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J-7 -N 2 . kEwm m SB"ÁRio Au]vENTisTA LATiNo-AMERicANo DETEOLOGLA | SEDE BR^siLi;uL
2° Semestre de 2008
PERFEGGH®üNHSM®
NA DIVISÃO SUL-AMERICANA
4
2° SEMESTRE DE 2008
PERFECCIONISMO
Editorial
ARTIGoS
0 que Deus requer?: uma análise cn'tica da teologia da `última geração' .......... 43
Roy Adams, Ph.D
melhores do que seus imãos dentro da comunidade de fé; além de dividir a igreja
e levá-la a perder o foco do fervor missionário, o que realmente eles estão fazendo
para o cumprimento da comissão evangélica, que é realmente a grande condição
para o retorno de Cristo? Ou será que a missão deles se esgota ao se tomarem
"vegetarianos críticos" praticantes de um tipo mais perverso de canibalismo?
Reunimos neste número de Pczro#s'Í.cz uma coleção de artigos que chamam a
atenção para o conceito bíblico de perfeição, o significado do "desenvolvimento
do caráter", ao qual Ellen G. White se refere, e temas relacionados. Esperamos que
tais artigos abençoem os nossos leitores e suas igrejas. Incluímos, ainda, o artigo
do dr. Alberto Timm, tratando com o impacto do livro 0%e'f/7.o#s o# Docfrz.7ie na
Divisão Sul-Americana, publicado a partir de 1960 na forma de artigos da revista
A4z.#z.s'/e'rz.o, e agora, finalmente, prestes a ser publicado em português, em formato
de livro, pela Casa Publicadora Brasileira.]] Embora o artigo do dr. Timm pareça
desviar-se da linha geral do tema deste número de Pczro#s'z.c7, devemos lembrar que
a publicação de g#es/z.o77s' 07! Doc/rj77e, originalmente em inglês, nos anos 1950,
representou uma extraordinária contribuição para a clarificação adventista sobre a
natureza de Cristo e tópicos relacionados, perfeccionismo inclusive.
Finalmente, uma úJ`ima palavra. Durante os últimos seis anos, ocupando a
direção do Salt, aqui no Unasp, Campus Engenheiro Coelho, julguei ser minha
responsabilidade servir também como editor de Porowsz.cr, na tentativa de garantir
sua relevância e publicação regular. Com meu retorno, em tempo integral, à cá-
tedra de teologia, a editoração de Pc7ro2/sz.cÍ passa para mãos mais capazes. Apro-
veito a oportunidade, para agradecer a atenção e interesse com os quais nossos
assinantes e leitores nos receberam durante esses anos. Que a graça do Senhor
Jesus se manifeste suprema na vida de todos os amigos e interessados na revista
teológica do Salt-Unasp-EC.
Fraternalmente,
Amin A. Rodor
REFERÊNCIAS
b/e PosS/.bí./Íy [Nashville Tennessee: Southem 4 Quem, senão o djabo, deveria ficar mais
Publishing Association, 1975], 14). Para El- descontente caso Jesus tivesse alguma van-
len G. White, embora o homem deva buscar tagem para ser o salvador dos homens? Mas
imitar a Cristo, o que não deve ser entendido Ele (Jesus) teve mesmo vantagem por possuír
superficialmente, ela reconhece que `ÉÊgJ29- a natureza moral e espiritual de Adão antes
demos, nunca odemos nos i ualar ao Mode- da queda? Obviamente não! Precisamente
±g;" (Ellen G. White, res/em%#Áospc7rc! c7 /gre- o contrário: o fato de ser diferente de nós
/.c7 [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, tomou-se sua grande desvantagem. Ele foi
2005], 2:549). Como ela mesma observa em tentado como nenhum outro. Todo o infemo
outro contexto, em sentido final], é mobilizou-se contra Ele. Sua pureza tomava
senão Jesus" (idem, Rev/.ew c!#d fJe- o contato com o mal indizivelmente doloroso
rc7/d, 5 de Fevereiro de 1895, 81). Devemos para Ele. Mais que ninguém Ele experimen-
observar, ainda, que quando ela afirma que tou a força do epicentro da tentação: tomar-se
embora Cristo não possa ser imitado, "nunca independente do Pai, e usar a Sua divindade
seremos a rovados não o imitar- em beneficjo próprío, algo que nunca conhe-
mos e nos assemelhamios a Ele, de acordo ceremos, porque não temos nenhuma divin-
C0m a Ca acidade ue o Senhor nos dá" dade para ser tentada. Será que Ele realmente
dem), Ellen G. White define qual a "imitação tinha que ser um pecador para identificar-se
do modelo" que é esperada de nós. Na mesma conosco, como insiste o pós-lapsarianismo?
página, um pouco adiante, lemos: "0 amor Tal teoria está baseada em uma lógica equi-
elas almas uem C :sto morreu condu- vocada. Como indicado por W. F. Wescott, "a
ziEá_à_nçgaç__ã_Q±g£±±£jLdispQsiçãQd£Jàzer simpatia com o pecador em sua provação não
sacrificío ara sermos depende da experíência do pecado, mas da
no Mestre Os servos de Deus experiência da força da tentação ao pecado,
mão da fé, apodçrar-se do braço on_iDotent_e que somente o impecaminoso pode conhe-
•.. Para alcançar as erecem" (ibi cer em sua plena intensidade. Aquele que caí
dem). Todo o contexto tem que ver com a imi- se rende antes da última pressão" (Wescott,
tação de Cristo no esforço missionário, para citado por F. F. Bruce, em Comme#/c7r); o#
salvar outros. Estranhamente, contudo, para the Epistle to the Hebrew FLondres.. Marshàl,
os perfec-cionistas, "imitar a Cristo" é sempre Morgan and Scott,1974], 88).
entendido em termos daquilo que comemos S Veja, Babylonian Talmud> Sa,rLhedrLrL,
ou não comemos. Essa é a fita métrica pela 97b; Shabbath, 118b; Jerusalem Talmud,
qual eles avaliam o cristianismo dos outros. E Taanith, 64a, citado por George R. Knight,
parece ser de acordo com essa norma que eles em The Pharisee's Guide to Perfect Holiness
lhes abrem ou fecham as portas do paraíso. 0 (Boise, Idaho: Pacific Press Pushing Associa-
que comemos, porém, juntamente com outros tion,1992),193.
atos do nosso estilo de vida, devem ser vis- 6 Esta fi.ase clássica é extrai'da principal-
tos como um meio para um fim, em lugar de mente do livro Pc7rcíóo/crs c7c Jescts: "Cristo
serem fins em si mesmos. À semelhança de aguarda com ffemente desejo a manifestação
de si mesmo em sua igreja. Quando o caráter
nas e, ao mesmo tem serem tão más como de Cristo se reproduzir perfeitamente em seu
o próprio diabo. Vegetarianismo em si mesmo povo, então virá para reclamá-los como seus"
não garante n-enhuma vantagem espiritual, (Elleii G. White, Pczrcíóo/os cJe /es%s [Tatuí,
como se fosse o passaporte para o Céu. Ao SP: Casa Publicadora Brasilejra, 2000], 69).
contrário, o que comemos ou não comemos, A questão, contudo, é o que significa "repro-
assim como outros desempenhos do estilo de duzir perfeitamente" o caráter de Cristo? 0
vida, são importantes, mas apenas dentro do procedimento comum para se interpretar
contexto do caráter de verdadeiro amor cris- esse texto é tirá-lo do seu contexto e associá-
tão e misericórdia, transfomado pela graça lo com outras citações "radicais" tiradas de
redentora de Cristo e incansável no interesse Uivros ta,ís como Conselhos sobre o Regime
pela salvação de outros. Á/z.7we#/crr, e também utilizadas fora do seu
10 / PAROusiA - 2° SEMESTRE DE 2008
contexto hístórjco e literário. 0 resultado, mansidão, temperança.' Gal. 5:22 e 23. Es(e
como Kníght observa, é uma teolo fruto jamais perecerá, antes produzirá uma
mesmo E11en G._ White e o próprio Deus nãLo colheita de sua espécie para a vida eterna"
oderiam reconhecer (The Pharisses 's Guide, (Parábolas de Jesus. 67-69). Precisíme"e
190). 0 contexto da citação de Ellen G. Whi- duas linhas depois é que aparece a famosa
te mencionada acíma sobre "perfeitamente citação.. "Cristo aguarda com fremente dese-
representar o caráter de Cristo" está a milha-
jo" (ibid., 69). Nesse contexto, então, o que
res de anos-luz do uso geral que lhe dão os significa "reproduzir perfeitamente o caráter
perfeccionistas. A partir do terceiro parágra- de Cri.sto em seu povo"? Julgue a honestida-
fo anterior, Iemos: "0 cristão está no mundo de! Associar estilo de vida com caráter, como
como representante de Cristo para a sa]vação
frequentemente é feito pelos perfeccionistas,
dos outros. Na vida ue se centraliza no eu
assa de rosseíra má inte
n;ião_pQdçhavercrescimentonem£hitifi£ação.
JÊ2£!gL e o resultado é que muíto "fogo estra-
Se aceitaram a Cristo como Sa]vador pesso-
nho" tem sido trazido para dentro da comuni-
a], vocês devem esquecer-se de si próprios
dade adventista.
e procurar auxí]iar a outros. Falem do amor 7 Ellen G . White, Pc7róbo/c7s Je /é's'z/J (Ta-
de Cristo, contem de sua bondade. Cumpram
tui', SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000),
todo dever que se lhes apresenta. Levem so-
415, 416.
bre o coração o peso da salvação de a]mas e 8 ibid., 384.
tentem salvar os perdidos por todos os meios 9 Ibidem.
possíveis. Recebendo o 'T,spírito de Cristo - 1° Ellen G. Whíte, rcf/É>j#%#Áos porcr #
o espírito de amor abnegado e do sacrificio
/grc/.c7 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasilei-
por outrem - crescerão e produzirão fhito.
As graças do Espírito amadurecerão o seu ra, 2006), 9: ] 89.
110 livro, com data definjda para Publi-
£Ê!:á!ÊLr. Sua fé aumentará; suas conviccões
aproft]ndar-se-ão, seu amor será mais perfei- cação em português em fevereiro de 2009,
to. Mais e mais refletirão a semelhança de trarà o título Questões sobre Doutrina. Seu
Cristo em tudo tiue é purci, nobre e amáve[. s"btl+Mlo, o clássico mais po[êmico da histó~
`0 fruío do Espíriío é: caridade, gozo, paz r;.c7 do cJch;e#ÍÍ.fmo, realmente fará justiça ao
longanimidade, benignidade, bondade, fé, volume e à sua história.
Eu costumava ser perfeito / 11
Resumo: Neste artigo o autor narra he shows there are inconsistence in the
sua experiência pessoal em busca da perfeccionist theory, which emphasizes
perfeição, anteriormente entendida por human accomplishments in detriment
ele como um cumprimento minucioso of divine grace. According to him, the
de inúmeras regras comportamentais. legalist concept on perfection susten-
De forma criativa e bem-humorada, ted by many Adventists is based in a
ele demonstra a incoerência da teoria erroneous interpretation of Revelation
perfeccionista, que enfatiza as realiza- 14:12, which caracterizes God’s people
ções humanas em detrimento da graça in the time of the end as “those who
divina. Segundo ele, o conceito legalis- keep the commandments of God.” The
ta sobre perfeição mantido por muitos author argues that, in Biblical concept,
adventistas baseia-se em uma inter- Christian perfection consists in altruist
pretação equivocada de Apocalipse love and joyful relashionship with God
14:12, que caracteriza o povo de Deus and the fellow. Therefore, God’s final
no tempo do fim como aqueles que demonstration to the universe will be a
“guardam os mandamentos de Deus”. revelation of his love.
O autor argumenta que, no conceito
bíblico, a perfeição cristã consiste em Introdução
amor altruísta e alegre relacionamento
com Deus e o próximo. Portanto, a de- A coisa mais importante que você
monstração final de Deus ao Universo pode saber sobre mim é que eu costu-
será uma revelação de seu amor. mava ser perfeito1. Note o tempo passa-
do – eu costumava ser perfeito em um
sentido em que agora não sou perfeito.
Abstract: In this article, the author Por que eu era perfeito? Eu era
narrates his own personal experien- perfeito porque eu era um adventista
ce in quest of perfection, formerly do sétimo dia. Eu era perfeito porque
understood by him as a detailed ac- Jesus viria logo. E, honestamente,
complishment of too many behavioral • Eu queria a fé da trasladação,
rules. In a creative and humorous way, • Eu queria o caráter da trasladação,
12 / Parousia - 2º semestre de 2008
vinda – a ceifa. Lemos nos versos 14 e tas que conheço. Neste momento, me
15: “Olhei, e eis uma nuvem branca, e lembro de uma dessas pessoas. Ela
sentado sobre a nuvem um semelhan- está muito satisfeita porque obteve a
te a filho de homem, tendo na cabeça vitória sobre o queijo. Agora lembro-
uma coroa de ouro e na mão uma foice me de outra pessoa. Essa é um fariseu
afiada. Outro anjo saiu do santuário, do primeiro século. Esse indivíduo é
gritando em grande voz para Aquele realmente “religioso”. Ele sabe exa-
que se achava sentado sobre a nuvem: tamente qual é o tamanho da rocha
Toma a tua foice e ceifa, pois chegou que pode carregar no dia de sábado e
a hora de ceifar, visto que a seara da a que distância ele pode levá-la sem
terra já amadureceu.” cometer pecado. Ele reduz a justiça a
Os adventistas têm desejado sin- algumas fatias muito estreitas de “re-
ceramente estar prontos para a vin- ligião”. Está convencido de que com
da de Jesus. E eles não têm apenas a essa dedicação aos detalhes do estilo
Bíblia para encorajá-los a respeito da de vida logo ele será perfeito.
perfeição de caráter, mas têm também Há também aqueles que pare-
os escritos de Ellen G. White. Aqui cem ser perfeitos devido à reforma
está uma das suas mais impressionan- de saúde. Em uma pequena igreja
tes declarações: “Cristo aguarda com adventista de trinta membros, há um
fremente desejo a manifestação de si ancião que está disposto a levar os
mesmo em sua igreja. Quando o ca- emblemas da santa ceia (ou cerimô-
ráter de Cristo se reproduzir perfei- nia da comunhão) àqueles que não
tamente em seu povo, então virá para puderam ir à igreja. Mas não partici-
reclamá-los como seus”.5 A passagem pará dos emblemas com eles, porque
então imediatamente muda para a isso seria comer entre as refeições.
cena da colheita. Em muitos sentidos Eu me pergunto: o que significa “co-
esse texto de Ellen G. White é para- munhão” para esse ancião?
lelo ao progresso e desenvolvimento A mesma congregação tem um
dos eventos de Apocalipse 14. homem de quase dois metros de altura
O conceito-chave nesta citação de que pesa apenas 59 quilos. Ele conse-
Parábolas de Jesus é reproduzir perfei- guiu tremendas vitórias sobre o apeti-
tamente o caráter de Cristo. Infelizmen- te enquanto caminhava na direção de
te, quando os adventistas do sétimo dia ser “perfeito como Cristo”. Até mes-
lêem expressões como “reproduzir-se mo se convenceu de que é errado co-
perfeitamente”, eles têm a tendência de mer cereais como trigo e aveia. Como
se tornarem um tanto emocionais. Isso resultado, infelizmente, ele sente um
aconteceu comigo quando as li pela intenso desejo de comer coisas estra-
primeira vez. Fiquei entusiasmado tan- nhas. Toda quinta-feira ele “cai em
to com a magnificência, quanto com a tentação” e come dois pedaços de la-
possibilidade da missão e promessa. zanha de berinjela. Esse homem, aos
Não sei se você já viu alguém que seus próprios olhos, está avançando
é perfeito. Às vezes, fecho os olhos e no caminho para a “verdadeira perfei-
visualizo algumas das pessoas perfei- ção”. Quando uma pessoa diz que sua
Eu costumava ser perfeito / 15
par. Quando estive faminto, onde es- princípio do amor egoísta e auto-sufi-
tavam vocês?” “Senhor”, eles respon- ciência (pecado) e permitem que Deus
dem rapidamente, “se soubéssemos implante no coração e na vida o grande
que eras tu, certamente teríamos es- princípio de sua LEI.
tado lá.” “Mas”, Jesus responde, “vo- O novo nascimento inclui a mu-
cês não compreenderam. Não assimi- dança na vida de uma pessoa do ego-
laram o princípio do meu reino. Vocês ísmo e egocentrismo (pecado) para
não assimilaram o grande princípio altruísmo e amor ao próximo (os prin-
do amor. E se vocês não têm isso, não cípios da LEI). Santificação é mera-
serão felizes em meu reino.” mente o processo de alguém tornar-se
Mateus 25 é muito explícito so- mais amoroso. O retrato bíblico de
bre o fato de que o juízo gira em tor- perfeição é tornar-se maduro em ex-
no de uma questão específica. Mas pressar o amor de Deus. Tais pessoas
se você precisa de mais ajuda, tente estão formando um caráter semelhan-
O Desejado de Todas as Nações. El- te ao de Cristo, porque “Deus é amor”
len G. White diz isso tão claramente (1Jo 4:8). Sobre essas pessoas, é certo
como as palavras podem expressar. que serão salvas para a eternidade.
