido do 29 de maio de 1901; publicado em Ellen G.
original em inglês por Francisco Alves de White, Conselhos Sobre o Regime Alimentar,
Pontes. 202. Em português, a expressão foi traduzida
2
Salvo outra indicação, as citações bí- como “deformação da saúde”. O texto origi-
blicas foram extraídas da tradução Almeida nal é um trocadilho entre “reforma de saúde”
Revista e Atualizada, 2ª edição. (em inglês, health reform) e “deforma [ou
3
Para estudo mais detido da compre- deformação] da saúde” (em inglês, health
ensão adventista tradicional de Apocalipse deform).
14:12, ver George R. Knight, Angry Saints: 7
Para estudo mais aprofundado sobre
Tensions and Possibilities in The Adventist princípios de interpretação dos escritos de El-
Struggle Over Righteousness By Faith (Ha- len G. White, ver George R. Knight, Reading
gerstown, MD: Review and Herald, 1989), Ellen G. White: How to Understand and Ap-
53-55; idem, A Mensagem de 1888 (Tatuí, ply Her Writings (Hagerstown, MD: Review
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), 115- and Herald, 1997). Ver também Herbert E.
117. Ver também Alberto R. Timm, O Santu- Douglass, Mensageira do Senhor: O minis-
ário e as Três Mensagens Angélicas: Fatores tério profético de Ellen G. White (Tatuí, SP:
integrativos no desenvolvimento das doutri- Casa Publicadora Brasileira, 2001), 372-443.
nas adventistas (Engenheiro Coelho, SP: Im- 8
White, Parábolas de Jesus, 67, 68; gri-
prensa Universitária Adventista, 2007), 89, fos acrescidos.
126-127, 198-201, 225, 230, 238-239. 9
Ibid., 69.
4
Para avaliação da nova compreensão de 10
Ellen G. White, O Desejado de Todas
Apocalipse 14:12, ver Knight, Angry Saints, as Nações, 637.
55-60; idem, A Mensagem de 1888, 117-121. 11
White, Parábolas de Jesus, 415.
“Prossigamos para perfeição” / 23

“Prossigamos para a perfeição”:


o ensino bíblico sobre santificação
e perfeição
Edward Heppenstall, Ph.D (1901 - 1994)
Ex-professor de Teologia Sistemática no La Sierra College (atual La Sierra Uni-
versity), na Andrews University e na Loma Linda University

Resumo: O autor apresenta de forma Introdução


construtiva, antes que apologética, a
doutrina bíblica da perfeição cristã “Portanto, sede vós perfeitos
como maturidade espiritual e genuíno como perfeito é o vosso Pai celeste”
amor a Deus e ao próximo. Ele ar- (Mt 5:48).1 Essa declaração de nos-
gumenta que as Escrituras jamais so Senhor põe diante dos cristãos
equiparam “perfeição” à condição uma norma excessivamente elevada,
humana sem pecado. Sendo que o nada menos que perfeição, da mesma
ser humano é, por natureza, pecador forma que Deus é perfeito. Deve-se
e incapaz de obedecer, a santificação admitir que o ideal de perfeição sem
bíblica é obra da graça divina. O ar- pecado tem produzido e inspirado
tigo conclui que o objetivo supremo muitos belos e maravilhosos caracte-
da vida cristã não é o de viver uma res cristãos. Ao mesmo tempo, onde
perfeição sem pecado, mas refletir cada a menor falha e o mais leve defeito
vez mais o caráter de amor de Cristo. são considerados com aflição, onde
a insistência em uma rígida e severa
Abstract: The author presents in a moralidade quase faz alguém tremer,
constructive, rather than apologetic, muitas pessoas sinceras têm posto so-
way the biblical doctrine of Christian bre si mesmas o mais irritante jugo,
perfection as spiritual maturity and adquirem uma obsessão pessoal no
genuine love to God and to the fellow esforço de alcançar a impecabilidade.
man. He argues that Scriptures never Elas se transformam em uma máqui-
equates “perfection” with sinless human na de moralidade, sem paz e sem se-
condition. Since human being is, by na- gurança diante de Deus.
ture, sinner and unable of obey, biblical A controvérsia sobre perfeição
sanctification through the work of divine cristã tem sido muitas vezes um even-
grace. The article concludes that the su- to muito indesejável na teologia cris-
preme aim of Christian life is not to live tã. Diversas interpretações teológicas
a sinless perfection, but to reflect more e pietistas dos usos bíblicos da pala-
and more the loving character of Christ. vra “perfeito” têm levado à transigên-
24 / Parousia - 2º semestre de 2008

cia com a lei de Deus, e mesmo com de nove palavras hebraicas e seis gre-
o próprio plano da salvação. Muito do gas. Obviamente, uma única palavra
nevoeiro que obscurece esse assunto em português não poderia fazer juz a
deve-se à falta de compreensão do todas essas palavras hebraicas e gre-
que é ou não pecaminoso e da falta de gas. Contudo, há duas palavras gregas
entendimento sobre o que Deus real- muito freqüentemente usadas no Novo
mente requer de seus seguidores. Testamento e na tradução Septuaginta
Perfeição. Seria um erro tentar do Antigo Testamento as quais trans-
alcançá-la? Depende do que quere- mitem peso considerável no entendi-
mos dizer com isso, como e quando mento da doutrina de perfeição. Nas
esperamos obtê-la. Se perfeição cris- próximas páginas me esforço para
tã significa restauração aqui e agora mostrar a partir da Bíblia como essas
à condição impecável de Adão (antes duas palavras são utilizadas.
da queda) e completa harmonia com Quase todos os modernos ensinos
Deus, de sorte que o homem não pre- sobre perfeição se baseiam na tradução
cise mais ser classificado como pe- em português e uso da palavra. Con-
cador, então a Bíblia não indica nada seqüentemente, a interpretação bási-
nessa direção. O único homem impe- ca é a de uma condição ideal onde o
cável que já viveu é Jesus Cristo. pecado não mais existe e tudo está em
A verdade acerca de perfeição na completa harmonia com Deus. Perfec-
doutrina e experiência cristã é aquela cionismo é o ensino de que é possível
que faz justiça ao significado e uso ao homem atingir e manter a perfeição
bíblico dessa palavra. Sendo que a moral e espiritual nessa vida.
Bíblia exorta reiteradamente o cren- Todavia, no transcurso do desen-
te em todas as eras a ser perfeito, en- volvimento teológico dessa idéia,
tão obviamente a experiência que ela dois termos qualificativos têm sur-
defende não é algo que está além da gido para assinalar a distinção entre
experiência daqueles a quem a pala- a perfeição divina e a do cristão. A
vra é dirigida. Ela deve ser possível perfeição de Deus é absoluta; isto é, o
dentro da estrutura da vida cristã aqui que Deus é em toda a sua pessoa e ca-
na Terra, de outra forma não existiria
ráter e aquilo que faz, Ele é completo
nenhum propósito no fato de os escri-
em todos os sentidos, moral e espi-
tores bíblicos encorajarem os crentes à
ritualmente, onde nada é deficiente.
perfeição. O significado válido para as
Nele está a presença e o fundamento
palavras perfeito e perfeição deve ser
de todos os valores do caráter, além
aquele dado unicamente pela Bíblia.
do qual não existe nada mais.
Deve ser notado que Deus criou
O significado de perfeição
Adão e Eva perfeitos. Para Deus não é
Ter em mente qual o emprego e o possível criar algo falho ou deficiente.
significado bíblico da palavra perfei- Adão e Eva foram criados em comple-
ção nem sempre é fácil. Perfeito ou ta harmonia com Deus, exatamente o
perfeição é a tradução, na verdade, que Deus designava que eles fossem,
“Prossigamos para perfeição” / 25

física, moral e espiritualmente. Eles com Deus e o cumprimento do desíg-


permaneceram neste estado até que nio divino para o homem. A discussão
caíram em pecado. Se não fosse essa prosseguirá não da definição humana,
queda, eles teriam continuado a se de- mas a partir do uso bíblico do termo.
senvolver em conhecimento e caráter, O pecado envolve um estado ou
sendo que eles foram criados adultos. condição de vida e age contrariamen-
Tal desenvolvimento não deve ser te à vontade de Deus. A condição
considerado como o passar de um es- pecaminosa do ser humano, em que
tado de imperfeição para a perfeição, e todos os homens são nascidos, consis-
sim como o desenvolvimento normal te em egocentrismo e a conseqüente
dentro de um estado perfeito, mas tal obstinação como resultado de nossa
discussão não é para essa seção. separação de Deus. Dessa condição
A perfeição também é conside- procedem todos os pensamentos, pro-
rada como um termo relativo usado pensões, paixões e ações pecaminosas.
para descrever o desenvolvimento A salvação começa quando aceitamos
e crescimento do cristão do pecado a Cristo, em lugar do próprio eu, como
para a justiça. O cristão está cami- o centro de nossa vida, quando o reco-
nhando para a perfeição sem peca- nhecemos como nosso Salvador e Se-
do, para a condição original em que nhor. Perfeição sem pecado é o ideal
Deus o criou. A perfeição é relativa à de Deus para seus filhos. Pelo poder
capacidade e habilidade do homem, do Espírito Santo devemos compro-
relativa à sua consciência e seu co- meter-nos com o ideal moral e espiri-
nhecimento, relativa à condição em tual em Cristo, mesmo avançando em
que ele nasceu. No máximo das fa- sua direção. Isto será atingido com o
culdades do cristão, deve haver uma retorno de Cristo, não antes.
sincera lealdade e harmonia com Unicamente sob a condição de
a vontade de Deus. A Bíblia nunca completa harmonia moral e espiritu-
iguala perfeição com impecabilidade al com Deus é possível a impecabi-
quando se refere ao cristão. lidade. Onde o homem está separado
Não há diferentes tipos de perfei- da presença e realidade de Deus em
ção, apenas graus dela, tanto quanto qualquer sentido e no menor grau,
diz respeito ao ser humano. É o uso ali existe o pecado de alguma forma.
em português da palavra perfeição Toda justiça e impecabilidade nascem
que tem ajudado na errônea interpre- da harmonia com Deus. Todo pecado
tação, não o grego ou o hebraico. O brota da separação de Deus.
problema deve ser resolvido e com- Jesus Cristo viveu na Terra em com-
preendido somente através da Palavra pleta unidade com seu Pai. Sua condi-
de Deus, não por especulações huma- ção e vida impecável era a expressão
nas. Neste artigo a expressão “perfei- dessa absoluta harmonia. A vontade de
ção sem pecado” se refere à restaura- Cristo correspondia à vontade do Pai
ção do homem à condição original em com exatidão invariável. Não havia a
que Deus o criou, completa harmonia mais leve deturpação de sua vontade
26 / Parousia - 2º semestre de 2008

em qualquer ponto. Isto aponta para de, declara o relato: “Embora Ele me
uma harmonia moral e espiritual e mate, ainda assim esperarei nele” (Jó
elevação de caráter desconhecidas em 13:15, NVI). Jó jamais concebeu isso
nossa experiência humana. Os fatos de como significando impecabilidade
que o próprio Cristo era Deus em sua (ver Jó 9:20; 42:5, 6). Nem qualquer
encarnação e nasceu do Espírito Santo dos homens acima citados. Portanto a
nega que Ele estava em qualquer parte palavra “perfeito” não traz consigo a
fora de harmonia com o Pai. Somente idéia de impecabilidade.
Cristo possuía tais características. To- O rei Salomão foi um homem de
dos os homens nascem em estado de lealdade dividida. Portanto as Escritu-
separação de Deus. Essa é a condição ras registram que “o seu coração não
em que todos nós nascemos. Essa con- era de todo fiel para com o Senhor,
dição só é revertida quando acontece o seu Deus, como fora o de Davi, seu
novo nascimento. Esse é o fundamento pai. Salomão seguiu a Astarote, deusa
básico do evangelho. dos sidônios” (1Re 11:4, 5).
Nós defendemos a doutrina bíblica O Novo Testamento é igualmente
de perfeição devidamente compreen- claro sobre este ponto. Ter um coração
dida como o aperfeiçoamento de uma perfeito é amar ao Senhor e ao seme-
relação correta com Deus, entrega lhante de todo o coração. “Acima de
completa, uma madura e inabalável tudo isto, porém, esteja o amor, que
fidelidade a Jesus Cristo. A Bíblia de- é o vínculo da perfeição” (Cl 3:14).
signa tais homens como servindo ao “Aquele que teme não é aperfeiçoado
Senhor com “um coração perfeito”, no amor” (1Jo 4:18).
não dividido em sua lealdade, resolu- A palavra mais importante traduzi-
to em sua devoção, não se desviando da por “perfeito” no Novo Testamento
do caminho do Senhor. Sobre o rei é a palavra grega teleios. Esta palavra
Asa a Bíblia relata: “O coração de Asa é derivada do substantivo telos, geral-
foi, todos os seus dias, totalmente do mente traduzido por “objetivo”, “pro-
Senhor” (1Re 15:14). O rei Ezequias pósito”, ou “fim”. A palavra significa
disse em oração: “Lembra-te, Senhor, um estágio definido de desenvolvimen-
peço-te, de que andei diante de Ti com to espiritual para os cristãos e crentes
fidelidade, com inteireza de coração” de todas as épocas, para aqueles que
(2Re 20:3). Acerca de Noé é dito: viveram nos tempos bíblicos bem
“Noé era homem justo e íntegro entre como para os que vivem hoje. Quase
os seus contemporâneos; Noé andava invariavelmente a palavra descreve a
com Deus” (Gn 6:9; ver também Hb obtenção de maturidade espiritual, es-
11:7). Sobre Jó, o Senhor declarou: tabelecida e inamovível na fé.
“Observaste o meu servo Jó? ... Ho- O apóstolo Paulo usa essa palavra
mem íntegro e reto, temente a Deus e muito freqüentemente quando designa
que se desvia do mal. Ele conserva a cristãos perfeitos ou maduros em con-
sua integridade” (Jó 2:3). A respeito traste com aqueles que permanecem
da sua completa confiança e fidelida- bebês espirituais.
“Prossigamos para perfeição” / 27

Irmãos, não sejais meninos no juízo; Corinto. Ele escreveu: “Falamos sa-
na malícia, sim, sede crianças; quanto bedoria entre os perfeitos [teleiois,
ao juízo, sede homens amadurecidos adultos]” (1Co 2:6, ARC), mas poste-
[teleioi] (1Co 14:20). riormente ele acrescenta:
“Pois, com efeito, quando devíeis ser
mestres, atendendo ao tempo decor-
Eu, porém, irmãos, não vos pude fa-
rido, tendes, novamente, necessidade
lar como a espirituais e sim como a
de alguém que vos ensine, de novo,
carnais, como a crianças em Cristo.
quais são os princípios elementares
Leite vos dei de beber, não vos dei
dos oráculos de Deus; assim, vos
alimento sólido; porque ainda não
tornastes como necessitados de leite
podíeis suportá-lo. Nem ainda ago-
e não de alimento sólido. Ora, todo
ra podeis, porque ainda sois carnais.
aquele que se alimenta de leite é inex-
Porquanto, havendo entre vós ciúmes
periente na palavra da justiça, porque
e contendas, não é assim que sois
é criança. Mas o alimento sólido é
para os adultos [teleion, maduros], carnais e andais segundo o homem?
para aqueles que, pela prática, têm as (1Co 3:1-3).
suas faculdades exercitadas para dis-
cernir não somente o bem, mas tam- Paulo contrasta os bebês espiri-
bém o mal” (Hb 5:12-14). tuais da igreja com aqueles que ele
“Por isso, pondo de parte os princípios designa como plenamente crescidos.
elementares da doutrina de Cristo, dei- Os espiritualmente imaturos da igre-
xemo-nos levar para o que é perfeito ja de Corinto se mostravam, por suas
[teleiotēta], não lançando, de novo, a divisões e lealdade dividida, incapa-
base do arrependimento de obras mor- citados para compreender as coisas
tas e da fé em Deus, ... Isso faremos,
profundas de Deus.
se Deus permitir” (Hb 6:1-3).
Paulo também declara que todo
O escritor da Epístola aos Hebreus ministro cristão desde seus dias até
reconhece que há um início para a vida os nossos deve ter por objetivo le-
cristã. O cristão deve começar com o var o rebanho à perfeição, isto é, à
ABC da fé cristã. Como bebê recém- plena maturidade do caráter cristão,
nascido ele recebe seu alimento espiri- sendo que Deus proveu esses dons
tual de outros cristãos maduros. A essa para atingir esse estágio maduro e
altura, porém, o autor mostra séria pre- desenvolvimento na vida.
ocupação porque muitos desses cristãos
ainda estão usando as vestes espirituais E Ele mesmo concedeu uns para
apóstolos, outros para profetas, ou-
da infância. Não estão crescendo em
tros para evangelistas e outros para
Cristo. Em um tempo em que eles de-
pastores e mestres, com vistas ao
veriam ser maduros (teleioi, perfeitos) aperfeiçoamento dos  santos  para o
o suficiente para instruir e conduzir ou- desempenho do seu serviço, para a
tros à fé, eles ainda têm de ser tratados edificação do corpo de Cristo, té que
como crianças. todos cheguemos à unidade da fé e
Paulo também sentiu isso acerca do  pleno  conhecimento do Filho de
de alguns dos membros da igreja de Deus, à perfeita varonilidade [teleiōn,
28 / Parousia - 2º semestre de 2008

maduro], à medida da estatura da ple- aperfeiçoamento e amadurecimento


nitude de Cristo (Ef 4:11-13). continua durante toda a vida.
Em nenhum lugar na Bíblia encon-
Em sua Epístola aos Filipenses ele tramos crentes afirmando ter alcan-
se classifica entre os perfeitos ou espi- çado a perfeição sem pecado embora
ritualmente maduros e firmes. Ele fala eles sejam designados como perfeitos
sobre sabedoria entre os perfeitos. (maduros), porque tal alegação está re-
pleta de perigos: um dos quais é uma
Irmãos, quanto a mim, não julgo havê- cegueira espiritual que impede alguém
lo alcançado; mas uma coisa faço: es- de ser honesto consigo mesmo.
quecendo-me das coisas que para trás
Vemos na Palavra de Deus que o
ficam e avançando para as que diante
de mim estão, prossigo para o alvo, que é possível nesta vida é maturidade
para o prêmio da soberana vocação e estabilidade espiritual, não perfei-
de Deus em Cristo Jesus. Todos, pois, ção sem pecado. Além disso, os textos
que somos perfeitos [teleioi], tenha- bíblicos em que os crentes são decla-
mos este sentimento” (Fp 3:13-15). rados perfeitos no momento em que é
atingido um simples degrau na direção
O objetivo de seu ministério apos- do ideal mostram que o emprego bíbli-
tólico é apresentar “todo homem per- co da palavra teleios, “perfeito”, não
feito [teleiōn, plenamente crescido] significa perfeição sem pecado. “Se
em Cristo” (Cl 1:28). Ele se refere alguém não tropeça no falar, é perfeito
ao seu colaborador, Epafras, como varão” (Tg 3:2). “Ora, a perseverança
agonizando em oração para que os deve ter ação completa, para que sejais
cristãos colossenses pudessem ser perfeitos e íntegros, em nada deficien-
conservados “perfeitos [teleioi] e ple- tes” (Tg 1:4). O homem perfeito ou
namente convictos em toda a vontade maduro é descrito como alguém que
de Deus” (Cl 4:12). tem completo controle de sua língua,
No grego clássico essa mesma ou que suporta a prova de sua fé sem
palavra teleios é freqüentemente vacilar. O crente que se qualifica em
usada para pessoas que alcançaram qualquer dessas características é de-
a idade adulta, para animais plena- signado nas Escrituras como um cris-
mente crescidos, para o fruto que está tão perfeito ou maduro. Tal controle e
plenamente maduro. Para o cristão estabilidade é prova suficiente de que
significa que ele deve crescer até a ele é um cristão maduro e estável. A
maturidade espiritual e desenvolver realização não é a mesma em todos
uma estatura espiritual semelhante os cristãos. Em alguns essa perfeição
à de Cristo. Os homens mais santos é assinalada pelo amor aos inimigos
mencionados na Bíblia declararam (Mt 5:43-48); em outros é manifesta
sua constante necessidade de cresci- em completa lealdade a Deus diante
mento em direção a Cristo, enquan- de dificuldades.
to afirmavam a pecaminosidade de Em direção a esse alvo o Espírito
sua própria natureza. O processo de Santo continua nos dirigindo ao longo
“Prossigamos para perfeição” / 29

de toda a nossa vida, mas a busca pela um médico, a habilidade do oleiro em


perfeição não finalizará nesta vida. moldar a argila formando um belo vaso.
Cada passo na direção ascendente re- Em cada caso o indivíduo foi adaptado
vela alturas espirituais a serem atingi- para fazer o trabalho pretendido.
das. O privilégio do cristão é experi- Quando um pescador lançava sua
mentar aqui e agora o que tem sido o rede na praia depois da pesca de um
privilégio dos crentes de todas as épo- dia, ele continuava o seu trabalho a
cas – o poder do Espírito Santo para fim de consertá-la onde ela tinha sido
contínuo crescimento e constante le- rompida. Usava essa mesma palavra
aldade a Deus. Juntamente com esse grega para descrever o que ele tinha
contínuo crescimento, encontramos feito. Tinha tornado a rede apta para
descanso em meio a labutas e confli- apanhar peixe novamente. “Pouco
tos enquanto afligimos nesse corpo de mais adiante, viu Tiago, filho de Ze-
pecado e morte até o glorioso apareci- bedeu, e João, seu irmão, que estavam
mento de nosso Senhor Jesus Cristo. no barco consertando [katartizontas]
as redes” (Mc 1:19).
Ora, o Deus de paz, que tornou a tra- Os escritores da Bíblia usavam
zer dentre os mortos a Jesus, nosso essa palavra e seus cognatos ao fala-
Senhor, o grande pastor das ovelhas, rem aos seus ouvintes em relação à
pelo sangue da eterna aliança, vos sua aptidão e responsabilidade como
aperfeiçoe em todo o bem, para cum-
cristãos na obra do evangelho e em
prirdes a sua vontade, operando em
viver a vida cristã.
vós o que é agradável diante dEle,
por Jesus Cristo, a quem seja dada
a glória para todo o sempre” (Hb E Ele mesmo concedeu uns para
13:20, 21). apóstolos, outros para profetas, ou-
tros para evangelistas e outros para
pastores e mestres, com vistas ao
Nessa passagem, a palavra grega aperfeiçoamento [pleno equipamen-
para perfeito (katartisai) provém de to ou habilitação] dos santos para o
katartizō. Seu significado é o de ser desempenho do Seu serviço, para a
plenamente equipado e adaptado para edificação do corpo de Cristo” (Ef
o serviço na obra da igreja e na causa 4:11, 12). “O Deus de toda a graça,
de Deus. A preocupação do escritor é ... depois de terdes sofrido por um
que Deus possa equipar inteiramente pouco, Ele mesmo vos há de aperfei-
os crentes em cada boa coisa a fim de çoar [equipar-vos], firmar, fortificar
fazerem a obra e a vontade dEle. e fundamentar” (1Pe 5:10). “Toda a
Esta palavra poderia ser muito bem Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para
usada para homens de quase todas as
a correção, para a edificação na jus-
profissões com a idéia de que os ho- tiça, a fim de que o homem de Deus
mens devem ser bem treinados para o seja perfeito [plenamente equipado]
trabalho que fazem, tornando possível a e perfeitamente habilitado para toda
perfeita interpretação de um músico, a boa obra” (2Tm 3:16, 17).
perfeita juntura de ossos quebrados por
30 / Parousia - 2º semestre de 2008

Quão importantes são essas pa- A perfeição bíblica não deve ser
lavras quando convidam o cristão a atingida por um comportamento di-
obedecer e servir ao Senhor, a ter tal rigido que busca conformidade com
coração e mente que possa suportar o exigências externas. Esta abordagem
desgaste do viver diário para Cristo, despoja a perfeição ou maturidade es-
para estar plenamente habilitado a fa- piritual do seu significado bíblico. A
zer a sua vontade em toda boa coisa, resposta à pergunta: “Qual é a obri-
espiritualmente realizado para tra- gação do cristão para com Deus?”
balhar como corresponde do plano e depende de quais valores são supre-
propósito divino para nossa vida! mos à vista de Deus e também de
Uma mente e coração que estão qual é o plano e o propósito divinos
incapacitados para servir a Deus são para salvar e transformar o homem
um coração dividido, uma mente en- por intermédio da justiça de Cristo.
fraquecida e sua eficiência é destruída Isto envolve nossa reconciliação com
pelo pecado prevalecente. Um coração Deus, vivendo em sintonia com Ele,
capacitado para o serviço de Deus é um e respondendo em amor a Deus e ao
que foi libertado do poder e da escra- homem. A perfeição que emerge do
vidão do pecado. O pecado não reina, nosso relacionamento é maturidade
mas ele permanece. Continuamente moral e espiritual.
permitimos que Cristo complete e ca-
pacite nossa vida com aquelas atitudes A capacidade e
e qualidades que tornam a utilidade e o incapacidade humanas
serviço eficientes. O cristão não é sem
pecado; mas ele é levado àquela plena Para que condição a queda de
e eficiente adequação por meio da qual Adão levou a raça humana? “Portanto,
Deus pode usá-lo em seu serviço para assim como por um só homem entrou
a glória de Deus, preparado e capacita- o pecado no mundo, e pelo pecado, a
do para cada situação e cada responsa- morte, assim também a morte passou
bilidade em viver a vida cristã. a todos os homens, porque todos pe-
Ao se falar, portanto, de perfei- caram” (Rm 5:12). Não conseguimos
ção bíblica, é importante evitar uma saber quão gravemente o pecado tem
rígida interpretação legalista, um ato incapacitado o homem em todos os
de seguir como um escravo à letra da seus aspectos. Não sabemos como o
lei ou obediência a uma lista de itens pecado atua sobre o sistema nervoso
exigidos. Nosso alvo supremo é en- e afeta suas reações nem até onde ele
contrado no evangelho da salvação, na obscure a mente. “O salário do pecado
justificação pela fé. Isso se centraliza é a morte” (Rm 6:23). Não sabemos
em Jesus Cristo, não em uma concep- de que maneira a morte pode reagir na
ção mecânica e exterior de semelhan- existência do ser humano e ainda as-
ça com Cristo. A doutrina da perfeição sim fazer parte das funções humanas.
não deve ser derivada de uma análise Apesar da queda, o intelecto, a
de homens, mas do caráter de Deus e vontade, a mente e as afeições hu-
da pessoa de Jesus Cristo. manas ainda funcionam. Mas estas
“Prossigamos para perfeição” / 31

se acham tão mudadas e reduzidas pudéssemos chegar à perfeição sem


em poder e capacidade que não mais pecado nesta vida, os gemidos que
funcionam como Deus pretendia que provêm das profundezas do nosso
funcionassem. O homem está conta- coração cessariam. Não haveria nada
minado em todos os seus caminhos, dentro de nós ou de fora que des-
alienado de Deus. É incapaz de en- truísse nossa harmonia e satisfação
contrar o caminho de volta para Deus pessoal. Estaríamos em perpétua paz
ou retornar a seu estado primitivo. com Deus e o ser humano, não fal-
A morte continua. As artérias en- tando fé, amor ou justiça.
rijecem. O sistema nervoso não reage Esse anelo aponta para o fato de
como na Criação. Em lugar algum o que deixamos de atingir o ideal do
homem reflete a perfeição de Deus plano divino para nossa vida. Por
em cuja imagem ele foi criado. Supor nossa inquietude interior confessa-
que com a conversão e santificação mos continuamente que deixamos de
o Espírito Santo restaura o homem à alcançar a verdade, a beleza, a bonda-
perfeição sem pecado é também afir- de e a justiça, que eram desígnios de
mar que todas as devastações da mor- Deus quando Ele nos criou.
te foram erradicadas. Toda a evidên- Além disso, essa mesma condi-
cia prova o contrário. Somente depois ção fala do nosso anseio pela com-
da ressurreição estará o homem ple- pleta restauração à imagem de Deus.
namente restaurado e liberto dos es- O profundo desejo por perfeição sem
tragos da morte. “O último inimigo a pecado e incorruptibilidade não tem
ser destruído é a morte” (1Co 15:26). fim. Não fomos criados para viver em
pecado ou para possuir uma natureza
Porque sabemos que toda a criação, a pecaminosa. Nossa sede por restau-
um só tempo, geme e suporta angús-
ração ao nosso estado original, nosso
tias até agora. E não somente ela, mas
anseio por sermos libertos do pecado
também nós, que temos as primícias
do Espírito, igualmente gememos em e de seus efeitos, aponta para um co-
nosso íntimo, aguardando a adoção nhecimento do que Deus finalmente
de filhos, a redenção do nosso corpo. fará por nós no retorno de Cristo.
Porque, na esperança, fomos salvos.
Ora, esperança que se vê não é espe- Eis aqui vos digo um mistério: nem
rança; pois o que alguém vê, como o todos dormiremos, mas transformados
espera? Mas, se esperamos o que não seremos todos, num momento, num
vemos, com paciência o aguardamos. abrir e fechar d’olhos, ao ressoar da
Também o Espírito, semelhantemen- última trombeta. A trombeta soará, os
te, nos assiste em nossa fraqueza (Rm mortos ressuscitarão incorruptíveis, e
8:22-26). nós seremos transformados. Porque é
necessário que este corpo corruptível
Essa passagem fala da profunda se revista da incorruptibilidade, e que
inquietude na vida do cristão devido o corpo mortal se revista da imortali-
às presentes imperfeições e incapa- dade. E, quando este corpo corruptível
cidade de atingir o ideal divino. Se se revestir da incorruptibilidade, e o
32 / Parousia - 2º semestre de 2008

que é mortal se revestir da imortalida- Em tudo somos atribulados, porém


de, então, se cumprirá a palavra que não angustiados; perplexos, porém
está escrita: Tragada foi a morte pela não desanimados; perseguidos, po-
vitória. ... Graças a Deus, que nos dá rém não desamparados; abatidos,
a vitória por intermédio de nosso Se- porém não destruídos; levando sem-
nhor Jesus Cristo” (1Co 15:51-57). pre no corpo o morrer de Jesus, para
que também a sua vida se manifes-
Assim, o desejo de realização e te em nosso corpo. Porque nós, que
restauração deve ser compreendido vivemos, somos sempre entregues à
em termos de nossa salvação e reden- morte por causa de Jesus, para que
também a vida de Jesus se manifeste
ção final em Cristo. Concedendo-nos o
em nossa carne mortal... Por isso, não
Espírito Santo para viver em nós, Deus desanimamos; pelo contrário, mesmo
desperta e desenvolve o desejo de im- que o nosso homem exterior se cor-
pecabilidade, de libertação do pecado rompa, contudo, o nosso homem in-
em todas as suas formas. Nesta vida terior se renova de dia em dia” (2Co
ansiamos por uma condição do ser que 4:8-11, 16).
ainda não temos. Estamos insatisfeitos
com as limitações da mente e da carne, Estamos certos de que Deus conti-
aguardando o dia em que Cristo nos nuará a obra de justiça em nossa vida
transformará e restaurará à nossa con- até o dia em que estaremos diante dele,
dição original impecável. quando a inquietude da mente e do co-
O ideal em direção ao qual luta- ração será finalmente dissipada em seu
mos é Jesus Cristo. Tudo no tocante aparecimento. “Para o conhecer, e o
a Ele é perfeito. O cristão tem con- poder da sua ressurreição, e a comu-
tinuamente fome e sede de justiça. nhão dos seus sofrimentos, conforman-
Há uma sincera e ousada busca de do-me com Ele na sua morte; para, de
santidade espiritual. algum modo, alcançar a ressurreição
O fato de que o crescimento é dentre os mortos. Não que eu o tenha
exigido na vida cristã aponta para a já recebido ou tenha já obtido a per-
contínua necessidade de desenvol- feição; mas prossigo para conquistar
vimento rumo à perfeição. Não há aquilo para o que também fui conquis-
situação nesta vida na qual podemos tado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto
dizer que temos atingimos o objeti- a mim, não julgo havê-lo alcançado;
vo final. Como cristãos testemunha- mas uma coisa faço: esquecendo-me
mos o fato de que continuamente das coisas que para trás ficam e avan-
çando para as que diante de mim estão,
esperamos no Senhor e renovamos
prossigo para o alvo, para o prêmio da
nossas forças. Subimos com asas
soberana vocação de Deus em Cristo
como águias. Corremos e não fica-
Jesus” (Fp 3:10-14).
mos cansados. Caminhamos e não
Quando consideramos a inerente
nos fatigamos (ver Is 40:31).
incapacidade e deficiência humana,
Concordamos com Paulo quan-
a Bíblia rejeita toda possibilidade de
do ele diz:
alcançarmos perfeição sem pecado
“Prossigamos para perfeição” / 33

nesta vida. O problema é se o Espírito nimento para compreender a situação


Santo faz ou pode aqui e agora restau- crítica onde o certo passa por errado,
rar o homem à plena posse de todas as até ao ponto em que o homem não
faculdades que Adão possuía antes da pode cooperar perfeitamente com o
queda. Cremos na habitação interior Espírito Santo. Ele não pode reivindi-
do Espírito Santo; mas não sabemos car impecabilidade. Isto significa que
o grau de controle do Espírito. O pro- podemos exercer nossas faculdades
blema do homem é sua falta de uma em cooperação com o Espírito Santo
perfeita disposição para ser capaz de apenas até ao ponto em que essas fa-
cooperar com o Espírito. culdades e habilidades estejam livres
Podemos discernir perfeitamente do pecado e seus resultados.
o que é correto como podia Adão no A consciência de Adão em seu
Jardim do Éden? Se não, então nos estado perfeito antes da queda ensi-
falta a capacidade de obter a com- nou-lhe que ele estava livre do peca-
preensão de nós mesmos e de nossa do – em completa harmonia moral e
pecaminosidade. Sem isso não somos espiritualmente com Deus – de sorte
capazes de reagir tão perfeitamente que ele podia manter franca comu-
e fazer uma entrega tão completa a nhão com Deus. Por ocasião da queda
Deus como o podia fazer um ser não a imagem de Deus no homem foi in-
caído. Essa mesma falta prova que validada, sua capacidade diminuída.
ainda existe uma condição de peca- Nesse estado enfraquecido o homem
do. A luz do sol pode ser obscurecida não pode estar na mesma condição
pelas manchas sobre ele ou pelas nu- perfeita como antes da entrada do pe-
vens diante dele. O poder do sol para cado. Assim, a eficiência do Espírito
emitir luz ainda existe, embora seja Santo está limitada pela capacidade
impedido de realizar perfeitamente da natureza humana de responder e a
suas funções. Assim é com o pecador extensão do discernimento do homem
em relação a Deus. O poder de pensa- e seu conhecimento de si mesmo.
mento e visão não está destruído, mas O Espírito Santo trabalha com o
a mente está incapacitada e ofuscada que Ele tem, como faz o oleiro com
pelo ego e pelo pecado. o barro. O que o Espírito pode fazer
Não conhecemos a extensão da depende da natureza e qualidade do
verdade da passagem: “Enganoso é o barro humano. O Espírito não remo-
coração, mais do que todas as coisas, ve miraculosamente nossa deficiente
e desesperadamente corrupto; quem o natureza física e nossa constituição
conhecerá?” (Jr 17:9). Até ao ponto com suas limitações sobre a mente,
em que o homem tem uma compre- os nervos e o coração. Em resposta
ensão obscurecida, seja isso sempre à nossa fé Ele leva avante uma obra
tão insignificante, uma vontade ainda de contínua restauração, procurando a
mais minuciosamente pervertida em cooperação do homem enquanto dura
sua operação, uma consciência des- a vida. Em cada passo do caminho
provida do mais leve grau de discer- Deus está realizando o máximo que o
34 / Parousia - 2º semestre de 2008

