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PALAVRA FIEL

EO
I

MINHADA COM OS APOSTOLOS

Amos Yong
- QUEM É O ^
. 1
U m a c a m in h a d a c o m os apóstolos

Onde e como o Espírito Santo está


atuando em nosso mundo?

O Espírito Santo é invocado na Escri­


tura, sermões e estudos bíblicos, mas
nós realmente sabemos como reco­
nhecer a presença e atividade do Espí­
rito no mundo? O que significa dizer
que o Espírito Santo está operando em
nosso meio? Como e onde lemos os
¥ sinais do poder do Espírito Santo em
nossas vidas e no mundo? Um dos pro­
fessores de Novo Testamento mais di-j
nâmicos dos EUA, Amos Yong oferece
este olhar incisivo no que os apóstolos
têm a dizer.
\
Iniciando com Lucas, o escritor do
evangelho mais iluminador sobre o as­
sunto, Yong oferece uma série de medi­
PALAVRA FIEL
tações sobre Lucas e Atos para mostrar
como os ventos do Espírito sopraram Agência Brasileira do ISBN
ISBN 978-85-85187-01-9
nas vidas de Jesus, seus discípulos, e os
primeiros cristãos, de maneira que
possamos ver e participar da obra do
Espírito Santo. 7 8 8 5 8 5 18 7 0 1 9
f
E n dosso p a ra Quem é o Espírito Santo?

“Amos Yong escreveu uma meditação maravilhosa so-


bre 0 Espírito Santo que explora quem é o Espírito de Deus,
assim como o modo pelo qual a obra do Espírito permeia cada
elemento da existência humana. Plenamente proficiente nas
abordagens hodiemas sobre a interpretação bíblica, Yong faci­
lita um diálogo iluminador entre o Evangelho de Lucas e Atos,
para construir um espaço sagrado no qum o leitor possa crescer
em entendimento sobre a importância prática do Espírito San­
to na formação de discípulos de Cristo para o mundo de hoje.
Este livro deveria ser utilizado na igreja local ou em aulas da
faculdade, para iniciar os cristãos em uma apreciação mais
rica da presença empoderadora da Terceira Pessoa da Santa
Triticiciuc
— Dr. R obert W. Wall, Professor de Bíblia e Estu­
dos Wesleyanos, Seattle Pacific University

“Quem é o Espírito Santo?, de Amos Yong, oferece


uma perspectiva original sobre Lucas-Atos. Embora alguns an­
tes dele tenham lido a história de Jesus em Lucas juntamente às
histórias das missões de Atos, Yong oferece novos entendimen­
tos. Ao fazer novas perguntas traaicionalmente negligenciadas
em abordagens de Lucas-Atos, ele nos fornece novas perspecti­
vas. Como um erudito bíblico, eu considero estes entendimen­
tos desafiadores e úteis”.
— C raig S. Keener, Professor de Novo Testamen­
to, Palmer Tbeological Sem inary

“Eu fortemente recomendo esta obra sobre o Espírito


Santo a pessoas e comunidades buscando ser transformadas
de forma que possam fazer a obra do Espírito Santo quando
e onde o Espírito quiser realizar. Embasada em Atos e Lucas
para iluminar nossas próprias vidas, a obra fornece um rico
recurso para entendermos como podemos discernir e participar
na obra do Espírito Santo em nosso mundo hoje”.
— Lois M alcolm , Professor A ssociado de Teologia
Sistem ática, Luther Seminary, e R eview Editor da Jour-
nal o f the Society o f C hristian Ethics

“Qual é a relevância do Espirito Santo no mundo


atual? Muito relevante, conforme Amos Yong deixa claro em
Quem é o Espírito Santo?. Em uma abordagem que e tanto
de leitura agradável quanto bem pesquisada, Dr. Yong trapa a
obra do Espirito Santo em Lucas-Atos através de suas inúme­
ras implicações contemporâneas. Uma obra que todo cristão
deve ler!”.
— Janice M cGrane, SSJ, autora de Saints to Lean
On: Spiritual Com panions for Illness & D isability

“O teélogp pentecostal Amos Yong nos brinda com uma


obra extraordinária, simples mas profunda, bíblica mas livre
de dogmas engessados, demonstrando que o mover do Espirito
Santo no mundo continua tão atual quanto o foi nos tempos de
Jesus, nos fazendo compreender que Ele não atua somente nos
indivíduos cristãos ou no ambiente eclesiástico, mas também
de uma forma abrangente em todas as áreas e esferas sociais,
econômicas, culturais e religiosas trazendo a compreensão e a
realidade do Reino de Deus entre os homens, tal como Jesus o
inaugurou, virando o mundo de cabeça para baixo, trazendo
perdão, libertação, transformação e cura em estruturas petri­
ficadas e enraizadas pelo pecado e cativas do Diabo. O autor
reconta contextualmente as histórias salvadoras contidas em
Lucas e Atos de modo que somos questionados quanto â nossa
atuação no mundo, supostamente de posse do Espírito Santo, e
quais transformações essa atuação tem feito surgir nesse mun-
io.
— Dr. C laiton Ivan Pommerening, m em bro da
R E L E P e do PPLC, diretor e professor de Teologia na Fa­
culdade Refidim , editor da Âzusa e da R E P A S , escritor
da C PA D .

“ Desde a Patrística, a pessoa e a obra do Espírito


Santo ocuparam o seu lugar específico nos credos, confissões e
declarações de fé. A doutrina do Espírito Santo foi desenvolvi­
da e esteve presente nos grandes tratados teológicos escritos nos
séculos posteriores. O passo seguinte foi uma busca pelo poder
do Espírito outrora vivenciado no período apostólico, e que
apora é novamente experimentado por milhares de cristãos em
todo 0 mundo. Amos Yong, com precisão teologica e sensibili­
dade espiritual, contribui significativamente com esse processo
histórico, nos dando a possibilidade de não apenas continu­
armos crescendo na reflexão sobre o Espírito, mas, acima de
tudo, de continuarmos vivendo sob a direção e dependência do
Espírito.”
— A ltair Germ ano, pastor, teólogo e escritor.

“A tradu(^ão desta obra de Amos Yong para oportu^ês


é uma grande dadiva, especialmente por se tratar de u m E ri-
Ihante teólogo, que representa a densa e respeitável produção
teológica pentecostal na atualidade. Fazendo uso de novas lei­
turas e perspectivas da pneumatologia lucana, o autor percebe
na expansão missionária da Igreja de Atos uma ação integral
do Espírito Santo, que não atua apenas no nível da interiori-
dade humana, mas também incide de maneira transformadora
sobre a sociedade como um todo. Portanto, a obra é mais do
que recomendável, tanto para estudos em grupos, como leitura
individual, por parte daqueles que amam e desejam conhecer
mais das Escrituras.”
— Ozean Gomes - Professor e pesquisador do
pentecostalismo.

“£ com muita alegria que anunciamos a chegada ao


Brasil da primeira obra traduzida para o português do teólogo
asiático-americano Amos Yong, uma dos maiores autoridades
em teologia pentecostal da atualidade. Yong é diretor do Centro
de Pesçpiisa Missiológica e professor de Teologia e Missão no
Seminário Teológico Fuller, e faz parte de um seleto grupo de
estudiosos carismáticos que tem demonstrado o vigor acadêmi­
co da teologia do Espírito. Tive acesso a este autor ao ler In the
Days ofCaesar, obra na qual desenvolve uma teologia política
na perspectiva pentecostal, percebendo desde então a impor­
tância ao seu pensamento para a fé carismática num nível glo­
bal.
Além da erudição Yong mostra uma grande piedade.
Isso fica patente neste livro Quem é o Espírito Santo, no qual
demonstra como o Espírito de Deus operou nos tempos do Novo
Testamento, e pode operar ainda hoje, nos diferentes aspectos
da vida humana.”
- Valm ir N ascim ento M ilom em Santos, Teólogo e
jurista, M estre em Teologia, escritor.

“Amos Yong é um teólogo pentecostal reconhecido nos


Estados Unidos e em outras regiões por sua contribuição aos
estudos acadêmicos de teologia. E uma alegria ver a recepção
da sua produção em língua portuguesa. Nesta obra em parti­
cular, Quem é o Espírito Santo?, Yong se aventura no campo
da interpretação bíblica, e mostra seu grande valor ao colocar
sua formação acadêmica e técnica a serviço das comunidades
d e f e e a um público mais amplo. Atualizando as melhores con­
tribuições nos estudos de Lucas-Atos, Yong proporciona uma
leitura arejada e instigante da obra lucana. Livro recomenda-
díssimo, não só para os pentecostais, mas para todos que procu­
ram conhecer mais sobre a obra do Espírito Santo na Bíblia. ”
— D avid M esquiati de O liveira, Professor de Te­
ologia e Ciências das Keligiões, Faculdade U nida de V i­
tória (U N ID A ), e, coordenador da R E L E P Brasil (Rede
Latino-am ericana de Estudos Pentecostais).

“Com maestria. Amos Yong aborda a temática sobre


0 Espírito Santo de uma maneira nova, especialmente ligando
Lucas e Atos, dando uma nova interpretação ao real trabalho
que 0 Espírito faz. A obra constitui-se de grande relevância,
porque quem a escreve não é apenas um teólogo teórico, mas
alguém que teve experiências gloriosas com o Espírito Santo,
pois não é proveitoso escrever sobre algo que não se tem co­
nhecimento próprio. Amos Ibn^ vai nos ajudar nesta obra a
entender que o trabalho do Espirito Santo está além dos muros
da igreja, da nossa individualidade, e que Seu trabalho não
é apenas nos transmitir gozo inefável, experiências extáticas,
mais que isso, Ele busca caminhar conosco, apoderar e capaci-
tar-nos para testemunhar com autoridade, mas que Ele atua
no mundo em diversos setores: sociedade, nas estruturas políti­
cas, na verdade.
A linha de pensamento de Yong ultrapassa as páginas
de obras de teólogos tradicionais, cuja abordagem esta ligada
apenas ao contexto cristão e atuando na conversão do pecador.
pois seus argumentos são revistos em uma nova perspectiva
alicerçada em uma reinterpretação neotestamentária. U leitor
se sentirá impulsionado e maravilhado diante de cada página
deste livro, as quais relevam por meio de Lucas e Atos, na acep­
ção teológica ae Amos, o paradigma correto para ser sermos
conduzidos ao zénite da vida espiritual verdadeira, espalhando
os ideais do vindouro reino messiânico, isto é, implementando
as políticas do reino de Cristo.”
— Osiel Gom es é pastor, form ado em teologia,
filosofia, direito, pedagogia e psicanálise. Mestre em teo­
logia e com entarista de lições oíblicas da CPA D .
QUEM É O

ESPIRITO
San to ?
UMA CAM INHADA CO M OS APÓSTOLOS

AM O S YO N G

PALAVRA FIEL
© 2019 Editora Palavra Fiel.
Todos os direitos reservados.
E-mail: editorapaIavrafiel@gmail.com
Quem é o Espirito Santo? Uma Caminhada com os Apóstolos
Copyright © 2011 by Amos Yong
Título Original: Who Is the Holy Spirit? A Walk with theApostles
Originalmente publicado pela Paraclete Press. Brewster, Massachusets.
Editor; Valmir Nascimento Milomem Santos
Tradutor: Wellington Carvalho Mariano
Revisão: Emily Gonçalves de Medeiros e Glória Hefzibá
Capa: Peterson Ferreira Sales Pedrozo
Diagramação: Glória Hefzibá
Conselho Editorial:
Valdeci do Carmo
Valmir Nascimento Milomem Santos
Wellington Carvalho Mariano
r Edição
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação)
ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora
Palavra Fiel.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Y 55q Yong, Amos.
Quem é o Espirito Santo: uma caminhada com os apóstolos/ Amos Yong -
Cuiabá: Palavra Fiel, 2019.
203p.
ISBN: 978-85-85-85187-01-9
1. Teologia. 2. Espirito Santo 3. Poder do Espirito Santo. 4. Missão de Jesus.
5. Pentecoste. 6. Meditação. 7 .1. Título.
CDU: 231.2
Prefácio à edição brasileira

A obra Global Wesleyan Dictionary ofTheology (2013, pp


39 ^ ' 397 ^ traz um
extenso verbete sobre a Teologia Pentecos-
tal. Começando eom as raízes wesleyana do pentecostalismo,
o texto forneee uma visão panorâmiea desse movimento nos
anos subsequentes a sua gênese pondo em destaque o que eha-
ma “revolução teológica” ocorrida em seu interior. De acordo
com essa perspectiva a teologia pentecostal deve ser vista em
seu aspecto global. Para o escritor Henry H. Knight III (PhD),
que assina o verbete, essa revolução teológica tem início nos
anos 50 quando Steve J. Land pôs a espiritualidade pentecos­
tal, herança da piedade wesleyana, como um dos seus funda­
mentos. Land destaca as afeições santas, que integram a vida
dos crentes e passam a governar suas vidas e paixão pelo reino
de Deus como símbolo dessa mudança. Ainda de acordo com
Knight III o pensamento de Amos Yong, conforme exposto
em seu livro “Pourcd Out on All Flesh” (2005) faz parte dessa
revolução teológica pentecostal. Ele destaca que já nessa obra
Yong “propõe uma teologia cristã mundial baseada em uma
hermenêutica lucana, com um foco em experimentar de novo
o poder do Espírito. Esta teologia tem Jesus Cristo como cen­
tro temático, e a pneumatologia como motivo de orientação”
(2013, p.398).
Nesse novo livro Quem e O Espírito Santo?, Amos Yong
de uma forma ampla e sistemática aborda o lado missional
da pneumatologia pentecostal tomando como parâmetro os
textos canônicos Lucas-Atos. Convém destacar que o autor,
fiel a sua tradição pentecostal na qual foi ensinado a viver a
experiência apostólica, não escreve como um observador que
se posiciona fora do texto. Não, pelo contrário, Yong dialoga
com o texto porque o vivência e absorve o seu sentido. Isso faz
com que a sua pneumatologia não fique presa a “carismatis-
mos” que não levam a lugar algum. Merece destaque quando
afirma: “Acredito que o Espírito está operando não apenas
no nível do indivíduo, mas também no nível da sociedade e
de suas várias estruturas políticas e econômicas; não apenas
como o nível espiritual do outro mundo, mas também no ní­
vel deste mundo material e nos domínios concretos de nos­
sas vidas; não apenas em realidades institucionais, culturais e
mesmo religiosas mais amplas, mas através delas”. Dessa for­
ma, a teologia carismática de Yong destaca a ação do Espírito
quando trata com indivíduos, isto é, quando Ele trata com
pessoas, mas numa dimensão maior, quando Ele trata com
comunidades. A sua pneumatologia, portanto, é global como
global é a sua visão do Reino.
E por essa e muitas outras razões que o pensamento
de Amos Yong tem feito escola. Sua voz tem se feito ouvir não
apenas na academia ou dentro do arraial pentecostal, mas so­
bretudo na cristandade mundial. Sua obra, portanto, será um
diferencial no pensamento teológico evangélico brasileiro e
sem sombras de dúvidas uma referência para aqueles que que­
rem conhecer de uma forma mais profunda a terceira pessoa
da Trindade Santa.

José Gonçalves, pastor, articulista e escritor de Lições Bíbli­


cas da CPAD. Professor de grego e hebraico bíblico. Bacharel
em Teologia pelo Seminário Batista de Teresina, graduado em
Filosofia pela Universidade Federal do Piauí, pós-graduado
em Interpretação Bíblica pela Faculdade Batista do Paraná e
mestrando nessa mesma instituição.
p ara A ly ssa ,

com to d o o m eu am or.
SUMARIO

PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA u

INTRODUÇÃO

Qual é a Amplitude do Mundo e da Obra do

Espírito Santo? 15

Parte UM O Derramar do Espírito Santo

1 Os Atos do Espírito Santo e o Reino de Deus 26

2 A Promessa da Restauração do Reino de Israel e a Vinda do


Espírito! 30

3 Pentecoste — o Espírito Derramado sobre Toda Carne! 35

Parte DOIS O Poder do Espírito em Jerusalém

4 A Nova Economia da Salvação do Espírito 40

5 Arrependimento como/e o Dom do Espírito Santo 44

6 Comunhão no Espírito 4Ô

7 A Missão de Jesus Cristo, o Ungido 52

8 O Espírito Santo e a Política de Cura 56

9 Cura Carismática como Sinal do Reino 61

15
Parte T R Ê S A Economia do Espirito na Judeia

10 Economia do Espírito 68

11 Ausência de Hierarquias de “Classe” no Espírito! 72

12 Espírito e Perseguição: A Política de Restauração 76

13 O Espírito e a Paixão de Cristo: Política da Paz 80

14 Multiculturalismo, Globalização e o Espírito 84

15 Pobreza e Posses: a Vida Cheia do Espírito e a Economia


Global 89

Parte Q UATRO Deixando a Judeia? Um Excurso Teológico

16 Um Relato Helenista da História de Israel: A Obra do Es­


pírito e os “Confins da Terra” 94

17 Julgamento sobre Jerusalém: O Espírito e a Redenção de


Israel 98

Parte CIN C O O Espírito Opera em Samaria e nas Estradas da


Antiga Palestina

18 Samaria: O Espírito Encontra a “Alteridade Religiosa” 104

19 O Espírito Encontra o Eunuco Etíope: Redimindo a Defi­


ciência 108

20 O Espírito e a Política da Conversão (de Paulo) 112

21 Conversão e Chamado do Espírito 116

22 A Ressurreição e o Poder do Espírito 120

16
Parte SEIS Os Gentios e o Espírito Santo

23 “Deus Não Mostra Parcialidade!”: Judeus, Gentios e o Es­


pírito 126

24 Trabalho do Reino: Restaurando Israel — Chamando as


Nações! 130

25 “Expulsem o Maligno”!: A Feitiçaria e o(s) Espírito(s) 133

26 Satanás, o Demoníaco e o Império 137

27 A Obra Universal do Espírito 141

. 28 Parábolas da Obra do Espírito no Mundo 145

Parte SETE O Espírito Santo Vira 0 Mundo de Cabeça para Baixo

29 Suas Filhas Profetizarão! 150

30 Jesus, o Protofeminista: A Unção de Mulheres 154

31 Lucro, Poder, Política, Louvor 157

32 Orando pelo Reino — Em Meio ao Império 160

33 O Espírito Vira o Mundo de Cabeça para Baixo 163

34 O Espírito e a Nova (des)Ordem Mundial 167

35 O Espírito e a Intersecção do Dinheiro e da Religião 170

Parte OITO Em Direção aos Confins da Terra

36 O Espírito como Testemunha da Ressurreição 176

37 A Natureza e o Espírito Cósmico 180

38 O Espírito e a Eucaristia 183

17
35 Bárbaros, Crentes e o Espírito da Hospitalidade 187

EPÍLO GO 191
G U IA DE ESTUDO DO L ÍD E R E PERG U N TA S P A R A
D ISCUSSÕ ES EM PEQUENOS GRUPO S 195
A G R A D EC IM EN T O S 209
B IB L IO G R A F IA SELECIO N A D A 213

18
INTRODUÇÃO

Qual é a Amplitude do Mundo e da Obra do


Espírito Santo?

Eu cresci em um ambiente pentecostal evangélico. O


meu crescimento foi marcado por uma aguçada consciência
da pessoa e da obra do Espírito Santo. Tive uma série de ex­
periências extáticas do Espírito Santo, em acampamentos de
verão, durante meus anos de adolescência, que deixaram uma
profunda impressão em minha vida religiosa. Os dons do Es­
pírito Santo que eram frequentemente manifestos em nossas
igrejas — falar em línguas, palavras de profecia, curas — mol­
daram meu entendimento. Sou grato a Deus por me abençoar
com o pentecostalismo de minha juventude.
Contudo, eu também percebi que, embora essas ex­
periências tenham sido valiosas, elas eram apenas a ponta do
iceberg, por assim dizer, da obra do Espírito Santo no mundo.
Por isto, eu não quero dizer apenas que o Espírito tem tocado
vidas em todo o mundo assim como tocou a minha. Também
me dei conta de que minha própria visão da pessoa e da obra
do Espírito é demasiadamente individualista, demasiadamen­
te espiritualista e demasiadamente eclesiocêntrica. Em minha
criação pietista, por exemplo, a obra do Espírito tinha a ver
comigo: minha salvarão, minha santificação, minha experiên­
cia do poder do Espirito tocando as vidas dos outros em mi­
nha igreja. Não estou negando que todas estas sejam maneiras
importantes, através das quais. Deus encontra as vidas huma­
nas. Contudo, concluí, a partir disto, que o objetivo último da
obra do Espírito era transformar pessoas.
Relacionado a isto, estava o sentido de que a obra do
Espírito Santo foi planejada para me purificar deste mundo e
me preparar espiritualmente para a vida por vir. A vida nes­
te mundo era importante somente como um lugar de teste e
treinamento, e o Espírito era o auxiliador divino enviado para
nos preparar para a vida eterna. Aqui, eu era um peregrino e,
juntamente com outros peregrinos, éramos o corpo e a igreja
de Jesus Cristo, limpos e empoderados pelo Espírito Santo
19
para testemunhar ao mundo acerca do vindouro governo de
Deus. Então, pensei que a obra do Espírito estivesse basica­
mente restrita à vida cristã e à vida da igreja.
Claro, o Espírito também estava operando “lá” no
mundo, mas somente para convencer os descrentes de seus
pecados e torná-los a Cristo. Aqui, novamente, na fé de minha
infância, o Espírito operava apenas na dimensão espiritual do
indivíduo, focado principalmente, se não somente, na dimen­
são espiritual das vidas individuais, a fim de transformá-los
e salva-los a luz do julgamento futuro de Deus e do mundo.
Não nego, hoje, que o Espírito permanece ativo no mundo de
todas estas maneiras, mas agora acredito que o Espírito está
fazendo no mundo muito além do que aquilo que eu havia
sido treinado a reconhecer. Eu a^ora acredito que o Espírito
está operando não apenas no mvel do indivíduo, mas tam­
bém no nível da sociedade e de suas várias estruturas politicas
e econômicas; não apenas como o nível espiritual do outro
mundo, mas também no nível deste mundo material e nos
domínios concretos de nossas vidas; não apenas em realidades
institucionais, culturais e mesmo religiosas mais amplas, mas
através delas. Em outras palavras, agora penso que o mundo
do Espírito Santo é muito mais amplo do que eu havia imagi­
nado, e que a obra do Espírito é redimir e transformar nosso
mundo como um todo, juntamente com todas as suas partes,
estruturas e sistemas interconectados.
Este livro tenta esboçar tal visão da pessoa e da obra
do Espírito Santo por uma releitura cuidadosa do Novo Tes­
tamento — particularmente, Lucas-Atos. O autor desta obra
em duas partes, conhecido na tradição cristã como Lucas, o
médico, não é apenas o mais prolífico contribuinte do Novo
Testamento, mas também aquele que menciona o Espírito
Santo mais do que qualquer outro. De fato, tanto o tercei­
ro Evangelho quanto o livro de Atos dos Apóstolos são co-
mumente tidos como narrativas acerca das obras do Espírito
Santo.
Atos i:8 diz: “Mas recebereis a virtude do Espírito
Santo, que há de vir sobre vós, e sereis minhas testemunhas,
tanto em Jerusalém como em toda a Judéia, e em Samaria,
e até nos lugares mais distantes da terra”. O “vós” se refere
aos discípulos, que testificarão de Jesus aos confins da terra.
Pause apenas por um momento. Observe comigo que há uma
progressão geográfica acontecendo aqui. Começando a par­
tir de Jerusalém (Atos 1:12-6:7), expandindo para o exterior
dali através da Judéia e de Samaria (6:8-9:31), culminando em
Roma (9:32-28:31) — os “confins da terra”, a partir da pers­
pectiva judaica, centrava em Jerusalém — isto é precisamente
o resumo do livro de Atos. Então, Atos nos conta que todo o
testemunhar apostólico aos confins da terra é capacitado pelo
Espírito Santo.
Nos capítulos a seguir, veremos que a obra do Espí­
rito Santo diz respeito tanto às vidas individuais quanto ao
mundo mais amplo, tanto aos aspectos espirituais quanto aos
aspectos mais mundanos de nossa existência, tanto à igreja
quanto à esfera pública mais ampla. O restante do livro e ne­
cessário para que entendamos isso de maneira plena. Preli­
minarmente, observe que os acontecimentos registrados em
Lucas-Atos acontecem dentro da esfera do Império Romano.
Desta forma, há uma dimensão política inevitável ao texto.
As vezes, isto fica evidente; outras vezes, fica “por detrás do
texto”, ou nas entrelinhas. Proponho que, se lermos Lucas-
-Atos conforme estipulado dentro da matriz e sob a sombra
da Roma imperial, veremos como o operar do Espírito Santo
nas vidas dos primeiros seguidores de Jesus está relacionado à
atividade do Espírito na política deste mundo. Isto também
pode nos auxiliar a conectar a obra do Espírito em nossas vi­
das pessoais com aquela nas políticas nacionais e internacio­
nais hodiernas.
Também existem abundantes passagens por todo
Lucas-Atos que tratam da dimensão social e econômica das
vidas humanas. Estes temas estão interligados à missão mes­
siânica de Jesus de restaurar o reino de Israel. Entretanto, tal
restauração não envolvia nem uma forma revolucionária de
nacionalismo hostil aos gentios (como muitos judeus zelo-
tes do primeiro século ansiavam), nem uma mera realização
espiritual de “Israel” na igreja (conforme teologias super-
sessionistas têm postulado). Em vez disto, a restauração de
Israel envolvia uma renovação e um cumprimento da antiga
promessa a Abraão — de que, através de seus descendentes,
“todas as famílias da terra serão abençoadas” (Atos 3:25; c£
Gn. 12:3) — que, simultaneamente, convidava a participação
de todos os povos da terra no reino messiânico de paz, justiça
e retidão. Creio que os dois livros, Lucas e Atos, também ilu­
minarão o que o Espírito está fazendo em nossas organizações
sociais e em nossa economia, mesmo na economia global hoje.
Por fim, conforme já observado, os horizontes apos­
tólicos são globais: “para os lugares mais distantes da terra”.
Esta preocupação acerca de todo o mundo inclui a diversi­
dade de línguas, o amplo espectro de grupos de pessoas (ju­
deus e gentios, homens e mulheres, jovens e velhos, escravos
e livresj, e todas as culturas e etnias. Neste sentido, acredito
que este estudo possa nos ajudar a entender o que o Espírito
pode estar fazendo hoje em um mundo de multiculturalismo,
estratificação social, diversidade e pluralismo.
Acima de tudo, se pudermos ver como o Espírito San­
to capacitou Jesus e seus seguidores a anunciarem em suas
palavras e encenarem em seus feitos a chegada do reino vin­
douro de Deus, isso pode nos ajudar a discernir e participar
na obra do Espírito Santo no mundo hoje. A seguinte busca
reflete meu desejo de discernir a obra do Espírito em nosso
mundo, não apenas de maneira que possamos ser melhores
testemunhas para aqueles “de fora”, mas também que possa­
mos ser transformados como seguidores individuais de Jesus
e como membros de uma comunidade de crentes buscando
fazer as obras de Cristo, quando e onde quer que seja que o
Espírito possa querer realizar.'
1 Tendo dito isto, devo também dizer que apresentar perguntas
contemporâneas ao texto não quer dizer que iremos ignorar as próprias
preocupações do texto ou as intenções do autor. Certamente, existe uma
gama de questões não resolvidas acerca de quem o autor era (a tradição
diz Lucas, mas mesmo se isso estivesse certo, não podemos saber mais
acerca dele). Eruditos continuam a disputar onde e quando o livro foi
escrito. (Eu favoreço a Ásia Menor, em um momento durante as últi­
mas trés décadas do primeiro século EC, apesar de haver alguns poucos
eruditos que apresentem Roma ou Cesaréia, como também pensam que
0 final abrupto de Atos sugere que a obra foi completada em um período
antes da queda de Jerusalém que, portanto, o coloca durante este período
posterior). O público de Lucas e Atos permanece obscuro. (Sim, as obras
foram endereçadas a Teófilo — de acordo com Lucas 1:3 e Atos 1:1 —,
mas foi Teófilo um romano temente a Deus, prosélito do judaísmo ou se­
guidor de Jesus, e o que dizer acerca da comunidade mais ampla da qual
Nosso estudo prosseguirá da seguinte maneira: co­
meçaremos com o livro de Atos e, basicamente, seguiremos
a narrativa sequencialmente conforme estipulada por Lucas.
Isso nos ajudará a adentrar o mundo dos mais antigos segui­
dores de Jesus, o Messias, para seguirmos seus passos con­
forme eles foram capacitados pelo Espírito Santo. Ao assim
fazê-lo, veremos o Espírito Santo operando em nossas vidas
individuais, capacitando-nos a proclamar e viver a messiani-
dade e o senhorio de Jesus Cristo no mundo. Mas porque os
mais antigos seguidores viveram de sua memória de Jesus, em
quase todos os capítulos daremos uma espiada “no passado”,
historicamente falando, de Atos e do Evangelho de Lucas, a
fim de vermos como os seguidores de Jesus podem ter sido
inspirados por sua vida, seu ministério e seus ensinos cheios
do Espírito, conforme negociavam seus próprios desafios de
estarem no mundo, mas não serem do mundo. Assim proce­
dendo, faremos o que eu fui ensinado a fazer: reler nossa vida
presente à luz das vidas dos apóstolos, a fim de permitirmos
que suas experiências iluminem nossas próprias vidas.
A medida que ficarei muito próximo dos textos de
Atos e Lucas, dada a nossa abordagem, eu fortemente reco­
mendo manter uma cópia do Novo Testamento ao seu alcan­
ce. Observaremos como o papel central exercido pelo reino
de Deus nas vidas de Jesus e de seus seguidores, capacitados
pelo Espírito, enriquecem nossa busca por discernir a obra do
Espírito Santo em nossas vidas hoje. Esta é uma abordagem
interpretativa que tem estado, de modo geral, ausente na
maioria das interações devocionais e homiléticas, e dos co­
mentários com os escritos lucanos. Minha intenção será gas­
tar a maioria de nosso tempo, em cada capítulo, explorando
como a obra do Espírito Santo a trazer o Reino tem amplas
implicações para entendermos a mensagem e as exigências do
evangelho.
______ As oito partes deste livro seguem o caminho dos após-
Teófilo pode ter feito parte?) E as questões principais acerca do motivo
pelo qual estes volumes foram escritos continuam a suscitar discussões.
Ao passo que uma resposta definitiva a estas indagações, em sua maioria,
não impactará nas interpretações que seguem, em certos casos haverá
implicações, e iremos, nestes momentos, fornecer argumentos adicionais
para as próprias breves respostas acima.
23
tolos de acordo como foi registrado no livro de Atos, confor­
me apresentado em i:8 — “Mas recebereis a virtude do Espíri­
to Santo, que há de vir sobre vós; e sereis minhas testemunhas,
tanto em Jerusalém como em toda a Judeia, e em Samaria, e
até aos confins da terra”. Dividir os muitos capítulos do li­
vro nestas partes mais administráveis nos auxiliará a andar
com os apóstolos e aprender com eles conforme seus próprios
horizontes foram continuamente expandidos, ao seguirem a
obra do Espírito Santo desde Jerusalém, através da Judéia, e
de Samaria, aos confins da terra. Isso, por outro lado, susci­
tará indagações acerca de como ver a obra do Espírito Santo
em nossas vidas, em nossas igrejas e em nosso mundo, hoje.
Meu objetivo nestes estudos, entretanto, é ser menos pres-
critivo acerca de como responder a estas perguntas contem­
porâneas do que abrir certo “espaço” bíblico e teológico para
cais indagações surgirem, e que os seguidores atuais de Jesus
discutam e explorem as questões. Assim sendo, as perguntas
para discussão no final do livro estão correlacionadas a cada
capítulo, e objetivam estimular a igreja, a faculdade ou o diá­
logo de grupo de estudo, acerca do Espírito Santo no mundo.
Estou convencido que se nós, de maneira cuidadosa, prestar­
mos atenção a como o Espírito Santo operou por meio de Je­
sus e de seus seguidores para transformar o seu mundo, então,
nós também estaremos em melhor posição para escutar a voz
do Espírito Santo enquanto ele fala conosco e nos conduz,
hoje, na mesma tarefa.

24
PARTE UM

O Derramar do Espírito Santo


Os Atos do Espírito Santo e o Reino de Deus
A tos i; Lucas 22:24-30

“Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que


Jesus começou, não só a fazer, mas ensinar”, é o que diz em
Atos 1:1. Lucas está se referindo, naturalmente, ao Evangelho
de Lucas, como “o primeiro tratado”. Ele também foi dedica­
do a Teófilo. Os leitores originais destes volumes, Teófilo e
aqueles em sua comunidade, ou eram cidadãos, ou, mais pro­
vavelmente, residentes do Império Romano. E em meio a esta
realidade que somos apresentados aos ensinos sobre o reino
de Deus e sua inauguração.
Jesus ensinou acerca do reino durante os quarenta dias
entre sua ressurreição e ascensão (Atos 1:3). Os ensinos de
Jesus acerca do reino durante este período foram, no mínimo
em parte, acerca de sua própria vida e ministério, conforme
previsto pelas Escrituras (Lucas 24:44-46). Mas sua vida esta­
va intimamente ligada ao reino, em termos tanto do que pro­
clamava, como do que fazia. Em outras palavras, na vida e nos
ensinos de Jesus, o reino de Deus surge contra os reinos deste
mundo e mesmo os confronta, o último sendo mais proemi­
nentemente representado pelo Rei Herodes, da Judéia (1:5), e
pelo Imperador Augusto (2:1) e por Tibério (3:1), do Império
Romano.
Na última conversa de Jesus com os discípulos antes
de sua ascensão, a pergunta urgente destes a ele foi: “Restau­
rarás tu neste tempo o reino de Israel?”. Esta pergunta reflete
a suposição de que (minimamente) o Messias destituiria o go­
verno romano imediatamente, capacitaria Israel a repossuir
a terra prometida a seus ancestrais, e daria início ao governo
de Javé sobre Sião. Mas, mais do que isto, a pergunta refletia
o próprio entendimento dos discípulos acerca do papel espe­
cífico que eles exerceriam no novo reino de Israel. Afinal de
contas, Jesus bavia escolhido os Doze como líderes do novo Is­
rael e prometido que eles “comeriam beberiam á minha mesa

26
em meu reino e assentariam sobre tronos, julgando sobre as
doze tribos de Israel” (Lucas 22:30).
Mas, parte do problema era que um dos Doze (Judas)
bavia desertado, e não mais estava entre eles. Entendendo sua
situação à luz de recursos escriturísticos (Atos 1:16-20; cf.
Salmos 69:25; 109:8), os onze remanescentes foram levados a
lançar sorte sobre dois irmãos escolhidos, que preenchiam os
rígidos critérios, a fim de se prepararem para seu reinado no
reino vindouro. Contudo, a ;pessoa “eleita”, Matias, jamais é
mencionada em Atos dos Apostolos. Todo este episódio reve­
la que os discípulos não anteciparam que a renovação de Israel
assumiria um formato totalmente diferente.
Em resposta à pergunta acerca de quando o reino sur-
giria, Jesus disse: “Não vos pertence saber os tempos ou as
estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder. Mas
recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós;
e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em
toda a Judéia, e em Samaria, e até aos confins da terra” (Atos
i:y-ô). Em certo sentido, a resposta de Jesus à pergunta deles
e não: os tempos e períodos da restauração do reino de Israel
permanecem desconhecidos, descansando apenas na auto­
ridade do Pai. Contudo, durante este ínterim, os apóstolos
receberão poder do Espírito Santo, a fim de testemunharem
sobre a vida e o ministério daquele que proclamou e realizou
as obras do reino. Então, mesmo se a resposta direta à per­
gunta dos discípulos for negativa, a resposta indireta é mais
complicada: enquanto nós podemos não saber quando a plena
restauração de Israel se dara, seremos, entretanto, capacitados
a proclamar os ensinamentos e realizar os feitos do próprio
Messias. Neste caso, a resposta real depende da extensão à
qual eles estão abertos a receber o reino e a vivê-lo através do
poder do Espírito.
O dom do Espírito Santo capacita os discípulos a
testemunharem até os confins da terra. Não como testemu­
nhas genéricas, mas específicas às regiões geográficas, como
Jerusalém, Judéia, Samaria, e mesmo o coração do império,
a própria Roma. Em outras palavras, não apenas a Escritura
capacita o testemunhar dos discípulos acerca dos ensinamen­
tos e das realidades do reino, mas o Espírito assim o faz a fim
de estabelecer o reino em meio ao presente governo imperial
27
de César e de seus governos regionais. Portanto, quando os
discípulos avançam para iproclamar o reino, eles o fazem com
a plena realidade do Império Romano os pressionando.
Certamente, havia várias visões, entre os primeiros
seguidores de Jesus, acerca do relacionamento entre o reino
de Deus e o império de Roma. Alguns descartavam qualquer
relação, dizendo que o reino divino tem a ver com o mundo
vindouro e, desta forma, não possui relação alguma com o Im­
pério Romano. Outros acreditavam que o império era mais
amigável do que inimigo dos interesses cristãos, e talvez Lucas
tenha escrito, em parte, para convencer os líderes romanos de
que os cristãos não eram arruaceiros (antes, os judeus o eram),
ou mesmo que os cristãos eram, na verdade, cidadãos-modelo,
que mereciam todos os benefícios políticos dados aos prati­
cantes religiosos por todo o império. E havia, provavelmente,
um terceiro grupo, que acreditava que os ensinos e feitos de
Jesus desafiavam as estruturas sociais, econômicas e políticas
da Roma imperial.
Os Atos dos Apóstolos também são os atos do Espíri­
to Santo na igreja, atos que são subversivos dos impérios des­
te mundo. A história da igreja primitiva deve ser entendida
como o estabelecimento e o surgimento de uma comunidade
que proclamava e incorporava a vida messiânica e os ensinos
de Jesus contra as estruturas cultistas, políticas e econômi­
cas do Império Romano no primeiro século. Como, então, os
leitores contemporâneos de Lucas-Atos vivem, em meio aos
poderes deste mundo, onde quer que possam estar — quer
na China ou no Extremo Oriente, na Organização da Confe­
rência Islâmica, na União Européia, nos Estados Unidos, ou
mesmo no império do mercado global consumista? O restante
deste livro nos levará a responder a estas perguntas de ma­
neira concreta. Permita-me dizer, no momento, que a chave
para nosso entendimento reside precisamente na resposta de
Jesus à pergunta dos discípulos acerca de quando o reino seria
restaurado a Israel: no dom do Espírito Santo. O testemunhar
capacitador do Espírito é e continuará sendo central a como
os cristãos vivem fielmente em um mundo de muitos pode­
res, por vezes, em conflito. Se as exigências sobre nossas vidas
são impostas pelos governos, pelos sistemas sociais ou pela
economia global, é o Espírito Santo quem capacita à respos-
28
ta adequada e apropriada que é sensível às variáveis de cada
situação. O Espírito que encazmente capacitou os atos dos
apóstolos durante a Pax Romana é o mesmo Espírito que está
disponível aos seguidores do Messias hoje.

29
A Promessa de Restauração do Reino de Israel e a Vinda
do Espírito!
Lucas 1:46-55, 67-79; 2:22-38

Mas o que, exatamente, os discípulos estavam espe­


rando em relação a Jesus e ao reino de Deus? Já vimos que as
esperanças judaicas em relação ao reino estavam associadas ao
Messias, que os livraria do governo estrangeiro. Mais precisa­
mente, a vinda do reino restauraria a terra de Israel de acor­
do com os pactos feitos com Abraão, Moisés e Davi. Agora,
vamos focar nossa atenção naquilo que os discípulos, como
também os leitores de Lucas, Haviam sido levados a esperar
concernente ao que o Messias realizaria. Para assim fazê-lo,
devemos analisar cuidadosamente um número de passagens
da narrativa da infância do Evangelho de Lucas.
Podemos começar com a canção de adoração de Ma­
ria, bastante conhecida como Magnificat (Lucas 1:46-55). Esta
humilde camponesa ficou sabendo por meio de Gabriel que a
criança c^ue ela conceberia receberia “o trono de Davi, seu pai;
E reinara eternamente na casa de Jacci, e o seu reino não terá
fim” (1:32-33). Claramente, então, este milagre envolve Deus
recordando-se “da promessa dita a nossos antepassados, para
com Abraão e sua posteridade” (1:55)- Mas o que acontecerá
como resultado da vinda do Messias pelo Espírito Santo? Ma­
ria antecipa que os poderosos serão depostos, e os humildes,
exaltados; que os ricos serão empobrecidos, ao passo que os
pobres serão enaltecidos (1:52-53).
Zacarias, um sacerdote e marido fiel de Isabel, paren­
te de Maria, já havia escutado que seu filho, João (Batista), iria
“deixar um povo preparado para o Senhor” (1:17). No dia da
circuncisão (dedicação), Zacarias confirma a canção de Maria
através de uma profecia do Espírito Santo (1:67):
Bendito seja o Senhor, Deus de Israel,
porque visitou e remiu o seu povo,
E nos levantou uma salvação po-

30
derosa na casa de Davi, seu servo.
Como falou pela boca dos seus san­
tos profetas, desde o princípio do
mundo; Para nos livrar dos nossos
inimigos e da mão de todos os que
nos odeiam (1:68-71).
Zacarias também entendeu que a salvação prometida
a Israel envolveria o pacífico perdão de seus pecados (1:78-79)
— que necessariamente tinha que preceder a restauração de
Israel —, então, ele não necessariamente pensava que o rei­
no messiânico envolveria uma revolução violenta. Contudo, a
redenção divina de Israel brilharia sobre aqueles que viviam
nas sombras da escuridão e os capacitaria mais uma vez, em
santidade e retidão.
Por último, quando Jesus foi apresentado no templo,
diz-se que Simeão estava “esperando a consolação de Israel”
(2:25), e Ana estava antecipando “a redenção de Jerusalém”
(2:38). Debaixo da inspiração do Espírito Santo, Simeão vem
para ver que a consolação e a restauração de Israel estão ne­
cessariamente interligadas ao destino do restante do mundo:
Pois já os meus olhos viram a tua
salvação,
A qual tu preparaste perante a face
de todos os povos;
Luz para iluminar as nações, e para
glória de teu povo Israel (2:30-32).
Indubitavelmente, a prosperidade de Israel depende
de sua restauração e do viver em paz com seus vizinhos gen­
tios.
Muitos leitores contemporâneos entendem estas re­
ferências à redenção de Israel em termos espirituais. Afinal,
Jesus jamais destituiu o governo romano na Palestina, nem
estabeleceu o reino político de Javé sobre Israel. Na verdade,
não apenas o próprio templo foi lançado ao chão uma gera­
ção depois (em 70 EC), mas existem outras passagens (a se­
rem discutidas posteriormente) em Lucas-Atos que parecem
transferir as promessas da aliança dos judeus para os gentios.
Mas o nascimento de Jesus é apresentado por Lucas em
termos que claramente anunciam seu reino como ao menos
sobrepondo, se não substituindo, o reino de César. Por volta
31
do primeiro século, o aniversário de César era comemorado
como simbolizando as “boas novas” que o imperador trazia
a seus súditos por todo o império, e César era exaltado como
divino “Filbo de Deus,” “senhor,” “redentor,” e “salvador”,
através do culto do imperador. Jesus é anunciado precisamen­
te nestes termos, como o “Filho do Altíssimo” (Lucas 1:32) que
restauraria o reino davídico. Então, mesmo se naqueles dias
seus pais estavam sob o governo do rei Herodes, da Judéia, e
do governador Quirino, da Síria, e mesmo se estivessem su­
jeitos ao decreto de taxação de César Augusto, o nascimento
de Jesus trouxe a proclamação angélica acerca da chegada de
“um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (2:11). Leitores do
Evangelho mal poderiam ter perdido o entendimento lucano
de que a chegada de Jesus desafiava a pressuposta divindade,
senhorio e estatura salvífica de César.
Esse histcirico nos ajuda a entender porque os discípu­
los, apcis seguirem Jesus por três anos e escutando-o ensinar
acerca do reino por quarenta dias (Atos 1:3), ainda se inda­
gavam se os tempos da restauração haviam finalmente che­
gado. Se Jesus era o Messias, então, de acordo com o Antigo
Testamento — aludido por todo o Magnificat de Maria e pela
profecia de Zacarias —, Deus iria cumprir as promessas da
aliança. A Justiça seria exercida sobre os inimigos de Israel,
sobre os poderosos, orgulhosos e ricos regentes romanos e so­
bre seus patronos aristocráticos (lideres políticos, religiosos e
culturais), que haviam conspirado para manter os operários
camponeses e proprietários de terra em pobreza (através de
uma elevada taxa de impostos, ás vezes de até 50 por cento
da safra total) e, assim, oprimiam as classes mais Saixas. Da
perspectiva de Maria, de José (um carpinteiro), e de outros no
último de^au da sociedade israelita, as boas novas — o euan-
gelion — da. chegada do Messias traziam consigo expectativas
materiais tangíveis. Se de fato Israel iria ser salvo de seus
inimigos. Deus precisaria suscitar o Messias para causar uma
imensa revolução.
Enquanto isso, pense, por um momento, acerca de
como as classes dominantes do primeiro século podem ter
reagido ás notícias, saindo da Palestina, de que o rei há muito
antecipado pelos judeus havia nascido. E se eles ouviram que
o reino de Jesus seria estabelecido sobre e contra o de César
32
e seus patronos, e aquela parte do levante que ocorrería en­
volvendo o nivelamento dos ricos e poderosos e a exaltação
dos marginalizados socialmente? Mesmo se concebermos, no
momento, que o reino proclamado por Jesus era puramen­
te espiritual, as expectativas messiânicas das pessoas comuns
combinadas aos medos das classes mais altas concernentes à
instabilidade de sua própria posição social teriam sido o bas­
tante para causar um tumulto. E de se surpreender, portanto,
que os líderes religiosos judaicos — grupos como os cnefes dos
sacerdotes, escribas, fariseus e saduceus, que, diferentemente
dos partidos políticos mais modernos, eram tanto religiosos
quanto políticos — estavam preocupados o suficiente acerca
de como Jesus poderia frustrar seus próprios lugares na hierar­
quia sociopolítica para liderarem a acusação que o executou?
O que está claro é que a promessa de restaurar o rei­
no estava ligada à promessa do Espírito Santo. Veremos, mais
tarde, que, assim como o Espírito Santo operou na vida de
Jesus para trazer o reino, também capacitou seus seguidores
a anunciarem o reino. O que isto diz, então, acerca de nós,
hoje, que somos recipientes do mesmo Espírito? Talvez haja
um meio-termo entre pensar ou que o reino proclamado por
Jesus seja uma realidade espiritual localizada na vinda futu­
ra, ou que fomos chamados para sermos revolucionários que
destituiríam os impérios dominantes de nosso mundo hoje.
Talvez este meio-termo envolva sermos abertos a receber a
capacitação do Espírito de maneira que também possamos
ser agentes que apressem o reino, que, em certos aspectos, já
está presente, mesmo que em outros aspectos ainda esteja por
vir. Talvez possam envolver nosso engajamento e desmantela­
mento, pelo poder do Espírito, com as injustas estruturas que
mantêm o pobre empobrecido, conforme cantado por Maria.
Mais inimaginavelmente, talvez o Espírito capacite à reconci­
liação de inimigos de maneira tal que a salvação venha atra­
vés de inimigos tradicionais, como Zacarias profetizou, mas
através de pacificação justa em vez de destituição ou anulação
dos adversários históricos. Por que seria impossível imaginar
hoje, por exemplo, a paz entre judeus e palestinos, ou entre
israelenses e árabes? Não é possível que a vinda do Espírito
objetivasse completar a obra de restaurar a Israel, mas fazen­
do-a, precisamente, ao incluir e reconciliar judeus e gentios
33
em vez de perpetuar suas divisões? Se assim o for, então, a
promessa de restaurar o reino ainda está em formação, pelo
poder do Espírito Santo.

