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PentagramA

2003 número 2
Revista bimestral do
Lectorium Rosicrucianum

EM BUSCA DA FONTE DA VIDA ETERNA


O RITMO DA ETERNIDADE
OS SIGNIFICADOS DE ATMAN
A GRANDE VIAGEM DE RETORNO
A QUARTA DIMENSÃO NA FILOSOFIA INDIANA
O DOMÍNIO DAS ILUSÕES
A SENDA ÓCTUPLA DO CRISTIANISMO
BUDA E O CAMINHO DO NIRVANA
AS QUATRO NOBRES VERDADES
A JÓIA DO DISCERNIMENTO
PENTAGRAMA

TEMA DESTE NÚMERO: ÍNDICE

2 POR QUE ESTE NÚMERO


TEMÁTICO DA
A Índia no ritmo PENTAGRAMA?

da eternidade 4 EM BUSCA DA FONTE DA


VIDA ETERNA

8 O RITMO DA ETERNIDADE

12 A LENDA DO
DESFILE DAS FORMIGAS
«Há duas verdades cósmicas:
14 DIÁLOGO ENTRE
o som e a ausência de som. NACHIKETA E YAMA, DEUS
DA MORTE
Agora acontece que o som interior é
17 OS SIGNIFICADOS DE
revelado pelo som exterior.»
ATMAN
(Upanishads) 18 A GRANDE VIAGEM
DE RETORNO

20 A IRREALIDADE DO
PASSADO, DO PRESENTE
E DO FUTURO

24 A QUARTA DIMENSÃO NA
FILOSOFIA INDIANA

27 O DOMÍNIO DAS ILUSÕES

32 A SENDA ÓCTUPLA DO
CRISTIANISMO

34 BUDA E O CAMINHO DO
NIRVANA

38 AS QUATRO NOBRES
VERDADES

42 A JÓIA DO
DISCERNIMENTO

ANO 25
NÚMERO 2
Por que este número temático
da Pentagrama?

O mundo está em movimento. Os se- gia indispensável para o renascimen-


res humanos procuram nas suas raízes to. Assim, o hinduismo, o bramanis-
novas possibilidades. Eles investigam mo, o budismo e o cristianismo apa-
os limites de seu campo de vida, vol- receram, elevaram-se a uma altura
tando-se para as brilhantes culturas magistral, para finalmente recair no
de um passado cujos rastros permane- formalismo. É por isso que novos
ceram em sua consciência. Especial- impulsos são sempre necessários pa-
mente as filosofias e religiões orien- ra levar os seres humanos ao bem su-
tais ganham em popularidade. perior, como uma onda elevando-se
acima das outras, mas que após ter
alcançado seu apogeu, desaba e re-
N o passado longínquo – e a crono- benta. Dessa forma, a onda que havia
logia indiana fala de muitas dezenas alcançado o cume se encontra, então,
de milhares de anos – desenvolveu-se no ponto mais baixo.
no continente indiano um impulso O tempo passa, as circunstâncias
espiritual que deixou seus rastros nas mudam e os seres humanos também
civilizações do Oriente e do Oci- mudam. As características biológicas
dente. Esse impulso espiritual origi- do homem de milhares de anos atrás
nal era dirigido ao ser humano da- talvez não fossem muito diferentes
quele tempo como um passo para au- das de hoje em dia, porém as particu-
xiliá-lo mais adiante em seu retorno laridades espirituais o são. O novo
para o reino de Deus. Portanto, são impulso é, muitas vezes, fundamen-
sempre esses impulsos – e sempre vi- tado em movimentos espirituais an-
rão novos impulsos – que apontam teriores que, depois de terem finali-
para a finalidade da vida, até que ela zado sua obra, perderam sua força e
seja alcançada pela humanidade. se apagaram, deixando nas consciên-
Um tal impulso espiritual apresen- cias elementos essenciais.
ta três aspectos: a idéia, a interpreta- Então, um novo impulso espiritual
ção da idéia e a realização da idéia. carregado de força toca a humanida-
Quem compreende esses três aspec- de para lhe oferecer uma nova opor-
tos consegue se elevar até o renasci- tunidade de salvação. Lao Tsé trouxe
mento na pátria espiritual. Para os uma filosofia iluminada, Buda veio
que não compreendem permanece o para derrubar as múltiplas deidades
risco de desviar-se da idéia com a do hinduismo, Jesus apresentou o
criação de um culto e de uma civili- ensinamento da libertação, e o im-
zação. A consciência individual limi- pulso gnóstico do século vinte cons-
ta a idéia, sua interpretação é desvia- titui uma nova oportunidade para a
da por concepções pessoais e sua rea- humanidade se libertar definitiva-
lização fica restrita por falta da ener- mente de todas as tradições dogmáti-

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cas e distorcidas. Esse processo se desviados em proveito de um desen-
repetiu muitas vezes na história do volvimento do eu e dos poderes da
mundo. personalidade terrena. Ora, a cultura
As intervenções divinas nunca do eu é um beco sem saída que não
visam fazer o homem recair nas oferece nenhum resultado.
armadilhas do tradicionalismo e das O caminho da transfiguração im-
regras. Elas suscitam uma renovação pele o cristão gnóstico atual a fazer
e sua meta é a regeneração do ser renascer e desabrochar dentro de si a
humano. É trágico ver como o alma imortal. A sabedoria eterna
impulso do cristianismo desviou-se sempre indicou a senda verdadeira, e
para o exterior e perdeu seu mistério também é assim em nossa época. Es-
interior. As novas possibilidades que peramos que este número da
A ponte entre
cada religião mundial trouxe estag- PENTAGRAMA dê uma clara demons-
o presente e
naram na cultura do eu e do ser aural. tração disso. o passado.
Seus ensinamentos, que deviam mos- Jardim do Mogol,
trar aos homens como reencontrar Índia.
sua verdadeira identidade, foram A REDAÇÃO Foto Pentagrama.

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Em busca da fonte da vida eterna

Por que as religiões não são todas Consciência na região astral


iguais? Cada cultura gera pensado-
res que chegam à conclusão que Deus O homem daquela época não era tão
é infinito, transcendente, onipresen- fortemente individualizado quanto o
te, que Ele penetra tudo e é idêntico de hoje em dia. Sua consciência era su-
a si mesmo. Então, por que existem bordinada à do grupo ao qual ele perten-
tantas religiões diferentes? cia – como é ainda o caso atualmente en-
tre os seguidores fanáticos de partidos
políticos. Sua vida cotidiana era ligada
A s religiões foram constituídas e aos ancestrais, aos devas e a outras forças
definidas com base numa interação naturais consideradas em pé de igualda-
entre os homens e o impulso espiri- de com os deuses. Ele vivia mais cons-
tual que os alcança. Portanto, existe cientemente na região astral e se comu-
antes um impulso e dele procede um nicava com as entidades que lá perma-
culto que dá origem a uma cultura. neciam. Sem criar carma, era uma vida
Todas as religiões têm um início, um de sacrifício e de autodomínio já sufi-
período de desenvolvimento e um ciente para libertar o homem de seu
fim. A natureza do impulso e as pos- corpo físico, de modo que ele pudesse
sibilidades de crescimento estão em absorver-se na grande divindade, fosse
relação com o estado de condensação ela Brahma, Vishnu ou alguma outra.
do povo e da etnia nos quais ela se Cerca de seis séculos antes da era
manifesta. Uma religião pode, então, cristã apareceu Buda com seu ensina-
evoluir e se espalhar, ou então crista- mento libertador. Era uma orientação
lizar e deixar de se desenvolver. totalmente diferente na qual o sannyasin
A sabedoria do Vedanta tem mi- desempenhava o papel principal: a re-
lhares de anos. Essa sabedoria se núncia aos três mundos:
manifesta no Bhagavadgita, nos • o do próprio homem,
Upanishads e nos Brahma-Sutra, • o de seus ancestrais,
três obras que servem de guia ao • o das divindades.
iogue. A ioga verdadeira ensina que Os homens sofriam dominados por
o homem se torna Deus na medida seus instintos naturais; eles viviam na
em que, dentro dele, a imagem do ser impureza de onde provém o sofrimen-
original é fortalecida. Para auxiliar o to. Buda ensinou, portanto, a purifica-
homem nessa realização foram de- ção e a eliminação das máculas em
senvolvidas, no longínquo passado, muitos aspectos da vida, a fim de expul-
posturas do corpo para religá-lo a sar os demônios e reintegrar o divino.
determinadas forças do universo. Pe-
la prática da concentração e da medi- O homem pensante se apóia
tação, era possível alcançar a unifica- sobre si mesmo
ção com o plano divino e o homem
inferior tornava-se uno com o ho- Seiscentos anos mais tarde, mudan-
mem superior. ça de cenário. Estamos na aurora da

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civilização greco-romana que fornece- gnóstica. Não nos enganemos: a dou-
rá às culturas européias muitas con- trina da redenção de Jesus Cristo é
cepções, idéias e leis que continuam perfeitamente gnóstica.
vigentes em nossos dias. Mas o que Hoje, dois mil anos mais tarde, ve-
aconteceu no campo religioso? O ho- mos o que permanece do impulso que
mem pensante já se apóia mais ou derrubou os muros dos dogmas e das
menos sobre si mesmo. Ele é respon- regras: foram simplesmente fabricados
sável por seus atos e – desde que as novos dogmas, construídos outros
autoridades permitam – por suas esco- muros em volta do cintilante núcleo
lhas relativas à sua vida e à sua orien- de amor e de liberdade do coração.
tação espiritual. Entramos numa fase Que tristeza. Deus foi colocado no
inédita do desenvolvimento da huma- céu para ser adorado, e teólogos de
nidade ariana: a busca do divino atra- todos os tipos edificam-se como inter-
vés da negação e da dissolução da cessores para explicar ao povo o que
consciência natural. Ele é. Os gnósticos, que partem do
Nos últimos anos do reinado do princípio de que o homem carrega
imperador romano Augusto, Jesus uma centelha divina no coração, tive-
trouxe seu ensinamento fundamenta- ram de expiar sua audácia.
do nessa nova emancipação. Já não se
trata somente de abolir o sofrimento, O homem é um microcosmo
mas de aceitá-lo como um aspecto da
natureza. O princípio divino latente O tempo passou. Valentinus foi
no homem deve renascer e se libertar, acusado de heresia. Mani fundou uma
pois sem esse princípio vivente a alma religião mundial para a alma de luz e
humana não pode reencontrar a eter- agonizou sob os ferros. Paulicianos e
nidade. Jesus diz: Ninguém vem ao bogomilos foram perseguidos e traí-
Pai senão por mim (João 14:6). O após- dos. Os cátaros foram queimados vi-
tolo Paulo diz: Assim também é a res- vos em grande número. Os rosacru-
surreição dos mortos. O corpo é semea- zes, os templários e outros místicos
do corruptível, é ressuscitado incorrup- foram perseguidos e eliminados, tanto
tível; é semeado em ignomínia, é res- quanto possível.
suscitado em glória; é semeado em fra- Na Renascença reapareceu o con-
queza, é ressuscitado em poder. Semeia- ceito de microcosmo. O homem é um
se corpo natural, é ressuscitado corpo microcosmo, um pequeno universo,
espiritual. Se há corpo natural, há tam- reflexo do grande universo, o macro-
bém corpo espiritual (1Cor. 15:42-44). cosmo; um mundo em miniatura que
Em nossos dias, o foco da consciên- contém, entretanto, tudo o que o ho-
cia está situado na cabeça, portanto, mem necessita para manifestar o plano
no corpo físico. Segundo a opinião divino. Essa concepção espalhou-se
dos esoteristas, os focos dos diferentes rapidamente. O homem da Renascen-
veículos coincidem com a cabeça. É ça descobre que ele é um ser autôno-
por isso que o Espírito, Deus, já não mo, capaz de reinar sobre o próprio
pode ser percebido, sentido, experi- céu e a própria terra.
mentado nem alcançado. O desenvolvimento de sua cons-
A carne e o sangue não podem her- ciência nem por isso terminou. No sé-
dar o reino de Deus, disse Jesus culo XVIII, os enciclopedistas pensa-
(1 Cor. 13:50). Fórmula perfeitamente vam que sabiam tudo e consignaram

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sua ciência em volumosas obras. Nos humanidade. É assim que todas as al- A unidade das
séculos XIX e XX, a ciência reivindi- mas são ligadas entre si. Elas consti- três doutrinas:
Lao Tsé (esq.),
cou seu lugar, e o homem teve de sair tuem juntas uma entidade-alma única;
Confúcio (dir.)
de seu isolamento para se tornar um entretanto, os portadores da alma, os e Buda
ser social. egos, tão freqüentemente se odeiam (criança).
Agora, neste início do século XXI, a mortalmente. Ninguém pode desvin- Pintura sobre
humanidade está no limiar de uma cular-se da humanidade; todos perten- seda. Século XIV.
nova fase de desenvolvimento. Busca- cem ao seu corpo.
mos descobrir novos aspectos da cons- A Rosacruz Áurea ensina que a na-
ciência e talvez até uma consciência tureza terrena é mutável e que não po-
totalmente nova. Fazemos interpre- demos encontrar nela uma felicidade
tações e buscamos à direita e à esquer- duradoura. O homem passa sua vida a
da se existe algo que permita aceder à procurar a sabedoria eterna que está
consciência total. Mas a vida só toma depositada no seu coração como uma
todo o seu sentido quando chegamos semente. Quando esta começa a ger-
a estabelecer a base espiritual no pró- minar, o espírito desenvolve-se, toda-
prio coração. Esse poder espiritual es- via com a condição de não se subtrair
tá na base da verdadeira renovação de ao processo de crescimento, percor-
toda a vida, não enquanto totalidade rendo o caminho.
isolada, mas conduzida numa corrente
eterna. Todo o conhecimento deposi- «Meu ser é o mais íntimo
tado no microcosmo através dos sécu- de meu coração»
los impele o homem à realização. Ele
deve aceitá-lo. A reação provocada é O macrocosmo oferece um campo
dinamizada pela corrente de força de desenvolvimento planejado, harmo-
provinda do núcleo divino no coração. nioso, com numerosas almas que são
envoltas e permeadas pelo Único, o In-
Um processo de regeneração cognoscível. Nele, o microcosmo do
deve agora acontecer homem terreno se eleva em espiral. O
divino está presente em todos os seres
A rosa desperta! E isso transforma vivos e se revelará no devido tempo.
o homem. Ele se encontra num pro- Os Upanishads são textos gnósticos
cesso de regeneração que deve termi- muito profundos que tratam do Atman
nar com o nascimento de um corpo do coração, que é uno com a substância
espiritual. Nesse momento, sua pró- divina original. Esse, meu ser no mais ín-
pria compreensão, a pureza de sua as- timo de meu coração é menor do que
piração e de sua intenção e os esforços um grão de arroz, de mostarda ou de
sustentados são de grande importân- cevada. Esse, meu ser no mais íntimo
cia. O corpo é semeado natural, ele res- de meu coração é mais vasto do que a
suscita espiritual. O corpo espiritual é terra, mais vasto do que os ares, mais
o homem Alma-Espírito que atravessa vasto do que esses mundos. Em todo lu-
as fronteiras da natureza. gar ativo, em todo lugar aromático, em
Ninguém pode realizar isso no lu- todo lugar saboroso, onipresente, sem
gar de outra pessoa. Cada um deve palavras, despreocupado: tal é meu ser
trabalhar para sua própria salvação. no mais íntimo de meu coração. Esse é
Cada um deve avançar a partir de seu Brahma.
próprio centro que está ligado ao da Extraído do Ensinamento de Shandilya