barro humano tem a oferecer. A única nenhum método ou trazer nenhuma


limitação é a capacidade reduzida do pressão para suportar que viole a
ser humano devido ao pecado. integridade pessoal do ser humano
Qualquer reivindicação de per- e sua liberdade de escolha. A mais
feição sem pecado está limitada pela leve hesitação em resistir à tentação,
incapacidade do homem de ver a pe- o menor desejo de amar ao próxi-
caminosidade de sua própria nature- mo e aos inimigos como Cristo fez,
za. Quando fazemos nosso melhor imediatamente torna impossível a
para compreendermos a nós mesmos perfeição sem pecado.
e a vontade de Deus, há muito que Como podemos saber se temos ou
está além de nós, muito em nós que não acariciado algum pecado ou se
nunca foi testado ao máximo. O Es- temos resistido inteiramente à mais
pírito Santo pode apenas controlar e leve tentação para pecar e ao orgulho
inspirar a semelhança com Cristo até com a mesma instantaneidade que
ao ponto em que inteligentemente Cristo teria feito? Como sabemos que
compreendemos a nós mesmos e res- não temos brincado com um desejo
pondemos a Ele. Este discernimento pecaminoso ou nos apegado a ele um
não é algo que ocorre apenas uma pouco mais do que deveríamos devi-
vez. É sempre uma constante e cres- do a uma constituição mutilada? Se
cente iluminação do Espírito. não podemos saber isso, então somos
É importante ter em mente que o incapazes de dizer como Cristo disse:
desamparo e a incapacidade do cris- “Quem dentre vós me convence de
tão não consistem no desejo voluntá- pecado?” (Jo 8:46).
rio e intenção de continuar pecando. Como pode o discernimento mo-
Ele já resolveu esse problema. “Que ral imperfeito decidir quanto ao que
diremos, pois? Permaneceremos no é perfeição e quando ela foi atingida?
pecado, para que seja a graça mais Não deve uma mente que tem sido
abundante? De modo nenhum! Como deturpada e obscurecida pelo pecado
viveremos ainda no pecado, nós os ser rigidamente excluída de decidir o
que para ele morremos?” (Rm 6:1, 2). que são comportamento e pensamen-
Podemos realizar apenas o que to impecáveis? O homem não tem ne-
temos naturalmente o poder de fa- nhuma maneira de julgar quando um
zer. A obrigação de viver perfeita- motivo ou um ato é perfeito partindo
mente deve ser proporcional à nos- de dentro de sua própria natureza pe-
sa capacidade de fazê-lo. Nenhuma caminosa, porque a mente do homem
exigência na Bíblia é feita ao ser participa daquela depravação sob a
humano que ele não tenha o poder qual ele é agora retido em cativeiro e
de realizar. O próprio núcleo da fé da qual ele suspira por ser liberto.
cristã e da resposta humana é o pró- Ao mesmo tempo Deus considera
prio respeito de Deus para com o ser o homem responsável pelo pleno uso
humano como uma pessoa racional possível de suas habilidades. Deus
e responsável. Deus não pode usar roga ao pecador que exercite suas fa-
“Prossigamos para perfeição” / 35

culdades ao melhor de sua capacida- Paulo era a contínua necessidade da


de. O homem ainda tem a faculdade graça salvífica e do poder de Deus.
de perceber a verdade necessária para O problema com que se defronta até
uma livre escolha inteligente de Deus mesmo a melhor das pessoas é que capa-
e entrega a Ele sob a iniciativa e in- cidade de receber o Espírito e entregar-
fluência do Espírito Santo. Nós como se à orientação divina são dificultadas
cristãos estamos sob a obrigação de pelo interesse próprio e pelas limitações
tornar a perfeição de Cristo nosso ide- do discernimento pessoal e a presença
al. Deus não muda sua perfeita norma de uma inclinação pecaminosa.
moral ou o propósito para com os ho-
mens. É-nos exigido que prestemos a Porque, agora, vemos como em es-
Deus toda obediência possível ao má- pelho, obscuramente; então, veremos
ximo de nossas consagradas habilida- face a face. Agora, conheço em parte;
des. Essa exigência é proporcional à então, conhecerei como também sou
conhecido (1Co 13:12).
capacidade moral, espiritual e fisioló-
gica do ser humano.
A mente humana é inexata e per-
Por causa de nossa condição mu-
vertida em sua sabedoria e suas ações;
tilada, somos lentos para aprender e
freqüentemente ela é estreita e uni-
rápidos para cair no egoísmo. Na his-
lateral. Até mesmo a melhor virtude
tória dos grandes personagens da Bí-
cristã pode trazer consigo uma man-
blia, é notável que, embora estivessem
cha maligna. A professa delicadeza
aprendendo de Cristo e experimentan-
e humildade podem ter um toque de
do o poder salvífico, eles estavam pro-
fraqueza e uma falta de coragem para
fundamente cientes de sua própria fra- testemunhar em prol da verdade. A
queza, e não confiavam em si mesmos liberdade pode ter um matiz de ex-
para cumprir a vontade de Deus. travagância. O pecado opera de ma-
O apóstolo Paulo se sentia do neira adversa tanto no corpo como na
mesmo modo. Se há alguma pessoa mente com debilidades e paixões que
na era cristã à qual a perfeição sem afetam o crescimento e a maturidade
pecado poderia ser atribuída, é ele. espiritual. Existe a sutil dependência
Se nós como cristãos pudéssemos de outros em vez de em Cristo, a in-
nos aproximar de sua entrega, sua disposição de confiar-nos inteiramen-
dedicação, a proximidade do seu ca- te a Deus. O ideal de perfeição está
minhar com Deus, sua ardente com- sempre adiante de nós.
paixão para salvar os perdidos, o que Não é fácil ver e compreender toda
mais teríamos a desejar e fazer nessa a verdade por nós mesmos e segui-la.
vida? O que se torna evidente na ex- A influência da hereditariedade e do
periência de Paulo e em suas epísto- ambiente e a formação passada incor-
las é o crescente senso de fraqueza e porada na vida – tudo é encontrado
indignidade e o seu profundo senso naqueles que passam pelo processo
de dependência diária de Deus. O de salvação e santificação. O próprio
fato importante e essencial na vida de processo de crescimento desenvolve
36 / Parousia - 2º semestre de 2008

novas percepções e revela novos peri- pecado voluntário, mas no sentido de


gos em situações que nunca havíamos não atingir o ideal em Jesus Cristo.
compreendido ou experimentado an- Nunca virá um tempo em que não
tes. A santificação é uma obra muito precisemos repetir a oração do Se-
maior do que às vezes supomos. nhor: “Perdoa-nos as nossas dívidas,
Não conhecemos nenhum método assim como nós temos perdoado aos
na Bíblia pelo qual o Espírito de tal nossos devedores.” Enquanto viver-
modo subjuga as limitações humanas mos neste mundo pecaminoso, jamais
devidas ao pecado a ponto de habili- atingiremos uma posição em que nos-
tar o ser humano a chegar a uma con- so discernimento moral e espiritual
dição de impecabilidade. Todavia, o não possa ser aumentado. É a essên-
Deus eterno é o nosso refúgio. Cada cia do orgulho atribuir a nós mesmos
momento vivemos pela maravilhosa um conhecimento e um poder que não
graça divina e por ela somos salvos. temos. Podemos testemunhar acerca
O cristão sempre reconhecerá sua do que sabemos de nós mesmos e do
condição pecaminosa diante de Deus. poder de Deus para salvar-nos.
Nossa vida não é magicamente trans-
formada em impecabilidade acima da Devemos lutar para sermos perfei-
luta e agonia do mundo. O que se tor- tos em nossa esfera, como Ele era
perfeito em Sua esfera. ... Eles [os
na evidente é que o livramento é feito
membros da igreja] devem formar
completo em nossa fraqueza. A vitó- caracteres que sejam uma reflexão do
ria sobre o ego e o pecado não vem do caráter divino.2 Com nossas faculda-
nosso o poder, mas do Espírito. des limitadas, devemos ser tão santos
em nossa esfera, como Deus é santo
Perfeição relativa na sua.3
Perfeição relativa, não absoluta,
Podemos louvar a Deus por nos-
pode ser experimentada. Perfeição
sa libertação consciente do pecado
absoluta é aquela todo-inclusiva, o
conhecido, mas isso não é um tes-
todo-abrangente caráter de justiça que
temunho em favor da perfeição sem
vemos em Jesus Cristo. Nós como
pecado. Há muito a aprender acerca
cristãos podemos usufruir o livramen-
de nós mesmos e de nossa capacidade
to consciente do pecado conhecido
para resistir às crescentes tentações
pelo poder do Espírito Santo. A capa-
do mundo, da carne e do maligno.
cidade de discernir o bem do mal se
torna mais clara à medida que cresce-
Aquele, pois, que pensa estar em pé
mos na graça e no conhecimento de
veja que não caia. Não vos sobreveio
Deus. Jamais atingimos o ponto em tentação que não fosse humana; mas
que nosso discernimento espiritual e Deus é fiel e não permitirá que sejais
melhoria pessoal não possam ser au- tentados além das vossas forças; pelo
mentados. Em virtude de nossas limi- contrário, juntamente com a tentação,
tações físicas e mentais, persiste a im- vos proverá livramento, de sorte que
perfeição, não no sentido de cometer o a possais suportar (1Co 10:12, 13).
“Prossigamos para perfeição” / 37

Em outras palavras, há um limite para beneficiar-nos da direção do Espí-


à tentação que o homem pode resis- rito. Nem tudo é revelado no início da
tir em seu estado pecaminoso. “Pois vida cristã. Se o fosse, nossa pecamino-
Ele conhece a nossa estrutura e sabe sidade nos esmagaria, nos deixaria per-
que somos pó” (Sl 103:14). É bom plexos e paralisados. Assim o Espírito
que Deus se lembre disso, pois há um nos dirige mais e mais para a verdade
ponto de ruptura ou um limite crítico acerca de Deus e de nós mesmos.
para todos os homens. Quanto mais Na conversão fazemos uma entrega
nos aproximamos de Cristo, mais cla- total a Ele no melhor do nosso conhe-
ramente vemos nossa distância da per- cimento. Aos olhos de Deus esse é um
feição absoluta de Deus. Em virtude início perfeito, mas andamos progres-
da amorosa misericórdia de Deus está sivamente na luz à medida que ela vem
oculto de nós o pleno conhecimento a nós, procedente da Palavra de Deus.
do nosso coração pecaminoso. Somos convidados a manter comunhão
O conhecimento progressivo de diária com Cristo. Ao longo do cami-
nós mesmos vem gradualmente à me- nho permanecemos fiéis a Deus. Em
dida que somos capazes de suportar a proporção à maturidade e abrangência
verdade acerca de nós mesmos. Qual- do nosso conhecimento de nós mesmos
quer súbita e total revelação de Deus e da verdade de Deus, nossa vida é pro-
quanto a tudo o que nós somos à sua gressivamente moldada à semelhança
vista nos esmagaria além da nossa ca- de nosso Senhor. Em cada passo nossa
pacidade de recuperação e de ação. O resposta pode ser “perfeita” a medida
homem que reivindica para si mesmo que reagimos e cooperamos com Deus
o que o apóstolo João não ousava rei- até o alcance e medida da direção do
vindicar está auto-iludido: Espírito em nossa vida.
Nossa transformação não pode pro-
Se dissermos que não temos pecado gredir muito além do nosso discerni-
nenhum, a nós mesmos nos engana- mento da verdade e de nós mesmos em
mos, e a verdade não está em nós. todas as situações possíveis e sob todas
Se confessarmos os nossos pecados, as condições. Para avançarmos rumo
Ele é fiel e justo para nos perdoar os
à plena harmonia com Deus, devemos
pecados e nos purificar de toda injus-
tiça. Se dissermos que não temos co- continuar a subir para melhores e mais
metido pecado, fazemo-lo mentiroso, puros motivos, aspirações, propósitos,
e a sua palavra não está em nós (1Jo e realização espiritual. Isso significa
1:8-10). que nossa apreensão mental e espiritu-
al deve continuar de um ponto de vista
Comunicando-nos o poder salvífico a outro, de um passo ao próximo, da
do evangelho Deus revela nossa neces- dependência de nós mesmos para a de-
sidade de vencer o pecado e a profundi- pendência de Cristo e Sua justiça.
dade de nossa depravação pecaminosa Progressivamente, aspiramos à
tão rápido quanto possamos suportar e estatura de Cristo. Ao mesmo tempo
tão rápido quanto estamos preparados nos deparamos com obstáculos espi-
38 / Parousia - 2º semestre de 2008

rituais, inércia física, e auto-afirma- temos em nós mesmos. Por intermédio


ção, e vemos a necessidade de não dessa atitude e pelo crescimento cristão
reter nenhuma parte de nossa vida surge uma vida cristã madura.
ao controle e direção do Espírito. Na Continuamente edificamos nossa
vida espiritual há realizações que são casa espiritual sobre Cristo, a Rocha
possíveis somente quando um cres- Viva. Entregamos a Deus cada po-
cimento e desenvolvimento perene sição e prática que descobrimos que
estão por trás de nós. O ideal de per- está em desarmonia com a Palavra de
feição está sempre adiante de nós. Ao Deus. A salvação pela graça jamais
mesmo tempo é desenvolvida uma volta nossa atenção para realizações
mais elevada e mais madura qualida- próprias, nossa própria justiça ou uma
de de vida espiritual. pretensão à progressiva perfeição.
Até mesmo os melhores cristãos Olhamos continuamente para Jesus,
revelam suas limitações por sua cres- Autor e Consumador de nossa fé.
cente necessidade da apropriação da
divina redenção e justiça de Cristo. Quanto mais perto vos chegardes
Acima de todos esses fatos acerca de Jesus, tanto mais cheio de faltas
do pecador, Deus está continuamente parecereis aos vossos olhos; porque
vossa visão será mais clara e vossas
operando à medida que nos tornamos
imperfeições se verão em amplo e
mais e mais possuídos pelo Cristo
vivo contraste com sua natureza per-
que habita nosso interior. O progresso feita. Isto é prova de que os enganos
espiritual resulta de sermos fiéis dis- de Satanás perderam seu poder; que
cípulos de Cristo, inamovíveis, firme- a influência vivificante do Espírito de
mente estabelecidos na fé, enquanto Deus está a despertar-vos. ...
caminhamos em direção daquele ob- Quanto menos virmos em nós mes-
jetivo final de perfeição sem pecado. mos digno de estima, tanto mais ha-
Jesus não falha em seu plano para vemos de ver digno de estima na in-
nossa vida. Experimentamos a reali- finita pureza e amabilidade de nosso
dade de uma sempre crescente seme- Salvador. ... Quanto mais a sensação
de nossa necessidade nos impelir
lhança com Jesus Cristo.
para Ele e para a Palavra de Deus,
Ao experimentarmos o poder sal-
tanto mais exaltada visão teremos de
vífico de Cristo nossa justiça, vemos seu caráter, e tanto mais plenamente
a fraqueza de nossas resoluções e a refletiremos a sua imagem.”4
necessidade de perceber nossa fragili-
dade, confiando plenamente e depen- Em alguns sentidos o crescimento
dendo inteiramente do poder da graça cristão é uma coisa estranha. Quando a
redentora. Há uma perseverança nas princípio fomos a Cristo, experimen-
coisas de Deus e em um relacionamen- tamos seu perdão e regeneração, não
to com Ele através da oração e do estu- sentimos mais “nenhuma condena-
do de sua Palavra. Centralizamos nossa ção”. Nosso coração foi purificado, e
lealdade e esperança em Cristo não im- resplandecemos com nova vida. Nos-
porta qual seja o custo e a fraqueza que sas vestes pareciam sempre brancas
“Prossigamos para perfeição” / 39

porque fomos vestidos com as vestes temperamento, coragem e paciência


da justiça de Cristo. Mas com o passar revelam quão distantes estamos do
do tempo, nos tornamos cientes de que ideal; contudo todo o tempo pensáva-
não temos feito tudo o que tencionáva- mos que tínhamos conseguido muito
mos fazer. Não temos sido tudo o que mais. Todavia, essa nova compreen-
pretendíamos ser. Temos uma cons- são de nossa autoconfiança, de nossa
ciência de imperfeições mais vívida incapacidade para enfrentar a tentação
do que nunca. Com o passar dos anos e a provação se tornam o meio de cor-
nos tornamos mais e mais insatisfeitos rigir nossas falhas. Encontramos cres-
com nós mesmos. Ao mesmo tempo, cimento sob crescente consciência de
isto pode ser devido ao nosso crescen- nossa pecaminosidade. Dia a dia rom-
te senso de pecado e do que constitui pemos com algum conceito inferior de
imperfeição. Pode ser que não somos moralidade para que possamos perce-
menos puros do que anteriormente, ber a mais profunda, mais plena e eter-
mas o Espírito Santo tem aberto nos- na justiça. Com senso mais agudo de
sos olhos, refinando nosso gosto, au- limitações e fracasso quando sob mais
mentando nossa sensibilidade. Faltas fortes tentações, aprendemos a crescer
outrora ocultas agora estão descober- em sabedoria, refinamento, humilda-
tas. Pecados secretos despercebidos de e semelhança com Cristo.
ou não compreendidos são agora vi- Em tempos anteriores, éramos
vamente sentidos. A mais clara visão muito seguros de nós mesmos como
moral e espiritual detecta as deformi- cristãos – guardávamos os mandamen-
dades. O ouvido mais apurado sente tos conforme os compreendíamos. Ao
as dissonâncias internas. O gosto mais nos aproximarmos de Cristo, sentimos
puro expõe o que outrora era insuspei- os motivos ocultos e as intenções ego-
to. Aumenta em nós a consciência do cêntricas que têm marcado nossa re-
pecado, não porque o mal tenha estado ligiosidade. Todavia, diante de Deus
temos estado crescendo de percepção
progredindo em nós, mas porque nos-
em percepção, de força em força, a
so amor à justiça tem se tornado mais
marcha de um dia mais perto do lar. É
intenso. As fraquezas e deformidades
provável que a insatisfação com nossa
morais nunca nos causarão mais afli-
condição moral e espiritual em qual-
ção do que quando chegarmos mais quer ponto ao longo do caminho para o
perto de Cristo. Não é o cristão mais reino sejam o resultado de mais fortes
imperfeito que sente mais a imperfei- aspirações e mais desejos espirituais.
ção, mas o cristão que está diariamente Esta é a posição bíblica sobre cresci-
se tornando mais semelhante a Cristo. mento cristão até que Cristo retorne.
Muito de nosso discernimento do
próprio caráter é superficial e conven- Para o conhecer, e o poder da sua
cional. Congratulamo-nos pelo que te- ressurreição, e a comunhão dos seus
mos atingido, até que somos levados sofrimentos, conformando-me com
à prova e ao lugar de refinamento sob Ele na sua morte; para, de algum
Deus. Provas mais severas do nosso modo, alcançar a ressurreição dentre
40 / Parousia - 2º semestre de 2008

os mortos. Não que eu o tenha já re- centro com a crença de que devemos
cebido ou tenha já obtido a perfeição; chegar à perfeição sem pecado para
mas prossigo para conquistar aquilo ter a certeza da salvação.
para o que também fui conquistado Salvação pela graça não é um pó de
por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a
“pirlimpimpim”. A obra da graça não é
mim, não julgo havê-lo alcançado;
mas uma coisa faço: esquecendo-
algum encanto mágico onde nossa fra-
me das coisas que para trás ficam e queza e indignidade termina em poder
avançando para as que diante de mim e suficiência pessoal antes da vinda de
estão, prossigo para o alvo, para o Cristo. A graça salvadora nos intima a
prêmio da soberana vocação de Deus confessar nossa condição pecaminosa
em Cristo Jesus (Fp 3:10-14). até que vejamos a Cristo face a face.
O que é certo na salvação pela graça
Salvação pela graça não é que nossa vida seja magicamen-
Então, Ele me disse: A Minha graça te transformada em impecabilidade. O
te basta, porque o poder se aperfei- que se torna evidente é que a vitória se
çoa na fraqueza. De boa vontade, aperfeiçoa em nossa fraqueza.
pois, mais me gloriarei nas fraque- Ninguém pode vir a mim se o
zas, para que sobre mim repouse o Pai, que me enviou, não o trouxer”
poder de Cristo. Pelo que sinto pra- (Jo 6:44). Essa passagem ensina
zer nas fraquezas, nas injúrias, nas que o pecador é salvo somente pela
necessidades, nas perseguições, nas graça, mas não há nada nesse texto
angústias, por amor de Cristo. Por-
que tolere qualquer forma o pecado.
que, quando sou fraco, então, é que
Todavia, porque estamos mutilados
sou forte (2Co 12:9, 10).
pelo pecado, devemos sempre viver
Graça é o eterno e gratuito favor de pela graça de Deus.
Deus, manifestado em favor dos fra- Uma coisa está clara: se a graça
cos, culpados e indignos. A graça está salvadora e transformadora de Deus
inteiramente separada de cada suposi- fosse retirada a qualquer momento,
ção de dignidade humana e perfeição mergulharíamos nas profundezas do
sem pecado. A graça se encontra onde pecado e pereceríamos para sempre.
existe a pecaminosidade humana. Su-
perabunda sobre a fraqueza humana. Mas Deus, sendo rico em misericór-
Os pecadores são as únicas pessoas dia, por causa do grande amor com
que nos amou, e estando nós mortos
com quem a graça está absolutamente
em nossos delitos, nos deu vida jun-
relacionada. Vivemos cada momento
tamente com Cristo, – pela graça sois
pela graça e somos salvos pela ines- salvos, e, juntamente com Ele, nos res-
gotável graça de Deus. suscitou, e nos fez assentar nos lugares
Devemos viver somente por Cris- celestiais em Cristo Jesus; para mos-
to, embora reconhecendo nossa ver- trar, nos séculos vindouros, a suprema
dadeira condição pecaminosa. Salva- riqueza da sua graça, em bondade para
ção pela graça significa ser liberto da conosco, em Cristo Jesus. Porque pela
insensatez de implantar nosso ego no graça sois salvos, mediante a fé; e isto
“Prossigamos para perfeição” / 41

não vem de vós; é dom de Deus; não Amarás o teu próximo e odiarás o teu
de obras, para que ninguém se glorie. inimigo. Eu, porém, vos digo: amai
Pois somos feitura dele, criados em os vossos inimigos e orai pelos que
Cristo Jesus para boas obras, as quais vos perseguem. ... Porque, se amar-
Deus de antemão preparou para que des os que vos amam, que recompen-
andássemos nelas (Ef 2:4-10). sa tendes? Não fazem os publicanos
também o mesmo? ... Portanto, sede
Quão absurdo é supor que ser vós perfeitos como perfeito é o vosso
salvo pela graça e reconhecer a pe- Pai celeste (Mt 5:43-48).
caminosidade do coração humano
significa encorajar o pecado na vida.
O mandamento para ser perfeito
Aqueles que são mais sensíveis à na-
nesta passagem centraliza-se em nossa
tureza do pecado interiormente são
capacidade de amar como Deus ama.
os que procuram contínua libertação
Para sermos capazes de amar a Deus de
do seu poder através da dependência
todo o nosso coração e ao nosso próxi-
de Cristo. Há uma contínua descon-
mo como a nós mesmos devemos ser
fiança do ego e uma crescente depen-
participantes do perfeito amor de Cris-
dência do poder de Deus.
to. Manifestar esse amor significa parti-
Nenhum pecado deve ter domínio
lhar da vida essencial e da qualidade do
sobre nós. O pecado não é mais nosso
amor de Deus. Nós os que temos este
senhor, Cristo o é. O cristão com um
“coração perfeito” vive em um estado amor estamos em completa harmonia e
de graça até a vinda de nosso Senhor, união com Cristo.
“olhando firmemente para o Autor e
A fim de que todos sejam um; e como
Consumador da fé, Jesus” (Hb 12:2).
és Tu, ó Pai, em mim e Eu em ti, tam-
Nunca desconfiamos do amor salvador
bém sejam eles em nós; para que o
e perdoador de Deus. Com singeleza mundo creia que Tu me enviaste. Eu
de coração e mente entregamos cada lhes tenho transmitido a glória que me
dia nossa vida a Ele. Toda perfeição tens dado, para que sejam um, como
sem pecado está na pessoa de Cristo. Nós o somos; Eu neles, e Tu em mim,
Somos perfeitos na medida em que vi- a fim de que sejam aperfeiçoados na
vemos nele e nunca em nós mesmos. unidade, para que o mundo conhe-
ça que Tu me enviaste e os amaste,
Amor, o caminho mais excelente como também amaste a mim. ... Pai
justo, o mundo não te conheceu; Eu,
O resumo da vida perfeita é: porém, te conheci, e também estes
compreenderam que Tu me envias-
Amarás o Senhor, teu Deus, de todo te. Eu lhes fiz conhecer o teu nome e
o teu coração, de toda a tua alma e ainda o farei conhecer, a fim de que o
de todo o teu entendimento. Este é amor com que me amaste esteja ne-
o grande e primeiro mandamento. O les, e Eu neles esteja” (Jo 17:21-26).
segundo, semelhante a este, é: Ama-
rás o teu próximo como a ti mesmo O cristão que tem este amor de
(Mt 22:37-39). Ouvistes que foi dito: Cristo e o manifesta, tem um perfeito
42 / Parousia - 2º semestre de 2008

amor. A pessoa que vive pela justi- eternos de Deus. Não existe nada que
ça de Cristo tem uma perfeita justi- se ponha entre Cristo e nós.
ça em sua vida. Aquele que possui o Perfeição se refere à plenitude de
fruto do Espírito é um participante Cristo e seu amor em nossa vida. Não
dele. Quem possui a fé de Jesus é um pensamos nisso em termos de um sis-
participante da fé perfeita. Estas qua- tema atomizado, de tantas qualida-
lidades podem não ser plenamente des separadas a serem melhoradas e
expressas e percebidas em sua com- aperfeiçoadas. Igualar perfeição com
pleta possibilidade, mas o amor que impecabilidade é enfatizar os aspec-
temos é um perfeito amor em virtude tos negativos da vida cristã em vez
do Cristo que habita em nós. da plenitude que devemos usufruir
Estamos plenamente comprome- em Cristo. A questão não é ser sem
tidos com esse ideal, tendo uma de- pecado, mas ter nossa vida completa
voção sem reservas a Cristo. Esse é nele, cheia do amor de Deus. Certa-
o objetivo que perseguimos ao longo mente buscaremos continuamente e
da vida. “A verdadeira santificação oraremos por libertação de tudo o que
significa perfeito amor, perfeita obe- é egocêntrico e pecaminoso.
diência, perfeita conformidade com a Perfeição em amor significa viver
vontade de Deus.”5 “Os que amam a em Cristo e Cristo viver em nós. In-
Deus têm o seu selo na testa.”6 terpretar perfeição como significando
A pergunta não é se somos capa- “impecabilidade” tende em direção
zes de amar tão perfeita e tão absolu- da conformidade com normas, regras,
tamente como Deus, mas se estamos mandamentos. A tendência é que a
agora manifestando esse mesmo amor religião fique repleta de ansiedade e
em virtude da habitação de Cristo em um senso de culpa em cada infração
nós. Se o fazemos, participamos des- da regra. Isto pode facilmente levar à
sa mesma perfeição. comunicação de desprazer, desapro-
Há uma ligação de amor entre nós vação, rejeição daqueles que diferem
e Cristo, acima e além da consciên- de nós e não agem exatamente como
cia de nossas fraquezas e de nossa in- pensamos que deveriam. Há mais pre-
dignidade. Estamos certos do eterno ocupação com o que as pessoas devem
amor de Deus. Sabemos que o Espí- e não devem fazer do que com o que
rito Santo continuará a desenvolver o elas realmente são, pessoas completas
que Deus tem posto em nós. Estamos e filhos de Deus. Ser a espécie correta
certos da suficiência do amor aplica- de cristão não é encarada.
do a nós. O eterno amor de Deus, a Entretanto, o amor mediante o Es-
eterna vigilância dos anjos, o ministé- pírito Santo requer que sejamos pesso-
rio celestial de Cristo em nosso favor, as genuínas e amorosas, não pessoas
tudo nos une ao Deus vivo. No meio perfeitas. Não rogamos simplesmente
de todas as tentações e provações, por perfeição, mas pela plenitude de
das fraquezas da carne, conhecemos Cristo. O amor a Cristo de todo o nos-
e experimentamos o apoio dos braços so coração e entendimento não brota
“Prossigamos para perfeição” / 43

em realizações morais ou religiosas A mensagem de Jesus não está


isoladas. Cristo no coração significa preocupada em que alcancemos a
que estar com Ele é tudo o que nos diz perfeição, mas que concretizemos
respeito. É para Ele que testemunha- seu amor em nós. Ele inicia em nos-
mos, não para nós mesmos e para nos- so coração e mente o processo que
sas realizações dentro da religião. O dá vida abundante. Seu caráter revela
amor de Cristo não enfoca o centro de nossa necessidade do amor remidor
atenções em nós mesmos. O amor não de Deus. Jesus comunica a realidade
faz de nós peças de museu que atraem divina porque nEle está a plenitude de
as manchetes. Não estamos tentando Deus. Ele mostra o que podemos fa-
adaptar nossa vida a qualquer regra le- zer quando Ele vive em nós. “Olhan-
gal. Tornamos-nos um com Cristo em do para Jesus” torna-se uma aspiração
vida e em propósito. Glorificamos a de amor em direção do “homem per-
Cristo, não a nós mesmos. feito”, em direção da medida da es-
A solução não é a crença de que te- tatura da plenitude de Cristo. Nosso
mos finalmente chegado à perfeição em progresso espiritual dá testemunho
todos os requisitos de Deus de forma de sua presença em nosso coração. O
que agora somos superiores e estamos ideal não é definido pela obediência a
entre as pessoas que atingiram o ponto uma lei. O ideal em Cristo é grande de-
mais alto. Nunca será demais dizer que mais para ser captado e compreendido
somente Cristo é a única e suficiente imediatamente. Apenas podemos per-
perfeição e justiça do ser humano. O mitir que Cristo nos ame ao máximo.
assunto básico é o poder salvífico de Em nossa posse dele e sua posse de
Cristo e sua justiça, não a impecabili- nós, a esperança opera continuamente
dade do crente. Nossa vida está escon- em direção do ideal cristão. Jesus traz
dida com Cristo em Deus. Andar com esperança ao nosso coração, levando-
Deus em amor é o principal. nos a estender a mão adiante do que
O verdadeiro progresso rumo somos para o que finalmente seremos.
à perfeição cristã é o avanço em Somos salvos pela esperança.
compreender e experimentar Jesus Nossa participação do ideal não
Cristo. Uma norma perfeita isolada é através da pressão de preceitos ou
posta diante de nós é limitada em teorias, mas pelo toque e o apoio de
seu poder. Mas uma pessoa, com co- uma pessoa. O amor de Cristo des-
munhão ilimitada, tal como Cristo, é perta amor em nosso coração, nos faz
inesgotável. Não podemos encerrar partilhar seu ideal, propósito e missão
Cristo dentro de um dogma. Jesus para salvar os perdidos. Amando a
concretiza e individualiza o segredo Cristo, participamos do seu triunfo.
do cristianismo, renovando perpe- Esse é o penhor divino de trans-
tuamente nossa mente e nossa vida, formação e restauração final àque-
surgindo em nós em novo poder de la vida perfeita para a qual Ele nos
dia em dia, desenvolvendo novas criou. Essa esperança de nos tornar-
energias espirituais. mos semelhantes a Ele persiste em
44 / Parousia - 2º semestre de 2008

nosso coração, inspira nossa vida e Deus e ao próximo não atrai a atenção
anima nosso espírito. Em nossa fra- para nós mesmos. Calcular, analisar,
queza estamos aliados à sua força. julgar os próprios erros ou de outros,
Embora vejamos como em espelho, nunca nos leva para além de nós mes-
obscuramente, temos um claro conhe- mos. Somente contemplando a Cristo
cimento de perfeição nele. Em nossa somos “transformados, de glória em
insegurança, estamos unidos ao seu glória, na sua própria imagem, como
amor. Aguardar e buscar a supremacia pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3:18).
de Cristo e semelhança com Ele está A conformidade com uma nor-
entre os mais excelentes e mais ins- ma perfeita não satisfaz o coração
pirados exercícios e expectativas que de Deus ou o de nós mesmos. Como
podemos conhecer. Essa é a certeza, pais, isso é verdade em relação aos
não em nós e de nós mesmos, mas no nossos filhos: desejamos mais do
evangelho do soberano amor que veio que conformidade com as normas de
governar nosso coração e vida. casa. Queremos a lealdade, o amor e
a devoção de nossos filhos e filhas.
O amor a Deus deve ser um prin- Nada mais satisfará. Isso é o que
cípio vivo, subordinando cada ato,
Deus quer de seus filhos.
palavra e pensamento. ... então nos
será natural buscar pureza e santi-
A verdadeira santificação liga os cren-
dade, evitar o espírito e exemplo do
tes a Cristo e uns aos outros pelos la-
mundo e procurar beneficiar todos
ços de terna simpatia. Esta união faz
os que nos rodeiam, como é para os
fluir continuamente no coração fartas
anjos da glória executar a missão de
correntes de amor como o de Cristo,
amor a eles designada.7
as quais refluem novamente em amor
mútuo. As qualidades essenciais a
Um dos inimigos da vida cristã todos são as que assinalavam a in-
é manter sob vigilância o próprio eu tegridade do caráter de Cristo – seu
sem andar com Deus. Muito freqüen- amor, sua paciência, abnegação e
temente os perfeccionistas religiosos bondade. ... Os cristãos amam os que
vivem como um exemplar de expo- os cercam como pessoas preciosas
sição em uma vitrine de loja. Nessa por quem Cristo morreu. Não há tal
abordagem é mais fácil sacrificar-se no coisa como seja um cristão destituído
altar do extremismo religioso do que de amor; pois “Deus é amor”.8
amar a Deus e amar aos não-amáveis.
Precisamos enfrentar com toda fran- Um “coração perfeito” ama ao
queza o perigo de tornar a “perfeição” Senhor no máximo de sua capaci-
um processo egocêntrico, algo a ser dade e percepção. O amor é a nossa
atingido por ardente esforço e rígida resposta total a Deus e ao homem.
concentração. Por esse método você Nossa é a “fé que atua pelo amor”
pode granjear a atenção e admiração (Gl 5:6). Um coração imperfeito é
pelos seus esforços. Mas onde está o um coração dividido, dividido em
amor a Deus e ao ser humano? Amar a seu amor e lealdade.
“Prossigamos para perfeição” / 45