“Assim”, escreve ela depois de citar
Mateus 25, A demonstração final de Deus ao
universo
descreveu Cristo aos discípulos, no
Monte das Oliveiras, as cenas do Esse pensamento nos conduz ao
grande dia do Juízo. E apresentou assunto da demonstração final de Deus
sua decisão como girando em torno ao Universo. Em Parábolas de Jesus
de um ponto. Quando as nações se lemos que “a última mensagem de
reunirem diante dele, não haverá se- graça a ser dada ao mundo, é uma re-
não duas classes, e seu destino eterno velação do caráter do amor divino”.11
será determinado pelo que houverem A demonstração final ao universo do
feito ou negligenciado fazer por Ele que a graça pode fazer na vida huma-
na pessoa dos pobres e sofredores.10 na será uma demonstração do poder
de Deus em transformar indivíduos
Se as pessoas não estão transmitin- egoístas em pessoas que amam a Deus
do o amor de Deus ao seu próximo, é e à humanidade. A demonstração final
porque não o têm. Se as pessoas têm o não é alguém retratar uma pessoa que
amor de Deus no coração, não há ne- finalmente alcançou a vitória sobre
nhuma maneira em que ele possa ser pizza quatro queijos, refrigerantes, ou
reprimido. Ele encontrará expressão. algum artigo de alimentação ou com-
A expressão do amor divino por aque- portamento. A grande demonstração
les a quem Jesus ama é o importante ao universo trata com a reprodução
critério no grande julgamento final. do caráter de Cristo.
Deus quer que todos os que estiverem Um dos grandes textos do Novo
no Céu sejam felizes lá. E os que serão Testamento atinge o âmago da ques-
felizes são aqueles que renunciaram ao tão. “Nisto”, disse Jesus, “conhece-
20 / Parousia - 2º semestre de 2008
rão todos que sois meus discípulos”, os que evidentemente não têm nada a
se guardardes o sábado. “Nisto co- celebrar e em que rejubilar-se porque
nhecerão todos que sois meus dis- não têm segurança em Cristo.
cípulos”, se devolverdes o dízimo. Ora, se eu fosse o diabo, daria a
“Nisto conhecerão todos que sois vocês adventistas a verdade bíblica,
meus discípulos”, se tiverdes uma mas tornaria vocês e suas igrejas
alimentação adequada. mais frios do que uma fôrma de gelo
Inúmeros adventistas lêem o Novo no inverno da Sibéria. Por outro
Testamento como se ele estivesse di- lado, eu daria a alguns cristãos ale-
zendo esse tipo de coisas. Mas, em gria na igreja e na vida cristã, mas
realidade, Jesus disse: “Nisto conhe- confundiria de tal forma sua teolo-
cerão todos que sois Meus discípu- gia que eles não saberiam distinguir
los: se tiverdes amor uns aos outros” Gênesis de Apocalipse.
(Jo 13:35). O amor não é apenas o O que os adventistas precisam é a
único ponto em torno do qual gira o alegria da salvação combinada com
juízo, é também o ponto pelo qual suas grandes verdades doutrinárias.
Jesus identifica seus discípulos. Ser Quando os adventistas tiverem a Je-
seguidor de Cristo é ser alguém que sus no coração e certeza da salva-
ama a Deus e aos semelhantes. ção, eles não apenas terão a verdade
Inúmeros adventistas passam por com um v minúsculo (isto é, verda-
alto esse ensino fundamental do Novo de doutrinária), mas terão a verdade
Testamento. Muitíssimos têm as nor- com um V maiúsculo (o Senhor da
mas, regulamentos e leis, mas negli- Verdade). “Eu sou ... a verdade”, dis-
genciam o grande princípio que cons- se Jesus (Jo 14:6).
titui o fundamento da lei de Deus. Estou pessoalmente convenci-
Muitos, em sua luta pela perfeição, do de que a grande coisa necessária
trabalham ao nível de pecados e leis para manter o adventismo em movi-
em vez de permitir que Deus opere mento não é apenas verdade doutri-
neles ao nível de pecado e lei. Infeliz- nária, mas um maior conhecimento
mente, todas as normas e regulamen- de Jesus e a bela certeza de salvação
tos sem o amor de Jesus muito contri- em Cristo. Necessitamos tanto da
buem para a religião sombria, triste, verdade quanto da Verdade. Quando
desolada, deprimente, melancólica – os adventistas tiverem ambas, isso
ou pior ainda, religião destrutiva. será proclamado de cada parte do
Quando vou a uma reunião campal, seu ser e em sua adoração, e estarão
posso olhar para uma audiência de dez em uma situação de permitir que o
mil pessoas e identificar de um relan- Espírito Santo os use para mover o
ce os assim chamados “perfeitos”. São mundo com a bela mensagem que
aqueles que não estão sorrindo. São Deus lhes confiou.
Eu costumava ser perfeito / 21
Referências
1
Publicado originalmente em George R. 5
Ellen G. White, Parábolas de Jesus, 69;
Knight, I Used to Be Perfect: A Study of Sin grifos acrescidos.
and Salvation (Berrien Springs, MI: Andrews 6
Ellen G. White ao irmão e irmã Kress,
University Press, 2001), 85-99. Traduzido do 29 de maio de 1901; publicado em Ellen G.
original em inglês por Francisco Alves de White, Conselhos Sobre o Regime Alimentar,
Pontes. 202. Em português, a expressão foi traduzida
2
Salvo outra indicação, as citações bí- como “deformação da saúde”. O texto origi-
blicas foram extraídas da tradução Almeida nal é um trocadilho entre “reforma de saúde”
Revista e Atualizada, 2ª edição. (em inglês, health reform) e “deforma [ou
3
Para estudo mais detido da compre- deformação] da saúde” (em inglês, health
ensão adventista tradicional de Apocalipse deform).
14:12, ver George R. Knight, Angry Saints: 7
Para estudo mais aprofundado sobre
Tensions and Possibilities in The Adventist princípios de interpretação dos escritos de El-
Struggle Over Righteousness By Faith (Ha- len G. White, ver George R. Knight, Reading
gerstown, MD: Review and Herald, 1989), Ellen G. White: How to Understand and Ap-
53-55; idem, A Mensagem de 1888 (Tatuí, ply Her Writings (Hagerstown, MD: Review
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), 115- and Herald, 1997). Ver também Herbert E.
117. Ver também Alberto R. Timm, O Santu- Douglass, Mensageira do Senhor: O minis-
ário e as Três Mensagens Angélicas: Fatores tério profético de Ellen G. White (Tatuí, SP:
integrativos no desenvolvimento das doutri- Casa Publicadora Brasileira, 2001), 372-443.
nas adventistas (Engenheiro Coelho, SP: Im- 8
White, Parábolas de Jesus, 67, 68; gri-
prensa Universitária Adventista, 2007), 89, fos acrescidos.
126-127, 198-201, 225, 230, 238-239. 9
Ibid., 69.
4
Para avaliação da nova compreensão de 10
Ellen G. White, O Desejado de Todas
Apocalipse 14:12, ver Knight, Angry Saints, as Nações, 637.
55-60; idem, A Mensagem de 1888, 117-121. 11
White, Parábolas de Jesus, 415.
“Prossigamos para perfeição” / 23
cia com a lei de Deus, e mesmo com de nove palavras hebraicas e seis gre-
o próprio plano da salvação. Muito do gas. Obviamente, uma única palavra
nevoeiro que obscurece esse assunto em português não poderia fazer juz a
deve-se à falta de compreensão do todas essas palavras hebraicas e gre-
que é ou não pecaminoso e da falta de gas. Contudo, há duas palavras gregas
entendimento sobre o que Deus real- muito freqüentemente usadas no Novo
mente requer de seus seguidores. Testamento e na tradução Septuaginta
Perfeição. Seria um erro tentar do Antigo Testamento as quais trans-
alcançá-la? Depende do que quere- mitem peso considerável no entendi-
mos dizer com isso, como e quando mento da doutrina de perfeição. Nas
esperamos obtê-la. Se perfeição cris- próximas páginas me esforço para
tã significa restauração aqui e agora mostrar a partir da Bíblia como essas
à condição impecável de Adão (antes duas palavras são utilizadas.
da queda) e completa harmonia com Quase todos os modernos ensinos
Deus, de sorte que o homem não pre- sobre perfeição se baseiam na tradução
cise mais ser classificado como pe- em português e uso da palavra. Con-
cador, então a Bíblia não indica nada seqüentemente, a interpretação bási-
nessa direção. O único homem impe- ca é a de uma condição ideal onde o
cável que já viveu é Jesus Cristo. pecado não mais existe e tudo está em
A verdade acerca de perfeição na completa harmonia com Deus. Perfec-
doutrina e experiência cristã é aquela cionismo é o ensino de que é possível
que faz justiça ao significado e uso ao homem atingir e manter a perfeição
bíblico dessa palavra. Sendo que a moral e espiritual nessa vida.
Bíblia exorta reiteradamente o cren- Todavia, no transcurso do desen-
te em todas as eras a ser perfeito, en- volvimento teológico dessa idéia,
tão obviamente a experiência que ela dois termos qualificativos têm sur-
defende não é algo que está além da gido para assinalar a distinção entre
experiência daqueles a quem a pala- a perfeição divina e a do cristão. A
vra é dirigida. Ela deve ser possível perfeição de Deus é absoluta; isto é, o
dentro da estrutura da vida cristã aqui que Deus é em toda a sua pessoa e ca-
na Terra, de outra forma não existiria
ráter e aquilo que faz, Ele é completo
nenhum propósito no fato de os escri-
em todos os sentidos, moral e espi-
tores bíblicos encorajarem os crentes à
ritualmente, onde nada é deficiente.
perfeição. O significado válido para as
Nele está a presença e o fundamento
palavras perfeito e perfeição deve ser
de todos os valores do caráter, além
aquele dado unicamente pela Bíblia.
do qual não existe nada mais.
Deve ser notado que Deus criou
O significado de perfeição
Adão e Eva perfeitos. Para Deus não é
Ter em mente qual o emprego e o possível criar algo falho ou deficiente.
significado bíblico da palavra perfei- Adão e Eva foram criados em comple-
ção nem sempre é fácil. Perfeito ou ta harmonia com Deus, exatamente o
perfeição é a tradução, na verdade, que Deus designava que eles fossem,
“Prossigamos para perfeição” / 25
em qualquer ponto. Isto aponta para de, declara o relato: “Embora Ele me
uma harmonia moral e espiritual e mate, ainda assim esperarei nele” (Jó
elevação de caráter desconhecidas em 13:15, NVI). Jó jamais concebeu isso
nossa experiência humana. Os fatos de como significando impecabilidade
que o próprio Cristo era Deus em sua (ver Jó 9:20; 42:5, 6). Nem qualquer
encarnação e nasceu do Espírito Santo dos homens acima citados. Portanto a
nega que Ele estava em qualquer parte palavra “perfeito” não traz consigo a
fora de harmonia com o Pai. Somente idéia de impecabilidade.
Cristo possuía tais características. To- O rei Salomão foi um homem de
dos os homens nascem em estado de lealdade dividida. Portanto as Escritu-
separação de Deus. Essa é a condição ras registram que “o seu coração não
em que todos nós nascemos. Essa con- era de todo fiel para com o Senhor,
dição só é revertida quando acontece o seu Deus, como fora o de Davi, seu
novo nascimento. Esse é o fundamento pai. Salomão seguiu a Astarote, deusa
básico do evangelho. dos sidônios” (1Re 11:4, 5).
Nós defendemos a doutrina bíblica O Novo Testamento é igualmente
de perfeição devidamente compreen- claro sobre este ponto. Ter um coração
dida como o aperfeiçoamento de uma perfeito é amar ao Senhor e ao seme-
relação correta com Deus, entrega lhante de todo o coração. “Acima de
completa, uma madura e inabalável tudo isto, porém, esteja o amor, que
fidelidade a Jesus Cristo. A Bíblia de- é o vínculo da perfeição” (Cl 3:14).
signa tais homens como servindo ao “Aquele que teme não é aperfeiçoado
Senhor com “um coração perfeito”, no amor” (1Jo 4:18).
não dividido em sua lealdade, resolu- A palavra mais importante traduzi-
to em sua devoção, não se desviando da por “perfeito” no Novo Testamento
do caminho do Senhor. Sobre o rei é a palavra grega teleios. Esta palavra
Asa a Bíblia relata: “O coração de Asa é derivada do substantivo telos, geral-
foi, todos os seus dias, totalmente do mente traduzido por “objetivo”, “pro-
Senhor” (1Re 15:14). O rei Ezequias pósito”, ou “fim”. A palavra significa
disse em oração: “Lembra-te, Senhor, um estágio definido de desenvolvimen-
peço-te, de que andei diante de Ti com to espiritual para os cristãos e crentes
fidelidade, com inteireza de coração” de todas as épocas, para aqueles que
(2Re 20:3). Acerca de Noé é dito: viveram nos tempos bíblicos bem
“Noé era homem justo e íntegro entre como para os que vivem hoje. Quase
os seus contemporâneos; Noé andava invariavelmente a palavra descreve a
com Deus” (Gn 6:9; ver também Hb obtenção de maturidade espiritual, es-
11:7). Sobre Jó, o Senhor declarou: tabelecida e inamovível na fé.
“Observaste o meu servo Jó? ... Ho- O apóstolo Paulo usa essa palavra
mem íntegro e reto, temente a Deus e muito freqüentemente quando designa
que se desvia do mal. Ele conserva a cristãos perfeitos ou maduros em con-
sua integridade” (Jó 2:3). A respeito traste com aqueles que permanecem
da sua completa confiança e fidelida- bebês espirituais.
“Prossigamos para perfeição” / 27
Irmãos, não sejais meninos no juízo; Corinto. Ele escreveu: “Falamos sa-
na malícia, sim, sede crianças; quanto bedoria entre os perfeitos [teleiois,
ao juízo, sede homens amadurecidos adultos]” (1Co 2:6, ARC), mas poste-
[teleioi] (1Co 14:20). riormente ele acrescenta:
“Pois, com efeito, quando devíeis ser
mestres, atendendo ao tempo decor-
Eu, porém, irmãos, não vos pude fa-
rido, tendes, novamente, necessidade
lar como a espirituais e sim como a
de alguém que vos ensine, de novo,
carnais, como a crianças em Cristo.
quais são os princípios elementares
Leite vos dei de beber, não vos dei
dos oráculos de Deus; assim, vos
alimento sólido; porque ainda não
tornastes como necessitados de leite
podíeis suportá-lo. Nem ainda ago-
e não de alimento sólido. Ora, todo
ra podeis, porque ainda sois carnais.
aquele que se alimenta de leite é inex-
Porquanto, havendo entre vós ciúmes
periente na palavra da justiça, porque
e contendas, não é assim que sois
é criança. Mas o alimento sólido é
para os adultos [teleion, maduros], carnais e andais segundo o homem?
para aqueles que, pela prática, têm as (1Co 3:1-3).
suas faculdades exercitadas para dis-
cernir não somente o bem, mas tam- Paulo contrasta os bebês espiri-
bém o mal” (Hb 5:12-14). tuais da igreja com aqueles que ele
“Por isso, pondo de parte os princípios designa como plenamente crescidos.
elementares da doutrina de Cristo, dei- Os espiritualmente imaturos da igre-
xemo-nos levar para o que é perfeito ja de Corinto se mostravam, por suas
[teleiotēta], não lançando, de novo, a divisões e lealdade dividida, incapa-
base do arrependimento de obras mor- citados para compreender as coisas
tas e da fé em Deus, ... Isso faremos,
profundas de Deus.
se Deus permitir” (Hb 6:1-3).
