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2003 número 2
Revista bimestral do
Lectorium Rosicrucianum
8 O RITMO DA ETERNIDADE
12 A LENDA DO
DESFILE DAS FORMIGAS
«Há duas verdades cósmicas:
14 DIÁLOGO ENTRE
o som e a ausência de som. NACHIKETA E YAMA, DEUS
DA MORTE
Agora acontece que o som interior é
17 OS SIGNIFICADOS DE
revelado pelo som exterior.»
ATMAN
(Upanishads) 18 A GRANDE VIAGEM
DE RETORNO
20 A IRREALIDADE DO
PASSADO, DO PRESENTE
E DO FUTURO
24 A QUARTA DIMENSÃO NA
FILOSOFIA INDIANA
32 A SENDA ÓCTUPLA DO
CRISTIANISMO
34 BUDA E O CAMINHO DO
NIRVANA
38 AS QUATRO NOBRES
VERDADES
42 A JÓIA DO
DISCERNIMENTO
ANO 25
NÚMERO 2
Por que este número temático
da Pentagrama?
2
cas e distorcidas. Esse processo se desviados em proveito de um desen-
repetiu muitas vezes na história do volvimento do eu e dos poderes da
mundo. personalidade terrena. Ora, a cultura
As intervenções divinas nunca do eu é um beco sem saída que não
visam fazer o homem recair nas oferece nenhum resultado.
armadilhas do tradicionalismo e das O caminho da transfiguração im-
regras. Elas suscitam uma renovação pele o cristão gnóstico atual a fazer
e sua meta é a regeneração do ser renascer e desabrochar dentro de si a
humano. É trágico ver como o alma imortal. A sabedoria eterna
impulso do cristianismo desviou-se sempre indicou a senda verdadeira, e
para o exterior e perdeu seu mistério também é assim em nossa época. Es-
interior. As novas possibilidades que peramos que este número da
A ponte entre
cada religião mundial trouxe estag- PENTAGRAMA dê uma clara demons-
o presente e
naram na cultura do eu e do ser aural. tração disso. o passado.
Seus ensinamentos, que deviam mos- Jardim do Mogol,
trar aos homens como reencontrar Índia.
sua verdadeira identidade, foram A REDAÇÃO Foto Pentagrama.
3
Em busca da fonte da vida eterna
4
civilização greco-romana que fornece- gnóstica. Não nos enganemos: a dou-
rá às culturas européias muitas con- trina da redenção de Jesus Cristo é
cepções, idéias e leis que continuam perfeitamente gnóstica.
vigentes em nossos dias. Mas o que Hoje, dois mil anos mais tarde, ve-
aconteceu no campo religioso? O ho- mos o que permanece do impulso que
mem pensante já se apóia mais ou derrubou os muros dos dogmas e das
menos sobre si mesmo. Ele é respon- regras: foram simplesmente fabricados
sável por seus atos e – desde que as novos dogmas, construídos outros
autoridades permitam – por suas esco- muros em volta do cintilante núcleo
lhas relativas à sua vida e à sua orien- de amor e de liberdade do coração.
tação espiritual. Entramos numa fase Que tristeza. Deus foi colocado no
inédita do desenvolvimento da huma- céu para ser adorado, e teólogos de
nidade ariana: a busca do divino atra- todos os tipos edificam-se como inter-
vés da negação e da dissolução da cessores para explicar ao povo o que
consciência natural. Ele é. Os gnósticos, que partem do
Nos últimos anos do reinado do princípio de que o homem carrega
imperador romano Augusto, Jesus uma centelha divina no coração, tive-
trouxe seu ensinamento fundamenta- ram de expiar sua audácia.
do nessa nova emancipação. Já não se
trata somente de abolir o sofrimento, O homem é um microcosmo
mas de aceitá-lo como um aspecto da
natureza. O princípio divino latente O tempo passou. Valentinus foi
no homem deve renascer e se libertar, acusado de heresia. Mani fundou uma
pois sem esse princípio vivente a alma religião mundial para a alma de luz e
humana não pode reencontrar a eter- agonizou sob os ferros. Paulicianos e
nidade. Jesus diz: Ninguém vem ao bogomilos foram perseguidos e traí-
Pai senão por mim (João 14:6). O após- dos. Os cátaros foram queimados vi-
tolo Paulo diz: Assim também é a res- vos em grande número. Os rosacru-
surreição dos mortos. O corpo é semea- zes, os templários e outros místicos
do corruptível, é ressuscitado incorrup- foram perseguidos e eliminados, tanto
tível; é semeado em ignomínia, é res- quanto possível.
suscitado em glória; é semeado em fra- Na Renascença reapareceu o con-
queza, é ressuscitado em poder. Semeia- ceito de microcosmo. O homem é um
se corpo natural, é ressuscitado corpo microcosmo, um pequeno universo,
espiritual. Se há corpo natural, há tam- reflexo do grande universo, o macro-
bém corpo espiritual (1Cor. 15:42-44). cosmo; um mundo em miniatura que
Em nossos dias, o foco da consciên- contém, entretanto, tudo o que o ho-
cia está situado na cabeça, portanto, mem necessita para manifestar o plano
no corpo físico. Segundo a opinião divino. Essa concepção espalhou-se
dos esoteristas, os focos dos diferentes rapidamente. O homem da Renascen-
veículos coincidem com a cabeça. É ça descobre que ele é um ser autôno-
por isso que o Espírito, Deus, já não mo, capaz de reinar sobre o próprio
pode ser percebido, sentido, experi- céu e a própria terra.
mentado nem alcançado. O desenvolvimento de sua cons-
A carne e o sangue não podem her- ciência nem por isso terminou. No sé-
dar o reino de Deus, disse Jesus culo XVIII, os enciclopedistas pensa-
(1 Cor. 13:50). Fórmula perfeitamente vam que sabiam tudo e consignaram
5
sua ciência em volumosas obras. Nos humanidade. É assim que todas as al- A unidade das
séculos XIX e XX, a ciência reivindi- mas são ligadas entre si. Elas consti- três doutrinas:
Lao Tsé (esq.),
cou seu lugar, e o homem teve de sair tuem juntas uma entidade-alma única;
Confúcio (dir.)
de seu isolamento para se tornar um entretanto, os portadores da alma, os e Buda
ser social. egos, tão freqüentemente se odeiam (criança).
Agora, neste início do século XXI, a mortalmente. Ninguém pode desvin- Pintura sobre
humanidade está no limiar de uma cular-se da humanidade; todos perten- seda. Século XIV.
nova fase de desenvolvimento. Busca- cem ao seu corpo.
mos descobrir novos aspectos da cons- A Rosacruz Áurea ensina que a na-
ciência e talvez até uma consciência tureza terrena é mutável e que não po-
totalmente nova. Fazemos interpre- demos encontrar nela uma felicidade
tações e buscamos à direita e à esquer- duradoura. O homem passa sua vida a
da se existe algo que permita aceder à procurar a sabedoria eterna que está
consciência total. Mas a vida só toma depositada no seu coração como uma
todo o seu sentido quando chegamos semente. Quando esta começa a ger-
a estabelecer a base espiritual no pró- minar, o espírito desenvolve-se, toda-
prio coração. Esse poder espiritual es- via com a condição de não se subtrair
tá na base da verdadeira renovação de ao processo de crescimento, percor-
toda a vida, não enquanto totalidade rendo o caminho.
isolada, mas conduzida numa corrente
eterna. Todo o conhecimento deposi- «Meu ser é o mais íntimo
tado no microcosmo através dos sécu- de meu coração»
los impele o homem à realização. Ele
deve aceitá-lo. A reação provocada é O macrocosmo oferece um campo
dinamizada pela corrente de força de desenvolvimento planejado, harmo-
provinda do núcleo divino no coração. nioso, com numerosas almas que são
envoltas e permeadas pelo Único, o In-
Um processo de regeneração cognoscível. Nele, o microcosmo do
deve agora acontecer homem terreno se eleva em espiral. O
divino está presente em todos os seres
A rosa desperta! E isso transforma vivos e se revelará no devido tempo.