É dito sobre Enoque que ele “an- pecado, mas porque ela havia dado
dou com Deus e já não era, porque tudo o que possuía com um “coração
Deus o tomou para Si” (Gn 5:24). perfeito”. Nem Deus exigiria mais
Enoque era perfeito em seu relacio- do que isso. Ao ela fazer tudo de co-
namento com Deus. Deus o trasladou ração e dar tudo o que possuía, fez
para o Céu sem ver a morte porque uma obra perfeita.
ele estava preparado para a compa- O ponto essencial é a atitude. O
nhia dos seres perfeitos. Nada é dito crente não leva a Deus uma natureza
de sua impecabilidade. Ele andava pecaminosa completamente erradica-
com Deus em amor. Isso é perfeição da, mas pode levar um amor e devoção
bíblica. Totalmente entregue a Deus, a Cristo e sua justiça que nunca pode
o verdadeiro cristão está absorto em ser satisfeito com menos. Se nós como
Cristo e não obcecado consigo mes- cristãos levamos tal resposta de coração,
mo em seus esforços para atingir a então Deus aceita e considera o que re-
impecabilidade. almente tencionamos e desejamos como
se fosse assim a realidade, e na sua vin-
É impossível refletir a imagem de Cris- da Ele assim o fará. Não somos de fato
to a menos que este amor de origem
sem pecado, mas completos na fé que
celeste esteja em nosso coração. Nin-
guém cruzará os portais da cidade de
opera por amor no melhor de nossa ca-
Deus, caso não reflita esse atributo.9 pacidade. Somos um com Deus.
Perfeição bíblica significa que que-
Vindo, porém, uma viúva pobre, de- remos a Cristo, que amamos a Cristo,
positou duas pequenas moedas, cor- que usufruímos de Cristo. Significa an-
respondentes a um quadrante. E, cha- dar com Deus como Enoque andou, de
mando os Seus discípulos, disse-lhes: forma que nunca estamos sozinhos em
Em verdade vos digo que esta viúva nossa vida. Essa é o objetivo supremo
pobre depositou no gazofilácio mais
e crucial em nossa vida. Quando o Es-
do que o fizeram todos os ofertantes.
Porque todos eles ofertaram do que pírito Santo inunda nossa vida com o
lhes sobrava; ela, porém, da sua po- amor de Deus de tal maneira que man-
breza deu tudo quanto possuía, todo temos comunhão diária com Cristo e
o seu sustento (Mc 12:42-44). achamos impossível negá-lo, de sorte
que nossa vida é derramada em com-
Cristo elogiou essa viúva, não paixão pelos perdidos, realmente não
segundo a norma de perfeição sem existe mais nada a ser feito.
Referências
1
Publicado originalmente em Edward Igreja, 8:86.
Heppenstall, “Let Us Go On to Perfection”, 3
Idem, Mensagens Escolhidas, 1:337.
em Herbert E. Douglass Edward Heppenstall, 4
Idem, Caminho a Cristo, 64, 65.
Hans K. LaRondelle e C. Mervyn Maxwell, 5
Idem, Atos dos Apóstolos, 565.
Perfection: The Impossible Possibility (Nash- 6
Idem, Filhos e Filhas de Deus, 51.
ville, TN: Southern Publishing Association, 7
Idem, Review and Herald, 23 de outu-
1975), 57-88. Traduzido do original em in- bro de 1888.
glês por Francisco Alves de Pontes. 8
Idem, Filhos e Filhas de Deus, 102.
2
Ellen G. White, Testemunhos Para a 9
Ibid., 148.
O que Deus requer? / 47

O que Deus requer?: uma análise


crítica da teologia da ‘última geração’
Roy Adams, Ph.D
Editor-associado da Adventist Review

Resumo: O presente artigo analisa monte Sião.1 Eles “não se macularam


criticamente a teologia da “última ge- com mulheres, porque são castos” (v.
ração”, segundo a qual Cristo voltará 4).2 Os 144 mil representam as “pri-
apenas quando o povo de Deus alcançar mícias para Deus e para o Cordeiro,
a condição de perfeição sem pecado. e não se achou mentira na sua boca;
O autor argumenta que Ellen G. White não têm mácula” (v. 4, 5).
entendia “perfeição” não como a vitória Qual o significado dessa passa-
sobre atos pecaminosos específicos, gem? Porventura, Deus requer da ge-
mas como amor abnegado, serviço em ração final de crentes um padrão ou
favor de outros e maturidade cristã. As qualidade de justiça não esperada das
Escrituras, por sua vez, mostram que gerações anteriores? Quando chega-
Deus exigiu das gerações anteriores rem ao Céu, os membros da última
o mesmo elevado nível de santifica- geração da Terra serão capazes de
ção que exigirá da última geração. reivindicar, na presença dos remidos
das gerações anteriores, que sua justi-
Abstract: The present article criticaly ça era de uma qualidade mais elevada
analyzes the “last generation” theology, que a dos demais? Essas são as per-
according to which Christ will come only guntas com que nos defrontamos.
when God’s people attain a condition of
absolute perfection or sinlessness. The Perfeição absoluta
author argues that Ellen G. White un-
derstood “perfection” not as the victory Para M. L. Andreasen3 e aqueles
over specific sinful acts, but as abnegated que seguem sua compreensão, a res-
love, service in behalf of others, and posta a essas indagações é um deci-
Christian maturity. Sciptures, by its way, dido “Sim”. Uma das principais pre-
shows God required of previous genera- ocupações subjacentes de Andreasen,
tions the same high level of santification em sua abordagem à doutrina do san-
He required from the last generation. tuário, era enfatizar a necessidade de
“perfeição absoluta” por parte da ge-
Introdução ração final de cristãos. A própria vin-
dicação de Deus repousa sobre essa
Em Apocalipse 14, João retrata conquista, afirmava Andreasen. Por
os 144 mil em pé com Jesus, sobre o meio da ministração final de Cristo no
48 / Parousia - 2º semestre de 2008

santuário celestial, Deus demonstrará esse fundamento [lançado pelos re-


que a perfeição atingida por Cristo formadores] um grandioso edifício de
não era única, mas pode ser repetida verdade que é único e distintamente
nos santos do tempo do fim.4 adventista do sétimo dia.”8
No desenvolvimento de sua posição “Não que o Senhor tenha proibido
sobre esse tema, Andreasen chamava a gerações anteriores de atingir ‘a me-
atenção para Filipenses 3:12, 15. No dida da estatura da plenitude de Cris-
verso 12, Paulo indicou que ele ainda to’ [Ef 4:13]” observa Wieland, “mas
não havia obtido a perfeição: “Não que simplesmente nenhuma geração ante-
eu ... tenha já obtido a perfeição; mas rior de fato atingiu a condição postu-
prossigo.” No verso 15, porém, ele rei- lada por Apocalipse para a esposa de
vindicou perfeição para si mesmo e ou- Cristo – ‘cuja esposa a si mesma já se
tros: “Todos, pois, que somos perfeitos, ataviou’ (Ap 19:7).”9
tenhamos este sentimento”. Embora os defensores da perfei-
Ao explicar essa aparente contra- ção sem pecado possam se afastar
dição, Andreasen argumentou que a assustados pela expressão “perfeição
perfeição mencionada no verso 15 é absoluta”, o conceito que eles susten-
uma “perfeição relativa”. Essa es- tam a respeito da perfeição é virtual-
pécie de perfeição foi atingida por mente idêntico àquele mantido por M.
Paulo e os crentes de seus dias, mas L. Andreasen e A. F. Ballenger:
eles não atingiram a “perfeição ab-
soluta” do verso 12. Deus não pode permitir que o pecador
“Mas ninguém jamais atingirá entre no Céu se mesmo o mais leve re-
síduo de pecado manchar seu caráter,
esse estágio [de perfeição absoluta]?”,
porque a admissão de até mesmo uma
perguntava Andreasen. “Cremos que porção do tamanho de uma pequenina
sim”, respondia ele, dirigindo a aten- semente cresceria até que novamente
ção dos leitores para a descrição dos contaminasse o Universo.10
144 mil de Apocalipse 14:4, 5.5 Se-
gundo ele, a segunda vinda de Jesus É óbvio que essa declaração é cor-
não ocorrerá até que esse nível de reta se estivermos falando de pecado
perfeição tenha sido atingido pela úl- como pesha′ (rebelião, desafio, intransi-
tima geração.6 Essa justiça, afirmava gência, sacrilégio, revolta, independên-
Andreasen, é produzida em relaciona- cia de Deus, transgressão voluntária)
mento com a purificação do santuário, ou sobre pecado como remiyyah (frau-
a fase final da expiação realizada por de, engano, duplicidade). Mas quando
Cristo. Esse é um entendimento de compreendemos pecado também como
justiça “distintamente adventista”.7 chatta’ah (errar o alvo) ou como ‘awon
Robert J. Wieland, concordando (distorção moral), a declaração de Wie-
com Andreasen, afirma que em sua land torna-se imediatamente destituída
pregação dessa espécie de justiça, A. de sentido e ilusória.
T. Jones e E. J. Waggoner foram além A mensagem de 1888, segundo es-
de Lutero. “Eles construíram sobre ses adventistas, enfocava esse exclu-
O que Deus requer? / 49

sivo conceito de justiça, uma ênfase lidou com esse assunto. Todavia, não
completamente nova, desconhecida da tentaremos aqui uma discussão integral
teologia anterior – “uma singular nutri- de sua posição, mas é nosso propósito
ção espiritual que leva à ‘obediência de descobrir se Deus exige de nós, hoje,
todos os mandamentos de Deus’”.11 A uma norma espiritual mais elevada
mensagem de 1888, segundo Robert J. que a das gerações anteriores.
Wieland e Donald Short, George R. Knight, na obra The
Pharisee’s Guide to Perfect Holiness
não foi meramente uma nova ênfase [O Guia do Fariseu para a Perfeita
nas doutrinas de Martinho Lutero e Santidade], oferece uma importante
João Wesley, nem mesmo dos adven- contribuição à Igreja, em sua cuida-
tistas pioneiros ... [Antes] foi o “iní-
dosa busca por uma resolução para as
cio” de um conceito mais maduro do
declarações aparentemente conflitan-
“evangelho eterno” [Ap 14:6] do que
havia sido claramente percebido por tes de Ellen G. White sobre perfeição
qualquer geração anterior.12 e vida sem pecado. A abordagem de
Knight não é idêntica à do presente
Enquanto lia detidamente centenas artigo, mas as duas obviamente estão
de páginas dos escritos desses irmãos, relacionadas. Trataremos, portanto,
eu continuamente indagava: “O que brevemente de alguns dos pontos que
essas pessoas tanto procuram? O que ele desenvolveu para depois apresen-
esperam que a igreja faça?” Reduzida à tar nossa própria exposição.
sua essência, a idéia deles é que, assim George R. Knight inicia admitin-
como Jesus viveu, em carne humana do ousadamente que Ellen G. White
pecaminosa, uma vida sem pecado de apoiou a idéia de perfeição de caráter.
perfeição absoluta, assim devemos nós Ela o fez, afirma ele, não meramente
– por meio de sua expiação no santuário em relação à forense justificação pela
celestial – ser absolutamente perfeitos. fé (revestidos da perfeição imputada
Somente quando a igreja atingir essa de Cristo), mas também em termos do
condição, Jesus virá. Essa, sustentam “que Deus faz em nós através do po-
eles, foi a mensagem de 1888. Podemos der dinâmico do Espírito Santo”.13 Em
deixar de pecar. Podemos ser perfeitos. apoio desse ponto é apresentada uma
Essa é a exigência de Deus para a gera- lista de declarações de Ellen G. Whi-
ção final de crentes. te, das quais as seguintes são repre-
sentativas: “O Senhor requer perfei-
A posição de Ellen G. White ção de sua família redimida. Ele exige
perfeição na formação do caráter.”14
Como sabemos, a abordagem dos “Devemos cultivar cada faculdade ao
defensores da perfeição absoluta e sem mais elevado grau de perfeição [...]
pecado baseia-se quase que exclusiva- De todos é requerido perfeição moral.
mente nos escritos de Ellen G. White. Nunca devemos abaixar a norma de
Devemos, portanto, necessariamente, justiça com o fim de acomodar à prá-
tratar brevemente a maneira como ela tica do mal, tendências herdadas ou
50 / Parousia - 2º semestre de 2008

cultivadas.”15 Ellen G. White chega possível para ela falar ou escrever


a ponto de afirmar que “imperfeição com a espécie de precisão matemáti-
de caráter é pecado”.16 Knight tam- ca que esperamos. Ninguém que es-
bém chama a atenção para a ênfase de creve ou fala extensamente consegue
Ellen G. White sobre nos tornarmos fazer algo assim, pois sempre haverá
semelhantes a Cristo no caráter: aparentes contradições.
A respeito desse tema, estou con-
A própria imagem de Deus tem de ser vencido de que freqüentemente Ellen
reproduzida na humanidade. A honra G. White haja sido mal compreendida
de Deus, a honra de Cristo, acha-se devido à falta de atenção suficiente
envolvida no aperfeiçoamento do ca- ao contexto histórico no qual ela es-
ráter de Seu povo.17
creveu e aos assuntos específicos que
ela estava tratando. Um exemplo ilus-
Essas declarações são enfáticas,
tra essa situação. Certa vez, Ellen G.
e há outras semelhantes, mas Knight
White escreveu:
observa que há também declarações
que servem de equilíbrio. Ninguém se engane com a crença de
que pode tornar-se santo enquanto
[Cristo] é um perfeito e santo exem- voluntariamente transgride um dos
plo, dado para que o imitemos. Não mandamentos de Deus. O cometer o
podemos igualar o modelo, mas não pecado conhecido faz silenciar a voz
seremos aprovados por Deus se não testemunhadora do Espírito e separa
o copiarmos e, segundo a capacidade a alma de Deus.21
que Deus tem dado, assemelhá-lo.18
Alguns imediatamente tirariam
Ela ainda escreveu:
essa declaração de seu contexto his-
tórico-teológico, fazendo-a servir à
Jamais podemos igualar o modelo;
mas podemos imitá-lo e nos asse- uma agenda perfeccionista e usando-a
melharmos a Ele segundo a nossa contra seus irmãos e irmãs.
capacidade.19 Mas o leitor cuidadoso lembrará
que Ellen G. White não estava escre-
“Em outra ocasião”, disse Knight, vendo em um vácuo. Ela não estava
“ela afirmou de forma explícita que usando palavras que se aplicam igual
‘ninguém é perfeito [no pleno senti- e indiscriminadamente a todos, seja
do] senão Jesus’”.20 dentro ou fora da Igreja Adventista.
Há muitos outros escritos de Ellen Uma análise mais detida do contexto
G. White que apresentam o mesmo mostrará que ela estava escrevendo
conceito. Alguns poderiam desejar no contexto histórico das décadas de
que ela houvesse tratado do assun- 1880 e 1890, quando uma espécie
to de forma mais sistemática. Mas de “santificação ... ora adquire pree-
embora essa abordagem houvesse minência no mundo religioso”. Esse
sido útil para esclarecer o que Deus era um tipo de santificação caracte-
requer de nós, em realidade seria im- rizado por um desrespeito pela lei de
O que Deus requer? / 51

Deus. “Seus defensores ensinam que E a alegação de estarem sem peca-


santificação é obra instantânea, pela do é em si mesma evidência de que
qual, mediante a fé apenas, alcan- aquele que a alimenta está longe de
çam perfeita santidade. ‘Crede tão- ser santo. É porque não tem nenhuma
concepção verdadeira da infinita pu-
somente’, dizem.” “Nenhum outro
reza e santidade de Deus.24
esforço” é exigido. Os crentes estão
“livres da obrigação de guardar os
Depois de considerar devidamente
mandamentos.”22
o contexto dessa declaração, é possí-
Essa é a situação que suscitou as ob-
vel aplicá-la de duas maneiras. Em
servações de Ellen G. White em relação
outras palavras, se aplicaria primeiro
à santidade. Ela se referiu a essa filoso-
àqueles antinomianos do século 19 e,
fia como uma “sedutora doutrina de fé
em segundo lugar, aos perfeccionistas
sem obras”. E acrescenta: “Ninguém se
de nosso próprio tempo. O exemplo
engane ... de que pode tornar-se santo
enquanto voluntariamente transgride anterior foi mencionado devido à ten-
um dos mandamentos de Deus.”23 Dis- dência de alguns em simplesmente ig-
torcer essa declaração e usá-la contra norar declarações relevantes de Ellen
os adventistas, que crêem que os Dez G. White e tirar outras de seu devido
Mandamentos podem ser obedecidos contexto. Sempre que encontramos
pela graça de Deus, é inverter sua ad- declarações aparentemente conflitan-
moestação. Essa atitude pode ser qua- tes nos escritos do Espírito de Profecia,
lificada como inapropriada, maligna e, devemos considerá-las como um sinal
talvez, até cruel. Ao forçar a declaração para sermos especialmente vigilantes,
para um contexto artificial, a expressão e analisarmos mais cuidadosamente os
“enquanto voluntariamente transgri- textos em questão.
de um dos mandamentos de Deus” é Depois de estudar o assunto, Ge-
removida da especificidade dos Dez orge R. Knight concluiu que a pre-
Mandamentos e lhe é dada uma uni- ocupação fundamental de Ellen G.
versalidade que produziria sentimentos White a respeito da perfeição não es-
de desespero e culpa sobre aqueles que tava relacionada aos numerosos atos
procuram obedecê-los. comportamentais específicos, mas
Há, talvez, um sentido em que “com o grande princípio motivador
poderíamos dizer que a declaração do amor que molda e transforma” as
se aplica a todos nós. Mas, antes de tendências de nossa vida “por meio
fazermos qualquer aplicação pesso- da graça de Deus”.25 Essa conclusão
al, é de relevância fundamental saber encontra base nos escritos de Ellen G.
quem era o seu alvo primário e qual White, pois ela afirma que “o caráter
era a questão primária. Ao fazermos se revela, não por boas ou más ações
isso, lembrando da falsa teoria de san- ocasionais, mas pela tendência das
tificação que ela estava abordando, palavras e atos costumeiros”.26
estaremos em melhores condições de Todas as aparentes contradições
compreender a seguinte declaração, de Ellen G. White sobre esse assunto
que aparece no mesmo contexto: não serão plenamente solucionadas
52 / Parousia - 2º semestre de 2008

apenas pelos estudos de George R. As pessoas que mais admiro – seja


Knight ou de qualquer outra pessoa. dentro ou fora da Igreja Adventista e so-
Algumas dificuldades permanecerão. bre as quais inconscientemente penso:
Apesar disso, é necessário lembrar “Eu gostaria de ser como ele ou ela” –
que supostas contradições represen- são aquelas que não são obcecadas com
tam a maneira como Deus se comu- o assunto da perfeição ou impecabili-
nica com diferentes personalidades e dade. Ao contrário, inconscientemente
necessidades de seus diversos filhos. elas vivem o que vejo como verdadei-
Ann Burke declara: ros representantes da vida de Jesus. Sua
atenção, sua amabilidade, seu senso de
É lamentável que, por causa de nos- humor e sua bondade prática me atraem.
so temperamento, crentes demasia-
Sinto-me confortável em sua presença.
do conscienciosos freqüentemente
isolem declarações fortes provavel- Nunca sou constrangido ou humilhado
mente destinadas a cristãos descui- por elas. Essas são as pessoas que me
dados [os santificados antinomianos mostram o que significa ser um cristão.
do tempo da sra. White é um bom Creio que elas se enquadram nesta bela
exemplo]. Eles açoitam a si mesmos descrição de perfeição:
com essas declarações, enquanto que
os descuidados membros da igreja O amor é o fundamento da piedade...
encontram falsa segurança naquelas Quando o eu está imerso em Cristo, o
[declarações] que, sem dúvida, visa- amor brota espontaneamente. A per-
vam confortar aqueles que possuíam feição de caráter do cristão é alcan-
uma personalidade extremamente çada quando o impulso de auxiliar
sensível pelo senso de culpa.27 e abençoar a outros brotar constan-
temente do íntimo - quando a luz do
Esses conceitos a respeito dos requi- Céu encher o coração e for revelada
sitos divinos para o povo de Deus, con- no semblante.28
forme refletidos nos escritos de Ellen
G. White, têm implicações excessiva- Creio que seja essa a espécie de mi-
mente práticas para cada cristão adven- nistério encarnacional, a espécie de sim-
tista. Alguém pode ficar extremamente patia espontânea, que Deus procura.
angustiado e desanimado se seguir uma
leitura unilateral da Bíblia ou do Espíri- A declaração sobre o
to de Profecia. É como ler um livro mé- “caráter de Cristo”
dico e sentir-se como se tivesse todos
os sintomas descritos nele. Portanto, a Esta seção sobre os conceitos de
busca por uma abordagem equilibrada Ellen G. White não estará completa
tem o objetivo de vencer uma discussão sem uma avaliação de um texto fre-
teórica. Antes, é de grande importância qüentemente citado de Parábolas de
para nosso bem-estar espiritual e psico- Jesus que se refere ao caráter de Cris-
lógico, a fim de possuirmos uma com- to sendo perfeitamente reproduzido
preensão correta do que Deus tem feito em seu povo antes da sua vinda. Há
por nós e o que Ele espera de nós. algum tempo, depois de ouvir durante
O que Deus requer? / 53

anos essa citação sendo utilizada em Examinando todo o capítulo,


acaloradas discussões sobre perfeição percebe-se que há um movimento de
ou citada de forma equilibrada por semeadura ao crescimento e à colhei-
aqueles que a compreendiam de certo ta – e então repete-se o mesmo ciclo.
modo, decidi estudá-la dentro do seu Esse movimento nem sempre pode ser
percebido facilmente, e deve-se pres-
próprio contexto. Publiquei um edito-
tar atenção. Em alguns momentos,
rial na Adventist Review apresentando ela fala sobre o crescimento dos pró-
minhas conclusões. Abaixo segue a prios cristãos e a produção de frutos
declaração de Ellen G. White e o edi- em suas vidas. Em outros momentos,
torial ligeiramente adaptado: fala sobre aqueles em cujos corações
é plantada a semente do evangelho, e
Cristo aguarda com fremente desejo cujas vidas devem produzir frutos.
a manifestação de si mesmo em sua No entanto, o crescimento e a pro-
igreja. Quando o caráter de Cristo dução de frutos sempre são realizados
se reproduzir perfeitamente em seu por Deus. Ellen G. White declara:
povo, então virá para reclamá-los
como seus.29 A planta cresce recebendo o que
Deus provê para sustentar-lhe a vida.
Essa declaração, um texto-chave Aprofunda as raízes no solo. Absor-
dos adventistas que defendem a abso- ve o sol, o orvalho e a chuva. Áureas
luta e impecável perfeição do povo de propriedades vitalizantes do ar. As-
sim deve crescer o cristão, cooperan-
Deus nos últimos dias antes que Jesus
do com os agentes divinos.30
possa vir, é uma das mais mal-compre-
endidas nos escritos de Ellen G. White. Essa é uma sublime declaração so-
A compreensão popular dessa declara- bre depender do Senhor. A planta não
ção cria o retrato de uma igreja voltada se preocupa nem se aflige por seu cres-
interiormente para si mesma em perpé- cimento. De forma semelhante, nós
tua e absorvente introspecção e autofla- também não deveríamos nos afligir.
gelação, lutando para atingir a perfeita Nos últimos seis parágrafos do
reprodução do caráter de Cristo para capítulo – a própria seção em que
que Jesus possa vir. Mas o que a sra. aparece a passagem crucial – a ên-
White realmente estava dizendo? fase primária volta-se para a neces-
A melhor maneira de compreen- sidade de olharmos para fora de nós
der uma declaração cujo autor não mesmos. O propósito da reprodução
do caráter de Cristo em nós, diz a
mais está vivo é examiná-la dentro do
sra. White, é “para que [Cristo] se
contexto. Felizmente, a citação acima possa reproduzir em outros. A planta
possui um amplo contexto a ser ana- não germina, não cresce, nem pro-
lisado. O capítulo em que ela ocorre duz frutos para si mesma”. Seme-
trata da parábola da semente (ver Mc lhantemente, o cristão existe “para
4:26-29), que a Sra. White aplica aos a salvação de outros. Na vida que
processos de crescimento e produção se centraliza no eu não pode haver
de frutos na vida cristã. crescimento nem frutificação. Se
54 / Parousia - 2º semestre de 2008

aceitastes a Cristo como Salvador em nós é equivalente ao nosso rece-


pessoal, deveis esquecer-vos e pro- bimento do “Espírito de Cristo”. E “a
curar auxiliar a outros.”31 manifestação de [Cristo] em sua igre-
Nesse chamado para o ministério ja é equivalente ao desenvolvimento
total e altruísta em favor de outros, em nós do Espírito do amor abnega-
encontra-se a chave que desvenda do e do sacrifício por outrem”. Des-
o significado do trecho que estamos sa forma, “refletiremos a semelhança
analisando. Em uma declaração virtu- de Cristo em tudo que é puro, nobre
almente paralela a essa, ela diz: e amável”. Quando isso ocorrer em
nós, e reagir em cadeia por meio de
Recebendo o Espírito de Cristo - o
nós para milhões de pessoas ao redor
espírito do amor abnegado e do sa-
crifício por outrem - crescereis e pro- do mundo, a ceifa estará madura, e
duzireis fruto. As graças do Espírito Jesus virá ceifá-la.
amadurecerão em vosso caráter. Vos- Portanto, a ênfase na declaração de
sa fé aumentará; vossas convicções Parábolas de Jesus está no ministério
aprofundar-se-ão, vosso amor será encarnacional em favor de outros – um
mais perfeito. Mais e mais refletireis ministério que é amoroso, compassi-
a semelhança de Cristo em tudo que vo e abnegado. Não há aqui nenhum
é puro, nobre e amável.32 enfoque sobre perfeição sem pecado.
“O caráter de Cristo” é o “Espírito do
E quais são esses “frutos”, essas amor abnegado e do sacrifício por ou-
“graças do Espírito” que amadurece- trem”. Não somos capazes de manipu-
rão em nosso caráter? Aqueles des- lar humanamente o tempo da ceifa.
critos por Paulo em Gálatas 5:22, 23,
mencionados por Ellen G. White: Ainda que o homem empregue seus
“amor, alegria, paz, longanimidade, esforços até ao limite extremo, pre-
benignidade, bondade, fé, mansidão, cisará, entretanto, depender daquele
temperança.” Quando esses “frutos” que ligou o semear e o colher pelos
amadurecerem plenamente, Cristo, maravilhosos elos de sua própria
Onipotência.34
o lavrador celestial, imediatamente
lança a foice, diz ela, “porque está
A única maneira de apressar a vin-
chegada a ceifa”.33
da do Senhor é por meio do ministério
Então, segue-se imediatamente a
encarnacional, de serviço amorável
principal declaração que estamos es-
em favor de outros.
tudando – a sra. White repete, em di-
Baseados na íntima conexão entre
ferentes palavras, o amadurecimento
as duas declarações mais importantes
e processo de produção de frutos que
desta seção, podemos agora reformu-
já havia descrito. Claramente o pen- lar a primeira da seguinte maneira:
samento é o mesmo, e as duas decla-
rações são partes de um todo. Cristo aguarda com fremente desejo
Portanto, pode-se concluir que a manifestação do Espírito de Cris-
a reprodução do “caráter de Cristo” to em sua igreja. Quando o Espírito
O que Deus requer? / 55

do amor abnegado e do sacrifício por professando ser convertidos, carre-


outrem estiver plenamente amadu- gamos conosco um fardo de egoísmo
recido no caráter do seu povo, então que consideramos demasiado precioso
virá para reclamá-los como seus.35 para ser renunciado. É nosso privilé-
gio lançar esse fardo aos pés de Jesus
O editorial analisou o contexto e em seu lugar assumir o caráter e se-
imediato das declarações de Ellen G. melhança de Cristo. O Salvador está
White em Parábolas de Jesus. Esta- esperando que façamos isto.37
va além do objetivo do texto compa-
rar a citação com outros escritos da O ensino das Escrituras
sra. White. Mas agora apresentare- Antes de prosseguir o estudo, é
mos mais dois textos que claramente necessário enfatizar um aspecto me-
confirmam as conclusões já obtidas. todológico da mais elevada impor-
Reflita nelas cuidadosamente, porque tância. Precisamos compreender cla-
elas esclarecem o que Deus requer ramente que tudo que Ellen G. White
hoje de seu povo. Não pense que elas diz sobre vida sem pecado, perfeição
são de relevância secundária. Ao con- ou qualquer outro assunto, deve ser
trário, atingem o próprio âmago do compreendido – segundo ela mesma
evangelho e do que significa ser cris- – à luz das Escrituras. Isso significa
tão. Essas admoestações da sra. Whi- que cada verdade fundamental em
te requerem amabilidade, humildade, seus escritos deve ser demonstrada
amor abnegado. Essas são qualidades pelas Escrituras. “Nossa atitude e
que estão além da capacidade huma- crença têm por base a Bíblia”, disse
na. Ellen G. White afirma: ela. “E nunca queremos que alma ne-
nhuma faça prevalecer os Testemu-
Abnegação, o princípio do reino de nhos sobre a Bíblia”.38
Deus, é o princípio que Satanás odeia; Em outras palavras, se qualquer
ele nega sua própria existência [...]
ponto de nossa fé não pode ser con-
Para refutar a alegação de Satanás está
a obra de Cristo e de todos os que le-
firmado com base apenas nas Escri-
vam o seu nome. Foi para dar com sua turas, então não pode ser aceito. Em
própria vida um exemplo de abnega- The Pharisee’s Guide to Perfect Ho-
ção, que Jesus veio em forma humana. liness, George R. Knight mostra que
Todos os que aceitam este princípio de- a exigência de absoluta perfeição sem
vem ser coobreiros seus e demonstrar pecado (sustentada por Andreasen e
na vida prática esse princípio.36 outros hoje) não possui base bíblica
ou dos escritos de Ellen G. White.39
Ela acrescenta:
Diferente qualidade de justiça?
Se nos humilhássemos diante de Deus,
e fôssemos bondosos e corteses e À luz do que foi discutido até aqui,
compassivos e piedosos, haveria uma temos condições de retornar à questão
centena de conversões à verdade onde inicial – se Deus requer uma diferente
agora só existe uma. Mas, embora norma ou qualidade de justiça da últi-
56 / Parousia - 2º semestre de 2008

ma geração de cristãos, norma que está caracteriza o diabo e todos os que o


acima e além daquela exigida das ge- seguem. Jesus expressou esse concei-
rações anteriores. Examinemos mais to aos líderes judeus que buscavam
detidamente o texto básico usado para assassiná-lo.
sustentar a idéia da absoluta perfeição
sem pecado de um remanescente final: Vós sois do diabo, que é vosso pai
“E não se achou mentira na sua boca; [...] Ele foi homicida desde o prin-
cípio e jamais se firmou na verdade,
não têm mácula” (Ap 14:5). Os dois
porque nele não há verdade. Quando
termos-chaves do versículo, obvia- ele profere mentira, fala do que lhe é
mente, são mentira e mácula. próprio, porque é mentiroso e pai da
Não se achou mentira (em grego, mentira (Jo 8:44).
pseudos ou, segundo alguns manuscri-
tos, dolos) refere-se a uma mentira ou Não é de admirar, portanto, que o
falsidade. A oposição entre verdade e povo remanescente de Deus seja des-
mentira é um tema corrente ao longo crito como não tendo pseudos, nenhu-
das Escrituras. O salmista se referiu ma mentira em sua boca. São compro-
àqueles que “na mentira se compra- metidas com a verdade, recusando-se
zem; de boca bendizem, porém no in- a participar do engano universal que
terior maldizem” (Sl 62:4). “Ninguém ocorreria nos últimos dias, em que
que pratica engano habitará em minha “homens perversos e impostores irão
casa”, disse o Senhor por intermédio de mal a pior, enganando e sendo enga-
de Davi. “O que profere mentiras não nados” (2Tm 3:13). Em contraste com
permanecerá ante os meus olhos” (Sl tão generalizada falsidade e engano, o
101:7). Isaías, tratando do âmago da en- povo de Deus traria as características
fermidade espiritual de Israel, mencio- daquele que declarou: “Eu sou o cami-
nou mãos “contaminadas de sangue”, nho, e a verdade, e a vida” (Jo 14:6).
“dedos, [maculados] de iniqüidade” e A respeito deles é dito: “Não se achou
“lábios [que] falam mentiras” (Is 59:3). mentira na sua boca” (Ap 14:5).
Em uma declaração similar àquela de Portanto, como podemos alegar
Apocalipse 14:5, o profeta Sofonias de- que essa característica pertence apenas
clarou: “Os restantes [ou remanescente] à geração final de cristãos? Isso não fa-
de Israel não cometerão iniqüidade, nem ria qualquer sentido. Quando Jesus viu
proferirão mentira, na sua boca não se Natanael, disse: “Eis um verdadeiro
achará língua enganosa” (Sf 3:13). Es- israelita, em quem não há dolo!” (Jo
sas declarações – e inúmeras outras se- 1:47). É interessante observar que essa
melhantes – eram dirigidas ao povo de declaração foi feita no início – não no
Deus no Antigo Testamento, e, portanto, fim – da caminhada de Natanael com
representavam as expectativas de Deus Jesus. Filipe, aquele que levou Nata-
em relação a gerações passadas. nael a Jesus, poderia não ter reconhe-
Como já mencionado, a palavra cido as qualidades de seu amigo. Nem
grega pseudos (mentira, falsidade) Pedro ou os outros discípulos. Mas
é o oposto de aletheia (verdade) e Jesus o fez. E Ele é o único que pode
O que Deus requer? / 57

ou precisa fazê-lo – o único para quem blico, mas podemos corretamente


isso realmente importa. Porque “o Se- presumir que o mesmo poderia ter
nhor não vê como vê o homem. O ho- sido dito de Abraão, Isaque, Isaías,
mem vê o exterior, porém o Senhor, o Jeremias, Daniel, Sadraque, Mesa-
coração” (1Sm 16:7). que e Abede-Nego – e de inúmeros
“Não têm mácula” (Ap 14:5). outros do Antigo Testamento.
Portanto, os 144 mil são pessoas que O mesmo quadro geral é apresen-
possuem as características de verdade, tado no Novo Testamento. Sob uma
honestidade e integridade. A palavra variedade de termos, Paulo (como
grega traduzida por “não têm mácula” João em Apocalipse 14:5) transmitiu
é amomos, que significa “imaculado”. a idéia de irrepreensibilidade em re-
Transmite a idéia “de ausência de de- lação aos cristãos do primeiro século
feitos nos animais sacrificiais”, como que estavam aguardando a vinda do
em Números 6:14.40 Em um sentido Senhor. Ele lembrou aos coríntios
moral e religioso, a palavra significa que Deus “vos confirmará até ao fim,
“imaculado”41, a expressão usada em para serdes irrepreensíveis [anegk-
diversas traduções modernas – como, letos] no Dia de nosso Senhor Jesus
por exemplo, a Nova Versão Interna- Cristo” (1Co 1:8; cf. 1Ts 3:13). Sua
cional. Assim, a idéia transmitida é que oração pelos filipenses era que eles
esses santos sobre o monte Sião são sem crescessem “em pleno conhecimento
mácula, repreensão ou mancha. Deus e toda a percepção ... para aprovardes
realizou neles uma poderosa obra. as coisas excelentes e serdes sinceros
e inculpáveis [aproskopos] para o Dia
Um requisito imutável de Cristo” (Fl 1:9, 10). Segundo ele,
A questão, portanto, não é se Deus Cristo morreu “para apresentar-vos
exige um elevado desenvolvimento perante Ele santos, inculpáveis [amo-
espiritual dos santos. Antes, é se esse mos] e irrepreensíveis” (Cl 1:22).
desenvolvimento é uma característica Não pode haver nenhuma dúvida
apenas da última geração de cristãos. acerca da elevada expectativa divi-
Vimos que Deus exigiu das gerações na para os santos do primeiro sécu-
anteriores a mesma e elevada santida- lo. O objetivo de Deus para eles era
de que exige da última. que se tornassem “irrepreensíveis e
Muito tempo atrás Deus descreveu sinceros, filhos de Deus inculpáveis
o patriarca Jó como “íntegro [LXX: [amemptos] no meio de uma geração
amemptos, irepreensível] e reto” (Jó pervertida e corrupta, na qual res-
1:8 e 2:3). E sobre Noé, as Escrituras plandeceis como luzeiros no mun-
declaram: “Noé era um homem justo do” (Fl 2:15).
e íntegro [LXX: teleios, perfeito] en- Os anciãos e diáconos deveriam ser
tre os seus contemporâneos; Noé an- “irrepreensíveis” [anepileptos; anegk-
dava com Deus” (Gn 6:9). Não seria letos] (1Tm 3:10 e 5:7; cf. 1Tm 3:2; Tt
necessário que essa descrição fosse 1:6, 7), bem como todos os membros
utilizada para cada personagem bí- da igreja. Paulo não poderia ter sido
58 / Parousia - 2º semestre de 2008

mais claro sobre esse ponto. gida das gerações anteriores.


