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ABSTRACT: The Qorpo-Santo‟s work can not be classified in any movement or school of
your age or even in aesthetics manifestations after. His text‟s selection named Ensiqlopédia
ou seis mezes de huma enfermidade, organized and printed by the gaucho playwright himself,
is composed by comic plays, treatises about justice and health, by studies about the gospels
and even notes and recipes, what anticipated a characteristic that would appear only a century
after his death, in modern and contemporary‟s publications. In his plays there is not a logical
structure which permeates and even an story which develops clearly, what makes that the
classifications made by his researchers disagrees when they try to classify in a pre-existing.
Discovered and played only a century after his death, the Qorpo-Santo‟s theater still raises
discussions between those that tried to study and understand him, because it‟s not possible to
know if he wanted to criticize the romantic aesthetics in vogue on that period of it his writes
are only a product of his psychological disorders. For this paper we propose to analysis the
play Um parto, using as theoretical basis Eudinyr Fraga (1988), one of the fell researchers that
recognize Qorpo-Santo as a surrealist writer, as he uses constantly the “psychic automatism”
on his text, characteristic that would mark the surrealism aesthetics.
KEY-WORDS: Nonsense theater, Qorpo-Santo, Surrealism.
1 INTRODUÇÃO
Este texto tem por objetivo a tessitura de um breve estudo sobre os elementos
estruturais peça Um parto, de José Joaquim de Campos Leão, o Qorpo-Santo (alcunha
ISSN 2175-943X
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adotada pelo próprio autor) e que está presente no livro Teatro Completo (1980), organizado
por Guilhermino César.
Qorpo-Santo nasceu em Vila do Triunfo, interior do Rio Grande do Sul, no ano de
1840, em Porto Alegre. Foi comerciante, vereador na cidade de Porto Alegre e professor xxx
(ver). Por conta desta última profissão, Qorpo-Santo propôs num tratado uma nova ortografia
para a língua portuguesa, a qual teria características fonéticas, já que a grafia se basearia no
som das palavras, o que facilitaria a vida daqueles que estavam sendo alfabetizados.
Este seu tratado sobre ortografia, suas peças e mais uma infinidade de textos dos
mais diferentes gêneros estão presentes em uma compilação editada pelo próprio autor
denominada Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade. Segundo estudiosos do seu
teatro, em 1861 (ver) começam a manifestar-se os primeiros sinais de seus transtornos
psíquicos. Qorpo-Santo é então afastado de suas atividades de ensino e interditado
judicialmente a pedido da própria família. O isolamento social parece incitá-lo a escrever
febrilmente, e o leva a constituir sua própria gráfica, na qual viabiliza e edita sua produção
textual. A Ensiqlopédia é, portanto, o produto desta sua reclusão forçada e um meio de se
retratar perante àquela sociedade que o julgou.
O título proposto pelo autor para a reunião de toda a sua produção escrita vem a
calhar se se pensar em seu conteúdo. Segundo o dicionário Houaiss, enciclopédia é um “1.
conjunto de todos os conhecimentos humanos; 2. obra que reúne todos os conhecimentos
humanos ou apenas um domínio deles e os expõe de maneira ordenada, metódica, seguindo
um critério de apresentação alfabético ou temático” (HOUAISS, 2004, p.1136). Qorpo-Santo
reuniu todos seus escritos nesta compilação, procurando classificá-los por gêneros e/ou temas,
o que anteciparia uma característica da produção literária contemporânea, que se caracteriza,
por vezes, na reunião de diversos textos de diferentes gêneros em uma só obra, sem que um
gênero se sobressaia em relação ao outro.
Apesar de ter sido editada pelo próprio autor, a Ensiqlopédia só teve seu
reconhecimento décadas depois, quando alguns volumes foram encontrados. Segundo
Guilhermino César (1980), foi necessário quase cem anos, a partir da publicação original dos
textos do autor gaúcho do século XIX, para que sua obra conquistasse reconhecimento e
passasse a ser estudada. Isto se deu devido aos esforços de muitos intelectuais que assim o
quiseram e para tal trabalharam, na década de 1960, tanto para organizar a obra de Qorpo-
Santo, levá-la ao público por meio de publicações e de encenações das comédias.