7
O ritmo da eternidade
Som e silêncio na tradição indiana

Há duas verdades cósmicas: o som e Então perece o universo


a ausência de som. Agora acontece
que o som interior é revelado pelo Um culto é dedicado a Shiva como
som exterior. criador da música. Sua dança mística
(Upanishads) simboliza o movimento rítmico do
universo. Ele encarna o Logos de
onde tudo nasce. Como Nataraja, o
É inegável que a música desempe- rei da dança, ele cria batendo no seu
nha um importante papel na tradi- tambor, que segura com a mão direi-
ção indiana. As melodias e os ritmos ta. Quando, na sua criação, elemen-
infinitamente diferenciados são uma tos negativos ameaçam dominar,
reprodução fiel da cosmologia india- Nataraja pára de dançar e de bater no
na, na qual o tempo intervém de seu tambor e procura um novo e
forma específica. melhor ritmo. Nesse momento, um
Na tradição indiana fala-se de universo perece. Quando Shiva reco-
duas modalidades1 na compreensão meça a bater no seu tambor, um novo
dos diferentes estados do tempo: o ciclo de criação nasce, um novo uni-
modo Vaishnava e o modo Saiva. O verso no ritmo da eternidade.
primeiro é espaço-temporal, causal e No Shivasutra, um conjunto de
contínuo. Nele, há lugar para a ética, aforismos sobre o deus Shiva, são
a moral e a noção de progresso. Os descritas quatro fases da criatividade:
acontecimentos que surgem nessa • transcendência (pára)
concepção do tempo são assimilados • visão (pasyanti)
e classificados segundo sua ordem • transformação e processamento
de sucessão. Vaishnava carrega os (madhyama)
acontecimentos mundiais; ele é liga- • expressão (vykhari)
do ao deus Vishnu, mantenedor do
mundo, e à sua esposa Lakshmi, Essas quatro fases se aplicam a to-
deusa da fortuna. das as criações, seja uma obra de arte
O modo Saiva, ao contrário, é musical ou um universo. Mesmo as
atemporal, não causal e espontâneo. criações inferiores respondem a esse
Encontramos aqui o insight, a processo quádruplo. Sim, cada pala-
“compreensão profunda”, a cons- vra pronunciada chega à expressão
ciência que transcende o espaço e o segundo esse princípio, pois falar –
Vishnu repousa
tempo. A essência de Saiva é criati- em qualquer nível que seja – é criar.
com Lakshmi.
vidade, força de criação; é por esse Qualquer palavra é criação. Da mais
Brahma está
no lótus. motivo que Saiva é ligado ao deus nobre à mais trivial. O artista puro
Escola Parahi. Shiva, o criador (e destruidor!) do atravessa as quatro fases, consciente-
Ca. 1760. mundo.2 mente orientado para uma elevada

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meta. O artista de alma corrompida Trecho do «livro dos preceitos áureos»:
por desejos inferiores se encontra
num nível de vibração mais baixo e Antes de pousares teu pé no último degrau da
se deixa inconscientemente levar por escada, na escala dos sons místicos, de sete
ele. Por conseguinte, sua criação será maneiras diferentes tens de ouvir a voz de teu
o reflexo desse nível vibratório. Deus interno.
Aquele que escuta com o ouvido da
O primeiro som é como o da doce voz do
alma vivente saberá discernir entre a
rouxinol cantando uma canção de despedida
arte verdadeira e o kitsch.
à sua companheira.
«O ouvido é o caminho» O segundo vem como o som de um argênteo
címbalo das almas do firmamento despertando as
Um compositor percebe uma estrelas lucilantes.
melodia na esfera de vibração trans- O seguinte é como o lamento melodioso do gênio
cendente. Ele vê, por assim dizer, os oceânico preso à sua concha.
sons, e os transcreve através de sím-
bolos (o solfejo) que permitem re- A este se segue o canto do alaúde.
produzir por meio de instrumentos o O quinto chia em teus ouvidos como o som de
que ele concebeu. O ouvinte perce- uma flauta, e em seguida se transforma num
berá isso graças à interpretação que toque de corneta.
dela dão os músicos de uma orques-
O sexto soa como o surdo ribombo do trovão.
tra. Ele será tocado e comovido em
seu íntimo. A mesma coisa ocorre O sétimo som absorve todos os outros,
com as palavras que pronunciamos. que morrem para não mais serem ouvidos.3
A palavra é a interpretação de uma A forma específica segundo a qual
vibração. Os Upanishads dizem a uma determinada civilização com-
esse respeito: o ouvido é o caminho, preende o tempo se reflete direta-
porque o homem deve antes apren- mente nos ritmos de sua música. Os
der a escutar a fim de poder ouvir a ritmos produzidos pelos tambores
palavra! dão um bom exemplo disso. Na Ín-
dia antiga um grande número de
Criar uma linha fluida tambores diferentes era usado e cada
tipo de tambor devia ser tocado de
O músico não inspirado, antes de modo específico.4
entrar na quarta fase da criatividade, Para um ocidental, é inconcebível
deve trabalhar muito nas três primei- que duas mãos possam tocar sobre
ras fases a fim de sondar e de repro- um tambor dois ritmos diferentes,
duzir algo da “compreensão profun- por exemplo, uma mão batendo
da”. Ao contrário, se ele estiver ins- quinze batidas e a outra dezesseis na
pirado, isto é, se sua alma estiver in- mesma unidade de tempo. Em nos-
teiramente aberta à fonte, então o sos dias, os músicos de rua são capa-
processo de criação se desenrolará zes de bater uma seqüência de ritmos
em uma linha fluida. Na música in- ainda mais complicados, com braços
diana clássica, se ela for bem inter- e pernas, usando instrumentos muito
pretada, encontramos a consciência variados e misturando sete ou oito
necessária à criação. É sobretudo o ritmos.
ritmo que tem suas raízes na época
védica que desempenha um papel O “tala” como criação cíclica
importante.
Os versos dos hinos não escritos, Um movimento rítmico é chama-
tais como os do Rigveda, eram can- do tala. Cada tala tem a sua estrutu-
tados sobre três ou quatro notas. As ra própria que é mantida ao longo de
sílabas eram reunidas segundo sua uma obra musical que pode durar
duração, porque não têm acento. Foi várias horas. Os talas mais compri-
assim que os textos foram transmiti- dos comportam 80 a 100 batidas por
dos durante milhares de anos e que o unidade de tempo e têm uma estru-
sentido e a duração do ritmo refina- tura muito complicada. Os ouvintes
ram-se. A mesma estrutura sutil com podem seguir estas peças de música
um entrelaçamento de ritmos com- segundo a segundo. Já os ouvintes
plexos é encontrada em toda a músi- ocidentais ficam perplexos quando
ca do velho continente indiano. os ritmos ultrapassam medidas com
três ou quatro tempos; os músicos
ocidentais não se aventuram além das
Do Rigveda: medidas de cinco ou sete tempos.5
A música indiana é cíclica. Ataca-
Alento dos deuses e origem de vida do mundo, se com o sam (iniciando em conjun-
Ele vagueia em liberdade. to). Depois de uma seqüência com
A Ele se dirige nossa devoção, a Ele, de quem motivos muito diversos, os músicos
ouvimos a voz, mas de quem ninguém jamais se reencontram no sam e um novo
contemplou a forma. ciclo começa. Nesse momento preci-
so o público explode com gritos de

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alegria, aliviando toda a tensão criada
pela lancinante pergunta: será que Do Bhagavagita:
vão conseguir? Será que se reencon-
trarão novamente? Ciclos podem se O corpo possui um núcleo que é imensurável,
repetir desse modo centenas de vezes imperecível, imortal.
e raramente são idênticos. Ele não é submetido nem ao nascimento nem
A palavra tala é uma combinação à morte.
das sílabas “ta”, de tandava, a dança Vivo, ele jamais cessará de existir.
cósmica de Shiva, e de “la”, de Lasya, Ele não tem começo nem fim.
uma das parceiras de Shiva. Ele não morre com o corpo.
Essa estrutura musical concorda
com a tradição que quer que os ciclos
de manifestações se repitam infinita- Contempla a suave luz que inunda
mente, cada um diferente do prece- o céu oriental. Em sinais de louvor
dente. Trata-se de uma sabedoria se unem céu e terra. E dos quádruplos
independente do tempo, manifestan- Poderes manifestados sobe um
do-se em numerosas dimensões e em cântico de amor, tanto do Fogo
quantidade quase inesgotável; assim, chamejante como da Água corrente,
todas as criaturas são reveladas, da Terra
escondidas e curadas pelo tempo.6 de suaves perfumes como do Vento
uivante.
NÂDA Brahma, o mundo é som Escuta! ...do profundo e insondável
vórtice dessa luz em que se banha o
Shiva domina os processos de cria- Vitorioso, a voz sem fala de toda a
ção e de destruição do universo. Ele natureza se ergue em mil tons
trabalha com o fogo divino que segu- para proclamar:
ra na mão esquerda. O tambor mos- Regozijai-vos, ó homens desta terra.
tra seu poder porque cada batida põe Um peregrino voltou da outra
a substância primordial em movi- margem. 3
mento. Graças ao ritmo do tambor,
os macrocosmos e os microcosmos,
as galáxias, os seres, as plantas, os
deuses e as ondas de vida se formam.
Assim, o som traz uma manifestação. Fontes:
A criação nasce da substância pri- 1 SUDARSHAN, E.C.G, Time in the Indian
tradition, Austin: University of Texas, 1997.
mordial. O silêncio entre duas bati-
Internet: //here-now4u.de/eng/time.in.the.Indian.
das de tambor é um momento de tradition.htm.
regeneração onde a substância pri- 2 BERENDT, J.E., Das Dritte Ohr – Vom
mordial retorna à transcendência. Hören der Welt, Reinbek bei Hamburg, 1992.
Podemos talvez imaginar, com toda 3 Blavatsky, H.P., A voz do silêncio, São Paulo:
modéstia, algo da ação da Palavra Pensamento, 1991.
4 GRONDEY, L., Die indische Trommel.
criadora de Deus. O homem em sua
Internet: //141.20.150.19/pm/Leh/StudProj/
forma original, Alma-Espírito, deve Grondey/Trommel.htm.
aprender a utilizar essa força. O som 5 ZIMMER, H., Indische Mythen und Symbole,
da Palavra divina revela o amor divi- Diederichs Gelbe Reihe, 7. Auflage 2000.
no a suas criaturas, enquanto que sua 6 BERENDT, J.E., Nâda Brahma – Die Welt ist
força é oculta no silêncio. Klang, Reinbek bei Hamburg, 1990.

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A lenda do desfile das formigas

Entre as divindades védicas, Indra pessoa e inclinou-se diante dele e o


era um soberano guerreiro. Com sua convidou a entrar na grande sala do
lança de raio, ele triunfou do titânico palácio.
– Ó vós, o mais elevado entre os
dragão das nuvens, libertando de seu
deuses, disse o jovem, nenhum dos
ventre as águas, a corrente da vida. Indras que vos precederam jamais
Logo depois, ele empreendeu a re- construiu um palácio como este.
construção da cidade dos deuses que A alusão do adolescente de haver
estava em ruínas. Ele concordou com conhecido os Indras precedentes
Vishvakarman, deus das artes e da atraiu a atenção de Indra. Sorrindo,
engenharia civil, em edificar um pa- ele perguntou:
– Diga-me, meu filho, será que os
lácio digno de um rei. Mas mal
Indras que conheceste, e dos quais
Vishvakarman havia terminado, In- ouviste falar, foram realmente tão nu-
dra tencionou empreender novos merosos?
embelezamentos. Ele exigia a cons- – Certamente, respondeu o jovem
trução de outros terraços, de outros brâmane. Conheci muitos: vosso pai,
jardins, queria mais lagos, pequenas vosso avô e conheço também Brah-
ma. Eu vivi o pavoroso aniquilamen-
torres, pavilhões, represas e grutas.
to do universo. No final de cada ci-
Tanto que ele impeliu Vishvakar- clo, eu vi como tudo desaparece. A
man ao desespero, e este só teve por vida e o reino de um Indra dura 71
último recurso queixar-se para ciclos. No fim de 28 ciclos, há um dia
Brahma, o criador deste mundo, cujo e uma noite de Brahma. A vida de um
poder ultrapassava em muito o de Brahma dura 800 de seus anos. Um
Indra. Brahma prometeu auxiliá-lo Brahma sucede a outro. Seu número é
infinito. Sem falar do número dos
e submeteu o caso a Vishnu, que o
Indras. E os universos que nascem a
escutou. cada instante, quem pode medir-lhes
a duração?
Enquanto o jovem falava, uma co-
N o dia seguinte, na porta do palácio luna de quatro braças de formigas
de Indra, apresentou-se um jovem marchou através da sala. O jovem
brâmane irradiante de luz. Indra per- interrompeu-se e riu um riso cristali-
cebeu que se tratava de uma santa no, depois se calou.

