Sei sulla pagina 1di 12
© diabo entrou na floresta. Trouxe consigo, dos quatro cantos do mun- do, milhares de homens. Durante entre 1872 e 1912, incutiu neles a idéia de construir uma quarenta anc ferrovia, talvez o Gnico meio de ven- cer um trecho dos rios Madeira e Mamoré onde vinte cachoeiras impe- diam a navegacao, isolando da civili- zacao Bolivia e parte do Brasil. O diabo se divertiu bastante. Primei- 10 floresta, cheia de indios selvagens e doeneas tropicais, dizimou homens. Depois deu cabo da propria ferrovia — falida e d conta dos trilhos que nao foram rou- tivada, a mata tomou bados. Entaoo didbo foi embora. A Estrada de Ferro Madeira-Mamore, em Rondénia, hoje € como uma cicatriz, marca tragica de uma regiaio: nova- mente esquecida na Amaz6nia. Quase uma ficcao — um drama sem herdis, herdeiros ou memoria MADEIRA-MAMORE exons eee A FERROVIA FAN [por RONALDO ino fotos MARCOS SANTILI TERRA, ano 3, n.7, ed.27, Julho 1994 46 indios, lama, doengas—0 inferno da construgao ‘da Madeira Mamoré. ‘Sobraram poucos Bey trithos, ques floresta engoliv’ s fins de tarde costumam ser movimentados na an- tiga estacio de trens de Porto Velho. O sol se poe enorme sobre © Rio Mat deirs, que 20 largo da estacao, e colore de dourado uma pequena praca onde prostitutas, marreteiros © turistas perambulam assustados, Entram e stem det ancoradas num pequeno cais, Verdadeiras discotecas flutuantes, odo lugar. Trens? Restam poucos. Ninguém presta engio aos velhos galpoes da ferrovia, que comegaram a dar forma a cidade, no comego do século, Restaurados, pintaclos num tom vinho original da época de sua construcio, abrigam os tlt: mos ferroviirios que trabalham com vagar em 18s locomotivas € balsas-bares gigantes loa maior uns poucos vagoes — tudo © que ainda se movimenta da um di glorios Estrada de Ferro Madeira. Mamoré A estacio de Porto Velho & um lug: a pompa ea importincia das loco: decadente, O tempo afastou motivas e dos trilhos, da gente ¢ da historia de onde surgi a cida. de, hoje capital de Rondénia, En- tre 1872 € 1912, travou-se nessa isolada fronteira amazOnica uma guerra contra :floresta, Uma guerra sem vencedores. Um exército de homens, vindos de varias partes do mundo, tentou durante esse tempo construir uma ferrovia, en- Wo 0 tinico meio de transpor um trecho dos rios Madeira e Mamoré onde cerca de vinte cachoeiras impedem qualquer tentativa de navegacdo — €, na €poca, isola vam a regiio do resto do mundo. O inferno durou quarenta anos. Quando acabou, a ferrovia estava condenada No final do século passado, Brasil precisava escoar dali e do Mato Grosso sua crescente pro- dugio de ouro e borricha; ¢ Bolivia, um pais sem litoral, qu ria uma via de ligaclo com a Europa através da AmazOnia, Foi um de 0s indios ¢ as condicoes drama fo: as doencas tropicais, ticas cht floresta impuseram um, bsurdo de mortos, até ferrovia Fosse concluida, “Foi uma odisséia jamais vista na Historia do. Brasil", calcu pesquisador Paulo Saldanha Ma- rinho, de Porto Velho, antigo estudioso dos me:anclros da Ma deira-Mamoré (© que foi e a que serviu a Estrada de Ferro Madeira Mamoré slo questes curiosit menteinsoliveis.N: gratia Diabo", como ficou conhecida, extensit geo" amazOnica, « "Ferrovia do iadonada ao lugar nenhum. Safa do meio da floresta, corria pela floresta, terminava nit floresta. Quando finalmente os 366 quild: metros de trilhos entre as novas cidaclescle Porto Velhoe Guajari- Mirim for Brasil massentados,em 1912, no tinha tantas rique- zas na regio e a Bolivia proge mava chegarao Atlanticoatravés do Canal do Panam, aberto dois, anos depois. Os seringais dos dois paises entravam em declinio por uma ingrata continger durante os anos em que partici: paramda consiruciio da ferrovi 0s ingleses le seringueira na Asia — ha quem diga que elas cram “traficadas” dentro de mas si de piies. Malisia, Ceilio € Cingapura entraram forte com suas proclucdes no mercado in temacional, provocando. uma violenta quedt nos precos do latex. Crueldade do destino: jus- tamente em 1912, a exportacio deborracha da Asia superouada, AmazOnia. E no cat mais Durante se ra-Mamoré servit.entio a fins dlispersos em terras onde hoje ¢ um sementes de sata anos, a Madei- © Estado dle Ronddnia, O princi pal deles: colonizou st regio. 48 MUSEU NA FLORESTA Ninguém sabe, ninguém ve. Da longa estrada de ferro construida para transpor as cachoeiras dos rios Madeira e Mamoré, restam hoje amargas lembrancas. Vagoes sem dono que repousam a0 sol e pontes abandonadas em lugares de acesso muito dificil, ‘como 0 Igarapé Laje, perto de Vila ‘Murtinho. nm A SAGA DOS ERRANTES Eles vieram dos mais distantes paises, atraidos pela idéia da “terra prometida” na desconhocid: Amazénia. Sob terriveis, condicoes de trabalho, muitos dos operarios da Madeira- ‘Mamoré tiveram destinos cruéis: a cadeia dos rebelados, abandonada ‘em Jaci-Parar Comit Candelaria, hoje tomado pela mata. Antes da Madeira-Mamoré, os Unicos sinais de civilizacao proxi ‘mos dali eram Belém do Para e capital da Capit so, Vila Bela. Porto Velho, « mai- or cidade, nasceu em 1907 como um completo acampamento para (0 operiirios — sem isso, a ferro- via jamais teria sido terminada Cidades como Jaci-Para Mutum-Parana, Abuna, Vil Murtinho © Guajari-Mirim, na fronteira com a Bolivia, foram erguidas para abri postos da ferrovia, Unico meiode transporte na regio, os trens al: ‘mentaram a vida nessas paragens 1 do MatoGros- restacdes Ou conduzindo passa borracha, castanhas © mantimen- tos diversos. Mas as viagens, duas por semana entre Porto Velho ‘Guajard-Mirim, sempre deram pre juizo. Em 19 loriano de Oliveira, J anos, ex-chefe da esta ode Guajard-Mirim, lembra do dia em que tudo aconteceu. “Recebi uum telegrama dos milita res pedindo um relat6- rio completo da minha estacao. Depois veio um caminhao, € (o- dos tivemos que embarcar nele feito gado, © ir para Abuna. A ferrovia estava desativada. Era mos homens velhos cansados, vida inteira calejada nos tilhos. Fomos alojados no Batalhiio, nos deram ferramentas e fomos obri- gados a abrir estradas. Era como cavar nossa sepultura.” A abertu ra das rodovias BR-364 © 425, ligando Porto Velho ao Acre € a fronteira da Bolivia, foi o golpe de misericordia para a Madeira. Mamoré — qu ‘na verdade, co- megou a agonizar seis anos antes de os trens deixarem definiti mente de correr Ao 5® Batalhao de Engenharia do Exército, que chegou a Porto Velho em 1966 com a missaio de ‘administrar” a Madeira-Mamorée construir S, mo coube apenas o pesado fi Jo de recrutar ferroviirios quase aposentados para ajudar soldados a derrubar SI Um mito da ferrovia: para cada dormente, um morto. Havia 549 mil dormentes vores ¢ abrir estradas. Ate que ‘um decreto do governo Collor, em marco de 1992, devolvesse a0 Estado as sobras da ferrovia: os armaterial, jogar sueata de maqui- nas imprestiveis no Rio Madeira e simplesmente dar um fim, por falta de espago, na maior parte do acervo documental da ferrovia, fotos, filmes, livros e jomais anti- gos, Na periferia de Porto Velho. € possivel ainda ver um v: plicentemente abandonado nas Aguas do Madeira Muitos turistas estrangeiros che- gam de Manaus em barcos apenas para vera Madeira-Mamoré. Que rem ouvira historia da construcao. ver os trilhos da ferrovia que trou- xe conterriineos deles até aqui, entrar numa maria-fumaca, Nao ha sequer guias para orienta-los. es foram acusadosde desvi Restou. muito pouco”, atesta 