o homem. Ele se encontra num pro- Os Upanishads são textos gnósticos
cesso de regeneração que deve termi- muito profundos que tratam do Atman
nar com o nascimento de um corpo do coração, que é uno com a substância
espiritual. Nesse momento, sua pró- divina original. Esse, meu ser no mais ín-
pria compreensão, a pureza de sua as- timo de meu coração é menor do que
piração e de sua intenção e os esforços um grão de arroz, de mostarda ou de
sustentados são de grande importân- cevada. Esse, meu ser no mais íntimo
cia. O corpo é semeado natural, ele res- de meu coração é mais vasto do que a
suscita espiritual. O corpo espiritual é terra, mais vasto do que os ares, mais
o homem Alma-Espírito que atravessa vasto do que esses mundos. Em todo lu-
as fronteiras da natureza. gar ativo, em todo lugar aromático, em
Ninguém pode realizar isso no lu- todo lugar saboroso, onipresente, sem
gar de outra pessoa. Cada um deve palavras, despreocupado: tal é meu ser
trabalhar para sua própria salvação. no mais íntimo de meu coração. Esse é
Cada um deve avançar a partir de seu Brahma.
próprio centro que está ligado ao da Extraído do Ensinamento de Shandilya
7
O ritmo da eternidade
Som e silêncio na tradição indiana
8
meta. O artista de alma corrompida Trecho do «livro dos preceitos áureos»:
por desejos inferiores se encontra
num nível de vibração mais baixo e Antes de pousares teu pé no último degrau da
se deixa inconscientemente levar por escada, na escala dos sons místicos, de sete
ele. Por conseguinte, sua criação será maneiras diferentes tens de ouvir a voz de teu
o reflexo desse nível vibratório. Deus interno.
Aquele que escuta com o ouvido da
O primeiro som é como o da doce voz do
alma vivente saberá discernir entre a
rouxinol cantando uma canção de despedida
arte verdadeira e o kitsch.
à sua companheira.
«O ouvido é o caminho» O segundo vem como o som de um argênteo
címbalo das almas do firmamento despertando as
Um compositor percebe uma estrelas lucilantes.
melodia na esfera de vibração trans- O seguinte é como o lamento melodioso do gênio
cendente. Ele vê, por assim dizer, os oceânico preso à sua concha.
sons, e os transcreve através de sím-
bolos (o solfejo) que permitem re- A este se segue o canto do alaúde.
produzir por meio de instrumentos o O quinto chia em teus ouvidos como o som de
que ele concebeu. O ouvinte perce- uma flauta, e em seguida se transforma num
berá isso graças à interpretação que toque de corneta.
dela dão os músicos de uma orques-
O sexto soa como o surdo ribombo do trovão.
tra. Ele será tocado e comovido em
seu íntimo. A mesma coisa ocorre O sétimo som absorve todos os outros,
com as palavras que pronunciamos. que morrem para não mais serem ouvidos.3
A palavra é a interpretação de uma A forma específica segundo a qual
vibração. Os Upanishads dizem a uma determinada civilização com-
esse respeito: o ouvido é o caminho, preende o tempo se reflete direta-
porque o homem deve antes apren- mente nos ritmos de sua música. Os
der a escutar a fim de poder ouvir a ritmos produzidos pelos tambores
palavra! dão um bom exemplo disso. Na Ín-
dia antiga um grande número de
Criar uma linha fluida tambores diferentes era usado e cada
tipo de tambor devia ser tocado de
O músico não inspirado, antes de modo específico.4
entrar na quarta fase da criatividade, Para um ocidental, é inconcebível
deve trabalhar muito nas três primei- que duas mãos possam tocar sobre
ras fases a fim de sondar e de repro- um tambor dois ritmos diferentes,
duzir algo da “compreensão profun- por exemplo, uma mão batendo
da”. Ao contrário, se ele estiver ins- quinze batidas e a outra dezesseis na
pirado, isto é, se sua alma estiver in- mesma unidade de tempo. Em nos-
teiramente aberta à fonte, então o sos dias, os músicos de rua são capa-
processo de criação se desenrolará zes de bater uma seqüência de ritmos
em uma linha fluida. Na música in- ainda mais complicados, com braços
diana clássica, se ela for bem inter- e pernas, usando instrumentos muito
pretada, encontramos a consciência variados e misturando sete ou oito
necessária à criação. É sobretudo o ritmos.
ritmo que tem suas raízes na época
védica que desempenha um papel O “tala” como criação cíclica
importante.
Os versos dos hinos não escritos, Um movimento rítmico é chama-
tais como os do Rigveda, eram can- do tala. Cada tala tem a sua estrutu-
tados sobre três ou quatro notas. As ra própria que é mantida ao longo de
sílabas eram reunidas segundo sua uma obra musical que pode durar
duração, porque não têm acento. Foi várias horas. Os talas mais compri-
assim que os textos foram transmiti- dos comportam 80 a 100 batidas por
dos durante milhares de anos e que o unidade de tempo e têm uma estru-
sentido e a duração do ritmo refina- tura muito complicada. Os ouvintes
ram-se. A mesma estrutura sutil com podem seguir estas peças de música
um entrelaçamento de ritmos com- segundo a segundo. Já os ouvintes
plexos é encontrada em toda a músi- ocidentais ficam perplexos quando
ca do velho continente indiano. os ritmos ultrapassam medidas com
três ou quatro tempos; os músicos
ocidentais não se aventuram além das
Do Rigveda: medidas de cinco ou sete tempos.5
A música indiana é cíclica. Ataca-
Alento dos deuses e origem de vida do mundo, se com o sam (iniciando em conjun-
Ele vagueia em liberdade. to). Depois de uma seqüência com
A Ele se dirige nossa devoção, a Ele, de quem motivos muito diversos, os músicos
ouvimos a voz, mas de quem ninguém jamais se reencontram no sam e um novo
contemplou a forma. ciclo começa. Nesse momento preci-
so o público explode com gritos de
10
alegria, aliviando toda a tensão criada
pela lancinante pergunta: será que Do Bhagavagita:
vão conseguir? Será que se reencon-
trarão novamente? Ciclos podem se O corpo possui um núcleo que é imensurável,
repetir desse modo centenas de vezes imperecível, imortal.
e raramente são idênticos. Ele não é submetido nem ao nascimento nem
A palavra tala é uma combinação à morte.
das sílabas “ta”, de tandava, a dança Vivo, ele jamais cessará de existir.
cósmica de Shiva, e de “la”, de Lasya, Ele não tem começo nem fim.
uma das parceiras de Shiva. Ele não morre com o corpo.
Essa estrutura musical concorda
com a tradição que quer que os ciclos
de manifestações se repitam infinita- Contempla a suave luz que inunda
mente, cada um diferente do prece- o céu oriental. Em sinais de louvor
dente. Trata-se de uma sabedoria se unem céu e terra. E dos quádruplos
independente do tempo, manifestan- Poderes manifestados sobe um
do-se em numerosas dimensões e em cântico de amor, tanto do Fogo
quantidade quase inesgotável; assim, chamejante como da Água corrente,
todas as criaturas são reveladas, da Terra
escondidas e curadas pelo tempo.6 de suaves perfumes como do Vento
uivante.
NÂDA Brahma, o mundo é som Escuta! ...do profundo e insondável
vórtice dessa luz em que se banha o
Shiva domina os processos de cria- Vitorioso, a voz sem fala de toda a
ção e de destruição do universo. Ele natureza se ergue em mil tons
trabalha com o fogo divino que segu- para proclamar:
ra na mão esquerda. O tambor mos- Regozijai-vos, ó homens desta terra.
tra seu poder porque cada batida põe Um peregrino voltou da outra
a substância primordial em movi- margem. 3
mento. Graças ao ritmo do tambor,
os macrocosmos e os microcosmos,
as galáxias, os seres, as plantas, os
deuses e as ondas de vida se formam.
Assim, o som traz uma manifestação. Fontes:
A criação nasce da substância pri- 1 SUDARSHAN, E.C.G, Time in the Indian
tradition, Austin: University of Texas, 1997.
mordial. O silêncio entre duas bati-
Internet: //here-now4u.de/eng/time.in.the.Indian.
das de tambor é um momento de tradition.htm.
regeneração onde a substância pri- 2 BERENDT, J.E., Das Dritte Ohr – Vom
mordial retorna à transcendência. Hören der Welt, Reinbek bei Hamburg, 1992.
Podemos talvez imaginar, com toda 3 Blavatsky, H.P., A voz do silêncio, São Paulo:
modéstia, algo da ação da Palavra Pensamento, 1991.
