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HAROLDO DE CAMPOS

Depoimento por ocasião

Arte
dos 40 anos da Exposição
Nacional de Arte Concreta

construtiva
no Brasil
O Construtivismo brasileiro tem suas
raízes na década de 1950. De fato, em 1949
se situam as primeiras atividades de artistas
como Waldemar Cordeiro (pesquisas com
linhas horizontais e verticais: criação do
Art Club de São Paulo, dedicado ao expe-
rimentalismo) bem como os experimentos
iniciais de Abraham Palatnick com a luz e a
cor; de Mary Vieira com volumes; de Geraldo
de Barros com “fotoformas”. Como precur-
soras dessa tendência se poderiam citar, nos
anos 20, as estruturas neocubistas de Tarsila Waldemar Cordeiro,
do Amaral (1886-1973), animadas por um
O Beijo, 1967
“colorismo” voluntariamente ingênuo, “caipi-
ra”. Tarsila fora discípula, em Paris, de Lhote,
Gleizes e Léger e, de volta ao Brasil, lançara a
“pintura pau-brasil”, da qual, posteriormente,
se desenvolveu a “pintura antropofágica”.
Casada com o poeta e romancista experimen-
tal Oswald de Andrade (1890-1954), a mais
dinâmica figura do Modernismo de 22, com
ele se empenhou nos homônimos movimentos
de vanguarda anunciados por memoráveis
manifestos oswaldianos. Outro pioneiro foi
Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), ativo
em Paris e no Brasil, influenciado, em suas

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figurações geométricas, tanto pela tendência Geraldo de Barros, Fejer, Leopold Haar, Saci-
art déco quanto por um cubismo estilizado e lotto e Anatol Wladislaw, além de Cordeiro,
“tropicalizado” (“primitivista”). lança um polêmico manifesto, sob o título
Em 1950, Max Bill apresenta uma expo- “Ruptura”. Aos construtivistas de “Ruptura”
sição individual no Museu de Arte Moderna logo se aliam os poetas do grupo Noigandres
de São Paulo (fundado em 1947) e, em 1951, (revista-livro fundada em 1952, em São Paulo,
recebe o Prêmio Internacional de Escultura por Augusto e Haroldo de Campos e Décio
com a “Unidade Tripartita”, na I Bienal de Pignatari). Das atividades e experimentos do
São Paulo. Nesse mesmo ano, Mary Vieira e grupo Noigandres emergiria, entre 1953 e
Almir Mavignier deixam o Brasil: a primeira 1956, o movimento de “poesia concreta”, cujo
para estudar com Max Bill e radicar-se na lançamento público iria ocorrer na Exposição
Suíça (Basiléia); o segundo, para matricu- Nacional de Arte Concreta (São Paulo, de-
lar-se na Escola Superior da Forma (Hochs- zembro de 1956; Rio de Janeiro, fevereiro de
chule für Gestaltung), Ulm, e radicar-se na 1957), na qual tomaram parte poetas e artistas
Alemanha. Em 1952, forma-se o grupo de plásticos de São Paulo e do Rio de Janeiro.
pintores concretos de São Paulo, liderados por Os construtivistas do Rio pertenciam ao grupo
Waldemar Cordeiro (jovem artista ítalo-bra- Frente, fundado em 1954, sob a liderança de
sileiro, educado em Roma, ideologicamente Ivan Serpa; quanto à poesia, participavam da
Max Bill, ‘Unidade influenciado pelo marxismo gramsciano). O mostra o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar
Tripartida’, 1948/49 grupo, inicialmente constituído por Charroux, (maranhense de nascimento), expressamente
convidado por Augusto de Campos, e o ma-
togrossense Wladimir Dias Pino.
No plano internacional, o movimento, na
sua dimensão poética, foi co-lançado pelo
poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer (se-
cretário de Max Bill na Escola Superior da
Forma), a quem Décio Pignatari encontrara
numa visita a Ulm, em 1955 (Gomringer
chamava Konstellationen suas composições
de estrutura ortogonal e linguagem redu-
zida, escritas em alemão, francês, inglês e
espanhol, mas aceitou a denominação geral
poesia concreta/konkrete dichtung, proposta
pelo grupo Noigandres, que, por sua vez,
costumava designar por “ideogramas” seus
poemas, em geral de semântica mais com-
plexa, plurilíngües e de múltiplas direções
de leitura). A cooperação entre os poetas
concretos brasileiros e Gomringer resultou
numa kleine anthologie konkreter poesie, de
âmbito plurinacional, editada pelo poeta das
“constelações” no número 8 da revista Spirale
(Berna, 1968). Em 1959, os artistas concretos
do Rio, sob a liderança de Ferreira Gullar,
lançam a dissidência denominada Neocon-
cretismo, anunciada por um manifesto publi-
cado no Jornal do Brasil, cujo Suplemento
Dominical se convertera na tribuna dos poetas
e pintores da vanguarda brasileira. No plano
estético, o dissídio explicava-se pela diferença
de formação do grupo carioca, em especial

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de seu porta-voz e teórico, Ferreira Gullar, filósofo de estética e semioticista Max Bense. Luis Sacilotto,
cuja concepção artística procedia da matriz O principal alvo dos “neo” artistas do Rio, ‘Concretion 5732’,
surrealista francesa, aguçada pelo sonorismo que juntaram (para distinguir-se) um prefixo 1957
glossolálico e fraturado de Antonin Artaud, neo ao concretismo, era Waldemar Cordeiro,
e decantada pelo cubismo e pela abstração teórico de idéias combativas e formação mar-
geométrica, uma concepção de forte marca xista não-jdanovista; lembre-se, a propósito,
subjetivista; os paulistas, acusados pelos cario- o ataque de Theon Spanudis, colecionador
cas de “racionalistas”, defendiam, na verdade, de arte, psicanalista e poeta amador, alista-
um “racionalismo sensível”, uma dialética do ao “neoconcretismo” desde o primeiro
“razão/sensibilidade”, que não discrepava da momento, aos poetas de Noigandres, que lhe
máxima de Fernando Pessoa “Tudo que em pareciam “barroquizantes” em confronto com
mim sente está pensando” e que não encontra- o despojado Gomringer, e que estariam sob
ria maiores objeções da parte do Mallarmé da a “deletéria” influência do “marxista” Cor-
“geometria do espírito”, do Lautréamont do deiro (cf. “Gomringer e os Poetas Concretos
elogio às matemáticas, do Pound da equação de São Paulo” in Suplemento Dominical do
“poesia” igual a “matemática inspirada” e, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15/9/57).
