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Construindo cenários de aprendizagem

Volume 7
Volume 7 (especial)

Múltiplos olhares
para a educação básica
Gêneros textuais e (multi)letramentos
José Ribamar Lopes Batista Júnior
Vicente Lima-Neto
Carlos Alexandre Rodrigues de Oliveira
Sergio Vale da Paixão

[Orgs.]

Pipa Comunicação
Recife, 2019
Copyright 2019 © José Ribamar Lopes Batista Júnior, Vicente
Lima-Neto, Carlos Alex andre Rodrigues de Oliveira, Sergio
Vale da Paixão e pipa comunicação. Reservados todos os direitos desta
edição. É proibida a reprodução total ou parcial dos textos e projeto gráfico desta
obra sem autorização expressa dos autores, organizadores e editores.

CapA e Projeto Gráfico Karla Vidal


DIAGRAMAçÃO Augusto Noronha e Karla Vidal
Revisão Os autores
ediTORES Augusto Noronha e Karla Vidal (Pipa Comunicação)
http://www.pipacomunica.com.br

Catalogação na publicação (CIP)


Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo

B3209

BATISTA JÚNIOR, J. R. L. et al.


Múltiplos olhares para a educação básica: gêneros textuais e
multiletramentos / José Ribamar Lopes Batista Júnior, Vicente Lima-Neto,
Carlos Alexandre Rodrigues de Oliveira, Sergio Vale da Paixão. – Pipa, 2019.
298p. : Il., Fig., Quadros. (Série professor criativo: construindo cenários de
aprendizagem - vol. 7) (e-book)

1ª ed.
ISBN 978-85-66530-99-5

1. Educação. 2. Educação básica. 3. Linguística.


4. Gêneros textuais. 5. Multiletramentos.
I. Título.

370 CDD
37 CDU
c.pc:12/19ajns
Prefixo Editorial: 66530

www.livrariadapipa.com.br

Comissão Editorial

Editores Executivos
Augusto Noronha e Karla Vidal

Conselho Editorial
Alex Sandro Gomes
Angela Paiva Dionisio
Caio Dib
Carmi Ferraz Santos
Cláudio Clécio Vidal Eufrausino
Cláudio Pedrosa
Clecio dos Santos Bunzen Júnior
José Ribamar Lopes Batista Júnior
Leila Ribeiro
Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Pedro Francisco Guedes do Nascimento
Regina Lúcia Péret Dell’Isola
Rodrigo Albuquerque
Ubirajara de Lucena Pereira
Wagner Rodrigues Silva
Washington Ribeiro
Su
má 09 Apresentação
rio 21 A aplicação de uma proposta de ensino
de ESP no curso técnico de nível médio
subsequente em P&G
Samuel de Carvalho Lima
Wigna Thalissa Guerra

41 Formas de pensar o desenho nas aulas


de língua estrangeira: como aprendizes
adolescentes representam a interação
em língua inglesa
Marina Morena dos Santos e Silva

71 Gênero textual entrevista em livros


didáticos de língua portuguesa
Juliana Moratto
Letícia Jovelina Storto

99 O gênero crônica: uma proposta de oficina


de leitura e escrita
Francisco Jeimes de Oliveira Paiva
Ana Maria Pereira Lima

127 Letramento crítico por meio de imagem:


o artigo de opinião em sala de aula
Josiane Brunetti Cani
Isabel Cristina Gomes Basoni
Elizabete Gerlânia Caron Sandrini
155 O imbricamento de linguagens na idade mídia:
um relato de experiências sobre a produção de
artefatos semânticos a partir dos diálogos entre
arte e tecnologias
Juliana Pádua Silva Medeiros
Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini

177 O roteiro cinematográfico na escola


Millena Ariella dos Santos Mota
Pollyanne Bicalho Ribeiro

205 Práticas de ensino e o uso de aplicativos


em sala de aula
Carolina Coelho Aragon

225 Projeto redigir: ações de extensão universitária


em apoio a professores do ensino básico
Fernanda Costa
Sabrina Andrade Silva
Carlos Alexandre Rodrigues de Oliveira

265 Uma experiência com o facebook: o ensino de


inglês a partir do uso das tecnologias digitais
e gêneros textuais/discursivos
Siderlene Muniz-Oliveira

289 Sobre os autores Su



rio
Apresentação

“Este não é o primeiro e nem será o


último livro buscando responder a
essa pergunta. O nosso diferencial
é que nos centramos em relatos
de experiência que funcionaram
bem em diferentes salas de aula
de língua pelo país afora que
dialogam, de alguma maneira, com
uma abordagem não tão recente na
academia, mas ainda engatinhando
no ensino básico: a dos (multi)
letramentos”.
Múltiplos olhares para a
educação básica: Gêneros
textuais e (multi)letramentos

Quando nos reunimos para organizar os textos que vocês estão


prestes a ler, assumíamos a certeza de que ser professor, sobretudo
na educação pública neste país, é quase um ato heroico: baixos sa-
lários, excesso de turmas, más condições de trabalho, livros caros,
dificuldades burocráticas para conseguir se (pós) graduar, abismos
entre a teoria – na academia – e a prática – no chão da sala de aula,
enfim, uma série de elementos que são levados em conta pelos jo-
vens, quando pensam na possibilidade de cursar alguma licenciatura
para seguirem numa profissão que pouco atrai.
Embora consideremos a escola como a principal agência de
letramento(s), que tem como uma de suas responsabilidades apre-
sentar ao alunado os mais diferentes gêneros textuais, que funcio-
nam nas mais variadas esferas de comunicação humana, sabemos
que este país de dimensões continentais e de profundas injustiças
sociais não pode oferecer a todos os discentes as mesmas opor-
tunidades. Parece haver um mito de que a responsabilidade pelo
que acontece com a aprendizagem dos alunos se resvala apenas
no professor, não levando em consideração todas as instâncias que
estão acima dele: a coordenação e direção da escola; as linhas dis-
cursivas e ideológicas seguidas pelas secretarias de educação dos
municípios e dos estados, além das diretrizes impostas pela política

9
Múltiplos olhares para a educação básica

do Ministério da Educação; as linhas editoriais dos livros didáticos


escolhidos etc., em suma, são muitos os responsáveis pela escola
e como ela se encontra hoje.
Afunilando a realidade para o professor de línguas (materna ou
estrangeira) da educação básica, que é um dos nossos principais in-
terlocutores neste livro, some-se as dificuldades que ele tem, mesmo
em 2019, em vencer o discurso da tradição, ainda hegemônico em
muitas salas de aula do país, que prega o ensino de gramática e de
categorias gramaticais que pouco ajudam o aluno a refletir sobre o
funcionamento real de sua língua ou de uma L2. Mesmo vinte anos
após os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), que já
propõem um ensino de língua a partir dos gêneros textuais, não é
incomum encontrar professores que, embora entendam o que são
os gêneros, não refletem sobre eles com seus alunos. Além disso,
muitos dos livros didáticos escolhidos pelas escolas também não
ajudam nessa luta contra o discurso da tradição: o texto acaba sendo
pretexto para o trabalho com a variante padrão da língua, fora da
qual quaisquer usos seriam condenáveis. Raras são as obras que se
propõem em abordar outros modos semióticos para além do verbo
na construção do sentido.
Com este preâmbulo, este segundo volume de nossa trilogia se-
gue por caminhos um tanto quanto diferentes do primeiro (BATISTA
JR., LIMA-NETO, OLIVEIRA, PAIXÃO, 2018): naquele, tivemos como
foco o trabalho com letramentos e tecnologias digitais na educação
básica, mostrando para o nosso leitor que sim, é possível trabalhar
com Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) de
maneira crítica, reflexiva e responsável no ensino de línguas. Já nes-

10
Gêneros textuais e (multi)letramentos

te trazemos à baila algumas possíveis respostas à pergunta: como


podemos ajudar os nossos alunos da educação básica e os nossos
professores de língua a refletir criticamente sobre o funcionamento da
língua a partir dos gêneros em sala de aula?
Este não é o primeiro e nem será o último livro buscando respon-
der a essa pergunta. O nosso diferencial é que nos centramos em
relatos de experiência que funcionaram bem em diferentes salas
de aula de língua pelo país afora que dialogam, de alguma manei-
ra, com uma abordagem não tão recente na academia, mas ainda
engatinhando no ensino básico: a dos (multi)letramentos (NLG, 1996;
COPE, KALANTZIS, 2000). Não espere de nós e dos autores que aqui
estão alongadas e calorosas discussões sobre os conceitos que o
Grupo de Nova Londres e seus seguidores propuseram. É evidente
que não estamos menosprezando as teorias – afinal, só existimos
por conta delas –, apenas quisemos aqui mostrar a aplicabilidade
de uma abordagem que julgamos propícia para uma reflexão sobre
a língua de maneira crítica, responsável e bastante afinada com a
atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC – BRASIL, 2018).
Você está diante de dez capítulos cujos autores se debruçaram
em debater a importância dos (multi)letramentos em sala de aula
e como aplicá-los a partir dos gêneros. Perguntas como: “De que
modo posso tornar produtivo o trabalho com o artigo de opinião?”
ou “Como é que posso trabalhar o cinema em sala de aula?” ou ain-
da “O que fazer com o gênero crônica?”, por exemplo, passam pelo
imaginário dos professores, que, nem sempre sabem o como fazer.

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Múltiplos olhares para a educação básica

No capítulo 1, cujo título é “A aplicação de uma proposta de ensi-


no de esp no curso técnico de nível médio subsequente em P&G”, os
autores têm como foco o ESP (English for Specific Purposes), mais
comumente conhecido como Inglês Instrumental, argumentando
que ainda há um mito no cenário nacional que crê que o curso se
limita à leitura de textos em inglês, quando, na verdade, ele deve
trazer outras formas de o aluno utilizar a língua, para muito além da
leitura. O relato de experiência leva a uma proposta de ensino de ESP
que foi elaborada num curso de nível médio técnico subsequente
em Petróleo e Gás (P&G), vinculando as características do ESP ao
contexto da Educação Profissional Tecnológica (EPT).
No capítulo 2, intitulado “Formas de pensar o desenho nas aulas
de língua estrangeira: como aprendizes adolescentes representam a
interação em língua inglesa”, a autora traz à tona a aprendizagem
de língua inglesa por alunos de ensino fundamental a partir de
produção de narrativas visuais. A tese principal é a de que o uso de
narrativas visuais são fortes aliadas nas representações dos usos
do idioma, quando aprendizes tendem a se desenvolver em intera-
ções comunicativas em língua inglesa e conseguirem se expressar,
enaltecendo a escola como um espaço democrático, onde todos
podem se expressar.
No capítulo 3, “Gênero textual entrevista em livros didáticos de
língua portuguesa”, a preocupação ressaltada é com o ensino da ora-
lidade em língua portuguesa, área tão subvalorizada culturalmente
na escola brasileira. As autoras partem de uma análise de seis livros
didáticos de língua portuguesa aprovados pelo PNLD (2017-2018),

12
Gêneros textuais e (multi)letramentos

mais especificamente no tratamento do gênero entrevista, em que


apontam aspectos positivos e negativos dos conteúdos.
No capítulo 4, “O gênero crônica: uma proposta de oficina de leitura
e escrita”, os autores se debruçam no tratamento do gênero crôni-
ca em sala de aula, a partir de oficinas. A preocupação parte das
dificuldades que os alunos do ensino fundamental II, do município
de Morada Nova-CE, têm tanto na mobilização de estratégias de
leitura no favorecimento de uma compreensão leitora mais eficaz
quanto na produção de textos escritos. Uma maneira de melhorar
esses aspectos foi a elaboração de oficinas de leitura e escrita na
escola, elegendo como base o gênero crônica e potencializando
o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias à
formação crítica e reflexiva dos alunos.
No capítulo 5, “Letramento crítico por meio de imagem: o artigo
de opinião em sala de aula”, o espaço escolar, principalmente a sala
de aula, passa a ser modificado e transformado em um espaço que
poderá favorecer o processo de ensino e aprendizagem dos alunos
a partir da combinação de recursos da escrita como: “a tipografia, a
leitura do som, as imagens, os gestos e os movimentos”. Com isso, as
autoras avaliam que, além dos aspectos pedagógicos considerados
tradicionais, a compreensão de um sistema de gêneros que se ma-
terializa nas interações humanas por todos os recursos semióticos
como veículos de informação requer ações pedagógicas que pos-
sam suscitar nos alunos um olhar mais crítico em relação à leitura das
intenções contidas nas imagens. Diante disso, é importante refletir
sobre o trabalho com as imagens numa perspectiva da teoria dos
multiletramentos, da multimodalidade, do letramento visual e do

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Múltiplos olhares para a educação básica

letramento crítico. Tudo isso poderá configurar-se em possibilidades


de diferentes sentidos em consonância às habilidades comunicativas
dos sujeitos como “leitura, escrita, oralidade e audição”, permitindo
uma visão crítica na produção do texto.
No capítulo 6, temos “O imbricamento de linguagens na idade
mídia: um relato de experiências sobre a produção de artefatos semân-
ticos a partir dos diálogos entre Arte e Tecnologias”, a arte-educação
e a formação cidadã para o desenvolvimento da expressão poética-
-comunicativa está representada em um grupo “multisseriado” de
alunos do Ensino Médio de uma escola da região de São Paulo, em
que as autoras, por meio de um projeto pedagógico, investigaram a
“Arte na Idade Mídia”. Esse projeto teve como objetivo promover um
“olhar sensível” para a leitura das mais variadas formas de expressão
artística presentes no universo midiático, tendo em vista as práti-
cas e experimentações no campo da arte conectado aos recursos
tecnológicos. Segundo as autoras, a realização dessa intervenção
trouxe aos alunos importantes considerações acerca do processo de
produção textual, possibilitando o desenvolvimento de uma escrita
“autoral, engajada e criativa”.
No capítulo 7, que tem como título “O roteiro cinematográfico na
escola”, a proposta de ensino e aprendizagem de Língua Portugue-
sa está empreendida em uma pesquisa realizada no contexto do
Mestrado Profissionalizante em Letras da Universidade Federal do
Ceará, no ano de 2018, a qual teve a produção do gênero discursivo
roteiro cinematográfico como proposta de ensino e aprendizagem na
escola. As autoras ressaltam que “a escola é o lugar de letramento
por excelência” e “a ela cabe a responsabilidade de formar cidadãos

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Gêneros textuais e (multi)letramentos

aptos a enfrentar os desafios que terão que lidar nas interações das
quais participarem”. Isso se refere a uma proposta de ensino em
defesa de se apresentar gêneros diversos em sala de aula. Porém,
as autoras detêm-se apenas “no uso da linguagem cinematográfica”
como meio didático-pedagógico empregado nas práticas de ensino
de Língua Portuguesa e no “acesso a recursos tecnológicos em sua
produção” por possibilitar um trabalho inovador, reflexivo, crítico,
colaborativo e autoral com a língua.
No capítulo 8, “Práticas de ensino e o uso de aplicativos em sala
de aula”, a autora diante de suas vivências e experiências em sala
de aula aponta que vivemos em uma sociedade rodeada por tecno-
logias digitais emergentes que interferem direta e indiretamente na
estrutura social e, também, no processo educativo. Quando utilizadas
com um objetivo comum, as tecnologias podem desenvolver um
papel crítico, colaborativo, cooperativo, empreendedor e autônomo,
inovando o ensino dentro e fora da escola. Nessa perspectiva, a auto-
ra também apresenta uma de suas experiências desenvolvidas com
alunos do curso de Graduação em Letras da Universidade Católica de
Brasília, em que foram desafiados a criar conteúdos para aplicativos
relacionados ao ensino de Língua Portuguesa como PL2 ou Língua
Estrangeira (PLE) em uma disciplina optativa do curso. Tudo isso
enfatizou-se em apontar práticas inovadoras e criativas voltadas à
formação de professores de línguas, envolvendo o uso pedagógico
de recursos tecnológicos digitais em sala de aula.

15
Múltiplos olhares para a educação básica

O capítulo 9, “Projeto Redigir: ações de extensão universitária em


apoio a professores do ensino básico”, faz uma breve e importante
menção às mudanças evolutivas que ocorreram e ocorrem ao longo
da história da humanidade. No momento, “temos a oportunidade de
fazer parte de uma era em que o tempo e o espaço são gradual-
mente modificados pela tecnologia digital”. Pensando na distinção
e na distância entre o real e o virtual, as experiências advindas de o
uso de recursos tecnológicos devem ser mais precisas, profundas
e imersivas. Como exemplo, os autores citam a série Black Mirror,
lançada em 2011, pela Netflix, pensando sobre as diversas formas em
que a ficção científica se insere na formação humana. Além disso, os
episódios da série demonstram como o real e o virtual estão relacio-
nados no mundo contemporâneo. Isso reflete o quão fundamental
os nossos dispositivos tecnológicos e suas aplicabilidades podem
ser utilizados no ambiente educacional, bem como na formação de
cidadãos críticos para atuarem ativamente no universo digital. Isso
nos faz refletir como a grande maioria dos jovens de hoje é “produ-
tora digital” fora do cenário escolar, por meio da internet. Com isso, é
interessante que eles sejam, também, bons receptores de atividades
escolares que dialogam com seu dia a dia. Nessa perspectiva, os
autores apresentam um relato de experiência, de modo a exempli-
ficar as atividades produzidas pelo projeto Redigir da Faculdade de
Letras da UFMG, em que aborda o letramento digital na criação de
“memes” da internet. Tudo isso foi (re)direcionado a partir do estudo
de uma paródia da música Boyfriend, do cantor Justin Bieber.

16
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Por fim, no capítulo 10, “Uma experiência com o Facebook: o ensino


de inglês a partir do uso das tecnologias digitais e gêneros textuais/
discursivos”, a autora relata uma experiência que foi realizada na Uni-
versidade Tecnológica Federal do Paraná com o ensino de Língua
Inglesa no curso de Graduação em Engenharia de Software, tendo
relevância para a formação de professores que ensinam a Língua
Inglesa em cursos de graduação e que, também, são interessados
em utilizar as tecnologias digitais de informação e comunicação
para o ensino-aprendizado de línguas estrangeiras na era digital.
Diante da avaliação dos docentes realizada semestralmente pelos
discentes, e no que diz respeito à problemática e à dimensão didá-
tica da disciplina ofertada no curso, a autora, enquanto mediadora
do processo de ensino e aprendizagem, buscou-se outros estudos
e técnicas que poderiam ser utilizadas para “facilitar o aprendizado,
motivar e despertar o interesse dos alunos sobre os temas trada-
dos” em sala de aula. Nesse contexto, foram colocadas em prática
atividades que abordavam experiências com a rede social Facebook
para o ensino-aprendizado da Língua Inglesa, no que diz respeito ao
desenvolvimento das estratégias e habilidades da língua referentes
à leitura e compreensão de textos instrumentais.
Em suma, todos os autores desta coletânea, sob diferentes olha-
res, apontam direta e indiretamente a escola como a mais importante
agência de letramento(s) no que se refere ao ensino e aprendizagem
dos gêneros textuais, discursivos e digitais para o enfrentamento e
superação dos vários problemas sociais que estão relacionados às
práticas de leitura e escrita dentro e fora da escola. Sabemos que
esses gêneros são textos que, além de exercerem uma função social

17
Múltiplos olhares para a educação básica

específica, ocorrem em situações do dia a dia, em que o processo


de comunicação deverá ter uma intencionalidade comunicativa bem
definida. Sendo assim, este livro traz diferentes gêneros textuais
que se adequam ao uso que se faz deles, principalmente, em con-
sonância ao emissor e ao receptor da mensagem e ao contexto em
que estão inseridos, sendo por meio do texto impresso ou digital.
Portanto, não tenha pressa, leia cada capítulo cuidadosamente,
se inspire e pense em você professor, no seu fazer docente, em suas
práticas de leitura e produção textual em sala de aula, e o que você
gostaria de esclarecer em relação à multiculturalidade das socieda-
des globalizadas e à multimodalidade dos textos que circulam nelas.
Uma boa leitura a todas e todos!

Os Organizadores.

18
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Capítulos

19
Capítulo 1

20
A aplicação de uma proposta de ensino
de ESP no curso técnico de nível médio
subsequente em P&G

Samuel de Carvalho Lima


Wigna Thalissa Guerra

Apresentação

Área do ensino de língua estrangeira, o ESP (English for Specific


Purposes) começou a se desenvolver no Brasil na década de 1970,
com o início do Projeto Nacional conduzido pela professora Maria
Antonieta Celani (CELANI, 1988; 1998). Nessa época, o ensino de
ESP, comumente referido no cenário nacional como Inglês Instru-
mental, voltava-se ao ensino de leitura na língua estrangeira, mais
especificamente no âmbito acadêmico.
Hoje, no Brasil, o mito de que o ESP ainda se restringe a cursos
de leitura é ainda muito forte (RAMOS, 2008). Por essa razão, um
de nossos objetivos principais foi trazer essa disciplina para uma
perspectiva diferente, considerando o que está no cerne de sua
concepção: a necessidade do aprendiz como ponto central para
a aplicação de métodos de ensino (HUTCHINSON, WATERS, 1987;
ROBINSON, 1991; DULEY-EVANS, ST JOHN, 1998; VIAN JR., 1999;

21
Múltiplos olhares para a educação básica

RAMOS, 2008). Assim, desenvolvemos uma proposta de ensino de


ESP no curso técnico de nível médio subsequente em Petróleo e
Gás (P&G) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte (IFRN), campus Mossoró (GUERRA, 2017),
vinculando as características do ESP e o contexto da Educação Pro-
fissional e Tecnológica (EPT). O relato aqui apresentado provem de
uma proposta inspirada na estrutura de uma sequência didática (SD)1
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004), visto que as sequências são
constituídas de (i) apresentação da proposta, (ii) produção inicial (iii)
(n) módulos e (iv) produção final, sendo essa, também, a estrutura
da nossa proposta. Porém, mesmo inspirando-se na estrutura de
uma SD, atribuímos novas terminologias para cada fase, sendo: (i)
estudo do gênero, (ii) elaboração do gênero, (iii) (n) desenvolvimento
das fases e (iv) reelaboração do gênero.
Esta é uma proposta de ensino de ESP para a disciplina Inglês
Instrumental em cursos técnicos de nível médio na modalidade
subsequente. Utilizamos a disciplina Inglês Instrumental (30h), de
caráter obrigatório no primeiro semestre do curso técnico de nível
médio em P&G, único curso na modalidade subsequente ofertado
no campus Mossoró que apresenta a disciplina de inglês. Vale res-
saltar que, no campus Mossoró, também há a oferta dos seguintes
cursos subsequentes: Edificações, Eletrotécnica, Mecânica, Sanea-

1. A proposta de sequência didática de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) visa fazer


com que os alunos se apropriem e cheguem ao fim da sequência dominando um
determinado gênero discursivo, que é apresentado na fase de apresentação da
proposta e trabalhado pelo professor ao longo dos módulos até a fase final, quando
os alunos apresentam o gênero trabalhado em uma produção final.

22
Gêneros textuais e (multi)letramentos

mento, Informática e Segurança do Trabalho e Guia de Turismo na


modalidade EaD.
Podemos dizer que esta é, portanto, uma proposta que busca
trazer uma perspectiva diferenciada para o ensino do ESP, não se
atendo apenas ao ensino de leitura, como vem sendo feito no Bra-
sil desde os primórdios da disciplina, o que a torna extremamente
relevante para o ensino de língua estrangeira. Nossa proposta bus-
cou trazer novas formas de o aluno se utilizar da língua, visto que a
depender da sua necessidade de aprender um novo idioma, muitos
são os contextos que podem se apresentar, sendo assim necessário
pensar em formas diversificadas de ensino que atendam propria-
mente o que o aluno necessita.

Caracterização do universo e dos


participantes da pesquisa

A regularidade da oferta da disciplina Inglês Instrumental em cur-


so técnico acabou por tornar o IFRN campus Mossoró nosso campo
de intervenção pedagógica. (DAMIANI, 2012; DAMIANI et al., 2013).
O IFRN passou por diversas denominações desde sua concepção.
No início do Século XX a Escola de Aprendizes Artífices situava-se
na capital do estado e seguia seu propósito nacional que seria dar
conta da parcela mais carente da população, dando-lhes um ofício
digno (PEGADO, 2010). Por volta de 1914, apesar das tentativas de
mudanças nas escolas que passam a ser chamadas Liceu Industrial
de Natal, ainda prevalecia um ensino que visava apenas à formação
de pessoas que se encontram marginalizadas.

23
Múltiplos olhares para a educação básica

Apesar de a lei que instituía os Centros Federais ter sido sancio-


nada em 1994, a ETFRN só se transformou em Centro Federal de
Educação Tecnológica (CEFET) do Rio Grande do Norte em 1999. A
instituição inicialmente possuía apenas a unidade central em Natal
e somente em 1994 a Unidade de Ensino Descentralizada de Mos-
soró foi inaugurada, no intuito de provocar mudanças na região do
oeste potiguar.
A expansão da rede começa a ser realizada a partir de 2003, como
parte do plano de governo do então presidente Luís Inácio Lula da
Silva. A partir de 2007, outras unidades tiveram sua construção ini-
ciada, mas foram inauguradas somente em 2009, nos municípios de
Apodi, Pau dos Ferros, Macau, João Câmara, Santa Cruz e Caicó, já
como novos campi do IFRN. A partir daí a expansão dos IF é iniciada,
contando atualmente 21 com campi espalhados por todo o estado.
A instituição hoje abrange uma vasta gama de cursos ofertados,
contando com quase 260 cursos, sendo 122 Cursos de Qualificação
Profissional ou FIC – Formação Inicial e Continuada (Pronatec, Mu-
lheres Mil e Cursos FIC com mais de 160 horas), 86 Cursos Técnicos
de Nível Médio (Técnico Integrado, Técnico Integrado EJA, Técnico
Subsequente e Técnico Subsequente Profuncionário), 31 Cursos de
Graduação (em Tecnologia, Licenciaturas e Engenharias) e 19 Cursos
de Pós-graduação (Lato Sensu e Stricto Sensu)2.
Para nossa proposta, escolhemos o Curso Técnico Subsequente
em Petróleo e Gás, do IFRN campus Mossoró, que possui o ESP como

2. Mais sobre tais dados pode ser consultado no site da Instituição: http://portal.ifrn.
edu.br/institucional/historico

24
Gêneros textuais e (multi)letramentos

disciplina obrigatória em sua matriz curricular, em uma oferta de 30h


a cada primeiro semestre letivo do curso. Nossa escolha se justifica
pela regularidade da oferta, já que a disciplina é obrigatória, sendo
ofertada todos os anos sempre no primeiro semestre do curso, e pelo
interesse em desenvolver uma pesquisa que considere o mundo do
trabalho do futuro profissional. Trata-se de uma de escolha meto-
dológica realizada após a análise da oferta de modo geral, em que
analisamos os Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) da instituição,
relacionando suas seções iniciais com as ementas direcionadas ao
ensino de ESP.
De acordo com Oliveira (2010, p. 123)

Visando a uma atuação mais direcionada às necessida-


des das empresas, o CEFET-RN criou e implantou, no ano
de 2005, o curso técnico de Operação e Manutenção na
Indústria do Petróleo e Gás Natural em parceria com a
Agência Nacional de Petróleo – ANP – projeto implanta-
do também na Unidade de Mossoró e que, na fase inicial,
oferta vagas na modalidade sequencial com vistas a dar
maior celeridade à formação técnica de profissionais para
o setor do petróleo e gás.

A oferta do novo curso atende, então, às necessidades locais,


voltando-se à formação de técnicos que atendessem às demandas
da região. Podemos dizer que com o boom da indústria petrolífera
na cidade de Mossoró, que acabou por atrair diversas empresas de
extração de petróleo e gás natural para a região, bem como a própria
Petrobrás, foi necessário pensar na formação de profissionais que

25
Múltiplos olhares para a educação básica

atendessem aos requisitos de tais companhias. Com isso, é criado o


Curso Técnico de Operação e Manutenção na Industria de Petróleo
e Gás Natural na forma subsequente, curso que, em 2012, passa a
ser denominado Curso Técnico Subsequente de Nível Médio em
Petróleo e Gás. Apesar do atual enfraquecimento da indústria na
região, o curso continua a ser ofertado na instituição.
Os participantes da nossa intervenção pedagógica foram alunos
regularmente matriculados no Curso Técnico Subsequente em Pe-
tróleo e Gás, no turno noturno, no semestre de 2016.2. A disciplina
contou com 1h30min de aulas semanais. É importante ressaltar que
o número oficial de matriculados era de 41 alunos, porém, nem todos
compareciam às aulas. O número de alunos participantes – que
responderam ao questionário – foi 31. A grande maioria da turma
encontrava-se numa faixa etária que ia dos 20 aos 35 anos, todos
concluintes do ensino médio e ingressantes na instituição por meio
de processo seletivo. A maior parte dos alunos vinha de uma jor-
nada dupla de trabalho e alguns conciliavam o curso técnico com
um curso superior em uma das universidades públicas da cidade.
Alguns alunos não eram de Mossoró e só podiam vir para as aulas
quando o transporte público de suas cidades era disponibilizado.
Além dos alunos, contamos com a colaboração de dois profes-
sores para a construção da proposta de ensino de ESP: o professor
de inglês responsável pela disciplina no semestre de aplicação da
proposta e um professor engenheiro da área técnica de Petróleo e
Gás, que nos ajudou a entender melhor de que forma a língua inglesa
seria essencial na formação dos alunos, ambos professores efetivos
da instituição (GUERRA, 2017).

26
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Descrição da experiência

Levando em consideração os documentos do IFRN, no que diz


respeito aos conteúdos que devem ser ministrados nas turmas de
Petróleo e Gás, um questionário respondido pelos alunos e as entre-
vistas realizadas com os professores colaboradores, apresentamos
nossa proposta considerando a comunicação como o propósito
principal das aulas de ESP representada por um gênero oral a ser
compreendido e trabalhado com o auxílio de gêneros acessórios no
processo de aprendizagem. Isso porque nos documentos do IFRN a
oralidade deve ser minimamente desenvolvida enquanto para alunos
e professores esta é uma habilidade que deve ser melhor trabalha-
da. Em relação à leitura, tanto o Projeto Pedagógico de Curso (PPC)
quanto alunos e professores revelam que esta também deve fazer
parte das aulas de ESP, com a diferença de que nos documentos
esse deve ser o foco principal, o que difere da opinião de alunos e
professores, que entendem que a oralidade deveria ser maximizada.
Dessa forma, após entrevistas com os professores e questionários
respondidos pelos alunos, escolhemos um gênero oral para ser
trabalhado: a reunião de negócios. A proposta é dividida em quatro
seções gerais: análise de necessidades, conteúdos, recursos e pro-
cedimentos gerais, como ilustra a figura:

27
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 1. Proposta para o ensino de ESP em cursos técnicos


de nível médio subsequente (GUERRA, 2017, p. 95).

Como podemos ver na figura, a partir da análise de necessidades,


parte importante da constituição de um curso de ESP, pois é aí que
se entende quais objetivos devem ser alcançados pelos alunos ao
fim do curso, o professor pode realizar escolhas que refletem na
delimitação do objetivo principal, a comunicação, que representa
o gênero principal, os recursos a serem utilizados e os conteúdos.
Essa relação é representada pelas setas. A partir do programa da
disciplina, das entrevistas e questionários constituímos nossa análise
de necessidades.

28
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Os recursos básicos ilustrados não foram motivados apenas


pela análise de necessidades, mas também pelo potencial das
tecnologias para o ensino de línguas estrangeiras, levando à reali-
zação de aulas que utilizem recursos multimodais. Internet, vídeos
e apresentações em Power Point representam apenas algumas das
tecnologias que os professores podem utilizar para trabalhar em suas
aulas, podendo editar materiais encontrados na internet para utilizar
em suas aulas. A competência do professor possui, então, um papel
importante para se fazer escolhas nessa seção, já que a tecnologia
não é uma realidade em todos os contextos educacionais no Brasil
ou em outros países em desenvolvimento.
Como nossa proposta emerge do objetivo de se trabalhar a
comunicação, sendo esse objetivo representado por um gênero
oral, outros gêneros acessórios podem fazer parte dos conteú-
dos. A diversidade de textos pode ser motivada tanto pela análise
de necessidades como pelos princípios de uma pedagogia dos
multiletramentos comprometida com a educação de estudantes
preparando-os para agir como profissionais e cidadãos por meio
de uma educação integrada (NEW LONDON GROUP, 1996; COPE;
KALANTZIS, 2009; COPE, KALANTZIS, 2015). O vocabulário espe-
cífico é visto como resultado da escolha de múltiplos gêneros que
são parte de possíveis contextos profissionais.
Em relação aos procedimentos gerais, a proposta, como já en-
fatizamos, é inspirada na estrutura de uma SD. Para apresentar e
iniciar o estudo do gênero principal, é importante que o professor
encontre diferentes formas de fazer com que os estudantes possam
se familiarizar com a linguagem e os contextos sociais e profissionais.

29
Múltiplos olhares para a educação básica

Diferentes exemplos do mesmo gênero são necessários para tornar


os alunos conscientes acerca da flexibilidade e limites do gênero, ca-
racterísticas que devem ser destacadas e discutidas juntamente com
os alunos. Os alunos devem, então, elaborar o gênero uma primeira
vez, fazendo uso de escolhas conscientes das características que já
puderam conhecer e discutir com o professor. Após um feedback,
o professor torna-se consciente dos aspectos sociolinguísticos que
precisam ser melhorados e pode planejar o desenvolvimento das
fases que, embora já pré-determinadas, podem ser flexibilizados
para trabalhar as dificuldades apresentadas pelos alunos na primeira
elaboração do gênero. O último procedimento geral é representado
pela reelaboração final do gênero feita pelos estudantes, para que o
progresso seja avaliado e haja informações suficientes para se refletir
sobre o ensino. Tal procedimento poderá ser realizado quantas vezes
forem necessárias, até que se chegue a um resultado satisfatório.
A proposta aqui apresentada foi planejada para ser realizada em
1 bimestre: dois meses, durante aulas de 90 minutos, uma vez por
semana. Como já mencionamos, devido ao curto período dedicado
ao ensino de língua estrangeira no curso para o qual elaboramos
a proposta, algumas atividades de casa têm de ser pensadas para
fazer com que os alunos se engajem nas tarefas. O período de dois
meses parece curto, mas este é um modelo flexível para ajudar os
professores a pensar em possibilidades para o ensino de ESP em
cursos técnicos. A proposta de ensino pode ser facilmente adaptada
para 1 semestre de aulas (2 bimestres, 4 meses).
Destacamos aqui que cada passo executado levou em conside-
ração o que se destacava na descrição da disciplina (leitura), o que

30
Gêneros textuais e (multi)letramentos

os alunos e professores consideraram importantes pontos a serem


estudados numa aula de ESP (oralidade, gêneros que se vincu-
lassem às necessidades dos alunos, a indústria de petróleo e gás
como uma indústria internacional), o que nos diz a própria literatura
que dá conta do ESP (levar em consideração as necessidades dos
alunos, o vocabulário específico de cada área e de gêneros e me-
todologias que atendam essas áreas) e dos multiletramentos (o uso
de diferentes modalidades para o ensino, indo além do texto escrito,
o entendimento de que é necessário trazer para a sala de aula dis-
cussões acerca da diversidade, seja linguística, cultural ou outra e
de que o que ocorre em contextos internacionais pode influenciar
contextos locais e vice-versa).
Descrevemos, a seguir, o desenvolvimento da proposta de ensino
de ESP no contexto em que ela se torna uma intervenção pedagógica
no contexto anteriormente apresentado.

i) Estudo do gênero (1 aula)

Com o objetivo de fazer com que os alunos conhecessem o gê-


nero reunião, para, mais tarde realizar suas próprias escolhas para
a produção do gênero, o professor apresentou aos alunos diversos
modelos de reunião de negócios, utilizando-se de vídeos, conver-
sando com a turma sobre os principais aspectos do gênero e, o
próprio professor escolheu determinados alunos para simular uma
reunião, em que ele (o professor) era o representante da empresa
que desejava vender o produto e os alunos constituíram a empresa
que faria a compra.

31
Múltiplos olhares para a educação básica

ii) Elaboração do gênero (1 aula)

Com o objetivo de compreender o que os alunos apreenderam a


partir da apresentação do gênero e conhecer suas dificuldades em
relação ao gênero, os alunos, com base no exposto na apresentação
da proposta, escolheram um produto que desejavam vender e, em
grandes grupos (de 12 alunos), encenaram uma reunião de negócios,
em que alguns representavam a empresa que desejavam vender o
produto e outros a empresa que compraria o produto.

iii) Desenvolvimento das fases (6 aulas)

Com o objetivo de levar os alunos a refletir sobre o mundo da


propaganda, fazendo-os conhecer vocabulário específico da área
no intuito de aprender a realizar a venda de um produto, objetivo
da reunião de negócios, na fase 1 realizamos os seguintes procedi-
mentos: Vocabulário de Marketing/vendas; estruturas gramaticais:
comparatives/superlatives, por meio de debate inicial sobre o mundo
do marketing e da propaganda, apresentando, em seguida, imagens
que representavam determinados termos utilizados na área. Os
alunos associaram as imagens às palavras e em seguida puderam
comparar produtos apresentados pela professora utilizando as
palavras aprendidas bem como a estrutura gramatical estudada.
Com o objetivo de inserir o aluno no mundo da indústria petrolí-
fera, levando-o a refletir sobre diferentes contextos dessa indústria
no mundo, bem como fazê-lo apropriar-se de vocabulário da área,
na fase 2, os procedimentos foram: Gênero notícia: o que vem acon-

32
Gêneros textuais e (multi)letramentos

tecendo na indústria petrolífera no cenário internacional? Leitura


e discussão de notícia retirada de website voltado para a indústria
de petróleo, sobre a perfuração de novos poços na Noruega e seu
impacto na economia daquele país e do mundo. Técnicas de leitura
(skimming, scanning, reconhecimento de cognatos/falsos cognatos,
etc.) foram trabalhadas.
Com o objetivo de fazer com que os alunos conheçam empre-
sas do setor de petróleo e gás, bem como seus equipamentos, e
conhecer processos para a produção e extração do óleo e adquir
novo vocabulário, na fase 3, os procedimentos foram os seguintes:
Gênero catálogo: estudo de vocabulário específico e conhecimento
de grande empresa do setor de petróleo (NOV) e do seu novo siste-
ma de bombeamento de gás. Os alunos, em casa, leram as seções
recomendadas pela professora e na aula seguinte discutiram sobre
os pontos estudados: especificações da máquina, como efetuar sua
montagem e como utilizá-la. Três grupos diferentes explicaram cada
uma das seções para o restante da turma.

iv) Reelaboração do gênero (1 aula)

Com o objetivo de desenvolvimento de uma reunião que consi-


dere todo o vocabulário e conhecimento adquiridos nos módulos,
os alunos realizaram sua apresentação a partir de uma máquina
utilizada na indústria do petróleo, no intuito de vende-la a uma
grande empresa do ramo, utilizando o vocabulário de marketing,
vocabulário específico e onde a indústria vem crescendo no mundo.
Os grupos dividiram-se em representantes das empresas, técnicos

33
Múltiplos olhares para a educação básica

que operariam as máquinas e compradores. Os alunos discutiam


sobre o produto fazendo perguntas e respondendo-as e, ao fim,
fechando uma negociação.

Avaliação dos resultados

A proposta aqui apresentada foi aplicada entre os meses de ja-


neiro e março do ano de 2017, referindo-se ao semestre letivo 2016.2
da instituição. Podemos, assim, dizer que colhemos bons resultados
ao longo do caminho, visto que pudemos levar o aluno a conhecer
melhor a área de sua formação num contexto mais amplo, levando
em consideração o cenário nacional e internacional no que tange
a indústria de petróleo e gás. Os alunos tiveram a oportunidade de,
por exemplo, conhecer empresas produtoras de maquinário e de
saber sobre a força da empresa petrolífera e a geração de renda
por ela desencadeada em países europeus, além da ampliação de
vocabulário específico.
Encontramos também algumas dificuldades, como o curto
tempo de desenvolvimento das aulas e a grande quantidade de
alunos na turma. Tais pontos tornaram a participação de todos os
alunos um ponto a ser pensado. A realização da proposta em um
semestre inteiro, ou até em um ano, pode ser melhor aproveitada,
já que constatamos que em pouco tempo o trabalho pode resultar
em lacunas a serem melhor preenchidas.
O que propomos ao longo de nossa intervenção foi trazer o ensino
de ESP para além de estratégias de leitura, dando aos professores a
possibilidade de pensar esse ensino a partir das mudanças sociais

34
Gêneros textuais e (multi)letramentos

das últimas décadas, indo além do texto escrito, fazendo o aluno


refletir sobre seu lugar no mundo. Esta é uma pesquisa que se
constitui como uma grande contribuição para a área de ensino de
língua inglesa, visto que não apresenta um manual fechado a ser
seguido, mas um guia flexível e cheio de possibilidades para que os
professores que dele fizerem uso possam, criativamente, adequar o
que aqui se propõe à suas realidades específicas.

Considerações finais

A realização da intervenção aqui apresentada foi suficiente


para enriquecer nossa experiência profissional. Em pouco tempo
desenvolvemos laços com os alunos de uma turma heterogênea,
proveniente dos mais diversos contextos, com experiências e obje-
tivos diferentes. Muitos alunos que enfrentavam a dificuldade de vir
para a escola de outras cidades, dependendo do transporte público
dos municípios ou que conciliavam o curso técnico com um curso
universitário e/ou um emprego. As dificuldades apresentadas pelos
alunos na hora da execução das tarefas nos levaram ao questiona-
mento de como o ensino de inglês vem acontecendo na educação
básica, muitas vezes sem apoio, sem estrutura adequada para a sua
execução. Todos os alunos, quando perguntados, disseram jamais ter
feito qualquer curso de idiomas e que na escola em que estudavam
a disciplina era ministrada por professores de outras disciplinas. Esse
foi, sem dúvidas, nosso maior desafio.

35
Múltiplos olhares para a educação básica

A partir dessa experiência pudemos enxergar diversas outras


maneiras de desenvolver atividades de leitura e oralidade, ensino
de vocabulário, de que forma podemos fazer com que os alunos se
engajem em atividades propostas. Nossa experiência nos levou a
perceber que diversos outros contextos de ensino, como turmas de
nível superior, podem desenvolver os mesmos passos aqui descritos,
obviamente adequando-os à sua realidade específica e após uma
boa análise de necessidades.
Esperamos ter contribuído de forma concreta para a formação
de nossos alunos, algo que sentimos quando vimos a partir da apre-
sentação final. Apesar de toda a dificuldade para se falar em uma
língua estrangeira, muitos foram os esforços realizados para que o
mínimo pudesse ser comunicado na língua-alvo, desde o nome das
empresas fictícias, os produtos vendidos, os nomes dos participantes
dos grupos e suas respectivas funções no processo de compra e
venda. Apesar de termos visto bastante uso da língua portuguesa,
seja pelo pouco tempo que tivemos, ou pelo pouquíssimo contato
anterior com o inglês, vimos uma evolução da turma, até mesmo
em coisas simples, como entrar na sala dizendo good evening e a
despedida com um good night, see you next week, coisas básicas,
mas que foram aprendidas aos poucos ao longo de dois meses. Sem
dúvidas o caminho é longo, mas é possível chegar lá.

36
Gêneros textuais e (multi)letramentos

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Múltiplos olhares para a educação básica

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39
Capítulo 2

40
Formas de pensar o desenho nas aulas
de língua estrangeira: como aprendizes
adolescentes representam a interação
em língua inglesa

Marina Morena dos Santos e Silva

Apresentação

Este capítulo apresenta o relato de parte de uma pesquisa1 re-


alizada pela autora, durante seu doutoramento, na qual narrativas
visuais foram utilizadas como instrumento de geração de dados. O
estudo teve como objetivo principal investigar como a aprendizagem
de inglês era representada em narrativas visuais, elaboradas à mão
livre, por estudantes do ensino fundamental (doravante EF) e do
ensino médio (doravante EM) de uma escola particular, localizada
na cidade de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte.
Neste capítulo, é apresentado um recorte desse trabalho e algu-
mas contribuições dessa pesquisa, no que tange, especificamente,

1. Para ler o estudo, na íntegra, ver SILVA, M. M. S. À mão livre: explorando narrativas
visuais de alunos brasileiros sobre a aprendizagem de inglês. 2017. 278 f. Tese
(Doutorado em Estudos Linguísticos) -Faculdade de Letras, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.

