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“ARREMATES DO LAR”: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE SABERES E FAZERES

DOMÉSTICOS ENTRE MULHERES QUE COSTURAM

Karen Ambrozi Käercher1

Resumo: Ao investigar o trabalho da costura com homens e mulheres, pude observar que o trabalho
feminino era visto hora apenas como “ajuda” para os alfaiates, hora apenas como um “hobby” para
as moças, ou seja, em questões profissionais, configurava-se como um trabalho que possuía menos
rigor técnico e que por isso acabava sendo menos qualificado que o trabalho dos homens. O motivo
sobressaliente que faz com que o trabalho das mulheres que costuram seja visto como um trabalho
“menor” se deve ao fato de que enquanto os homens alfaiates exercem (ou exerciam, frente à atual
escassez da profissão de alfaiate) o seu ofício fora das casas, ou pelo menos sem o compromisso
com as atividades domésticas, as mulheres têm em suas próprias casas o seu ambiente de trabalho
rentável: as salas de estar se transformam em pequenos ateliês de costura, onde os retalhos jogados
no chão formam novos tapetes e o som da máquina de costura se mistura com o áudio da novela das
oito. Assim, a atividade de costura acaba por se confundir e mesclar com o trabalho doméstico e de
cuidado - paulatinamente relegados ao feminino. Compreendo por fim, esse espaço doméstico como
um importante gerador de saberes e fazeres constituídos geralmente numa rede de transmissão
feminina, e diante das transformações do mundo do trabalho, tecnológicas e demográficas que o
afetam, pergunto-me, como a prática da costura ainda perdura e se (des)constrói no cotidiano das
mulheres?

Palavras-chave: Costura. Cuidado. Trabalhos domésticos. Saberes e fazeres.

No que pretendo tecer uma breve introdução, saliento que são poucos os estudos publicados
sobre os saberes e fazeres da costura. Poucos, mas nem por isso, inexistentes. Sou grata pela leitura
dos textos de Yvone Verdier (1979), Wanda Maleronka (2007) e Alice Rangel de Paiva Abreu
(1985) entre alguns outros. Mas de fato, muitos trabalhos sobre a costura se restringem a áreas mais
técnicas do conhecimento, mesmo os trabalhos históricos caminham por outras direções e acabam
por privilegiar o vestuário e a moda ao invés das mulheres e do cotidiano da costura. Não que os
estudos publicados sejam desnecessários e de pouca relevância, muito pelo contrário. Apenas
gostaria de salientar que não irei por este caminho. O que pretendo alinhavar aqui faz parte do
cotidiano, das memórias e dos saberes e fazeres que, empiricamente, são passados de geração para
geração de mulheres da família ou outros grupos de mulheres.
É preciso resgatar a memória das avós, para nos recordamos de um tempo em que a costura
fazia parte dos afazeres domésticos realizados no interior do lar, para em seguida entender que as
transformações tecnológicas, demográficas e do mundo do trabalho afetam e constituem o mundo
atual em que vivemos. É claro que, antes da instalação da indústria de roupas prontas para vestir, as

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Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria. Bacharela
em Ciências Sociais pela mesma instituição, Santa Maria/RS, Brasil.