34
Pentecoste — o Espírito Derramado sobre Toda Carne!
Atos 2:1—21

Então, os discípulos foram para Jerusalém, conforme


instruídos por Jesus, para esperar a chegada do Espírito San­
to. E o Espirito Santo realmente chegou, como um estrondo,
no Dia de Pentecoste, a tradicional Festa das Semanas que
acontecia cinquenta dias após a Festa da Páscoa (Lv. 23:1^-21;
Dt. 16:5-12), e celebrava a colheita do trigo como símbolo da
renovação da aliança mosaica. Pouco eles perceberam, contu­
do, qual seria a extensão da contribuição desta experiência do
Pentecoste para a renovação de Israel.
O dom do Espírito neste dia marca o início do cum­
primento da promessa feita a Abraão e repetida por Simeão:
que a semente de Abraão seria o meio através do qual os gen­
tios seriam abençoados (Gn. 12:3; c f Lc. 2:32). A aliança de
Deus com Abraão, Moisés e Davi, em outras palavras, não
era apenas em prol de Israel, mas do mundo. No aconteci­
mento do Pentecoste, barreiras linguísticas, étnicas, culturais
e nacionais entre Israel e os gentios são superadas, deixando
claro o escopo universal das promessas de Deus. Certamente,
o objetivo da missão cristã, conforme capacitado pelo Espí­
rito Santo, era levar o evangelho aos confins da terra (Atos
i;ô). Contudo, uma vez que a lista de nações e povos nesta
passagem representa listas prévias judaicas de nações — por
exemplo. Gênesis 10 e 1 Crônicas 1 —, o dom do derramamen­
to do Espírito Santo sobre todos aqueles presentes neste dia
antecipa o derramamento sobre “toda carne” (Atos 2:17) que
está por vir.
A maioria daqueles em Jerusalém eram judeus temen­
tes a Deus e devotos “vindos de todas as nações do mundo”
(2:5). Eles certamente incluíam judeus e gentios prosélitos ao
judaísmo, mas talvez também convertidos parciais que não
eram circuncidados ou não plenamente observadores da Torá.
Parece provável que a comunidade cristã original — os três

35
mil que foram batizados em resposta a este evento de Pente-
coste (Atos 2:41) — inaugurou um novo movimento que in­
cluía pessoas de compromissos diversos com a fé judaica dos
arredores do mundo mediterrâneo.
A menção de cretenses (2:11) também teria quebra­
do estereótipos acerca de quem estava “dentro” ou “fora” do
reino, especialmente dada a disseminada crença, promulgada
parcialmente pelos próprios cretenses, de que os cretenses
eram “sempre mentirosos, feras malignas, glutões preguiço­
sos” (Tito 1:12). Claramente, as pessoas alcançadas neste novo
movimento de Jesus incluíam aqueles que teriam sido excluí­
dos se os preconceitos prevalentes da época estivessem em
operação. Mas imagine quão diferente a história dos últimos
dois mil anos teria sido, caso aqueles da Arábia tivessem sido
plenamente incorporados no novo povo de Deus. Talvez a di­
visão entre os filhos de Sara e Agar, entre os descendentes de
Jacó e Ismael, pudesse ter sido curada pelo poder do Espírito
de reconciliação. Talvez hostilidades hodiernas no Oriente
Médio tivessem sido evitadas se judeus, prosélitos ou gentios
da Arábia tivessem alimentado as novas relações trazidas e
efetivadas no Dia de Pentecoste.
É possível que o Dia de Pentecoste tenha, em parte,
restaurado as promessas a Israel, ao constituir um novo povo
de Deus, composto de judeus, mas não exclusivo de prosélitos
e gentios, que incluía uma diversidade de línguas, e incorpo­
rava uma pluralidade de culturas e grupos de pessoas? A vida
palestina do primeiro século, em muitas maneiras como nossa
vida global hoje, era marcada pela suspeita acerca daqueles
que eram diferentes, que falavam outras línguas, e que repre­
sentavam estilos de vidas estranhos. Foi obra do Espirito, con­
tudo, superar estas barreiras, reunir aqueles que não se conhe­
ciam, e reconciliar aqueles que poderiam, de outra forma, ter
vivido separados daqueles diferentes deles próprios.
O Pentecoste, desta forma, inaugura um Israel res­
taurado e o reino de Deus, ao estabelecer novas estruturas e
relações sociais. Observe que o dom do Espirito não foi nega­
do a nenhum dos 120 homens e mulheres que se reuniram no
cenáculo (Atos 1:14-15): as línguas de fogo divididas repousa­
ram sobre cada um e capacitaram cada um ou a falar, ou a ser
ouvido em línguas estrangeiras (2:3-4). A fim de explicar o
36
fenômeno, Pedro cita o profeta Joel:
Os seus filhos e as suas filhas pro­
fetizarão, os jovens terão visões, os
velhos terão sonhos. Sobre os meus
servos e as minhas servas derrama­
rei do meu Espírito naqueles dias,
e eles profetizarão (zuy-iô; c f Joel
2:28-25).
Pedro claramente entendeu que, ao passo que a antiga
era judaica era patriarcal em caráter, a restauração de Israel
apresentaria igualdade de macho e fêmea: ambos profetiza­
riam sob o poder do Espírito. Ao passo que a antiga aliança
apresentava a liderança de anciãos, o resino restaurado envol­
vería a capacitação de homens e mulheres de todas as idades.
Independente de quais eram as estruturas que previamente
sancionaram o sistema social da escravidão, o derramar do
Espírito havia sido e seria, indiscriminadamente, sobre livres
e escravos, de fato transformando-os em iguais. Em tudo isso,
a obra do Espírito era anunciada em línguas desconhecidas,
não as línguas convencionais do status quo.
Efetivamente, a restauração do reino através do poder
do Espírito na verdade derrubou o status quo. Conforme Ma-
rias e Zacarias já haviam predito, aqueles no fundo da escada
social — mulheres, jovens e escravos — seriam recipientes do
Espirito e veículos da capacitação do Espírito. As pessoas pre­
viamente divididas por língua, etnicidades, cultura, naciona­
lidade, gênero e classe seriam reconciliadas, nesta nova versão
do reino. Potencialmente, “toda carne” seria inclusa dentro
deste reino dos últimos dias (Atos 2:17).
Estas características continuam a marcar a igreja
como a comunhão do Espírito Santo? A igreja ainda é uma
presença universal que reconcilia comunidades judaicas e
gentias divididas por vários motivos? A igreja ainda fala nas
línguas do Espírito, que conjuntamente proclama a renovação
de Israel (desta forma, preservando a singularidade da aliança
com os judeus) e a introdução do reino (desta forma, abrindo
as promessas de Deus ao mundo), ou permanecemos cativos
às línguas, estruturas e convenções divisivas dos impérios des­
te mundo? Nossa oração deve ser “Venha, Santo Espírito!”,
de sorte que o derramar proclamado do Espírito sobre toda

37
carne possa realmente encontrar seu cumprimento em nosso
tempo.

38
PARTE DOIS

0 Poder do Espirito cm Jerusalém


A Nova Economia de Salvação do Espírito
A tos 2:22-40

A citação de Pedro a Joel termina com a declaração


de que, no glorioso Dia do Senhor, quando Javé restauraria Is­
rael, “todo o que invocar o nome do Senhor será salvo” (Atos
2:21). Neste sentido, a restauração de Israel envolve a salva­
ção tanto de judeus quanto de todos os que invocam o nome
de Javé. Mas há, mais uma vez, que, para Lucas, que reconta
a história do sermão de Pedro, a salvação esta amarrada em
“Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com
maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio
de vós, como vós mesmos bem sabeis” (2:22). O cerne das Boas
Novas, então, era: “Saiba, pois, com certeza toda a casa de
Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes. Deus o fez
Senhor e Cristo” (2:36).
Já vimos que os judeus estavam esperando o Messias,
que restauraria a casa de Israel de acordo com as promessas
feitas a Abraão, Moisés e Davi. Aqui, em seu primeiro sermão,
Pedro, capacitado pelo Espírito, deixa explícito as relações de
Jesus com a aliança davídica. Não apenas Pedro o menciona
quatro vezes por nome, mas também cita e faz alusão a vários
salmos reais, canções que celebram a restauração do reino da-
vídico na era messiânica. Uma destas citações também confir­
ma que Israel será vindicada diante de seus inimigos (2:35; cf.
Lc. 1:71; Sl. 110:1). A esperança da restauração na antiga Israel
estava conectada à renovação da aliança davídica e à restaura­
ção da nação (cf Ez. 37:1-14).
Lucas está acentuando, desse modo, as credenciais de
Jesus na linhagem de Davi. Mas, mais do que isso, uma vez que
Davi permanecia na sepultura, Jesus é quem cumpre as pro­
messas pactuais acerca da vida ressurreta. Para os judeus que
acreditavam em uma ressurreição geral dos mortos no final da
era relacionada à restauração de Israel, a ressurreição de Jesus
teria significado tanto que o reinado de Davi agora pertence
40
a Jesus quanto que a redenção de Israel e as últimas coisas, o
Dia do Senhor, tinham, de fato, chegado, na pessoa do homem
de Nazaré.
Ademais, a ressurreição de Jesus precipita sua exalta­
ção à direita de Deus, a partir de onde: “tendo recebido do Pai
a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora
vedes e ouvis” (Atos 2:33). Portanto, enquanto o Pai prometeu
o Espírito (Lc. 24:40), é o Messias ressurreto que sustenta a
promessa. Apesar de a salvação estar embasada na obra do
Espírito na e através da vida, da morte e da ressurreição do
Senhor Jesus (em vez do senhor César), ela é realizada e atua­
lizada por meio do Messias ascendido, que derrama o mesmo
Espírito sobre toda carne. Se no Evangelho de Lucas o Espíri­
to Santo age na vida de Jesus, em Atos, Jesus está presente e
ativo nas pessoas restauradas por Deus no poder do Espírito.
É o Messias exaltado que foi crucificado por uma gera­
ção descrente e corrupta (2:40). Pedro diretamente acusa seus
ouvintes: “Vocês crucificaram e mataram pelas mãos daqueles
fora da lei” (2:23; c f 2:36). Seu público é culpado pelo fato de
ter escolhido, ainda que inadvertidamente, viver pela política
de César e por seu senhorio, ao invés daquele Messias ungi­
do. Desejando evitar o julgamento que recai sobre aqueles que
executaram o homem inocente, eles suspiram: “Que Faremos?”
(2:37). Pedro responde: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados;
e recebereis o dom do Espírito Santo; Porque a promessa vos
diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe,
a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” (2:30-35).
A resposta de Pedro tem gerado inúmeras interpre­
tações, durante os dois mil anos de história do cristianismo.
Sugiro que a salvação consiste não em enfatizar qualquer uma
“coisa”, quer isso seja o arrependimento, o batismo ou a re­
cepção do Espírito, mas em arrependimento, batismo, perdão
de pecados e receber do Espírito Santo, todos juntos. Também
deve ser observado que o perdão era originalmente uma noção
comercial que significava ser liberado das obrigações prévias
e, no primeiro século, também estava ligado àpurifieação, que
precisava acontecer a fim de que Israel fosse renovado e res-
taurado.^ Então, o anúncio de Pedro oferece a seus ouvintes o
z Consequentemente, a Bíblia hebraica frequentemente rela-
41
perdão de pecados cometidos por eles e seus ancestrais, uns
contra os outros e contra Deus e seu Messias designado — isso
é, de fato, a boas nova, indicando que o tempo havia chegado
para a restauração de Israel!
Por extensão, aos demais de nós, o perdão livra de
nossa dívida com os outros e nos permite receber uma nova
identidade, o dom do Espírito, que nos transforma em ser­
vos e amigos do Messias. Contudo, tal perdão e salvação não
podem ser magicamente ganhados por “cumprirmos” esta pe­
quena lista de exigências; antes, a salvação envolve o chamado
de Deus, que capacita ao arrependimento, o agir de Deus em
Cristo, para possibilitar o gracioso perdão de pecados, e o li­
vre derramar de Deus, através de Cristo, do Espírito Santo.
Este modo da salvação de Deus, envolvendo o pleno
escopo do arrependimento e o dom do Espírito Santo, pa­
rece estabelecer a forma de salvação de Deus de uma vez por
todas. Dizer que estas promessas são para “vossos filhos e a
todos que estão longe” (2:35) aponta tanto para o alcance es-
pacial/geo^áfico da salvação de Deus para aqueles nos lugares
mais longínquos do império ou mesmo gentios que estariam
nos confins da terra (1:6), quanto às muitas gerações de des­
cendentes que invocariam o nome do Senhor. Em outras pa­
lavras, se os poderes e as maravilhas de Deus realizados em
Jesus inauguraram o dia do Senhor prometido pelos profetas,
então, o plano salvífico de Deus esboçado aqui no sermão de
Pedro continuará aquela obra até o Dia do Senhor, quando o
reino estiver plenamente presente. Então, enquanto o reino
pode estar no mundo, ele não é do mundo; antes, o reino vin­
douro, que é a promessa do Pai, o caminho do Filho, e o dom
do Espírito Santo estão no processo de “alvoroçar” (17:6) os
reinos deste mundo.
Agora, Pedro disse muito mais do que Lucas registra.
Contudo, este texto suscita muitas perguntas importantes.
Por exemplo, o que, exatamente, significa dizer que a salvação
apresenta uma nova economia da graça, e como, exatamen­
te, isso se dá, enquanto permanecemos dentro das economias
deste mundo?
______ Permita-me sugerir que a salvação de Deus suplanta a
ciona a restauração de Israel com o perdão de pecados — ex., Is. 40:1-2;
43:25-44:3; Lm. 4:22; Jr. 31:31-34; 33:4-11; Ez. 36:24-33.
42
economia deste mundo. Ao passo que o sistema econômico do
mundo depende de cada um de nós pagando nossas dívidas,
a economia do Espírito de Deus envolve o perdão de dívidas.
Ao passo que o sistema judiciário do mundo envolve rece­
bermos o que ganhamos ou merecemos, a justiça de Deus nos
libera da culpa e da vergonha que acompanham nossas ações.
Ao passo que nossa economia construída humanamente de­
pende de permutas e trocas, a economia divina envolve mera­
mente invocar a Deus em arrependimento e receber tanto o
perdão das dívidas quanto o dom gratuito do Espírito Santo.
A maneira como Deus faz negócios é contrária às maneiras
do mundo. Antes do que meramente cumprir as obrigações
impostas pela lei, a vinda do Deus Trinitário estabelece uma
nova aliança de graça e uma nova economia de dar. A renova­
ção de Israel, então, envolve um tipo de redenção que suplan­
ta a ordem (economia) deste mundo, embora não precisamen­
te da maneira esperada.

43
5
Arrependimento como/e o Dom do Espirito Santo
Lucas 3:1-20; 19:1-10

A resposta de Pedro, encorajando o arrependimento,


o batismo para perdão de pecados e a recepção do Espírito
Santo, pode ter sido nova para a multidão reunida no Dia de
Pentecoste. Mas ela não teria surpreendido leitores de Atos
que já haviam lido o Evangelho de Lucas. No ministério do
deserto de João, eles já haviam sido informados acerca de sua
mensagem, “proclamando um batismo de arrependimento
para perdão de pecados” (Lc. 3:3). Ademais, o ministério do
Batista precipitava aquele do Messias, como também a vinda
do Dia do Senhor. A interpretação de Pedro dos aconteci-
mentos do Dia de Pentecoste como relacionados ao Espírito
sendo derramado sobre toda carne, de sorte que “todo aquele
que invocar o nome do Senhor será salvo” (2:21), de fato cum-
priu a promessa messiânica concernente ao resultado último
do ministério de João: “toda carne verá a salvação de Deus”
(Lc. 3:6; c f Is. 40:3-4).
Em resposta à pregação profética de João, as multi­
dões de camponeses e artesãos que haviam se aglomerado no
deserto para ouvi-lo perguntaram: “Que faremos?” (Lc. 3:10).
A resposta de João foi muito prática e concreta: “Quem tiver
duas túnicas, reparta com o que não tem, e quem tiver ali­
mentos, faça da mesma maneira” (3:11). Para estes fazendeiros
de subsistência e para outros que viviam do lado inferior da
sociedade romana, receber uma túnica ou refeição pode ter
significado a diferença entre conseguir viver de um dia para o
outro. Arrependimento, portanto, não era uma ideia abstra­
ta, mas também uma maneira concreta de relacionar-se com
aqueles que eles pensavam serem, de maneira contrária, seus
competidores pelos mesmos tipos de recursos. Esse tipo de
arrependimento e perdão associado marcaria o surgimento de
um Israel renovado, de acordo com a promessa de Deus.
Entre as multidões, também estavam os desprezados

44
cobradores de impostos e guardas imperiais. A maioria deles
era de judeus pagos para trabalhar para a estrutura política,
religiosa e social. Então, eles teriam sido vistos como traidores
do seu próprio povo, uma vez que se sustentavam às custas
daqueles nas classes mais baixas. A pregação de João tam-
bém os comoveu ao arrependimento, e diretamente insistiu
que os cobradores de impostos não deveriam “pedir mais do
que estava ordenado” e os soldados “não deveriam extorquir
dinheiro de ninguém através de ameaças e falsas aeusações”,
mas se satisfazerem com seus salários (3:13-14). As marcas de
um arrependimento genuíno seriam manifestas em atos con-
eretos de honestidade, integridade e hospitalidade. Uma vez
realizados tais atos, estes seriam respostas eontraculturais que
produziriam verdadeiros descendentes de Abraão (3:8), re-
conciliando'Os com seus compatriotas israelitas, separados, e
renovando as promessas pactuais de Deus.
A mensagem do ministério de João é claramente vista
e estendida no ministério de Jesus. Lucas posteriormente fala
sobre Zaqueu, o rico chefe dos publicanos (19:2, ênfase minha),
e seu encontro com Jesus. Se motivado pelo arrependimen-
to ou pela necessidade de defender suas ações diante de uma
multidão hostil, Zaqueu disse: “eis que eu dou aos pobres me-
tade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado
alguém, o restituo quadruplieado” (19:8). Agora, conforme o
pagamento quádruplo de Zaqueu cumpria as exigências mais
precisas da lei em vez das mínimas (compare Ex. 22:1 com Lv.
6:5; Nm. 5:7), isso trouxe a declaração de Jesus: “Hoje veio sal­
vação a esta casa, pois também este é filho de Abraão” (Lc.
19:9). A disposição de Zaqueu em fazer reparos não apenas
o traz de volta à comunhão com o povo a quem ele havia lu­
dibriado, mas também, de fato, salva, restaura e renova uma
comunidade partida por ganância, desconfiança e rixas. Se
muitíssimos cobradores de impostos tivessem se arrependido
de seus pecados, como Zaqueu, e se tornassem reconciliados
com o povo, eles eessariam de serem enganadores, e isso, por
sua vez, solaparia a economia imperial que favorecia a elite.
Em outras palavras, a mensagem de arrependimento
e batismo para o perdão de pecados, pregada tanto por João
(em Lucas) quanto Pedro (em Atos), cura comunidades, re­
concilia aqueles que, de outra forma, estavam alienados uns
45
dos outros, e renova a aliança feita com Israel, mesmo quando
ela ameaça destituir os sistemas deste mundo. Assim sendo,
no caso de João, os corações das pessoas estavam “em grande
expectativa, e pensando todos [...] se porventura seria o Cris­
to” (Lc.3:i 5). Talvez eles ainda pensassem que era impossível
produzir estes atos de arrependimento em separado da plena
restauração do reino messiânico. A resposta de João foi que o
Messias viria e os batizaria “com Espírito Santo e fogo” (3:16).
As dimensões políticas da pregação de João não deve-
riam ser subestimadas. No final desta passagem, Lucas men­
ciona que João foi preso por Herodes, e posteriormente ouvi­
mos que ele foi decapitado por Herodes, que ficou chateado
que João o havia repreendido por tomar Herodias, a mulher
de seu irmão, como sua própria mulher. Mas Lucas também
deixa claro que João intrepidamente o repreendeu, “por todas
as maldades que Herodes havia feito” (3:19). Ainda que não
nos sejam contados quais os tipos de maldades (Herodes da
Galileia, também conhecido como Herodes Antipas, não deve
ser confundido com Herodes, o Grande, seu pai, que reinou
sobre a Judéia quando Jesus nasceu e publicou o decreto para
assassinar os infantes nos arredores de Belém), é seguro con-
jecturar que a pregação de João ameaçava a própria estrutura
do Império Romano conforme havia sido construída na Pales­
tina daquela época.
Aqui, temos uma mensagem revolucionária que insta­
va as massas a mudarem suas alianças de César para o Messias
vindouro, e que era caracterizada não apenas por mudanças
nos corações, mas também por vidas mudadas. Se a econo­
mia imperial era afirmada sobre o apoio da elite aristocráti­
ca, dependente do poder do exército imperial, e ativada pela
desonestidade dos agentes de coleta do império, então a nova
economia messiânica enfatizava o dar em vez de acumular ou
tomar, a honestidade em vez da trapaça ou da extorsão, e a in­
tegridade em vez da ilegalidade e das falsas alegações. Assim,
ao passo que a salvação forjada por César era gozada apenas
pelos poucos da elite que traíam a confiança das massas, a
salvação do Messias batizaria todos os que invocassem o nome
do Senhor em uma nova economia marcada pelo perdão de
pecados e débitos e por uma nova comunidade, o Israel res­
taurado e o povo reconstituído de Deus.
46
Arrependimento genuíno precipitaria renovação do
povo de Deus. Causaria novos relacionamentos, interações e
conversas, e isto inspiraria as pessoas que trabalharam sob o
governo romano a uma forma totalmente nova de vida. Não
e apenas Herodes da Galileia que é ameaçado, mas também
toda a hierarquia imperial, como representada por Tibério
(o seguindo imperador, de 14 a 37 EC); Poncio Pilatos da Ju­
deia (que governou de 26 a 36 EC); Eilipe, irmão de Herodes
(que governou sobre Itureia e Traconites de 4 AEG a 34 EG);
Lisânias (que reinou em Abilene, norte da Galileia, de 28 a
cerca de 37 EG); e a liderança político-religiosa representada
por Anás e Gaifás (todos mencionados em 3:1-2). Não é de se
surpreender que aqueles que viram Jesus aceitar Zaqueu res­
mungaram que “entrara para ser hospede de pecador” (15:7).
Observadores com discernimento teriam previsto que a pre­
gação do batismo de arrependimento e perdão de pecados
desmantelaria a hierarquia imperial, destituiria o sistema de
classes e frustraria o estado existente das coisas. Não era sem
razão, então, que os poderes políticos executaram Batista, e
que as elites religiosas seguiram o exemplo, mais tarde, com
seu primo.
Uma pergunta para nós, hoje, especialmente nós que
estamos na parte elevada da economia do mercado global, é
se faríamos alguma coisa diferente: nós abraçaríamos e então
viveriamos as “boas novas” do reino vindouro, ou lutaríamos
para preservar o status quo e nosso próprio lugar nele? Se o
Espírito Santo fosse convencer nossos corações como o de Za­
queu, nossa resposta pode muito bem também se estender à
nova economia da salvação, a fim de reconciliar as pessoas,
opor e corrigir as injustas estruturas de nosso mundo, e trazer
a cura a muitas nações.

47
Comunhão no Espírito
A tos 2:41-47

Então, o que, exatamente, aconteceu, quando a mul­


tidão de três mil que ouviu Pedro se arrependeu, e todos fo­
ram batizados em nome de Jesus para o perdão de pecados e
receberam o Espírito Santo? Eles estavam sendo salvos! Esta
salvação não tinha a ver apenas com o que aconteceu após eles
morrerem, mas também marcava a obra continuada de Deus
no Messias, para redimir Israel. Se João e Jesus, ambos, cha­
mavam os judeus ao arrependimento, o milagre de Pentecoste
pode ter sido a restauração de Israel que havia sido expandida
para incluir gentios convertidos ao judaísmo, também. Esses
judeus messiânicos e prosélitos se reuniam diariamente no
templo (2:46), em antecipação da plena restauração do lugar
santo para as pessoas de Deus, conforme havia sido prometido
a Davi.
Contudo, enquanto aguardava a plena consumação
de Israel, o povo renovado de Deus perseverava “na doutrina
dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas ora­
ções f...] E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo
em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam
com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando
unânimes todos os dias [...] e partindo o pão em casa, comiam
juntos com alegria e singeleza de coração” (2:42, 44-46). Ago­
ra, relembre que a multidão reunida em Jerusalém viera da
região do mundo mediterrâneo para a Festa de Pentecoste.
Talvez alguns dos três mil fossem residentes (não contando
os originais 120 que haviam se reunido no cenáculo), mas a
maioria era, provavelmente, visitante, talvez com parentes na
região. Ainda, pode-se imaginar como esse reconhecimento
em massa da messianidade de Jesus havia forçado os apóstolos
a correrem para organizar uma forma viável de vida em comu­
nhão que não apenas suprisse as necessidades das pessoas, mas
também servisse aos propósitos de discipulado. O discipulado

48
envolvia o ensino, a comunhão, o partir do pão e as orações.
Talvez o partir do pão aqui referido fosse uma extensão do
ritual instituído por Jesus na última ceia, mas cuja significân-
cia, a comunidade apostólica ainda precisava compreender.
Esse ritual acontecia diariamente nos vários lares, por meio
do compartilhar das refeições, mas também deve ter sido pra­
ticado no templo.
Observe, também, que o arrependimento e o perdão
de dívidas, pregados por João, Jesus e Pedro, são vividos de
uma maneira bastante concreta. As pessoas compartilhavam
o que tinham, e os mais abastados vendiam o que fosse neces­
sário, a fim de suprir as necessidades de outros da comunida­
de. Aqui, o exemplo estabelecido por Zaqueu parece ter sido
multiplicado muitas vezes. A “alegria e singeleza de coração”
(2:46) das pessoas reflete o viver em simplicidade e liberali­
dade, ao invés de serem calculistas e buscarem seus próprios
interesses. Tais práticas comunais por estes primeiros segui­
dores de Jesus persistiram por um tempo (vide Atos 4:32-37),
embora não saibamos por quanto tempo. Está claro, contudo,

3
ue aqueles que se arrependeram e foram batizados em nome
e Jesus para o perdão de pecados se viam chamados para in­
corporar o Caminho de vida exemplificado pelo Messias, Je­
sus, e experimentado e ensinado por seus discípulos mais ínti­
mos. A restauração de Israel não foi um mero acontecimento
espiritual. O derramar do Espírito Santo pelo Jesus ascendido
estabeleceu um novo corpo comunal, que forneceu uma forma
alternativa de vida para aqueles sob o senhorio de César.
Não confunda este estilo de vida judaico-cristão pri­
mitivo com certo tipo de socialismo ou comunismo. As crí­
ticas de Karl Marx foram direcionadas ao industrialismo que
ele viu na Inglaterra da metade do século dezenove, quando os
trabalhadores eram forçados a vender seu trabalho pelo valor
de mercado (que era insuficiente para suprir suas necessida­
des diárias), não permitindo, então, que mantivessem seus lu­
cros (os quais eram embolsados pelos mercantes capitalistas).
A solução de Marx era distribuir tanto a propriedade privada

S uanto a posse de capital produtivo ao proletariado (traba-


ladores), de maneira que eles pudessem ganhar dos lucros de
seu trabalho.
O que aconteceu entre três mil convertidos no Dia
49
de Pentecoste não foi uma expressão primitiva do manifesto
de Marx. Um dos motivos é que o compartilhar destes pri­
meiros seguidores de Jesus como o Messias foi motivado por
um coração arrependido e pelo dom do Espírito Santo, e não
pela regra socialista de lei. Por este motivo, a venda de pos­
ses pessoais era uma prática voluntária, ao invés de uma re­
jeição institucionalizada da propriedade privada. Ademais,
tal venda e distribuição da renda não pareceu ter acontecido
sistematicamente; em vez disto, se desenrolou com o tempo,
de acordo com as necessidades da comunidade. O que Lucas
descreve aqui não é certo tipo de comunismo, mas é exemplar
da comunidade do Espírito Santo.
Ao mesmo tempo, esta primitiva comunidade apostó­
lica incorporava valores acerca da comunhão (feoinonia; 2:42),
empatia mútua e solidariedade, que também são uma forma
bastante diferente do que hoje chamamos de capitalismo de
livre mercado. Se a vida no Espírito libera as pessoas de Deus
de maneira que contrapõe os regimes opressivos e asfixiantes
que tipicamente marcaram as comunidades socialistas, as­
sim também a comunhão do Espírito questiona a ganância,
o consumismo, o materialismo e o militarismo que caracte­
rizam muito a vida em meio à economia de mercado neoli-
beral. Como o exemplo da comunidade primitiva do Espírito
pode desafiar nossa própria cumplicidade nas práticas que
sustentam e perpetuam desigualdades na vida gfobal? O que
significa, para nós, resistir às forças sistêmicas que oprimem
o pobre, e assim fazê-lo de acordo com o modelo apresentado
pelos primeiros seguidores de Jesus? E possível traduzir este
modefo de vida sob a graça e incluir o perdão de dívidas na
classe média norte-americana do século vinte um e na ordem
capitalista do mercado global?
Penso que devemos reconhecer que as práticas do rei­
no representam um contraste tanto com o comunismo quan­
to com o capitalismo, conforme os entendemos hoje. Em vez
de ou ter de vender nosso trabalho para os lucros de outros,
ou ter de redistribuir os frutos de nosso labor através de um
sistema socialista, talvez o dom do Espírito Santo nos empo-
dere a dar não a partir de nossa própria necessidade, mas da
abundância de Deus. A economia divina da gra^a satisfaz as
necessidades de todos não através da “mão invisível” do mer-
50
cado livre ou do regime forçado de uma economia socialista;
antes, por meio da mutualidade e reciprocidade da comunhão
nascida do dom messiânico do Espírito. A salvação prometida
através do arrependimento, do batismo e do dom do Espírito
Santo libera o povo de Deus da alienação de Deus, de outros,
e mesmo dos produtos de seu trabalho, uma vez que não mais
somos mantidos em escravidão ao “que é nosso” (ou meu!).
Somos capacitados a ter todas as coisas em comum e a dar
conforme cada um tenha necessidade.
Vemos que Pedro e os apóstolos levaram suas palavras
à sério: eles se arrependeram de seus pecados, receberam per-
dão e estenderam esse perdão aos outros de maneira a trazer o
surgimento de um novo Israel, uma nova comunidade daque­
les que viviam de acordo com a mensagem do reino de Jesus.
Foi esta comunidade primitiva que revelou as importantes
implicações do arrependimento, do batismo e do perdão de
pecados em um mundo caído como o que vivemos. Tal “sal­
vação” não era meramente espiritual, mas consistia em um
evangelho — Boas Novas — a ser vivido. As pessoas que foram
realmente batizadas com o Espírito Santo e com fogo agora
viviam de maneira diferente!

51
A Missão de Jesus Cristo, o Ungido
Lucas 4:14-30

Se a imagem da eomunhão não hierárquica de iguais


que acabou de ser retratada parece implausível, talvez nós a
estejamos julgando não de acordo com a vida no poder do
Espirito, mas de acordo com nossas próprias preferências e
pressuposições de classe média do século vinte e um. Vamos
continuar a interrogar nossas próprias suposições sobre es-
tas questões, ao acompanharmos mais a narrativa de Lucas da
vida e ministério de Jesus.
Lucas 4:14-30 registra o início do ministério público
de Jesus em sua cidade natal, Nazaré, e sua região natal, Ga-
lileia. Jesus inicia seu ministério “cheio do poder do Espíri­
to” (4:14). Em reconhecimento daquela unção que está sobre
ele, ele anuncia a partir do texto messiânico do profeta Isaías
(61:1-2):
O Espírito do Senhor é sobre mim,
pois que me ungiu para evan-
gelizar os pobres. Enviou-me a
curar os quebrantados de coração,
A pregar liberdade aos cativos, e res­
tauração da vista aos cegos, a pôr em
liberdade os oprimidos, a anunciar o
ano aceitável do Senhor (Lc. 4:18-19).
Ao invés de enxergarmos cada um destes elementos
como separados da vocação messiânica de Jesus, devemos vê-
-los como aspectos inter-relacionados à sua missão de restau­
rar a aliança com Israel. Neste sentido, precisamos manter em
mente os aspectos a seguir.
Para começar, o pobre, os cativos, os cegos e os opri­
midos não são meramente metáforas, e nem devem ser aplica­
dos somente aos quatro grupos literais de pessoas. A primeira
interpretação espiritualizaria estes rótulos, mas ela ignoraria
o fato de que o ministério público de Jesus, no restante da

52
narrativa do Evangelho, de fato libertou cativos, abriu olhos
cegos e libertou oprimidos. A última interpretação pode nos
levar a pensar que as “Boas Novas” estavam limitadas a quatro
grupos de pessoas.
Em vez disto, deveriamos ver estas referências como
incluindo o amplo espectro de habitantes entre as classes mais
baixas da Palestina do primeiro século. Eram pessoas realmen­
te pobres, cegas e oprimidas, e o ministério de Jesus era para
elas e por elas. Além disso, havia outros, como os leprosos, os
espiritualmente empobrecidos (incluindo cobradores de im­
postos, tal como Zaqueu), e os oprimidos pelo demônio, aos
quais o evangelho era direcionado. Todos estes eram pessoas
de scatus baixo, zero ou desprezível na sociedade greco-roma-
na — que constituía cerca de 55 por cento da população, que
vivia sob o julgo do governo imperial, a elite sociorreligiosa e
a aristocracia possuidora de terras — e era para estes pobres
que a mensagem messiânica era particularmente relevante.
A partir desta perspectiva, o ministério messiânico é a
boa nova de maneira concreta. Para os cegos, ela significava a
abertura de olhos e o dom da visão (vide Lc. 7:21-22; 18:35-42);
para aqueles em prisão ou que eram oprimidos, ela significava
libertação, comumente entendida em termos de libertação de
opressão demoníaca; e para o pobre, ela significava sua liber­
tação da prisão ou mesmo da dívida (a palavra para “liberta­
ção” podendo ser também traduzida por “perdão”). Com estes
elementos combinados, o ministério de Jesus ungido pelo Es­
pírito causaria “o ano aceitável do Senhor” (4:15).
Entendido de acordo com as promessas messiânicas
dos profetas hebreus, incluindo Isaías, que está sendo citado
nesta passagem, este “ano do Senhor” teria sido tomado como
uma referência ao Ano do Jubileu, anunciado na Torá.^ Havia
três fatores-chave do ano do Jubileu (o quinquagésimo ano
apc)S sete ciclos de sete anos): (1) débitos seriam cancelados;
(2) escravos seriam libertos; e (3) a terra seria devolvida a seus
proprietários originais. O pronunciamento de Jesus de que
“hoje se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos” (4:21) erá,
portanto, recebido com gozo por seus ouvintes, aqueles do
lado inferior da sociedade.
3 O seguinte resume 0 que é descrito como o Ano do Jubileu em
Lv. 25:8-12 e Dt. 15:1-7.

53
o ministério público de Jesus não resultou direta­
mente, em sentido algum, em uma implementação literal do
programa do jubileu. Contudo, o estabelecimento da comu­
nidade messiânica primitiva (Atos 2:42-47) de fato criou um
modo alternativo de vida que instituiu o Espírito, se não a
letra das prescrições do jubileu. Ao passo que não nos é dito
explicitamente que as dívidas econômicas foram canceladas,
já temos visto que o sistema socioeconômico foi radicalmente
reestruturado na comunidade apostólica, precisamente a fim
de fornecer alívio aos necessitados. Tão importante quanto,
a declaração do perdão de pecados renovou o pacto com Is­
rael e criou uma comunidade radicalmente igualitária, em um
sentido no qual todos eram reconhecidos pecadores diante
de Deus e, contudo, eram absolvidos e exonerados de seus er­
ros, sendo, deste modo, igualmente aceitos na comunhão do
Espírito.
A comunidade messiânica primitiva entendia que a
proclamação de Jesus das boas novas aos pobres intencionava
realizar a renovação de Israel e o estabelecimento do reino (o
ano aceitável do Senhor). Porque o poder do mesmo Espírito
que ungiu Jesus havia sido derramado sobre eles, os discípulos
perceberam que suas vidas seriam uma extensão do ministério
de Jesus. Avance, então, para hoje. Não deveriamos abraçar a
unção do Espírito em nossas vidas, ao seguirmos os passos dos
discípulos? O poder do Espírito está presente agora para nos
capacitar a trazermos as boas novas aos pobres e a colocar­
mos em prática o evangelho para os oprimidos e para aqueles
em prisão. Isto envolveria não apenas declarar aos pobres que
seus pecados são perdoados, e não apenas alimentar, prover
vestimenta e recursos ao pobre, por mais importante que tais
coisas sejam. Mas ele tainbém deve envolver o que os crentes
messiânicos primitivos faziam: reestruturar nossas próprias
vidas e comunidades de maneira que as linhas entre os ^ue
têm e os que não têm sejam vencidas, de sorte que ninguém
precise necessitar de algo!
Observe, ainda, como Jesus tenta liderar seus discípu­
los a verem o ano aceitável do Senhor como sendo não apenas
para eles, enquanto judeus, mas também para outros. Em cer­
to sentido, a multidão estava dizendo que, se o ano do Senhor
tinha realmente chegado, então por que Jesus não realizou
54
mais das obras messiânicas na cidade de Nazaré, em particu­
lar, e na região da Galileia, em geral (Lc. 4:23)? A resposta de
Jesus foi extraída dos ministérios de Elias e Eliseu: que um foi
enviado a uma viúva gentia (a região de Sidom ficava fora do
territcirio judaico, naquela época), ao passo que o outro foi
enviado a um leproso sírio. Se a unção do Espírito significa­
va boas novas aos pobres, não se limitava aos judeus. Antes,
o evangelho do reino também era para os gentios, incluindo
aqueles nos setores mais baixos do mundo social: as mulheres,
os leprosos e os impuros.
Com estes dizeres, nem mesmo a calorosa recepção
inicial de Jesus pelos galileus pode mantê-lo em boa posição
com os líderes e membros locais da sinagoga nazarena. Eles
“se encheram de ira” (4:28) e tentaram assassiná-lo. (De algu­
ma forma, Jesus escapou para continuar a obra de restaurar
o reino, mas somente por um curto período de tempo). Às
vezes, talvez sejamos como aqueles nazarenos arrogantes que
pensavam serem merecedores da presença e do poder do Espí­
rito Santo, mas não outros, que estão alem do escopo do amor
redentor de Deus.

55
8

0 Espirito Santo e a Política de Cura


A tos 3:1-4:31

A perseguição a Jesus em Nazaré, que acabamos de


ver, prenunciava a perseguição que os discípulos experimen­
tariam, como resultado de ministrarem em Seu nome. De
fato, sua vida forneceu um modelo para o ministério de seus
discípulos.
Assim como Jesus foi enviado aos pobres — entendido
como aqueles às margens e do lado inferior da história —, o
mesmo se deu no primeiro episódio do ministério dos discí­
pulos: os principais apóstolos foram enviados a uma pessoa
assim. A pobreza do homem cujo nome não é mencionado,
contudo, estava explicitamente relacionada à sua deficiência:
ele fora aleijado por mais de quarenta anos, desde o tempo de
seu nascimento (Atos 3:2; 4:22). De acordo com o entendimen­
to judaico da lei, então, a deficiência deste homem era, pro­
vavelmente, o resultado do pecado nas vidas de seus pais ou
ancestrais (comparar Jo. 9:2 e Dt. 28:15-68). Em certo sentido,
ele merecia sua sina na vida, e sua deficiência, na verdade, o
marcava como sendo a l^ ém fora das promessas da aliança de
Javé. Aqui estava alguém duplamente oprimido, e seu lugar
estava fora do templo (cf Lv. 21:17-20).
Mas o poder do Espírito que operou por meio de Jesus
para abrir os olhos dos cegos e curar os deficientes também
estava presente em Pedro e João. Com Jesus à destra do Pai,
a cura do aleijado, feita em nome de Jesus, foi realizada pela
unção do Espírito (Atos 3:6, 16). Como resultado, aquele ho­
mem cuja deficiência o impedia de entrar nas cortes do tem­
plo estava vindicado, e ele se aproximou do santuário interior
saltando, pulando e louvando a Deus (3:8-9).
Esta cura do homem aleijado não deve ser vista como
um ato isolado de misericórdia, mas como parte da tarefa
missionária mais ampla de restaurar Israel e trazer o grande
e glorioso ano aceitável do Senhor, em especial para aqueles

56
do lado inferior da história. Na verdade, os profetas haviam
predito que, no ano de redenção de Javé, “os coxos saltarão
como cervos” (Is. 35:6)!
Como tal, Pedro entendeu a presença manifesta de Je­
sus através do Espirito como uma ocasião para mais uma vez
convidar a multidão de israelitas a se arrepender e receber o
perdão de pecados (3:12, 15). Mas o que Jesus havia insinuado
aos nazarenos na sinagoga, Pedro, agora, explicitamente de­
clara: “e venham assim os tempos do refrigério pela presença
do Senhor, E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi
pregado. O qual convém que o céu contenha até aos tempos
da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de to­
dos os seus santos profetas, desde o principio” (3:19-21). Em
outras palavras, a restauração de Israel estava, de alguma for­
ma, ligada á renovação de todas as coisas em Deus, ainda que
(conforme veremos posteriormente, em Atos 10) o próprio
Pedro não tenha entendido plenamente as implicações desta
obra redentora, nesta época.
Agora, assim como foram os lideres religiosos que per­
seguiram a Jesus, também foram os lideres religiosos de Jerusa­
lém (inicialmente) que perseguiram os discipulos. Mais espe-
cificamente, foi o mesmo grupo de lideres político-religiosos
— “Anás, o sumo sacerdote, e Caifás, e João, e Alexandre, e
todos quantos havia da linhagem do sumo sacerdote” (compa­
rar At. 4:6 com Lc. 3:2 e Jo. 18:13-24) — que participaram do
julgamento e crucificação de Jesus, não muito tempo antes,
que agora liderava a inquisição contra os apóstolos. Natural­
mente, havia outros, particularmente o partido dos saduceus,
que não acreditaram na possibilidade de ressurreição e que
provavelmente discordaram das reivindicações teológicas de
Pedro, concernentes a Jesus ter sido ressuscitado dentre os
mortos (At. 4:1-2). Contudo, nós não devemos subestimar as
preocupações da liderança judaica de que toda esta pregação
acerca do senhorio e da messianidade de Jesus (3:20) ameaçava
destituir a hierarquia religiosa-política, próxima ao topo no
qual eles mesmos estavam posicionados.
Interessada em preservar seu lugar na escada social,
política e econômica, a hierarquia política estava demasiada­
mente preocupada acerca do poder e da autoridade que eles
viam manifesta na pregação apostólica e que estava atraindo
57
milhares a uma nova maneira de vida, bem ali, em Jerusalém.
Seus piores temores pareciam estar se desdobrando: eles ha­
viam matado, com o auxílio dos romanos, o homem de Na­
zaré que pregava acerca do ano aceitável do Senhor, realizava
as obras do reino e também ajuntava milhares de seguidores;
mas esta mensagem e estes feitos haviam, agora, reaparecido
entre seus companheiros, desprovidos de educação formal.
Era precisamente em nome de Jesus que o aleijado havia sido
curado, e apenas em e através de seu nome — não no de César!
— que tal cura e redenção (salvação) estavam sendo declara­
das a todos debaixo do céu (4:10, 12).
E importante, aqui, seguir a dica fornecida por Lu­
cas para observarmos que “salvação”, em Lucas e Atos, quase
nunca se refere primariamente ao que acontece após a morte,
mas significa, literalmente, completude e saúde. À cura deste
homem envolveu não apenas a cura de sua deficiência, mas
também sua integração a vida comunal judaica, conforme re­
presentada por sua entrada no templo. Ademais, ele não mais
seria um mendigo, mas agora poderia fazer contribuições
como membro de sua sociedade. Em cada uma destas formas,
as boas novas da salvação tinham relevância não para o pós-
-vida, mas para a vida aqui e agora.
Alem disso, assim como as curas que Jesus realizou, a
cura do deficiente na Porta Formosa acabou por ter poten­
cialmente implicações políticas drásticas. A política de cura
não apenas expunha a descrença da liderança religiosa; mais
desconcertantemente, para aqueles interessados em preservar
o sistema de classes, que mantinha as massas esmagadas sob o
pé imperial e aristocrático, a comunidade apostólica reconhe­
cia e proclamava que a hierarquia religiosa estava entrelaçada
às autoridades políticas, e uma era dependente dos mecanis­
mos da outra. Se as autoridades haviam sido informadas acer­
ca das orações da comunidade perseguida, eles sabiam que os
seguidores de Jesus reconheciam apenas um: “O Soberano, tu
fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há!” (4:24), e que
eles associavam a descrença dos líderes judaicos à descrença
do governo imperial, e vice-versa:
Por que bramaram os gentios,
e os povos pensaram coisas vãs?
Levantaram-se os reis da terra, e os

príncipes se ajuntaram a uma, con­
tra o Senhor e contra o seu Ungido
(4:25-26; cf. Ps. 2:1-2).
Mesmo em meio à perseguição, a comunidade messiâ­
nica inexperiente pedia mais ousadia, mais curas e mais sinais
e maravilhas (4:30-31), e talvez mesmo seus oponentes sentis­
sem que estas orações estavam sendo ouvidas.
Então, assim como a liderança religiosa e as autorida­
des imperiais se recusaram a acreditar na proclamação mes­
siânica de Jesus, eles também, agora, perseguiam aqueles que
pregavam a restauração do reino em nome de Jesus. Assim
como as forças que tinham preferido sua desonestidade e in­
justiça (aos custos das massas) sobre os caminhos do reino
messiânico, esses mesmos poderes, agora, também emprega­
vam os mecanismos mundanos de ameaças políticas (4:17-21),

E recisamente aquilo que os soldados sob o ministério de João


aviam esquecido (Lc. 3:14). Em vez de abraçar o Dia acei­
tável do Senhor oferecido por Pedro (At. 2:21), a hierarquia
religiosa preferia o senhorio de César. Sua culpabilidade é,
agora, enfatizada como entrelaçada a daquele império gentio:
“Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que
tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos,
com os gentios e os povos de Israel” (4:27). Outra diferença,
agora, era que os milhares de servos de Jesus, “cheios do Espi­
rito Santo” e com ousadia (4:8, 31), é que estavam ameaçando
destituir o status quo.
Nós devemos também entender a eura hoje não ape­
nas como um acontecimento salvífico (para aqueles que estão
doentes), mas também como tendo uma dimensão política.
Considere, por exemplo, os avanços na medicina. Enquanto
não devemos dispensar o uso responsável da medicina, nós
podemos vir a confiar nela mais do que no poder de Deus
de curar. Melhor, em vez disto, é ver a medicina como par­
te dos meios divinos de cura, ainda que reconheçamos que
Deus pode, em alguns casos, escolher realizar tais propósitos
bem em separado dos meios medicinais convencionais. Mais
importante, e mais complicado, é o fato de que nossos siste­
mas de saúde neste mundo estão entrelaçados às eomplicadas
estruturas econômicas e políticas (ex., conforme manifesto
nos debates congressionais concernente ao seguro saúde). Em
59
suma, se vamos ver a abertura dos olhos cegos e o fortale­
cimento do deficiente como sinais da chegada da nova era
do reino, então devemos, também, tomar medidas políticas e
econômicas para tornar tais meios médicos acessíveis ao má­
ximo possível de pessoas. Somente então, o manifesto poder
de cura do Espírito anunciará mais inequivocamente o esta­
belecimento do senhorio de Jesus Cristo, que colocará um fim
nos reinos deste mundo.