4 GRONDEY, L., Die indische Trommel.
criadora de Deus. O homem em sua
Internet: //141.20.150.19/pm/Leh/StudProj/
forma original, Alma-Espírito, deve Grondey/Trommel.htm.
aprender a utilizar essa força. O som 5 ZIMMER, H., Indische Mythen und Symbole,
da Palavra divina revela o amor divi- Diederichs Gelbe Reihe, 7. Auflage 2000.
no a suas criaturas, enquanto que sua 6 BERENDT, J.E., Nâda Brahma – Die Welt ist
força é oculta no silêncio. Klang, Reinbek bei Hamburg, 1990.
11
A lenda do desfile das formigas
12
A idéia indiana de tempo – kâla – remete a um
fenômeno sem fim e sem limite. A mitologia o
representa freqüentemente como uma roda –
– Por que riste? Quem és tu? bal- kalpa – que gira através de ciclos diferentes, da
buciou Indra. O jovem respondeu: criação ao aniquilamento, e do caos à criação.
– Vendo passar as formigas em Um kalpa corresponde a uma vida do criador
longa procissão, pensei que cada uma Brahma. Oitocentos anos de Brahma correspon-
delas havia sido um Indra. Como
dem a 311 040 bilhões de anos. Um kalpa começa
vós, cada uma já alcançou o nível de
rei dos deuses pelos seus atos meritó- com o nascimento de um Brahma e termina com
rios e religiosos. Mas, por causa de a sua morte. Um novo Brahma nasce, e assim por
seus atos horríveis, elas caíram e se diante.
encontram agora encarnadas em for-
Um kalpa compreende mil ciclos, e cada ciclo
migas. Os soldados deste exercito de
formigas não foram Indras a não ser compreende quatro yuga ou eras do mundo.
uma única vez. A primeira era é a idade de ouro, a idade da
Ouvindo isso, subitamente Indra inocência e da verdade. É a que dura mais
achou que seu projeto de constru- tempo. Mas a verdade se altera e começa então
ção, afinal de contas, era desprovido
a segunda era, que é mais curta. Este período vê
de interesse e se reduzia a nada. Ele
acertou o salário de seu arquiteto, li- diminuir lentamente a virtude e a duração da
berou-o de suas obrigações e se vol- vida. Depois vem outra ainda mais curta,
tou para a vida de anacoreta. Com o a terceira era, durante a qual viveram Rama e
auxílio de um religioso muito escla-
Krishna, os heróis do Ramayana e do
recido, sua esposa bem-amada,
Shakti, conseguiu dissuadi-lo. Mahâbhârata. Por fim começa o kali yuga, uma
Esta bela história em que Vishnu idade negra, o período atual. O que caracteriza
aparece, ele mesmo, na pessoa do jo- o kali yuga são a ignorância, a impiedade,
vem radiante de luz, conta como epí- a violência e a concupiscência. No fim de um kali
logo que Indra arrependeu-se, cu-
rou-se de seu orgulho insensato e de yuga, Vishnu, o guardião do mundo, desce sobre
sua ambição desmedida antes de a terra sob a forma do guerreiro Kalki. Ele
retomar o seu designado lugar na aniquila o mal e preserva o bem para a próxima
criação. manifestação de uma criação. De um aniquila-
mento até uma nova criação, durante uma noite
(Extraído de: Zimmer, H., Indisch Mythen
und Symbole, Diederichs Gelbe Reihe, 7. cósmica, Vishnu descansa na serpente enrolada da
Auflage, 2000.) eternidade.
13
Conversa entre Nachiketa e Yama,
deus da morte
Do Kathaka Upanishad
14
Arjuna guia
o carro solar
de Surya.
Miniatura do
século XVIII.
Museu Bharat
Kala.Varanasi,
Índia.
15
As duas trindades do hinduismo: ciência o cocheiro de sua carruagem,
• a horizontal ou mitológica se compõe dos três que não pode dominar seus cavalos sel-
aspectos do Ishvara (o Ser): Brahma, o criador, vagens. Aquele que, ao contrário, con-
Vishnu, o mantenedor, e Shiva, o deus da des- duz corretamente seus cavalos e os do-
truição e das metamorfoses. Notemos a diferença mina com sua inteligência, esse alcança
entre Brahma e Brahman. Brahma representa os a meta de sua viagem: o sublime trono
três rostos de Ishvara. Brahman é o princípio de Vishnu.
supremo. Vishnu é o mantenedor da criação.
• a trindade vertical (Satchitdananda) é a que Ele se encarna nos seres divinos, como
simboliza as três dimensões interiores do princípio Rama e Krishna, a fim de influenciar o
supremo: curso das coisas terrestres.4 Seu gran-
– sat = ser, objeto, última realidade, transcendência; dioso trono se encontra além da cria-
– chit = consciência, sujeito, ser último, imanência; ção, na fonte da força libertadora que
– ananda = beatitude, união. se derrama sobre o mundo e a huma-
nidade. Ele é um aspecto do Verbo di-
René Guénon, especialista em hinduismo, diz que a trindade vino, do Logos, ao qual o próprio Yama
vertical (ser-consciência-beatitude) se assemelha à trindade
cristã Pai-Filho-Espírito Santo. Existem, aliás, muitas semelhanças
deve, em última análise, se submeter.
entre o cristianismo e o hinduismo. 5 Por fim, Yama resume sua mensa-
gem e revela àqueles que julga dignos
de conhecer seu segredo o meio de
encontrará Atman porque lhe falta co- escapar a sua própria dominação: aquele
nhecimento. que venera o que é desprovido de som,
Aborda-se aqui a questão da graça. de sentimento, de forma, de mudança,
Ela não é obtida nem através de ofe- de gosto, aquele que é eterno, sem me-
rendas nem pelo acúmulo de ciência dida, sem começo nem fim, que é maior
mundana. Trata-se, na realidade, de uma do que o grande ser, indestrutível, aque-
conversão de todo o ser. O coração hu- le será libertado do império da morte.
mano deve se apaziguar, isto é, liber- Nos Upanishads, a doutrina secreta
tar-se dos vínculos invisíveis que o da Índia, encontra-se a idéia de que
prendem ao mundo. Os egípcios utili- tudo deve estar a serviço “Daquele”, o
zavam a mesma imagem: antes de po- Deus supremo. O deus da morte man-
der alcançar Osíris, é preciso que Anú- tém as almas atadas à roda do nasci-
bis, o deus da morte, pese o coração, mento e da morte. Mas às almas evo-
que deve ser leve como uma pluma de luídas ele revela como podem escapar
pássaro. ao circuito para encontrar a passagem
Yama se serve de uma comparação para o mundo divino.
encontrada também no Bhagavadgîta:
Sabe que Atman assemelha-se a uma Fontes:
carruagem atrelada: o corpo é a própria 1 GUNTURU, V., Hinduismus, Munique:
carruagem, a consciência é o cocheiro, Diederichs Gelbe Reihe, 2000.
2 THIEME, P., Upanishaden, Stuttgart:
a inteligência, as rédeas; as faculdades
1966/1999.
sensoriais são os cavalos e o mundo ob- 3 HILLEBRANDT, A., Upanishaden, Munique:
jetivo percebido é o caminho. O ser li- Diederichs Gelbe Reihla, 2001.
gado aos sentidos e à inteligência, os 4 BLOK, J.A., Oepanisjads, Deventer:
sábios o chamam «aquele que está na Ankh-Hermes, 1976.
volúpia», aquele que não possui a justa 5 GUÉNON, R., La grande triade, Paris:
compreensão, que não faz de sua cons- Gallimard, 1946.