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mulheres precisavam dar conta da demanda de costurar roupas sociais, íntimas de cama e banho à
mão e no ambiente doméstico. Mas será que este cenário desapareceu completamente? Diante dos
estudos etnográficos que venho realizando em minha graduação e mestrado, tenho constatado que o
saber feminino e doméstico da costura vem perdurando de modos distintos de acordo com o tempo
numa perspectiva que pode ser abordada pela etnografia da duração (Eckert; Rocha, 2013). Ou seja,
a costura persiste ao longo do tempo, mas de maneiras diferentes de acordo com cada tempo
histórico. Ora a costura possui centralidade na vida das mulheres, ora ela desaparece por gerações.
Em outros momentos a costura pode também ser aproveitada como uma oportunidade de trabalho
que complementa a renda ou até mesmo que sustenta a casa sendo realizada a domicílio ou nas
grandes fábricas de confecções. Aqui ela passa de apenas saber feminino para um saber feminino
profissionalizado. A costura pode até mesmo ser retomada nos tempos atuais, junto com os
bordados, como uma forma de subversão feminista em que as mulheres ressignificam uma atividade
que por muito tempo foi tomada como mantedora de estereótipos de feminilidade. Como podemos
observar, algumas dessas transformações acontecem em decorrência da profunda industrialização,
ou dizem respeito a oscilações nos estilos de vida e na mudança de ideias. O que aparentemente não
oscilou é o caráter quase que exclusivamente feminino da costura, e com isto alguns elementos de
baixa valorização do trabalho feminino, sejam os trabalhos de costurar, limpar, lavar, passar,
cozinhar ou/e cuidar que muitas vezes acabam se sobrepondo e mesclando-se aos afazeres
cotidianos das mulheres, sem praticamente nenhum tipo de divisão entre o que é o seu trabalho
rentável e o que é o seu trabalho da casa. No texto que se segue, tentarei trazer um apanhado das
minhas próprias memórias sobre o universo da costura - emaranhadas tal como são os afazeres da
mulher - ao meu universo de pesquisa e referencial teórico. A discussão não se esgota e então pouco
conclui, o processo é de construção daquilo que futuramente será minha dissertação de mestrado em
Ciências Sociais.

Memórias costuradas: os afazeres domésticos entrelaçados ao afazer da costura

Apesar da facilidade que possuímos atualmente para adquirir roupas prontas para vestir,
sempre acabamos por recorrer as nossas amigas costureiras para um ajuste ou outro naquela peça
que não vestiu tão bem assim quanto imaginávamos. No entanto, a recorrência as costureiras nem
sempre foi tão reservada aos ajustes, por este motivo, escolhi iniciar este texto centrando-me ora nas
lembranças infantis vividas no meu próprio ambiente doméstico, ora em narrativas de mulheres
costureiras e donas de casa com as quais conversei no intuito de concretizar meu trabalho de

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conclusão de curso na graduação em Ciências Sociais. A costura me acompanha desde criança
quando esta consumia o tempo, a força e a paciência das mulheres que me cuidavam, até o presente
momento em que a tomo como um tema de pesquisa passível de problematização.
Minha avó, Dona Malha , é herdeira de um trabalho feminino que em outros tempos,
caracterizava-se como mais um dos típicos afazeres domésticos realizados dentro dos lares.
Reservada ao lar e comprometida com seu marido, filhos e filhas (onze no total), Malha costurou
durante toda a sua vida. Em meus pensamentos, recordo-me do piso em parquet de madeira coberto
de lã e se eu fechar os olhos quase dá para ouvir as escovas de fazer a malha rangendo o seu árduo
trabalho. Lembro do barulho, daquele bater contínuo da máquina de costura que ocupava seu
cantinho nada discreto na sala de estar. Hoje em dia, suas filhas ainda mantém guardadas os
bordados de flores, os tricôs, os crochês e as rendas. Minha mãe, Dona Veludo, passara pelo mesmo
processo de aprendizagem da costura que minha avó, mas devido à anatomia de suas mãos (fortes e
grandes) somada a sua falta de paciência aos detalhes, preferiu dedicar-se aos outros trabalhos
domésticos que lhe eram reservados (lavar a roupa, escovar o chão, cozinhar, cuidar da plantação,
alimentar os animais, cuidar dos irmãos mais novos e lá se foi o dia com os afazeres diários...),
recorrendo ao trabalho da costura, atualmente, somente quando se trata de remendos ou do pregar
de botões. Talvez por estes motivos, circulávamos tanto entre as casas de costureiras do nosso
bairro. Lembro da Dona Poliéster, conhecida de minha mãe dos tempos em que ambas moravam e
trabalhavam no campo. Poliéster foi responsável pela confecção e bordados de todas as roupinhas
de bebê que tínhamos em casa (aquelas que foram de meus irmãos e posteriormente minhas).
Babadores, casaquinhos, toalhinhas, macacões, micro meias e calças, todas as peças bordadas e
cuidadosamente combinadas entre si. Já Dona Flanela - vizinha e amiga de todas as mulheres que
aqui já foram citadas - fora responsável pelas mantas e todas as demais roupinhas feitas de lã.
Flanela fazia os seus trabalhos de costura, mas também fazia bolos de chocolate deliciosos. Quando
minha mãe tinha algum compromisso, deixava-me na casa de Dona Flanela. Cresci ao lado de sua
filha mais nova, sentindo o cheiro de suas guloseimas, cozinhadas no intervalo das encomendas de
alguma cliente, enquanto também “reparava” a nós, as crianças. O reparo aqui possui tom de
cuidado.
Ao pensar, então, nos afazeres dessas mulheres, não posso deixar de pensar no trabalho que
é doméstico, incessante, maternal e unicamente feminino. As tantas mulheres como Malha, Veludo,
Poliéster e Flanela e suas tarefas domésticas ininterruptas na vida diária e por anos e mais anos
hereditárias, são muitas vezes o suporte emocional e logístico necessário para que as famílias se