éo
Cura Carismática como Sinal do Reino
Lucas 5:12-26; 6:6-11; 7:1-10; 8:40-56

Conforme acabamos de ver, a cura do homem na Por­


ta Formosa envolveu a intriga política ao redor de todos os
atos de cura de Jesus. Agora, nas passagens lucanas em consi­
deração neste capítulo (que objetivam ser um representante
em vez de uma coleção exaustiva das curas de Jesus no Evange­
lho), seis curas miraculosas de Jesus, realizadas por meio dele
pelo poder do Espírito Santo, são sinais do ano aceitável do
Senhor (Lc. 4:15) e do reino e, neste sentido, tém dimensões
sociopolíticas que são comumente minimizadas. Este é um lu­
gar onde você realmente precisará ter seu Novo Testamento
próximo e de fácil acesso — para se juntar a mim em analisar
intimamente estas passagens no Evangelho de Lucas. Vejamos
como estas curas estão embutidas nas estruturas sociais, po­
líticas e religiosas mais profundas, ao passo que elas também
anunciam a redenção e a transformação destas realidades à
luz do reino vindouro de Deus.
Para começar, Jesus purifica um leproso (Lc. 5:12-15).
A lepra no mundo antigo não era simplesmente um problema
de pele; antes, ela exigia um tipo de quarentena social que
efetivamente removia os leprosos de seus lares e comunidades.
Havia extensivas provisões feitas sob a lei mosaica em relação
ao diagnóstico, ao tratamento e à purificação de leprosos e
de seus lugares de habitação (Lv. 13-14). Portanto, quando Je­
sus tocou este homem, ele transgrediu as convenções bíblicas,
legais, médicas e sociais de sua época. Contudo, Jesus sabia
que as dimensões sociais da lepra tinham de ser tratadas ex­
plicitamente, ainda que o homem tivesse sido curado. Assim
sendo, ele instrui o homem; “vai [...] mostra-te ao sacerdote, e
oferece, pela tua purificação, o que Moisés determinou, para
que lhes sirva de testemunho” (Lc. 5:14). O milagre teria sido
incompleto por si só, em separado dos atos religiosos através
dos quais o sacerdote declarava o homem purificado e apto a

61
ser reintegrado na comunidade.
A pencope é seguida imediatamente pela história do
paralítico que foi baixado pelo teto por seus amigos na presen­
ça de Jesus (Lc. 5:17-26). Enquanto Lucas sugere que o homem
foi incapaz de ver Jesus em razão da multidão, em linguajar
contemporâneo, este paralítico ou homem encarnado tinha
um problema de acessibilidade. A cura de Jesus está entrela­
çada a seu pronunciamento de perdão de pecados. Enquanto
já temos visto que o perdão de pecados envolve a libertação
de todas as dívidas e necessariamente precede a renovação de
Israel, neste caso, Jesus pronunciou absolvição também em
relação a Deus (5:20-21). A declaração do perdão de pecados
servia não apenas a funções existenciais e terapêuticas, mas
também espirituais e teológicas relacionadas à cura física des­
te homem. A cura é, portanto, um sinal não apenas do poder
de Deus de restaurar os corpos humanos, mas também de Je­
sus como representante da promessa messiânica de trazer a
redenção, a reconciliação e a liberação há muito associada ao
ano aceitável do Senhor.
De mesma importância é o fato de que Jesus curou
este homem porque sabia que ele estava rodeado de fariseus
e mestres da lei (5:17). Esta é a primeira vez no Evangelho de
Lucas que os fariseus são mencionados. Ao questionarem a
autoridade de Jesus para perdoar pecados (5:21), os fariseus
indubitavelmente também estavam expressando ceticismo
sobre este ser aquele que iria renovar e restaurar Israel. A cura
deste paralítico frisou as interconexões entre cura e perdão.
Mais importante, ela colocava as poderosas obras de Jesus na
esfera publica da vida social e religiosa judaica, e sinalava as
pessoas (e a seus líderes religiosos) que Deus estava presente
neste homem para realizar a redenção de Israel. Deste mo­
mento em diante, no Evangelho de Lucas, as hostilidades en­
tre Jesus e os líderes religiosos se intensificaram.
A próxima cura, aquela do homem com uma mão
mirrada (Lc. 6:6-11), acontece na sinagoga, no sábado. Lucas
havia acabado de contar a violação de Jesus das leis sabáti-
cas diante dos interrogadores farisaicos (6:1-5). Novamente,
Jesus sabe que está sendo observado e, contudo, diz ao ho­
mem: “Levanta-te, e fica em pé no meio” (6:8), desta manei-
ra,, garantindo que suas interações com o homem sejam feitas
em plena vista. Ao passo que seus oponentes estão buscando
trazer acusações contra ele, Jesus lhes indaga: “É lícito nos
sábados fazer bem, ou fazer mal? Salvar a vida, ou matar?”
(6:5, ênfase minha). Jesus vira as mesas, ao associar os propó­
sitos do sábado com as intervenções salvadoras de Deus. A
fim de cumprir as intenções divinas para o descanso sabático,
então, Jesus realiza a obra salvadora de Deus, não por perdoar
seus pecados, mas ao restaurar a mão mirrada. Então, apesar
de os judeus acreditarem em Javé como Salvador, eles estavam
despreparados para a manifestação de Javé na forma de Jesus.
Em vez disto, a aparição de Jesus como o mediador da salvação
divina (cf 1:47; 2:11) enfurecia os escribas e fariseus.
A salvação de Deus está, também, pelo presente inter-
-relacionado ao descanso sabático, estabelecido para garan­
tir que os ritmos humanos sejam trazidos em sintonia com
aqueles da criação de Deus. A salvação manifesta nesta cura é
um sinal do reino vindouro, que cumpre as intenções de Deus
para causar o shalom do sábado.
As próximas duas curas acentuam que, enquanto, em
geral, Jesus direcionou seu ministério aos pobres e de classe
baixa da sociedade palestina, também interagia com a elite
regente, quando as oportunidades se apresentavam. Tanto o
centurião em Capernaum (Lc. 7:1-2) quanto Jairo, o líder da
sinagoga (7:41), eram patronos que serviam como agentes en­
tre o governo imperial e as massas. O status de elite do centu­
rião está claramente identificado, como também o está o fato
de ele ser um benfeitor para os judeus em termos de seu amor
por eles e de lhes ter construído uma sinagoga (7:5). (Patro­
nos do primeiro século eram aqueles, como o centurião, que
forneciam mercadorias e serviços para seus clientes e, em tro­
ca, incorriam débitos de lealdade a seus patrocinadores). Ao
passo que ele estava em uma posição de fazer exigências dos
carpinteiros de classe mais baixa, tal como Jesus, o centurião
reconheceu a autoridade de Jesus e agiu com reverência para
com ele — primeiro, ao enviar amigos para interceptor Jesus,
e, então, a não agir com presunção com Jesus (7:6-7). Mas,
mesmo quando o centurião contradizia as convenções sociais
de sua época, ao agir mais como um cliente do que um patro­
no, Jesus, por sua vez, também parecia intencionar quebrar
expectativas sociais, ao entrar na casa de gentios (7:6). Então,
63
Jesus expressa espanto com a fé do centurião, e realiza a cura
do escravo. Em suma, esta narrativa é menos acerca do cria­
do curado do que é sobre as promessas de Deus de estender
a aliança aos gentios. Isto antecipa a expansão do evangelho
a Cornélio, em Atos, mesmo quando coloca o poder de cura
de Deus em meio aos domínios sociais e políticos das vidas
humanas.
A cura da filha de Jairo (Lc. 8:40-42, 49-56) futura­
mente revela as implicações sociais das ações salvadoras de
Deus. A restauração da menina acontece somente após uma
interrupção envolvendo uma mulher com hemorragia. Contu­
do, Jesus explicitamente define esta ressurreição como sendo
salvadora: “Não temas. Crê somente, e será salva” (8:50). A sal­
vação da menina também foi iminentemente a de sua família.
A orientação de Jesus aos pais para que dessem à menina algo
para comer (8:55) simboliza não apenas a nutrição de comida
doadora de vida, mas também as práticas sustentadoras de
vida de comerem juntos como uma atividade social. Ambos
os casos, envolvendo Jairo e o centurião, então, revelam como
seus encontros com Jesus causaram uma transformação das
relações normais entre clientes e patronos que governavam as
interações do primeiro século entre elites religiosas e milita­
res e suas clientelas.
Ultima para nossos propósitos, porém, não menos
importante em relação aos atos de cura de Jesus, é a cura da
mulher que vivia com hemorragia (e, portanto, era impura)
or doze anos e que havia sido reduzida à penúria. Estas “três
g olas fora” — mulher, impura e pobre — não a desencoraja­
ram de se espremer entre a multidão para tocar Jesus, durante
o processo do qual seu estado de contaminação tornava ri­
tualmente impuro tudo aquilo com o que ela tivesse contato.
Como com o leproso que vimos acima, sua cura física estava
incompleta, em separado da confirmação social de Jesus de
sua purificação. O diálogo que se seguiu resultou em uma fir-
mação tripla (8:48), rebatendo as “três bolas fora”: sua digni­
dade e status foram restaurados no tratamento de Jesus a ela
como “filha” (de Abraão; c f 1:55); ela fora fisicamente curada,
mas agora também socialmente redimida e feita sã (comple­
ta); e ela recebeu o dom da^az, não apenas em termos de sua
condição física, mas também em termos de agora ser aceita
64
quando, até aqui, havia sido rejeitada e marginalizada. Este
reconhecimento público era um componente essencial à cura
de Jesus, dado o “pecado” da mulher de contaminar a multi-
dão em razão de sua condição hemorrágica.
Não temos espaço para explorar as muitas outras
curas de Jesus registradas no Evangelho de Lucas. Meu pon­
to primário em toda essa discussão é acentuar a significância
mais ampla, social e política, dos atos de cura de Jesus. Em
cada caso, as curas são sinais anunciando a invasão do reino
de Deus, seja em termos de liberação de pecados ou débitos,
reconciliação com a comunidade, restauração da dignidade
social ou reordenação das relações sociopolíticas. As curas
de Jesus realizaram outras funções, além de corrigir corpos
quebrados: elas tanto anunciavam a restauração final de Is­
rael quanto constituíam a chegada do descanso sabático úl­
timo. Contra este histórico, é menos surpreendente que as
curas apostólicas em nome de Jesus posteriormente (ex., em
Atos) tanto participaram do início do dia aceitável do Senhor
como, simultaneamente, instigavam certos tipos de reações
hostis dos líderes religiosos expressas previamente contra o
próprio Jesus.
Retornado ao presente, então, devemos refletir sobre
o fato de que há mais para a cura divina do que interven­
ção biomédica. Como seres completos sociopsicosomáticos,
nossa saude exige tanto cura física quanto remediação psi-
coespiritual, incluindo reconciliação com Deus. Seres huma­
nos são criaturas sociopolíticas e econômicas tais que a saúde
holística também envolve resolução de relacionamentos in­
terpessoais, reintegração em comunidades e restauração do
valor humano vis-a-vis às percepções de outros. Na medida
em a medicina ocidental bifurca nossos corpos do restante de
nós, ela só pode consertar alguns de nossos sintomas, mas não
pode trazer a cura plena; nossas melhores práticas médicas
permanecem, exceto sinais parciais do reino. O que seguido­
res de Jesus capacitados pelo Espírito podem fazer, hoje, para
redimir e transformar nossos sistemas de saúde em todos os
níveis — medicina, acessibilidade, seguro, e assim sucessiva­
mente — de maneira que a cura possa, mais uma vez, anunciar
o ano do Senhor?
As curas carismáticas de Jesus foram sinais do reino

65
precisamente porque Jesus recusou se alinhar às convenções
sociais de sua epoca. Ele repetidamente atravessou limites so­
ciais, religiosos e teológicos — tocando em leprosos, perdoan­
do pecados, declarando o limpo impuro, interagindo com os
patronos de Israel de maneira diferente de um cliente, e assim
por diante —, como também agiu sob a capacitação do Espí­
rito Santo para anunciar e estabelecer o dia do Senhor. En­
quanto houvesse alguns da hierarquia regente que estivessem
abertos a abraçar a nova ordem mundial de Jesus, a maioria
dos líderes religiosos, da aristocracia dona de terras e da elite
imperial teria se sentido ameaçada a perder seu lugar no sis­
tema social.
Estamos, hoje, plenamente comprometidos com o
tipo de comunidade plena e transformadora que é o reino
de Deus? E, se sim, como nossas ações podem ser subversi­
vas aos atuais poderes dominantes? Se não estivermos presos
em manter nosso próprio lugar na ordem social, poderemos
nos tornar agentes melhores do poder carismático do Espírito
para trazer sinais de cura do reino vindouro.

66
PARTE TRES

A Economia do Espírito na Judeia


lO

E c o n o m ia do E s p ír ito
Atos 4:32-5:11

Existem outras passagens em Atos que revelam outras


razões porque os líderes políticos e religiosos da Palestina fi­
caram preocupados acerca da comunidade cristã inexperiente
em Jerusalém. Dentro de um curto período de tempo, houve
mais de cinco mil membros das redondezas e do mundo me­
diterrâneo mais amplo reunidos ao redor dos apóstolos (Atos
4:4; já havia ao menos esse mesmo número de seguidores de
Jesus durante o período público de seu ministério — vide Lc.
5:14). Enquanto estes incluíam alguns donos de terra e aqueles
das classes altas mais abastadas, os líderes apostólicos tam­
bém tiveram que garantir que as necessidades dos mais pobres
em seu meio estivessem sendo supridas. O que estava surgin­
do era uma comunidade plenamente mútua (em vez de hie­
rárquica), na qual “era um o coração e a alma da multidão dos
que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía
era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns” (At.
4:32). Não apenas havia pessoas mais ricas dispostas a compar­
tilhar com os menos privilegiados, mas mesmo os pobres ha­
viam internalizado a mensagem de Jesus a eles (no “Sermão da
Planície”) para dar, compartilhar e emprestar uns aos outros
sem a expectativa de retorno (Lc. 6:30-35). Este estilo de vida
alternativa, vivido em larga escala, certamente ameaçaria as
pirâmides sociais, econômicas e políticas do poder que servia
aos propósitos das elites urbanas às custas das massas abaixo.
Na verdade, foi a partir da matriz de tal abnegação
comunal e mutualidade que o testemunho apostólico de Je­
sus avançou com tal poder. Ao passo que, no passado, era
dito da comunidade apostólica que ela instigava “a simpatia
de todo o povo” (At. 2:47), aqui, fica claro que a comunidade
estava agradando a Deus, que, por sua vez, concedia “abun­
dante graça [...] sobre todos eles” (4:33). A proclamação apos­
tólica causou a impressão que causou precisamente em razão

do amor das pessoas a Deus ser confirmado e manifesto pelo
amor concreto de uns para com os outros. O cumprimento do
maior mandamento envolvia amar a Deus e ao próximo (Lc.
10:25-28). Jesus disse: “Um novo mandamento vos dou: Que
vos ameis uns aos outros; como eu vos amei avós, que também
vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois
meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo. 13:34-35).
A ressurreição de Jesus era, portanto, não apenas fa­
lada, mas testemunhada em feitos tangíveis de compartilhar
altruísta, de maneira que “Não havia, pois, entre eles necessi­
tado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas,
vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depo­
sitavam aos pés dos apostolos” (At. 4:34). A medida que os
judeus antecipavam a ressurreição trazendo consigo a restau­
ração final de Israel, estes primeiros seguidores de Jesus incor­
poravam sua vida ressurreta como o povo renovado de Deus.
Desta forma, eles estavam testemunhando a possibilidade de
viver o sábado e o ano do jubileu discutido no Pentateuco de
modo a satisfazer as necessidades de todas as pessoas (vide Dt.
15:1-18, especialmente v. 4). Em suma, a comunhão dos crentes
e o compartilhar das posses eram uma realização material da
redenção de Israel, um sinal da efetuação do reino de Deus.
O poder deste testemunho não era apenas a natureza
voluntária da vida cristã em comunhão, mas também a men­
sagem de que era possível imaginar um mundo organizado
de maneira diferente do modo como o era. Ao passo que a
Palestina do primeiro século operava de acordo com relações
recíprocas entre patronos e clientes — por exemplo, entre a
elite religiosa e as massas, entre aristocratas donos de terra e
seus trabalhadores camponeses, e entre a guarda imperial e
suas comunidades —, para Lucas, o próprio relacionamento
de patronagem havia sido subvertido completamente, uma
vez que Deus era o patrono último, Jesus era seu representan­
te, e os seguidores de Jesus viviam, em vez disto, em resposta à
generosidade de Deus. Em vez de vendedores de propriedade
se tornando beneficiários daqueles que recebiam os lucros, ca­
bia aos apóstolos “repartir a cada um” (4:35). Por sua vez, não
existe indicação de que os apóstolos reivindicaram ser benefi­
ciários; eles mesmos não pareciam possuir propriedade algu­
ma. O exemplo positivo, aqui, é o de José, chamado Barnabé.
69
Um estrangeiro cultural (de Chipre), Barnabé fazia parte da
diáspora judaica, da tribo de Levi. A lei levítica exigia viver
do dízimo em vez de permitir a posse de propriedade (vide
Nm. 18:20; Dt. 10:5). A conversão de Barnabé o levou a viver
os princípios levíticos, sabáticos e do jubileu: vendendo seu
campo, compartilhando o lucro com aqueles em necessidade,
se tornando “de um só coração e de uma só alma” com outros
seguidores de Jesus, e tendo todas as coisas em comum com
eles.
O exemplo negativo para a comunidade cristã primi­
tiva foi o de Ananias e Safira, Dada a natureza voluntária do
compartilhar cristão, o casal não precisava dar o valor total de
sua venda aos apóstolos (5:4). O pecado do casal foi dar apenas
parte do lucro enquanto fingia que estava dando o valor total,
e, então, mentir sobre o caso. A decisão do casal ameaçava a
abertura, mutualidade altruísta e honestidade da comunida­
de cristã primitiva. Quando eles perceberam que seu engano
havia sido descoberto, eles “caíram [...] e morreram” (5:5, 10).
O contraste entre as práticas doadoras de vida daqueles como
Barnabé e a ganância e desonestidade destruidora da comuni­
dade de Ananias e Safira eram, agora, inconfundíveis, e “hou­
ve um grande temor em toda a igreja [ekkksia] e em todos c|ue
ouviram estas coisas” (5:11). Ironicamente, a primeira referen­
cia a ekklesia'* pode também ter assinalado, com esta sequência
chocante de acontecimentos, o início do final do experimento
comunal cristão primitivo; tirando as discussões em Atos 6 e
11, nós pouco ouvimos deste tipo de partilha comunal e gene­
rosidade, mais tarde, no registro de Lucas.
Ainda, o episódio de Ananias e Safira contrasta tanto
a espontaneidade e generosidade de Barnabé, em particular,
como da comunidade cristã mais ampla, como um todo. Os
primeiros seguidores de Jesus testemunharam com poder o
Cristo ressurreto, em parte através da quebra das relações en­
tre patrono e cliente de sua época. Crentes de todas as clas­
ses econômicas e sociais compartilhavam uns com os outros
uma nova família de irmãos e irmãs “de uma mente e coração”
4 A palavra grega ekklesia, geralmente referida à “assembléia”, do
grego polis, ou cidade estado; aqui e em poucos outros lugares aparece
em Atos, indicando a nova comunidade política formada de crentes
messiânicos.

70
(4:32), sob o senhorio de Cristo e a liderança apostólica. Eles
haviam recebido a hospitalidade graciosa de Deus, e agora vi-
viam da abundância divina contra a violência, a injustiça e a
iniquidade do império e de suas agências de execução.
O Espírito Santo está operando de maneiras seme­
lhantes hoje? Existem comunidades de fé que são sinais da
mutualidade e da amizade do reino vindouro? Estes tipos de
comunidades eclesiásticas, por sua própria existência, cons­
tituem uma crítica profética ao egoísmo, à injustiça e à vio­
lência que caracterizam as estruturas falidas deste mundo,
como também uma ameaça de destruição da forma do mun­
do de fazer negócios. Talvez a testemunha presente da igreja
ao mundo esteja silenciosa porque estamos dominados por
nosso individualismo, materialismo e consumismo, em vez
de cativados pela abnegação de Cristo e dos exemplos como
Barnabé. Mas, se plenamente abraçarmos o poder do Espírito
Santo, em vez disto, cessaremos de comprometer o evangelho
com nosso egoísmo e, na verdade, incorporaremos as boas no­
vas aos confins da terra.

71
11

Ausência de Hierarquias de “Classe” no Espírito!


Lucas 7:18-50; 13:10-17; 18:5—17

Como podemos explicar o fato de que os primeiros se­


guidores de Jesus “estavam juntos e tinham tudo em comum”
(At. 2:44) e de que lhes “era um o coração e a alma” (4:32)?
Como estes primeiros discípulos eram capazes de se libertar
das divisões de classe e da estrutura organizada hierarquica­
mente e viver uns com os outros, como iguais? Talvez isso ti­
vesse algo a ver com a vida e com os ensinamentos daquele
que eles seguiam. Talvez ele tivesse sido, de fato, capacitado
pelo Espírito para restaurar o reino de Israel, e assim o fez,
derrubando os poderosos e exaltando os humildes (vide Lc.
1:51-53), e ao proclamar libertação aos cativos e liberdade
àqueles que eram oprimidos (4:16).
As passagens lucanas sob consideração neste capítu­
lo acentuam o nivelamento feito por Jesus cias hierarquias de
classe de sua época e o estabelecimento de uma comunidade
de iguais. Vemos que os pobres — incluindo o doente, o ende-
moninhado, o cego, o deficiente, os leprosos, os cobradores de
impostos, os bêbados e os pecadores no fundo da hierarquia
social (7:21-22, 25, 34) — respondiam avidamente a seu minis­
tério. Ao mesmo tempo, também estava claro haver outros,
incluindo alguns fariseus, advogados e líderes religiosos, que
recusaram os ministérios de João (e, por extensão, o de Jesus)
e “rejeitaram o conselho de Deus contra si mesmos” (7:30).
O registro singular de Lucas na casa de Simão, o fari­
seu, e a interação subsequente com a mulher pecadora, ilus­
tram o Espírito chamando uma comunidade de iguais, através
do ministério de Jesus. Não apenas era incrível que Jesus, para
começar, aceitou o ministério dessa mulher, mas ele também
claramente comunicou sua aceitação por Deus através da exo­
neração de seus débitos (7:41-43) e do perdão de seus peca­
dos. (Lucas 7:47 sugere que ela havia previamente, talvez em
privado, já encontrado Jesus e recebido perdão, e agora bus-

72
cava lhe mostrar sua gratidão). O problema com o anúncio
de Jesus de perdão, contudo, era que isto tinha permanecido
como prerrogativa do sacerdócio, realizado de acordo com os
protocolos dos sacrifícios do templo. Jesus, na verdade, havia
minimizado o ministério do templo e, ao comparar e con­
trastar a mulher pecadora com um respeitado fariseu, ambos
minimizavam o estabelecimento religioso e questionavam a
autorretidão de Simão. (Na verdade, a fala de Jesus a Simâo,
“aquele a quem pouco é perdoado” [7:47], tecnicamente sugere
que Simão tem poucos pecados que precisam de absolvição,
mas, em realidade, comunica que, de seus muitos pecados,
apenas poucos foram reconhecidos por ele como necessitando
perdão!)- No final, então, a declaração de Jesus de que “a sa­
bedoria é justificada por todos os seus filhos” (7:35) prefigura
sua justificação pública da mulher pecadora e sua denúncia
pública e condenação da hierarquia religiosa.
Um episódio semelhante acontece, mais tarde, quan­
do Jesus “ensinava no sábado, numa das sinagogas” (13:10).
Neste caso, Jesus curou uma mulher espiritualmente oprimi­
da pelo diabo que estivera, então, encurvada por dezoito anos.
Contudo, a imagem contrastante é a do líder indignado da si­
nagoga, que objetou que tal feito tivesse sido realizado no sá­
bado. A resposta de Jesus foi direcionada à liderança religiosa
como um todo, que servia como guardiã social e cultural: “hi­
pócrita!” (13:15). Aqui estava uma “filha de Abraão” (13:16) que
estava pronta para receber seu descanso sabático, ainda que
contra toda a hierarquia, que parecia determinada a evitar
a chegada do dia aceitável do Senhor. Eles pareciam dema­
siadamente preocupados com as convenções tradicionais para
abraçar a obra do Espírito de realizar a plena restauração de
Israel, especialmente quando isso incluía e envolvia as classes
mais baixas e os habitantes pobres da terra.
A parábola posterior de Jesus, sobre o fariseu e o co­
brador de impostos (18:9-14), confirma o rebaixamento dos
orgulhosos e a exaltação dos humildes pelo Espírito. O fariseu
via a si mesmo como superior em pelo menos três níveis: mo­
ralmente, porque ele era diferente dos ladrões, trapaceiros,
adúlteros ou cobradores de impostos; religiosamente, porque
ele jejuava duas vezes por semana; e economicamente, porque
ele pagava o dízimo fielmente. Mas foi o autoconfesso peca-
73
minoso cobrador de impostos que — como Zaqueu — “desceu
justificado para sua casa, [...] porque qualquer que a si mesmo
se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humi­
lha será exaltado” (18:14). Na verdade, Jesus caracteriza o reino
vindouro como pertencente àqueles que são como crianças
(18:15-17). Isto reflete o tipo de humildade manifesta entre os
crentes primitivos, uma vez que ninguém que considerava a
si mesmo melhor que os outros teria ficado confortável entre
aquela comunidade de iguais. Como crianças não exigem a
hospitalidade que busca seus próprios interesses, assim agia a
comunidade de iguais, florescendo através da mutualidade e
da hospitalidade de pessoas como Barnabé e outros dos pri­
meiros seguidores de Jesus.
Jesus estava pregando e convidando pessoas para um
novo Israel, constituído pela aliança e pela hospitalidade gra­
ciosa de Deus. Naquele descanso sabático final, representando
o reino vindouro, dívidas e pecados seriam perdoados, as pes­
soas seriam feitas completas, e os pobres seriam redimidos das
margens da sociedade e restaurados ao centro. O ministério
público de Jesus sob o poder do Espírito estava aterrorizador
aos poderes de sua época porque ele ameaçava desvendar toda
a estrutura hierárquica estabelecida pelo Império Romano. A
renovação de Israel destituiría o status quo e produziría uma
comunidade de iguais na qual os pecadores eram perdoados
assim como os líderes religiosos; na qual os pobres, doentes
e endemoninhados eram restaurados e reconciliados com
aqueles que eram prósperos; e na qual cobradores de impostos
desprezíveis, mas arrependidos, e crianças, pouquíssimo valo­
rizadas, representavam personagens centrais do reino.
Eu imagino se somos mais como Simão, o fariseu, e
o líder da sinagoga, ou como a mulher pecadora e a mulher
encurvada: estamos dispostos a sermos “rebaixados” de nossos
status mais altos, ou devemos ser “exaltados” de nossos lugares
mais baixos? Também imagino se poderiamos ter nos conten­
tado em ouvir, como a mulher pecadora, “vá em paz” (7:50),
ou se teríamos, talvez, dado os próximos passos de formar e
então morar em tais comunidades de paz, perdão, boas-vin­
das e hospitalidade. Não deveriamos ficar felizes ou satisfeitos
meramente com nossas salvações “individuais”. Afinal, é obra
do Espírito, através de Cristo e seu povo, renovar Israel; salvar
74
um povo novo e peculiar de Deus; e introduzir o pleno reino
de retidão, justiça e paz (shalom). E esta obra salvadora en­
volve a dimensão coletiva de nossas vidas, não apenas nossos
seres solitários.

75
12

Espírito e Perseguição:
A Política de Restauração
Atos 5:12-42; 12:1-25

Assim como as coisas continuariam a piorar para Je­


sus em suas relações com os líderes religiosos e políticos de
sua época, o mesmo aconteceria com seus seguidores. Ao pas­
so que eles haviam anteriormente sido advertidos e ameaça­
dos pelas autoridades (At. 4:21), posteriormente ele são açoi­
tados (5:40) e, no caso de Tiago (o irmão de João), executado
(12:2). Podemos conjecturar que as hostilidades aumentaram
em grande parte em razão à ameaça sentida que estes seguido­
res de Jesus apresentavam aos poderes existentes. As pessoas
estavam sendo curadas, aqueles com espíritos imundos esta­
vam sendo libertos, o numero de crentes estava crescendo dia
após dia e incluindo pessoas das áreas circunvizinhas, e todos
aqueles excluídos socialmente e desprovidos de educação (na
maioria das vezes) estavam sendo mantidos em uma crescen­
te elevada estima (5:13-16). Todos estes acontecimentos eram,
naturalmente, uma extensão do ministério carismático de
Jesus (c£ Lc. 4:18): os feitos que ele realizou sob o poder do
Espírito Santo estavam agora sendo realizados por seus segui­
dores, que também estavam sendo capacitados pelo Espírito.
Tão assustador quanto era o fato de que os seguidores
de Jesus estavam oferecendo perdão de pecados às pessoas,
conforme Jesus oferecia. Pior, eles estavam agindo assim nos
limites do templo (At. 5:21, 2A, mas, como Jesus, contornando
totalmente os mecanismos do sistema sacrificial e o sacerdó­
cio. A o passo que curadores daquela época teriam se tornado
patronos com uma vasta clientela, os apóstolos não apenas
ameaçavam colocar tais curadores fora de circulação, mas
também recusavam operar de acordo com as normas de rela­
cionamentos de patronos e clientes. Em vez disso, as pessoas
estavam sendo curadas bem em separado de quaisquer ações
intencionais dos apóstolos, com a sombra de Pedro mediando

76
a graciosa cura de Deus inclusive quando ele andava e cobria
aqueles que estavam enfermos (5:15}.
O que poderia ter sido mais urgente, entretanto, era
a pregação dos apóstolos. Em particular, os líderes religiosos
— incluindo o sumo sacerdote e “o conselho e todo o cor­
po de aneiãos de Israel” (5:21) — estavam preocupados que os
apóstolos estivessem “determinados a lançar o sangue desse
homem [Jesus] sobre nós” (5:28). A isto, Pedro e os apósto­
los responderam em uníssono, reiterando a aeusação acerca
de “Jesus, ao qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro”
(5:30)-
O sabio Gamaliel (que pode ter sido professor de Pau­
lo; 22:3) comparou este movimento de massa a dois outros,
cuja notoriedade indubitavelmente permanecia nas mentes
dos líderes judaicos (5:36-37). Teudas reuniu cerca de quatro­
centas pessoas, e Judas, o galileu, também liderou uma revolta
em massa (documentada pelo historiador judeu Josefo) em
reação ao governo tirânico de Arqueleu (que reinou na Judeia
de 4 AEG a 6 EG) e à exorbitante política de taxação de Quiri-
no (da Síria). Este detalhe também pode explicar porque Tia­
go, o irmão de João, foi executado pelo Rei Herodes Agripa
(Agripa I, que reinou na Judéia de aproximadamente 37 a 44
EG). De acordo com a Mishnah Sanheãrin (9:1), decapitação ou
execução pela espada eram reservadas não somente para assas­
sinos, que Tiago claramente não era, mas também para após­
tatas — aqueles que ameaçavam a segurança e a estabilidade
da região, o que a liderança de movimento de Jesus ameaçava!
No caso de Herodes, também é útil saber que ele era bastante
popular com os judeus (At. 12:3), em parte porque ele visava
melhorar o scatus quo dos judeus vis-à-vis seus regentes roma­
nos. Não é difícil imaginar que ele, também, talvez depois de
prolongadas discussões com os lideres religiosos, veio a en­
xergar o emergente movimento de Jesus como uma ameaça
política e não foi desencorajado por nenhum dos argumentos,
ao estilo dos dados por Gamaliel, de tentar acabar com esta
insurreição. Ele não apenas matou Tiago, mas também lançou
Pedro na prisão.^
5 As “vítimas inocentes” da política de Herodes, contudo, podem
ter sido os soldados (e suas famílias) que perderam suas vidas pelo fato
de eles terem perdido seu prisioneiro, Pedro (12:19).

77
Em meio a esta perseguição, os seguidores primitivos
de Jesus oravam fervorosamente (12:5, 12) e continuavam a
proclamar as boas novas do perdão de pecados. Em resposta
a violência decretada sobre Jesus, “O Deus de nossos pais res­
suscitou a Jesus [...] Deus, com a sua destra, o elevou a Prínci­
pe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão
dos pecados” (5:^o-3i). Então, contra as ameaças dos líderes
religiosos, os apostolos, em vez disso, seguiram nos passos de
seu líder e Salvador, oferecendo arrependimento e perdão de
pecados. Assim como Jesus havia sofrido uma morte desonro­
sa e amaldiçoada em um madeiro, os apóstolos estavam “rego­
zijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta
pelo nome de Jesus” (5:41). Em vez de resistir à violência de
seus opressores de maneira semelhante, os primeiros seguido­
res de Jesus ofereciam o dom do Espírito Santo. Estas respos­
tas subvertiam os valores do império com os valores do reino.
O fim da vida de Herodes reflete a subversão das “boas
novas” da Pax Romana. Como representante do senhor César,
ele mediava os benefícios salvadores do Império Romano em
termos de distribuir comida aos necessitados, incluindo pes­
soas de Tiro e Sidom (12:20); mas assim, também, agiam os
primeiros seguidores de Jesus. A diferença era que Herodes
recebia glória para si (12:20), ao passo que aqueles que abra­
çavam a messianidade de Jesus se importavam uns com os
outros como uma comunidade de iguais. Então, “no mesmo
instante feriu-o o anjo do Senhor, porque não deu glória a
Deus e, comido de bichos, expirou [um registro confirmado
em outras palavras por Josefo]. E a palavra de Deus crescia e se
multiplicava” (12:23-24).
Através da oração e da pregação, então, os leitores de
Lucas recebem uma visão de uma forma não violenta de re­
sistência, de um modo que introduzia o reino vindouro nos
passos de Jesus, o profeta capacitado pelo Espírito de Deus.
O poder do Espírito não produziu rebeliões armadas, como
aquelas lideradas por Teudas e Judas, o galileu, entre outras
(vide 21:38). Em vez disto, inspirava a proclamação de um
Messias que trazia cura para 0 corpo, realizava reconciliação
social entre classes de pessoas que haviam estado previamente
alienadas e separadas uma das outras, oferecia perdão de pe­
cados, e libertava as pessoas da opressão (social e espiritual).
78
Aqueles que recebiam seu convite e eram obedientes em an­
dar em seu caminho de vida eram “nascidos de novo” em um
Israel restaurado, um povo renovado de Deus, comunidade e
comunhão de iguais.
Os judeus muito ansiavam por tal renovação de Is­
rael, mas não esperavam que ela adotasse essa forma. O mes­
mo pode ser dito daqueles entre nós, hoje, que se consideram
seguidores de Jesus. Podemos pensar em arrependimento,
em perdão e no dom do Espírito Santo de maneiras bastan­
te individualizadas. Isso também pode explicar porque nosso
testemunhar da ressurreição de Jesus é, as vezes, silenciado,
sem potencial socialmente explosivo. E isso também pode ser
o motivo porque experimentamos muito menos perseguição
por nossa ré do que os primeiros seguidores do Messias.

79
13
0 Espírito e a Paixão de Cristo:
Política da Paz
Lucas 22:31-23:56

Não é de se surpreender, o mesmo Espírito Santo que


capacitou o testemunhar dos discípulos (At. 4:31; 5:32) e os ca­
pacitou a perseverar em meio à perseguição mesmo ao ponto
do martírio também capacitou o ministério de Jesus que o
levou à morte. Na verdade, a vida e a paixão de Jesus fornecem
um modelo para a imitação dos discípulos. O próprio Jesus
advertiu seus seguidores destas coisas (Lc. 12:11), e explicita e
ominosamente lhes disse: “Satanás vos Iplural no grego] pe­
diu para vos cirandar como trigo” (22:31). Enquanto Jesus dizia
estas palavras. Satanás já tinha entrado em Judas (22:3), e a
hora do “poder das trevas” (22:53), do próprio julgamento e da
perseguição de Jesus estava iminente.
Naturalmente, a máquina política que fez mártires os
apóstolos também estava operando no caso de Jesus. Em sua
traição por Judas, Jesus foi levado ao sumo sacerdote e, na­
quela manhã, foi interrogado pelos principais dos sacerdotes
e escribas, e pelo concilio judaico; posteriormente, acusado de
estar “pervertendo a nação, proibindo dar o tributo a César, e
dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei” (23:2), e de mobilizar as
multidões de “alvoroçar o povo ensinando por toda a Judéia,
começando desde a Galiléia até aqui” (23:5). Os líderes judai­
cos haviam claramente seguido cadapasso de Jesus, desde que
0 início de sua jornada através da Galileia para Jerusalém, cer­
to tempo atrás (9:51), e haviam observado o quanto as pessoas
estavam encantadas com sua mensagem e seus feitos. Eram,
provavelmente, as mesmas multidões da Galileia e da Judéia
que também foram atraídas a Jerusalém, mais tarde, durante
o avivamento apostólico (At. 5:16).
Claro, os apóstolos eram culpados das acusações con­
tra eles — de inspirar o povo, de pregar acerca de Jesus e de
oferecer perdão de pecados —, ernbora eles não fizessem tais

ôo
coisas com a intenção direta de destituir o status quo religioso
e político. Por contraste, Jesus era totalmente não culpado das
acusações contra ele. Contudo, estas acusações foram trazidas
porque os líderes religiosos sentiram que ele estava prestes a
derrubar o status quo, ainda que não conseguissem entender
como ele planejava fazer isso. Desta forma, em resposta às
acusações fabricadas de traição e sedição, Lucas é cuidadoso
ao nos dizer que Jesus não proibia o pagamento de impostos a
César (Lc. 20:25), ^ enquanto ele, de fato, instigava o povo, não
estava buscando causar uma rebelião armada, confbrme eles
temiam. Então, enquanto Jesus mesmo afirmou ser o Filho
messiânico de Deus e rei dos judeus — desta forma, levando
a inscrição: “Este é o rei dos judeus”, na cruz (23:38) —, sua
inocência é reconhecida e declarada repetidamente em várias
fases de seu “julgamento”: por Pilatos (três vezes), por Hero-
des Antipas, por um dos criminosos na cruz, pelo centurião
ao pé da cruz, e, implicitamente, por José de Arimatéia, que
não concordou com o processo de acusação contra Jesus feito
pelo concilio. Previsivelmente, Jesus também é proclamado
como o “Justo” pelos apóstolos, posteriormente (At. 3:14).
Ironicamente, enquanto Gamaliel comparou os após-
tolos aos insurrecionistas Teudas e Judas, o galileu, Jesus foi
executado no lugar de Barrabás, “O qual fora lançado na pri­
são por causa de uma sedição feita na cidade, e de um homi­
cídio ” (Lc. 23:15, 25). Contra a violência de Barrabás e outros
aspirantes a messias, contudo, Jesus advogava um caminho de
paz (19:42; c f 1:75; 2:14). Sim, aquele era um tempo de cri­
se, conforme simbolizado pela espada, a que Jesus chamou a
atenção (22:36). Mas, enquanto os discípulos pensavam que
isto significava que era chegado o tempo de libertar Israel
do governo imperial, eles não haviam entendido o que Jesus
queria dizer. Em resposta à produção de duas espadas para
a tarefa que eles acreditavam estar iminente, Jesus exclama
em exasperação: “Basta!” (22:38); e à resposta violenta contra
Judas e a multidão, ele ordena: “Deixai-os, basta!” (22:51), e
promove cura e paz, em vez disso. Mesmo quando ele é satiri­
zado, zombado e espancado (22:63-65; 23:11, 35-36, 35), Jesus
se recusa a retaliar.
Após o Pentecoste, os discípulos claramente haviam
aprendido a imitar as abordagens não violentas de Jesus. En-
81
quanto eles não conseguiam manterem-se acordados, quando
ele se preparava, através da oração, para confrontar a oposi­
ção, repetidas vezes, mais tarde, não buscaram a espada, mas a
oração e o poder do Espírito (At. 4:24-30; 12:5). A determina­
ção de Jesus de ser obediente ao Pai, inclusive obediente até à
morte na cruz, forneceu um modelo para a própria resistência
não violenta dos discípulos. Desta forma, a repetida oferta
dos discípulos de perdão de pecados em sua pregação era um
reflexo da resposta de Jesus, tanto em sua vida quanto em sua
morte: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc.
23:34).
Já vimos que Jesus, bem como João, antes dele, oferece
o perdão de pecados em nome do Pai, bem antes de sua morte
(3:3; 5:20; 7:47-48). Deve ser observado que, diferente dos de­
mais escritores neotestamentários, Lucas não possui conceito
algum da morte de Jesus como uma substituição ou satisfação
pelos pecados. Antes, Jesus claramente esperava morrer como
um inocente em um confronto político com as autoridades —
e ele morreu! —, mas também esperava que Deus vindicasse a
missão de sua vida (renovar e redimir Israel) e sua messiani-
dade através de uma ressurreição dentre os mortos (5:22; 18:33;
22:69). apóstolos entenderam a morte, ressurreição e exal­
tação de Jesus como sendo central à disponibilidade de per­
dão de pecados. O plano de Deus para a renovação de Israel,
por conseguinte, parecia envolver a demonstração de Jesus de
um caminho de paz; sua execução, apesar de sua inocência, a
vindicação divina de Jesus como messias através da ressurrei­
ção; e a consequente oferta de paz, reconciliação e vida abun­
dante — o descanso sabático último, o ano do jubileu e o dia
aceitável do Senhor —, através do perdão de pecados cometi­
dos contra Deus e seu inocente Messias.
Jesus viera, cheio do poder do Espírito, para restaurar
e renovar Israel e estabelecer o reino de Deus. Em sua paixão e
morte, parecera a seus discípulos que seu plano fora frustrado.
Mas ^ode ter havido alguns, incluindo José de Arimatéia, que
intuíam o contrário. José não seguiu seus colegas membros do
concilio, aparentemente porque, diferente deles, ele “esperava
o reino de Deus” (23:51; como Simão e Ana, antes dele), e reco­
nheceu, ainda que fracamente, que a vida, o ministério e mes­
mo a morte de Jesus apontavam para seu início em seu meio.
82
o caminho adiante para Israel não era através da espada, mas
da incorporação da paz, da retidão e da justiça exibidas na
vida do Messias. Tudo isso pedia não passividade em face da
oposição, mas dependência fiel de Deus. Após o Pentecoste,
os discípulos finalmente pareceram ter entendido! Aqueles
de nós, hoje, que foram e são recipientes do dom do Espírito
Santo, devem, então, viver os valores e manifestar as práticas
do reino que Jesus veio para estabelecer. Devemos ser como os
primeiros discípulos, que seguiram no caminho de Jesus, vi­
veram sua visão e carregaram seu fardo — assim como Simão
de Cirene o fez (23:26). Devemos ser tão culpados hoje quanto
Jesus e seus primeiros discípulos foram de ameaçar destituir
o scatus quo, de livremente perdoar os pecados dos outros e
de antecipar uma nova ordem mundial de shalom em meio a
um mundo de violência. Devemos orar para não ignorarmos
a obra do Espírito Santo ou estarmos por demais presos nos
reinos deste mundo quando deveriamos estar avançando o
reino de Deus.