entre nós, do João Cabral do lecorbuseriano Forte componente da discórdia entre ambas
e valeryano O Engenheiro (1945), mas que as facções construtivistas (a “concreta” e a
irritava o expressivismo subjetivista do grupo “neo”) estava situada, portanto, no plano da
do Rio, sobretudo de seu mentor no nível política artística, com matizes reivindicativos
crítico-teórico. Os pintores de São Paulo es- de prestígio regional, quando não eram me-
tavam influenciados pelo neoplasticismo de ramente idiossincráticos, de “desafinidades”
Mondrian, pelo construtivismo derivado do eletivas: caso de Willys de Castro e de Barsotti,
De Stijl holandês, pelos futuristas italianos e que, apesar de uma efêmera participação na
pela vanguarda russa (Gabo, Pevsner, Tátlin, Galeria NT (1963), incompatibilizaram-se
Lissístzki – Maliévitch também, no seu extre- com o agressivo Cordeiro e, conseqüente-
mado despojamento “suprematista”, apogeu mente, buscaram abrigo junto à dissidência
de certa leitura do cubismo), bem como pela carioca, onde foram bem aceitos. Hoje essas
experiência participativa do Bauhaus de Gro- divergências, em boa parte, dados os méritos
pius, retomada no pós-guerra pela Escola de respectivos dos artistas plásticos envolvidos,
Ulm, dirigida por Max Bill, onde lecionava o pertencem sobretudo à “pequena história” e

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não relevam; que divergência maior havia, 50 e 60), parece-me que ambas as orientações
por exemplo, salvo o timbre intransferível da artísticas daquele período fecundo e polêmico,
personalidade de cada um, entre o construti- com as naturais diferenças de temperamento
vista já “op” Sacilotto e os escultores Franz e realização, podem ser vistas como varian-
Weissman ou Amilcar de Castro, ou ainda tes – até complementares – de um “Projeto
entre o mesmo Sacilotto e a Lygia Clark da Construtivo Brasileiro”, título, aliás, da grande
fase anterior a suas inventivas intervenções exposição retrospectiva apresentada, em 1977,
plástico-terapêuticas e comportamentais (das no MAM do Rio e na Pinacoteca do Estado
borrachas contorsionistas às tramas de fios e de São Paulo, sob a curadoria da crítica e
baba salivar)? Razão tinha Hélio Oiticica, o historiadora de arte Aracy Amaral.
mais jovem e um dos mais ousados e criativos O grande mestre, aliás, respeitado por
entre os artistas do Rio, quando, em 1967, ambas as tendências e respaldado pela crítica
deu o exemplo de largueza de compreensão de São Paulo (Mário Schenberg à frente) e
e superação de ressentimentos, ao organizar do Rio (Mário Pedrosa), foi Alfredo Volpi
a exposição “Nova Objetividade Brasileira”, (1896-1988), cujo centenário de nascimento
sob o signo da relativização dos “ismos” e da se comemora este ano. Nascido em Lucca,
“vocação construtiva” como ideal comum, na Itália, e jamais naturalizado formalmente,
convidando para dela participar o inimigo Volpi teve um longo convívio com os pintores
número 1 do “neoconcretismo” carioca, Wal- e poetas concretos paulistas (Décio Pignatari
demar Cordeiro, que então desenvolvia, em o definia como um “Mondrian trecentista”).
cooperação com o poeta Augusto de Campos, a Equivocadamente tido por alguns como um
fase “pop-creta” de seu trabalho (exposição na pintor “primitivo”, o lacônico mas jucundo
galeria Atrium de São Paulo, 1964), bem como Volpi era na verdade um sábio, um refinado
artistas mais novos (Antonio Dias, Gerschman, mestre do olhar e do gesto pictórico, soberano
o grupo ligado a Wesley Duke Lee). no trato das “estruturas elementares” (por as-
Quanto ao “neoconcretismo” em poesia, sim dizer) da visualidade e da cor (obtida por
foi tendência de curta duração, que deixou um sutilíssimo domínio da têmpera).