12
A idéia indiana de tempo – kâla – remete a um
fenômeno sem fim e sem limite. A mitologia o
representa freqüentemente como uma roda –
– Por que riste? Quem és tu? bal- kalpa – que gira através de ciclos diferentes, da
buciou Indra. O jovem respondeu: criação ao aniquilamento, e do caos à criação.
– Vendo passar as formigas em Um kalpa corresponde a uma vida do criador
longa procissão, pensei que cada uma Brahma. Oitocentos anos de Brahma correspon-
delas havia sido um Indra. Como
dem a 311 040 bilhões de anos. Um kalpa começa
vós, cada uma já alcançou o nível de
rei dos deuses pelos seus atos meritó- com o nascimento de um Brahma e termina com
rios e religiosos. Mas, por causa de a sua morte. Um novo Brahma nasce, e assim por
seus atos horríveis, elas caíram e se diante.
encontram agora encarnadas em for-
Um kalpa compreende mil ciclos, e cada ciclo
migas. Os soldados deste exercito de
formigas não foram Indras a não ser compreende quatro yuga ou eras do mundo.
uma única vez. A primeira era é a idade de ouro, a idade da
Ouvindo isso, subitamente Indra inocência e da verdade. É a que dura mais
achou que seu projeto de constru- tempo. Mas a verdade se altera e começa então
ção, afinal de contas, era desprovido
a segunda era, que é mais curta. Este período vê
de interesse e se reduzia a nada. Ele
acertou o salário de seu arquiteto, li- diminuir lentamente a virtude e a duração da
berou-o de suas obrigações e se vol- vida. Depois vem outra ainda mais curta,
tou para a vida de anacoreta. Com o a terceira era, durante a qual viveram Rama e
auxílio de um religioso muito escla-
Krishna, os heróis do Ramayana e do
recido, sua esposa bem-amada,
Shakti, conseguiu dissuadi-lo. Mahâbhârata. Por fim começa o kali yuga, uma
Esta bela história em que Vishnu idade negra, o período atual. O que caracteriza
aparece, ele mesmo, na pessoa do jo- o kali yuga são a ignorância, a impiedade,
vem radiante de luz, conta como epí- a violência e a concupiscência. No fim de um kali
logo que Indra arrependeu-se, cu-
rou-se de seu orgulho insensato e de yuga, Vishnu, o guardião do mundo, desce sobre
sua ambição desmedida antes de a terra sob a forma do guerreiro Kalki. Ele
retomar o seu designado lugar na aniquila o mal e preserva o bem para a próxima
criação. manifestação de uma criação. De um aniquila-
mento até uma nova criação, durante uma noite
(Extraído de: Zimmer, H., Indisch Mythen
und Symbole, Diederichs Gelbe Reihe, 7. cósmica, Vishnu descansa na serpente enrolada da
Auflage, 2000.) eternidade.

13
Conversa entre Nachiketa e Yama,
deus da morte
Do Kathaka Upanishad

O Kathaka Upanishad é tirado dos sacrifício enquanto que Isaac é ofere-


Upanishads que constituem, eles mes- cido por seu pai. A história de Nachi-
mos, o ramo mais recente da literatura keta vai mais longe. Quando Nachi-
védica. A etimologia mais provável re- keta se aproxima de Yama, este diz: Ó
mete à palavra da raiz «sad», sentar-se, brâmane, se passares três noites em mi-
com os prefixos «upa» e «ni» que aca- nha morada, na qualidade de convi-
bam de descrever o círculo dos discípu- dado de honra, sem tomar alimento,
los reunidos aos pés do mestre. São tra- poderás formular três desejos. Yama
tados filosóficos sobre assuntos como não terá dificuldades de satisfazer o
«a verdade no pano de fundo do mun- primeiro desejo: logo que Nachiketa
do», «a origem da verdade» ou ainda tiver descido ao reino dos mortos, ele
«a verdadeira natureza do homem».1-3 poderá facilmente retornar para o seu
Pai. Yama está igualmente em condi-
ções de satisfazer o segundo desejo de
N achiketa é filho de um brâmane; ele Nachiketa que é de lhe ver indicado o
escuta Yama, o deus da morte, lhe falar caminho que leva ao céu. Mas no ter-
do «além dos limites» e da forma de ceiro desejo, o deus protesta com vee-
ser libertado da morte. No momento mência quando o jovem deseja apren-
em que começa o relato, o gado desti- der as coisas do além. Escolhe de pre-
nado aos sacrifícios é recolhido. Os ferência te tornares rico ou viver muito
descendentes de Vajashravas, de boa tempo. Sê o mestre de uma vasta terra
vontade, fazem a oferenda de tudo o e farei de modo a te dar toda satisfa-
que possuem; seu filho, o jovem ção. Exige, se quiseres, todos os praze-
Nachiketa, sente a fé invadir seu cora- res os quais são difíceis de alcançar.
ção. Ele pensa em seu íntimo: sem ale- Mas não me perguntes o que ocorre
gria são os mundos para onde vai depois da morte.
aquele que oferece esses animais. E ele A reação de Yama, no primeiro de-
pergunta a seu pai: Pai, a quem vais sejo, mostra que ele não pede a Na-
imolar-me? Ele faz esta pergunta três chiketa que lhe dê sua vida. Ele conhe-
vezes e seu pai acaba por responder: ce as leis que ele mesmo determinou,
Consagro-te à Morte. e, portanto, aguarda pacientemente,
Essas palavras fazem pensar na his- uma vez que sabe que todos os ho-
tória bíblica em que Abraão se apron- mens retornarão a ele um dia. Do
ta para sacrificar o filho Isaac. Abraão mesmo modo, ele pode, sem hesita-
também era sacerdote, porém um sa- ção, ensinar a Nachiketa o caminho
cerdote provado por Deus, o que não do céu mostrando-lhe como acender o
era o caso do brâmane. Além do mais, fogo divino. É um caminho de adora-
Nachiketa oferece-se a si mesmo em ção e de entrega sobre o qual se triun-

14
Arjuna guia
o carro solar
de Surya.
Miniatura do
século XVIII.
Museu Bharat
Kala.Varanasi,
Índia.

fa da velhice e da morte. É, portanto, dos limites”; ele sabe também como


muito surpreendente que o deus não um homem pode libertar-se dele. Mas
tencione de modo algum aceitar o ter- quando Nachiketa reitera seu voto pe-
ceiro desejo e não queira dizer nada a la terceira vez, o deus da morte deve
respeito de seu reino, nem da vida executá-lo. Ele acaba por responder a
depois da morte. Trata-se aparente- Nachiketa com as palavras: Aquele
mente de algo mais do que a devoção que, meditando sobre si mesmo, co-
que, segundo a tradição, leva ao céu. É nhece Deus, esse Deus invisível e es-
um conhecimento e uma compreen- condido que reside no segredo, na pro-
são que são o fruto da renúncia e da fundeza, esse é um sábio que abando-
busca da verdade. na o sofrimento e a alegria. Ínfimo,
À oferenda de felicidade e de delí- imenso, Atman vive no coração da cria-
cias terrenas que lhe faz Yama, Nachi- tura. Aquele que está sem desejo, sem
keta responde: Essas coisas durarão so- tristeza, contempla, pela graça do Cria-
mente até o dia seguinte, ó destruidor dor, a majestade de Atman.
da vida, e os prazeres que elas conferem Esse processo de renúncia que libe-
desgastam os sentidos. Ficai, portanto, ra o núcleo divino no coração é uni-
com os cavalos e as carruagens, com a versal e pertence a um ensinamento
dança e a música para vós mesmo! Co- dado ao homem desde a aurora dos
mo poderá desejar a riqueza, ó Morte, tempos.
aquele que uma vez já viu a vossa face? Yama continua: Não se pode com-
Nós não vivemos além do que per- preender o que é Atman nem pela edu-
mites. O voto que formularei será sem- cação, nem pelas oferendas, nem pela
pre o mesmo: obter esclarecimentos so- erudição. Somente aquele que lhe libe-
bre um mundo do qual ignora-se tudo ra interiormente o caminho pode com-
e sobre o que existe além dos limites. É preender. Atman se revela a ele. Mas
esse voto que formulo do mais profun- aquele que não abandona os caminhos
do de meu ser e nenhum outro. É a tortuosos da existência, aquele que não
escolha de Nachiketa. atinge a paz e o autodomínio, aquele
Yama conhece as leis do “país além cujo coração não é tranqüilo, esse jamais

15
As duas trindades do hinduismo: ciência o cocheiro de sua carruagem,
• a horizontal ou mitológica se compõe dos três que não pode dominar seus cavalos sel-
aspectos do Ishvara (o Ser): Brahma, o criador, vagens. Aquele que, ao contrário, con-
Vishnu, o mantenedor, e Shiva, o deus da des- duz corretamente seus cavalos e os do-
truição e das metamorfoses. Notemos a diferença mina com sua inteligência, esse alcança
entre Brahma e Brahman. Brahma representa os a meta de sua viagem: o sublime trono
três rostos de Ishvara. Brahman é o princípio de Vishnu.
supremo. Vishnu é o mantenedor da criação.
• a trindade vertical (Satchitdananda) é a que Ele se encarna nos seres divinos, como
simboliza as três dimensões interiores do princípio Rama e Krishna, a fim de influenciar o
supremo: curso das coisas terrestres.4 Seu gran-
– sat = ser, objeto, última realidade, transcendência; dioso trono se encontra além da cria-
– chit = consciência, sujeito, ser último, imanência; ção, na fonte da força libertadora que
– ananda = beatitude, união. se derrama sobre o mundo e a huma-
nidade. Ele é um aspecto do Verbo di-
René Guénon, especialista em hinduismo, diz que a trindade vino, do Logos, ao qual o próprio Yama
vertical (ser-consciência-beatitude) se assemelha à trindade
cristã Pai-Filho-Espírito Santo. Existem, aliás, muitas semelhanças
deve, em última análise, se submeter.
entre o cristianismo e o hinduismo. 5 Por fim, Yama resume sua mensa-
gem e revela àqueles que julga dignos
de conhecer seu segredo o meio de
encontrará Atman porque lhe falta co- escapar a sua própria dominação: aquele
nhecimento. que venera o que é desprovido de som,
Aborda-se aqui a questão da graça. de sentimento, de forma, de mudança,
Ela não é obtida nem através de ofe- de gosto, aquele que é eterno, sem me-
rendas nem pelo acúmulo de ciência dida, sem começo nem fim, que é maior
mundana. Trata-se, na realidade, de uma do que o grande ser, indestrutível, aque-
conversão de todo o ser. O coração hu- le será libertado do império da morte.
mano deve se apaziguar, isto é, liber- Nos Upanishads, a doutrina secreta
tar-se dos vínculos invisíveis que o da Índia, encontra-se a idéia de que
prendem ao mundo. Os egípcios utili- tudo deve estar a serviço “Daquele”, o
zavam a mesma imagem: antes de po- Deus supremo. O deus da morte man-
der alcançar Osíris, é preciso que Anú- tém as almas atadas à roda do nasci-
bis, o deus da morte, pese o coração, mento e da morte. Mas às almas evo-
que deve ser leve como uma pluma de luídas ele revela como podem escapar
pássaro. ao circuito para encontrar a passagem
Yama se serve de uma comparação para o mundo divino.
encontrada também no Bhagavadgîta:
Sabe que Atman assemelha-se a uma Fontes:
carruagem atrelada: o corpo é a própria 1 GUNTURU, V., Hinduismus, Munique:
carruagem, a consciência é o cocheiro, Diederichs Gelbe Reihe, 2000.
2 THIEME, P., Upanishaden, Stuttgart:
a inteligência, as rédeas; as faculdades
1966/1999.
sensoriais são os cavalos e o mundo ob- 3 HILLEBRANDT, A., Upanishaden, Munique:
jetivo percebido é o caminho. O ser li- Diederichs Gelbe Reihla, 2001.
gado aos sentidos e à inteligência, os 4 BLOK, J.A., Oepanisjads, Deventer:
sábios o chamam «aquele que está na Ankh-Hermes, 1976.
volúpia», aquele que não possui a justa 5 GUÉNON, R., La grande triade, Paris:
compreensão, que não faz de sua cons- Gallimard, 1946.

16
Os significados de Atman

A palavra sânscrita Atman designa consciência. No poema sânscrito


o Ser. Os Upanishads mostram a re- Bhagavadgita, o autor expõe ampla-
lação que existe entre Atman e mente esses diferentes significados e
Brahma, aquele que é auto-suficien- seu alcance, a saber: para um ser que
te, o Espírito divino, a essência divi- se encontra no caminho da verdade
na e a fonte de onde provém a cria- suprema, Atman representa a compo-
ção inteira. sição humana, com o corpo, os senti-
dos, a vida mental e emocional, que
finalmente alcança o Ser; desta vez
A palavra Atman é também um pro- Atman é, no sentido exato, a centelha
nome reflexivo, como a palavra self divina no coração do homem.
em inglês. O si-mesmo pode signifi- Eis algumas citações ilustrando
car várias coisas segundo o estado de essas diferentes acepções:

Versículo 7: Versículo 21:


Nele [...] Atman é muito puro, nele Quando o Ser (Atman) é desprendi-
que venceu seu ser, [...] aquele cujo Ser do das coisas exteriores, ele sente a
tornou-se idêntico ao Ser de todos os alegria encerrada no Ser
seres, seu comportamento será puro. (Atman)... Aqui, Atman significa a
Aqui Atman designa o espírito huma- faculdade de pensar. Ele é precisa-
no, o ser (o corpo) e o Ser (a Alma). mente o único verdadeiro Ser.

Versículo 11: Versículo 26:


[...] eles se comportam de modo a Para os que se consagraram ao
purificar o Ser (Atman). Atman sig- conhecimento do Ser (Atman), a
nifica aqui o espírito humano. benção de Brahma está em
tudo. Aqui também Atman significa
Versículo 16: o único Ser.
...porém, aquele em quem a igno-
rância foi abolida pelo conhecimen- Todos esses significados da palavra
to do Ser (Atman), a sabedoria ilu- Atman mostram as diferentes fases
mina esse sublime. Aí estamos em do processo no decorrer do qual
presença do verdadeiro significado toma-se consciência do Ser até iden-
de Atman. tificá-lo e reconhecê-lo.