O mesmo Deus da paz vos santifique Observemos algumas admoesta-
em tudo; e o vosso espírito, alma e ções feitas no primeiro século:
corpo sejam conservados íntegros e ir-
repreensíveis [amemptos] na vinda de Vai alta a noite, e vem chegando o dia.
nosso Senhor Jesus Cristo (1Ts 5:23). Deixemos, pois, as obras das trevas e
revistamo-nos das armas da luz. An-
E os destinatários da carta de Pedro demos dignamente, como em pleno
deveriam ser “achados por Ele em paz, dia, não em orgias e bebedices, não
em impudicícias e dissoluções, não
sem mácula e irrepreensíveis [amome-
em contendas e ciúmes; mas revesti-
tos]” na vinda do Senhor (2Pe 3:14).
vos do Senhor Jesus Cristo e nada
Alguns poderiam ser tentados a disponhais para a carne no tocante às
sugerir que essas admoestações, fei- suas concupiscências (Rm 13:12-14).
tas por Paulo e Pedro, se baseavam na
noção equivocada de que o fim estava Revesti-vos, pois, como eleitos de
iminente. Mas essa idéia é equivocada. Deus, santos e amados, de ternos afe-
Antes, as admoestações demonstram tos de misericórdia, de bondade, de
que a mensagem de que necessitamos humildade, de mansidão, de longani-
enquanto aguardamos a segunda vin- midade ... acima de tudo isto, porém,
da é a mesma dirigida aos cristãos do esteja o amor, que é o vínculo da per-
primeiro século. E a expectativa é a feição (Cl 3:12-14).
mesma – o fim é iminente.
Mas o fruto do Espírito é: amor, ale-
As mesmas normas elevadas gria, paz, longanimidade, benignida-
de, bondade, fidelidade, mansidão,
Tendo em vista o que foi discutido, domínio próprio. Contra estas coisas
é evidente que Apocalipse 14:5 não faz não há lei. E os que são de Cristo Je-
distinção espiritual entre o remanescen- sus crucificaram a carne, com as suas
te final e os santos das eras passadas. O paixões e concupiscências. Se vive-
que distingue os santos da última ge- mos no Espírito, andemos também
ração será o fato de que, como Jó, eles no Espírito (Gl 5:22-25).
manterão sua lealdade e integridade
durante a mais severa e crucial per- Cristo amou a igreja e a si mesmo se
seguição da história do mundo. Terão entregou por ela, para que a santi-
ficasse, tendo-a purificado por meio
que passar pelo mais aflitivo tempo de
da lavagem de água pela palavra,
angústia, que incluirá as terríveis sete
para a apresentar a si mesmo igre-
últimas pragas (ver Ap 16). Manter le- ja gloriosa, sem mácula, nem ruga,
aldade e integridade diante de tão avas- nem cousa semelhante, porém santa
saladora crise será de fato notável para e sem defeito (Ef 5:25-27).
o Universo. Entretanto, não há qualquer Finalmente, irmãos, nós vos roga-
justificativa para crer que Apocalipse mos e exortamos no Senhor Jesus
14:5 descreve uma qualidade de justiça que, como de nós recebestes, quan-
essencialmente diferente daquela exi- to à maneira por que deveis viver
O que Deus requer? / 59

e agradar a Deus, e efetivamente


estais fazendo, continueis progre- Mas os justos não dirão: “Ainda
dindo cada vez mais; porque estais bem que Você percebeu!” A bonda-
inteirados de quantas instruções de deles, longe de ser uma exibição,
vos demos da parte do Senhor Je- havia sido espontânea e inconscien-
sus. Pois esta é a vontade de Deus: a te, uma reflexão genuína do amor de
vossa santificação (1Ts 4:1-3). Cristo habitando no íntimo. “Senhor,
quando foi que te vimos com fome e
E Ele mesmo concedeu uns para após- te demos de comer?”, eles perguntam.
tolos, outros para profetas, outros para “Ou com sede [...] E quando te vimos
evangelistas e outros para pastores e forasteiro [...] ou nu [...] ? E quanto te
mestres, com vistas ao aperfeiçoa- vimos enfermo ou preso e te fomos?”
mento dos santos para o desempenho (v 37, 38). O Rei responderá: “Em
do seu serviço... até que todos chegue- verdade vos afirmo que, sempre que o
mos à unidade da fé e do pleno conhe- fizestes a um destes meus pequeninos
cimento do Filho de Deus, à perfeita irmãos, a mim o fizestes” (v. 40).
varonilidade, à medida da estatura da
plenitude de Cristo (Ef 4:11-13). Ellen G. White afirma:

Essa última passagem sumariza o Aqueles que Cristo louva no Juízo,


conceito bíblico de perfeição ou santi- talvez tenham conhecido pouco de
dade – maturidade em Cristo.42 teologia, mas nutriram seus princí-
pios. Mediante a influência do Divi-
Pensamentos finais no Espírito, foram uma bênção para
os que os cercavam.43
Quando Jesus vier em glória com
seus poderosos anjos para reunir todos Ela acrescenta:
os povos diante dele, a questão será
notavelmente direta e prática. Como Muitos pensam que seria grande pri-
um pastor separa seu rebanho, Jesus vilégio visitar os cenários da vida de
dividirá toda a humanidade em dois Cristo na Terra [...] Mas não neces-
grupos – as “ovelhas” à direita, os “ca- sitamos ir a Nazaré, a Cafarnaum ou
a Betânia para andar nos passos de
britos” à esquerda (ver Mt 25:31-33).
Jesus. Encontraremos suas pegadas
junto ao leito dos doentes, nas choças
Então, dirá o Rei aos que estiverem
da pobreza, nos apinhados becos das
à sua direita: Vinde, benditos de
grandes cidades, e em qualquer lugar
meu Pai! Entrai na posse do reino
onde há corações humanos necessita-
que vos está preparado desde a fun-
dos de consolação. Fazendo como Je-
dação do mundo. Porque tive fome,
sus fazia quando na Terra, andaremos
e me destes de comer; tive sede, e
em seus passos.44
me destes de beber; era forasteiro,
e me hospedastes; estava nu, e me
vestistes; enfermo, e me visitastes; Afinal, o que Deus requer de nós?
preso, e fostes ver-me” (v. 34-36). O mesmo que Ele exigia de Seu povo
60 / Parousia - 2º semestre de 2008

nas gerações anteriores. É bem pro- diçam tempo e energia lutando sem
vável, obviamente, que seremos jul- resultados positivos tangíveis. O úni-
gados mais severamente do que eles, co resultado obtido é crescente mun-
porque temos sido expostos a muito danismo, materialismo e liberalismo
mais luz do que eles. em alguns setores da igreja. Eles não
A controvérsia que tem consu- estão completamente equivocados
mido a igreja sobre este assunto é quando afirmam que alguns pastores
completamente injustificada. Temos “não estão mais pregando a men-
desperdiçado tempo valioso e desen- sagem”. É possível visitar diversas
corajado a muitos. Se o inimigo não igrejas durante longo tempo e não re-
está por trás disso, duvido de que ele conhecer, por meio dos sermões, que
esteja envolvido em qualquer outra se esteve em um culto adventista do
obra. A ironia é que o “Príncipe da sétimo dia.
Paz” (Is 9:6) tem se tornado, através Este é um tempo confuso, um
da ímpia astúcia do inimigo, a causa tempo frustrante, e, para muitos, um
de praticamente uma guerra interna tempo desencorajador. Mas apenas in-
em algumas de nossas igrejas. tensificaremos o problema ao permitir
É lamentável que, enquanto o que nossa frustração nos leve a abra-
mundanismo e a ignorância sobre a çar uma teologia espúria e errônea em
Bíblia e os escritos de Ellen G. Whi- nome de reavivamento e reforma. Não
te prevalecem entre nós, o ilusório há razão para perder a esperança. A
raciocínio da teologia perfeccionista atual situação desafia cada um de nós
é capaz de atrair a lealdade de nos- a conservar-se alerta e, acima de tudo,
sos influentes e bem-intencionados mantermos a serenidade no Senhor.
membros e líderes, trazendo a here- “Jesus Cristo, ontem e hoje, é o
sia para dentro das igrejas. O tem- mesmo e o será para sempre” (Hb
po demanda que todos estudemos 13:8). Ele é muito sábio e Todo-Pode-
as Escrituras por nós mesmos; que roso. A obra está em suas poderosas
gastemos todo o tempo necessário mãos. E hoje os seus requisitos são os
para compreender por nós mesmos o mesmo que há muito tempo Ele falara
Espírito de Profecia em seu devido por meio do antigo profeta:
contexto; que sinceramente busque-
mos o Espírito Santo, rogando que Ele te declarou, ó homem, o que é
o reavivamento e a reforma iniciem bom e que é o que o Senhor pede de
por nós, pessoalmente. ti: que pratiques a justiça, e ames a
Nossos irmãos preocupados45 e misericórdia, e andes humildemente
nossos irmãos descontentes46 desper- com o teu Deus” (Mq 6:8).
O que Deus requer? / 61

Referências o contexto, é levado a crer que a ênfase de


Ellen G. White, neste texto, era abordar
1
Publicado originalmente em Roy Ad- a justiça que leva à obediência a todos os
ams, The Nature of Christ: Help for a church mandamentos. Conquanto ela se refira à
divided over perfection (Hagerstwon, MD: obediência como uma manifestação da justi-
Review and Herald, 1994), 113-131. Traduzi- ça de Cristo, o contexto deixa claro que seu
do do original em inglês por Francisco Alves propósito era enfocar novamente a atenção
de Pontes. da igreja para o próprio Cristo para que “não
2
Todas as citações bíblicas foram extra- mais o mundo dissesse que os adventistas do
ídas da tradução Almeida Revista e Atualiza- sétimo dia falam na lei, na lei, mas não en-
da, 2ª edição. sinam a Cristo nem nele crêem” (Testemu-
3
Para estudo introdutório sobre o perfec- nhos para Ministros, 92). Esse é apenas um
cionismo na história da Igreja Adventista do exemplo do desrespeito para com o contexto
Sétimo Dia, ver George R. Knight, A Men- que impregna os escritos de alguns que se-
sagem de 1888 (Tatuí, SP: Casa Publicadora guem as pegadas teológicas de Andreasen.
Brasileira, 2004), 169-181, 191-196; idem, Nesse exemplo eles levam Ellen G. White
Em Busca de Identidade: O desenvolvimento a dar uma ênfase que é exatamente o oposto
das doutrinas adventistas do sétimo dia (Tatuí, do que ela tencionava.
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), 120- 12
Wieland e Short, 1888 Re-examined,
128, 148-156, 174-176 (nota dos revisores). 55.
4
Ver Roy Adams, The Sanctuary Doc- 13
George R. Knight, The Pharisee’s Gui-
trine: Three aproaches in the Seventh-day de to Perfect Holiness: A Study of Sin and
Adventist Church,  Andrews University Se- Salvation (Boise, ID: Pacific Press, 1992),
minary Doctoral Dissertation Series, vol. 1 171.
(Berrien Springs, MI: Andrews University 14
The Seventh-day Adventist Bible Com-
Press, 1981), 179, 180. mentary (Washington, DC: Review and He-
5
M. L. Andreasen, The Book of Hebrews rald), Ellen G. White Comments, 5:1085;
(Washington, DC: Review and Herald, 1948), citado em Knight, The Pharisee’s Guide to
467. Perfect Holiness, 171.
6
Idem, Isaiah: The Gospel Prophet 15
Ellen G. White, Parábolas de Jesus,
(Washington, DC: Review and Herald, 330; citado em Knight, The Pharisee’s Guide
1928), 82; idem, The Sabbath, Which Day to Perfect Holiness, 171.
and Why? (Washington, DC: Review and 16
White, Parábolas de Jesus, 330.
Herald, 1942), 246, 255; idem, The Book 17
Ellen G. White, O Desejado de To-
of Hebrews, 468; cf. Adams, The Sanctuary das as Nações, 671; citado em Knight, The
Doctrine, 212. Pharisee’s Guide to Perfect Holiness, 173.
7
M. L. Andreasen, Letters to the Chur- 8
Ellen G. White, Testemunhos Para
ches (Baker, OR: Hudson Printing Company, a Igreja, 2:549 citado em Knight, The
1959), 11-14. Pharisee’s Guide to Perfect Holiness, 174;
8
Robert J. Wieland, The 1888 Message: grifos supridos.
An Introduction (Nashville, TN: Southern 9
Ellen G. White, Review and Herald, 5
Publishing Association, 1980), 38. de fevereiro de 1895, 81; citado em Knight,
9
Ibid., 111. The Pharisee’s Guide to Perfect Holiness,
10
Ibid., 87. 174.
11
Robert J. Wieland e Donald Short, 20
Ellen G. White, Manuscrito 24, 1892,
1888 Re-examined   (Uniontown, OH: The em The Ellen G. White 1888 Materials (Wa-
1888 Message Study Committee, 1987), shington, DC: Ellen G. White Estate, 1987),
53. Wieland e Short se referem a Testemu- 1089; citado em Knight, The Pharisee’s Gui-
nhos para Ministros, 92, como a fonte da de to Perfect Holiness, 174.
frase “obediência a todos os mandamentos 21
Ellen G. White, O Grande Conflito, 472.
de Deus.” Disto o leitor, não conhecendo 22
Ibid. 471.
62 / Parousia - 2º semestre de 2008
23
Ibid., 472. Mateus 5:48 (“Portanto, sede vós perfeitos”),
24
Ibid., 473. ver William Richardson, “The Unfavorite
25
Knight, The Pharisee’s Guide to Per- Text”, Adventist Review, 14 de outubro de
fect Holiness, 180. 1993, 8-10. Ver também Rodrigo P. Silva,
26
Ellen G. White, Caminho a Cristo, 57. “Seria Deus ‘perfeito’?: Uma análise lingü-
27
Ann Cunningham Burke, “The Adven- ística de Mateus 5:48”, nesta edição de Pa-
tist Elephant”, Adventist Review, 27 de agosto rousia.
de 1987, 9; citado em Knight, The Pharisee’s 43
White, O Desejado de Todas as Na-
Guide to Perfect Holiness, 182. ções, 638.
28
White, Parábolas de Jesus, 384; grifos 44
Ibid., 640.
acrescentados. 45
O autor utiliza a expressão “irmãos
29
White, Parábolas de Jesus, 69; grifos preocupados” (em inglês, concerned bre-
acrescentados. thren) para se referir aos adventistas que “es-
30
Ibid., 66, 67. tão em nítido desacordo com a liderança da
31
Ibidem. igreja e com a igreja em geral a respeito de
32
Ibid., 68; grifos acrescentados. determinadas questões teológicas ou admi-
33
Ibid., 69. nistrativas”, mas “geralmente não apóiam ou
34
Ibid., 63. participam de posturas ou atividades divisi-
35
Roy Adams, “What Did She Mean?”, vas” (Adams, The Nature of Christ, 11. Nota
Adventist Review, 3 de setembro de 1992, 4. dos revisores).
36
Ellen G. White, Educação, 154; grifos 46
“Irmãos descontentes” (em inglês,
acrescentados. disaffected brethren) são os “adventistas
37
Idem, Testemunhos Para a Igreja, que, em algum grau, encontram-se em gra-
9:189, 190; grifos acrescentados. ve desacordo com a liderança da igreja ou
38
Idem, Evangelismo, 256; ver também com a igreja como um todo em questões
256, 257. de doutrina, missão ou administração. Em
39
Knight, The Pharisee’s Guide to Per- aberta oposição à liderança da igreja, em
fect Holiness, capítulos 7-9. alguns casos esses irmãos formam suas pró-
40
W. F. Arndt e F. W. Gingrich, A Greek- prias congregações, recolhem seus próprios
English Lexicon of the New Testament and dízimos, promovem suas próprias reuniões
Other Early Christian Literature (Chicago: campais, publicam suas próprias revistas e
University of Chicago Press, 1979), 47. até realizam suas próprias ordenações ao
41
Ibid., p. 48. ministério” (Adams, The Nature of Christ,
42
Para estudo da declaração de Jesus em 11. Nota dos revisores).
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 63

Perfeição humana? Uma análise


lingüística de Mateus 5:48

Rodrigo P. Silva, Th.D


Professor de Novo Testamento no Salt, Unasp campus Engenheiro Coelho, São Paulo

Resumo: Este artigo apresenta uma ther is perfect.” In opposite direction


análise exegética de Mateus 5:48, to the theory which the verse would
buscando compreender o que Jesus indicate the possibility of the human
Cristo tinha em mente quando dis- being reaching absolute impeccability
se as palavras: “Sede vós perfeitos in this life, the author argues that the
como perfeito é o vosso Pai celeste.” Master’s objective was to propose the
Em direção oposta à tese de que o love exemplified by the Father like a
versículo indicaria a possibilidade de standard to the fulfillment of the Law,
o ser humano alcançar impecabilida- and in addition, as the central point
de absoluta ainda nesta vida, o autor which the perfection is boasted by
argumenta que o objetivo do Mestre him. The base for such a conclusion
foi o de propor o amor exemplifica- is in the analysis of the basic mean-
do pelo Pai como padrão do cum- ing of the Greek word “teleios” used
primento da lei, e, portanto, como o by Mathew, by the light of the imme-
ponto central em torno do qual gira diate context of the verse and of the
a perfeição exaltada por Ele. A base passage written in Lucas 6:36, as well
para tal conclusão se encontra na aná- as of the analysis of the Pharisaic le-
lise do significado básico da palavra galistic understanding of the texts “be
grega teleios usada por Mateus, à luz holy because I am holy” of the book
do contexto imediato do versículo e of Leviticus, to which Christ would
da passagem correlata de Lucas 6:36, be trying to correct.
bem como da análise da compreensão
farisaica legalística dos textos “sede Introdução
santos porque Eu sou santo” do livro
de Levítico, a qual Cristo estaria pro- “Sede vós perfeitos como perfei-
curando corrigir. to é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48).
Essa declaração de Jesus nas Escritu-
Abstract: This article presents an ex- ras pode, a princípio, levar a entender
egetic analysis on Mathew 5:48, seek- que o Mestre estaria ordenando que
ing to comprehend what Jesus Christ fôssemos perfeitos, do mesmo modo
had in mind when He said: “Be per- como Deus é perfeito. Surgem, então,
fect, therefore, as your heavenly Fa- algumas questões: o que Jesus real-
64 / Parousia - 2º semestre de 2008

mente quis dizer com tal afirmação? caso. Assim, as versões que optam
Estaria Ele sugerindo que o ser huma- por uma forma imperativa seguem
no, mesmo em condição lapsariana, uma tradução dinâmica e não uma
teria condições de se tornar perfeito? tradução literal do texto.
O texto de Mateus 5:48 tem sido A diferença pode parecer peque-
utilizado por teólogos que advogam na, mas não é. Se Jesus estiver usan-
o perfeccionismo como uma evidên- do um imperativo está dando uma
cia para validar sua tese soteriológi- ordem de cumprimento imediato –
ca de um estágio de impecabilidade algo a ser realizado nesta vida. Se
adquirido ainda nesta existência1. As estiver usando o futuro, está falando
implicações da interpretação a favor de uma promessa, algo que pode se
dessa proposta soteriológica mos- concretizar hoje ou apenas na glori-
tram a complexidade da passagem no ficação final4.
nível semântico e exegético. Blass e Debrunner nos chamam
O propósito, portanto, deste arti- a atenção para o fato de que neste
go será o de analisar lingüisticamente capítulo de Mateus o futuro nunca é
Mateus 5:48, observando os aspectos utilizado nas fórmulas exortativas de
semânticos, a estrutura gramatical, o Jesus5. Logo, caso se entenda o verso
contexto imediato, mediato e amplo 48 de uma forma imperativa, deve-se
da passagem e suas implicações para o admitir que essa seria uma exceção
debate sobre o perfeccionismo. A par- sem equivalente gramatical no res-
tir desses elementos, se buscará uma tante do discurso de Cristo.
interpretação exegética do mesmo. Não obstante, poucos duvidariam
que o verbo Vagaph,seij, que é o fu-
O texto turo de “amar”, não teria um sentido
A redação de Mateus 5:48 não é de ordem (v. 43). Afinal fica estranho
problemática do ponto de vista da supor que estaríamos diante de uma
crítica textual2, mas apresenta uma predição: “Vocês amarão ao seu pró-
divergência de tradução quanto ao ximo etc.”, principalmente quando
verbo que abre as palavras de Cristo. se trata da citação de uma clara or-
É que algumas versões e comentários dem vétero-testamentária.
optam por traduzir e;sesqe, que na Foi por isso que Schweizer optou
verdade é um futuro indicativo “vós por uma tradução ambivalente, con-
sereis”, como se fosse um imperati- cluindo que “a formulação [de Cristo]
vo “sede vós”3. É fato que a forma da tanto em grego quanto em hebraico
2ª. pessoa do plural do presente do inclui a promessa ‘vocês serão’ bem
imperativo é a mesma do indicativo como a ordem ‘vocês deverão ser’”6.
havendo, portanto, duas possibilida- E este, de fato, parece ser o melhor ca-
des de tradução. Mas aqui temos um minho do ponto de vista gramatical.
modo futuro e não um presente, logo, Definido assim o sentido tempo-
a semelhança sintática entre “presen- ral da passagem, levanta-se a questão
te e imperativo” não se aplica neste do que seria uma “perfeição” símile à
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 65

de Deus. A estrutura literária do tex- doso dos escribas e fariseus (cf. 5:20;
to poderá fornecer uma explicação. 6:2, 5, 16; 7:5, 15 [aqui apelidados de
falsos profetas], 297).
Contexto literário Perceba como o contexto respon-
de aos dois grupos: primeiramente
Mateus 5:48 parece encerrar uma
temos a abertura em 5:17-19 onde
perícope que, pelo contexto imedia-
Cristo estabelece sua própria relação
to, começaria no verso 43: “ouvistes
com a lei e os profetas (“não vim para
o que foi dito: amarás o teu próximo,
revogar, mas para cumprir”). Então
e odiarás o teu inimigo”. Toda a te-
apresenta no verso 20 o propósito de
mática desde aqui até ao verso em
sua argumentação: “Se a vossa justiça
questão centraliza-se no amor como
não exceder em muito a dos escribas
padrão de comportamento. Não é
e fariseus, jamais entrareis no Rei-
por menos que avgapa/w é o verbo que
no dos Céus”. Finalmente inicia-se a
mais se repete na perícope.
apresentação em duas grandes seções:
Os versos 43 e 44a deixam claro
que o amor acima de tudo é o padrão no capítulo 5:21-48 há uma discussão
em torno do qual gravita a prática da legal entre Cristo e os ensinamentos
lei. Sem o amor, todos os ritos e obri- rabínicos, enquanto no capítulo 6:1-
gações não passam de ordenanças va- 18 temos admoestações gerais acerca
zias. Por isso, Jesus poderia ter dito do devido comportamento religioso. A
“sede vós amoráveis, como amorá- moldura de todo o cenário são o dito
vel é vosso Pai que está no Céu” ­– o original da lei, as adições ou interpre-
que faria eco com os versos 44b e 45, tações distorcidas feitas pelos rabinos
“amai... para que vos torneis filhos do e o comportamento ideal sugerido por
vosso Pai Celeste”. Contudo, no texto Cristo, que, na verdade, era um retor-
mateano Ele preferiu usar a palavra no à essência dos mandamentos.
“perfeitos”, talvez para englobar não Sendo assim, o capítulo 5:48 per-
apenas aquela antítese, mas todas as tence à seção que lida com as interpre-
que compuseram a perícope. Logo, tações rabínicas da lei. Ele conclui as
Mateus 5:48 não conclui apenas a úl- chamadas seis antíteses, que vão de
tima antítese (v. 43-47), mas a todas as 5:21-47 (“ouvistes o que foi dito aos
seis desde o verso 21. O te,leioj não se antigos... Eu porém vos digo”). Mas,
resume apenas ao amor comum, mas como bem observou Glen H. Stassen,
ao amor-princípio (avga,ph) com tudo não se trata de uma contradição entre
que ele abarca, a saber: reconciliação, Jesus e a Torá, e sim de uma oposição
pureza, fidelidade, temor e solidarie- do Mestre a determinada interpreta-
dade que foram justamente os temas ção da Torá8.
das antíteses anteriores. Todas as antíteses referem-se a
Em seu contexto mediato (que se relações sociais com um irmão ou
inicia no verso 17), se verifica que o patrício (5:21-26), com a mulher (27-
texto aponta uma problemática em re- 30), com a esposa (31 e 32)9, com o
lação ao comportamento pseudo-pie- Senhor – curiosamente a relação com
66 / Parousia - 2º semestre de 2008

Deus é entendida como uma relação Aqui está a lógica de Cristo ex-
social – (33-37), com o inimigo – pressa em palavras de completude:
notadamente o inimigo romano que “sede perfeitos ou completos”, isto
tinha autoridade para obrigar o ju- é, “não cumpram o mandamento de
deu a andar uma milha – (38-42), e, modo parcial ou apenas exterior. Bus-
finalmente, com o judeu considerado quem a transformação interna que os
traidor – no caso, o cobrador de im- tornará de fato ‘filhos de Deus’ em
postos que por sua conduta tornava- meio aos homens. Assim vocês cum-
se um inimigo de estado, injusto e prirão integralmente a vontade do Pai
publicano (43-47). Todos os setores que está no Céu”.
sociais da época são aqui representa- Toda essa argumentação é par-
dos, o que demonstra uma estrutura te do Sermão do Monte, que, por sua
de totalidade e completude relacional vez, pode ser subdividido em várias
(a mesma idéia de Hb 12:14: “segui a seções de acordo com a visão de cada
paz para com todos e a santificação, autor. Afinal, apesar das notas exegéti-
sem a qual ninguém verá o Senhor”). cas acerca da maestria da composição
Ao primeiro caso reserva-se a re- mateana, especialmente no Sermão da
conciliação, ao segundo a pureza, ao montanha10, como assinalou Dale C.
terceiro a fidelidade matrimonial, ao Allison Jr., o consenso sobre como se-
quarto o temor ao Senhor, ao quinto a ria essa estrutura ainda não existe11. O
solidariedade não vingativa e ao sexto máximo que se pode afirmar é que o
o amor que, aliás, está na base de to- contexto imediato de Mateus 5:48, ini-
das as condutas éticas. cia no 5:1-2 (pois o cenário muda em
Conforme vemos no verso 43, relação ao capítulo precedente) e ter-
aqui Jesus está falando de “como se mina no 7:28-8:1(que claramente é a
deve e como não se deve” cumprir o conclusão do dito de Cristo). Ademais,
mandamento de Levítico 19:18. No há também a semelhança de vocábulos
final, (verso 47) ele ironiza num estilo entre as duas porções textuais:
rabínico levando os ouvintes a refletir (5:1-2) “Vendo Jesus as multidões,
sobre os exemplos dados. No início subiu ao monte, e como se assentasse,
incentivou-os a exceder em muito a aproximaram-se os seus discípulos e
justiça, isto é, o comportamento dos ele passou a ensiná-los dizendo...”
escribas e fariseus. Agora sugere que (7:28-8:1) “Quando Jesus acabou
a atitude comum desses homens, que de proferir essas palavras, estavam as
muitos julgavam ser o padrão de com- multidões maravilhadas de sua dou-
portamento, até publicanos realizam. trina; porque ele as ensinava como
Sua conclusão, pois, seria: “Vo- quem tem autoridade e não como os
cês não querem ser melhores que escribas. Ora, descendo ele do monte,
eles? Logo, por que se contentar grandes multidões o seguiam.”12
com a forma simples de agir deles? Os principais blocos temáticos que
Vamos lá, superem a sua conduta! se encontram dentro desse arcabouço
Sejam perfeitos.” homilético de Cristo são: as bem-
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 67

aventuranças (5:3-12), o papel dos de interpretar a lei e julgar o povo.14


discípulos no mundo (13-16), os man- Fariseus e saduceus amavam discutir
damentos do reino ampliados a partir detalhes de comportamento piedoso e
da lei e dos profetas (17-48), a correta adições rabínicas da Torá e o povo ad-
forma de culto (6:1-18), as questões mirava seu comportamento, tomando-
sociais (6:19-7:12) e as advertências os por padrão de moralidade.15
finais (7:13-27). Não obstante, tinham um terrível
Como se vê, as porções internas problema com o relacionamento in-
do sermão se assemelham bastante a terpessoal. Para eles era o afastamen-
uma cartilha de comportamento éti- to das pessoas comuns (incluindo pa-
co, uma espécie de manual didático rentes e vizinhos) que os aproximaria
de Deus. Uma certa “teologia secreta”
dos bons costumes relacionais, e de
seguida de um ostracismo social era,
novo vê-se inserida a problemática do
para eles, a razão decisiva de sua in-
comportamento pró-forma de escribas
fluência sobre o povo16. Ora, este é um
e fariseus. Aliás, C. H. Dodd fez uma dado que interessa de perto ao contex-
importante observação ao perceber to histórico da passagem em questão.
que esse dito de Cristo possui mais ca- Fazia parte de sua conduta viverem
racterísticas de ensino (didachê) que afastados do povo, desassociados das
de discurso (kerygma)13. pessoas e, por estarem distantes, eram
vistos como perfeitos e inatingíveis.
Contexto Histórico Mas nem por isso deixavam de ser ad-
Os escribas e fariseus constituíam mirados pela gente mais simples, que
só pôde sentir a pobreza de sua dou-
dois grupos distintos e, nalgumas si-
trina ao comparar seus ensinos aos de
tuações, até oponentes. Ambos eram
Jesus Cristo (Mt 7:28 e 29). Até então,
versados na Lei e possuíam membros
eles eram a impossibilidade ideal para
dotados de grande treinamento teológi-
uns, o modelo legal para outros e, fi-
co, por isso os primeiros eram conhe- nalmente, um espelho para todos.
cidos como hakimim (os sábios) e os Dentro desse cenário, o desafio
segundos como perisayya (separados). de Cristo a que o povo comum supe-
Eram os professores e “juristas” da rasse a justiça dos escribas e fariseus
época, embora nem sempre ganhassem era uma proposta totalmente nova e
dinheiro com isto. Muitos deles eram radical (5:20). Um caso ilustrativo
pobres e até necessitados de um segun- da força das palavras de Cristo pode
do ofício para sobreviver. Sua influên- ser visto na comparação entre a or-
cia não estava na sua fortuna, sobreno- dem dada em Mateus 7:12 e a ordem
me, profissão, mas na sua capacidade de Hillel em b. Shab. 31a:

Jesus diz: “Tudo pois que quereis Hillel diz: “não faça a alguém o
que os homens vos façam, assim que é odioso a ti, porque toda a lei
fazei-o vós também a eles, porque está contida nesta sentença. O resto é
esta é a lei e os profetas”. comentário”.
68 / Parousia - 2º semestre de 2008

Note que o que Hillel apresenta Na passagem paralela de Lucas


num tom negativo, Jesus coloca num 6:32-36, a mesma estrutura de Mateus
tom positivo, o que supera em muito é repetida, mas no final, em vez de
a disposição apresentada pelo escri- dizer “sede perfeitos como perfeito é
ba. Mais do que evitar fazer o mal ao vosso pai que está no Céu”, o evange-
semelhante, o que pode nos colocar lista diz: “sede misericordiosos como
numa condição de inatividade, a or- também é misericordioso vosso Pai”.
dem do Mestre é fazer o bem, o que Uma comparação do original grego
impele a uma atitude. entre ambas as versões ilumina ainda
Ora, Deus não é um inativo agen- mais a comparação sinótica:
te cósmico que se limitou a não des- Lucas:Gi,nesqeoivkti,rmonejkaqw.j
truir a raça humana, mas acabou se Îkai.Ðo`path.ru`mw/noivkti,rmwnevsti,nÅ
alienando dela. Pelo contrário, Ele Mateus: :Esesqe ou=n u`mei/j
agiu na história salvando o gêne- te,leioiw`jo`path.ru`mw/no`ouvra,nioj
ro humano e servindo de modelo a te,leio,j evstin.
cada um de nós. Assim, para Cristo, Note que enquanto Mateus usa
a “atitude de Deus” deveria ser o pa- o verbo “ser” (eimi) Lucas prefere o
drão dos discípulos e não a atitude verbo “tornar” (gi,nomai). O sentido
dos escribas comuns (5:48). lucano é, pois: “tornai-vos” – o que
aumenta a força comparativa com
Comentário Exegético Deus “tal qual... [é] o vosso Pai”.
Veja que ele, diferentemente de Ma-
Definidas as bases contextuais li-
teus, usa kaqw.j e não w`j.
terárias e históricas de Mateus 5:43-
Como Mateus, Lucas também é
48, permanece ainda em aberto ex-
fiel ao contexto de relações sociais no
plorar o sentido de perfeito (te,leioj)
qual Jesus havia dito essas palavras.
neste contexto mateano.
Nesse aspecto, a compreensão social
Em Mateus o termo aparecerá
de te,leioi/te,leioj em Mateus é refor-
uma segunda vez em 19:21, onde um
çada pela escola lucana de oivkti,rmonej
jovem rico (que Marcos e Lucas de-
finem como um homem) lhe pergunta e oivkti,rmwn (misericordioso[s]) para
sobre como herdar a vida eterna. Essa, traduzir em grego as palavras origi-
aliás, é a mesma pergunta feita em Lu- nais de Cristo.
cas 9:25 por um “intérprete da lei”. Sua construção é muito parecida
Jesus reponde citando os man- com o que encontramos no Targum
damentos, a rigor quase os mesmos do Pseudo-Jonatan sobre o Levíti-
mencionados em 5:21-32. Então lhe co. Ali diz: “Assim como nosso Pai
conclama: “se queres ser perfeito é misericordioso (!m’x.r;) no Céu,
(te,leioj) vai vende teus bens e dá aos sê tu igualmente misericordioso na
pobres, etc.” – uma ordenança clara Terra”17. Como acentua Matthew
de amor como desprendimento que Black18, as palavras de Lucas “ocor-
sugere a aplicação prática do princí- rem numa típica expressão targúmi-
pio anunciado em 5:21-48. ca”, logo, qualquer relação entre os
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 69

evangelhos e esse estilo judaico não como Deus é perfeito (porque Eu sou
é uma teoria inviável. santo)” (Lv 19:2).
O sentido do termo usado por Lu- A primeira coisa que se observa
cas (oivkti,rmonej) abarca a idéia de ter aqui é que o contexto original de Le-
compaixão para com o necessitado, vítico 19, de onde Jesus extrai seu co-
seja ele quem for (até um inimigo). mentário, não alude a questões direta-
Ele aparece cerca de 80 vezes na LXX mente soteriológicas, mas a questões
(tanto em forma verbal quanto adjeti- de relacionamento político-social em
va e substantiva) para corresponder relação a estrangeiros. É claro que
às seguintes raízes: !nx “ser gracioso, num determinado ponto todas essas
generoso” (geralmente com o sentido temáticas se encontram, pois o com-
de “poupar” o que estaria para morrer portamento social espelha a relação
ou preservar o que está em dificulda- espiritual para com o plano salvífico
des) e ~xr “ter compaixão”.19 de Deus. Contudo, em termos de ob-
Não se pode olvidar que Jesus jetividade textual, essa passagem le-
inicia a perícope da última antítese vítica não trata de “como ser salvo”,
citando textualmente Levítico 19:18. nem menciona uma lista de “frutos
O curioso é que Ele acrescenta da salvação”, ali não há referência ao
uma expressão apócrifa, certamen- sacrifício expiatório, nem ao santuá-
te oriunda do pensamento rabínico rio, mas apenas às questões sociais. O
e que contrariava todo o sentido do tema diz respeito ao trato que o judeu
preceito original: “...e odiarás o teu deveria dispensar ao estrangeiro que
inimigo”.20 De modo irônico, Jesus habitasse o mesmo território que ele.
contradiz não a lei levítica, mas o A suma é: ajudar fraternalmente o es-
acréscimo feito a ela. Isso Ele faz, trangeiro sem se contaminar com seu
comentando de maneira midrástica a comportamento. O contexto de santi-
ordem original dada naquela porção dade, portanto (“sede santos, porque
Antigo Testamento (Lv 19:1-37). Lá, eu sou santo”), não significa impe-
o mandamento dizia para os judeus cabilidade , mas antes ser separado
tratarem bem os gentios, para não se do mundo gentílico, sem contudo ser
contaminarem com seu comporta- alienado dele.
mento, mas, ao mesmo tempo, tê-los
como objeto de um verdadeiro amor Significado de te,leioj
fraternal, principalmente quando fos-
sem donos da terra e vissem um pe- Em seu sentido adjetival, o ter-
regrino estrangeiro vivendo no meio mo te,leioj aparece 19 vezes no Novo
deles (compare com Mateus 15:3). Testamento. Em várias dessas ocor-
Jesus de maneira sintética oferece rências, ele aparece não apenas como
o mesmo princípio e, em sua conclu- “perfeito”, “perfeição” e cognatos,
são, repete quase as mesmas palavras mas também como experimentados
que no texto mosaico abriam o conte- (1Co 2:6), homens amadurecidos
údo da lei: “sereis perfeitos (santos) (1Co 14:20), adultos (Hb 5:14), ma-
70 / Parousia - 2º semestre de 2008

turidade (Hb 6:3), ação completa (Tg essa questão. Não há ali qualquer in-
1:4), etc. Aqui as opções parecem dício direto ou indireto para a suges-
estar de acordo com o dicionário de tão de que os filhos de Deus (verso
Strong, que oferece os vários signi- 45) jamais pecariam depois de deter-
ficados para te,leioj21. Como se vê, minado estágio de santificação. Agir
há várias formas de verter o termo diferente dos escribas e fariseus era
grego; perfeito é apenas uma delas e cumprir a lei com base no amor e não
não a única ou a naturalmente melhor. na impecabilidade.
Como sugere Gerhard Delling, falan- Na LXX, te,leioj também corres-
do especificamente desse ponto, “será ponde a “completo”, “todo”, “imacu-
o contexto de cada caso que determi- lado”, “indivisível”, “pacífico” etc.23.
nará a melhor tradução”22. Não obstante é um termo raro, apare-
É claro no contexto mateano que cendo apenas cerca de 20 vezes.
te,leioj em 5:48 e 19:21 significa a Há, contudo, ali um adicional ele-
qualidade de “perfeito”, “completo”, mento que também ilumina a questão.
“maduro”, “adulto”, “crescido”. Essa Pelo que se percebe do texto septu-
qualidade, contudo, gravita em torno agentário, existem duas importantes
de um determinado padrão dado pelo raízes hebraicas que poderiam ser os
contexto (como é o caso em Colos- correspondentes vétero-testamentá-
senses 1:28, 4:12; Tiago 1:4, 17, 25; rios de te,leioj: a primeira e mais co-
3:2; cf. 1 Coríntios 2:6, 13:10; 14:20; nhecida seria a ~mT, que significaria
Efésios 4:13; Filipenses 3:12, 15; He- em termos gerais “ser completo, estar
breus 5:14; 1 João 4:18). Determinar terminado”. Esta raiz aceita perfeita-
esse padrão é a chave hermenêutica mente termos derivados com o sentido
para determinar o sentido de perfei- de integridade, perfeito e inteireza.24
ção no texto mateano, e esse padrão, A segunda, menos mencionada, é
conforme já foi visto pelo contexto ~lv, da qual derivam as idéias de paz,
imediato, é o amor. completude e perfeição.25 Ela é verti-
O amor é o que torna possível da por te,leioj em 5 ocasiões (1 Rs
superar a justiça dos escribas e fari- 8:61; 11:4; 15:3; 14:1; 1Cr 28:9).26
seus, por isso todas as antíteses do Embora não sejam sinônimos per-
contexto mediato e as bem-aventu- feitos ~lv e ~mT são corresponden-
ranças do contexto amplo apontam tes naturais no Antigo Testamento e
para elementos de amor: misericór- cada contexto determina o padrão ao
dia (5:7); reconciliação (5:24); cari- redor do qual se exercerá essas vir-
dade (5:42). É em torno deste amor tudes. A pergunta final é: qual destes
plurifuncional que gravita o te,leioj seria o melhor correspondente para
divino que devemos imitar. Mas se- te,leioj em Mateus 5:48?
ria esse te,leioj em torno do amor Bem, de acordo com Carr, o “sig-
uma situação de impecabilidade? nificado básico por detrás da raíz
Todo o contexto mateano visto shlm [sic] é terminar ou completar
até aqui responde negativamente a algo – de entrar num estado de in-
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 71

tegridade e unidade, de participar de tegridade e completude. “Em Shalôm


um relacionamento restaurado”27, daí se acha implícita a idéia de relaciona-
a idéia de paz ou pacificação comple- mentos não abalados com outras pes-
ta. Talvez mais do que ~mT, ~Alv é soas e de sucesso da pessoa nas suas
uma definição excelente e harmônica empreitadas”28. Um significado muito
ao contexto imediato de Mateus 5:43- próprio para o contexto mateano.
48, que fala do trato que se deve ter Comentando especificamente
para com os inimigos, isto é, para com Mateus 5:47 e 48, Matthew Bla-
aqueles cuja relação esteja cortada, ck também defende a ligação entre
mas que Cristo insta à restauração. É te,leioj e ~lv e acrescenta um dado
bem provável que aqui esteja a chave curioso, ele diz: “uma das mais in-
interpretativa para o significado das teressantes exemplificações de pa-
palavras de Cristo acerca da imitação ronomásia29 ocorre em Mt. V. 47,
do amor de Deus. 48 [sic]: a expressão regular semí-
Compare-se Mateus 5:7 com 5:48: tica para ‘bendizer’ é ‘pedir pela paz
“Bem aventurados os pacificado- ou bem-estar (Shelam) de’ e telei,oj
res (Shelim) porque serão chamados nesta passagem é Shelim; pois este
filhos de Deus.” último pode ser comparado à pará-
“Amai ... para que vos torneis fi- frase de Levítico. Xxii.27encontrada
lhos do vosso Pai Celeste.” no Targum de Jerusalém I, com sua
“sede vós perfeitos (Shelim?), referência à ‘virtude do homem per-
como perfeito é o vosso Pai que está feito (Shelima)’.”30
nos céus.” O sentido, pois, de Mateus 5:48
O sentido de “pacificar” também parece ser “vocês serão pois comple-
é contemplado pelo ato de “amar” e tamente pacificadores [isto é, recon-
vice-versa. Ademais, textos como 2 ciliadores, amoráveis, abençoadores,
Coríntios 13:11, Tito 1:4, 2 João 3; misericordiosos] como completo pa-
Judas 2 mostram a correlação íntima cificador [nestes mesmos aspectos] é
entre os dois vocábulos. Em Romanos o seu Pai que está nos Céus.”
5:1-11 Paulo descreve em detalhes o
papel do Pai que Cristo apenas men- Conclusão
ciona em Mateus 5:48. No texto Pau- A despeito das muitas sugestões
lino, a paz, a reconciliação e o amor dadas acerca do motivo central do
são de maneira sinônima o leitmotiv Sermão do Monte31, podemos resumir
de toda a argumentação. em três as principais posições32:
Já é ponto pacífico entre os he- A concepção perfeccionista –
braistas que a simples tradução de Cristo estaria falando de um ideal
“paz” para o hebraico ~Alv’, está perfeitamente alcançável durante
longe de abarcar todo o seu significa- a santificação e que se traduz na
do. O termo carrega uma conotação literalidade de tudo o que foi dito
muito mais ampla que inclui o bem (principalmente no texto de 5:48).
estar, a prosperidade, a segurança, in- Essa leitura é proposta inclusive
72 / Parousia - 2º semestre de 2008

por alguns autores adventistas na ta. Uma promessa também jaz en-
atualidade.33 volvida no texto.
Teoria da impossibilidade ideal Pelo contexto imediato, perce-
– visão luterana de que Jesus estaria bemos que se trata de uma crítica de
apenas apresentando um ideal jamais Cristo à interpretação rabínica da Lei
alcançável nesta vida, o que torna – legalista e destituída de relaciona-
suas palavras – na melhor das hipó- mento humano – seguida de um apelo
teses – uma utopia, pois não servem a que busquemos no exemplo do Pai
para esta vida, nem para a vida porvir, a meta de comportamento que é supe-
quando já não haverá inimigos, adul- rior à dos líderes do judaísmo ou de
térios, tentações ou demandas. qualquer outro seguimento humano.
Ética interina – uma proposta suge- O amor é o padrão de cumprimento da
rida inicialmente por Johannes Weiss Lei, sendo em torno do amor (e não da
e popularizada por Albert Schweitzer, suposta impecabilidade farisaica) que
segundo o qual Jesus, pensando equi- gira a perfeição ensinada por Cristo.
vocadamente que o fim se aproximava Afinal eram justamente os fariseus e
incentivou as pessoas a viverem uma escribas e fariseus – alvos da crítica de
ética provisória em virtude do clima Cristo – que passavam uma imagem
escatológico especial. Um comporta- de impecáveis perante o povo.
mento, portanto, que não teria sentido Com relação ao significado bási-
noutra parte da história.34 co de te,leioj na versão mateana, vi-
Todas essas sugestões trazem mos que mais do que impecabilida-
implicações soteriológicas muito de, o sentido do termo grego envolve
complexas que tendem tanto para a idéia de maturidade, completeza e
a legalismo, quanto para o libera- integralidade. Ademais, a raiz ~lv
lismo e o racionalismo. Contudo, a com seus conceitos de “paz” , “re-
partir do próprio texto e do quadro conciliador”, “pacificador” esclarece
histórico que o ilumina, é possível bem o sentido do termo nessa pas-
propor uma quarta sugestão distinta sagem e preenche sua equivalência
das três apresentadas. O sermão de véterotestamentária, especialmente à
Jesus, como vimos, trata de corrigir luz do contexto imediato e da versão
o comportamento ético-legalista e paralela de Lucas 6:36.
pró-forma de alguns segmentos ju- A citação de Jesus do texto leví-
daicos de seu tempo, notadamente tico mostra o modo descontextuali-
os escribas e fariseus. zado com que os escribas e fariseus
Mediante os dados levantados aplicavam a passagem em seus dias.
nesta pesquisa, conclui-se em pri- O mesmo se faz hoje caso aplique ao
meiro lugar que embora não se pos- texto uma idéia de impecabilidade ou
sa excluir a possibilidade de um im- perfeccionismo soteriológico.
perativo nas palavras de Cristo em O sentido, portanto, de Mateus
Mateus 5:48, reduz-se a idéia de se 5:48 não é apresentar um padrão ide-
tratar de apenas de uma ordem dire- alístico para a salvação, muito menos
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 73

endossar qualquer entendimento per- para com aqueles que ainda são espi-
feccionista da santificação. O intuito ritualmente forasteiros no Reino dos
é mostrar como os discípulos do rei- Céus, não para ajuntarem-se a eles,
no devem tratar os demais que, de um mas para levá-los a juntarem-se a nós.
modo ou de outro, não fazem parte do Um trabalho digno, que imita de ma-
seu círculo de relacionamento. Esse neira legítima os mesmos passos re-
tratamento deve buscar a paz de Cristo conciliadores do nosso Pai celestial.

Referências
1
Herbert E. Douglass, Should We Ever do verbo no verso 48 estaria com as antíteses
Say ‘I am Saved’? What it Means to be Assu- que aparecem anteriormente na perícope (v.
red of Salvation (Nampa, Idaho: Pacific Press 43-48): “amarás ao teu próximo”, “odiarás o
Publishing, 2003), 101 e 115. teu inimigo”. Embora elas estejam no futuro,
2
As únicas variantes relevantes são aque- são interpretadas como tendo força de impe-
las apontadas pelo texto de Nestlé-Aland, rativo. Mas isso não se dá por questões de
a saber: os mss D K W D Q 565. 579 e a sintaxe e sim por fluência textual, além, é cla-
maioria absoluta de todos os mss (incluindo ro, de uma possível influência do hebraico,
o texto koiné bizantino) trazem wsper ao in- pois se trata de uma citação parcial do Anti-
vés de wj mas o sentido adverbial parece ser go Testamento (John Nolland, The Gospel of
o mesmo de acordo com os léxicos. A outra Matthew: A Commentary on the Greek Text
variante vem por conta da expressão “vosso [Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Pu-
Paicelestial”(o`path.ru`mw/no`ouvra,nioj)que blishing, 2005], 270, 27). Leon Morris segue
nalguns textos ([D*] K L D Q 565. 579. 700 o mesmo caminho, justificando a interpreta-
pm it; Tertuliano) aparece como “vosso Pai ção imperativa do futuro e;sesqe nesse texto
que está nos céus” (path.r u`mw/n o` en toij com base na construção do verso 21, onde o
ouvra,noij). futuro negativo ouv foneu,seij (“não matarás”)
3
Compare por exemplo a Versão Almei- tem claramente um sentido de ordem. Mas,
da Revista e Atualizada que traduz no im- conquanto o futuro do indicativo possa equi-
perativo com a versão da TEB que traduz valer às características de mandado e proibi-
no futuro. ções na linguagem legal do Antigo Testamen-
4
Alexander B. Bruce opta pela forma to, esta não é uma prática relacional comum
futura (“vós sereis”), que para ele estabelece aos evangelhos (Leon Morris, The Gospel
um contraste entre o aquilo que os publica- According to Matthew [Grand Rapids, MI:
nos e gentios são (por estarem acomodados Wm. B. Eerdmans Publishing, 1992], 133).
aos padrões normais de moralidade) e aquilo 5
F. Blass e A. Debrunner, A Greek Gram-
que os discípulos haverão de ser (se optarem mar of the New Testament (Chicago, Chicago
pelo padrão de Cristo). Mas ele não entra no University Press, 1961), 362. Veja também
aspecto soteriológico da questão, nem define Daniel B. Wallace, Greek Grammar Beyond
sua opinião sobre se tal promessa se cumpre the Basics: An Exegetical Syntax of the New
na santificação ou na glorificação do crente Testament (Grand Rapids, MI: Zondervan,
(Alexander B. Bruce, “The Synoptic Gos- 1995), 569.
pels” in W. Robertson Nicoll, Expositor’s 6
Eduard Schweizer, Good News Accor-
Greek Testament [Grand Rapids, MI: Eerd- ding to Matthew, (London: SPCK, 1976), 135.
mans, 1988], 1:115). John Nolland, por sua 7
É interessante que Mateus 7:29 traz um
vez, prefere interpretar e;sesqe como sendo detalhe nem sempre percebido pelas moder-
um futuro de características imperativas (“vo- nas traduções e que mostra a ruptura entre
cês deverão ser”). Para ele o vínculo natural Jesus e o ensino dos escribas e fariseus. O
74 / Parousia - 2º semestre de 2008

grego traz um pronome possessivo que lite- dois escribas que, na época de Jesus, repre-
ralmente chama os escribas de “escribas de- sentavam aqueles conheciam a “vontade de
les” (kai. ouvc w`j oi` grammatei/j auvtw/n). Deus”. O povo comum que não tinha aces-
8
Glen H. Stassen, “The Fourteen Triads so ao escrito e conteúdo da lei, se limitava
of the Sermon on the Mount (Matthew 5:21- a estudar o seu comportamento e tê-los por
7:12)” in Journal of Biblical Literature, 122/2 padrão de conduta.
(2003), 267. Além da função de modelos morais, aos
9
No tempo de Jesus a maioria das pesso- escribas estava a incumbência de fazer não
as tinham uma visão de Deuteronômio 24:1 somente comentários como adições à lei,
baseada na interpretação da escola de Hillel, que serviam para atualizá-la e proteger o seu
o Velho, segundo a qual um homem poderia conteúdo. Por isso é perfeitamente pertinente
se divorciar de uma mulher por qualquer ra- aplicar a este grupo as palavras de Cristo em
zão tola, até mesmo uma acidental queima 5:21-48.
do alimento. Apenas uma minoria seguia a 16
E. Morin, 136 e 137.
opinião de Shammai, que só admitia o divór- 17
Veja a versão inglesa do texto targú-
cio em caso de adultério (Cf. Mishna Gittin, mico feita em 1862 por J. W. Etheridge em
9.10. Veja: T. Hieros. Gittin, fol. 49.4; Sota, The Targums of Onkelos and Jonathan Ben
fol. 16.2; Bemidbar Rabba, 9, fol. 195.2). Uzziel – On the Pentateuch With The Frag-
10
J. Schreiner; G. Dautzengerg, Forma e ments of the Jerusalem Targum From the
exigências do Novo Testamento, Nova Cole- Chaldee. Disponível online em http://targum.
ção Bíblica (São Paulo: Ed. Paulinas, 1977), info/?page_id=7.
275; G. Börnkamm “Der Aufbau der Berg- 18
Matthew Black, An Aramaic Approach
predigt” New Testament Studies 24 (1978), to the Gospels and Acts (Oxford: Clarendon
419-432. Press, 1946), 138.
11
Dale C. Allison Jr., “The Structure of 19
H. H. Esser, “oivktirmo,j” in Lothar Co-
the Sermon on the Mount” in Journal of Bi- enen, Colin Brown, O Novo Dicionário In-
blical Literature, 3 (setembro de 1987), 422 e ternacional de Teologia do Novo Testamento
423. J. Smit Sibinga, “Exploring the Compo- (São Paulo: Ed. Vida Nova, 1989), 3:181.
sition of Matth. 5-7”, Filologia Neotestamen- 20
Para exemplos de expressões rabíni-
taria 7(1994), 175-196. cas tardias que parecem incentivar o ódio
12
Steve Carpenter, “The Structure and aos gentios e israelitas dissidentes veja John
Message of the Sermon of the Mount” dis- Lightfoot, A Commentary on the New Testa-
ponível em http://wsminternational.com/ ment from the Talmud and Hebraica –Mat-
pdf/Sermon%20on%20the%20Mount.pdf. thew – Mark (Grand Rapids, MI: Baker Book
Dale C. Allinson, propõe que o texto deveria Houase, 1979), 2:133, 134. Alguns autores
começar no capítulo 4:23 devido à menção mais recentes pensam que se trata de uma
que o texto faz às numerosas multidões que adição encontradiça também nos Manuscri-
seguiam a Cristo (comp. com 8:1). Cf. Dale tos do Mar Morto, mais especificamente na
C. Allison Jr., 429. Regra da Comunidade 1 QS 1.9-11, 4. “To
13
C. H. Dodd, Gospel and Law (Cambrid- love all the sons of light, each according to
ge: Cambridge University Press,1951), 42. his lot in God’s counsel, but to hate all the
14
E. Morin, Jesus e as estruturas de sons of darkness, each according to his guilt
seu tempo (São Paulo: Ed. Paulinas, 1981), in provoking God’s vengeance! ... To hate all
134-136. that He (God) has despised.”
15
E. Morin, 137. Os escribas tinham mais 21
Disponível em http://strongsnumbers.
importância que os anciãos e que os próprios com/greek/5046.htm.
pais. Quando passavam pela rua eram ge- 22
Gerhard Delling, “te,leioj” in Theo-
ralmente saudados de pé. No final do dia da logical Dictionary of the New Testament, Ed.
expiação, a multidão que acompanhara o mo- G. Kittel, G. Friedrich (Grand Rapids, MI:
vimento do sacerdote até entrar no santuário, Eerdmans, 1983), vol. 8, 74.
voltava-se para seguir cerimoniosamente a 23
Delling, 72.
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 75
24
John B. Payne, “Tâman” in R. Laird “denominação”. A paronomásia também é
Harris, Gleanson L. Archer Jr. e Bruce K. chamada de trocadilho, de calembur, de pa-
Waltke, Dicionário Internacional de Teolo- rênquese ou de jogo de palavras. Demetrio
gia do Antigo Testamento ( São Paulo: Ed. Estébanez Calderón, Diccionario de términos
Vida Nova, 1999), 1647. literarios (Madrid: Alianza, 1996), 809-810.
25
G. Lloyd Carr, “~lv” in R. Laird 30
Matthew Black, 138.
Harris, Dicionário..., 1572-1575. Com exce- 31
Veja um resumo delas em Greg Her-
ção do Salmo 138(139):22 que traz o termo rick, “A Summary of Understanding the
tyliäk.T; como correspondente de te,leioj, to- Sermon on the Mount” disponível em http://
das as demais ocorrências usam o termo para www.bible.org/page.php?page_id=2050.
corresponder às raízes ~lv e ~mT a proporção 32
Joachim Jeremias, The Sermon On The
está em aproximadamente 50% das ocorrên- Mount. The Ethel M. Wood Lecture delivered
cias para cada caso. Edwin Hatch, Henry A. before the University of London on 7 March
Redpath, A Concordance to The Septuagint 1961. London: The Athlone Press, 1961.dis-
(Grand Rapids, MI: Baker, 1987), 2:1342. ponível em http://www.biblicalstudies.org.
26
H. Hübner, 343. uk/pdf/sermon_jeremias.pdf.
27
Idem. 33
Herbert E. Douglass, 101 e 115; de
28
G. Loyd Carr, 1573. modo mais moderado temos também Doug
29
A paronomásia é uma figura de retórica Batchelor, Amazing Facts Insight Report
que consiste no emprego de vocábulos seme- (julho/agosto 2007), 14 disponível em http://
lhantes quanto à sonoridade, mas que se dife- www.amazingfacts.org/portals/0/PDFs/
renciam no que diz respeito ao sentido, não NukeNews/File2/July2007.pdf.
vindo ao caso saber se há ou não parentesco 34
Albert Schweitzer, The Quest of the
etimológico entre as palavras. O termo ori- Historical Jesus: A Critical Study of Its Pro-
gina-se do grego paranomasía, em que para gress, from Reimarus to Wrede, (Londres: A
tem o sentido de “próximo de” e onomasía, & C Black, 1954), 335 e 399.
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 77

Resenha crítica do livro


Perfection & Perfectionism
Natanael B. P. Moraes, doutor em Teologia Pastoral
Professor de teologia aplicada no Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho

Resumo: Este artigo apresenta uma feccionismo. É um trabalho exaustivo


resenha crítica do livro Perfection & que responde a diversas questões cru-
Perfectionism, 4ª ed. (Berrien Springs, ciais sobre o “ensino teológico de que
MI: Andrews University Press, 1984), a perfeição moral não é apenas um
de autoria de Hans K. LaRondelle. Pri- ideal a ser atingido pelo cristão, mas
meiramente, o artigo considera o con- é alcançável nesta vida”.1 Contudo,
texto do perfeccionismo em diversos julgou-se oportuno, antes da análise
momentos históricos, inclusive o atual propriamente dita, apresentar-se uma
da igreja adventista. Depois, analisa cri- breve exposição dos antecedentes
ticamente a obra do autor. Maior aten- históricos do perfeccionismo. Isto se
ção é dedicada ao estudo exegético do justifica principalmente pelo debate
livro em função da clareza do texto e da atual, existente em alguns meios ad-
elucidação provida sobre o tema. ventistas. É relevante que se estude as
raízes do perfeccionismo para que se
Abstract: This article presents a cri- compreenda a problemática e não se
tical review of Perfection & Perfectio- repita os enganos do passado.
nism, 4th edition (Berrien Springs, MI: O trabalho de LaRondelle fornece
Andrews University Press, 1984), by ao leitor, além de uma abordagem his-
Hans K. LaRondelle. First, the article tórica, dentro e fora dos círculos cris-
considers the context of perfectionism tãos, uma visão abrangente do tema
in various historical aspects, including da perfeição ao longo das Escrituras
the current reality which faces the Se- Sagradas. As principais passagens
venth-day Adventist Church. After that, onde aparece o conceito de perfeição
the text deals with an overview about são analisadas com profundidade e
the author’s writing. A special attention erudição teológica. É, de fato, um ex-
is dedicated to the exegetic study of the celente trabalho sobre o tema a que se
book in the light of clarity and elucida- propõe elucidar.
tion given on such topic.
Contexto histórico do
perfeccionismo
INTRODUÇÃO
A problemática não é recente. Um
Hans K. LaRondelle escreveu sua dos sistemas perfeccionistas mais an-
tese doutoral sobre o tópico do per- tigos foi desenvolvido pelo judaísmo.
78 / Parousia - 2º semestre de 2008

A igreja católica elaborou o seu próprio com a capacidade de desenvolvê-los.