magro saldo. Gullar, convertendo-se a uma A arte concreta no Brasil – que entretém
linha populista de impostação neojdanovista, remotas afinidades com o geometrismo da
partiu já em 1962 para o malogro equivocado cerâmica e dos motivos de pintura corporal
do Violão de Rua, tornando-se porta-voz das indígena, assim como com o pré-cubismo das
teses dogmáticas do CPC (Centro Popular esculturas e objetos religiosos africanos; que
de Cultura). Na ocasião, os poetas concretos emergiu coincidentemente no tempo com a
de São Paulo, alinhados ideologicamente à criação de Brasília, a nova Capital, por obra
esquerda, porém “anti-stalinistas”, anti-“rea- do arquiteto Oscar Niemeyer e do urbanista
lismo socialista”, reclamavam-se, por sua vez, Lúcio Costa – teve grande influência no design
de Maiakóvski (“sem forma revolucionária, (sobretudo por obra de Alexandre Wolner e
não há arte revolucionária”; “a novidade, Geraldo de Barros e, no plano teórico, pelas
novidade do material e do procedimento, intervenções de Décio Pignatari); na propa-
é indispensável a toda obra poética”; ver o ganda (Fiaminghi, Pignatari, Mavignier); na
“PS-1961”, acrescentado ao “Plano-Piloto reformulação visual da imprensa (Amilcar de
para Poesia Concreta” de 1958 – in Teoria da Castro, em 1957, programou o novo lay-out do
Poesia Concreta, Textos Críticos e Manifestos, Jornal do Brasil, diário de alcance nacional,
Edições Invenção, 1965; 3a edição, São Paulo, que abrigava as manifestações da vanguarda
Brasiliense, 1987). Hoje, passados 40 anos da construtivista); junto à música de vanguarda,
Exposição Nacional de Arte Concreta (quando cujos compositores publicaram seu manifesto
eu próprio, já há mais de duas décadas, não no número 3 da revista Invenção, junho de
faço “poesia concreta” no senso estrito do 1963, dirigida pelos concretos de São Paulo,
conceito, embora continue perseguindo a con- como também junto à nova musica popular (o
cretude na linguagem e prossiga nutrindo-me sofisticado movimento tropicalista de Caetano
do ostinato rigore da fase concretista dos anos Veloso e Gilberto Gil, influenciado por idéias

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de Hélio Oiticica, pela prática inovadora da ções rítmico-alegóricas, tais como o carnaval
poesia brasileira – de Oswald e João Cabral do Rio (mais pagão e urbano) e o da Bahia
à poesia concreta – e apoiado, pioneiramente, (onde o elemento afro tinge de sacralidade o
no plano crítico e musicológico, por Augusto vistoso dos trajes e o cerimonioso dos passos
de Campos; cf. Augusto de Campos, O Ba- nos desfiles); não à-toa Hélio Oiticica, músico
lanço da Bossa e Outras Bossas, São Paulo, da plástica e passista da Mangueira, soube
Perspectiva, 1974; 1a ed., 1968). Já em 1960, sintetizar essas harmonias “simpoéticas” na
mesmo após a manifestação pública da dissi- invenção do “parangolé” (asa-delta para o
dência “neo”, artistas de ambas as vertentes êxtase, como já o defini).
construtivistas concorriam simultaneamente
à grande exposição konkrete kunst, organiza- POST-SCRIPTUM 1996
da por Max Bill em Zurique, regida por um
critério abrangente, gesto de amplitude que Este trabalho, ora reproduzido com alguns
seria repetido em 1967 por Hélio Oiticica retoques e acréscimos, foi publicado apenas
(em contato e correspondência com os poetas em versão alemã, sob o título “Die Konkreten
concretos de São Paulo – Haroldo de Campos und die Neo-Konkreten”, no volume Brasilien
e Décio Pignatari sobretudo – a partir daquela – Entdeckung und Selbstentdeckun (Brasil,
década e até o seu falecimento em 1980). Descobrimento e Autodescobrimento), catálo-
Da ótica dessa “nova objetividade” ou go da exposição levada a efeito no Kunsthaus
“novo objetivismo” (veja-se o texto de Hélio Zürich, em 22/5-16/8 de 1992 (Bern, Benteli
Oiticica “Esquema Geral da Nova Objetivida- Verlagen, 1992).
de”), a arte construtivista brasileira constitui Passados cerca de quatro anos desse
um magnífico exemplo da “antropofagia” evento, e ocorrendo neste ano de 1996, em
cultural, preconizada por Oswald de Andrade: dezembro, o quadragésimo aniversário da
devoração crítica do legado universal sob a Exposição Nacional de Arte Concreta, pa-
perspectiva da “diferença” brasileira. “Somos receu-me necessário atualizar e completar o
concretistas”, escreveu, com efeito, Oswald texto acima com algumas reflexões, à maneira
em seu fundamental “Manifesto Antropófago” de depoimento pessoal.
de 1928, referindo o exemplo “sonorista”
(zaúm, diriam os futuristas russos) extraído Pioneirismo construtivista
de uma canção indígena brasileira (em língua
tupi-guarani): “catiti catiti/imara notiá/notiá Uma curiosa e pouco assinalada con-
imara/ipeju”. E se, de fato, como já ficou dito, tribuição, precursora da orientação estética
o construtivismo brasileiro pode reivindicar que culminou na “arte concreta” dos anos
raízes pré-cabralinas na arte aborígine – da 50, encontra-se, entre nós, no artigo “Cons-
cerâmica à pintura corporal e a essa verdadeira trutivismo”, de Jacob M. Ruchti (1917-74),
joalheria de cores em acorde luminoso que publicado no número 4 (setembro de 1941)
é a arte plumária –, por um lado; por outro, da revista Clima (órgão dos jovens críticos
encontra manifestas afinidades com o jogo de universitários que Oswald de Andrade ba-
formas combinatórias, vertiginosas, de nosso tizou “chato boys”, numa tirada jocosa que
Barroco miscigenado, de tradição ibérica mas fez fortuna). O artigo vem ilustrado por um
caldeado no trópico, cuja extroversão pública trabalho de Ruchti intitulado “Espaços”.