17
A grande viagem de retorno*

«A grande viagem ascendente para o lar é um processo poderoso, de uma


lar do Pai conduz através de todas as dimensão imensa, uma evolução que
regiões da natureza da morte, seguin- se expande em espirais, na qual não se
do as fases de um processo. (...) Nesse pode falar mais em luta como a conhe-
universo encontram-se incontáveis siste- cemos em nossa ordem de universo.
mas, do mais primitivo ao mais refinado. Não há conflito no próprio ego, po-
rém, uma intervenção de poderosa
corrente de forças sem agressões pes-
Existem miríades de seres e ondas de soais em que o ímpio deve ceder o
vida que se diferenciam em espécie e passo ao divino. Não devemos encarar
força de forma surpreendente. É um esse contexto como uma grande via-
oceano de manifestações, insondável e gem através de um atoleiro de malda-
imensurável, manifestações essas que de abominável e crimes horrendos, po-
se movimentam dentro dos limites da rém, como a representação de uma
impiedade e da decadência fundamen- obra multiforme da desordem, da ilu-
tal e estrutural. É o oceano de vida da são de bondade, do enaltecimento de
experimentação, um gigantesco cam- si mesmo e da busca universal.
po de trabalho para os aprendizes de Da mesma forma que em nosso cam-
feiticeiro entregues a si mesmos. po de vida uma Fraternidade Univer-
Algumas regiões estão como que sal sétupla atua para viabilizar uma
mergulhadas em profundo sono, em veste de luz para os redimidos, tam-
outras reina uma atividade efervescen- bém em todo o universo da morte
te e dinâmica, outras demonstram a existem os grandes redentores e seu
vertigem e o torvelinho da obsessão, campo de trabalho. Todos os libertos
mas em todo lugar sentimos a limita- fortalecem esses grupos e, através de
ção e a atividade febril do nascimento, sua veste de luz, esse poderoso manto
florescimento e desaparecimento. Tu- que envolve seus companheiros, cola-
do e todos seguem curvados sob a mal- boram para destruir a ilusão.
dição de ser praticamente constrangi- No universo visível, em escala hu-
dos a tudo empreender e empregar to- mana, reina uma grande magnificência
dos os meios para “dali ainda extrair al- sob muitos aspectos, mas, aos irmãos e
guma coisa”. Neste oceano extremamen- irmãs do quarto grau, a ilusão dessa
te ativo e multiforme, nossa própria es- magnificência evidencia-se completa-
fera refletora microcósmica e a do mente, pois a terceira veste que eles
nosso cosmo são absolutamente insig- podem e devem tecer é uma veste da
nificantes. majestade divina primordial que nin-
Se a natureza da morte consistisse guém conhece no espaço sujeito à pri-
apenas de nosso campo de vida com meira lei. Não há uma única criatura
suas duas esferas, livrar-se dela seria no universo da morte que possa pos-
relativamente fácil. Entretanto, o ho- suir essa veste.»
mem existe num universo da morte. * Extraído de: Os mistérios gnósticos da Pistis
Foto Pentagrama. Por esse motivo, a viagem de volta ao Sophia (obra em preparação).

18
A irrealidade do passado,

Na mitologia indiana, um determi-


nado número de descrições simbólicas
dizem respeito a esse cosmo no qual se
desenvolveu o jogo das aparências e
das oposições. Descobrimos que o
mundo é constituído de diferentes do-
mínios que abrangem tanto o mundo
subterrâneo do reino dos infernos co-
mo o reino celeste do além.

O mundo flutua sobre o oceano o-


riginal. Desde as mais altas esferas
até as mais baixas, Yama, o deus da
morte, faz reinar eternamente a
transformação e a impermanência.
Os próprios deuses das mais eleva-
das esferas não são infalíveis e, se-
gundo muitas lendas, descobrimos
como foram cegados e precipitados
nas regiões mais densas do universo.
A Índia antiga negava toda a realida-
de no passado, no presente e tam-
bém no futuro. Ela representava o
tempo como um palco onde nasce e
morre o mundo transitório das apa-
rências. O tempo, assim como o es-
paço, é feito de oposições (dvanda).
Ambos são gerados na ação dos três
gunas, que são três fios da corda que
amarra o homem sobre a roda do
nascimento e da morte1:

• Tamas, a gravidade e a ignorância,


liga pela negligência e pela indife-
rença;
• Rajas, o movimento, a ação, liga
pelo orgulho e a vaidade, e pela ten-
dência ao ativismo;

20
do presente e do futuro

• Sattva, a harmonia, a paz e a clari- A existência de um mundo se


dade, liga pela tendência a procurar divide em quatro períodos
a felicidade e os conhecimentos.
Segundo a antiga sabedoria dos
Um ocidental ficará certamente indianos, o mundo está em queda e
espantado de ver que os indianos dos continua a se atolar na luta das opo-
tempos passados contavam a harmo- sições (dvanda) e na ilusão (maya).
nia e a paz entre o número de víncu- Atualmente ele alcançou o ponto mais
los que prendem a este mundo. É baixo, a matéria grosseira, as trevas.
uma concepção totalmente estranha Esse nadir será seguido de um perío-
à sua ética. A imagem dos três fios da do de alívio em que a matéria será
corda corresponde, no entanto, à vi- menos densa.
são dos gnósticos para quem o bem Um período do mundo consiste
e o mal se unem um ao outro neste de quatro épocas, sendo a primeira a
mundo da dualidade. O bem que o mais longa, a última a mais curta.
homem faz mantém o mal: “Fazer o Quanto mais o mundo se afasta de
bem” não é nada libertador. seu domínio de origem, que é santo,
A concepção do mundo, na Índia mais ele se afunda na matéria e mais
antiga, é muito diferente da nossa. os períodos se tornam curtos, tor-
Não falaremos de utopia, mas de nando-se cada vez mais difícil aos
uma descrição muito minuciosa dos grandes iniciados descer no mundo
estados de consciência e das forças para auxiliar a humanidade.2
que dominam o homem. Nessa re- No Krita Yuga, o dharma, a força
presentação, há sempre algo que re- universal da Gnosis, penetra o uni-
mete a uma ligação com o Absoluto. verso. Todos os seres vivos se consa-
O Absoluto é, aqui, o “Axis Mundi”, gram inteiramente a manter a ordem
o Monte Meru, que se eleva em um sagrada. O nome Krita faz referência
lugar inacessível ao comum dos à origem, ao primeiro lançamento de
mortais, uma vez que ele se encontra dados no jogo de azar. O número
no centro da terra. quatro exprime uma totalidade. A
Além das recorrentes tribulações, primeira época se auto-sustenta. Ela
decepções e sofrimentos do mundo se “mantém sobre quatros pernas”. O tempo é
dos altos e baixos, existe um princí- No Tetra Yuga, o ritmo do mundo dividido em
pio eterno que liga o mais profundo se acelera. Só três quartos do dharma imensos períodos
sagrado estão presentes. As leis sagra- nos quais figuras
dos infernos e o mais elevado dos
importantes deixam
céus com o prana original e abarca das já não são espontaneamente pos-
sua marca espiritual.
todos os mundos. “Deus não deixa tas em prática, mas devem ser ensina- Batente de porta.
perecer a obra de suas mãos”, como das e aprendidas. A ordem divina só Sanchi, Índia.
é dito na Bíblia. se “mantém sobre três pernas”. Final do séc. II.

21
Os véus da ignorância se rasgam

O homem deve libertar em si


mesmo a substância divina. Os
Upanishads cantam, em versos mag-
níficos, o progresso até a união com
Brahman, o divino original. Essa
realização é alcançada quando as
cinco camadas dos “véus da igno-
rância”, como os chama Shankara, se
rasgam4.
A história da espiritualidade in-
diana é constituída de uma série de
tentativas para acompanhar a queda
do homem na matéria e indicar-lhe o
caminho da reintegração divina. Em
O Dvapara Yuga (dva = 2) é a épo- outras palavras, libertá-lo do ciclo
ca em que foi estabelecido o equilí- dos nascimentos, das garras de
brio entre a perfeição e a imperfei- Maya, a ilusão. No início ainda era
ção. O conhecimento direto da ordem possível se libertar simplesmente
divina é cada vez menos acessível. rasgando os véus da ignorância para
No Kali Yuga (kala = negro, tene- ver a ausência de realidade do
broso) a transmissão das normas mundo das aparências. Mais tarde, o
santas é totalmente perdida. No jogo homem precisou se submeter a um
de dados, Kali é a jogada do perde- processo inteiramente apoiado pelo
dor. Segundo o Vishnu Purana, o Kali budismo, entre outros. Em seguida,
Vishnu Sudarsana Yuga começa quando na sociedade o à medida que o homem afundava na
de oito braços no único poder é o da riqueza, a única matéria, foi preciso criar novas con-
trono do lótus. O
virtude, a posse, a única ligação entre dições para que ele pudesse retornar
círculo simboliza
o cosmo.
o homem e a mulher, a paixão, a a sua origem. Quinhentos anos
O hexágono é o única fonte de prazer, o acasalamen- depois de Buda, Jesus disse: “Meu
selo de Salomão to, o único fundamento do sucesso, a reino não é deste mundo”. Segui-lo
representando traição...3 A destituição do divino, do significa seguir um caminho no qual
a trindade divina dharma, do ensino, é a razão pela o inferior deve morrer e abrir espaço
que penetra a
qual o Kali Yuga dura menos tempo. para a nova Alma.
cabeça, o coração
e as mãos do
Esta época, na qual a humanidade Na antiga tradição indiana, a mor-
homem. Escultura atualmente se encontra, dura 432 000 te é considerada como um fenômeno
em cobre. anos e começou na morte do divino natural e não como uma oferenda
Vijanagar, ca.1600. Krishna (por volta de 3120 a.C.). necessária do ser inferior. Essa mes-

22
ma tradição transmitiu métodos es- O espírito não nasce e não morre,
pirituais concernentes ao homem Ele não provém de nenhum lugar
dessa época, isto é, um tipo de ho- e não vai a nenhum lugar.
mem dotado de aptidões diferentes Ele é imutável e eterno,
das do ocidental de hoje. Sua cons- Ele está vivo mesmo que o corpo
ciência não era tão individualizada, esteja morto.
ele não estava ainda tão absorvido
pela matéria grosseira quanto pode Ínfimo e, no entanto, maior do que
estar o ocidental, cuja consciência só o maior,
é voltada para o seu bem estar. Na Deus está escondido no coração da
época da qual falamos – há muitos criatura.
milhares de anos – os homens per- A majestade do ser reconhece, na
tenciam a uma comunidade na qual calma,
o indivíduo nada mais era que um Aquele que, sem desejo, libertou-se
“instrumento trabalhando incons- da dor e das preocupações.
cientemente” no grupo. Seus pensa-
mentos, seus sentimentos e seus atos (Extraído do Ensinamento dado a Nachiketa
eram determinados pelo grupo. A pelo deus da morte, Yama.5)
ilusão da liberdade individual, tal
como ela é mantida na nossa socie-
dade de consumo, não existia ainda.
Se constatamos hoje a atração
exercida sobre muitos ocidentais in-
NOTAS:
dividualizados pelos sistemas orien-
1,2,3 ZIMMER, H., Philosophie und Religion
tais, temos o direito de perguntar em Indiens, Baden-Baden, 1973; e Mythen und
que medida essa necessidade de “sa- Symbole in indischer Kunst und Kultur,
bedoria exótica” seria devida à aspi- Zurique: Rascher, 1951.
ração a um mundo “reconciliado”, 4 Isso corresponde aos corpos sutis descritos
unindo o oriente e o ocidente. Mas na grande tradição esotérica ocidental:
essa época da história da humanida- . o invólucro do corpo material, mantido
de está ultrapassada. O caminho da em condições pela alimentação;
libertação espiritual é percorrido na . o corpo vital, mantido pelas forças da
vitalidade;
atualidade, hoje e agora: eis o que já
. o invólucro formado pelo sistema
ensinava a antiga sabedoria indiana. sensorial e a alma;
. o invólucro formado pelo conhecimento
Aquele que reconhece Deus oculto e pela compreensão; e
em si, no original-eterno, misterioso, . o formado pela beatitude (ananda).
que permanece no coração, 5 GLASENAPP, H.V., Indische Geisteswelt,
eleva-se acima da alegria e da dor. Wiesbaden, 1958.

23
A quarta dimensão na filosofia indiana
Em busca do segredo do tempo

O mundo material em suas diversas ouve dependem de sua consciência.


gradações de densidade é definido pe- Portanto existe o tempo não objetivo,
lo tempo e espaço. Todas as criaturas mas subjetivo, e existem muitas varia-
neste mundo são, portanto, igualmen- ções possíveis. Então, também não é
te submetidas à lei do espaço-tempo. nada surpreendente que a cronologia,
Elas surgem, brilham e desaparecem. segundo a filosofia hindu, seja, de mo-
Seu nascimento e perecimento são de- do geral, nada confiável aos olhos oci-
terminados. dentais, uma vez que os acontecimen-
tos históricos em sua maioria são des-
critos simplesmente como “tendo pas-
O ser humano faz para si mesmo uma sado há muito tempo”. O tempo não
representação do tempo conceitual. constrói nenhum cenário objetivo que
As imagens definem sua compreensão sirva como pano de fundo para o
do mundo onde vive, suas experiên- mundo, embora seja um componente
cias de vida e suas expectativas. Po- essencial do mundo.
rém, há algo nele que se revolta contra
o vir a ser e a compreensão no tempo, Tempo profano e tempo sagrado
algo que o faz se perguntar por que
nasceu no tempo. Acontecimentos exteriores são con-
Já desde os primórdios do tempo o trolados através do tempo. Tudo o que
ser humano está ocupado com esse acontece se torna fato quando regis-
paradoxo. Além disso, é notável que, trado pelo tempo. Cada causa tem um
com os milhares de homens no inte- efeito que se torna nova causa diante
rior da mesma ordem de espaço-tem- dos pensamentos, emoções e atos que
po, eles sejam tão apartados segundo dele resultam. Na tradição hindu esses
suas percepções e conclusões. Por processos são vistos como uma cor-
exemplo, de acordo com a visão mo- rente de tempo profano que flui do
derna ocidental, o tempo é uma linha presente até o futuro. Além disso,
irreversível que caminha do presente existe uma contra-corrente de tempo
até o futuro. Assim, o tempo é medi- que flui do presente ao passado, às
do de modo linear até nas subdivisões causas. Na vida profana, o presente
em segundos. Tudo o que acontece é influencia o futuro, porém não afeta o
visto, vivenciado e compreendido a passado. Essa imagem vai ao encontro
partir da tela do tempo previamente daquela do tempo linear. Somente no
definida. Daí as pessoas tomarem essa presente o tempo – esse momento –
imagem objetiva como ponto de par- pode ser influenciado, e as conseqüên-
tida. Porém, segundo outra visão – cias dessa influência serão demonstra-
como aquela que surge na grande civi- das, então, no futuro.
lização indiana – o tempo caminha em No tempo sagrado, desenvolve-se
círculos ou em espirais. no homem uma profunda compreen-
A arte e a música que o homem vê e são através da qual a ignorância desa-

24
parece. Aflição e ignorância não
nascem desse tempo. Segundo
Buda, elas sempre estiveram pre-
sentes na criação temporal, mas
desaparecem logo que a dimen-
são do tempo é abolida.
E o próprio insight [a compre-
ensão profunda] ilumina o pas-
sado, afasta a ignorância e reve-
la a harmonia da experiência
restrita, e assim afeta o passado.
Nesse contexto, a iluminação é
instantânea e sem esforço, porém
o brilho dessa iluminação pode
durar por longo tempo, talvez
toda uma vida. A percepção de
momentos de tal contra-corrente
está no tempo sagrado.1
Quando um homem vivencia
a dimensão do insight no pre-
sente, vive simultaneamente em
duas correntes de tempo distin-
tas. Embora a cronologia da per-
sonalidade participe do tempo
profano, a consciência em cres-
cimento toma parte do tempo
sagrado.
Podemos comparar o tempo
profano à escória irregular que se for- do susuptâ. O quarto estado, compa-
ma em cima do fluxo de lava ardente. rado com aquele do sono sem sonhos,
Durante a vida profana, a consciência é indicado como turiya. Este último
humana vai tateando ao longo das estado é colocado em conexão com o
saliências dessa crosta como se fosse vivenciar do tempo sagrado do in-
uma roda dentada. Todavia, no caso sight. O caminhar interior nesse esta-
do tempo sagrado, essa consciência do não acontece por si mesmo, mas é
mergulha no fluxo ígneo e se movi- o resultado de um processo de desper-
menta livremente, sem os obstáculos tar consciente. Esse processo coloca o
impostos pela escória. homem diante dos três estados de
consciência cronológica dos quais
A quarta dimensão emanam as três dimensões ou esferas
de sua realidade de vida. Quando tiver
Na tradição indiana, cada estado de vivenciado e integrado essas experiên- Krishna tocando
flauta. Baixo
consciência tem seu próprio nome. A cias, ele poderá então transcendê-las.
relevo do
consciência de vigília é denominada de Então, o quarto estado de consciência
séc. XVIII.
jâgrat, a consciência de sonho que poderá despertar, o que o tornará to- Coleção
corresponde à clarividência é chamada talmente livre e firme no presente. O M.Séverin,
svapna, a consciência do sono profun- filósofo e antropólogo cultural Jean Bruxelas.