16
Os significados de Atman
17
A grande viagem de retorno*
18
A irrealidade do passado,
20
do presente e do futuro
21
Os véus da ignorância se rasgam
22
ma tradição transmitiu métodos es- O espírito não nasce e não morre,
pirituais concernentes ao homem Ele não provém de nenhum lugar
dessa época, isto é, um tipo de ho- e não vai a nenhum lugar.
mem dotado de aptidões diferentes Ele é imutável e eterno,
das do ocidental de hoje. Sua cons- Ele está vivo mesmo que o corpo
ciência não era tão individualizada, esteja morto.
ele não estava ainda tão absorvido
pela matéria grosseira quanto pode Ínfimo e, no entanto, maior do que
estar o ocidental, cuja consciência só o maior,
é voltada para o seu bem estar. Na Deus está escondido no coração da
época da qual falamos – há muitos criatura.
milhares de anos – os homens per- A majestade do ser reconhece, na
tenciam a uma comunidade na qual calma,
o indivíduo nada mais era que um Aquele que, sem desejo, libertou-se
“instrumento trabalhando incons- da dor e das preocupações.
cientemente” no grupo. Seus pensa-
mentos, seus sentimentos e seus atos (Extraído do Ensinamento dado a Nachiketa
eram determinados pelo grupo. A pelo deus da morte, Yama.5)
ilusão da liberdade individual, tal
como ela é mantida na nossa socie-
dade de consumo, não existia ainda.
Se constatamos hoje a atração
exercida sobre muitos ocidentais in-
NOTAS:
dividualizados pelos sistemas orien-
1,2,3 ZIMMER, H., Philosophie und Religion
tais, temos o direito de perguntar em Indiens, Baden-Baden, 1973; e Mythen und
que medida essa necessidade de “sa- Symbole in indischer Kunst und Kultur,
bedoria exótica” seria devida à aspi- Zurique: Rascher, 1951.
ração a um mundo “reconciliado”, 4 Isso corresponde aos corpos sutis descritos
unindo o oriente e o ocidente. Mas na grande tradição esotérica ocidental:
essa época da história da humanida- . o invólucro do corpo material, mantido
de está ultrapassada. O caminho da em condições pela alimentação;
libertação espiritual é percorrido na . o corpo vital, mantido pelas forças da
vitalidade;
atualidade, hoje e agora: eis o que já
. o invólucro formado pelo sistema
ensinava a antiga sabedoria indiana. sensorial e a alma;
. o invólucro formado pelo conhecimento
Aquele que reconhece Deus oculto e pela compreensão; e
em si, no original-eterno, misterioso, . o formado pela beatitude (ananda).
que permanece no coração, 5 GLASENAPP, H.V., Indische Geisteswelt,
eleva-se acima da alegria e da dor. Wiesbaden, 1958.
23
A quarta dimensão na filosofia indiana
Em busca do segredo do tempo
24
parece. Aflição e ignorância não
nascem desse tempo. Segundo
Buda, elas sempre estiveram pre-
sentes na criação temporal, mas
desaparecem logo que a dimen-
são do tempo é abolida.
E o próprio insight [a compre-
ensão profunda] ilumina o pas-
sado, afasta a ignorância e reve-
la a harmonia da experiência
restrita, e assim afeta o passado.
Nesse contexto, a iluminação é
instantânea e sem esforço, porém
o brilho dessa iluminação pode
durar por longo tempo, talvez
toda uma vida. A percepção de
momentos de tal contra-corrente
está no tempo sagrado.1
Quando um homem vivencia
a dimensão do insight no pre-
sente, vive simultaneamente em
duas correntes de tempo distin-
tas. Embora a cronologia da per-
sonalidade participe do tempo
profano, a consciência em cres-
cimento toma parte do tempo
sagrado.
Podemos comparar o tempo
profano à escória irregular que se for- do susuptâ. O quarto estado, compa-
ma em cima do fluxo de lava ardente. rado com aquele do sono sem sonhos,
Durante a vida profana, a consciência é indicado como turiya. Este último
humana vai tateando ao longo das estado é colocado em conexão com o
saliências dessa crosta como se fosse vivenciar do tempo sagrado do in-
uma roda dentada. Todavia, no caso sight. O caminhar interior nesse esta-
do tempo sagrado, essa consciência do não acontece por si mesmo, mas é
mergulha no fluxo ígneo e se movi- o resultado de um processo de desper-
menta livremente, sem os obstáculos tar consciente. Esse processo coloca o
impostos pela escória. homem diante dos três estados de
consciência cronológica dos quais
A quarta dimensão emanam as três dimensões ou esferas
de sua realidade de vida. Quando tiver
Na tradição indiana, cada estado de vivenciado e integrado essas experiên- Krishna tocando
flauta. Baixo
consciência tem seu próprio nome. A cias, ele poderá então transcendê-las.
relevo do
consciência de vigília é denominada de Então, o quarto estado de consciência
séc. XVIII.
jâgrat, a consciência de sonho que poderá despertar, o que o tornará to- Coleção
corresponde à clarividência é chamada talmente livre e firme no presente. O M.Séverin,
svapna, a consciência do sono profun- filósofo e antropólogo cultural Jean Bruxelas.
25
Gebser explora esse tema em seu livro çam. Quem se torna consciente das
Ursprung und Gegenwart (Origem e três formas de tempo fundamentais
presente). Ele discorre sobre uma pode dar o passo para conquistar a
nova consciência humana que indica quarta dimensão.2
como «a-perceptiva» ou «integral». Sua Gebser diz: A origem é sempre
descrição vem em grande parte ao en- atual, no presente. Ela não é um come-
contro da visão indiana da compreen- ço, porque todo começo é ligado ao
são profunda no tempo sagrado. tempo, e o presente não é nada além do
No estado de consciência integral, o agora, do hoje ou do momento. Ela
homem apreende os princípios de seu não é parte do tempo, mas uma ativi-
mundo em qualquer lugar, indepen- dade completa e é, portanto, também
dente de suas percepções, experiências sempre original. Quem, nesse estado, é
e concepções do mundo às quais está origem e presente, em sua totalidade,
também ligado. Quem vê consciente- também incorpora, realiza e concreti-
mente os fundamentos já não é levado za, vence o início e o fim, e isso sozi-
a confusões, mediante a multiplicida- nho, porém no momento atua.
de, a instabilidade e as relações mútuas
das formas, onde quer que lhe aconte- Eu sou o tempo que dissolve
a terra
26
O domínio das ilusões
27
considera como a única Realidade. O capaz de testemunhar da realidade
homem se opõe a ela e até mesmo a velada por Maya descobre que o
ignora, pois sente, ainda que de forma mundo cotidiano nada tem a ver com
obscura, que o divino combate e des- o mundo da Realidade divina.
trói as poucas certezas que ele, ho-
mem, acredita possuir. «Podes ir me buscar um
pouco d’água?»
Os véus de Maya
Os sábios da Índia, há milhares de
Na tradição espiritual da Índia, a anos, aspiravam sair do mundo dos
morte possui uma significação dife- sonhos e das mistificações para se fun-
rente daquela compartilhada pelo dir em Atman. Entre esses dois esta-
materialista de hoje. Como a vida na dos de consciência se interpõe o véu
matéria nada mais é que ilusão, não se de Maya. Como nada existe fora de
perde nada de essencial ao sobrevir a Brahman, é nele que se encontra a ori-
morte. A morte simplesmente retira gem de Maya. Por isto, deve-se reco-
um dos inúmeros véus de Maya. Só se nhecer a natureza da ilusão a fim de se
pode adquirir a consciência do divino poder encontrar o caminho que ocul-
procurando e encontrando Atman no ta Maya. A história do asceta Narada
fundo do ser. Deve-se despertar descreve como Vishnu lhe ensinou o
Atman em si mesmo. segredo de sua Maya:
Freqüentemente se compara o mun- Mostra-me o poder mágico de tua
do de Maya a uma miragem. Aquele Maya, lhe pede um dia Narada. E o
que vagueia no deserto da vida crê ver deus lhe responde: Bem, vem comigo!
um oásis ao longe. A água com seus Vihsnu faz Narada sair da penumbra
reflexos ondulantes, a sombra atraente de sua habitação de eremita e o coloca
das palmeiras, os seres humanos, os em um lugar que brilha como um
animais, uma vila, se descortinam no metal debaixo do sol ardente. Logo os
horizonte. Mas, quando ele se aproxi- dois sentem sede. Na luz intensa, eles
ma, tudo se dissipa. A realidade que percebem, ao longe, os tetos de palha
ele imaginou nada mais era que uma de uma vila e Vishnu pede a Narada:
miragem. Eis o que é Maya! Erro dos Podes ir me buscar um pouco d’água?
sentidos, erro da consciência limitada. O Santo homem responde: Certa-
Às vezes também se compara a vida a mente, Senhor. E se distancia na dire-
um sonho. A consciência não faz dis- ção das cabanas de palha, enquanto o
tinção entre o sonho e o estado de deus se senta para o esperar, à sombra
vigília. Esta é a razão pela qual, segun- de um rochedo.