se dá, por exemplo, na “festa” comunitária Nesse texto, o “construtivismo” é, de início,
dos “triunfos” eclesiástico-dramáticos, tão assimilado pura e simplesmente à “arte abs-
bem estudada por Affonso Ávila (nosso maior trata”, embora no remate de sua exposição o
especialista nesse campo inter-semiótico, autor especifique:
onde coexistem aspectos lúdicos verbais e “A palavra ʻabstrataí não tem sentido,
não-verbais); revela também, por mais de uma desde que uma forma materializada é
faceta, traços de congenialidade com relação sempre concreta. Qualquer obra de arte é
às manifestações populares, barroquizantes em em si um ato de abstração, porque nenhuma
seu esplendor multicolorido e em suas evolu- forma material, ou acontecimento natural,

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pode ser re-realizada. Do mesmo modo, oswaldiana Revista de Antropofagia, na fase
qualquer obra de arte, na sua existência da chamada “Segunda Dentição” ) e por Paulo
real sendo uma sensação percebida por Ribeiro de Magalhães, Flávio de Carvalho e
nossos sentidos, é concreta”. Madeleine Roux. O segundo Salão inaugurou-
se em 27 de junho de 1938, no Grill Room
Como exemplo de “arte construtivista”, do Esplanada Hotel, com Flávio de Carvalho,
Ruchti menciona os “móbiles” de Alexander como no primeiro, atuando nos bastidores, de
Calder, aclarando: preferência à função ostensiva de membro da
comissão executiva. Segundo Paulo Mendes,
“As suas esculturas móveis, algumas de deveu-se a Flávio “a participação, na mostra,
proporções gigantescas, são impulsionadas dos surrealistas e abstracionistas ingleses, do
em parte pela força do vento, em parte por grupo de Herbert Read” (entre os ingleses,
motores. Uma pequena plástica móvel de estava Ben Nicholson, com “uma xilogravura,
Calder esteve exposta aqui em São Paulo um linóleo e três cortiças”, dentro da “linha
no 3o Salão de Maio de 1939, onde aliás o de construção” que o celebrizou). Quanto ao
movimento construtivista em arte esteve terceiro Salão, de 1939, Flávio de Carvalho
notavelmente representado”. assumiu por ele inteira responsabilidade, tendo
instituído uma “Comissão de Aceitação de
Não encontrei mais elementos a respeito Obras”, constituída por Lasar Segall, Victor
desse artista no manuseio da coleção de Clima, Brecheret, Antonio Gomide, Jacob M. Ruchti
uma revista conduzida, sobretudo, por jovens e o próprio Flávio. Desse Salão, instalado na
críticos literários procedentes da Faculdade galeria Itá, é que participaram Ruchti (com
de Filosofia, Ciências e Letras, da recente “Espaços”) e nomes como Calder, Albers e
criação, revista de novos que, não obstante, Magnelli, ao lado de brasileiros como Anita
no plano da escolha estética, revelava um Malfatti, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho,
acentuado pendor tradicionalista; na poesia, Rebolo, Lasar Segall, Tarsila, Brecheret e
por exemplo, destacavam-se nas preferên- Lívio Abramo. Tenho em mãos (presente
cias de Clima um poetastro “proletarizante”, do saudoso Paulo Mendes) o catálogo desse
merecidamente esquecido, Rossini Camargo Salão, com sua inusitada capa de alumínio,
Guarnieri (o mesmo contra quem Oswald ampla documentação fotográfica (entre
lançou o slogan de combate: “A massa ainda as reproduções, o “móbile” de Calder e a
comerá do biscoito fino que fabrico”), bem escultura em alumínio de Ruchti, suíço de
como representantes da coetânea – e, do ângulo nascimento – Zurique, 1917 –, porém forma-
poético, em larga medida congenial – “Geração do em arquitetura na Escola de Engenharia
45”; grande apreço manifestavam, aliás, os Mackenzie, de São Paulo, e aqui radicado).
jovens “climatistas” pela lírica retórico-en- Da publicação constam, entre outros, textos
xundiosa do, hoje ilegível, Augusto Frederico de Flávio de Carvalho, Guilherme de Al-
Schmidt, negligenciando, no mesmo passo, a meida, Cassiano Ricardo, Tarsila (“Pintura
poesia-minuto de Oswald (que disso se queixa Pau-Brasil e Antropofagia”), Oswald (“Da
justificadamente em “Antes do Marco Zero” Doutrina Antropofágica – 1928”, resumo
– in Ponta de Lança, 1944). do Manifesto respectivo), Paulo Mendes de
Sobre Ruchti e os Salões de Maio, a fonte Almeida e outros.