Paulo também declara que todo
O escritor da Epístola aos Hebreus ministro cristão desde seus dias até
reconhece que há um início para a vida os nossos deve ter por objetivo le-
cristã. O cristão deve começar com o var o rebanho à perfeição, isto é, à
ABC da fé cristã. Como bebê recém- plena maturidade do caráter cristão,
nascido ele recebe seu alimento espiri- sendo que Deus proveu esses dons
tual de outros cristãos maduros. A essa para atingir esse estágio maduro e
altura, porém, o autor mostra séria pre- desenvolvimento na vida.
ocupação porque muitos desses cristãos
ainda estão usando as vestes espirituais E Ele mesmo concedeu uns para
apóstolos, outros para profetas, ou-
da infância. Não estão crescendo em
tros para evangelistas e outros para
Cristo. Em um tempo em que eles de-
pastores e mestres, com vistas ao
veriam ser maduros (teleioi, perfeitos) aperfeiçoamento dos santos para o
o suficiente para instruir e conduzir ou- desempenho do seu serviço, para a
tros à fé, eles ainda têm de ser tratados edificação do corpo de Cristo, té que
como crianças. todos cheguemos à unidade da fé e
Paulo também sentiu isso acerca do pleno conhecimento do Filho de
de alguns dos membros da igreja de Deus, à perfeita varonilidade [teleiōn,
28 / Parousia - 2º semestre de 2008
Quão importantes são essas pa- A perfeição bíblica não deve ser
lavras quando convidam o cristão a atingida por um comportamento di-
obedecer e servir ao Senhor, a ter tal rigido que busca conformidade com
coração e mente que possa suportar o exigências externas. Esta abordagem
desgaste do viver diário para Cristo, despoja a perfeição ou maturidade es-
para estar plenamente habilitado a fa- piritual do seu significado bíblico. A
zer a sua vontade em toda boa coisa, resposta à pergunta: “Qual é a obri-
espiritualmente realizado para tra- gação do cristão para com Deus?”
balhar como corresponde do plano e depende de quais valores são supre-
propósito divino para nossa vida! mos à vista de Deus e também de
Uma mente e coração que estão qual é o plano e o propósito divinos
incapacitados para servir a Deus são para salvar e transformar o homem
um coração dividido, uma mente en- por intermédio da justiça de Cristo.
fraquecida e sua eficiência é destruída Isto envolve nossa reconciliação com
pelo pecado prevalecente. Um coração Deus, vivendo em sintonia com Ele,
capacitado para o serviço de Deus é um e respondendo em amor a Deus e ao
que foi libertado do poder e da escra- homem. A perfeição que emerge do
vidão do pecado. O pecado não reina, nosso relacionamento é maturidade
mas ele permanece. Continuamente moral e espiritual.
permitimos que Cristo complete e ca-
pacite nossa vida com aquelas atitudes A capacidade e
e qualidades que tornam a utilidade e o incapacidade humanas
serviço eficientes. O cristão não é sem
pecado; mas ele é levado àquela plena Para que condição a queda de
e eficiente adequação por meio da qual Adão levou a raça humana? “Portanto,
Deus pode usá-lo em seu serviço para assim como por um só homem entrou
a glória de Deus, preparado e capacita- o pecado no mundo, e pelo pecado, a
do para cada situação e cada responsa- morte, assim também a morte passou
bilidade em viver a vida cristã. a todos os homens, porque todos pe-
Ao se falar, portanto, de perfei- caram” (Rm 5:12). Não conseguimos
ção bíblica, é importante evitar uma saber quão gravemente o pecado tem
rígida interpretação legalista, um ato incapacitado o homem em todos os
de seguir como um escravo à letra da seus aspectos. Não sabemos como o
lei ou obediência a uma lista de itens pecado atua sobre o sistema nervoso
exigidos. Nosso alvo supremo é en- e afeta suas reações nem até onde ele
contrado no evangelho da salvação, na obscure a mente. “O salário do pecado
justificação pela fé. Isso se centraliza é a morte” (Rm 6:23). Não sabemos
em Jesus Cristo, não em uma concep- de que maneira a morte pode reagir na
ção mecânica e exterior de semelhan- existência do ser humano e ainda as-
ça com Cristo. A doutrina da perfeição sim fazer parte das funções humanas.
não deve ser derivada de uma análise Apesar da queda, o intelecto, a
de homens, mas do caráter de Deus e vontade, a mente e as afeições hu-
da pessoa de Jesus Cristo. manas ainda funcionam. Mas estas
“Prossigamos para perfeição” / 31
os mortos. Não que eu o tenha já re- centro com a crença de que devemos
cebido ou tenha já obtido a perfeição; chegar à perfeição sem pecado para
mas prossigo para conquistar aquilo ter a certeza da salvação.
para o que também fui conquistado Salvação pela graça não é um pó de
por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a
“pirlimpimpim”. A obra da graça não é
mim, não julgo havê-lo alcançado;
mas uma coisa faço: esquecendo-
algum encanto mágico onde nossa fra-
me das coisas que para trás ficam e queza e indignidade termina em poder
avançando para as que diante de mim e suficiência pessoal antes da vinda de
estão, prossigo para o alvo, para o Cristo. A graça salvadora nos intima a
prêmio da soberana vocação de Deus confessar nossa condição pecaminosa
em Cristo Jesus (Fp 3:10-14). até que vejamos a Cristo face a face.
O que é certo na salvação pela graça
Salvação pela graça não é que nossa vida seja magicamen-
Então, Ele me disse: A Minha graça te transformada em impecabilidade. O
te basta, porque o poder se aperfei- que se torna evidente é que a vitória se
çoa na fraqueza. De boa vontade, aperfeiçoa em nossa fraqueza.
pois, mais me gloriarei nas fraque- Ninguém pode vir a mim se o
zas, para que sobre mim repouse o Pai, que me enviou, não o trouxer”
poder de Cristo. Pelo que sinto pra- (Jo 6:44). Essa passagem ensina
zer nas fraquezas, nas injúrias, nas que o pecador é salvo somente pela
necessidades, nas perseguições, nas graça, mas não há nada nesse texto
angústias, por amor de Cristo. Por-
que tolere qualquer forma o pecado.
que, quando sou fraco, então, é que
Todavia, porque estamos mutilados
sou forte (2Co 12:9, 10).
pelo pecado, devemos sempre viver
Graça é o eterno e gratuito favor de pela graça de Deus.
Deus, manifestado em favor dos fra- Uma coisa está clara: se a graça
cos, culpados e indignos. A graça está salvadora e transformadora de Deus
inteiramente separada de cada suposi- fosse retirada a qualquer momento,
ção de dignidade humana e perfeição mergulharíamos nas profundezas do
sem pecado. A graça se encontra onde pecado e pereceríamos para sempre.
existe a pecaminosidade humana. Su-
perabunda sobre a fraqueza humana. Mas Deus, sendo rico em misericór-
Os pecadores são as únicas pessoas dia, por causa do grande amor com
que nos amou, e estando nós mortos
com quem a graça está absolutamente
em nossos delitos, nos deu vida jun-
relacionada. Vivemos cada momento
tamente com Cristo, – pela graça sois
pela graça e somos salvos pela ines- salvos, e, juntamente com Ele, nos res-
gotável graça de Deus. suscitou, e nos fez assentar nos lugares
Devemos viver somente por Cris- celestiais em Cristo Jesus; para mos-
to, embora reconhecendo nossa ver- trar, nos séculos vindouros, a suprema
dadeira condição pecaminosa. Salva- riqueza da sua graça, em bondade para
ção pela graça significa ser liberto da conosco, em Cristo Jesus. Porque pela
insensatez de implantar nosso ego no graça sois salvos, mediante a fé; e isto
“Prossigamos para perfeição” / 41
não vem de vós; é dom de Deus; não Amarás o teu próximo e odiarás o teu
de obras, para que ninguém se glorie. inimigo. Eu, porém, vos digo: amai
Pois somos feitura dele, criados em os vossos inimigos e orai pelos que
Cristo Jesus para boas obras, as quais vos perseguem. ... Porque, se amar-
Deus de antemão preparou para que des os que vos amam, que recompen-
andássemos nelas (Ef 2:4-10). sa tendes? Não fazem os publicanos
também o mesmo? ... Portanto, sede
Quão absurdo é supor que ser vós perfeitos como perfeito é o vosso
salvo pela graça e reconhecer a pe- Pai celeste (Mt 5:43-48).
caminosidade do coração humano
significa encorajar o pecado na vida.
O mandamento para ser perfeito
Aqueles que são mais sensíveis à na-
nesta passagem centraliza-se em nossa
tureza do pecado interiormente são
capacidade de amar como Deus ama.
os que procuram contínua libertação
Para sermos capazes de amar a Deus de
do seu poder através da dependência
todo o nosso coração e ao nosso próxi-
de Cristo. Há uma contínua descon-
mo como a nós mesmos devemos ser
fiança do ego e uma crescente depen-
participantes do perfeito amor de Cris-
dência do poder de Deus.
to. Manifestar esse amor significa parti-
Nenhum pecado deve ter domínio
lhar da vida essencial e da qualidade do
sobre nós. O pecado não é mais nosso
amor de Deus. Nós os que temos este
senhor, Cristo o é. O cristão com um
“coração perfeito” vive em um estado amor estamos em completa harmonia e
de graça até a vinda de nosso Senhor, união com Cristo.
“olhando firmemente para o Autor e
A fim de que todos sejam um; e como
Consumador da fé, Jesus” (Hb 12:2).
és Tu, ó Pai, em mim e Eu em ti, tam-
Nunca desconfiamos do amor salvador
bém sejam eles em nós; para que o
e perdoador de Deus. Com singeleza mundo creia que Tu me enviaste. Eu
de coração e mente entregamos cada lhes tenho transmitido a glória que me
dia nossa vida a Ele. Toda perfeição tens dado, para que sejam um, como
sem pecado está na pessoa de Cristo. Nós o somos; Eu neles, e Tu em mim,
Somos perfeitos na medida em que vi- a fim de que sejam aperfeiçoados na
vemos nele e nunca em nós mesmos. unidade, para que o mundo conhe-
ça que Tu me enviaste e os amaste,
Amor, o caminho mais excelente como também amaste a mim. ... Pai
justo, o mundo não te conheceu; Eu,
O resumo da vida perfeita é: porém, te conheci, e também estes
compreenderam que Tu me envias-
Amarás o Senhor, teu Deus, de todo te. Eu lhes fiz conhecer o teu nome e
o teu coração, de toda a tua alma e ainda o farei conhecer, a fim de que o
de todo o teu entendimento. Este é amor com que me amaste esteja ne-
o grande e primeiro mandamento. O les, e Eu neles esteja” (Jo 17:21-26).
segundo, semelhante a este, é: Ama-
rás o teu próximo como a ti mesmo O cristão que tem este amor de
(Mt 22:37-39). Ouvistes que foi dito: Cristo e o manifesta, tem um perfeito
42 / Parousia - 2º semestre de 2008
amor. A pessoa que vive pela justi- eternos de Deus. Não existe nada que
ça de Cristo tem uma perfeita justi- se ponha entre Cristo e nós.
ça em sua vida. Aquele que possui o Perfeição se refere à plenitude de
fruto do Espírito é um participante Cristo e seu amor em nossa vida. Não
dele. Quem possui a fé de Jesus é um pensamos nisso em termos de um sis-
participante da fé perfeita. Estas qua- tema atomizado, de tantas qualida-
lidades podem não ser plenamente des separadas a serem melhoradas e
expressas e percebidas em sua com- aperfeiçoadas. Igualar perfeição com
pleta possibilidade, mas o amor que impecabilidade é enfatizar os aspec-
temos é um perfeito amor em virtude tos negativos da vida cristã em vez
do Cristo que habita em nós. da plenitude que devemos usufruir
Estamos plenamente comprome- em Cristo. A questão não é ser sem
tidos com esse ideal, tendo uma de- pecado, mas ter nossa vida completa
voção sem reservas a Cristo. Esse é nele, cheia do amor de Deus. Certa-
o objetivo que perseguimos ao longo mente buscaremos continuamente e
da vida. “A verdadeira santificação oraremos por libertação de tudo o que
significa perfeito amor, perfeita obe- é egocêntrico e pecaminoso.
diência, perfeita conformidade com a Perfeição em amor significa viver
vontade de Deus.”5 “Os que amam a em Cristo e Cristo viver em nós. In-
Deus têm o seu selo na testa.”6 terpretar perfeição como significando
A pergunta não é se somos capa- “impecabilidade” tende em direção
zes de amar tão perfeita e tão absolu- da conformidade com normas, regras,
tamente como Deus, mas se estamos mandamentos. A tendência é que a
agora manifestando esse mesmo amor religião fique repleta de ansiedade e
em virtude da habitação de Cristo em um senso de culpa em cada infração
nós. Se o fazemos, participamos des- da regra. Isto pode facilmente levar à
sa mesma perfeição. comunicação de desprazer, desapro-
Há uma ligação de amor entre nós vação, rejeição daqueles que diferem
e Cristo, acima e além da consciên- de nós e não agem exatamente como
cia de nossas fraquezas e de nossa in- pensamos que deveriam. Há mais pre-
dignidade. Estamos certos do eterno ocupação com o que as pessoas devem
amor de Deus. Sabemos que o Espí- e não devem fazer do que com o que
rito Santo continuará a desenvolver o elas realmente são, pessoas completas
que Deus tem posto em nós. Estamos e filhos de Deus. Ser a espécie correta
certos da suficiência do amor aplica- de cristão não é encarada.
do a nós. O eterno amor de Deus, a Entretanto, o amor mediante o Es-
eterna vigilância dos anjos, o ministé- pírito Santo requer que sejamos pesso-
rio celestial de Cristo em nosso favor, as genuínas e amorosas, não pessoas
tudo nos une ao Deus vivo. No meio perfeitas. Não rogamos simplesmente
de todas as tentações e provações, por perfeição, mas pela plenitude de
das fraquezas da carne, conhecemos Cristo. O amor a Cristo de todo o nos-
e experimentamos o apoio dos braços so coração e entendimento não brota
“Prossigamos para perfeição” / 43
nosso coração, inspira nossa vida e Deus e ao próximo não atrai a atenção
anima nosso espírito. Em nossa fra- para nós mesmos. Calcular, analisar,
queza estamos aliados à sua força. julgar os próprios erros ou de outros,
Embora vejamos como em espelho, nunca nos leva para além de nós mes-
obscuramente, temos um claro conhe- mos. Somente contemplando a Cristo
cimento de perfeição nele. Em nossa somos “transformados, de glória em
insegurança, estamos unidos ao seu glória, na sua própria imagem, como
amor. Aguardar e buscar a supremacia pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3:18).
de Cristo e semelhança com Ele está A conformidade com uma nor-
entre os mais excelentes e mais ins- ma perfeita não satisfaz o coração
pirados exercícios e expectativas que de Deus ou o de nós mesmos. Como
podemos conhecer. Essa é a certeza, pais, isso é verdade em relação aos
não em nós e de nós mesmos, mas no nossos filhos: desejamos mais do
evangelho do soberano amor que veio que conformidade com as normas de
governar nosso coração e vida. casa. Queremos a lealdade, o amor e
a devoção de nossos filhos e filhas.