83
M

Multiculturalismo, Globalização e o Espírito


Atos 6:1-7; 11:19-30

A missão de Jesus de restaurar Israel e estabelecer o


reino fez nascer uma forma alternativa de vida. Esta reunião
de Deus (ekklesid), que havia sido cheia do Espírito Santo, no
dia de Pentecoste, estava inicialmente constituída de judeus
da diáspora e prosélitos de ao redor do mundo (mediterrâ'
neo) conhecido, e continuava a acrescentar a seus números
habitantes locais de ao redor do interior judeu. Contudo, esta
comunidade de iguais, apesar de suas generosas práticas de
compartilhar o que tinham, por um tempo, resultando nas
necessidades de cada um sendo supridas, estava prestes a com
frontar seus maiores desafios interculturais e econômicos.
Atos 6 nos conta que as tentativas dos apóstolos de servir as
multidões haviam alcançado um ponto de ruptura. Ironica­
mente, isso foi ativado pelo conhecimento de que alguns na
comunidade — helenistas, Lucas os chama, provavelmente se
referindo aos judeus (e prosélitos) da diáspora que falavam
grego — que estavam sendo tratados como menos do que
iguais, em razão da negligência apostólica. As coisas haviam
mudado, desde os primórdios do movimento, quando os dis­
cípulos partiam o pão uns com os outros em seus lares. O
tremendo crescimento do movimento de Jesus havia sobre­
carregado os limitados recursos da comunidade, e os grandes
números envolvidos foram direcionados, naturalmente, aos
bolsos comunais, que se desenvolviam junto a linhas sociais,
culturais, linguísticas e de classe.
Os grupos mais vulneráveis na comunidade, as viú­
vas, havia, portanto, se reunido em duas congregações dis­
tintas: a de fala ^rega, provavelmente representando aquelas
que retornaram a Palestina da diáspora após seus maridos
haviam falecido, e a de fala hebraica, consistindo de locais.
O problema parece ter sido que as viúvas helenistas “eram
menosprezadas no ministério cotidiano” (At. 6:1). Mas o tex-

84
to gtego diz somente que elas estavam sendo negligenciadas
na diakonia cotidiana, melhor traduzido simplesmente como
“serviços” ou “distribuição”; é somente a resposta dos Doze
— que distinguiam entre a “palavra de Deus” e “servir mesas”
(6:2) — que leva a tradução de diakonia como “distribuição de
comida”. Contudo, isso não parece certo; logo de início, no
nível sociocultural, a preparação, a distribuição e o servir da
comida teriam sido responsabilidade das mulheres. Futura­
mente, jamais se diz que os sete homens que são escolhidos
para supervisionar esta questão assumiram o trabalho de dis­
tribuição de comida; em vez disto, com dois deles (Estevam
e Filipe; At. é:S-8:ô), nos é contado como estes pregavam a
palavra com poder.
Parece que Atos 6 reflete os desafios de manter uma
comunidade de iguais que confronta qualquer comunidade
multicultural, muTtiétnica e multilinguística. A tendência hu­
mana leva a nos reunirmos com outras pessoas com experiên­
cias e históricos semelhantes; não há nada inerentemente er­
rado com isto. Contudo, este movimento palestino estava sob
uma liderança palestina (isto é, de fala aramaica), e isso, por
sua vez, levou, provavelmente de maneira inadvertida, à mar-
ginalização das viúvas helenistas — “estrangeiras residentes”
que não tinham família ou apoio social da participação ativa
na provisão do serviço cotidiano e nas atividades da comu­
nidade. A resposta apostólica foi designar e capacitar líderes
que falavam grego (os nomes dos sete são todos helenistas),
para assegurar que tais práticas e comportamentos exclusivis­
tas e injustos fossem corridos e que estas viúvas fossem cuida­
das de maneira adequada. Um destes líderes cheio do Espirito
era Nicolau, “prosélito de Antioquia” (At. 0:5).
Nicolau e sua família podem ter visitado Jerusalém
no dia de Pentecoste com outros judeus da diáspora da A n­
tioquia e da região circunvizinha. Eles haviam se juntado à
comunidade apostólica, e suas habilidades de liderança foram
reconhecidas e confirmadas. Em toda probabilidade, estes
judeus antioquinos e prosélitos não tinham outros parentes
que permaneceram em Antioquia. E provável que as várias
comunidades de fala grega e hebraica, conectadas por crenças
religiosas comuns, práticas e aspirações, encontraram causa
comum com a vis ao ar apostólica ainda que falassem línguas

85
diferentes. Ainda assim, era previsível que a perseguição da
comunidade messiânica em Jerusalém levasse a uma dispersão
dos fiéis, e que muitos destes convertidos simplesmente retor­
nasse a suas casas (ou segundas casas, no caso dos judeus da
diáspora) e trouxessem as boas novas com eles.
Isso é exatamente eomo o evangelho chegou a Antio-
quia, através de Nicolau e outros antioquinos. Este foi um
importante desenvolvimento, pois a comunidade messiânica
primitiva desde Antioquia era amplamente reconheeida no
primeiro século como a terceira maior cidade no Império Ro­
mano (além de Roma e Alexandria), com uma população de
aproximadamente meio milhão de habitantes. E ali que estes
crentes messiânieos primeiro vieram a ser conhecidos como
chrisríanos, ou seguidores do ungido, o Messias (11:26), ainda
que este nome não tenha se enraizado como um autoenten-
timento cristão até o segundo século. (A palavra christianos
somente ocorre duas vezes em outros lugares no Novo Testa­
mento: em Atos 26:28, nos lábios de Agripa II, que pergunta a
Paulo: “Por pouco me queres persuadir a que me faça eristão!”,
e em 1 Pedro 4:16, que diz: “Mas, se padece como cristão, não
se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte”).
Provavelmente, por algum tempo, durante a segun­
da década da existência desta comunidade messiânica, uma
fome mundial (o grego original é oikoumenen) se estabelece.
Ao menos, isto é o que Àgabo, o profeta, predisse (11:27-28).
Esse aparte de Lucas aconteceu “durante o reinado de Cláu­
dio” (que data de 41-54), e é confirmada pelas referências em
textos extrabíblicos uma seca, um tanto severa, que devastou
as safras de grãos do Egito durante os anos 45-47. De fato,
enquanto a seca pode ter sido local no Egito, ela teve impli­
cações “globais”, não apenas para aquelas regiões do mundo
(imperiál) conhecido que eram dependentes da exportação
do grão egípcio (como eram os habitantes da Palestina), mas
também para aquelas comunidades da diáspora que estavam
relacionadas àquelas que foram fortemente atingidas pela es­
cassez de grão e pela inflação resultante dos preços dos grãos
(como era o caso dos judeus da diáspora em relação aos seus
parentes “no seu país”).
Os eristãos antioquinos responderam a esta necessi­
dade enviando alívio aos seus irmãos e irmãs judeus através

de Barnabé e Saulo, e isto parece ser confirmado pelo pró­
prio Saulo (Paulo) (vide Gl. 2:1-10, esp. v. 10). Ao passo que
o evangelho de Jesus, o Messias, havia deixado a igreja “mãe”,
os ministérios das igrejas “filhas”, tal como a de Antioquia,
estavam agora fluindo de volta ao lar. Estes desenvolvimentos
sugerem que a missão cristã resiste a qualquer tipo de men­
talidade hierárquica, patriarcal ou “colonial”, e enfatiza, em
vez disso, uma mutualidade e reciprocidade entre “enviar” e
“receber” igrejas.
Em certo sentido, pouco mudou em dois mil anos, ex­
ceto que o “império” do capitalismo de mercado substituiu o
Império Romano do primeiro século. O que resta agora, como
outrora, são a marginalização dos “excluídos” culturais e lin­
guísticos em qualquer situação, as sempre presentes necessi­
dades dos pobres em todo o mundo (tanto dentro quanto fora
das comunidades cristãs), alterando comunidades migrantes e
mesmo refugiadas (talvez fugindo da perseguição de um tipo
ou do outro), e as instabilidades suportadas por uma econo­
mia política volátil (com implicações globais comensuradas
com a economia global e com processos de globalização, como
nossa atual dependência do petróleo continuamente nos lem­
bra). Entretanto, podemos aprender uma lição bastante im­
portante dos crentes messiânicos primitivos, que permanece
aplicável à nossa época: que liderança e ministério eficazes de­
vem representar e respeitar as perspectivas e línguas do povo
que precisa ser servido. Isto não é mais do que uma extensão
do princípio de Pentecoste, em que o evangelho foi anunciado
à multidão em suas próprias línguas, pelo poder do Espíri­
to Santo. Os líderes apostólicos reconheceram a importância
deste princípio, ao envolverem helenistas de fala grega em sua
“equipe de liderança”, e, assim, “a palavra de Deus se espalha­
va” (At. 6:7).
Isso parece ter sido transferido ao ministério inicial
de Antioquia, onde “grande número creu e se converteu ao
Senhor” (11:21). Os ministérios de Barnabé e Saulo acrescen­
taram ao sucesso do estabelecimento da igreja em Antioquia.
Na análise final, o princípio de Pentecoste permitiu aos líde­
res apostólicos afirmar a iniciativa, a agência, e os ministérios
distintos da igreja antioquina em seus próprios termos, e pa­
receu bom ao Espírito Santo que isto, por sua vez, produzisse
87
uma “missão reversa” de abençoar, partindo de Antioquia às
igrejas na Judeia. É precisamente isto o que o Espírito Santo
continua a fazer, hoje, em meio a um mundo marcado pelas
desigualdades entre o Ocidente e os demais, e pela pobreza
especialmente nas nações em desenvolvimento do Sul Glo­
bal. Africanos e asiáticos, que uma vez foram recipientes de
missionários do mundo ocidental estão, agora, vindo como
missionários à Europa e à América do Norte, trazendo o evan­
gelho com eles a terras secularizadas. O Espírito permanece
operando em lugares multiculturais, reconciliando e, contu­
do, preservando as muitas línguas e idiomas dos povos.

68
Pobreza e Posses:
Uma Vida Cheia do Espírito e a Economia Global
Lucas 12:13-34; 16:10-31; 18:18-30; 20:45-21:4

Os primeiros seguidores de Jesus que se arrependeram


e receberam o Espírito Santo viviam como uma comunida­
de de iguais, que tinha todas as coisas em comum. Aqueles
que eram mais abastados vendiam o que tinham e compar­
tilhavam o lucro, de maneira que não havia pessoa alguma
em necessidade. Conforme a igreja se expandiu de Jerusalém
para Samaria e além, as congregações separadas por região,
geografia, língua, cultura e etnicidade eram solidárias umas
com as outras, fornecendo alivio uma à outra, conforme ne­
cessário. Um novo povo de Deus estava surgindo, que trans­
cendia as divisões comuns do primeiro século; irmãos e irmãs
que reconheciam o mesmo Pai, assim como reconheceu Jesus,
conforme inspirados pelo Espírito Santo. Eles representavam
um estilo de vida contracultural, não adotando as convenções
políticas, sociais e econômicas aceitas e estabelecidas pelo Im­
pério Romano.
De muitas maneiras, contudo, estes primeiros crentes
tinham simplesmente abraçado a vida e os ensinamentos de
seu Messias, conforme ensinado através dos apóstolos. Como
veremos em Lucas — e eu insto o(a) leitor(a) a ter o Novo Tes­
tamento perto e de fácil acesso —, as visões de Jesus acerca de
riqueza, posses e pobreza eram claramente adotadas nas co­
munidades messiânicas primitivas. Mais importante, em duas
ocasiões distintas, Jesus encorajou seus seguidores a venderem
o que eles tinham e darem esmolas aos pobres (Lc. 12:33; 1^:22).
Diferentemente de outros, que acumulavam para si mesmos,
os discípulos são encorajados a se dedicarem, em vez disso, ao
reino de Deus (12:30-31). De fato, de um ponto de vista huma­
no, os mais ricos consideravam este um ensinamento duro, e
os discípulos concordavam que, nestes termos, ninguém pode­
ría ser salvo (18:23- 26). Contudo, Jesus insistia que “as coisas

89
que são impossíveis aos homens são possíveis a Deus” (18:27),
e, ao receberem o Espírito Santo, crentes simples, como Bar-
nabé, lideraram o caminho na demonstração da possibilidade
de viver a generosidade e a hospitalidade abundante de Deus.
O problema, naturalmente, era que a maioria dos seres
humanos e, como os fariseus que Lucas denunciava, “amante
de dinheiro” (16:14). Ananias e Safira fracassaram em ouvir as
advertências de Jesus acerca da ganância; sobre as necessida­
des básicas de vida; e sobre tentar servir a Deus e a Mamom.
Claro, a maioria dos ouvintes de Jesus presumia que fortuna,
riqueza e posses eram sinal da benção divina resultante de
sua obediência à aliança (cf. Dt. 28:1-14). Contudo, Jesus esta­
va lembrando-os que as promessas da aliança de Deus foram
feitas com um povo não merecedor, que eram, no geral, os
pobres, os oprimidos e os marginalizados. Na verdade, estes
eram aqueles a quem as boas novas do reino estavam sendo
proclamadas (Lc. 4:18; 7:22), e era precisamente os pobres, os
doentes e os endemoninhados (At. 5:16) que estavam respon­
dendo à proclamação do reino.
Que o novo povo de Deus incluía estas pessoas mar­
ginalizadas, lideradas por homens indoutos (4:13), foi aludido
no início no Evangelho de Lucas. Maria (no M agnificat) havia

E revisto as inversões do reino: a exaltação dos mansos, dos


umildes e dos pobres, e o rebaixamento dos poderosos, dos
orgulhosos e dos ricos (Lc. 1:51-53). As parábolas e os ensi­
namentos de Jesus reafirmam esta característica central do
reino. Os ricos são chamados tolos em razão de seus cálculos
para sucesso terreno serem equivocados, ao passo que os dis­
cípulos que confiam em Deus para lhes fornecer suas necessi­
dades diárias são aqueles que são cheios do Espirito. Um ho­
mem rico não nomeado que recebe um sepultamento decente
(pensando ser um verdadeiro filho de Abraão), na verdade, se
encontra atormentado no Hades, ao passo que o homem com
nome (Lázaro), pobre (sem casa), sujo (com feridas), impuro
(contaminado pelas lambidas dos cachorros) e provavelmente
deficiente físico (que é “jogado” á porta do homem rico; 16:20),
do cpial não se diz ter recebido um sepultamento adequado,
se ve no seio de Abraão. Mesmo os escribas que “amam as
saudações nas praças, e as principais cadeiras nas sinagogas, e
os primeiros lugares nos banquetes”, na verdade, oprimem as
90
próprias viúvas, de quem eles deveriam cuidar, como alguém
que está vivendo os valores do reino (21:2-4). Tais inversões
nos ensinos de Jesus são exemplificadas na comunidade mes­
siânica, que não vivia de acordo com os padrões do mundo,
mas de acordo com o poder do Espírito Santo.
Infelizmente, os ricos e abastados são por demais cen­
trados em si mesmos. Eles acabam presos na economia da ga­
nância e do lucro, que ocorre comumente aos custos das mas­
sas nas classes mais baixas. Aqueles que receberam uma visão
do reino, contudo, são capazes de ver os outros, para além de
si mesmos. Eles não são autoconsumidos, mas têm o espírito
dos grandes mandamentos, que é amar a Deus e ao proximo
plenamente. Observe que, em resposta à pergunta do homem
acerca de como alcançar a vida eterna, Jesus identificou os
cinco mandamentos que lidam acerca de como tratamos as
demais pessoas (18:20). No final, o amor de Deus e a busca do
reino resultarão em um amor que reconstitui a nós e a nos­
sos próximos como uma nova família e como povo de Deus
(18:29-30; cE 8:19-21).
o derramamento do Espírito sobre toda carne era o
próximo passo no plano de Deus para restaurar e renovar Is­
rael — precisamente, através do estabelecimento de uma fa­
mília estendida de irmãos e irmãs que amariam uns aos outros
como o Pai amou o Filho e o Filho amou o Pai. Pessoas de
posses forneciam para os outros, nada esperando em troca.
A mutualidade e a partilha reconciliavam o rico e o pobre, e
uniam aqueles que outrora estaviveram divididos pela língua,
pela cultura, pela etnicidade e pela classe. Aqueles que eram
chamados cristãos — seguidores do Messias — serviam uns
aos outros e comiam juntos, sem se preocuparem com os pro­
tocolos do mundo. Tamanha era a imitação da vida de Jesus,
as obras do Espírito Santo, o caminho do reino.

9>
PARTE QUATRO

Deixando a Judeia?

Um Excurso Teológico
i6

Um Registro Helenista da História de Israel:


A Obra do Espírito e os “Confins da Terra”
Aros é:8-8:i

Os ensinos de Jesus acerca de posses, pobreza e rique­


za iluminam a dimensão econômica do plano de Deus para
restaurar e redimir Israel. Mas o registro de Lucas do ministé­
rio e martírio de Estevam mostra que existem outros aspectos
da redenção de Israel. Na verdade, as circunstâncias ao redor
da vida e da morte nos reconectam com o maior enredo de
Atos: a expansão do evangelho, de Jerusalém e Judéia para
Samaria e até os confins da terra (At. i:8). Da perspectiva de
vinte séculos mais tarde, às vezes fica difícil para os leitores
contemporâneos entenderem que transportar e traduzir o
evangelho de um movimento predominantemente localizado
na Judéia para um público gentílico foi, por muito tempo,
seriamente contestado. Em uma reconsideração cuidadosa da
história de Estevam, o que aconteceu como resultado dela é
crucialmente importante para entendermos como esta transi­
ção foi resistida e então realizada. Como ficará claro, o Deus
de Israel sempre teve em mente tanto aqueles do lado inferior
da história quanto os confins da terra, em vez de estar focado
apenas em um único povo “merecedor”, ou na terra prometida
a seus antepassados.
Sugiro não ser coincidência o fato de a história de Is­
rael ter um aspecto mais “universal”, quando contada por Es­
tevam. Afinal, sabemos que Estevam era um judeu helenista,
talvez um que tenha retornado da diáspora para residir entre
a comunidade messiânica em Jerusalém, e experimentou de
primeira mão a possibilidade de florescimento local em meio
a desenvolvimentos imperiais no mundo de fala grega. Sua
apologia, em resposta a seus companheiros judeus helenis-
tas de ao redor do Mediterrâneo (6:5), começa ao chamar a
atenção às origens do “pai fundador” de Israel, Abraão, um
peregrino por toda a vida da Mesopotâmia, Harã, e a terra
94
dos caldeus (7:2, 4). Ele mesmo jamais recebeu a terra que lhe
fora prometida, e inclusive é sepultado em Siquem (7:16) na
divisa da Judeia e de Samaria (talvez antecipando a chegada
do evangelho em Samaria, em Atos 8).
Posteriormente, os patriarcas de Israel (José, seus ir­
mãos e seus descendentes) foram formativamente moldados
como “peregrinos” (7:6) por mais de quatrocentos anos na ter­
ra do Egito. O próprio Moisés foi “instruído em toda a ciên­
cia dos egípcios” (7:22), mesmo quando, mais tarde, gastou
quarenta anos como refugiado em Midiã (7:23, 29-30), que é
hoje conhecida como a Península do Sinai. Foi Moisés, na­
turalmente, quem Deus usou para liderar Israel para fora de
seu cativeiro egípcio e de volta à terra de Canaã (prometida a
Abraão), apesar de as pessoas resistirem a sua liderança de vá­
rias maneiras (7:27-28, 39-40). Em tudo isso, vemos que Deus
chamou para si um povo que não era originalmente um povo.
Em vez disso, antecipando o derramar do Espírito sobre toda
carne em Pentecoste (2:17), Israel havia sido formada a partir
das línguas, culturas e nações, as quais nós hoje chamamos de
Antigo Oriente Próximo.
O que não deve ser ignorado, no recontar desta histó­
ria por Estevam, é o papel do Espírito Santo. Aqui, estou me
referindo não apenas ao fato de que Estevam era um homem
cheio do Espírito Santo (6:3, 5) e de que sua rendição foi ins­
pirada pelo Espírito Santo (7:55); mas ao fato de que Este­
vam também claramente declarou que, em um sentido, toda
a história de Israel envolvia a oposição do povo judeu à obra
do Espírito (7:51). Enquanto o Espírito de Deus havia chama­
do um povo peculiar a partir do mundo do Antigo Oriente
Próximo, eles tinham continuamente resistido ao chamado,
desobedecido a Deus e até mesmo trocado a adoração a Deus
ela adoração a ídolos. O resultado, naturalmente, Foi o exílio
E abilônico (74^)> p^e no curso dos próximos poucos séculos
moldou a existência diaspórica dos judeus sob a Roma impe­
rial.
Naturalmente, os judeus helenistas na diáspora comu-
mente encontravam o seu caminho de volta para a judéia, mo­
tivados pelas promessas de Deus feitas a Abraão. Na verdade,
os oponentes de Estevam eram eles próprios judeus “libertos”
(6:9), ex-escravos que serviam em vários centros por todo o
95
Império Romano, mas, sob a libertação, haviam retornado à
Judeia. Eles também estavam indubitavelmente ansiosos pela
redenção de Israel do governo imperial, sendo zelosos defen­
sores da lei de Moisés, da terra de Israel e do templo de Javé,
entendido como a morada do próprio Deus (7:46). De fato,
Estevam foi acusado precisamente por falar contra os símbo­
los centrais judaicos (6:11, 13-14).
Como os anciãos, os escribas, o sumo sacerdotes e o
concilio religioso, o Sinédrio (6:12; 7:1), os libertos belenistas
também se sentiram ameaçados pela nascente, mas crescente
comunidade messiânica. Não apenas havia agora uma alterna­
tiva para as viúvas, entre os seguidores de Jesus (6:1-6), mas
havia também a crescente percepção de que as práticas destes
crentes ameaçavam minimizar o papel do templo na vida reli­
giosa e cultural de Israel. Se Jesus e seus discípulos estivessem
certos, não havia mais necessidade para sacrifícios pelos pe­
cados (Deus aparentemente escolheu dispensar o perdão em
nome de Jesus), não havia necessidade de um sacerdócio (os
Doze não eram da tribo de Levi), e talvez necessidade alguma
para o templo. (Veremos no capítulo seguinte que Jesus real­
mente predisse a destruição do templo).
Os doze apóstolos podem, também, ainda ter espera­
do certo tipo de redenção de Israel e do templo sob a super­
visão romana. (Até agora, ouvimos apenas que os apóstolos
continuaram a se reunir diariamente nos recintos do templo).
Mas é o helenista e cosmopolita Estevam que, de alguma for­
ma, veio com apercepção de que o Deus de Israel também era,
em certo sentido, o Deus de todas as nações — dos mesopotâ-
mios, caldeus, egípcios, midianitas, e assim sucessivamente —
e que a “habitação” de Deus não estava limitada a uma região
específica ou local (quer na Judéia, em Jerusalém ou mesmo no
templo). Em vez disto, todo o céu e toda a terra pertenciam ao
Senhor (7:45). Sendo assim, então, a redenção e a renovação
de Israel sugeriam também a salvação de todos os povos, não
apenas dos judeus. E, neste caso, os filhos daqueles que haviam
perseguido os profetas e assassinado Jesus estavam sendo ex­
cessivamente paroquiais e erroneamente exclusivistas.
Estes judeus zelosos ficaram furiosos (7:54) pelo que
ouviram, assim como o mesmo concilio de líderes religiosos
havia ficado anteriormente, a ponto de desejar matar os após-
96
tolos (5:33). Enquanto previamente havia um Gamaliel para
impedi-los, neste caso havia apenas outro importante judeu
helenista, ele mesmo siciliano (21:39; 23:34), que indubi­
tavelmente ressoou as condenações de seus companheiros li­
bertos sicilianos (6:9) e aprovou a defesa destes da antiga fé, A
visão de Estevam de ver “os céus abertos e o filho do lomem
de pé à destra de Deus” (7:56) provavelmente provocou n recor-
dações da própria reivindicação de Jesus neste sentido (Lc.
22:69), ^ resultou em sua execução.
De aqui em diante, as Boas Novas se expandiriam da
Judéia (entre judeus e prosélitos locais, helenistas e da diás-
pora) para Samaria, para os gentios, e para a própria Roma.
Mas, antes de analisarmos o desenrolar da obra do Espírito
aos confins da terra, devemos pausar para examinar detalha­
damente o próprio entendimento de Jesus do lugar de Israel,
de Jerusalém e do templo no plano salvador de Deus.

97
17
Julgamento sobre Jerusalém:
0 Espírito e a Redenção de Israel
Lucas 13:1-5, 31-35; 19:41-44; 20:9-19; 21:5-38

Estevam foi apedrejado por judeus libertos, helenistas


e membros do sinédrio. Ao passo que as acusações contra Es-
tevam foram fabricadas por seus oponentes, as reivindicações
de que ele falara contra Moisés, a lei e o templo estavam, no
mmimo, embasadas nas próprias palavras de Jesus. O próprio
Jesus disse do templo: “dias virão em que não ficara pedra
sobre pedra” (Lc. 21:6). Parece que parte do testemunho de
Estevam (At. 6:9-10) diante de sua fatal defesa tinha a ver
com uma elaboração desta profecia de Jesus; certamente, suas
últimas palavras tinham, e incluíam a declaração de que “o
Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens”
(7:48), menos ainda no templo, que, enquanto ordenado para
ser reconstruído por Herodes, o Grande, em 20/19 ^ E C , ainda
estava em construção (cf Jo. 2:20) na época da vida de Jesus.
Então, ainda que Estevam jamais tenha rejeitado a lei mosaica
— na verdade, ele acusa seus ouvintes de não ouvirem a Moi­
sés e aos profetas —, suas palavras, como as de Jesus, estavam
abertas a maus entendimentos por parte daqueles já excessi­
vamente zelosos pelas tradições de seus ancestrais.
Contudo, é importante estabelecer apredição de Jesus
acerca do templo contra o pano de fundo de suas advertên­
cias concernentes à destruição de Jerusalém, como um todo.
Como a cidade era símbolo de poder nacional, Jesus manifes­
ta o propósito de viajar para Jerusalém (Lc. 9:51). Mas, seus
habitantes, ainda que resistentes, não reconheciam “a paz a
quem pertencem”, e nem “o tempo de sua visitação”; conse­
quentemente, Jesus predisse: “Porque dias virão sobre ti, em
que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão,
e te estreitarão de todos os lados; E te derrubarão, a ti e aos
teus filhos que dentro de ti estiverem, e não deixarão em ti
pedra sobre pedra ” (19:43-44). Desta forma, virá um tempo


de guerras e insurreições (21:5), quando Jerusalém será rodea­
da por exércitos (21:20) e “será pisada pelos gentios” (21:24;
cf. 23:28-31). Esta devastação, na verdade, se deu por volta de

ã uarenta anos mais tarde, pelas mãos dos romanos, na guerra


e 66-70 EC, com o templo sendo demolido no processo.
Os pronunciamentos de Jesus acerca de Jerusalém e do
templo são complicados por um número de fatores. Ao passo
que existe certo consenso acadêmico de que o Evangelho foi
escrito em algum tempo após 70 EC, não existe explicação
satisfatória em relação ao motivo pelo qual Lucas não enfati­
za claramente o cumprimento destas palavras. Consequente­
mente, existem ao menos três grandes escolas de pensamento
acerca de como entender as profecias de Jesus: (1) que elas
foram literalmente cumpridas na guerra judaico-romana; (2)
que elas admitem múltiplos cumprimentos desde a época de
Jesus, e talvez no futuro; e (3) que, enquanto certas partes da
profecia foram cumpridas por volta de 70 EC, o cumprimento
último de muito do que foi dito permanece a ser cumprido no
futuro. A ambiguidade acerca de sua declaração que “não pas­
sará esta geração até que tudo aconteça” (21:32) é indicativo
das dificuldades: “esta geração” se refere aos ouvintes de Jesus
(ca. 30 EC), a qual experimentou a ira de Roma (66-70 EC),
ou aquela que vê o “Eilho do Homem numa nuvem” (21:27)?
Não vejo motivo para negar a existência de certa ver­
dade em cada escola de pensamento, ainda que eu seja caute­
loso acerca de traçar correlações específicas entre as palavras
de Jesus e os eventos mundiais contemporâneos.
Mais importante, penso, é que Jesus claramente as­
sociava seu destino ao de Jerusalém. Ele implorou a seus ha­
bitantes que se arrependessem de seus caminhos (13:3, 5), de
sua idolatria, de sua desobediência á aliança com Deus, de
seus pecados pessoais e sociais e de seu nacionalismo e violên­
cia. Ele também discernia que sua mensagem de paz (19:42),
perdão e justiça seria rejeitada pelos escribas e sumos-sacer-
dotes (20:14-15), e que o confronto subsequente com os líde­
res judaicos (20:14-15) resultaria em sua morte em Jerusalém
(13:32-33). Mas, pior era sua antecipação de que esta rejeição
e sua violência concomitante apenas perpetuariam as aspira­
ções nacionalistas do povo judeu e precipitaria uma sequên­
cia de acontecimentos que culminariam em uma conflagração
99
nacional. Foi exatamente isto o que aconteceu por volta de 70
EC. A violência exercida pelos líderes judaicos para manter
o status quo — no caso de Jesus, primeiro, e, posteriormente,
contra Estevam e Tiago — não era outra coisa, senão um re­
flexo da agitação, do fermento e da desordem subjacentes que
permeavam a nação. Insurreição após insurreição, por fim,
causaram uma violenta resposta militar de Roma.
Retrocedamos por um momento, para recapitularmos
o quadro geral do que o Espírito Santo havia procurado fazer
através das vidas de Jesus e de seus seguidores. Jesus viera para
restaurar Israel e estabelecer o reino de Deus pelo poder do
Espírito. Israel (juntamente com os discípulos, ao menos no
inicio) havia presumido que tal redenção significava a desti­
tuição do governo romano e o reestabelecimento da nação e
de seu templo sob os auspícios judaicos. Qualquer revolução
política estaria em desacordo com os valores do reino. Em vez
disto, Jesus convidava ao arrependimento dos caminhos do
mundo e livremente oferecia o perdão de pecados. Ele enten­
dia sua própria vida como sendo um cumprimento da lei e
uma substituição dos sacrifícios do templo. A aceitação de
sua liderança messiânica levaria à formação de um novo Is­
rael, um novo povo de Deus que viveria não de acordo com as
convenções políticas, econômicas ou militares deste mundo,
mas de acordo com as do reino.
Mesmo após Jesus ter sido morto por suas atividades
revolucionárias, porém, não violentas, o Espírito de Deus, que
capacitou sua mensagem aos pobres, veio sobre seus discípu­
los e estabeleceu aquela nova comunidade de iguais e de bens
comuns. Os apóstolos, incluindo os judeus helenistas, como
Estevam e seus colegas diáconos, continuaram a pregar o arre­
pendimento, o perdão, a cura e a salvação em nome de Jesus;
para exaltar a vida de Jesus como o cumprimento da lei; e
para que os seguidores do Messias fossem vistos como sendo
o novo loeal da presença de Deus (em vez do templo). Eles
foram, consequentemente, perseguidos pelos líderes judaicos
porque sua mensagem e seu estilo de vida ameaçavam o status
quo. Por toda a história, e ao redor do mundo hoje, aqueles
que, pelo poder do Espírito, incorporaram os ensinos de Je­
sus e viveram as boas novas revolucionárias do reino têm sido
opostos por rejeitarem os sistemas dessa era.
Ao passo que Jesus havia admoestado os líderes reli­
giosos que sua falta de arrependimento resultaria na liderança
de Israel sendo entregue a outros (20:16), ele também advertiu
o povo judeu que seus corações sem arrependimento causa­
riam não apenas a destruição de Jerusalem, mas também a
oportunidade para os gentios participarem no reino vindouro
(13:25). De fato, conforme vemos no discurso de Estevam, a
prcipria nação de Israel fora constituída por aqueles oriundos
de muitas tribos, línguas e nações, inclusive quando o novo
povo de Deus foi, de maneira semelhante, estabelecido, no
Dia de Pentecoste, a partir de uma pluralidade de línguas e
culturas. Os cristãos hoje, que são predominantemente gen­
tios, não pensam muito acerca disso, mas na época de Este­
vam, tal era uma proposta verdadeiramente escandalosa. A in­
da, mesmo os seguidores messiânicos mais progressistas mal
poderiam ter imaginado o derramamento do Espírito sobre
toda carne se estendendo até mesmo aos desprezados sama-
ritanos.
PARTE CINCO

O Espírito Opera em Samaria e nas

Estradas da Antiga Palestina


i8

Sumaria: 0 Espírito Encontra a


“Alteridade Religiosa”
Atos 6:1-25; cf. Lucas 9:51-50; 10:25-37; 17:11-19

Não devemos subestimar a extensão pela qual as hos-


tilidades entre judeus e samaritanos levou o primeiro grupo a
excluir o segundo grupo de ser considerado como pertencente
ao povo de Deus e de participar na redenção e na renova­
ção de Israel. As origens dos samaritanos — durante o oitavo
século AEC, quando os samaritanos foram dominados pelos
assírios (2 Rs. 17:24-41) — eram vistas pelos judeus como en­
volvendo um sincretismo com crenças e práticas estrangeiras.
Não ajudou o fato de que, durante a perseguição dos judeus
do segundo século pelos romanos, os samaritanos negaram
qualquer afiliação com os judeus e até mesmo, por um tempo,
permitiram seu templo no Monte Gerizim (em Samaria) ser
conhecido como o templo de Zeus Helênio.
Na época de Jesus, os judeus e samaritanos tinham um
relacionamento ambíguo. Os samaritanos aceitavam a Torá
(os primeiros cinco livros de Moisés), mas nada mais no câ-
non hebraico; eles rejeitavam a significância de Jerusalém, an­
tes, insistindo na verdadeira adoração como acontecendo no
Monte Gerizim (Jo. 4:20); e sim, eles aguardavam um Messias
(Jo. 4:25), mas um na tradição de Moisés (Dt. 18:15-18). O re­
sultado era que os samaritanos eram vistos pelos judeus, na
melhor das hipc»teses, como corrompidos, e como uma forma
apóstata do verdadeiro judaísmo (cf. Jo. 4:9) — como alguns
cristãos contemporâneos enxergam grupos de seitas e sectá­
rios — e, na pior das hipóteses, como uma religião comple­
tamente falsa. Os sentimentos eram mútuos: os samaritanos
eram antagonistas em relação a Jerusalém e a tudo o que ela
representava (vide Lc. 9:52-53); e os judeus, por vezes, enten­
diam os samaritanos como estando endemoninhados (vide Jo.
8:46).

104
Não pode ser coincidência, então, que foi Filipe, um
judeu helenista, quem primeiro levou o evangelho aos samari-
tanos, em vez dos apóstolos, que, apesar da perseguição, per­
maneceram em Jerusalém (Atos 8:i). A o passo que os apósto­
los ainda estavam por demais focados na redenção de Israel
em um sentido exclusivo, Filipe pode ter simplesmente se­
guido a visão judaico-helenista de Estevam de que a verdadei­
ra adoração de Deus não está limitada a qualquer templo ou
local sagrado (7:48-50), e concluído que a presença de Deus
estava também disponível aos samaritanos, que se reuniam
em outro local sagrado. Portanto, enquanto os samaritanos
haviam previamente rejeitado a Jesus, eles agora receberam
Filipe, que simplesmente estendeu, sob o poder do Espírito, o
ministério de Jesus a pobres, enfermos e oprimidos (8:6-12).
Não nos é dito que Filipe rejeitou quaisquer das práti­
cas e crenças samaritanas, em sua interação com os habitantes
de Samaria. O que foi definitivamente rejeitado, em especial
pelos apóstolos Pedro e João, que vieram para fornecer supor­
te adicional a Filipe, foi o desejo ganancioso pela autoridade
e as intenções pecaminosas de Simão, o mágico, que buscou
“alcançar o dom através do dinheiro!” (At. 8:20). A genero­
sidade de Deus, conforme temos visto, não opera de acordo
com a economia do mundo de troca e pagamento; antes. Deus
livremente concede o Espírito, ainda que, no caso dos sama­
ritanos, o dom tenha vindo através das mãos dos apóstolos.
O resultado, Lucas nos conta, é que “as igrejas em toda a Ju-
déia, e Galiléia e Samaria tinham paz, e eram edificadas; e se
multiplicavam, andando no temor do Senhor e consolação do
Espírito Santo” (9:31).
Desta forma, a missão em Samaria foi um ^asso in­
termediário entre o caminhar do evangelho da Judeia e suas
redondezas e os confins da terra, e isso já estava assinalado na
narrativa do Evangelho. Enquanto no Evangelho de Mateus
Jesus proibiu os Doze de evangelizar os samaritanos (Mt. 10:5),
este embargo não é encontrado no registro de Lucas. Em vez
disto, Jesus “mandou mensageiros adiante de si; e, indo eles,
entraram numa aldeia de samaritanos, para lhe prepararem
pousada” (Lc. 9:52).
Posteriormente, em seu caminho para Jerusalém, en­
quanto deixava Samaria do outro lado da região (17:11), ele
105
encontrou e curou dez leprosos, um dos quais era samaritano.
Enquanto Jesus claramente reconheceu este samaritano como
um “estrangeiro” (17:18) — allomenos, significando alguém que
não é filho de Abraão, conforme os judeus entendiam ser —,
ele também afirmou, claramente: “Levanta-te, e vai; a tua fé
te salvou” (17:19). Então, apesar dos outros nove leprosos (ju­
deus) terem sido fisicamente curados e socialmente reabilita­
dos (a cura da lepra permitia que a pessoa fosse reintegrada à
comunidade), somente este samaritano foi declarado salvo e
plenamente curado. Ao menos em um sentido, o samaritano
se mostrou com mais discernimento acerca da missão de Jesus
do que seus compatriotas judeus.
Enquanto a possibilidade de salvação dos samaritanos
teria chocado a muitos judeus, os próprios ensinos de Jesus
os preparava a questionar suas suposições e autoconfiança re­
ligiosas. Observe que Jesus disse a famosa parábola do bom
samaritano (10:29-37) resposta à tentativa do advogado
judeu de justificar a si mesmo ao perguntar: “Quem é o meu
próximo?”. Esta própria pergunta foi motivada por sua per­
gunta original acerca de como herdar a vida eterna, e a famosa
resposta de Jesus foi que se exigia amar a Deus plenamente e
amar nossos próximos como a nós mesmos (10:25-28).
Todo este episódio é tão sugestivo hoje, para os cris­
tãos que pensam acerca do pluralismo religioso, como era há
dois mil anos, para os judeus, pensando nos samaritanos, nos
outros religiosos e naqueles que eles acreditavam estar ende-
moninhados. Isto sugere (1) que pode haver aqueles em ou­
tras “fés”, como o samaritano, que realmente amam a Deus
e a seus próximos mais do que aqueles do nosso meio, que
pensam que temos acesso à graça salvadora de Deus e que as
outras pessoas, portanto, podem estar mais próximas da vida
eterna do que nós estamos; (2) que nós podemos, na verdade,
ser capazes de aprender algo importante com aqueles perten­
centes a outras fés, a quem pensavamos, previamente, estarem
desprovidos de verdade, assim como este advogado judeu es­
tava sendo ensinado pelo bom samaritano; (3) que aqueles de
outras fés possam, na verdade, ser instrumentos usados por
Deus para nossa própria salvação (saúde e cura), assim como
o homem que caiu entre os salteadores recebeu sua salvação a
partir desse próximo samaritano. A parábola de Jesus acerca
106
do bom samaritano, portanto, não apenas destruiu as suposi­
ções dos judeus do primeiro séeulo aeerca deles mesmos e dos
samaritanos, como também antecipou que o modelo que o
evangelho iria por fim chegaria a Samaria, e que os samarita­
nos estariam entre os membros do novo povo de Deus.
A derrubada destas suposições não estava alinhada ao
radical mundo novo que o Espírito de Deus traria e causaria
através de Jesus e daqueles que seguissem seus passos? Ainda
que os próprios apóstolos não tenham liderado o caminho a
Samaria, eles seguiram Filipe, que foi capacitado pelo Espírito
Santo para realizar exorcismos, curar os enfermos e pregar as
boas novas do reino do Messias. Então, Deus confirmou este
ministério ao não negar seu próprio ser, o Espírito Santo, in­
clusive aos desprezados samaritanos!

loy
19
0 Espírito Encontra o Eunuco Etíope:
Redimindo a Deficiência
Atos 8:26-40; c£ Lucas 14:1-24

Se a inclusão dos desprezados samaritanos no reino


vindouro era um alargamento para muitos judeus do primeiro
século, o mesmo era a inclusão do etíope eunuco, apesar de 0
ser por outros motivos. Este homem, conhecido por nós como
o etíope eunuco, tinha trés situações que lhe eram contrárias;
(1) ele era dos arredores do império, que na época se pensava
estar localizado na extremidade sul da civilização humana; (2)
ele era provavelmente de pele mais escura, como aqueles de
Cuxe, Nubia e Etiópia (sul do Egito) e, portanto, visto por ah
guns como racialmente suspeito ou marginal; e (3) ele era um
eunuco, portanto, provavelmente castrado, e como tal, con-
siderado afeminado, e não um macho plenamente capaz. De
certas maneiras, as situações um e dois não eram tão danosas,
em especial dadas certas profecias concernentes à inclusão
dos cuxitas e etíopes, por fim, na redenção e restauração de
Israel (Sl. 68:31; Isa. 45:14; S f 3:5-10), e o inclusivo derrama­
mento do Espírito sobre toda carne no dia de Pentecoste.
Ser um eunuco pode ter sido muito mais problemáti­
co para os judeus do primeiro século, em especial uma vez que
a lei excluía os eunucos e aqueles com testículos esmagados
de participarem do culto litúrgico e da adoração do Israel an­
tigo (Dt. 23:1). Naturalmente, machos castrados não estavam
sendo selecionados de maneira especial; antes, estes estavam
sendo categorizados entre aqueles com deficiências físicas,
sensoriais e funcionais: os cegos, coxos, mutilados, corcundas,
anões, e assim sucessivamente (Lv. 21:17-23). A Torá, então,
mais tarde, claramente associa estas “deficiências” à punição
divina pelo pecado e pela desobediência (Dt. 28:15-68). O re­
sultado era tal que, ainda que em um caso Jesus tenha negado
a relação entre o homem nascido cego e seus pecados ou os de
seus pais (Jo. 9:2-3), sua resposta, em outro caso, ao paralíti-

108
CO “Não peques mais, para que não te suceda alguma coisa
pior” (Jo. 5:14) —, como também com sua doença, cegueira,
surdez e mudez associadas a espíritos maus e a cura destes
problemas através de exorcismos se encaixam nas suposições
judaicas do primeiro século acerca da deficiência.
Contudo, a visão inclusiva de Lucas da redenção de
Israel e do reino de Deus se revela mesmo no caso de pessoas
há muito marginalizadas em razão de suas várias deficiências.
Assim como Jesus havia aceitado os socialmente desprezados
e o homem de pequena estatura, Zaqueu (vide nossa discussão
acima, no capítulo 5), Filipe aceita o eunuco, questionado por
questões raciais e por questões de deficiência física. Sim, em
muitos outros casos, Jesus e os apc)Stolos curaram os enfermos
e os “deficientes” pelo poder do Espírito. Contudo, nestes dois
casos, Jesus pronunciou a chegada da salvação à casa de Za­
queu (Lc. 15:5) e Filipe batizou o eunuco (At. 8:38) sem qual­
quer revogação de suas condições físicas.
A aceitação do eunuco começou a cumprir a promessa
de Javé de incluir os eunucos na redenção final de Israel (Is.
56:3-5). Talvez não coincidentemente, o eunuco estava lendo
acerca desta restauração final, quando Filipe se aproximou ao
lado de sua charrete. Como alguém sem o prospecto de ter
filhos, o eunuco talvez imaginasse o destino e o legado desta
figura sobre a qual ele estava lendo e que também morreu sem
descendentes (At. 8:32-33). A tradição etíope traça as origens
da igreja naquela região ao testemunho deste eunuco. Com
sua conversão, Lucas não apenas antecipa a levada do evan­
gelho aos confins do mundo conhecido, mas também clara­
mente afirma que a diversidade de línguas, culturas e raças no
reino vindouro inclui diferenças representadas pelos corpos
humanos.
Os prciprios ensinos de Jesus prefiguravam a inclusão
de pessoas como o eunuco. Em Lucas 14, Jesus ceia na casa de
um fariseu. Esta é uma das muitas cenas de refeição no Evan­
gelho de Lucas, com refeições sendo socialmente ocasiões de­
finidoras acerca de quem era considerado como estando “den­
tro” ou “fora” da comunidade de alguém. Por um lado, Jesus
cura o homem com hidropisia, uma deficiência causada pelo
excesso de fluidos corpóreos e inflamação (edema) causada
por sede insaciável. Por outro lado, a intenção de Jesus era
109
desafiar o entendimento dos fariseus do propósito do sábado
(14:3-5) e, então, contrastar suas convenções e valores sociais
com aqueles do reino vindouro. O protocolo para as relações
do primeiro século entre clientes e patronos claramente defi­
nia as regras de quem convida quem, onde cada um se senta,
o que se espera em troca por tais convites, e assim por diante.
As duas parábolas de Jesus, a da festa de casamento e a do
banquete escatológico, intencionavam ensinar humildade em
vez de promover o scatus social, destruir as regras de recipro­
cidade de “eu te convido e você me convida”, e advertir seus
ouvintes que o reino incluiria aqueles no fundo em vez daque­
les no topo da hierarquia social, política e religiosa.
Os pontos principais dos ensinos de Jesus são confir­
mados poderosamente por sua inclusão dos pobres, aleijados,
mancos e cegos ao redor daquela grande mesa do banquete
(14:13, 21). Estes eram os párias que não tinham statm c que
eram incapazes de reciprocar a “generosidade” do anfitrião.
Por essa mesma razão, as convenções sociais teriam ditado,
para início de conversa, que eles educadamente recusassem o
convite, de sorte que Jesus insiste que eles precisam ser com­
pelidos a participar do banquete e carregados, se necessário
(14:23). O que é verdadeiramente impressionante acerca desta
parábola é a presença de pessoas com deficiências claramente
reeonhecidas em um banquete escatológico do reino. Então, ao
passo que a cura realizada por Jesus de pessoas com deficiên­
cias teria confirmado certos pronunciamentos proféticos de
que cegos, aleijados e surdos seriam curados no vindouro Dia
do Senhor, neste caso, a inclusão de Jesus de tais pessoas da
maneira como elas são no grande banquete retoma outros temas
proféticos acerca do reino futuro, envolvendo o florescimento
de todas as pessoas não por serem fisicamente curados, mas
precisamente porque o estigma social de nossas deficiências
não mais nos divide (cf Jr. 31:8-9; Mq. 4:6-7; S f 3:19). Em
suma, a restauração e a redenção de Israel incluiriam pessoas
como o eunuco e Zaqueu, não “curados” para que eles pudes­
sem se conformar a nossos padrões sociais de beleza e dese-
jabilidade, mas precisamente como um testemunho ao poder
de Deus de salvar todos nós, pessoas “normais”, de nossas pró­
prias atitudes discriminatórias, de nossas ações inospitaleiras
e de nossas formas de vida social e política excludentes.
o Espírito Santo ainda deseja realizar hoje que o que
foi realizado há dois mil anos com o eunuco etíope? Aqui, te-
mos a redenção e a restauração de alguém excluído geografica­
mente, racialmente e fisicamente. Há um enorme avivamento
acontecendo hoje no continente africano, e, em muitos senti­
dos, os números crescentes dos cristãos africanos hoje podem
se contar entre a posteridade deste oficial etíope! Mas, em um
sentido bastante real, ainda estamos esperando o dia em que a
hospitalidade do Espírito Santo será plenamente manifesta na
igreja de sorte que as pessoas com deficiências — aquelas com
diferenças físicas, sensoriais e intelectuais — serão capazes de
contar a si mesmas como descendentes deste eunuco deficien­
te. Existem alguns indícios de que isto está acontecendo, por
exemplo, nas comunidades UArche, onde membros principais
(que são pessoas com deficiências) e assistentes auxiliam uns
aos outros de formas mutualmente transformadoras. Nossa
oração deve ser que mais de nós sejamos inspirados pelo Espí­
rito de Deus para intencionalmente formarmos comunidades
plenamente inclusivas que serão redentoras com as boas novas
para todas as pessoas, tanto as pessoas com quanto as pessoas
sem deficiências.
20