41
Múltiplos olhares para a educação básica

às representações do uso do idioma, isto é, representações dos


aprendizes em interações comunicativas, nas narrativas, nas quais
a língua retratada era, exclusivamente, a língua inglesa.
O relato apresentado visa evidenciar as narrativas visuais – so-
bretudo os desenhos – como uma importante ferramenta para
professores e pesquisadores que buscam dar voz a seus aprendizes
e compreender não apenas as concepções desses sujeitos acerca
do processo de ensino e aprendizagem de línguas, mas também a
paisagem na qual ambos se encontram – descrita, por Mello (2010,
p. 185), como complexa e, por vezes, caótica.
Freire (1996) afirma que para que a escola seja, de fato, um espaço
democrático, é preciso que todos os sujeitos envolvidos tenham a
oportunidade de se expressar. Contudo, como apontam Rosado e
Campelo (2011, p. 402), “ainda percebemos que muitas práticas pe-
dagógicas não valorizam, suficientemente, as possíveis contribuições
que a escuta dos alunos pode possibilitar ao aprimoramento do
processo educacional”. Diante dessa realidade, a pesquisa narrativa
vem, na contramão, tentando, como descreve Mello (2010, p. 185),
“derrubar as paredes da sala de aula”, já que cria um espaço para
que alunos exponham suas experiências diárias e deixem de ser
apenas um nome no diário.
No campo da Linguística Aplicada, a pesquisa narrativa tem se
mostrado bastante profícua, ao dar voz àqueles envolvidos na inves-
tigação e revelar suas identidades sociais, auxiliando pesquisadores
a compreender como esses indivíduos situam a si mesmos e suas
atividades (BARKHUIZEN; BENSON; CHIK, 2014). Ademais, para Pav-
lenko (2002, p. 214), quando analisamos as histórias dos aprendizes,

42
Gêneros textuais e (multi)letramentos

temos acesso às “ideologias linguísticas que orientam suas trajetórias


de aprendizagem”2, ou seja, às crenças que os alunos têm sobre as
estruturas e o uso de uma determinada língua (SILVERSTEIN, 1979).
Na última década, a noção de narrativa foi, inclusive, ampliada,
passando a ser considerada a partir de três tipos distintos: (1) ver-
bais (narrativas orais e escritas); (2) visuais (desenhos e fotografias);
e (3) multimodais (narrativas com dois ou mais modos semióticos)
(KALAJA; DUFVA; ALANEN, 2013). Desse modo, tornaram-se ainda
mais interessantes e desafiadoras no campo educacional, pois, de
acordo com as autoras, obrigam-nos a examinar aprendizes como
usuários de língua e de recursos semióticos expressivos. Os dese-
nhos, notadamente, comunicam, por meio de simbologias, aquilo
que está no inconsciente (RABELLO, 2013), a imagem mental que o
sujeito tem de um determinado objeto (PILLAR, 2012), evidenciando,
portanto, até mesmo, a expressão de emoções difíceis de serem
descritas (ARAGÃO, 2008).
Os dados apresentados aqui propiciam, portanto, oportunidades
de reflexão quanto ao discurso construído por meio das narrativas
visuais e apontam novos caminhos para praticarmos uma abordagem
mais crítica da imagem na educação, uma abordagem que considere
o visual como modo de significação, mas também as informações
e ideologias que ali circulam.

2. Esta e as demais traduções são de minha responsabilidade.

43
Múltiplos olhares para a educação básica

Caracterização da escola e dos alunos

A escola pesquisada era uma unidade relativamente nova na cida-


de de Santa Luzia. Inaugurada em 2002 e incorporada em 2008 a uma
rede de ensino, que possui nove unidades na região metropolitana
de Belo Horizonte, a escola oferecia, no período da manhã, os anos
finais do EF e todos os anos do EM e, no turno da tarde, Educação
Infantil e os anos iniciais do EF.3
Quando a pesquisa foi realizada, eu era professora de língua
inglesa da instituição há quase dois anos. Tal cenário contribuiu
positivamente para a pesquisa, já que por trabalhar na escola: (a)
existia uma familiaridade com o ambiente e com os alunos; (b) a
direção me oferecia todo o suporte necessário e me deixava bem
à vontade para a realização do trabalho; e (c) os dados puderam
ser gerados de acordo meu cronograma e interesse, sem prejuízo
a nenhuma das partes envolvidas. Ademais, por se tratar de uma
pesquisa narrativa e, portanto, colaborativa, faz-se necessário, como
apontam Clandinin e Connelly (2000), que o pesquisador faça parte
do cenário que investiga e esteja lá tempo suficiente para entender
um pouco daquela realidade. Nesse sentido, quando o professor
é o pesquisador, a experiência torna-se ainda mais produtiva, pois
ele não é um estranho, mas sim um membro daquela comunidade.
Participaram da geração de dados – a produção de uma narrativa
visual (desenho) à mão livre –, um total de 35 estudantes, distribuídos
entre as turmas de 8º e 9º ano do EF e 1º, 2º, 3º ano do EM (QUADRO 1).

3. O nome da Instituição será omitido por questões éticas.

44
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Quadro 1. Perfil dos participantes.

Alunos Total de alunos Alunos


participantes na sala participantes

8º ano EF 8 17 47

9º ano EF 8 20 40

1º ano EM 9 24 37,5

2º ano EM 7 14 50

3º ano EM 3 6 50

Total geral 35 81 43,2

Fonte: elaborado pela autora.

Privilegiei alunos dos anos finais do EF e do EM, por acreditar


que esses estudantes já estavam, de certa forma, familiarizados
com os desafios do percurso estudantil e possuíam discernimento
e sensibilidade para refletir acerca da aprendizagem de uma língua
estrangeira, visto que todos os alunos participantes já estudavam
inglês há pelo menos dois anos e eram, portanto, capazes de des-
crever suas experiências com a aprendizagem desse idioma.
Em virtude das turmas selecionadas e do número de alunos por
turma, todos os participantes eram adolescentes entre 12 e 17 anos,
com idade média de 14,5 anos, sendo 26 deles do sexo feminino
(74,3%) e nove do sexo masculino (25,7%). Muitos estudavam nessa
escola desde a Educação Infantil, ou seja, desde a infância, e pelo
menos um quarto dos participantes também estudava inglês em
um curso de idiomas na cidade.

45
Múltiplos olhares para a educação básica

A maioria dos alunos da escola morava nos bairros mais centrais


da cidade e possuía uma relação harmoniosa. Quase todos se co-
nheciam ou conheciam as famílias uns dos outros. No próprio site da
escola essa característica era ressaltada, ao descreverem o estabe-
lecimento de ensino como uma instituição “com ares interioranos”.

Aspectos metodológicos da pesquisa

O instrumento utilizado para a geração de dados foi a produção


de desenhos elaborados à mão livre por um grupo de adolescentes
brasileiros aprendizes de inglês. O desenho enquanto método de
geração e análise de dados, embora recente na Linguística Aplicada,
tem se mostrado bastante útil para obter acesso às representações
acerca do ensino de línguas, do multilinguismo e da formação
de professores (MELO-PFEIFER, 2015). Para Melo-Pfeifer (2015),
por causa de sua organização e coerência, os desenhos podem
ser classificados, ainda, como uma coleção de narrativas visuais
(KALAJA; MENEZES; BARCELOS, 2008; KALAJA; DUFVA; ALANEN,
2013; MELO-PFEIFER, 2015) e possibilitam, portanto, o acesso às
experiências de aprendizes.
Para a criação do instrumento, o trabalho de Briell et al (2010) foi
utilizado como referência, pois os autores evidenciam que o desenho
pode ser uma ferramenta útil e descrevem, com maior riqueza de
detalhes, como a tarefa poderia ser conduzida.
Para evitar ambiguidades ou falta de clareza quanto ao conteúdo
dos desenhos, optei por utilizar, também, uma breve descrição das
imagens, escrita pelos próprios alunos logo abaixo de suas narrativas

46
Gêneros textuais e (multi)letramentos

visuais. Optei pela descrição escrita, por essa ser a forma mais recor-
rente em estudos com narrativas visuais sobre o ensino de línguas
(KALAJA; ALANEN; DUFVA, 2008; BITTENCOURT, 2012; KALAJA;
DUFVA; ALANEN, 2013), e pela combinação desenho-descrição ser
considerada aquela de mais baixo custo e que menos constrangeria
os alunos. Por se tratar de adolescentes, eles poderiam, ao serem
gravados, por exemplo, se sentir incomodados. Ademais, vídeos e
gravações requereriam mais tempo e equipamentos, os quais eu
não dispunha naquele momento.
Diante dessas considerações, é necessário sublinhar que,
embora os desenhos estejam acompanhados pelas descrições
verbais e, por vezes, dados verbais e/ou cores sejam considerados
como modos que agregam significado, optei por referir-me a esses
dados pelo termo narrativa visual e não narrativa multimodal. Isso
se dá por dois motivos principais. Em primeiro lugar, se tomarmos
apenas as produções gráficas, nem todas as narrativas analisadas
poderiam ser descritas como multimodais, logo o termo não seria
o mais adequado para se referir ao todo. Ademais, a literatura da
área trata esses dados a partir da nomenclatura narrativa visual, o
que parece, inclusive, diferenciá-las das narrativas verbais (orais e/
ou escritas) e das narrativas multimídias/multimodais, cujo foco não
está, sobretudo, na produção da imagem, na análise da imagem
em si ou no modo como determinadas imagens são entendidas
em diferentes contextos. Narrativas cujo conteúdo principal é um
desenho ou fotografia, diferentemente dos outros tipos de narrativas,
enfatizam, normalmente, a análise dos dados visuais e usam dados
verbais, se houver, como um suporte para a análise. Desse modo,

47
Múltiplos olhares para a educação básica

embora, neste trabalho, algumas narrativas e/ou o conjunto imagem


+ descrição possam ser considerados textos multimodais, optei pela
terminologia narrativa visual.
Para a geração de dados, foi entregue a cada aluno uma folha
A4, cujo cabeçalho trazia a seguinte instrução: Desenhe, no espaço
abaixo, o que para você significa aprender inglês. Faça o seu desenho
da forma mais clara possível e, em seguida, descreva-o nas linhas
abaixo. Logo a seguir, um espaço era disponibilizado para a produção
gráfica e, na parte inferior da folha, foram dispostas algumas linhas
para a descrição do desenho. A orientação remetia à reflexão sobre
o ensino e a aprendizagem de inglês como língua estrangeira e os
alunos poderiam fazer suas narrativas a lápis ou à tinta. Lápis de
cor foram disponibilizados, caso os estudantes quisessem colorir
suas imagens.
Todos os alunos foram instruídos, assim como em Briell et al.
(2010), a (1) privilegiar o uso da linguagem visual; (2) trabalhar sozi-
nhos; (3) não olhar nem trocar informações com os colegas; (4) fazer
seus desenhos da forma mais clara possível, porém não se preo-
cupando com questões estéticas ou habilidades para a produção
gráfica; e (5) descrever seus desenhos no espaço delimitado.
Os alunos de uma mesma turma fizeram o desenho juntos, em
sala, porém busquei evitar a interação entre eles durante a realiza-
ção da tarefa porque, como aponta Duarte (2011, p. 84), ao interagir
com os colegas, “muitas vezes os desenhos ficam parecidos, pois
as crianças se apropriam dos desenhos umas das outras”.
Diferentemente do instrumento de Briell et al. (2010), não foi es-
tipulado um tempo curto para a elaboração da atividade, tampou-

48
Gêneros textuais e (multi)letramentos

co um espaço insuficiente para a descrição das imagens. Dei aos


participantes da pesquisa o tempo de uma aula (50 minutos) para a
instrução, elaboração e recolhimento dos desenhos e o espaço de
dez linhas para descrevê-los.
A fim de que os alunos participantes tivessem suas identidades
preservadas, um código de verificação foi utilizado para identificar
cada uma de suas narrativas: (INICIAL DE SEU NOME+SÉRIE_IDA-
DE). Para a utilização dos dados, obtive consentimentos escritos da
direção da escola, de cada um dos alunos envolvidos, e de pelo
menos um de seus responsáveis legais. Por fim, é oportuno frisar
que todos os estudantes foram convidados a participar da pesquisa
de forma voluntária.
Para a análise das narrativas, optei por uma combinação entre
duas técnicas: a análise de conteúdo, que, como aponta Bell (2001),
consegue sistematizar e quantificar os dados visuais, apontando
como as pessoas representam e classificam categorias de coisas
no mundo; e a semiótica social, que, segundo esse autor, permite
uma análise qualitativa mais detalhada, ao focar cada um dos textos
individualmente.
Para a análise semiótica, adotou-se, principalmente, o trabalho
de Kress e van Leeuwen (2006) e os conceitos da Gramática do
Design Visual, cujo foco está nas funções sociais da linguagem. De
acordo com os autores, língua/linguagem não são desconectadas
do uso e do contexto, já que não são entendidas como algo arbitrário,
mas sim sistemas que satisfazem às necessidades dos falantes e
adequam-se ao contexto da comunicação e às situações interacio-
nais nas quais esses falantes estão engajados. Por conseguinte, o

49
Múltiplos olhares para a educação básica

termo gramática não é descrito como um sistema de regras, como


é tradicionalmente conhecido, mas como uma série de padrões que
nos auxiliam a entender como a língua/linguagem se organiza. Nas
palavras de Halliday (1985, p. 101), citado por Kress e van Leeuwen
(2006 [1996], p. 2),

[g]ramática vai além de regras formais de correção. Ela


é um meio de representar padrões de experiência... Ela
possibilita aos seres humanos construir uma imagem
mental da realidade, para dar sentido às experiências
que acontecem ao seu redor e dentro deles.

Fazendo uma analogia com essa proposta, Kress e van Leeu-


wen (2006), afirmam que a linguagem visual embora não pareça, é
sempre codificada e assim como na linguagem verbal as palavras
se combinam para formar frases e sentenças, na linguagem visual,
os elementos que compõem a imagem se combinam para formar
declarações visuais.

Resultados

Interações verbais em língua inglesa foram representadas, explici-


tamente, em 11 narrativas, 31,4% do total de dados analisados. Essas
interações eram marcadas, quase que exclusivamente, por balões de
fala ou de pensamento – uma expressão gráfica bastante conhecida
e utilizada em histórias em quadrinhos, cartuns, tirinhas e charges.

50
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Como convencionalizado, nos balões de fala há uma linha simples


e inteiriça, que contorna sua parte externa, e uma ponta direcional
simples, que indica o falante e conecta-o à sua fala. Nos balões de
pensamento há uma linha simples ou uma linha que se assemelha a
uma nuvem e uma ponta direcional formada por pequenas bolhas,
que indicam e conectam aquele que pensa ao próprio pensamento
(ver KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). Nessas imagens podemos ter um
discurso, um pensamento ou ainda uma emoção sendo expressos
e o conteúdo proferido pode estar, segundo Kress e van Leeuwen
(2006), conectado a um ser humano ou a um ser animado.
Nas narrativas analisadas, a interação verbal era realizada quase
que exclusivamente por pessoas (10 ocorrências) e eram, em sua
maioria, representações de processos de fala (6 ocorrências), ou seja,
de falantes, segundo teoria de Kress e van Leeuwen (2006), em que
temos balões de fala (e não de pensamento) retratados.
O conteúdo das interações verbais foi classificado em três tipos
distintos, a saber: (1) comunicação real; (2) comunicação instru-
cional; e (3) pensamentos. 4 No primeiro tipo, considera-se a língua
sendo utilizada em situações cotidianas, cujo objetivo principal é a
interação social. Em contrapartida, a comunicação instrucional se-
ria o uso da língua inglesa para fins educativos, em que o idioma é
utilizado para expressar, por exemplo, explicações do professor em
sala de aula. Por fim, os pensamentos, embora sejam mensagens
reais, foram classificados separadamente, por se tratarem de uma

4. Essa classificação não é estanque, portanto, os agrupamentos poderiam ser


apresentados de modo distinto daquele, aqui, indicado.

51
Múltiplos olhares para a educação básica

interação que acontece apenas entre o participante representado


e o leitor da imagem, que, ao conseguir ler o pensamento, torna-se
onisciente. Não se trata, portanto, de uma comunicação viável no
mundo real.
O grupo de aprendizes investigado retratou a língua inglesa sendo
utilizada, principalmente, em situações de comunicação real. Em
oito narrativas, 72,7% desse agrupamento, há evidências do uso social
da língua/linguagem. Em cinco das oito narrativas desse subgrupo,
comunicação real, é possível identificar enunciados, nos quais os
participantes representados utilizam cumprimentos e/ou saudações
comuns ao iniciarmos um diálogo: hi, hello, hey, good morning, how
are you?. Essas palavras e frases retratam algo rotineiro, evidenciando
que os alunos parecem perceber e valorizar as oportunidades de
utilizar o inglês de um modo mais natural e próximo de uma comu-
nicação real (FIGURAS 1 e 2).
Na NARRATIVA 1 (FIGURA 1), por exemplo, a aluna faz um autorre-
trato, no qual, a partir de um processo mental (ver KRESS; VAN LEEU-
WEN, 2006), imagina-se em três momentos distintos: (a) utilizando
o inglês em uma situação de comunicação real, (b) trabalhando
e (c) em sua formatura na faculdade. A aluna é apresentada com
traços e formas realistas, que permitem sua identificação, inclusive,
pelo uniforme da escola, que teve seu nome omitido, na imagem,
por questões éticas. Ela está posicionada de frente para o leitor da
imagem, em uma relação de oferta, segundo teoria de Kress e van
Leeuwen (2006), pois não faz contato visual com esse leitor; ela
olha para o lado, como se visualizasse aquilo que está pensando.
O ângulo da imagem é frontal e no nível do olhar. Assim, embora

52
Gêneros textuais e (multi)letramentos

haja uma distância entre a participante representada e o leitor dessa


imagem, um grau de envolvimento é criado e corroborado pelo fato
de o leitor conseguir ler seus pensamentos.

Figura 1, Narrativa 1 - a comunicação real em língua inglesa.

Fonte: dados da autora (J3_17).

Sua narrativa retrata não apenas uma preocupação com o futuro


profissional, mas também uma preocupação com o uso social da lín-
gua/linguagem. A aluna demonstra acreditar que a língua inglesa é
importante para que ela possa conseguir um emprego, desenvolver

53
Múltiplos olhares para a educação básica

suas atividades no trabalho ou conseguir um diploma universitário.


Todavia, a aprendizagem da língua estrangeira justifica-se, da mesma
forma, pelas possibilidades de comunicação, pelas oportunidades
de conversar com as pessoas. Desse modo, imagina-se em uma
interação real que se assemelha a uma conversa entre amigos. Na
descrição de seu desenho, a aluna corrobora essa interpretação,
dizendo que desenhou a si mesma, pensando em como o idioma é
importante para sua vida profissional e pessoal.
As três cenas – interação, trabalho e formatura – estão retrata-
das do lado direito da imagem, que representa, segundo teoria de
Rabello (2013), o futuro e aquilo que se deseja. Ademais, para Kress
e van Leeuwen (2006), aquilo que representamos na parte superior
tem ainda um apelo emotivo, é idealizado; enquanto o que está na
parte inferior é, normalmente, algo mais informativo, real. Desse
modo, pode-se interpretar que, para essa aluna, usar a língua ingle-
sa para fins profissionais e educacionais é algo provável, contudo,
seu grande desejo, sua aspiração, é ser capaz de se comunicar em
inglês, de usar o idioma para fins pessoais e sociais.
Outro exemplo, no qual a interação em inglês é marcada por
enunciados, é a NARRATIVA 2 (FIGURA 2), na qual o aprendiz opta
por fazer uma representação da Terra se comunicando em inglês.
Trata-se da única ocorrência, em que a interação verbal foi realizada
por uma representação não humana.

54
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Figura 2. Narrativa 2 - balões de fala e a interação nas narrativas.

Fonte: dados da autora (AM8_14).

As linhas, formas e cores escolhidas fazem alusão ao formato do


planeta e ao formato de seus continentes. A Terra é retratada com
olhos e boca, o que lhe confere características animadas e humanas,
já que ela é representada a partir de um processo verbal, conforme
teoria de Kress e van Leeuwen (2006). Sendo o único participante
representado, o planeta interage apenas com o leitor da imagem,
cumprimentando-o (Hi!), e sua distância, fala e expressão facial

55
Múltiplos olhares para a educação básica

aproximam e envolvem ambos os participantes. Os olhos do planeta


são alegres e parecidos com os olhos de personagens de desenhos
e animações infantis; sua boca sorri e reforça o clima amigável.
O planeta é representado no centro da imagem, o que lhe confere
importância, e na área média que diz respeito à realidade. A realidade
aqui pode ser entendida como: o mundo todo fala inglês. Essa inter-
pretação é corroborada pela descrição de seu desenho, na qual ele
diz que, para ele, “o mundo todo fala inglês e é a língua universal”.
Assim, de forma exagerada, o aluno busca retratar a abrangência
da língua inglesa, que é entendida como a língua franca contem-
porânea e é, portanto, utilizada por pessoas de diversas nacionali-
dades e localizações geográficas. Desse modo, a imagem também
representa, metaforicamente, a importância do desenvolvimento
das habilidades orais, para a inserção em um mundo globalizado,
assim como a valorização das oportunidades de prática social da
linguagem.
Não obstante, nem sempre os processos verbais evidenciaram
uma interação a partir do modo verbal. Em três narrativas, foi possível
perceber uma interação oral representada por balões de fala vazios
(1 ocorrência) ou como apenas um sinal de exclamação (1 ocorrên-
cia), ora por balões, cujo conteúdo era a imagem de uma ou mais
bandeiras de países anglófonos (2 ocorrências). Essas narrativas,
embora não apresentem enunciados em inglês nos balões de fala,
também podem ser classificadas como ocorrências de comunicação
real. A NARRATIVA 3 (FIGURA 3) exemplifica duas dessas ocorrências.

56
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Figura 3. Narrativa 3 - bandeiras como repertório linguístico.

Fonte: dados da autora (M2_16).

Nessa narrativa, a aluna faz uma representação cujo colorido e


formas são bastante realistas, apresentando, inclusive, uma riqueza
de detalhes. Em sua narrativa, ela se retrata, sobre o planeta Terra,
rodeada por balões de fala, cujos conteúdos são diversos. Ao se
retratar dessa forma, a estudante representa, metonimicamente, os
elementos que medeiam sua aprendizagem e, metaforicamente,

57
Múltiplos olhares para a educação básica

a concepção de que, ao aprender a língua inglesa, terá domínio


sobre o mundo. Essa ideia de dominação refere-se não apenas à
ação de viajar pelo mundo, mas também à obtenção de sucesso
pessoal e, principalmente, profissional. Percebe-se que essa nar-
rativa evidencia a aluna como hierarquizada, em uma posição de
prestígio. No dicionário Caldas Aulete Digital (on-line), por exemplo,
a expressão por cima aparece como: “com poder, com prestígio”.
Logo, pode-se dizer que a aluna acredita que, ao aprender inglês,
será melhor que os demais, terá domínio sobre algo, será, de certa
forma, superior. Segundo a descrição de seu desenho, “saber inglês
é quase saber tudo”.
Além disso, ela é representada em posição centralizada, o que,
juntamente com seu tamanho e saliência, lhe dá importância (ver
KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). Ela está, ainda, em uma relação de
demanda (afiliação) com o leitor da imagem, pois o olha diretamen-
te, sorri e cria, assim, uma relação de afinidade – corroborada pelo
ângulo frontal horizontal da imagem, segundo teoria desses autores.
Do lado esquerdo, normalmente, o lado da informação conhe-
cida e das recordações, temos o livro, a internet e a música como
elementos mediadores de sua aprendizagem. Do lado direito,
geralmente, o lado da informação chave e daquilo que se deseja,
temos não apenas o cinema e os jogos eletrônicos, mas também
dois balões que representam a interação em língua estrangeira. No
balão, cuja imagem apresenta, nitidamente, uma interação, temos
figuras humanas representadas pelo desenho de duas silhuetas.
Essas silhuetas são retratadas do mesmo tamanho, forma e posição
– o que faz com que sejam reconhecidas como pares em igualdade

58
Gêneros textuais e (multi)letramentos

no ato comunicativo. Elas são representadas, ainda, com balões de


fala, que evidenciam um processo de interlocução, e cujo conteúdo
é um ponto de exclamação: uma alusão aos enunciados proferidos.
Em contrapartida, no balão localizado na parte superior da ima-
gem, temos a junção de bandeiras de países cuja língua oficial (ou
uma delas) é a língua inglesa: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido
e Jamaica. Logo, essa imagem torna-se importante por incorporar
diversas variantes do idioma e por valorizar a heterogeneidade e o
diálogo entre as culturas e os países que utilizam a língua, pois se
sabe que, ao aprendermos uma língua estrangeira, somos influen-
ciados não apenas por fatores contextuais, mas também culturais.
O segundo subgrupo mais recorrente foi o pensamento dos
aprendizes. Em duas narrativas, 18,2% desse agrupamento, as
interações verbais foram retratadas, exclusivamente, por proces-
sos mentais e a língua foi utilizada, nesses casos, em balões de
pensamento, expressando uma opinião ou uma emoção. Como
já discutido, essas interações, embora consideradas mensagens
reais, não são possíveis em uma situação de comunicação real,
já que não lemos os pensamentos de nossos interlocutores. Con-
tudo, os aprendizes utilizaram esse recurso para interagir com os
leitores de suas imagens e envolvê-los com suas representações.
Na NARRATIVA 4 (FIGURA 4), temos um exemplo da língua inglesa
sendo utilizada como meio de comunicação e interação, através
de um processo mental.

59
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 4. Narrativa 4 - os balões de pensamento nas narrativas.

Fonte: dados da autora (A1_15).

Nessa narrativa, assim como na NARRATIVA 3 (FIGURA 3), temos


a representação de uma aluna, retratada em proporção exagerada,
sobre o planeta Terra e, novamente, a aprendizagem de língua
inglesa conceptualizada como meio para o sucesso. Contudo, a
aluna é retratada, aqui, à esquerda e na parte superior do espaço
disponibilizado, que, segundo teoria de Kress e van Leeuwen (2006),
representam aquilo que é conhecido e lança um apelo emotivo à

60
Gêneros textuais e (multi)letramentos

imagem. Esse apelo é corroborado pela interação entre a partici-


pante representada e o leitor da imagem. A aluna é retratada em
uma relação de demanda e a partir de um ângulo frontal, no nível do
olhar, que indica, segundo esses autores, envolvimento e igualdade
entre as partes.
Ademais, uma empatia é gerada pela expressão de emoção e
pelo pensamento da aluna. Suas mãos encontram-se para trás, como
se ela estivesse retraída ou insegura e, no desenho de sua face, é
possível perceber gotículas de suor. Sabe-se que o suor pode ser
induzido por emoções tais como o estresse, o medo, a vergonha e
a ansiedade. Desse modo, o suor em sua face refere-se, metonimi-
camente e metaforicamente, à emoção sentida por ela ao apren-
der inglês, sendo uma ferramenta de comunicação que evidencia
seu estado emocional. Seu pensamento revela ainda que para ela
aprender essa língua estrangeira é um “sonho” (dream) e, portanto,
algo almejado, embora não seja uma tarefa fácil. Essa interpretação
é corroborada pela descrição de seu desenho, em que a aluna diz
que sonha aprender inglês “para percorrer o mundo”, embora tenha
“dificuldade de concentração e desempenho na matéria”.
Desse modo, as habilidades orais parecem ser, assim como em
Aragão (2008), um desejo e um desafio para a maioria dos estudantes.
Por outro lado, os sentimentos negativos em relação ao desenvol-
vimento dessa competência e/ou em relação ao desempenho dos
próprios participantes não se sobrepuseram, aqui, aos sentimentos
positivos, como aconteceu em Aragão (2008). Embora na NARRATIVA
4 (FIGURA 4) a aluna mostre-se aflita e nervosa, sentimentos como
esses foram raros dentre o grupo investigado.

61
Múltiplos olhares para a educação básica

Por fim, nas NARRATIVAS 5 e 6 (FIGURAS 5 e 6), temos as únicas


ocorrências em que a língua também pode ser considerada como
sendo utilizada de modo instrucional. Nessas narrativas, em es-
pecial, a palavra “English” aparece grafada no quadro, instruindo os
alunos sobre o conteúdo que seria, naquele momento, estudado.

Figura 5. Narrativa 5 - a comunicação instrucional em língua inglesa.

Fonte: dados da autora (H8_12).

62
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Na NARRATIVA 5 (FIGURA 5), embora não haja um balão de di-


álogo, a interação em língua inglesa é percebida não apenas pelo
conteúdo da lousa, mas também pela posição da professora, que,
de pé, segura o livro e parece ter acabado de escrever no quadro.
Nessa cena, a língua parece ser utilizada pela professora unicamente
para dar alguma explicação ou para corrigir atividades, ou seja, para
atividades educacionais e não para uma interação comunicativa real
e cotidiana, embora possa ser assim classificada.
Em contrapartida, na NARRATIVA 6 (FIGURA 6), a língua é utili-
zada não apenas de modo instrucional, também representado pelo
conteúdo da lousa, como na NARRATIVA 5 (FIGURA 5), mas também
pelo uso real do idioma, já que os enunciados são marcados pelos
balões de diálogo, por meio dos quais aluna e professora se saúdam.

63
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 6. Narrativa 6 - Comunicação instrucional e comunicação real.

Fonte: dados da autora (LA2_16).

É interessante observar, ainda, que, embora as narrativas retra-


tem, em sua maioria, uma interação unidirecional, essa interação
não é, prioritariamente, do professor para o aluno, como ocorre nas
NARRATIVAS 5 e 6 (FIGURAS 5 e 6), mas do aluno para o leitor de
sua imagem (NARRATIVAS 1, 2, 3 e 4) (FIGURAS 1, 2, 3 e 4). Tal fato
evidencia que os aprendizes tomam os leitores como seus interlocu-
tores e parceiros na conversa. Essas narrativas corroboram, também,

64
Gêneros textuais e (multi)letramentos

o fato de esses alunos se sentirem motivados a desenvolver sua


competência comunicativa fora da sala de aula, pois as situações
retratadas ocorrem, majoritariamente, fora dela.
Em síntese, as amostras de língua retratadas pelos aprendizes
evidenciaram, principalmente, a fala a partir de sua função inter-
pessoal, que, como aponta Thornbury (2005), tem como propósito
principal estabelecer e manter relações pessoais. As falas dos
aprendizes representados indicaram diálogos mais espontâneos e
interativos e, por darem destaque, principalmente, às situações em
que se mostram utilizando o idioma em uma situação de uso real, os
aprendizes pareceram dar mais importância à prática de habilidades
que visem, em especial, a compreensão e a produção oral. Sendo
assim, valorizaram a interação e a negociação do significado.

Considerações finais

Uma das contribuições desta pesquisa, para os campos da Lin-


guística Aplicada e dos Estudos da Linguagem, de modo geral, é o
uso de dados visuais como fonte de evidências sobre as experiências
de aprendizes, ampliando o escopo de nossas investigações e con-
siderando que os discursos se materializam em diferentes códigos.
A consideração de uma linguagem não verbal, em especial, em uma
época em que os estudos da linguagem se ampliam, faz-se impor-
tante, pois é preciso ressaltar que a significação e a comunicação não
se limitam ao falar e ao escrever.
A análise dessas narrativas permite afirmar que os desenhos,
certamente, tornam explícitos os discursos acerca dos papéis da

65
Múltiplos olhares para a educação básica

aprendizagem de língua inglesa, em contexto brasileiro, e acabam


revelando ideologias e ideias difundidas em nossa cultura sobre a
aprendizagem desse idioma. Os desenhos propiciam oportunidades
para os alunos se expressarem, valorizando não apenas esses sujeitos,
mas também aquilo que é relatado.
No que concerne à interação em língua inglesa, fica evidente
que o conteúdo das narrativas indica uma priorização das funções
de linguagem (ainda que não sejam retratadas de modo variado)
para estabelecer a comunicação, em vez de um ensino de idioma
descontextualizado e focado em regras. Assim sendo, os estudantes
desenharam-se utilizando o idioma de um modo em que a construção
de sentido, e não a aprendizagem de regras e de palavras isoladas,
pudesse ser privilegiada. Ademais, ao evidenciarem a importância
das oportunidades de práticas orais dentro e fora da sala de aula, os
alunos demonstraram uma preocupação com um uso mais significa-
tivo do inglês em seu cotidiano. A interação em língua inglesa parece
ser, portanto, não apenas algo almejado, mas algo que justifica seu
próprio ensino. Por outro lado, ao retratarem tantas variedades do idio-
ma, esses estudantes sinalizam, ainda, que possuem interesse e/ou
reconhecem variantes diferentes daquelas priorizadas pelas escolas:
inglês americano e inglês britânico. Por fim, ao representarem-se em
interações orais, os alunos acabaram revelando, também, emoções
latentes. Na NARRATIVA 4 (FIGURA 4), por exemplo, embora a aluna
fale que tem “dificuldade de concentração e desempenho”, seu real
sentimento só fica evidente pelo modo visual, ou seja, a partir de seu
desenho.

66
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Desse modo, os resultados obtidos corroboram as narrativas vi-


suais como meio de acesso às vivências de aprendizes e como um
instrumento de avaliação de professores e alunos sobre o processo
e sobre seus modos de agir, gerando reflexões sobre nossas práticas
em sala de aula e incitando ações transformadoras, que foquem as
reais necessidades e vontades dos aprendizes. Apesar do ato de de-
senhar ser, habitualmente, associado a tarefas mais infantis, enquanto
linguistas, fica claro que os desenhos são um modo de comunicação
que não pode ser dispensado.
Reconhece-se, contudo, a necessidade de mais estudos com esse
instrumento e de uma prática reflexiva com um número maior de
aprendizes. Todavia, do relato desta pesquisa, podem-se originar pro-
postas de ampliar o conhecimento sobre as narrativas visuais e sobre
as concepções de aprendizes, mostrando, inclusive, sistematicamente
como se dá o discurso na linguagem visual, em contexto brasileiro.

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69
Capítulo 3

70
Gênero textual entrevista em livros
didáticos de língua portuguesa

Juliana Moratto
Letícia Jovelina Storto

Introdução

Tanto a modalidade oral quanto a modalidade escrita de uso da


linguagem constituem atividades comunicativas e práticas sociais
situadas. Disso decorre a importância de os livros didáticos propor-
cionarem o desenvolvimento das duas modalidades. Trabalhar a
oralidade em sala de aula é tão importante quanto o trabalho com
a escrita. Entretanto, percebe-se que muitos docentes não dão o
devido valor à prática oral. Buscamos, por meio deste estudo, dada
à sua importância de uso diário na comunicação, enfocar o trabalho
com o gênero na modalidade oral apresentado em livros didáticos
do ensino fundamental e médio. É igualmente importante analisar
outros gêneros textuais contidos no material selecionado, porém se
realizou um recorte, elencando-se apenas o gênero entrevista como
objeto principal de estudo.
Estimular o estudo da oralidade como objeto de trabalho escolar
permite expandir as pesquisas com a linguagem falada e também
com a escrita, além das relações existentes entre ambas no uso real

71
Múltiplos olhares para a educação básica

da língua. No desenvolvimento desse processo, constata-se que “en-


sino e aprendizagem exige um processo de comunicação; e que, ao
lado de outros veículos, o livro didático é um meio de comunicação,
por meio do qual o aluno recebe a mensagem escolar” (LUCKESI,
2011, p. 181). Por esses e outros motivos, é considerável compreender
a condição em que a oralidade é ensinada na educação brasileira.
Inúmeros documentos legais impulsionam a prática dos gêneros
textuais no Ensino Fundamental II e Médio, além de apresentarem
subsídios para o ensino por meio de gêneros que conduzem a prática
docente. Entre eles, destacam-se o Guia de Livros Didáticos (GLD)
(BRASIL, 2016, 2017, 2018), complementar do Programa Nacional
do Livro e do Material Didático (PNLD), e os Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1998). É possível encontrar, em tais documentos,
referências ao ensino da Língua Portuguesa em eixos separados por
leitura, oralidade, produção de texto e conhecimento linguístico.
O livro didático foi o material escolhido para embasar nossa aná-
lise porque é um elemento importante no processo de comunicação
escolar, assim como a posição adotada pelo professor em seu uso
frequente. Trata-se de

Um instrumento importante, desde que tem a possibi-


lidade de registrar e manter registrada, com fidelidade
e permanência, a mensagem. O que está escrito per-
manece escrito; não é tão perecível quanto a memória
viva. Através do livro, o educando terá a possibilidade
de se reportar, quantas vezes quiser, ou necessitar, ao
conteúdo ensinado na sala de aula (LUCKESI, 2011, p. 181).

72
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Para direcionar esta pesquisa, são observados seis livros didáti-


cos de Língua Portuguesa (LP) pertencentes ao PNLD (2017 e 2018),
Ensino Fundamental II (dois livros) e Ensino Médio (quatro livros), aqui
denominados de LD1, LD2, LD3, LD4, LD5 e LD61.
Neles, busca-se verificar o tratamento dos gêneros textuais orais,
especialmente do gênero entrevista. Inicialmente, são apontadas as
reflexões sobre o trabalho com a oralidade em sala de aula presentes
nos documentos citados. Em seguida, apresentam-se as análises
dos livros didáticos do PNLD 2017 e, a posteriori, do PNLD 2018. São
levantados pontos positivos e negativos contidos nos conteúdos
apresentados nos livros no que tange ao trabalho com o gênero
entrevista, assim como aspectos característicos língua falada. Para
tanto, esta pesquisa está pautada em estudos da Análise da Con-
versação e da Linguística Textual.

Oralidade em documentos nacionais voltados


ao ensino da língua portuguesa

O trabalho com gêneros orais e com a oralidade, tal como se


compreende atualmente, não tinha sido satisfatoriamente explorado
como objeto de estudo sistemático em livros didáticos. Analisar a
proposta de trabalho com a oralidade em livros didáticos é reforçar
a importância do uso do livro didático como suporte de gêneros
textuais/discursivos.

1. Por uma escolha metodológica, preferiu-se não indicar o título e a autoria dos
materiais analisados, utilizando-se uma legenda para sua identificação.

73
Múltiplos olhares para a educação básica

A rede pública de ensino brasileira conta com a distribuição gra-


tuita de livros feita pelo Ministério da Educação com a possibilidade
de antecipar as escolha pelas instituições de ensino, cujo processo
de seleção gera discussões sobre qualidade e também sobre as
opções disponíveis, permitindo a melhor opção para cada realidade.
Dispomos do GLD para subsidiar a escolha, nele é apresentada uma
lista com critérios de análise que orientam o professor, juntamente
com uma descrição sucinta dos livros aprovados pelo Ministério da
Educação.
O GLD é categórico ao afirmar que, apesar das atuais pesquisas
no campo da Linguística, da Linguística Aplicada e da Didática de
Línguas, o espaço para um trabalho efetivo com a oralidade, em
sala de aula, ainda é reduzido, pouco explorado (BRASIL, 2016, p.
32) e se sujeita à aplicação dada pelo docente.

Os gêneros da tradição oral são explorados (causos,


anedotas, contos de assombração), as­sim como os
tipicamente escolares (seminários, discussões orais,
júri simulado, discurso de formatura) e gêneros formais
públicos produzidos em diferentes esferas (entrevista,
tele­jornal). As coleções trazem seções específicas para
o trabalho com a oralidade ou exploram os gêneros orais
nas seções de produção textual ou nos projetos. Assim
como nas propostas de escrita, ressalta-se uma grande
quantidade de atividades que se voltam apenas para a
esfera escolar. É possível constatar que, em algumas
coleções, a oralidade aparece como ati­vidade-meio, e

74
Gêneros textuais e (multi)letramentos

não como atividade-fim. Em consequência, a linguagem


oral é tratada, nesses casos, como uma competência
já adquirida, mobilizada principalmente em propostas
de lei­tura e/ou produção de textos (BRASIL, 2016, p.32).

O GLD destaca a urgência sociocultural em explorar a escuta


atenta e reflexiva de alguns gêneros presentes na vida dos alunos
e desenvolver outras competências que envolvem habilidades
orais ainda não adquiridas. Portanto, os livros didáticos devem,
segundo o GLD, propor atividades que envolvam situações de es-
cuta, na expectativa que isso desenvolva nos alunos “uma atitude
responsiva ativa, sabendo dialogar internamente com o que ouve”
(BRASIL, 2008, p. 64). Nesse sentido, é fundamental que os livros
didáticos de Língua Portuguesa apresentem propostas efetivas e
adequadas à exploração da linguagem oral (BRASIL, 2016), de modo
que os estudantes que possam desenvolver capacidades e formas
discursivas relativas ao uso da fala próprias das situações formais
e/ou públicas, vivenciar novas situações de uso e refletir a respeito
do que há além da sala de aula.
Para o aluno, o LD, muitas vezes, é o seu único material de apoio
que se apresenta como um ato de fala impresso. Em geral, as cole-
ções sintetizadas apresentadas no GLD (BRASIL, 2017 e 2018) e no
PNLD (BRASIL, 2016) sustentam a produção dos textos orais com
pouco espaço para a compreensão e para a escuta atenta e crítica
(BRASIL, 2016, p.32). Nesse documento, pode-se encontrar a direção
que a oralidade toma nas propostas das coleções sugeridas, como
atividade-meio. Talvez esse não seja o tratamento ideal que a ora-

75
Múltiplos olhares para a educação básica

lidade merece, isso segundo a teoria da Análise da Conversação,


mas representa um avanço conceitual sobre a linguagem.
Em contrapartida, no PNLD 2018, as discussões se ampliaram e
referindo-se ao eixo da oralidade, dando maior importância ao trato
das práticas de produção de textos orais, “especialmente quanto
aos usos públicos da oralidade, ao planejamento da fala pública, ao
desenvolvimento de estratégias argumentativas na oralidade e às
orientações quanto à utilização de recursos de apoio às atividades
de oralidade” (BRASIL, 2017, p. 13).
Cumpre salientar que o GLD reconhece a carência dedicada ao
eixo da oralidade e assegura que esse “ainda é o menos contem-
plado nas obras, fazendo pressupor a manutenção da equivocada
perspectiva que define a escrita como superior à oralidade” (BRASIL,
2017, p.15). Na fala, percebe-se uma perspectiva de mudança que
caminha junto às discussões atuais.
Além desses, o professor conta com outros subsídios teóricos
que possibilitam a análise e a reflexão minuciosas para escolher
o seu do livro didático. Esses aportes são fundamentados na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996),
nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998) e nas
Orientações Curriculares para o Ensino Médio – OCEM (BRASIL,
2006). Os PCN recomendam que o aluno possa compreender as
especificidades das modalidades oral e escrita da língua também
(BRASIL, 1998, p. 60). O destaque, nessa ocasião, fica a cargo das
propostas de atividades que abordam a modalidade oral inseridas
no material didático.

76
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Nos PCN (BRASIL, 1998), já é possível encontrar aspectos relacio-


nados ao processo de interlocução, muito importante para o trabalho
com a oralidade. Assim, o aluno deve ser competente para dialogar
com pessoas e textos no próprio ato de interlocução (BRASIL, 1998).
As atividades, no plano da oralidade, também devem contemplar
situações de escuta que possam despertar mais responsabilidade
com a interação em que o estudante participa como interlocutor
(BRASIL, 1998). Em geral, os PCN sustentam a articulação entre con-
ceitos, conteúdos e competências, a elaboração ou a escolha dos
materiais didáticos, sendo do seu interesse que o material contemple
os quatro eixos, da literatura, da gramática, da produção de texto
e da oralidade (BRASIL, 1998). Tais eixos trabalham unidos entre si
pela língua e pelo uso que se faz dela.

Livros didáticos do PNLD 2017

Desse ponto em diante, toma-se o livro didático como suporte


textual, entendendo que concentra variados gêneros textuais/
discursivos incorporados, com objetivos educacionais definidos.
Ressalta-se que o esforço será concentrado nas sequências de
atividades articuladas com gênero entrevista, o qual, de fato, não
constitui algo inédito no quotidiano dos alunos graças ao advento
da tecnologia, as facilidades de acesso às informações pela internet
e a comunicação por aparelhos móveis. Entrevistas são veiculadas
por grandes redes televisivas, radiofônicas, de imprensa e também
por mídias digitais. Isso significa que é possível estabelecer uma
proximidade com o gênero conforme o interesse por seu conteúdo.