O amor a Deus deve ser um prin- Nada mais satisfará. Isso é o que
cípio vivo, subordinando cada ato,
Deus quer de seus filhos.
palavra e pensamento. ... então nos
será natural buscar pureza e santi-
A verdadeira santificação liga os cren-
dade, evitar o espírito e exemplo do
tes a Cristo e uns aos outros pelos la-
mundo e procurar beneficiar todos
ços de terna simpatia. Esta união faz
os que nos rodeiam, como é para os
fluir continuamente no coração fartas
anjos da glória executar a missão de
correntes de amor como o de Cristo,
amor a eles designada.7
as quais refluem novamente em amor
mútuo. As qualidades essenciais a
Um dos inimigos da vida cristã todos são as que assinalavam a in-
é manter sob vigilância o próprio eu tegridade do caráter de Cristo – seu
sem andar com Deus. Muito freqüen- amor, sua paciência, abnegação e
temente os perfeccionistas religiosos bondade. ... Os cristãos amam os que
vivem como um exemplar de expo- os cercam como pessoas preciosas
sição em uma vitrine de loja. Nessa por quem Cristo morreu. Não há tal
abordagem é mais fácil sacrificar-se no coisa como seja um cristão destituído
altar do extremismo religioso do que de amor; pois “Deus é amor”.8
amar a Deus e amar aos não-amáveis.
Precisamos enfrentar com toda fran- Um “coração perfeito” ama ao
queza o perigo de tornar a “perfeição” Senhor no máximo de sua capaci-
um processo egocêntrico, algo a ser dade e percepção. O amor é a nossa
atingido por ardente esforço e rígida resposta total a Deus e ao homem.
concentração. Por esse método você Nossa é a “fé que atua pelo amor”
pode granjear a atenção e admiração (Gl 5:6). Um coração imperfeito é
pelos seus esforços. Mas onde está o um coração dividido, dividido em
amor a Deus e ao ser humano? Amar a seu amor e lealdade.
“Prossigamos para perfeição” / 45
É dito sobre Enoque que ele “an- pecado, mas porque ela havia dado
dou com Deus e já não era, porque tudo o que possuía com um “coração
Deus o tomou para Si” (Gn 5:24). perfeito”. Nem Deus exigiria mais
Enoque era perfeito em seu relacio- do que isso. Ao ela fazer tudo de co-
namento com Deus. Deus o trasladou ração e dar tudo o que possuía, fez
para o Céu sem ver a morte porque uma obra perfeita.
ele estava preparado para a compa- O ponto essencial é a atitude. O
nhia dos seres perfeitos. Nada é dito crente não leva a Deus uma natureza
de sua impecabilidade. Ele andava pecaminosa completamente erradica-
com Deus em amor. Isso é perfeição da, mas pode levar um amor e devoção
bíblica. Totalmente entregue a Deus, a Cristo e sua justiça que nunca pode
o verdadeiro cristão está absorto em ser satisfeito com menos. Se nós como
Cristo e não obcecado consigo mes- cristãos levamos tal resposta de coração,
mo em seus esforços para atingir a então Deus aceita e considera o que re-
impecabilidade. almente tencionamos e desejamos como
se fosse assim a realidade, e na sua vin-
É impossível refletir a imagem de Cris- da Ele assim o fará. Não somos de fato
to a menos que este amor de origem
sem pecado, mas completos na fé que
celeste esteja em nosso coração. Nin-
guém cruzará os portais da cidade de
opera por amor no melhor de nossa ca-
Deus, caso não reflita esse atributo.9 pacidade. Somos um com Deus.
Perfeição bíblica significa que que-
Vindo, porém, uma viúva pobre, de- remos a Cristo, que amamos a Cristo,
positou duas pequenas moedas, cor- que usufruímos de Cristo. Significa an-
respondentes a um quadrante. E, cha- dar com Deus como Enoque andou, de
mando os Seus discípulos, disse-lhes: forma que nunca estamos sozinhos em
Em verdade vos digo que esta viúva nossa vida. Essa é o objetivo supremo
pobre depositou no gazofilácio mais
e crucial em nossa vida. Quando o Es-
do que o fizeram todos os ofertantes.
Porque todos eles ofertaram do que pírito Santo inunda nossa vida com o
lhes sobrava; ela, porém, da sua po- amor de Deus de tal maneira que man-
breza deu tudo quanto possuía, todo temos comunhão diária com Cristo e
o seu sustento (Mc 12:42-44). achamos impossível negá-lo, de sorte
que nossa vida é derramada em com-
Cristo elogiou essa viúva, não paixão pelos perdidos, realmente não
segundo a norma de perfeição sem existe mais nada a ser feito.
Referências
1
Publicado originalmente em Edward Igreja, 8:86.
Heppenstall, “Let Us Go On to Perfection”, 3
Idem, Mensagens Escolhidas, 1:337.
em Herbert E. Douglass Edward Heppenstall, 4
Idem, Caminho a Cristo, 64, 65.
Hans K. LaRondelle e C. Mervyn Maxwell, 5
Idem, Atos dos Apóstolos, 565.
Perfection: The Impossible Possibility (Nash- 6
Idem, Filhos e Filhas de Deus, 51.
ville, TN: Southern Publishing Association, 7
Idem, Review and Herald, 23 de outu-
1975), 57-88. Traduzido do original em in- bro de 1888.
glês por Francisco Alves de Pontes. 8
Idem, Filhos e Filhas de Deus, 102.
2
Ellen G. White, Testemunhos Para a 9
Ibid., 148.
O que Deus requer? / 47
sivo conceito de justiça, uma ênfase lidou com esse assunto. Todavia, não
completamente nova, desconhecida da tentaremos aqui uma discussão integral
teologia anterior – “uma singular nutri- de sua posição, mas é nosso propósito
ção espiritual que leva à ‘obediência de descobrir se Deus exige de nós, hoje,
todos os mandamentos de Deus’”.11 A uma norma espiritual mais elevada
mensagem de 1888, segundo Robert J. que a das gerações anteriores.
Wieland e Donald Short, George R. Knight, na obra The
Pharisee’s Guide to Perfect Holiness
não foi meramente uma nova ênfase [O Guia do Fariseu para a Perfeita
nas doutrinas de Martinho Lutero e Santidade], oferece uma importante
João Wesley, nem mesmo dos adven- contribuição à Igreja, em sua cuida-
tistas pioneiros ... [Antes] foi o “iní-
dosa busca por uma resolução para as
cio” de um conceito mais maduro do
declarações aparentemente conflitan-
“evangelho eterno” [Ap 14:6] do que
havia sido claramente percebido por tes de Ellen G. White sobre perfeição
qualquer geração anterior.12 e vida sem pecado. A abordagem de
Knight não é idêntica à do presente
Enquanto lia detidamente centenas artigo, mas as duas obviamente estão
de páginas dos escritos desses irmãos, relacionadas. Trataremos, portanto,
eu continuamente indagava: “O que brevemente de alguns dos pontos que
essas pessoas tanto procuram? O que ele desenvolveu para depois apresen-
esperam que a igreja faça?” Reduzida à tar nossa própria exposição.
sua essência, a idéia deles é que, assim George R. Knight inicia admitin-
como Jesus viveu, em carne humana do ousadamente que Ellen G. White
pecaminosa, uma vida sem pecado de apoiou a idéia de perfeição de caráter.
perfeição absoluta, assim devemos nós Ela o fez, afirma ele, não meramente
– por meio de sua expiação no santuário em relação à forense justificação pela
celestial – ser absolutamente perfeitos. fé (revestidos da perfeição imputada
Somente quando a igreja atingir essa de Cristo), mas também em termos do
condição, Jesus virá. Essa, sustentam “que Deus faz em nós através do po-
eles, foi a mensagem de 1888. Podemos der dinâmico do Espírito Santo”.13 Em
deixar de pecar. Podemos ser perfeitos. apoio desse ponto é apresentada uma
Essa é a exigência de Deus para a gera- lista de declarações de Ellen G. Whi-
ção final de crentes. te, das quais as seguintes são repre-
sentativas: “O Senhor requer perfei-
A posição de Ellen G. White ção de sua família redimida. Ele exige
perfeição na formação do caráter.”14
Como sabemos, a abordagem dos “Devemos cultivar cada faculdade ao
defensores da perfeição absoluta e sem mais elevado grau de perfeição [...]
pecado baseia-se quase que exclusiva- De todos é requerido perfeição moral.
mente nos escritos de Ellen G. White. Nunca devemos abaixar a norma de
Devemos, portanto, necessariamente, justiça com o fim de acomodar à prá-
tratar brevemente a maneira como ela tica do mal, tendências herdadas ou
50 / Parousia - 2º semestre de 2008
nas gerações anteriores. É bem pro- diçam tempo e energia lutando sem
vável, obviamente, que seremos jul- resultados positivos tangíveis. O úni-
gados mais severamente do que eles, co resultado obtido é crescente mun-
porque temos sido expostos a muito danismo, materialismo e liberalismo
mais luz do que eles. em alguns setores da igreja. Eles não
A controvérsia que tem consu- estão completamente equivocados
mido a igreja sobre este assunto é quando afirmam que alguns pastores
completamente injustificada. Temos “não estão mais pregando a men-
desperdiçado tempo valioso e desen- sagem”. É possível visitar diversas
corajado a muitos. Se o inimigo não igrejas durante longo tempo e não re-
está por trás disso, duvido de que ele conhecer, por meio dos sermões, que
esteja envolvido em qualquer outra se esteve em um culto adventista do
obra. A ironia é que o “Príncipe da sétimo dia.
Paz” (Is 9:6) tem se tornado, através Este é um tempo confuso, um
da ímpia astúcia do inimigo, a causa tempo frustrante, e, para muitos, um
de praticamente uma guerra interna tempo desencorajador. Mas apenas in-
em algumas de nossas igrejas. tensificaremos o problema ao permitir
É lamentável que, enquanto o que nossa frustração nos leve a abra-
mundanismo e a ignorância sobre a çar uma teologia espúria e errônea em
Bíblia e os escritos de Ellen G. Whi- nome de reavivamento e reforma. Não
te prevalecem entre nós, o ilusório há razão para perder a esperança. A
raciocínio da teologia perfeccionista atual situação desafia cada um de nós
é capaz de atrair a lealdade de nos- a conservar-se alerta e, acima de tudo,
sos influentes e bem-intencionados mantermos a serenidade no Senhor.
membros e líderes, trazendo a here- “Jesus Cristo, ontem e hoje, é o
sia para dentro das igrejas. O tem- mesmo e o será para sempre” (Hb
po demanda que todos estudemos 13:8). Ele é muito sábio e Todo-Pode-
as Escrituras por nós mesmos; que roso. A obra está em suas poderosas
gastemos todo o tempo necessário mãos. E hoje os seus requisitos são os
para compreender por nós mesmos o mesmo que há muito tempo Ele falara
Espírito de Profecia em seu devido por meio do antigo profeta:
contexto; que sinceramente busque-
mos o Espírito Santo, rogando que Ele te declarou, ó homem, o que é
o reavivamento e a reforma iniciem bom e que é o que o Senhor pede de
por nós, pessoalmente. ti: que pratiques a justiça, e ames a
Nossos irmãos preocupados45 e misericórdia, e andes humildemente
nossos irmãos descontentes46 desper- com o teu Deus” (Mq 6:8).
O que Deus requer? / 61
mente quis dizer com tal afirmação? caso. Assim, as versões que optam
Estaria Ele sugerindo que o ser huma- por uma forma imperativa seguem
no, mesmo em condição lapsariana, uma tradução dinâmica e não uma
teria condições de se tornar perfeito? tradução literal do texto.
O texto de Mateus 5:48 tem sido A diferença pode parecer peque-
utilizado por teólogos que advogam na, mas não é. Se Jesus estiver usan-
o perfeccionismo como uma evidên- do um imperativo está dando uma
cia para validar sua tese soteriológi- ordem de cumprimento imediato –
ca de um estágio de impecabilidade algo a ser realizado nesta vida. Se
adquirido ainda nesta existência1. As estiver usando o futuro, está falando
implicações da interpretação a favor de uma promessa, algo que pode se
dessa proposta soteriológica mos- concretizar hoje ou apenas na glori-
tram a complexidade da passagem no ficação final4.
nível semântico e exegético. Blass e Debrunner nos chamam
O propósito, portanto, deste arti- a atenção para o fato de que neste
go será o de analisar lingüisticamente capítulo de Mateus o futuro nunca é
Mateus 5:48, observando os aspectos utilizado nas fórmulas exortativas de
semânticos, a estrutura gramatical, o Jesus5. Logo, caso se entenda o verso
contexto imediato, mediato e amplo 48 de uma forma imperativa, deve-se
da passagem e suas implicações para o admitir que essa seria uma exceção
debate sobre o perfeccionismo. A par- sem equivalente gramatical no res-
tir desses elementos, se buscará uma tante do discurso de Cristo.
interpretação exegética do mesmo. Não obstante, poucos duvidariam
que o verbo Vagaph,seij, que é o fu-
O texto turo de “amar”, não teria um sentido
A redação de Mateus 5:48 não é de ordem (v. 43). Afinal fica estranho
problemática do ponto de vista da supor que estaríamos diante de uma
crítica textual2, mas apresenta uma predição: “Vocês amarão ao seu pró-
divergência de tradução quanto ao ximo etc.”, principalmente quando
verbo que abre as palavras de Cristo. se trata da citação de uma clara or-
É que algumas versões e comentários dem vétero-testamentária.
optam por traduzir e;sesqe, que na Foi por isso que Schweizer optou
verdade é um futuro indicativo “vós por uma tradução ambivalente, con-
sereis”, como se fosse um imperati- cluindo que “a formulação [de Cristo]
vo “sede vós”3. É fato que a forma da tanto em grego quanto em hebraico
2ª. pessoa do plural do presente do inclui a promessa ‘vocês serão’ bem
imperativo é a mesma do indicativo como a ordem ‘vocês deverão ser’”6.
havendo, portanto, duas possibilida- E este, de fato, parece ser o melhor ca-
des de tradução. Mas aqui temos um minho do ponto de vista gramatical.
modo futuro e não um presente, logo, Definido assim o sentido tempo-
a semelhança sintática entre “presen- ral da passagem, levanta-se a questão
te e imperativo” não se aplica neste do que seria uma “perfeição” símile à
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 65
de Deus. A estrutura literária do tex- doso dos escribas e fariseus (cf. 5:20;
to poderá fornecer uma explicação. 6:2, 5, 16; 7:5, 15 [aqui apelidados de
falsos profetas], 297).
Contexto literário Perceba como o contexto respon-
de aos dois grupos: primeiramente
Mateus 5:48 parece encerrar uma
temos a abertura em 5:17-19 onde
perícope que, pelo contexto imedia-
Cristo estabelece sua própria relação
to, começaria no verso 43: “ouvistes
com a lei e os profetas (“não vim para
o que foi dito: amarás o teu próximo,
revogar, mas para cumprir”). Então
e odiarás o teu inimigo”. Toda a te-
apresenta no verso 20 o propósito de
mática desde aqui até ao verso em
sua argumentação: “Se a vossa justiça
questão centraliza-se no amor como
não exceder em muito a dos escribas
padrão de comportamento. Não é
e fariseus, jamais entrareis no Rei-
por menos que avgapa/w é o verbo que
no dos Céus”. Finalmente inicia-se a
mais se repete na perícope.
apresentação em duas grandes seções:
Os versos 43 e 44a deixam claro
que o amor acima de tudo é o padrão no capítulo 5:21-48 há uma discussão
em torno do qual gravita a prática da legal entre Cristo e os ensinamentos
lei. Sem o amor, todos os ritos e obri- rabínicos, enquanto no capítulo 6:1-
gações não passam de ordenanças va- 18 temos admoestações gerais acerca
zias. Por isso, Jesus poderia ter dito do devido comportamento religioso. A
“sede vós amoráveis, como amorá- moldura de todo o cenário são o dito
vel é vosso Pai que está no Céu” – o original da lei, as adições ou interpre-
que faria eco com os versos 44b e 45, tações distorcidas feitas pelos rabinos
“amai... para que vos torneis filhos do e o comportamento ideal sugerido por
vosso Pai Celeste”. Contudo, no texto Cristo, que, na verdade, era um retor-
mateano Ele preferiu usar a palavra no à essência dos mandamentos.