obrigatória de consulta é o precioso livro- Uma pesquisadora atual, Maria Cecília
depoimento de Paulo Mendes de Almeida, França Lourenço, professora de História da
De Anita ao Museu (São Paulo, Comissão Arte da FAU-USP, em estudo publicado na
de Literatura, Conselho Estadual de Cultura, Revista USP, número 27 (set.-out.-nov./95),
1961). Três capítulos dessa obra são dedicados “Pioneiros da Abstração: um Manifesto
aos Salões, o primeiro dos quais, realizado Humanista”, refere a precursão de Ruchti,
em 1937, nasceu da idéia do crítico Quirino assinalando a sua participação no Salão de
da Silva, ajudado na execução do projeto por 39. Sua escultura em alumínio “Espaços”,
Geraldo Ferraz (ex-secretário-“açougueiro” da um “objeto construtivista”, teria sido, por

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equívoco, denominada “arquitetura”, o que Dali”. Numa tentativa de harmonização das
parece explicar-se não só pelo “ineditismo” diferenças, o Oswald polêmico de Ponta de
da obra, como também pela formação profis- Lança prognostica: “Nesse caos” – ou seja,
sional do artista suíço-brasileiro. A estudiosa no caos resultante do “terrorismo” delibera-
opina: “Em verdade o Salão de Maio atua damente praticado pela “revolução estética”
como difusor dessa tendência, explicando-a modernista, “prenunciadora da revolução
em textos”. Entre as obras expostas, enfatiza, social”, um movimento subversivo que, nas
constavam “cinco com o título ʻAbstracionis- artes, voltava-se contra o “passado”, estivesse
moí, de Ben Nicholson”, no Salão de 38; no este sob o signo “de Deus ou da gramática, da
de 39, obras semelhantemente orientadas de ordem ou do absolutismo” – tanto Léger como
Calder, Magnelli, Ceri Richards, Jean Hélicon os mexicanos, como os “pintores da URSS”,
e Josef Albers. Faço votos no sentido de que estavam procurando “lançar os fundamentos
a pesquisadora nos dê, num futuro próximo, da arte construtiva do futuro”.
um levantamento tão completo quanto possível
da vida e da obra do pioneiro Ruchti, falecido Vanguarda e “arte popular
no início da década de 70. revolucionária”
Quanto ao período anterior aos Salões,
dele dão notícia cinco capítulos do livro de Nos anos 60, desenha-se um novo con-
Paulo Mendes (o primeiro significativamente fronto, semelhante em muitos pontos àquele
intitulado “Depois da Semana”), bem como descrito por Oswald de Andrade, relativa-
o texto retrospectivo de Oswald de Andrade, mente ao período posterior à Semana de 22 e
recolhido na coletânea Ponta de Lança (1944), contemporâneo da Segunda Guerra Mundial.
“Aspectos da Pintura através de Marco Zero”. Recorde-se o que ocorreu na URSS, depois do
Nesse texto, que se reporta ao volume II – Chão fértil período de cooperação entre a vanguarda
– de seu romance em progresso, Oswald russa e a revolução soviética, entre o regime
recapitula o embate entre duas tendências comunista e os “cubofuturistas” (Maiakóvski
da época: o muralismo social dos mexicanos à frente), os “construtivistas”, os “raionistas”,
(Siqueiros passara por São Paulo em 34), por os “suprematistas”, bem como os críticos
um lado, que rumava para um novo classicis- ditos “formalistas” do Círculo Lingüístico
mo “contrário ao modernismo estético”; por de Moscou e da Sociedade para o Estudo da
outro, esse mesmo “modernismo estético”, Linguagem Poética, de Petersburgo (Opoiaz),
experimental, libertário, “polêmico e nega- a culminar na extrema tentativa de síntese
tivista”. O autor de Marco Zero, escrevendo dialético-metodológica do “produtivismo”
quando os aliados desembarcam na Europa na formalista-sociológico de Boris Arvátov, ativo
ofensiva vitoriosa contra o Eixo nazi-fascista, na revista Frente Esquerda (LEF), fundada em
reconhece a “técnica avançada” dos murais 1923 pelos futuristas do grupo maiakovskiano,
explicitamente empenhados na construção do Jacob M. Ruchti,
mexicanos e, ao mesmo tempo, elogia o
cubismo monumental de Léger, “a ilustrar e socialismo. Pois bem, cerca de quatro anos ‘Espaços’
colorir a geometria da urbe futura”. Insurge-
se, ainda, contra o “tratamento unilateral” que
Erenburg dispensara ao surrealismo ao vê-lo
como documento faisandé, denunciador do
“apodrecimento burguês”; ao invés, Oswald
proclama a importância do “esplêndido
documentário lírico” aportado pelos surrea-
listas, capazes de realizar “plasticamente os
continentes freudianos”. Recusa a pecha de
“inumanos”, que teria sido lançada pelo crítico
Sérgio Milliet contra os “modernistas”, e exalta
o douanier Rousseau, “a magia de Picasso, o
símbolo de Giorgio de Chirico e a invenção de

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depois do suicídio do angustiado e combatido metafórica no nível semântico, do pioneiro
poeta da Revolução; cerca de dez anos depois Oswald), perguntado sobre Jdanov, definiu-o
da morte de Lênin, avesso ao “futurismo” em com uma frase terminativa: “É uma besta!”.