77
Múltiplos olhares para a educação básica

Para este tópico, elencaram-se dois livros didáticos para estu-


do, um voltado ao Ensino Fundamental II e outro ao Ensino Médio,
ambos estão presentes no GLD 2017 e trazem o gênero entrevista
como objeto de estudo.
O quinto capítulo do LD1 direciona-se à entrevista jornalística,
abrindo a unidade com uma breve teoria em tom de conversa sobre
os tipos de entrevista. Em seguida, sugere leituras de entrevistas com
celebridades brasileiras, analisando a construção composicional
do gênero, o título dos textos, a introdução e as perguntas, as quais
estão destacadas em negrito (a fim de diferenciá-las das respostas).
A interpretação dos textos é feita por meio de perguntas relaciona-
das ao conteúdo e à estrutura das entrevistas numa seção própria.
Avançando o capítulo, é possível deparar-se com uma proposta
de construção textual que mescla momentos de compreensão de
textos anteriores à teoria básica sobre a divisão do gênero em intro-
dução, perguntas e respostas. A seção encontra-se dividida em três
partes: organização da entrevista, informação na entrevista e argu-
mentação na entrevista. Na primeira parte, aparecem informações
metalinguísticas, como “uma entrevista se estrutura na sucessão de
perguntas e respostas, de modo, alternado, entre um entrevistador e
o entrevistado.”, e “cada vez que muda a pessoa da fala, dizemos que
mudou o turno de fala” (grifos do autor). Nota-se que os termos não
foram explicitados aos estudantes, de modo a não haver contextu-
alização apropriada do assunto. Cumpre salientar que terminologias
como “turno de fala” são, muitas vezes, desconhecidas até mesmo
do professor de língua portuguesa, sendo necessária uma maior
explicitação de seu significado, apresentando, inclusivo, exemplos

78
Gêneros textuais e (multi)letramentos

práticos retirados de situações reais de fala, como sugere a Análise


da Conversação.
Ademais, observa-se a relevância dada, na segunda parte, ao
foco, “a entrevista jornalística pode ter como foco as informações
sobre a vida do entrevistado ou sobre outro tema”. Já a terceira parte
é direcionada à argumentação e à opinião presentes em textos da
esfera jornalística, aparecendo de forma destacada o conceito de
“argumentos”. As perguntas que acompanham essas fases são do
tipo cópia e objetivas2 (MARCUSCHI, 2008). Em um sobre aspectos
linguísticos em textos, ressalta-se a presença de marcas da ora-
lidade, salientando as circunstâncias em que foram realizadas as
entrevistas. Pode-se citar como exemplo o exercício tipo cópia n.1:
“Copie das entrevistas exemplos de marcas da oralidade como: a)
palavras ou expressões usadas no dia a dia, comuns em situações
de fala; b) gírias; c) pausas, hesitações, interrupções que marcam
momentos de dúvida”.
O livro traz uma definição para entrevista jornalística dentro de
um quadro, como “conversa com turnos de fala determinados (um
pergunta, outro responde), entre um entrevistador e um entrevistado,
registrada para ser veiculada em determinada mídia” (2013, p.161). Ao
conceito estão ligados três pontos essenciais da entrevista: intenção,
linguagem e construção. Assim, tomando o gênero como um evento
comunicativo, e não como uma forma linguística, pode-se considerar

2. Para isso, utilizamos, neste texto, a categorização proposta por Marcuschi (2008,
p.271-272). Segundo o autor, as perguntas de compreensão em livros didáticos
de língua portuguesa podem ser classificadas em “cor do cavalo branco”, cópias,
objetivas, inferenciais, globais, subjetivas, vale-tudo, impossíveis e metalinguísticas.

79
Múltiplos olhares para a educação básica

a entrevista como uma constelação de eventos possíveis que se


realizam como gêneros (ou subgêneros) diversos, por exemplo, en-
trevista jornalística, entrevista médica, entrevista científica, entrevista
de emprego etc. (HOFFNAGEL, 2010; BASTOS; STORTO, 2015). Tais
referências manifestam seus estilos e propósitos diversos, porém
têm em comum a construção por meio de perguntas e respostas.
O capítulo segue com a abertura de um tópico a respeito da
escolha profissional, o qual é mediado por um debate. Percebe-se
que o livro se utiliza de um gênero (debate) para a compreensão
de outro gênero (nesse caso, a entrevista). Assim, o gênero oral
é somente instrumento de ensino de outro gênero, embora esse
também seja oral. Na fase preliminar das atividades, é sugerida a
reflexão sobre o tema “escolha profissional” em duplas, com registro
dos argumentos mais sólidos no caderno e apresentação oral para
a turma. Isso com o intuito de as duplas se organizarem em grupos
e o professor orientar o debate. Ao fim, avalia-se o debate por meio
de questões. Verifica-se que o gênero, utilizado como instrumento,
não teve contextualização suficiente para sua produção, ficando a
cargo dos discentes conhecerem-no a priori.
No subitem seguinte, o conteúdo das entrevistas ainda é abor-
dado, porém em forma de exemplos para a explicação do processo
de subordinação de frases, reforçando a compreensão dos textos e
a sua construção argumentativa. Na seção voltada à produção de
texto, o enfoque dado é para a produção de uma entrevista voltada
à escolha profissional. Orienta-se que, em duplas, os estudantes
escolham um profissional a ser entrevistado e, em seguida, cumpram
as etapas da organização, divididas em: a) preparação, b) realização

80
Gêneros textuais e (multi)letramentos

da entrevista, c) registro ou transcrição, d) avaliação, e) circulação


do texto. Vê-se que, no material em tela, tais aspectos não são de-
vidamente explicitados, já que não se faz uma análise de entrevista
observando tais aspectos. Além disso, o material, como costume,
não dispõe de CD, DVD ou página eletrônica em que o professor
possa acessar exemplos de entrevista para analisá-los em sala de
aula juntamente com seus alunos.
Outro capítulo do material oferece, como fechamento da seção,
uma produção escrita para ser desenvolvida em etapas e autoa-
valiada. Nesse caso, a proposta de trabalho é a produção de uma
entrevista jornalística passo a passo, desde a fase oral até a escrita.
Contudo, a tarefa pareceu carente de acompanhamento do pro-
fessor durante a sua realização, pois se desperdiçou possibilidade
de discutir a fala em um contexto real, de analisar o contexto de
produção do texto falado, as características da fala e outros. Além
disso, não se discutiu como se dá o processo de transcrição e como
se realizar, em sala de aula, a retextualização de textos falados em
textos escritos, conforme indicam Marcuschi (2007) e Fávero, An-
drade e Aquino (2007).
Por fim, verifica-se que, no livro em pauta, a sequência de ativi-
dades apresentada revelou a entrevista como um gênero formal e
distante da realidade discente, ressaltando o entrevistador como o
profissional que prepara as perguntas e o entrevistado como alguém
importante que se destaca em seu meio profissional.
Na apresentação do segundo capítulo do LD2, voltado ao Ensino
Médio, destaca-se a figura de um famoso cineasta brasileiro sentado
com um microfone na mão, gesticulando, de modo a parecer que

81
Múltiplos olhares para a educação básica

está a falar e a olhar para um público. Em letras coloridas está o


título do capítulo “A Entrevista”, seguido de informações relevantes
sobre o gênero em questão, tais como: “existem diferentes tipos
de entrevista, entre os quais a entrevista de emprego, a entrevista
médica, a entrevista jornalística, etc.” (2013, p. 239).
Nota-se que os autores destacam a existência de vários subtipos
(ou espécies3) de entrevistas e citam primeiramente a entrevista de
emprego, mostrando sua importância já na abertura do capítulo.
Porém, o tópico não é trabalhado em profundidade na sequência
das páginas. Ainda na abertura, pode-se ter noção do gênero pela
breve definição apresentada pelos autores: “A entrevista pressupõe
uma interação entre duas pessoas, cada uma com um papel espe-
cífico: o entrevistador, responsável pelas perguntas e o entrevistado
(ou entrevistados), responsável pelas respostas” (LD2, 2013, p.239).

3. Travaglia (2007, p.41) distingue tipos, gêneros e espécies de textos. Para o autor,
as categorias de textos podem ser divididas nessas três naturezas distintas, que ele
chama de “tipelementos”. “O tipo pode ser identificado e caracterizado por instaurar
um modo de interação, uma maneira de interlocução [...]. Alguns tipos que podemos
citar, divididos em sete tipologias, são: a) texto descritivo, dissertativo, injuntivo,
narrativo; b) texto argumentativo ‘stricto sensu’ e argumentativo não-‘stricto sensu’;
c) texto preditivo e não preditivo; d) texto do mundo comentado e do mundo narrado;
e) texto lírico, épico/narrativo e dramático; f) texto humorístico e não-humorístico; g)
texto literário e não literário. O gênero se gênero caracteriza por exercer uma função
sóciocomunicativa específica. Estas nem sempre são fáceis de explicitar. A espécie
se caracteriza apenas ‘por aspectos formais de estrutura (inclusive superestrutura)
e da superfície lingüística e/ou por aspectos de conteúdo’” (TRAVAGLIA, 2007, p.41
– grifos do autor). Ainda segundo o autor, “as espécies podem estar ligadas a tipos
(como a história e a não-história que são espécies do tipo narrativo) ou a gêneros
(como a carta, carta comercial, o ofício, o memorando, o bilhete, o telegrama, o
cartão, que são espécies do gênero correspondência)”.

82
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Aponta-se que a entrevista jornalística é a de maior interesse ao pú-


blico, pois é difundida tanto oralmente quanto pela escrita nos meios
de comunicação de massa de maior acesso à população em geral.
As perguntas para compreensão do texto são, em sua maioria,
objetivas (MARCUSCHI, 2008), como neste exemplo: “Em toda en-
trevista, uma (ou mais de uma) pessoa faz perguntas, e outra (ou
outras) responde. Na entrevista em estudo, quem é o entrevistador?”,
explorando superficialmente o gênero. Observa-se também o des-
taque dado à informação de que a entrevista, em geral, realiza-se
oralmente com gravação em áudio ou áudio-vídeo, e é, em seguida,
é transcrita graficamente (modalidade escrita da língua), a fim de po-
der ser publicada em jornais ou revistas. Marcuschi (1991, p. 9) indica
que, para a transcrição, “o sistema sugerido é eminentemente orto-
gráfico, seguindo a escrita-padrão, mas considerando a produção
real”. Todavia, poucas são as orientações encontradas na atividade
para que a transcrição proposta seja satisfatória, conforme segue:

Transcrevendo a entrevista

• Com a gravação em mãos, transcrevam a entrevista,


passando-a para o papel.
• Escolham uma frase significativa do entrevistado
para servir de título ou criem um título com base no
assunto tratado.
• Escrevam uma introdução, apresentando o entrevis-
tado e o assunto da entrevista.

83
Múltiplos olhares para a educação básica

• Coloquem o nome do entrevistador (ou o nome


do grupo ou do jornal) antes de cada pergunta e o
nome do entrevistado antes das respostas. Ou, para
diferenciar as perguntas das respostas, empreguem
recursos gráficos.
• Reproduzam o diálogo mantendo a linguagem em-
pregada pelo entrevistado, mas evitando as marcas
da linguagem oral. (LD2, 2013, p. 244)

Na sequência, sugere-se a leitura da entrevista feita a um cine-


asta e que foi veiculada na Revista Planeta para posterior resolução
de exercícios propostos. A leitura inicia-se com um título ligado à
conservação da natureza, embaixo uma legenda diz que o entre-
vistado também atua como ativista em defesa das florestas. Antes
das perguntas, está uma breve biografia do entrevistado, texto
produzido pela entrevistadora e, provavelmente, fruto de pesquisa.
Para publicação, as informações receberam uma produção visual
especial, tais como fundo de página colorido, perguntas em negrito
e fotos de filmes produzidos pelo cineasta.
Para explorar a leitura e o conteúdo do texto, nas páginas seguin-
tes, estão perguntas diretas que indagam a respeito do conteúdo
das respostas, assim como linguagem empregada na entrevista e
marcas da oralidade. Não há uma seção que aborde teoricamente a
construção composicional do gênero, mas as questões abordadas
levam a uma reflexão acerca de aspectos contextuais da entrevista,
tais como: as funções do entrevistador, do entrevistado, sugestão
de título, pergunta-resposta, público-alvo, entre outros.

84
Gêneros textuais e (multi)letramentos

A pergunta número 11 pede para que os alunos respondam em


grupos “Quais são as características da entrevista?” e solicita que
a resposta considere critérios como a finalidade do gênero, perfil
dos interlocutores, suporte ou veículo, tema, estrutura e lingua-
gem. Entende-se que, para elaborar essas perguntas, os autores
recorreram à matriz de referência para os descritores de Língua
Portuguesa do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica), pois são utilizadas habilidades diferentes para cada tópico a
ser resolvido. Assim, para os procedimentos de leitura, há a relação
com a identificação do tema, o sentido da palavra entrevista; para
as implicações do suporte na compreensão do texto, o auxílio do
material gráfico e a identificação da finalidade do texto. Também
se faz presente a relação entre textos e opiniões diversas sobre o
assunto; o reconhecimento da coerência e da coesão pelas várias
relações trazidas pelos textos; a relação entre os recursos expres-
sivos e os efeitos de sentidos reconhecidos em seus elementos e,
por fim, a variação linguística.
As atividades seguintes propõem a produção de uma entrevis-
ta em grupo pelos estudantes. A primeira orientação é para que
o grupo escolha a pessoa a ser entrevistada, de preferência um
profissional na área de maior interesse. Para a produção em si, o
livro traz o planejamento dividido em duas partes: preparação, com
dicas para o roteiro; e transcrição. Vale ressaltar a sugestão de se
levar um gravador, o que nos leva a crer que é exatamente nesse
momento que a oralidade se fará presente na execução do exercício.
A respeito da transcrição, que é a passagem da fala para a escrita,
o exercício pede para que sejam evitadas as marcas da oralidade

85
Múltiplos olhares para a educação básica

para que o texto seja utilizado em um projeto, trata-se de um jornal


mural produzido por alunos do 2º ano do Ensino Médio contendo
reportagens, entrevistas e notícias. Para complementar o aprendi-
zado do gênero, o capítulo ainda orienta o aluno à escrita de título,
legenda e texto-legenda. Os exercícios seguintes são voltados à
adequação da escrita em textos de cunho jornalístico.
No exercício seguinte, lê-se: “Quando falamos, é comum suspen-
dermos o pensamento, deixando frases incompletas, assim como
empregamos gestos no lugar de frases. Rirmos de alguma ideia en-
graçada, usarmos expressões que retomam ideias anteriores, como
então, aí ou como eu dizia, etc., ou expressões como né, hum, pois é,
etc. a) Na entrevista lida, há alguma marca da oralidade desse tipo? b)
Na sua opinião, por que isso acontece?” (LD2). Nota-se que o material
deixa de mencionar outros elementos paralinguísticos importantes,
como tom de voz, gestos e postura. Além disso, a explicação fica
muito abstrata para o aluno, o qual deve depreender por si mesmo
que são esses elementos sem ter consigo uma entrevista oral para
analisar. Ademais, uma resposta negativa à primeira pergunta não
dá subsídios suficientes para que afirmar o porquê isso acontece. Por
fim, o livro apresenta questões voltadas à compreensão textual e à
formação de opinião, oferecendo a oportunidade de contato com
perguntas de caráter crítico sobre o cotidiano de terceiros.
Após a análise desses dois livros, é possível verificar que ambos
empregam a teoria dos gêneros como ferramenta para ensinar a
língua portuguesa nas modalidades oral e escrita, fornecendo subsí-
dios aos professores para conduzirem o andamento das produções.
Após consultadas as bibliografias dos materiais, observa-se que o

86
Gêneros textuais e (multi)letramentos

livro do Ensino Fundamental possui referências bibliográficas; e o


Ensino Médio, sugestões bibliográficas. Entre os títulos referencia-
dos em ambos os livros estão: “Marxismo e filosofia da linguagem”
(BAKHTIN, 1997); “Introdução à semântica” (ILARI, 2001); “Que gramá-
tica estudar na escola?” (NEVES, 2003), “Gramática e interação: uma
proposta para o ensino de gramática” e “Gramática: ensino plural”
(TRAVAGLIA, 1995, 2003, respectivamente). Não há referências bá-
sicas sobre oralidade ou acerca do processo de retextualização da
fala para a escrita.
Ambos os materiais apresentam informações estruturais impor-
tantes do gênero na abertura dos capítulos, tais como: entrevistador,
entrevistado, perguntas/respostas e meios de divulgação. Enfatizam
a forma oral de produção textual da entrevista e a necessidade
de transcrição para que o texto seja veiculado ao público leitor.
De forma sutil, conceitos como: turnos de fala, foco e argumento
manifestam-se envolvidos nos exercícios propostos, contudo sem
a devida explicação teórica e exemplificação.
Foi possível observar que, tanto no LD1 quanto no LD2, os exercí-
cios deixam de refletir sobre o tipo de linguagem utilizada e a forma
de tratamento adequado à situação, e não dão abertura ao aluno
para atuar como protagonista de um evento social. Sugerem que
os estudantes produzam uma entrevista em grupos, primeiramente
de forma oral e gravada e, posteriormente, transcrita para integrar
os projetos sugeridos ao fim da unidade, sem discutir o processo de
transição da fala para a escrita, do que se subentende uma visão
diminuída da oralidade.

87
Múltiplos olhares para a educação básica

Livros didáticos do PNLD 2018

Neste tópico, analisam-se livros didáticos de Ensino Fundamental


II e Ensino Médio presentes no PNLD 2018 que trabalham com o
gênero entrevista.
O LD3, voltado ao Ensino Médio, não menciona o trabalho es-
pecífico com gêneros orais em nenhuma seção, nem atividades
que mencionem a oralidade explícita ou implicitamente. Contu-
do, a oralidade é citada no suplemento do professor, caderno de
orientações em que se liga o conceito de oralidade ao processo de
retextualização e a algumas atividades junto ao gênero entrevista.
Para justificar tal procedimento, afirmam que

Para o tratamento de textos orais, no entanto, preferimos


o uso das transcrições, termo que corresponde, nesta
coleção, à ação de transpor para o papel o texto oral tal
como foi ouvido, respeitando, portanto, sua formulação
original, quase sempre caracterizada por repetições,
hesitações, marcadores conversacionais, abandono de
estruturas iniciadas, entre outras marcas típicas (LD3,
2016, p. 378).

Os textos orais são disponibilizados na internet gratuitamente,


facilitando o contato com sua versão falada antes da transcrição.
Os textos transcritos estão presentes em seção própria e são no
primeiro volume da coleção por meio de gêneros orais públicos,
como entrevista e o relato de experiência.

88
Gêneros textuais e (multi)letramentos

O LD4 é composto por unidades com quatro capítulos cada, em


que se trabalha um gênero diferente com sequências de atividades
específicas. Há um capítulo voltado mais especificamente à orali-
dade, o qual explora as características orais do gênero abordado:

[...] textos escritos podem incorporar diversos elementos


da modalidade oral da língua, como reduções de pala-
vras (pra, cê, né), marcadores conversacionais – recursos
que servem para auxiliar na interação entre as pessoas
quando elas falam [...] (LD4, 2016, p. 81).

As propostas de atividades complementares estão no manual do


professor e sugerem a produção de uma exposição oral. No manual,
é evidente a preocupação com a prática da oralidade no sentido de
levantar reflexões sobre vários aspectos do uso da língua. Na obra,
nota-se uma abordagem da oralidade muito próxima aos moldes
da teoria da Análise da Conversação. No excerto abaixo, é possível
verificar como os autores defendem a prática da oralidade:

Aceita-se hoje que a prática da oralidade não se restrin-


ge à conversa informal, aparentemente fragmentada e
dependendo de contexto, mas compreende um leque
muito maior de manifestações [...], por sua vez, têm estru-
tura e características próprias, o que deve ser explorado
com os alunos (LD4, 2016, p. 352).

Em LD5, o trabalho com o oral é apontado a partir de sua im-


portância no estudo das diferenças entre as modalidades de uso
da língua e segue a recomendação do PNLD 2016 para “explorar

89
Múltiplos olhares para a educação básica

gêneros orais diversos”, produção e desenvolvimento de escuta


atenta do aluno. Ressalta que “considerando as condições particu-
lares de interação e, por extensão, de planejamento, a abordagem
detém-se sobre as marcas próprias da produção oral, associando
sua frequência e tipo às diferentes características dos vários gêneros
orais” (LD5, 2016, p. 369).
Para o tratamento de textos orais, os autores preferem o uso
da transcrição e a definem como “ação de transpor para o papel
o texto oral tal como foi ouvido”. É um recurso útil e utilizado em
outras obras, sendo possível ter acesso aos textos orais originais
que se encontram disponíveis na internet, na qual é possível se ter
a percepção de outros elementos orais, tais como ritmo, entonação,
variação linguística e outros por meio da escuta atenta.
No capítulo 11 do material, o estudo do gênero entrevista expõe a
informação de que se trata de um gênero primordialmente oral, refor-
çando a ideia de que as entrevistas veiculadas nas mídias diferem-se
daquelas transcritas que já perderam as marcas da oralidade. Na
sequência, há uma entrevista do tipo jornalístico com comentários
sobre a estrutura do gênero destacados pela produção visual de
recursos para editar textos, tais como cores e negrito. Assim como
em outra coleção observada, nessa a oralidade é destacada pela
sua associação a gêneros formais e públicos.
Nota-se que o LD4, ao tratar do modelo padrão de entrevistas,
vincula-o a questões de linguagem, tais como variedades linguísti-
cas e graus de formalidade. Já o LD5 apresenta orientações sobre
o procedimento de retextualização. Esse livro classifica a entrevista
como um gênero jornalístico e não cita outras possibilidades de

90
Gêneros textuais e (multi)letramentos

entrevistas em outras esferas sociais, ignorando as possibilidades de


espécies (TRAVAGLIA, 2007) distintas para o gênero (HOFFNAGEL,
2010; BASTOS; STORTO, 2015). Diferencia-se dos demais materiais
por explorar os argumentos do entrevistado em forma de exercício.
Explica os papéis envolvidos em uma entrevista jornalística pre-
sente em jornal ou revista (entrevistador, entrevistado e leitor) e a
importância da função de cada interlocutor para a compreensão
do todo. O conteúdo instiga o aluno a dizer, a partir das leituras de
textos transcritos, qual o veículo de publicação, o fechamento, a
identificação e a linguística dos interlocutores.
Em outra seção do livro, o conteúdo abordado traz os usos das
formas de tratamento adequadas aos papéis sociais dos interlocu-
tores. Também menciona os marcadores conversacionais e a ne-
cessidade de serem eliminados quando os textos são transcritos. A
sugestão de produção do gênero simula uma entrevista jornalística,
na qual os alunos reunidos em grupos assumem a responsabilidade
de planejá-la, executá-la e transcrevê-la.
Em seção específica para o trabalho com a língua falada, são
ressaltadas situações de oralidade e o emprego de mecanismos
linguísticos discursivos comuns à oralidade, citando especialistas no
assunto, como Koch e Marcuschi. O material não vinculou o capítulo
a nenhum gênero, ainda assim o conteúdo é rico na explicação dos
procedimentos de interação, a começar pelas normas de transcri-
ção estabelecidas pelo Projeto Norma Urbana Culta, de São Paulo
(NURC/SP). Ademais, os marcadores conversacionais e os turnos
aparecem destacados em histórias em quadrinho, fazendo referência
aos vários usos da linguagem que mantêm os marcadores.

91
Múltiplos olhares para a educação básica

A partir da afirmação “Vimos interações de fala e apontamos


nelas alguns procedimentos conversacionais e seus marcadores.
No entanto, estamos longe de esgotar a diversidade de atos de fala,
pois a cada nova situação de interação eles ganham características
próprias” (LD5, 2016, p.282), é possível entender que as possibilidades
são inúmeras, cabendo ao aluno entender as características das
suas próprias interações. Para sistematizar a prática linguística, uma
subseção do livro oferece uma breve explicação sobre a organiza-
ção da conversação citando três características básicas, são elas:
“interação entre pelo menos dois falantes; envolvimento em situação
específica; sequência coordenada de turnos” (LD5, 2016, p.283). Em
seguida, descreve alguns elementos típicos da conversação, tais
como: entonação de voz, gestos e expressão facial, procedimentos
de reformulação (correções, repetições, paráfrases, acréscimos)
e os marcadores conversacionais de início e fim de turno, sinais
de posicionamento do interlocutor (de concordância, de dúvida e
de hesitação) e sinais de sequenciação (início e fim da digressão e
sequência da narrativa).
Como exercício, o livro traz uma atividade coletiva com o objetivo
de conscientizar acerca dos mecanismos da conversação por meio
de uma análise dirigida sobre um programa de entrevista, que deve
ser escolhido pelos alunos e que consiste na gravação de cinco
minutos de um programa para responder, oralmente, a questões já
elaboradas sobre a estrutura do gênero, a organização dos turnos
e, por último, avaliar a interação face a face. O exercício seguinte
utiliza imagens para estimular a organização de debates, em que
se é possível anotar informações sobre os turnos, os marcadores,

92
Gêneros textuais e (multi)letramentos

o tom e os gestos dos interlocutores, além dos aspectos sociais


observáveis, e compartilhar as anotações com os colegas de classe.
Após leitura e análise desse material, fica claro o tratamento
dado à natureza dialógica da linguagem por meio da concepção
bakhtiniana, a qual leva em conta a situação social da comunicação
verbal, em meio a uma complexa rede de relações sociais.
Já o LD6 (2016) apresenta, em seu terceiro volume, diferente-
mente dos materiais anteriormente analisados, a oralidade traba-
lhada em entrevistas de emprego, e não em entrevistas de cunho
jornalístico. A produção do gênero consta no terceiro capítulo, em
que se é possível perceber o cuidado expresso com o “apresentar-
-se no mundo do trabalho” (LD6, 2016), uma vez que, em capítulos
anteriores, trabalharam-se os gêneros carta de apresentação e
currículo, os quais são complementares à entrevista de emprego e
estão relacionados a atividades profissionais.
A transcrição de uma entrevista de emprego abre as discussões
sobre o comportamento do jovem diante da situação, aparente-
mente desconfortável diante de seu entrevistador. Em formato de
caixa (“box”), são oferecidas dicas sobre como se preparar para uma
entrevista, tais como: “desligar o celular e, caso tenha se esquecido,
não atender, se tocar” (LD6, 2016). Além disso, reúne perguntas fre-
quentes que aparecem em entrevistas de emprego e possibilidades
de respostas esperadas pelo entrevistador. Para a produção do
gênero, o livro sugere simulações de entrevistas de emprego com
todas as formalidades exigidas.
Na obra, verifica-se um enfoque comportamental ligado ao
gênero, que revela preocupação com a produção do texto oral em

93
Múltiplos olhares para a educação básica

situações formais. Para a gravação da encenação, que simula a en-


trevista, apresenta-se uma caixa com mensagens de apelo à postura
corporal e recomendações para transmitir uma boa imagem, como,
por exemplo, evitar ficar olhando a todo o momento para o relógio. A
tarefa faz parte de projeto de profissões proposto no fim da unidade.
O manual do professor informa que o livro, de modo geral, pro-
põe-se a trabalhar com gêneros orais públicos, como a entrevista
de emprego. O trabalho com gêneros orais e escritos vincula-se à
produção diretamente a projetos, com a justificativa de que eles
“permitem diferentes formas de expressão e interação verbal no
âmbito da sala de aula” (LD6, 2016, p. 379), mas não são citados
teóricos que validem a informação.
Após a análise das coleções selecionadas pelo PNLD 2018, é
possível compreender que cada uma delas, à sua maneira, valoriza
o trabalho com gêneros textuais e que as obras apresentam novas
perspectivas quanto ao trabalho da oralidade, até então confusas
nas coleções selecionadas no PNLD 2017. No entanto, nem todas
apresentam coerência ao abordar a prática. Além disso, a maioria
trouxe o gênero entrevista como recurso para o aprendizado do
texto que parte da língua falada para a escrita, sendo a oralidade, em
geral, vista apenas como um instrumento para o ensino da escrita.

Considerações finais

Diante da abundância de gêneros existentes em diversas esferas


da nossa vivência, optou-se por verificar a entrevista, já que se faz
presente no cotidiano dos jovens. Tal gênero é muito lembrado por

94
Gêneros textuais e (multi)letramentos

suas características básicas, como se tratar de um gênero formal


de fácil acesso a alunos e professores, devido a sua veiculação nas
principais mídias. Na escola, porém, o instrumento de veiculação
dos gêneros mais eficaz é o livro didático; por meio dele, os alunos
estudam o funcionamento da língua e compreendem a formação
social dos textos. Tomamos o livro didático como objeto de estudo
a fim de realizar uma reflexão atual sobre o trabalho com a oralidade
proposto para o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio.
Apoiados em documentos que regem a educação brasileira,
verificaram-se as orientações para o professor reconhecer a impor-
tância das atividades linguísticas sociais e incluí-las em seu trabalho
docente.
As coleções do PNLD 2017 destacam o gênero entrevista dentro
dos critérios estabelecidos pelos PCN, seguido de uma gramática
textual e lista de exercícios que exploram a estrutura do gênero e
atividades que levam à compreensão dos textos. Trazem a orali-
dade em exercícios de produção oral com transcrição como parte
integrante de um projeto voltado ao jornalismo, sem abordar um
conteúdo gramatical específico. Os textos interagem entre si, numa
linguagem bastante acessível e com propostas de atividades que
motivam os alunos a pensarem o intuito da realização de uma en-
trevista como um gênero que contribui para a compreensão e a
produção de textos orais e escritos.
Os livros selecionados pelo PNLD 2018 apresentam modelos
didáticos de gêneros variados, incluindo os orais e, em específico,
a entrevista. Em geral, seguem uma perspectiva bakhtiniana, envol-
vendo a linguagem a situações cotidianas que permitem fortalecer
a comunicação interativa entre os participantes. Também é possível

95
Múltiplos olhares para a educação básica

dizer que os materiais apresentaram atividades embasadas na teoria


da Análise da Conversação, com fundamentos nos documentos
oficiais da educação brasileira. Todos seguiram as recomendações
do PNLD 2018, dando maior importância ao tratamento dos gêneros
orais como algo a ser aprendido e não como um aprendizado inter-
nalizado. Todavia, ainda falta base teórica e exercícios que foquem na
oralidade como objeto de ensino, e não apenas como instrumento.
Por meio da observação dos materiais, concluímos que os livros
estudados têm se buscado se adequar às orientações dos aportes
legais para o ensino da oralidade, mas ainda há lacunas importantes
decorrentes da concepção de oralidade e de uma visão dicotômica
entre fala e escrita. Assim, para o trabalho ser efetivado e conseguir
o resultado esperado pelo GLD, o professor deve adotar uma pos-
tura participativa e complementar o material didático adotado. Isso
nos remete à importância de uma seleção criteriosa ao escolher o
livro didático.
Espera-se que as informações contidas neste texto sejam úteis
para professores da rede pública e que permitam uma reflexão vol-
tada à oralidade, levando a melhores escolhas do material didático
adotado para o trabalho com a oralidade em sala de aula.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2018: apresentação. Guia de livros didáticos:


ensino médio. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica,
2017.

BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2018: guia digital. Disponível em: http://www.
fnde.gov.br/pnld-2018/. Acesso em abr. 2018.

96
Gêneros textuais e (multi)letramentos

BRASIL. Ministério da Educação. PCN: língua portuguesa. 3º e 4º ciclos. Brasília:


MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Edital PNLD 2017. Portal MEC. Disponível em: http://
www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-editais/item/6228-
-edital-pnld-2017. Acesso em jul. 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Edital PNLD 2018. Portal MEC. Disponível em: http://
www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-editais/item/6228-
-edital-pnld-2018. Acesso em mar. 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. PCN Ensino Médio: orientações educacionais com-


plementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Vol. Linguagens, códigos e suas
tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002.

BASTOS, Letícia Carneiro; STORTO, Letícia Jovelina. Modelo teórico do gênero dis-
cursivo oral entrevista telejornalística. In: SCOPARO, Tania Regina Montanha Toledo
et al. Estudos em linguagens: diálogos linguísticos, semióticos e literários. Rio de
Janeiro: Multifoco, 2015, p.13–40.

FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira; AQUI-
NO, Zilda Gaspar Oliveira de. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua
materna. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2007.

HOFFNAGEL, Judith Chambliss. Entrevista: uma conversa controlada. In: DIONISIO,


Angela Paiva; MACHADO, Anna Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros
textuais & ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010, p.195–208.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 8


ed. São Paulo: Cortez, 2007.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. 2 ed. São Paulo: Ática, 1991.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A caracterização de categorias de texto: tipos, gêneros e


espécies. Alfa, 51, n. 1, p. 39–79, São Paulo: 2007.

97
Capítulo 4

98
O gênero crônica: uma proposta
de oficina de leitura e escrita

Francisco Jeimes de Oliveira Paiva


Ana Maria Pereira Lima

Introdução

Este texto objetiva relatar e avaliar as experiências e as reflexões


oriundas das oficinas de Língua Portuguesa trabalhadas com o
gênero Crônica em turmas de 1ª séries do Ensino Médio, da E.E.M.
Egídia Cavalcante Chagas, em Morada Nova/CE. Essas oficinas foram
elaboradas e aplicadas teórico-metodologicamente pautadas em
uma pesquisa de intervenção, entendidas como propostas de ação
capazes de transformar a realidade sociopolítica da comunidade
escolar, uma vez que propõem uma intervenção micropolítica na
experiência social e educativa (SANTOS, 1987; STEIGER, 1990), ou
seja, “a pesquisa de intervenção só acontecerá se houver um pro-
blema comum a ser solucionado” (MOREIRA, 2008, p. 403).
A produção dessas oficinas contribuiu na compreensão da ne-
cessidade de um trabalho professoral transdisciplinar, valorizando
as narrativas, histórias, fatos do cotidiano levados à sala de aula,
além de trabalhos com outros gêneros de mesma sequência nar-
rativa (contos, romances, fábulas, novelas etc). Isto significa dizer

99
Múltiplos olhares para a educação básica

que foi fundamental considerar a importância dessas atividades


desenvolvidas em turmas iniciais do Ensino Médio, pois essas ações
pedagógicas propiciaram experiências exitosas, fazendo com que
refletíssemos acerca da nossa própria prática docente e do nosso
agir social como agentes de letramentos na transformação de uma
realidade educacional deficitária pela falta de práticas diversificadas
e engajadas de letramentos nas séries do Ensino Fundamental.
É patente mencionar a relevância dessas atividades/oficinas
de intervenção pedagógica, porque nasceram dos planejamentos
coletivos com a iniciativa dos(as) professores(as), da área de Lingua-
gens e Códigos e suas Tecnologias, a partir de muitas discussões
sobre as dificuldades de escrita e de leitura dos alunos recebidos
dos 9º anos do Fundamental II do município de Morada Nova/CE.
Nesse sentido, um diagnóstico inicial com questões/itens de Língua
Portuguesa com base nos descritores do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB) e do Sistema Permanente de Avaliação da
Educação Básica do Ceará (SPAECE) desde 2011 a 2017 foi aplicado
a fim de conseguirmos identificar os principais problemas e tentar
trabalhá-los em produções textuais realizadas em oficinas de pro-
dução escrita com periodicidade semanal.
No cerne das práticas docentes na escola, observamos que a
prática de produção textual não condiz com os parâmetros dese-
jados pelos descritores de Língua Portuguesa e do livro didático
de Português (LDP), adotados no fundamental e no médio. Além
disso, os alunos possuem dificuldades em usar as estratégias de
leitura no favorecimento de uma compreensão leitora satisfatória
que resulte na assimilação de conhecimentos linguísticos e textuais

100
Gêneros textuais e (multi)letramentos

curriculares e extralinguísticos ligados a nossa diversidade cultural


e social. Decidimos, então, nos encontros coletivos de professores,
desenvolver atividades de leitura e produção em sala de aula, atra-
vés de oficinas, que motivassem os(as) alunos(as) a lerem textos
diversos com múltiplas linguagens, para isso focamos em gêneros
de predominância tipológica narrativa.
Elegemos, em suma, o gênero crônica por ser objeto de produção
em algumas edições das Olimpíadas de Língua Portuguesa no Brasil
e também pelo gosto de leitura de muitos alunos(as) que procuram
na biblioteca da escola – livros com esses gêneros – devido a diver-
sidade de características composicionais, histórias mais próximas
da realidade social desses sujeitos em formação social, bem como
por terem as características mais predominantes de cunho social,
político, cultural, educacional etc, em várias crônicas, inclusive, nos
livros didáticos, nos motivando, assim, a selecioná-las para leitura
e produção nas oficinas que planejamos e ocorreram durante o ano
letivo de 2017.
Denominamos, pois, estas oficinas com o seguinte título: “Da
compreensão do gênero textual crônica à aprendizagem escrita de
textos narrativos: diálogos e desafios na escola”, nelas fizemos ativi-
dades de leitura e de escrita, potencializando as competências e as
habilidades necessárias à formação crítica, emancipativa e demo-
crática no cerne das atividades pedagógicas nas turmas de 1ª anos
que selecionamos para aplicar essa metodologia interventiva, no
intuito de avaliarmos a nossa práxis pedagógica e traçarmos novas
diretrizes para o ensino e a produção de gêneros na escola.

101
Múltiplos olhares para a educação básica

Ao longo deste relato, expomos e justificamos os resultados e os


impactos materializados na melhoria dos índices alcançados, tanto
nas avaliações de larga escala, como nas avaliações internas, aplica-
das bimestralmente, em forma de cadernos de questões pautadas
no modelo de questões propostas pelo Enem e uma proposta de
redação nos moldes desse mesmo exame. A compreensão leitora
e a escrita de textos narrativos centrou-se, durante o primeiro bi-
mestre, no gênero crônica presente em livros didáticos e literários,
revistas, blogs, sites etc, em dinâmicas na sala de aula e nos vários
ambientes da escola.
É preciso ressaltar que a escola, em questão, situa-se no interior
do Ceará e recebe alunos(as) com muitas dificuldades de apren-
dizagem em leitura e escrita, sobretudo na produção de gêneros
discursivos. Isso fez com que nós professores nos atentássemos
para trabalharmos também com a nova realidade de tecnologização
da sociedade global (BUZATO, 2016), utilizando os recursos também
disponíveis pelo próprio laboratório educacional de informática (LEI),
da E.E.M. Egídia C. Chagas, ligada ao NTE1 da 10ª CREDE, que insti-
tuiu estratégias político-educacionais para diversificar as atividades
dos projetos a serem desenvolvidos nos laboratórios da região, de
maneira a estimular o corpo discente a serem protagonistas de seus
próprios saberes, objetivando, colaborar na otimização e alinhamento
construtivo do processo de ensino e aprendizagem no contexto de
formação tecnológica docente e discente (PAIVA; LIMA; ALVES, 2017).

1. Núcleos Tecnológicos Educacionais são ambientes computacionais com equipe


interdisciplinar de Professores Multiplicadores e técnicos qualificados para dar
formação contínua aos professores.

102
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Assim, conseguimos realizar um trabalho docente produtivo com


os(as) alunos(as) de 1ª séries do Ensino Médio (no caso 3 turmas),
sendo a primeira diurna e as demais noturnas. Outro momento para
destaque foi a etapa de estimular os professores(as) a lerem diversos
textos, sobretudo fazê-los participar da seleção das crônicas e de
outros textos que foram utilizados nas aulas e oficinas.
Por esta razão, a atividade dos professores em sala de aula e
em outros ambientes de aprendizagem foi crucial para perceber os
impactos e a influência da inserção das Novas Tecnologias Digitais
de Informação e Comunicação (NTDICs), em especial, nos processos
de reconfiguração discursiva de vários textos verbais e não verbais
devido à presença da multimodalidade, da intertextualidade e de
diversos artefatos textuais em circulação em muitos ambientes físi-
cos e virtuais disponíveis aos estudantes e aos professores(as) para
leitura, escrita e produção de significação de vários sentidos em
diferentes contextos sócio-comunicativos humanos e não humanos
(BUZATO, 2016). Principalmente, porque a principal tarefa das oficinas
residia na reconfiguração dos gêneros a partir do uso das tecnologias.

103
Múltiplos olhares para a educação básica

Fundamentação teórica

Trabalhando as oficinas em aulas planejadas, focamos teórico-


-metodologicamente, a princípio, nas dificuldades de aprendizagem
(DAs)2, aclaradas por nós no campo escolar, em uma perspectiva
psicopedagógica e educativa, entendendo que a

Dificuldade de aprendizagem específica significa uma


perturbação num ou mais dos processos psicológicos
básicos envolvidos na compreensão ou utilização da
linguagem falada ou escrita, que pode manifestar-se
por uma aptidão imperfeita de escutar, pensar, ler,
escrever, soletrar ou fazer cálculos matemáticos. O
termo inclui condições como deficiências perceptivas,
lesões cerebrais, disfunção cerebral mínima, dislexia
e afasia de desenvolvimento. O termo não engloba as
crianças que têm problemas de aprendizagem resul-
tantes principalmente de deficiências visuais, auditivas
ou motoras, de deficiência mental, de perturbação
emocional ou de desvantagens ambientais, culturais ou
económicas (PUBLIC LAW, 1975, p. 94-142, grifos nossos)3.

2. O termo (Dificuldade de Aprendizagem) começou a ser usado frequentemente


no início dos anos 60 para descrever uma série de  discapacidades  relacionadas
com o insucesso escolar que não deviam ou podiam ser atribuídas a outros tipos
de problemas de aprendizagem (KIRK, 1962, 1963; CORREIA, 2007).

3. PUBLIC LAW. Education for all handicapped children act of 1975, 94th Congress,


First Session, 1975. 

104
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Em outras palavras, avaliamos essas dificuldades em aprender a


escrever e a ler gêneros discursivos, em especial o gênero crônica,
sobretudo em relação às aprendizagens mediadas por práticas de
letramentos com a leitura e a escrita no EM, logo foi necessário pos-
sibilitar a esses estudantes oportunidades e instrumentos do código
escrito e falado a fim deles se apropriarem das competências lin-
guísticas, textuais, discursivas e tecnologias necessárias à formação
crítica, emancipativa e democrática, as quais tiveram acesso com
maior frequência na escola através de atividades ressignificativas
com fins educativo-pedagógicos (COSCARELLI et al, 2016).
Assentamos este relato, em uma base epistemológica, centrada
nas ideias sócio-culturais, de Vygotsky (1987) que entende a lingua-
gem e o pensamento humano enquanto elementos constituidores
dos sujeitos aprendentes e ensinantes, primando pelo lugar social
e pela presença do outro nas relações essenciais da sociedade,
proporcionando as condições para uma maior adequação do ensino
e aprendizagem no processo de desenvolvimento da leitura e da
escrita em determinados grupos sociais.
A perspectiva bakhtiniana subsidiou nossa compreensão acerca
dos gêneros e de sua constituição e funcionalidade. Compreende-
mos, em suma, que os gêneros são entendidos como fenômenos
contextualmente situados e construídos na interação comunicativa,
sendo percebidos a partir de sua natureza sócio-histórico-cultural
(BAKHTIN, 1992, 1997). Percebemos que os enunciados são arran-
jados, segundo o gênero discursivo ao qual utilizamos, todavia,
adequando-o em consonância da situação social em que nos en-
contramos em determinados ocorrências sócio-comunicativas. De
tal modo que

105
Múltiplos olhares para a educação básica

[o] gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma


maneira que a organizam as formas gramaticais (sintá-
ticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do
gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato,
bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero,
adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo
discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe
o fim, ou seja, desde o início somos sensíveis ao todo
discursivo que, em seguida, no processo da fala, eviden-
ciará suas diferenciações (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 302).