do a antiga sabedoria hindu, o mundo Narada chega à vila e bate à primei-
daquele que está em estado de vigília ra porta. Uma bela jovem abre a porta
não é mais real do que o mundo e o observa com olhos sedutores. O
daquele que dorme. Quem quer que santo homem experimenta um senti-
se encontre aprisionado na consciên- mento de felicidade, pois aqueles
cia terrestre pensa que o seu mundo é olhos maravilhosos parecem com os
o mundo real. Mas aquele que pode do seu senhor e amigo divino, Vishnu.
ultrapassar esses limites, e no qual o Surpreso, Narada permanece ali e
centro divino do coração tem a possi- esquece a razão de sua vinda. A jovem
bilidade de despertar, aquele que é lhe faz sinal para entrar e a sua doce e
28
sedutora voz o acaricia, tal como uma menor, porém é tarde demais. En- O dragão das
serpente dourada que se enrolasse em quanto isso, a água leva os outros dois trevas envolve
torno de seu pescoço. Prisioneiro de a esfera do
e, antes mesmo de compreender o que
mundo.
um sonho, ele entra na casa. Os mora- se passa, sua mulher é também arrasta-
Jardim de
dores não parecem incomodados. Eles da e levada pela violenta torrente. Appelterne.
lhe testemunham seu respeito como a Finalmente Narada se detém em um Foto Pentagrama.
um santo homem que não lhes é estra- rochedo e perde a consciência. Vol-
nho. Narada é para eles um venerável tando a si, vê apenas uma poça de lama
asceta, bem conhecido, que agora está com um fio de água suja e se põe a
de retorno. Narada é tocado por sua chorar. Meu filho, diz uma voz fami-
alegria e hospitalidade e se sente como liar que apazigua o seu coração, onde
em sua própria casa. Ninguém lhe está a água que foste buscar para
pergunta a razão de sua vinda. mim? Esperei mais de meia hora! Na-
Depois de um certo tempo, ele pede rada se volta e, no lugar da água, vê o
a jovem em casamento a seu pai, e deserto que brilha sob o sol do meio-
tudo se passa como se todos não espe- dia. Ao seu lado está Vishnu: Com-
rassem outra coisa. Narada é admitido preendes agora o segredo de minha
na família e compartilha o trabalho Maya?
árduo e as alegrias da vida camponesa. A Maya de Vishnu aparece sob
diferentes formas. Elas fascinaram
«Compreendes agora o segredo Narada, que com elas se identificou:
de minha Maya?» ele esqueceu o pedido que Vishnu lhe
havia feito; esqueceu que Vishnu o
Passam-se doze anos e Narada é esperava, e a vida “imaginária” tor-
agora o pai de três crianças. Quando
seu sogro morre, ele se torna o chefe
da família e herda a terra de que cuida.
Cria gado e cultiva o solo. Mas, du-
rante esses doze anos, cai mais chuva
que o usual, os rios transbordam e a
pequena vila é inundada. As cabanas
de sapé e os animais são levados pela
correnteza e todos fogem. Narada
anda o mais rápido possível, seguran-
do sua mulher com uma das mãos,
dois filhos com a outra, enquanto car-
rega o menor sobre os ombros. Ele se
apressa na noite escura, encharcado
pela forte chuva. Patina nas torrentes
de lama que o fazem cambalear. Os
turbilhões o arrastam e com muita
dificuldade ele leva a sua carga. Logo
perde o equilíbrio e o filho que carre-
ga escorrega e desaparece nas trevas.
Ele emite um grito de desespero e
larga os outros dois filhos que segura-
va pela mão, para tentar segurar o
29
A dança de Shiva
nou-se para ele a realidade. Ele se per- nu, Narada tinha ido somente desen-
é a expressão deu por uma meia hora no mundo das torpecer as pernas.
dos ciclos ilusões, que ele experimentou como
cósmicos da doze anos, exatamente como num A ignorância e os desejos
criação e do sonho de alguns segundos podem se
aniquilamento,
desenrolar acontecimentos com dura- Narada desejava aprender o segredo
nascimento e
morte.Templo
ção de horas ou até mesmo de vários de Maya. Ele a encontrou sob a forma
de Menakshi. anos. O tempo, o espaço e as formas de uma bela jovem. Maya é a força que
Madras, Índia. dependem da consciência. Para Vish- incita Narada a se entregar ao mundo
30
da ilusão. Ele abandonou o Paraíso e Mas, já que a sabedoria da Índia antiga é tão
suas portas se fecharam atrás dele. Aí próxima do gnosticismo moderno, qual é, de fato,
começou a sua história – ou sua queda, a diferença?
como se diz. Ele participou do árduo E por que a maioria dos habitantes da terra não
trabalho e das alegrias dos campone- adere a essa antiga doutrina? Por que deve haver
ses. Trabalhou a terra e entrou no cír- algo de novo? Tudo já é tão difícil!
culo vicioso dos nascimentos e das O sétimo grande impulso da intervenção divina,
mortes. Foi feliz e infeliz, e descobriu cujo princípio remonta a um passado longínquo,
que não podia conservar o que é mor- indica a cada um o caminho da libertação. Mas o
tal. Assim, perdeu seus bens, sua tempo passa, as condições de vida se modificam, as
mulher, seus filhos, a si mesmo e o diversas esferas onde vivem os seres humanos
mundo de Maya. mudam de estrutura e oportunidades se apresentam
Narada é a imagem do homem que enquanto se fecham os antigos caminhos.
se deixa guiar pela ignorância e pelos Conseqüentemente, novos impulsos são sempre
desejos. Por isso, tudo aquilo que ele necessários para abrir novos caminhos. Por exemplo,
adquire lhe é subtraído. Sua ignorân- o ar, hoje, é muito diferente daquele de há milhares
cia dos processos vitais o retém pri- de anos. As condições etéricas e astrais são particula-
sioneiro, encarnação após encarnação, res para cada país: em certas regiões, após séculos de
no interior das dimensões do espaço- incompreensão, de falta de amor e de lutas pelo
tempo. Ele mergulhou na matéria e poder, a poluição é maior que em outras e o
tornou-se um fenômeno terrestre, in- crescimento espiritual segue linhas diferentes.
teiramente submisso às forças da Há progresso ou retrocesso: a estagnação não existe
natureza. na vida dialética. Existe progresso quando surgem
A consciência dos intelectuais culti- novas chances de realização. Há retrocesso quando,
vados e materialistas não parece, após após um certo ponto de desenvolvimento, se recua
muitos séculos, capaz de afastar os porque o passo seguinte parece demasiado difícil.
véus de Maya. Mas, em nossa época, A escolha é de cada um.
uma nova direção lhes é mostrada, um
novo caminho que principia pelo
átomo divino que sobrevive no cora- dos fenômenos, das idéias pré-conce-
ção e que recebe as indicações para bidas e do medo que o retêm prisio-
evitar, ou se desembaraçar, dos obstá- neiro como Narada.
culos que na Índia antiga ainda não É assim, então, que a finalidade de
existiam ou apenas começavam. O toda vida humana é a mesma ontem,
que é divino no coração e provém da hoje e amanhã: o acesso ao campo de
origem espera sua libertação. E sobre vida divino, o retorno à casa do Pai.
esse caminho, o homem moderno re- Mas o ensinamento e o caminho de-
cebe toda a ajuda necessária para rom- vem sempre adaptar-se às mudanças
per o seu estado de cristalização, liber- da consciência, para que reste sempre
tar o princípio divino e se abrir a uma a capacidade de compreender esse
nova vida. Como o eterno está “mor- ensinamento e de seguir o caminho.
to” no corruptível, o corruptível deve
agora morrer no eterno. Aquele que
desejar perder o seu eu encontrará o
seu “Ser divino”. Neste processo de Fontes:
morte e de renascimento, o ser funda- Bhagavadgita, Upanishads, ensinamentos de
mental do homem imortal se liberta Buda e de Shankara.