arte, mas razoavelmente tolerante, por se julgar No campo da música, porém, a repercussão
“incompetente” na matéria; cinco anos depois do dogmatismo censório de Jdanov causou
do Comissariado “pluralista” de Lunatchárski estragos em nosso meio. O gendarme cultural
(1917-29), que, embora pessoalmente contra stalinista, com efeito, em janeiro de 1948,
o “modernismo” e os “críticos formalistas”, falando em nome do Comitê Central do Par-
tendências que considerava “decadentes”, tido, denunciara em congresso o esteticismo
“burguesas” e mesmo “reacionárias”, respeita- “formalista” e “malsão” da ópera Macbeth
va Maiakóvski, “cubofuturista”, adepto decla- de Shostakóvich, que resultava, para o obtu-
rado do “método formal” como “chave para o so criticastro soviético, em “caos musical”,
entendimento da arte” e, enquanto Comissário substituindo o “claro esquema melódico” por
da Cultura, proclamava sua “imparcialidade” “música vulgar, primitiva e crua”. Segundo
em relação às correntes artísticas; A. Jdanov, depoimento de Gilberto Mendes, o nome mais
preposto de Stálin (que, com a morte de Lênin, importante entre os compositores brasileiros
em janeiro de 1924, foi-se impondo progres- de vanguarda (da geração que iniciou suas
sivamente à direção do Partido, até dominá-lo atividades na década de 50):
completamente em 1929) e seu porta-voz no
campo das artes, no ano de 1934, durante o “Logo após o término da Segunda Guerra
I Congresso dos Escritores Soviéticos, em Mundial houve a primeira tentativa de
Moscou, implantou o dogma do “realismo uma nova música brasileira, partindo de
socialista” (realismo na forma e socialismo no um grupo de compositores dentre os quais
conteúdo), com o endosso de Górki, avesso a se destacavam Cláudio Santoro, Guerra
todo experimento estilístico (um volume com Peixe e Eunice Catunda, reunidos em
os textos doutrinários de ambos, sob o título Li- torno do prof. Koellreuter. Era a hora exata
teratura, Filosofía y Marxismo, foi publicado de a música brasileira recuperar o tempo
em tradução espanhola em 1968, no México, perdido e não mais perder a posição na
pela Editora Grijalbo). Todos sabemos o que vanguarda mundial, a exemplo do que fez
essa calamitosa preceptística do “realismo a Argentina, que, hoje, conta com nomes
socialista” provocou de danoso no campo das como os de Mauricio Kagel, Juan Carlos
artes, propalada que foi internacionalmente Paz, Alcides Lanza e outros. Mas deu azar,
como doutrina oficial do PC. No Brasil, na novamente, e essa tentativa foi dramatica-
área das artes plásticas, nas décadas de 50 mente sufocada pela repercussão em nosso
e seguintes, tivemos a sorte de ter um líder país do manifesto de Jdanov, coincidindo
comunista como o grande físico teórico Mário com o lançamento de uma carta-aberta de
Schenberg (a quem já qualifiquei de “marxista Camargo Guarnieri contra o dodecafonis-
zen”), que se posicionou decididamente a mo, na mais pura linguagem jdanovista:
favor da pluralidade das tendências artísticas, ʻÉ preciso que se diga a esses jovens
batendo-se pelo reconhecimento da grandeza compositores que o dodecafonismo, em
de Volpi (em todas as suas fases, inclusive na Música, corresponde ao Abstracionismo,
mais radical e já construtivista), bem como em Pintura, ao Hermetismo, em Literatura,
apoiando os concretos e os neoconcretos de ao Existencialismo, em Filosofia, ao char-
São Paulo e do Rio. Mas não foi assim em latanismo, em Ciência... É uma expressão
todos os campos. No da literatura, é sabido característica de uma política de degene-
que Graciliano Ramos (cujo Vidas Secas, de rescência cultural, um ramo adventício
1938, traz a marca da rarefação estilística e da figueira-brava do Cosmopolitismoí. A
da concisão, características hauridas, sem efervescência político-social do momento,
dúvida, na última fase de Machado de Assis, somada a esses dois manifestos, mais a
mas compartilhadas com a prosa de invenção, outra coincidência entre os pontos de vista
cubista, metonímica na sintaxe e telegráfico- de Jdanov e de Mário de Andrade, em seu

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Ensaio sobre Música Brasileira, deram desse verbete: “Os defensores das formas de
extraordinária força à corrente naciona- vanguarda argumentam que as formas mais
lista. Até hoje essa nefasta identidade de tradicionais estimulam uma visão passiva
pensamentos é ainda a força oculta que e sem crítica, por mais radical que seja o
procura barrar todas as novas tentativas conteúdo da obra [...] O texto modernista,
de pesquisa, experimentação, de avanço por outro lado, é capaz de cantar o que há
musical. Villa-Lobos, vanguarda de outros de contraditório e de permitir ao que está
tempos, incompreendido, tornou-se a oculto e silencioso manifestar-se, graças
bandeira nacionalista contra a vanguarda às técnicas de fragmentação e interrupção
de nossos tempos”. textuais”).