Vale salientar que é de Bakhtin (1992) que temos a ideia de re-


lação indissociável entre gênero de discurso e esfera da atividade
humana no qual são produzidos sociohistoricamente em um dado
contexto sócio-comunicativo. Esse autor nos afirma que há gêneros
mais padronizados e estereotipados e gêneros mais maleáveis, plás-
ticos e criativos. Sendo assim, os gêneros possuem a capacidade de
serem reestruturados criativamente de acordo com a habilidade e
competência de seus produtores (PAIVA, 2011; PAIVA; DUARTE, 2017).
Em relação aos estudos de letramentos no Brasil, por considerar-
mos que nessas oficinas as práticas de letramentos, bem como as
atividades de alfabetizar letrando possibilitou enfoque ao desenvol-
vimento das habilidades/descritores do SAEB e SPAECE, adotados
por nós professores(as), objetivando fazer com que os(as) estudantes
aprendam, produzindo significação e sentido ao que escrevem e
leem, para tanto o trabalho docente não se restringe apenas em
ensiná-los com métodos de alfabetizar, mas também desenvolver
práticas (multi)letradas para fazê-los comunicasse através do usos

106
Gêneros textuais e (multi)letramentos

sociais que fazem com a leitura e a escrita em práticas sociais e


discursivas situadas, permeadas por valores, relações de poder e
discursos (SOARES, 2002; 2003; STREET, 2014; TFOUNI, 2004).
Ademais, a fim de desenvolver habilidades leitoras e escritoras,
a tendência atual propõe que certas atividades sejam feitas diaria-
mente com os alunos de todos os anos, mesmo os que estejam em
processo de alfabetização. Entre elas, estão à leitura e à escrita feita
pelos próprios estudantes e pelo professor para a turma (enquanto
eles não compreendem o sistema de escrita), as práticas de comu-
nicação oral para aprender os gêneros do discurso e as atividades
de análise e reflexão sobre a língua, valorizando bastante o texto
literário (GERALDI, 1984).
Nesta perspectiva, o papel do educador na formação do leitor é
também decisivo no encaminhamento da reflexão sobre as questões
fundamentais que devem permear o cotidiano da sala de aula: o que
é ler? ler para quê? ler para quem? o que ler? como ler?. É justamente
a postura crítica e aberta do professor que possibilitará um trabalho
diferenciado e com perspectivas de sucesso.
Esse posicionamento reafirma a exigência de o professor trazer
para a sala de aula os diferentes tipos/gêneros de textos que cir-
culam socialmente, sejam textos ficcionais ou não ficcionais, uma
vez que é pelo confronto com temas e enfoques variados que o
aluno vai construindo seus pontos de vista sobre as questões vi-
tais com que se defronta. Acreditamos que tal confronto de textos
oferece a possibilidade da emersão de um leitor crítico de textos
multissemióticos, além de demandar outras “práticas discursivas/
sociais nesse contexto de emergência” onde a postura docente na

107
Múltiplos olhares para a educação básica

contemporaneidade se tornou ainda mais desafiadora, nas quais “as


políticas públicas educacionais estão cada vez mais íngremes, care-
cendo de formação(ões) tecnológica(s) de profissionais que atuem
efetivamente em sala de aula” (PAIVA; LIMA; ALVES, 2017, p. 111).
Logo, nossas atividades se pautaram nos seguintes: Descritor(es)
da Matriz de Língua Portuguesa - Ensino Médio4. E os seguintes
objetivos5 nos nortearam nessas atividades:

• Conhecer e identificar os elementos e estrutura e or-


ganização dos textos narrativos, e, especificamente, da
crônica (H6)
• Reconhecer os elementos da narrativa por meio da leitura
de um texto não verbal, identificando informações princi-
pais e secundárias e efeitos de humor (H2 e H3)
• Identificar a finalidade do gênero textual crônica (H7).
• Mobilizar conhecimentos sobre a língua e sobre a orga-
nização e a finalidade da crônica para produzir um texto
desse gênero (H9)
• Articular informações sobre a finalidade dos textos e a
organização dos elementos textuais para analisar a pro-
dução textual (H8)

4. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/3_portugues.pdf. Acesso


em 20 de fev. 2017.

5. Encontrado na Oficina elaborado pela equipe da Fundação Bradesco. Disponível


em: https://pt.scribd.com/document/295980959/1-Oficina-CL-EF-Narracao-
Cronica-Aluno. Acesso em 15 de fev. 2017.

108
Gêneros textuais e (multi)letramentos

• Reconhecer os efeitos de sentido decorrentes do emprego


dos verbos e dos sinais de pontuação no discurso direto
e no discurso indireto (H13).

Baseamo-nos em uma perspectiva metodológica, compreen-


dida como pesquisa intervenção, evidenciando que essa tipologia
de estudo consiste em uma tendência das pesquisas participativas
que buscam investigar a vida de coletividades na sua diversidade
qualitativa, assumindo uma intervenção de caráter sócio-analítico
(AGUIAR, 2003; ROCHA, 1996, 2001). Nesse diapasão, Moreira (2008)
destaca dois princípios que norteiam a pesquisa intervenção: 1. A
consideração das realidades sociais e cotidianas. 2. O compromisso
ético e políticos da produção de práticas inovadoras.
Quanto a execução, aplicamos o seguinte roteiro de trabalho da
oficina. Momento de Sensibilização.

1. Assistir em sala ao videoclipe: Recomeçar6 (Carlos Drum-


mond de Andrade).

2. Dividir a classe em grupos e selecionar com os alunos um


conjunto de crônicas em jornais e revistas;

3. Cada grupo escolheu uma crônica para discussão e análise.

6. Disponível em: https://mscamp.wordpress.com/2009/05/19/recomecar-carlos-


drummond-de-andrade/. Acesso em 20 de fev. 2017.

109
Múltiplos olhares para a educação básica

Foram propostos os seguintes tópicos para a discussão:

• A crônica narra de forma artística e pessoal fatos do coti-


diano, geralmente colhidos no noticiário jornalístico. Que
fatos estão enfatizados nesta crônica?
• A crônica geralmente é um texto curto e leve, escrito com
objetivo de divertir o leitor e/ou levá-lo a refletir critica-
mente sobre a vida e o comportamento humano. Como
estes dois objetivos estão presentes na crônica escolhida?
• O narrador presente na crônica pode ser do tipo obser-
vador ou personagem. Como é o narrador da crônica
analisada?
• A crônica emprega geralmente a variedade padrão infor-
mal em linguagem curta e direta, próxima do leitor. Analise
a linguagem empregada na crônica.

A atividade que encerrou as oficinas consistiu de:

1. Leitura e interpretação de crônicas, de modo a possibilitar que


os(as) alunos(as) desenvolvessem habilidades e competências para
reconhecer e produzir este gênero, assim como descrever suas prin-
cipais características, propósitos comunicativos, estrutura, estilo e
audiência. Por fim, utilizamo-nos dos seguintes recursos que foram
utilizados para o desenvolvimento das atividades: Trabalho dirigi-
do, multimídia, jornais, revistas. Contamos, portanto, com o apoio
do pessoal do multimeios da escola Egídia C. Chagas (laboratório,
biblioteca, salas de aula).

110
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Avaliação dos resultados

A fim de sensibilizar os(as) alunos(as) fizemos uma atividade


de leitura e interpretação de crônicas, de modo a possibilitar que
estudantes desenvolvessem habilidades e competências para
reconhecer e produzir este gênero, assim como descrever suas
principais características: estrutura, estilo, propósitos comunicativos
e audiência pretendida (BAKHTIN, 1997).
Mais adiante, em algumas aulas explanamos os conceitos e as
características de literatura regional e brasileira sobre o assunto e
seguimos a analisar as estruturas que compõem o texto narrativo
com exemplos de crônicas lidas por eles individualmente e em
grupo em sala de aula. Os alunos, entusiasmados diante de tantas
indagações, demonstraram reconhecer a importância social dos
temas das crônicas.
O trabalho em grupos ajudou muito pela heterogeneidade de
experiências que eles trouxeram e as dificuldades apresentadas
foram discutidas e ceifadas pelos esclarecimentos nas aulas, víde-
os, crônicas temáticas (social, futebol, economia, política etc) lidas
e analisadas em grupo.
Nas aulas, apresentamos os conceitos e as características, mas
essa estratégia não apresentou o efeito esperado, por isso continu-
amos o assunto em formas de perguntas para as equipes e individu-
almente a fim de que manifestassem as respostas que resultariam
em produções escritas. Assim, crônicas sobre os temas locais mais
conhecidos em suas comunidades foram surgindo, por exemplo: A

111
Múltiplos olhares para a educação básica

salina, o bar das almas, Julia Coveira, lagoa da Felipa etc)7, ou seja,
assuntos do cotidiano dos alunos. Por isso, demos atenção a ativida-
des que a leitura individual e a discussão temática da Crônica foram
feitas com o fim de ampliar a compreensão e a correlação de infe-
rências, objetivando a elaboração de respostas claras as questões
aplicadas por nós partir das habilidades/descritores selecionados.
Os resultados alcançados nas oficinas foram salutares, tendo em
vista que os (as) alunos (as) puderam inferir, apreender e discutir os
elementos constitutivos do gênero crônica a partir dos conceitos e
das características de gêneros com o foco na produção e na leitura
de maneira proficiente e, acima de tudo que demonstrassem suas
identidades locais e plurais com respeito a suas dificuldades e limita-
ções sociais que foram aos poucos sendo quebrados os paradigmas
que os impediam de pensar e (re)pensar suas experiências de vida
e suas opiniões singulares sobre o seu meio social, seu desenvolvi-
mento intelectual e profissional.
A partir dessa iniciativa pedagógica diferenciada, os alunos da
1º série do ensino médio foram capazes de reconhecer o gênero
crônica; de estabelecer sua produção com o cotidiano, com ques-
tões sociais e de produção de saberes humanos; de apreender
os elementos linguísticos, textuais e discursivos que norteiam um
gênero do discurso, enfim, de produzir uma crônica sem auxílio do
professor, dando significação ao trabalho de leitura e produção tex-

7. Essas temáticas foram citadas pelos/as estudantes na realização do Projeto:


“Escola Egídia conta Morada Nova em Rimas de Cordel”, onde esses cordéis foram
produzidos pelos/as alunos/as no período de 2011 a 2017, da EEM Escola Egídia
Cavalcante, por isso levamos esse material para motivação de leitura na sala de aula.

112
Gêneros textuais e (multi)letramentos

tual em sala de aula. Mais adiante, os estudantes iam respondendo


e socializando em grupo, conforme as indagações feitas por nós
professores(as).
Destarte, os resultados sócio-interacionistas, sócio-discursivos
e sócio-culturais e retoricamente situados pelas/nas práticas de
letramento em escrita e leitura foram correlacionadas e confronta-
das, porque os(as) alunos(as) participaram e colaboraram, aludindo
e contando situações do cotidiano que acarretaram na produção de
textos narrativos, sobretudo o gênero Crônica, em especial na pers-
pectiva social por eles vivenciada. Efetivamente, ao se reunirem em
pequenos grupos, identificando os episódios do cotidiano escolar
e familiar reuniram elementos que contribuíram na produção de
crônicas, escritas em atividades extraclasse a partir dos elementos
linguístico-discursivos, textos verbais e verbo-visuais trabalhados em
atividades de leitura multimodal e produção de textos nas oficinas
propostas ao longo do ano letivo de 2017.
Por conseguinte, avaliamos que a participação dos(as) alunos(as)
nas atividades propostas, em classe, foram bastante proveitosas e
nos ofereceu reflexões e direcionamentos para se trabalhar com
outros gêneros (romance, novela, conto, fábula etc), além das
crônicas trabalhadas por nós em sala; em outras palavras, foram
perceptíveis o interesse e a motivação dos(as) alunos(as) durante as
atividades de leitura, compreensão e produção de textos socialmen-
te formatados e tipificados a partir da realidade local e cultural de
cada sujeito BAZERMAN, 2006, 2011), contribuindo, portanto, para/
na formação crítica e integral de nossos educandos e educadores,

113
Múltiplos olhares para a educação básica

processo esse possível de ser alcançado através de uma pedago-


gia dos multiletramentos recorrente no contexto escolar (COPE, B.;
KALANTZIS, 200, 2008).

Considerações finais

As atividades desenvolvidas aconteceram em conformidade com


o plano de oficina que elaboramos, embora algumas adaptações
fossem feitas durante os planejamentos individuais e coletivos, tendo
em vista outras dificuldades de escrita dos(as) alunos(as) em relação
à ortografia e à acentuação, por exemplo, tivemos que explanar es-
ses assuntos, para que a qualidade dos textos pudesse alcançar a
norma padrão de língua e que houvesse uma maior clareza textual.
Então, explicitamos sobre os aspectos de coerência e coesão
textuais a fim de que a leitura e a produção textual atingissem as
metas almejadas inicialmente. Aliados a essa iniciativa, outros resul-
tados se apresentaram por conta do reforço de outros conteúdos
relacionados às atividades de produção, emanados pelo plano de
trabalho, tendo em vista as necessidades e as dificuldades dos alu-
nos como norte para que esse trabalho pedagógico interventivo de
ensino de língua Portuguesa ocorresse.
Enfim, a partir dessa iniciativa pedagógica diferenciada, os(as)
alunos(as) de 1º séries do ensino médio foram capazes de reconhecer
uma crônica; de estabelecer sua produção com o cotidiano, com
questões sociais e de produção de saberes humanos; de apreender
os elementos linguísticos, textuais e discursivos que norteiam um
gênero textual. Enfim, de produzir uma crônica sem auxílio do pro-

114
Gêneros textuais e (multi)letramentos

fessor, dando significação ao trabalho de leitura e produção textual


em sala de aula.
Essas oficinas, portanto, ajudaram a compreender a necessidade
do trabalho docente com narrativas, histórias, fatos do cotidiano
em sala de aula, pois as atividades desenvolvidas nessas turmas, a
partir de um plano/roteiro de trabalho, propiciou experiências exi-
tosas, reflexão acerca da prática docente e da função de agentes
de letramentos na transformação de uma realidade antes deficitária
pela falta de oportunidades de práticas de letramentos diversifica-
das na escola.
Defendemos, finalmente, um maior espaço de reflexão para com-
preender as várias práticas docentes ligadas ao ensino de gêneros
textuais, literaturas e gramática nas escolas de educação básica no
Brasil, buscando tornar os conteúdos significativos e construindo
saberes de maneira interdisciplinar, nas quais o alunado possa pen-
sar e vivenciar novas formas de aprender com a leitura e a escrita
dinamicamente, contextualizando tais conhecimentos curriculares
a suas necessidades cognitivas, culturais, tecnológicas e sociais.

Referências

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do Laboratório de Subjetividade e Política, nº 3/4, 1997, pp. 87–102.

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Paulo, São Paulo, 2003.

115
Múltiplos olhares para a educação básica

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116
Gêneros textuais e (multi)letramentos

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ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.

117
Múltiplos olhares para a educação básica

Anexo

Plano da oficina

Da compreensão do gênero textual crônica à aprendizagem


escrita de textos narrativos: diálogos e desafios na escola

1. Conceitos, caraterísticas e produção de crônicas.

2. Descritor(es)
D01 - Localizar informações explícitas em um texto.
D02 - Estabelecer relações entre partes de um texto, iden-
tificando repetições ou substituições que contribuem para a
continuidade de um texto.
D03 - Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.
D04 - Inferir uma informação implícita em um texto.
D06 - Identificar o tema de um texto.
D09 - Diferenciar as partes principais das secundárias em
um texto.
D10 - Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos
que constroem a narrativa.
D12 - Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.
D13 - Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o
locutor e o interlocutor de um texto.

118
Gêneros textuais e (multi)letramentos

D15 - Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no


texto, marcadas por conjunções, advérbios, etc.
D16 - Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados.
D17 - Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso da
pontuação e de outras notações.
D18 - Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha
de uma determinada palavra ou expressão.
D19 - Reconhecer o efeito de sentido decorrente da explora-
ção de recursos ortográficos e/ou morfossintáticos.

3. Objetivos da oficina.

• Conhecer e identificar os elementos e estrutura e or-


ganização dos textos narrativos, e, especificamente,
da crônica (H6)
• Reconhecer os elementos da narrativa por meio da lei-
tura de um texto não verbal, identificando informações
principais e secundárias e efeitos de humor (H2 e H3)
• Identificar a finalidade do gênero textual crônica (H7).
• Mobilizar conhecimentos sobre a língua e sobre a or-
ganização e a finalidade da crônica para produzir um
texto desse gênero (H9)
• Articular informações sobre a finalidade dos textos e
a organização dos elementos textuais para analisar a
produção textual (H8)

119
Múltiplos olhares para a educação básica

• Reconhecer os efeitos de sentido decorrentes do


emprego dos verbos e dos sinais de pontuação no
discurso direto e no discurso indireto (H13)

4. Roteiro de trabalho da oficina.

• Assistir em sala ao videoclipe: Recomeçar (Carlos


Drummond de Andrade).
• Dividir a classe em grupos e selecionar com os alunos
um conjunto de crônicas em jornais e revistas;
• Cada grupo deve escolher uma crônica para discussão
e análise. Serão propostos os seguintes tópicos para
discussão:
• A crônica narra de forma artística e pessoal fatos do
cotidiano, geralmente colhidos no noticiário jornalísti-
co. Que fatos estão enfatizados nesta crônica?
• A crônica geralmente é um texto curto e leve, escrito
com objetivo de divertir o leitor e /ou levá-lo a refletir
criticamente sobre a vida e o comportamento humano.
Como estes dois objetivos estão presentes na crônica
escolhida?
• O narrador presente na crônica pode ser do tipo obser-
vador ou personagem. Como é o narrador da crônica
analisada?

120
Gêneros textuais e (multi)letramentos

• A crônica emprega geralmente a variedade padrão


informal em linguagem curta e direta, próxima do leitor.
Analise a linguagem empregada na crônica.

5. Atividades propostas.

• Leitura e interpretação de crônicas, de modo a possi-


bilitar que o aluno desenvolva habilidades e compe-
tências para reconhecer e produzir este gênero, assim
como descrever suas principais características.

6. Recursos que serão utilizados para o desenvolvimento


das atividades.

• Trabalho dirigido, multimídia, jornais, revistas.

7. Ano do Ensino Médio/turma que realizará as atividades


da oficina.

• 1 série do Ensino Médio.

8. Forma(s) de avaliação.

• Os alunos podem partir de situações do cotidiano para


a produção de textos.

121
Múltiplos olhares para a educação básica

• Reunidos em pequenos grupos, podem identificar


episódios do cotidiano escolar e comentá-los em
forma de pequenas crônicas. Essa atividade ganha
maior interesse se for desenvolvida nos últimos anos
do Ensino Médio.
• Participação dos alunos nas atividades propostas em
sala de aula;
• Interesse e motivação dos alunos durante a produção
textual.

9. Resultados esperados

• Que os alunos sejam capazes de reconhecer uma


crônica;
• Que estabeleçam sua produção com o cotidiano, com
questões sociais e de produção de saberes humanos;
• Que produzam uma crônica sem auxílio do professor.

Material complementar

O Homem Nu - Fernando Sabino com Ilustrações para a


crônica “O homem nu”, de Fernando Sabino. Acrílica so-
bre cartão. 2011. Gilberto de Abreu. Disponível em: http://
diariodeumadiretora.blogspot.com.br/2012/04/o-homem-
-nu-fernando-sabino.html. Acesso em 26 de fev. 2017.

122
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Atividade de compreensão textual. O homem nu

1. Que acontecimento desencadeou o a história do texto?


2. Qual é o tempo de duração da história?
3. Onde ocorre a história?
4. Transcreva no caderno as passagens iniciais do texto
em que o autor deixa claro estar partindo de uma
observação pessoal.
5. Há diferença entre a crônica escrita por Fernando Sa-
bino e o filme dirigido por Hugo Carvana? Caso seja
positiva a resposta, justifique com exemplos.
6. Qual é o tipo de narrador da crônica?
7. Qual é o tipo de linguagem? Justifique com trechos
do texto.
8. Quais os sentidos produzidos pela articulação multi-
modal do texto verbal e os textos não-verbais que po-
demos citar a partir da leitura crítica nessas Ilustrações
para a crônica “O homem nu”, de Fernando Sabino?

Fonte: ABAURRE, M. M.; ABAURRE, M. B. M.; PONTARA, M.


Português: contexto, interlocução e sentido. São Paulo: Mo-
derna, 2008.

123
Múltiplos olhares para a educação básica

Atividade de pesquisa e socialização

Atividades8

1. Pergunte aos alunos se já leram crônicas de Fernando Sa-


bino em jornais ou revistas.

2. Ofereça alguns dados sobre o autor. Para ajudá-lo, confira


o resumo biográfico e bibliográfico “Sobre Fernando Sabino”.
Acesse: http://www.releituras.com/fsabino_bio.asp.

Depois de ouvirem “Sobre a crônica O homem nu”, caso


a escola disponha de  data show, projete o texto e – junto
com os alunos – vá lendo os parágrafos enquanto chama a
atenção para os elementos do gênero que ali se expressam,
bem como para os recursos linguísticos utilizados pelo autor.

Escrevendo a crônica

Essa é a hora de relembrar a situação de comunicação: cada


um dos alunos é um autor que vai escrever sobre situações do
lugar onde vivem para colegas, educadores, pais e familiares.

8. Atividade em sequência didática, adaptada de:


https://www.escrevendoofuturo.org.br/caderno_virtual/etapa/inspirando-
se-com-ivan-angelo/index.html. Acesso em 14 de fev. 2017.

124
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Atividades

1. Reserve um tempo para a turma planejar a crônica antes


de escrevê-la.
2. Valorize as aprendizagens conquistadas e tranquilize a
classe: cada aluno trabalhou bastante para esse momento e
pode sentir-se confiante para escrever a crônica. O incentivo
do professor, como sempre, é decisivo.

Agora, só resta desejar boa escrita a todos!

Lembrete

O mais importante é que todas as crônicas produzidas nesta


oficina – depois de revisadas e aprimoradas – sejam publi-
cadas, no site ou no blog da escola, no jornal da cidade ou
do bairro, ou reunidas num livro que ficará na biblioteca da
escola para apreciação de todos.

125
Capítulo 5

126
Letramento crítico por meio de
imagem: o artigo de opinião
em sala de aula

Josiane Brunetti Cani


Isabel Cristina Gomes Basoni
Elizabete Gerlânia Caron Sandrini

Introdução

Em um mundo multifacetado, a imagem tem expandido cada


vez mais seu território à produção humana, principalmente com
a inserção das tecnologias digitais, por meio das quais podemos
construir sentido tendo por base textos escritos, sons, cores, músi-
cas, movimentos e outros diversos recursos semióticos e inúmeras
formas de comunicação. Assim, a era contemporânea, convertida em
“uma verdadeira floresta de signos” (SANTAELLA, 2012, p. 11), disputa
nossa atenção em um turbilhão de imagens lançadas diariamente na
internet, em outdoors, mapas de localização, embalagens, cartazes,
celulares. Se estamos cercados por imagens, é preciso aprender a
lê-las não mais como se fossem textos linguísticos, afinal, o visual
e o verbal são campos distintos, com modos de representação e
significados próprios, mesmo que um complete o outro.

127
Múltiplos olhares para a educação básica

Publicações, como o livro Reading images: the grammar of visual


design, de Kress e van Leeuwen (2006), que apresentam uma me-
todologia de leitura visual, despertaram o crescente interesse pela
leitura multissemiótica, levando pesquisadores a discutir sobre a
necessidade do letramento visual. Santaella (2012), por exemplo,
aborda a percepção e a interpretação dos signos visuais como
proposta de sala de aula; Dionísio e Vasconcelos (2013) se debru-
çam sobre a materialidade multissistêmica dos textos, discutindo
o potencial da multimodalidade como recurso metodológico; Rojo
(2012) chama a atenção para a necessidade dos multiletramentos
pela multimodalidade dos textos contemporâneos; e Rose (2007)
também apresenta uma metodologia de leitura visual.
Trazer para o espaço escolar os estudos dessa combinação de
recursos da escrita sejam fontes, tipografia, espaços e outros, com a
leitura do som, imagens, gestos, movimentos é considerar além dos
aspectos pedagógicos tradicionais, a compreensão de um sistema
de gêneros que se materializa nas interações humanas por todos
os recursos semióticos como veículos de informação. Para isso, são
necessárias ações pedagógicas que suscitem nos educandos a
leitura crítica das intenções contidas nas imagens.
Nesse cenário, objetivamos refletir sobre a importância de tra-
balhar imagens na perspectiva dos multiletramentos, por uma visão
crítica. Inicialmente, discutimos a teoria dos multiletramentos (NEW
LONDON GROUP, 2006), com abordagens sobre a multimodalida-
de (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), o letramento visual (BAMFORD,
2009) e o letramento crítico (LANKSHEAR, 2002; BAYNHAM, 1995).

128
Gêneros textuais e (multi)letramentos

No segundo momento, apresentamos uma pesquisa de natureza


qualitativa, com corpus constituído de dez textos escritos por alu-
nos do ensino médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Espírito Santo (Ifes-ES), campus Colatina, em uma
produção do gênero textual artigo de opinião, a partir de três ima-
gens. Finalizamos com uma análise que consiste em perceber, na
produção dos alunos, como imagens de uma mesma situação do
cotidiano configuram-se em possibilidades de diferentes sentidos
em virtude das raízes históricas e ideológicas de cada um, bem
como das habilidades comunicativas dos sujeitos (leitura, escrita,
oralidade e audição), elementos que permitiram uma visão crítica
na criação textual.

Perspectivas dos multiletramentos

Dentre algumas armadilhas da leitura, uma delas é “considerar


que o ato de ler se restringe a seguir letra a letra os símbolos do
alfabeto” (SANTAELLA, 2012, p. 10). “Ler”, para além do processo
alfabético, é aceitar a diversidade textual que emerge em nossa
sociedade. Dessa forma, é possível considerar um leitor não somente
aquele que lê textos escritos, mas o que se debruça também sobre
imagens, sons, ícones. Há uma pluralidade de recursos semióticos
que circulam diariamente entre as pessoas e isso não pode ser
ignorado pela escola, sendo necessária “a promoção de situações
de ensino-aprendizagem que incorporem e discutam infográficos,
sites, blogs, vídeos, quadrinhos, charges, cartuns, propagandas,

129
Múltiplos olhares para a educação básica

dentre outros” (CANI; COSCARELLI, 2016, p. 16). Como, então, abordar


essa diversidade de linguagens? Qual o lugar da multissemiose em
práticas escolares?
A necessidade de focar habilidades de leitura e escrita fez surgir
o termo “letramento”, no entanto, foi pela urgência de a escola tomar
a cargo a grande variedade cultural presente em sala de aula, assim
como a multiplicidade semiótica na constituição dos textos, que
surgiu a “pedagogia dos multiletramentos”. Esse termo, cunhado
em 1996, foi resultado de um colóquio do Grupo de Nova Londres
(doravante GNL), em que os pesquisadores participantes publica-
ram um manifesto intitulado A pedagogy of multiliteracies: designing
social futures (Uma pedagogia dos multiletramentos: desenhando
futuros sociais) (ROJO, 2012, p. 11-12). A compreensão dessa peda-
gogia, que se ancora em dois “multi” multiplicidade de linguagens
e multiplicidade cultural caracterizou-se por aspectos sociais e
pela multimodalidade, que requer cada vez mais habilidades para
o desenvolvimento crítico da leitura em suas mais diversas formas
semióticas (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
Na perspectiva dos multiletramentos, o discente necessita re-
ceber uma educação que lhe possibilite compreender, produzir e
transformar o contexto social e cultural no que se refere tanto aos
significados linguísticos quanto aos gestuais, espaciais, visuais,
imagéticos, dentre outros, a fim de que possa “desenhar futuros
sociais” nos mais diversos e complexos âmbitos da vida – família,
igreja, escola, trabalho, enfim, na sociedade em geral. Com isso,
será capaz de assumir um posicionamento crítico, tendo em vista o
contexto em que estiver inserido.

130
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Importa ressaltar que os multiletramentos, devido à multiplici-


dade emergente de mídias, canais de comunicação e da crescente
diversidade linguística e cultural, tomaram corpo. Não sem razão,
portanto, as mais diversas formas de comunicação, que avançaram
no tempo e hoje se apoiam em celulares, notebooks, smartphones,
tablets, dentre outros suportes, exigem do homem novas práticas
de letramento. Segundo Gaydeczka e Karwoski (2015, p. 153), essas
mudanças podem ser sintetizadas em, no mínimo, três particulari-
dades: (a) a leitura, produção e circulação dos textos na sociedade
se intensificaram pela consolidação dos suportes digitais; (b) as
distâncias se aproximaram por meio das mídias digitais, com um
volume de informações que reduz o tempo físico e cronológico; e (c)

[...] a multissemiose que as possibilidades multimidiáticas


e hipermidiática trazem para o texto eletrônico coloca o
signo verbal (palavra) num continuum de signos de outras
modalidades de linguagem (imagens bidimensionais,
tridimensionais fixas ou em movimento, signo verbal es-
crito ou oral com tipografias diversas, músicas, sons etc.).

Essas peculiaridades apontam desafios aos professores para au-


xiliar alunos a se tornarem conscientes da importância das múltiplas
leituras e, principalmente, a refletirem sobre o que leem, o que pen-
sam e o que reproduzem. Dessa forma, é preciso trazer uma noção
de letramento crítico para a formação cidadã, ou seja, levar o aluno
à prática dos saberes sociais de leitura e escrita (SOARES, 1999), a
fim de que esteja preparado para lidar com os inúmeros aspectos
da vida cotidiana (MEC/SEB, 2004).

131
Múltiplos olhares para a educação básica

Lankshear (2002, p. 44) observa que o letramento envolve uma


percepção geral e crítica acerca de textos específicos, com habili-
dades para leitura de práticas sociais, relações, procedimentos etc.
Na mesma linha de raciocínio, Baynham (1995, p. 18) afirma que o
cidadão letrado criticamente é um perene questionador que, ao
não aceitar uma visão única dos fatos, encontra-se apto a projetar
a linguagem como prática social e a identificar as mais diversas e
complexas possibilidades de leitura. Portanto, Baynham relaciona
a expressão “criticamente letrado” “ao engajamento de indivíduos
em práticas sociais em que a linguagem é o instrumento para que
se desenvolva um posicionamento crítico”.
Ora, para que o cidadão possa atuar criticamente na sociedade,
é imprescindível que sua capacidade de pensar e agir de forma
crítica seja amplamente desenvolvida e potencializada. Cabe essa
tarefa, em grande parte, ao professor, que não pode desvincular sua
prática de ensino de um letramento crítico. Isso porque, a partir da
interação realizada em sala de aula, o discente se abrirá ao mundo
contemporâneo, que “requer habilidades de letramento avançadas
e isto inclui a capacidade de pensar criticamente, incluindo contex-
tualização, análise, adaptação, tradução de informação e interação
entre os indivíduos dentro e além de sua comunidade” (BRYDON,
2011, p. 105).
A expressão “letramento crítico” nos fornece várias definições.
Aqui optamos por utilizar as de Lankshear (2002), Baynham (1995)
e Brydon (2011). Todas elas convergem para situações inerentes à
prática social, em que coexistem relações de interesse e poder. Eis,
assim, a vital importância do professor: promover a efetivação de

132
Gêneros textuais e (multi)letramentos

um letramento crítico dos discentes, a fim de que possam, a partir


de “provocações”, (re)construir significados, refletir e se posicionar
criticamente em relação à diversidade de discursos veiculados na
sociedade.
Nessas circunstâncias, a relação de interdependência entre
letramento crítico e contexto traz uma ideia de que esses dois são
sempre situados, ou seja, não apenas a noção de que “circulam em
domínios e contextos geográficos, culturais, institucionais, e histó-
ricos específicos, mas também de que esses contextos (domínios,
instituições etc.) são produzidos por letramentos específicos” (BUZA-
TO, 2009, p. 2). Dentre eles, destacaremos o letramento visual, que
requer habilidades de interpretar o conteúdo de imagens.
Conforme discutimos anteriormente, as diversas formas de comu-
nicação são facilitadas por canais e mídias que, para o fornecimento
de informações orais e/ou escritas, utilizam-se, em grande medida,
de imagens, gestos, sons, cores, movimentos etc. Não é mais uma
única modalidade a compor um texto. O sentido agora é construído
para além da linguagem escrita ou falada, com mais intensidade,
devido a diferentes mídias e suportes. Tudo se dá em meio a uma
rede multimodal, pelo uso de diversos modos semióticos (KRESS;
VAN LEEUWEN, 2001, p. 20) em que palavras, imagens, gestos,
cores, sons vão produzindo, conjuntamente, significados que só
serão compreendidos se houver aprendizagem por meio deles e
interação com os sujeitos. Eis o motivo e a necessidade de o indi-
víduo ser multiletrado: só assim conseguirá produzir, com base na
multimodalidade, significados e, consequentemente, compreendê-
-los, interpretá-los e externalizá-los.

133
Múltiplos olhares para a educação básica

De acordo com Bamford (2009), para que o indivíduo seja capaz


de interpretar o conteúdo visual de uma imagem é preciso que seja
letrado visualmente, ou seja, que tenha a habilidade de olhar para
além da superfície imagética. Deve sondá-la em sua profundidade,
a fim de que consiga ler e interpretar o que ela comunica. Esse le-
tramento envolve, além da habilidade interpretativa, o impacto social
causado pela imagem e a discussão do propósito, da audiência e
da propriedade dela.
O letramento visual, em consonância com Rocha (2008), é uma
leitura competente de recursos imagéticos que ocorre por meio das
práticas sociais, quando o indivíduo consegue reunir informações
e ideias contidas na imagem e, a partir disso, empregá-las em seu
contexto, explicitando se o que abstraiu dela é ou não pertinente
à construção do que ele objetiva significar. Isso porque os “signos
visuais e as imagens, mesmo quando carregam uma semelhança
para as coisas a que se quer referir, são ainda signos: carregam
significados e têm que ser interpretados” (HALL, 1997, p. 19). Desse
modo, o letramento visual passa por questões de julgamento de
validade, precisão e valor da imagem.
Exatamente por isso, neste trabalho focamos o letramento crítico
e o letramento visual, demandados pela leitura multimodal em suas
mais diversas possibilidades. Aqui, devido ao que estamos propondo,
a ênfase recairá sobre imagens, pois o que no passado representava
um simples adendo ao texto verbal, “hoje se mostra um formato
instrucional com possibilidades pedagógicas tão eficazes quanto o
texto linear, dotado de vida própria e capaz de recriar, representar,
reproduzir e transformar a realidade por si, segundo parâmetros
comunicativos específicos” (OLIVEIRA, 2006, p. 97).

134
Gêneros textuais e (multi)letramentos

A multimodalidade, tão presente nas mídias, fez com que as


imagens, anteriormente utilizadas apenas como acessório, se tor-
nassem uma constante na sociedade hodierna. Por isso precisam
ser compreendidas e interpretadas nas mais diversas formas, pois,
segundo Rojo (2012), o que se espera da sociedade é que todos sai-
bam orientar suas aprendizagens conforme o possível, o necessário
e o desejável, adquirindo autonomia de forma a colaborar com a
urbanidade. Para isso, a autora aponta a necessidade de “uma nova
ética”, que se baseie nos letramentos críticos, dando ênfase aos diá-
logos entre novos interpretantes; e de “várias estéticas”, valorizando
diferentes gostos.
Isso requer, conforme a autora, letramentos críticos, ou seja,
transformar o “consumidor acrítico” em um analista. Uma sociedade
habituada com a efemeridade das coisas, diante de lançamentos
que se perdem em versões mais modernas, necessita de professores
que consigam superar os desafios da cultura da superficialidade.
Nosso desejo é que a formação crítica do aluno seja consequência
de debates na escola, considerada a mais importante das “agências
de letramento”1 (KLEIMAN, 1995, p. 20). Como tal, a escola deve
estender suas práticas não apenas às habilidades linguísticas, mas
também à formação de cidadãos conscientes e engajados em ações
de democratização e libertação (FREIRE, 2014).
Para que tais práticas se expandam, tendo em vista o letramen-
to visual, os professores, ao trabalharem com imagens, precisam

1. Kleiman (1995) destaca outras agências de letramento que, como a família, a


igreja, a rua, o lugar de trabalho, apresentam orientações de letramento diferentes.

135
Múltiplos olhares para a educação básica

atentar para a necessidade de desenvolver no discente a habilidade


crítica em relação ao conteúdo imagético, integrando o letramento
visual a todas as áreas do currículo, de forma transversal, e encora-
jando os alunos a olhar as suposições subjacentes às imagens que
circundam pessoas jovens; a investigar criticamente as imagens e a
analisar e avaliar os valores contidos nelas, conforme Bamford (2009).

Os produtores e o cenário metodológico

Este trabalho tem como proposta descrever uma prática peda-


gógica desenvolvida com dez alunos sobre leitura multimodal e
produção textual. O objetivo é levar à reflexão em torno do letra-
mento visual crítico. Trazemos para análise fotografias de uma situ-
ação vivenciada pelos moradores da cidade de Colatina (ES), com
a intenção de perceber o que é observado pelos alunos a respeito
do que há por trás de imagens.
Os participantes são estudantes do ensino médio, do quarto ano
do curso Técnico Integrado em Administração do Ifes-ES. A proposta
configurou-se na produção de um artigo de opinião para um jornal
da cidade, a partir de três imagens apresentadas. Os instrumentos
utilizados para a coleta dos dados foram questionário e a produção
do gênero escolhido. Em um primeiro momento, os estudantes
responderam ao questionário contendo, além dos dados pessoais
como idade e sexo, questões referentes à escola onde cursaram
o ensino fundamental e se participam ou participaram de grupos
políticos na escola.

136
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Em um segundo momento, os estudantes foram instruídos sobre


os passos que deveriam seguir para a produção textual. A intenção
não foi direcionar semanticamente a leitura das imagens, mas sim
discutir questões sobre o gênero solicitado e o papel do sujeito desta
pesquisa como redator que se posicionaria diante de um tema atual
e de interesse coletivo.
Para análise das produções, organizamos algumas categorias
que nos auxiliaram na discussão sobre textos produzidos a partir
de imagens, tendo por base não somente a proposta apresentada,
mas também as raízes históricas e ideológicas de cada sujeito, bem
como suas habilidades comunicativas, relacionadas em práticas
discursivas, a saber:

(1) Multimodalidade: se a produção textual observa traços cons-


titutivos das imagens com base

(a) no contexto de referência;


(b) em como as imagens foram produzidas;
(c) nos modos de representar a realidade fora dela;
(d) em valores sociais e estéticos de identidade.

(2) Letramento visual crítico: se ocorre análise crítica das imagens


levando em consideração

(a) a capacidade de ver e compreender as imagens;


(b) as condições de interpretar e comunicar o que interpretou por
meio da visualização;
(c) percepção da intenção das imagens;

137
Múltiplos olhares para a educação básica

(d) reunião de informações e ideias contidas no espaço imagético,


valorando o contexto e determinando se são pertinentes ou não
para a construção de novos significados.

O critério de seleção das imagens para a produção do gênero


artigo de opinião foi baseado no pensamento de que o texto seria
desenvolvido sobre um assunto recorrente na cidade. Em virtude da
nova gestão do município, muitos debates estavam acontecendo,
especialmente devido a mudanças na estrutura física da cidade,
como calçadas, canteiros, espaços de lazer, dentre outras. A proposta
de produção, com isso, configurou-se da seguinte forma:

Figura 1. Proposta de produção textual a partir de imagens.

Fonte: acervo das pesquisadoras.

138
Gêneros textuais e (multi)letramentos

O objeto de análise apresentado aos sujeitos da pesquisa foram


essas três imagens. A disposição delas na folha entregue aos sujeitos
não seguiu nenhum critério. Eram imagens referentes ao que estava
acontecendo na Avenida Getúlio Vargas, principal via do centro da
cidade de Colatina (ES). Tratava-se de uma ação da prefeitura para,
inicialmente, realizar algumas adequações no fluxo de estaciona-
mentos. No entanto, para além desse efeito discursivo explicitado,
outros poderiam ser apontados, dependendo da interação estabe-
lecida pelos sujeitos entre os letramentos crítico e visual. Para tanto,
caberia pensar e agir de maneira multimodal, a fim de obter uma
leitura crítica acerca da realidade. Por esse motivo, então, a análise
do artigo de opinião produzido pelos sujeitos desta pesquisa foi
pautada na discussão sobre letramentos crítico e visual, em diálogo
com a multimodalidade.

Análise dos dados e discussão dos resultados

Inicialmente apresentamos o perfil dos participantes e os textos


produzidos por eles, levando em consideração a relação entre esse
perfil e seu letramento visual crítico, entrelaçados à multimodalidade.

139
Múltiplos olhares para a educação básica

Quadro 1. Perfil dos participantes da pesquisa.

Participantes Idade Papel político-social na escola

Aluno A 18 anos Não exerce

Aluno B 18 anos Não exerce

Aluno C 18 anos Não exerce

Aluno D 18 anos Monitor de Matemática

Aluno E 18 anos Vice-Líder de turma

Aluno F 18 anos Não exerce

Aluno G 18 anos Não exerce

Aluno H 18 anos Não exerce

Aluno I 18 anos Não exerce

Aluno J 18 anos Não exerce

Para as análises, os nomes dos alunos foram substituídos por le-


tras, respeitando o sigilo da pesquisa; portanto, são fictícios. Pode-se
observar que apenas dois dos alunos pesquisados se envolveram
em atividades de cunho político, ou seja, a maioria, até o final do
ensino médio, não desempenhou oficialmente nenhuma ação vol-
tada para questões políticas. Isso, no entanto, não os descaracteriza
como sujeitos atuantes academicamente, inclusive em se tratando
de habilidade visual.
O indivíduo, de acordo com Bamford (2009), só consegue interpre-
tar o conteúdo visual, examinar o impacto social explicitado e discutir
o propósito e a audiência de uma imagem caso tenha habilidade

140
Gêneros textuais e (multi)letramentos

visual. Saber ler e interpretar a imagem implica olhá-la internamente


e compreender a forma de ela se comunicar. Assim, o letramento vi-
sual, para esse teórico, faz julgamentos críticos de validade, precisão
e valor da imagem. Em se tratando dos letramentos crítico e visual,
percebemos que 60% dos participantes da pesquisa realizaram uma
análise voltada apenas para o que as imagens apresentadas tinham
de semelhante com o que possivelmente podiam refletir, ou seja,
uma análise superficial. Não por acaso, então, dentre tantas outras,
vieram à tona as seguintes informações dadas pelos alunos:

• Aluno B: começaram as obras de reformas nos canteiros


da avenida Getúlio Vargas, [...] o trânsito da cidade sofrerá
poucas mudanças;
• Aluno D: No início de maio de 2017, [...] o prefeito [...] anun-
ciou uma restauração no sistema de estacionamento da
cidade Colatina e dentre as mudanças relatou sobre a
construção de estacionamentos para motos [...];
• Aluno E: A prefeitura de Colatina iniciou as obras no can-
teiro central para transformá-lo em estacionamento de
motos;
• Aluno F: Há alguns meses a prefeitura de Colatina iniciou
obras de melhorias na avenida Getúlio Vargas, [...] para
criar um estacionamento para motocicletas”;
• Aluno H: Os canteiros centrais da cidade vão virar estacio-
namento para motos, até setembro deste ano.

141
Múltiplos olhares para a educação básica

Tais enunciados acabaram por evidenciar que esses participantes


levaram em consideração a leitura visual do que já estava aconte-
cendo na cidade, em termos de modificações no trânsito. Não houve
aqui julgamento de validade, de precisão e de valor da imagem; os
participantes só construíram sentidos revelados explicitamente pelas
imagens. Mesmo que os textos tenham sido temporais, não implica-
ram questionamentos dos valores e da cultura. Mas sabemos que
não basta simplesmente reconhecer e descrever uma imagem por
meio da escrita, pois há que se ter consciência crítica e habilidade
visual. Um dos alunos, sob o pseudônimo J, aproximou-se de uma
forma mais crítica ao apontar a palavra “debate” em sua fala: “A pro-
posta de tornar o canteiro do centro da cidade em estacionamento
virou debate”. No entanto, não houve preocupação em desenvolver
o tema proposto.
Os outros 40% dos participantes da pesquisa, em contrapartida
à etapa inicial, realizaram julgamentos no decorrer do artigo de
opinião, demonstrando maior consciência crítica e habilidade visual.
Conseguiram perceber conteúdos visuais das imagens, identificando
significados implícitos que elas carregavam e reunindo novas infor-
mações no texto. Vejamos:

• Aluno A: A nossa preocupação não se restringe apenas


ao caos que se instalou na avenida principal, devido às
obras e a despesa econômica. Ela é bem maior. É uma
preocupação ambiental;

142
Gêneros textuais e (multi)letramentos

• Aluno C: As árvores da avenida, que há anos contam a


história da cidade, correm perigo. A ação para melhorar
o trânsito pode colocar em risco a vida delas, e porque
não, a nossa também;
• Aluno G: A população, muito mais do que ter estaciona-
mento para motos, precisar ter o meio ambiente preserva-
do. Então, cortar as raízes das árvores, como tem ocorrido,
pode não ser a melhor escolha. Sem elas, nossas vidas
também são ceifadas;
• Aluno I: A falta de planejamento ocasionou transtornos
para os transeuntes, principalmente para os cegos, os
idosos, os deficientes físicos, os que possuem debilidades
motoras etc. Além disso, parece não ter havido preocupa-
ção ambiental. As árvores, que foram plantadas onde o
progresso do trem de ferro se fazia ver nos idos do século
passado, agora estão sendo colocadas para fora dos “tri-
lhos”, pois muito de suas raízes foram cortadas.

É possível perceber que esses participantes examinaram as


imagens e compreenderam como elas estavam se comunicando
visualmente, a ponto de redigirem um texto sobre impacto social,
propósito e audiência de tais imagens. O desenvolvimento da consci-
ência crítica se faz notar pelos enunciados transcritos, que englobam
e exploram as relações de poder e as implicações delas na vida em
sociedade. Eis o motivo de várias mensagens terem aparecido nas
produções e o letramento crítico ter sido posto em evidência por
meio de uma escrita tendenciosa, em que valores e crenças dos
autores se fizeram presentes.