0 Espírito e a Política da Conversão (de Paulo)


Atos 9:1-31

Se Paulo tivesse conhecido o eunuco deficiente, ele


certamente teria empatia por ele. Enquanto não está claro que
tipo de enfermidade física, debilidade ou deficiência Paulo
sofria, ele indicou que havia aprendido a viver com sua condi­
ção, inclusive até o ponto de reconhecer que era precisamen­
te em sua fraqueza corpórea que Cristo era forte (vide 2 Co.
12:5-10; Gl. 4:13-14). Entretanto, nesta descrição da conversão
de Paulo, Lucas nem está interessado na cura física — alguns
pensam q-ue a cegueira resultante da luz do céu pode ter dei­
xado Paulo com algum tipo de deficiência visual permanente
(cf Gl. é:ii) —, nem em transformação psicológica de alguém
“respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do
Senhor” (Atos 9:1). Em vez disto, 0 foco está em como o per­
seguidor dos santos de Jerusalém a Damasco se tornou um
instrumento que levaria o evangelho aos confins da terra.
Em suas próprias palavras, Paulo disse: “Circuncidado
ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim,
hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Secundo o zelo,
perseguidor da igreja, segundo a justiça que ha na lei, irre­
preensível” (Fp. 3:5-6). Apesar de educado por Gamaliel (At.
22:3), seu zelo pela lei motivou seu sentido de urgência em res­
posta à seita de Jesus, em vez de adotar uma atitude de “espere
e veja de seu professor”. Paulo se posicionou com seus colegas
judeus helenistas contra Estevam e outros crentes em Jesus, os
quais eram tidos como traidores do caminho dos anciãos, e,
talvez, como membro do sinédrio: “e quando eles eram conde­
nados à morte eu dava o meu voto contra eles” (26:10).
No Gaminho de Damasco, contudo, Paulo foi con­
frontado com o Cristo ressurreto e foi cheio do Espírito (9:17)
que ressuscitou Jesus dentre os mortos. Apesar da narrativa
de Atos sugerir que a sequência de acontecimentos entre sua
conversão e seu ministério, inicialmente em Damasco e, en­
tão, em Jerusalém ocorreu em um curto período, ao menos
três anos podem ter passado até sua visita a Jerusalém (vide
Gl. 1:17-18). Durante este tempo, Paulo reconsiderou toda sua
cosmovisão e teologia à luz de seu encontro com Jesus. Ele tor­
nou-se convencido de que a mensagem e o ministério de Jesus
acerca da renovação de Israel fora vindicada por Deus através
da Ressurreição, que confirmava o Galileu crucificado como
o Messias. No processo, como Estevam, Paulo veio a enxergar
que a messianidade de Jesus era relevante não apenas para a
redenção de Israel, mas para o restante do mundo também.
Foi esta questão que separou o ministério de Paulo,
pelo menos no início, do ministério dos apóstolos. Os Doze
estavam focados em evangelizar seus compatriotas judeus, e
quando a perseguição dispersou a comunidade crista primiti­
va para o interior da Judeia e de Samaria, eles permaneceram
em Jerusalém. Eles designaram judeus helenistas para cuida­
rem das viúvas helenistas, e foram estes diáconos que primei­
ramente começaram a ver a possibilidade da renovação de
Israel não ser exclusivista, mas também inclusiva dos samari-
tanos, dos etíopes e de outros gentios. Sim, Pedro e João real­
mente participaram na missão em Samaria, mas, mesmo após
isso, Pedro não pensava que o batismo para arrependimento
de pecados e o dom do Espírito Santo fosse para os gentios. A
lembrança de Paulo era de que, mesmo após quatorze anos ou
mais, o ministério de Pedro, Tiago e João permaneceu focado
nos judeus, ao ponto de eles continuarem a não estender aos
gentios a plena mesa da comunhão (Gl. 2:1, 7-14).
Paulo, o judeu helenista, contudo, veio a enxergar que
a mensagem do Cristo ressurreto era para os judeus primeiro,
mas também para os gentios (Rm. 1:17). Mais enfaticamente,
a salvação de Israel estava intimamente ligada à salvação dos
gentios. E se tudo isso deveria acontecer no Dia Final do Se­
nhor, a ressurreição de Jesus anunciou que aquele dia, em cer­
to sentido, havia chegado! De fato, se os galileus eram salvos
através de Israel e de seu Messias, também era o caso de que
Israel irá, por ftm, ser salvo através dos gentios (Eun. 11:25-36).
A ressurreição de Jesus dentre os mortos, portanto, não levou
à destituição revolucionária do poder imperial romano; antes,
inaugurou o cumprimento das promessas feitas a Abraão de
que, através de seus descendentes, os gentios seriam abençoa-
113
dos. Então, a restaurada comunidade messiânica de Israel não
perpetuaria a violência característica da “política de costu­
me”, mas, por sua vez, incorporaria a pacificidade e o perdão
de pecados característicos do corpo escatológico político reu­
nido ao redor do Messias ressurreto.
O Senhor comissionou Paulo como “um vaso esco­
lhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis
e dos nlhos de Israel” (At. 9:15). Paulo entendeu que trazer
o nome de Jesus aos gentios envolvia estabelecer assembléias
(congregações) naquele nome. Os apóstolos haviam começado
a fazer isso em Jerusalém, e a comunidade messiânica primi­
tiva testemunhou fortemente do Cristo ressurreto através da
mutualidade, reciprocidade e amabilidade da comunidade. A
dispersão dos crentes messiânicos, contudo, levou à plantação
de novas comunidades na Judéia, em Samaria e para os con­
fins da terra. Ironicamente, aquele que havia feito sua parte
na perseguição dos seguidores de Jesus tornou-se um daque­
les que seriam mais eficazes na multiplicação de congregações
messiânicas ao redor do império romano. Conforme espe­
rado, os líderes apostólicos insistiram que, em seus esforços
evangelísticos, Paulo não deveria negligenciar os ministérios
economicos que caracterizam a missão dos primeiros cristãos,
e que ele deveria “se lembrar dos pobres” (o que Paulo disse
que “se esforçou em fazer”; Cl. 2:10).
Talvez tenham sido as implicações universais da mes-
sianidade de Jesus que provocaram a reação ao ministério de
Paulo, assim como foram as mesmas razões, precisamente,
para que Paulo (e outros judeus) rejeitasse a mensagem de
Estevam. Tanto em Damasco quanto, posteriormente, em Je­
rusalém, seus ex-colegas judeus helenistas tentaram matá-lo
(At. 9:29), assim como ele havia previamente buscado pren­
der e matar os crentes messiânicos. Entretanto, a ferrenha
oposição a Paulo deve ser bastante compreensível. Ele mesmo
perseguiu os seguidores de Jesus, porque via esse movimento
sectário como uma ameaça à aliança de Javé com os judeus.
Com Paulo agora pregando Jesus como o Messias (At. 9:22),
que não havia, na verdade, libertado os judeus do domínio
imperial, a questão era: o que esse homem fez para a redenção
de Israel? Ademais, se todos os gentios, mesmo os opressores
romanos, poderiam ser salvos através do nome do Messias,
114
isto descartava as promessas pactuais de Deus, e isso signifi­
cava (^ue os judeus seriam assimilados em uma comunidade
messiânica gentílica muito maior? Caso afirmativo, isto não
apontava o fim de Israel como um povo singularmente esco­
lhido de Deus? Estas são perguntas difíceis e importantes que
precisaremos ter em mente ao passo que continuamos a inda­
gar acerca do que o Espírito Santo estava fazendo no mundo
naquela época e o que está fazendo agora.

115
21

Conversão e Chamado do Espirito


Lucas 5:1-11, 27-32; 9:21-27, 57-62; 12:49-53; 14:25-35

Lucas narra cuidadosamente a conversão e o chamado


de Paulo, uma vez que Paulo se torna a principal personagem
de Atos, do capítulo 13 em diante. Ao mesmo tempo, a con­
versão de Paulo reflete os principais elementos revelados no
chamado de Jesus ao discipulado, no Evangelho de Lucas. De
que maneiras Paulo se torna o modelo de convertido e segui­
dor de Jesus?
Em primeiro lugar. Deus chama ao arrependimento e
comissiona para a obra do reino, em especial, pecadores (Lc.
5:32). Há a conversão de Simão Pedro, que é importante em
razão do papel central que ele exerce em Atos 1-12; e o tra­
balho de Levi como cobrador de impostos era suficiente para
classificá-lo na categoria de pecadores (Lc. 5:30). Sabemos, a
partir das cartas de Paulo, que ele considerava a si mesmo o
principal dos pecadores (1 Tm. 1:15). O Espírito Santo chama
e capacita pecadores. Nós podemos agora desprezar “aqueles
pecadores”, mas somente se nos tornarmos presunçosos acer­
ca de nossa retidão — o que, neste caso, não nos torna melho­
res do que os demais (Lc. 18:9-14).
Em segundo, a conversão a Cristo exige devoção de­
terminada em segui-lo. Simão Pedro e Levi quase literalmente
deixaram tudo a fim de seguir Jesus (Lc. 5:11, 28). No caso de
Pedro — e presumidamente seus companheiros Tiago e João
—, o convite de Jesus significava deixar para trás sua vocação
como pescador. (Em Atos, nós os encontramos posicionados
em Jerusalém, em vez de continuarem trabalhando na região
do Lago Genes aré). O texto também sugere que Levi deixou
de trabalhar como cobrador de impostos, apesar de não haver
evidência posterior para tal. O que Lucas enfatiza é que, ao
passo que antes do discipulado cristão nós buscamos nosso
bem-estar econômico ao tentar “ganhar o mundo inteiro”, se­
guir a Jesus significa que “ganhamos”, ao adotarmos este estilo

llé
de vida, e “perdemos” os ganhos do mundo. (Estes são os ter­
mos econômicos de Lucas 9:25).
Sabemos que Paulo continuou a trabalhar como fa­
bricante de tendas, o que ajudava seus empreendimentos mis­
sionários (At. 18:3). Mas mesmo se a conversão de Paulo não
tenha significado deixar para trás a fabricação de tendas, ela
significava considerar “por perda todas as coisas, pela exce­
lência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo
qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como
escória, para que possa ganhar a Cristo” (Fp. 3;8). Sem dúvi­
da, Ananias (não a mesma pessoa que mencionamos anterior­
mente e que é citada em Atos 5) também advertiu a Paulo que
o chamado de Deus exigiria não apenas romper seus laços com
o mundo, mas também estar preparado para sofrer pelo amor
do evangelho (At. 9:16). Em suma, ao passo que a conversão
a Cristo pode ou não envolver o abandono da vocação de al­
guém, a advertência de Jesus permanece oportuna em relação
ao custo do discipulado: “Assim, pois, qualquer de vós, que
não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo”
(Lc. 14:33).
O terceiro elemento é uma radicalização do segundo:
a conversão exige abandonar tudo o que alguém tem, mes­
mo sua própria família. Se o trabalho de alguém sustentava
as necessidades materiais de alguém, então a família e paren­
tes eram a rede de suporte mais ampla, quando as provisões
eram insuficientes. Estar pronto a abandonar a família, além
da vocação e de posses, seria suicida, em uma economia de
camponeses. Contudo, era isso que a conversão exigia. Isso
vai muito além de simplesmente não dizer adeus (9:61); antes,
significa estar preparado para ser colocado contra seu paren­
te mais próximo, caso ele esteja indisposto a seguir a Jesus
(12:52-53; 14:26).
Não sabemos muito acerca da família imediata de
Paulo, exceto que ele parece ter tido uma irmã (e família) em
Jerusalém (At. 23:16). Contudo, nós também sabemos que ele
havia se comprometido com a causa de manter a fé judaica,
e isto estava expresso em seu trabalhar intimamente com ou­
tros judeus helenistas zelosos e que pensavam como ele, para
preservar a aliança. Mas a conversão a Cristo o colocou contra
estes grupos judaicos com quem havia previamente se alinha-
117
do (9:25). Seguir a Jesus de fato causou divisão e separação a
suas antigas alianças (Lc. 12:51-52).
Entretanto, a conversão para o caminho de Jesus não
o deixou sozinho. Em vez disto, ele trouxe uma nova família,
um novo povo de Deus, unido em lealdade ao Messias. Aqui
estava uma nova parentela, manifesta incialmente na comuni­
dade de iguais reunidas ao redor do ensino dos apóstolos, do
partir diário do pão, a fim de que nada faltasse a ninguém (At.
2:42-47; 4:32-35). Conforme vemos, Paulo simplesmente car­
regou a mensagem apostólica para fora de Jerusalém e Judéia
e, no processo, estabeleceu muitas congregações e assembléias
ao redor do império romano. Assim sendo, abandonar tudo,
até mesmo a família, pelo amor de Cristo, de fato resultou no
ganho de muito mais, inclusive de uma família estendida que
consistia de excluídos e estrangeiros.
Por fim, a conversão não significava apenas renunciar
o mundo para uma nova identidade e comunidade, mas tam­
bém trazia e causava um novo propósito: o da proclamação do
reino (Lc. 5:26, 60, 62). O discipulado radical se exige em ra­
zão do compromisso radical preciso para sustentar a obra do
reino. Em vez de buscar a aprovação do mundo (14:7-14) ou
ser consumido pelas exigências do mundo (14:18-20), a obra
do reino nos convida a abrir mão de nossos próprios objeti­
vos, a fim de restaurar, renovar e redimir Israel e estabelecer o
reino de Javé. Paulo sabia, desde o início de seu encontro com
Jesus, que havia sido recomissionado pelo Deus de Israel para
levar as Boas Novas “diante dos gentios, e dos reis e dos filhos
de Israel” (At. ^:i5). A proclamação do reino, então, inevita­
velmente incluía esta dimensão política.
A noção de conversão de Lucas envolve não mera­
mente a salvação de almas, mas tamhém discipulado e com­
promisso radical. A cruz não é entendida meramente como
uma expiação substitutiva penal pelos pecados da humanida­
de. Em vez da morte de Jesus exemplificar o triunfo de Deus
sobre o problema do pecado e da culpa humanos, a cruz sim­
boliza o caminho do Messias, sua disposição de confrontar
os sistemas enganadores e injustos deste mundo, inclusive a
ponto de morrer. Mais precisamente, a cruz é o caminho da
vida ao qual se convida a conversão do cristão: “Se alguém
quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua
118
cruz, e siga-me” (Lc. 5:23).
O que o Espírito Santo está fazendo hoje? Nada dife­
rente do que ele fez com as vidas de Pedro, Levi e Paulo: ele
está chamando pecadores, capacitando a renúncia de todos os
laços que nos emaranham com os sistemas do mundo, capaci­
tando à proclamação do evangelho e sustentando a fidelida­
de no caminho de Jesus, inclusive até a morte, se necessário.
A conversão de Paulo sinalizava a morte de alguém devoto a
uma visão paroquial das promessas pactuais de Deus e a res­
surreição de alguém agora inspirava trabalhar pela redenção
dos judeus e gentios em Cristo, através do poder do Espírito
Santo.

119
22

A Ressurreição e o Poder do Espírito


Atos 5:32-43; 20:7-12; Lucas 7:11-17

Nós podemos, agora, ver como o discipulado radical


do caminho de Jesus simplesmente prenunciava a salvação
ainda mais radical de Deus na ressurreição. Assim sendo, a
partir do início de seus ministérios, capacitados pelo Espírito,
os apóstolos deram testemunha não apenas da ressurreição
(Atos 2:31; 4:33), mas também da esperança de que “em Jesus
há ressurreição dos mortos” (4:2). Eles vieram a perceber que
a ressurreição de Jesus confirmava sua mensagem acerca da
renovação de Israel, e que sua redenção envolvia não apenas a
proclamação do evangelho aos pobres e a cura dos enfermos,
mas também a ressurreição dos mortos (vide Lc. 7:22) —, tudo
isso antecipando a ressurreição geral por vir. Contudo, assim
como a esperança de Israel promulgada pelos apóstolos, a res-
surreição através do poder do Espírito jamais foi entendida
apenas como um caso individual, mas preocupada com o povo
corporativo de Deus (vide Ez. 37:1- 14). Tal entendimento de
orientação social e comunal do poder de ressurreição do Espí-
rito pode ser discernido em três narrativas bíblicas: a ressur­
reição do filho da viúva de Naim, realizada por Jesus, em Lu­
cas 7; a ressurreição de Tabita, realizada por Pedro, em Atos
5; e a ressurreição de Êutico, realizada por Paulo, em Atos 20.
O encontro de Jesus com a viúva de Naim, em Lu­
cas 7, está estabelecido dentro de um contexto público; uma
grande multidão o seguindo até Naim se encontra com uma
grande multidão de pranteadores em uma procissão fúnebre
nos portões da cidade. A primeira multidão está exuberante,
seguindo a cura da filha do centurião (7:1-10), ao passo que a
segunda multidão está sofrendo com e pela viúva que, com o
falecimento de seu único filho, está agora verdadeiramente
sozinha no mundo. Ela não mais possui uma condição social
(a reputação social sendo determinada em parte pela posteri­
dade de alguém), está desprovida da subsistência econômica
(pais idosos dependiam de seus filhos crescidos), e carece de
representação política (eram os homens que governavam, a
partir dos portões da cidade).
Jesus parece ter reconhecido seu dilema e “se compa­
deceu dela” (7:13). Transgredindo a pureza que impedia tocar
no caixão (7:14), Jesus profere vida ao jovem e lhe devolve a sua
mãe. A grande surpresa deste encontro é apenas parcialmente
aquela da ressuscitação corpórea (um termo mais apropriado
do que ressurreição, que tecnicamente continua a se aplicar
somente a Jesus, uma vez que todas as demais ressuscitações
foram, por fim, seguidas pela morte). A outra parte tem a ver
com a “ressurreição” da vida para a mãe — a restauração de
sua condição social, a renovação de sua subsistência econômi­
ca e 0 restabelecimento de sua representação política nos por­
tões da cidade. Além disto, a ressuscitação do jovem também
devolve outro corpo saudável, desesperadamente necessário
para a economia campesina de Naim. Em suma, o poder do
Espírito opera não apenas um milagre biológico, mas também
um milagre social, ao revigorar uma família e uma comunida­
de inteira.
Mesmo que a ação de Jesus de trazer o filho da viúva
de Naim dentre os mortos o tenha identificado como o pro­
feta antecipado por Israel (,j:iG) na tradição de Elias e Eliseu
(vide suas próprias características de ressuscitar os mortos em
1 Rs. 17:20-24; 2 Rs. 4:32-37), este acontecimento serviu como
o paradigma para as “ressurreições” realizadas através de Pe­
dro e Paulo em Atos. A narrativa de Pedro (At. 5:32-12:15) é
um interlúdio entre a conversão de Paulo (At. 5:1-31) e o apa­
recimento de Paulo à proeminência, mais tarde, na missão aos
gentios (At. 13 e a seguir). Entrementes, relembre que Estevam
e Filipe já tinham aberto o caminho na transmissão do evan­
gelho a Samaria (At. ô). Aqui, o próprio Pedro, por fim, segue
a liderança do Espírito a partir de Jerusalém para as regiões
circunvizinhas dajudéia.
A ironia da narrativa de Tabita (At. 5:32-43) revela
como o Espírito realiza os propósitos de Deus independente­
mente dos planos dos seres humanos. Recorde-se que, ainda
que previamente os apóstolos tivessem reservado para si as
prerrogativas do ministério da palavra e comissionado os sete
diáconos para servirem as mesas das viúvas (6:3-6), ao menos
dois dos sete acabaram por liderar ministérios evangelísticos
mais eficazes do que os apóstolos, ao menos em relação aos
judeus helenistas e samaritanos. Agora, Pedro se vê chamado a
ministrar a um grupo de viúvas em luto — que provavelmente
envolvia judeus helenistas, com a própria Tabita, conhecida
em grego como Dorcas — e parece que elas estão esperando
dele mais do que apenas o ministério da pregação.
Acontece que Tabita havia sido benfeitora para uma
comunidade de viúvas em Jope (9:36, 39). Uma crente com
certas posses, ela perece ter moldado sua vida ao modelo de
Barnabé e da comunidade cristã primitiva de iguais (4:32-37),
dando aos outros a partir de sua própria abundancia e cuidan-
do e provendo especialmente para viúvas na vila. Sua morte
prejudicava a estabilidade de outras vidas e as levava a buscar
o poder doador de vida de Deus, talvez não apenas por amor a
ela, mas também por toda a comunidade (9:38). Assim como
a ressuscitação do filho da viúva resultou na renovação da ci­
dade de Naim, a ressuscitação de Tabita restaura a esperança
dos marginalizados e desprovidos de Jope.
Avancemos para Troas (At. 20:5-6). Encontramos que
a ressuscitação de Eutico por Paulo se dá em um contexto co­
munal, onde os crentes se reuniam no primeiro dia da semana
para partir o pão (20:7). Diferente de Tabita, que tinha certas
posses, neste caso, a reunião adentrou a noite e o longo discur­
so de Paulo nada contribuiu para que Eutico ficasse acordado.
Infelizmente para ele, ele caiu do assento da janela e morreu.
Felizmente para Paulo, o poder do Espírito para ressuscitar os
mortos estava disponível naquela noite, e a comunidade, com
Eutico, foi capaz de celebrar alegremente a Ceia do Senhor,
todos juntos, antes de partirem ao amanhecer (20:11).^
6 Pode ser que Lucas tivesse outros propósitos apologéticos em
mente; uma vez que encontros tarde da noite no primeiro século eram
comumente furtivos e clandestinos, pensava-se que tais encontros fossem
atividades politicamente suspeitas ou que envolvessem comportamentos
sexualmente imorais ou outras práticas grosseiramente desprezíveis,
tais como rituais de sacrifícios humanos. A observação de Lucas de que
“havia muitas candeias no piso superior onde estávamos reunidos” (20:8),
juntamente com seu registro da ressuscitação de Eutico, pode ter sido in­
tencionada para contrapor tais suspeitas acerca do movimento primitivo
de Jesus.
As “ressurreições” de Tabita e Êutico legitimaram,
respectivamente, os ministérios de Pedro (aos judeus) e Pau­
lo (aos gentios) como sendo autorizados e capacitados pelo
mesmo Espírito que levantou os mortos através de Jesus. Por­
tanto, ao passo que ressurreições corpc>reas não são eventos
insignificantes, na narrativa de Lucas elas servem para marcar
as atividades messiânicas de Jesus e de seus servos designados.
Ademais, conforme tenho tentado demonstrar, apesar das
ressurreições (e ressuscitações) terem envolvidos corpos par­
ticulares — a do jovem de Naim ou Tabita ou Êutico —, sua
relevância será mal-entendida, se vista apenas como milagres
biolc)gicos. Antes, em cada caso, o Espírito trazendo os mor­
tos à vida tem implicações sociais e comunais e reverberações.
Isto nos convida a considerar como algumas de nossas
buscas por milagres, como corpos ressuscitados, podem ser
equivocadas. O que é mais importante é o nível no qual esta­
mos respondendo à obra capacitadora do Espírito para agir
de maneira transformacional no mundo, de sorte que os pro­
cessos de morte e destruição sejam revertidos, ao passo que
tanto proclamamos quanto vivemos as boas novas da mensa­
gem de Jesus. Se comunidades inteiras estão sendo afetadas
He maneiras que estimulam a vida, a saúde, e a paz (shalom),
então, nestes casos, podemos reconhecer que o poder de res­
surreição do Espírito tem operado, mesmo através de nossas
vidas e corpos mortais.

123
PARTE SEIS

Os Gentios e o Espirito Santo


23
“Deus Não Mostra Parcialidade!”:
Judeus, Gentios e o Espírito
A tos 10 :1-11:15

A narrativa de Cornélio, em Atos, é a porta que abre


as “enchentes” do evangelho para fluir ao mundo gentio. Em
um sentido, a inteireza da história de Lucas até aqui, retor-
nando ao início da vida de Jesus, tem antecipado esse mO'
mento. Na apresentação de Jesus, logo após seu nascimento,
Simeão regozijou que Deus lhe permitiu ver a salvação “que
preparaste à vista de todos os povos: luz para revelação aos
gentios c para a glória de Israel, teu povo” (Lc. 2:31-32), e o
lançamento do ministério público de Jesus foi anunciado pela
proclamação de João Batista de que “toda a humanidade verá
a salvação de Deus” (3:6).
Até agora, a liderança apostólica tem permanecido
primariamente em Jerusalém (At. 6:2), e parece estar relutan-
te em proclamar o evangelho aos gentios. Sim, eles estavam
cônscios de que as promessas da aliança a Abraão traziam
consigo bênçãos para “todas as famílias da terra” (3:25), mas
coube aos judeus helenistas, como Estevam e Filipe, enfatizar
que a habitação de Deus não estava limitada ao templo (7:46-
50) e ativamente evangelizar além das fronteiras de Jerusa-
lém. Sendo este o caso. Deus agiria novamente para realizar
a promessa do dom do Espírito, a fim de que seus seguidores
pudessem ser capacitados a testemunhar “em Jerusalém, em
toda a Judéia e Samaria, e aos confins da terra” (1:8). Se no Dia
de Pentecostes 0 Espírito foi derramado sobre judeus, pro-
sélitos c outros ao redor do Mediterrâneo, então, no dia do
encontro de Cornélio com Pedro, o Espírito seria derramado
sobre os gentios, desta vez em antecipação dos contínuos der­
ramamentos do Espírito sobre todos que estivessem dispostos
a recebê-lo.
Contudo, a história da conversa de Cornélio é impor-

126
tante em razão de sua função na narrativa lucana mais ampla,
e pelo fato de que ela revela um Deus que “não trata as pessoas
com parcialidade” (10:34), e um Espírito que não faz distinção
(11:12). Aqui estava um homem cuja vida manifestava todas
as características da piedade judaica: “Ele e toda a sua famí-
lia eram piedosos e tementes a Deus; dava muitas esmolas ao
povo e orava continuamente a Deus” (10:2); mais especifica'
mente, também se diz que ele era “honesto [do grego dikaios,
significando “reto” ou “justo”] e temente a Deus, que tem boa
reputação em toda a nação judaica” (10:22). A resposta de Pe­
dro a Cornélio foi que “Deus ouviu sua oração e lembrou-se
de suas esmolas” (10:31).
Como é que um gentio pode ser uma pessoa de oração
separado da revelação específica dada aos judeus ou através
de Cristo? É possível que Cornélio tenha sido uma pessoa ho­
nesta ou reta mesmo antes de ouvir o evangelho? Deus escuta
as orações de todas as pessoas, mesmo se elas forem feitas sem
o conhecimento do nome ou da pessoa de Jesus? A resposta
tradicional é que Deus ouviu a oração de Cornélio e, conse­
quentemente, enviou Pedro para proclamar o evangelho para
ele e sua casa. Mas isto significa que a única maneira que Deus
responde as orações daqueles que lhe invocam é enviando um
missionário e que, portanto, todas as pessoas não evangeliza-
das jamais buscaram a Deus? Ainda que respondamos afir­
mativamente às duas perguntas, isto não explica como Cor­
nélio poderia ter sido um homem honesto ou reto que amava
a Deus (conforme manifesto em suas orações constantes) e,
para todos os efeitos, amava seu próximo como a si mesmo
(conforme testificado pelo povo judeu; c f Lc. 10:27).
Uma resposta mais plausível seria ver que o Deus que
não mostra parcialidade é o Deus que também julga impar­
cialmente, condenando pecadores não arrependidos, “mas de
todas as nações aceita todo aquele que o teme e faz o que é
justo” (At. 10:34-35). Temer a Deus e fazer o que é justo não
é uma realização meramente humana; antes, estas são obras
do Espirito Santo, que pairava sobre o abismo no início da
criação (Gn. 1:2), que, é o sopro de vida de toda criatura e ser
humano (Jó 34:14-15; Sl. 104:25-30; Gn. 2:7), e de cuja presença
nin ^ém pode jamais escapar com sucesso (Sl. 139:7-10). O
Espirito que Lucas diz ter sido derramado sobre toda carne
127
é o mesmo Espírito de quem Paulo escreve, que continua a
gemer com a criação e conosco em antecipação da redenção e
da reconciliação de codas as coisas no amor de Deus em Cristo
(Rm. 8:22-23, 26-27, 3^-39).
Desta forma, e possível que os não evangelizados não
estejam além das operações do Espírito de Deus? E possível
que as orações dos não evangelizados também subam como
um memorial diante de Deus e que Deus tenha suas próprias
maneiras de lidar e aceitar aqueles que constancemence o bus­
cam, mesmo em separado dos missionários? Isso não significa
que devemos cessar e desistir da grande comissão. Antes, de­
vemos responder aos estímulos do Espírito para avançarmos
simplesmente porque tal pode ser um dos meios escolhidos
por Deus para responder às orações daqueles que invocam
o seu nome para a salvação. A obediência de Pedro lhe deu
a oportunidade de declarar o perdão de pecados a Cornélio
(10:43), o que lhe assegurou de que suas orações tinham de fato
sido respondidas.
No caso de Cornélio, Pedro não foi o único instru­
mento de evangelismo; em vez disto, Cornélio também foi um
instrumento para a conversão de Pedro. Este líder dos após­
tolos tinha seguido o chamado de Filipe a Samaria e então
ministrou em Lida e Jope, e seu ministério itinerante o levou
a ficar na casa de Simão, um curtidor (At. 9:43). Esta pro­
gressão mostra que ele agora estava aberto ao menos para se
associar com aqueles previamente considerados impuros (cur­
tidores, por profissão, viviam em violação das leis judaicas de
pureza). Entretanto, foi necessária uma visão — repetida três
vezes — do Espírito de Deus, que, Lucas diz, continua a falar
através de visões (2:17) — para convencer Pedro de que as leis
proibindo associações com os gentios tinham sido superadas
em Cristo (10:28). Além disso, também foi necessário o derra­
mamento do Espírito sobre Cornélio e sua casa, para revelar
que tais associações eram, agora, não apenas com conhecidos
e vizinhos, mas também com aqueles a quem “Deus concedeu
arrependimento para a vida [...]” (11:18). Pedro se converteu
de ser meramente um pregador de paz em Jesus (10:36) para
ser um que incorporava e vivia a paz de Jesus para todas as
pessoas — mesmo para aqueles a quem ele previamente consi­
derava impuros — pelo poder do Espírito Santo.
128
Por fim, observe qjue Cornélio era um centurião, um
oficial romano militar e publico de alto escalão. Contudo, Pe­
dro veio a ele “pregando as boas novas por meio de Jesus Cris­
to” (10:36). Estas eram as boas novas que reconciliavam não
apenas judeus e gentios, mas também inimigos. O testemunho
de Pedro convenceu outros crentes judeus céticos (11:2-3), ao
menos naquele momento, de que a comunhão judaico-cristã
era de fato possível. O momento divisor de águas levaria, pos­
teriormente, à declaração do apostolo Paulo de que judeus e
gentios: “tem acesso ao Pai, por um só Espírito. Portanto, vo­
cês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos
dos santos e membros da família de Deus” (Ef 2:18-15). Entre­
tanto, a pergunta ainda permanece: era isso que Jesus antevia
em sua pregação do evangelho do reino e renovação de Israel?

129
24

Trabalho do Reino:
Restaurando Israel — Chamando as Nações!
Lucas 6:12-15; 5:1-6; 10:1-24

Com Jesus, a restauração e a renovação de Israel e a


pregação do reino estavam ligadas. Nós já vimos como se espe­
rava que os doze apóstolos exercessem um papel chave na in­
trodução do reino. Jesus encarregou os Doze eom uma tarefa
tríplice: (1) proclamar a vinda do reino, (2) curar os enfermos
e (3) expulsar demônios (Lc. 5:1-2).
A missão dos Doze envolvia nada menos que uma
participação na missão do Messias, capacitados pelo Espíri­
to para pregar as boas novas aos pobres, libertar os cativos
e oprimidos e proclamar o reino vindouro (4:18-15). Desta
forma, as curas e os exorcismos estavam associados não ape­
nas em termos das intenções de Jesus em banir toda opressão
— opressão física e espiritual geralmente estão entrelaçadas
— do reino vindouro de Deus, mas também como sinais con­
cretos e manifestações de que o governo de Deus estava apa­
recendo em seu ministério e no de seus “enviados” (apóstolos).
Entendido de maneira positiva, a chegada seria caracterizada
pela comunhão de uma comunidade reconciliada, pelo com­
partilhar mútuo que supria as necessidades da comunidade, e
pela experiência do perdão de pecados em separado dos sacri­
fícios do templo e da mediação do sacerdócio.
Contudo, desde o início, Lucas fornece claras indica­
ções de que a renovação de Israel também envolve a salva­
ção das nações além de Israel. A o passo que Mateus registra a
proibição de Jesus: “Não se dirijam aos gentios, nem entrem
em cidade alguma dos samaritanos” (10:5), Lucas, que escre­
ve em retrospecto da missão de Filipe aos samaritanos e das
conversões do etíope eunuco e a casa de Cornélio, deixa estes
registros totalmente de fora. Ademais, ao passo que Mateus
simplesmente apresenta Jesus instruindo os apóstolos a per­
mitirem que sua paz repouse sobre os lares dos que os rece-
130
bem (10:13), Lucas apresenta Jesus ordenando seus enviados
a proclamarem a paz (Lc. 10:5). A paz, conforme já vimos em
varias ocasiões (1:79; 2:14; 7:50; 8:48; 19:38, 42), jamais pode
estar apenas parcialmente presente; se a paz deve acompanhar
a renovação de Israel, então, a retidão e a justiça também te­
rão de ser conferidas a todas as nações — caso contrário, se
houver discordância, ausência de retidão e injustiça em algum
lugar, também não pode haver paz (shalom) para Israel. Assim
sendo, o que Jesus intencionava para seus apóstolos era que
governassem e reinassem com ele de acordo com os valores do
reino, em vez dos estilos autoritários dos gentios (22:25-27).
Mais indicativo da inclusão de Jesus das nações gentias com a
restauração de Israel, contudo, é o envio dos setenta/setenta e
dois apenas no Evangelho de Lucas (10:1).^
Em síntese, o que é singular ao horizonte universal de
Lucas, quando comparado aos demais evangelhos sinóticos,
é que Jesus autorizou os apóstolos a irem, sem limitá-los a
evangelizar apenas seus compatriotas judeus, e posteriormen­
te designa setenta/setenta e dois para a tarefa de proclamar e
realizar as obras do reino mesmo enquanto instava todos eles
a orarem de sorte que “peçam ao Senhor da colheita que man­
de trabalhadores para a sua colheita” (Lc. 10:2). Neste contex­
to, não há necessidade de presumir que o evangelho estaria
limitado apenas aos judeus. Além disso, mesmo dentre os ou­
vintes judeus, aqueles que rejeitassem os apóstolos de Jesus
estariam excluídos do reino (10:10-16); eles não podiam con­
tar com seu status da aliança para assegurar seu lugar no Israel
renovado. Afinal, aqueles que rejeitavam os apóstolos estavam
rejeitando a mensagem de Jesus e, juntamente com ela, a ofer-
ta do Pai de jesus, o “Senhor do céu e da terra” (10:21), a quem
7 Enquanto a evidência textual aqui está quase igualmente divi­
dida (com a Septuaginta dizendo setenta e o Texto Massorético dizendo
setenta e dois), existem ao menos dois motivos para ler Lucas como
intencionando o Texto Massorético. Primeiro, existem setenta e duas ge­
rações da genealogia de Jesus (3:23-38), que remonta a Adão e, portanto,
significa a universalidade da linhagem de Jesus. Segundo, dado o entendi­
mento de Lucas do escopo do evangelho como se estendendo aos confins
da terra, sua referência às nações presentes no Dia de Pentecoste (Atos
2:7-11) pode muito bem ter sido um exemplo representativo das setenta e
duas nações na tradição da “Planilha de Nações” judaica (Gn. 1 e 1 Cr, 1).
131
o próprio Filho representava. Portanto, enquanto Jesus via a
relação entre a renovação de Israel e a vinda do reino, é justo
dizer que essa renovação não exeluía a salvação dos gentios.
No curso de dois mil anos mais tarde, leitores gentios
de Lucas e deste livro podem imaginar qual a grande impor­
tância disto. Não devemos menosprezar, contudo, quão drás­
tica era para os judeus originais a ideia de que a restauração
de Israel envolvia aqueles que não eram de Israel. Semelhan­
temente, eu imagino se alguns de nós, que agora consideramos
nossa membresia entre o povo de Deus como segura, podemos
ser desafiados a indagar se existem outros, aqueles fora dos
limites de quem pensamos estar entre os eleitos, a quem Deus
pode, contudo, contar como seus. Já mencionamos algumas
classes de pessoas sobre as quais o Espírito foi, está sendo e
será derramado — os pobres, os oprimidos, as pessoas com
deficiências e outros que não são “dos nossos”. Os primeiros
apóstolos estavam, de maneira bastante relutante, fora de suas
áreas de conforto. Cristãos contemporâneos também não cos­
tumam se aventurar para se enturmar com os “outros”. Mas
se o Espírito verdadeiramente está chamando todas as nações,
então deveriamos estar prontos tanto a ir até “eles” quanto a
receber “outros” em nosso meio, de sorte que também possa­
mos ser transformados no processo.

132
25
“Expulsem o Maligno!”:
Á Feitiçaria e o(s) Espirito(s)
Atos 13:1-12; 15:8-20

Nós vimos, ;previamente, o poder do Espírito manifes­


to sobre as artes mapeas, quando Filipe foi a Samaria e con­
frontou Simão, o mágico (At. ô). Conforme, agora, caminha­
mos para áreas mais distantes no império romano, vemos as
artes mágicas manifestas como um fenômeno sincrético com­
binando tradições judaicas, religiões greco-romanas e práticas
locais. Em Éfeso (At. 15), nos deparamos com um viveiro de
atividade religiosa — exorcistas judeus, praticantes judeus e
gentios de artes mágicas, e a adoração à deusa Artemis — e
em Chipre (At. 13), encontramos um mágico judeu, Barjesus,
servindo como conselheiro a um procônsul gentio. Apesar de
os judeus serem proibidos de lidar com mágica, a presença cm
Chipre de alguém como Barjesus, também conhecido como o
“sábio” (etimologicamente associado ao nome “Elimas”), não
era de se surpreender, dada a longa tradição de tais magoi no
mundo gentio (ex. os magos e Earaó em Ex. 7-5, Balaão em
Nm. 22-24, e os astrólogos persas que seguiram a estrela de
Jesus em Mt. 2).
O caso de Barjesus, mais adiante, ilustra as inter-re-
lações ininterruptas entre mágica, religião, política e eco­
nomia no Antigo Oriente Próximo. Diferente da separação
entre igreja e estado de religião e política, o que se tornou
constitucionalmente padrão ao menos na América, o mundo
greco-romano e helenista do primeiro século via a mágica e a
religião como chaves ao poder (no domínio político) e riqueza
(na vida econômica). Barjesus claramente sentiu que se Sérgio
Paulo se convertesse para se tornar um seguidor do Camiriho
de Jesus, ele perderia seu procônsul como patrono. Em Éfeso,
a queima de livros sobre artes mágicas no valor de cinquenta
mil moedas de prata — cada denário sendo o salário de um
dia todo de trabalho! — sugere que muitos tinham acumulado
133
uma elevada quantia de riqueza utilizando estas práticas. En­
quanto os motivos dos sete filhos de Ceva não são claramente
especificados, paralelos com o episódio samaritano indicam
que eles podem ter sido, de maneira semelhante, motivados,
conforme foi Simão Mago,para obter poder sobre a dimensão
espiritual pelo amor ao lucro.
Existem vários níveis nos quais podemos e devemos
entender os dois “encontros de poder” descritos nos textos em
consideração. No nível interpessoal, a competição entre Pau­
lo com Barjesus, o “filho do diabo” e “inimigo de toda a jus­
tiça” (At. 13:10), confirma suas credenciais apostólicas como
equivalentes às manifestas por Pedro em seu encontro com
o casal cheios de Satanás, Ananias e Safira (5:3). Mais tarde,
a declaração dos espíritos malignos aos filhos de Ceva — de
que “Jesus eu conheço, e Paulo eu sei quem é; mas vocês, quem
são?” (19:15) — legitima a autoridade de Paulo em conexão
com Jesus. Assim como Jesus expulsou demônios pelo poder
do Espírito (10:30), Paulo também vence as artimanhas do
diabo, pelo mesmo Espírito (13:9-11).
No nível da narrativa de Atos, contudo, estas duas
passagens revelam como a fé cristã é estabelecida em regiões
pagãs (gentias) previamente sob o domínio de outras forças
espirituais. A cegueira de Barjesus levou à conversão do pro-
cônsul (13:12), e as notícias acerca dos filhos de Ceva se espa­
lharam rapidamente: “todos eles foram tomados de temor; e o
nome do Senhor Jesus era engrandecido. Dessa maneira, a pa­
lavra do Senhor muito se difundia e se fortalecia” (19:17, 20). A
disseminação da fé em Jesus a partir de Antioquia, onde Paulo
iniciou seus empreendimentos missionários na instalação do
Emírito Santo (13:2), para Chipre e, então, mais tarde, para
Êfeso, é digna de nota, dada a localização central da ilha na
rota comercial mediterrânea e a importância de Éfeso como
uma cidade imperial. Com relação a Éfeso, Lucas sugere que
o evangelho não parece ter feito muitos avanços, mesmo após
dois anos de ministério persistente de Paulo (19:9-10), mas o
grande sucesso ocorreu com o incidente dos filhos de Ceva.
Qualquer sucesso depende, naturalmente, da obra do Espí­
rito, que designou o empreendimento missionário de Paulo,
assim como fez com Pedro (no dia de Pentecostes) e Jesus (em
seu batismo). Capacitado pelo Espírito, Paulo encontra e pre-
134
valece sobre os espíritos de Chipre e Éfeso.
Em um esquema mais amplo de Lucas-Atos, o cori'
flito com espíritos malignos é um subtema do enredo maior.
DiZ'Se especificamente que Paulo proclamou o reino de Deus
no início de sua missão em Éfeso (15:8). A experiência dos
filhos de Ceva mostra que, enquanto eles estavam interessa­
dos em expandir seu repertório de fórmulas de exorcismos, a
vinda do reino tinha a ver com a pessoa do próprio Jesus. A
expulsão dos demônios não depende de repetição de fórmu­
las em nome de Jesus, mas da adequada representação de sua
autoridade pessoal. E assim como Jesus indicou — “Mas se [...]
eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus”
(Lc. 11:20) —, também foi nos casos dos discípulos — Pedro,
Filipe e Paulo (respectivamente, At. 5:15-16; 8:7; 19:11-12) —,
e a expulsão dos demônios anunciava a presença do Espírito
de Jesus e a incursão do reino, também. Estes episódios reve­
lam as dimensões políticas da “guerra espiritual”, mostrando
claramente o que acontece quando a vinda do reino invade as
estruturas de poder do mundo presente.
Contudo, uma linha tênue permanece entre a encul-
turação autêntica do evangelho e seu sincretismo com tradi­
ções locais. Na cultura religiosa do primeiro século, as reli­
giões greco-romanas estavam fundidas com praticas religiosas
e culturais indígenas, geralmente resultando em amálgamas
sincréticas das artes mágicas. Na esfera popular, a busca por
cura miraculosa, alívio econômico e poder político era geral­
mente suprida através de líderes religiosos e políticos (como
Barjesus) ou do xamã do vilarejo (observe que se diz que Ceva
era um sacerdote judeu; 19:14). O cristianismo prendeu a aten­
ção popular, parece, ao menos em parte, porque os apóstolos
foram capazes de alcançar as expectativas dos gentios e su­
perar os artistas mágicos pagãos. Desta forma, os poderes de
cura de Paulo foram mediados através de lenços e aventais
(19:12), assim como os de Pedro foram efetivados através de
sua sombra (5:15), e o de Jesus, através da orla de suas vestes
(Lc. 6:19; 8:44). Contudo, mesmo os crentes no Messias (tal­
vez muitos sendo novos convertidos) continuaram a praticar
mágica (At. 19:19), até que o incidente com os filhos de Ceva
registrou a verdade do evangelho de que o poder de Jesus re-
si ia não na mera pronúncia de seu nome, mas na adequada e
135
delegada representação de sua autoridade do reino.
Desafios semelhantes permanecem ainda hoje, em es­
pecial na expansão do cristianismo no Sul Global (Ásia, África
e América Latina). De um lado, existem conversões em massa
à fé cristã quando as pessoas encontram o poder de Deus de
curar, de expulsar espíritos malignos e de libertar da opressão.
Por outro lado, mesmo após a conversão, continuam a con­
sultar o xamã local ou inapropriadamente misturar sua nova
fé a práticas prévias religiosas e culturais. Quando a encultu-
ração ou contextualização se transforma em sincretismo? As
muitas línguas do Espírito capacitam à tradução do evangelho
em muitas línguas e culturas do mundo, e ao mesmo tempo,
entretanto, ameaçam dissolver a singularidade do evangelho
em um mundo plural? A expulsão de espíritos malignos pode
ser comprometida na mistura não intencionada das praticas
religiosas?
De um ponto de vista político, contudo, o desafio é le­
var a sério as forças e principados sem ser inocente na demo-
nização dos governos, organizações ou sistemas sociopolíticos
e econômicos atuais. Com muita frequência, nós associamos
a pobreza econômica, a corrupção política ou o subdesenvol­
vimento e a agitação social a religiões pagãs ou à atividade
demoníaca. Tal análise, contudo, menospreza o fato de que
todas estas realidades existem mesmo dentro de contextos
supostamente “cristãos”, mesmo quando eles estimulam uma
mentalidade que enxerga demônios em tudo e que não assume
a responsabilidade por aquilo que pode ser mudado. A chave
é orar contra as forças, mas, ao mesmo tempo, testemunhar a
Cristo no poder do Espírito, de maneiras que façam a diferen­
ça política ou pública no mundo.