25
Gebser explora esse tema em seu livro çam. Quem se torna consciente das
Ursprung und Gegenwart (Origem e três formas de tempo fundamentais
presente). Ele discorre sobre uma pode dar o passo para conquistar a
nova consciência humana que indica quarta dimensão.2
como «a-perceptiva» ou «integral». Sua Gebser diz: A origem é sempre
descrição vem em grande parte ao en- atual, no presente. Ela não é um come-
contro da visão indiana da compreen- ço, porque todo começo é ligado ao
são profunda no tempo sagrado. tempo, e o presente não é nada além do
No estado de consciência integral, o agora, do hoje ou do momento. Ela
homem apreende os princípios de seu não é parte do tempo, mas uma ativi-
mundo em qualquer lugar, indepen- dade completa e é, portanto, também
dente de suas percepções, experiências sempre original. Quem, nesse estado, é
e concepções do mundo às quais está origem e presente, em sua totalidade,
também ligado. Quem vê consciente- também incorpora, realiza e concreti-
mente os fundamentos já não é levado za, vence o início e o fim, e isso sozi-
a confusões, mediante a multiplicida- nho, porém no momento atua.
de, a instabilidade e as relações mútuas
das formas, onde quer que lhe aconte- Eu sou o tempo que dissolve
a terra

O despertar no campo da alma-espírito, a entrada No Bhagavadgita é citado um diá-


na esfera astral pura do corpo vivo magnético exige logo entre o príncipe Arjuna e o deus
uma visão absolutamente nova, isto é, ver a entra- Krishna, seu conselheiro. Isso aconte-
da no que denominamos a quarta dimensão, a ce diante dos exércitos, antes da bata-
quarta dimensão do espaço. O ser humano conhece lha começar.
três dimensões: altura, comprimento e largura, pe- Krishna diz: Eu sou o ser interior de
las quais ele percebe um espaço vital. Mas por mais todas as criaturas. Eu sou o princípio, o
longe que ele estenda esse espaço tridimensional ou meio e o fim (X, 20). Depois de lançar
que ele o imagine, este tem sempre um limite, uma um olhar sobre a figura oniabarcante
fronteira: é uma prisão. Vemos que em nossa época de Krishna, Arjuna diz: Eu te vejo em
esse aprisionamento é sentido de uma maneira todo lugar, infinito em tuas formas,
inconsciente: com efeito, sendo nosso globo terrestre com muitos braços, corpos, bocas, olhos:
totalmente explorado no ponto de vista tridimen- formas sem fim. Não posso discernir
sional, os astrofísicos procuram alcançar outros cor- nem começo, nem meio, nem fim, nem
pos celestes. Sob o impulso desenfreado que a evo- tua fonte, Ó Senhor do Todo; eu te ve-
lução exerce atualmente, a humanidade sente-se jo, ó figura universal (XI, 16). Depois
apertada, ela se sufoca nas três dimensões. E a ciên- Krishna responde: Eu sou de fato o
cia reage de forma tridimensional, procurando au- tempo, que dissolve a terra (XI, 32).3
mentar e alargar esse espaço o máximo possível!
Está claro que as dificuldades atuais desaparece-
riam logo se existisse uma quarta dimensão da qual Fontes:
a ciência pudesse reconhecer a realidade. Ora, essa 1 SUDARSHAN, E.C.G., Time in the Indian
quarta dimensão existe! Ela é a dimensão que deno- Tradition, Internet: www.here-now4u.
minamos de onipresença absoluta, ou ubiqüidade. 2 GEBSER, J., Ursprung und Gegenwart,
Stuttgart: 1973.
Extraído de A palavra vivente, Catharose de Petri 3 GLASENAPP, H. V., Upanishaden-Die
(obra em preparação). Geheimlehre der Indier, Munique: 2001.

26
O domínio das ilusões

«O que é este mundo? Maya. Qual é a vamente perdeu a consciência divina.


sua causa? Nossa ignorância. O que é Existem, portanto, duas consciências
a ignorância? Novamente Maya.» diametralmente opostas: a consciência
Maya é não somente a causa das ilu- do homem prisioneiro de Maya e
sões que engendram a estreiteza de aquela do homem no qual Atman fala
espírito, o ódio e os desejos, como tam- em sua forma mais pura, naquele que
bém a própria ilusão. é um com Brahman.
Tudo que é mortal não pertence à
única Realidade, segundo a antiga
O homem original era um ser pode- sabedoria hindu. Aquilo que encerra a
roso, setuplamente manifestado, cuja consciência inferior não tem qualquer
forma mais elevada é designada na Ín- realidade e tem por nome Maya. O
dia pelo termo Atman. Atman é imor- mundo da ilusão se opõe, aqui, ao
tal, todavia não é perceptível, pois é mundo do Criador; porém, fora Dele,
oculto pelos fenômenos terrestres nada existe. O que é mortal é da vida
transitórios. Em inúmeros escritos an- divina não liberta ou não manifestada.
tigos da Índia, os fenômenos da maté- As criaturas não reais aparecem e
ria sutil ou densa – incluindo o corpo desaparecem pela força de Maya,
físico – são qualificados de Maya. Para enquanto que Atman, o ser eterno,
libertar Atman da sujeição de Maya, é permanece.
preciso se voltar para o átomo divino
do coração, a “jóia do lótus”. Sem nascimento, nem vir-a-ser,
Maya é a força cósmica que cria e nem morte
também possibilita a percepção das
ilusões. A sabedoria hindu só concebe Pode-se, por conseguinte, indagar
como real aquilo que é imutável e em que medida a personalidade é rea-
imperecível. Tudo que se transforma, lidade ou ilusão. Para o homem terres-
se desagrega e desaparece, que tem um tre, a vida cotidiana, com seus sofri-
começo e um fim, é considerado como mentos e alegrias, é a única realidade.
Maya. Nestas condições, o homem Ele não conhece nenhuma outra. Ele
desta natureza suscita fenômenos pas- luta continuamente para salvaguardar
sageiros com os quais se identifica. sua felicidade fugaz, seus ideais imagi-
Assim, ele mesmo é Maya, ilusão e nários, seu corpo que envelhece, sua
irrealidade. saúde frágil, sua mente confusa, seu
Todos os elementos, materiais e for- poder ameaçado, e suas posses, que
ças estão potencialmente presentes na crescem ou diminuem. Todavia, sem
substância primordial; do mesmo sucesso. E para terminar, o homem
modo, o potencial da eternidade está deve renunciar à luta e tudo perder
presente em todo fenômeno mortal. por causa de Maya. Sua consciência
O coração sempre encerra esse “po- deficiente o torna incapaz de sondar o
tencial de eternidade”, mas progressi- divino e, por este motivo, ele não o

27
considera como a única Realidade. O capaz de testemunhar da realidade
homem se opõe a ela e até mesmo a velada por Maya descobre que o
ignora, pois sente, ainda que de forma mundo cotidiano nada tem a ver com
obscura, que o divino combate e des- o mundo da Realidade divina.
trói as poucas certezas que ele, ho-
mem, acredita possuir. «Podes ir me buscar um
pouco d’água?»
Os véus de Maya
Os sábios da Índia, há milhares de
Na tradição espiritual da Índia, a anos, aspiravam sair do mundo dos
morte possui uma significação dife- sonhos e das mistificações para se fun-
rente daquela compartilhada pelo dir em Atman. Entre esses dois esta-
materialista de hoje. Como a vida na dos de consciência se interpõe o véu
matéria nada mais é que ilusão, não se de Maya. Como nada existe fora de
perde nada de essencial ao sobrevir a Brahman, é nele que se encontra a ori-
morte. A morte simplesmente retira gem de Maya. Por isto, deve-se reco-
um dos inúmeros véus de Maya. Só se nhecer a natureza da ilusão a fim de se
pode adquirir a consciência do divino poder encontrar o caminho que ocul-
procurando e encontrando Atman no ta Maya. A história do asceta Narada
fundo do ser. Deve-se despertar descreve como Vishnu lhe ensinou o
Atman em si mesmo. segredo de sua Maya:
Freqüentemente se compara o mun- Mostra-me o poder mágico de tua
do de Maya a uma miragem. Aquele Maya, lhe pede um dia Narada. E o
que vagueia no deserto da vida crê ver deus lhe responde: Bem, vem comigo!
um oásis ao longe. A água com seus Vihsnu faz Narada sair da penumbra
reflexos ondulantes, a sombra atraente de sua habitação de eremita e o coloca
das palmeiras, os seres humanos, os em um lugar que brilha como um
animais, uma vila, se descortinam no metal debaixo do sol ardente. Logo os
horizonte. Mas, quando ele se aproxi- dois sentem sede. Na luz intensa, eles
ma, tudo se dissipa. A realidade que percebem, ao longe, os tetos de palha
ele imaginou nada mais era que uma de uma vila e Vishnu pede a Narada:
miragem. Eis o que é Maya! Erro dos Podes ir me buscar um pouco d’água?
sentidos, erro da consciência limitada. O Santo homem responde: Certa-
Às vezes também se compara a vida a mente, Senhor. E se distancia na dire-
um sonho. A consciência não faz dis- ção das cabanas de palha, enquanto o
tinção entre o sonho e o estado de deus se senta para o esperar, à sombra
vigília. Esta é a razão pela qual, segun- de um rochedo.
do a antiga sabedoria hindu, o mundo Narada chega à vila e bate à primei-
daquele que está em estado de vigília ra porta. Uma bela jovem abre a porta
não é mais real do que o mundo e o observa com olhos sedutores. O
daquele que dorme. Quem quer que santo homem experimenta um senti-
se encontre aprisionado na consciên- mento de felicidade, pois aqueles
cia terrestre pensa que o seu mundo é olhos maravilhosos parecem com os
o mundo real. Mas aquele que pode do seu senhor e amigo divino, Vishnu.
ultrapassar esses limites, e no qual o Surpreso, Narada permanece ali e
centro divino do coração tem a possi- esquece a razão de sua vinda. A jovem
bilidade de despertar, aquele que é lhe faz sinal para entrar e a sua doce e

28
sedutora voz o acaricia, tal como uma menor, porém é tarde demais. En- O dragão das
serpente dourada que se enrolasse em quanto isso, a água leva os outros dois trevas envolve
torno de seu pescoço. Prisioneiro de a esfera do
e, antes mesmo de compreender o que
mundo.
um sonho, ele entra na casa. Os mora- se passa, sua mulher é também arrasta-
Jardim de
dores não parecem incomodados. Eles da e levada pela violenta torrente. Appelterne.
lhe testemunham seu respeito como a Finalmente Narada se detém em um Foto Pentagrama.
um santo homem que não lhes é estra- rochedo e perde a consciência. Vol-
nho. Narada é para eles um venerável tando a si, vê apenas uma poça de lama
asceta, bem conhecido, que agora está com um fio de água suja e se põe a
de retorno. Narada é tocado por sua chorar. Meu filho, diz uma voz fami-
alegria e hospitalidade e se sente como liar que apazigua o seu coração, onde
em sua própria casa. Ninguém lhe está a água que foste buscar para
pergunta a razão de sua vinda. mim? Esperei mais de meia hora! Na-
Depois de um certo tempo, ele pede rada se volta e, no lugar da água, vê o
a jovem em casamento a seu pai, e deserto que brilha sob o sol do meio-
tudo se passa como se todos não espe- dia. Ao seu lado está Vishnu: Com-
rassem outra coisa. Narada é admitido preendes agora o segredo de minha
na família e compartilha o trabalho Maya?
árduo e as alegrias da vida camponesa. A Maya de Vishnu aparece sob
diferentes formas. Elas fascinaram
«Compreendes agora o segredo Narada, que com elas se identificou:
de minha Maya?» ele esqueceu o pedido que Vishnu lhe
havia feito; esqueceu que Vishnu o
Passam-se doze anos e Narada é esperava, e a vida “imaginária” tor-
agora o pai de três crianças. Quando
seu sogro morre, ele se torna o chefe
da família e herda a terra de que cuida.
Cria gado e cultiva o solo. Mas, du-
rante esses doze anos, cai mais chuva
que o usual, os rios transbordam e a
pequena vila é inundada. As cabanas
de sapé e os animais são levados pela
correnteza e todos fogem. Narada
anda o mais rápido possível, seguran-
do sua mulher com uma das mãos,
dois filhos com a outra, enquanto car-
rega o menor sobre os ombros. Ele se
apressa na noite escura, encharcado
pela forte chuva. Patina nas torrentes
de lama que o fazem cambalear. Os
turbilhões o arrastam e com muita
dificuldade ele leva a sua carga. Logo
perde o equilíbrio e o filho que carre-
ga escorrega e desaparece nas trevas.
Ele emite um grito de desespero e
larga os outros dois filhos que segura-
va pela mão, para tentar segurar o