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mantenham e se sustentem como tal. Dedicar-se ao cuidado da casa e da família é um trabalho que
dura 24 horas diárias, em todos os 365 dias no ano, com férias inexistentes e sem nenhum tipo de
remuneração. O trabalho é incessante, elas limpam a casa, cozinham, cuidam dos filhos, dos
animais de estimação, do marido e uma das outras quando precisam. Costuram, tricotam e bordam
histórias em algodão com linhas coloridas por dentro dos bastidores. Os bastidores do trabalho
invisível.
Perceber que os trabalhos domésticos e de cuidado são pertencentes ao mundo dos
bastidores porque não são valorados pode parecer contraditório se reconhecermos que eles fazem
parte do ato de reproduzir a força de trabalho e então, a vida humana. O trabalho da costura, talvez
em menor grau, similarmente pode ser pensado como um trabalho essencial para a manutenção da
nossa sociedade e que também é desempenhado na maioria das vezes por mulheres. Desta forma, tal
reflexão implica necessariamente que se percorram as nuances dos trabalhos realizados por estas
mulheres a fim de não apenas reconhecer que são pouco reconhecidos, mas também para buscar
compreender o porquê desta circunstância.

Analisando o trabalho das mulheres costureiras à luz da literatura sobre o cuidado

A costura não constitui o cuidado, mas configurando-se ambos como diferentes saberes
femininos, o cuidado constitui a vida das mulheres que costuram. Vale ainda ressaltar que nunca foi
de minha intenção focar na categoria de cuidado, mas no momento em que este se sobressaiu,
tornou-se inevitável não olhar para o que o trabalho de campo me mostrava. Por isso, tentei aqui,
evidenciar como ambos estão presentes na vida de algumas mulheres. São trabalhos pesados,
afetivos e essenciais para a manutenção e organização da vida em sociedade. Desenvolverei melhor
o argumento a partir das linhas que se seguem.
Começo relembrando o que a psicóloga social Pascale Molinier nos traz em seu texto “Ética
e trabalho do care” publicado no ano de 2012. Nele, ela busca nos apresentar o care (cuidado)
como um savoir-faire (saber-fazer) discreto, no sentido de explicitar a problemática deste trabalho
invisibilizado. Molinier apresenta o argumento de que quando um trabalho é bem feito, ele não se
torna visível, ou seja, “seu sucesso depende em grande parte de sua discrição, ou seja, da supressão
de seus rastros.” (Molinier, 2012, p.33) Os savoir-faire discretos, neste sentido, são tratados como
meras gentilezas, simpatias, etc. A autora prossegue, faz nos pensar que todas as pessoas em alguma
época de suas vidas já foram servidas (cuidadas) por alguma familiar, quer dizer, mesmo que não