136
26

Satanás, o Demoníaco e o Império


Lucas 4 :1-14 , 31-37 ; 8:26-39; 9:37-42, 49—50; 11:14 -26

Quando os discípulos reclamaram acerca de alguém


fora do círculo dos seguidores de Jesus estar expulsando de-
mônios em seu nome, Jesus respondeu: “Não o impeçam,
pois quem não é contra vocês é a favor de vocês” (Lc. 9:50).
Entretanto, quando seus oponentes o aeusaram de expulsar
demônios pelo poder de Belzebu (sinônimo de Satanas), ele
respondeu: “Todo reino dividido contra si mesmo será ar­
ruinado, e uma casa dividida entre si mesma eairá. Se Sata­
nás está dividido contra si mesmo, eomo o seu reino pode
subsistir? Digo isso porque vocês estão dizendo que expulso
demônios por Belzebu. Se eu expulso demônios por Belzebu,
por quem os expulsam os filhos de vocês? Por isso, eles mes­
mos estarão eomo juizes sobre voeês” (11:17-19). Parece que
os filhos de Ceva estavam procurando seus próprios ganhos
pessoais, de sorte que a tentativa de exoreismo por parte deles
foi malsucedida porque não estava acompanhada da presença
e autoridade de Jesus, o representante de Deus enviado para
estabelecer o reino.
O primeiro encontro registrado de Jesus com o diabo
revela eomo sua missão para redimir e introduzir o reino eon-
frontava o reino das trevas. Ao passo que Israel passou qua­
renta anos no deserto em rebelião eontra Deus, Jesus passou
quarenta dias no deserto buscando a vontade de Deus. Ao
passo que Israel não confiou na provisão de Deus do maná, foi
desobediente aos mandamentos de Deus e testou Deus repeti­
damente, Jesus resistiu a cada uma destas tentações, portanto,
estabelecendo os fundamentos para a restauração da nação.
Enquanto Israel se rebelou contra Deus e “entristeceu seu Es­
pírito Santo” (Is. 63:10), Jesus foi conduzido pelo Espírito a
um deserto, e “[...] no poder do Espírito, e por toda aquela
região se espalhou a sua fama” (Le. 4:14), para continuar sua
missão. Ainda que Satanás tenha prometido todos os reinos

137
do mundo (4:5-6), Jesus rejeitou a proposta e confiou nas pro­
messas de Javé de lhe conceder as nações (vide Sl. 2:8). Ele
estava se preparando para um ataque frontal contra as forças
do diabo, uma batalha para neutralizar a armadura e armas do
diabo e saquear o reino das trevas (Lc. 11:22).
Tão logo venceu as tentações do diabo, Jesus se enca­
minhou, pelo poder do Espírito, a soltar os cativos, libertar os
oprimidos e proclamar o ano aceitável do Senhor (4:18-19). E
os asseclas do diabo perceberam que sua aparição antecipava
o tormento e a destruição deles (4:34; 8:36). Jesus primeiro ex­
pulsou demônios em Cafarnaum e, então, nas regiões circun-
vizinhas da Galileia (4:41; 6:18), antes de atravessar o lago para
a região gentia de Gerasa (8:22, 26). O endemoninhado que
ele encontrou estava possesso por milhares — Legião (8:30)
— de espíritos malignos. Talvez ele fosse o bode expiatório
expulso da comunidade (para os túmulos e o ermo) cuja vida
representava a desordem (expressa em sua escuridão) experi­
mentada pelo povo geraseno em razão da opressão que eles
sofriam sob o governo romano, os impostos e a exploração
(simbolizados pelos guardas, correntes e algemas com as quais
ele estava preso; 8:29). Neste caso, a expulsão da Legião para o
abismo denotava a derrota do domínio e da tirania imperial,
e estabelecia a autoridade e o poder universais de Jesus para
além dos limites de Israel.
Mais especificamente, a libertação do demoníaco
anunciava a chegada do reino. Gonforme Jesus disse poste­
riormente: “Mas se é pelo dedo de Deus que eu expulso demô­
nios, então chegou a vocês o Reino de Deus” (Lc. 11:20). En­
quanto Belzebu domina sobre seu reino de demônios (11:15),
Jesus ameaça transformá-lo em um deserto pelo anúncio da
chegada do rei Javé sobre a nação restaurada de Israel e o
mundo renovado dos gentios; e enquanto o diabo busca man­
ter seu controle opressivo sobre o mundo (seu castelo, 11:21),
Jesus chega pelo poder do Espírito a fim de redimir e restau­
rar o mundo e seus habitantes a seu devido dono.
Então, por um lado, o diabo e seus asseclas afligem
o mundo fisicamente (conforme refletido em sua responsa­
bilidade por casos específicos de ataques epiléticos e mudez;
9:38-39; 11:14). Por outro lado, as obras do diabo debilitavam
famílias e comunidades inteiras. Dentro do horizonte do rei-
13 s
no em Lucas, era o caso do reino das trevas versus o reino da
luz (c£ At. 2Ó:i 8), com as batalhas sendo lutadas em todos os
níveis, alcançando desde o nível da Roma imperial, a lideran­
ça judaica, as autoridades regionais (como aquelas em Gera-
sa), e as comunidades locais (como aquela da ilha de Chipre,
sob a liderança do procônsul Sérgio Paulo e seu conselheiro
Barjesus, At. 13:6) ao nível de cada família e cada pessoa. Jesus
veio pelo poder do Espírito, para declarar e estabelecer o rei­
no; cabia aos que eram libertos em cada nível, contudo, abra­
çar os representantes do reino ou arriscar serem reinvadidos
pelos principados e poderes sete vezes mais malignos do que
os de outrora (Lc. 11:26).
Semelhantemente, hoje cabe a nós discernirmos, se­
guindo a orientação do Espírito Santo, quando encontrarmos
um problema de epilepsia (ou doença mental ou esquizofre­
nia), ou surdez, ou mudez, ou depressão econômica, ou opres­
são política, ou, talvez, simultaneamente com quaisquer das
acima ou mais, se espíritos malignos estão envolvidos. Inde­
pendente da situação, devemos sempre estar alertas à presen­
ça e atividade do demoníaco, quando existe oposição ao reino
de Cristo, sua retidão, paz, e shalom. Desta forma, o apóstolo
Paulo escreveu: “pois a nossa luta não é contra pessoas, mas
contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste
mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas re­
giões celestiais” (E f 6:12). As vezes, a batalha é perdida por-

?[ue aqueles que entram nela não o fazem pelos motivos certos
ex., os filhos de Ceva) e não estão, portanto, com Cristo, mas
contra Cristo (Lc. 11:23). Outras vezes, os seguidores de Jesus
como o Messias podem simplesmente carecer de fé (5:40-41;
Lucas omite a menção de que os discípulos negligenciaram a
oração ou o jejum, conforme indicado em Mc. 5:2^. Contudo,
quando designado adequadamente por Cristo e capacitado
por seu Espírito, o reino avança em meio a registros de que:
“Senhor, até os demônios se submetem a nós, em teu nome!”
(Lc. 10:17).
Isto significa que nós também podemos ser agentes
da renovação de Israel e da chegada do reino, libertando os
oprimidos, nos opondo aos poderes das trevas em controle
dos portões dos castelos, e mesmo resistindo às formas opres­
sivas e destrutivas do império. Não é de se surpreender que
139
“mesmo os demônios creem — e tremem” (Tg. 2:19). Por que
eles não creriam e tremeríam? As vidas de muitos, sem men­
cionar os reinos deste mundo, atualmente sob a influência do
maligno (1 Jo. 5:19), estão em jogo. E o mesmo Espírito que
ungiu Jesus para ir “por toda parte fazendo o bem e curando
todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele”
(At. 10:38), continua a capacitar as obras dos seguidores de
Jesus boje, de sorte que, através delas, Jesus, que foi estar com
o Pai, possa fazer coisas ainda maiores do que ele fez em carne
(Jo. 14:12).

140
27
A Obra Universal do Espírito
Atos 13:13-15:35

No deserto e, então, em sua vida e ministério, Jesus


derrotou o diabo, viveu uma vida reta em obediência a Deus,
pronunciou o perdão de pecados — todos os atos relacionados
a salvação de Israel. Contudo, o problema foi que a maioria
das pessoas de sua época, incluindo a liderança judaica, não
entendeu que a renovação de Israel trazia com ela o gover­
no e reino do Senhor sobre o mundo, incluindo a extensão
da aliança salvadora de Deus aos gentios, também. Conforme
a comunidade messiânica se expandia de Jerusalém à Judéia,
e Samaria, e além, os discípulos lutaram com as implicações
deste crescimento, mesmo quando encontraram resistência,
em especial dos líderes judeus, que percebiam tais desenvol­
vimentos como ameaça à fragilidade da existência diaspcirica
judaica.
No relato de Lucas da pregação de Paulo em Antio-
quia da Psídia, vemos como estes primeiros seguidores de
Jesus começaram a entender o relacionamento entre Israel e
a salvação dos gentios. Dirigindo-se tanto aos judeus quanto
aos gentios tementes a Deus, na sinagoga (At. 13:16, 26), Paulo
começa, primeiro, com a seleção divina de Israel. A liberta­
ção do Egito, a conquista de Canaã e o desígnio de juizes e,
então, reis são todos atos de Javé, culminando na aliança da-
vídica e na promessa do Salvador messiânico de sua linhagem
(13:17-23). Apesar de ele ter sido executado como um homem
inocente, sua ressurreição dentre os mortos cumpria as pro­
messas feitas a Davi (13:27-37) e vindicava sua vida e seu mi­
nistério, em especial o perdão de pecados disponibilizados em
seu nome (13:38). Mas, o mais inacreditável (13:41) e, para os
judeus, escandaloso, era que “Por meio dele, todo aquele que crê
[não apenas judeus!] é justificado de todas as coisas das quais
não podiam ser justificados pela lei de Moisés” (13:39, ênfase
acrescentada). Os gentios que ouviram esta oferta de perdão

141
“alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor” (13:48) e,
conforme prometido por Pedro no Dia de Pentecoste (2:38),
“foram cheios de alegria e do Espírito Santo” (13^2). O perdão
de pecados, a retidão, a paz, e a alegria, manifestos na vida
de Cristo, e a superação do reino das trevas em seu nome,
estavam todos disponíveis a qualquer um que acreditasse e
estivesse disposto a receber — judeus e gentios. Mais precisa­
mente, é a reconstrução da casa de Davi, a restauração de Is­
rael, que é o meio através do qual os demais do mundo podem
ser salvos (15:16-17).
Mas, assim como os líderes judeus resistiram ao minis­
tério de Jesus e dos apóstolos em Jerusalém, e assim como os
judeus helenistas, que eram zelosos pelo ministério do tem­
plo, rejeitaram o ministério de Estevam, também os líderes
|udeus e gentios em Antioquia na Psídia e Icónio se opuseram
a mensagem de Paulo (13:45, 50; 14:2, 5, 19). A liderança gentí-
lica pode ter ficado preocupada com a perda de patronagem
em seus templos locais ou em transtornar o culto a César. Os
judeus, por outro lado, podem ter sido alertados pela facção
da Judéia que veio a Antioquia, dizendo: “Se vocês não forem
circuncidados conforme o costume ensinado por Moisés, não
poderão ser salvos” (15:1). Talvez eles estivessem enciumados
(13:45) promessas da aliança de Moisés e Davi esti­
vessem sendo estendidas aos gentios sem qualquer exigência
de guardar a lei mosaica ou passar pela circuncisão, o sinal da
aliança (15:5, 24). Mais adiante, se de fato a renovação de Is­
rael agora incluía a salvação dos gentios, então, já não poderia
mais haver punição aos opressores de Israel, e, sem tal julga­
mento, não naveria vindicação de Israel conforme o povo es­
pecialmente selecionado por Deus. Tal aceitação incondicio­
nal e mesmo eleição dos gentios como parte do povo de Deus
(13:48; 15:7) não ameaçava desfazer a própria aliança?
Paulo se via sendo amadurecido em duas frentes.
Deus, que o havia chamado ‘Aara ser uma luz aos gentios [...]
e a’ trazer salvação aos confins da terra” (13:47, fazendo alu-
são a Is. 49:6), tinha lhe capacitado pelo Espírito a pregar as
boas novas àqueles que estavam sem a lei. Então, por exem­
plo, quando pregando aos camponeses dos vilarejos em Lis­
tra, Paulo falou acerca do Criador do mundo, que também
provia para suas criaturas (14:15-17). Era este Deus que, agora.
142
intencionava derramar sobre eles, de maneira extravagante,
o perdão incondicional de pecados e a vida eterna em seu rei-
no (14:15-17). Contudo, esta mensagem parecia, aos líderes e
puristas judeus, por demais descontinuada das promessas da
aliança feitas a Moisés e Davi. Não havia mais necessidade do
sacerdócio e de sacrifícios no templo, e as próprias bases da
lei agora pareciam ser minimizadas.
Acontece que as coisas estavam, de fato, tão “ruins”
conforme eles pensavam que estavam. Não apenas Deus
escolheu os gentios (13:48; 15:14), mas Deus também consi­
derou adequado conceder aos gentios o Espírito Santo, para
limpar seus corações pela fé e não mais fazer distinção entre
judeu e gentio (15:8-5). Ainda mais, Pedro insistia que, em vez
de os gentios participarem na salvação prometida aos judeus,
era o contrário — que a salvação dos gentios era a norma, e
que mesmo os judeus serão “salvos pela graça de nosso Senhor
Jesus, assim como eles [gentios] cambem” (15:11, ênfase acrescen­
tada). E em vez discernir estes desenvolvimentos como estan­
do em consonância com as Escrituras, os profetas agora são
lidos (retrospectivamente, parece) como concordância com a
ação de Deus de salvar os gentios (15:15).
Apesar de os judeus estarem somente agora entenden­
do a generosidade de Deus, ela sempre fora parte do plano de
Deus, desde o início (15:18, 21). Entretanto, através de tudo
isso, os líderes apostólicos vieram a perceber, através do Es­
pírito Santo (15:28), que, enquanto os gentios poderiam ser
salvos conforme eram (sem plenamente se converter para se
tornarem judeus e sem serem circuncidados), o estilo de vidas
dos gentios também não deveria quebrar a lei mosaica — isto
é, não deveríam cometer imoralidade sexual, mas manterem
a si mesmos afastados das impurezas proibidas a todos aque­
les que viviam em meio ao povo de Deus (15:20-21; c f Lev.
17:8). Contudo, estas eram diretivas motivadas socialmente,
uma vez que, do contrário, os convertidos judeus não serão
capazes de interagir com os crentes judeus. A conclusão teo­
lógica mais importante era que seguir o Messias não resultava
em desconsideração pela lei, mas em experimentar o poder
salvador da lei na vida de Jesus.
Não é de se surpreender que houvesse tanta oposição
a Jesus e aos líderes apostólicos em Jerusalém, no início, e ago-
M3
ra com Paulo e outros que estavam levando o evangelho aos
gentios. A decisão tomada pelos apóstolos neste concilio em
Jerusalém foi tão radical que, para todos os efeitos, legitima­
va a forma não judaica de discipulado messiânico. Os judeus
que estavam comprometidos com as promessas da aliança não
podiam facilmente encontrar uma forma de permanecer fiéis
a suas tradições enquanto, ao mesmo tempo, adotavam a vida
e os ensinos de Jesus em sua comunidade. De fato, parecia que
Deus sabia que isto aconteceria, e que esta própria rejeição
seria a ocasião para a obra salvadora do Espírito entre os gen­
tios (13:46).

14 4
28
Parábolas da Obra do Espírito no Mundo
Lucas 13:16-30; 15:1-32

À luz do desenrolar da história da restauração de Is­


rael como incluindo os gentios em Atos, a história do filho
pródigo pode ser entendida como antecipando a luta do ir­
mão mais velho, representando os seguidores de Jesus que
eram judeus cumpridores da lei, em aceitar e receber o irmão
mais novo e esbanjador, representando os tementes a Deus e
gentios que estavam respondendo ao evangelho. Observe que
o irmão mais novo vai para uma “região distante” (15:13), cla-
ramente indicativa de território gentio (c£ At. 22:21). Após
desperdiçar sua fortuna, ele vai trabalhar com porcos (Lc.
15:15), que é anátema e impura aos judeus (cf Lev. 1 1 7 ) , e era
uma profissão executada somente por gentios. Por fim, ele,
de maneira blasfema, desperdiça sua herança “com prostitu­
tas” (Lc. 15:30), frequentemente entendida como se referindo
à idolatria gentílica, e vem a se dar conta de que não mais é
participante da aliança que Deus fez com Israel.
O irmão mais velho, contudo, havia servido fielmente
a seu pai e havia guardado os mandamentos (15:25). De ma­
neiras análogas aos crentes judeus em Atos 15, ele não conse­
guia entender como adotar este filho pródigo não seguidor da
lei (gentios). O pai, que se regozijou com o retorno do filho
perdido — assim como o pastor o fez ao encontrar a ovelha
perdida, e a mulher, ao encontrar a dracma perdida —, agora
instrui o irmão mais velho a se reconciliar com o mais novo
(15:32). Se o irmão mais velho na parábola estava bravo (15:28)
e considerava difícil aceitar o transgressor como um membro
igual da família, assim também os lideres judeus se incendia­
ram — ao ponto de perseguirem e mesmo matarem Estevam
e Tiago, e, assim eles pensavam, Paulo — com a ideia de que
seguidores gentios podiam ter o direito às promessas da alian­
ça. Eles não podiam entender como pecadores não circunci-
dados poderiam simplesmente, por seu arrependimento, ser

145
igualmente escolhidos como eleitos de Deus e recipientes das
bênçãos trazidas pela renovação de Israel.
O retrato de Lucas dos judeus não é, por vezes, fácil
de engolir. Ainda que os judeus parecessem ter rejeitado o
evangelho e, através disto, aberto a porta para os gentios, isso
significa que a aliança de Deus com os judeus fora revogada?
A resposta, extraída do mesmo texto de Lucas, deve ser um
enfático não. A citação de Tiago do profeta Amós, no concilio
em Jerusalém, foi:
(...) reconstruirei a tenda caída de
Davi. Reedificarei as suas ruínas, e a
restaurarei, para que o restante dos
homens busque o Senhor (At. 15:16-
17 ).
Os gentios não substituem os judeus; antes, os gentios
são capacitados a usufruir do arrependimento precisamente
em razão da construção da cada de Davi — a restauração e a
renovação de Israel. A parábola do filho pródigo, desta for-
ma, nos mostra a grande paciência, persistência e o amor de
Deus pelo perdido, marginalizado e, mais importante, pelo
rejeitado e estrangeiro. O tempo havia chegado, com o envio
de Jesus como o Cristo, para renovar a aliança com os judeus
e, ao mesmo tempo, estender seus benefícios aos gentios. Esta
era a obra inacreditável do Espírito naqueles últimos dias —
aproximar os gentios que não apenas estavam longe, mas tam-
bém cortados das promessas de Deus, e reconciliar judeus e
gentios de sorte que fossem um único e novo povo de Deus.
Contudo, havia um perigo para os judeus. Conforme Paulo
havia advertido os judeus em Antioquia na Psídia: “Era ne-
cessário anunciar primeiro a vocês a palavra de Deus; uma vez
que a rejeitam e não se julgam dignos da vida eterna, agora
nos voltamos para os gentios” (At. 13:46). Na verdade, a pala-
vra do reino e da vida eterna era, precisamente, que a restau-
ração de Israel incluía a renovação do mundo, então, aqueles
judeus que rejeitavam essa mensagem gradualmente se viram
sendo “deixados para trás” enquanto os gentios estavam alcan-
çando 0 reino vindouro.
A s próprias admoestações de Jesus acerca destas ques­
tões não pareciam ter sido ouvidas. Em um momento, lhe fi­
zeram uma pergunta que era debatida entre os judeus de sua
146
época: se seriam muitos ou poucos os que herdariam o reino
e as promessas da aliança de Deus (Lc. 13:23). Sua resposta en­
fatizou que seus ouvintes deveriam se empenhar em receber
a salvação, uma vez que ela não estaria acessível para sempre
(13:24-25). O fracasso em se arrepender, agora, pode levar à
exclusão do grande banquete posteriormente, e seus lugares
tomados pelos muitos que “virão do oriente e do ocidente, do
norte e do sul, e ocuparão os seus lugares à mesa no Reino de
Deus” (13:25). Portanto, apesar de os profetas terem prometi­
do que o dia da restauração de Israef também traria bênçãos
para todos os povos da terra, Jesus estava preocupado que seus
ouvintes iriam, por fim, perder o reino. A pergunta importan­
te não era quantos seriam salvos, mas como alguém poderia
ser salvo. Podemos ver como a advertência de Paulo a seus ou­
vintes judeus e cristãos judeus era consistente com a própria
mensagem e com o ministério de Jesus.
Mas, mesmo em meio a advertências urgentes, nós
encontramos razões para sermos otimistas. Ao falar na
sinagoga no sábado (Lc. 13:10), Jesus contou duas parábolas, da
semente de mostarda e da massa fermentada, que indicavam a
vinda do reino todo-inclusivo (de judeus e gentios), que fora
lançada por acontecimentos aparentemente insignificantes,
como a cura de uma mulher deficiente (13:18-21). Assim como
a pequena semente de mostarda se tornou uma grande árvore
para todos os pássaros, e assim como o fermento se espalha
por toda a refeição, com a vinda de Jesus e, então, do dom
do Espírito Santo, o poder invisível de Deus, mas não menos
ativo, estava crescendo e cultivando o reino. A conclusão é
que, por mais que as coisas pareçam desoladoras, o reino está
inexoravelmente em operação, realizando as intenções salva­
doras de Deus.
Então, enquanto não devemos descartar as advertên­
cias acerca de sermos excluídos do reino vindouro, também
não devemos nos preocupar ou ficarmos ansiosos acerca dele.
Se Deus advertiu os judeus e também espera pacientemente
por eles, assim Deus também admoesta todas as pessoas a se
voltarem a ele, mesmo enquanto esperando pacientemente
por eles. De fato, Deus ama o mundo de tal maneira que ele é
visto se regozijando, juntamente com os anjos no céu, por um
pecador que se arrepende (15:7, 10). E alguma surpresa, por-
147
tanto, que o Deus que sequer negou a si mesmo, seu próprio
Espírito, tenha derramado seu Espírito sobre toda a carne?

14 8
PARTE SETE

0 Espírito Santo Vira o Mundo de

Cabeça para Baixo


29
Suas Filhas Profetizarão!
Atos 16:1-15; 21:7-11

Retomamos a história apostólica após o grande conci­


lio de Jerusalém. A missão aos gentios havia sido afirmada, e
Paulo e seus companheiros estavam de partida para cumprir a
tarefa. Aqui, em Atos 16, nós vemos o Espírito operando em
Paulo de maneiras que exibem alguns dos temas que Lucas ha­
via especificamente associado ao derramamento do Espírito
sobre toda carne:
Nos últimos dias, diz Deus, derrama­
rei do meu Espírito sobre todos os
povos. Os seus filhos e as suas filhas
profetizarão, os jovens terão visões,
os velhos terão sonhos (At. 2:17).
As narrativas acerca de Timóteo (16:1-5), da visão de
Paulo (16:6-10) e de Lídia (16:11-5) ilustram o trabalho contí­
nuo do Espírito, dado em prol de transformar o mundo.
Timóteo era filho de um pai grego e de uma judia que
cria no Messias (16:1). Em outro lugar, ouvimos da fé sincera
de sua avó e de sua mãe, Lóide e Eunice (2 Tm. 1:5), e como
elas o tinham ensinado, desde a infância, os escritos sagrados
(2 Tm. 3:15). Na época da segunda viagem a Derbe, Listra e
Icónio, os “irmãos já davam bom testemunho” de Timóteo
(At. 16:2) naquela região. Tendo perdido Barnabé e Marcos
(15:38-40), Paulo convidou Timóteo para continuar com ele
na missão através da Ásia Menor.
A vida de Timóteo é exemplar da obra do Espírito em
vários aspectos. Primeiro, sua conversão e amadurecimento
como um seguidor de Jesus em tão curto período de tempo
é incrível, considerando que apenas há alguns anos os judeus
nas redondezas da cidade de Timóteo haviam expulsado Pau­
lo de Icónio e, então, o apedrejaram e o deixaram como mor­
to em Listra (14:5-6, 15-20). Posteriormente, ele incorporou,
biológica e culturalmente, a unidade do judeu e do gentio,
150
tornada possível pelo dom do Espírito. Por fim, sua circun­
cisão como judeu quando adulto foi confirmação de que a
redenção dos gentios não ab-rogava a aliança de Deus com
os judeus. Paulo percebeu que seu chamado aos gentios não
significava o fim de sua missão aos judeus, e que a recepção de
Timóteo nos círculos judaicos dependia da adoção por parte
dele do sinal da aliança (que provavelmente lhe fora negada
quando criança por seu pai grego, que, agora, não mais vivia).
A circuncisão de Timóteo não minimizava a decisão do con­
cilio de Jerusalém, uma vez que tratou dos gentios, e isto foi
confirmado conforme Paulo continuou com ele, de cidade em
cidade, entregando a carta do concilio às igrejas (16:4-5).
Enquanto avançava pela Galácia, Lucas nos conta que
o Espírito Santo direcionou a equipe apostólica, ao proibir
seu ministério na Ásia e Bitinia (16:6-7). Como isso aconte­
ceu, não está claro. Antes, em Atos, nós vemos como o Espí­
rito Santo lançou o ministério a Samaria (através de Filipe e
de outros diáconos judeus helenistas), em parte pela severa
perseguição que eclodiu (ô:i), mesmo mais tarde, o Espírito
direcionou a primeira viagem missionária de Paulo de uma
maneira mais convencional, através de adoração congregacio-
nal, jejum e oração (13:1-3). Os meios da liderança do Espírito
durante esta segunda jornada missionária são menos claros,
embora em certo momento uma visão seja dada, o que Paulo
e seus colegas discernem como os levando à Macedônia (16:5-
10). Conforme fora prometido pelo profeta Joel, os cristãos
primitivos continuaram a seguir a liderança do Espírito atra­
vés de visões: anteriormente, quando Paulo estava no caminho
de Damasco (5:10), e, posteriormente, quando ele foi cercado
de duvidas em Corinto (18:9); e então, também, quando Pedro
foi conduzido até a casa de Cornélio (10:3).
O Espírito Santo ainda fala à igreja através de sonhos e
visões, hoje? Muitas pessoas estão preocupadas que a confian­
ça em tais veículos abra espaço a um subjetivismo irrestrito,
e que as pessoas se deixarem levar, acreditando que ouviram
isto ou aquilo da parte de Deus. Em alguns casos, talvez mes­
mo muitos, as pessoas ficam desiludidas. Mas nossos temores
e sonhos e visões resultaram em muitos de nós ignorando tais
meios por completo. E, quando assim o fazemos, nos fecha­
mos a um dos modos através dos quais Deus pessoalmente
151
tem falado. Naturalmente, devemos sempre julgar e discernir
todos os sonhos e visões, e tal discernimento acontece melhor
em uma comunidade da fé.
A narrativa de Atos i6 também retoma o tema acer­
ca do derramamento do Espírito sobre mulheres (incluindo
mulheres mais jovens) para a renovação de Israel e a redenção
do mundo. Aqui, Lucas ressalta a conversão de Lídia e sua
liderança na evangelização de Filipos. Não parece ter havido
uma sinagoga plenamente formada nesta “principal cidade”
(16:12) da Macedônia, mas havia pessoas tementes a Deus, a
quem Paulo foi capaz de reunir a partir das regiões circunvi-
zinhas para buscarem a Deus no sábado. Lídia pode ter sido
abastada, uma vez que ela parece ter tido uma casa grande o
bastante para hospedar Paulo e sua equipe (que agora incluía
ao menos Timóteo e provavelmente o próprio Lucas, como o
“nós” sugere em 16:12). Tabita (vide capítulo 22) e Lídia for­
neceram liderança matriarcal em Jope e na área de Filipos,
respectivamente (cf 16:40), e isto durante um período em que
o domínio patriarcal era normativo.
Lídia e Tabita são representantes da capacitação de
mulheres na igreja primitiva pelo Espírito. Outras mulheres
que já conhecemos em Atos incluem Maria, a mãe de Jesus,
e outras no cenáculo (1:14), Maria, a mãe de João Marcos, e
Roda, sua serva (12:12-13). Mulheres às quais precisamos,
ainda, incluir Priscila, a esposa de Àquila e co-mentora de
Apoio (18:2, 26); Dãmaris, uma convertida em Éfeso (1^:34);
outras “mulheres de alta posição” convertidas em Tessalonica
e Beréia (17:4, 12); a irmã de Paulo (23:16); e a rainha Berenice
(25:13).
Mais tarde, quando Paulo chega a Cesárea para ficar
na casa de Filipe, o evangelista, vemos, ironicamente, que o
evangelismo de Filipe em Samaria fora previamente iniciado,
quando Paulo “devastava a igreja. Indo de casa em casa, arras­
tava homens e mulheres e os lançava na prisão” (8:3)! Ouvimos
de suas “quatro filhas virgens que profetizavam” (21:9). Estas
e muitas outras mulheres não nomeadas foram portadoras
do dom do Espírito e se tornaram servas profetisas de Deus,
algumas literalmente (como as filhas de Filipe), mas outras
simplesmente ao viverem o caráter misericordiosamente in-
clusivo do Israel renovado e o reino vindouro.
152
Contudo, está claro que, apesar dos inegáveis papéis
de liderança desempenhados por Tabita, Lídia, pelas filhas
de Filipe, e por outras, as mulheres permanecem, em gran­
de parte, subordinadas aos homens. Atos o fato de termos.
Apesar de as filhas de Filipe terem o dom de profecia, elas
sequer são mencionadas, e as palavras proféticas naquela pas­
sagem vêm, em vez disto, de Agabo (21:10-11). Diz-se que Lí­
dia “convenceu” Paulo e seus colegas de trabalho, mas suas
únicas palavras registradas são explicitamente obedientes à
autoridade e julgamento de Paulo (16:15). Em síntese, a profe­
cia de Joel, conforme reiterada por Pedro no dia de Pentecos-
te que “seus filhos e suas filhas profetizarão” — parece ter
sido apenas parcialmente cumprido. Mesmo no século vinte
e um, nós ainda estamos esperando em muitos círculos um
derramamento pentecostal mais evidente que capacitará as
mulheres a cumprirem seu chamado como filhas que profeti­
zam pelo Espírito.

153
30
Jesus, 0 Protofeminista!:
A Unção de Mulheres
Lucas 6:1-3; 10:38-42; 24:1-12

Há evidência na vida, no ministério e mesmo nos en­


sinos de Jesus de que ele pretendia iniciar um entendimento
radical e revolucionário das mulheres e de seus papéis, no rei­
no vindouro. Não apenas Lucas nos conta acerca de um bom
número de mulheres no evangelho,® mas também, em muitos
casos, as palavras e seus feitos desafiam as convenções sociais
para as mulheres palestinas do primeiro século. O ministério
de proclamação do reino de Deus feito por Jesus estava acom­
panhado de homens e mulheres, e comumente sustentado pe­
las mulheres. Três mulheres são proeminentes em Lucas 8:1-3:
Maria Madalena, Joana e Susana, embora também houvesse
“muitas outras”. Elas eram oriundas de contextos diversos
— Maria havia sido possuída por demônios no passado, ao
passo que Joana era uma mulher de recursos, sendo a espo­
sa de Cuza, administrador de Herodes Antipas. O texto diz
que estas mulheres “ajudavam a sustentá-los com os seus bens”
(8:3). Ao assim agirem, elas não apenas estavam contrapondo
o patriarcado das relações entre patrono e clientes do primei­
ro século, mas também antecipando a comunidade de iguais
e de reciprocidade formada a partir do evento do Pentecoste
(At. 2:44-47; 4:32-37)-
A visita de Jesus à casa de Maria e Marta mostrou que
as mulheres não estavam confinadas a papéis tradicionais fe-
mininos.5 Neste caso, Marta reclamou a Jesus que Maria não
8 Lucas inclui referências no Evangelho a Isabel, a prima de
Maria (1:5), Ana, a profecisa (2:36), a sogra de Simão (4:38), a viúva de
Naim (7:11), a mulher pecadora (7:37), a mulher com hemorragia (8:43), e
a mulher encurvada (13:11), entre outras.
3 Há pelo menos seis Marias no Novo Testamento: a mãe de
Jesus; Maria Madalena; a mãe de Tiago e João (24:1); a esposa de Clopas
(João 13:25); a mãe de João Marcos (Atos 12:12); e a irmã de Marta e Láza-
154
estava lhe ajudando a realizar as tarefas em recebê-lo, sem
mencionar seus seguidores, que estavam lhe acompanhando
(Lc. 10:30). Enquanto Maria “ficou sentada aos pés do Senhor,
ouvindo'lhe a palavra” (10:39), Jesus lhe afirmou um lugar en­
tre os discípulos e repreendeu Marta: “Maria escolheu a boa
parte, e esta não lhe será tirada” (10:42).
A atenção que Maria e Marta dão a Jesus é mantida
pelas mulheres seguidoras de Jesus na e após a crucificação,
ainda que de maneiras diferentes. A o passo que ha toda uma
indicação de que os discípulos homens abandonaram a Jesus
durante sua hora de maior necessidade (vide Mt. 26:56; Mc.
14:50), as mulheres o seguiram — todo o caminho, desde a
Galileia, se nota — até sua morte (Lc. 23:49), observando onde
ele fora enterrado e fazendo planos de retornar e ungir seu
corpo (23:55-56). Elas supriram as necessidades materiais de
Jesus não apenas em sua vida, mas também após a sua morte.
No primeiro dia da semana, Maria Madalena, Joana,
Maria, a mãe de Tiago, e outras mulheres, chegaram para em­
balsamar o corpo de Jesus, mas, em vez disto, encontraram
dois homens que lhes disseram que Jesus havia ressuscitado
dentre os mortos. Naquele momento, elas “se lembraram de
suas palavras” (24:8), mostrando que, diferente dos homens
(mas como Maria), elas não apenas tinham ouvido os ensina­
mentos de Jesus, como também guardaram suas palavras em
seus corações.
Estas mulheres se tornaram as primeiras evangelistas
— as primeiras a testificar do Cristo ressurreto — aos homens,
que não apenas estavam desesperançados acerca dos aconte­
cimentos da semana anterior (cf 24:17), mas também descar­
taram o testemunho das mulheres como “loucura” (23:11). Ao
proclamar o Cristo ressurreto, estas mulheres, a maioria das
quais permanecem não nomeadas, foram precursoras das ser­
vas profetizas do Espírito prometido em Atos.
A atitude de Jesus para com as mulheres indica tanto
que a redenção de Israel colocaria o mundo de cabeça para
baixo quanto que isto incluía o domínio do patriarcado. A s­
sim sendo, há um escândalo, por exemplo, acerca da parábola
de Jesus da mulher que perdeu sua dracma, mas que tudo faz
para encontrá-la, uma vez que a mulher é análoga ao pastor e
ro, a quem nós agora estamos discutindo.
*55
Deus, o Pai, nas parábolas ao redor vistas como um conjunto
(15:8-10). A ideia de que Deus poderia ser imaginado em ima­
gens e termos femininos teria sido impensável de acordo com
as convenções patriarcais daquela época. Através da derriba-
da do patriarcado, o que surge é uma nova visão de homens e
mulheres entendidos como iguais em Cristo (c£ Gl. 3:28).
Os(as) primeiros(as) messianistas(as) parecem ter en­
tendido isto ao menos em termos de sua expectativa de que o
Espírito por vir capacitaria não apenas homens, mas também
mulheres (At. 2:17-18). Entretanto, conforme vimos, as mu­
lheres ainda exercem um papel relativamente menor em Atos,
em lugar algum chegando perto de suas importantes contri­
buições à vida e ministério de Jesus nos evangelhos. Então,
enquanto o derramar do Espírito deveria ter completado a
revolução radical para mulheres iniciada por Jesus, a inércia e
as forças do patriarcado parecem ter reganhado a vantagem,
após a morte de Jesus, mesmo entre os discípulos, e ter sido
amplamente bem-sucedida em manter a divisão hierárquica
entre homens e mulheres desde então.
O que precisamos hoje é de um “novo Pentecoste”,
um revigorado derramamento do Espírito sobre toda carne,
homens e mulheres, jovens e velhos. Os homens continuam a
precisar de libertação de suas práticas e de sua mentalidade
patriarcais, ao passo que as mulheres devem discernir a eoisa
nova que Deus busca fazer em e através de suas vidas ao res­
taurar Israel e estabelecer o reino. A capacitação das mulheres
iniciada pelo Espírito em Jesus, na igreja primitiva, continua
aguardando seu término e cumprimento.

156
31
Lucro, Poder, Política e Louvor
A tos 16:16-40

O encontro de Paulo com a garota escrava em Filipos


tem todos os elementos adequados para um tabloide. Aqui
estava uma jovem cujos poderes de adivinhação eram oriun­
dos das artes ocultas (diz-se que ela estava possuída por um
espírito pitonista —pneumapythona; At. 16:16 —, que se refere
a uma serpente ou dragão mítico que falava através de um
templo, em Delfos), cuja predição do futuro era fonte de gran­
de riqueza a seus donos, e que seguiu a Paulo e seus associa­
dos por dias, anunciando: “Estes homens são servos do Deus
Altíssimo e lhes anunciam um caminho da salvação” (16:17).
O anúncio dela continha ao menos duas meias-verdades: a
referência ao “Deus Altíssimo” não teria sido entendida de
maneira monoteísta, mas de maneira politeísta, em Filipos,
e a salvação a que a pitonisa se referia era uma dentre varias
outras. (Observe a ausência do artigo definido antes de “ca­
minho da salvação”). Por fim, mas aparentemente só depois
ser excessivamente inflamado, Paulo expulsou o espirito pito­
nista da jovem, e aquilo não apenas a silenciou como também
eliminou seus poderes de adivinhação.
Enquanto somos deixados a imaginar se a jovem es­
crava se juntou à comunidade messiânica, seus donos ficaram
furiosos que suas práticas exploradoras tivessem chegado ao
fim. Então, eles arrastaram Paulo e Silas para diante dos ma­
gistrados, dizendo: “Estes homens são judeus e estão pertur­
bando a nossa cidade, propagando costumes que a nós, ro­
manos, não é permitido aceitar nem praticar” (16:20-21). Não
apenas estas acusações refletem a xenofobia dos acusadores,
mas a resposta da multidão, que quase leva a uma rebelião,
também revela o etos antijudeu da cidade. (Talvez seja por
isto que o texto não indica que Timóteo, que se sabia ser filho
de pai gentio, tenha sido detido, e isto também esclarece por­
que não havia sinagoga em Filipos). Os magistrados da cidade.

157
portanto, os açoitou e prendeu, e os prenderam de maneira
mui segura.
Confinados, sangrando e temerosos acerca do que
o futuro lhes reservava, Paulo e Silas, contudo, resistiram,
não de acordo com as convenções de prisioneiros imperiais
falsamente acusados, mas de acordo com a política do reino
vindouro: com oração, adoração c canto! E de maneira seme­
lhante a quando Deus enviou um anjo para libertar Pedro da
prisão, enquanto a igreja estava intercedendo por ele (12:5-11),
assim. Deus agora envia, em resposta à oração e aos louvores
de seus servos, um terremoto que solta as amarras de todos
os prisioneiros. Percebendo nitidamente a iminente ruína do
carcereiro — que, se não se matasse, provavelmente teria que
pagar com sua própria vida por permitir que os prisioneiros
escapassem — Paulo, de alguma Forma, convenceu os demais
prisioneiros a ficarem no local e garantiu ao carcereiro: “Esta­
mos todos aqui” (16:26).
O carcereiro, talvez tendo ouvido o testemunho da pi-
tonisa sobre a salvação do Deus Altíssimo disponível através
de Paulo e seus companheiros, indagou: “O que devo fazer
para ser salvo?” (16:30). A resposta foi: “Creia no Senhor Je­
sus, e serão salvos, você e os de sua casa” (16^1). Ele e sua casa
acreditaram e foram salvos — assim como foram os parentes
de Lídia (16:15), Cornélio (11:14), posteriormente. Crispo
de Corinto(iô:8) — com as primícias de seu arrependimen­
to, sendo que ele os levou para sua casa e lavou suas feridas
(16:33). Naquela mesma noite, o carcereiro e sua casa foram
todos batizados, como era a prática desde o dia de Pentecoste
(2:37-41), e o carcereiro pode ter se juntado a Lídia para se
tornar um dos membros fundadores da igreja em Filipos.
No dia seguinte, os indiferentes magistrados ordena­
ram à polícia que soltasse Paulo e os outros. Contudo, Paulo
insistiu que a ilegalidade de se açoitar publicamente um ci­
dadão romano (ele mesmo) não deveria ser coberta com uma
soltura privada. (Não existe indicação se a tentativa de Paulo
de comunicar sua condição de cidadão no dia anterior foi aba­
fada pela multidão). Tendo garantido uma desculpa pública,
Paulo, por sua vez, não prestou contra-acusações — será que
ele perdoou seus opressores? —, mas prosseguiu em direção à
região da Tessalônica.
150
Em um nível, podemos ler esta passagem e concluir
que o Espírito Santo é mais poderoso que do o espírito pito-
nista; que o Espírito Santo inspira a oração e o louvor como
respostas adequadas em nossas mais escuras e difíceis horas de
necessidade; que o Espírito Santo sempre está em operação,
mesmo através das mais inesperadas circunstâncias de nossas
vidas, para trazer salvação ao perdido. Tudo isto é correto e
é verdade. Ademais, contudo, podemos observar os seguintes
pontos sobre a presença e a atividade do Espírito em meio às
pressões da vida imperial:
• O Espírito Santo não tolera a exploração dos pobres (mes-
mo aqueles em servidão via uso das artes da adivinhação), es-
peciahnente pelos ricos;
• As práticas do reino, incluindo a oração e o canto, não são
apenas expressões de piedade pessoal, mas também demons-
trações publicas da capacitação do Espírito dos seguidores de
Jesus que estão no mundo, mas que não são do mundo;
• O Espírito está interessado não apenas em salvar almas
para a eternidade, mas em formar novas comunidades de cura
e reconciliação a partir de todas as casas que adotarem as boas
novas de Jesus e o reino.
Além disto, devemos observar que a cidadania im­
perial fornece outro local para a obra do Espírito Santo de
redimir Israel c restaurar o reino. Note que Paulo, o cidadão
romano, respondeu de uma maneira que resultou não apenas
na sâlvação literal do carcereiro da morte, mas também em
vida eterna para ele e toda a sua casa; e Paulo foi, então, capaz
de confrontar os magistrados acerca de sua falta de supervisão
e talvez até mesmo acerca do etnocentrismo e de sentimentos
antijudaicos que marcavam a comunidade filipense. Em suma,
a cidadania terrestre traz consigo não apenas direitos, mas
também responsabilidades, e estas, não menos que a oração e
o louvor, são veículos da obra do Espírito.

159
32

Orando pelo Reino — Em meio ao Império


Lucas 11:1-13 ; iô :i-6

Paulo e Silas foram capazes de orar e louvar mesmo


quando estavam na prisão, em parte, e indubitavelmente,
porque estavam simplesmente seguindo os passos de Jesus e
tentando viver seus ensinos. Os cristãos primitivos aprende­
ram a ver a oração tanto como uma atividade privada quanto
pública da vida e dos ensinos do próprio Jesus. Sabemos que
Jesus foi um homem de oração, se retirando com frequência
para o deserto, quer para permanecer ali toda a noite, quer
saindo cedo antes do amanhecer, para buscar a vontade do Pai
(Lc. 6:12; 9:18, 2Ô). Entretanto, ele também ensinou seus
discípulos a orarem assim;
Pai! Santificado seja o teu nome. Ve­
nha o teu Reino. Dá-nos cada dia o
nosso pão cotidiano. Perdoa-nos os
nossos pecados, pois também per­
doamos a todos os que nos devem.
E não nos deixes cair em tentação
(11:2 -4 ).
Apesar de a maioria dos cristãos terem memoriza­
do a versão de Mateus da oração (Mt. 6:9-13), cada uma das
quatro partes da interpretação de Lucas é consistente com as
boas novas gerais do anúncio de Jesus da redenção de Israel e
do reino vindouro. Primeiro, a oração deve ser endereçada a
nosso Pai celestial, e refletir nosso descontentamento com os
impérios deste mundo e nosso anseio pelo vindouro Dia do
Senhor. Este é o “ano aceitável do Senhor” (Lc. 4:19), como
também o “grande e glorioso dia” do Senhor, quando “todos
[judeus e gentios] os que invocarem o nome do Senhor serão
salvos ” (At. 2:20-21).
Segundo, a oração surge a partir de necessidades con­
cretas de nossas vidas encarnadas e comunais, que precisam de
sustento diário. Assim sendo, nós pedimos pelo pão de cada

léo
dia, e isto Deus fornece, seja de maneira miraculosa, através
da multiplicação dos pães e peixes (ex. Lc. 9:13-17), ou através
da mutualidade, generosidade e reciprocidade da comunida­
de apostólica (At. 2:44-47; 4 '32~ 37 )- Âqui, clamamos pela eco­
nomia da graça divina, em vez de um “conserto” temporário
de nosso mercado econômico de câmbio.
Terceiro, a oração tem a ver com o perdão de peca­
dos e de dívidas tanto nossas, quanto dos outros. A partir de
Deus, vemos o perdão de pecados; com relação aos outros, nós
perdoamos as dívidas que eles nos devem. Isto é consistente
com a mensagem do perdão divino de ;pecados, proclamada
por Jesus e pelos apóstolos, como também com o ministério
capacitado pelo Espírito de Jesus para estabelecer o Ano do
Jubileu, apresentando a soltura dos cativos e daqueles oprimi­
dos, e a proclamação do Dia do Senhor ao pobre (Lc. 4:18-19).
Os primeiros seguidores de Jesus não apenas oravam acerca
do perdão de pecados e dívidas, mas também encarnavam sua
mensagem através da venda de propriedades privadas para a
provisão das necessidades da comunidade.
Por fim, a oração nos mantém afastados das provas e
tentações e nos preserva em meio à perseguição (prevista por
Jesus em 12:12-19, ^ experimentada por seus seguidores, tal
como Paulo e Silas em Filipos). Isto reflete a interconectivida-
de da dimensão vertical (nossa orarão endereçada ao Pai ce­
lestial) e da dimensão Horizontal (publica epolítica) de nossas
vidas. Em cada um destes casos, a Oração do Pai Nosso não é
meramente pessoal e individualizada, mas também tem a ver
com a esfera do reino e, portanto, interage com os aspectos
políticos, econômicos e sociais da vida no aqui e agora.
Jesus dá continuidade a seu exemplo de como ou o que
orar com um ensino acerca do Pai, a quem devemos orar. Duas
lições são enfatizadas: primeiro, se amigos compartilharem o
que têm em tempos de necessidade, então o Pai no céu estará
muito mais disposto a abrir a porta quando nela batermos
(Lc. 11:5-10); segundo, se os pais humanos sabem como dar
bons presentes aos seus filhos — peixes em vez de cobras, ovos
em vez de escorpiões —, “quanto mais o pai que está no céu
dará o Espírito Santo a quem o pedir!” (11:13). O dom do Es­
pírito a toda a carne não apenas reflete outro bom dom de
Deus, mas é o próprio Deus, dado para a renovação de Israel e
16 1
para a salvação do mundo.
Jesus também nos diz, através da parábola da viúva c
do juiz iníquo (16:1-8), quando orar: sempre! O contexto mais
amplo desta parábola diz respeito á vinda do reino (17:20-37).
Talvez na época da escrita de Lucas houvesse dúvidas acerca
do retorno iminente de Jesus e da chegada do reino (cf. 2 Pe.
3:3-13), e ele, portanto, inseriu esta parábola neste momento,
apresentando o convite de Jesus “parar orar sempre e nunca
desanimar” (18:1). Esta histc)ria, de uma viúva injustamente
oprimida, pode ter estado nas mentes de Paulo e Silas, quan­
do estiveram presos em suas celas em Filipos, também injusta­
mente espancados e presos. A resposta de Deus a Paulo e Silas
foi imediata, assim como Jesus indicou que a justiça de Deus
não se atrasaria (18:7-8).
Mais importante, as orações dos justos e oprimidos
são por justiça — mencionada três vezes na parábola (18:3, 5,
7). A justiça é prometida por Deus na restauração de Israel
(contra seus inimigos), como boas novas para os pobres e os
marginalizados (contra a aristocracia rica), e como liberação
dos cativos (de seus opressores). Para os eleitos ansiando pela
eleição de Israel, pela liberação do cativeiro, e das algemas da
pobreza, Jesus responde: “Acaso Deus não fará justiça a seus
escolhidos, que clamam a ele dia e noite?” (18:7). Se as cortes
humanas fazem cumprir o pagamento de débitos (incluindo
aqueles devidos por viúvas a seus credores), então, o Dia do
Senhor trará a justiça para todos, de acordo com o cálculo
misericordioso de um Deus gracioso e doador de dons.
Então, como devemos orar? Talvez, no fim, o Espírito
interceda por nós, dentro de nós, e através de nós, em ante­
cipação de toda a criação (Bmi. 8:19-27). Nós, que ansiamos
que a justiça de Deus sej a revelada, apenas o ansiamos porque
o Espirito já foi derramado em nossos corações como um pa­
gamento inicial do reino divino por vir. Nossas orações pela
paz e pela justiça, então, constituem parte da obra do Espirito
Santo para estabelecer a shalom no mundo hoje.