Em 1961, foi elaborado o programa de
E Gilberto Mendes cita a passagem “arte popular revolucionária”, contido no
relevante do ensaio de Mário, publicado “Anteprojeto do Manifesto do CPC (Centro
em 1928, seis anos mais ou menos antes da Popular de Cultura)”, cujo redator era o então
proclamação do dogma jdanovista: “[...] a ideólogo de esquerda Carlos Estevam (hoje
obra não é brasileira como é antinacional. E professor universitário de Ciência Política,
socialmente o autor dela deixa de nos interes- recentemente reposto em evidência como
sar. Digo mais: por valiosa que a obra seja, secretário da Educação do conservador e
devemos repudiá-la, que nem faz a Rússia criticado governo Fleury). Nesse programa,
com Stravinsky e Kandinsky”. Refira-se que redigido em termos sectários, a experimen-
Pagu, a nossa “Passionária”, musa dos anos tação poética no nível da linguagem era
comunistas de Oswald, levantou-se, com sua peremptoriamente rejeitada; recusava-se
autoridade de militante sofrida no cárcere da integrá-la no poema dito “participante”,
ditadura Vargas, contra a “Carta-aberta” do representado, na prática, por uma serôdia (e
compositor “nacionalista”, no artigo “Camargo malograda) versão brasileira do “realismo
Guarnieri: um Manifesto Antidodecafônico”, socialista” (embora esse lema não fosse men-
(15/10/1950), escrevendo: cionado), sob a espécie de uma contrafação
burocrática da literatura de “cordel” infiltrada
Qualquer imbecil a serviço da propaganda agora de didatismo ideológico “de esquerda”
stalinista conhece bem o emprego dessa (ver exemplos nas antologias: Violão de Rua,
terminologia com que Camargo Guarnieri 1962-63, e nos folhetos de Ferreira Gullar,
se põe a defender a música brasileira – fol- João Boa-Morte, Cabra Marcado pra Morrer
clórica principalmente – terminologia que e Quem Matou Aparecida?, Rio de Janeiro,
se estadeia em coisas como ʻcosmopolitis- CPC-UNE, 1962). Quanto ao “Manifesto”
moí, ʻcerebralistaí, ʻantipopularí e ʻanti- de Carlos Estevam, está reproduzido em Arte
nacionalí e também ʻarte degeneradaí, de em Revista (Anos 60 – no 1, jan.-mar./1979,
empréstimo da linguagem hitlerista”(ver: São Paulo, Kairós). Gullar também não fala
O Modernismo, obra coletiva organizada em “realismo socialista”, procura mesmo
por Affonso Ávila, Perspectiva, 1975; tomar distância dessa profissão-de-fé tenden-
Augusto de Campos, Pagu: Vida-Obra, ciosa, preferindo, eufemisticamente, aludir
Brasiliense, 1982). a “realismo participante” (ver “Vanguarda
e Atualidade”, artigo publicado em 7/5/67
Nos anos 60, desenvolveu-se novo episó- no Correio da Manhã, em que recapitula a
dio desse embate de idéias no plano político- emergência do CPC). Mais recentemente,
cultural, embate que “contrapõe as tendências em depoimento ao jornalista William Waack
de vanguarda e formalmente inovadoras” às (O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 14/11/92),
formas “mais tradicionais, de arte, literatura e o autor de João Boa-Morte reconheceu, ao
drama” (Dicionário do Pensamento Marxista, expor a orientação que pretendia imprimir à
organizado por Tom Bottomore, Zahar Edi- testa do Ibac do Ministério da Cultura: “Quem
tor, 1983, verbete “Estética”; lê-se ainda no teme que sua gestão repita a experiência dos
tópico “grandes temas da estética marxista” Centros Populares de Cultura, de que ele

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participou, tem motivos para se tranqüilizar: em “escritos densos e terra a terra como os
ʻEu larguei minha posição de autor consagrado de Lênin, Mao e Brecht” – apenas reforçam a
para participar de iniciativas como o Centro impressão de veleidade, de voluntarismo, que
Popular de Cultura, algum tempo atrásí, o texto robertiano destila, implicando o auto-
conta Gullar. ʻVimos que não era por aí. Nós enquadramento de seu signatário (ou, mais
reduzimos a qualidade de nossas atividades exatamente, da dupla autoral Roberto/Bertha),
e nem conseguimos ampliar o públicoí”. Era ainda que à revelia, na caricatura do pregador
essa, aliás, a orientação oficial do CPC, que “paternalista, manipulativo e professoral”,
preconizava: “Havendo conflito entre o que que o nosso crítico “desconfiado”, e sempre
dele (NB: do artista, de origem social pequeno- supercilioso com relação aos que discordam
burguesa) é exigido pela luta objetiva e o que de suas idéias, se encarrega de debuxar. Assim,
dele brota espontaneamente como expressão Maiakóvski não é mencionado, e em seu lugar
de sua individualidade comprometida com reponta Lênin, como autor de prosa de “efeito
outra ideologia, é que então surge o dever poético”, o mesmo Lênin cujo gosto literário
de se imporem limites à atividade criadora, e artístico era sabidamente convencional
cerceando-a em seu livre desenvolvimento” (censurou Lunatchárski quando este, em sua
(sic, “Manifesto”, cit., p. 71). condição de comissário da Cultura, publicou
Posição fundamentalmente semelhante, o poema de Maiakóvski “150.000.000” numa
embora dissimulada sob a tintura de menor tiragem de 5.000 exemplares, entendendo que
esquematismo e maior sofisticação teórica, é era “estupidez” publicar mais de 1.500 cópias
a de Roberto Schwarz, crítico sociologizante, de algo que só poderia interessar a “leitores
vocacionalmente incompatibilizado com o excêntricos”). Mao, como poeta, seguia o
novo na poesia e na música (popular e erudi- padrão clássico da poesia mandarínica, não
ta). Manifestando-se algo tardiamente sobre adotando as inovações implantadas na lite-
a matéria em 1968, no número 3 da revista ratura moderna chinesa desde 1919 (quando
paulista Teoria e Prática, o ensaísta e (mau) os escritores se empenharam em substituir a
poeta bissexto Roberto Schwarz, no artigo língua da antiga corte, clássica, o wen yan, pela