“perfeitos”, talvez para englobar não Sendo assim, o capítulo 5:48 per-
apenas aquela antítese, mas todas as tence à seção que lida com as interpre-
que compuseram a perícope. Logo, tações rabínicas da lei. Ele conclui as
Mateus 5:48 não conclui apenas a úl- chamadas seis antíteses, que vão de
tima antítese (v. 43-47), mas a todas as 5:21-47 (“ouvistes o que foi dito aos
seis desde o verso 21. O te,leioj não se antigos... Eu porém vos digo”). Mas,
resume apenas ao amor comum, mas como bem observou Glen H. Stassen,
ao amor-princípio (avga,ph) com tudo não se trata de uma contradição entre
que ele abarca, a saber: reconciliação, Jesus e a Torá, e sim de uma oposição
pureza, fidelidade, temor e solidarie- do Mestre a determinada interpreta-
dade que foram justamente os temas ção da Torá8.
das antíteses anteriores. Todas as antíteses referem-se a
Em seu contexto mediato (que se relações sociais com um irmão ou
inicia no verso 17), se verifica que o patrício (5:21-26), com a mulher (27-
texto aponta uma problemática em re- 30), com a esposa (31 e 32)9, com o
lação ao comportamento pseudo-pie- Senhor – curiosamente a relação com
66 / Parousia - 2º semestre de 2008
Deus é entendida como uma relação Aqui está a lógica de Cristo ex-
social – (33-37), com o inimigo – pressa em palavras de completude:
notadamente o inimigo romano que “sede perfeitos ou completos”, isto
tinha autoridade para obrigar o ju- é, “não cumpram o mandamento de
deu a andar uma milha – (38-42), e, modo parcial ou apenas exterior. Bus-
finalmente, com o judeu considerado quem a transformação interna que os
traidor – no caso, o cobrador de im- tornará de fato ‘filhos de Deus’ em
postos que por sua conduta tornava- meio aos homens. Assim vocês cum-
se um inimigo de estado, injusto e prirão integralmente a vontade do Pai
publicano (43-47). Todos os setores que está no Céu”.
sociais da época são aqui representa- Toda essa argumentação é par-
dos, o que demonstra uma estrutura te do Sermão do Monte, que, por sua
de totalidade e completude relacional vez, pode ser subdividido em várias
(a mesma idéia de Hb 12:14: “segui a seções de acordo com a visão de cada
paz para com todos e a santificação, autor. Afinal, apesar das notas exegéti-
sem a qual ninguém verá o Senhor”). cas acerca da maestria da composição
Ao primeiro caso reserva-se a re- mateana, especialmente no Sermão da
conciliação, ao segundo a pureza, ao montanha10, como assinalou Dale C.
terceiro a fidelidade matrimonial, ao Allison Jr., o consenso sobre como se-
quarto o temor ao Senhor, ao quinto a ria essa estrutura ainda não existe11. O
solidariedade não vingativa e ao sexto máximo que se pode afirmar é que o
o amor que, aliás, está na base de to- contexto imediato de Mateus 5:48, ini-
das as condutas éticas. cia no 5:1-2 (pois o cenário muda em
Conforme vemos no verso 43, relação ao capítulo precedente) e ter-
aqui Jesus está falando de “como se mina no 7:28-8:1(que claramente é a
deve e como não se deve” cumprir o conclusão do dito de Cristo). Ademais,
mandamento de Levítico 19:18. No há também a semelhança de vocábulos
final, (verso 47) ele ironiza num estilo entre as duas porções textuais:
rabínico levando os ouvintes a refletir (5:1-2) “Vendo Jesus as multidões,
sobre os exemplos dados. No início subiu ao monte, e como se assentasse,
incentivou-os a exceder em muito a aproximaram-se os seus discípulos e
justiça, isto é, o comportamento dos ele passou a ensiná-los dizendo...”
escribas e fariseus. Agora sugere que (7:28-8:1) “Quando Jesus acabou
a atitude comum desses homens, que de proferir essas palavras, estavam as
muitos julgavam ser o padrão de com- multidões maravilhadas de sua dou-
portamento, até publicanos realizam. trina; porque ele as ensinava como
Sua conclusão, pois, seria: “Vo- quem tem autoridade e não como os
cês não querem ser melhores que escribas. Ora, descendo ele do monte,
eles? Logo, por que se contentar grandes multidões o seguiam.”12
com a forma simples de agir deles? Os principais blocos temáticos que
Vamos lá, superem a sua conduta! se encontram dentro desse arcabouço
Sejam perfeitos.” homilético de Cristo são: as bem-
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 67
Jesus diz: “Tudo pois que quereis Hillel diz: “não faça a alguém o
que os homens vos façam, assim que é odioso a ti, porque toda a lei
fazei-o vós também a eles, porque está contida nesta sentença. O resto é
esta é a lei e os profetas”. comentário”.
68 / Parousia - 2º semestre de 2008
evangelhos e esse estilo judaico não como Deus é perfeito (porque Eu sou
é uma teoria inviável. santo)” (Lv 19:2).
O sentido do termo usado por Lu- A primeira coisa que se observa
cas (oivkti,rmonej) abarca a idéia de ter aqui é que o contexto original de Le-
compaixão para com o necessitado, vítico 19, de onde Jesus extrai seu co-
seja ele quem for (até um inimigo). mentário, não alude a questões direta-
Ele aparece cerca de 80 vezes na LXX mente soteriológicas, mas a questões
(tanto em forma verbal quanto adjeti- de relacionamento político-social em
va e substantiva) para corresponder relação a estrangeiros. É claro que
às seguintes raízes: !nx “ser gracioso, num determinado ponto todas essas
generoso” (geralmente com o sentido temáticas se encontram, pois o com-
de “poupar” o que estaria para morrer portamento social espelha a relação
ou preservar o que está em dificulda- espiritual para com o plano salvífico
des) e ~xr “ter compaixão”.19 de Deus. Contudo, em termos de ob-
Não se pode olvidar que Jesus jetividade textual, essa passagem le-
inicia a perícope da última antítese vítica não trata de “como ser salvo”,
citando textualmente Levítico 19:18. nem menciona uma lista de “frutos
O curioso é que Ele acrescenta da salvação”, ali não há referência ao
uma expressão apócrifa, certamen- sacrifício expiatório, nem ao santuá-
te oriunda do pensamento rabínico rio, mas apenas às questões sociais. O
e que contrariava todo o sentido do tema diz respeito ao trato que o judeu
preceito original: “...e odiarás o teu deveria dispensar ao estrangeiro que
inimigo”.20 De modo irônico, Jesus habitasse o mesmo território que ele.
contradiz não a lei levítica, mas o A suma é: ajudar fraternalmente o es-
acréscimo feito a ela. Isso Ele faz, trangeiro sem se contaminar com seu
comentando de maneira midrástica a comportamento. O contexto de santi-
ordem original dada naquela porção dade, portanto (“sede santos, porque
Antigo Testamento (Lv 19:1-37). Lá, eu sou santo”), não significa impe-
o mandamento dizia para os judeus cabilidade , mas antes ser separado
tratarem bem os gentios, para não se do mundo gentílico, sem contudo ser
contaminarem com seu comporta- alienado dele.
mento, mas, ao mesmo tempo, tê-los
como objeto de um verdadeiro amor Significado de te,leioj
fraternal, principalmente quando fos-
sem donos da terra e vissem um pe- Em seu sentido adjetival, o ter-
regrino estrangeiro vivendo no meio mo te,leioj aparece 19 vezes no Novo
deles (compare com Mateus 15:3). Testamento. Em várias dessas ocor-
Jesus de maneira sintética oferece rências, ele aparece não apenas como
o mesmo princípio e, em sua conclu- “perfeito”, “perfeição” e cognatos,
são, repete quase as mesmas palavras mas também como experimentados
que no texto mosaico abriam o conte- (1Co 2:6), homens amadurecidos
údo da lei: “sereis perfeitos (santos) (1Co 14:20), adultos (Hb 5:14), ma-
70 / Parousia - 2º semestre de 2008
turidade (Hb 6:3), ação completa (Tg essa questão. Não há ali qualquer in-
1:4), etc. Aqui as opções parecem dício direto ou indireto para a suges-
estar de acordo com o dicionário de tão de que os filhos de Deus (verso
Strong, que oferece os vários signi- 45) jamais pecariam depois de deter-
ficados para te,leioj21. Como se vê, minado estágio de santificação. Agir
há várias formas de verter o termo diferente dos escribas e fariseus era
grego; perfeito é apenas uma delas e cumprir a lei com base no amor e não
não a única ou a naturalmente melhor. na impecabilidade.
Como sugere Gerhard Delling, falan- Na LXX, te,leioj também corres-
do especificamente desse ponto, “será ponde a “completo”, “todo”, “imacu-
o contexto de cada caso que determi- lado”, “indivisível”, “pacífico” etc.23.
nará a melhor tradução”22. Não obstante é um termo raro, apare-
É claro no contexto mateano que cendo apenas cerca de 20 vezes.
te,leioj em 5:48 e 19:21 significa a Há, contudo, ali um adicional ele-
qualidade de “perfeito”, “completo”, mento que também ilumina a questão.
“maduro”, “adulto”, “crescido”. Essa Pelo que se percebe do texto septu-
qualidade, contudo, gravita em torno agentário, existem duas importantes
de um determinado padrão dado pelo raízes hebraicas que poderiam ser os
contexto (como é o caso em Colos- correspondentes vétero-testamentá-
senses 1:28, 4:12; Tiago 1:4, 17, 25; rios de te,leioj: a primeira e mais co-
3:2; cf. 1 Coríntios 2:6, 13:10; 14:20; nhecida seria a ~mT, que significaria
Efésios 4:13; Filipenses 3:12, 15; He- em termos gerais “ser completo, estar
breus 5:14; 1 João 4:18). Determinar terminado”. Esta raiz aceita perfeita-
esse padrão é a chave hermenêutica mente termos derivados com o sentido
para determinar o sentido de perfei- de integridade, perfeito e inteireza.24
ção no texto mateano, e esse padrão, A segunda, menos mencionada, é
conforme já foi visto pelo contexto ~lv, da qual derivam as idéias de paz,
imediato, é o amor. completude e perfeição.25 Ela é verti-
O amor é o que torna possível da por te,leioj em 5 ocasiões (1 Rs
superar a justiça dos escribas e fari- 8:61; 11:4; 15:3; 14:1; 1Cr 28:9).26
seus, por isso todas as antíteses do Embora não sejam sinônimos per-
contexto mediato e as bem-aventu- feitos ~lv e ~mT são corresponden-
ranças do contexto amplo apontam tes naturais no Antigo Testamento e
para elementos de amor: misericór- cada contexto determina o padrão ao
dia (5:7); reconciliação (5:24); cari- redor do qual se exercerá essas vir-
dade (5:42). É em torno deste amor tudes. A pergunta final é: qual destes
plurifuncional que gravita o te,leioj seria o melhor correspondente para
divino que devemos imitar. Mas se- te,leioj em Mateus 5:48?
ria esse te,leioj em torno do amor Bem, de acordo com Carr, o “sig-
uma situação de impecabilidade? nificado básico por detrás da raíz
Todo o contexto mateano visto shlm [sic] é terminar ou completar
até aqui responde negativamente a algo – de entrar num estado de in-
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 71
por alguns autores adventistas na ta. Uma promessa também jaz en-
atualidade.33 volvida no texto.
Teoria da impossibilidade ideal Pelo contexto imediato, perce-
– visão luterana de que Jesus estaria bemos que se trata de uma crítica de
apenas apresentando um ideal jamais Cristo à interpretação rabínica da Lei
alcançável nesta vida, o que torna – legalista e destituída de relaciona-
suas palavras – na melhor das hipó- mento humano – seguida de um apelo
teses – uma utopia, pois não servem a que busquemos no exemplo do Pai
para esta vida, nem para a vida porvir, a meta de comportamento que é supe-
quando já não haverá inimigos, adul- rior à dos líderes do judaísmo ou de
térios, tentações ou demandas. qualquer outro seguimento humano.
Ética interina – uma proposta suge- O amor é o padrão de cumprimento da
rida inicialmente por Johannes Weiss Lei, sendo em torno do amor (e não da
e popularizada por Albert Schweitzer, suposta impecabilidade farisaica) que
segundo o qual Jesus, pensando equi- gira a perfeição ensinada por Cristo.
vocadamente que o fim se aproximava Afinal eram justamente os fariseus e
incentivou as pessoas a viverem uma escribas e fariseus – alvos da crítica de
ética provisória em virtude do clima Cristo – que passavam uma imagem
escatológico especial. Um comporta- de impecáveis perante o povo.
mento, portanto, que não teria sentido Com relação ao significado bási-
noutra parte da história.34 co de te,leioj na versão mateana, vi-
Todas essas sugestões trazem mos que mais do que impecabilida-
implicações soteriológicas muito de, o sentido do termo grego envolve
complexas que tendem tanto para a idéia de maturidade, completeza e
a legalismo, quanto para o libera- integralidade. Ademais, a raiz ~lv
lismo e o racionalismo. Contudo, a com seus conceitos de “paz” , “re-
partir do próprio texto e do quadro conciliador”, “pacificador” esclarece
histórico que o ilumina, é possível bem o sentido do termo nessa pas-
propor uma quarta sugestão distinta sagem e preenche sua equivalência
das três apresentadas. O sermão de véterotestamentária, especialmente à
Jesus, como vimos, trata de corrigir luz do contexto imediato e da versão
o comportamento ético-legalista e paralela de Lucas 6:36.
pró-forma de alguns segmentos ju- A citação de Jesus do texto leví-
daicos de seu tempo, notadamente tico mostra o modo descontextuali-
os escribas e fariseus. zado com que os escribas e fariseus
Mediante os dados levantados aplicavam a passagem em seus dias.
nesta pesquisa, conclui-se em pri- O mesmo se faz hoje caso aplique ao
meiro lugar que embora não se pos- texto uma idéia de impecabilidade ou
sa excluir a possibilidade de um im- perfeccionismo soteriológico.
perativo nas palavras de Cristo em O sentido, portanto, de Mateus
Mateus 5:48, reduz-se a idéia de se 5:48 não é apresentar um padrão ide-
tratar de apenas de uma ordem dire- alístico para a salvação, muito menos
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 73
endossar qualquer entendimento per- para com aqueles que ainda são espi-
feccionista da santificação. O intuito ritualmente forasteiros no Reino dos
é mostrar como os discípulos do rei- Céus, não para ajuntarem-se a eles,
no devem tratar os demais que, de um mas para levá-los a juntarem-se a nós.
modo ou de outro, não fazem parte do Um trabalho digno, que imita de ma-
seu círculo de relacionamento. Esse neira legítima os mesmos passos re-
tratamento deve buscar a paz de Cristo conciliadores do nosso Pai celestial.