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sejam diretamente solicitadas, algumas mulheres vem desempenhando o papel de nutrir e cuidar das
demais pessoas. Isso leva a inteligente comparação do care com as cenas do filme “La Belle et La
Bête” (1946) dirigido pelo surrealista Jean Cocteau. No filme, não existem serviçais para
desempenharem o trabalho de pôr a mesa e servir as pessoas, assim, candelabros, bules, xícaras e
bandejas ganham vida através de feitiços, assim o trabalho é magicamente realizado por alguém
fantasmagórico, ou seja, que não aparece, é reduzido ao seu “órgão-função” e que por isso “não
existe”.
De uma maneira associativa, quando pensamos em cuidado, imaginamos quase que
imediatamente as cuidadoras e/ou enfermeiras que, literalmente, cuidam de pessoas idosas e
enfermas. Entretanto, mesmo que estas sejam ocupações feminilizadas no mercado de trabalho, o
cuidado percorre a vida das mulheres em todas as instâncias, sejam elas manifestas na esfera
profissional, no cuidado materno ou no cuidado doméstico (ato de cuidar da casa ou até mesmo da
confecção de roupas para a família e para o restante da sociedade). A título de exemplo, uma das
interlocutoras de minha pesquisa, Dona Organza2, contara-me que ainda quando criança costurava
roupinhas para as suas bonecas e que mais tarde, cumprindo o seu “destino feminino”, passou a
costurar o mesmo estilo de roupinhas que costurava para as bonecas, mas desta vez, para os seus
filhos com a finalidade do cuidado materno.
Deve-se salientar que, apesar da costura parecer comportar apenas delicadeza, ela carrega
em cada ponto cruz um aprendizado cheio de significados, cuidados, saberes femininos e
geracionais. Compreender, portanto, o trabalho das mulheres que costuram, envolve análises
complexas, que num exercício de reflexão poderíamos comparar com a categoria de cuidado, a qual
a professora de Ciência Política Joan C. Tronto nos leva a tomá-la como uma carga de trabalho
pesada e afetiva (Tronto, 2009, p.188).
Categoricamente, analisaremos primeiro a carga de trabalho pesado da costureira. Em meu
trabalho de conclusão de curso, pesquisei narrativas sobre o trabalho de homens alfaiates e
mulheres costureiras. Diferentemente das narrativas masculinas (centradas no mundo do trabalho
fora de casa), as mulheres com quem conversei, mesclavam suas experiências profissionais a
sentimentos e emoções que envolviam o universo familiar. Em cada bordado, uma história, amores
e desamores, biografias anônimas de mulheres comuns, lembranças da juventude e experiências
cotidianas do cansaço causado pelas demandas do trabalho no lar. Isso porque mesmo o seu

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De seda ou poliéster brilhosos, como ouvi por aí, o tecido organza configura-se como um tecido “econômico e cheio
de requinte”. A mulher que o leva de codinome nunca teve muitas condições financeiras em sua vida, mas, nem por isso
deixou de ser uma mulher vaidosa, ajeitada e “requintada”.

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trabalho gerador de lucro, se dá aqui de maneira informal, sem os atributos necessários para se
garantir qualquer direito trabalhista. Dessa forma, o trabalho da costura entrelaça-se com os
afazeres domésticos.
Como é sabido de outras literaturas, o trabalho doméstico pode ser traduzido como o
trabalho “sujo, perigoso e degradante” 3. No caso das costureiras, o trabalho pesado se desenvolve
na maioria das vezes quando estas mulheres se encontram sentadas em frente as suas máquinas de
costura, as atividades manuais são executadas com minuciosidade e acabam por exigir um
acompanhamento visual aguçado, é a partir daí que os problemas de visão começam a aparecer.
Devido aos longos períodos de trabalho numa posição de repetição, o pescoço e as costas ficam
comprometidos com tensões. As mãos (calejadas pelas tesouras e agulhas) também podem estar
sujeitas a dores assim como as pernas estão mais sujeitas ao aparecimento de varizes.
O valor do trabalho dispêndio para cuidar e criar uma criança e de todo o âmbito familiar -
incluindo aqui os afazeres da casa, portanto, o trabalho da costura doméstica4 também - sempre foi
um valor inferior se comparado com outros tipos de trabalho, e que de acordo com a socióloga
estadunidense Arlie Hochschild, isso não acontece porque o trabalho de cuidado é mais simples, ou
se constitui um labor facilitado, ou ainda que exista pouca necessidade dele na sociedade, “mas
resulta de uma política cultural baseada na desigualdade” (Tradução livre, 2008, p.283), ainda
segundo a autora, “o escasso valor que se atribui ao trabalho de cuidar pessoas mantém baixo o
status das mulheres que o fazem e em última instância, o valor de todas as mulheres.” (Tradução
livre, 2008, p.284)
Quando a autora espanhola Cristina Veja Solís, no texto “Culturas Del cuidado em
transición” refere-se à categoria do cuidado como uma atividade que sempre esteve, apesar de sua
aparente invisibilidade, no centro de nossa existência, a autora quis dizer que o cuidado está em
tudo. E os slogans comerciais estão aí para que nos lembremos disso, são as linhas “baby care”,
“com uma proteção segura, suave e eficaz, com todo o carinho que o seu bebê merece”;
“transforme a hora do banho do seu bebê num momento de cuidado e hidratação com o sabonete
x,y,z” ou mesmo com os produtos de limpeza da casa “clean care”, amaciantes “soft care”, etc., e
se formos ainda mais longe, podemos pensar no cuidado de si com alguns produtos de higiene
pessoal. Em suma, o cuidado nos circunda e nos constitui, está entre o assalariado e o não