162
33
O Espírito Vira o Mundo de Cabeça para Baixo
A tos 17 :1-10 :21

Vimos que o tema principal da obra de dois volumes


de Lucas, a redenção e a renovarão de Israel, está conectado
aos inícios da chegada do reino e a gradual renovação do mun­
do dos gentios. E vimos que o modo principal do Espírito de
realizar estes objetivos é trabalhar de maneiras contrárias às
expectativas religiosas e sociais: os pobres são privilegiados,
os ricos rebaixados; as classes dominantes são desafiadas a
liderar pela serventia, enquanto os oprimidos — mulheres,
minorias étnicas e pessoas com deficiências — são centrais à
narrativa do evangelho; e os líderes religiosos estão, de algu­
ma forma, marginalizados, enquanto cobradores de impostos,
pecadores e samaritanos estão inclusos no reino, assim como
eles estão. Em síntese, o tumulto pagão em Tessalônica estava
certo, quando disseram de Paulo e cie seus cooperadores mis­
sionários: “Esses homens que têm causado alvoroço por todo
o mundo, agora chegaram aqui” (At. 17:6).
Certamente, a missão messiânica tinha de fato “alte­
rado o scatus quo” e causado uma confitsão no mundo medi­
terrâneo. Contudo, outra perspectiva diria, em vez disto, que
o Espírito Santo havia virado o mundo de cabeça para baixo.
As boas novas do reino tanto exigiam uma completa
inversão dos valores do mundo quanto chegava como cum­
primento de aspirações e anseios judeus e gentios. Tanto a
deseontinuidade quanto a continuidade podem ser vistas por
todo o empreendimento missionário de Paulo em Tessalônica
(17:1-9), Beréia (17:10-14), Atenas (17:15-34) e Corinto (18:1-
18).
Começando com os judeus, observe novamente como
o evangelho incitou respostas hostis e blasfemas ao ponto de
que, em protesto, Paulo “sacudiu a roupa e lhes disse: ‘Caia
sobre a cabeça de vocês o seu próprio sangue! Estou livre da
minha responsabilidade. De agora em diante irei para os gen-

163
tios’” (i6:é; que ecoa as instruções de Jesus de sacudir a poeira
do pé diante daqueles que rejeitam o evangelho — cf. Lc. 5:5;
10:11). Os equívocos judeus continuaram, acerca do Messias,
conforme os judeus de Corinto persistiram; “Este homem está
persuadindo o povo a adorar a Deus de maneira contrária à
lei” (At. 18:13). Quando viram que o caso deles contra Paulo
havia sido sumariamente dispensado, eles, por sua vez, se vol­
taram contra o líder da sinagoga, Sóstenes (18:17), talvez um
convertido como o líder prévio. Crispo (18:8), ou talvez al­
guém que não havia saído em pleno apoio aos judeus em suas
acusações contra Paulo.
Existem, também, inconfundíveis continuidades en­
tre o evangelho e as crenças e práticas judaicas tradicionais.
Paulo arrazoou com os judeus a partir das Escrituras (17:2;
18:5), persuadindo alguns mesmo enquanto levando outros a
confirmar o que fora dito através dos textos sagrados judaicos
(17:11). Em Cencreia, Paulo cumpriu um voto (provavelmen­
te de nazireu) e cortou seu cabelo (18:18),’°“’ mesmo quando
buscava participar da festa (Páscoa) em Jerusalém (18:21). A
decisão de Gálio, o procônsul de Acaia, de não presidir sobre
disputas intramurais judaicas (18:14-15), esclarece que, mes­
mo neste estágio, o caminho de Jesus ainda era considerado
mais uma ramificação do que uma fé distinta do judaísmo.
Na verdade, o entendimento de Gálio do cristianismo como
outra ramificação judaica é confirmado pelo decreto do Im­
perador Gláudio, por volta de 40 EG, exigindo que todos os
judeus deixassem Roma (18:2), em razão dos distúrbios eivis
relacionados às disputas intramuros judaicas acerca de Gris-
to. Em suma, a conversão a Jesus não necessariamente exige
rejeição ao judaísmo.
Era este também o caso para os gentios? De um lado, a
proclamação de Paulo no Areópago — que pode ter sido a ea-
pital cultural e filosófica do mundo antigo — sugere não ape­
nas que os atenienses adoravam o Griador dos ceus e da terra,
ainda que de maneira deseonhecida (17:23-24), mas também
que os poetas pagãos deram testemunho a este Deus desco-
10 Paulo pode ter feito um voto de nazireu que se estendeu por um
período de tempo, durante o qual ele não cortou seu cabelo (Nm. 6:1-21).
Nós sabemos que Paulo realmente guardava a lei (ex.. Atos 21:18-26),
incluindo o rito de circuncisão, que foi efetuado em Timóteo (16:3).
164
nhecido (17:28). Ademais, o ato divino de dispersar os gentios
ao redor da face da terra era “para que os homens o buscassem
e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja
longe de cada um de nós” (17:26). Nós já tínhamos visto, pre­
viamente, Paulo se aproximar dos pagãos, ao enfatizar Deus
como o Criador do mundo (em Listra; 14:15-17), o que está em
consonância com a declaração de Pedro de que “Deus não tra­
ta as pessoas com parcialidade, mas de todas as nações aceita
todo aquele que o teme e faz o que é justo” (10:34-35). Resu­
mindo, deve-se ver a cultura gentílica e mesmo a religiosidade
como antecipando o cumprimento pelo Deus revelado como
o Pai de Jesus Cristo.
Paulo também disse: “No passado Deus não levou em
conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo
lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que há de
julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou.
E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos”
(17:30-31). Lucas, então, observa que a menção da ressurrei­
ção — que permanece central à mensagem do evangelho, quer
para judeus ou gentios (17:3,18) — não foi bem recebida pelos
filósofos atenienses racionalistas e céticos (17:32). Por último,
havia a reivindicação subjacente acerca da majestade de Jesus
(17:7), que, apesar de não agir de maneiras politicamente re­
volucionárias por seus seguidores, era claramente subversiva
tanto em simbolismo religioso quanto em autoridade impe­
rial de César. Em síntese, deve-se também ver a cultura gen­
tílica e a religiosidade não como sendo cumpridas por Cristo,
mas como sendo ab-rogadas pelo evangelho.
Os empreendimentos missionários de Paulo nestes
dois capítulos confirmam que o evangelho de Jesus Cristo
mantém tanto continuidades quanto descontinuidades com
as culturas e as religiosidades judaica e gentia. A redenção
da cultura pelo Espírito exige uma preservação do antigo, em
certos aspectos, mas também um repúdio a antigas crenças e
práticas, em outros aspectos. Se a obra do Espírito trouxe e
causou renovação, restauração e reapropriação de tudo o que
era bom e verdadeiro nas esferas sociais, culturais e religiosas
da vida humana, ela também pode ser vista a partir de ou­
tra perspectiva, em que a vinda do Espírito virou o mundo
de cabeça para baixo em cada um dos domínios do esforço
165
humano. Continuidade ou descontinuidade, quando e como?
Estas são as indagações que exigem contínuo discernimento
da presença e da atividade do Espírito.

léS
34
0 Espírito e a Nova (Des)Ordem Mundial
Lucas 6:17-49

Desde a época em que eles primeiramente começaram


a seguir Jesus, os discípulos lutaram com o mundo confuso
e desordenado que Jesus havia apresentado a eles. Logo após
tê-los escolhido (Lc. 6:12-16), Jesus os fez assentar, juntamen­
te com uma grande multidão — a maioria sendo pessoas co­
muns do interior da Judeia e de regiões adjacentes (6:17) — e
lhes ensinou acerca dos valores do reino. Estas bênçãos (dos
pobres, dos famintos, daqueles que choram agora, e daqueles
que são odiados pelos outros por amor a Jesus) e ais (dos ri­
cos, dos cheios, daqueles que riem agora, e daqueles que são
elogiados) refletem as inversões antecipadas na restauração de
Israel (1:46-55). O que o mundo valoriza será rebaixado, e o
oposto será exaltado.
Esta inversão de valores não é apenas algo que ocorre­
rá no futuro, no fim do mundo; mas, com a vinda de Jesus e,
em especial, sua ressurreição e ascensão, os “últimos dias” já
haviam se iniciado (At. 2:17). Portanto, estes ideais do reino já
estavam, começando com Jesus, em operação. Assim sendo, da
perspectiva de Lucas, as Boas Novas pertenciam aos pobres,
cativos, cegos e oprimidos agora (4:18), e não apenas poste­
riormente. Então, ao passo que a versão de Mateus das beati-
tudes é espiritualizada — “Bem-aventurados são os pobres em
espirito” e “Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça”
(Mt. 5:3, 6, ênfase minha) —, o foco lucano estava nos econo­
micamente pobres, nos socialmente oprimidos, nos física e
materialmente desfavorecidos, e nos politicamente margina­
lizados. Estes eram os excluídos pela presente ordem mundial,
e que, portanto, estariam mais ávidos a depender não de for­
mas convencionais de poder, mas do poder surpreendente e
imprevisível de Deus.
O que, então, seria a manifestação central do poder
divino que viraria o mundo de cabeça para baixo e traria o

167
reino vindouro? Enquanto posteriormente Jesus resumiria os
mandamentos mais importantes em amar a Deus e a seu pró­
ximo (Lc.ioray), aqui, ele segue as bênçãos e maldições ao di­
zer: “Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam,
abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os
maltratam. Se alguém lhe bater numa face, ofereça-lhe tam­
bém a outra. Se alguém lhe tirar a capa, não o imj?eça de tirar-
-Ihe a túnica. Dê a todo o que lhe pedir, e se alguém tirar o que
pertence a você, não lhe exija que o devolva” (6:27-30). Jesus,
mais adiante, esclarece que tais práticas do reino represen­
tam contrastes adicionais à maneira como o mundo funciona.
Mesmo os pecadores (leia-se: pagãos e gentios) amam aqueles

? [ue os amam, emprestam e esperam receber algo em troca, e


azem o bem àqueles que, por sua vez, fazem o bem a eles. Em
suma, o mundo opera de acordo com uma economia de troca
(igual): as pessoas fazem aos outros o que esperam que os ou­
tros façam a elas. Portanto, se os seguidores de Jesus como o
Messias fizeram aos outros esperando a mesma coisa em troca,
tais não estão agindo de maneira diferente do mundo.
Contudo, a economia divina da graça funciona de
maneira diferente. Assim sendo, Jesus disse: “Amem, porém,
os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem
esperar receber nada de volta” (6:35). Os primeiros seguido­
res de Jesus não apenas registraram suas palavras acerca de
amar seus inimigos (como na parábola do bom samaritano),
mas também observaram sua resposta amorosa àqueles que o
colocaram à morte. Eles imitaram a vida e os ensinos de Jesus
— como quando Paulo não cessou de pregar o evangelho aos
judeus, apesar de ser apedrejado, encarcerado e perseguido
por seus inimigos.
Tão importante quanto, os crentes messiânicos tam­
bém adotaram os valores do reino de Jesus. Os discípulos mais
abastados venderam o que tinham e deram àqueles das classes
camponesas cjue tinham necessidade (At. 2:44-45 ^ 4 -34 ~ 37 )-
Em resposta aqueles que os perseguiam, tal como os judeus
helenistas (em Atos 6-7), os discípulos levaram as boas novas
do perdão de pecados por Jesus a uma diáspora judaica mais
ampla. Então, os discípulos também se viram reconciliados
com os samaritanos, os desprezados inimigos dos judeus. Mes­
mo o muro entre judeus e (pecadores) gentios foi derrubado
16 8
pelo evangelho do reino. Se o mundo e seus mecanismos en­
fatizavam uma economia do “toma lá, dá cá”, na qual somen­
te se fazia negócios com amigos, patronos, clientes e aqueles
que podiam pagar de volta seus esforços, os valores do reino
proclamavam, ao invés disto, uma economia de graça, na qual
mesmo inimigos são transformados em familiares através das
invertidas políticas, estruturas e relacionamentos da obra do
Espírito.
E Jesus reconheceu que, assim como ele mesmo foi
capacitado ^elo Espírito, a obra transformadora do Espírito
seria necessária a seus seguidores. De que outra maneira eles
seriam capazes de se abster de julgar as outras pessoas ou se­
rem capazes de perdoá-las (Lc. 6:37-38)? Afinal, não apenas
os cegos são incapazes de conduzir os cegos; se deixados a si
mesmos como criaturas caídas, pecaminosas e hipócritas, nós
somos incapazes de ver através de nossos olhos cheios de tra­
vas de modo que possamos tirar os ciscos dos olhos de nossos
próximos (6:35-42). Nossa natureza humana precisa ser trans­
formada e purificada, uma vez que somente então podemos
produzir bons tesouros, a partir de nossos corações, e boas
palavras, a partir de nossas bocas (6:43-45).
E precisamente isto que o dom do próprio Deus, na
pessoa do Espírito Santo, realizou, no Dia de Pentecoste. Os
valores invertidos do reino permaneeeriam ensinos abstratos,
em separado da transformação dos corações, das vidas e das
atividades dos seguidores de Jesus; as práticas do reino perma-
neceriam ideais virtuosos separados da formação do Espírito
de uma comunidade alternativa e estilo de vida; e a economia
do reino da graça permaneceria apenas como uma esperança
futurista, separada da possibilidade feita pelo Espírito de for­
mar um novo povo de Deus que tinha “tudo em comum” (At.
2:44). Os pagãos tessalonicenses estavam realmente certos —
os seguidores de Jesus haviam, de fato, “virado o mundo de
caheça para baixo” (17:6)!

169
35
o Espirito e a Intersecção do Dinheiro com a Religião
A tos 15 :18 -4 1; 20:17-38; Lucas 15:45-48; 20:20-26

Se no Areópago o Espírito mudou as convenções do


mundo através do uso subversivo de Paulo da tradição filosó­
fica, em Efeso, o Espírito virou o mundo de cabeça para baixo
ao subverter a economia ;ç)olítica e religioso-pagã. O tumulto
descrito em Atos 19 se da em um importante centro econô­
mico e cultural, onde os apóstolos estavam engajados com de­
votos fervorosos da deusa Artemis (em vez de se envolverem
com intelectuais atenienses meramente no nível das idéias). O
registro de Lucas indica a grandeza de Ártemis (nome grego
da deusa latina Diana) — que sua majestade “era adorada em
toda a província da Ásia e em todo o mundo” (19:27), que “a
cidade de Efeso é a guardiã do templo da grande Ártemis e da
sua imagem que caiu do céu? ” (19:35), ^ “estes fatos são
inegáveis” (19:36). A adoração de Artemis acontecia em Efeso
por ao menos oitocentos anos, nesta época (com alguns erudi­
tos sugerindo uma origem do culto na cidade ainda mais pre­
coce, no século décimo primeiro AEG), o que persistiria até
o quarto século EC. O culto a Ártemis era tão grande nesta
região que o templo devotado à deusa era considerado como
uma das sete maravilhas do mundo antigo (juntamente com
outras realizações monumentais como a grande pirâmide de
Giza, no Egito, e os jardins suspensos da Babilônia).
Curiosamente, Paulo permanece nos bastidores da
narrativa, ao invés de assumir papel de proeminéncia. É-nos
dito que entre os amigos que o impediram de tentar respon­
der à multidão estavam “autoridades [literalmente “asiarcas,”
administradores romanos de elevada posição] da província da
Ásia” (19:31), o que sugere que Paulo havia, de maneira bem-
-sucedida, conseguido ser ouvido pela elite de Éfeso, durante
seus dois anos de discussões na escola de Tirano (19:9). Além
da abordagem dialógica com os pagãos efésios, existem tam­
bém outros aspectos notáveis do ministério de Paulo neste

170
renomado centro do mundo antigo. O mais importante é a
testemunha do escrivão que foi bem sucedido em acalmar a
multidão, em parte por lembrá-los que, em relação a Paulo
e seus compatriotas. Gaio e Aristarco (que haviam sido de­
tidos pela multidão), “vocês trouxeram estes homens aqui,
embora eles não tenham roubado templos nem blasfemado
contra nossa deusa” (19:37). Então, enquanto Paulo realmente
contrastava o Deus vivo com os ídolos inanimados feitos por
mãos de artífices (19:26), a ênfase aqui parece estar mais na
incapaeidade da arte humana de portar a majestade da dei-
dade do que em ser rudemente desdenhoso. O que deve ser
enfatizado é que a abordagem cristã não era desrespeitosa da
religião dos efésios e que o evangelismo se dava menos por
destruir a fê dos outros do que testemunhar a Jesus Cristo
(19:17). Isto parece ser confirmado pelas próprias lembranças
de Paulo de que sua atitude e suas práticas ministeriais eram
marcadas pela humildade, transparência (acontecendo não
apenas em público, mas também de casa em casa), e um foco
em Deus e no reino vindouro (20:19, 20, 25, 27).
Não se deve subestimar que o alvoroço que eclodiu
em Efeso foi preeipitado em grande parte pelo impacto do
evangelismo cristão sobre a economia religiosa da area. Re­
corde-se que as conversões em massa após o incidente com
os sete filhos de Ceva (vide cap. 25 acima) havia resultado na
queima de pergaminhos e outras parafernálias relacionadas
ao oculto, totalizando “cinquenta mil dracmas" (19:19). Isto
levou Demétrio e outros dos principais prateiros, cujos ne­
gócios eram a produção de templos de Artemis, a observar
que o crescimento do Caminho (do Messias) ameaçava suas
próprias subsistências econômicas (19:27).
Claro, não era apenas o culto de Ártemis que mescla­
va questões religiosas a econômicas. Quando Jesus entrou no
templo de Jerusalém, ele “começou a expulsar os que estavam
vendendo” (Lc. 19:45). Como a casa de oração tinha se tornado
um “covil de ladrões” (19:46)? Duas considerações merecem
ser registradas. Em primeiro lugar, porque o templo havia se
tornado um centro internacional para a diáspora judaica do
primeiro século, ele forneeia sistema de câmbio de maneira
que muitos visitantes pudessem comprar os animais sacrifi-
ciais necessários para observar os ritos religiosos judaicos e as
171
celebrações festivas. Em segundo, a liderança religiosa e cul­
tural judaica na Palestina conseguia manter o templo aberto
e em funcionamento em parte por concordar em coletar e pa­
gar um imposto do templo às autoridades romanas. Isto era
justificado como uma concessão legítima a fim de ou evitar o
fechamento do templo ou ceder o controle local do templo à
hierarquia romana.
A limpeza do templo feita por Jesus indicava o fato
de que as exigências práticas desenvolvidas com o passar do
tempo se transformaram em corrupção dos ritos religiosos em
razão da ganância econômica. Talvez sua expulsão daqueles
compradores e vendedores, assim como também dos cambis­
tas e mercadores (mencionados em Mc. 11:15-16), equivalesse
a um exorcismo que buscava possibilitar novamente o tipo
de oração religiosa autêntica que capacitaria discernimento
da época da visitação divina sobre a cidade e as pessoas (Lc.
19:44). Contudo, nenhum dos registros paralelos deste inci­
dente nos outros evangelhos diz algo acerca daqueles que co­
letavam o imposto do templo. Quando indagado acerca do
pagamento de impostos, na esperança de enganar Jesus como
um insurrecionista, Jesus observou que a moeda trazia a ima­
gem do imperador — para ser mais específico, estava escrito o
seguinte, no denário romano: “Tibério César, filho do divino
Augusto” —, e então respondeu: “Deem a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus” (20:25). estes ouvin­
tes judeus, o mandato era inequívoco: a autoridade política
cuja imagem estava estampada na moeda deveria ser honrada
através do pagamento de impostos. (Observe que, em 2:1-5,
Lucas não repreende José e Maria por irem se registrar em sua
cidade natal, um processo político diretamente relacionado
às políticas de taxação de Roma). Mas a autoridade divina
cuja imagem estava estampada em suas vidas (criadas à ima­
gem de Deus) deveria ser honrada através da apresentação de
seus próprios corpos “como sacrifício vivo, santo e agradável
a Deus, este é o culto racional de vocês” (Rm. 12:1).
Os acontecimentos em Efeso nos convidam a pensar
mais acerca tanto do encontro contemporâneo cristão com
outras religiões quanto do complexo inter-relacionamento
entre religião e economia. Vale observar que, às vezes, o zelo
evangelístico exibido por Paulo, que queria dirigir-se à multi-
172
dão e defender seus colegas de trabalho contra os arruaceiros
efésios, deveria por vezes ser moderado por uma postura pa-
ciente, não provocativa e respeitosa. Quando somos convida­
dos por pessoas de outras fés, certos protocolos apropriados
devem ditar cursos de ação que sejam reverentes e corteses, ao
invés de vez de agressivos ou confrontacionais. A recomenda­
ção do escrivão é tão importante que quaisquer tensões inter-
-religiosas deveriam ser resolvidas através dos canais judiciais
corretos.
As interconexões entre religião e economia não são
menos palpáveis boje do que eram em Éfeso e Jerusalém, há
dois mil anos. A maioria das instituições religiosas é isenta
de impostos, o que suscita todos os tipos de indagações
complexas acerca do relacionamento entre igreja e estado,
mesmo quando existe uma mentalidade consumista para
produtos religiosos tais como música cristã, filmes e assim su­
cessivamente, que são “grandes negé>cios” no mercado global.
Em suma, a nossa fé hoje pode ser ou estar ainda mais com­
prometida pelo sistema capitalista do que o culto a Artemis
ou a economia do templo judaico do primeiro século?
Neste contexto, as palavras do apóstolo Paulo são dig­
nas de serem relembradas — “Não cobicei a prata nem o ouro
nem as roupas de ninguém” (Atos 20:33) —’ mesmo quando
a citação de Paulo das palavras de Jesus devam ser abraça­
das e emuladas: “Há maior felicidade em dar do que receber”
(20:35). Ambas estas palavras apontam um caminho para fren­
te, acerca de como devemos manter nossa fé religiosa livre
de contaminação econômica. Mais importante, ambas pala­
vras viveram a partir da hospitalidade graciosa, abundante e
transbordante de Deus, que derramou seu Espírito sobre toda
carne a fim de que seja possível a nós participarmos e esten­
dermos o dom de Deus de Si mesmo, a salvação interminável,
sempre perpetuadora e continuamente multiplicadora inten­
cionada para a redenção de Israel e a renovação do mundo. Na
verdade, os estilos cristãos de vida que refletem estes valores
seriam subversivos em nossa época das economias religiosas e
políticas, e nossas persistentes práticas da ética de Jesus real­
mente colocam as convenções das práticas econômicas con­
temporâneas de cabeça para baixo.

173
PARTE OITO

Em Direção aos Confins da Terra


36
0 Espírito como Testemunha da Ressurreição
A tos 21:1-26:32; Lucas 12 :1-12

Paulo persistiu em visitar Jerusalém apesar das adver­


tências que recebeu, ao lon^o do caminho, acerca da persegui­
ção que sofreria ali. O Espirito Santo havia advertido a Paulo
sobre encarceramentos e adversidades (Atos 20:22-23; 21:4),
e o profeta Ágabo até encenou a prisão e entrega de Paulo à
custódia gentia (21:10-11). Entretanto, Paulo retornou a Jeru­
salém, e quando ele chegou, ele foi informado que milhares de
judeus crentes, em seu zelo pela lei (21:20), estavam preocupa­
dos com o que tinham ouvido — que Paulo havia levado mui­
tos à apostasia. Paulo concordou em se juntar a quatro irmãos
em seu rito de purificação no templo e pagar suas despesas, a
fim de demonstrar seus compromissos judaicos com a lei.
Contudo, judeus da Ásia (21:27; 2.4:15) vieram ao
templo, presumindo que os acompanhantes gentios de Pau­
lo haviam adentrado no espaço sagrado com ele (portanto,
profanando o templo), e lideraram uma multidão para que
prendessem Paulo. Em sua defesa diante daquela multidão
(22:2-21), Paulo enfatiza suas credenciais judaicas: fluência em
aramaico, a língua cotidiana dos judeus; treinado sob Gama-
liel, o principal fariseu; zeloso pela lei; um seguidor de um
nazareno judeu; assistido por Ananias, “piedoso segundo a lei
e muito respeitado por todos que ali viviam” (22:12); desig­
nado pelo Deus dos ancestrais judeus”; e devoto em piedade
do templo. Mas, quando a multidão ouve que Paulo entende
seu chamado como testemunha aos gentios, eles rejeitam seu
testemunho e buscam matá-lo.
O comandante romano, Cláudio Lísias, que era res­
ponsável por manter a paz na cidade, assume a custódia de
Paulo rapidamente. Atos 23-26 registra a autodefesa na pre­
sença de Cláudio Lísias (juntamente com o sinédrio, que havia
se reunido), Félix, o governador da Judéia, seu sucessor. Festo,
e o rei Agripa II. Enquanto o comandante estava preocupado

176
com a intensificação dos sentimentos pró-judaicos e anti-ro-
manos na região (lembre-se, isto se deu provavelmente não
mais que uma década antes da rebelião em 66 EC), Félix esta­
va esperando uma propina de Paulo em troca de sua liberda­
de, e tanto Félix quanto Festo buscavam eles mesmos cair nas
graças dos judeus (24:26-27). Entretanto, nenhum conseguia
encontrar falha em Paulo, e ele foi declarado inoçente quatro
vezes: por Cláudio, Festo e Agripa (23:29; 25:18; 26:31-32), sem
mencionar pelos fariseus também (23:9), uma sequência de
acontecimentos talvez intencionada por Lucas como um pa­
ralelo dos repetidos pronunciamentos da inocência de Jesus.
Naturalmente, os líderes judaieos acusam Paulo não
apenas de profanar o templo, mas também de ser “perturba­
dor, que promove tumultos entre judeus pelo mundo todo.
Ele é o principal cabeça da seita dos nazarenos” (24:5). Cer­
tamente, a mensagem de Paulo havia provocado multidões de
judeus por todo o mundo mediterrâneo. Mas por quê?
“Estou sendo julgado por causa da minha esperança
na ressurreição dos mortos” (23:6), Paulo declara, em certo
ponto, diante do sinédrio, que era composto por saduceus
conservadores (legalistas da Torá que não acreditavam na res­
surreição porque ela não estava nos cinco primeiros livros da
Bíblia; c f Lc. 20:27) ^ pelos fariseus mais progressistas (que
aceitavam a ressurreição a partir de outras passagens bíblicas).
Paulo reiteraria esta alegação, enfatizando que a esperança da
ressurreição era antecipada pela maioria dos judeus, embasa-
da nas promessas da aliança feita a seus ancestrais, e que essa
esperança havia sido cumprida em Jesus.
Mas, por que a declaração de Paulo de que a esperança
de Israel culminou em Jesus de Nazaré causou tanta conster­
nação entre seus eompatriotas judeus? A questão era que se
Jesus havia ressuscitado dentre os mortos, então ele não ape­
nas era o Messias prometido, mas o fim da era também havia
chegado (ver 2:17). Um Messias ressurreto também significa­
va que a renovação de Israel estava prc)xima e que, conforme
prometido a Abraão (Gn. 12:3) e reiterado pelos profetas, tal
restauração incluía Israel como sendo uma bênção aos gen­
tios. Se a ressurreição de Jesus havia aeontecido, então tal se
deu pelo poder do Espírito Santo, e o mesmo poder do Espí­
rito estava presente para trazer cumprimento às promessas
17 7
da aliança, mesmo aos confins da terra. Assim sendo, Paulo
continuou a associar a esperança de Israel e a ressurreição a
seu envio para proclamar o evangelho aos gentios." A ressur­
reição significava boas novas não apenas para indivíduos e
corpos mortos/enterrados, mas também para a comunidade
humana: os pecados seriam perdoados e as pessoas seriam re­
conciliadas umas com as outras. Conforme Paulo esclareceu
em outro lugar, a morte e a ressurreição de Jesus significavam
a criação de um novo povo de Deus, consistindo de judeus e
gentios (Efésios 2:11-22). Paulo foi perseguido por seus compa­
triotas judeus porque ele não apenas acreditava na esperança
de Israel, mas também buscava concretizar o pleno escopo das
promessas da aliança entre os gentios. O proprio Jesus havia
prometido a seus seguidores que eles seriam perseguidos e que
alguns deles até mesmo teriam a oportunidade de testemu­
nhar o evangelho diante de reis e governadores (Lucas 21:12).
Mas ele também os havia encorajado a serem corajosos em
seus testemunhos: “Quando vocês forem levados às sinagogas
e diante dos governantes e das autoridades, não se preocupem
com a forma pela qual se defenderão, ou com o que dirão,
pois naquela hora o Espírito Santo lhes ensinará o que devem
dizer”” (12:11-12).
O relato de Lucas do testemunhar de Paulo mesmo
enquanto em prisões reflete a contínua capacitação do Espí­
rito Santo nas circunstâncias mais calamitosas. Isto era um
cumprimento do que o Espírito derramado sobre toda a carne
realizaria (Atos 2:17-18): a capacitação de servos e servas — li­
teralmente escravos e aqueles aprisionados — para profetizar
em nome do Senhor. O dom do Espírito era para capacitar a
levada do evangelho além da Judéia e Samaria “para os [gen­
tios nos] confins da terra” (i:ô). O aprisionamento de Paulo
não o impediria de sua eventual chegada em Roma, o centro
simbólico do mundo dos gentios; na verdade, era precisamen­
te o desdobramento dos acontecimentos de sua prisão que le-
varam seu apelo a César e sua jornada a Roma. Desta forma, a
11 Então, não apenas Paulo repetidamente associa sua perseguição
a suas crenças acerca da ressurreição de Jesus (Atos 24:14-15, 21; 25:15;
26:6-8, 23; 28:20), mas ele também insiste, em resposta, que esta esperan­
ça estava entrelaçada com o destino, o futuro, e a restauração de Israel e
dos gentios (22:15, 26:17-20, 23; c£ 9:15; 13:47; 18:6).
178
prontidão de Paulo para testemunhar acerca de Jesus, mesmo
ao ponto de morte (25:11), e seu sucesso em fazê-lo, permanece
o tema central deste última quarta parte do livro de Atos.*""
Mesmo hoje, a própria experiência da “paixão” de Pau­
lo |)ode ser um modelo para nós. O que é impossível em nossa
própria força pode ser realizado pelo poder do Espírito San­
to. Quando formos perseguidos por nossa fé, o Espírito irá,
contudo, capacitar nosso testemunhar; então, mesmo se nossa
testemunha for rejeitada, estamos plantando as sementes do
evangelho que germinarão na redenção de Israel e na salvação
do mundo. No fim, então, nossa história não é somente nossa;
antes, é nossa participação, através do Espírito, na história da
vinda de Jesus para salvar o mundo, conforme profetizada a
Abraão e proclamada aos profetas antigos.

12 Atos 21-26 cobre a chegada de Paulo em Jerusalém, sua subse­


quente prisão ali e em Cesaréia, e sua autodefesa nestes locais — todas as
quais ocorreram sobre um período de dois a três anos.
17 9
37
A Natureza e o Espírito Cósmico
Atos 27:1-44; Lucas 8:22-26

Relembre a explicação de Pedro, no Dia de Pentecos-


tes, quando ele utiliza o profeta Joel como fonte a fim de men­
cionar como o derramamento do Espírito estaria conectado
aos incidentes nos céus e na terra:
Mostrarei maravilhas em cima no
céu e sinais em baixo, na terra, san­
gue, fogo e nuvens de fumaça. O sol
se tornará em trevas e a lua em san­
gue, antes que venha o grande e glo­
rioso dia do Senhor (Atos 2:15-20).
Esta linguagem apocalíptica acentua a transformação
cósmica associada a passagem de uma era à chegada do Es­
pírito. Se na antiga dispensação o sol, a lua e os mares eram
as vezes pensados como estando desastrosamente alinhados
com poderes astronômicos hostis, então, a nova era do Dia
do Senhor apresentaria a redenção destas criações uma vez
chamadas “boas”. O sol emanará a luz do próprio Deus, o es­
plendor da lua refletirá a luz divina, e as águas do mar ali­
mentarão novamente a vida terrena. Na antiga época, as “leis
da natureza” impediam uma pesca de peixe bem-sucedida por
toda a noite; o Dia do Senhor causaria uma transfiguração
dos ritmos da natureza, de maneira que, na manhã seguinte, o
mesmo pescador “pegou tamanha quantidade de peixes que as
redes começaram a rasgar-se” (Lc. 5:6). Semelhantemente, se
na época prévia terremotos eram temidos como atos vingati­
vos dos deuses, após o derramamento do Espírito, terremotos
causariam, em vez disto, uma libertação de crentes na prisão
(Atos 16:26). Em suma, a destruição da natureza terá sido ven­
cida e mesmo redimida de sorte que a salvação de Deus possa
ser manifesta nos e através dos movimentos da natureza.
Agora, considere o apóstolo Paulo em Atos 27. O ape­
lo de Paulo a César, por fim, o coloca, juntamente com seus

180
compatriotas, em uma nova jornada marítima a caminho de
Roma, sob a custódia de Júlio, “um centurião da coorte au­
gusta” (27:1). Esta narrativa marítima corresponde bem com
os épicos de naufrágio na tradição da literatura greco-roma-
na. Contudo, em toda ela, Paulo, o santo homem, permanece
a personagem principal. Por volta do meio da jornada, ela é
perfurada pela ameaçadora admoestação — que não foi ouvi­
da — acerca da perda da carga, do ;próprio navio e até mesmo
de muitas vidas (27:10). Então, apos dias balançando de um
lado para o outro, sendo castigados pela tempestade predita,
e após sofrerem perda de carga e da armação do navio, Paulo
reaparece com uma palavra de exortação e consolo, efetiva­
mente dizendo que, apesar dos marinheiros terem ignorado
sua advertência. Deus tem negócios inacabados com Paulo
e, por conseguinte, nenhuma pessoa perderia sua vida. Este
encorajamento foi mediado por um anjo, cuja autoridade os
marinheiros pagãos teriam reconhecido mesmo se não enten­
dessem as referencias a Javé ou ao Deus de Jesus Cristo.
Se Paulo é a personagem principal, o poder salvador
de Deus (sõcêría, que é palavra raiz para a palavra soteriologia
— a doutrina da salvação) é o tema principal desta sequência
de acontecimentos. Dentro do contexto mais amplo de Lucas,
a salvação de Deus era exigida a fim de garantir a chegada
segura de Paulo em Roma, para testemunhar a César (27:24;
c f 15:21; 23:11). Entretanto, a caminho de Roma, a salvação de
Deus é expressa através de Paulo aos pagãos. Lucas observa,
em meio aos golpes da tempestade no navio, que eles “tinham
passado muito tempo sem comer” (27:21), e, por fim, “fora per­
dida toda a esperança de salvamento” (27:20). Foi durante esta
época de completa desolarão que a promessa de Deus veio:
“nenhum de vocês perdera a vida; apenas o navio será des­
truído” (27:22). Posteriormente, após não mais do que duas
semanas no mar e sentindo que a terra estava muito distante,
alguns dos marinheiros pensaram em abandonar o navio fa­
zendo uso do barco salva-vidas; contudo, Paulo advertiu: “Se
estes homens não ficarem no navio vocês não poderão sal-
var-se” (27:31). Naquela mesma manhã, ele encorajou: “Agora
eu os aconselho a comerem algo, pois só assim poderão so­
breviver [sõtêna]; nenhum de vocês perderá um fio de cabe­
lo sequer” (27:34). No fim, Lucas registra Deus como sendo
18 1
verdadeiro em sua promessa: “Dessa forma, todos chegaram a
salvo [diasõthênai] em terra” (27:44).
Parte da mensagem teológica comunicada por meio
deste conto trata do poder divino sobre os elementos do cos­
mo. No mundo antigo, pensava-se que as forças controlando
os mares pertenciam aos deuses (no melhor cenário) ou a seres
espirituais hostis (no pior cenário). Portanto, quando Jesus e
as vidas dos discípulos estavam ameaçados pela tempestade
enquanto atravessavam o lago, Jesus “levantou e repreendeu
o vento e a violência das águas” (Lucas 8:24). A palavra que
descreve a autoridade de Jesus sobre a tempestade e ventania,
epetimêsen (“repreender”), é a mesma palavra utilizada ante­
riormente no Evangelho para descrever como Jesus confron­
tou o endemoninhado na sinagoga em Cafarnaum (4:35). O
demônio foi exorcizado na sinagoga, enquanto, no lago, Jesus
venceu o poder do caos, conforme os ventos e as ondas, “tudo
se acalmou e ficou tranquilo” ao seu comando (8:24). Desta
forma, Jesus Cristo, o ungido pelo Espírito Santo, revela o
poder de Deus para domar até mesmo as forças destrutivas da
natureza. Apesar de nenhuma imediata calmaria da tempes­
tade ter acontecido para Paulo, o poder salvador de Deus não
estava menos presente a todos naquela trágica viagem.
Desta forma, vemos a cura e o poder doador de vida
dos dons da natureza registrados mesmo em meio ao naufrá­
gio. Após duas semanas se desesperando contra os ventos e as
ondas, Paulo encorajou os 276 a bordo a comerem: “Todos se
reanimaram e também comeram algo” (27:36). O Deus que sal­
vou toda a tripulação e os passageiros (prisioneiros também)
da tempestade mostrou-se como “O Deus que fez o mundo e
tudo que nele há” (17:24), incluindo a comida que nutre aque­
les que estavam desesperados por suas próprias vidas. Paulo
não estava realizando uma celebração da eucaristia, ainda que
muitos dos elementos do rito sacramental estivessem presen­
tes. Contudo, o ato de comer envolve consumir a bondade
da criação e receber, através dos dotes da natureza, o poder
salvador do Espírito de Deus.

1Ô2

0 Espírito e a Eucaristia
Lucas 5:10 -17 ; 22:14-23; 24:13-35

Na manhã do dia de seu naufrágio, Paulo “tomou o


pão e deu graças a Deus diante de todos. Então o partiu e
começou a comer” (Atos 27:35). Este era um rito de oração
razoavelmente tradicional realizado antes das refeições por
todos os judeus piedosos. Ao mesmo tempo, o ritual aqui re­
lembra as ações de Jesus na hora da refeição, nos Evangelhos.
Em três ocasiões — na alimentação dos cinco mil, na última
Ceia, e no caminho a Emaús — nos é dito que Jesus também
partiu o pão, abençoou-o ou deu graças por ele, e o deu a ou­
tros (Lc. 9:16; 22:19; 24:30). O pão, no navio, era um sinal de es­
perança e salvação, assim como nos Evangelhos era ele mesmo
um símbolo de esperança e vida disponíveis através de Jesus.
Para entender a significância do pão como uma reali­
dade doadora de vida no caminho a Emaus, precisamos acom­
panhar as experiências dos discípulos naquela jornada. Os
dois discípulos a caminho de Emaús estavam claramente de­
sesperançados, à luz da morte de Jesus (24:17-21). E enquanto
Jesus lhes instruiu a partir das Escrituras em sua caminhada,
eles não perceberam sua presença, até que ele se assentou e
comeu com eles. Apesar de um convidado no meio deles, Jesus
fez o papel do anfitrião ao conduzi-los em oração de bênção
sobre a refeição. Eles disseram aos outros discípulos acerca de
como Jesus “fora reconhecido por eles quando partia o pão”
(24:35). A presença viva de Jesus os havia energizado e anima­
do com esperança.
A mesa da Páscoa, Jesus já havia afirmado que sua vida
e corpo seriam representados pelo cálice e pelo pão, os ele­
mentos centrais da refeição. Após ele ter pegado um pão, ter
dado graças, o ter partido e distribuído, ele disse: “Isto é o
meu corpo dado em favor de vocês, façam isto em memória
de mim” (22:19). Existem numerosos aspectos acerca de como
a celebração cristã desta refeição capacita uma lembrança de

16 3
Jesus. Primeiro, o pão partido e o cálice servido são símbolos
do corpo ferido e do sangue derramado de Jesus, e servem
como um lembrete dele ter doado sua vida como selo da nova
aliança e pagamento inicial em antecipação do reino de Deus
(22:18, 20). Segundo, “lembrar” também sugere que a celebra­
ção da refeição pelos seguidores de Jesus iria, de fato, recons­
tituir os membros de seu corpo partido. O resultado seria que
Jesus, que é lembrado, também é o Jesus que está presente
no meio daqueles que celebram o derramar de sua vida pelos
outros.
Contudo, a alimentação dos cinco mil homens, além
e mulheres e crianças, antecipa que a doação de Jesus de si
mesmo a outros é senão um modelo para seus seguidores. Ao
passo que a natureza miraculosa da alimentação não deve ser
subestimada, a bênção, o partir e o doar do pão e do peixe por
Jesus são senão parte da sequência maior de acontecimentos
na qual seus discípulos estão envolvidos em servir a multidão.
Os discípulos tinham inicialmente sugerido a Jesus que dis­
pensasse a multidão, talvez de volta para a cidade de Betsaida
(9:10), para encontrar repouso e alimento. Mas, como Jesus
havia especificamente dito a eles para não levarem comida ou
dinheiro em sua missão (9:3), agora ele retratava a provisão de
Deus, em que envolveu os discípulos. Eles receberam ordens
de organizar a multidão, então foram liberados para servi-los,
e, por fim, juntaram aquilo que sobejara (9:14-17).
A alimentação deste enorme número de pessoas reve­
la a mesa toda inclusive que Jesus colocou diante da multidão.
Ao passo que as leis judaicas de pureza estavam preocupadas
com o comer com os impuros (por qualquer razão que seja),
não há preocupação alguma transmitida no texto, de Jesus ou
seus discípulos, por comerem com impuros e com mulheres
(que geralmente comiam separadamente, em refeições em
eventos públicos). Isto reflete os hábitos de Jesus ao se ali­
mentar, conforme transmitidos no restante da narrativa do
Evangelho. Jesus comia não apenas com os seus discípulos e os
fariseus, mas também com coletores de impostos e pecadores.
Mais importante, a mesa aberta de Jesus antecipava o gran­
de e final banquete do reino, que ele esperava celebrar tanto
com seus discípulos (22:15) quanto com os pobres, aleijados,
cegos e mancos (14:13,21). Em outras palavras, enquanto Jesus
184
comeu a última Páscoa somente com os doze apóstolos (que
incluía entre eles Judas, seu traidor), ele também desenvolveu
um modelo inclusivo de práticas alimentares que abraçavam
aqueles que, do contrário, poderiam não ter sido convidados
para a refeição.
Podemos ver que os primeiros seguidores de Jesus
continuaram suas práticas de eomunhão aberta. Eles conti­
nuaram a partir o pão juntos, lembrando-se de Jesus no pro­
cesso (Atos 2:42, 46; 20:7). Que a mesa do Senhor deveria ser
aberta até mesmo aos gentios foi confirmada em uma visão a
Pedro, que o levou a entrar na casa de Cornélio e comer com
ele (10:48). Desta forma, era o próprio Paulo, um apóstolo aos
gentios, confortável com o partir o pão e em comer com os
pagãos daquela desastrosa viagem.
Entretanto, o poder redentor simbolizado no comer
juntos é adicionalmente intensificado quando consideramos
o cálice e o pão celebrando o corpo partido e doador de vida
de Jesus, derramado por amor do mundo. Consequentemente,
a mesa aberta é uma ocasião não apenas para lembrar-se da
morte de Jesus, mas também para reencenar uma vida vivida
pelos outros. A refeição é possível em razão do serviço que
possibilita o comer junco. Conforme os discípulos serviam a
multidão do interior, eles também serviam aqueles da diás-
pora reunidos em Jerusalém após o Dia de Pentecostes, assim
como serviam os líderes como os diáconos helenistas judeus
(6:3-6) à enorme população de viúvas e outros que eram mais
vulneráveis dentro da comunidade inexperiente.
O partir do pão juntos era um ponto alto possível
pelos atos de serviço anteriores e posteriores à refeição, rea­
lizados por aqueles que estavam compromissados em seguir
os passos de Jesus, que deu a si mesmo plenamente a outros
no poder do Espírito. E o mesmo Espírito continua presente
e ativo entre crentes em Jesus, tornando-o presente e capa­
citando o reconhecimento dele em cada ocasião em que sua
ceia é celebrada, capacitando o serviço doador de vida e a
renovação do mundo e fornecendo esperança de sua vida de
ressurreição a todos que estão desesperadamente necessitados
de salvação. Isto aconteceu em e através de Paulo, em uma
embarcação lotada de pagãos, e continuará a acontecer até os
confins da terra, easo estejamos abertos a sermos conduítes
185
do Espírito, que foi derramado sobre toda a carne.