143
Múltiplos olhares para a educação básica

Os alunos A, C, G e I, por meio de uma análise crítica, exploraram


ainda os sentidos subjacentes na representação da imagem, que
implicam relações entre língua e poder. Nesse sentido, explicita-
ram aspectos sociais, aparentemente desvinculados das imagens.
Ou seja, devido ao letramento crítico, interpretaram e construíram
novos significados. Isso mostra a compreensão que possuem so-
bre o discurso de grupos dominantes e as relações de poder nele
implicadas, bem como revela seus posicionamentos na condição
de participantes ativos nos contextos sociais dos quais fazem parte,
na medida em que o tempo e a cultura se fazem presentes nas pro-
duções. Portanto, esses participantes analisaram as imagens para
além da representação da realidade. O processo de significação
a elas associado possui intrínseca relação com o contexto social,
histórico e cultural desses sujeitos.
Não sem razão, portanto, da mesma forma que os letramentos
crítico e visual vieram a lume a partir da leitura das imagens, a
multimodalidade também se fez ver nessas produções textuais. Os
aspectos constitutivos das imagens foram utilizados pelos partici-
pantes para construir significados de forma crítica, tendo em vista o
contexto de referência (uma ação da prefeitura de Colatina, conforme
já evidenciado) para reorganização do trânsito da cidade.

144
Gêneros textuais e (multi)letramentos

A estrutura do gênero artigo de opinião


refletida no processo do letramento crítico

Nesta seção abordamos alguns fundamentos das raízes históricas


e ideológicas presentes nas produções dos participantes da pes-
quisa, fatores que levaram a uma escrita com marcas tendenciosas,
uma vez que o indivíduo, ser social, reproduz o que concebe como
realidade, mediante sua concepção sócio-histórica de mundo. Para
tanto, dos mais diversos gêneros textuais disponíveis no cotidiano,
o escolhido para este estudo, conforme já evidenciado, foi o gênero
artigo de opinião, por apresentar caráter essencialmente argumenta-
tivo e, com isso, possibilitar que o autor do texto exponha de maneira
clara sua opinião, seus argumentos acerca da temática explicitada
nas/pelas imagens, a fim de convencer potenciais interlocutores.
A comunidade social do município de Colatina vivenciou recen-
temente, no mês de maio de 2017, uma situação histórica: o prefeito
deu início a uma considerável mudança na principal avenida do
centro da cidade que envolveu trânsito e meio ambiente, objetivan-
do a amenização dos transtornos no trânsito. O movimento surgido
para solucionar esse “entrave” foi a retirada dos canteiros centrais,
onde se encontravam fileiras de árvores. O debate girou em torno
da aprovação ou não da ação, que ainda tramitava na Câmara dos
Vereadores, enquanto as obras eram iniciadas. O impasse voltou-se,
única e exclusivamente, para o fato de que colocar motos no canteiro
central traria mais problemas do que soluções, devido ao grande
fluxo de carros tanto na via de ida quando na de volta. O caso passou
a ser, então, o mote para todas as discussões.

145
Múltiplos olhares para a educação básica

Essa realidade histórica e social não envolveu explicitamente as


questões ambientais. Por se tratar de uma situação política, elenca-
mos quatro planos que, a nosso ver, estavam interligados e sintetizam
o contexto: (1) econômico: despesa gerada pelas obras que esta-
vam sendo efetivadas destruição dos canteiros para dar lugar aos
estacionamentos; (2) social: população insatisfeita com o caos que
se estabeleceu tanto para motoristas quanto para pedestres, além
das questões voltadas para lojistas, devido ao declínio nas vendas;
(3) político: centralização do poder, com a decisão do prefeito antes
do retorno da Câmara de Vereadores; e (4) cultural e histórico: ma-
nutenção dos canteiros da avenida, simbologia dos antigos trilhos
por onde passava o trem de ferro Vitória-Minas.
Ora, sabemos que as forças históricas e ideológicas influenciam
uma época e, consequentemente, as reações dos indivíduos. Pude-
mos percebemos essas reações em trechos de alguns textos dos
participantes, explicitados na seção anterior, como o do aluno C: “As
árvores da avenida, que há anos contam a história da cidade, correm
perigo. A ação para melhorar o trânsito pode colocar em risco a vida
delas, e porque não, a nossa também”.
Uma vez que o letramento crítico objetiva a inserção do sujeito no
mundo, não apenas para fazer parte de uma sociedade, mas também
para atuar dentro e sobre ela, faz-se necessário que tal sujeito esteja
cada vez mais próximo da sociedade que integra. Um dos gêneros
textuais que permite ao aluno compreender a ideologia, as regras
sociais, políticas e culturais de determinados estratos sociais, nas
mais diversificadas situações, é o artigo de opinião, situado no campo
jornalístico. Segundo Pêcheux (1997), não há discurso sem ideologia,

146
Gêneros textuais e (multi)letramentos

tampouco sujeito sem ideologia. Assim, consideramos haver uma


ideologia no discurso jornalístico.
Sendo o artigo de opinião uma forma de ler a realidade, por
operar com informações do cotidiano e, ainda, pelo fato de o as-
sunto proposto ter sido considerado relevante pelos participantes,
escolhemos a estrutura desse gênero e seu reflexo no processo
do letramento crítico. Assim, os fatos relatados, condicionados ao
interesse do público leitor, deveriam ser claros e objetivos, capazes
de suprir as demandas que buscamos evidenciar quanto aos letra-
mentos crítico e visual dos participantes da pesquisa.
No primeiro parágrafo do artigo de opinião produzido pelos
participantes pesquisados, foram expostos os traços pertinentes ao
fato. Retomemos o texto do aluno I, para título de exemplificação:
“O prefeito de Colatina decidiu por realizar, a partir do mês de maio,
obras na avenida principal do centro da cidade. Serão arrancados
os canteiros centrais da avenida, local onde estão as árvores, para
criação de um estacionamento para motos”.
Notamos que a percepção visual crítica das imagens se fez ver por
meio de novos significados, questionamentos acerca das relações
ocultas de poder e das ideologias em torno das quais o discurso
foi edificado, o que pode ser observado na introdução do texto do
aluno I: “O prefeito de Colatina decidiu por realizar, a partir do mês
de maio” (grifo nosso).
O letramento crítico do aluno I, evidenciado nesse trecho,
encontra-se desde o primeiro ponto estrutural do texto, pois no
parágrafo introdutório explicita as ideias principais para um possível
desenvolvimento de argumentos em defesa de seu ponto de vista.

147
Múltiplos olhares para a educação básica

Todavia, é evidente que trabalhar a estrutura do gênero em pauta,


exclusivamente, de maneira tradicional e determinada, não significa
que o participante apresente postura crítica perante as imagens
visualizadas. No entanto, será a partir desse ponto que a análise
crítica do contexto, já iniciada, e as intenções do autor poderão se
aprofundar.
E foi o que ocorreu. Notamos no corpo do texto a percepção visual
crítica das imagens, como quando o aluno I argumenta: “Ao arrancar
os canteiros centrais da avenida, o prefeito ‘arrancou’ também a es-
perança de muitos. Como? Simples. Cortando as raízes das árvores,
cerceou, em parte, a luta, dos que têm lutado pela preservação am-
biental. É fato”. A escritura desse participante foi um claro exemplo de
letramento crítico, uma vez que o processo ação-reflexão-ação teve
o texto multimodal (imagens, agora associadas à escrita), no caso
o artigo de opinião, como “um local de luta, negociação, mudança”
(NORTON, 2007, p. 6).
Os participantes pesquisados, em seus textos, veiculadores de
informações que, nesse caso, eram de domínio público, realizaram
escolhas, as quais representam o produto de forças históricas, ide-
ológicas, políticas, sociais, econômicas e religiosas. Tais escolhas
só se tornam possíveis devido à consciência crítica de cada autor
ao atribuir às imagens visualizadas novos significados e detalhes,
conforme pode ser percebido, a título de exemplo, no ponto de vista
do aluno E, a saber:

148
Gêneros textuais e (multi)letramentos

No passado, ouso dizer, um tanto quanto esquecido, os


nativos preservavam o meio ambiente. A intervenção na
natureza era simplesmente para atender a necessidades
básicas. Mas, o capitalismo “selvagem” destroça, arranca
pela raiz a esperança de um planeta mais verde, mais
“humano”. Concorda? É ou não é uma tragédia anunciada
o que estamos contemplando na avenida principal de
nossa cidade?

Os participantes, ao darem a ver suas consciências críticas


como acabamos pudemos exemplificar, por meio do fragmento de
texto do aluno E, que relacionou causa e consequência (capitalis-
mo/destroça); comparou épocas (passado/presente); apresentou
contra-argumentos (arranca pela raiz a esperança de um planeta);
e estabeleceu interlocução com o leitor (Concorda? É ou não é uma
tragédia anunciada [...]?) além de reforçarem a estrutura e as carac-
terísticas do gênero artigo de opinião (expor ideias, argumentos,
pontos de vista), foram tendenciosos, registrando juízos de valor,
habilidades críticas, capacidades de julgamento. Enfim, evidenciaram
a criticidade, trazendo à tona o letramento crítico como fator posi-
tivado. Confirma-se, portanto, que não há neutralidade, tampouco
imparcialidade quando em pauta o protagonismo social, tendo em
vista a consciência crítica.

149
Múltiplos olhares para a educação básica

Considerações finais

Esta pesquisa trabalhou com o gênero textual artigo de opinião


em sala de aula como ferramenta para o letramento crítico, a partir de
imagens. Dentro dessa perspectiva, utilizamos o termo “letramento”
não dentro do conceito de alfabetização, no entendimento de aqui-
sição da leitura e da escrita, unicamente. O letramento, na análise
e efetivação desta pesquisa, esteve entrelaçado às práticas sociais
em que os participantes pesquisados estabeleceram relação entre
as imagens, em suas múltiplas formas, e o contexto de referência,
considerando, assim, a multimodalidade.
Os pesquisados, em seus textos, mostraram conhecimentos
sobre entraves e discussões surgidas na comunidade acerca da re-
alidade representada pelas imagens, analisando as representações
sociais, culturais, políticas e econômicas, bem como suas possíveis
implicações na construção de sentidos.
Vale aqui ressaltar que os resultados alcançados não foram ob-
tidos aleatoriamente. Observamos, pela desenvoltura dos alunos na
realização da proposta apresentada, que os professores desenvol-
vem, com certa frequência, atividades que envolvem o letramento
crítico. Apesar disso, pudemos notar que o letramento visual ainda
não é uma preocupação desses professores, pois a princípio os
alunos tiveram um pouco de dificuldade em realizar a tarefa apenas
observando imagens. Ficou assim evidenciado que o letramento
visual é uma habilidade de compreensão e produção a ser desen-
volvida permanentemente, uma vez que abarca uma multiplicidade
de situações e promove o protagonismo social.

150
Gêneros textuais e (multi)letramentos

As construções de significado podem ser alcançadas criticamen-


te por meio das diversas esferas multimodais, conforme pudemos
perceber pelo arcabouço teórico e nas análises dos textos produzi-
dos pelos participantes. Os letramentos crítico e visual possibilitaram
que os alunos, por meio da linguagem, se engajassem em uma
atividade crítica, utilizando o questionamento acerca das relações
de poder e das representações sociais percebidas nas imagens que
serviram de base para a produção textual. Eis o motivo e a impor-
tância da proposta pedagógica ora apresentada.

Referências

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com/uk/education/pdf/adobe_visual_literacy_paper.pdf. Acesso em 10 jan. 2018.

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153
Capítulo 6

154
O imbricamento de linguagens
na idade mídia: um relato de
experiências sobre a produção de
artefatos semânticos a partir dos
diálogos entre arte e tecnologias

Juliana Pádua Silva Medeiros


Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini

Introdução

[...] é um fato incontestável que no momento contemporâneo a vida


se alimenta das tecnologias e configura estreitas interfaces criativas
e técnicas, num contexto transdisciplinar baseado em conceitos
fundamentais da ciência, da arte, da filosofia, da comunicação, da
educação, dos negócios, em âmbito privado e institucional, atenden-
do aos desafios da revolução numérica, com a presença de sistemas
artificiais que provocam mudanças e modelam outras formas de viver
marcadas por relações sociais que subvertem princípios vigentes
em sociedades anteriores.

Diana Domingues

Ao longo da história, tem-se observado profundas e contínuas


transformações no que se refere à expressão artística: o uso de
carvão nas pinturas rupestres das cavernas; a confecção de tubos

155
Múltiplos olhares para a educação básica

de soprar pó colorido em paredes; a mistura de tintas nos painéis


dos muralistas; a utilização do spray nos grafites; a apropriação do
QR-Code para apresentar lambe-lambes, e o uso de smarthphone
para a produção de fotografias, grafites digitais etc. Isto é, os artistas
estão sempre (re)inventando “técnicas”1 para construir novas lingua-
gens e modelos expressivos.
Cabe destacar que esses avanços tecnológicos2 transformam
não somente os meios, mas também as concepções sobre a arte,
o que, consequentemente, acaba promovendo a construção de
novos paradigmas nas formas de ser, pensar, sentir, agir, comunicar
e até mesmo interagir, pois como destaca Canclini (2005, p-, 237) “[...]
a conjugação das telas de televisão, computadores e videogames
está familiarizando as novas gerações com os modos digitais de
experimentar o mundo, com estilos e ritmos de inovação próprios
destas redes”.
Diante dessas revoluções tecnológicas, pode-se notar, então,
que os processos expressivos estão tornando-se cada vez mais
complexos. De acordo com Roxane Rojo:

1. A interação entre o homem e a técnica provoca mudanças significativas também


no âmbito cultural, histórico, político, econômico e das relações humanas,
impulsionando, por exemplo, o surgimento de uma sociedade planetária,
transnacional, interativa, cujo arranjo organizacional assemelha-se a uma teia que
interconecta o globo em uma espécie de urdidura sem centro e sem periferia. Isto
é, rizomas são formados o tempo todo!

2. A expressão avanços tecnológicos não se restringe ao advento das máquinas,


mas, sim, abarca todos os elementos “mediadores” que contribuíram para a grande
marcha humana.

156
Gêneros textuais e (multi)letramentos

A possibilidade de criação de textos, vídeos, músicas,


ferramentas, designs não unidirecionais, controlados e
autorais, mas colaborativos e interativos dilui (e no limite
fratura e transgride) a própria ideia de propriedade das
ideias: posso passar a me apropriar do que é visto como
um “fatrimônio” da humanidade e não mais como um
“patrimônio”. Evidentemente, a estrutura em rede e o
formato/funcionamento hipertextual e hipermidiático
facilitam as apropriações e remissões e funcionam (nos
remixes, nos mashups), por meio da produção, cada vez
mais intensa, de híbridos polifônicos. (ROJO, 2012, p. 25)

Nesse cenário3, faz-se urgente uma nova ecologia cognitiva, a


qual exige a atualização dos parâmetros educacionais, solicitando
dos educadores o grande desafio da educação no terceiro milênio:
abordar tal complexidade de pensamento e de vida. Por isso:

Diante do “novo’ e “multi”mundo que se configura, traba-


lhar com elementos culturais é uma maneira de a escola
lidar produtivamente com a questão da educação. O
uso das artes se justifica como “uma ferramenta para a
construção de pontes entre pessoas de diferentes países,
culturas, classes, grupos étnicos, gêneros e posições
de poder” (Castells, 2003: 168), uma vez que elas seriam
uma forma de comunicação na diversidade e um instru-
mento de (re)construção social. A arte pode ser ainda um

3. A sociedade contemporânea tem se esboçado como uma gigantesca contextura


que, vertiginosamente, conecta tudo e todos, à semelhança da biblioteca de Babel
sonhada por Borges, subjugando qualquer pensamento simplificador.

157
Múltiplos olhares para a educação básica

canal por meio do qual estudantes passariam a integrar


práticas letradas que não dominavam, aumentando sua
participação social. (GARCIA, SILVA; FELÍCIO, 2012, p. 124)

Contextualização

À luz desse pensamento crítico, no início de 2016, na perspectiva


da arte-educação e da formação cidadã para a expressão póetica-
-comunicativa, foi ofertado a um grupo multisseriado de alunos do
Ensino Médio, estudantes do Colégio São Domingos (São Paulo), o
projeto investigativo Arte na Idade Mídia: Das reflexões sobre o universo
midiático às experimentações artístico-tecnológicas, o qual buscou
promover um olhar sensível para a “leitura” das mais vastas formas
de expressão artística presentes no universo midiático, bem como
propiciar experimentações/produções no campo da arte por meio
de aparatos tecnológicos.
Tal proposição alicerçou-se na importância de fomentar um modo
de olhar o mundo capaz de apreender a construção dos sentidos
das mais complexas formas de expressão artística da sociedade
contemporânea, pois, na Idade Mídia, o “[...] olhar viaja entre uma
complexidade diferenciada de códigos, salta entre uma imagem
modernista, uma citação clássica, uma visão experimental” (Cane-
vacci, 2010, p. 10), ou seja, design, escultura, pintura, performance,
fotografia, vídeo, arte pública, entre outros, acabam trazendo novos
desafios ao homem, sejam nos processos de interpretação, produção
ou interação.
Então, com o propósito de aprimorar a sensibilidade estética e a
competência póetica-comunicativa frente a essas linguagens híbri-

158
Gêneros textuais e (multi)letramentos

das, fluídas, interativas que emergem no universo multissemiótico


na contemporaneidade, o projeto supracitado convidou o aluno a
refletir e experimentar os diálogos entre Arte e Tecnologia, além de
estimular a participação social de maneira artística para além dos
muros da escola.
Nessa senda, ao longo do referido ano letivo, os estudantes dis-
cutiram sobre: as novas formas de interação no universo midiático;
as relações entre arte, tecnologia, mídia e gamificação; os diversos
modos de partilha da cultura e do conhecimento; a configuração da
sociedade em rede; o lugar da autoria nas produções interativas e co-
laborativas; a “humanização” das tecnologias pela arte, entre outros.
Quanto às experimentações artísticas, os discentes embre-
nharam-se pelas performances, vídeos-instalações, fotografias
com intervenção digital, poemóbiles, e tantos outras expressões,
valendo-se de, por exemplo, o QR Code, o light-paiting, a realidade
aumentada, o georreferenciamento, o grafite digital, as placas de
Arduíno e Makey Makey etc.
No que tange ao exercício da prática cidadã por meio da con-
vergência de linguagens, códigos, suportes, técnicas, materiais e
dispositivos, o grupo multisseriado foi estimulado a criar interven-
ções artísticas no cenário urbano através do uso do aplicativo para
smartphone Lugares Invisíveis, com o qual é possível a gravação de
conteúdo de áudio geolocalizado4 .

4. As curtas declarações poéticas sobre pontos específicos do mapa permitem


o resgate de memórias, o compartilhamento de impressões, a “visibilidade” das
rugosidades espaciais, a crítica social e a confecção de geopoesia.

159
Múltiplos olhares para a educação básica

Descrição das experiências artísticas

A arte sempre foi um construtor de pontes entre expressões di-


versas, contraditórias, da experiência humana. Mais do que nunca,
esse poderia ser seu papel fundamental numa cultura caracterizada
pela fragmentação e a potencial não comunicação de códigos, uma
cultura onde a multiplicidade de expressões pode de fato solapar
o compartilhamento.
Manuel Castells

Se por um lado o referido projeto buscou investigar de que ma-


neira os avanços tecnológicos transformam não somente os meios
(modos de materialização de um processo), mas também as con-
cepções de arte; por outro, propiciou novas formas de expressão e
de percepção. Então, para além de um uso meramente instrumental,
propôs-se pesquisa, apropriação, comparação, manipulação e ex-
perimentação de diferentes técnicas para refletir sobre as criações
artísticas contemporâneas.
Segundo Ana Mae Barbosa (2009), não dá para resumir a arte
contemporânea numa só característica, pois a pluralidade domina
esse tempo. Assim, pode-se apreendê-la pela seguinte série de
qualidades: consciência da morte da autonomia da obra ou do cam-
po de sentido da arte em prol da contextualização; metalinguagem;
reflexão sobre a própria arte; incorporação de matrizes populares na
arte erudita; preocupação em instaurar um diálogo com o público
e levá-lo a pensar; tendência ao comentário social; ‘interritorialida-
de’ das diversas linguagens, e tecnologias digitais substituindo a
vanguarda.

160
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Para haver tal imersão dos alunos no universo dessas linguagens,


dividiu-se o estudo investigativo em diversas etapas, iniciando com
leituras teóricas, as quais ofertavam a assimilação de conceitos, de
modo a contribuir com observação do contexto de produção (so-
ciedade midiática). Essa nutrição de cunho teórico possibilitou aos
estudantes, portanto, o entendimento mais aprofundado das novas
mídias, bem com das estreitas relações entre Arte e Tecnologia.
Nessa espécie de pesquisa-ação, houve a análise de processos
de (re)produção de imagens digitais no campo artístico, propocio-
nando um olhar crítico-sensível acerca das obras e das pesquisas
poéticas de artistas ligados ao universo midiático.5 Por meio de es-
tudos de meio, os jovens pesquisadores, também, se lançaram em
experiências interativas, como visitas a exposições ea laboratórios de
produção artístico-tecnológico, à guisa de exemplo do FILE (Festival
Internacional de Linguagem Eletrônica).6
Como fechamento desse processo de imersão, investigação e
aprendizagem, foram realizados seminários, debates, fichamentos,
atividades de escrita colaborativa e produções coletivas diversas.

5. As reflexões foram constantes e abarcaram as relações entre as linguagens


visual, verbal, sonora nas artes de cunho (hiper)midiático, evidenciando subversões,
embricamentos, sobreposições...

6. Acompanhe um pouco dos estudos de meio em: https://youtu.be/yh5v2xEZfwk


e https://youtu.be/Zix5xeOpe9c.

161
Múltiplos olhares para a educação básica

Mona Lisa em tempos de reprodutibilidade


No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção
das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que
seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção
humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado na-
turalmente, mas também historicamente.
Walter Benjamin

A arte contemporânea pode ser pensada a partir das reflexões


do filósofo Walter Benjamin, em seu ensaio A obra de arte na era
de sua reprodutibilidade técnica, o qual traz luz as questões sobre
as modificações estéticas nas manifestações artísticas após a re-
produção técnica: a obra de arte perde seu caráter único, sua aura
se liquefaz. Para discutir essa proposição, foi sugerido, aos alunos,
investigar a pintura Mona Lisa (1503), de Leonardo da Vinci, e, em
seguida, elaborar reflexões com base no texto benjaminiano: cada
um deveria fazer uma leitura da obra e realizar um estudo visual,
usando qualquer técnica artística desejada, pensando, assim, em
uma nova narrativa para objeto. Convém salientar que o produto final
deveria ser digital7 e, como se percebe a seguir, precisaria transgredir
estética e/ou formalmente a obra davinciana:

7. Os estudantes fizeram de intervenções na pintura de Leonardo da Vinci às


animações, como se vê em: https://goo.gl/3kPV4w.

162
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Mona Lisas em tempo de reprodutibilidade técnica.


Pedro Ramos, Luiz Ignácio, Heitor Kalvon, Thais Bulhões, Vitor Citro
e Luiz Oliveira (arte digital)

Essas produções, após apreciação coletiva, desdobraram-se,


ganhando novas camadas discursivas a partir do enredamento de
técnicas e olhares. Adiante, alguns exemplos:

163
Múltiplos olhares para a educação básica

Deteriorioração da aura ou florescimento de novos discursos?


Bruno Martins, Gabriel Trivelli, Henrique Miranda e Luanna Mendes (arte digital)

164
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Como fechamento da leitura teórica de Walter Benjamim, os


educandos problematizaram as noções de “autoria” e “obra única”,
colocando em questão as (re)leituras e os recursos usados por cada
um na proposição Mona Lisa em tempos de reprodutibilidade. Nessa
senda, transitaram-se entre os conceitos de ressignificação, repro-
dução da obra de arte, cultura de massa, fetichização, hibridismo,
virtualização, código-aberto, contemplação, kitsch, entre outros.8
No mais, além de tudo isso, a proposta desembocou em outros
materialidades9: as imagens produzidas pelos alunos foram projeta-
das em uma parede, convidando-os para uma perfomance. Corpo,
movimento, sonoridade! Uma nova camada de leitura se configurou
a partir dessas obras, dando forma há uma produção audiovisual
colaborativa10. A autoria das obras, então, ficou coletiva, permitindo
que um trabalho se entranhasse em outro, gerando novas interpre-
tações e narrativas:

8. Assista a um vídeo que coloca em discussão o lugar áurico da obra de arte:


https://goo.gl/A3fjP5.

9. Júlia Loyola, em um projeto autoral independente, apresentou a performance


audiovisual, Com a palavra, Mona Lisa, trazendo os questionamentos da própria
personagem de Leonardo da Vinci acerca do aprisionamento da obra de arte ao
espaço do museu.

10. O grupo se organizou para escolher o vídeo que seria projetado, a trilha sonora,
a sequência das intervenções pessoais, as cores das tintas que cobririam o corpo
(também suporte)... Todos os elementos que iriam compor uma performance de
quase 20 minutos. Veja um fragmento em: https://goo.gl/BVdTNX.

165
Múltiplos olhares para a educação básica

Camada sobre camada.


Performance de Júlia Loyola (vídeo de Juliana Pádua)

Como observado ao longo de todo percurso, as investigações


prático-conceituais sobre Arte e Tecnologia permitiram imersões, in-
terações e reflexões constantes, abrindo para novos questionamentos
e desejo de explorar as potencialidades máximas das linguagens.11

11. Um dos desdobramentos das investigações em torno da referida pintura foi o


projeto de gamificação Salve a Mona Lisa: https://youtu.be/NkJ-TzuGAtw.

166
Gêneros textuais e (multi)letramentos

A linguagem como artefato semântico


Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia.

Nelson Motta

Sempre com a proposta de uma investigação profunda sobre


um determinado tema, outras pesquisas foram sugeridas. Ainda no
primeiro semestre, a partir dos fundamentos do Concretismo, os
alunos refletiram sobre a potência da palavra (matéria-prima dos
poemas concretos), cujos desdobramentos suscitam outros artefatos
semânticos, tais como poemóbiles (tridimensional), vídeo-poemas
(cinético), geopoesias (locativo) e instalações (interativo), extrapo-
lando os lugares fixos de autoria e recepção.
Para não se limitar apenas no campo da experimentação, os edu-
candos tiveram contato com a poesia concreta brasileira, estudando
as obras dos poetas Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari
e Ronaldo Azeredo, que propunham trabalhar de forma integrada a
sonoridade, a visualidade e o sentido das palavras (verbivocovisual)12,
pensando novas maneiras de fazer poesia.
Vale pontuar que tais produções poéticas têm como característica
a visualidade: os signos verbais dialogam com a linguagem icônica
o tempo todo, havendo uma preocupação com a forma, à exemplo

12. A expressão verbivocovisual (termo cunhado pelo escritor James Joyce), que
sintetiza a “exploração das dimensões semântica, sonora e visual do poema”
(Bandeira; Barros, 2008: 9), permaneceu no horizonte da produção desses poetas,
e se desdobrou em suportes e meios técnicos diversos, como livro, jornal, objeto,
cartaz, videotexto, holografia, vídeo, internet.

167
Múltiplos olhares para a educação básica

de como as letras são dispostas na página. A imagem que o texto


compõe na superfície da folha deve ser levada em conta, exigindo
que o espaço em branco deva respirar e ser lido como componente
da poesia visual.
Alicerçados nessa nutrição teórica, os discentes exploram as
potencialidades da palavra, como pode ser visto a seguir:

Poesia visual. Lucas de Melo,


Letícia Nogueira e Henrique Miranda (fotografias de Juliana Pádua)

Para incentivar possibilidades de desdobramento visual da poesia


concreta, foram apresentados Objetos (1969), de Júlio Plaza, Poemó-
biles (1974) e Caixa Preta (1975), de Augusto de Campos e Júlio Plaza,
além de outros trabalhos tridimensionais que exploram a relação
verbovisual em sua materialidade. Nesse exercício de articular teoria
e prática, novos artefatos semânticos surgiram:

168
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Poemóbiles.13
Henrique Miranda, Letícia Nogueira, Gabriel Trivelli, Gabriel Trivelli
(fotografias de Priscilla Nannini)

13. Cabe realçar que o primeiro e o segundo poemóbiles são desdobramentos da


primeira e da segunda poesia visual, respectivamente.

169
Múltiplos olhares para a educação básica

Nesse conjunto de experiências que incentiva a busca de uma


póetica individual, leituras foram elaboradas acerca da própria obra,
convidando para se pensar novas camadas de sentido14, como, por
exemplo, sonoridade e movimento15 . Acompanhe o projeto Andori-
nhar, de Laura Klein:

Poesia visual / Poemóbile / Poema cinético.16


Laura Klein (fotografias de Juliana Pádua)

14. Após desenvolver uma poesia visual, cuja plasticidade se dá no formato


bidimensional, é atribuída uma nova camada de leitura a obra, explorando a
tridimensionalidade, que, por sua vez, ganha mais uma instância de significado
(som e cinesia). Assim, a cada nova rede de sentidos, outras instâncias poéticas
vão se encapsulando.

15. Com base nos estudos sobre movimento, os alunos adentraram no universo da
arte cinética.

16. Para interagir com o QR Code, basta ter um smarthphone ou tablet com aplicativo
para leitura. Depois de instalado o aplicativo de acordo com o sistema operacional
do aparelho, é preciso abri-lo e apontar o smartphone/tablet para o código. O seu
aparelho irá vibrar e o código será aberto automaticamente. Entretanto, caso queira,
pode acessar diretamente o link: https://youtu.be/3g9FAx0vnu0

170
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Uma nova provocação: o poema concreto transformado em


poemóbile, depois num artefato semântico com som e movimento,
precisaria – nesse etapa do processo criativo – ser transporto para
alguma mídia digital e/ou locativa. Veja o desdobramento, em au-
diovisual, do terceiro poema concreto apresentado neste trabalho:
https://youtu.be/4myq2yC2kO4.
Sob esse viés rizomático, outros produtos artísticos foram confec-
cionados, tais como: poema concreto via light painting e gps drawing,
vídeo-poemas, ciberpoesia, performance com uso de óculos de
realidade aumentada, lambe-lambe digital etc.

Avaliação dos resultados

Tal projeto investigativo propiciou aos discentes vivenciarem –


de maneira poética, interativa17, crítica, autônoma, ética, criativa,

17. Vale destacar que a arte, de alguma forma, sempre se configurou como interativa,
esteja ela mais para a artesania ou para tecnologia digital. De acordo com Plaza
(2003), o nível de interatividade pode ser classificado sob três vias diferentes. O
primeiro grau caracteriza-se pela a relação que o indivíduo tem com a obra ao
interpretá-la, como é o caso dos poemas, pinturas e esculturas. O segundo leva em
conta a participação do sujeito, cuja interferência pode alterar o resultado final da
obra, à exemplo dos parangolés (artes penetráveis), de Hélio Oiticica. Já o terceiro
refere-se às produções eletroeletrônicas, nas quais o “espectador” tem o controle
quase absoluto das mesmas, ao ponto de ter acesso para também (re)criar, ou seja,
abandona-se a passividade e se assume um papel ativo. O artista alemão Jüngler
Claus, por exemplo, utiliza-se da arte eletrônico-tecnológica e midiática para instituir
novas instâncias de experimentação e, consequentemente, de percepção. Com suas
obras, ele modifica a forma tradicional de apreciação, abrindo espaço para um outro
tipo de receptividade. Nesse sentido, verifica-se que as técnicas não são somente
modos de produção, mas também de perceber do mundo.

171
Múltiplos olhares para a educação básica

participativa e consciente – o papel de (co)autores em processos


expressivos complexos.
Com base nas experiências vividas (leituras teóricas, atividades
leitoras plurais, experimentações artísticas diversas e produções
interativas), observou-se, então, que, quanto mais os jovens estavam
envolvidos numa espécie de pesquisa-ação, mais se aparentavam
felizes, participativos, empoderados, solidários uns com os outros,
livres para se expressarem e corresponsáveis com a criação de
ecossistemas comunicativos abertos e democráticos. Nesse exer-
cício sensível, mas também inteligível, o aluno se desdobrou pela
vastidão do que não se sabia e não se limitar aquilo que se conhecia.
Ao longo do ano, nessas investigações teóricas e práticas, per-
cebeu-se que:

1. como destaca Plaza (2003), os artistas tecnológicos da con-


temporaneidade estão mais interessados nos processos de
criação artística e de exploração estética do que na produção
de obras acabadas, pois consideram aquelas mais inovadoras
e “abertas” que essas.

2. a percepção, as dimensões temporal e espacial ganham um


papel relevante nas produções interativas;

3. ao aventar uma proposta de construção de sentidos coletiva,


as artes interativas tecnológicas acabam por diluir o conceito
de autoria, esfacelando os antigos lugares fixos de produção
e recepção, e

172
Gêneros textuais e (multi)letramentos

4. em um suscitar de grande floração de (inter)subjetividades


e de acessos à informação, as artes interativas tecnológicas
edificam profundas redes de relações humanas (tecido social),
atingem o pensamento interdisciplinar (teia de associações),
promovem o diálogo e transformam um “produto” em processo.

Diante desses resultados, compreende-se que, na sociedade


contemporânea, é importantíssimo garantir um processo de ensino
e aprendizagem para, com, pela e entre mídias, uma vez que o ser
humano está imerso em uma multiplicidade de linguagens, códigos,
suportes e meios de comunicação. Nessa perspectiva, o projeto
investigativo Arte na Idade Mídia: das reflexões sobre o universo midi-
ático às experimentações artístico-tecnológicas buscou desenvolver
competências plurais no campo artístico, de modo que o aluno possa
interagir de maneira crítica, ética, criativa, autônoma e consciente
tanto como receptores, quanto produtores.18

18. Um projeto como esse posssui grande atributo pedagógico ao articular esferas
artística, técnica, cognitiva e ideológica. Logo, não é uma proposta extracurricular,
mas um espaço de construção de saberes.

173
Múltiplos olhares para a educação básica

Considerações finais
[...] os desafios de hoje requerem um repensar da educação, diver-
sificando os recursos utilizados, oferecendo novas alternativas para
os indivíduos interagirem e se expressarem. Repensar a educação
envolve diversificar as formas de agir e de aprender, considerando
a cultura e os meios de expressão que a permeiam.

Maria Cecília Martins

Por meio desse imbricamento de linguagens, os alunos convor-


caram novos sentidos para complexas experiências sinestésicas,
nas quais a palavra, que se configurava como matéria-prima dos
poemas concretos, acabou desdobrando-se em outros artefatos
semânticos, garantindo movimentos de “leitura” e “releitura”19, pois,
como pontua Barbosa (2008, p. 23),:

[...] vivemos a era inter. Estamos vivendo um tempo em


que a atenção está voltada para a internet, a intercultu-
ralidade, a interdiciplinaridade e a integração das artes
e dos meios como modos de produção e significação
desafiadores de limites, fronteiras e territórios.

Logo, faz se urgente projetos pedagógicos que exploram/extra-


ploram o cruzamento multissígnico, como esse, pois, na Idade Mídia,
seja na sala de aula ou, por exemplo, no espaço urbano, o sujeito

19. Nesse projeto de investigação, não se abordou a dinâmica “leitura e releitura”,


mas, sim, análise e “transcriação”, uma vez que se trata da tentativa de traduzir de
uma linguagem para outra.

174
Gêneros textuais e (multi)letramentos

se depara com situações que lhe exigem um trato crítico e sensível


para as produções póetico-comunicativas.

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175
Capítulo 7

176
O roteiro cinematográfico na escola

Millena Ariella dos Santos Mota


Pollyanne Bicalho Ribeiro

Introdução

A proposta de ensino de Língua Portuguesa aqui exposta advém


da pesquisa empreendida no contexto do mestrado profissionalizan-
te em Letras (Profletras - UFC), a qual se findou com a defesa, em
fevereiro de 2018, da dissertação intitulada “O roteiro cinematográfico
na escola: uma proposta de ensino e aprendizagem”.
A escola é o lugar de letramento por excelência. A ela cabe a
responsabilidade de formar cidadãos aptos a enfrentar os desafios
que terão que lidar nas interações das quais participarem. Particular-
mente sobre o ensino da Língua Portuguesa, o bom desempenho no
que tange ao uso da língua/linguagem pode conferir ao aluno (trans)
formações sócio-cognitivas, reformulações de conhecimentos, de
perspectivas e, por conseguinte, uma nova configuração identitária.
Contudo, esse dever, até o momento, não se tem realizado plena-
mente, pois muitas práticas pedagógicas desenvolvidas na escola
ainda se distanciam das reais necessidades dos alunos. Essa dico-
tomia ensino-realidade pode ser confirmada quando se examinam

177
Múltiplos olhares para a educação básica

certas metodologias empregadas no ensino da Língua Portuguesa:


algumas que a tornam tão abstrata quanto uma fórmula matemática
e outras que a transformam em algo desinteressante.
Sabemos que há muito a ser feito para que efetivamente tenha-
mos uma educação de qualidade. Sendo assim, torna-se indispen-
sável a reavaliação dos métodos utilizados, a fim de que o espaço
existente entre realidade e ensino seja minimizado. Abordar novas
linguagens em sala de aula que despertem a atenção dos alunos e
que façam parte de seu conhecimento de mundo é uma estratégia
que pode potencializar as competências linguísticas dos discentes,
pois oferece a oportunidade de uso da língua em contextos discur-
sivos até então não explorados na escola.
A escrita e a leitura, como práticas discursivas sócio-histórico-
-culturais, sofrem diretamente o impacto das novas criações, o que
lança ao homem o desafio de apropriar-se de diversas linguagens
para que, com efeito, possa ser considerado incluído socialmente.
Assim sendo, faz-se necessária a reflexão docente sobre como incor-
porar e utilizar diferentes linguagens no ambiente escolar, de modo
que a produção do conhecimento seja ampliada a fim de viabilizar
transformações pessoais e sociais.
Com base nessa assertiva, a proposta de ensino vem em defesa
de se levar gêneros diversos para a sala de aula. Iremos nos deter,
especificamente, no uso da linguagem cinematográfica em sala de
aula como instrumento pedagógico para o trabalho com a Língua
Portuguesa, focalizando a produção do gênero discursivo roteiro

178
Gêneros textuais e (multi)letramentos

cinematográfico desde a storyline1 até o roteiro propriamente dito,


por possibilitar um trabalho inovador com a língua e o acesso a
recursos tecnológicos em sua produção.
O uso de aparatos tecnológicos mostrou-se como um forte alia-
do na execução das atividades planejadas, desmistificando a falsa
crença de que a tecnologia é um problema para o aprendizado da
língua materna, pois influencia os alunos a falarem/escreverem
de modo “errado”. Fundamentando-se nesse pensamento, há uma
enorme relutância em se trabalhar com a tecnologia em sala de aula,
porque, nessa visão, ela é uma “vilã” para o ensino e a aprendizagem
da língua. Essa concepção atrasa mudanças pedagógicas signifi-
cativas e trava a construção de uma educação mais qualitativa. A
tecnologia, ao contrário do que é divulgado, quando usada de forma
planejada pelo professor, possibilita que os alunos amplifiquem suas
redes de comunicação e aprendam a dominar a língua, fazendo uso
consciente de suas múltiplas variações. Isso comprova que é preciso
vencer a desconfiança acerca da tecnologia para servir-se de suas
várias funcionalidades para o ensino e a aprendizagem.
Apesar de sua funcionalidade para o ensino, não se pretende
aqui outorgar à tecnologia ou à linguagem cinematográfica a ca-
pacidade e a responsabilidade de solucionar falhas e impasses do
ensino brasileiro. Pensar assim é uma grande ilusão, pois eles são
somente artifícios nas mãos do professor, que deles faz uso como
bem entender. Além disso, também não se pode fazer deles os úni-

1. Storyline é o gênero que serve como ponto de partida para a criação do roteiro.
Nele, em poucas linhas, o roteirista detém-se na definição do conflito-matriz (algo
acontece, algo precisa ser feito, algo é feito).

179
Múltiplos olhares para a educação básica

cos e soberanos recursos usados nas aulas. Apesar de esse trabalho


defender a utilização do roteiro cinematográfico nas aulas de Língua
Portuguesa, não se pretende aqui advogar o desmerecimento ou a
exclusão de outros meios – tradicionais ou não – como instrumentos
para o ensino e a aprendizagem. A intenção que move este estudo
é a de apresentar mais uma possibilidade de trabalho com a Língua
Portuguesa. É uma soma, pois entende-se que todos as trilhas são
relevantes quando se deseja construir e oferecer uma educação
qualitativamente emancipadora.
Diante disso, busca-se, pelo uso do roteiro cinematográfico como
instrumento pedagógico nas aulas de produção textual, estabelecer
novos caminhos para o trabalho com a escrita na instituição escolar e
novos caminhos para os estudos desenvolvidos na esfera acadêmica.
De modo que o conhecimento adquirido em pesquisas não fique
restrito a este último espaço, mas retorne à sociedade através de
profissionais mais conscientes de sua função social, mais preparados
para os desafios que o ensino impõe e mais engajados na causa de
formar sujeitos críticos.
Talvez, a grande contribuição dessa proposta esteja na oportuni-
dade de se estudar, sob a ótica da Linguística, um gênero discursivo
multimodal desconhecido por boa parte dos docentes e pouco
explorado nos cursos de Letras, que possibilita o acesso a recursos
digitais em sua elaboração, oportunizando um ensino de escrita
que se insere no contexto tecnológico dos alunos, pautando- se em
interesses reais dos discentes e atendendo às exigências do mundo
real. Através do roteiro cinematográfico, é possível promover eventos
de letramento digital em sala de aula, pois ele permite instanciar pro-

180
Gêneros textuais e (multi)letramentos

dução textual em ambientes digitais. Dessa forma, entende-se que a


escrita de um gênero com o qual os alunos não estão acostumados
sendo construído com o auxílio da tecnologia para um evento real
será um desafio a suas potencialidades como escritores.

Caracterização da escola

A proposta de ensino se efetivou no Colégio Militar do Corpo de


Bombeiros - Rachel de Queiroz. A escola funciona em três turnos,
oferecendo turmas do Fundamental I, Fundamental II, Ensino Médio
e Supletivo. Por meio de processo seletivo, exceto para o Supletivo,
alunos de diferentes bairros de Fortaleza ingressam nessa institui-
ção; por isso, o corpo discente é bastante heterogêneo cultural e
socialmente.
Por manter parceria com a Secretaria de Educação do Estado
do Ceará, o quadro de professores é composto por civis e militares.
O grupo gestor, em sua maioria, é constituído por militares. Além
da coordenação pedagógica, existe a Companhia de Alunos, que é
formada pelos militares que acompanham cada uma das turmas da
escola. A eles cabe a função de disciplinar os alunos de acordo com
os padrões exigidos neste estabelecimento de ensino.
Nessa instituição, além das aulas regulares, há aulas laboratoriais
de Química, Física e Biologia. Há também o projeto “Laboratório de
Redação” para alunos do Fundamental II e Ensino Médio. O intuito
desse projeto é oferecer atendimento individualizado aos alunos
para que eles possam ter seus textos corrigidos junto ao professor
e refazê-los, caso seja necessário.

181
Múltiplos olhares para a educação básica

A escola apresenta uma estrutura física organizada. Há salas


climatizadas, quadra poliesportiva, piscinas, pátio de convivência,
laboratórios de ciências e redação, auditório, refeitório, biblioteca,
academia, seção técnica, secretaria, salas dos professores, sala da
companhia de alunos, salas dos gestores, sala de música, dentre
outros. Contudo, apesar de sua boa estrutura, a escola não possui,
ainda, um laboratório de informática adequado, pois a maioria dos
computadores não funciona e a internet que chega aos aparelhos
é muito limitada. Esse espaço acaba sendo usado apenas para pro-
jeções de slides do PowerPoint ou para exposição de audiovisuais.
Existe também o problema de poucos equipamentos de multimídia,
o que limita, ou mesmo impede, a realização de mais aulas mediadas
pela tecnologia.
Para a aplicação da proposta, foi selecionada uma turma de 8º
ano composta por 32 alunos, na idade de 13 a 15 anos. Nessa turma, o
número de meninos excedia ao número de meninas, sendo 21 alunos
e 11 alunas. Os alunos eram de bairros diferentes e de classes sociais
diversas, o que proporcionava uma heterogeneidade cultural muito
acentuada. A turma possuía alunos repetentes e uma disparidade
enorme em relação à escrita. Nela, havia alunos que usavam essa
prática social de forma proveitosa em diversas situações comuni-
cativas e havia outros que apresentavam uma grande dificuldade
ou mesmo resistência à escrita, fatores esses relacionados a expe-
riências negativas anteriores que geraram total desinteresse e/ou
o sentimento de inabilidade em produzir textos escritos. Por essas
características, esse grupo se mostrou adequado para a implantação
de uma proposta intervencionista.

