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Casa no latim tinha a conotação de casebre, barraco, a palavra para uma residência
digna era domus, como era chamado o ambiente doméstico dos patrícios. Ao longo do
tempo, suponhamos que pela prevalência de habitações miseráveis, casa passou a
nomear todas as nossas residências, embora o domus latino ainda esteja presente na
palavra doméstico, mas também em domínio. Diante da calamidade que nos assola
pretendemos aqui especular se as pessoas isoladas em casa são mais facilmente
domesticadas. Os animais domésticos são aqueles que conseguiram sobreviver sob
nosso domínio e já não conseguem mais viver de outro modo. Estamos sempre sob o
julgo de algum domínio, mesmo o ermitão na duna entre cajus e tejus é dominado pela
linguagem e pelo próprio imaginário cultural do ermitão. Sim, somos todos dominados,
dentro e fora de casa, na medida em que somos seres sociais, determinados pela cultura
e linguagem. A questão é: qual domínio é legítimo? Quem deve nos dominar? Ou ainda:
como resistir a dominação indesejada? Aquele que abdica dessa resistência, ou não
questiona aqueles que exercem o domínio, são os domesticados, incapazes de se opor
aos que o dominam – os dominus.
Desse modo, as pessoas estão cada vez mais em casa e cada vez menos domesticadas
por uma narrativa de ódio e ressentimento que nos levou a esse cenário de culto à
ignorância. Nesses tempos de pandemia o domínio das narrativas científicas em
detrimento das religiosas ou ideológicas se consolida. Independente do seu espectro
político ou religioso, a ciência é a mesma para todos. Na dúvida, independentemente das
crenças e convicções, as pessoas ainda recorrem ao médico, seja ele coxinha ou cubano.
Sendo assim, contabilizando em vidas os danos dessas narrativas não referendadas pela
ciência, as pessoas tenderão a ser mais críticas em relação a elas posteriormente. Será
um duro golpe contra o anticientificismo desses tempos que assistiram com espanto o
retorno do criacionismo e terraplanismo. Apesar do ataque do governo, a imprensa
também sairá fortalecida, haverá mais receio em compartilhar notícias não apuradas.
Quando as pessoas finalmente puderem sair do ambiente doméstico, talvez estejam mais
caseiras e menos domesticadas por narrativas ressentidas e passionais.