0 arquiteto Luiz Leite de Oliveira presidente da Associacio dos Amigos da Madeira-Mamoré, enti- dade que, como pode, batalha pela da memoria dia ferrovia. As vezes di ceo. No final de 1992, os “amigos” conse guiramembargar um me} projeto da Fundacio Cultural do Estado de RondOnia: transformar a estagio de Porto Velho num complexo centro cultural que iria descaracterizar totalmente sua ar- quitetura Por prudéncia, as obras se limi: pintura dos antigos galpoes dos trens. Num deles, 0 pequeno es polio de pecas e documentos que resistiram aos militares forma_o Museu da Madeira-Mamoré, fe- preserva Porto Velho nasceu moderna. Tinha fabrica de Jaci-Parand, quase uma ‘cidade fantasma: a estagao de trens, dividida or uma fenda agonia do lugar gelo, bancos e energia elétrica chado hai meses por causa de uma pendenga politica entre a Funda. lo Cultural e a prefeitura, Rene: gadla a poeira do museu fechado, descansa sem visitantes uma pe Coronel Church, que Amazénia em 1879, pri fa_chis cingiienta locomotivas im pela Mac -Mamoré — nunca foram u a vapor que corre sa diesel ou elétricas, © nome € uma homenagem ao primeiro estrangeiro que tentou construir a ferrovia, 0 americano George Earl Church, em 1872. “A pequena locomotiva é uma obr prima”, diz Leopoldo Matias de Oliveira, 62 anos, 37 deles como ‘maquinista, Otarimbado Leopoldo sabe o que diz. Um dos altimos sobreviventes de uma geracio de maquinistas formada em Porto Velho, ele ainda sobrevive de seu antigo trabalho, Todo domingo, poe lenha na caldeira © conduz com a tiltima maria-fumaca ainda em funcionamento uns poucos obstinados para um passeio turiy tico até a estagdo de Santo AntO- io, um vilarejo as margens da A FEBRE Breve histéria dos homens O Ric mamors nasce ne Bolivia. Mantém seu nome 0 entrar em territério brasileiro e receber as Gguas do Rio Guaporé, que vem do Mato Grosso. Demarca fron- feira entre Brasil e Bolivia até o encontro com o Rio Beni 5 dois déo origem entéio ao Madeira, que penetra na Amazénia e desemboca no Rio Amazonas, Nesse trecho de 400 quilémetros, o final do Rio Mamoré e o comeco do Madeira, estéo as vinte cachoeiras que impoem dificuldades terriveis para a navegacdo, desde os tem- os dos bandeirantes © dos atrtos por fronteiras entre Portugal e Espanha. ‘As cachosiras do Madeira do Mamoré sé0 bem diferentes das bucélicas quedas d’égua que estamos ecostumados a admirar. Sem apresentar um declve alto, Formam longs borreiras de peelras que ocupam os ros de margem a margem — em média 2 quilémetros delargura, Pora transpé-las, navegadores precisavam carregar suas ‘embarcagées por terra. Enfrentavam indios, boa parte dos homens morria doente e semanas eram perdidas para se avangar um quilémetro de extensdo no aglomerado de © bandeironte Raposo Tavares foi opi Jedsia wethe “enccrhaeiro io] cok tee unteapedinces ‘entre 1648 ¢ 1651. Indmeros navegadorese comerciantes Scfrerom 0 diobo ali depois dele, © descobrimento, de minas de ouro no Mato Grosso, em 1731, 0s seringais 6 cs Hae He tes Bale) Cope panama pacer 2A sidade de rafego entre aregido e Belem do Pars, portada.” | Amazonia para o Allantice e, caro, a Europo. © Brasil, | sozinho, nade résolveu. Mas Opals ganhou em alfodoem | 1825, A Bolivo, independente, ndofinhalitorale sua via | iro a vencer mais fécil de comunicagaio com o Atlantica era atravas do Estreito de Magalhaes, extrema sul do continente. Por esse. caminho absurdo, uma viagem entre Bolivia e Espanh, for exemple, toava dos balivionos node meno, Gussie meses, Surgiv entre os dois paises o projeto ‘ ‘© primero a tentar constrvir a Madeire- Mamore foi 6 comericano George Earl Church, um maluco, Coronel do Exército de seu pais na Guerra da Secessdo, em 1865, serviu depois nuina missGo secreta rio México, onde se fez passer como. correspondente de um grande jornel de Nowa York. Errando pelo América do, Suly chegou.