182
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Descrição da pesquisa

No primeiro semestre de 2017, de abril a junho, foram ministra-


das atividades à turma escolhida para a pesquisa. Durante esse
período, o corpus da pesquisa foi se configurando a partir de aulas
presenciais, atendimento em laboratório de redação e atividades
extraclasses. Ele é composto por 20 textos produzidos pelos alunos,
por um caderno de campo, por 18 áudios das aulas ministradas e
por registros de conversas pelo WhatsApp. Em todo o processo de
desenvolvimento da pesquisa, esse aplicativo foi utilizado como
canal de comunicação. Ele serviu para informes, lembretes, conver-
sas informais e tira-dúvidas. Dessa forma, teve sua funcionalidade
ampliada, sendo usado não somente para conversas informais, mas
em situação de aprendizagem como forma de promover a tecnologia
nesse contexto especifico.
Para a elaboração do roteiro cinematográfico, nesta proposta
interventiva, há o trabalho com quatro diferentes gêneros discursivos
(storyline, sinopse2, escaleta3 e roteiro), o que configura uma rede
de gêneros (SWALES, 2004. p.22). Ao tratar do conceito de rede de
gêneros, Swales indica que, dentre as quatro possíveis formas de
os gêneros se agruparem, há uma que envolve a intertextualidade.
Koch (2009, p.101) explica esse conceito afirmando que “todo texto
faz remissão a outro(s) efetivamente já produzido(s) e que faz(em)

2. Sinopse é o gênero em que o conflito-matriz se amplia, pois nele o tempo, o lugar,


os personagens e o enredo são definidos.

3. Escaleta é o gênero em que se divide a narrativa em cenas.

183
Múltiplos olhares para a educação básica

parte da memória social dos leitores”. Essa relação entre textos, de


acordo com Cavalcante (2013, p.146), pode se dar “desde evidên-
cias tipográficas, que demarcam fronteiras bem específicas entre
um dado texto e algum outro que esteja sendo evocado, até pistas
mais sutis que conduzem o leitor à ligação intertextual por meio de
inferências”. Sendo assim, em uma rede de gêneros, a criação de um
gênero se dá a partir de outro gênero. Como exemplo, Swales (2004,
p.24) apresenta o processo produtivo de sua obra “Other floors, other
voices”, publicada em 1998: uma proposta virou capítulo, que se
transformou em resenha, que se tornou uma correspondência de
editorial, que, juntamente com palestras dadas por ele, converteu-
-se em um livro.
Dessa forma, a princípio, se todos os alunos produzissem os qua-
tro gêneros agrupados, teríamos um total de 128 textos. Contudo,
nem todos os alunos participaram de todo o processo de escrita. De
32, o número foi reduzido para 27 alunos, o que gerou a produção
de 108 textos. Dentre estes textos, foram escolhidos como amostra
20 produções de 5 alunos que atenderam aos critérios de análise
traçados para este estudo.
A partir dessas produções textuais, foi possível depreender como
se deu a apropriação das características dos gêneros em estudo,
o alcance da função social de cada um deles e o estilo particular
de cada um dos alunos, o que marca a liberdade criativa própria do
roteiro cinematográfico.

184
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Para o primeiro encontro realizado, os objetivos traçados foram


o de apresentar o projeto para os alunos e fazer com que eles se
familiarizassem com o roteiro cinematográfico. Para isso, foram
apresentadas as atividades a serem desenvolvidas e foi dado es-
paço aos alunos para que esclarecessem suas dúvidas. Feito isso,
partiu-se para o levantamento das informações prévias acerca do
gênero em estudo. Os alunos foram instigados a expor o que en-
tendiam a respeito da função social e das características do roteiro.
Após isso, cada aluno recebeu a xerox do roteiro “Um lugar
seguro”, de Deborah Zaniolli, para que acompanhassem a leitura
feita e observassem os aspectos constitutivos do gênero. Durante a
leitura, houve pausas para a explicação de termos técnicos próprios
do cinema que não eram conhecidos pelos alunos. Durante essas
explicações, eles faziam anotações em seus roteiros, para que não
esquecessem esses conceitos. Terminado esse passo, um debate
foi promovido a fim de que os alunos analisassem suas respostas
anteriores e adquirissem novas informações.
O segundo encontro se constituiu pela produção textual. Sem
ainda dominarem as características do gênero, os alunos tiveram
que criar quatro cenas de um roteiro cinematográfico. Esse passo
foi importante para que se pudesse traçar os caminhos a serem
tomados, as metodologias a serem aplicadas, os exercícios a serem
formulados. Para cada aluno foi dada uma folha em branco para que
elaborassem seu texto.
No terceiro encontro, a importância do conflito foi trabalhada, visto
que, em um bom roteiro cinematográfico, o conflito deve estar bem
definido: alguma coisa acontece, alguma coisa deve ser feita, alguma

185
Múltiplos olhares para a educação básica

coisa se faz. Esse é o primeiro passo para a elaboração de um filme.


O conflito é apresentado na storyline. Nesse encontro, objetivou-se
explicar no que consistia o conflito, explanar a importância de uma
premissa sólida para a construção de um roteiro cinematográfico e
expor os aspectos constitutivos da storyline. Os dois primeiros ob-
jetivos foram alcançados através de uma conversa com os alunos.
Contudo, para a compreensão das características do gênero em
questão, primeiramente foi feita a leitura de diferentes storylines a
fim de que, por elas, os alunos pudessem apreender seus aspectos
constitutivos e pudessem falar sobre. Houve uma conversa em que
os alunos expuseram suas percepções. Em seguida, com o auxílio
de um datashow, foram exibidos três curtas-metragens para que os
alunos produzissem suas storylines. Foram eles: Tentáculos”, “Fly” e
“Presto”. Todos disponíveis no Youtube.
A cada audiovisual exibido, havia uma pausa para que os alunos
fizessem suas anotações; em seguida, o filme era exibido novamen-
te com o propósito de que eles confirmassem ou corrigissem as
informações coletadas na primeira exibição. Após essa produção,
foi explicado aos alunos que eles produziriam a storyline de seus
próprios filmes e que a enviariam, até o dia estabelecido, por e-mail
ou pelo WhatsApp. O encontro foi finalizado com o recolhimento das
storylines produzidas para serem corrigidas.
No quarto encontro, já munidos das storylines elaboradas, era
momento de ampliarem a história, momento esse de produção da
sinopse. Nela, tempo, espaço e personagens precisam ser definidos.
O primeiro passo foi a conceituação do gênero sinopse. Depois, foram
debatidas a importância do tempo e do espaço para a construção da

186
Gêneros textuais e (multi)letramentos

ação dramática e a relevância de se construir um personagem verossí-


mil. Cada aluno recebeu uma folha xerocada que trazia a definição de
sinopse, a explicação do tempo e do espaço nas narrativas, os tipos de
personagens e um exemplo de sinopse. Explicados o tempo, o espaço,
os personagens e a sinopse, foi feita a leitura do exemplar escolhido.
Depois de lido o texto, os alunos tiveram que nele identificar o
tempo, o lugar e os tipos de personagem. Após isso, houve debate
das respostas a fim de averiguá-las. Terminada essa fase, foi solicitado
que os discentes fossem pensando no perfil de seus personagens,
no tempo e no espaço em que a história aconteceria.
Vale ressaltar que todo roteiro cinematográfico organiza-se em
três atos (COMPARATO, 2000; FIELD, 2001). A sinopse, sendo o gê-
nero que apresenta a história em sua completude, deve também se
fundamentar nesses atos. Portanto, no quinto encontro, priorizou-se
o estudo dos atos que estruturariam o roteiro cinematográfico.
Foi distribuída uma folha xerocada contendo os três atos. A partir
desse material, pôde-se estudar o esquema canônico de escrita de
um filme. Após isso, fez-se novamente a leitura da sinopse vista na
aula anterior para que, juntos, pudéssemos identificar os três atos.
Terminada essa fase, foi solicitado aos alunos que ampliassem suas
storylines, transformando-as em sinopses estruturadas nos três atos
estudados.
No sexto encontro, sinopse já produzida e corrigida, chegou o mo-
mento de transformá-la em uma escaleta. Nesse encontro, buscou-se
apresentar a estrutura composicional deste gênero e mostrar sua
importância para a produção do roteiro cinematográfico. Para iniciar
o estudo, foi dada a cada aluno uma folha xerocada com a escaleta

187
Múltiplos olhares para a educação básica

da sinopse que vinha sendo trabalhada nas aulas anteriores. Pedimos


que, antes de sua leitura, voltássemos para a sinopse a fim de relem-
brar a história e gerar maior familiaridade com seu enredo. O propósito
era fazê-los, durante a leitura da escaleta, visualizar as transformações
ocorridas na narrativa, dando suporte para que pudessem fazer isso
também com seus textos de forma mais segura. Foi muito importante
nesse momento esclarecer e frisar que esse gênero não apresenta
diálogos. A base é a ação a ser realizada em cada cena.
No sétimo encontro, falamos sobre a função social do roteiro ci-
nematográfico e sobre seus aspectos composicionais, uma retomada
aos conceitos vistos no primeiro encontro. Novamente, foi feito um
levantamento dos conhecimentos dos alunos sobre o roteiro. Isso per-
mitiu verificar se os conhecimentos adquiridos tinham sido ampliados
até então. Após isso, dado a cada aluno um material xerocado, foram
apresentados os tipos de rubricas e os tipos de diálogos inadequados
para um roteiro de cinema. Terminada essa parte, cada aluno recebeu
o roteiro “Vida de Cadeirantes”, de José Rodrigues. A leitura foi feita
coletivamente, sempre com interrupções para explicação dos termos
técnicos que surgiam ao longo da leitura e dos aspectos formais, como
uso da maiúscula, formatação, mudança de cena. Finalizado esse
momento, houve a exibição de dois curtas-metragens, “Momentos”,
de Nuno Rocha, disponível no YouTube, e “Perdoa-me”, de André Dias
e Joana Silva, disponível no Vimeo. Por meio dessa exibição, os alunos
tiveram que analisar os elementos narrativos e identificar cada ato de
ambos os filmes. Após essa atividade, foi feita a correção.

188
Gêneros textuais e (multi)letramentos

O segundo modo de ação da proposta foi realizado no Laboratório


de Redação. Cada aluno, em um dia e horário agendados previa-
mente, foi atendido individualmente para ter seus textos corrigidos.
Esse momento foi de fundamental importância para a percepção
do desempenho dos alunos nos gêneros produzidos, para a ob-
servação das dificuldades apresentadas e para a verificação dos
progressos feitos.
Depois de estudarem as características dos gêneros em rede para
a elaboração do roteiro cinematográfico e de assistirem aos curtas-
-metragens selecionados, os alunos partiram para a elaboração do
próprio roteiro. No oitavo encontro, eles iniciaram suas produções
em sala de aula, mas tiveram que as concluir sozinhos, organizando
seus horários da melhor maneira possível, como quisessem, já que o
Celtx, software usado para produção dos roteiros, permite isso. Após
a correção do roteiro em laboratório, sua reescrita também foi feita
em um momento escolhido pelos alunos, individual e independente-
mente. Para a segunda correção, foi solicitado também que, em uma
data pré-determinada, os alunos enviassem seus textos por e-mail.
Os textos produzidos pelos discentes serviram para que se
investigasse a apropriação de cada um dos gêneros envolvidos
neste estudo, usando como critérios de análises o atendimento à
função social e aos aspectos composicionais de cada um deles.
Pelos textos, identificamos dificuldades, inadequações, melhorias,
progressos. Como há uma rede de gêneros envolvidos, para cada
um deles há critérios de análise distintos, pois cada um exerce uma
função diferente nessa rede.

189
Múltiplos olhares para a educação básica

Avaliação dos resultados

Para melhor ilustrar a proposta metodológica, calcada no rotei-


ro cinematográfico, exposta, elegemos um contínuo de gêneros
(storyline, sinopse, escaleta e roteiro) elaborado por um aluno entre
os cinco analisados na pesquisa de origem. Ele será denominado
de Aluno 01.

I. A storyline em sua versão final

Ao analisar cada texto, buscou-se identificar tema e premissa,


que respondem ao questionamento “O que se quer dizer com essa
storyline?”. Essas respostas foram confirmadas ou reformuladas du-
rante o atendimento individual feito em laboratório. Definidas essas
primeiras questões, foi o momento de analisar o conflito-matriz, que
se relaciona com as seguintes questões: i) Qual o conflito? ii) Qual
seu resultado? iii) Como ele é resolvido?
Cada uma dessas perguntas corresponde a um momento da
narrativa (começo, meio e fim). Elas foram fundamentais para verifi-
car a integridade do conflito-matriz. Segue, portanto, o exemplo da
storyline do Aluno 01.

190
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Um homem e um orgulhoso policial são chamados para deter um androide


que se rebelou aos humanos após ver sua história. Ele está cometendo vários
crimes temporais. É revelado que o homem é um androide que foi usado para
impedir esse criminoso, o homem elimina o androide. No retorno, o homem
é desligado e desmontado para evitar outro desastre.

Storyline

O texto do Aluno 01 apresenta “inteligência artificial” como o


tema de seu filme. Sua premissa é a de que a criatura pode se vol-
tar contra seu criador. O conflito gira em torno de crimes temporais
cometidos por um androide. Diante disso, um homem indefinido e
um orgulhoso policial são contratados para detê-lo. Contudo, esse
homem descobre que também é um androide. Ao fim, o homem
elimina o primeiro androide, mas precisa ser desligado para evitar
possíveis problemas.
A storyline do Aluno 01 traz em seu corpo o conflito-matriz defi-
nido. Há um começo, em que se apresenta a complicação; um meio,
em que ações e possíveis reações são demonstradas; e um fim,
em que se indica o que será feito ao final da narrativa para resolver
o problema. Em poucas palavras, o cerne da história que se quer
desenvolver é apresentado. O aluno conseguiu atender à função e
aos aspectos composicionais desse gênero textual de forma provei-
tosa após muitas refacções, pois, sendo um gênero curto, exige-se
precisão, clareza, atratividade e completude, atributos essenciais
para que o texto produzido alcance seu propósito, mas que não

191
Múltiplos olhares para a educação básica

eram apresentados, a princípio, nos seus textos, por falta mesmo


de prática no manejo desse gênero.
A maior dificuldade encontrada com relação aos padrões do gê-
nero foi o uso do pretérito perfeito, usado para narrar a história como
se ela já estivesse gravada. Foi preciso marcar cada um dos verbos
no texto e sinalizar com um comentário a fim de que a correção
fosse feita. Ao fim, houve o atendimento aos parâmetros exigidos:
texto curto, escrito em um único parágrafo; usando a 3ª pessoa do
discurso e verbos no presente; não apresentando tempo, espaço
ou personagens aprofundados, concentrando-se na apresentação
do conflito-matriz.

II. A sinopse em sua versão final

A sinopse é o gênero no qual se define a história, estruturando-a


com base nos três atos, mas, para se ter uma história, faz-se neces-
sário que haja personagens para vivê-la. É momento, também, de
revelar quem são esses personagens, definindo-os, traçando-lhes
um perfil. Durante o processo de desenrolar da história, deve-se ter
atenção para a transformação que o personagem deve sofrer. Ele
não pode terminar da mesma forma como começou. Isto porque
toda história contada tem a intenção de transmitir um ensinamento,
de forma explícita ou implícita. A narração é um tipo de estratégia
argumentativa; muitas vezes, até mais eficaz que qualquer outra,
porque, por um exemplo, as pessoas deixam-se convencer mais
facilmente. Adam (1992) nomeia de “moral” esse ensinamento das
narrativas; premissa é o termo usado pelos roteiristas.

192
Gêneros textuais e (multi)letramentos

No Ato I, proposto por Field (2001, p.14), deve-se ambientar o


espectador apresentando as circunstâncias em que a história acon-
tecerá, os personagens e o problema a ser enfrentado. Vejamos a
sinopse (Ato I) do Aluno 01:

Na sede da ONU no ano de 20XX, numa ilha distante, os países discutem


se convém ou não o uso da viagem temporal para corrigir atos passados,
vivenciar o passado e etc. Joel, Gordon e Lisie fazem parte da elite de ope-
rações especiais mundial.
Joel tem problemas de comunicação, está completando seus 27 anos, foi
um aluno bem aplicado na escola e é bem respeitado no setor onde trabalha
de operações especiais.
Gordon é chefe de Joel, sempre exige muito dele, sempre o acompanha
em missões, tem muito respeito por ele, porém nunca o disse para “manter
a pose”.
Lisie trabalha na parte técnica do trabalho, sempre se comunica com eles
via rádio, orientando sobre os riscos e dando informações da área.

Sinopse (Ato 01)

A partir de mediações, a definição do tempo, do lugar e dos


personagens pôde ser realizada. Foi a fase de apresentação dos
elementos narrativos “QUANDO”, “ONDE” e “QUEM”. Após essa ex-
planação geral, o problema é estabelecido e as circunstâncias em
torno da ação são esclarecidas. Problema e circunstâncias finalizam
o Ato I. Vejamos essa conclusão no fragmento do texto do Aluno 01.

193
Múltiplos olhares para a educação básica

A ONU concorda com a decisão de viagem temporal desde que sejam


enviados androides de inteligência artificial (I.A), então após meses de de-
senvolvimento e programação as nações conseguem produzir seus robôs
para explorarem a história. O projeto
R.I.A.V.T (Robôs de Inteligência Artificial para Viagens Temporais) é colocado
em ação, o robô Jack é quem está comandando a operação.
Jack foi uns dos primeiros a serem montados para o R.I.A.V.T., sempre se
destacou na forma como agia e pensava, parecia com um humano perfeito,
calmo não demonstrava qualquer traço de ódio, intelecto alto e sempre foi
muito independente de seus criadores e suas diretrizes, tão independente
que ao ver a história dos humanos ele começa a desenvolver um ódio e
indignação a eles, ele começa a tentar convencer seus “irmãos” a montar
uma revolução contra os humanos, porém eles não o dão ouvidos.
Seu ódio fica nítido aos humanos após Jack sabotar outro grupo de androi-
des e roubar a máquina do tempo deles, a partir daí Jack coloca seu plano
de revolução para funcionar, ele está bagunçando o tempo, matando per-
sonalidades, levando elas para outros tempos. A ONU toma uma medida
imediata e manda as forças especiais mundial para deter a ameaça “Jack”.
Joel, Gordon, Lisie estão entre os escolhidos para deterem ele.

Sinopse (Ato I - concluído)

Estabelecidos o tempo, o lugar, os personagens e o problema,


é a fase de desenvolver o enredo. O ato II é o mais longo dos três,
pois é nele que são apresentados os obstáculos enfrentados pelo
protagonista e suas tentativas de alcançar o que almeja. Chega-se,
portanto, ao “QUAL”, qual história será contada, qual ação dramática
será desenvolvida. A análise se concentra na identificação das ações
principais empreendidas pelo protagonista.

194
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Um batalhão viaja em diversos momentos históricos para deterem Jack. Ele


sabota todas as operações, mas deixa apenas Joel, Gordon e Lisie, que deixa
eles tentarem capturá- lo, como gato e rato.
Até um certo ponto Jack para de fugir, leva o trio para o futuro da humanida-
de, um cenário calmo, sem guerra ou sofrimento, Gordon fica maravilhado,
Jack diz que era um lugar perfeito para morar um cenário angelical, porém
os humanos não o mereciam, as mortes, os erros TUDO deveria ser pago no
futuro, porém os humanos viviam em paz, Jack queria ver o sofrimento da
raça humana e sua extinção. Ele e Gordon discutem, Gordon abraça Jack e
o chama de filho, Gordon foi o criador de Jack. Um momento se abraçando
Gordon morre, Jack com uma faca na mão diz: “Nem todos os humanos são
ruins afinal” com Gordon agoniando no chão Joel se aproxima dele e tenta se
comunicar com ele. Gordon diz que Joel também era um androide, sempre
foi muito apegado a ele o via como filho em seus últimos momentos Gordon
fala o “eu te amo” que nunca tinha coragem de dizer enquanto vivo, Jack e
Joel eram irmãos.

Sinopse (Ato II)

Na sinopse, identifica-se que o aluno buscou desenvolver o


enredo através de ações realizadas pelos protagonistas. Joel, Lisie
e Gordon viajam no tempo para deter Jack; Gordon, antes de sua
morte, discute com Jack e revela para Joel que este também é um
androide.
O Ato III é aquele em que se apresenta a resolução do problema
e estabelece-se a situação final. Ao fim desse ato, vendo a história
em sua completude, é possível analisar o que se pretende transmitir
com a narrativa, que ensinamento está sendo passado, que premissa
está sendo defendida.

195
Múltiplos olhares para a educação básica

Cego pelo ódio Joel ataca Jack, os irmãos estavam em lados diferentes
da revolução, numa luta violenta Joel mata Jack... E volta para o presente
como herói.
O “herói” é chamado para dar o relatório da missão. Ingênuo, Joel conta
nos mínimos detalhes. A operação especial toma a decisão de apagar a
memória de Joel, desligá-lo e desmontá-lo, para evitar outro desastre
como esse.
Sinopse (Ato III)

No trecho, a resolução do problema é o assassinato de Jack


praticado por Joel. Conflito resolvido. Após isso, uma situação final
é apresentada: Joel é desligado para evitar futuros desastres. Desse
modo a narrativa é concluída.
A sinopse observada apresenta integridade, pois atende às espe-
cificidades dos três atos que compõem um roteiro cinematográfico,
mas, para se chegar a essa qualidade, houve muitas dificuldades. A
princípio, o aluno não conseguia elaborar ações sólidas para cada
um dos três atos, foi preciso intervir diversas vezes corrigindo o texto,
indicando o que faltava e dando sugestões. No atendimento aos
aspectos composicionais, o texto satisfaz aos requisitos. É escrito
em 3ª pessoa e no presente do indicativo; tem espaço, tempo e per-
sonagens definidos; apresenta a ação dramática bem desenvolvida.
Tudo isso após várias intervenções.

196
Gêneros textuais e (multi)letramentos

III. A escaleta em sua versão final

A escaleta é um gênero que apresenta uma estrutura composi-


cional diferente das narrativas com as quais estamos acostumados
a trabalhar. A história que está sendo criada deve ser pensada em
imagens. Escreve-se como se imagina que a cena deva ser transmi-
tida ao telespectador. Como apreciadores da 7ª arte, sabemos que
um filme não se passa em um único tempo e lugar. Ele é composto
de recortes que, ao fim, geram um todo significativo. Sendo assim,
a escaleta deve apresentar em sua estrutura cabeçalho e descrição
da ação, o que marca essas partes que formam o todo. A cada novo
cabeçalho, uma nova cena é criada. Quando se deve criar uma nova
cena? Sempre que o tempo e o espaço mudarem.
A ordem clássica da narrativa (começo, meio e fim) pode muito
bem ser utilizada em um romance; a quebra dessa ordem pode ser
feita em um suspense ou em uma ficção científica, como feito pelo
Aluno 01 em sua escaleta. Vejamos como ele a inicia.

CENA 1- CIDADE DESTRUÍDA- EXT./TARDE

Aparece em close suor escorrendo pela face do homem que ficará inde-
finido, ele para, olha para trás e começa a gritar.

197
Múltiplos olhares para a educação básica

CENA 2- SALA FECHADA-INT./NOITE

Vários líderes de países discutem arduamente um tema. Gordon, que está


conversando com Joel, fala que se puderem fazer viagens intertemporais
será um marco histórico, até que por fim o debate termina e todos se
cumprimentam. O líder de estado, James, abraça Gordon e diz que isso
é um marco na história, finalmente o sonho R.I.A.V.T se tornará realidade.

CENA 3- LABORATÓRIO-INT./NOITE

Aparece em close o corpo de um homem, porém seu rosto não será deixado
à mostra, ele abre a cabine e dela sai Jack. O homem e Jack se abraçam.

CENA 4- SALA DE REUNIÕES- INT./DIA

Os presidentes das maiores potências econômicas discursam sobre o


projeto R.I.A.V.T, eles são aplaudidos durante todo o discurso. Logo após,
Joel e Lisie vão a um encontro.

Pela leitura do fragmento, verifica-se que há três eventos distin-


tos sendo mostrados: alguém em um local destruído, uma reunião
com vários líderes das maiores potências mundiais e o encontro
de Jack com alguém misterioso. Cena 1, cenas 2/4 e cena 3 acon-
tecem em momentos diferentes da narrativa. Entretanto, a fim de
construir um ambiente enigmático e gerar suspense, o aluno optou
por aproximá-las, intercalando esses eventos, rompendo com a
estrutura clássica e antecipando futuros acontecimentos, o que
gera curiosidade nos espectadores. Esse padrão de intercalação

198
Gêneros textuais e (multi)letramentos

de cenas de tempos distintos da narrativa é seguido pelo aluno em


toda a sua escaleta, o que estabeleceu movimentação e dinamismo
à sequência de cenas por ele criada.

IV. O roteiro em sua versão final

O roteiro produzido pelos alunos é o literário, aquele que se


concentra em narrar a história apresentando a descrição das cenas.
É o filme em palavras. Por ele, é possível imaginar cada episódio a
ser transformado em imagens. Para sua elaboração, pensa-se nas
ações dos atores, no movimento da câmera, nos efeitos sonoros e
nos objetos importantes para compor a cena. É momento também
de definir os diálogos e de pôr as rubricas; tudo isso sem ser exces-
sivo, buscando o máximo possível de objetividade e de concisão.
No roteiro do Aluno 01, há a instituição de um problema que gera
ações conflituosas entre forças opostas na busca por uma resolução:
o desejo de vingança nascido em Jack ao ver seus irmãos androides
serem destruídos.

14. EXT CIDADE DESTRUÍDA-TARDE

Aparece em close suor escorrendo pela face do homem que ficará


indefinido. Cenas 6,7,8 e 9 passam rapidamente. Ele para, olha para trás
e começa a gritar.

HOMEM
(gritando com raiva) Maldito seja!!!

199
Múltiplos olhares para a educação básica

O close lentamente vai se afastando, revelando um cenário destruído.


Rapidamente um close na face de ódio de Jack. Ele liga para James

JACK
James? A culpa é sua, todos os meus irmãos estão mortos por que você
fez isso?

A partir disso, ele age para tentar se livrar dos planos empre-
endidos pelo antagonista, James, e para dele se vingar. Para isso,
começa a fazer viagens no tempo, elimina alguns androides, tenta
salvar Marilyn Monroe, mata Gordon. Ações que geram reações.

GORDON

N-No que você se tornou, filho?

Gordon o abraça, Jack se levanta surpreso, relembra a cena 3, 15.3 e 15.6,


sendo revelada a face de Gordon. Jack o abraça.

JACK

Eu me tornei morte, a destruidora de mundos.

Jack mata Gordon, olha para Joel e se afasta. Joel corre para os braços
de Gordon.

JOEL

P-Por que? Gordon, respire, vamos, vamos você consegue! Por favor fique
comigo.

200
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Observando os trechos antes apresentados, verifica-se que o


roteiro cinematográfico é um gênero multimodal. Dionísio (2014, p.42)
entende a multimodalidade como “as combinações de diferentes
modos4 para criar sentido”, ou seja, imagens, palavras, sons, cores,
tamanhos, ângulos, efeitos visuais e tantos outros podem se unir
e formar um todo significativo. No roteiro, além do trabalho com
diferentes semioses, o formato das letras e a disposição do texto
no papel é bastante diversificada, pois, dependendo do elemento
textual que se está escrevendo, a formatação deve ser mudada. Pe-
los fragmentos, verifica-se que, em uma cena que apresenta todos
os componentes possíveis (cabeçalho, ação, personagem, rubrica,
diálogo e transição), cada um desses itens ocupa uma posição na
folha e tem uma forma determinada. Sem realizar uma leitura atenta
do roteiro, só pela observação do texto na folha, é possível identificar
cada um deles.
Ao fim do processo, o Aluno 01 conseguiu produzir seu roteiro
cinematográfico atendendo às especificidades desse gênero, à fun-
ção social (ser base para uma produção audiovisual) e aos aspectos
composicionais (uso da 3ª pessoa, verbos no presente, presença de
diálogos e rubricas, uso de letras maiúsculas para marcar o cabe-
çalho, o nome dos personagens e os efeitos sonoros).

4. Modos são os grupos organizados de recursos semióticos para geração de sentido.


(DIONÍSIO, 2014, p.49)

201
Múltiplos olhares para a educação básica

Considerações finais

A realização desta intervenção trouxe contribuições no que


tange à produção textual, porque possibilitou o desenvolvimento
de uma escrita autoral, engajada e criativa. Para a construção do
roteiro cinematográfico, os alunos tiveram que desenvolver uma
ideia original, imprimindo em seus textos uma marca pessoal a partir
de elementos que os diferenciassem dos outros. Para isso, o exer-
cício da imaginação foi fundamental, fazendo com que o potencial
criativo dos discentes fosse aprimorado. Houve um engajamento
nas atividades propostas apesar das dificuldades. Como o trabalho
com os aspectos linguístico-textuais foi diferente das propostas
tradicionais de ensino, os alunos participaram com interesse desse
evento de escrita.
A análise da apropriação dos gêneros envolvidos nesta interven-
ção fez com que se confirmasse o pensamento inicial que motivou
este estudo: o cinema, como ferramenta de ensino, é capaz de
desenvolver as competências linguísticas, a criatividade e o senso
crítico dos alunos.
Dentro de um contexto estranho à escola, os alunos foram
desafiados a produzirem textos com os quais não estavam acostu-
mados. Movidos por curiosidade e por interesse, eles participaram
efetivamente de um evento de escrita real, pois escreveram para a
produção de audiovisuais e de um livro digital, atividades a serem
ainda realizadas. Tendo um público-alvo amplo e um objetivo traça-
do, as produções textuais apresentaram, em sua maioria, qualidade
na forma e no conteúdo. Desde a storyline, passando pela sinopse,

202
Gêneros textuais e (multi)letramentos

escaleta e chegando ao roteiro cinematográfico, os alunos foram


ampliando a ideia inicial, enriquecendo o enredo com novos ele-
mentos e dando acabamento à história nos momentos de reescrita.
Deixamos aqui uma contribuição do quanto o trabalho com o
gênero roteiro cinematográfico é profícuo para uma prática de ensino
de Língua Portuguesa crítica e significativa.

Referências

ADAM, J. M. Le prototype de la séquence narrative. In: Les textes: types et prototypes.


Tradução de Elisabeth Linhares Catunda e Socorro Cláudia Tavares de Souza. Paris:
Nathan, 1992. p. 45–74.

CAVALCANTE, M. M. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2013.

COMPARATO, D. Da criação ao roteiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

DIONÍSIO, A. Multimodalidades e leituras: funcionamento cognitivo, recursos semi-


óticos, convenções visuais. Recife: Pipa Comunicação, 2014.

FIELD, S. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2001.

KOCH, I. V. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

SWALES, J.M. Research genres: explorations and applications. New York: Cambridge
University Press, 2004.

203
Capítulo 8

204
Práticas de ensino e o uso
de aplicativos em sala de aula

Carolina Coelho Aragon

Um dos saberes necessários à prática educativa é


o que adverte da necessária promoção da
curiosidade espontânea para
a curiosidade epistemológica.
(FREIRE, 1996, p.88)

Introdução

Vive-se em uma sociedade rodeada por tecnologias que interfe-


rem diretamente na estrutura social. Quando se trata de educação,
as novas tecnologias, também, têm exercido um papel direto, ino-
vando o ensino. Elas estão cada vez mais frequentes no dia a dia dos
alunos e, segundo Silva (2016), “o ensino de línguas não está imune
a tantas mudanças e, por isso, demanda que haja uma constante
adaptação para contextos e necessidades atuais por parte dos envol-
vidos no processo” (p. 91). Sendo assim, é dentro dessa perspectiva
que este relato objetiva apresentar uma experiência desenvolvida
com graduandos do curso de Letras da Universidade Católica de
Brasília (UCB). Os alunos foram desafiados a criar conteúdos para

205
Múltiplos olhares para a educação básica

aplicativos voltados ao ensino de português como segunda língua


(PL2) ou língua estrangeira (PLE) na disciplina optativa “O Ensino de
Português como Língua Estrangeira”. O intuito do presente trabalho
é, assim, apontar práticas voltadas à formação de professores de
línguas, envolvendo o uso de tecnologias digitais em sala de aula.
Para Leffa (2012), há um contraste evolutivo associado à prática.
No passado, o professor subordinava-se ao método, isto é, à tentativa
de encontrar um método universal para usá-lo como palco central
de suas aulas. Atualmente, observa-se sérias consequências em
tentar achar uma aplicação global para todas as práticas docentes;
o ensino de línguas atinge a era pós-método.
Chega-se à conclusão que o professor é quem deve decidir o
que fazer em sala de aula, utilizando suas experiências, observan-
do as dos seus alunos, integrando-se ao contexto social dentro e
fora da escola, moldando-se à era digital. Por meio de experiência
pessoal, mostrarei como a produção de um projeto de aplicativo
móvel poderá oferecer técnicas e recursos para o ensino de línguas,
contribuindo para a formação docente dos alunos.
A seguir, fundamentado nesse raciocínio, apresentarei uma breve
caracterização do Curso de Letras da UCB e das turmas envolvidas
nesta experiência para, então, descrever detalhadamente o trabalho
realizado. Por fim, avaliarei os resultados obtidos e apresentarei as
considerações finais.

206
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Caracterização da universidade e da turma

A UCB possui duas habilitações dentro do curso de Letras: Por-


tuguês e Inglês. O curso integra a Escola de Educação, Tecnologia
e Comunicação da Universidade e consta com professores com
perfis na área de Língua e Literatura. Atuo em ambas as habilitações,
ministrando disciplinas na área de Linguística.
Uma das disciplinas optativas disponibilizadas pelo Curso de
Letras é “O Ensino de Português como Língua Estrangeira”, a qual é
ofertada no oitavo semestre dos alunos de ambas as habilitações.
A disciplina visa apresentar aos estudantes estruturas e vocabulá-
rios do português do Brasil, bem como discutir técnicas de ensino/
aprendizagem de PLE/PL2. Um dos objetivos, como disciplina do
curso de Letras, é proporcionar aos graduandos, habilitados em por-
tuguês e/ou língua estrangeira, um campo de estudos alternativos,
cada vez mais crescente e que exige uma formação especializada.
Para isso, busca promover o conhecimento do processo de ensino/
aprendizagem de PLE/PL2, a partir das discussões e abordagens
pedagógicas contemporâneas para o ensino de línguas1.
A experiência aqui descrita engloba atividades aplicadas em
dois semestres letivos distintos. No primeiro semestre (2016), ela foi
ministrada no período matutino com um total de 22 alunos matricu-
lados, com faixas etárias de 20 a 25 anos, aproximadamente. E no
segundo semestre (2017), a disciplina foi ofertada no período notur-
no com 23 alunos, faixas etárias em torno de 20 a 45 anos. O perfil

1. Reflexões retiradas da ementa e do plano de ensino da disciplina.

207
Múltiplos olhares para a educação básica

socioeconômico dos discentes é bastante variado e o curso atende


alunos de Brasília e de regiões vizinhas. As licenciaturas tendem a
receber estudantes oriundos de classe sociais que, em muitos casos,
necessitam de incentivo financeiro para concluir a graduação – uma
realidade de muitas universidades brasileiras.
As aulas foram ministradas parte em sala de aula e parte no Labo-
ratório de Estudos da Linguagem, onde os alunos tinham acesso aos
computadores e à internet. Quanto ao grau de participação dos alu-
nos, afirmo que foi imenso (superando minhas expectativas iniciais),
já que a ideia de criar um aplicativo era nova para todos os alunos
de ambos os semestres. Os menos habilidosos com as ferramentas
digitais, juntaram-se aos que tinham maior destreza. Isso tornou o
manuseio de programas e sites uma prática rápida, ajudando a obter
bons resultados no tempo de um semestre letivo - como veremos
mais adiante. Na próxima seção, descreverei as etapas de execução
do aplicativo, bem como as atividades realizadas.

Descrição da experiência

A descrição da experiência será dividida em três partes para


facilitar a compreensão do leitor, a saber: Parte I - abordarei os pro-
cedimentos que envolveram a produção do aplicativo no primeiro
semestre (2016); Parte II - mostrarei como essa mesma produção
envolveu a turma dos alunos do período noturno (2017); e Parte III -
quais as diferenças encontradas em ambas as dinâmicas.

208
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Para a criação do aplicativo, utilizamos a plataforma online “Fá-


brica de aplicativos”2. Esse site foi crucial para o desenvolvimento e
execução das atividades aqui descritas, uma vez que já possui toda
a programação e diagramação para a produção e construção de
aplicativos para celulares e tablets.

Parte I

Com a turma do primeiro semestre (2016), o primeiro passo foi


dividi-la em grupos (essa divisão foi feita pelos próprios alunos)
para que pudessem ler, estudar e apresentar um dos assuntos te-
óricos selecionados previamente por mim e disponibilizados para
todos no plano de ensino. Nesta primeira fase, os alunos puderam
discutir questões teóricas de metodologia aplicadas nas práticas
pedagógicas de PL2/ PLE, o estudo contrastivo de línguas próximas
e distantes, bem como os aspectos fonológicos, morfossintáticos,
semânticos, lexicais e culturais envolvidos neste tipo de ensino. Desta
forma, a turma pôde compreender os princípios teóricos básicos e
conhecer mais sobre as problemáticas que envolvem o ensino de
línguas.
Na segunda fase da disciplina, os estudantes deveriam nova-
mente se reorganizar em grupos para elaborar um projeto piloto do
aplicativo. Neste projeto, os alunos precisavam deixar delimitado o
grupo de falantes não nativos da língua portuguesa que gostariam
de trabalhar, apresentando um tema dentro do ensino de línguas,

2. Endereço eletrônico: https://fabricadeaplicativos.com.br.

209
Múltiplos olhares para a educação básica

como por exemplo “Falsos cognatos no ensino de PL2 para falantes


de espanhol”. Em seguida, justificavam a escolha do tema e apresen-
tavam os objetivos. Por fim, o grupo descrevia, brevemente, como
gostariam de trabalhar os conteúdos dentro dos aplicativos. Assim,
após entregarem o projeto piloto impresso, recebiam as minhas
observações com relação ao desenvolvimento do projeto.
Com o projeto organizado, partimos para a elaboração do APP.
Com essa turma, criei um cadastro único na fábrica de aplicativos e
compartilhei o login e senha com todos os estudantes. Desta forma,
todos os grupos trabalharam no desenvolvimento de um mesmo
aplicativo. Para que isso acontecesse, cada grupo ficou responsável
pela criação de uma aba para compor o APP. A partir deste momento,
as aulas passaram a ser ministradas tanto na sala de aula quanto no
Laboratório de Estudos da Linguagem, já que a criação do aplicativo
só poderia ser feita pelo computador.
A terceira fase consistiu na elaboração manual de jogos lúdicos.
Os alunos precisavam construir em grupo um jogo, utilizando ape-
nas cartolina, tesoura, cola e caneta (ver Figura 01). O objetivo era
criar pequenos protótipos de jogos que pudessem facilitar o ensino
de PL2/PLE e, com isso, desenvolver ideias práticas de exercícios,
atividades, quiz, etc., que pudessem ser inseridos no APP.
Os alunos construíram o aplicativo ao longo do semestre. Cada
aula, era mais um passo para o avanço da construção do primeiro
APP da turma. Durante a construção das abas, os alunos contavam
não só com a minha orientação, como também com a discussão
entre os integrantes do grupo. Vale ressaltar que para cada item
adicionado ou atualizado no aplicativo, eles deveriam checar a pro-

210
Gêneros textuais e (multi)letramentos

dução no celular, uma vez que todos os alunos já haviam baixado


o aplicativo em seus aparelhos móveis. Desta maneira, poderiam
verificar se o layout do aplicativo, como por exemplo a fonte utilizada,
estava apropriada para ser lida no celular nas diferentes plataformas,
bem como verificar o que os outros grupos estavam construindo
nas demais abas.
No total, os alunos construíram sete abas (ver Figura 02). Abaixo,
apresento o nome que cada grupo deu à aba que desenvolveu, bem
como os objetivos que permearam sua criação:

• Vocabulário – criar um espaço de um dicionário online


para que o aluno aprendesse diferentes palavras do dia a
dia do brasileiro, incluindo gírias;
• As regiões e suas músicas – trabalhar, por meio das
músicas regionais, as variações linguísticas. Focaram na
desmistificação dos preconceitos linguísticos;
• Culinária brasileira – ampliar o vocabulário do aprendiz
dentro deste contexto por meio da apresentação dos
diferentes pratos típicos brasileiros (utilizando imagens e
descrição das mesmas);
• Gêneros – discutir a marcação de gênero (feminino e mas-
culino) na língua portuguesa, com exercícios gramaticais,
explicações e links externos;
• Ambiguidade – mostrar os diferentes sentidos que uma
palavra pode ter em contextos diversos. Para discutir o
tema, utilizaram letras de músicas populares;

211
Múltiplos olhares para a educação básica

• Pronúncia da palavra – desenvolver a pronúncia do


aprendiz. Para isso, filmaram alguns integrantes do gru-
po pronunciando palavras que poderiam (na concepção
deles) ser difíceis para falantes não nativos da língua
portuguesa. Decidiram pela filmagem para focar na arti-
culação dos sons;
• Expressões Idiomáticas – abordar algumas expressões
idiomáticas da língua portuguesa. Trabalharam com flash-
cards criados no site goconqr (ver Figura 03);
• A cultura da Pechincha – desenvolver materiais sobre o
que é “pechinchar” e qual o significado dessa palavra na
cultura brasileira.

Parte II e III

Com a turma do segundo semestre (2017), alguns dos processos


descritos anteriormente não aconteceram, sendo eles: a) a produção
manual dos jogos lúdicos; b) nesta turma cada grupo criou o seu
próprio aplicativo, ao invés de criar diferentes abas para o mesmo
aplicativo, como foi feito pela turma anterior; e c) cada grupo apre-
sentou a versão final do seu aplicativo para os demais alunos, os
quais puderam conhecer e opinar sobre as novas criações.
A escolha por trabalhar com o desenvolvimento de diferentes
aplicativos foi colocada por mim para debate no início do semestre.
Os alunos optaram por criar diferentes aplicativos, ao invés de inves-
tirem esforços na criação de um único para toda a turma. Quanto à
atividade de produção manual de jogos, essa não ocorreu devido

212
Gêneros textuais e (multi)letramentos

ao tempo, que por conta de alguns feriados, preferimos organizar o


plano de ensino de uma forma diferenciada, focando diretamente
na criação do aplicativo.
Desta forma, apresento, brevemente, a descrição dos cinco apli-
cativos (ver Figura 04) desenvolvidos pelos alunos, iniciando pelo
nome do APP criado pelos membros dos grupos seguido pela sua
descrição:

• Falsos Cognatos – a proposta era criar um aplicativo que


focasse em organizar um vocabulário com falsos cognatos
para falantes nativos do espanhol. Dentro do aplicativo,
criaram as abas de acordo com a categoria dos significados
dos falsos cognatos: “Alimentação” e “Ensino”. As outras
abas eram: “Quiz” com exercícios criados no site jotform,
“Vídeo” (não foi desenvolvido até a entrega final do apli-
cativo) e a aba “Fale conosco” (ver Figura 05). Os grupos
não desenvolveram todas abas completamente, devido ao
tempo, já que deveriam concluir apenas parte do aplicativo
até o fim do semestre.
• Viver o Brasil – desenvolvido para imigrantes/refugiados
que vivem em Brasília. A primeira aba “Linhas de ônibus”
foi criada para mostrar as linhas de ônibus disponíveis
para os diferentes pontos turísticos da cidade. A segunda,
“Expressões do Português”, objetivou listar as expressões
idiomáticas mais usadas em Brasília (segundo a opinião
e perspectiva do grupo), com exercícios práticos. E, por
último, criaram a “Galeria de áudio”, onde inseriram gra-

213
Múltiplos olhares para a educação básica

vações de alguns integrantes do grupo falando algumas


das palavras utilizadas na aba “Expressões do Português”.
• Brasileirando – o grupo trabalhou no desenvolvimento
de um aplicativo para os povos indígenas. Não focaram
em uma língua ou cultura indígena específica por não
conhecerem, de fato, as questões que envolvem grupos
específicos e seus contextos escolares. Logo, pensaram
em criar abas que pudessem trabalhar com problemá-
ticas retiradas de algumas teorias discutidas durante os
seminários. Assim, desenvolveram três abas: “Palavra e
contexto”, apresentando os diferentes contextos de uso das
palavras “morrer” e “saudade” com: exemplos, exercícios e
imagens; “Expressões Idiomáticas” com um quiz constando
exercícios com algumas expressões idiomáticas; e “Nome
e Cultura” com diferentes imagens de comidas típicas
brasileiras e como são conhecidas em diferentes regiões,
como: mandioca, aipim e macaxeira.
• Brasil fala inglês – o grupo que organizou este aplicativo
era composto apenas por alunos da habilitação em Letras
Inglês. Objetivando trabalhar com a língua inglesa, criaram
uma proposta de ensino de português para falantes na-
tivos do inglês. Focaram no ensino de palavras da língua
portuguesa que são empréstimos do inglês ou com ori-
gem latina, as quais possuem semelhanças com a língua
portuguesa na escrita e pronúncia. Com isso, criaram a aba
“Vídeos” – eles filmaram integrantes do grupo em cenas
cotidianas, envolvendo diálogos na temática do futebol e

214
Gêneros textuais e (multi)letramentos

facebook. Fizeram o download desse material no youtube


e o inseriram no aplicativo. Na outra aba, “Galeria de áudio”,
gravaram integrantes do grupo falando palavras como
twitter e whatsapp com o intuito de mostrar a pronúncia dos
brasileiros para estes empréstimos lexicais. A aba “Mural
de dúvidas” foi reservada para o contato do aluno com o
professor. Criaram também a aba “Primeira atividade”, com
exercícios; a aba “Quiz” trouxe mais atividades voltadas para
a escrita (ver Figura 06); e a aba “Lista” - relação de algumas
palavras usadas ao longo do aplicativo.
• Português para hispanofalantes – criado para ser utilizado
com falantes nativos de espanhol. O grupo focou no ensino
de falsos cognatos e expressões idiomáticas. Criaram as
abas: “Álbum de fotos” com fotos de lugares turísticos do
Brasil; “Spotify”; “Youtube” (sem material até o momento
que entregaram a versão final do aplicativo); e “Lista de
Texto” com atividades e explicações sobre falso cognatos
e expressões idiomáticas.