29
A dança de Shiva
nou-se para ele a realidade. Ele se per- nu, Narada tinha ido somente desen-
é a expressão deu por uma meia hora no mundo das torpecer as pernas.
dos ciclos ilusões, que ele experimentou como
cósmicos da doze anos, exatamente como num A ignorância e os desejos
criação e do sonho de alguns segundos podem se
aniquilamento,
desenrolar acontecimentos com dura- Narada desejava aprender o segredo
nascimento e
morte.Templo
ção de horas ou até mesmo de vários de Maya. Ele a encontrou sob a forma
de Menakshi. anos. O tempo, o espaço e as formas de uma bela jovem. Maya é a força que
Madras, Índia. dependem da consciência. Para Vish- incita Narada a se entregar ao mundo

30
da ilusão. Ele abandonou o Paraíso e Mas, já que a sabedoria da Índia antiga é tão
suas portas se fecharam atrás dele. Aí próxima do gnosticismo moderno, qual é, de fato,
começou a sua história – ou sua queda, a diferença?
como se diz. Ele participou do árduo E por que a maioria dos habitantes da terra não
trabalho e das alegrias dos campone- adere a essa antiga doutrina? Por que deve haver
ses. Trabalhou a terra e entrou no cír- algo de novo? Tudo já é tão difícil!
culo vicioso dos nascimentos e das O sétimo grande impulso da intervenção divina,
mortes. Foi feliz e infeliz, e descobriu cujo princípio remonta a um passado longínquo,
que não podia conservar o que é mor- indica a cada um o caminho da libertação. Mas o
tal. Assim, perdeu seus bens, sua tempo passa, as condições de vida se modificam, as
mulher, seus filhos, a si mesmo e o diversas esferas onde vivem os seres humanos
mundo de Maya. mudam de estrutura e oportunidades se apresentam
Narada é a imagem do homem que enquanto se fecham os antigos caminhos.
se deixa guiar pela ignorância e pelos Conseqüentemente, novos impulsos são sempre
desejos. Por isso, tudo aquilo que ele necessários para abrir novos caminhos. Por exemplo,
adquire lhe é subtraído. Sua ignorân- o ar, hoje, é muito diferente daquele de há milhares
cia dos processos vitais o retém pri- de anos. As condições etéricas e astrais são particula-
sioneiro, encarnação após encarnação, res para cada país: em certas regiões, após séculos de
no interior das dimensões do espaço- incompreensão, de falta de amor e de lutas pelo
tempo. Ele mergulhou na matéria e poder, a poluição é maior que em outras e o
tornou-se um fenômeno terrestre, in- crescimento espiritual segue linhas diferentes.
teiramente submisso às forças da Há progresso ou retrocesso: a estagnação não existe
natureza. na vida dialética. Existe progresso quando surgem
A consciência dos intelectuais culti- novas chances de realização. Há retrocesso quando,
vados e materialistas não parece, após após um certo ponto de desenvolvimento, se recua
muitos séculos, capaz de afastar os porque o passo seguinte parece demasiado difícil.
véus de Maya. Mas, em nossa época, A escolha é de cada um.
uma nova direção lhes é mostrada, um
novo caminho que principia pelo
átomo divino que sobrevive no cora- dos fenômenos, das idéias pré-conce-
ção e que recebe as indicações para bidas e do medo que o retêm prisio-
evitar, ou se desembaraçar, dos obstá- neiro como Narada.
culos que na Índia antiga ainda não É assim, então, que a finalidade de
existiam ou apenas começavam. O toda vida humana é a mesma ontem,
que é divino no coração e provém da hoje e amanhã: o acesso ao campo de
origem espera sua libertação. E sobre vida divino, o retorno à casa do Pai.
esse caminho, o homem moderno re- Mas o ensinamento e o caminho de-
cebe toda a ajuda necessária para rom- vem sempre adaptar-se às mudanças
per o seu estado de cristalização, liber- da consciência, para que reste sempre
tar o princípio divino e se abrir a uma a capacidade de compreender esse
nova vida. Como o eterno está “mor- ensinamento e de seguir o caminho.
to” no corruptível, o corruptível deve
agora morrer no eterno. Aquele que
desejar perder o seu eu encontrará o
seu “Ser divino”. Neste processo de Fontes:
morte e de renascimento, o ser funda- Bhagavadgita, Upanishads, ensinamentos de
mental do homem imortal se liberta Buda e de Shankara.

31
A senda óctupla do cristianismo*

Na Epístola aos Efésios 6, versículos 13 pensamento justo – palavra justa –


a 18 Paulo diz: Portanto, tomai toda a ação justa – comportamento justo –
armadura de Deus, para que possais esforço justo – autodomínio justo –
resistir no dia mau e, havendo feito meditação justa.
tudo, ficar firmes: A seqüência escolhida por Paulo é
ligeiramente diferente da de Buda,
mas absolutamente idêntica em sua
1. Tendo cingidos vossos rins com essência. A seqüência varia com os
a verdade; tempos, porque o corpo racial e a
2. vestida a couraça da justiça; natureza psíquica das almas mortais
são continuamente submetidos a
3. calçados os pés na preparação modificações e cristalização, devido
do evangelho da paz; à corrupção engendrada pelo mal. A
4. tomado sobretudo o escudo da senda óctupla deve, portanto, ser
fé, com o qual podereis apagar continuamente modificada, a fim de
todos os dardos inflamados do se adaptar a cada época.
maligno; Paulo e Buda começam igualmen-
te pela compreensão. Imediatamente,
5. tomando também o capacete da
Paulo pede a justiça, e Buda, o pensa-
salvação
mento justo. Isso é compreensível.
6. e a espada do Espírito, que é a De fato, se nós, ocidentais, uma vez
palavra de Deus, tendo alcançado uma determinada
7. orando em todo tempo, com toda compreensão, devêssemos pensar
oração e súplica no Espírito e com os poderes de nosso pensamen-
to cristalizado, obteríamos uma con-
8. vigiando nisso com toda fusão de pensamentos contraditó-
perseverança e súplica por rios, inextricáveis. Eis porque Paulo
todos os santos. nos coloca imediatamente diante da
ação gerada pela compreensão, pois é
graças a ela que atingiremos a purifi-
E ssa é uma armadura óctupla, um cação do sangue. O sangue denso,
caminho óctuplo. Ele nos faz pensar pesado, espesso, tendendo sempre
no caminho óctuplo do budismo. mais para a matéria, é modificado
A roda de 3m No catecismo budista bem conheci- por ações desse gênero, e somente
de altura do do, lemos nas perguntas e respostas mais tarde o novo poder de pensa-
carro solar de 125 e 126: mento, qual capacete da salvação, se
Surya representa
Como podemos ganhar a vitória torna realidade.
o ciclo das
reencarnações e
sobre nós mesmos? Percorrendo a
da senda óctupla nobre senda óctupla. O que entendes * Extraído de: O mistério da vida e da morte,
do Buda. por essas palavras? As oito partes des- de J. van Rijckenborgh, São Paulo: Lectorium
Konarak, séc.XIII. te caminho são: compreensão justa – Rosicrucianum, 1980, cap. 3.

32
Buda e o caminho do Nirvana

O ensinamento e a atividade de Buda seus discípulos o caminho óctuplo da


introduziram uma profunda mudan- libertação que conduz ao Nirvana. A
ça na relação entre Deus e o homem. mensagem de Buda é diametralmente
Na Índia, no primeiro século a.C., essa oposta à ortodoxia hinduísta: os mun-
mudança se operou progressivamente. dos divinos e a esfera celeste não de-
sempenham qualquer papel no cami-
nho por ele indicado. Ele mostra aos
A época em que os brâmanes (sacer- homens como se libertar dos deuses
dotes) eram considerados como legí- exteriores e como procurar em si
timos representantes dos deuses esta- mesmo o caminho da libertação. Há
va chegando ao fim. A casta dos brâ- muitos pontos em comum com os
manes já não era considerada uma au- Upanishads. Um estudo comparado
toridade sagrada inquestionável e a destaca a forma como se desenvolveu,
casta dos reis e guerreiros (kshatrias) a partir de uma antiga corrente de
teve acesso aos livros santos. As fór- sabedoria, um novo impulso.
mulas mágicas e os rituais de oferen- Os Upanishads foram compostos,
das dos brâmanes que remontavam a com toda a probabilidade, em torno
um passado muito longínquo e eram de 800 a.C. Eles tratam da via que
transmitidos oralmente foram regis- conduz o pesquisador em direção ao
trados nos Vedas, os livros hindus de seu ser divino interior. A análise su-
sabedoria. Os textos dos Upanishads perficial das coisas não conduz à com-
já mostram que uma mudança estava preensão do verdadeiro ser pois ne-
em curso, pois, neles, cada um é cha- nhuma real compreensão se origina
mado a se libertar da roda do nasci- dos sentidos ou do intelecto. O que
mento e da morte. O homem devia en- precisa ser reconhecido não se encon-
contrar Deus em seu próprio interior, tra no mundo aparente tangível, e é,
através de uma mudança profunda. ao mesmo tempo, muito pequeno e
Esta mensagem é a base da obra de infinitamente grande. Para o homem
Buda. terrestre pode-se fazer a seguinte des-
O hinduísmo, em sua forma atual, crição: Na morada de Brahma (o
deriva do bramanismo primitivo. O corpo) se encontra uma pequena flor
budismo provém diretamente dos en- de lótus. Nela se encontra um peque-
sinamentos de Buda, do mesmo mo- no espaço. O que se encontra ali deve
do que o cristianismo provém dos en- ser descoberto e reconhecido. Se dis-
sinamentos de Cristo. Buda é o Des- serdes: na morada de Brahma existe
perto, aquele que, após quarenta e no- uma pequena flor de lótus e nesta há
ve dias, atingiu a iluminação e entrou um pequeno espaço, o que lá se encon-
no Nirvana. Antes disso, ele precisou tra que deve ser descoberto e reconhe-
renunciar às formas extremas de asce- cido? Então ele responderá: Vasto é o
tismo e resistir às tentações de Mara, espaço, tão vasto quanto o espaço no
as forças deste mundo. Ele ensinou a interior do coração. Ele contém o céu e

34
a terra, Agni e Vayu, sol e lua, o não divino e mortal, e como ele pode
relâmpago e as estrelas; o que está se libertar. A vida de Buda testemu-
aqui (dos homens) e o que não está; nha a possibilidade de percorrer o ca-
isso tudo está contido ali... Esse é o minho da libertação. Ele abriu este
verdadeiro estado de Brahma. Nele caminho a todos os pesquisadores sé-
estão contidos todos os desejos. Esse é o rios que desejarem segui-lo.
Ser. Ele rejeitou todo o mal; está livre
da velhice, da morte, da aflição, da Vitória sobre a mente
fome e da sede; ele deixou atrás de si
seus desejos e suas exigências.1 Meu amigo, quando não nascemos,
Mas onde está a ponte que leva à ci- não envelhecemos, nem morremos, Ressurreição
dade de Brahma? O ser é a ponte que não abandonamos uma existência an- do Buda,
separa os mundos para que eles não terior e não nos preparamos para uma personificação
da sabedoria.
desmoronem. Noite e dia, velhice, nova existência, podemos, quando pa-
Entalhe em
morte, desgosto, boas e más ações não ramos de vaguear, reconhecer, perceber madeira. China,
atravessam a ponte.2 e alcançar a cessação do mundo onde em Twelve World
Os Upanishads descrevem como o isso tudo vigora. Assim eu falei. Digo- Teachers, Manly
homem é prisioneiro de seu estado te também, amigo, que não se pode P. Hall.

35
conseguir a extinção do sofrimento
sem atingir a cessação do mundo.3
Estas palavras de Buda encontram-
se mais ou menos sob a mesma forma,
nos Upanishads. Para alcançar a ces-
sação do mundo, o pesquisador deve
chegar aos limites de seu pensamento,
o que o leva, em um primeiro mo-
mento, a uma salutar desordem, e
quando ele já não se agarrar mais à
rigidez dos conceitos, poderá então
chegar à realização interior.
Um dia, Buda encontrou o asceta
errante Vaccha e eles tiveram o se-
guinte diálogo:
– Um monge que liberta sua alma
renasce, venerável Gautama?
– Neste caso, não tem cabimento
em se falar de “renascer”, Vaccha.
– Então, ele não renasce, Mestre
Gautama?
– Nem tem cabimento em se falar
de “não renascer”, Vaccha.
– Ele, então, renasce e ao mesmo
tempo não renasce, mestre?
– Não tem cabimento também em
se falar de “renascer e, ao mesmo
tempo, não renascer”, Vaccha.
– Então, ele nem renasce nem não
renasce, Mestre Gautama?
– Não tem cabimento em se falar
de “nem renascer nem não renascer”,
Vaccha.
– Eis que atingi os limites de
minha compreensão, venerável Gau-
tama; a partir daí tudo se torna con-
fuso.
– Chegaste agora às fronteiras de
tua compreensão, Vaccha e estás con-
fuso. Profundo, Vaccha, é este ensina-
mento, difícil de perscrutar, difícil
de entender, pleno de quietude, mag-
nífico, inabarcável pela simples refle-
xão, digno, perceptível apenas pelos
sábios... 4
Buda chamou a atenção dos pes-
quisadores de sua época para a neces-