¢ Bolivio, conheceu militares, conseguiv aval do governo bra: Ye ganhou a concesséo para construiraferrovia. Foi um equivaco poltico terrivel em um Bresil que ainda nem era repablica. Corria o ano de 1871. O americano, picoreta, exigiv o direfio de explorar o eventual ferrovia por cinqenta onos, alem de ume, Grea de 1394 kme de. | terras 06 longo des trilhos, para seu usufruto. ‘Church firmou contrate com Umerempreiteira ingleso, 0 Public Works, e comerou sua aventura. Ndo houve un estuclo razotivel do lopogralididd regisole es plantas do Projeto s6 abordavam os primeiros q itros. Em 1° de. novembro de 1871, ele, dois engea! ingleses ¢ 28 indict balivianos.cealizam uma potética cerimonia de langamento da obra, em Santo Antonio, a primeira dos pe a oh ea en eee eis heiros) que 0 empreiteiro nao despenderé mais de DA SELVA que tentaram vencer a floresta ‘anos para construir a ferrovia. Esperamos que em Estados Unidos estavam longe de ser uma poténcia, janeiro de 1874 a estrada jé esteja funcionando”, Mas foi assim, com tamanha convicedo, que © jornal Telatou depois, lunditico, numa carta a D. Pedro ll. As New York Herald anunciou em 3.de janeiro de 1878 ‘obras s6 comecaram um ano depois, Vieram da _ 0 primeiro grande investimento de capital americano Inglaterra 25 engenheiros, centenas de operérios e no exlerior. A empreiteira P.& T. Collins tentava, pela materiol suficiente para construir os primeiros 36 segunda vez, construir a Madeira-Mamoré. quilémetros de ferrovia. Um ano depois, Thomas Collins, 0 empreiteiro, Em dez meses de permanéncia da Public Works em —_voltava para casa falide, com malaria e um pulmao ‘Santo Antonio, no foi assentado sequer um quiléme- _airavessado por flechas. Sua esposa morreu num ro de trilhos. Barcos naufragavam nas cachoeiras _sanatério para doentes mentais. Em dezoito meses, transportando meteral,avaricladerrubava.soperé~ s0vs apersrios conseauiram assentor apenas 7 ros e os indios caripunas destrviam as obras durante lémetros de trilhos. Abandonaram méquinas na Ho: ‘a noite. Relatério da resciséo de contrato com o _resta e muitos passaram a mendigar em Belém do governo brasileiro, em 1873: “A zona é um antrode —_Paré, sem ter como voltar para casa. A experiéncia | pedridao onde os homems morrem qual moscas. E teria sido téo forte para eles que, enfim de volta aos preciso todo dinheiro do mundo e metade da sua Estados Unidos, eriaram uma sociedode onde, de populacto para construir o ferrovia’” tempos em tempos, se reuniom para relembrar a Sonne wipe ragédia da P.& T. Collins. ‘O projeto s6 foi retomado em 1903. Brasil e Bolivia Church, troumotizadoem seualerta, ndofoiouvide, brigavam por fronteiros @ assinaram 9 Trai ‘"Acitominutosontes de umahoranestatarde,ovepor Petropolis, segundo o qual o Brasil ficave com 0 ‘Mercedita deixou seu ancoradoura ne cais de Willow — teritorio do Acre se efetivasse a construeso da ferro- Street, na Philadelphia, e rumou para o Para. A via. O americano Pereifal Farquhar gastou clém da Viagem representa um assunto de interesse nacioncl. _ conta para erguer uma cidade, Porto Velho, e poder rimeira vez, uma expedicéio ¢ mandada dos dar condicées de trabalho aos operérios — contratou Estados Unidos com dinheiro, materialeconhecimento até mesmo o médico Osvaldo Cruz, um dos principais americonos pore execuler uma grande obra plea nomes dacincio no Bros, para elaborar um progra- fem um pats estrongeiro, a Estrada de Ferro Madeira-__ma de controle das doencas tropicais, Farquhar néo | ‘Mamoré, no Brasil. O