Avaliação dos resultados

A experiência mostrou resultados positivos no que se refere,


principalmente, ao: a) entusiasmo do aluno em expandir seus co-
nhecimentos; b) técnicas dinâmicas para trabalhar letramentos
múltiplos em salas de aulas do ensino superior; c) postura crítica
do aluno sobre o que e como ensinar línguas envolvendo o uso de
tecnologias digitais.

215
Múltiplos olhares para a educação básica

Novos desafios ao ensino de línguas crescem com as mudan-


ças sociais e de novas práticas discursivas. Esses novos desafios
estão associados, muitas vezes, às tecnologias de informação e
comunicação, que tendem, cada vez mais, a requerer dos alunos
capacidades diferentes de leitura e escrita. Com a experiência aqui
descrita, os graduandos puderam compreender a necessidade de
conhecer e criar atividades distintas que não só levassem as pes-
soas a aprender sobre a língua e cultura brasileira, mas também ter
motivação para isso. A criação do aplicativo pôde proporcionar um
espaço para utilizarem a tecnologia como um facilitador do processo
ensino-aprendizagem.
Rojo (2012) apresentou diversos trabalhos que discutiram propos-
tas de ensino de língua portuguesa, os quais chamou de protótipos,
isto é, “estruturas flexíveis e vazadas que permitem modificações
por parte daqueles que queiram utilizá-las em diferentes contextos
que não os das propostas iniciais” (p.8). Acredito que o relato desta
experiência com alunos da graduação, além de ser um exemplo
de protótipo didático, pôde deixá-los mais flexíveis com relação
às metodologias de ensino e às ideias de trabalho relacionadas à
era digital. Já que os alunos, para criar os aplicativos, tiveram que
lidar com diferentes gêneros, mídias e linguagens. Utilizaram desde
ferramentas como youtube, galeria de áudios, ferramentas do word
até spotify.
Importante ressaltar que o ensino de PL2/PLE, além de envolver
os aspectos linguísticos, requer também a compreensão da relação
entre língua e cultura. Conforme Ferreira (1998), a aquisição de uma
L2 ou LE abarca a aquisição de hábitos linguísticos como também

216
Gêneros textuais e (multi)letramentos

da assimilação da nova cultura. Logo, as fases de desenvolvimento


do aplicativo resultou em reflexões que levaram o graduando a
perceber a importância de se sensibilizar quanto a pensar em uma
abordagem culturalmente sensível, tendo a cultura como um faci-
litador do desenvolvimento da competência comunicativa.
Com isso, o material que produziram para os aplicativos, envol-
veu discussões sobre a pluralidade cultural existente no Brasil. Para
preparar tais materiais, os alunos tiveram que ler textos que compre-
endessem uma multiplicidade semiótica, o que, consequentemente,
resultou na produção de atividades com variadas linguagens. Isso
tudo caracterizou um ensino que demandou multiletramentos, no
sentido que incluísse “multiplicidade cultural das populações e a
multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos
quais ela se informa e se comunica.” (ROJO, 2012, p. 13).
Avaliamos, em sala de aula, se o uso do aplicativo criado por eles
seria realmente algo eficiente no processo ensino/aprendizagem dos
futuros aprendizes de PL2/PLE. Chegamos à conclusão que só seria
possível em um ambiente que todos tivessem acesso à internet e à
smart phones, pois, afinal, o ensino com novas tecnologias só é viável
onde os aprendizes realmente tem pleno acesso a elas – o que não
acontece em todos os contextos de ensino no Brasil. Desta forma, em
algumas situações de ensino de línguas, aprender a língua, por meio
de aplicativos, pode ser algo difícil de realizar-se. Ressalto ainda que
nenhuma das atividades desenvolvidas para os aplicativos nesses
dois semestres foram testadas com falantes não-nativos da língua
portuguesa e, infelizmente, os alunos não puderam ver a eficiência
ou não do que construíram. Mas, vale lembrar, que foi criado, aqui,

217
Múltiplos olhares para a educação básica

protótipos que, caso um dos alunos queira utilizá-los em salas de


aula de PL2/PLE, poderão pensar em adaptações e remodelar as
atividades escritas ou inserir e retirar vídeos e áudios para adequar-
-se às necessidades do futuro discente.
Outro ponto relevante para se destacar com relação aos resul-
tados obtidos, é que os alunos do primeiro semestre (2016), os que
trabalharam na produção de um único aplicativo, desenvolveram
abas abordando uma quantidade maior de atividades do que os
alunos do segundo semestre (2017). Isso se deve ao fato do segun-
do grupo ter criado diferentes aplicativos (um para cada grupo),
assim, precisaram de mais tempo para pensar na estrutura do APP,
no contexto, público-alvo e materiais relevantes para ser inseridos
dentro do prazo estipulado.
Desta forma, com a criação do aplicativo, pudemos alcançar os
seguintes objetivos:

• Refletir sobre a área de atuação de PLE;


• Identificar as diferentes abordagens, métodos e técnicas
de ensino de PLE;
• Explorar variados conteúdos e aspectos relativos à cultura
brasileira e sua interface com o ensino de PLE;
• Compreender as características do ensino de português
a falantes de outras línguas, notadamente no que diz res-
peito ao planejamento de cursos e à seleção e elaboração
de materiais didáticos e ao uso de tecnologias digitais.

218
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Uns dos objetivos citados acima, puderam também ser vistos


na apresentação de pôster que alguns dos alunos discutiram pos-
teriormente em um Congresso. Identificaram que é viável aplicar a
teoria de uma disciplina na prática quando focada na entrega de
um produto final, como neste caso, o aplicativo. Concluíram que o
projeto pode ser ampliado, tornando-se uma ferramenta de fácil
acesso para o ensino de línguas, já que, além de trazer conteúdos
relevantes, estão facilmente disponíveis.

Considerações finais

A experiência aqui relatada apontou, de forma geral, que o uso de


diferentes recursos, utilizando as tecnologias digitais, é viável para
o ensino de línguas e facilita o intercâmbio entre teoria e prática.
Durante essa experiência, percebi que o professor, de fato, passa a
atuar numa certa invisibilidade, como afirma Leffa (2012), deixando
mais visível o que se pretende ensinar e o caminho que o aluno deve
trilhar. É importante frisar que, nesta experiência, o professor precisa
dar as diretrizes para o aluno e norteá-lo quanto aos conteúdos que
pretende abordar, deixando com que o aluno se torne corresponsável
por seu aprendizado.
Assim, não só o aluno como também o professor, conceberam,
de forma positiva, a relação entre o ensino e o uso de tecnologias
digitais, o que resultou em novas formas de pensar e de compreen-
der as práticas pedagógicas. Desta forma, ocorreu uma associação
constante entre os diferentes conhecimentos de mundo e as técni-
cas que cada aluno trouxe para sala de aula. Assim, acredito que o

219
Múltiplos olhares para a educação básica

trabalho pôde ajudar os alunos a desmistificarem certas questões


linguísticas relacionadas ao ensino de línguas, bem como os ajudou
a relacionar língua e cultura de forma prática e eficiente.
De uma forma geral, as turmas tiveram absorções distintas e cria-
ções também diferenciadas, mostrando claramente que, embora os
resultados tenham ocorrido por diferentes viés, o produto final – a
criação do(s) aplicativo(s) – foi instigante e dotado de sentido, não
apenas com relação ao conhecimento teórico proposto pela disci-
plina, como com respeito à compreensão sobre como as tecnologias
digitais, que já fazem parte do cotidiano dos alunos, integradas à sala
de aula são capazes de envolver o discente ainda mais como sujeito
ativo no processo ensino-aprendizagem.
Ademais, esclareço que muito ainda deve ser desenvolvido/
ajustado/adicionado dentro deste protótipo didático, mas que, com
essas descrições iniciais, consideramos que é possível fazer com
que o ensino de línguas vá além de transmissão mecânica de regras.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para a reflexão do
docente sobre práticas didáticas envolvendo o uso de novas tecno-
logias, aliando os objetivos dos docentes aos propósitos dos alunos.

Referências

FERREIRA, I.A. Perspectivas interculturais na sala de aula de PLE. In: SILVEIRA, R.


C. P. da (org.). Português línguas estrangeira: perspectivas. São Paulo: Cortez, 1998.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São


Paulo: Paz e Terra, 1996.

220
Gêneros textuais e (multi)letramentos

LEFFA, V. Ensino de línguas: passado, presente e futuro. Revista de Estudos da Lin-


guagem, [S.l.], v. 20, n. 2, p. 389–411, dez. 2012. ISSN 2237-2083. Disponível em: http://
www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/article/view/2755/2710. Acesso
em: 16 out. 2017.

ROJO, Roxane. Apresentação: protótipos didáticos para multiletramentos. In: ROJO,


Roxane e Eduardo Moura (orgs). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola
Editorial, 2012.

ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos. In: ROJO, Roxane e Eduardo Moura
(orgs). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

SILVA, Antônia da. Pós-modernidade e novas tecnologias: o ensino-aprendizagem


de português língua adicional na era pós-método. In: Rubens Lacerda de Sá e Rita
de Cássia Augusto (orgs). Português para falantes de outras línguas: ensino-apren-
dizagem, tecnologias e letramentos – Volume II. Campinas: Pontes Editores, 2016.

Anexos

Figura 1. Exemplo de parte dos ma- Figura 2. Abas criadas pelos alunos
teriais produzidos na produção dos do primeiro semestre (2016).
jogos.

221
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 3. Conteúdo desenvolvido na aba “Expressões Idiomáticas”.

Figura 4. Aplicativos criados pelos alunos do segundo semestre (2017).

222
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Figura 5. Do lado direito temos as abas do aplicativo “Falsos Cognatos” e do


esquerdo, o quiz criado pelo grupo.

Figura 6. Quiz criado para o aplicativo “Brasil fala Inglês”.

223
Capítulo 9

224
Projeto redigir: ações de extensão
universitária em apoio a professores do
ensino básico

Fernanda Costa
Sabrina Andrade Silva
Carlos Alexandre Rodrigues de Oliveira

Apresentação

Você já parou para pensar nas várias mudanças que ocorreram


ao longo da história da humanidade e que ainda ocorrem? Podemos
citar as mudanças climáticas e territoriais, a evolução biológica do ser
humano e dos animais, as modificações sociopolíticas, as mudanças
linguísticas, entre muitas outras. E, agora, temos a oportunidade de
não somente observar, mas de fazer parte de uma era em que o
tempo e o espaço são gradualmente modificados pela tecnologia
digital. Isso faz com que nossas experiências com recursos tecno-
lógicos sejam mais profundas e imersivas, o que torna a distinção
entre o real e o virtual cada vez menor.
Um estudo bastante interessante sobre esses conceitos é en-
contrado em Lévy (2013). Nele, o autor relata que, no uso corrente,
o termo “virtual” significa “ausência de existência”, enquanto que

225
Múltiplos olhares para a educação básica

“real” significa “presença tangível”. O autor defende, contudo, que,


devido à dispersão e à desterritorialização dos elementos virtuais,
a oposição entre o real e o virtual é errônea. Ora, se não existem
limites territoriais que possam distingui-los perfeitamente, como
seria possível defini-los com segurança? Existem mesmo fronteiras
entre eles? E, caso existam, quão fortes são elas?
Sobre isso, um exemplo a ser pensado é a série Black Mirror
(lançada em 2011 pela provedora de filmes e séries via streaming
Netflix1), que você provavelmente já viu ou ouviu falar sobre ela. A fim
de retratar as diversas formas em que a ficção científica se insere na
vida humana, os episódios dessa série não seguem uma narrativa
contínua. Assim, cada episódio busca retratar hiperbolicamente os
efeitos dos atuais hábitos humanos, causando certo incômodo e
espanto em seus telespectadores. O episódio “Nosedive”, (traduzido
para o português como “Queda Brusca”), por exemplo, retrata a uti-
lização de implantes oculares e dispositivos móveis como aparatos
de classificação dos indivíduos. Nesse episódio, as interações rea-
lizadas de forma online ou física geram uma avaliação mútua entre
indivíduos pontuados até cinco estrelas. Tal sistema afeta signifi-
cativamente o status socioeconômico das pessoas, determinando
em quais categorias elas podem adquirir produtos e serviços para
o próprio consumo2.

1. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/70264888. Acesso em: 02 mar.


2018.

2. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_epis%C3%B3dios_de_Black_


Mirror#1%C2%AA_temporada_(2011). Acesso em: 02 mar. 2018.

226
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Apesar de a série ser fictícia, hiperbólica e bastante futurista, nos-


sa realidade não se distingue tanto das problemáticas apresentadas
por ela. No início do presente ano, o governo da China anunciou que
até 2020 pretende implementar um sistema de avaliação de pessoas,
denominado “Pontuação de Crédito Social”, bastante similar ao retra-
tado no episódio supracitado. Por ele, os indivíduos que habitam o
país serão avaliados por meio do monitoramento de dados coletados
em suas ações de compras e até mesmo em conversas realizadas
em aplicativos de bate-papo. A nota resultante dessa avaliação será
divulgada publicamente e utilizada para classificações a vaga de
emprego, ingresso em instituições de ensino, autorização ou não
de empréstimos financeiros, entre outras atividades3.
Esses exemplos demonstram como o real e o virtual estão intrin-
secamente relacionados na contemporaneidade. Em virtude disso,
mostram o quão fundamental os novos dispositivos tecnológicos e
suas vertentes podem ser aplicados e desenvolvidos no ambiente
educacional, visando à formação de cidadãos mais bem preparados
para ações no universo digital, isto é, que disponham de autonomia
suficiente não apenas nos atos básicos de ler e escrever, mas tam-
bém no de navegar. Sendo assim, é importante que as instituições
de ensino abordem os diversos letramentos existentes, oferecendo
aos alunos a ampliação do seu conhecimento e da sua proficiência
nos ambientes de convivência e aprendizagem.

3. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2017/12/


china-quer-implantar-sistema-black-mirror-de-avaliacao-de-pessoas.html. Acesso
em: 02 mar. 2018.

227
Múltiplos olhares para a educação básica

Valem destacar as sérias dificuldades pedagógicas quanto às prá-


ticas em ambiente digital nas escolas. Muitas destas necessitam de
investimentos em sua infraestrutura, advindos de políticas públicas,
para atender a todos os alunos de maneira adequada. Além disso,
muitas instituições insistem em proibir o uso dos aparatos digitais
de maneira rígida, sem considerar que estes podem ser utilizados
em práticas pedagógicas riquíssimas, tanto para os discentes quan-
to para os docentes. Ademais, entre os problemas encontrados,
destacam-se ainda as resistências do letramento digital dos próprios
agentes educadores. Muitos se negam à utilização de aparatos
tecnológicos em suas aulas por não desenvolverem práticas nos
ambientes digitais, não saberem como fazer ou, ainda, por medo
de perder o controle sobre os alunos. Sendo a internet um espaço
de aprendizagem extremamente rico em informações, muitos pro-
fessores insistem em uma visão retrógrada dos ambientes virtuais.
Essa insegurança origina-se e reforça-se no sistema de ensino que
percebe o professor como detentor único do saber, centro do qual
emerge e é transmitido todo o conhecimento em sala de aula.
Em contrapartida, conforme afirma Araújo (2007, apud, Araújo
2013), há a necessidade de formação dos professores “para que
eles mesmos tenham letramentos multimodais e saibam navegar/
ler/produzir textos digitais” a fim de que possam extrair o conheci-
mento disponível em rede de forma consciente e também possam
trabalhá-lo com seus alunos, explorando seus potenciais enquanto
sujeitos contemporâneos.

228
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Ademais, é fundamental que haja a aceitação e não a rejeição -


definida por Araújo (2013) como “internetofobia” - de práticas virtuais
tanto pelos educadores quanto pelos estudantes, visto que ações
pedagógicas somente são bem-sucedidas quando há o interesse e
a participação destes. No entanto, como a grande maioria dos jovens
é produtora digital fora do contexto escolar, acessando constante-
mente a internet e mantendo perfis em várias redes sociais, é comum
que sejam bons receptores de atividades escolares que dialogam
de fato com suas realidades cotidianas.
Portanto, buscando auxiliar no cenário exposto, o Projeto de Ex-
tensão Redigir, vinculado ao Centro de Extensão da Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), elabora e
disponibiliza mensalmente atividades condizentes à realidade atual,
permeada pelos novos saberes, novos letramentos e pela tecno-
logia. Um dos principais parâmetros que guiam a elaboração das
atividades do Projeto é o letramento digital, definido por Coscarelli
e Ribeiro (2014) como:

[...] práticas sociais de leitura e produção de textos em


ambientes digitais, isto é, uso de textos em ambientes
propiciados pelo computador ou por dispositivos móveis,
tais como celulares e tablets, em plataformas como e-
-mails, redes sociais na web, entre outras. (COSCARELLI;
RIBEIRO, 2014).

É com essa prática que o Projeto contribui há 19 anos para uma


pedagogia atualizada, disponibilizando mais de 110 atividades fun-
damentadas em teorias contemporâneas da linguagem e da edu-

229
Múltiplos olhares para a educação básica

cação. Estas são disponibilizadas no formato .doc, para que possam


ser adaptadas às distintas realidades das salas de aula do Brasil.

Um pouco da história do Redigir

O Projeto hoje denominado Redigir era, a princípio, um curso


de escrita para o ensino da língua portuguesa oferecido aos fun-
cionários da UFMG. Como ele era ofertado no campus Pampulha,
o deslocamento para muitos colaboradores que trabalhavam em
outras unidades inviabilizava sua participação. Como forma de so-
lucionar esse problema, surgiu a ideia de desenvolver o curso de
forma online, e, assim, facilitar a vida dos colaboradores que não
mais precisariam se deslocar para adquirir a aprendizagem ofer-
tada. O curso teve tanto sucesso que passou a ser disponível para
qualquer pessoa que quisesse adquirir mais conhecimento sobre a
língua portuguesa. Houve nesse período, alunos de várias regiões
do país, inclusive de outros países, como a Argentina. Imaginava-se
que as atividades eram aplicadas apenas com alunos, contudo
descobriu-se que elas também eram utilizadas por professores
como auxílio didático, pois eram replicadas com seus alunos do
ensino fundamental e médio.
Dessa forma, deu-se prosseguimento à elaboração de atividades
para auxiliar os professores, oferecendo também palestras e mini-
cursos, de modo a atuar na sua formação continuada, mas pensando
também na formação inicial de professores, com a participação de
discentes da licenciatura de língua portuguesa da própria instituição.

230
Gêneros textuais e (multi)letramentos

As atividades desenvolvidas pelo Redigir abordam temas que


sejam interessantes e agradáveis aos alunos, relacionando a elas
conceitos de cidadania, fenômenos linguísticos, noções de marketing
e consumo, poesia, música e noções do universo digital, incluindo o
uso do celular, do computador e a utilização consciente da internet,
etc. A elaboração das atividades busca contribuir para a existência de
uma escola que traga a realidade de sua comunidade para dentro da
sala de aula. Para tanto, elas empregam diversas linguagens (verbal,
imagética, oral, etc.) e os professores têm total liberdade e autonomia
para adaptá-las aos reais interesses de aprendizado de seus alunos,
verificando o que melhor pode ser aplicado didaticamente.
Todas as atividades elaboradas pelo Redigir estão disponibili-
zadas no site4, que até o final de 2017 contabilizava 600 acessos
mensais de diversas partes do Brasil e do mundo, e também são
divulgadas em sua página do Facebook5, que apresentou até março
de 2018 mais de sete mil curtidas.

Caracterização do público

As atividades produzidas pelo Projeto Redigir são elaboradas para


serem aplicadas em salas de aula da educação básica, isto é, ensino
fundamental e médio e buscam instruir as práticas de professores
em sala de aula, sobretudo os de língua portuguesa, tidos como
público-alvo do Projeto. Cabe aos professores a decisão de verificar

4. O Projeto Redigir está virtualmente hospedado em http://www.redigirufmg.org/.

5. Página do Redigir no Facebook https://www.facebook.com/redigirfaleufmg.

231
Múltiplos olhares para a educação básica

quais são adequadas às aulas, de acordo com os conhecimentos


que os alunos detêm ou que ainda precisam aprender.

Relato de experiência

De modo a exemplificar as atividades produzidas pelo Redigir,


que abordam o letramento digital, será feita uma breve explanação
e descrição da atividade “Meme - a namorada sinistra”6. Essa ativi-
dade tem como proposta estudar uma paródia produzida a partir
da música “Boyfriend”, do cantor pop Justin Bieber. Dessa paródia,
desencadearam-se diversos memes da internet que devem ser lidos
e interpretados pelos alunos e também servir-lhes de inspiração para
a produção de um trabalho em grupo.
Na primeira parte da atividade é solicitado que o professor mostre
para a turma o vídeo “JB Fanvideo (Legendado)”. Uma observação
importante é que a sigla JB significa Justin Bieber, e Fanvideo cor-
responde a vídeos feitos por fãs (como o Fanvideo de Laina7, tema
dessa atividade). Os alunos devem, então, responder a questões
voltadas para a análise do próprio vídeo como: “Para quem a garota
está falando?”, “Que mensagem ela quer passar?” etc.
Em seguida, os alunos discutem suas respostas com seus cole-
gas utilizando as mesmas perguntas anteriores e incluindo novas

6. Ver a atividade no final do texto ou acessando o link http://www.redigirufmg.org/


atividades/letramento-digital.

7. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yjtbja3PDcM. Acesso em 03


mar. 2018.

232
Gêneros textuais e (multi)letramentos

como: “Por que você acha que ela se comporta assim?” e “Em sua
opinião, como seria um bom relacionamento entre namorados?”.
Esses questionamentos visam proporcionar a interação em grupo e
o aprendizado do respeito a diferentes opiniões.
Logo, são apresentados aos alunos alguns memes da internet,
elaborados a partir do vídeo, para que eles façam sua leitura e inter-
pretação. De maneira a trabalhar a multimodalidade, marcante neste
gênero textual, os alunos devem analisar as imagens e o texto verbal
presentes nos materiais. Feito isso, eles devem responder à questão
“Que técnicas, estratégias ou recursos o criador dessas imagens
usou para atrair a sua atenção?”. Neste momento, espera-se que
os alunos entendam quais critérios são utilizados na construção do
objeto estudado e o sentido que este transmite aos interlocutores.
Além disso, é apresentada uma questão, na qual os alunos são
questionados a fazer uma relação entre o vídeo e as imagens. Nela,
os alunos devem elaborar argumentos usando elementos do vídeo
e das imagens. Esses argumentos devem basear-se na análise das
semelhanças ou diferenças entre eles, permitindo assim, que eles
desenvolvam critérios de comparação e um encadeamento lógico
de ideias.
Na etapa seguinte, os alunos devem construir o conceito de
meme, visto que eles já são capazes de identificar este gênero, além
de como ele é construído e qual é o seu propósito. E, a partir desse
exercício, eles visualizarão outras imagens aplicadas sobre a mes-
ma temática do gênero a fim de que descrevam quais eles também
conhecem. Assim, os alunos aplicarão o aprendizado adquirido nos
exercícios anteriores.

233
Múltiplos olhares para a educação básica

Por fim, os estudantes são desafiados a apresentar um trabalho em


grupo com três opções de escolha: a) Fazer um meme com a resposta
da pessoa a quem a “namorada sinistra” se refere. b) Criar uma versão
masculina de a “namorada sinistra”, ou seja, o “namorado sinistro”. c)
Fazer de três a cinco memes, explorando outras características da
namorada que não foram apresentadas na atividade. Na orientação
desse exercício, é indicado que os professores instruam seus alu-
nos a não criarem imagens ofensivas de seus colegas ou de outras
pessoas. Também é apontado o uso de aplicativos de celular que
possibilitam a edição de imagens, utilização de filtros, mesclagens,
inserção de textos e demais elementos gráficos, desenvolvendo a
experimentação, criatividade e inventividade dos alunos.
O trabalho com o letramento digital dessa atividade aborda o uso
da tecnologia, desde a visualização da paródia em ambiente virtual
até a pesquisa a outros memes na internet. Esse saber é incentivado,
principalmente, pela produção do trabalho final, que tem por objetivo
direcionar os alunos na criação de um conteúdo, utilizando as diver-
sas possibilidades dos recursos tecnológicos, como os aplicativos
móveis indicados.

Resultados

Como resultado, apresenta-se aqui o feedback da atividade


“Meme Namorada Sinistra” enviado pela professora de língua
portuguesa Goretti Varjão. Nele, a professora traz a produção feita
pelos estudantes do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães,
Salvador-BA: um vídeo-resposta à namorada sinistra.

234
Gêneros textuais e (multi)letramentos

“Seu jeito tão maluco é de assustar


Não tem como fugir, você quer me raptar
Porque você não percebe, que eu não “tô afim”
“Tô” namorando uma menina, vê se não liga pra mim
Não, não, não liga pra mim
Seu pedido no Facebook, eu já excluí
Não quero ser grosso, não quero te maltratar
Se você tentar de novo, vou ter que te denunciar
Denunciar...
Oh baby, vê se afasta de mim
Hey girl, vê se cai a ficha
Você não é minha namorada
E nunca vai ser
Se eu pudesse te mandaria
Pro Papa benzer
Só assim entenderia
O que eu quero dizer
Garota maluca, nunca vai me ter
Te disse várias vezes
Que eu não quero você
Você tem um distúrbio, não dá pra entender
Você pega no meu pé, todo dia sem parar
Minha cabeça não aguenta, ela vai estourar
Namorada, namorada, você não é minha namorada
Poderia ser seu amigo, mas não quero correr perigo
Oh baby, vê se afasta de mim
Hey girl, vê se cai a ficha
Você não é minha namorada
E nunca vai ser…”8

8. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=scUlRbvDvlg&t=9s. Acesso


em 03 mar. 2018.

235
Múltiplos olhares para a educação básica

Além dos aspectos linguísticos trabalhados na música construída


por meio de uma linguagem cotidiana, como uma conversa, trazen-
do uma mensagem importante contra os ciúmes exagerado, vê-se
também outras noções de sentido criadas pelos alunos. Entre elas,
está a importância do respeito ao próximo, observada nos segmentos
“Não quero ser grosso, não quero te maltratar”; o conhecimento sobre
os direitos humanos e as leis, “Se você tentar de novo, vou ter que te
denunciar”; o uso do eufemismo a fim de gerar comicidade, “Se eu
pudesse te mandaria, pro Papa benzer”.
Infere-se, pois, que a atividade produzida pelo Projeto instigou
nos alunos a produção de um texto rico, no qual são utilizadas es-
tratégias para atingir seu interlocutor cumprindo com os objetivos
da comunicação. Ademais, os alunos utilizaram, para resolução da
atividade, recursos tecnológicos de forma simples e bastante criativa,
realizando até mesmo a edição do vídeo e nele inserindo abertura,
making-of e créditos finais.

Considerações finais

A atividade intitulada Meme - Namorada Sinistra, produzida


pelo Redigir, ilustra a maneira com que o letramento digital pode
ser trabalhado em sala de aula pelos professores. A partir de um
tópico muito presente na realidade dos jovens em ambiente virtual,
isto é, o gênero textual meme, a atividade é elaborada de modo a
fazê-los refletir sobre como ele é construído e também sobre as-
pectos de relacionamentos afetivos, em especial, a existência de
ciúmes. Além disso, a atividade gera a produção, pelos alunos, de

236
Gêneros textuais e (multi)letramentos

um material criado com recursos digitais específicos. Ressalta-se,


ainda, que o “Material do Professor”, contido na atividade, permite
a qualquer docente a aplicação dessa atividade, já que ele indica
todas as instruções necessárias para sua aplicação.
Assim como essa atividade, existem muitas outras no site do
Projeto. Este, aliás, tem passado por reformulações a fim de tornar
a experiência de navegação mais agradável e prática aos usuários.
O Projeto também tem buscado ampliar sua divulgação em eventos
promovidos pela UFMG, no programa de rádio Enchendo a Lin-
guística e em suas redes sociais. Visa-se, assim, divulgar ao maior
número possível de professores de educação básica o trabalho do
Projeto, que busca enriquecer as aulas com novos conceitos sobre
a educação.

Referências

ARAÚJO, Júlio César. Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando. Trab.


linguist. apl., Campinas, v. 46, n. 1, p. 79–92, jan./jun., 2007.

ARAÚJO, Júlio César. Texto em ambientes digitais. In: COSCARELLI, Carla Viana. (org.).
Leituras sobre a leitura: passos e espaços na sala de aula. Belo Horizonte: Vereda
Editora, 2013. p. 89-115.

BLACK Mirror. Criação: BROOKER Charlie, Jesse ARMSTRONG. Direção: Barney


Reisz. Reino Unido: Netflix. 2016. Disponível em https://www.netflix.com/br/ti-
tle/70264888. Acesso em 02 mar. 2018.

China quer implementar sistema black mirror de avaliação de pessoas. Revista Galileu,
São Paulo, 10 dez. 2017. Disponível em https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/
noticia/2017/12/china-quer-implantar-sistema-black-mirror-de-avaliacao-de-pes-
soas.html. Acesso em 02 mar. 2018.

237
Múltiplos olhares para a educação básica

COSCARELLI, Carla Viana. Redigir. 1999-2018. Projeto de extensão da Faculdade de


Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte: 2018.

COSCARELLI, Carla Viana; RIBEIRO, Ana Elisa. Letramento Digital. In: FRADE, Isabel
Cristina Alves da Silva; VAL, Maria da Graça Costa; BREGUNCI, Maria das Graças de
Castro (orgs.). Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para educa-
dores. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2014. Disponível em http://
www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/letramento-digital.
Acesso em 05 mar. 2018.

FACEBOOK. Redigir, 2018. Disponível em https://m.facebook.com/profile.php?id=16


37404846536621&ref=content_filter. Acesso em: 06 abr. 2018.

LAINA. Canal no Youtube. Disponível em https://www.youtube.com/channel/


UCzFGVUm_s5HP8d7u5vid_jw. Acesso em 27 mar. 2018.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual. 8 ed. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 15–24.

Namorada sinistra (meme). Disponível em http://www.redigirufmg.org/atividades/


letramento-digital. Acesso em 06 abr. 2018.

NERES, Mira. Resposta a namorada sinistra: Proemi. Youtube, 7 de janeiro de 2014.


Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=scUlRbvDvlg&t=9s. Acesso em
03 mar. 2018.

NETA, Nadyr. JB fanvideo. Legendado. Youtube. 09 de junho de 2012. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=yjtbja3PDcM. Acesso em: 03 mar. 2018.

WIKIPEDIA. Lista de episódios de Black Mirror. Disponível em https://pt.wikipedia.


org/wiki/Lista_de_epis%C3%B3dios_de_Black_Mirror. Acesso em 02 mar. 2018.

238
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Anexo: atividade Meme Namorada Sinistra

Meme Namorada Sinistra


Material do aluno

Fragrância Girlfriend.9

Vídeo: Boyfriend.10

9. Disponível em: http://www.jobmix.com.br/blog/perfume-do-justin-bieber/.


Acesso em: 07/03/2018.

10. Disponível em: https://www.letras.mus.br/justin-bieber/boyfriend/


traducao.html. Acesso em: 07/03/2018.

239
Múltiplos olhares para a educação básica

Paródia Laina.11

1. Após assistir ao vídeo da Laina, responda:

a) Para quem a garota está falando? Como você sabe disso?


b) Que mensagem ela quer passar a essa pessoa? Que
sensação ela transmite?
c) Se ela conseguisse namorar com o garoto para quem
ela canta, que tipo de namorada ela seria?
d) Você acha que ele vai querer namorá-la? Por quê?

2. Agora discuta suas respostas acima com seus colegas e adi-


cione as questões seguintes:

a) Meninos, vocês namorariam essa garota? Por quê?


b) Meninas, como vocês avaliam o comportamento dela?
c) O que essa garota sente em relação ao pretendente?

11; Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yjtbja3PDcM. Acesso


em: 17/10/2013.

240
Gêneros textuais e (multi)letramentos

d) Você acha que esse sentimento é saudável? Ele ajuda


ou atrapalha uma relação amorosa?
e) Por que você acha que ela se comporta assim? Por que
ela alimenta esse sentimento?
f) Na sua opinião, como seria um bom relacionamento en-
tre namorados? Que sentimentos deveriam estar sempre
presentes em um bom relacionamento?

3. Agora, observe as imagens12 e responda às questões propostas:

Figura 1

a) Quem seria a “amiguinha”?


________________________________________________________________
________________________________________________________________

b) Por que na Índia a “amiguinha” é sagrada?


________________________________________________________________
________________________________________________________________

12. Disponível em: http://www.humortalouco.com.br/2012/08/a-origem-


meme-namorada-sinistra.html. Acesso em: 17/10/2013.

241
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 2

c) De que pastas a garota está falando?


________________________________________________________________
________________________________________________________________

d) Por que ela quer que ele renome a pasta para “nossos documentos”?
________________________________________________________________
________________________________________________________________

Figura 3

e) Por que ela determina que seu namorado deva cobrir os olhos durante
o filme quando uma mulher aparecer em cena?
________________________________________________________________
________________________________________________________________

242
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Figura 4

f) Para a garota, o que significa seu namorado ter comprado dois san-
duíches?
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________

4. Que sentimentos essa garota está expressando pelas imagens?

5. Que técnicas, estratégias ou recursos o criador dessas imagens


usou para atrair a sua atenção?

6. Considerando as imagens e as palavras, o que há de comum


entre as mensagens transmitidas por essas figuras e o conteúdo
do vídeo a que você assistiu?

7. Essas imagens, assim como o vídeo, representam a realidade


ou é um conteúdo ficcional?

8. Você acha que homens e mulheres compreendem esse con-


teúdo, vídeo e imagens, de formas diferentes? Como cada um
deles compreenderia?

243
Múltiplos olhares para a educação básica

9. Agora, escreva o seu conceito de meme.

10. Sabendo que o meme “namorada sinistra” foi criado após


a publicação de um vídeo no YouTube e que sua criadora não
esperava a grande repercussão que ele teve na internet, discuta
com seus colegas:

a) Você conhece outros memes? Quais? Qual a sua origem?


b) Para você, quais conteúdos (vídeos, imagens, notícias
ou textos) publicados na internet atualmente poderiam
virar um meme?
c) Você conhece imagens que, mesmo antes da internet,
foram e ainda são muito reproduzidas (com ou sem mo-
dificações)?

Exemplos de imagens modificadas:

Monalisa13

13. Disponível em: https://medium.youpix.com.br/ai-minha-santa-mona-dos-


v%C3%ADdeos-em-p%C3%A9-86a42220804f. Acesso em: 15/03/2018.

244
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Che Guevara14 e Che Guevara com orelhas do Mickey Mouse15

Evolução humana16

14. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Che_Guevara. Acesso em:


17/03/2018.

15. Disponível em: http://rafaelrodriguesgarcia.blogspot.com.br/. Acesso em:


17/03/2018.

16. Disponível em: http://www.reconstruindoopassado.com.br/preHistoria.php.


Acesso em: 17/03/2018.

245
Múltiplos olhares para a educação básica

Versão da Evolução humana17

11. Agora, em grupo, escolha uma das opções abaixo para rea-
lizar o trabalho final:

a) Fazer um meme com a resposta da pessoa sobre de


quem a “namorada sinistra” se refere.
b) Fazer a versão masculina do vídeo “namorada sinistra”,
ou seja, o “namorado sinistro”.
c) Criar um conjunto de três a cinco memes, explorando
outras características das namoradas ou dos namorados
que não seja a já trabalhada pelo meme na atividade (os
ciúmes). Observe se seus colegas conseguem descobrir
o que vocês exploraram.
d) Divulgue o conteúdo, seja o vídeo ou os memes no blog
da turma ou nas redes sociais e acompanhe as reações
das outras pessoas sobre o tema.

17. Disponível em: http://g1.globo.com/platb/espiral/2009/02/27/o-fim-da-


evolucao-humana/. Acesso em: 17/03/2018.

246
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Meme Namorada Sinistra


Material do professor

Objetivos:

• Trabalhar o conteúdo veiculado pelos memes da


internet;
• Fazer a leitura e interpretação desses conteúdos
como suas estratégias de publicação, público-alvo
e objetivos;
• Produzir diferentes memes.

Professor, esta atividade baseia-se na paródia que uma


garota chamada Laina fez de uma das canções de Justin
Bieber. Motivada pelo concurso de promoção da fragrân-
cia Girlfriend (“namorada”), no qual as fãs deveriam postar
vídeos se declarando para Justin Bieber a fim de que ele
escolhesse alguns para reproduzir no canal americano NBC,
Laina publicou seu vídeo na internet em 2012.

Sugerimos que você inicie a atividade mostrando aos


alunos o vídeo do cantor e em seguida transmita a paró-
dia. Peça a eles para comparar os conteúdos dos vídeos a
fim de que percebam quais são as características comuns
dessa produção linguística, como a prevalência do ritmo,
alteração da letra para dar-lhe um novo aspecto, sobretudo,
cômico, etc.

247
Múltiplos olhares para a educação básica

Fragrância Girlfriend.18

Vídeo: Boyfriend.19

18. Disponível em: http://www.jobmix.com.br/blog/perfume-do-justin-bieber/.


Acesso em: 07/03/2018.

19. Disponível em: https://www.letras.mus.br/justin-bieber/boyfriend/


traducao.html. Acesso em: 07/03/2018.

248
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Paródia Laina.20

1. Após assistir ao vídeo da Laina, responda:

a) Para quem a garota está falando? Como você sabe disso?

Professor, a garota está falando para alguém que ela pre-


tende namorar. Podemos inferir sobre essa informação pelas
repetições, durante a letra, da seguinte frase: “Se eu fosse
sua namorada”.

b) Que mensagem ela quer passar a essa pessoa? Que


sensação ela transmite?

Podemos pensar em duas possibilidades de mensagens


que a garota quer transmitir: 1) Mostrar suas várias provas
de amor; 2) O vídeo pode ser uma crítica ao tipo de relação
em que alguém quer aprisionar uma outra pessoa.

20; Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yjtbja3PDcM. Acesso


em: 17/10/2013.

249
Múltiplos olhares para a educação básica

Os alunos podem descrever diferentes sensações ao ver o


vídeo, como medo e intimidação, que são transmitidos pelo
olhar fixo e estranho da garota.

c) Se ela conseguisse namorar com o garoto para quem


ela canta, que tipo de namorada ela seria?

Ela seria uma namorada possessiva e ciumenta. E esse seria


um relacionamento conturbado, pois ela verificaria tudo na
vida do seu namorado, como redes sociais, e até colocaria
um gravador na manga da camisa dele. Essas atitudes
invasivas, que tiram o direito à privacidade do outro, são
muito prejudiciais à dinâmica positiva de um relacionamento
afetivo.

Você também pode utilizar outro vídeo da Laina no Youtube21


que ilustra as mesmas condições acima.

d) Você acha que ele vai querer namorá-la? Por quê?

Professor, apesar de essa resposta ser pessoal para cada


aluno, podemos acreditar que a maioria da turma irá respon-
der que o pretendente da garota não vai querer namorá-la,
pois, como ela é possessiva e ciumenta demais, não dará
liberdade para que ele possa fazer atividades comuns do
dia a dia sem a sua presença.

21. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oSr4QiPLMok&feature


=youtu.be. Acesso em: 07/03/2018.

250
Gêneros textuais e (multi)letramentos

2. Agora discuta suas respostas acima com seus colegas e adi-


cione as questões seguintes:

a) Meninos, vocês namorariam essa garota? Por quê?


b) Meninas, como vocês avaliam o comportamento dela?
c) O que essa garota sente em relação ao pretendente?
d) Você acha que esse sentimento é saudável? Ele ajuda
ou atrapalha uma relação amorosa?
e) Por que você acha que ela se comporta assim? Por que
ela alimenta esse sentimento?
f) Na sua opinião, como seria um bom relacionamento en-
tre namorados? Que sentimentos deveriam estar sempre
presentes em um bom relacionamento?

Professor, essa é uma boa oportunidade para discutir com os


alunos sobre a ideia de insegurança relacionada ao ciúme.
Sabemos que um pouco de ciúme faz parte do amor, mas
em exagero pode trazer consequências trágicas.

Incentive seus alunos a pesquisarem reportagens que falam


sobre este sentimento e trate seus prós e contras, além de
casos reais em que ele ocorreu.

251
Múltiplos olhares para a educação básica

3. Agora, observe as imagens22 e responda às questões propostas:

Figura 1

a) Quem seria a “amiguinha”?

O termo “amiguinha” usado no diminutivo tem sentido pe-


jorativo e serve para indicar desprezo por quem a garota
sente ciúmes.

b) Por que na Índia a “amiguinha” é sagrada?

Essa é uma forma de insultar a amiga, associando-a ao


animal “vaca”. Para os adeptos do hinduísmo, religião pre-
dominante na Índia, elas são animais sagradas. Contudo,
no Brasil o sentido dessa palavra é muito diferente.

22. Disponível em: http://www.humortalouco.com.br/2012/08/a-origem-


meme-namorada-sinistra.html. Acesso em: 17/10/2013.

252
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Figura 2

c) De que pastas a garota está falando?

As pastas do computador são utilizadas para organizar o


HD - Disco Rígido, como as gavetas de um armário. A pasta
“Meus Documentos” é uma pasta que já vem pronta para
sugerir a organização dos documentos/arquivos do usu-
ário em um único lugar, facilitando sua localização. Para
acessá-la basta clicar no botão “Iniciar” do computador
e em seguida clicar em “Meus Documentos”. No entanto,
muitos computadores, utilizam apenas a nomenclatura
“Documentos”.

d) Por que ela quer que ele renome a pasta para “nossos documentos”?

O imperativo da garota para que a pasta “Meus Documen-


tos” passe a se chamar “Nossos Documentos” determina sua
possessividade na relação. Ela não permite a individualidade
e a privacidade de seu par, uma vez que o computador é
um objeto de uso pessoal e que, consequentemente, con-
tém arquivos e documentos pessoais - com exceção dos
aparelhos que são usados coletivamente, claro.

253
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 3

e) Por que ela determina que seu namorado deva cobrir os olhos durante
o filme quando uma mulher aparecer em cena?

Essa é outra demonstração de ciúme da garota. No caso,


seu namorado não pode sequer olhar outras mulheres, nem
mesmo assistindo a um filme.

Figura 4

254
Gêneros textuais e (multi)letramentos

f) Para a garota, o que significa seu namorado ter comprado dois san-
duíches?

A namorada ciumenta pressupõe que seu namorado com-


prou dois sanduíches para oferecer um para alguma outra
garota, na qual ele poderia estar interessado. Ela não pen-
sou que ele poderia estar realmente com muita fome e, por
isso, ter comprado dois sanduíches para si.

4. Que sentimentos essa garota está expressando pelas imagens?

A garota demonstra sentir ciúmes em exagero e, assim, inseguran-


ça em si mesma e desconfiança da fidelidade de seu namorado.

5. Que técnicas, estratégias ou recursos o criador dessas imagens


usou para atrair a sua atenção?