Referências
1
Herbert E. Douglass, Should We Ever do verbo no verso 48 estaria com as antíteses
Say ‘I am Saved’? What it Means to be Assu- que aparecem anteriormente na perícope (v.
red of Salvation (Nampa, Idaho: Pacific Press 43-48): “amarás ao teu próximo”, “odiarás o
Publishing, 2003), 101 e 115. teu inimigo”. Embora elas estejam no futuro,
2
As únicas variantes relevantes são aque- são interpretadas como tendo força de impe-
las apontadas pelo texto de Nestlé-Aland, rativo. Mas isso não se dá por questões de
a saber: os mss D K W D Q 565. 579 e a sintaxe e sim por fluência textual, além, é cla-
maioria absoluta de todos os mss (incluindo ro, de uma possível influência do hebraico,
o texto koiné bizantino) trazem wsper ao in- pois se trata de uma citação parcial do Anti-
vés de wj mas o sentido adverbial parece ser go Testamento (John Nolland, The Gospel of
o mesmo de acordo com os léxicos. A outra Matthew: A Commentary on the Greek Text
variante vem por conta da expressão “vosso [Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Pu-
Paicelestial”(o`path.ru`mw/no`ouvra,nioj)que blishing, 2005], 270, 27). Leon Morris segue
nalguns textos ([D*] K L D Q 565. 579. 700 o mesmo caminho, justificando a interpreta-
pm it; Tertuliano) aparece como “vosso Pai ção imperativa do futuro e;sesqe nesse texto
que está nos céus” (path.r u`mw/n o` en toij com base na construção do verso 21, onde o
ouvra,noij). futuro negativo ouv foneu,seij (“não matarás”)
3
Compare por exemplo a Versão Almei- tem claramente um sentido de ordem. Mas,
da Revista e Atualizada que traduz no im- conquanto o futuro do indicativo possa equi-
perativo com a versão da TEB que traduz valer às características de mandado e proibi-
no futuro. ções na linguagem legal do Antigo Testamen-
4
Alexander B. Bruce opta pela forma to, esta não é uma prática relacional comum
futura (“vós sereis”), que para ele estabelece aos evangelhos (Leon Morris, The Gospel
um contraste entre o aquilo que os publica- According to Matthew [Grand Rapids, MI:
nos e gentios são (por estarem acomodados Wm. B. Eerdmans Publishing, 1992], 133).
aos padrões normais de moralidade) e aquilo 5
F. Blass e A. Debrunner, A Greek Gram-
que os discípulos haverão de ser (se optarem mar of the New Testament (Chicago, Chicago
pelo padrão de Cristo). Mas ele não entra no University Press, 1961), 362. Veja também
aspecto soteriológico da questão, nem define Daniel B. Wallace, Greek Grammar Beyond
sua opinião sobre se tal promessa se cumpre the Basics: An Exegetical Syntax of the New
na santificação ou na glorificação do crente Testament (Grand Rapids, MI: Zondervan,
(Alexander B. Bruce, “The Synoptic Gos- 1995), 569.
pels” in W. Robertson Nicoll, Expositor’s 6
Eduard Schweizer, Good News Accor-
Greek Testament [Grand Rapids, MI: Eerd- ding to Matthew, (London: SPCK, 1976), 135.
mans, 1988], 1:115). John Nolland, por sua 7
É interessante que Mateus 7:29 traz um
vez, prefere interpretar e;sesqe como sendo detalhe nem sempre percebido pelas moder-
um futuro de características imperativas (“vo- nas traduções e que mostra a ruptura entre
cês deverão ser”). Para ele o vínculo natural Jesus e o ensino dos escribas e fariseus. O
74 / Parousia - 2º semestre de 2008
grego traz um pronome possessivo que lite- dois escribas que, na época de Jesus, repre-
ralmente chama os escribas de “escribas de- sentavam aqueles conheciam a “vontade de
les” (kai. ouvc w`j oi` grammatei/j auvtw/n). Deus”. O povo comum que não tinha aces-
8
Glen H. Stassen, “The Fourteen Triads so ao escrito e conteúdo da lei, se limitava
of the Sermon on the Mount (Matthew 5:21- a estudar o seu comportamento e tê-los por
7:12)” in Journal of Biblical Literature, 122/2 padrão de conduta.
(2003), 267. Além da função de modelos morais, aos
9
No tempo de Jesus a maioria das pesso- escribas estava a incumbência de fazer não
as tinham uma visão de Deuteronômio 24:1 somente comentários como adições à lei,
baseada na interpretação da escola de Hillel, que serviam para atualizá-la e proteger o seu
o Velho, segundo a qual um homem poderia conteúdo. Por isso é perfeitamente pertinente
se divorciar de uma mulher por qualquer ra- aplicar a este grupo as palavras de Cristo em
zão tola, até mesmo uma acidental queima 5:21-48.
do alimento. Apenas uma minoria seguia a 16
E. Morin, 136 e 137.
opinião de Shammai, que só admitia o divór- 17
Veja a versão inglesa do texto targú-
cio em caso de adultério (Cf. Mishna Gittin, mico feita em 1862 por J. W. Etheridge em
9.10. Veja: T. Hieros. Gittin, fol. 49.4; Sota, The Targums of Onkelos and Jonathan Ben
fol. 16.2; Bemidbar Rabba, 9, fol. 195.2). Uzziel – On the Pentateuch With The Frag-
10
J. Schreiner; G. Dautzengerg, Forma e ments of the Jerusalem Targum From the
exigências do Novo Testamento, Nova Cole- Chaldee. Disponível online em http://targum.
ção Bíblica (São Paulo: Ed. Paulinas, 1977), info/?page_id=7.
275; G. Börnkamm “Der Aufbau der Berg- 18
Matthew Black, An Aramaic Approach
predigt” New Testament Studies 24 (1978), to the Gospels and Acts (Oxford: Clarendon
419-432. Press, 1946), 138.
11
Dale C. Allison Jr., “The Structure of 19
H. H. Esser, “oivktirmo,j” in Lothar Co-
the Sermon on the Mount” in Journal of Bi- enen, Colin Brown, O Novo Dicionário In-
blical Literature, 3 (setembro de 1987), 422 e ternacional de Teologia do Novo Testamento
423. J. Smit Sibinga, “Exploring the Compo- (São Paulo: Ed. Vida Nova, 1989), 3:181.
sition of Matth. 5-7”, Filologia Neotestamen- 20
Para exemplos de expressões rabíni-
taria 7(1994), 175-196. cas tardias que parecem incentivar o ódio
12
Steve Carpenter, “The Structure and aos gentios e israelitas dissidentes veja John
Message of the Sermon of the Mount” dis- Lightfoot, A Commentary on the New Testa-
ponível em http://wsminternational.com/ ment from the Talmud and Hebraica –Mat-
pdf/Sermon%20on%20the%20Mount.pdf. thew – Mark (Grand Rapids, MI: Baker Book
Dale C. Allinson, propõe que o texto deveria Houase, 1979), 2:133, 134. Alguns autores
começar no capítulo 4:23 devido à menção mais recentes pensam que se trata de uma
que o texto faz às numerosas multidões que adição encontradiça também nos Manuscri-
seguiam a Cristo (comp. com 8:1). Cf. Dale tos do Mar Morto, mais especificamente na
C. Allison Jr., 429. Regra da Comunidade 1 QS 1.9-11, 4. “To
13
C. H. Dodd, Gospel and Law (Cambrid- love all the sons of light, each according to
ge: Cambridge University Press,1951), 42. his lot in God’s counsel, but to hate all the
14
E. Morin, Jesus e as estruturas de sons of darkness, each according to his guilt
seu tempo (São Paulo: Ed. Paulinas, 1981), in provoking God’s vengeance! ... To hate all
134-136. that He (God) has despised.”
15
E. Morin, 137. Os escribas tinham mais 21
Disponível em http://strongsnumbers.
importância que os anciãos e que os próprios com/greek/5046.htm.
pais. Quando passavam pela rua eram ge- 22
Gerhard Delling, “te,leioj” in Theo-
ralmente saudados de pé. No final do dia da logical Dictionary of the New Testament, Ed.
expiação, a multidão que acompanhara o mo- G. Kittel, G. Friedrich (Grand Rapids, MI:
vimento do sacerdote até entrar no santuário, Eerdmans, 1983), vol. 8, 74.
voltava-se para seguir cerimoniosamente a 23
Delling, 72.
Perfeição humana? Uma análise lingüística de Mateus 5:48 / 75
24
John B. Payne, “Tâman” in R. Laird “denominação”. A paronomásia também é
Harris, Gleanson L. Archer Jr. e Bruce K. chamada de trocadilho, de calembur, de pa-
Waltke, Dicionário Internacional de Teolo- rênquese ou de jogo de palavras. Demetrio
gia do Antigo Testamento ( São Paulo: Ed. Estébanez Calderón, Diccionario de términos
Vida Nova, 1999), 1647. literarios (Madrid: Alianza, 1996), 809-810.
25
G. Lloyd Carr, “~lv” in R. Laird 30
Matthew Black, 138.
Harris, Dicionário..., 1572-1575. Com exce- 31
Veja um resumo delas em Greg Her-
ção do Salmo 138(139):22 que traz o termo rick, “A Summary of Understanding the
tyliäk.T; como correspondente de te,leioj, to- Sermon on the Mount” disponível em http://
das as demais ocorrências usam o termo para www.bible.org/page.php?page_id=2050.
corresponder às raízes ~lv e ~mT a proporção 32
Joachim Jeremias, The Sermon On The
está em aproximadamente 50% das ocorrên- Mount. The Ethel M. Wood Lecture delivered
cias para cada caso. Edwin Hatch, Henry A. before the University of London on 7 March
Redpath, A Concordance to The Septuagint 1961. London: The Athlone Press, 1961.dis-
(Grand Rapids, MI: Baker, 1987), 2:1342. ponível em http://www.biblicalstudies.org.
26
H. Hübner, 343. uk/pdf/sermon_jeremias.pdf.
27
Idem. 33
Herbert E. Douglass, 101 e 115; de
28
G. Loyd Carr, 1573. modo mais moderado temos também Doug
29
A paronomásia é uma figura de retórica Batchelor, Amazing Facts Insight Report
que consiste no emprego de vocábulos seme- (julho/agosto 2007), 14 disponível em http://
lhantes quanto à sonoridade, mas que se dife- www.amazingfacts.org/portals/0/PDFs/
renciam no que diz respeito ao sentido, não NukeNews/File2/July2007.pdf.
vindo ao caso saber se há ou não parentesco 34
Albert Schweitzer, The Quest of the
etimológico entre as palavras. O termo ori- Historical Jesus: A Critical Study of Its Pro-
gina-se do grego paranomasía, em que para gress, from Reimarus to Wrede, (Londres: A
tem o sentido de “próximo de” e onomasía, & C Black, 1954), 335 e 399.
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 77
que normalmente o ser humano pode tos; 3) Deus criou Adão inocente; 4)
dar o primeiro passo. O semipelagia- o pecado consiste em atos da vontade;
nismo rejeita a doutrina pelagiana 5) apenas a poluição, não o pecado de
defensora da incorruptibilidade mo- Adão, foi imputado aos seus descen-
ral do ser humano ao nascer e tam- dentes; 6) a depravação do homem
bém rejeita a doutrina agostiniana da não é total, e sua vontade se inclina
completa corrupção e escravidão do para Deus e para o bem; 7) a expiação
homem natural. Também repudiava não era necessária, mas uma vez que
o conceito pelagiano de graça como foi oferecida está disponível a todos;
um mero auxílio externo; renegava, 8) a expiação não efetua a salvação
igualmente, a doutrina agostiniana da dos seres humanos, apenas torna-a
soberania, irresistibilidade e limita- possível; 9) a salvação só é efetiva
ção da graça. Afirmava a necessidade quando aceita voluntariamente pelo
da operação interna da graça através pecador penitente; 10) a regeneração
do agente humano, uma expiação ge- é determinada pela vontade humana,
ral através de Cristo e a predestinação não por um decreto; 11) em si mesma
para a salvação, condicionada pela a fé é uma boa obra; 12) não existe
presciência da fé. O semipelagianis- distinção entre graça comum e graça
mo se encaixava bem na piedade as- especial; 13) a graça pode ser resisti-
cética e legalista da idade média. Na da; 14) a justiça de Cristo nunca é im-
verdade, permaneceu no interior da putada; 15) o crente pode atingir plena
igreja católica sem nunca haver pro- conformidade com a vontade divina
duzido uma seita independente.9 nesta vida, mas também pode cair da
No século XVII surgiu outro mo- graça e se perder eternamente.12
vimento perfeccionista, o arminianis- O perfeccionismo católico pode
mo. Seu proponente foi Jacó Armínio, ser percebido através desta seqüên-
um reformador holandês que enfati- cia: “Por sua vontade, ela [a pessoa
zava o livre arbítrio em oposição ao humana] é capaz de ir ao encontro
credo calvinista da eleição incondi- de seu verdadeiro bem. Encontra sua
cional e da graça irresistível. A po- perfeição na ‘busca e no amor da ver-
sição arminiana foi estabelecida for- dade e do bem’”.13 Já a “perfeição
malmente em 1610.10 Os arminianos moral consiste em que o homem não
argumentam que a liberdade humana seja movido ao bem exclusivamente
não é incompatível com a soberania por sua vontade, mas também por seu
divina e que Jesus Cristo morreu por apetite sensível”.14 A graça, no cato-
todos, não apenas pelos eleitos.11 licismo “é necessária para suscitar e
A seguir, alguns dos princípios de- manter nossa colaboração na justifi-
fendidos pelos arminianos: 1) os seres cação pela fé e na santificação pela
humanos são agentes livres e os even- caridade”.15 A colaboração humana
tos humanos são intermediados pela também está presente na noção dos
presciência divina; 2) os decretos de méritos humanos, “O mérito do ho-
Deus são condicionais, não absolu- mem diante de Deus, na vida cristã,
80 / Parousia - 2º semestre de 2008
te como uma obra de graça que salva. função do seu amor. Há outra palavra
A perfeição de Deus é a sua vontade relacionada com a sua perfeição e
perfeita, plena, completa, indivisível, esta é “santidade”. Por sua vez, o Is-
fiel, dedicada ao homem, para salvá- rael redimido é convocado a “temer a
lo, para revivificá-lo, para mantê-lo Deus”, o que se constitui numa expe-
salvo no caminho da santificação, riência dinâmica com o Deus santo e
em companheirismo e parceria com amorável. Esta experiência com Deus
o amorável Criador, mesmo quando é definida em termos de “andando em
o homem é infiel e se afasta dAquele todos os seus caminhos, e a ele vos
que é perfeitamente amorável (cf. Os achegardes” (Dt 11:22), noutras pala-
11:1-7; Ez 16), (p. 43-44). vras, imitando a Deus na ética social,
A palavra tamim, geralmente tra- em justiça e em misericórdia, “Santos
duzida por “perfeito”, não serve para sereis, porque eu, o SENHOR, vosso
descrever a essência de Deus, mas a Deus, sou santo” (Lv 19:2). Assim, a
sua obra, o seu caminho, as promes- santidade, esta qualidade divina (qo-
sas do seu concerto. Portanto, tamim desh) denota uma categoria completa-
aponta para uma noção de funciona- mente sui generis, não pertencente ao
lidade da relação de Deus com Isra- meio do pensamento filosófico-abstra-
el, mais especificamente, o ato pelo to, pois supera as noções próprias da
qual Deus livrou Israel da escravidão competência da ética. A santidade per-
do Egito como um completo cumpri- tence ao ambiente da experiência reli-
mento das promessas do concerto; giosa do coração, à confrontação com
que o seu modo de conduzir e prote- a realidade da personalidade de Deus,
ger Israel é o fiel cumprimento de sua pela qual uma nova luz procedente de
palavra; que a sua Torah ou instrução cima ilumina o coração, a consciência
a Israel é plenamente eficaz. Tamim e os valores morais. É somente nesta
funciona somente num sentido, para experiência com a santidade de Deus
indicar a plenitude, a inteireza, a esta- que o homem pode avaliar a si pró-
bilidade e confiabilidade da vontade prio perante o Deus santo e perceber
de Deus, o seu amor e a sua obra para a hediondez do seu pecado. É através
redimir o seu povo pactual de um desta percepção da santidade de Deus
modo perfeito. Pode-se dizer que esta que o pecado é qualificado não ape-
perfeição divina é perfeita em seu es- nas como uma transgressão do código
copo de pretender a perfeição do ho- moral, mas como uma rebelião contra
mem e do mundo (p. 45). a Pessoa de Deus (Jr 14:20; Sl 51:4),
Visto que a perfeição divina é como desobediência ao Doador da
percebida na sua completa dedicação lei, como abandono do concerto com
ao homem, este é redimido a fim de Deus (Jr 2:13; Is 1:3; Os 4:7), como
viver inteiramente para Deus e com- prevaricação contra o Deus santo (Dt
pletamente para o seu semelhante (Dt 32:51), (p. 45-47).