31
A senda óctupla do cristianismo*
32
Buda e o caminho do Nirvana
34
a terra, Agni e Vayu, sol e lua, o não divino e mortal, e como ele pode
relâmpago e as estrelas; o que está se libertar. A vida de Buda testemu-
aqui (dos homens) e o que não está; nha a possibilidade de percorrer o ca-
isso tudo está contido ali... Esse é o minho da libertação. Ele abriu este
verdadeiro estado de Brahma. Nele caminho a todos os pesquisadores sé-
estão contidos todos os desejos. Esse é o rios que desejarem segui-lo.
Ser. Ele rejeitou todo o mal; está livre
da velhice, da morte, da aflição, da Vitória sobre a mente
fome e da sede; ele deixou atrás de si
seus desejos e suas exigências.1 Meu amigo, quando não nascemos,
Mas onde está a ponte que leva à ci- não envelhecemos, nem morremos, Ressurreição
dade de Brahma? O ser é a ponte que não abandonamos uma existência an- do Buda,
separa os mundos para que eles não terior e não nos preparamos para uma personificação
da sabedoria.
desmoronem. Noite e dia, velhice, nova existência, podemos, quando pa-
Entalhe em
morte, desgosto, boas e más ações não ramos de vaguear, reconhecer, perceber madeira. China,
atravessam a ponte.2 e alcançar a cessação do mundo onde em Twelve World
Os Upanishads descrevem como o isso tudo vigora. Assim eu falei. Digo- Teachers, Manly
homem é prisioneiro de seu estado te também, amigo, que não se pode P. Hall.
35
conseguir a extinção do sofrimento
sem atingir a cessação do mundo.3
Estas palavras de Buda encontram-
se mais ou menos sob a mesma forma,
nos Upanishads. Para alcançar a ces-
sação do mundo, o pesquisador deve
chegar aos limites de seu pensamento,
o que o leva, em um primeiro mo-
mento, a uma salutar desordem, e
quando ele já não se agarrar mais à
rigidez dos conceitos, poderá então
chegar à realização interior.
Um dia, Buda encontrou o asceta
errante Vaccha e eles tiveram o se-
guinte diálogo:
– Um monge que liberta sua alma
renasce, venerável Gautama?
– Neste caso, não tem cabimento
em se falar de “renascer”, Vaccha.
– Então, ele não renasce, Mestre
Gautama?
– Nem tem cabimento em se falar
de “não renascer”, Vaccha.
– Ele, então, renasce e ao mesmo
tempo não renasce, mestre?
– Não tem cabimento também em
se falar de “renascer e, ao mesmo
tempo, não renascer”, Vaccha.
– Então, ele nem renasce nem não
renasce, Mestre Gautama?
– Não tem cabimento em se falar
de “nem renascer nem não renascer”,
Vaccha.
– Eis que atingi os limites de
minha compreensão, venerável Gau-
tama; a partir daí tudo se torna con-
fuso.
– Chegaste agora às fronteiras de
tua compreensão, Vaccha e estás con-
fuso. Profundo, Vaccha, é este ensina-
mento, difícil de perscrutar, difícil
de entender, pleno de quietude, mag-
nífico, inabarcável pela simples refle-
xão, digno, perceptível apenas pelos
sábios... 4
Buda chamou a atenção dos pes-
quisadores de sua época para a neces-
36
sidade de se concentrarem inteira- Buda, ele mesmo, atingiu a ilumi- Buda do período
mente sobre o caminho óctuplo que nação após um período de quatro in- Grupta, a Idade
leva ao Nirvana. troversões. Mas ele não deixou o de Ouro da
Índia. Escultura
mundo e não entrou no Nirvana. Para
em arenito,
O Nirvana começa onde servir à humanidade pelo restante de Indian Museum.
finda o mundo seus dias, erigiu um edifício tríplice: Calcutá, Índia.
• O Buda, que é o caminho concreto;
Nirvana é um conceito estritamen- • A corrente de força, que é o ensi-
te búdico e significa expirar, exalar, namento;
extinguir. Ele começa quando o mun- • A indicação do caminho para os
do termina. Pode-se entendê-lo como seus discípulos.
um «novo mundo», um outro estado, Quando o número de seus discípu-
o Ser do outro lado da ponte. Nirvana los chegou a quinhentos, Buda disse:
é o estado no qual o perecível, o ter- Agora, monges, podeis compreender
restre, é totalmente reduzido ao silên- corretamente tudo o que eu reconheci
cio e o Ser eterno se manifesta a uma e vos ensinei, agir de acordo e espalhar
consciência renovada. Esse estado é essa realização de modo que a santa
atingido através de uma concentração conduta se prolongue por muito
ininterrupta na flor de lótus do cora- tempo: para o bem-estar de muitos, a
ção. Renunciando ao mundo, a verda- felicidade de muitos, a compaixão do
de se revela. mundo, até à excelência, a serenidade,
O caminho de Buda não é um ca- a felicidade dos deuses e dos homens...
minho de ascese, nem uma vida de lu- Bem, discípulos, eu vos digo: todas
xo e de facilidades: as formas são submetidas à imperma-
A Perfeição abre o caminho que nência. Não abrandeis vossos esforços.
passa pelo Meio, que refina a percep- Em pouco tempo será atingido o
ção e dá a compreensão, que conduz à Sublime Nirvana. Em três meses, será
liberdade, ao conhecimento, à ilumi- a entrada no Sublime Nirvana.7
nação, ao Nirvana. Tal é a nobre óctu- E quando chegou o momento, Bu-
pla senda que se intitula: reta com- da absorveu-se na meditação. Depois,
preensão, reto propósito, reta palavra, elevou-se e entrou no Nirvana.
reta conduta, reta alimentação, reto
esforço, reto autodomínio, e reta con-
templação.
O caminho de Buda, que leva ao
Nirvana, não é uma nova descoberta,
mas uma orientação concreta para o Fontes:
homem daquele tempo. O caminho 1 HILDEBRAND, A., Upanishaden, Munique:
jamais se altera, mas as condições são Hugendubel (Diederichs), 2001, p.122.
adaptadas a cada época para permitir 2 Idem., p.125.
3 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
aos homens dos tempos vindouros,
Freiburg: Herder Verlag, 2002, p.171.
que chegam a uma nova fase, atingir a
4 Idem, p.296.
meta fixada. Nos Upanishads é dito: 5 Idem, p.95.
Esta é uma senda antiga, reta e segura ...6 6 Hildebrand, A., Upanishaden, Munique:
Este caminho é indicado e demarcado Hugendubel (Diederichs), 2001, p.85
ininterruptamente, para que os ho- 7 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
mens o reconheçam e percorram. Freiburg: Herder Verlag, 2002, p.147.
37
As quatro nobres verdades
38
ligado a algo ou a alguém, sem o dese- o Sublime explicou a origem (dos seres
jar, é sofrimento, estar separado de algo do mundo) mediante a causa que pre-
ou alguém, sem o desejar, é sofrimento; cede e segue essa criação: da ignorância
desejar algo que não se pode ter é sofri- nasceram as formas, das formas nasceu
mento. Enfim, as cinco categorias de a consciência, da consciência nasceram
coisas de que se deseja apropriar são mentalidade e materialidade, e delas
sofrimento.3,4 nasceram os cinco sentidos: visão, pala-
Prisioneiro do mundo dos sentidos, dar, audição, olfato, tato e o sentir com
o homem agarra-se a tudo que gera o a consciência, que é o sexto sentido.
sofrimento e pode-se dizer: ele mesmo Sobre a base dos seis sentidos, o conta-
é a causa. to torna-se possível; e através do con-
tato, o sentimento; o sentimento cria os
A nobre verdade da origem desejos; os desejos engendram o apego;
do sofrimento do apego surge a geração; a geração
engendra o nascimento, a velhice e a
Buda não colocou a questão da morte, a dor, as lamentações, a tristeza,
culpa. Para ele, o sofrimento decorre o desgosto, o desespero. Este é o estado
das leis deste mundo de aparências. do mundo do sofrimento.
Um texto intitulado O primeiro acon- Pode-se escapar à fatalidade do so-
tecimento após ter atingido o estado de frimento? Buda seguiu, ele mesmo, o Pedras gravadas.
Buda explica 5,6: processo de libertação do sofrimento, Palácio de Konarak.
Durante a primeira vigília noturna, libertando-se da roda dos nascimentos Foto Pentagrama.