3
Ver HSIAO-HUNG, Pai.
4
Sendo o trabalho da costureira, um saber feminino, passado de mãe para filha numa dinâmica afetiva e um labor
corporal pesado, mesclado com as lidas domésticas, entendo o universo afetivo como de extrema relevância para
compreensão do universo social daquelas mulheres que busco como colaboradoras da minha pesquisa.

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assalariado, o público e o privado, a família e o Estado, o formal e o informal e é, sobretudo, uma
forma de trabalho que envolve uma dinâmica de afetos.
Parecido com o care savoir-faire de Molinier, Hochschild retrata criticamente o cuidado do
modelo tradicional de pensar da sociedade como algo que não requer esforço, que funciona
naturalmente bem, e que por funcionar tão bem, acaba por evocar um determinado ideal: aquele que
atribui o cuidado ao feminino - embora seja verdade que a autora também venha afirmando que este
trabalho feminino tem ganhado cada vez mais importância nos dias atuais, uma vez que, o amor e o
cuidado passaram a ser o “novo ouro” extraído dos países mais pobres e transportado para os países
mais ricos, no movimento de migração das mulheres que cuidam.
Esta noção de que o cuidado da casa e da família deve ser realizado exclusivamente pela
mulher produz certa afetividade, em consequência de que a natureza do cuidado é a de um trabalho
emocional (que envolve afetos, emoções e amores). Explorado então nas relações que ocorrem entre
a mulher que cuida e aqueles que recebem o seu cuidado, o trabalho emocional gasto para a
realização dos afazeres do lar e de cuidar não são vistos como trabalhos que possuem valor e
precisam de remuneração.
O sociólogo brasileiro Joaze Bernardino-Costa em resenha do livro “Migration, Domestic
Work and Affect: a decolonial approach on value and the feminization of labor” (2012) de
Encarnación Gutiérrez-Rodríguez, escreve que o trabalho realizado pelas donas de casa é um tipo
de trabalho afetivo justamente por estar envolvido com a produção de bem estar do conviver, por
este motivo, o cuidado (por conseqüência, o afeto) com outras pessoas é um atributo inerente do
trabalho doméstico. Em seu texto, o autor traz ainda a importante reflexão de Gutiérrez-Rodríguez
sobre o contraste existente entre afeto e emoções. Segundo ele, a autora busca no filósofo
neerlandês Baruch Spinoza a conceitualização de afeto, que está ligado à mobilização, ação, ímpeto,
etc. Já as emoções estariam mais relacionadas com a intenção de ser simpático e atento com outras
pessoas, portanto, seria um exercício de produzir o bem estar.
Como a palavra latina sugere, affectus remete ao impacto que sentimentos de tristeza e de
alegria, por exemplo, deixam sobre nossos corpos e pensamentos. Consequentemente,
nossa energia cresce ou diminui conforme esses sentimentos. Portanto, os afetos são pré-
linguais e pré-cognitivos. [...] Afeto tem um lado menos cognitivo e racional, emerge nas
reações corporais e nas transmissões de sentimentos, deixando e/ou sentindo as energias
dos corpos dos sujeitos e do ambiente. (BERNARDINO-COSTA, 2012, p. 451)