36
sidade de se concentrarem inteira- Buda, ele mesmo, atingiu a ilumi- Buda do período
mente sobre o caminho óctuplo que nação após um período de quatro in- Grupta, a Idade
leva ao Nirvana. troversões. Mas ele não deixou o de Ouro da
Índia. Escultura
mundo e não entrou no Nirvana. Para
em arenito,
O Nirvana começa onde servir à humanidade pelo restante de Indian Museum.
finda o mundo seus dias, erigiu um edifício tríplice: Calcutá, Índia.
• O Buda, que é o caminho concreto;
Nirvana é um conceito estritamen- • A corrente de força, que é o ensi-
te búdico e significa expirar, exalar, namento;
extinguir. Ele começa quando o mun- • A indicação do caminho para os
do termina. Pode-se entendê-lo como seus discípulos.
um «novo mundo», um outro estado, Quando o número de seus discípu-
o Ser do outro lado da ponte. Nirvana los chegou a quinhentos, Buda disse:
é o estado no qual o perecível, o ter- Agora, monges, podeis compreender
restre, é totalmente reduzido ao silên- corretamente tudo o que eu reconheci
cio e o Ser eterno se manifesta a uma e vos ensinei, agir de acordo e espalhar
consciência renovada. Esse estado é essa realização de modo que a santa
atingido através de uma concentração conduta se prolongue por muito
ininterrupta na flor de lótus do cora- tempo: para o bem-estar de muitos, a
ção. Renunciando ao mundo, a verda- felicidade de muitos, a compaixão do
de se revela. mundo, até à excelência, a serenidade,
O caminho de Buda não é um ca- a felicidade dos deuses e dos homens...
minho de ascese, nem uma vida de lu- Bem, discípulos, eu vos digo: todas
xo e de facilidades: as formas são submetidas à imperma-
A Perfeição abre o caminho que nência. Não abrandeis vossos esforços.
passa pelo Meio, que refina a percep- Em pouco tempo será atingido o
ção e dá a compreensão, que conduz à Sublime Nirvana. Em três meses, será
liberdade, ao conhecimento, à ilumi- a entrada no Sublime Nirvana.7
nação, ao Nirvana. Tal é a nobre óctu- E quando chegou o momento, Bu-
pla senda que se intitula: reta com- da absorveu-se na meditação. Depois,
preensão, reto propósito, reta palavra, elevou-se e entrou no Nirvana.
reta conduta, reta alimentação, reto
esforço, reto autodomínio, e reta con-
templação.
O caminho de Buda, que leva ao
Nirvana, não é uma nova descoberta,
mas uma orientação concreta para o Fontes:
homem daquele tempo. O caminho 1 HILDEBRAND, A., Upanishaden, Munique:
jamais se altera, mas as condições são Hugendubel (Diederichs), 2001, p.122.
adaptadas a cada época para permitir 2 Idem., p.125.
3 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
aos homens dos tempos vindouros,
Freiburg: Herder Verlag, 2002, p.171.
que chegam a uma nova fase, atingir a
4 Idem, p.296.
meta fixada. Nos Upanishads é dito: 5 Idem, p.95.
Esta é uma senda antiga, reta e segura ...6 6 Hildebrand, A., Upanishaden, Munique:
Este caminho é indicado e demarcado Hugendubel (Diederichs), 2001, p.85
ininterruptamente, para que os ho- 7 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
mens o reconheçam e percorram. Freiburg: Herder Verlag, 2002, p.147.

37
As quatro nobres verdades

Buda viveu na época em que, na mesma forma como a pegada de qual-


Índia, em torno de 500 a.C., começa- quer ser vivo que caminha pode ser
va a declinar a fé nos Vedas e nos colocada dentro da pegada de um ele-
Upanishads. Nessa «selva de sistemas fante e, assim, a pegada do elefante é
mitológicos»1 ele trouxe o ensinamen- declarada como a líder delas devido ao
to das quatro nobres verdades, cujo seu grande tamanho, assim também
ponto supremo é a doutrina do cami- todos os estados benéficos podem ser
nho óctuplo. incluídos nas Quatro Nobres Verdades.
Quais quatro? A nobre verdade do
sofrimento, a nobre verdade da origem
Trata-se de uma análise lúcida da do sofrimento, a nobre verdade da ces-
condição humana e da possibilidade sação do sofrimento e a nobre verdade
de triunfar sobre ela, análise isenta de do caminho que conduz à cessação do
considerações sobre o além e de espe- sofrimento. Estas quatro verdades ex-
culações sobre uma entidade divina primem, de modo conciso, as grandes
qualquer. Esse ensinamento não está possibilidades que são oferecidas à
ligado ao tempo e essa é a razão pela humanidade. Elas contêm o essencial
qual, do outro lado das fronteiras da do caminho de libertação, tal como o
Índia, ele é sempre de grande impor- ensinou Buda.
tância para numerosos pesquisadores.
Buda só transmitiu seus conheci- A nobre verdade do sofrimento
mentos oralmente, jamais escreveu. À
semelhança de muitos instrutores da É, em primeiro lugar, o sofrimento
humanidade, ele depositava uma total que faz com que nos questionemos
confiança na correta utilização da sobre a nossa existência. O sofrimento
palavra. Assim, suas palavras exerciam nos arranca de nossa vaidade, nos saco-
uma influência duradoura sobre aque- de, e desperta, ao mesmo tempo, a com-
les que vinham escutá-lo e traçavam paixão para com o sofrimento dos
um fio condutor no coração. Mais outros.
tarde, seus discípulos colocaram seus Após haver atingido o estado de
ensinamentos por escrito, a fim de Buda – o despertar espiritual sob a ár-
preservá-los do esquecimento. vore Bodhi – Gautama, em uma noite
na qual velava, anunciou a seus discí-
As quatro nobres verdades pulos o ensinamento das quatro no-
bres verdades:
O essencial do ensinamento de Bu- Esta, ó monges, é a nobre verdade
da está contido em um pequeno frag- do sofrimento. O nascimento é sofri-
mento intitulado: «A pegada do ele- mento, a velhice é sofrimento, a doen-
fante». Sariputta, «o melhor dos seus ça é sofrimento, a morte é sofrimento,
discípulos», é o seu depositário2: a tristeza, a miséria, a fadiga, o desgos-
Sariputta se pôs a falar: Amigos, da to e o desespero são sofrimento. Estar

38
ligado a algo ou a alguém, sem o dese- o Sublime explicou a origem (dos seres
jar, é sofrimento, estar separado de algo do mundo) mediante a causa que pre-
ou alguém, sem o desejar, é sofrimento; cede e segue essa criação: da ignorância
desejar algo que não se pode ter é sofri- nasceram as formas, das formas nasceu
mento. Enfim, as cinco categorias de a consciência, da consciência nasceram
coisas de que se deseja apropriar são mentalidade e materialidade, e delas
sofrimento.3,4 nasceram os cinco sentidos: visão, pala-
Prisioneiro do mundo dos sentidos, dar, audição, olfato, tato e o sentir com
o homem agarra-se a tudo que gera o a consciência, que é o sexto sentido.
sofrimento e pode-se dizer: ele mesmo Sobre a base dos seis sentidos, o conta-
é a causa. to torna-se possível; e através do con-
tato, o sentimento; o sentimento cria os
A nobre verdade da origem desejos; os desejos engendram o apego;
do sofrimento do apego surge a geração; a geração
engendra o nascimento, a velhice e a
Buda não colocou a questão da morte, a dor, as lamentações, a tristeza,
culpa. Para ele, o sofrimento decorre o desgosto, o desespero. Este é o estado
das leis deste mundo de aparências. do mundo do sofrimento.
Um texto intitulado O primeiro acon- Pode-se escapar à fatalidade do so-
tecimento após ter atingido o estado de frimento? Buda seguiu, ele mesmo, o Pedras gravadas.
Buda explica 5,6: processo de libertação do sofrimento, Palácio de Konarak.
Durante a primeira vigília noturna, libertando-se da roda dos nascimentos Foto Pentagrama.

39
É possível, portanto, fazer cessar o
sofrimento. Buda utiliza como ponto
de partida a ignorância. Seus conse-
lhos dirigem-se ao homem que se sen-
te dividido, ao homem que realizou a
experiência da dualidade. O texto diz
mais adiante:
No momento em que se tornou cons-
ciente, o Sublime exclamou: «Quando
o plano divino for revelado ao brâma-
ne, àquele que luta com todas as suas
forças para sair do estado de queda,
então toda a dúvida será afastada, e
ele compreenderá a condicionalidade
de todas as coisas».
Foi desse modo que Buda provou a
necessidade de mostrar um caminho
prático ao pesquisador que atingiu os
limites das possibilidades terrestres,
Palácio de verão e das mortes. Para ele, isto é uma ques- para que ele possa ultrapassar esses
de Konarak. tão de discernimento. limites e se libertar dos laços deste
Foto Pentagrama.
mundo.
A nobre verdade do
desaparecimento do sofrimento A nobre verdade do caminho
que conduz ao desaparecimento
Prossigamos com o texto acima: do sofrimento
Se a ignorância desaparece graças à
erradicação dos desejos, se a forma ces- O caminho apontado por um ho-
sa de existir e, graças ao desapareci- mem liberto a um outro que procura
mento da forma, a consciência não se libertar sempre remete às possibili-
mais existe, o sutil e o grosseiro tam- dades que ele possui, enquanto entida-
bém cessarão de existir graças ao desa- de ligada ao tempo. Essas possibilida-
parecimento da consciência e, na or- des com certeza estão presentes nele,
dem de sucessão terrestre, haverá o de- mas dependem de suas hesitações e de
saparecimento dos nascimentos, da ve- sua aspiração. E também das interfe-
lhice e da morte, da tristeza e das la- rências da personalidade com o seu
mentações, do sofrimento, do desgosto condicionamento cultural nos limites
e do desespero. Eis como se pode colo- do espaço e do tempo.
car um fim ao mundo do sofrimento. Buda apresentou a seus contempo-
Graças ao desaparecimento da igno- râneos um caminho óctuplo, que
rância, a forma resultante da vontade ocupa um lugar central entre o prazer
cessa; pelo desaparecimento da forma sensorial, de um lado, e a ascese, de
resultante da vontade, a consciência outro, o qual era, naquela época, o
cessa, e assim por diante. Logo, toda a único caminho de libertação conheci-
cadeia do sofrimento é interrompida. do na Índia.
Esta é a nobre verdade do desapareci- Existem, caros discípulos, dois cami-
mento do sofrimento. nhos que o buscador do Espírito evita-

40
rá: o caminho da satisfação dos senti- diz que aquilo que há de mais eleva-
dos e do prazer, que é um caminho do, Deus, está além da nossa imagina-
inferior, repugnante, falso comparado ção, que Ele é incognoscível e que
ao que é nobre, e inútil, pois ele não Dele não podemos fazer uma ima-
conduz à vida santa, ao devotamento, gem. Buda não fala Dele justamente
ao discernimento, ao despertar, ao para evitar toda especulação entre
Nirvana; e o caminho da mortifica- seus alunos. Para o homem que não
ção, que é doloroso, inútil, e só traz despertou (não iluminado), o Nirvana
sofrimento nesta vida, assim como no é o «nada», quando é, na realidade, o
além. O Tathâgata fala do Caminho caminho que liberta do sofrimento,
do Meio para evitar esses dois cami- do carma ligado ao nascimento e à
nhos. O Caminho do Meio é a reta morte, e que representa «tudo» para o
compreensão, o reto propósito, a reta homem desperto. Da mesma forma
palavra, a reta conduta, a reta alimen- Cristo colocou diante de seus discí-
tação, o reto esforço, a reta atenção e a pulos a visão do reino dos céus, do lar
reta contemplação. 7 de seu Pai, onde ele lhes prepara um
Ó Monges, esses dois caminhos in- lugar. Isto deu lugar a inúmeras espe-
feriores não devem ser trilhados por culações localizadas no além e suas
um eremita, por alguém que renun- alegrias terrenas.
ciou à vida em família. Quais são eles? A meta última é não mais dar im-
O prazer dos sentidos e a mortifica- portância ao mundo dos sentidos,
ção, ambos inúteis. O Caminho do após uma vida rica em experiências. É
Meio, que nos mostra o Tathâgata, o ser liberto do ciclo de nascimentos no
Perfeito, porque ele evitou os dois mundo dos opostos, do vai e vem
caminhos inferiores, abre os olhos, constante entre o sofrimento e a ale-
traz o conhecimento e conduz à gria. Então já não se poderá formar
calma, à realização, à iluminação, ao imagens sobre aquilo que ultrapassa o
Nirvana. Este é o nobre Caminho do entendimento da personalidade hu-
Meio. 6 mana.
As quatro verdades são alicerçadas
pela experiência do sofrimento causa-
Fontes:
do pelo egoísmo e pelo egocentrismo,
1 ZIMMER, H., Philosophie und Religion
pelo nascimento natural e seus laços
Indiens, Frankfurt: Suhrkamp Verlag, TB
cármicos. Esses quatro alicerces são Wissenschaft 26, 1973.
universais e foram comprovados por 2 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
todos os grandes instrutores da Freiburg i.B.: Herder Verlag, 2000.
humanidade. 3 Idem.
4 SCHUMANN, H.W., Boeddhisme, stichter,
O Nirvana é a meta do caminho scholen en systemen, Nieuwerkerk a/d Ijssel:
Asoka, 1997.
5 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
O caminho da vitória tem, em toda
Freiburg i.B.: Herder Verlag, 2000.
parte, a mesma meta. Para o Buda, a
6 PIYADASSI, T., Het aloude pad van de
entrada no Nirvana é a meta. Em ge- Boeddha, Boeddhayana Uitgeverij,’s-
ral, compreende-se por Nirvana o Gravenhage, 1989.
“nada”, o que fez alguns considera- 7 HERMANN, B., Buddha und seine Lehre,
rem Buda, erroneamente, como um Stuttgart: Verlag Freies Geistesleben, 1980.
ateu.8 Mas também no cristianismo se 8 Idem.