conjunto de crenças e práticas. Os pro- Deste modo, a universalidade do pe-
testantes tiveram os seus proponentes cado deve ser atribuída ao poder do
e praticantes. Por sua vez, a igreja ad- mau exemplo e dos maus costumes.5
ventista também enfrentou e continua a Quanto à condição moral, o pela-
se debater com dificuldades suscitadas gianismo defendia que os seres hu-
pelos pressupostos do perfeccionismo. manos eram semelhantes a Adão an-
A doutrina judaica da salvação en- tes da queda, assim, cada criança que
sina que os homens estabelecem sua nasce tem as mesmas habilidades do
própria justiça através de obras meritó- primeiro homem criado por Deus.6
rias.2 A “dificuldade” surgida por oca- Poderia parecer que a suficiência
sião do julgamento, quando o prato da da razão natural e da vontade humana
balança dos méritos ficar em equilíbrio no sistema pelagiano tornasse supér-
com o das transgressões, é solucionada flua a graça de Deus, mas isto Pelágio
pelo perdão de Deus ou pela retirada não admitia. Na verdade, para ele ha-
de más obras pelo próprio Deus.3 Este via dois tipos de graça, uma natural
é o único momento em que Deus toma e outra sobrenatural. É esta graça so-
parte do processo salvífico, pois nas brenatural que confere o benefício do
demais fases, o que define a salvação perdão dos pecados passados, noutras
ou a perdição são as obras humanas. palavras, da justificação, compreen-
A história da igreja cristã, ao longo dida por Pelágio conforme o modo
dos séculos, registra diversos momen- protestante no qual o pecador é de-
tos de ênfase perfeccionista. Um dos clarado justo, e não como Agostinho
primeiros foi o pelagianismo. Seu ori- e no catolicismo, em que o homem
ginador, Pelágio, nascido na Inglater- é tornado justo.7 Portanto, a graça é
ra, posteriormente fixou residência em útil como um auxílio externo para o
Roma lá pelo ano de 405 d.C. Quando desenvolvimento dos poderes natu-
Roma foi saqueada pelos Godos em rais, mas não é absolutamente neces-
410, ele fugiu para a África, vindo a sária. Deste modo, o pelagianismo é
morrer no Egito, no ano 424 d.C.4 uma heresia antropológica que nega a
Para o pelagianismo, não havia necessidade humana de redenção.8
pecado original e nenhuma culpa he- O semipelagianismo é outro tipo
reditária. Afirmava que Adão, por sua de sistema perfeccionista. Consiste
desobediência, estabeleceu um mau numa tentativa de reconciliação entre
exemplo que exerce uma má influ- as idéias de Pelágio e Agostinho. O
ência sobre sua posteridade. Admitia termo foi introduzido durante o perí-
uma crescente corrupção da humani- odo da escolástica, contudo os pon-
dade, embora a atribuísse apenas aos tos essenciais surgiram na França,
maus hábitos. Também ensinava que ainda no quinto século. A principal
os seres humanos não nascem com idéia é que a graça divina e a von-
natureza pecaminosa. Simplesmente tade humana realizam juntamente a
nascem sem virtude e sem vício, mas obra da conversão e da santificação e
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 79

que normalmente o ser humano pode tos; 3) Deus criou Adão inocente; 4)
dar o primeiro passo. O semipelagia- o pecado consiste em atos da vontade;
nismo rejeita a doutrina pelagiana 5) apenas a poluição, não o pecado de
defensora da incorruptibilidade mo- Adão, foi imputado aos seus descen-
ral do ser humano ao nascer e tam- dentes; 6) a depravação do homem
bém rejeita a doutrina agostiniana da não é total, e sua vontade se inclina
completa corrupção e escravidão do para Deus e para o bem; 7) a expiação
homem natural. Também repudiava não era necessária, mas uma vez que
o conceito pelagiano de graça como foi oferecida está disponível a todos;
um mero auxílio externo; renegava, 8) a expiação não efetua a salvação
igualmente, a doutrina agostiniana da dos seres humanos, apenas torna-a
soberania, irresistibilidade e limita- possível; 9) a salvação só é efetiva
ção da graça. Afirmava a necessidade quando aceita voluntariamente pelo
da operação interna da graça através pecador penitente; 10) a regeneração
do agente humano, uma expiação ge- é determinada pela vontade humana,
ral através de Cristo e a predestinação não por um decreto; 11) em si mesma
para a salvação, condicionada pela a fé é uma boa obra; 12) não existe
presciência da fé. O semipelagianis- distinção entre graça comum e graça
mo se encaixava bem na piedade as- especial; 13) a graça pode ser resisti-
cética e legalista da idade média. Na da; 14) a justiça de Cristo nunca é im-
verdade, permaneceu no interior da putada; 15) o crente pode atingir plena
igreja católica sem nunca haver pro- conformidade com a vontade divina
duzido uma seita independente.9 nesta vida, mas também pode cair da
No século XVII surgiu outro mo- graça e se perder eternamente.12
vimento perfeccionista, o arminianis- O perfeccionismo católico pode
mo. Seu proponente foi Jacó Armínio, ser percebido através desta seqüên-
um reformador holandês que enfati- cia: “Por sua vontade, ela [a pessoa
zava o livre arbítrio em oposição ao humana] é capaz de ir ao encontro
credo calvinista da eleição incondi- de seu verdadeiro bem. Encontra sua
cional e da graça irresistível. A po- perfeição na ‘busca e no amor da ver-
sição arminiana foi estabelecida for- dade e do bem’”.13 Já a “perfeição
malmente em 1610.10 Os arminianos moral consiste em que o homem não
argumentam que a liberdade humana seja movido ao bem exclusivamente
não é incompatível com a soberania por sua vontade, mas também por seu
divina e que Jesus Cristo morreu por apetite sensível”.14 A graça, no cato-
todos, não apenas pelos eleitos.11 licismo “é necessária para suscitar e
A seguir, alguns dos princípios de- manter nossa colaboração na justifi-
fendidos pelos arminianos: 1) os seres cação pela fé e na santificação pela
humanos são agentes livres e os even- caridade”.15 A colaboração humana
tos humanos são intermediados pela também está presente na noção dos
presciência divina; 2) os decretos de méritos humanos, “O mérito do ho-
Deus são condicionais, não absolu- mem diante de Deus, na vida cristã,
80 / Parousia - 2º semestre de 2008

provém do fato de que Deus livre- ventista de juízo a se realizar no san-


mente determinou associar o homem tuário celestial depois de 1844 com o
à obra de sua graça. A ação paternal ministério de Cristo no segundo com-
de Deus vem em primeiro lugar por partimento do santuário. Ele dizia que
seu impulso, e o livre agir do homem, os justos vivos receberiam a perfeição
em segundo lugar, colaborando com no juízo pré-advento.21
ele, de sorte que os méritos das boas Em seu livro God’s Eternal Pur-
obras devem ser atribuídos à graça de pose, Brinsmead declarou: “Através
Deus, primeiramente, e só em segun- do ministério de Cristo no santo dos
do lugar ao fiel”.16 santos, a humanidade deve se unir
A Igreja Adventista do Sétimo plenamente (casar-se) com a divinda-
Dia não está livre do perfeccionismo. de. Daí o significado do juízo final...
É o que indica a pesquisa realizada É verdade que o cristão se casa com
na classe de eventos finais entre alu- Cristo na conversão, mas a união não
nos da Southern Adventist Universi- é completamente realizada até o juí-
ty que apresentou o seguinte dado, zo. Quando a sua fé alcançar o último
“37% acreditavam que poderiam e supremo ato de expiação, ele esta-
entrar no céu através do sacrifício rá plenamente unido (“casado”) com
de Cristo e por suas boas obras”.17 A a divindade pela eternidade. Então
pesquisa foi realizada em meados da ele estará sem pecado na carne como
década de 1990.18 Cristo não tinha pecado na carne”.22
Entre os anos de 1950 e 1970 hou- Ao falar dos santos de todas as épo-
ve uma discussão teológica, cujo pivô cas, Brinsmead diz que eles não foram
central foi Robert D. Brinsmead. Ver- completamente purificados pelo san-
sava sobre o tema do santuário e um gue de Cristo. Ele defende que “preci-
tipo de perfeccionismo nos últimos sam uma obra de purificação adicional
dias da história terrestre. Brinsmead a ser realizada por eles – uma expiação
nasceu na Austrália em 1934. Seus final para purificá-los de todos os rela-
pais haviam pertencido ao movimen- tos de pecado no templo da alma”.23
to de reforma o que contribuiu para Os escritos de Brinsmead se es-
forjar nele certo ceticismo em relação palharam da Austrália para outros
à liderança da igreja.19 Ele estudou no países, conseguindo muitos adeptos.
Avondale College, mas não chegou a Dentre eles, houve um casal que pos-
se graduar, tampouco serviu a organi- teriormente renunciou aos seus ensi-
zação adventista.20 nos. John A.Slade, o esposo, escreveu
Brinsmead tomou o santuário le- um documento onde explica os resul-
vítico como uma lição sobre soterio- tados práticos do perfeccionismo de
logia. Para ele, o pátio representava a Brinsmead na vida deles: “Nós nos
justificação, o primeiro compartimen- esforçamos para fazer isto – para en-
to do santuário simbolizava a santi- trar e esperar. Contudo, para a nossa
ficação e o santíssimo antecipava a consternação, e também para a cons-
perfeição. Ele ligou o conceito ad- ternação de muitas outras pessoas
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 81

sinceras que tentaram honestamente Naturalmente o propósito do pre-


fazer o mesmo, nós descobrimos que sente trabalho é o de comentar o con-
é impossível, espiritualmente, perma- teúdo do livro de LaRondelle. Contu-
necer nesta condição dia após dia, se- do, para a igreja adventista atual, que
mana após semana e mês após mês. tem visto surgir novos movimentos
O resultado prático para uma pessoa perfeccionistas, julgou-se necessário
que honestamente seguiu a teoria de apresentar o contexto histórico que
Brinsmead concernente ao juízo final motivou a elaboração da tese doutoral
é o de viver numa condição suspensa de LaRondelle sobre perfeccionismo.
de entusiasmo espiritual ao mesmo É evidente que seu trabalho esclare-
tempo em que negligencia os deveres cedor se constituiu numa resposta
diários do tempo presente. Para dizer abalizada aos ensinos de Brinsmead.
a verdade, a experiência nos mostrou
que a doutrina não suportou a prova Resenha crítica
de autenticidade – o teste da prova no
A tese de LaRondelle responde às
dia a dia. Como não era uma doutrina
perguntas mais relevantes sobre o per-
correta, não poderia produzir uma ex-
feccionismo. Ele começa abordando a
periência correta”.24
problemática atual da perfeição cristã e
Como amostra de que a contro-
do perfeccionismo, sem deixar de expor
vérsia perfeccionista estava em fran-
os conceitos não-cristãos do mesmo.31
co andamento, apresentamos o regis-
No primeiro capítulo, LaRondelle dis-
tro da revista Ministry em maio de
corre sobre a noção de perfeccionismo
1969. Era um artigo de Robert Span-
na Mesopotâmia, no Egito e no mundo
gler, editor da revista.25 Em outubro
greco-romano. No segundo capítulo, o
do mesmo ano, a revista menciona
autor elabora a idéia da perfeição divi-
Robert Brinsmead como proponente
na no Antigo Testamento (AT).
do ensino perfeccionista.26 A contro-
vérsia continuou na década de 1970
A idéia distintiva de perfeição divi-
e 1980, o que é comprovado por vá-
na no Antigo Testamento
rios artigos sobre o tema da perfei-
ção cristã e os enganos do perfeccio- LaRondelle justifica o estudo do
nismo.27 É interessante lembrar que perfeccionismo a partir do AT com base
os primeiros oponentes dos ensinos numa perspectiva histórica, não lógi-
perfeccionistas de Brinsmead foram ca. Outro aspecto por ele apresentado
Desmond Ford, Hans K. LaRondel- para iniciar pelo AT, é de que o próprio
le28 e Edward Heppenstall.29 Por sua Novo Testamento (NT) enfatiza a sua
vez, Heppenstall demonstrou clara- harmonia e a sua unidade com o AT.32
mente que as idéias de um estado de A problemática do perfeccionis-
impecabilidade atingido pelo povo de mo, como a da teologia do NT, deve
Deus no tempo do fim, antes da vinda ser resolvida pelo estudo das promes-
de Cristo, não tem apoio bíblico nem sas do concerto do AT e o cumprimen-
do Espírito de Profecia.30 to destas em Jesus Cristo. Assim, se-
82 / Parousia - 2º semestre de 2008

gundo o autor, o estudo da perfeição A compreensão de perfeição di-


bíblica deve ser feito a partir das se- vina para LaRondelle, se encontra na
guintes categorias básicas do kerigma vontade salvadora e santificante de
bíblico: criação-pecado-redenção-tér- Deus, no permanecer em companhei-
mino, e o fim, telos, isto é, a perfeição rismo e comunhão com o seu povo
escatológica (p. 36-37). pactual e, através deles, com o mun-
A perfeição divina (tamim, sha- do. E desde que amor é uma decisão
lem) nunca é vista como perfeição para comunhão e inter-relacionamen-
em si mesma. Ela é descrita em ter- to, a perfeição de Deus pode ser de-
mos de relacionamento com o ser hu- nominada de “o seu constante amor
mano e, particularmente, com Israel, que redime”, “o seu amor perfeito ou
o povo com quem Deus fez um con- amor inamovível” (chesed [na versão
certo (Israel, o povo pactual). Des- Almeida Revista e Atualizada, chesed
te modo, a idéia de uma ética auto- é traduzida por “misericórdia”, Gn
existente ou de uma norma é apenas 19:9; “favor”, Gn 20:13; “bondade”,
um conceito grego que se apresenta Gn 21:23; “benignidade”, Gn 24:27;
como uma antítese do testemunho “benevolência”, Gn 24:49; “benefi-
bíblico de perfeição do AT, por sua cência”, Êx 15:13]), que novamente é
vez, uma auto-revelação dinâmica e normatizado pelo seu concerto. Por-
histórica de Deus para Israel e seus tanto, o chesed de Yahweh é freqüen-
patriarcas (p. 38-39). temente acompanhado pelos adjeti-
Tome-se a revelação de Deus aos vos explanatórios ’emet ou ’emunah,
patriarcas. Eles o conheciam como o “fidelidade”. Podemos dizer que o
Todo-Poderoso (Gn 17:1), Criador e termo “perfeição”, quando se refere a
Juiz de toda a terra (Gn 18:25). Para Deus, não é, primariamente, uma pa-
Moisés e Israel, Deus Se revelou lavra ética, mas uma palavra que tem
como Aquele que cumpre fielmente a noção de conhecimento religioso.
as promessas feitas aos patriarcas O conhecimento ético de Deus está
(Êx 3:6-8), ou seja, o nome de Deus enraizado na experiência religioso-
é pleno de significado: “Eu sou fiel soteriológica (2Sa 22:31 dá como
às minhas promessas”, “Eu sou dig- explanação de “o caminho de Deus é
no de confiança”, “Eu não irei falhar perfeito”: “ele é escudo para todos os
convosco”, “Eu estarei convosco”, que nele se refugiam”). Isto faz com
“Eu irei cumprir as promessas do que a ordem ético-religiosa seja de
meu concerto” (p. 41-42). O nome máxima importância. Primariamente,
de Yahweh não revela a sua miste- a perfeição de Deus significa a quali-
riosa essência, mas o seu dinamismo dade da salvação definida pela natu-
como o Deus presente que compro- reza e pela vontade de Deus expres-
va serem verdadeiras as suas pro- sos no concerto. Contudo, o concerto
messas. Ele cumpre o seu juramento com Israel é um concerto de graça.
através da eleição, livramento e con- Portanto, é no concerto que a perfei-
certo com Israel (p. 42). ção de Deus é revelada primeiramen-
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 83

te como uma obra de graça que salva. função do seu amor. Há outra palavra
A perfeição de Deus é a sua vontade relacionada com a sua perfeição e
perfeita, plena, completa, indivisível, esta é “santidade”. Por sua vez, o Is-
fiel, dedicada ao homem, para salvá- rael redimido é convocado a “temer a
lo, para revivificá-lo, para mantê-lo Deus”, o que se constitui numa expe-
salvo no caminho da santificação, riência dinâmica com o Deus santo e
em companheirismo e parceria com amorável. Esta experiência com Deus
o amorável Criador, mesmo quando é definida em termos de “andando em
o homem é infiel e se afasta dAquele todos os seus caminhos, e a ele vos
que é perfeitamente amorável (cf. Os achegardes” (Dt 11:22), noutras pala-
11:1-7; Ez 16), (p. 43-44). vras, imitando a Deus na ética social,
A palavra tamim, geralmente tra- em justiça e em misericórdia, “Santos
duzida por “perfeito”, não serve para sereis, porque eu, o SENHOR, vosso
descrever a essência de Deus, mas a Deus, sou santo” (Lv 19:2). Assim, a
sua obra, o seu caminho, as promes- santidade, esta qualidade divina (qo-
sas do seu concerto. Portanto, tamim desh) denota uma categoria completa-
aponta para uma noção de funciona- mente sui generis, não pertencente ao
lidade da relação de Deus com Isra- meio do pensamento filosófico-abstra-
el, mais especificamente, o ato pelo to, pois supera as noções próprias da
qual Deus livrou Israel da escravidão competência da ética. A santidade per-
do Egito como um completo cumpri- tence ao ambiente da experiência reli-
mento das promessas do concerto; giosa do coração, à confrontação com
que o seu modo de conduzir e prote- a realidade da personalidade de Deus,
ger Israel é o fiel cumprimento de sua pela qual uma nova luz procedente de
palavra; que a sua Torah ou instrução cima ilumina o coração, a consciência
a Israel é plenamente eficaz. Tamim e os valores morais. É somente nesta
funciona somente num sentido, para experiência com a santidade de Deus
indicar a plenitude, a inteireza, a esta- que o homem pode avaliar a si pró-
bilidade e confiabilidade da vontade prio perante o Deus santo e perceber
de Deus, o seu amor e a sua obra para a hediondez do seu pecado. É através
redimir o seu povo pactual de um desta percepção da santidade de Deus
modo perfeito. Pode-se dizer que esta que o pecado é qualificado não ape-
perfeição divina é perfeita em seu es- nas como uma transgressão do código
copo de pretender a perfeição do ho- moral, mas como uma rebelião contra
mem e do mundo (p. 45). a Pessoa de Deus (Jr 14:20; Sl 51:4),
Visto que a perfeição divina é como desobediência ao Doador da
percebida na sua completa dedicação lei, como abandono do concerto com
ao homem, este é redimido a fim de Deus (Jr 2:13; Is 1:3; Os 4:7), como
viver inteiramente para Deus e com- prevaricação contra o Deus santo (Dt
pletamente para o seu semelhante (Dt 32:51), (p. 45-47).
6:4ss; Lv 19:18). Contudo, a perfei- Há outras palavras diretamente
ção divina não é definida apenas em ligadas à noção de perfeição divina:
84 / Parousia - 2º semestre de 2008

“justiça” (mishpat), “justo” (tsaddiq) bre a perfeição humana no culto e na


e “reto” (yashar). É bom lembrar que ética de Israel, ambos no AT.
os atos de Deus em favor de Israel, Na primeira parte, LaRondel-
retirando-os do Egito e conduzindo- le discorre sobre o fato de Gênesis
os para a terra da promessa são de- 1-2:1 contar a história da criação. Ela
nominados de “atos de justiça do SE- se justifica em função de que Israel
NHOR” (Mq 6:5). Logo, os atos de conhecia a Deus como o Senhor da
justiça de Deus podem ser qualifica- história, ao mesmo tempo em que Ele
dos como a sua fidelidade ao concerto transcende tanto a natureza quanto a
com Israel. O resultado prático disto é história (p. 53). Por sua vez, a reden-
que em tempos de dificuldade, Israel ção de Deus pressupõe a sua criação,
pode invocar a justiça de Deus como assim como o evangelho pressupõe a
um meio de salvação e libertação. lei. Contudo, o ponto de partida para
Desta maneira, Deus é justo quando a verdadeira adoração e para a obe-
Ele concede misericórdia. Ele não é diência a Deus é a experiência da re-
parcialmente justo e parcialmente mi- denção. Por isso, há um duplo aspecto
sericordioso, mas plenamente justo e no culto de Israel a Deus que se torna
misericordioso, ou seja, perfeito, em explícito na dupla motivação de Israel
ambos os sentidos (p. 48). para a guarda do sábado: o Decálogo
A perfeição divina, tamim, deve introduz a Yahweh como o Redentor
ser analisada em conexão com os ter- de Israel, enquanto o mandamento
mos “santo” (qodesh), ‘justo” (tsa- do sábado está baseado na criação do
ddiq) e “misericórdia” (chesed). É mundo por Deus. Então, isto descre-
a esta perfeição que o ser humano é ve a obediência a Deus, e a guarda do
convocado a seguir, não no sentido sábado, em particular, não como uma
de esforço por alcançar um ideal ina- religião de lei e legalismo, mas como
tingível, mas no sentido de imitação uma religião de graça (p. 53-54).
de Deus, a ser concretizada somente Na protologia33 de Israel, o re-
em comunhão com o seu Criador, no lacionamento do homem com Deus
andar com Ele, o Deus Todo-Pode- é apresentado como o caminhar ou
roso do concerto. É deste modo que
companheirismo de vida e vontade
as Escrituras descrevem a perfeição
moral com Deus, tal como o de um
de Noé (Gn 6:9), Abraão (17:1), Jó
filho com o seu pai (Gn 5:22, 24),
(Jó 1:1) e Israel (Sl 84:11; 119:1; Pv
(p. 65). Outro aspecto relevante da
11:20), (p. 48-49).
protologia de Israel é o conceito de
imagem de Deus. Segundo LaRon-
A noção de perfeição humana no
delle, esta noção tinha o propósito
Antigo Testamento
de manter Israel livre dos conceitos
O terceiro capítulo de Perfection & mitológicos sobre Deus e o homem,
Perfectionism está dividido em duas tão comuns nas nações vizinhas.
partes, a primeira discute a perfeição Nele havia uma nova perspectiva da
humana e a segunda parte discorre so- transcendência teológica de Deus,
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 85

sem perder a sua comunhão com os voltar as costas para Deus, como o
homens (p. 66). deixar de andar com Deus, como uma
Pela perspectiva de LaRondelle, a negação da verdadeira humanidade,
qualificação teológica do ser humano visto que o homem, criado à imagem
como imagem de Deus está implícita de Deus, deve obediência e confiança
no kerigma religioso-moral pelo qual implícita ao seu Criador (p. 93).
o homem é convocado a refletir e hon- A resposta do Criador à queda do
rar pelo seu caráter e pela sua vida, em homem é vista em Gênesis 3:21, e
sua autoridade e domínio sobre a ter- pode ser melhor compreendida à luz
ra, conforme a perfeição do caráter do de sua conexão teológica com o con-
seu Criador. Assim como o Criador, certo divino com Israel, fundamenta-
que coroou o ser humano com glória e do em graça e esperança messiânica.
honra e o exalta como aquele que atua O ato divino pelo qual Ele providen-
totalmente perfeito, assim o homem é cia “vestimentas de pele para Adão
chamado a seguir e imitar a Deus, a e sua mulher”, para que se vistam e
reunir toda a criação para proclamar a cubram a sua pecaminosidade, aponta
glória de Deus, para louvar a beleza e para a cobertura divina do pecado e
a majestade da perfeição do caráter de da culpa humana (p. 97-98).
Deus (Sl 19; 113; 148), (p. 68). A chave para desvendar o signifi-
A existência de um mandamento cado da protologia de Israel em Gêne-
que proíbe ao homem o comer da ár- sis 1-11 se encontra em Gênesis 12:3,
vore do conhecimento do bem e do com o chamado e a eleição de Abraão
mal (Gn 2:16-17) aponta para a deci- por Yahweh para ser uma bênção a
são autônoma de Deus de modo que “todas as famílias da terra” que se en-
o propósito educativo do teste pode contram sob maldição (Gn 3:17; 4:11;
ser descrito como o despertamen- 9:25), (p. 95-96).
to da consciência moral do homem,
como uma motivação a seguir ao seu Perfeição humana no
culto e na ética de Israel
Criador pela fé. Nesse sentido, o de-
senvolvimento da perfeição humana Segundo LaRondelle, o culto em
não se encontra no caminho da deso- Israel é determinado pela história da
bediência e do afastamento de Deus, salvação, ou seja, o livramento espe-
noutras palavras, pelo comer da “ár- cial do Egito, a história do Êxodo e o
vore do conhecimento do bem e do concerto no Sinai, o que constituiu a
mal”, mas na senda da obediência Israel como o povo peculiar e santo de
consciente pela fé e pela confiança Yahweh. Esta salvação perfeita do po-
no Criador e Pai (p. 90-91). der escravizante do Egito, bem como
Na protologia de Israel em Gêne- a posterior constituição de Israel como
sis, o pecado não é visto como impul- uma nação no Monte Sinai, foi intro-
so impessoal e pecaminoso da nature- duzida, acompanhada e comemorada
za humana, mas como desobediência, por sacrifícios cúlticos, especialmente
emancipação e autonomia, como o pelo ritual do cordeiro pascal. A inter-
86 / Parousia - 2º semestre de 2008

pretação religiosa e o testemunho da enfatizada não como um pré-requisito


lei, dos profetas e dos Salmos é o de para a sua eleição, mas como conse-
que a salvação do Êxodo criou o re- qüência dos poderosos atos de justiça
lacionamento cúltico-religioso único de Yahweh, pelos quais Ele libertou
com Yahweh, o Deus de Abraão, Isa- Israel, não apenas do poder da escra-
que e Jacó. Por esses eventos, nasceu vidão, mas, também, para caminhar,
a vida religiosa de Israel com sua vida para compartilhar a vida com Deus, a
centralizada no santuário (p. 99). nova ética de obediência, a vida santi-
Toda a ética de santidade, toda ficada (Lv 26:12-13), (p. 100).
a obediência e toda a justiça social A perfeição que Deus requer de
eram condicionadas por e fundamen- Israel é descrita em Deuteronômio
tadas no ato preveniente34 e salvador 11:22, “Porque, se diligentemente
de Yahweh para Israel, em fidelidade guardardes todos estes mandamentos
à sua promessa. Portanto, a ética de que vos ordeno para os guardardes,
Israel era motivada pela resposta de amando o SENHOR, vosso Deus, an-
um amor agradecido, por confiança e dando [halak] em todos os seus cami-
fidelidade (p. 100). nhos, e a ele vos achegardes”. Aqui se
A qualificação dinâmica da per- observa uma continuidade básica com
feição de Israel é entendida como o chamado de Abraão da Caldéia, “Eu
uma obediência amorável a Deus (Dt sou o Deus Todo-Poderoso; anda [ha-
11:22. Cf. 6:12, 20-23). Deve-se res- lak] na minha presença e sê perfeito
saltar que essa resposta de perfeito [tamim]” (Gn 17:1); e, também, com a
amor a Yahweh não é uma mera répli- vida aceitável de Noé perante Yahweh,
ca psicológica de Israel ao livramen- “Noé era homem justo e íntegro [ta-
to divino, mas um dom religioso, na mim] entre os seus contemporâneos;
verdade uma criação de Yahweh no Noé andava [halak] com Deus” (Gn
coração do seu povo, “O SENHOR, 6:9). Dessas descrições de perfeição
teu Deus, circuncidará o teu coração humana, percebe-se que aqui perfei-
e o coração de tua descendência, para ção não tem a conotação de um ideal
amares o SENHOR, teu Deus, de divino a ser alcançado, mas é como
todo o coração e de toda a tua alma, o caminhar [halak] obediente, de todo
para que vivas” (Dt 30:6. Cf. 30:14; o coração, ou companheirismo com
Jr 32:39ss.), (p. 100). Deus. Vale destacar que tamim apa-
A discussão de LaRondelle sobre rece continuamente associada com
Deuteronômio 18:13 é bem elucidati- halak, como uma chave hermenêutica
va: “Perfeito [tamim] serás para com para a compreensão da realidade bí-
o SENHOR, teu Deus”. A declaração blica da perfeição (p. 101).
se encontra num contexto cúltico, em O imperativo da imitação de
contraste com as práticas abomináveis Deus, “santificai-vos e sede san-
das nações circunvizinhas. Contudo, tos, pois eu sou o SENHOR, vosso
a perfeição de Israel, isto é, sua res- Deus” (Lv 20:7) está enraizado no
posta de perfeito amor e obediência é tema histórico-salvífico e motivado
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 87

pelo concerto de amor que deve ser todo o coração, confia e obedece a
vivenciado de todo o coração, com Yahweh de acordo com os mandamen-
confiança e obediência a Yahweh. tos cúlticos e sócio-éticos do concer-
Assim, a perfeição de Israel deve ser to divino. Isto significa que a ética da
vista na imitação de Deus, isto é, no justiça social de Israel é condicionada
seguir a Deus através com uma ética e qualificada pela redenção cúltica e
cúltico-religiosa (p. 104-105). pela bênção (Dt 25:13-16; Lv 19:36;
Pv 11:1; Jó 31:6), (p. 112).
Porventura o Antigo Testamento Na vida de Israel há uma união
define perfeição como impecabili- indissolúvel entre o culto e a ética. O
dade? que caracteriza a justiça do justo é a
sua atitude em cultuar, não sua mora-
Os Salmos reproduzem e conser-
lidade como tal, ou sua perfeição éti-
vam a Torah no culto de Israel, em
ca, ou sua impecabilidade, visto que o
sua liturgia, suas canções, em suma,
culto determina a qualidade de sua éti-
em sua vida religiosa e na sua ética
ca, decidindo seu destino, sua vida e
(p. 110). É comum nos Salmos e na li-
sua morte (Sl 15; 24; 5:4-7), (p. 113).
teratura sapiencial a divisão de todos
Os Salmos e a literatura sapien-
os homens em duas classes: os justos
cial associam perfeição com justiça
(tsaddiqim) e ímpios (reshaim). Jus-
de um modo tão íntimo que justiça e
tos são aqueles que amam e temem
perfeição ou inculpabilidade são usa-
Yahweh e que fazem o que é reto aos
dos como sinônimos (Gn 6:9; Jó 12:4;
seus semelhantes, vivendo em amo-
Sl 7:9; 15:2; 18:22-23; 37:17-18; Pv
rável obediência a toda a lei (Sl 1:2;
11:5). Isto indica que os termos per-
15:4; 18:1ss; 119:14-16, 35), (p. 111).
feição, inculpabilidade, integridade e
Os ímpios se caracterizam, não por
justiça são todos termos éticos defini-
sua imoralidade, mas por sua irreli-
dos pelo concerto cúltico-religioso de
giosidade; eles dizem no seu coração:
Israel com Yahweh (p. 113).
“Não há Deus” (Sl 14:1), isto é, eles
não reconhecem a Deus (p. 112). Perfeição no culto e na ética:
Outra característica básica nos Sal- impecabilidade?
mos e na literatura sapiencial é a ex-
periência do temor de Deus, ou seja, Nem a Torah, nem os Salmos se
o conhecimento espiritual de Deus baseiam num dogmatismo a prio-
através da Torah e a experiência cúl- ri pelo qual o israelita sincero pode
tica do concerto com a graça expiató- viver em obediência à lei de Yahweh
ria de Yahweh (Sl 25:14; 102:15; 111; sem expiação, sem a necessidade de
119:38; 130:4; Jó 28:28; Pv 1:7; 3:7; perdão, isto é, sem pecado (Gn 8:21;
9:10; Ec 5:7; 12:13). Tudo isso carac- Lv 4ss; Sl 14:1-3; 40:7ss; 143:2;
teriza o justo, não como virtuoso ou 130:3ss; cf. Jó 14:4; 1Rs 8:46), (p.
eticamente perfeito, mas como um ser 113). Ao contrário, os Salmos reve-
religioso que, motivado pelo amor re- lam a necessidade do contínuo perdão
dentivo de Yahweh, por um amor de de Yahweh e da contínua necessidade
88 / Parousia - 2º semestre de 2008

de graça redentiva (Sl 25:10; 103:8, perante Deus é retratada não como
17ss; 89:1ss, 14), (p.113-114). uma perfeição ética inerente, mas
Nesta seção de sua tese, LaRon- pela justiça imputada e pela pureza,
delle faz referência aos denominados de acordo com o culto pactual. Por
Salmos anti-cúlticos (Sl 40:6ss; 50:14; ordem de Yahweh, as vestes sujas, ou
51:16-19). Não que nestes Salmos seja, as iniqüidades de Israel são re-
os sacrifícios fossem rejeitados, mas movidas de Josué e trocadas por tra-
que mesmo o sacrifício de um animal jes finos e um turbante limpo. Outro
perfeito não era aceitável a Deus. So- fato relevante é a comissão e a pro-
mente quando os sacrifícios fossem messa feita a Josué: “Se andares nos
acompanhados pela atitude de um co- meus caminhos e observares os meus
ração dedicado e consagrado, ou seja, preceitos, também tu julgarás a minha
por arrependimento, confissão, repara- casa e guardarás os meus átrios, e te
ção, abandono dos pecados e louvor a darei livre acesso entre estes que aqui
Yahweh é que poderiam ser aceitáveis se encontram” (Zc 3:7), (p. 154).
(cf. 1Sa 3:14; 15:24ss; 7:5ss; Lv 5:5; Com uma clareza indiscutível o
16:21; Nm 5:7; Jr 3:24; 2:35; Jó 42:8). profeta revela a dupla mensagem de
Em outras palavras, apenas aqueles sa- que Yahweh é fiel ao Seu concerto
crifícios que fossem apresentados pelo através do perdão concedido e pela
participante no espírito do Salmo 4:5; perfeição imputada ao seu povo pac-
19:12ss; 50:5; 66 e, principalmente, o tual, mas, ao mesmo tempo, que a
Salmo 51:17, “Sacrifícios agradáveis a justificação não significa quietismo.
Deus são o espírito quebrantado; cora- Ética e culto ainda continuam num
ção compungido e contrito, não o des- relacionamento dinâmico e indissolú-
prezarás, ó Deus” (p. 131-132). vel, no qual a ética do viver obedien-
Perfeição, portanto, não é uma re- te, ou santificação, está fundamentada
alização individualística de um ideal e enraizada no dinamismo cúltico da
humano ou uma virtude, mas o cami- justificação divina. Mas, sobretudo,
nhar cúltico-religioso com o Deus do que os pecados de fraqueza que são
concerto, manifestado no caminhar trazidos em arrependimento perante
sócio-ético com os semelhantes, numa Yahweh (as vestes sujas) nunca podem
ser a causa de condenação ou rejeição
obediência moral de todo o coração
de Israel por Yahweh, mesmo quando
ao concerto de Yahweh (p. 137).
o acusador é Satanás (p. 154).
Quase no fim do seu terceiro ca-
pítulo, LaRondelle discorre sobre a
Cristo e perfeição
combinação de dois motivos: a falsa
acusação e a perfeição. Para tanto, ele A palavra teleios, normalmente
comenta o quadro gráfico apresen- traduzida por “perfeito” no Novo Tes-
tado em Zacarias 3. Nesse capítulo, tamento, aparece três vezes no evan-
Satanás acusa o sumo sacerdote Jo- gelho de Mateus (5:48 e 19:21). No
sué, que se encontra diante do anjo do caso do imperativo de Cristo em Ma-
SENHOR (3:1). A perfeição de Israel teus 5:48, “sede vós perfeitos como
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 89

perfeito é o vosso Pai celeste”, este se do e motivado pela salvação históri-


constitui no clímax de uma série de ca, alcançada pela libertação divina
declarações (vv. 43-47), por sua vez do Êxodo; assim, também, o chama-
em contraste com a piedade legalísti- do de Cristo à perfeição é condicio-
ca dos escribas e fariseus (p. 159). nado e motivado pelos Seus próprios
O contexto de Mateus 5:48 indi- atos redentores de cura, expulsão de
ca que o Sermão da Montanha não demônios e perdão dos pecados (Mt
foi proferido para os gentios ou para 4:23ss; 8:16ss, 28ss; 9:5). É com base
os judeus que se consideravam jus- em Sua autoridade e redenção messi-
tos, mas para os filhos piedosos do ânica que Jesus identifica o chamado
Pai celestial (Mt 6:9ss; 7:7-11; Lc à perfeição com o chamado a segui-lo
11:13). Esses não se orgulham de sua em novidade de vida, com uma obe-
condição, mas “têm fome e sede de diência de todo o coração (Mt 4:19-
justiça”, buscam primeiro o reino de 22; 9:9; Mc 2:14), (p. 162-163).
Deus e sua justiça, amam e servem a A passagem paralela de Lucas
Deus de todo o coração (Mt 5:6; 6:33; não emprega o termo teleios, mas oi-
6:24). Jesus os descreve como os ktirmon, “misericordioso” (Lc 6:36),
mansos que herdarão a terra (Mt 5:5). “Pois ele é benigno até para com os
Com essa descrição, Jesus os identi- ingratos e maus” (Lc 6:35). O paralelo
fica com os mansos ou justos (tsadi- lucano concorda com a interpretação
qim) ou inculpáveis (temimim, “per- mateana de que a perfeição de Deus é
feitos”!) do Salmo 37:30, 31, 37). E uma manifestação ativa de amor per-
quando Ele os denomina de “limpos doador para todos os povos, o ingra-
de coração” (Mt 5:8), Ele os identi- to, ou injusto, em particular (Mt 6:12;
fica com os adoradores de Deus no 18:21-22; At 14:27), (p. 173).
santuário que são “limpo[s] de mãos Para Mateus, a palavra teleios é
e puro[s] de coração” (Sl 24:4) e que de vital importância, pois indica que a
caminham perfeitamente (tamim, Sl verdadeira justiça e o amor não inter-
15:2) de acordo com as orientações rompem, mas cumprem a Torah, isto
do concerto para o culto (p. 162). é, cumpre a perfeita justiça sempre
A íntima relação entre o Sermão pretendida pela lei. Desse modo, o
da Montanha e o estilo de vida do AT, conceito mateano de teleios não está
caracterizada pelo culto no santuário, voltado para o sentido de impecabili-
impede que se tome o imperativo da dade ética, mas para uma consagração
perfeição de Cristo em Mateus 5:48 cúltico-religiosa ao amoroso Deus de
como perfeccionismo teológico. Ou Israel e ao escopo universal de sua
seja, o imperativo da perfeição de misericórdia. Tal perfeição pode ser
Cristo também pressupõe o indicati- caracterizada dinamicamente como
vo redentivo, isto é, o perfeito perdão amor santo ou misericordioso (Lc
dos pecados. Tal como nos Salmos, o 15:20-24; Rm 11:30-33), (p. 173-
requisito religioso-moral de perfeição 174). Assim, teleios, em Mateus 5:48,
como imitação de Deus é condiciona- aponta para o amor individido para
90 / Parousia - 2º semestre de 2008

com os inimigos, enraizado no amor dom – um estado de santidade – e a


do Pai; enquanto teleios, em Mateus comissão aos crentes em Cristo, os
19:21, significa o amor perfeito ou in- santos, a se purificarem de toda impu-
dividido a Cristo, como manifestação reza do corpo e do espírito. Mas, se-
do amor supremo a Deus (p. 182). melhantemente ao culto do velho con-
certo, a ética de santidade permanece
A qualificação cúltica da condicionada e motivada pela reden-
ética apostólica de perfeição e ção cúltico-cristológica (p. 184-185).
santidade De modo breve, sem ser super-
ficial, LaRondelle discute o tema da
Nos escritos paulinos, os termos perfeição em outros livros e passa-
teleios e hagios aparecem, geralmen- gens do NT. Por outro lado, o estudo
te, no motivo soteriológico centrali- sobre a milícia cristã em Romanos 7,
zado em Cristo e no motivo do culto mais abrangente, merece destaque.
(Rm 12:2; 1Co 2:6; 13:10; 14:20; Ef
4:13; Fp 3:12, 15; Cl 1:28; 3:14; 4:12). A milícia cristã em Romanos 7
O relacionamento ético-cúltico é mais
explicitamente expresso em 2 Corín- O conteúdo de Rm 7:14-25 tem
tios 6:16-7:1, onde a igreja é descrita sido interpretado de duas maneiras
abrangentes, ou se aplicando à pessoa
pelo termo “templo” (naos) em rela-
não convertida, moralmente cônscia,
ção com a sua ética de santidade. Ao
que deseja e luta para ser boa até che-
apelar para Levítico 26:11ss e Eze-
gar ao desespero consigo mesma, ou
quiel 37:27, onde a presença cúltica
ao cristão que, através do poder efeti-
de Yahweh está enraizada na reden-
vo da lei, ainda percebe uma discor-
ção histórica do Deus pactual, Paulo
dância interior entre o seu coração
aplica esta realidade da salvação cúl-
convertido e sua carne, isto é, suas
tica do velho concerto à habitação do
paixões corrompidas (p. 211-212).
Espírito de Cristo na igreja cristã do Quando Romanos 7:14-25 é apli-
novo concerto, “nós somos santuário cado ao crente cristão, todo tipo de
do Deus vivente” (1Co 6:16b; cf. 2Co perfeccionismo que defende uma
3:18; 13:5; 1Co 3:16-17; Gl 2:20; Ef transformação para uma santidade
3:16-18; 5:18; 2:19-22), (p. 183). inerente ou a possibilidade de viver
LaRondelle destaca que 2Co 7:1, uma vida sem pecado antes da se-
“Tendo, pois, ó amados, tais promes- gunda vinda de Cristo é considerado
sas, purifiquemo-nos de toda impure- como um sonho; por outro lado, isto
za, tanto da carne como do espírito, não significa que todos os intérpretes
aperfeiçoando a nossa santidade no que preferem a primeira interpretação
temor de Deus”, manifesta uma con- – a de que Rm 7:14ss esboça a luta
tinuidade com o dinamismo ético-cúl- do homem natural – defendem algum
tico do AT, particularmente Levítico tipo de perfeccionismo (p. 212).
19:2 e Salmos 15 e 24. A santidade Nas páginas seguintes, LaRondel-
é apresentada, novamente, como um le procura demonstrar que Romanos
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 91