6:4ss; Lv 19:18). Contudo, a perfei- Há outras palavras diretamente
ção divina não é definida apenas em ligadas à noção de perfeição divina:
84 / Parousia - 2º semestre de 2008
sem perder a sua comunhão com os voltar as costas para Deus, como o
homens (p. 66). deixar de andar com Deus, como uma
Pela perspectiva de LaRondelle, a negação da verdadeira humanidade,
qualificação teológica do ser humano visto que o homem, criado à imagem
como imagem de Deus está implícita de Deus, deve obediência e confiança
no kerigma religioso-moral pelo qual implícita ao seu Criador (p. 93).
o homem é convocado a refletir e hon- A resposta do Criador à queda do
rar pelo seu caráter e pela sua vida, em homem é vista em Gênesis 3:21, e
sua autoridade e domínio sobre a ter- pode ser melhor compreendida à luz
ra, conforme a perfeição do caráter do de sua conexão teológica com o con-
seu Criador. Assim como o Criador, certo divino com Israel, fundamenta-
que coroou o ser humano com glória e do em graça e esperança messiânica.
honra e o exalta como aquele que atua O ato divino pelo qual Ele providen-
totalmente perfeito, assim o homem é cia “vestimentas de pele para Adão
chamado a seguir e imitar a Deus, a e sua mulher”, para que se vistam e
reunir toda a criação para proclamar a cubram a sua pecaminosidade, aponta
glória de Deus, para louvar a beleza e para a cobertura divina do pecado e
a majestade da perfeição do caráter de da culpa humana (p. 97-98).
Deus (Sl 19; 113; 148), (p. 68). A chave para desvendar o signifi-
A existência de um mandamento cado da protologia de Israel em Gêne-
que proíbe ao homem o comer da ár- sis 1-11 se encontra em Gênesis 12:3,
vore do conhecimento do bem e do com o chamado e a eleição de Abraão
mal (Gn 2:16-17) aponta para a deci- por Yahweh para ser uma bênção a
são autônoma de Deus de modo que “todas as famílias da terra” que se en-
o propósito educativo do teste pode contram sob maldição (Gn 3:17; 4:11;
ser descrito como o despertamen- 9:25), (p. 95-96).
to da consciência moral do homem,
como uma motivação a seguir ao seu Perfeição humana no
culto e na ética de Israel
Criador pela fé. Nesse sentido, o de-
senvolvimento da perfeição humana Segundo LaRondelle, o culto em
não se encontra no caminho da deso- Israel é determinado pela história da
bediência e do afastamento de Deus, salvação, ou seja, o livramento espe-
noutras palavras, pelo comer da “ár- cial do Egito, a história do Êxodo e o
vore do conhecimento do bem e do concerto no Sinai, o que constituiu a
mal”, mas na senda da obediência Israel como o povo peculiar e santo de
consciente pela fé e pela confiança Yahweh. Esta salvação perfeita do po-
no Criador e Pai (p. 90-91). der escravizante do Egito, bem como
Na protologia de Israel em Gêne- a posterior constituição de Israel como
sis, o pecado não é visto como impul- uma nação no Monte Sinai, foi intro-
so impessoal e pecaminoso da nature- duzida, acompanhada e comemorada
za humana, mas como desobediência, por sacrifícios cúlticos, especialmente
emancipação e autonomia, como o pelo ritual do cordeiro pascal. A inter-
86 / Parousia - 2º semestre de 2008
pelo concerto de amor que deve ser todo o coração, confia e obedece a
vivenciado de todo o coração, com Yahweh de acordo com os mandamen-
confiança e obediência a Yahweh. tos cúlticos e sócio-éticos do concer-
Assim, a perfeição de Israel deve ser to divino. Isto significa que a ética da
vista na imitação de Deus, isto é, no justiça social de Israel é condicionada
seguir a Deus através com uma ética e qualificada pela redenção cúltica e
cúltico-religiosa (p. 104-105). pela bênção (Dt 25:13-16; Lv 19:36;
Pv 11:1; Jó 31:6), (p. 112).
Porventura o Antigo Testamento Na vida de Israel há uma união
define perfeição como impecabili- indissolúvel entre o culto e a ética. O
dade? que caracteriza a justiça do justo é a
sua atitude em cultuar, não sua mora-
Os Salmos reproduzem e conser-
lidade como tal, ou sua perfeição éti-
vam a Torah no culto de Israel, em
ca, ou sua impecabilidade, visto que o
sua liturgia, suas canções, em suma,
culto determina a qualidade de sua éti-
em sua vida religiosa e na sua ética
ca, decidindo seu destino, sua vida e
(p. 110). É comum nos Salmos e na li-
sua morte (Sl 15; 24; 5:4-7), (p. 113).
teratura sapiencial a divisão de todos
Os Salmos e a literatura sapien-
os homens em duas classes: os justos
cial associam perfeição com justiça
(tsaddiqim) e ímpios (reshaim). Jus-
de um modo tão íntimo que justiça e
tos são aqueles que amam e temem
perfeição ou inculpabilidade são usa-
Yahweh e que fazem o que é reto aos
dos como sinônimos (Gn 6:9; Jó 12:4;
seus semelhantes, vivendo em amo-
Sl 7:9; 15:2; 18:22-23; 37:17-18; Pv
rável obediência a toda a lei (Sl 1:2;
11:5). Isto indica que os termos per-
15:4; 18:1ss; 119:14-16, 35), (p. 111).
feição, inculpabilidade, integridade e
Os ímpios se caracterizam, não por
justiça são todos termos éticos defini-
sua imoralidade, mas por sua irreli-
dos pelo concerto cúltico-religioso de
giosidade; eles dizem no seu coração:
Israel com Yahweh (p. 113).
“Não há Deus” (Sl 14:1), isto é, eles
não reconhecem a Deus (p. 112). Perfeição no culto e na ética:
Outra característica básica nos Sal- impecabilidade?
mos e na literatura sapiencial é a ex-
periência do temor de Deus, ou seja, Nem a Torah, nem os Salmos se
o conhecimento espiritual de Deus baseiam num dogmatismo a prio-
através da Torah e a experiência cúl- ri pelo qual o israelita sincero pode
tica do concerto com a graça expiató- viver em obediência à lei de Yahweh
ria de Yahweh (Sl 25:14; 102:15; 111; sem expiação, sem a necessidade de
119:38; 130:4; Jó 28:28; Pv 1:7; 3:7; perdão, isto é, sem pecado (Gn 8:21;
9:10; Ec 5:7; 12:13). Tudo isso carac- Lv 4ss; Sl 14:1-3; 40:7ss; 143:2;
teriza o justo, não como virtuoso ou 130:3ss; cf. Jó 14:4; 1Rs 8:46), (p.
eticamente perfeito, mas como um ser 113). Ao contrário, os Salmos reve-
religioso que, motivado pelo amor re- lam a necessidade do contínuo perdão
dentivo de Yahweh, por um amor de de Yahweh e da contínua necessidade
88 / Parousia - 2º semestre de 2008
de graça redentiva (Sl 25:10; 103:8, perante Deus é retratada não como
17ss; 89:1ss, 14), (p.113-114). uma perfeição ética inerente, mas
Nesta seção de sua tese, LaRon- pela justiça imputada e pela pureza,
delle faz referência aos denominados de acordo com o culto pactual. Por
Salmos anti-cúlticos (Sl 40:6ss; 50:14; ordem de Yahweh, as vestes sujas, ou
51:16-19). Não que nestes Salmos seja, as iniqüidades de Israel são re-
os sacrifícios fossem rejeitados, mas movidas de Josué e trocadas por tra-
que mesmo o sacrifício de um animal jes finos e um turbante limpo. Outro
perfeito não era aceitável a Deus. So- fato relevante é a comissão e a pro-
mente quando os sacrifícios fossem messa feita a Josué: “Se andares nos
acompanhados pela atitude de um co- meus caminhos e observares os meus
ração dedicado e consagrado, ou seja, preceitos, também tu julgarás a minha
por arrependimento, confissão, repara- casa e guardarás os meus átrios, e te
ção, abandono dos pecados e louvor a darei livre acesso entre estes que aqui
Yahweh é que poderiam ser aceitáveis se encontram” (Zc 3:7), (p. 154).
(cf. 1Sa 3:14; 15:24ss; 7:5ss; Lv 5:5; Com uma clareza indiscutível o
16:21; Nm 5:7; Jr 3:24; 2:35; Jó 42:8). profeta revela a dupla mensagem de
Em outras palavras, apenas aqueles sa- que Yahweh é fiel ao Seu concerto
crifícios que fossem apresentados pelo através do perdão concedido e pela
participante no espírito do Salmo 4:5; perfeição imputada ao seu povo pac-
19:12ss; 50:5; 66 e, principalmente, o tual, mas, ao mesmo tempo, que a
Salmo 51:17, “Sacrifícios agradáveis a justificação não significa quietismo.
Deus são o espírito quebrantado; cora- Ética e culto ainda continuam num
ção compungido e contrito, não o des- relacionamento dinâmico e indissolú-
prezarás, ó Deus” (p. 131-132). vel, no qual a ética do viver obedien-
Perfeição, portanto, não é uma re- te, ou santificação, está fundamentada
alização individualística de um ideal e enraizada no dinamismo cúltico da
humano ou uma virtude, mas o cami- justificação divina. Mas, sobretudo,
nhar cúltico-religioso com o Deus do que os pecados de fraqueza que são
concerto, manifestado no caminhar trazidos em arrependimento perante
sócio-ético com os semelhantes, numa Yahweh (as vestes sujas) nunca podem
ser a causa de condenação ou rejeição
obediência moral de todo o coração
de Israel por Yahweh, mesmo quando
ao concerto de Yahweh (p. 137).
o acusador é Satanás (p. 154).
Quase no fim do seu terceiro ca-
pítulo, LaRondelle discorre sobre a
Cristo e perfeição
combinação de dois motivos: a falsa
acusação e a perfeição. Para tanto, ele A palavra teleios, normalmente
comenta o quadro gráfico apresen- traduzida por “perfeito” no Novo Tes-
tado em Zacarias 3. Nesse capítulo, tamento, aparece três vezes no evan-
Satanás acusa o sumo sacerdote Jo- gelho de Mateus (5:48 e 19:21). No
sué, que se encontra diante do anjo do caso do imperativo de Cristo em Ma-
SENHOR (3:1). A perfeição de Israel teus 5:48, “sede vós perfeitos como
Resenha crítica do livro Perfection & Perfectionism / 89
Referências
1
“Perfectionism”, Nelson’s Dictionary 8
Ibidem.
of Christianity (NDC), ed. George T. Kurian 9
Ibidem, “S: 159. Semi-Pelagianism”.
(Nashville, TN: Thomas Nelson, 2005), 542. 10
Para uma melhor noção sobre a opera-
2
Aecio E. Cairus, “Is the Adventist Faith ção da graça divina conforme expressa pelo
Legalistic?”, Journal of the Adventist Theo- arminianismo, ver “The Five Articles of Ar-
logical Society, 7/2 (Autumn 1996): The Ad- minianism”, em “Remonstrants”, New Schaff-
ventist Task, pesquisa feita na internet, no site Herzog Encyclopedia of Religious Knowled-
http://www.atsjats.org/publication.php?pub_id ge, vol. 9, pesquisa feita na internet, no site,
=276&journal=1&cmd=view&hash=, acessa- http://www.ccel.org/ccel/schaff/encyc09.
do em 16 de setembro de 2008. html?term=remonstrants, acessado em 23 de
3
Ibidem. setembro de 2008.
4
“Pelagius”, NDC, 539. 11
“Arminianism”, NDC, 47.
5
Philip Schaff, “II. The Fall of Adam and 12
Ibidem.
its Consequences”, History of the Christian 13
Catecismo da igreja católica (São Pau-
Church (HCC), vol. 3, pesquisa realizada na lo: Editora Vozes, 1993), parágrafo (§) 1704,
internet, no site, http://www.ccel.org/ccel/ 467.
schaff/hcc3.txt, acessado em 23 de setembro 14
Ibid., § 1770, 479-480.
de 2008. 15
Ibid., § 2001, 527.
6
Ibidem, “S: 151. The Pelagian System 16
Ibid., § 2008, 530. Grifos originais.
Continued”. 17
Norman R. Gulley, “Good News About
7
Ibidem, “IV. The doctrine of the Grace the Time of Trouble”, Journal of the Adven-
of God”. tist Theological Society, 7/2 (Autumn 1996):
94 / Parousia - 2º semestre de 2008
Resumo: O presente artigo apresenta Since it was out of print for the first
a história e o impacto causado pela time in United States, in 1957, the
publicação da obra Seventh-day Ad- book was in the middle of an intense
ventists Answer Questions on Doctrine controversy between scholars, minis-
na Divisão Sul-Americana da Igreja ters, and Adventists lays, mainly by the
Adventista do Sétimo Dia. Desde que anti-perfectionist´s ideas defense con-
saiu do prelo pela primeira vez nos Es- tained on the book. First published in
tados Unidos, em 1957, o livro esteve Portuguese and Spanish in a fraction-
no centro de intensa polêmica entre ated form on Adventists periodicals,
eruditos, ministros e leigos adventistas, between the years 1960-70, Questions
principalmente pela defesa de idéias on Doctrine first became in Spanish
anti-perfeccionistas em suas páginas. on it´s integral format, in 1986, and
Inicialmente publicado em português now has a pre-launch in Portuguese
e espanhol de forma fracionada em to 2009 February. The article basic
periódicos adventistas, entre os anos content was presented by the author
1960-70, Questions on Doctrine sur- in a plenary lecture at “Questions on
giu no formato integral primeiro em Doctrine 50th Anniversary Confer-
espanhol, em 1986, e agora tem data ence”, happened at Andrews Uni-
de lançamento em português definida versity (Berrien Springs, Michigan,
para fevereiro de 2009. O conteúdo EUA), from October 24 th to 27 th, 2007.
básico deste artigo foi apresentado
pelo autor em uma palestra plenária na
Questions on Doctrine 50th Anniversa- Introdução
ry Conference, ocorrida na Andrews O processo de produção e publi-
University (Berrien Springs, Michigan, cação da obra, com 720 páginas, inti-
EUA), de 24 a 27 de outubro de 2007. tulada Seventh-day Adventists Answer
Questions on Doctrine (conhecida
Abstract: This article presents the popularmente apenas como Ques-
history and the impact caused by tions on Doctrine)1 gerou muita tur-
the work´s publication “Seventh-day bulência na Igreja Adventista do Séti-
Adventists Answer Questions on Doc- mo Dia, especialmente na América do
trine” on South America division. Norte e Austrália.2 De um lado, estava
96 / Parousia - 2º semestre de 2008
Ellen G. White e outros escritos por pela primeira vez em um único livro,
Roy A. Anderson e W. E. Read. Esses intitulado Questões Sobre Doutrina:
materiais prepararam o caminho para o clássico mais polêmico da história
a publicação do próprio conteúdo do do adventismo. Enquanto a versão de
Questions on Doctrine em duas sé- 353 páginas em espanhol estava base-
ries paralelas de artigos. A série de 85 ada na edição de 1957 do Questions
partes em português continuou entre on Doctrine, a versão de 510 páginas
janeiro-fevereiro de 1960 e março- em português foi traduzida da “Edi-
abril de 1976, e foi a mais completa ção Anotada” de 2003. Enquanto a
das duas series, pois incluiu, além de primeira já está esgotada há muitos
algumas partes suprimidas em espa- anos, a segunda começará a circular
nhol, também os Apêndices do livro, apenas 23 anos depois, ou seja, a par-
compilados dos escritos de Ellen G. tir de fevereiro de 2009.