41
A jóia do discernimento

Shankara foi um dos mais eminentes Formas de culto


instrutores religiosos do subcontinente
indiano. Seus ensinamentos em muito Aquele que compreende tudo isto e o
contribuíram para o pensamento da vivencia, aquele que possui interior-
humanidade. Segundo certas fontes, mente o conhecimento natural do
ele teria nascido em torno de 686 d.C., estado humano, esse possui o conheci-
no sul da Índia. Ele ensinava, entre mento de si mesmo. Ele fecha os seus
outras coisas, o Vedanta, a última livros e cessa os seus esforços obstina-
parte das seis doutrinas da sabedoria dos para manter a cabeça fora da
hindu. Sua obra mais conhecida é “A água do mar acadêmico. Não há mais
Jóia do Discernimento” nele que uma só aspiração, que um só
desejo ardente: tomar a decisão de pôr
fim a seu estado impuro, até no nível
O nome Shankara, ou mais exata- dos átomos que o constituem, para ser
mente Adi Shankaracharya, significa: salvo pelo sopro da vida.
aquele que traz a bênção. Shankara
testemunha, em toda a sua obra, um (O advento do novo homem2)
espírito universalista, claro e livre,
para ensinar aos seus irmãos, os seres
humanos, a distinguir entre o sagrado ma libertação é possível; mesmo após
e o ímpio. De seu ensinamento ex- centenas de eras.
traímos sete sentenças e as compara- Shankara rejeita toda forma de
O Boddhisatva mos com as propostas de J. van culto, porque nenhuma delas liberta
Temiya, o príncipe Rijckenborgh. Assim é que, relativa- do mundo dos sentidos. Aquele que,
pacífico, prova suas mente às formas exteriores de culto, a restringindo-se à forma, espera ga-
forças levantando
filosofia hindu diz: Pode-se recitar nhar a eternidade, não faz nada mais
seu carro de
guerra. Mural do
orações e fazer oferendas aos Espíri- que venerar suas próprias certezas, os
Templo de Wat Yai tos, pode-se executar os rituais e vene- aspectos do seu eu. Ele prefere que se
Intharam. rar as divindades, todavia, se não se cumpra a sua própria vontade, ao
Chonburi,Tailândia. tomou consciência do Atman, nenhu- invés da vontade de Deus. Os cultos
formais de várias religiões não são
mais que formulações vulgares de
Relativamente à sua data de nascimento, os dados
antigas verdades, hoje petrificadas.
disponíveis são contraditórios. O governo da Índia, que
Essas solenidades são desprovidas de
adotou o ano de 788, celebrou oficialmente, em 1988, o
aniversário dos mil e duzentos anos do filósofo. Outros
qualquer eficácia quanto ao processo
preferem recuar ao reinado do rei Thanesar (606-647), de renovação interior. Por isso, aque-
outros ainda, consideram o ano 700. Essas divergências le que deseja alcançar o Supremo, o
devem-se não somente às flutuações inerentes à tradição Atman, deve penetrar até a essência
oral como também ao mistério que envolveu a da natureza divina, abjurando, assim,
aparição e o desaparecimento do grande mestre. toda forma de egocentrismo e de cul-

42
a conseqüência de um estado de vida
A ação libertadora
interior. Quem atinge esse estado só
Quando o coração permanece em seu estado comum pode agir com justiça. Para se conse-
de natural impureza – e isso ocorre quando estamos guir isso, deve-se tomar consciência,
sintonizados com todo o nosso ser em relação à natureza inúmeras vezes, de seus próprios limi-
da morte – não podemos escutar e compreender bem. tes. Deve-se passar por várias expe-
Pois o ser da natureza da morte é sempre caótico! riências, ter percorrido toda a gama de
Assim, sempre irrompem, no sistema cabeça-coração do prazeres e de sofrimentos, antes que o
homem natural, tensões crescentes, as quais o conduzem eu esteja pronto a se sacrificar por uma
a ações incorretas.[...] Quando tornardes puro e silencio-
realização que ele mesmo não pode
so o vosso coração, também tornareis a cabeça livre
efetuar: o momento em que a vontade
para as funções para as quais ela está destinada. Então
os órgãos sensoriais funcionarão de modo totalmente
divina pode se realizar, sem que o eu,
diferente. E só então podereis escutar! em seu medo existencial, se constitua
um obstáculo; o momento em que a
(A ARQUIGNOSIS EGÍPCIA 3 , vol. I) Criação é revelada àquele que aspira
ardentemente à luz libertadora. O dis-
cernimento justo nos permite perceber
tura do eu, qualquer que seja o seu a natureza verdadeira da extremida-
refinamento. de de uma corda, e nos libertar da an-
Shankara, ao falar da ação liberta- gústia torturante que nos aprisionava
dora diz: A ação justa auxilia a purifi- quando acreditávamos, erroneamen-
cação do coração, porém não leva ao te, que se tratava de uma serpente.
conhecimento direto da realidade.
Este se adquire apenas pelo discerni-
mento e não pelos atos, mesmo que em Aparência e realidade
número de milhões. 1 Parai e tornai-vos sóbrios! Vede de
Sem compreensão, todos os esfor- novo pelos olhos do coração! E se
ços de libertação permanecem apenas todos vós não podeis fazê-lo, pelo
uma camisa-de-força, sendo impossí- menos os que estão em condições para
vel atingir a indispensável mudança tanto que o façam, pois o mal da
fundamental. Portanto, a ação justa ignorância submerge toda a Terra,
também não é uma ação refinada, mas leva a alma que está aprisionada no
corpo à ruína e a impede de entrar no
porto da salvação.
O Cessar da Ignorância
(A ARQUIGNOSIS EGÍPCIA 4 , vol. II)
Mas enquanto seguis o caminho, a
senda transfigurística da auto-rendição,
é preciso tornar-vos ignorante Nossa própria realidade é consti-
do conhecimento (da antiga natureza) tuída de impressões que nossos órgãos
e desenvolver a nova consciência, a sensoriais elaboram e transmitem à
consciência da sabedoria. Então os consciência. Toda consciência faz do
sete candelabros se acendem e mundo uma imagem que lhe é parti-
caminhareis entre os sete candelabros cular. Desde a mais remota antigüida-
de ouro e segurareis em vossa mão
de, os mestres da sabedoria ensinaram
direita as sete estrelas dos novos órgãos
que este mundo nada mais é que uma
da inteligência.
ilusão. Trata-se de Maya: um sonho
(A Gnosis chinesa 5 ) vivo, no qual o homem cria as suas
Experiência vivente no
lugar do saber livresco se destina a nutrir o
eu, mas a liberar
A base para a virtude está presente em Atman, o
vós. Porém existe algo mais. Existe em filho de
vós, a vossa disposição, um conhecimen- Deus. A
to. Compreendei-o bem! Não estamos posse da
falando de conhecimentos adquiridos jóia que é
na escola, dos quais necessitais para na- Atman conduz
vegar nas correntes das forças contrárias.
a Brahman, ao
Temos em vista o único e verdadeiro
insight divino.
conhecimento vital, o Ensinamento da
Vida, o Ensinamento Universal, oculto
O estudo das
no átomo original e revelado pela escrituras é estéril
Gnosis, como estímulo para vos abrir o enquanto Brahman não
caminho do verdadeiro conhecimento. tiver sido experimentado.
Ora, a propensão para a virtude, a vir- A experiência de Brahman
tude que consiste em ser bom, em fazer torna supérflua a leitura dos
o bem, associada a esse conhecimento textos sagrados.
pode vos libertar e vos libertará. A leitura das escrituras sagradas tais A concha de

(A GNOSIS CHINESA 5 )
como os Vedas ou a Bíblia, não traz Vishnu simboliza
o primeiro som da
qualquer espécie de libertação.
criação. Séc.XVI.
Porque enquanto a força divina não
próprias angústias, contrariedades e se torna ativa no homem, pois o eu se
carências. Essa apreensão subjetiva da opõe a isso, é impossível sondar a
realidade conforta o eu em sua própria profunda sabedoria dos livros santos.
glorificação, no mundo de Maya. O Aquele que pode, enfim, compreen-
eu criou para si um pequeno mundo der, por pouco que seja, já se encontra
confortável de objetivos e desejos, religado à força libertadora e está em
aliás, continuamente ameaçado. Shan- curso de mutação sobre a via que leva
kara explica que se trata exclusiva- à descoberta do Supremo. Falando do
mente de trazer à luz do dia o jogo da guia interior, Shankara diz: O desejo
vontade e das representações, a fim de de libertação é a vontade de se des-
reencontrar a unidade e a realidade vencilhar das cadeias forjadas pela
divinas. ignorância, graças a uma compreensão
A propósito da ignorância, Shanka- interior radical 1.
ra diz: O homem, mordido pela ser-
pente da ignorância não pode ser cura-
do enquanto não tiver experimentado O guia interior
Brahman. Os Vedas e outras literatu-
ras são, nestas circunstâncias, comple- Os antigos sábios diziam que orar e jejuar significava
tamente inúteis, bem como o emprego orientar toda a vida para o Outro Reino, para a verda-
de magia e ervas. deira Pátria, libertar o Reino em si e, assim harmoniza-
Não se trata, para Shankara, da do, estabelecer a unidade com as manifestações da von-
tade. Nesse estado de ser, não ouvireis mais com os
aquisição de um saber livresco, mas de
ouvidos o tumulto das forças contrárias, mas abrireis
um conhecimento interior cujas fon-
totalmente vossa compreensão, vossa razão, todo o
tes são a fé e a experiência. A mesma santuário da cabeça, à efusão do Espírito sétuplo.
imagem está presente nos gnósticos:
voltar-se para a força divina, que não (A GNOSIS CHINESA 5 )

45
Soltar as amarras encontrar a salvação, sem todavia,
abandonar os pequenos hábitos. Eis o
Sabeis que cada homem nascido da natureza que diz Shankara: Todos aqueles que
deixa vestígios no eu aural, como resultado de seu
desejam chegar a Atman, satisfazendo
ímpio curso de vida. Esses vestígios, esse carma, se
a avidez do corpo, são como aqueles
acumulam. Cada nascido da natureza que trilha
a grandiosa senda de libertação coloca-se, também, que tentam atravessar um rio sobre o
infelizmente, diante de uma dupla tarefa, pois, antes dorso de um crocodilo, acreditando
que ele possa trilhar a senda da transfiguração, deve tratar-se do ramo de uma árvore. 1
primeiro dissolver esse carma, esse eu cármico. Shankara compara o aspecto cor-
poral a um crocodilo. O corpo é um
(A ARQUIGNOSIS EGÍPCIA 6 , vol III) fruto do tempo e aprisiona o homem
a Maya. Aquele que, na via espiritual,
cede a seus apetites corporais enquan-
O desejo de salvação conduz o pes- to procura se libertar da roda dos re-
quisador, através de uma série de nascimentos, jamais aportará nas mar-
experiências inteiramente novas, aos gens da salvação, porém será devora-
limites de sua existência terrestre, até do pelo crocodilo. Ele é vítima dos seus
que ele alcance a compreensão. Há, desejos físicos.
no entanto, uma condição: aceitar es-
sas experiências e essa compreensão, A união de Atman e Brahman
pois o eu é de tal forma conservador,
que ele não cessa de obstruir o cami- O primeiro passo na via da liberta-
nho da renovação. Angústia e inquie- ção consiste em desligar-se de tudo
tude o impedem de levantar as ânco- aquilo que não pertence à eternidade.
ras que o prendem ao mundo das apa- Segue-se a aprendizagem da equani-
rências e de se confiar a Atman, o guia midade, do autodomínio e da paciên-
interior. cia. Depois, vem o abandono de todos
Shankara mostra que os candidatos os comportamentos instigados pelos
de bom grado se confiam, para o seu desejos pessoais e egoístas.
progresso, aos conselhos e opiniões
de pessoas que constituem autorida-
des em vez de depositar sua confiança
Os perigos relativos
na força neles oculta, que espera para ao corpo
ser libertada. Assim, preferem conti-
nuar sempre iguais a eles mesmos e O homem sábio se abstém de toda
sobretudo nada mudar que corresse o atividade supérflua, aqui, na nature-
risco de incomodar sua vida confortá- za da morte, não lhe fazendo a míni-
vel. E, no entanto, uma mudança radi- ma concessão; não cometerá excessos
cal se impõe, por menor que seja: o que o liguem a esta natureza e dissi-
pará completamente a beleza ilusória
desejo de obedecer ao guia interior.
deste vale de lágrimas [...] pois não se
As pessoas, em sua maioria, veneram
pode servir simultaneamente a Deus
Selos da dignidade passivamente a imagem que fazem de e ao ser astral. É por isto que o
real dos 24
um mestre ou de um personagem his- Evangelho de Jesus Cristo é somente
predecessores do
Buda. Pintura,
tórico sobre o qual projetam o seu para os fortes, para aqueles que são
Ananda sofrimento. interiormente fortes.
Okkyaung, Pagan, Freqüentemente desejamos tirar
Burma. vantagem das duas possibilidades: (A GNOSIS CHINESA 5 )

46
A união de Atman e
Brahman
Ponde nisto toda vossa diligência,
acrescentando: à vossa fé a virtude,
à virtude o conhecimento, ao conheci-
mento o autodomínio, ao autodomínio
a perseverança, à perseverança a
devoção, à devoção o amor fraternal,
ao amor fraternal o Amor. Estas são
as condições do caminho sétuplo.

(O ADVENTO DO NOVO HOMEM 2 )

A jóia do discernimento é a fonte


espiritual no coração do homem.
Quando Atman desperta e fala, surge
a perfeição do eterno, de Brahman. A
intenção é que o homem tente atingir
esse ideal, que ele oriente a sua vida,
de modo que nada possa obstaculizar
o seu caminho. Isso exige muita paciên-
cia, porque as forças que ele deseja anu-
lar o aprisionam novamente. Maya
lança a sua rede infatigavelmente so-
bre aqueles que lhe tentam escapar. O
homem também deve se despojar de
todo egoísmo, aprender a arrancar- Ele traz a bênção
lhe a máscara e a lhe opor a força im-
Os brâhmanes, que desde tempos remotos custodiavam os
petuosa da sua fonte interior. Esta
Vedas e os Upanishads, portanto também de sabedoria
força o impele à retidão, estritamente
divina, estavam irados e combatiam com todos os meios o
orientada para a exigência libertadora
budismo crescente.
que exclui todo desejo grosseiro.
Os discípulos de Buda e os seus sucessores tampouco recua-
Esta via representa a união de Atman
vam, e assim, o coração do Sublime foi tomado de grande
e Brahman, ou dito de outra forma:
dor. Ele, que queria servir a humanidade e, com imensu-
um filho de Deus retornou ao Lar. rável amor, salvar a todos, viu a guerra que se travava em
seu nome. Por isso, resolveu voltar para as sombras da
natureza da morte, cinqüenta anos após sua partida como
Buda. Voltou como Shankara, o sublime (...) Shankara
ensinou a síntese, a solidariedade entre toda a sabedoria
Citações tiradas de: divina. Mostrou que os Vedas, os Upanishads e a doutrina
1 Shankara, Das Kleinod der de Buda eram idênticos e, sem exceção, aspiravam ao
Unterscheidung, Munique: O.W. Barth Verlag, mesmo objetivo. Mostrou a universalidade de toda a dou-
1981. trina da sabedoria. Tendo cumprido sua missão, Shankara,
2,4,6,7 Obras de J. Van Rijckenborgh que foi Buda, desapareceu de modo misterioso.
disponíveis na Editora Rosa Cruz.
3,5 Obras em preparação. (A GNOSIS EM SUA ATUAL MANIFESTAÇÃO 7 )
«O caminho da transfiguração impele
o cristão gnóstico atual a fazer renascer
e desabrochar nele a alma imortal. A sabedoria
eterna sempre indicou o caminho verdadeiro.»

(Por que este número temático da Pentagrama? pág.2)

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