186
39
Bárbaros, Crentes e o Espirito da Hospitalidade
Atos 28:1-31

O naufrágio deixou os navegantes ilhados em Malta.


Os ilhéus — literalmente barbaroi, transliterado como “bár­
baros” (Atos 26:2, 4), termo utilizado em referência àqueles
que não conheciam nem a cultura grega nem sua língua — não
apenas os receberam, mas, no curso dos próximos três meses,
também lhes mostraram bondade, lhes concederam hospitali­
dade e lhes deram a provisões para a próxima etapa da jorna­
da. Parte disto foi motivado por sua percepção de que havia
um santo homem no meio deles, alguém que resistiu a uma
picada de cobra (cuja proteção foi prometida g)or Jesus — c f
Lc. 10:19; 16:18), e então que curou, através da oração, o
pai doente de Públio, o principal oficial da ilha, e outros que
estavam doentes.
Contudo, estranhamente, não há menção nem da pre­
gação de Paulo aos nativos, nem de quaisquer conversas entre
eles. Talvez em razão das barreiras de linguagem (apesar de
ser possível que os malteses fossem fluentes no dialeto púnico,
que pode ter sido relacionado ao fenício e, através dele, ao
aramaico, que Paulo falava), os seguidores de Jesus podem ter
sido malsucedidos na comunicação do evangelho. Entretanto,
conforme Jesus já havia dito: “Aquele que lhes dá ouvidos, está
me dando ouvidos; aquele que os rejeita, está me rejeitando;
mas aquele que me rejeita está rejeitando aquele que me en­
viou” (Lc. io:ié), então parecia claro que estes bárbaros pagãos
tinham, ao mostrar generosidade e hospitalidade a Paulo e
seus compatriotas, também recebido seu Senhor e Salvador
como deles próprios (cf Mt. 25:35-40).
E possível que possamos aprender algumas importantes
lições a partir das interações de Paulo com os bárbaros ilhéus
malteses? Cristãos, cm especial aqueles que têm um coração
missionário para a evangelização, geralmente pensam em si
mesmos como os portadores das Boas Novas e, desta forma.

18 7
como anfitriões de um mundo carente. Neste caso, contudo, é
Paulo quem é o carente e é o convidado de descrentes. Ao pas­
so que é importante desenvolver uma teologia de hospitalida­
de que subscreva como os seguidores de Jesus devem ser recep­
tivos aos descrentes, também é essencial que reflitamos mais,
a fim de desenvolvermos uma teologia de convidados que nos
capacite a receber a hospitalidade de estranhos e pessoas de
outras fés. Isto nos capacitará a sermos doadores, como tam­
bém recebedores. Durante o percurso, podemos aprender a
apreciar que nosso testemunhar através do poder do Espírito
envolve não apenas falar acerca das coisas do evangelho, mas
também receber a hospitalidade de outros. Em suma, nosso
testemunho nasce não somente no que dizemos, mas também,
talvez de maneira mais importante, em como vivemos, como
interagimos com os outros e também em como somos capazes
de receber os dons de outros.
Durante o curso da história, Lucas conta, na verdade,
sobre a restauração de Jesus do reino de Israel, exceto que isso
tinha começado a acontecer de uma maneira que era comple-
tamente inesperada para a maioria dos judeus. Ao passo que
os judeus tinham a esperança que o Messias os livraria das
mãos dos romanos e restauraria a terra e o templo para eles,
para Paulo, a “esperança de Israel” (28:20) tinha a ver com a
ressurreição de Jesus, o nascimento do reino, e o início da
nova era, na qual a renovação de Israel incluiria também a sal­
vação dos gentios. Na medida em que os judeus resistiam à ex­
tensão das misericórdias salvadoras de Deus aos gentios, neste
mesmo nível, eles também rejeitavam os mensageiros — os
apóstolos, incluindo Paulo —, que tentavam persuadi-los do
contrário. Então, enquanto Paulo mantinha esta testemunha
com firmeza, persistindo mesmo após ter chegado a Roma,
onde ele continuou receber convidados durante sua prisão
domiciliar, os resultados foram mistos. Por um lado, alguns
creram (28:14), tnas, por outro, a obstinação dos judeus levara
Paulo a proclamar “que esta salvação é destinada aos gentios;
eles ouvirão” (Atos 28:28).’^
13 Mas não há juscificativa para pensar em Lucas como sendo
antissemítico ao concluir Atos desta maneira. Antes, de acordo com as
operações providenciais milagrosas de Deus, foi precisamente a persegui­
ção dos seguidores judeus do Messias que levou originalmente à condu-
188
Entrementes, as vidas daqueles que seguem a Jesus
como Messias continuarão a provocar discussão, conforme os
judeus em Roma disseram: “que por todo lugar há gente falan­
do contra esta seita” (Atos 28:22). Contudo, tal balbúrdia não
será porque os cristãos estão quebrando a lei, conforme Pau­
lo repetidamente havia provado a inocência dos cristãos de
quaisquer transgressões. Ao invés disto, a consternação conti­
nuará uma vez que qualquer fala acerca de um reino vindouro
de Deus e quaisquer tentativas de viver da maneira do reino
irão inevitavelmente confíitar com os objetivos imperiais de
reinos mundanos — e quando isso acontece, a violência que
marca a humanidade caída irá mais uma vez surgir e trazer
problemas.
Mesmo quando isto acontece, o Espírito, que foi der­
ramado sobre toda a carne, continuará a inspirar e capacitar
às obras pacíficas, curadoras e reconciliadoras de Jesus, a fim
de encerrar o reino de Deus nos corações e nas vidas dos seres
humanos. A ressurreição de Jesus dentre os mortos pelo Espi­
rito foi o primeiro ato da vindicação de Deus dos justos e a
inicialização do que se materializaria no reino, e isto tem sido
seguido por Jesus derramando deste mesmo Espírito sobre
todos — judeus e gentios — em prol da salvação do mundo.
Lucas não nos conta o que aconteceu com Paulo, mas clara­
mente nos informa que ele jamais cessou de “pregar o reino de
Deus e ensinar a respeito de Jesus Cristo, abertamente e sem
impedimento algum” (28:31). Ele simplesmente continuava a
viver pelo poder do Espírito como uma testemunha ao Cristo
vivo. Os próximos capítulos do livro de Atos, se tivessem de
ser escritos, contariam mais a respeito de homens e mulheres,
talvez até mesmo entre nós, hoje, que também são capacita­
dos pelo Espírito de Deus a proclamar e representar o reino
de Deus até os confins da terra.

ção do evangelho para além dos limites de Jerusalém e da Judeia para


Samaria e a diáspora mais ampla, c foi a rejeição contínua nas sinagogas
que também levou Paulo a proclamar o evangelho nas ruas de Filipos, no
Areópago e na escola de Tirano, entre outros lugares. O próprio Paulo
entendeu tudo isso como tendo sido orquestrado por Deus “até que
chegasse a plenitude dos gentios. E assim todo o Israel será salvo” (Rm.
11:25-26).
18 9
e p íl o g o

o livro de Atos termina sem fornecer qualquer des­


fecho acerca da prisão de Paulo. Alguns especulam que Lucas
completou seu livro enquanto Paulo ainda estava preso, ao
passo que outros acreditam que Lucas concluiu seu registro
com a chegada do evangelho em Roma e, desta forma, não
sentiu a necessidade de rornecer quaisquer detalhes acerca do
julgamento de Paulo diante de César. Ainda outros estão di­
vididos entre aqueles que pensam que Paulo foi martirizado
pelo imperador Nero, ou que ele foi liberto e levou a cabo sua
tão antecipada missão à Espanha.
Para nossos propósitos, o final em aberto de Atos 28
sugere que a obra do Espírito Santo começou na vida de Jesus
e entre a igreja primitiva, e continua até o presente. A ênfase,
por todo o livro, contudo, tem sido explorar não apenas os as­
pectos privados da obra do Espírito nos corações dos crentes
em Jesus, mas também as dimensões públicas das atividades
do Espírito nos domínios políticos, econômicos e sociais do
império romano durante o primeiro século EC. Vimos que a
redenção de Israel e a salvação do mundo estavam sendo rea­
lizados em meio às forças imperiais concretas da Pax Romana,
e que o poder de Deus era manifesto em, através de e contra os
principados e poderes destas esferas.
Não existe razão para acreditar que as operações do
Espírito Santo no primeiro século cessaram ou assumiram
qualquer forma diferente desde então. O poder do Espírito
em operação na esfera pública, então, não tem estado menos
disponível aos seguidores de Jesus de Nazaré durante os dois
mil anos intermediários, e está certamente presente a todos
hoje. Viver as maneiras do reino em nossa época é tão desafia­
dor quanto era para os primeiros discípulos, em especial a luz
de nossos regimes políticos de corrupção, anarquia, tirania
e negligência ambiental, entre outros desafios; nossos siste­
mas econômicos de globalização, consumismo e capitalismo
explorador, entre outras práticas injustas; e nossas conven-

191
ções sociais que perpetuam o racismo, sexismo e capacitismo,
entre outros regimes discriminatórios. Entretanto, devemos
ser inspirados a saber como o mesmo Espírito que capacitou
Jesus e os primeiros cristãos a confrontarem os principados
e poderes de sua época é o mesmo Espírito que permanece o
dom de Deus para capacitar toda a carne hoje.
Isto não quer dizer que embarcamos em qualquer cau­
sa popular política, econômica ou social a fim de nos “com­
prometer com essas questões”. Isto significa que devemos vi­
ver fielmente com outros que estão buscando seguir a Jesus,
de maneira que possamos ser nutridos nas práticas virtuosas
que o Espírito utilizará em nossos relacionamentos com o
mundo. Isto quer dizer que precisamos continuar a discernir
como o Espírito pode inspirar a igreja para uma fidelidade
contínua em um mundo pluralista e complexo.
O pior cenário é que o nosso testemunhar de Cristo
acabará em martírio, mas, mesmo assim, isto será capacitado
pelo poder do Espírito. Quando menos, continuaremos a ser
perseguidos, se nenhuma outra razão além do nosso testemu­
nhar apresentar um contraste total ao mundo, semelhante
aos primeiros seguidores do Messias, que foram acusados de
ser “sectários” (ou “hereges”, a partir de haireseos — Atos 24:5;
24:14; 26:5; 28:22). Estas são manifestações do poder do Espí­
rito que nos capacitam a questionar o status quo e as conven­
ções das sociedades em que vivemos, a resistir às políticas de
conformidade que nos são impostas, e a desenvolver formas
alternativas de conversa que exponham a violência subjacente
às economias deste mundo.
No mínimo, conforme nosso caminhar com os após­
tolos durante 0 livro de Atos, com olhares regulares de volta
ao Terceiro Evangelho, tem mostrado, continuaremos a nos
surpreender acerca de como o Espírito opera em nossos cora­
ções para mudar o mundo. Durante o caminho, teremos a me­
mória de Jesus para nos guiar, e sua presença, no poder do Es­
pírito Santo, para nos inspirar. E o Espírito, que realmente foi
derramado sobre toda a carne, continuará a fazer através de
nós o que foi feito através dos apóstolos — virar o mundo de
cabeça para baixo — se, de fato, estivermos abertos e formos
obedientes aos seus encorajamentos. E é somente enquanto
seguirmos os ventos do Espírito nestes atos de testemunha
192
que continuaremos a participar na obra de Jesus para renovar
Israel e, através disto, redimir e salvar o mundo. Voltado para
este fim, nossa oração somente pode ser: “Ora vem. Senhor
Jesus”, enquanto continuamente esperamos e discernimos os
renovados ventos de seu Espírito no mundo.

19 3
GUIA DE ESTUDO DO LÍDER E PERGUNTAS
PARA DISCUSSÕES EM PEQUENOS GRUPOS

Recomendações: Garanta que os membros do grupo leiam o


capítulo com antecedência e tragam suas Bíblias para a dis­
cussão. Por todo o estudo, lembre-se de que as referências ao
“público” ou à “política” envolvem todos os aspectos de nossas
vidas, incluindo as nossas dimensões econômicas, sociais, cí­
vicas, políticas e decisões e ações.
INTRODUÇÃO
A que destaques dos livros de Lucas e Atos você está
familiarizado, e por que estes destaques chamam a atenção
em nossa mente? O que mais você está esperando ao ler e es­
tudar estes livros, desta vez?
Você concorda com a sugestão do autor de que a obra
do Espírito Santo não apenas pertence aos corações e às vidas
individuais, mas também tem significância mais pública e po­
lítica? Por que, ou por que não?
Lucas-Atos se desenrola durante a “Paz de Roma”, nos
dias de César. Você pode antecipar o que Lucas irá dizer, ou
o que você espera ler em relação às implicações públicas ou
políticas da vida de Cristo e das experiências dos primeiros
seguidores de Jesus?
CAPÍTULO 1
Como é ler Lucas-Atos “de trás para frente” (come­
çando em Atos e retornando a Lucas, conforme apropriado)?
Discuta os motivos para esta estratégia de leitura dada pelo
autor (vide p. 23) e como ela funciona para iluminar a seção
sobre a eleição de Matias.
O que os discípulos estão esperando em relação à res­
tauração do reino de Israel (Atos i:6)? Se você fosse um se­
guidor judeu de Jesus, naqueles dias, você estaria esperando
qualquer coisa diferente do que os discípulos esperavam ou do
que de fato aconteceu?
Os discípulos viviam sob a sombra da Roma imperial

195
durante o primeiro século. Vivemos em meio um imperialis­
mo ou em outra espécie de império ocidental moderno nos
dias de hoje? Quais os prospectos para um cristianismo cheio
do Espírito sob estas condições?
CAPÍTULO 2
Revise a canção de Maria — historicamente conhe­
cida como Magnificat —, em Lucas 1:46-55, e discuta como a
canção interage com o público ou com a leitura pública de
Lucas-Atos que estamos empreendendo.
O que “a consolação de Israel” (Simeão, em Lucas 2:25)
c “a redenção de Jerusalém” (Ana, em Lucas 2:38) significa
para os judeus do primeiro século? O que estes termos signi­
ficam para nós hoje?
Como Jesus desafiou o senhorio de César naquela épo­
ca? Como o senhorio de Jesus é um desafio mesmo para os
cristãos cheios do Espírito hoje?
CAPÍTULO 3
Por que as referências geográficas na narrativa do Pen-
tecostes são importantes?
As filhas que profetizam e os jovens tendo visões são
importantes para a vida da igreja hoje? Por que ou por que
não?
A expressão “sobre meus escravos” também pode ser
traduzida “sobre meus servos” — qual a significância desta di­
ferença na tradução na história de dois mil anos do cristianis­
mo e hoje?
C A P ÍT U L O 4
Quais os aspectos públicos da figura davídica ou mes­
siânica, e como o sermão de Pedro acentua o cumprimento de
Jesus desces desígnios carismáticos?
De que pecado específico a multidão percebeu que
precisava se arrepender, pecado este que Pedro jprometeu ser
perdoado (dica: veja Atos 2:23 e 36)? Como voce pensa que a
mensagem de Pedro te atingiria, caso você fizesse parte da
multidão naquele Dia de Pentecoste?
Existem dimensões públicas do perdão de pecados
hoje? Por que, ou por que não?

156
CAPÍTULO 5
Quais eram as consequências do arrependimento na
mensagem de João Batista? Como tal pregação e seus efeitos
dão certo (ou errado) no mundo atual?
Quais as consequências do arrependimento para Za-
queu?
Quais seriam os efeitos posteriores de tais ações no
mundo de hoje? Por que nós temos, no geral, espiritualizado
e individualizado a mensagem de arrependimento e perdão?
Que tendências, se houver alguma, mesmo os cristãos cheios
do Espírito precisam mudar?
CAPÍTULO 6
Atos 2:41-47 tem sempre sido apresentado como um
ideal que tem motivado várias formas de experimentos com
a vida comunal na história do cristianismo. A passagem pode
funcionar como tal ideal para nós hoje? Por que, ou por que
não?
Quero chamar esta mensagem de comunhão do Es­
pírito, enquanto outros querem chama-la de comunismo,
utilizando a terminologia de Marx. Quais as semelhanças e
diferenças entre Lucas e Marx?
O compartilhar e a distribuição mútua de mercado­
rias a todos os que necessitam é uma prática de vida viável
para os dias de hoje? Por que, ou por que não?

CAPÍTULO 7
Descreva os aspectos espirituais e políticos do minis­
tério ungido pelo Espirito de Jesus.
Como o ano do jubileu do Antigo Testamento e o
“ano aceitável (do favor) do Senhor” que Jesus proclamou vie­
ram a ser representados na comunidade cristã primitiva? Por
que estes conceitos são tão difíceis para nossos ouvidos con­
temporâneos?
O que significa dizer que o Espírito que operou atra­
vés de Jesus também foi derramado e dado a seus seguidores?
CAPÍTULO 8
Como a história de Lucas sobre o homem curado no
portão do templo (Atos 3) continua seu tema da restauração
19 7
de Israel? Que papel as Escrituras veterotestamentárias exer­
cem, em outro lugar no desenrolar desta tese lucana?
Por que os líderes do templo estavam interessados em
preservar o status quo? Como a cura deste homem no portão
do templo ameaça os interesses dos líderes?
Quais as implicações econômicas e políticas da men­
sagem lucana para o cristianismo carismático de nossa época?
CAPÍTULO 9
Por que ou como estamos condicionados a enfatizar
os aspectos médicos destas curas milagrosas de Jesus, e não
suas dimensões públicas? Quão legítimas são as dimensões
públicas apresentadas neste capítulo?
A sociedade palestina do primeiro século estava es­
truturada de acordo com as relações entre patrono e cliente,
assim como entre os patronos centuriões e as pessoas (seus
clientes) que eles protegiam. Como o ministério de Jesus anu­
la ou ao menos ameaça desmantelar tais estruturas hierárqui­
cas?
As curas modernas nos círculos cristãos são sinais da
vinda do reino de Deus? Se este for o caso, como estes sinais
podem mudar nossa perspectiva sobre ou mesmo nossas prá­
ticas acerca do ministério da cura?
CAPÍTULO lo
Aqui vemos uma segunda representação da comunhão
do Espírito (Atòs 4:32-35); compare e contraste com o primei­
ro relato (Atos 2:42-47).
Compare e contraste Barnabé com Ananias e Safira.
A punição para o casal foi desnecessariamente injusta, à luz
da tese sendo argumentada neste c ^ ítu lo e neste livro?
Barnabé não é apenas uma figura incomumente gene­
rosa, e não é apenas um detalhe na história de Lucas (somente
dois versículos são devotados a ele)? Ou Lucas está tentando
apresentar um ponto teológico normativo e ético? Por que
tendemos a acreditar na primeira afirmação acerca de Barna­
bé, ao invés da segunda?

CAPÍTULO 11
Existe muita fala acerca de Jesus se relacionando com
198
coletores de impostos, prostitutas e outros párias sociais.
Quais pessoas ou classes seriam equivalentes a estes, em nosso
mundo?
Nós somos mais suscetíveis a ter empada com Simão,
o fariseu, ou com a mulher pecadora? Com os líderes da sina­
goga, ou com a mulher encurvada e aleijada? Por que e quais
são as implicações de nossas proclividades? E possível que, no
mundo de hoje, os discípulos liderados pelo Espírito de Jesus
pratiquem sua visão de um mundo sem hierarquias ou classes
sociais?
C A P ÍT U L O 12
A maioria de nós tem tempo para fazer estudos bí­
blicos tais como este e não está sendo perseguida por nossa
fé. Nós podemos permanecer em solidariedade e oração com
nossos irmãos e irmãs ao redor do mundo que estão atual­
mente experimentando o tipo de perseguição que a leitura
deste capitulo nos diz que aconteceu aos discípufos?
Fale sobre Herodes como um representante de senhor
e Salvador César, e como a narrativa de Lucas reflete o que
significa entender o senhorio e a salvação de Cristo.
Como entendemos a resistência não violenta dos dis­
cípulos em nossa época? Quais são as implicações políticas de
tal postura para o discipulado cristão vital?
CAPÍTULO 13
A paixão de Jesus não é única dele? Nós podemos real­
mente seguir os passos de Cristo em seu sofrimento?
Em que nível a não violência cristã é uma imitação do
fundador do Caminho?
Por que o perdão é central a uma ética carismática de
não violência, ou uma forma de pacifismo? Como tal perdão é
possível no mundo real?
C A P ÍT U L O 14
Como as experiências de imigrantes nos Estados Uni­
dos, em especial desde 1965, iluminam o que aconteceu em
Atos 6 entre as congregações de fala grega e as de fala hebrai­
ca?
Por que é importante tratar qualquer vácuo de lide­
rança para que líderes carismáticos, que representem os inte-
19 9
resses das pessoas às quais estão liderando, sejam designados?
Quais as implicações deste princípio em nosso mundo con­
temporâneo multicultural, multiétnico e globalizado?
Antioquia era originalmente um “campo missionário”,
para missionários de Jerusalém, mas a igreja de Antioquia veio
ao resgate de sua i^ ej a-mãe em época de necessidade da igre­
ja de Jerusalém; nos, do Ocidente Anglo-americano estamos
prontos para receber a assistência ministerial de igrejas do sul
global, c^ue nós antigamente considerávamos nossos campos
missionários? Quais as implicações deste empreendimento
missionário “reverso”?
CAPITULO 15
Por que os ensinos de Jesus sobre riqueza e pobreza
são tão desconfortáveis para muitos de nós?
Considere a história do homem rico e de Lázaro: o
único ponto desta história é que muitos de nós, que somos
mais abastados, deveriamos compartilhar com os mais neces­
sitados?
E com relação ao princípio do jubileu, no pano de
fundo da visão de Lucas da renovação de Israel? Existem algu­
mas dimensões econômicas estruturais para a restauração de
Israel e o reino vindouro?
CAPÍTULO 16
Estevam conta a história do Israel antigo a partir de
uma perspectiva judaica helenista. Quais as implicações polí­
ticas de tal registro (pense acerca de como a história dos EUA
pode ser contada a partir da perspectiva de um expatriado
estadunidense)?
Por que outros judeus helenistas — “homens livres”,
Lucas os chama (Atos 6:5) — são tão opostos à mensagem de
Estevam (pense acerca de como os refugiados de um pais sob
ocuparão podem ter um interesse pessoal na restauração de
seu pais)? Como este incidente envolvendo Estevam estabele­
ce as tensões que veremos no restante do livro de Atos?
Por que a teologia, o ministério e a vida de Estevam
são tão importantes para a expansão, capacitada pelo Espíri­
to, do evangelho aos gentios? Podemos apreciar seu sacrifício
hoje, dois mil anos após seu martírio?
CAPÍTULO 17
Como Estevam entendeu o papel do templo, e como
este entendimento era ameaçador para os líderes do templo?
Qual foi a atitude de Jesus para com Jerusalém, e quais as im­
plicações de sua “teologia de Jerusalém” para nós, hoje?
O autor de Quem é 0 Espírüo Santo? segue eruditos, tais
como N. T. Wright, em ver o legado do ministério de Jesus
como relacionado a redirecionar o nacionalismo judaico: a
ênfase em um caminho de paz evita a destruição, ao passo
que o nacionalismo excessivamente zeloso culmina na ira de
Roma — testemunha a destruição que se desenrolou dentro
de uma geração após a morte de Jesus. Fale acerca das im­
plicações desta mensagem para entender 0 registro de Lucas
(acreditado pela maioria como tendo sido escrito não muito
depois da destruição e Jerusalém, em 70 EC) e o que isto sig­
nifica para nós hoje.
C A P ÍT U L O 18
Como a expansão do evangelho para Samaria e a re­
cepção do evangelho pelos samaritanos chateiam a cosmovi-
são judaica dos primeiros seguidores de Jesus?
Revise toda a passagem devotada ao bom samaritano
(Lucas 10:25-37): quais as implicações desta narrativa para as
pessoas que nós não consideramos serem cristãos legítimos?
E legítimo ver os samaritanos como os “outros
religiosos” aos judeus? Quais as implicações de nossa resposta
a esta pergunta para o entendimento inspirado pelo Espírito
e a interação com pessoas de fés não cristãs hoje?
C A P ÍT U L O 19
Por que é legítimo, a partir de uma perspectiva bíbli­
ca, classificar o eunuco sob a categoria de “deficiência”, e quais
as implicações desta classificação?
Como o eunuco, Zaqueu, o anão, também é aceito
como discípulo de Jesus como ele é, sem qualquer cura mila­
grosa ou ajuste. Você fica confortável com pessoas portadoras
de deficiências representando o evangelho?
Existem pessoas com deficiências presentes no ban­
quete escatológico de Jesus (Lucas 14:15—24). Quais as implica­
ções de tais imagens para nossa teologia de deficiência? Nossa
teologia da salvação? Nossa teologia do pós-vida?
CAPÍTULO 20
O apóstolo Paulo possuía algum tipo de deficiência?
Como poderiamos entender sua vida, ministério carismático,
e teologia centrada no Espírito se ele tivesse?
Como Estevam, Paulo também foi um judeu helenisti-
camente informado. Por que isto foi importante para alguém
a quem Deus levantou para ser apóstolo aos gentios?
Com a introdução ao ministério de Paulo, a ideia de
que a restauração de Israel incluía os gentios entra em foco.
Por que isto era uma noção estranha para os judeus do pri­
meiro século?
CAPÍTULO 21
Temos comumente entendido a conversão em termos
espirituais e individuais. Mas quais os aspectos públicos ou
políticos de conversão nos relatos do evangelho discutidos
nesse capítulo?
Um dos aspectos mais desafiadores da conversão é a
substituição na (ou “entre os membros da”) família de Deus.
Quais as implicações disto para as relações familiares bioló­
gicas?
A conversão não é sobre garantir um lugar no céu no
pós-vida? Por que Jesus fala, ao invés disto, acerca de orientar
nossas perspectivas cheias do Espírito para o reino vindouro
de Deus?

CAPÍTULO 22
Há muito temos nos maravilhado com o milagre bio­
lógico envolvido na ressurreição dos mortos do filho da viúva
de Naim. Agora, quais os aspectos públicos desta ressurreição
que temos ignorado? Como a ressurreição de Tabita também
foi a revitalização de toda uma comunidade?
Vimos, neste capítulo, que os relatos de ressurreição
também são, como as curas, sinais do reino. Quais as imç)lica-
ções destes relatos para a vida e o ministério contemporâneos
cheios do Espírito?
CAPÍTULO 23
No que Lucas parece estar mais interessado: contar
sobre a salvação de Cornélio ou sobre a percepção de Pedro da
inclusão dos gentios no plano redentor de Deus? Quais dicas
textuais voeê pode forneeer para sua resposta?
Deus “não trata as pessoas com parcialidade” (Atos
10:34): quais as implicações desta afirmação para a tese deste
livro acerca da obra do Espírito no mundo mais amplo?
Podemos falar de Cornélio como sendo instrumental
na conversão de Pedro? Por que, ou por que não?
C A P ÍT U L O 24
Se a restauração de Israel era divinamente intencio-
nada desde sempre para incluir os gentios, temos indicação o
bastante disto no evangelho de Lucas da vida, do ministério e
dos ensinos de Jesus?
Por que a proclamação de Jesus sobre a paz é tão im­
portante para um livro sobre as dimensões políticas do disci-
pulado liderado pelo Espírito?
Em nossas vidas e nosso ministério, hoje, dizer que o
evangelho é para os gentios não parece dar muita força ou ter
muito efeito, provavelmente porque a maioria, se não todos
nós, somos gentios. Como podemos traduzir, nos dias de hoje,
este impulso central, a fim de que ele se engaje de maneira
significante com nosso mundo, nosso tempo e nossa situação?

CAPÍTULO 25
Como a história de Bar-Jesus ilumina as dimensões
políticas do mundo espiritual? Alguns diriam que há uin peri­
go em espiritualizar o domínio político de demonizar nossos
oponentes políticos; se assim for, como devemos proceder?
Exorcismos também são sinais do reino vindouro?
Você acredita que existam outros sinais físicos do reino (im-
pending) de Deus?
Alguns dizem que um dos maiores motivos por que
o evangelho se espalhou rapidamente por todo o sul global
é que a maioria das tradições religiosas indígenas e culturais
possuem cosmologias e cosmovisões que são bastante seme­
lhantes às do Novo Testamento (por exemplo, envolvendo
espíritos maus em relacionamento com a cura). Você enxerga
perigos no excesso de ênfase deste ponto? O que pode ser im­
portante, ao invés disto, ao enfatizar os aspectos púhlicos de
203
ministérios de libertação?
CAPITULO 26
Quais os aspectos públicos das tentações e do encon­
tro de Jesus com Satanás no deserto?
Um número de eruditos bíblicos sugere que o ende-
moninhado geraseno havia internalizado o opressivo governo
da Roma imperial. Discuta o mérito desta tese.
Quais as implicações políticas, se houver alguma, da
substituição do reino do diabo pelo reino de Deus na vida e
no ministério de Jesus, cheio do Espírito?
CAPÍTULO 27
Disseram aos judeus que eles “serão salvos pela graça
do Senhor Jesus, assim como eles los gentios] também” (Atos
15:11). Isto pode ser análogo a cristãos ouvindo que “serão sal­
vos através da graça do Senhor Jesus, assim como eles [insira
qualquer grupo considerado opressor do cristãos aqui] tam­
bém”. Quão absurdo, ou não, é este paralelo?
Os seguidores judeus de Jesus queriam que os gentios
se tornassem assim como os judeus (isto é, serem circunci-
dados) a fim de serem “salvos”. Quais as nossas suposições e
expectativas hoje para que os não cristãos sejam salvos?
Qual é o peripo de enfatizar em demasia a universali­
dade da obra do Espirito? Como a ênfase na particularidade
da obra do Espírito pode auxiliar para resolver esta tensão, e
o que isto significa para a missão cristã hoje?
C A P ÍT U L O 28
Temos comumente espiritualizado e internalizado a
história do filho pródigo. Quais as vantagens de ler a história
em termos da renovação de Israel como incluindo os gentios?
Existem muitos ou poucos que serão salvos? Quais as
implicações de nossas respostas para esta pergunta?
O que aconteceu com os judeus que não adotaram o
programa de Deus de renovação de Israel e redenção do mun­
do? O que pode acontecer conosco hoje se não aceitarmos e
recebermos o programa de redenção capacitado pelo Espírito
de Deus?
CAPÍTULO 29
Entre os escritores do evangelho, o papel das mulheres
204
é mais proeminente nos escritos de Lucas. Quais as implica-

Sões do que ele diz em Atos para nossas visões acerca das mu-
leres no ministério hoje? O que mais pode restar a ser feito
sobre esta questão?
O Espírito Santo ainda fala através de visões e sonhos
hoje? Quais os desafios e as possibilidades inerentes à nossa
resposta?
Timóteo era de etnia mista (mãe judia e pai grego).
Como a vida dele pode fornecer discernimento em nossas ex­
tensas experiências de hibridismo e interracialidade hoje?
CAPÍTULO 30
Você fica confortável em identificar Jesus como um
“protofeminista”? Por que, ou por que não? Certifique-se de
interagir com a testemunha lucana em detalhes, em sua res-
posta.
O que significa seguir o Cristo inspirado pelo Espírito
em relação a nossas atitudes e ações acerca das mulheres em
um mundo dominado pelos homens?
Existe diferença entre o ministério de mulheres e seu
papel em contextos não ministeriais, tal como o lar? Como
podemos responder a esta pergunta à luz de Lucas e Atos?
CAPÍTULO 31
Como a história da pitonista quebra todos os tipos de
crenças cristãs estereotipadas acerca da adivinhação?
Elabore o que o autor chama de “políticas de oração e
louvor”, conforme exemplificadas na prisão de Fili^pos.
Quais as implicações do engajamento político, hoje,
para um cristianismo renovado pelo Espírito? Quais as “polí­
ticas de cidadania”, à luz das experiências do apóstolo Paulo
em Filipos?
CAPÍTULO 32
Como você se sentiria pronunciando a oração do Pai
Nosso (conforme Lucas a registra) como um modo de engaja­
mento político? Discuta cada linha neste sentido.
A versão de Lucas da oração do Pai Nosso conclui com
a promessa de que Deus honrará toda oração autêntica ao dar
seu Espírito; pense mais, agora, sobre as dimensões públicas e
políticas do derramamento do Espírito sobre toda carne.
205
Nós comumente pensamos na justiça e na justificação
em termos individuais; como a parábola da viúva e do juiz
expande estes horizontes? Esta e uma expansão legítima da
doutrina tradicional da justificação?
CAPÍTULO 3^
No Areopago, Paulo citou poetas e filósofos pagãos.
Quais as implicações disto para nosso engajamento com a cul­
tura e as tradições filosóficas?
Há algumas décadas, H. Richard Neibuhr apresentou
um paradigma quíntuplo de Cristo em relação à cultura:
• Cristo contra a Cultura. A história é a estória de uma igreja
ou cultura cristã nascente e uma civilização pagã morrendo.
• Cristo da Cultura. A história é a estória do encontro do Espí­
rito com a natureza e a cultura humana.
• Cristo acima da Cultura. A história é um período de prepara­
ção sob a lei, a razão, o evangelho e a igreja para uma comu­
nhão última da alma com Deus.
• Cristo e Cultura em Paradoxo. A história é o tempo da batalha
entre a fé e a descrença, um período entre a doação da pro­
messa da vida e seu cumprimento.
• Cristo Transformando a Cultura. A história é a estória dos
grandes feitos de Deus e da resposta humana a eles. Cristãos
que adotam esta visão vivem de alguma forma menos “entre
os tempos” e de certa forma mais no “agora” divino do que os
seguidores listados cima. Eles estão mais preocupados com a
possibilidade divina de uma renovação presente do que com
conservar o que foi dado na criação ou se preparar para o que
será dado na redenção final.
Discuta as visões à luz de nosso capítulo.
A obra redentora do Espírito inclui tradições cultu­
rais, filosóficas e mesmo religiosas do mundo? Por que, ou
por que não? Se sua resposta rbr afirmativa de alguma forma,
como?
CAPÍTULO 34
“Ame seus inimigos”. Isto é fácil? Isto é mais fácil em
um nível interpessoal ou em um nível político? Isto é possível,
politicamente?
“Perdoe nossas dívidas assim como perdoamos as dí-

206
vidas dos outros”. Isto é fácil? Isto é mais fácil em um nível
interpessoal ou em um nível político? Isto é possível, politi­
camente?
Temos tradicionalmente pensado acerca da metáfora
lucana de “virar o mundo de cabeça para baixo” (Atos 17:6)
em termos de sua cristianização; e se agora pensarmos acerca
disto em termos da obra do Espírito nos domínios de valores
sociais, arranjos econômicos e estruturas políticas? Esta e uma
conclusão válida desta metáfora?
CAPÍTULO 35
O que podemos aprender, a partir do encontro entre
o cristianismo e a religião de Ártemis, para as relações inter-
-religiosas em nossa época?
Como a economia de Éfeso tem implicações religio­
sas? Quais as implicações econômicas para a missão capacita­
da pelo Espírito nos dias de hoje?
Como a economia e a religião estão unidas em nosso
mundo? No cristianismo? Isso é bom, mal ou inevitável?
CAPÍTULO 36
Para Paulo, qual era a relação entre a ressurreição de
Jesus e a restauração de Israel?
Existem quaisquer relações públicas ou políticas para
a nossa crença atual na ressurreição como a obra do Espírito?
Deveria haver relações?
Paulo estava disposto a ser martirizado por sua cren­
ça na ressurreição de Jesus (e restauração de Israel); pelo que
estamos dispostos a ser martirizados hoje? Deveriamos estar
dispostos a sermos martirizados por alguma coisa?
CAPÍTULO 37
E apropriado pensar que existem dimensões cósmicas
no derramamento do Espírito, conforme sugerido neste capí­
tulo? Por que, ou por que não? A “salvação” e tão óbvia quanto
a segurança física, conforme sugerido pelos vários usos da pa­
lavra grega soteria em Atos 27? Quais as implicações disto para
a missão, se há alguma?
A repreensão de Jesus aos ventos e ondas (Lucas 8:24)
sugere que ele está operando sob autoridade semelhante
quando ele repreende os espíritos maus. Quais os prós e con-
207
tras de vermos as forças naturais como paralelas a principados
e poderes?
CAPÍTULO 38
Como a mesa da comunhão também era um empreen­
dimento sociopolítico e econômico na cultura palestina do
primeiro século? O que podemos aprender acerca dos com­
promissos teológicos e visão dos seguidores do movimento de
Jesus a partir de suas maneiras de comer?
Por que e como nossa prática da Ceia do Senhor ou
Eucaristia também tem ramificações públicas e políticas hoje?
Quais as implicações missionais dos períodos da re­
feição no mundo de hoje? Descreva os contornos de uma ma­
neira liderada e cheia do Espírito de comer em um mundo
pluralista.
CAPÍTULO 39
Como as interações de Paulo com os “bárbaros” mal-
teses desafiam nossos paradigmas missionários hoje?
Como podemos ser melhores anfitriões na esfera pú­
blica de nosso mundo multiétnico, multicultural e multir-
religioso? E como podemos ser melhores convidados nestes
mesmos ambientes?
O que significa, para nós, acrescentar um capítulo
vinte e nove ao livro de Atos e continuar a história do Espíri­
to sendo derramado sobre toda carne?

208
AGRADECIMENTOS

Este livro foi originalmente concebido em resposta


a um pedido de Lil Copan, previamente um dos editores de
aquisições na Paraclete Press, que havia lido o resumo de Roger
Olson de minha obra na revista Christianity Today, intitulado:
A Wind That Swirls Everywhere: Pentecostai Scholar Amos Yong
Thinks He Sees the Holy Spirit Working in Other Religions, Too
(em março de 2006). Lil entrou em contato comigo para eu
contribuir com uma série de livros sobre o Espírito e a espi­
ritualidade para a Paraclete Press. Aproximadamente um ano
mais tarde, eu sugeri a ideia de tal assunto focado no Espírito
Santo a Anita Killebrew, pastora associada executiva na Great
Bridge Presbyterian Church em Chesapeake, Virgínia, onde nos­
sa família estava frequentando uma das classes de adultos da
escola dominical. A ideia foi recebida com entusiasmo, c um
grupo de aproximadamente quinze de nós (com mais ou me­
nos doze pessoas de média nos domingos), leram Lucas e Atos
e discutiram os livros pela maior parte do ano de 200Ô.
Muito obrigado a Anita, que forneceu fundos sufi­
cientes, a partir dos fundos de educação cristã da igreja, para
comprar um número de comentários para este projeto (alguns
dos quais listados na bibliografia). Os meus agradecimentos
também aos seguintes membros da classe Comerstone, alguns
dos quais estiveram presentes por grandes segmentos da dis­
cussão, alguns poucos dos quais foram fieis por quase todas
as semanas, de todo o período de estudo de onze meses, mas
todos contribuíram de alguma maneira com este livro, através
das perguntas que fizeram ou dos comentários que compar­
tilharam durante o nosso tempo juntos: Efank Bedell, Laura
e Mike Boron, Carolyn e Bob Creekmore, Verônica DeSmit,
Beth Doriani, Jim Downey, Sara Green, Sonya Hall, Joyce e
Mike Holden, Rob Holroyd, John Lynch, Shar Yeo and Timo-
thy Lim Teck Ngern, Eliza e Andrew Marks, Melody e Chris
Mendoza, Marian e John Neefus, Brooke Nielson, Vúyne Pi-
ttman, Trudi e Doug Rauch, Sandy Sayre, Judy e Bob Stein-

209
metz, Gail Trzcinski, e Alma Yong.
Também tive alunos, em meu seminário Kenewal and
Policies, durante o semestre de verão de 2009 na Kegent Univer-
sicy School of Divinity, que leram e interagiram com a versão
manuscrita deste livro. Aprecio especialmente os seguintes
alunos por suas observações criteriosas que melhoraram o li­
vro: Mary Fast, Timothy Lim Teck Ngern, Hunter Hanger,
Nicholas Daniels, e Theresa Demby.
Sou grato também aos seguintes amigos e colegas,
cada um dos quais especialistas no campo de estudos do Novo
Testamento, em geral, e em Lucas-Atos, em particular, por
seus comentários em um rascunho anterior deste manuscrito:
Michelle Lee-Barnewall, Thomas E. Phillips, James B. Shelton,
e Martin W. Mittelstadt. Como esta é minha primeira tenta­
tiva de escrever na área de interpretação bíblica, a opinião e
a crítica de tais foram muito úteis para me impedir, de outra
maneira, de cometer erros ofensivos ao me aventurar fora de
meu campo de treinamento (teologia e estudos religiosos) e
tentar uma interpretação responsável destes textos lucanos.
Obviamente, nenhuma das pessoas supracitadas deve
ser responsabilizada pelas visões expressas neste livro, e quais­
quer infelicidades que permanecem são resultado de minha
própria obstinação. Agradeço mais uma vez a Lil Copan, da
Paraclece, por me auxiliar a conceber o livro e esclarecer o es­
copo geral e a abordagem. Eu também recebi muita duda dos
editores da Press, em especial de Jon Sweeney e Jefr Reimer.
Cada um deles foi inestimável em me ensinar a escrever me­
lhor para um público não acadêmico. Por último, embora não
menos importante, Sr. Mercy Minor, Sr. Madeleine Cleverly,
Karen Minster, e outros na Press que trabalharam diligente­
mente na produção e publicidade deste projeto, eu sou grato
por seu profissionalismo.
Como sempre, Patty Hughson e sua equipe de em­
préstimo entre bibliotecas na Kegent University foram indis­
pensáveis em me ajudar a conseguir os livros e artigos de que
precisei para este estudo, uma lista bem mais longa do que
aparece na bibliografia selecionada que segue. As palavras
não podem expressar o débito que tenho com minha esposa.
Alma, pelo que ela faz no cotidiano para me deixar livre para
ler e escrever. Neste caso, ela foi um membro fiel da escola
dominical e suportou pacientemente as muitas horas de fins
de semana (especialmente domingos a tarde) — meu “tempo
livre” devotado a compromissos eclesiásticos — durante o ca­
lendário de 200Ô, quando eu rascunhei a primeira versão do
manuscrito do livro. Uma esposa mais maravilhosa nenhum
homem tem, e eu certamente não sou merecedor.
Por fim, este livro é dedicado a Alyssa, minha filha
mais velha, que na época em que o livro sair da gráfica estará
concluindo seu primeiro ano na faculdade, um ano antes do
esperado. Minha garotinha está em transição, ao sair de casa,
mas o mundo que em breve a receberá também pertence ao
Espírito Santo — portanto, eu a envio para fazer a diferença
neste mundo com orações, dedicando-lhe a graça e o poder do
Espírito, e com todo meu amor!
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

Eu consultei muitos excelentes comentários para esta


obra. As mais importantes e úteis para mim foram as seguin­
tes:

Bock, Darrell L. Ácts. Baker Exegetical Commentary on the


New Testament. Grand Rapids: Baker Academic, 2007.
Dunn, James D. G. The Acts of the Apostles. Epworth Gommen-
taries.London; Epworth, 1996.
Gaventa, Beverly Roberts. The Acts of the Apostles. Abingdon
New Testament Commentaries. Nashville: Abingdon, 2003.
Green, Joel B. The Gospel ofLuke. New International Gommen-
tary on the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1997.
Johnson, Luke Timothy. The Acts of the Apostles. Sacra Pagina
5.Collegeville, MN: Liturgical, 1992.
_____ . The Gospel of Luke. Sacra Pagina 3. Collegeville, MN:
Liturgical, 1991.
Malina, Bruce J., and John J. Pilch. SocialScience Commentary
on the Book ofActs. Minneapolis: Fortress, 200Ô.
Spencer, F. Scott. Joumeying through Acts: A Literary-Cultural
Keading.Tcabody, MA: Hendrickson, 2004.
Talbert, Gharles H. Keading Luke: A Literary and Theological
Commentary on the Third Gospel. Rev. ed. Macon, GA: Smyth
& Helwys, 2002.
Witherington, Ben III. The Acts of the Apostles: A Socio-Khetori-
cal Commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 1998.

As obras a seguir são apenas alguns dos estudos mais


acessíveis entre os muitos que eu consultei para esta obra:
Arlandson, James Malcolm. Women, Class and Society in Early
Christianity.Models from Luke-Acts. Peabody, MA: Hendrick-

213
son, 1997.
Borg, Marcus J. Conflict, Holiness and Politics in the Teachings of
Jesus. Studies in the Bible and Early Christianity 5. Lewiston,
NY: Edwin Mellen, 1984.
Carter, Warren. The Roman Empire and the New Testament: An
Essencial Guide.Nashville: Abingdon, 2006.
Cassidy, Richard], Jesus, Politics, and Society: A Study ofLuke’s
Gospel. Maryknoll, NY: Orbis, 1978.
Conzelmann, Hans. The Theology of St. Luke. Translated by
GeoíFrey Buswell. 1961; reprint, Philadelphia: Fortress, 1982.
Crossan, John Dominic. God and Empire: Jesus against Rome,
Then and Now. San Francisco: HarperSanFrancisco, 2007.
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Luke-Acts. Collegeville, MN: Liturgical, 1991.
Green, Joel B. The Theology of the Gospel of Luke. Cambridge:
Cambridge University Press, 1995.
Hanson, K. C., and Douglas E. Oakman. Palestine in the Time
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Horsley, Richard A. Jesus and Empire: The Kingdom of God and
the New World Disorder. Minneapolis: Fortress, 2003.
Jervell, Jacob. The Theology of the Acts of the Apostles. Cam­
bridge: Cambridge University Press, 1996.
Johnson, Luke Timothy. Sharing Possessions: Mandate and Sym­
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Gompanion to Luke. London: Sheffield Academic Press, 2003.
______, eds. A Feminist Gompanion to the Acts of the Apostles.
London: ShefField Academic Press, 2004.
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