navio zarpa com 210 homens e eve sequer seu reembolsado. Segundo o ‘uma carga de 1050 toneladas. A ferrovia é apenas _ governo brasileiro, lais gastos no faziam parte do uma entre os muitas obras que serdo realizadas.,,” Os _contrato. A Madeira-Mamoré nasceu morta. VIAGEM NO TEMPO A maria-fumaca corta a floresta com um grupo de autoridades brasileiras que visita um trecho acabado da ferrovia, perto de Porto Velho, em 1909. Os tempos mudaram: no mesmo caminho, hoje, @ floresta dominou locomotivas abandonadas com a desativacao, em 1972. O lugar é conhecido como Candeliria, perto do cemitério homénimo onde foram enterrados muitos operarios. Nenhum politico aparece por la. “qatgmes Diversto dos ~smmnn Indios pacads : novos e caripunas durante a noite: desmontar trilhos lavanderia, cais para os navios que vinham da América ¢ até uma usina a vapor, & primeira do 1 assim, as dificuldades pant cada di wilhos é, uma vida foi primeira grande cachoeira do Railway, obtivera como Vagéo deixado Em 1931, nas dguas do ‘Madeira, em . Porto Velho: sinal do descaso tem 366 quilémetros, ¢ Smetro, 1500 dormentes toda a extensio jontam na beira dos trilhos mitério homOni Era uma construiram’a Made entre 1907 © 1912. muito dinheiro ea mao de guerra” contraafloresta _ indicios de \lénia. Documentosda May, — mo, que fic ill & Randolph, a empreiteira da por Farquhar, apontam sdia de um operirio mor dia, nada mais, ea todeG ladeira 55 Dionisio Shockness, ex-ferrovidrio: "A histéria de Rondénia é a Madeira-Mamoré. Nao hé outra” trabalhador que consertava e lim- pava os trilhos entre as estagdes, “A gente trabalha um dia, chove no outro, € 0 capim ji cresceu por cima de tudo.” A maior parte dos milhares de quilmetros de trilhos foi roubada depois dla desativaclo da ferrovia. PACIRCO Garimpeiros que infestam 0 Ma- deira, 0 Mamoré e seus afluentes por muito tempo usaram as barras de metal como equipamentos em suas dragas. Em Porto Velho, uma Cidade quadrada, os trilhos foram colocados em muitas esquinas, como protesio para eventuais ba- tidas de carros. “Em Jaci-Parand, ha © caso de um fazendeiro que cer- cou um curral todo com tilhos’ reclama o arquiteto Luis Leite. Nao 86 os trios foram levados «das pequenas cidades onde o trem fazia escala. A vida toda se foi. Vila Murtinho, por exemplo, onde as Aguas do Rio Beni encontram 0 Mamoré e formam 0 Madeira, era uma das mais movimentadas esta ‘g®es da ferrovia. Alegre e prospe- = Nogataes 56 ra, recebia um fluxo enorme de passageiros e cargas dla Bolivia — as mostrama praga tral da cidade tomada por pélas, ‘enormes bolas com 50 quilos de borracha defumada. Ocupada por ‘garimpeiros, a vila foi definhando. Hoje, a pesca e os frutos da flores- ta sustentam os cerca de 300 mo~ radores contra 0 tédio e a malitia, A estagio de trens virou uma fabriqueta de palmitos, fervidos na caldeira de uma locomotiva A vida € dificil, masa fé vai nos salvar’, acredita cegamente Maria de Souza Vieira, de Jaci-Parand. Fe parece muito pouco para res ali. O lugar esti a deriva. Sua gente, convertida ds profecias das igrejas evangélicas, vai caindo de miséria e doengas. Uma fenda enorme na pared lateral quase divide em duasa falida estagao de trens, Abandonada no quintal de uma casa, indiferente ao tempo, ‘uma heranca maldita da ferrovia: uma jaula feita de tilhos, usada para deter trabalhadores rebeldes nna época da construcio. Mesmo Porto Velho mudou muito. Sinaisda invasiio estrangei- 1 do comeso do século vio su- mindo das ruas da cidade. Dos PENO CHAO ONDE FICA - Noroeste deRondénia, no fronteira com © Bolivia, entre a: cidades de Porto Velho ¢ Guajaré Miri. COMO CHEGAR - Hé vos regulores ppora Porto Velho. De li, © melhor & ‘lugor