39
É possível, portanto, fazer cessar o
sofrimento. Buda utiliza como ponto
de partida a ignorância. Seus conse-
lhos dirigem-se ao homem que se sen-
te dividido, ao homem que realizou a
experiência da dualidade. O texto diz
mais adiante:
No momento em que se tornou cons-
ciente, o Sublime exclamou: «Quando
o plano divino for revelado ao brâma-
ne, àquele que luta com todas as suas
forças para sair do estado de queda,
então toda a dúvida será afastada, e
ele compreenderá a condicionalidade
de todas as coisas».
Foi desse modo que Buda provou a
necessidade de mostrar um caminho
prático ao pesquisador que atingiu os
limites das possibilidades terrestres,
Palácio de verão e das mortes. Para ele, isto é uma ques- para que ele possa ultrapassar esses
de Konarak. tão de discernimento. limites e se libertar dos laços deste
Foto Pentagrama.
mundo.
A nobre verdade do
desaparecimento do sofrimento A nobre verdade do caminho
que conduz ao desaparecimento
Prossigamos com o texto acima: do sofrimento
Se a ignorância desaparece graças à
erradicação dos desejos, se a forma ces- O caminho apontado por um ho-
sa de existir e, graças ao desapareci- mem liberto a um outro que procura
mento da forma, a consciência não se libertar sempre remete às possibili-
mais existe, o sutil e o grosseiro tam- dades que ele possui, enquanto entida-
bém cessarão de existir graças ao desa- de ligada ao tempo. Essas possibilida-
parecimento da consciência e, na or- des com certeza estão presentes nele,
dem de sucessão terrestre, haverá o de- mas dependem de suas hesitações e de
saparecimento dos nascimentos, da ve- sua aspiração. E também das interfe-
lhice e da morte, da tristeza e das la- rências da personalidade com o seu
mentações, do sofrimento, do desgosto condicionamento cultural nos limites
e do desespero. Eis como se pode colo- do espaço e do tempo.
car um fim ao mundo do sofrimento. Buda apresentou a seus contempo-
Graças ao desaparecimento da igno- râneos um caminho óctuplo, que
rância, a forma resultante da vontade ocupa um lugar central entre o prazer
cessa; pelo desaparecimento da forma sensorial, de um lado, e a ascese, de
resultante da vontade, a consciência outro, o qual era, naquela época, o
cessa, e assim por diante. Logo, toda a único caminho de libertação conheci-
cadeia do sofrimento é interrompida. do na Índia.
Esta é a nobre verdade do desapareci- Existem, caros discípulos, dois cami-
mento do sofrimento. nhos que o buscador do Espírito evita-
40
rá: o caminho da satisfação dos senti- diz que aquilo que há de mais eleva-
dos e do prazer, que é um caminho do, Deus, está além da nossa imagina-
inferior, repugnante, falso comparado ção, que Ele é incognoscível e que
ao que é nobre, e inútil, pois ele não Dele não podemos fazer uma ima-
conduz à vida santa, ao devotamento, gem. Buda não fala Dele justamente
ao discernimento, ao despertar, ao para evitar toda especulação entre
Nirvana; e o caminho da mortifica- seus alunos. Para o homem que não
ção, que é doloroso, inútil, e só traz despertou (não iluminado), o Nirvana
sofrimento nesta vida, assim como no é o «nada», quando é, na realidade, o
além. O Tathâgata fala do Caminho caminho que liberta do sofrimento,
do Meio para evitar esses dois cami- do carma ligado ao nascimento e à
nhos. O Caminho do Meio é a reta morte, e que representa «tudo» para o
compreensão, o reto propósito, a reta homem desperto. Da mesma forma
palavra, a reta conduta, a reta alimen- Cristo colocou diante de seus discí-
tação, o reto esforço, a reta atenção e a pulos a visão do reino dos céus, do lar
reta contemplação. 7 de seu Pai, onde ele lhes prepara um
Ó Monges, esses dois caminhos in- lugar. Isto deu lugar a inúmeras espe-
feriores não devem ser trilhados por culações localizadas no além e suas
um eremita, por alguém que renun- alegrias terrenas.
ciou à vida em família. Quais são eles? A meta última é não mais dar im-
O prazer dos sentidos e a mortifica- portância ao mundo dos sentidos,
ção, ambos inúteis. O Caminho do após uma vida rica em experiências. É
Meio, que nos mostra o Tathâgata, o ser liberto do ciclo de nascimentos no
Perfeito, porque ele evitou os dois mundo dos opostos, do vai e vem
caminhos inferiores, abre os olhos, constante entre o sofrimento e a ale-
traz o conhecimento e conduz à gria. Então já não se poderá formar
calma, à realização, à iluminação, ao imagens sobre aquilo que ultrapassa o
Nirvana. Este é o nobre Caminho do entendimento da personalidade hu-
Meio. 6 mana.
As quatro verdades são alicerçadas
pela experiência do sofrimento causa-
Fontes:
do pelo egoísmo e pelo egocentrismo,
1 ZIMMER, H., Philosophie und Religion
pelo nascimento natural e seus laços
Indiens, Frankfurt: Suhrkamp Verlag, TB
cármicos. Esses quatro alicerces são Wissenschaft 26, 1973.
universais e foram comprovados por 2 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
todos os grandes instrutores da Freiburg i.B.: Herder Verlag, 2000.
humanidade. 3 Idem.
4 SCHUMANN, H.W., Boeddhisme, stichter,
O Nirvana é a meta do caminho scholen en systemen, Nieuwerkerk a/d Ijssel:
Asoka, 1997.
5 OLDENBERG, H., Die Reden des Buddha,
O caminho da vitória tem, em toda
Freiburg i.B.: Herder Verlag, 2000.
parte, a mesma meta. Para o Buda, a
6 PIYADASSI, T., Het aloude pad van de
entrada no Nirvana é a meta. Em ge- Boeddha, Boeddhayana Uitgeverij,’s-
ral, compreende-se por Nirvana o Gravenhage, 1989.
“nada”, o que fez alguns considera- 7 HERMANN, B., Buddha und seine Lehre,
rem Buda, erroneamente, como um Stuttgart: Verlag Freies Geistesleben, 1980.
ateu.8 Mas também no cristianismo se 8 Idem.
41
A jóia do discernimento
42
a conseqüência de um estado de vida
A ação libertadora
interior. Quem atinge esse estado só
Quando o coração permanece em seu estado comum pode agir com justiça. Para se conse-
de natural impureza – e isso ocorre quando estamos guir isso, deve-se tomar consciência,
sintonizados com todo o nosso ser em relação à natureza inúmeras vezes, de seus próprios limi-
da morte – não podemos escutar e compreender bem. tes. Deve-se passar por várias expe-
Pois o ser da natureza da morte é sempre caótico! riências, ter percorrido toda a gama de
Assim, sempre irrompem, no sistema cabeça-coração do prazeres e de sofrimentos, antes que o
homem natural, tensões crescentes, as quais o conduzem eu esteja pronto a se sacrificar por uma
a ações incorretas.[...] Quando tornardes puro e silencio-
realização que ele mesmo não pode
so o vosso coração, também tornareis a cabeça livre
efetuar: o momento em que a vontade
para as funções para as quais ela está destinada. Então
os órgãos sensoriais funcionarão de modo totalmente
divina pode se realizar, sem que o eu,
diferente. E só então podereis escutar! em seu medo existencial, se constitua
um obstáculo; o momento em que a
(A ARQUIGNOSIS EGÍPCIA 3 , vol. I) Criação é revelada àquele que aspira
ardentemente à luz libertadora. O dis-
cernimento justo nos permite perceber
tura do eu, qualquer que seja o seu a natureza verdadeira da extremida-
refinamento. de de uma corda, e nos libertar da an-
Shankara, ao falar da ação liberta- gústia torturante que nos aprisionava
dora diz: A ação justa auxilia a purifi- quando acreditávamos, erroneamen-
cação do coração, porém não leva ao te, que se tratava de uma serpente.
conhecimento direto da realidade.
Este se adquire apenas pelo discerni-
mento e não pelos atos, mesmo que em Aparência e realidade
número de milhões. 1 Parai e tornai-vos sóbrios! Vede de
Sem compreensão, todos os esfor- novo pelos olhos do coração! E se
ços de libertação permanecem apenas todos vós não podeis fazê-lo, pelo
uma camisa-de-força, sendo impossí- menos os que estão em condições para
vel atingir a indispensável mudança tanto que o façam, pois o mal da
fundamental. Portanto, a ação justa ignorância submerge toda a Terra,
também não é uma ação refinada, mas leva a alma que está aprisionada no
corpo à ruína e a impede de entrar no
porto da salvação.