7:14-25 se aplica ao crente em sua Lutero em poucas linhas. Por uma


luta espiritual contra a natureza carnal questão de clareza e melhor compre-
que é aguçada pela lei de Deus. O au- ensão, optou-se por citar diretamente
tor se detém a analisar o contexto de de Lutero, em virtude da lucidez do
Romanos 7, ou seja, os capítulos 6 e seu argumento:
8, além de outras passagens de Paulo Esta é a passagem [Rm 7:25] mais
em outras epístolas. clara de todas, e dela aprendemos que
A certa altura de sua discussão, La- a mesma pessoa (crente) serve, ao
Rondelle argumenta que Romanos 8:23 mesmo tempo, a Lei de Deus e a Lei
parece resumir, num único verso, a di- do pecado. Ao mesmo tempo ele está
nâmica de Romanos 7:14-25, ou seja justificado, mas ainda é um pecador
a luta espiritual do cristão: “E não so- (simul iustus est et peccat); porque ele
mente ela, mas também nós, que temos não diz: “Minha mente serve a Lei de
as primícias do Espírito, igualmente Deus”; tampouco ele diz: “Minha car-
gememos em nosso íntimo, aguardan- ne serve a lei de Deus”; mas ele diz:
do a adoção de filhos, a redenção do “de mim mesmo”. Isto é, todo o ho-
nosso corpo”. Aqui, Paulo aborda a mem, a mesma pessoa, em sua dupla
autoconsciência cristã, onde o crente servidão. Por esta razão ele agradece a
simultaneamente se rejubila no Espí- Deus por servir a lei de Deus, ao mes-
rito e geme internamente por causa do mo tempo em que pede misericórdia
corpo. Sobretudo porque a santificação por servir a lei do pecado. Mas nin-
bíblica não significa o sentimento de guém pode falar de uma pessoa carnal
santidade e justiça, ao contrário, é exa- (não convertida) que serve a Lei de
tamente o oposto! Quanto mais uma Deus. O apóstolo quer dizer: observe,
pessoa se aproxima de Deus e anda é exatamente isto o que eu disse antes:
com Ele, mais profundamente as san- os santos (crentes) são, ao mesmo tem-
tas reivindicações da lei são escritas no po, pecadores e justos. Eles são justos
coração e na consciência; mais o cren- porque eles crêem em Cristo, cuja
te é impressionado com sua própria justiça lhes cobre e é-lhes imputada.
pecaminosidade inerente e indignida- Mas eles são pecadores, visto que eles
de, conduzindo-o a um arrependimen- não cumprem a Lei, e ainda possuem
to que está sempre se aprofundando, concupiscência pecaminosa. Eles são
em humildade e louvor dAquele que é como pessoas enfermas que estão sen-
Único (Cf. Ap 15:4) e de sua santa lei do tratadas pelo médico. Estão de fato
(Rm 7:13-14, 16, 22), (p. 223). enfermos, mas esperam e estão come-
Ao final de sua discussão sobre çando a obter, ou estão sendo curados.
Romanos 7, LaRondelle cita dois Eles estão perto de recuperar a saúde.
autores proeminentes, John Wesley Tais pacientes sofreriam um grande
e Martinho Lutero, para corroborar prejuízo se arrogantemente dissessem
sua tese de que neste capítulo Paulo que estão bem, pois poderiam sofrer
se refere à milícia cristã. Por questão uma recaída, que seria pior (do que a
de espaço, ele resume a exposição de sua primeira doença).35
92 / Parousia - 2º semestre de 2008

Considerações sobre o teriormente feitas através do profeta


tema da perfeição em outros Jeremias (Jr 31:33). Ou seja, como no
livros neo-testamentários AT, a obediência do cristão no NT não
é legalística, ou meritória, mas desper-
Na parte final do quarto capítulo,
tada pelo próprio Deus que afixa sua
LaRondelle se detém a esclarecer al-
lei no coração humano regenerado.
guns textos do NT que versam sobre
O quinto capítulo se debruça so-
perfeição cristã. Em sua análise do
bre uma análise e uma avaliação da
tema no livro de Hebreus, ele cita e
comunidade de Qunram, além de ou-
comenta com propriedade alguns ver-
tros momentos históricos onde ocor-
sos do capitulo 10 (p. 194-195). Con-
reram ênfases perfeccionistas. O au-
tudo, o autor poderia ter mencionado
tor preferiu colocar este capítulo no
os versos 14-16, que dizem, “Porque,
final de sua tese. Quem sabe, apenas
com uma única oferta, aperfeiçoou
por uma questão de contextualização
[grego teteleioken] para sempre quan-
da problemática, o autor poderia ter
tos estão sendo santificados. E disto
alocado o mesmo no princípio de sua
nos dá testemunho também o Espírito
tese, até porque ele abordou vários
Santo; porquanto, após ter dito: Esta
conceitos perfeccionistas no primeiro
é a aliança que farei com eles, depois
capítulo. Contudo, esta ordem, prefe-
daqueles dias, diz o Senhor: Porei no
rida pelo autor, não diminui em nada
seu coração as minhas leis e sobre a
a relevância do seu excelente traba-
sua mente as inscreverei”. Observe-se
lho, especialmente o exegético.
que a referência à perfeição/santifica-
ção está presente. Em suas considera- Considerações finais
ções sobre a motivação para a obedi-
ência no AT, LaRondelle destacara que A primeira parte do presente ar-
a qualificação dinâmica da perfeição tigo, oferece um breve estudo das
para o povo israelita era compreendi- principais manifestações perfeccio-
da como uma obediência amorável a nistas ao longo da história da igreja
Deus (Dt 11:22. Cf. 6:12, 20-23), ao cristã, sem a pretensão de ser exaus-
mesmo tempo em que ele lembra que tivo, até porque este não é o prin-
a resposta de perfeito amor a Yahweh cipal objetivo do trabalho. Optou-se
é um dom religioso, na verdade uma por esta iniciativa, a fim de melhor
criação de Yahweh no coração do seu situar o leitor no contexto em que foi
povo (Dt 30:6. Cf. 30:14; Jr 32:39ss.), escrita a tese doutoral de LaRondel-
(p. 100). Ele se esqueceu de mostrar le. Na ocasião em que foi publicada,
que na nova aliança de Cristo com a “fervilhava” o movimento perfeccio-
igreja, o método é idêntico, uma vez nista, liderado por Robert Brinsme-
que a obediência também é motivada ad. Juntamente com Desmond Ford
por uma resposta de obediência amo- e Edward Heppenstall, LaRondelle
rável, pois é Deus quem coloca a sua foi um dos principais opositores dos
lei no coração do crente. E Ele o faz ensinos de Brinsmead. A divulgação
em cumprimento das promessas an- da tese de LaRondelle serviu para
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 93

esclarecer categoricamente o tema Bom mesmo seria que o leitor


que era discutido. Trinta e sete anos pudesse conferir pessoalmente a
depois da primeira exposição de sua obra original de LaRondelle, mas
tese, seu conteúdo volta a ser rele- espera-se que a leitura deste artigo
vante para o estudante do tema da já lhe possa ser útil para obter uma
perfeição e do perfeccionismo no melhor noção sobre o tema da per-
presente, quando ressurgem focos feição e do perfeccionismo.
perfeccionistas aqui e acolá. Ao concluir este trabalho, apresen-
Para mim, foi um privilégio ler tam-se as palavras finais do autor em
pela primeira vez a obra de LaRon- seu livro: “o fato mais impressivo a
delle no ano de 2001. Em várias oca- respeito da perfeição bíblica é que ela
siões fui tocado profundamente pelo não se concentra na natureza humana,
conteúdo do seu trabalho. Como te- mas no relacionamento perfeito entre
nho o hábito de “dialogar” com os Deus e seus filhos aqui, agora, e no
autores que leio, reencontrei, agora, tempo por vir. De fato, a Bíblia revela
na releitura desta obra, anotações que a perfeição compartilha do mes-
por mim feitas. Tomo a liberdade de mo modo de ser do reino de Deus: é
compartilhar com o leitor o comentá- presente e futura [já, mas ainda não].
rio feito na margem lateral da página Não pode haver solução definitiva do
150: “Muito obrigado, Senhor. Quan- problema do pecado até que Cristo
do li essa síntese, fui tocado pelo teu subjugue todos os seus inimigos sob
Espírito e me emocionei!”. os seus pés (1Co 15:28)”, (p. 327).

Referências
1
“Perfectionism”, Nelson’s Dictionary 8
Ibidem.
of Christianity (NDC), ed. George T. Kurian 9
Ibidem, “S: 159. Semi-Pelagianism”.
(Nashville, TN: Thomas Nelson, 2005), 542. 10
Para uma melhor noção sobre a opera-
2
Aecio E. Cairus, “Is the Adventist Faith ção da graça divina conforme expressa pelo
Legalistic?”, Journal of the Adventist Theo- arminianismo, ver “The Five Articles of Ar-
logical Society, 7/2 (Autumn 1996): The Ad- minianism”, em “Remonstrants”, New Schaff-
ventist Task, pesquisa feita na internet, no site Herzog Encyclopedia of Religious Knowled-
http://www.atsjats.org/publication.php?pub_id ge, vol. 9, pesquisa feita na internet, no site,
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do em 16 de setembro de 2008. html?term=remonstrants, acessado em 23 de
3
Ibidem. setembro de 2008.
4
“Pelagius”, NDC, 539. 11
“Arminianism”, NDC, 47.
5
Philip Schaff, “II. The Fall of Adam and 12
Ibidem.
its Consequences”, History of the Christian 13
Catecismo da igreja católica (São Pau-
Church (HCC), vol. 3, pesquisa realizada na lo: Editora Vozes, 1993), parágrafo (§) 1704,
internet, no site, http://www.ccel.org/ccel/ 467.
schaff/hcc3.txt, acessado em 23 de setembro 14
Ibid., § 1770, 479-480.
de 2008. 15
Ibid., § 2001, 527.
6
Ibidem, “S: 151. The Pelagian System 16
Ibid., § 2008, 530. Grifos originais.
Continued”. 17
Norman R. Gulley, “Good News About
7
Ibidem, “IV. The doctrine of the Grace the Time of Trouble”, Journal of the Adven-
of God”. tist Theological Society, 7/2 (Autumn 1996):
94 / Parousia - 2º semestre de 2008

125-141, pesquisa realizada na internet, no site chives.org/docs/MIN/MIN1982-07/index.


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d=281&journal=1&cmd=view&hash=, aces- “Justification, Perfection, and the Real Gos-
sado em 16 de setembro de 2008. pel”, Ministry, Junho, 1988, 20-22, 27, pes-
18
Ibidem. quisa realizada no site http://www.adventis-
19
“Robert Brinsmead”, pesquisa feita na tarchives.org/docs/MIN/MIN1988-06/index.
internet, no site http://www.nationmaster.com/ djvu?djvuopts&page=21.
encyclopedia/Robert-Brinsmead, acessado em 28
“Robert Brinsmead”, pesquisa feita na
23 de setembro de 2008. internet, no site http://www.nationmaster.com/
20
Claude Webster, “Crosscurrents in Ad- encyclopedia/Robert-Brinsmead, acessado em
ventist Christology”, pesquisa realizada na 23 de setembro de 2008.
internet, no site http://www.sdanet.org/atissue/ 29
“Hans LaRondelle”, pesquisa feita na
books/webster/ccac01b.htm#99, acessado em internet, no site http://en.wikipedia.org/wiki/
23 de setembro de 2008. Hans_LaRondelle, acessado em 23 de setem-
21
Ibidem. bro de 2008.
22
Robert Brinsmead, God’s Eternal Pur- 30
Para uma melhor noção sobre a condição
pose, 199, citado em The History and Teach- dos salvos no tempo do fim, após o fechamen-
ing of Robert Brinsmead (Washington D.C.: to da porta da graça, ver Edward Heppenstall,
Review and Herald Publishing Association, “Some Theological Considerations of Perfec-
1962), 18. tion”, Biblical Research Institute, pesquisa fei-
23
Idem, The Third Angel’s Message, 4, ta na internet, no site http://www.adventistbi-
citado em The History and Teaching of Robert blicalresearch.org/documents/perfection%20
Brinsmead, 20. Heppenstall.htm; idem, “How Perfect Is “Per-
24
John A. Slade, Lessons from a Detour – fect” Or Is Christian Perfection Possible?”,
a Survey of My Experience in the Brinsmead Biblical Research Institute, pesquisa feita na
Movement (Engenheiro Coelho, SP: Docu- internet, no site http://www.adventistbiblical-
mento disponível no Centro de Pesquisas Ellen research.org/documents/How%20Perfect%20
G. White), 4. Is%20Perfect.htm, acessado em 16 de setem-
25
J. R. Spangler, Ministry, maio, 1969, 34, bro de 2008.
pesquisa feita na internet, no site, http://www. 31
A presente resenha baseia-se na quarta
adventistarchives.org/docs/MIN/MIN1969- impressão da tese, editada no ano de 1984.
05/index.djvu?djvuopts&page=34, acessado 32
Hans K. LaRondelle, Perfection &
em 16 de setembro de 2008. Perfectionism (Berrien Springs, MI: Andrews
26
J. L. Shuler, “The Remnant Sinless – University Press, 1984), 35, 36.
When? How? (Part 1)”, Ministry, outubro de 33
Protologia é a ciência dos princípios
1969, 9, pesquisa realizada na internet, no site do conhecimento e da realidade. “Protolo-
http://www.adventistarchives.org/docs/MIN/ gia”, José Ferrater Mora, Dicionário de fi-
MIN1969-10.pdf, acessado em 7 de outubro losofia (São Paulo: Edições Loyola, 2001),
de 2008. 3:2.398, pesquisa realizada na internet, no
27
Para uma melhor noção sobre os arti- site http://books.google.com.br/books?id=
gos publicados em Ministry a fim de escla- aOsOq8UfSwIC&pg=PA2398&lpg=PA2
recer os leitores sobre o tema da perfeição 398&dq=protologia&source=web&ots=X
cristã, ver, Wayne Willey, “Be Ye Therefore rt1swz5p9&sig=sWxVlUxuGStpdsRnillx
Perfect”, Ministry, março, 1979, 7, 8, pes- pVQwoW8&hl=pt-BR&sa=X&oi=book_
quisa realizada no site http://www.adventis- result&resnum=9&ct=result, acessado em 14
tarchives.org/docs/MIN/MIN1979-03/index. de outubro de 2008.
djvu,; Eric C. Webster, “Contradiction or Di- 34
Preveniente é o “que nos induz à prática
vine Paradox?”, Ministry, dezembro de 1980, do bem (falando-se da graça divina)”. “Preve-
10-11, pesquisa realizada no site http://www. niente”, Aurélio B. de H. Ferreira, Novo dicio-
adventistarchives.org/docs/MIN/MIN1980- nário da língua portuguesa (Rio de Janeiro:
12/index.djvu?djvuopts&page=11; Morris Editora Nova Fronteira, 1986).
L. Venden, “What Jesus Said About Perfec- 35
Martinho Lutero, Commentary on Ro-
tion”, Ministry, julho, 1982, 8-9, pesquisa mans (Grand Rapids, MI: Kregel Publications,
realizada no site http://www.adventistar- 1995), 114-115.
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 95

Questões Sobre Doutrina: História e


impacto na Divisão Sul-Americana
Alberto R. Timm, Ph.D
Reitor do Salt, Brasilia, DF, Brasil

Resumo: O presente artigo apresenta Since it was out of print for the first
a história e o impacto causado pela time in United States, in 1957, the
publicação da obra Seventh-day Ad- book was in the middle of an intense
ventists Answer Questions on Doctrine controversy between scholars, minis-
na Divisão Sul-Americana da Igreja ters, and Adventists lays, mainly by the
Adventista do Sétimo Dia. Desde que anti-perfectionist´s ideas defense con-
saiu do prelo pela primeira vez nos Es- tained on the book. First published in
tados Unidos, em 1957, o livro esteve Portuguese and Spanish in a fraction-
no centro de intensa polêmica entre ated form on Adventists periodicals,
eruditos, ministros e leigos adventistas, between the years 1960-70, Questions
principalmente pela defesa de idéias on Doctrine first became in Spanish
anti-perfeccionistas em suas páginas. on it´s integral format, in 1986, and
Inicialmente publicado em português now has a pre-launch in Portuguese
e espanhol de forma fracionada em to 2009 February. The article basic
periódicos adventistas, entre os anos content was presented by the author
1960-70, Questions on Doctrine sur- in a plenary lecture at “Questions on
giu no formato integral primeiro em Doctrine 50th Anniversary Confer-
espanhol, em 1986, e agora tem data ence”, happened at Andrews Uni-
de lançamento em português definida versity (Berrien Springs, Michigan,
para fevereiro de 2009. O conteúdo EUA), from October 24 th to 27 th, 2007.
básico deste artigo foi apresentado
pelo autor em uma palestra plenária na
Questions on Doctrine 50th Anniversa- Introdução
ry Conference, ocorrida na Andrews O processo de produção e publi-
University (Berrien Springs, Michigan, cação da obra, com 720 páginas, inti-
EUA), de 24 a 27 de outubro de 2007. tulada Seventh-day Adventists Answer
Questions on Doctrine (conhecida
Abstract:   This article presents the popularmente apenas como Ques-
history and the impact caused by tions on Doctrine)1 gerou muita tur-
the work´s publication “Seventh-day bulência na Igreja Adventista do Séti-
Adventists Answer Questions on Doc- mo Dia, especialmente na América do
trine” on South America division. Norte e Austrália.2 De um lado, estava
96 / Parousia - 2º semestre de 2008

a liderança da Associação Geral, com espanhol entre 1960 e 1978, e a sua


alusão especial à Associação Ministe- publicação em forma de livro em es-
rial, promovendo o livro entusiastica- panhol (1986) e posteriormente em
mente dentro e fora da denominação. português (2009).
É dito que o presidente da Associação
Geral, R. R. Figuhr, considerava essa Antecedentes históricos
publicação como “a mais significati-
O conteúdo do livro Questions
va realização de sua administração”
on Doctrine atingiu os círculos mi-
que se estendeu por 12 anos.3 Do
nisteriais da Divisão Sul-Americana
lado crítico, estava, por exemplo,
através da influência da Associação
M. L. Andreasen acusando o livro
Ministerial da Associação Geral dos
de “apostasia” de algumas doutrinas
Adventistas do Sétimo Dia. Já em
fundamentais adventistas, e sugerin-
1922, uma “Comissão Ministerial” foi
do que o presidente da Associação estabelecida na sede da denominação,
Geral devia sofrer um impeachment.4 tendo ao ex-presidente da Associação
O australiano Robert D. Brinsmead Geral, Arthur G. Daniells, como seu
também espalhou muitas sementes secretário.5 Pouco depois, sob o nome
de antagonismo ao livro e à liderança de “Associação Ministerial”, essa co-
da Igreja. A ala crítica tornou-se tão missão foi ampliada pelo acréscimo
vociferante que a liderança da deno- de nomes de administradores em ní-
minação decidiu que o livro, após ter vel de Divisão que serviam além-mar,
vendido cerca de 150 mil cópias, não incluindo um da Divisão Sul-Ameri-
mais deveria ser impresso. cana. Já em 1924, J. W. Westphal, se-
Entrementes, o livro Questions on cretário de campo dessa Divisão, tor-
Doctrine era bem aceito no território nou-se membro da Comissão Diretiva
da Divisão Sul-Americana, onde a te- daquela Associação, e no Yearbook de
ologia de Andreasen já havia perdido 1929 ele já aparece como secretário
muito de sua força, e as críticas acima ministerial da Divisão.6 Em 1930, o
mencionadas eram praticamente des- próprio presidente da Divisão Sul-
conhecidas. É interessante que, em Americana, N. P. Neilsen, acumulou
1960, enquanto na América do Nor- aquela função. Em 1938, a função foi
te o original em inglês estava sendo ocupada pelo secretário da Divisão,
intencionalmente retirado de circu- H. O. Olson, enquanto Neilsen ainda
lação, na América do Sul versões da permanecia como membro da Asso-
obra em português e espanhol come- ciação Ministerial da Associação Ge-
çavam a ser publicadas como séries ral. Desta forma, trabalhando próxi-
de artigos. O presente artigo aborda mo da administração das Divisões, a
especificamente a história e o impacto Associação Ministerial recebia apoio
do Questions on Doctrine na Améri- administrativo para implementar al-
ca do Sul, com atenção especial aos guns de seus principais projetos.
seus antecedentes históricos, às séries A influência da Associação Mi-
de artigos publicadas em português e nisterial da Associação Geral sobre
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 97

o campo mundial aumentou signi- lação dos escritos de Ellen G. White


ficativamente com o lançamento da sobre “Christ’s Place in the Godhead”
revista Ministry, em janeiro de 1928. (maio de 1956),10 publicada em no-
Mas, em seus primórdios, o conteúdo vembro-dezembro de 1956 em portu-
da revista estava circunscrito, qua- guês11 e espanhol2; outra compilação
se que exclusivamente, ao segmento sobre “Christ’s Nature during the In-
ministerial adventista de fala inglesa. carnation” (setembro de 1956),13 que
Tentando superar essa barreira lin- apareceu em espanhol entre novem-
güística, a Divisão Sul-Americana bro-dezembro de 1956 e janeiro-fe-
começou a publicar em 1933 El Pre- vereiro de 1957,14 e em português em
dicador Adventista (em espanhol) e, maio-junho de 1957;15 e uma terceira
dois anos mais tarde, O Pregador Ad- compilação sobre “The Atonement –
ventista (em português), com alguns Atoning Sacrifice and Priestly Appli-
artigos traduzidos da revista Ministry cation” (dezembro de 1956 – janeiro
e outros escritos por autores locais. de 1957),16 com grande parte do seu
Em 1953, El Predicador Adventista conteúdo sendo publicado em espa-
foi substituído por El Ministerio Ad- nhol entre março-abril e julho-agos-
ventista, e, no ano seguinte, O Prega- to de 1957.17 Além disso, os artigos
dor Adventista tornou-se O Ministério “The Incarnation of the Son of Man”,
Adventista. Além da mudança de no- de W. E. Read,18 e “’God with Us’”,
mes, o tamanho de ambos os periódi- de Roy A. Anderson,19 ambos publi-
cos foi aumentado consideravelmen- cados em inglês em abril de 1957,
te, provendo espaço suficiente para apareceram em português20 e espa-
mais artigos e/ou artigos maiores. Até nhol21 em novembro-dezembro de
mesmo o conteúdo de alguns livros 1957. Os artigos “Ideas on the Atone-
importantes foi republicado nesses ment Contrasted” (janeiro de 1959)22
periódicos em séries de artigos. Por e “The Atonement in Adventist Theo-
exemplo, todo o conteúdo da primei- logy” (fevereiro de 1959),23 ambos de
ra edição da obra The Chronology of Anderson, foram publicados também
Ezra 7 (1953), de Siegfried H. Horn e em português24 e espanhol.25 Assim,
Lynn H. Wood,7 apareceu em meados publicando primeiro algumas breves
da década de 1950, tanto na revista El compilações dos escritos de Ellen G.
ministerio adventista8 quanto em O White, e posteriormente alguns arti-
Ministério Adventista.9 gos adicionais de outros autores, os
É digno de nota, para o propósito editores de El ministerio adventista e
do presente estudo, o fato de ambos O Ministério Adventista prepararam o
os periódicos trazerem, entre 1956 caminho para a aceitação do conteúdo
e 1959, vários artigos traduzidos da de Questions on Doctrine.
revista Ministry, em harmonia com A atitude positiva da América do
a futura série, bem mais ampla, de Sul para com o Questions on Doctri-
Questions on Doctrine. Especialmen- ne é bem refletida na resenha crítica
te significativas foram uma compi- escrita por Arnaldo B. Christianini,
98 / Parousia - 2º semestre de 2008

publicada na versão brasileira de O Esse endosso refletia em grande


Ministério Adventista, janeiro-feve- parte a difundida propaganda positi-
reiro de 1959. Christianini, editor as- va que a obra Questions on Doctrine
sociado da Casa Publicadora Brasilei- recebeu desde 1957 tanto na revis-
ra, declarou: ta Ministry27 quanto na Review and
Herald,28 consideradas por muitos os
dois mais importantes periódicos “ofi-
Nenhum obreiro adventista deveria ciais” da denominação. Além disso,
privar-se de ler esse tratado [Ques- a Comissão Executiva da Associação
tions on Doctrine] que é uma au-
Geral, no Concílio Outonal de 1957,
têntica declaração de fé, destinado
aprovou um plano especial sugerindo
a demonstrar a natureza genuina-
mente evangélica das crenças dos que um exemplar do livro deveria ser
adventistas do sétimo dia. Uma das (1) adquirido por “cada família adven-
maiores editoras protestantes dos tista do sétimo dia”; (2) disponibiliza-
Estados Unidos, planejando dar a do “em cada biblioteca de igreja”; (3)
lume um livro em que deveria figu- colocado “no maior número possível
rar com exatidão a doutrina adven- de bibliotecas públicas, de faculdades
tista, teve a louvável iniciativa de e seminários teológicos”; e (4) presen-
dirigir-se à sede de nossa denomi- teados a ministros não-adventistas “re-
nação. O autor, em companhia de sidentes próximos” às nossas igrejas.29
outros pesquisadores, durante qua- Com um forte programa de distribui-
se dois anos esteve em contato com ção da obra como esse no território da
nossas instituições, informando-se
Divisão Norte Americana, por que a
das nossas crenças. As respostas
obra (ou pelo menos o seu conteúdo)
que obteve foram coligidas por nos-
sos líderes neste volume, cuja lei- não poderia ser disponibilizada tam-
tura recomendamos. Foi preparado bém em outras línguas para benefício
por uma equipe de eruditos da nossa de uma audiência bem mais ampla?
grei. Inicia-se com a declaração de
nossas crenças fundamentais, segui- Séries em português e espanhol
do de um cotejo de crenças nossas (1960-1978)
com outros ramos da cristandade,
nossa posição em relação à Bíblia, O amplo programa de propagan-
e a razão de ser de nossas crenças da e distribuição da obra Questions
distintivas. Valioso subsídio para on Doctrine pela Associação Mi-
os obreiros há na parte relativa ao nisterial da Associação Geral e pela
santuário celestial, ao juízo investi- Review and Herald Publishing As-
gativo, ao bode emissário e notada- sociation ajudaram a despertar o in-
mente no capítulo “Concepts of the teresse pelo livro em muitos lugares
Millennium”. O capítulo 44, apre- do campo mundial, incluindo a Divi-
senta extensa relação de citações de são Sul-Americana, tradicionalmente
autores não-adventistas a respeito
apoiadora da liderança da Igreja. Em
do estado do homem na morte. Este
fevereiro de 1959, Enoch de Oliveira
livro não deve faltar na biblioteca
de todo obreiro adventista.26 tornou-se secretário ministerial da di-
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 99

visão, e desempenhou um importante não podem ser desconhecidos. Por


papel no longo processo de tornar o exemplo, a expressão “On Rev. 12:7”
conteúdo do Questions on Doctrine (p. 86) foi inserida em outro lugar,32
disponível aos leitores de O Minis- e a expressão “J. N. Andrews, one of
tério Adventista (em português) e El the founding fathers of the Advent
ministerio adventista (em espanhol). Movement, wrote in 1870” (p. 97) foi
O número de janeiro-fevereiro de suprimida.33 Assim, a citação que se-
1960 de cada um desses periódicos guia a essa expressão parecia ser de
foi publicado com a seguinte nota de Ellen G. White em vez de Andrews. A
autoria de Oliveira: nota de rodapé da página 169 está fal-
tando.34 Os bem conhecidos diagra-
Com o presente número iniciamos mas de “The 70 Weeks of Daniel 9”
a reprodução, em capítulos, do livro (p. 280) e “The 2300 Days” (p. 294)
“Seventh-day Adventists Answer não foram incluídos na versão em
Questions on Doctrine”, uma feliz português.35 A nota de rodapé da pá-
realização da “Review and Herald gina 413 não aparece nessa versão.36
Publishing Association”. Esta obra O conteúdo das páginas 433-438, e
constitui uma resposta convincente
o início da 439, não foi incluído.37
às indagações formuladas por alguns
teólogos, representantes de outras O segundo parágrafo da página 498
correntes do pensamento religioso, também foi suprimido.38 O capítulo
desejosos de conhecer as razões de intitulado “Representative Adventist
nossa fé. Preparado por um grupo Doctrinal Literature” (p. 629-37) foi
credenciado de estudiosos adventis- deixado fora. Os tópicos X-XVIII (p.
tas, nela se encontram respostas es- 671-80) estão faltando na “Part I–
pecíficas a 50 proposições sobre nos- ATONING SACRIFICE” do Appendix
sas crenças e ensinos. Publicamo-la C – “The Atonement.”39
em O MINISTÉRIO ADVENTISTA, Entrementes, a versão em es-
animados pelo desejo de por nas mãos panhol foi publicada como uma sé-
dos leitores material de incontestável
rie de 84 partes em El ministerio
valor na defesa dos fundamentos de
nossa fé. – E. O.30 adventista, de janeiro-fevereiro de
1960 a maio-junho de 1978, sob o
título mais curto “Preguntas sobre
Sob o título “Os Adventistas do Doctrinas”.40 A série continuou sen-
Sétimo Dia Respondem a Perguntas do publicada por dois anos adicionais
Sobre Doutrina”, a série de 85 partes (após a série em português ter sido
em português foi publicada em O Mi- concluída) devido ao número maior
nistério Adventista, de janeiro-feve- de números, durante aquele período,
reiro de 1960 a março-abril de 1976.31 nas quais a série não foi publicada. A
Em geral, esta série é mais comple- versão em espanhol teve também um
ta e precisa do que a em espanhol. percentual bem maior de supressões.
Existem, no entanto, alguns erros e Por exemplo, dos cinco tópicos lista-
supressões na série em português que dos sob o subtítulo “In a Few Areas
100 / Parousia - 2º semestre de 2008