um carro para ir até Guojaré: Mirim, outro extremo da Madeira: ‘Mamoré, pelas rodovias BR364 425. ‘Apenas um trecho de cingienta quiléme- tros nao é asfaliado, (© QUE VER - As das rodoviast8m um tragado paralelo & linha de trlhos de ‘Madeira Mamoré. Na viagem de 380 km (até Guojaré-Mirim, antigas pontes aban donadas ¢ cidades quose fantosmas, ‘como JaciParand e Vila Murtinho. Em Guojaré-Mirim Porto Velho, as doas stories de trons so hoje museus da ferrovia — mas s6 em Guojaré ele abre regulormente. A dima locomotive em funcionamento parte aos domingos pela rmanhd da estacdo de Porte Velho levan- do vistantes até « Cachoeira de Santo ‘Anténio, num echo de 7 quilématros. negros altos ¢ fortes oriundos das Antilhas, Granada e Barbados res- tam apenas sobrenomes. Descen- dentes dos Shilings, Winters, Johnsons, Shockness ¢ outros a0 poucos abandonam as casas de madeira, 0 cha das cinco e os cultos evangélicos., e as mulheres nao desfilam mais pelas calcadas maioria dos *barbadianos”, como io conhecidos, vivia numa espé- cie de gueto, os bairros do Alto do Bode e Triangulo, O Alto do Bode que nao existe mais, ganhou este nome por causa do inglés quase ninteligivel dos barbadianos, com- parado por muitos a um bramido de bode. O Tridngulo, no km 1 da ferrovia, hoje é quase uma favela. dianos vivos € um velho sabedor das coisas da Ma- deira-Mamoré. Dionisio ferrovia em 1934, com 12 anos. Queria seguir © lo do pai, Charles, que veio Shockness entrou pa de Gi ida em 1910, assentou 5 e conduziu locomoti vas até morrer, em 1956. Enquan: to péde, Dioniso fez de tudo um pouco: foi aprendiz de oficina, foguista, maquinista, Aposentou: se a contragosto. Diretor do mu seu da ferrovia até 1991, saiu por causa das muitas desavencas com 1 Fundacao Cultural Conhecido em cada esquina de Porto Velho, Dionisio nunca arre- da ferrovia. Passou anos icando.o material sucatea pelos militares ¢ lutou, quase s zinho, por uma imponde Anda des reativagao da linb creme de tudo. Magoado com 0 descaso dos politicos, nem sequer passa perto da estacio. Prefere viver 0 pasado, “A historia de Rondénia é. historia do sonho da Madeira-Mamoré. Nunca vai ha: sio 0 Gltimo capitulo dessa longa historia, “Quando a gente se for 0 ex-ferrovisrio Dionisio Shockness aposentou-se contra a sua vontade. Cheio de magoas, prefere nem ir a ‘estagao de Porto Velho, ‘onde esté a ultima locomotiva preservada da ‘Madeira-Mamoré 4 Madeira-Mamoré morre de ve pensa Bartolomeu Conceigio. Bartolomeu, fiel naquilo que diz, seguea viver com fé sua dura labuta de cassico, No outro extremo da Madeira-Mamoré, um projeto d prefeitura de Guajari-Mirim tenta recuperat 25 quilémetros de wilhos entre a cidade 0 povoado do lata. A idéia, como em Porto Velho, & restaurar uma locomotiva encosta- da na estacaio da cidade e criar uma inha turistica. A hist6ria parece jf ter sido contada 1 & quase sente, ora tem mais de 100 anos. Em 1989, uma mesma inciativa aca- ou nao dando certo porque form: gas sativas corroeram a hase dos trilhos, O trem descarrilou. Hoje como nos tempos dos primeiros aventureiros dla ferrovia, as obras se cas, E, no aro, a meia diizia 37 caboclos que ajudam redesenhanclo os caminhos da Ma: deiraMamoré, falta a0 u “Volta e meia eles caem doentes, com uma febre qualquer. Nesse tho cassaco do lata & PARA IR MAIS LONGE A Ferrovia de Diabo, livio de Manoel Rodrigues Ferreira, Edicdes Melhoramen tos, 1981. Esgotode, Madeira-Mamoré, imagem ¢ Me- iméria, livo de Fotografias de Marcos Santi, Meméria Diseos Edigdes, 1988. Tel: 829-5082 MIS, Museu da Imagem e de Som, ‘rude fotos docamericano Dona Merl ue registrou as obras da ferrovia ent 1909 @ 1912, Tel: (011) 881-4417

Potrebbero piacerti anche