“Um Folheto de Iniciação Política – Didatismo fala popular, o bai hua). É verdade que Mao
e Literatura”, assinado em seu próprio nome “atualizava” seus poemas, compostos e cali-
e sob o pseudônimo Bertha Dunkel (Bertha grafados nesse idioleto poético estilizado da
Escura, como o seu criador, Roberto, traz por convenção acadêmica, inserindo neles temas
sobrenome Schwarz, Negro), proclama: “nou- revolucionários; mas também é verdadeiro
tras palavras, neste gênero didático, a estética que o próprio Mao manifestou-se no sentido
é puramente política e chega, sem querer, onde de que suas composições poéticas não fossem
a literatura, ou parte dela, há muito quer che- tomadas como “paradigma” pelos escritores
gar”. A seguir, numa especificação veleitária, comunistas das novas gerações, reservando-se
imagina um “didatismo político” que seja como que a prerrogativa “imperial” de praticar,
“bem-sucedido” e que, portanto, não redunde para sua expressão pessoal, a arte poética de Li
em “forma degradada de ciência ou prosa”. Po, Tu Fu e Wang Wei... Finalmente, quanto
É o próprio crítico, involuntariamente, quem a Brecht, seu ponto de vista em arte está no
se encarrega de pôr de manifesto o resultado pólo oposto desse didatismo robertiano, em
perverso da “estética puramente política” que que “a estética é puramente política”; ao invés,
preconiza: “Pela mesma razão, quando a busca para Brecht, como para Maiakóvski (“sem
da simplicidade não encontra na linguagem forma revolucionária não há arte revolucio-
e no emaranhado ideológico o veio da luta nária”), “novos conteúdos” (e precisamente
espontânea, a prosa didática – enquanto lite- estes) demandam “novas formas” (cf. Über
ratura – registra apenas o impulso paternalista, Lyrik, Suhrkamp, 1964). Ver ainda o diálogo
manipulativo, professoral ou o que seja, que de W. Benjamin com Brecht, em Svenborg
leva a classe superior a ocupar-se das infe- (25/7/1938), a propósito de Lukács (uma das
riores”. Os exemplos de poemas “didáticos” referências teóricas obrigatórias de Schwarz),
bem-sucedidos – do “efeito poético” alcançado Gabor, Kurela, em que o inovador dramatur-

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go e poeta alemão afirma: “São, com efeito, manifesta o seu total desconhecimento da
inimigos da produção. A produção nada lhes complexa práxis compositória dos músicos
diz de valor. Não é possível confiar nela. Ela que censura, bem como dos impasses com que,
é a expressão mesma do imprevisível. Não se à época (1967), estes se defrontavam (em 1963,
sabe nunca o que dela vai sair. Eles mesmos esses mesmos compositores haviam subscrito
não querem produzir. Querem fazer o papel o manifesto “Nova Música Brasileira” – revista
de apparatchik – NB: membros do aparelho Invenção, no 3 – em que expõem as suas idéias
diretivo partidário – e estar a cargo do controle e a plataforma a que chegaram, numa densa
dos outros” (cf. Ernst Bloch et alii, Aesthetics síntese teórica, que Schwarz sequer se digna de
and Politics, Londres, New Left Books, 1977; examinar). Ao reprovar-lhes o suposto “con-
W. Benjamin, Essais sur Bertolt Brecht, Pa- formismo”, o defensor da literatura didática,
ris, Maspero, 1969). A menos que o crítico da “estética puramente política”, não se dando
Roberto Schwarz considere “bem-sucedida” ao trabalho de tomar conhecimento prévio da
ou “não degradada” a sua prática, enquanto produção desses mesmos compositores, põe
poeta, da “estética didática” que prega, como, de manifesto uma arrogância não compatível
por exemplo, naquele sloganático “Passeata”: com a estima em que tem o filósofo e musi-
“PAU NO IMPERIALISMO/ABAIXO O CU cólogo Adorno, o qual, estudioso sério que é,
DO PAPA” (em Corações Veteranos, 1974). jamais discutiria questões musicais teóricas
Para um observador não persuadido por sua sem o trato minucioso com a prática que lhes
retórica “manipulativo-professoral”, tiradas correspondesse no nível compositório. Mas,
“didáticas” como essa outra coisa não são do mesmo na autocrítica que faz com respeito à
que pobres esquemas maniqueístas, totalmente sua pregação didatizante de 68, Schwarz não
carentes de sutileza dialética, grossos como deixa de lado a habitual filáucia veleitária, ao
chalaças grafitadas no recesso dos mictórios afirmar – convertendo a dialética em camisa
públicos (se bem que menos bem-humoradas tamanho único apta a revestir (e neutralizar)
e imaginosas do que estas...). No caso, mais qualquer erro, por mais berrante e danoso, em
ainda, um canhestro poema-piada “didático” seu momento, que tenha sido: “Em matéria
como este denuncia um serôdio anticlericalis- de perspectiva dialética um descaminho pu-
mo voltairiano, do tipo que, repetido hoje, nos blicado é melhor que nada”.
parece de um radicalismo mecanicista, apenas
bilioso: “Écrasez líinfame!...”.
É bem verdade que, ao republicar seu texto
sob o título abreviado “Didatismo e Literatura”
em O Pai de Família (Paz e Terra, 1978), Ro-
berto faz autocrítica e se confessa “abismado”
com o tamanho de seu “bitolamento” à época
em que o redigiu, com a “utilização escolástica
da terminologia marxista” e com o “tratamento
abstrato”, a-histórico, das questões então en-
focadas. O mesmo formalismo abstratizante,
aliás, sob color de análise sociológico-estética,
levou-o a discutir pronunciamentos irônico-
céticos, mais paródicos e provocativos do
que literais, de compositores brasileiros de
vanguarda (entre os quais Gilberto Mendes;
Roberto, aliás, não os diferencia, tratando-os
blocalmente, como um todo homogêneo, no ar-
tigo “Nota sobre Vanguarda e Conformismo”,
de 1968, também republicado em seu livro de
78, artigo com relação ao qual o crítico ainda
não fez autocrítica). Nesse artigo, desde logo

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