O Cessar da Ignorância
(A ARQUIGNOSIS EGÍPCIA 4 , vol. II)
Mas enquanto seguis o caminho, a
senda transfigurística da auto-rendição,
é preciso tornar-vos ignorante Nossa própria realidade é consti-
do conhecimento (da antiga natureza) tuída de impressões que nossos órgãos
e desenvolver a nova consciência, a sensoriais elaboram e transmitem à
consciência da sabedoria. Então os consciência. Toda consciência faz do
sete candelabros se acendem e mundo uma imagem que lhe é parti-
caminhareis entre os sete candelabros cular. Desde a mais remota antigüida-
de ouro e segurareis em vossa mão
de, os mestres da sabedoria ensinaram
direita as sete estrelas dos novos órgãos
que este mundo nada mais é que uma
da inteligência.
ilusão. Trata-se de Maya: um sonho
(A Gnosis chinesa 5 ) vivo, no qual o homem cria as suas
Experiência vivente no
lugar do saber livresco se destina a nutrir o
eu, mas a liberar
A base para a virtude está presente em Atman, o
vós. Porém existe algo mais. Existe em filho de
vós, a vossa disposição, um conhecimen- Deus. A
to. Compreendei-o bem! Não estamos posse da
falando de conhecimentos adquiridos jóia que é
na escola, dos quais necessitais para na- Atman conduz
vegar nas correntes das forças contrárias.
a Brahman, ao
Temos em vista o único e verdadeiro
insight divino.
conhecimento vital, o Ensinamento da
Vida, o Ensinamento Universal, oculto
O estudo das
no átomo original e revelado pela escrituras é estéril
Gnosis, como estímulo para vos abrir o enquanto Brahman não
caminho do verdadeiro conhecimento. tiver sido experimentado.
Ora, a propensão para a virtude, a vir- A experiência de Brahman
tude que consiste em ser bom, em fazer torna supérflua a leitura dos
o bem, associada a esse conhecimento textos sagrados.
pode vos libertar e vos libertará. A leitura das escrituras sagradas tais A concha de
(A GNOSIS CHINESA 5 )
como os Vedas ou a Bíblia, não traz Vishnu simboliza
o primeiro som da
qualquer espécie de libertação.
criação. Séc.XVI.
Porque enquanto a força divina não
próprias angústias, contrariedades e se torna ativa no homem, pois o eu se
carências. Essa apreensão subjetiva da opõe a isso, é impossível sondar a
realidade conforta o eu em sua própria profunda sabedoria dos livros santos.
glorificação, no mundo de Maya. O Aquele que pode, enfim, compreen-
eu criou para si um pequeno mundo der, por pouco que seja, já se encontra
confortável de objetivos e desejos, religado à força libertadora e está em
aliás, continuamente ameaçado. Shan- curso de mutação sobre a via que leva
kara explica que se trata exclusiva- à descoberta do Supremo. Falando do
mente de trazer à luz do dia o jogo da guia interior, Shankara diz: O desejo
vontade e das representações, a fim de de libertação é a vontade de se des-
reencontrar a unidade e a realidade vencilhar das cadeias forjadas pela
divinas. ignorância, graças a uma compreensão
A propósito da ignorância, Shanka- interior radical 1.
ra diz: O homem, mordido pela ser-
pente da ignorância não pode ser cura-
do enquanto não tiver experimentado O guia interior
Brahman. Os Vedas e outras literatu-
ras são, nestas circunstâncias, comple- Os antigos sábios diziam que orar e jejuar significava
tamente inúteis, bem como o emprego orientar toda a vida para o Outro Reino, para a verda-
de magia e ervas. deira Pátria, libertar o Reino em si e, assim harmoniza-
Não se trata, para Shankara, da do, estabelecer a unidade com as manifestações da von-
tade. Nesse estado de ser, não ouvireis mais com os
aquisição de um saber livresco, mas de
ouvidos o tumulto das forças contrárias, mas abrireis
um conhecimento interior cujas fon-
totalmente vossa compreensão, vossa razão, todo o
tes são a fé e a experiência. A mesma santuário da cabeça, à efusão do Espírito sétuplo.
imagem está presente nos gnósticos:
voltar-se para a força divina, que não (A GNOSIS CHINESA 5 )
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Soltar as amarras encontrar a salvação, sem todavia,
abandonar os pequenos hábitos. Eis o
Sabeis que cada homem nascido da natureza que diz Shankara: Todos aqueles que
deixa vestígios no eu aural, como resultado de seu
desejam chegar a Atman, satisfazendo
ímpio curso de vida. Esses vestígios, esse carma, se
a avidez do corpo, são como aqueles
acumulam. Cada nascido da natureza que trilha
a grandiosa senda de libertação coloca-se, também, que tentam atravessar um rio sobre o
infelizmente, diante de uma dupla tarefa, pois, antes dorso de um crocodilo, acreditando
que ele possa trilhar a senda da transfiguração, deve tratar-se do ramo de uma árvore. 1
primeiro dissolver esse carma, esse eu cármico. Shankara compara o aspecto cor-
poral a um crocodilo. O corpo é um
(A ARQUIGNOSIS EGÍPCIA 6 , vol III) fruto do tempo e aprisiona o homem
a Maya. Aquele que, na via espiritual,
cede a seus apetites corporais enquan-
O desejo de salvação conduz o pes- to procura se libertar da roda dos re-
quisador, através de uma série de nascimentos, jamais aportará nas mar-
experiências inteiramente novas, aos gens da salvação, porém será devora-
limites de sua existência terrestre, até do pelo crocodilo. Ele é vítima dos seus
que ele alcance a compreensão. Há, desejos físicos.
no entanto, uma condição: aceitar es-
sas experiências e essa compreensão, A união de Atman e Brahman
pois o eu é de tal forma conservador,
que ele não cessa de obstruir o cami- O primeiro passo na via da liberta-
nho da renovação. Angústia e inquie- ção consiste em desligar-se de tudo
tude o impedem de levantar as ânco- aquilo que não pertence à eternidade.
ras que o prendem ao mundo das apa- Segue-se a aprendizagem da equani-
rências e de se confiar a Atman, o guia midade, do autodomínio e da paciên-
interior. cia. Depois, vem o abandono de todos
Shankara mostra que os candidatos os comportamentos instigados pelos
de bom grado se confiam, para o seu desejos pessoais e egoístas.
progresso, aos conselhos e opiniões
de pessoas que constituem autorida-
des em vez de depositar sua confiança
Os perigos relativos
na força neles oculta, que espera para ao corpo
ser libertada. Assim, preferem conti-
nuar sempre iguais a eles mesmos e O homem sábio se abstém de toda
sobretudo nada mudar que corresse o atividade supérflua, aqui, na nature-
risco de incomodar sua vida confortá- za da morte, não lhe fazendo a míni-
vel. E, no entanto, uma mudança radi- ma concessão; não cometerá excessos
cal se impõe, por menor que seja: o que o liguem a esta natureza e dissi-
pará completamente a beleza ilusória
desejo de obedecer ao guia interior.
deste vale de lágrimas [...] pois não se
As pessoas, em sua maioria, veneram
pode servir simultaneamente a Deus
Selos da dignidade passivamente a imagem que fazem de e ao ser astral. É por isto que o
real dos 24
um mestre ou de um personagem his- Evangelho de Jesus Cristo é somente
predecessores do
Buda. Pintura,
tórico sobre o qual projetam o seu para os fortes, para aqueles que são
Ananda sofrimento. interiormente fortes.
Okkyaung, Pagan, Freqüentemente desejamos tirar
Burma. vantagem das duas possibilidades: (A GNOSIS CHINESA 5 )
46
A união de Atman e
Brahman
Ponde nisto toda vossa diligência,
acrescentando: à vossa fé a virtude,
à virtude o conhecimento, ao conheci-
mento o autodomínio, ao autodomínio
a perseverança, à perseverança a
devoção, à devoção o amor fraternal,
ao amor fraternal o Amor. Estas são
as condições do caminho sétuplo.