White. Por sua vez, a série de 84 No território da Divisão Sul-Ame-
partes em espanhol apareceu entre ricana, o Questions on Doctrine tem
janeiro-fevereiro de 1960 e maio- sido considerado, ao longo dos anos,
junho de 1978, e deixou fora algu- não apenas como uma expressão
mas partes do livro, especialmente genuína e confiável da teologia ad-
os Apêndices. Úteis como possam ter ventista do sétimo dia, mas também
sido essas séries para os pastores da- como um valioso corretivo às tendên-
quela época, elas acabaram restritas, cias legalistas e perfeccionistas pré-
em grande parte, às revistas nas quais Quetions on Doctrine. Este tem sido
foram publicadas, não mais estando o caso especialmente pelo fato de a
diretamente disponíveis às novas ge- educação teológica na divisão ter sido
rações de pastores. fortemente influenciada pelas idéias
O plano de dar à série de artigos anti-perfeccionistas de eruditos como
em espanhol uma base mais perma- LeRoy E. Froom, Edward Heppens-
nente tornou-se finalmente realida- tall, Raoul Dederen, e Hans K. La-
de em 1986, quando a imprensa do Rondelle. Além disso, não podemos
Colegio Adventista del Plata lançou desconhecer a tradicional tendência
o livro Los adventistas responden a sul-americana de respeito e lealdade à
preguntas sobre doctrina. Seguindo liderança da Associação Geral, onde o
a linha da série de artigos que o ante- Questions on Doctrine foi realmente
cedeu, o livro também foi publicado concebido e produzido. Foi somente
sem os Apêndices do Questions on no final da década de 1990 que críti-
Doctrine. Reimpressões adicionais cas significativas ao livro começaram
do livro foram feitas basicamente a chegar a esta região do mundo, atra-
mediante a solicitação de alguns pro- vés dos assim denominados “ministé-
fessores que o usariam em sala de rios independentes de extrema direi-
aula. Por contraste, somente em 2009 ta”. Mas o forte tom belicoso dessas
é que o conteúdo básico da série de críticas conseguiu gerar discípulos
artigos em português será integrado apenas entre aqueles que comparti-
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 105
lham do mesmo espírito agressivo. plos mais claros é o fato de que a ex-
Independente da circulação do Ques- tensão brasileira do assim-chamado
tions on Doctrine, o pensamento teo- Christian Research Institute (Institu-
lógico da Igreja Adventista do Sétimo to Cristão de Pesquisa), estabelecida
Dia na América do Sul tem seguido e dirigida por muitos anos por Nata-
muito de perto os conceitos desse li- nael Rinaldi, ainda continua conside-
vro tão influente. rando o Adventismo como uma seita
Entretanto, enquanto o original herética, em direta oposição à sua
em inglês do Questions on Doctrine matriz norte-americana, fundada e
circulou amplamente entre não-ad- dirigida por muito tempo por Walter
ventistas (especialmente em Semi- Martin. Aquela extensão ainda con-
nários Teológicos e líderes religio- tinua difundindo essa consideração
sos de outras denominações), suas agressiva entre os evangélicos. Com
versões em espanhol e português isso em mente, poderíamos indagar:
ficaram confinadas, pelo menos até A igreja no Brasil irá divulgar a ver-
2009, quase que exclusivamente aos são brasileira de 2009 do Questões
pastores, professores e estudantes de Sobre Doutrina também em círculos
teologia adventistas. A circulação do não-adventistas? Se esse for o caso,
livro na América do Norte ajudou terá essa publicação tardia o mesmo
muitos evangélicos a romper com a efeito sobre os evangélicos brasilei-
tradição belicosa anti-adventista de ros que a edição original teve sobre
D. M. Canright. Por contraste, na os evangélicos norte-americanos no
América do Sul (especialmente no final da década de 1950 e início da de
Brasil) esse espírito agressivo sobre- 1960? Somente a passagem do tempo
viveu em muitos círculos evangélicos nos permitirá responder com proprie-
conservadores. Um dos seus exem- dade a essas perguntas.67
Referências
1
Seventh-day Adventists Answer Ques- Origin of Questions on Doctrine” (documen-
tions on Doctrine (Washington, DC, EUA: to não publicado, s.d., CAR-AU), 7. Cf. R. R.
Review and Herald, 1957). Figuhr, “The Pillars of Our Faith Unmoved”,
2
Informações úteis sobre a produção do Review and Herald, 24 de abril de 1958, 5-6.
Questions on Doctrine e os debates sobre ele 5
Richard W. Schwarz e Floyd Greenleaf,
são providas em T. E. Unruh, “The Seventh- Light Bearers: A History of the Seventh-day
day Adventist Evangelical Conferences of Adventist Church, 2ª. ed., rev. (Nampa, ID,
1955-1956”, Adventist Heritage 4 (inverno EUA: Pacific Press, 2000), 388-89.
de 1977): 35-46. 6
1929 Year Book of the Seventh-day
3
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Walter Martin”, Adventist Currents, julho EUA: Review and Herald, 1929), 22.
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Siegfried H. Horn e Lynn H. Wood,
Martin a [Neal C.] Wilson, 16 de fevereiro de The Chronology of Ezra 7 (Washington, DC,
1983, CAR-AU. EUA: Review and Herald, 1953).
4
Roy A. Anderson, “Brief Story of the 8
Siegfried H. Horn e Lynn H. Wood,
106 / Parousia - 2º semestre de 2008
“La cronología de Esdras 7”, série de 9 par- zembro de 1956, 24) e apartir do tópico “4.
tes em El ministerio adventista (Argentina), Forgiveness Solely through Blood of Christ”
novembro-dezembro de 1954, 11-13; janei- até o final da compilação (Ministry, janeiro
ro-fevereiro de 1955, 11-16; março-abril de de 1957, 42-43).
1955, 9-15; maio-junho de 1955, 10-15; ju- 8
W. E. Read, “The Incarnation of the Son
lho-agosto de 1955, 7-15; setembro-outubro of Man”, Ministry, abril de 1957, 23-26.
de 1955, 7-13; novembro-dezembro de 1955, 9
R[oy] A. A[nderson], “‘God with Us,’”
8-10; janeiro-fevereiro de 1956, 10-16; mar- Ministry, abril de 1957, 32-35.
ço-abril de 1956, 7-14. 20
W. E. Read, “A Encarnação do Filho do
9
Siegfried H. Horn e Lynn H. Wood, “A Homem”, O Ministério Adventista (Brasil),
Cronologia de Esdras 7”, série de 9 partes em novembro-dezembro de 1957, 18-20; Roy A.
O Ministério Adventista (Brasil), julho-agos- Anderson, “Deus Conosco”, ibid., 7-9.
to de 1955, 9-11; setembro-outubro de 1955, 2
W. E. Read, “La encarnación y el Hijo
7-11; novembro-dezembro de 1955, 7-12; ja- de Hombre”, El ministerio adventista (Ar-
neiro-fevereiro de 1956, 7-11; março-abril de gentina), novembro-dezembro de 1957, 17-
1956, 7-13; maio-junho de 1956, 8-13; julho- 20; Roy A. Anderson, “Dios con nosotros”,
agosto de 1956, 6-8; setembro-outubro de ibid., 7-9.
1956, 10-14; novembro-dezembro de 1956, 22
R[oy] A. Anderson, “Ideas on the Ato-
4-10. nement Contrasted”, Ministry, janeiro de
10
[Ellen G. White], “Christ’s Place in the 1959, 13-18.
Godhead”, Ministry, maio de 1956, 26-29. 23
R[oy] A. Anderson, “The Atonement in
11
[Ellen G. White], “O Lugar de Cristo Adventist Theology”, Ministry, fevereiro de
na Divindade”, O Ministério Adventista (Bra- 1959, 10-15, 47.
sil), novembro-dezembro de 1956, 16-19. 24
R. Allan Anderson, “Contrastes nas
12
[Ellen G. White], “El lugar de Cristo en Idéias Sôbre Expiação”, O Ministério Ad-
la Deidad”, El ministerio adventista (Argen- ventista (Brasil), julho-agosto de 1959, 7-11;
tina), novembro-dezembro de 1956, 20-23. idem, “A Expiação na Teologia Adventista”,
Na versão em espanhol, o Tópico 2 (“Always ibid., setembro-outubro de 1959, 7-11.
with Eternal God”) da Seção II (“Eternal Pre- 25
Roy A. Anderson, “Contraste de con-
existence of Christ”) foi suprimido. ceptos en torno a la expiación”, série de 2
13
[Ellen G. White], “Christ’s Nature dur- partes em El ministerio adventista (Argen-
ing the Incarnation”, Ministry, setembro de tina), julho-agosto de 1959, 8-14; setembro-
1956, 17-24. outubro de 1959, 8-11, 23-24.
14
[Ellen G. White], “La naturaleza de 26
Arnaldo B. C[h]ristianini, “Livros –
Cristo durante la encarnación”, série de 2 para a sua Biblioteca”, O Ministério Adven-
partes em El ministerio adventista (Argen- tista (Brasil), janeiro-fevereiro de 1959, 23.
tina), novembro-dezembro de 1956, 16-20; 27
Propagandas especiais do livro, de uma
janeiro-fevereiro de 1957, 18-24. página completa, apareceram em Ministry,
15
[Ellen G. White], “A Natureza de Cristo novembro de 1957, 29; dezembro de 1957,
Durante a Encarnação”, O Ministério Adven- 38; janeiro de 1958, 44; março de 1958, 40;
tista (Brasil), maio-junho de 1957, 17-23. julho de 1958, 51; agosto de 1958, 40; outu-
16
[Ellen G. White], “The Atonement – bro de 1858, 41.
Atoning Sacrifice and Priestly Application”, 28
Propagandas especiais do livro, de uma
série de 2 partes em Ministry, dezembro de página completa, apareceram em Review and
1956, 18-24; janeiro de 1957, 39-43. Herald, 24 de outubro de 1957, 29; 14 de no-
17
[Ellen G. White], “La expiación–el sa- vembro de 1957, 31; 23 de janeiro de 1958,
crificio expiatorio y su aplicación sacerdotal”, 30; 20 de fevereiro de 1958, 31; 6 de março
série de 3 partes em El ministerio adventis- de 1958, 30; 20 de março de 1958, 31; 24 de
ta (Argentina), março-abril de 1957, 17-20; abril de 1958, 30; 15 de maio de 1958, 21; 29
maio-junho de 1957, 21-24; julho-agosto de de maio de 1958, 31; 5 de junho de 1958, 28;
1957, 17-19. Esta versão em espanhol deixou 19 de junho de 1958, 15; 23 de junho de 1958,
for a toda a Seção “XI. Redemptive Price 78; 7 de agosto de 1958, 28; 21 de agosto de
Completely Paid on Calvary” (Ministry, de- 1958, 30; 5 de maio de 1960, 21.
Questões Sobre Doutrina: história e impacto... / 107
29
F. L. Peterson, “1957 Autumn Council 22-24; setembro-outubro de 1970, 18-20;
Report”, Review and Herald, 28 de novem- janeiro-fevereiro de 1971, 19-20; março-
bro de 1957, 19-20. abril de 1971, 22-24; maio-junho de 1971,
30
E[noch de] O[liveira], “Nota”, O Mi- 23-24; julho-agosto de 1971, 23-24, 22; se-
nistério Adventista (Brasil), janeiro-fevereiro tembro-outubro de 1971, 23-24; novembro-
de 1960, 19. Uma nota semelhante, com pe- dezembro de 1971, 23-24; janeiro-fevereiro
quenas alterações editoriais, foi publicada em de 1972, 21-24; março-abril de 1972, 18-20;
El ministerio adventista (Argentina), janeiro- maio-junho de 1972, 22-24; julho-agosto
fevereiro de 1960, 23. de 1972, 22-23; setembro-outubro de 1972,
3
“Os Adventistas do Sétimo Dia Respon- 23-24; novembro-dezembro de 1972, 23-24;
dem a Perguntas Sôbre Doutrina”, série de 85 janeiro-fevereiro de 1973, 23-24; maio-junho
partes em O Ministério Adventista (Brasil), de 1973, 21-23; setembro-outubro de 1973,
janeiro-fevereiro de 1960, 19-22; março-abril 23-24; novembro-dezembro de 1973, 9-12;
de 1960, 21-23, 16; maio-junho de 1960, 21- janeiro-fevereiro de 1974, 20-22; março-abril
24, 6; julho-agosto de 1960, 17-19; setembro- de 1974, 17-21; maio-junho de 1974, 19-21;
outubro de 1960, 22-23; novembro-dezembro julho-agosto de 1974, 18-22; setembro-outu-
de 1960, 19-20; janeiro-fevereiro de 1961, bro de 1974, 19-22; novembro-dezembro de
19-20; março-abril de 1961, 19-21; julho- 1974, 16-20; janeiro-fevereiro de 1975, 17-
agosto de 1961, 18-20; setembro-outubro de 21; março-abril de 1975, 20-22; maio-junho
1961, 16-19; novembro-dezembro de 1961, de 1975, 18-21; julho-agosto de 1975, 18-21;
18-20; janeiro-fevereiro de 1962, 22-23; janeiro-fevereiro de 1976, 20-24; março-abril
março-abril de 1962, 17-18, 23; maio-junho de 1976, 18-23.
de 1962, 21-24; julho-agosto de 1962, 17-20; 32
“Os Adventistas do Sétimo Dia Res-
setembro-outubro de 1962, 21-22; novembro- pondem a Perguntas Sôbre Doutrina”, O Mi-
dezembro de 1962, 20-21; janeiro-fevereiro nistério Adventista (Brasil), julho-agosto de
de 1963, 18-19; março-abril de 1963, 21-22; 1961, 20.
maio-junho de 1963, 20-23; julho-agosto de 33
Ibid., setembro-outubro de 1961, 18.
1963, 22; setembro-outubro de 1963, 22-23; 34
Ibid., maio-junho de 1963, 20.
janeiro-fevereiro de 1964, 21-23; março-abril 35
Ibid., maio-junho de 1966, 20-21; se-
de 1964, 22-24; maio-junho de 1964, 22-24; tembro-outubro de 1966, 23.
julho-agosto de 1964, 22-23, 18; setembro- 36
Ibid., março-abril de 1970, 18.
outubro de 1964, 21-23; novembro-dezem- 37
Ver a lacuna entre ibid., janeiro-feve-
bro de 1964, 22-24; janeiro-fevereiro de reiro de 1971, 20, e março-abril de 1971, 22.
1965, 21-23, 19; março-abril de 1965, 22-24, 38
Ibid., maio-junho de 1972, 24.
17; maio-junho de 1965, 23-24; julho-agosto 39
Ver a lacuna entre ibid., janeiro-feve-
de 1965, 21, 14, 22-24; janeiro-fevereiro de reiro de 1976, 24, e março-abril de 1976, 18.
1966, 21-24; março-abril de 1966, 22-24, 5, 40
“Preguntas sobre Doctrinas”, série de
11; maio-junho de 1966, 19-23; julho-agosto 84 partes em El ministerio adventista (Ar-
de 1966, 23-24; setembro-outubro de 1966, gentina), janeiro-fevereiro de 1960, 23-24;
22-23; novembro-dezembro de 1966, 22-24; março-abril de 1960, 19-21; maio-junho de
janeiro-fevereiro de 1967, 23-24; maio-junho 1960, 21-22; setembro-outubro de 1960, 20;
de 1967, 23-24; julho-agosto de 1967, 24; novembro-dezembro de 1960, 21-22; janei-
novembro-dezembro de 1967, 21-23; janei- ro-fevereiro de 1961, 21-23; março-abril de
ro-fevereiro de 1968, 21-23; março-abril de 1961, 20-22; maio-junho de 1961, 17-19;
1968, 21-24; maio-junho de 1968, 21-23; julho-agosto de 1961, 16-17; setembro-outu-
julho-agosto de 1968, 22-23; novembro- bro de 1961, 17-23; novembro-dezembro de
dezembro de 1968, 21-23; janeiro-fevereiro 1961, 22-23; janeiro-fevereiro de 1962, 22-
de 1969, 21-23; março-abril de 1969, 21-24; 23; março-abril de 1962, 19-23; maio-junho
maio-junho de 1969, 23-24; julho-agosto de 1962, 22-24; julho-agosto de 1962, 18-23;
de 1969, 19-23; setembro-outubro de 1969, setembro-outubro de 1962, 19-21; novembro-
22-23; novembro-dezembro de 1969, 22-24; dezembro de 1962, 22-23; janeiro-fevereiro
janeiro-fevereiro de 1970, 19-21; março- de 1963, 21-23; março-abril de 1963, 22-23;
abril de 1970, 17-19; julho-agosto de 1970, maio-junho de 1963, 20-23; julho-agosto de
108 / Parousia - 2º semestre de 2008
tions on Doctrine, ed. anotada, Adventist Questões Sobre Doutrina em círculos não-
Classic Library (Berrien Springs, MI, EUA: adventistas no Brasil foram compartilhadas
Andrews University Press, 2003). comigo por Marcos De Benedicto, editor de
67
Algumas considerações sobre a in- livros da Casa Publicadora Brasileira, em um
fluência futura da versão em português do e-mail de 6 de setembro de 2007.