Para atrair a atenção do público, a autora do vídeo fez uma paródia


da música “Boyfriend”, bastante popular no universo infanto-juvenil,
cantada pelo ídolo teen Justin Bieber. Além disso, a performance
da atriz e o uso de hipérboles (e, em algumas situações, de ironia)
geram humor ao vídeo.
Nas fotografias, a mesma foto da atriz, com olhos vidrados, foi
repetida, com diferentes legendas, mas feitas sempre com a mes-
ma fonte.

6. Considerando as imagens e as palavras, o que há de comum


entre as mensagens transmitidas por essas figuras e o conteúdo
do vídeo a que você assistiu?

255
Múltiplos olhares para a educação básica

Ambos possuem a mesma personagem e o mesmo espaço. Além


disso, a essência das mensagens transmitidas é a mesma, ou seja,
a ideia de ciúme, de posse, de controle do outro em uma relação,
de invasão de privacidade, etc.

7. Essas imagens, assim como o vídeo, representam a realidade


ou é um conteúdo ficcional?

Professor, tendo ciência de que o vídeo foi construído com o intuito


de parodiar uma música, assim como suas imagens foram pro-
duzidas partindo das ideias e conceitos do vídeo, pode-se afirmar
que o conteúdo foi gerado por uma interpretação. Em ambos no-
tamos conjunto de ações como o olhar, o sorriso e os gestos feitos
pela garota pressupondo a ideia de uma pessoa extremamente
obsessiva e exagerada. É importante que os alunos discutam e
busquem evidências para argumentarem sobre a verossimilhança
ou ficcionalidade do vídeo.

8. Você acha que homens e mulheres compreendem esse con-


teúdo, vídeo e imagens, de formas diferentes? Como cada um
deles compreenderia?

Professor, é provável que homens e mulheres compreendam esses


textos de formas distintas e também tenham percepções e experi-
ências diferentes sobre o ciúme. Seria interessante conversar com
a turma sobre essas variações, registrando se há algum consenso
entre os alunos de mesmo gênero ou não, buscando explicações
para isso.

256
Gêneros textuais e (multi)letramentos

9. Agora, escreva o seu conceito de meme.

Professor, para responder essa questão o aluno não necessita


realizar pesquisas na internet e demais recursos que lhe tragam a
resposta pronta. É importante que ele reflita sobre a composição
do gênero meme, bem como quais foram os motivos que levaram
à sua realização e também quais os objetivos comunicativos são
almejados por ele.

Caso os alunos ainda tenham dúvida para descrever o que é um


meme, apresentamos aqui alguns conceitos retirados da internet:
“[...] Meme de internet é uma ideia que é propagada através da
World Wide Web. Essa ideia pode assumir a forma de um hiperlink,
de um vídeo, de uma imagem, de um website, de uma hashtag,
ou mesmo apenas de uma palavra ou frase. Esse meme pode se
espalhar de pessoa para pessoa através das redes sociais, blogs,
e-mail direto, fontes de notícias e outros serviços da web, tornando-
-se geralmente viral. [...] Uma importante característica de um meme
é que ele pode ser recriado ou reutilizado por qualquer pessoa. [...]
Comercialmente, eles são usados ​​ativamente no marketing viral,
visto como uma forma livre de publicidade de massa. [...] como
uma forma de marketing viral e marketing de guerrilha para criar
buzz marketing para seu produto ou serviço.”23

23. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Meme_%28Internet%29. Acesso


em: 17/10/2013.

257
Múltiplos olhares para a educação básica

“[...] meme (uma abreviação do grego μίμημα [míːmɛːma]) · é um


fenômeno típico da internet, e pode se apresentar como uma
imagem ou analogia, uma frase de efeito, um comportamento
difundido, um desafio. [...] memes são ideias que se propagam
pela sociedade (nossas redes sociais) e sustentam determinados
ritos ou padrões culturais. Tomando isto como base, o “celibato”, a
“castidade”, o “racismo” (memes não são sempre bons!), o folclore,
a moda, a gastronomia e praticamente tudo o que conhecemos no
nosso ambiente cultural são memes. Dos jeans rasgados à tradi-
ção de cantar nas festinhas de aniversário “Parabéns a você” [...].”24

10. Sabendo que o meme “namorada sinistra” foi criado após


a publicação de um vídeo no YouTube e que sua criadora não
esperava a grande repercussão que ele teve na internet, discuta
com seus colegas:

a) Você conhece outros memes? Quais? Qual a sua origem?


b) Para você, quais conteúdos (vídeos, imagens, notícias
ou textos) publicados na internet atualmente poderiam
virar um meme?
c) Você conhece imagens que, mesmo antes da internet,
foram e ainda são muito reproduzidas (com ou sem mo-
dificações)?

Professor, seria interessante que os alunos apresentassem


os memes e as imagens em sala de aula.

24. Disponível em: http://www.museudememes.com.br/o-que-sao-memes/.


Acesso em: 15/03/2018.

258
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Sobre a questão c), temos exemplos de imagens parodiadas


como a Monalisa segurando um celular, a fotografia de Che
Guevara modificada com as orelhas do Mickey Mouse, e a
representação da evolução do homem para a era digital.
Essas imagens são alteradas com o objetivo de gerar um
efeito cômico ou criticar determinada situação. Você pode
mostrar essas imagens para os alunos e perguntar se eles
já tiveram contato com elas alguma vez e quando e onde
isso ocorreu.

*É importante ressaltar que a criação dos memes e das


caricaturas existe desde muito antes da criação da internet.

Exemplos de imagens modificadas:

Monalisa25

25. Disponível em: https://medium.youpix.com.br/ai-minha-santa-mona-dos-


v%C3%ADdeos-em-p%C3%A9-86a42220804f. Acesso em: 15/03/2018.

259
Múltiplos olhares para a educação básica

Che Guevara26 e Che Guevara com orelhas do Mickey Mouse27

Evolução humana28

26. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Che_Guevara. Acesso em:


17/03/2018.

27. Disponível em: http://rafaelrodriguesgarcia.blogspot.com.br/. Acesso em:


17/03/2018.

28. Disponível em: http://www.reconstruindoopassado.com.br/preHistoria.php.


Acesso em: 17/03/2018.

260
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Versão da Evolução humana29

11. Agora, em grupo, escolha uma das opções abaixo para rea-
lizar o trabalho final:

a) Fazer um meme com a resposta da pessoa sobre de


quem a “namorada sinistra” se refere.
b) Fazer a versão masculina do vídeo “namorada sinistra”,
ou seja, o “namorado sinistro”.
c) Criar um conjunto de três a cinco memes, explorando
outras características das namoradas ou dos namorados
que não seja a já trabalhada pelo meme na atividade (os
ciúmes). Observe se seus colegas conseguem descobrir
o que vocês exploraram.
d) Divulgue o conteúdo, seja o vídeo ou os memes no blog
da turma ou nas redes sociais e acompanhe as reações
das outras pessoas sobre o tema.

29. Disponível em: http://g1.globo.com/platb/espiral/2009/02/27/o-fim-da-


evolucao-humana/. Acesso em: 17/03/2018.

261
Múltiplos olhares para a educação básica

Professor, essa é uma boa oportunidade para o uso de aplicativos


de celular em sala de aula. Recomendamos o Aviary30 e/ou Pixrl
Express31.

Também é possível utilizar os sites “Gerar memes” 3 2 e


“Geradormemes”33, caso os alunos não possam utilizar os aplica-
tivos de celular e tenham fácil acesso ao computador da escola.

Eles podem buscar imagens na Internet ou tirar fotos e tentar


produzir os memes. Oriente-os para que eles façam a atividade
seguindo um propósito e que não ofendam seus colegas ou a
outras pessoas com suas criações.

Como exemplo, temos o feedback enviado pela professora Goretti


Varjão, com a produção dos alunos do Colégio Modelo Luís Edu-
ardo Magalhães34. Eles fizeram um vídeo resposta à namorada
sinistra. Mostre-o aos seus alunos incentivando a elaboração
dessa atividade.

30. Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.aviary.


android.feather&hl=pt_BR. Acesso em: 17/03/2018.

31. Disponível em: https://pixlr.com/mobile. Acesso em: 17/03/2018.

32. Disponível em: https://www.gerarmemes.com.br/. Acesso em: 17/03/2018.

33. Disponível em: http://geradormemes.com/criar. Acesso em: 17/03/2018.

34. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=scUlRbvDvlg&feature=s


hare. Acesso em: 17/03/2018.

262
Gêneros textuais e (multi)letramentos

A atividade “Meme Namorada Sinistra” foi proposta e desen-


volvida pela equipe do Redigir FALE/UFMG. Disponível para
acesso e download em: http://www.redigirufmg.org/atividades/
letramento-digital-novo

263
Capítulo 10

264
Uma experiência com o Facebook:
o ensino de inglês a partir do uso
das tecnologias digitais e gêneros
textuais/discursivos

Siderlene Muniz-Oliveira

Apresentação

O objetivo deste trabalho é relatar uma experiência realizada


numa universidade com o ensino de inglês num curso de graduação,
que tem relevância, em especial, para professores que ensinam a
língua inglesa (ou outras línguas estrangeiras) em cursos de gradu-
ação e que tem interesse em utilizar as tecnologias de informação
para o ensino desta língua na era tecnológica em que estamos
vivendo. Para que o leitor possa conhecer o trabalho realizado,
primeiramente, iremos fazer uma contextualização do local onde o
trabalho foi realizado.

Caracterização da universidade e da turma

O trabalho foi realizado em um campus universitário da Universi-


dade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no município de Dois

265
Múltiplos olhares para a educação básica

Vizinhos, que fica na região sudoeste do estado do Paraná, distante


da capital, Curitiba, aproximadamente 470 km, onde fica a sede da
instituição. A UTFPR possui, atualmente, 13 campi universitários
espalhados em 13 cidades do estado do Paraná, do norte ao sul e
do leste ao oeste.
O campus Dois Vizinhos, onde o trabalho foi realizado, possuía, na
época da experiência realizada, sete cursos de graduação, que são:
Agronomia, Bacharelado em Engenharia de Software, Engenharia de
Bioprocessos e Biotecnologia, Engenharia Florestal, Licenciatura em
Ciências Biológicas, Zootecnia e, ainda, Educação do Campo, sendo
que para este último, desde o ano de 2017, não houve abertura de
edital para ingressos de novas turmas por várias questões. Em rela-
ção a Programas de Pós-graduação, na época do trabalho realizado,
havia o curso de Mestrado em Zootecnia; e, atualmente, além desse,
há também o Mestrado em Agroecossistemas e o Mestrado em
Biotecnologia. Em relação a cursos como atividade complementar,
há o Centro Acadêmico de Línguas Estrangeiras Modernas, em que
há ofertas de cursos de inglês do nível básico ao intermediário e,
esporadicamente, curso de alemão.1
O corpo docente deste campus universitário é composto por pro-
fessores doutores, em sua grande maioria, e também por mestres,
em menor quantidade, que vieram de várias regiões do Brasil, em
especial do Sul. O corpo discente, por sua vez, também é composto
por alunos que vieram de várias regiões do Brasil, já que o ingresso
aos cursos se dá pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que é o

1. Disponível em http://portal.utfpr.edu.br/ Acesso em 30/mar/2018.

266
Gêneros textuais e (multi)letramentos

sistema gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), a partir do


qual as instituições públicas de educação superior oferecem vagas
a candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem)2. De modo geral, embora os candidatos sejam de várias
regiões do Brasil, observamos uma predominância de alunos do
município e de cidades vizinhas, mas observamos também alunos
de todas as outras regiões do Brasil.
O curso em que o trabalho foi realizado é o de Engenharia de
Software, no segundo semestre de 2016, com alunos do primeiro
período, recém-egressos do ensino médio, que também vieram
de várias regiões do Brasil, mas com predominância de alunos do
município e de cidades vizinhas. A faixa etária predominante dos
alunos dessa turma é de 17 a 18 anos, mas havendo alunos de até
35 anos, aproximadamente. A turma iniciou-se com 52 alunos, mas,
no decorrer do semestre, houve uma diminuição em virtude de
pedidos de créditos (alunos que já cursaram a disciplina em outro
curso ou que fizeram exame de suficiência) e também de algumas
desistências, restando o total de aproximadamente 46 alunos. Em
relação à situação socioeconômica, aproximadamente, 30% dos
alunos veio de escola particular, o que nos leva a supor que são
alunos de família com situação socioeconômica mais favorecida.
Assim, é nesse contexto que as atividades foram desenvolvidas
com os alunos, sendo descrita a seguir.

2. Disponível em http://www.sisu.mec.gov.br/ Acesso em 30/mar/2018.

267
Múltiplos olhares para a educação básica

Descrição da experiência

Na instituição UTFPR, há uma ferramenta no sistema corporativo


online chamada Avaliação docente pelo discente, em que os alunos,
em todo semestre, faz uma avaliação de seu professor levando em
conta as seguintes dimensões: forma de avaliação dos alunos, conte-
údo, didática, planejamento e relacionamento. A didática “Refere-se
ao comportamento do Professor em sala de aula enquanto agente
promotor do ensino-aprendizagem, sua maneira de agir, os recur-
sos e as técnicas que utiliza para facilitar o aprendizado, motivar e
despertar o interesse sobre os temas tratados”3. A dimensão didática
parece ser uma problemática geral no âmbito educacional em todos
os níveis de ensino e instituições.
Com base na avaliação dos alunos da disciplina de Inglês Instru-
mental do curso de Engenharia de Software referente ao segundo
semestre de 2015 e primeiro semestre de 2016, em especial, na di-
mensão didática, observei que era necessário buscar uma aula mais
motivadora e dinâmica, assim, considerando a turma, Engenharia de
Software, e considerando a era da tecnologia digital, busquei pes-
quisas sobre as TICS (Tecnologias de Informação e Comunicação),
encontrando alguns artigos (CASTILO et al, 2014; RABELLO, TAVARES,
2016) que relatavam a experiência vivida com a rede social Facebook
para o ensino da língua inglesa.

3. Em Avaliação Institucional, Relatório da Avaliação Docente pelo Discente, da área


do Servidor do sistema corporativo da UTFPR (acesso restrito).

268
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Não houve muito tempo para pesquisas, estudos e reflexões antes


de colocar a ideia em prática, pois, após ter analisado as avaliações
dos alunos, o novo semestre já tinha iniciado. Para que fosse pos-
sível a implantação da ideia, era necessário agir rapidamente, pois
o semestre letivo tem uma duração aproximada de quatro meses
em minha instituição.
Desse modo, rapidamente, resolvi colocar a ideia em prática no
segundo semestre de 2016 no primeiro período do curso de Enge-
nharia de Software na disciplina de Inglês Instrumental, que tem
como ementa do Plano de Ensino “Desenvolvimento das estratégias
de leitura em língua inglesa, aplicando os princípios do ESP (En-
glish for Specific Purposes)” (UTFPR, 2015) e como objetivo principal
desenvolver as habilidades da língua inglesa referente à leitura e
compreensão de textos. A carga horária total da disciplina era de 40
horas, incluindo seis horas de Atividades Práticas Supervisionadas
(APS), que se trata de “atividades acadêmicas desenvolvidas sob a
orientação, supervisão e avaliação de docentes e realizadas pelos
discentes em horários diferentes daqueles destinados às atividades
presenciais” (UTFPR, 2009)4. Nesse semestre, a disciplina foi ofertada
uma vez por semana, em duas aulas de quarenta e cinco minutos
cada.
Em relação aos objetivos descritos do plano de ensino, foi ne-
cessário fazer algumas inclusões de objetivos para o uso que se
vislumbrava com a rede social Facebook, sendo criado, então, um

4. Em Regulamento das Atividades Práticas Supervisionadas da UTFPR (UTFPR,


2009).

269
Múltiplos olhares para a educação básica

grupo, com configuração de privacidade fechada, em que somente


os membros do grupo podem ter acesso às publicações. Optei por
essa configuração para que os alunos pudessem se sentir mais à
vontade à participação.
Importante explicar que, como é de costume, no primeiro dia
de aula foi feito um teste de nivelamento para conhecer o nível
dos alunos no que se refere ao reading (leitura) de textos em inglês.
Esse teste mostrou o nível aproximado da turma em relação ao
conhecimento referente ao reading: 10%, ótimo; 20%, muito bom;
60%, bom/razoável; 10%, péssimo. Para a criação do grupo e de
suas atividades, tive como base esse perfil de alunos, que mostrou
bastante heterogeneidade.
Visando, então, uma aula mais motivadora, interacional e dinâ-
mica, que pudesse contribuir com o desenvolvimento do listening
(audição), speaking (fala), writing (escrita) e reading, tive como base
pressupostos do interacionismo sociodiscursivo, em específico, as
capacidades de linguagem proposta por Dolz, Pasquier e Bron-
ckart (1993) e de gêneros textuais/discursivos proposto por Dolz e
Schneuwly (1996). Tendo em mente a importância atual das TICS
e considerando também que é necessário possibilitar ao aluno o
acesso a diferentes gêneros textuais/discursivos que circulam na
sociedade, iniciamos a experiência, que será relatada a seguir.

270
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Os passos para a criação da atividade

Primeiramente, informei à turma que iria criar um perfil para a


disciplina no Facebook, sendo criado o grupo UTFPR Inglês Instru-
mental 02/2016. Em seguida, eu fotografei a turma para que pudesse
colocar no perfil, como podemos observar abaixo.

Figura 1. O perfil criado.

Assim que a página estava criada com a foto, eu procurei os alunos


da turma no Facebook e adicionei-os ao grupo. Na semana seguinte,
informei sobre a criação efetiva do grupo e avisei que tinha adiciona-
do alunos que tinha encontrado, porém, ainda faltavam alunos para

271
Múltiplos olhares para a educação básica

serem adicionados (porque não tinha localizado), nesse caso, eles


deveriam procurar o grupo para participar. Assim, aos poucos, esses
alunos foram sendo adicionados, alguns pelos próprios colegas
e outros solicitaram a participação, constituindo 38 participantes,
incluindo o administrador/moderador (professora). Esse número
mostra que, dos 46 alunos relatados na seção anterior, alguns não
participaram, certamente, porque eram alunos que tinham muito
ausência na disciplina, ou seja, eram alunos de frequência irregular,
sendo que alguns desses desistiram no final da disciplina.
Após colocar a foto no perfil, eu escrevi a seguinte mensagem
de saudação e apresentação no grupo, explicando sua finalidade,
como podemos observar abaixo.

Figura 2. Mensagem de saudação e informação sobre os objetivos do grupo.

272
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Olá, pessoal!
Este grupo é para contribuir, de modo complementar, com
o aprendizado da disciplina Inglês Instrumental do Curso de
Engenharia de Software. Nele, vamos podemos compartilhar textos
em língua inglesa, áudios, vídeos, postar comentários sobre os
textos. Assim, vamos poder ter uma maior interação.
Sejam todos bem-vindos!!!!

Nesta mensagem, esclarecemos que o grupo era para auxiliar


de modo complementar, o que significa que ele seria utilizado
extra-classe. Além disso, a mensagem indica que a ideia é que
tanto o professor quanto o aluno pudessem compartilhar textos,
áudios, vídeos e postar comentários sobre os textos, ou seja, a
mensagem incentiva o aluno a também atuar como protagonista
de compartilhamentos de textos ou de mensagens. Assim, durante
o semestre, seguindo a ideia da mensagem, vários links e/ou textos
foram publicados no Facebook, sendo que alguns estavam relacio-
nados às atividades desenvolvidas em sala de aula e outros não.
Em relação a atividades desenvolvidas em sala de aula, tra-
balhamos com o gênero biografia como forma de desenvolver as
capacidades de linguagem referentes ao reading. Nessa atividade,
primeiramente, em uma aula, foram trabalhadas biografias de al-
gumas personalidades famosas (cantores, presidentes). Na aula
seguinte, foi pedido que os alunos levassem seu computador pes-
soal para realizar uma atividade que foi fazer pesquisas na internet
de biografias em inglês de autores da área da informática, em gru-
pos. Após a pesquisa, cada grupo ficou responsável em ler o texto

273
Múltiplos olhares para a educação básica

para fazer, em seguida, uma exposição oral para toda a turma, em


português. Assim, houve em torno de 10 grupos, sendo que cada
um fez a exposição de determinado autor pesquisado. No final da
atividade, foi pedido a cada grupo que enviassem o link da biografia
no Facebook para que, assim, todos pudessem ter acesso aos 10
textos dos diferentes autores. Isso foi feito pelos grupos, como se
pode observar a seguir.

Figura 3. Postagem de aluno: gênero biografia.

Na figura acima, o aluno postou o link da biografa em inglês de


Steve Jobs. No decorrer dos dias, foi percebido que nem todos os
grupos estavam postando o link, então, foi enviada mensagem pe-
dindo para a postagem dos links dos autores pesquisados. No final,
em torno de 50% dos grupos postaram o link.

274
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Além do link da biografia em texto escrito, foi postado pela pro-


fessora (13 de setembro) o link de uma biografia em vídeo em inglês
de um autor para que os alunos pudessem se motivar para também
desenvolverem o listening. Três dias depois (16 de setembro) um
aluno também postou o link de um vídeo pertencente ao gênero
Trailer de filme, talvez, motivado pela postagem da professora.

Figura 4. Postagem de aluno: gênero trailer.

Na sala de aula, também foi trabalhada uma atividade que fez


parte das APS, que constavam no plano de ensino como uma das
formas de avaliação dos alunos. Para o desenvolvimento dessa APS,
os alunos realizaram um trabalho de gravação de vídeos, visando
desenvolver, em relação à língua inglesa, as capacidades de listening,

275
Múltiplos olhares para a educação básica

writing, speaking e reading, entre outras capacidades. Essa atividade


foi composta da produção de vídeos em inglês sobre uma situação
fictícia: uma entrevista de emprego. Antes das orientações, foi exi-
bido um vídeo na sala de aula, em língua inglesa, sobre entrevista
de emprego, assim como um exemplo desse tipo de entrevista.
De acordo com as normas de divisão dos grupos e datas, em cada
semana, cada grupo ficou responsável em fazer a exibição do vídeo
na sala de aula. Após essa apresentação, de acordo com as normas
estabelecidas, os alunos deveriam postar o vídeo no grupo do Fa-
cebook para que todos pudessem ter acesso aos vídeos, podendo,
assim, contribuir com o aprendizado do listening e reading, como
podemos observar abaixo.

276
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Figura 5. Postagem dos vídeos pelos alunos.

Essa ideia de compartilhar os vídeos foi validada pelos próprios


alunos, como se pode ver na postagem de um aluno abaixo.

277
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 6. Postagem de aluno com pedido para os colegas:


validação da ideia da professora.

PESSOAL
Poderiam postar o vídeo da entrevista no youtube? seria de grande
ajuda para os demais grupos.
obrigado

Assim, percebe-se que o aluno compreendeu que o acesso aos


vídeos dos outros colegas que já tinham apresentado poderia ajudar
os demais grupos que ainda estavam fazendo o trabalho. Apenas não
compreendemos o motivo de o aluno pedir para postar no YouTube
e não no grupo do Facebook; talvez não tivesse familiaridade com

278
Gêneros textuais e (multi)letramentos

essa rede social a ponto de saber que vídeos também podem ser
postados nela ou talvez tenha se equivocado. De qualquer forma, o
aluno percebeu que o acesso aos vídeos pelas mídias digitais seria
importante para ajudar os colegas na realização de sua atividade.
Os alunos que iam apresentando foram, aos poucos, disponibili-
zando os vídeos no Facebook, tendo um grupo, o qual desenvolveu
um trabalho muito bom, que também postou o vídeo no Youtube5,
talvez motivado pelo pedido daquele colega. Isso indica que o uso
Facebook também os motivou a pensar nas possibilidades de uso
de outras mídias digitais para o ensino-aprendizagem.

Figura 7. Postagem de um vídeo no “YouTube” por um aluno.

5. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=y1a0zzaUpA8&t=93s. Acesso


em 30/mar/2018.

279
Múltiplos olhares para a educação básica

Assim, esses foram os dois trabalhos realizados em sala de aula –


biografia e a produção dos vídeos – que tiveram uma continuidade ex-
tra-classe, no Facebook. Em relação a atividades que não faziam parte
dos trabalhos planejados no plano de ensino, foram compartilhados
ou postados textos pertencentes a variados gêneros. Alguns deles
pela professora, como forma complementar ao desenvolvimento de
capacidades de linguagem em língua inglesa, e outros pelos alunos.
Um deles criado e postado pela professora é o gênero enquete,
com perguntas bem simples como “What’s your favorite color?”. Isso
porque se trata de uma sala muito heterogênea, como descrita em
seção anterior. Assim, além de ser uma maneira de descontração e
de interação com os alunos (que contribui com o relacionamento),
também ajudaria o desenvolvimento de vocabulário de alunos com
o conhecimento rudimentar de inglês. Após o resultado da enquete,
era postado um desenho de algo (natureza, objeto etc) represen-
tando a cor que teve um maior número de votação para interação
e descontração.

Figura 8. Gênero enquete criado pela professora.

280
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Outro texto postado pela professora no Facebook, que alia lin-


guagem verbal e não verbal, é pertencente ao gênero charge, sendo
escolhido um que remetia a uma temática da área das tecnologias
digitais (área dos alunos) e com expressão de humor, objetivando
o entretenimento e o riso, ao mesmo tempo em que possibilitava o
desenvolvimento de capacidades de reading e, consequentemente,
aquisição de vocabulário.

Figura 9. Postado pela professora: gênero charge.

Em relação aos textos postados ou compartilhados por alunos,


observamos a postagem de uma solicitação em que um aluno so-
licita ideias ou materiais para estudo para o exame TOEFL (Test of
English as a Foreing Language), como podemos observar a seguir.

281
Múltiplos olhares para a educação básica

Figura 10. Postagem de solicitação de aluno para a professora.

whats up?
I’m doing well.
I need some help to improve my score in toefl itp.
I did the test last semester, and I’m not happy with my score at
grammar part....lol
can you give me some idea ou provide materials? only for the
grammar part.
have a nice weekend.

tks

Outro texto postado por aluno é pertencente ao gênero piada, que


tem o objetivo cômico de divertir e produzir o riso, e pode contribuir
com o desenvolvimento de capacidades de linguagem referentes
ao reading, ajudando na aquisição de vocabulário.

282
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Figura 11. Postagem de aluno: gênero piada.

Além dessas postagens, os alunos também utilizavam o grupo


do Facebook para fazer perguntas referentes à aula, por exemplo,
sobre quando haveria a divulgação das notas, informações sobre a
divisão de grupos, entre outros. Alguns escreviam em inglês e outros
em português. Não foi estabelecida uma regra sobre qual língua era
para escrever, pois, como a sala era muito heterogênea referente ao
nível de conhecimento do inglês, preferi não estabelecer essa regra
para deixar os alunos à vontade para comunicarem-se, ao mesmo
tempo, sendo um incentivo para trocas de informações em inglês,
em especial, para os alunos que tinham um maior conhecimento
dessa língua e que conseguiam escrever em inglês.

283
Múltiplos olhares para a educação básica

Avaliação dos resultados

O uso do Facebook como tecnologia digital utilizada na turma


descrita possibilitou uma extensão do ensino de língua inglesa para
além da sala de aula (Fettermann, 2014). Considerando esse
ponto, foi uma experiência muita positiva, pois os alunos puderam
ter interação com outros textos que só possível pelas postagens
variadas na rede social. Os resultados mostraram que houve uma
visualização dos textos postados ou links, de modo geral, de 85%,
o que sugere, pelo menos, o interesse nas postagens, o que pode
contribuir para a aquisição de vocabulário em inglês e também para a
compreensão auditiva, já que o contato com textos orais é essencial
para desenvolvimento dessa capacidade.
Porém, esperava uma participação maior em relação a comen-
tários. Um dos motivos da baixa participação nesse aspecto pode
ser porque foi um semestre atípico devido a uma manifestação
política estudantil (nomeada de ocupação discente), em que alunos
da educação básica e do ensino superior ‘ocuparam’ escolas e uni-
versidades em vários municípios brasileiros em busca de melhores
condições na educação tanto para os professores tanto para os
alunos. Nesse período, alunos de vários municípios de instituições
de ensino ficaram alojados nesses estabelecimentos, sem per-
missão de acesso para a comunidade e, portanto, sem aula, como
uma forma de reivindicação por melhores condições na educação.
Em nosso campus, a ocupação ocorreu entre 23 de outubro a 11 de
novembro de 2016. Isso causava várias preocupações e embates
políticos nos alunos durante esse semestre (alunos favoráveis ver-

284
Gêneros textuais e (multi)letramentos

sus alunos contra o movimento) e, portanto, desmotivação para as


aulas, de modo geral.
De qualquer forma, considerando uma atividade complementar
ao planejado no plano de ensino, e também o pouco tempo para a
implantação das atividades, assim como o semestre reduzido (em
virtude da “ocupação estudantil”), o trabalho e a experiência fui muito
positivo e considero que foi um grande incentivo para os alunos per-
ceberem que podem fazer pesquisas de textos em inglês tanto na
modalidade escrita quanto oral. Para uma nova experiência, acredito
ser importante fazer um planejamento de tempo a ser gasto com
esse tipo de trabalho para o professor e também prever estratégias
para a maior participação e interação dos alunos.

Considerações finais

Esta experiência pode incentivar professores a articular as tec-


nologias digitais com os gêneros textuais/discursivos no ensino da
língua inglesa como forma de contribuir com o desenvolvimento
das capacidades de reading, writing, listening e speaking. São inú-
meros os gêneros textuais/discursivos que podem ser postados/
compartilhados em grupos do Facebook, o que, sem dúvida, ajuda
a contribuir com o processo de ensino-aprendizagem do inglês (ou
de outras línguas).
Diante de nossa realidade tecnológica, é necessário considerar
outras formas para integrar a educação formal do ambiente da sala
de aula com um ambiente virtual de aprendizagem. Porém, esta
experiência, mostrou que o professor, para desenvolver esse tipo

285
Múltiplos olhares para a educação básica

de trabalho em redes sociais necessita disponibilizar mais tempo


para o seu trabalho.
Nos contextos tradicionais de aprendizagem (sala de aula), o
professor pode fazer um planejamento de tempo a ser gasto com
as atividades com alunos, por exemplo, elaboração e correção de
provas, preparação de cada aula, entre outros, assim como pode
fazer também um planejamento do dia e horário para realizar tal
atividade. No caso de ambientes virtuais, o Facebook, por exemplo,
parece-me que esse planejamento é mais complicado, pois vai
depender da participação de cada aluno referente às atividades
ou textos compartilhados. Essa participação poderá ocorrer em
qualquer dia da semana, incluindo final de semana e feriados, e em
qualquer horário do dia ou da noite, o que pode sobrecarregar ain-
da mais o trabalho do professor (MUNIZ-OLIVEIRA, 2015). As redes
sociais parecem ter um caráter de imediatez, ou seja, as pessoas
esperam ter uma resposta rápida. Levando isso em conta, ao reali-
zar esse tipo de trabalho, é importante o professor considerar essa
questão, talvez podendo estabelecer regras com os alunos no que
se refere à resposta ou à interação pelo professor.

286
Gêneros textuais e (multi)letramentos

Referências

CASTILHO, A. M. D.; PAULA, E. G.; GOMES, E. A. L.; SOUZA, S. M. F. A rede social


facebook como ferramenta pedagógica no processo de ensino-aprendizagem de
língua inglesa. Revista Transformar, 2014, n. 6. Disponível em http://www.fsj.edu.
br/transformar/index.php/transformar/article/view/12. Acesso em 12/set/2016.

DOLZ, J.; PASQUIER, A.; BRONCKART, J-P. L´acquisition des discours: emergence
d´une competence ou apprentissagem de capacities langagières diverses? Etude
de Lingustique Appliquée, 1993, 89 : 25–35.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Genres et progression en expression orale et écrite.


Eléments de réflexions à propos d´une experience romande. Enjeux, 1996, 31–49.

Fettermann, J. V. A rede social facebook como extensão da sala de aula de lín-


gua inglês. XI EVIDOSOL e VIII CILTEC, 2014. Disponível em http://www.periodicos.
letras.ufmg.br/index.php/anais_linguagem_tecnologia/article/viewFile/5784/5080.
Acesso em 30/mar/2018.

MUNIZ-OLIVEIRA, S. O trabalho docente no ensino superior: múltiplos saberes, múl-


tiplos fazeres do professor de pós-graduação. Campinas: Mercado de Letras, 2015.

RABELLO, C. R. L.; TAVARES, K. C. A. Redes sociais e aprendizagem no ensino su-


perior: a perspectiva dos alunos sobre o uso do Facebook em uma disciplina de
língua inglesa. In: As tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de línguas, v. 20,
n. 1, 2016. Disponível em http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2016/08/Redes-
-sociais-e-aprendizagem-no-ensino-superior_artigo-8.pdf. Acesso em 12/set/2016.

UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Plano de ensino de inglês


instrumental, Curso Engenharia de Software, Resolução nº 069/15, COGEP, 2015.

287
Sobre os autores
ORGANIZADORES

Carlos Alexandre Rodrigues de Oliveira


Mestre em Educação e Docência (FaE/UFMG). Especialista em
Língua Portuguesa: Ensino de Leitura e Produção de Textos (FALE/
UFMG) e em Mídias na Educação (CEAD/UFOP). Membro do Núcleo
de Estudos e Pesquisas sobre Cultura Escrita Digital (NEPCED/CE-
ALE/FaE/ UFMG). Dedica-se a pesquisas nas áreas de Linguística
Aplicada (Linguagem; Tecnologia), Educação (Educação; Tecnologia)
e Formação Inicial e Continuada de Professores de Educação Básica
para Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDIC) em sala de aula. E-mail: calexandre.ro@gmail.com

José Ribamar Lopes Batista Júnior


Doutor e Mestre em Linguística pela Universidade de Brasília. É
membro do Grupo de Estudos Linguísticos e Literários do Nor-
deste (GELNE). Atualmente, é professor do ensino básico, técnico
e tecnológico da Universidade Federal do Piauí́ (UFPI), fundador e
coordenador do Laboratório Experimental de Ensino e Pesquisa em
Leitura e Produção Textual (LPT/CNPq). Dedica-se a estudos nas
áreas dos Novos Estudos do Letramento e da Análise de Discurso
Crítica, atuando principalmente nos seguintes temas: Tecnologias
digitais no Ensino de Língua Portuguesa, identidades, discursos e
Educação Inclusiva. E-mail: ribasninja16@gmail.com

289
Sergio Vale da Paixão
Pós doutor em Letras (UEM). Doutor em Psicologia pela UNESP.
Mestre em Estudos da Linguagem (UEL). Professor do IFPR - campus
Jacarezinho. Líder do grupo de pesquisa Ensino, Cultura, Linguagem
e suas tecnologias (GECLIT - IFPR/CNPq) e participante do grupo
de pesquisa Interação e Escrita (UEM). Coordenador da Especiali-
zação Educação e Sociedade no IFPR - Jacarezinho. Coordenador
institucional do Programa de Residência Pedagógica - IFPR/Capes.
E-mail: sergiovpaixao@hotmail.com.

Vicente de Lima-Neto
Professor de Linguística da Universidade Federal Rural do Semi-árido
(UFERSA) e do Programa de Pós-graduação em Ensino (POSENSI-
NO) da associação UERN/UFERSA/IFRN. Possui mestrado (2009) e
doutorado (2014) em Linguística pela Universidade Federal do Ceará.
Líder do grupo de pesquisa Linguagens e Internet (GLINET/ UFER-
SA). Atua principalmente nos seguintes temas: gêneros discursivos,
emergência e reelaboração de gêneros, mesclas genéricas, remix,
tecnologias digitais e pedagogia dos multiletramentos. E-mail: ne-
tosenna@gmail.com

290
AUTORES/AS

Ana Maria Pereira Lima


Doutora e Mestra em Linguística, pela Universidade Federal do Ce-
ará. Professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará. Atua na
área de Linguística e Formação de Professores. Professora categoria
permanente do Mestrado Interdisciplinar em História e Letras - MIHL,
na UECE e do PROFLETRAS/UECE. Pós-doutora pela Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte PPGL/CAMEAM/UERN.

Carolina Coelho Aragon


Pesquisadora e professora do curso de Letras na Universidade
Católica de Brasília, doutora em linguística pela Universidade do
Havaí (2014), atuando principalmente em pesquisas na área de lín-
guas indígenas brasileiras, com foco nas áreas de morfossintaxe,
lexicografia, etnolinguística e ensino de línguas.

Elizabete Gerlânia Caron Sandrini


Doutora e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Espírito
Santo. É servidora do Instituto Federal do Espírito Santo - Ifes, cam-
pus Colatina e, atualmente, responde pela Direção de Ensino. Tem
vários artigos e capítulos de livros publicados, além de ser uma das
autoras dos livros: O Brasil é um escambo (2017) Literatura, comu-
nidade, cultura e alteridade no Modernismo Brasileiro: a prosa da
geração de 30 (2018).

291
Fernanda Costa
Graduada em Licenciatura em Português/Francês e em Bacharela-
do em Linguística Teórica e Descritiva pela UFMG, Fernanda Costa
integra hoje o grupo discente do Programa de Pós-Graduação de
Estudos Linguísticos da mesma instituição. Atuou durante cinco anos
no projeto de extensão Redigir, coordenado pela Dra. Carla Cosca-
relli. Assim, dedica-se, desde o início de sua jornada acadêmica, aos
estudos da Linguística Aplicada e, sobretudo, do eixo Linguagem e
Tecnologia. E-mail: nandscosta@gmail.com

Francisco Jeimes de Oliveira Paiva


Mestre pelo Programa Interdisciplinar em História e Letras da Uni-
versidade Estadual do Ceará. Especialista em Ensino de Língua
Portuguesa e Literaturas e Especialista em Gestão Escolar Integra-
da e Práticas Pedagógicas pela Universidade Cândido Mendes/
UCAM. Licenciado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará.
É docente da SEDUC/CE. Revisor de alguns Periódicos da área de
Letras/Linguística e Educação.

Isabel Cristina Gomes Basoni


Doutoranda em Estudos Linguísticos e Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Técnico em Assuntos
Educacionais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Espírito Santo (Ifes) e professora de Leitura e Produção de Textos
na rede privada. Área de estudo: Linguística Aplicada, com interes-
se em pesquisas sobre Multiletramentos e Tecnologias digitais no
ensino.

292
Josiane Brunetti Cani
Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) e mestre em Educação pela Universidad Del
Norte, Paraguai. Servidora do Instituto Federal de Educação (Ifes) e
professora da Faculdade Castelo Branco. Líder do grupo de pesquisa
“Língua, Literatura e Educação”, do Ifes, e membro do grupo “Texto:
semiótica e tecnologia livre”, da UFMG, com interesse em questões
relacionadas a Multiletramentos, tecnologias digitais, ensino de
língua portuguesa e formação de professores.

Juliana Moratto
Docente do Instituto Federal do Paraná Campus Ivaiporã (IFPR). É
Mestre em Ensino pela Universidade Estadual do Norte do Paraná
(UENP). E-mail: julianapadua81@gmail.com

Juliana Pádua Silva Medeiros


Membro dos grupos de pesquisas “Produções Literárias e Culturais
para Crianças e Jovens” (USP), “O discurso pedagógico de Paulo Frei-
re: confluências” (UPM) e “Literatura Infantil e Juvenil” (UNIFESSPA),
doutoranda em Letras (UPM), mestre em Letras (USP), especialista
em Literatura e Artes Visuais (UNIFEV) e graduada em Letras (FEF). É
educomunicadora formadora de professores, consultora, produtora
de conteúdo e publisher do coletivo Gafanhoto Verde-Sol.

293
Letícia Jovelina Storto
Realiza estágio de pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUCSP). É doutora e mestra em Estudos da Lingua-
gem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). É professora
da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), atuando no
Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGEN) e no Mestrado
Profissional em Letras (ProfLetras). É pesquisadora do Projeto Norma
Urbana Culta, de São Paulo - NURC/SP (USP).

Marina Morena dos Santos e Silva


Professora do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG - campus Ipa-
tinga), onde atua  no ensino superior e na educação profissional
técnica de nível médio. É doutora e mestre em Linguística Aplicada,
Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras, pela Universida-
de Federal de Minas Gerais (UFMG). Como pesquisadora, atua nos
seguintes temas: ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras,
metáforas sobre ensino e aprendizagem de línguas, pesquisa nar-
rativa, multimodalidade e educação a distância.

Millena Ariella dos Santos Mota


Ppossui graduação (2009) e mestrado (2018) em Letras pela Univer-
sidade Federal do Ceará. Atualmente, é professora efetiva do Estado
do Ceará, atuante no ensino de Língua Portuguesa e de Produção
Textual em séries do ensino fundamental e do médio.

294
Pollyanne Bicalho Ribeiro
Possui mestrado em Educação pela Universidade São Marcos,
doutorado em Linguística pela PUC – MG/Université Stendhal (Gre-
noble III) e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). É
professora associada do Departamento de Letras Vernáculas (DLV),
do Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) e
do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Ceará
(PPGL). Suas áreas principais são a Linguística Aplicada, a relação
Linguagem e Trabalho e a Teoria Dialógica do Discurso. As ques-
tões abordadas em suas pesquisas estão ligadas a gênero e ensino,
identidade do professor, material didático, ensino da leitura, escrita
e oralidade.

Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini


Doutora em Artes (2016) pelo Instituto de Artes da UNESP, lecionando
no Colégio São Domingos. Arte-educadora, pesquisadora e artista
visual. Faz parte do grupo de pesquisa Arte Construtiva Brasileira
e Poéticas da Visualidade, sob orientação do prof. Dr. Omar Khouri
(UNESP) e do grupo de estudo Produções Literárias e Culturais para
crianças e jovens, coordenado pela profa. Dra. Maria Zilda Cunha
(USP). E-mail: prnannini@uol.com.

Sabrina Andrade Silva


Graduanda do curso de Letras da UFMG - Licenciatura em Portu-
guês/Espanhol. Também possui formação em Gestão de Marketing
pela Faculdade Pitágoras e é integrante do Projeto de Extensão
Redigir UFMG. E-mail: andradesilva.sabrina@gmail.com

295
Samuel de Carvalho Lima
Licenciado em Letras - Português, Inglês e respectivas Literaturas
pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Tem mestrado e dou-
torado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
e pós-doutorado em Ciências da Educação, na especialidade de
Educação em Línguas Estrangeiras, pela Universidade do Minho
(UM). É professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-
nologia do Rio Grande do Norte, campus Mossoró (IFRN), onde atua
no ensino de inglês em cursos técnicos de nível médio, no Mestrado
em Ensino (POSENSINO) e no Mestrado em Educação Profissional
e Tecnológica (PROFEPT). É um dos líderes do GEL - Grupo de
Pesquisa em Ensino-Aprendizagem de Línguas (IFRN). Temas de
interesse: ensino de línguas, teoria sociocultural, multiletramentos
e autonomia da aprendizagem.

Siderlene Muniz-Oliveira
Doutora e Mestra em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
pela PUC-SP, graduada em Letras. Professora-pesquisadora da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Autora de O trabalho
Docente no Ensino Superior (2015, Mercado de Letras), Resenha e
Verbos de Dizer (2016, Editora da UTFPR) e organizadora de Lingua-
gem e trabalho educacional (2019, Pontes Editores).

296
Wigna Thalissa Guerra
Graduada em Letras com habilitação em Língua Inglesa e suas
respectivas Literaturas pela Universidade do Estado do Rio Gran-
de do Norte (UERN). Tem mestrado em Ensino pelo Programa de
Pós-graduação em Ensino (POSENSINO), da associação UERN/
UFERSA/IFRN. É professora do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, campus Pau dos
Ferros (IFRN), onde atua no ensino de inglês em cursos técnicos de
nível médio, em cursos de licenciatura e em cursos superiores de
tecnologia. É integrante do GEL - Grupo de Pesquisa em Ensino-
-Aprendizagem de Línguas (IFRN). Temas de interesse: ensino de
inglês como língua estrangeira, inglês para fins específicos (ESP).

297
Construindo cenários de aprendizagem

Vai referenciar esta obra? Saiba como:

BATISTA JÚNIOR et al. Múltiplos olhares para a educação


básica: gêneros textuais e (multi)letramentos. Recife: Pipa
Comunicação, 2019. 294p. (Série professor criativo, VII).

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298
Conheça os demais volumes da Série Professor Criativo

Volume 1 Volume 2

Volume 3 Volume 4

Volume 5 Volume 6
Construindo cenários de aprendizagem

Você está diante de dez capítulos cujos autores se


debruçaram em debater a importância dos (multi)
letramentos em sala de aula e como aplicá-los a partir
dos gêneros. Perguntas como: “De que modo posso
tornar produtivo o trabalho com o artigo de opinião?”
ou “Como é que posso trabalhar o cinema em sala de
aula?” ou ainda ”O que fazer com o gênero crônica?”,
por exemplo, passam pelo imaginário dos professores,
que, nem sempre sabem o “como fazer”.

1ª edição
ISBN 978-85-66530-99-5

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