of Christian Thought, Our Doctrines os Apêndices (compilados dos escri-


Are Distinctive with Us. We Believe tos de Ellen G. White) tenham sido
–“ (p. 24-25), o de número 3, sobre deixados fora por sua similaridade
o “Spirit of prophecy”, foi deixado com as compilações, acima mencio-
fora na versão em espanhol.41 O últi- nadas, publicadas em El ministerio
mo parágrafo da resposta à Pergunta adventista entre 1956 e 1957.
5 (p. 49) está faltando.42 Lamentavel- É digno de nota que em janeiro-
mente, a última metade da resposta à fevereiro de 1960, quando a série do
Pergunta 6, sobre “The Incarnation Questions on Doctrine começou a ser
and the ‘Son of Man’” (p. 58-65), publicada em português e espanhol, o
não apareceu em espanhol.43 O últi- Segundo Curso de Extensão Teológi-
mo parágrafo da resposta à Pergunta ca da Divisão Sul-Americana estava
12 (p. 128) foi deixado fora.44 O poe- ocorrendo no Instituto Adventista de
ma no final da resposta à Pergunta 14 Ensino (hoje Centro Universitário
(p. 145) não foi incluído.45 Uma nova Adventista de São Paulo), em São
nota de rodapé explicativa foi acres- Paulo, com a presença de 145 pasto-
cida ao parágrafo 0 da página 166.46 res de todo o território da Divisão. O
Tanto a nota de rodapé da página 220 programa teve a duração de oito se-
quanto o primeiro parágrafo da pági- manas, com as classes sendo leciona-
na 223 apareceram duas vezes.47 Os das por Roy Allan Anderson, Arthur
últimos quatro parágrafos da respos- L. White, e Charles E. Wittschiebe.57
ta à Pergunta 22 (p. 242-43) foram De acordo com Mario Veloso, as
deixados fora.48 A nota de rodapé da classes de Liderança Evangelística,
página 261, sobre o significado de ministradas por Anderson, trataram
tamid, não foi incluída.49 Na resposta extensivamente de justificação pela
à Pergunta 25, a versão em espanhol fé e dos diálogos evangélicos da dé-
omitiu todas as notas de rodapé (p. cada de 1950. Ocorreram, no entanto,
270-72, 276, 278-79, 282-83, 295),50 oposições da parte de alguns pastores
o parágrafo 1 da página 274,51 bem brasileiros com tendências legalis-
como o diagrama sobre “The 2300 tas.58 Mas, como um grande defensor
Days” (p. 294).52 Da mesma forma, de Questions on Doctrine, Anderson
a nota de rodapé da página 300 não fortaleceu a confiança dos pastores
apareceu.53 O parágrafo relacionado nos postulados teológicos dessa obra.
com Hebreus 9:28 (p. 589) está fal- As séries em O Ministério Ad-
tando.54 A nota de rodapé da página ventista e El ministerio adventista
615 foi deixado fora,55 bem como o alcançaram todo o corpo ministerial
último parágrafo da página 621.56 O da Divisão Sul-Americana entre as
capítulo intitulado “Representative décadas de 1960 e 1970, mas seu im-
Adventist Doctrinal Literature” (p. pacto foi diluído ao longo de um pe-
629-37) e todos os Apêndices do livro ríodo de publicação de 16 anos (para
(p. 641-92) estão faltando na versão a versão em português) e mesmo 18
em espanhol. Pode se conjecturar que anos (para a versão em espanhol). A
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 101

menos que alguém tomasse a inicia- Comissão, escreveu para a Review


tiva de colecionar os artigos, estes and Herald Publishing Association
seriam logo esquecidos nos números pedindo permissão para publicar o
publicados desses periódicos. Assim, livro. Para sua própria surpresa, ele
as futuras gerações de pastores se- recebeu duas respostas conflitantes
riam dificilmente expostas ao conteú- – uma do editor chefe, concedendo
do dessas séries, exceto por algumas permissão incondicional, e outra do
alusões esporádicas a elas em sala de editor associado, advertindo seria-
aula. Mas havia pelo menos alguns mente contra a circulação desse livro
professores de teologia que criam que em espanhol, devido a sua “perigosa”
o conteúdo das séries era demasiado posição sobre a natureza de Cristo.59
valioso para permanecer esquecido Mas tal advertência não foi con-
nos números antigos dessas revistas. siderada relevante pelo colegiado de
teologia do Colegio Adventista del
Em forma de livro – espanhol Plata, que concordava plenamen-
(1986) te com o conteúdo do Questions on
Doctrine. Várias partes traduzidas
A publicação do Questions on do livro, usadas em sala de aula, já
Doctrine em espanhol, em forma de circulavam entre professores e alu-
livro, foi um sonho longamente aca- nos, sem quaisquer danos. Além dis-
lentado pelo colegiado de teologia do so, a cristologia de Raoul Dederen
Colegio Adventista del Plata (hoje – expressa não apenas em suas pu-
Universidad Adventista del Plata), blicações60 mas também em algumas
Argentina, o que levou aproxima- classes por ele lecionadas naquele
damente 12 anos (1974-1986) para campus, como, por exemplo, no Insti-
ser implementado. Envolvidas nesse tuto Bíblico Sudamericano de 197961
processo estavam as tecnicalidades e em suas classes em 1984 para o
de datilografar novamente a série pu- programa de mestrado do Salt – se
blicada em El ministerio adventista harmonizava muito com o Questions
entre 1960 e 1978; refazer traduções on Doctrine. Afinal de contas, os es-
imprecisas e traduzir partes que esta- critos de Ellen G. White não apon-
vam faltando; bem como preparar o tam para a mesma direção? Por que
livro para publicação. Uma vez que a então deveriam as novas gerações de
primeira tradução da série de artigos estudantes de Teologia ser privadas
ao espanhol foi feita pela Casa Edito- do seu conteúdo? Conseqüentemen-
ra Sudamericana, sua administração te, a Comissão Editorial do Colegio
estava convencida de que tal edição decidiu aceitar a permissão do editor
devia ser publicada por sua própria chefe da Review and Herald, e avan-
editora. Mas, com o passar do tempo, çar com a publicação.
sem que nada concreto ocorresse, a Finalmente, em 1986 um volume
Comissão de Publicações do Colegio (espiralado) com 353 páginas foi lan-
finalmente assumiu o projeto. As- çado em espanhol pela Publicaciones
sim, Aecio E. Cairus, presidente da C.A.P.,62 incluindo todo o conteúdo
102 / Parousia - 2º semestre de 2008

de Questions on Doctrine até a pági- so da presente edição, em vista de


na 628. Os “Appendixes” (p. 641-92) que as posições aqui defendidas são
foram deixados fora devido a “difi- aceitas uniformemente há mais de
culdades técnicas” em encontrar de- duas décadas em todos os círculos
acadêmicos de teologia adventista
clarações de Ellen G. White já tradu-
na América do Sul.
zidas, que, se incluídas, postergariam
O texto desta edição segue a tradução
ainda mais o lançamento do livro.63 feita para a revista El Ministerio no
No “Prefacio a la Edición Castella- princípio da década passada, exceto
na”, Aecio Cairus revela alguns de- onde parecia que se distanciava um
talhes do processo de publicação tanto da edição original (Review &
e demonstra a atitude positiva que Herald Publ. Assn., 1957), em cujo
prevalecia na América do Sul com caso se preparou uma nova tradução.
respeito ao conteúdo do livro. Nesse Devido a dificuldades técnicas, foi
prefácio é dito: omitida a compilação de declarações
de Ellen G. White, que figurava na
A Comissão de Publicações do Co- edição original.
legio Adventista del Plata tem a sa- Na preparação desta edição foi se-
tisfação de apresentar a primeira edi- guido, desde 1974, um longo pro-
ção castelhana em forma de livro da cesso de consultas que incluem: o
obra Seventh-day Adventists Answer colegiado de professores de teolo-
Questions on Doctrine. Mesmo não gia do Colegio Adventista del Plata
tendo sido concebida como manual (que deu a sua aprovação unânime),
sistemático de doutrina adventista, a Casa Editora Sudamericana (que
ela reúne muitos dos caracteres que preparou a tradução ao castelhano
permitem sua utilização nas classes e, por algum tempo, contemplou a
de teologia sistemática como biblio- possibilidade de lançar sua própria
grafia de primeira ordem. Tais são, edição em forma de livro), a Review
por exemplo, seu enfoque panorâmi- & Herald Publ. Assn. (proprietária
co, e a seriedade e precisão com que da edição em inglês, que nos apoiou
são abordados os temas. ao mesmo tempo que nos advertiu
O estilo geral é descritivo, reprodu- das mencionadas objeções), e a Di-
zindo com notável clareza e força visão Sul-Americana (proprietária
argumentativa a posição histórica de dos direitos da primeira tradução ao
nossa igreja no campo doutrinário. castelhano, que autorizou esta pre-
Porém, em muitas seções ela trans- sente edição).
cende do descritivo ao construtivo, Temos certeza que os estudantes do
dando sua própria contribuição à Salt, e mesmo círculos mais amplos,
tarefa permanente da igreja de refle- darão uma calorosa acolhida a esta
xão doutrinária. Embora alguns ha- publicação.
jam contestado que, precisamente,
em alguns temas (como a cristolo- pela Comissão de Publicações
gia) esta obra apresenta apenas um Aecio E. Cairus, presidente64
dos diversos pontos de vista cultiva-
dos na denominação, tais objeções Cairus explica também que “é
foram desconsideradas no proces- difícil saber quantos exemplares [da
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 103

versão em espanhol do livro] foram acesso ao próprio conteúdo do livro,


impressos, pois os mesmos originais a fim de poder avaliar por si mesma a
foram usados em anos subseqüentes” validade dessas acusações?
para imprimir cópias adicionais, so- Um segundo estimulador foi a pu-
licitadas pelos professores a fim de blicação em 2003 pela Andrews Uni-
serem usadas com seus estudantes.65 versity Press de uma “Edição Anota-
Enquanto levou quase 30 anos para da” do Questions on Doctrine.66 Se o
que o Questions on Doctrine fosse livro, esgotado há tanto tempo, foi re-
publicado em forma de livro em es- publicado em uma edição auto-expli-
panhol, somente 23 anos mais tarde é cativa, por que tal edição não poderia
que o livro passa a ser disponibiliza- ser publicada também em português?
do também em língua portuguesa. Assim, com um acordo especial entre
o Centro de Pesquisas Ellen G. White
Em forma de livro – português – Brasil e a Casa Publicadora Brasi-
(2009) leira, a versão eletrônica da série de
85 partes foi enviada ao Pastor Josi-
A idéia de publicar uma versão do
mir Albino Nascimento para revisão
Questions on Doctrine em forma de
e atualização da linguagem usada na
livro em português surgiu no Centro
tradução já existente, bem como para
de Pesquisas Ellen G. White – Brasil,
uma nova tradução da Introdução e
quando Alberto R. Timm ainda era
das notas explicativas acrescidas à
seu diretor. Em meados da década de
“Edição Anotada”. Uma vez conclu-
1990, alguns estudantes que traba-
ído o trabalho, os arquivos foram en-
lhavam naquele Centro digitaram em
viados à Casa Publicadora Brasilei-
formato eletrônico toda a série de 85
ra, para a revisão final e publicação.
partes publicada em O Ministério Ad-
Após alguma demora, a data definida
ventista entre 1960 e 1976. A inten-
para a publicação da obra, com 510
ção original era apenas juntar a série
páginas, é a de fevereiro de 2009,
em um arquivo eletrônico para faci-
tendo como título Questões Sobre
litar a sua pesquisa. Mas dois fatores
Doutrina: o clássico mais polêmico
básicos estimularam a sua publicação
da história do adventismo.
como livro. Um deles foi o crescente
número de ministérios independentes Considerações finais
e indivíduos no Brasil que acusavam
a Igreja Adventista do Sétimo Dia A publicação do Questions on
de haver apostatado oficialmente em Doctrine em português e espanhol na
1957, com a publicação do Questions Divisão Sul-Americana foi um longo
on Doctrine. Curiosamente, a maio- processo que passou por vários está-
ria desses críticos jamais havia vis- gios. O estágio preliminar envolveu a
to uma cópia do livro, mas, mesmo tradução e publicação em O Ministé-
assim, o criticava vigorosamente! rio Adventista (Brasil) e El ministe-
Assim, não seria conveniente que a rio adventista (Argentina) de alguns
igreja de língua portuguesa tivesse artigos compilados dos escritos de
104 / Parousia - 2º semestre de 2008

Ellen G. White e outros escritos por pela primeira vez em um único livro,
Roy A. Anderson e W. E. Read. Esses intitulado Questões Sobre Doutrina:
materiais prepararam o caminho para o clássico mais polêmico da história
a publicação do próprio conteúdo do do adventismo. Enquanto a versão de
Questions on Doctrine em duas sé- 353 páginas em espanhol estava base-
ries paralelas de artigos. A série de 85 ada na edição de 1957 do Questions
partes em português continuou entre on Doctrine, a versão de 510 páginas
janeiro-fevereiro de 1960 e março- em português foi traduzida da “Edi-
abril de 1976, e foi a mais completa ção Anotada” de 2003. Enquanto a
das duas series, pois incluiu, além de primeira já está esgotada há muitos
algumas partes suprimidas em espa- anos, a segunda começará a circular
nhol, também os Apêndices do livro, apenas 23 anos depois, ou seja, a par-
compilados dos escritos de Ellen G. tir de fevereiro de 2009.
White. Por sua vez, a série de 84 No território da Divisão Sul-Ame-
partes em espanhol apareceu entre ricana, o Questions on Doctrine tem
janeiro-fevereiro de 1960 e maio- sido considerado, ao longo dos anos,
junho de 1978, e deixou fora algu- não apenas como uma expressão
mas partes do livro, especialmente genuína e confiável da teologia ad-
os Apêndices. Úteis como possam ter ventista do sétimo dia, mas também
sido essas séries para os pastores da- como um valioso corretivo às tendên-
quela época, elas acabaram restritas, cias legalistas e perfeccionistas pré-
em grande parte, às revistas nas quais Quetions on Doctrine. Este tem sido
foram publicadas, não mais estando o caso especialmente pelo fato de a
diretamente disponíveis às novas ge- educação teológica na divisão ter sido
rações de pastores. fortemente influenciada pelas idéias
O plano de dar à série de artigos anti-perfeccionistas de eruditos como
em espanhol uma base mais perma- LeRoy E. Froom, Edward Heppens-
nente tornou-se finalmente realida- tall, Raoul Dederen, e Hans K. La-
de em 1986, quando a imprensa do Rondelle. Além disso, não podemos
Colegio Adventista del Plata lançou desconhecer a tradicional tendência
o livro Los adventistas responden a sul-americana de respeito e lealdade à
preguntas sobre doctrina. Seguindo liderança da Associação Geral, onde o
a linha da série de artigos que o ante- Questions on Doctrine foi realmente
cedeu, o livro também foi publicado concebido e produzido. Foi somente
sem os Apêndices do Questions on no final da década de 1990 que críti-
Doctrine. Reimpressões adicionais cas significativas ao livro começaram
do livro foram feitas basicamente a chegar a esta região do mundo, atra-
mediante a solicitação de alguns pro- vés dos assim denominados “ministé-
fessores que o usariam em sala de rios independentes de extrema direi-
aula. Por contraste, somente em 2009 ta”. Mas o forte tom belicoso dessas
é que o conteúdo básico da série de críticas conseguiu gerar discípulos
artigos em português será integrado apenas entre aqueles que comparti-
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 105

lham do mesmo espírito agressivo. plos mais claros é o fato de que a ex-
Independente da circulação do Ques- tensão brasileira do assim-chamado
tions on Doctrine, o pensamento teo- Christian Research Institute (Institu-
lógico da Igreja Adventista do Sétimo to Cristão de Pesquisa), estabelecida
Dia na América do Sul tem seguido e dirigida por muitos anos por Nata-
muito de perto os conceitos desse li- nael Rinaldi, ainda continua conside-
vro tão influente. rando o Adventismo como uma seita
Entretanto, enquanto o original herética, em direta oposição à sua
em inglês do Questions on Doctrine matriz norte-americana, fundada e
circulou amplamente entre não-ad- dirigida por muito tempo por Walter
ventistas (especialmente em Semi- Martin. Aquela extensão ainda con-
nários Teológicos e líderes religio- tinua difundindo essa consideração
sos de outras denominações), suas agressiva entre os evangélicos. Com
versões em espanhol e português isso em mente, poderíamos indagar:
ficaram confinadas, pelo menos até A igreja no Brasil irá divulgar a ver-
2009, quase que exclusivamente aos são brasileira de 2009 do Questões
pastores, professores e estudantes de Sobre Doutrina também em círculos
teologia adventistas. A circulação do não-adventistas? Se esse for o caso,
livro na América do Norte ajudou terá essa publicação tardia o mesmo
muitos evangélicos a romper com a efeito sobre os evangélicos brasilei-
tradição belicosa anti-adventista de ros que a edição original teve sobre
D. M. Canright. Por contraste, na os evangélicos norte-americanos no
América do Sul (especialmente no final da década de 1950 e início da de
Brasil) esse espírito agressivo sobre- 1960? Somente a passagem do tempo
viveu em muitos círculos evangélicos nos permitirá responder com proprie-
conservadores. Um dos seus exem- dade a essas perguntas.67

Referências
1
Seventh-day Adventists Answer Ques- Origin of Questions on Doctrine” (documen-
tions on Doctrine (Washington, DC, EUA: to não publicado, s.d., CAR-AU), 7. Cf. R. R.
Review and Herald, 1957). Figuhr, “The Pillars of Our Faith Unmoved”,
2
Informações úteis sobre a produção do Review and Herald, 24 de abril de 1958, 5-6.
Questions on Doctrine e os debates sobre ele 5
Richard W. Schwarz e Floyd Greenleaf,
são providas em T. E. Unruh, “The Seventh- Light Bearers: A History of the Seventh-day
day Adventist Evangelical Conferences of Adventist Church, 2ª. ed., rev. (Nampa, ID,
1955-1956”, Adventist Heritage 4 (inverno EUA: Pacific Press, 2000), 388-89.
de 1977): 35-46. 6
1929 Year Book of the Seventh-day
3
Mencionado em “Currents Interview: Adventist Denomination (Washington, DC,
Walter Martin”, Adventist Currents, julho EUA: Review and Herald, 1929), 22.
de 1983, 15. Ver também a carta de Walter 7
Siegfried H. Horn e Lynn H. Wood,
Martin a [Neal C.] Wilson, 16 de fevereiro de The Chronology of Ezra 7 (Washington, DC,
1983, CAR-AU. EUA: Review and Herald, 1953).
4
Roy A. Anderson, “Brief Story of the 8
Siegfried H. Horn e Lynn H. Wood,
106 / Parousia - 2º semestre de 2008

“La cronología de Esdras 7”, série de 9 par- zembro de 1956, 24) e apartir do tópico “4.
tes em El ministerio adventista (Argentina), Forgiveness Solely through Blood of Christ”
novembro-dezembro de 1954, 11-13; janei- até o final da compilação (Ministry, janeiro
ro-fevereiro de 1955, 11-16; março-abril de de 1957, 42-43).
1955, 9-15; maio-junho de 1955, 10-15; ju- 8
W. E. Read, “The Incarnation of the Son
lho-agosto de 1955, 7-15; setembro-outubro of Man”, Ministry, abril de 1957, 23-26.
de 1955, 7-13; novembro-dezembro de 1955, 9
R[oy] A. A[nderson], “‘God with Us,’”
8-10; janeiro-fevereiro de 1956, 10-16; mar- Ministry, abril de 1957, 32-35.
ço-abril de 1956, 7-14. 20
W. E. Read, “A Encarnação do Filho do
9
Siegfried H. Horn e Lynn H. Wood, “A Homem”, O Ministério Adventista (Brasil),
Cronologia de Esdras 7”, série de 9 partes em novembro-dezembro de 1957, 18-20; Roy A.
O Ministério Adventista (Brasil), julho-agos- Anderson, “Deus Conosco”, ibid., 7-9.
to de 1955, 9-11; setembro-outubro de 1955, 2
W. E. Read, “La encarnación y el Hijo
7-11; novembro-dezembro de 1955, 7-12; ja- de Hombre”, El ministerio adventista (Ar-
neiro-fevereiro de 1956, 7-11; março-abril de gentina), novembro-dezembro de 1957, 17-
1956, 7-13; maio-junho de 1956, 8-13; julho- 20; Roy A. Anderson, “Dios con nosotros”,
agosto de 1956, 6-8; setembro-outubro de ibid., 7-9.
1956, 10-14; novembro-dezembro de 1956, 22
R[oy] A. Anderson, “Ideas on the Ato-
4-10. nement Contrasted”, Ministry, janeiro de
10
[Ellen G. White], “Christ’s Place in the 1959, 13-18.
Godhead”, Ministry, maio de 1956, 26-29. 23
R[oy] A. Anderson, “The Atonement in
11
[Ellen G. White], “O Lugar de Cristo Adventist Theology”, Ministry, fevereiro de
na Divindade”, O Ministério Adventista (Bra- 1959, 10-15, 47.
sil), novembro-dezembro de 1956, 16-19. 24
R. Allan Anderson, “Contrastes nas
12
[Ellen G. White], “El lugar de Cristo en Idéias Sôbre Expiação”, O Ministério Ad-
la Deidad”, El ministerio adventista (Argen- ventista (Brasil), julho-agosto de 1959, 7-11;
tina), novembro-dezembro de 1956, 20-23. idem, “A Expiação na Teologia Adventista”,
Na versão em espanhol, o Tópico 2 (“Always ibid., setembro-outubro de 1959, 7-11.
with Eternal God”) da Seção II (“Eternal Pre- 25
Roy A. Anderson, “Contraste de con-
existence of Christ”) foi suprimido. ceptos en torno a la expiación”, série de 2
13
[Ellen G. White], “Christ’s Nature dur- partes em El ministerio adventista (Argen-
ing the Incarnation”, Ministry, setembro de tina), julho-agosto de 1959, 8-14; setembro-
1956, 17-24. outubro de 1959, 8-11, 23-24.
14
[Ellen G. White], “La naturaleza de 26
Arnaldo B. C[h]ristianini, “Livros –
Cristo durante la encarnación”, série de 2 para a sua Biblioteca”, O Ministério Adven-
partes em El ministerio adventista (Argen- tista (Brasil), janeiro-fevereiro de 1959, 23.
tina), novembro-dezembro de 1956, 16-20; 27
Propagandas especiais do livro, de uma
janeiro-fevereiro de 1957, 18-24. página completa, apareceram em Ministry,
15
[Ellen G. White], “A Natureza de Cristo novembro de 1957, 29; dezembro de 1957,
Durante a Encarnação”, O Ministério Adven- 38; janeiro de 1958, 44; março de 1958, 40;
tista (Brasil), maio-junho de 1957, 17-23. julho de 1958, 51; agosto de 1958, 40; outu-
16
[Ellen G. White], “The Atonement – bro de 1858, 41.
Atoning Sacrifice and Priestly Application”, 28
Propagandas especiais do livro, de uma
série de 2 partes em Ministry, dezembro de página completa, apareceram em Review and
1956, 18-24; janeiro de 1957, 39-43. Herald, 24 de outubro de 1957, 29; 14 de no-
17
[Ellen G. White], “La expiación–el sa- vembro de 1957, 31; 23 de janeiro de 1958,
crificio expiatorio y su aplicación sacerdotal”, 30; 20 de fevereiro de 1958, 31; 6 de março
série de 3 partes em El ministerio adventis- de 1958, 30; 20 de março de 1958, 31; 24 de
ta (Argentina), março-abril de 1957, 17-20; abril de 1958, 30; 15 de maio de 1958, 21; 29
maio-junho de 1957, 21-24; julho-agosto de de maio de 1958, 31; 5 de junho de 1958, 28;
1957, 17-19. Esta versão em espanhol deixou 19 de junho de 1958, 15; 23 de junho de 1958,
for a toda a Seção “XI. Redemptive Price 78; 7 de agosto de 1958, 28; 21 de agosto de
Completely Paid on Calvary” (Ministry, de- 1958, 30; 5 de maio de 1960, 21.
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 107
29
F. L. Peterson, “1957 Autumn Council 22-24; setembro-outubro de 1970, 18-20;
Report”, Review and Herald, 28 de novem- janeiro-fevereiro de 1971, 19-20; março-
bro de 1957, 19-20. abril de 1971, 22-24; maio-junho de 1971,
30
E[noch de] O[liveira], “Nota”, O Mi- 23-24; julho-agosto de 1971, 23-24, 22; se-
nistério Adventista (Brasil), janeiro-fevereiro tembro-outubro de 1971, 23-24; novembro-
de 1960, 19. Uma nota semelhante, com pe- dezembro de 1971, 23-24; janeiro-fevereiro
quenas alterações editoriais, foi publicada em de 1972, 21-24; março-abril de 1972, 18-20;
El ministerio adventista (Argentina), janeiro- maio-junho de 1972, 22-24; julho-agosto
fevereiro de 1960, 23. de 1972, 22-23; setembro-outubro de 1972,
3
“Os Adventistas do Sétimo Dia Respon- 23-24; novembro-dezembro de 1972, 23-24;
dem a Perguntas Sôbre Doutrina”, série de 85 janeiro-fevereiro de 1973, 23-24; maio-junho
partes em O Ministério Adventista (Brasil), de 1973, 21-23; setembro-outubro de 1973,
janeiro-fevereiro de 1960, 19-22; março-abril 23-24; novembro-dezembro de 1973, 9-12;
de 1960, 21-23, 16; maio-junho de 1960, 21- janeiro-fevereiro de 1974, 20-22; março-abril
24, 6; julho-agosto de 1960, 17-19; setembro- de 1974, 17-21; maio-junho de 1974, 19-21;
outubro de 1960, 22-23; novembro-dezembro julho-agosto de 1974, 18-22; setembro-outu-
de 1960, 19-20; janeiro-fevereiro de 1961, bro de 1974, 19-22; novembro-dezembro de
19-20; março-abril de 1961, 19-21; julho- 1974, 16-20; janeiro-fevereiro de 1975, 17-
agosto de 1961, 18-20; setembro-outubro de 21; março-abril de 1975, 20-22; maio-junho
1961, 16-19; novembro-dezembro de 1961, de 1975, 18-21; julho-agosto de 1975, 18-21;
18-20; janeiro-fevereiro de 1962, 22-23; janeiro-fevereiro de 1976, 20-24; março-abril
março-abril de 1962, 17-18, 23; maio-junho de 1976, 18-23.
de 1962, 21-24; julho-agosto de 1962, 17-20; 32
“Os Adventistas do Sétimo Dia Res-
setembro-outubro de 1962, 21-22; novembro- pondem a Perguntas Sôbre Doutrina”, O Mi-
dezembro de 1962, 20-21; janeiro-fevereiro nistério Adventista (Brasil), julho-agosto de
de 1963, 18-19; março-abril de 1963, 21-22; 1961, 20.
maio-junho de 1963, 20-23; julho-agosto de 33
Ibid., setembro-outubro de 1961, 18.
1963, 22; setembro-outubro de 1963, 22-23; 34
Ibid., maio-junho de 1963, 20.
janeiro-fevereiro de 1964, 21-23; março-abril 35
Ibid., maio-junho de 1966, 20-21; se-
de 1964, 22-24; maio-junho de 1964, 22-24; tembro-outubro de 1966, 23.
julho-agosto de 1964, 22-23, 18; setembro- 36
Ibid., março-abril de 1970, 18.
outubro de 1964, 21-23; novembro-dezem- 37
Ver a lacuna entre ibid., janeiro-feve-
bro de 1964, 22-24; janeiro-fevereiro de reiro de 1971, 20, e março-abril de 1971, 22.
1965, 21-23, 19; março-abril de 1965, 22-24, 38
Ibid., maio-junho de 1972, 24.
17; maio-junho de 1965, 23-24; julho-agosto 39
Ver a lacuna entre ibid., janeiro-feve-
de 1965, 21, 14, 22-24; janeiro-fevereiro de reiro de 1976, 24, e março-abril de 1976, 18.
1966, 21-24; março-abril de 1966, 22-24, 5, 40
“Preguntas sobre Doctrinas”, série de
11; maio-junho de 1966, 19-23; julho-agosto 84 partes em El ministerio adventista (Ar-
de 1966, 23-24; setembro-outubro de 1966, gentina), janeiro-fevereiro de 1960, 23-24;
22-23; novembro-dezembro de 1966, 22-24; março-abril de 1960, 19-21; maio-junho de
janeiro-fevereiro de 1967, 23-24; maio-junho 1960, 21-22; setembro-outubro de 1960, 20;
de 1967, 23-24; julho-agosto de 1967, 24; novembro-dezembro de 1960, 21-22; janei-
novembro-dezembro de 1967, 21-23; janei- ro-fevereiro de 1961, 21-23; março-abril de
ro-fevereiro de 1968, 21-23; março-abril de 1961, 20-22; maio-junho de 1961, 17-19;
1968, 21-24; maio-junho de 1968, 21-23; julho-agosto de 1961, 16-17; setembro-outu-
julho-agosto de 1968, 22-23; novembro- bro de 1961, 17-23; novembro-dezembro de
dezembro de 1968, 21-23; janeiro-fevereiro 1961, 22-23; janeiro-fevereiro de 1962, 22-
de 1969, 21-23; março-abril de 1969, 21-24; 23; março-abril de 1962, 19-23; maio-junho
maio-junho de 1969, 23-24; julho-agosto de 1962, 22-24; julho-agosto de 1962, 18-23;
de 1969, 19-23; setembro-outubro de 1969, setembro-outubro de 1962, 19-21; novembro-
22-23; novembro-dezembro de 1969, 22-24; dezembro de 1962, 22-23; janeiro-fevereiro
janeiro-fevereiro de 1970, 19-21; março- de 1963, 21-23; março-abril de 1963, 22-23;
abril de 1970, 17-19; julho-agosto de 1970, maio-junho de 1963, 20-23; julho-agosto de
108 / Parousia - 2º semestre de 2008

1963, 23-24; setembro-outubro de 1963, 22- 44


Ibid., julho-agosto de 1962, 23.
24; novembro-dezembro de 1963, 24; janei- 45
Ibid., janeiro-fevereiro de 1963, 23.
ro-fevereiro de 1964, 21-23; março-abril de 46
Ibid., julho-agosto de 1963, 23.
1964, 24; maio-junho de 1964, 21-24, 20; 47
Ibid., janeiro-fevereiro de 1965, 23;
julho-agosto de 1964, 21-22; setembro-outu- março-abril de 1965, 22-23.
bro de 1964, 19-22; novembro-dezembro de 48
Ver a lacuna entre ibid., setembro-ou-
1964, 22-23; janeiro-fevereiro de 1965, 22- tubro de 1965, 24, e novembro-dezembro de
23; março-abril de 1965, 22-23; maio-junho 1965, 9.
de 1965, 23-24; julho-agosto de 1965, 23-24; 49
Ibid., março-abril de 1966, 22.
setembro-outubro de 1965, 22-24; novembro- 50
Ibid., julho-agosto de 1966, 24, 22; se-
dezembro de 1965, 9-10, 23-24; janeiro-feve- tembro-outubro de 1966, 23, 24; novembro-
reiro de 1966, 20-23; março-abril de 1966, 22- dezembro de 1966, 24.
24; maio-junho de 1966, 23-24; julho-agosto 51
Ibid., julho-agosto de 1966, 23.
de 1966, 22-23; setembro-outubro de 1966, 52
Ibid., novembro-dezembro de 1966, 23.
23-24; novembro-dezembro de 1966, 20-24; 53
Ibid., janeiro-fevereiro de 1967, 23.
janeiro-fevereiro de 1967, 22-23; maio-junho 54
Ibid., janeiro-fevereiro de 1977, 28.
de 1967, 22-24; julho-agosto de 1967, 19-21; 55
Ibid., janeiro-fevereiro de 1978, 28.
novembro-dezembro de 1967, 21-24; janei- 56
Ver a lacuna entre ibid., março-abril de
ro-fevereiro de 1968, 19-23; março-abril de 1978, 27, e maio-junho de 1978, 19.
1968, 21-23; julho-agosto de 1968, 22-24; 57
S[iegfried] Kümpel, “Segundo Curso
setembro-outubro de 1968, 22-24; novembro- de Extensão para a América do Sul”, O Mi-
dezembro de 1968, 22-23; janeiro-fevereiro nistério Adventista (Brasil), novembro-de-
de 1969, 21-23; maio-junho de 1969, 22-24; zembro de 1961, 4-6; idem, “Segundo Curso
julho-agosto de 1969, 22-24; setembro-outu- de Extensión para la América del Sur”, El mi-
bro de 1969, 23-24, 19; novembro-dezembro nisterio adventista (Argentina), novembro-
de 1969, 23-24; janeiro-fevereiro de 1970, dezembro de 1961, 5-7.
23-24, 16; março-abril de 1970, 23-24; no- 58
Mario Veloso, entrevista por Alberto
vembro-dezembro de 1970, 22-24; janeiro- R. Timm na Universidad Adventista de Plata,
fevereiro de 1971, 22-24, 7; março-abril de Argentina, 22 de fevereiro de 2007.
1972, 20-24; novembro-dezembro de 1972, 59
Aecio E. Cairus, e-mail para Alberto R.
20-24; maio-junho de 1973, 21-24; novem- Timm, 22 de junho de 2007.
bro-dezembro de 1973, 22-23; julho-agosto 60
Raoul Dederen, Cristología, Curso
de 1974, 21-24; setembro-outubro de 1974, de Extensión de Andrews University (Li-
20-22; novembro-dezembro de 1974, 22-24, bertador San Martín, Entre Ríos, Argentina:
21; março-abril de 1975, 22-25; maio-junho Imprenta CAP, 1969); idem, Lecturas sobre
de 1975, 17-20; julho-agosto de 1975, 23-25; Cristología, Apuntes de clases (Libertador
setembro-outubro de 1975, 20-25; novembro- San Martín, Entre Ríos, Argentina: Imprenta
dezembro de 1975, 24-27; janeiro-fevereiro CAP, 1983).
de 1976, 25-28; março-abril de 1976, 24-26; 61
Guillermo Durán, “Instituto Bíblico
maio-junho de 1976, 22-25; julho-agosto Sudamericano”, Revista Adventista (Argenti-
de 1976, 24-25; setembro-outubro de 1976, na), novembro de 1979, 14.
22-24; novembro-dezembro de 1976, 21-25; 62
Ver Los adventistas responden a pre-
janeiro-fevereiro de 1977, 27-29; março-abril guntas sobre doctrina (Villa Libertador San
de 1977, 26-28; maio-junho de 1977, 24-26; Martín, Entre Ríos, Argentina: Publicaciones
setembro-outubro de 1977, 29-31; janeiro-fe- C.A.P., 1986).
vereiro de 1978, 26-28; março-abril de 1978, 63
Aecio E. Cairus, e-mail para Alberto R.
26-27; maio-junho de 1978, 19-21. Timm, 6 de setembro de 2007.
4
“Preguntas sobre Doctrinas”, El minis- 64
Aecio E. Cairus, “Prefacio de la Edici-
terio adventista (Argentina), maio-junho de ón Castellana”, em Los adventistas respon-
1960, 22. den a preguntas sobre doctrina, [ii].
42
Ibid., março-abril de 1961, 22. 65
Cairus, e-mail para Timm, 22 de junho
43
Ver a lacuna entre ibid., maio-junho de de 2007.
1961, 19, e julho-agosto de 1961, 16. 66
Seventh-day Adventists Answer Ques-
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 109

tions on Doctrine, ed. anotada, Adventist Questões Sobre Doutrina em círculos não-
Classic Library (Berrien Springs, MI, EUA: adventistas no Brasil foram compartilhadas
Andrews University Press, 2003). comigo por Marcos De Benedicto, editor de
67
Algumas considerações sobre a in- livros da Casa Publicadora Brasileira, em um
fluência futura da versão em português do e-mail de 6 de setembro de 2007.

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