Tomando consciência das reflexões acerca desta discussão, podemos inferir que os trabalhos
de cuidar se fazem sempre se não com afeto, pelo menos com trabalho emocional. O trabalho “com
açúcar e com afeto”, para mencionar a música de Chico Buarque “Logo vou esquentar seu prato/

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Dou um beijo em seu retrato/ E abro os meus braços pra você”, que retrata aquela mulher que faz
de sua vida o cuidado da casa e a espera do marido com seu doce predileto, incluindo em seus
afazeres incessantes um “qual o quê” de efetividade, embora seja bastante lembrada na literatura, na
poesia e na melodia, necessita agora que seu trabalho seja reconhecido para além de um gesto
intrínseco de amor.

Referências

BERNARDINO-COSTA, JOAZE. Migração, trabalho doméstico e afeto. Cadernos pagu, n. 39, p.


447-459, 2012.
DE PAIVA ABREU, ALICE R. O avesso da moda: trabalho a domicílio na indústria de confecção.
Editora Hucitec, 1986.
HOCHSCHILD, ARLIE RUSSEL. La mercantilización de la vida íntima: Apuntes de la casa y el
trabajo. Katz editores, 2008.
MALERONKA, WANDA. Fazer roupa virou moda: um figurino de ocupação da mulher, São
Paulo 1920-1950. Editora Senac Sao Paulo, 2007.
MOLINIER, PASCALE. Ética e Trabalho do Care. In: HIRATA e GUIMARÃES (org). Cuidado e
Cuidadoras. As várias faces do Trabalho do Care. São Paulo: Atlas, 2012.
PAI, HSIAO-HUNG. An ethnography of global labour migration. Feminist Review, v. 77, n. 1, p.
129-136, 2004.
ROCHA, ANA LUIZA CARVALHO DA; ECKERT, CORNELIA. Etnografia da duração:
antropologia das memórias coletivas nas coleções etnográficas. Porto Alegre: Marcavisual, 2013.
SOLÍS, CRISTINA VEGA. Culturas del cuidado en transición: espacios, sujetos e imaginarios en
una sociedad de migración. Editorial UOC, 2009.
TRONTO, JOAN C. Mulheres e cuidados: o que as feministas podem aprender sobre a moralidade
a partir disso. Gênero, corpo, conhecimento, p. 186-203. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos,
1997.
VERDIER, YVONE. Façons de dire, façons de faire: La laveuse, la couturière, la cuisinière. 1979.

“Tying up home loose ends”: An ethnographic study of domestic knowledges and practices
among women who sew

Astract: In the investigation of the work of sewing with men and women, I was able to observe that
women's work are only seen as "help" for tailors, or as a hobby for girls. That means that, in
professional matters, they are considered as jobswith less technical rigor and therefore ending up
being saw as less qualified when compared to the work of men. The prime reason why the work of
sewing women is seen as "minor" work is due to the fact that men tailors perform their craft outside
their houses (or they used to perform in the face of the present shortage of the tailor's profession), or

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at least without the commitment to domestic activities,while women have their work environment in
their own homes: living rooms are transformed into small sewing ateliers, where oddmentsall over
the floor form new carpets and the sound of the sewing machine blends in with the audio of the
eighto'clocksoap opera. Thus, the sewing activity becomes confused and mixed with domestic work
and care - gradually relegated to the feminine. Finally, I understand this domestic space as an
important generator of knowledges and practices that constitute, systematically, in a feminine
transmission network. In face of the transformations of the labor, technological and demographic
world that affect it, I wonder how the practice of sewing still endures and construct, or deconstruct,
itself in the women’s daily life?
Keywords: Sewing. Care. Knowledge and practices.

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