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Suas personagens são sempre projeção dele próprio, e com ele muitas vezes
se confundem, como observamos pelo conhecimento de sua biografia.
Inclusive, deixam a categoria de personagens e assumem um tom discursivo,
lamentando as infelicidades e as injustiças sofridas pelo criador. Por outro
lado, não tem preocupações estéticas. Suas lamúrias estão sempre a um nível
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Muniz dá exemplo os autos das Barcas, de Gil Vicente, nos quais as alegorias do
Anjo e do Diabo estão sempre em cena, dentro de um cenário fixo, a praia ou a ribeira,
recepcionando as almas que deverão embarcar, ou na barca do céu ou na barca do inferno. A
encenação linear, respeitante das regras das unidades de tempo, espaço e ação, é, nesses casos,
desconsiderada, dando lugar a uma encenação espetacular, que lembra os desfiles dos momos
medievais.
Outro exemplo, no teatro de Gil Vicente e também de Qorpo-Santo refere-se a
estrutura não linear, em que as cenas possuem grande independência, não convergindo para
um único fim.
que com ela possa viver sem formalidades religiosas. Segundo a personagem, mulher pobre
não lhe serve, “há de ser rica, formosa, e asseada; senão, nem assim combino, me combino...
ou... concubino! Tri, tri, tri....” (QORPO-SANTO, 1980, p. 109). Surpreendente é a saída do
personagem, que ocorre de forma inusitada: “Faz duas ou três piruetas, tocando castanholas, e
sai aos pulinhos” (QORPO-SANTO, 1980, p.109).
Para Aguiar (1975) Qorpo-Santo constrói um teatro da paralisia, em que o pano de
fundo da moralidade vigente é antagonizado pelo desenrolar dos acontecimentos, em atropelo
da possível lógica de seus enredos, nas peças de Qorpo-Santo o ritmo do tempo se mostra
caótico demais para que dele possa nascer, “espontaneamente”, qualquer conclusão lógica.
No teatro de Qorpo-Santo, cada uma de suas personagens surge como um dos veículos de sua
vingança contra o meio social e os desajustes humanos.
Ainda na quarta cena, retorna o personagem Cario que troca o verbo “transformar”
por “transtornar” e demonstra-se confuso com relação à sua produção intelectual – uma
comédia.
O segundo ato tem por cenário um quarto de estudante. Na primeira cena deste ato
dialogam os personagens Melquíades, Guindaste, Galante e Ruibarbo. O personagem
Melquíades chama por criadas que ainda dormem. A linguagem empregada parece beirar
entre o absurdo e a do nonsense:
Que judias! São (abrindo o relógio) nove horas do dia, cinco da tarde, duas
da noite, seis da madrugada, e ainda dormem! - É muito, muitíssimo grande,
(figurando com as mãos o tamanho) grandíssimo dormir! - Manuel!
Antônio! Mercúrio! Ninguém fala; está tudo em silêncio... em silêncio
profundo!... Profundíssimo! Pois - Résquiés d'impace nas catacumbas do
cemitério do Corpo-santo na cidade do Porto, Portugal dos portugueses –
para vocês todos! Que os levem 30.000 diabos e demônios para os mais
fundos infernos lá do outro mundo: pois cá nos deste ainda vocês me
poderiam incomodar! (QORPO-SANTO, 1980, p. 110).
O personagem Guindaste reclama de mal-estar: “Há três dias que ando incomodado;
ora do estômago, ora dos intestinos, ora das barrigas [...] ah! são duas, é plural - das pernas e
da cabeça [...]”(QORPO-SANTO, 1980, p. 109). O dramaturgo tem o mérito de ter criado
comédias totalmente nonsense em pleno século XIX, cuja intenção parece ser retratar o
cotidiano com um espírito cômico, satírico.
O personagem Galante acorda incomodado com um carrapicho e segue xingando as
lavadeiras, enquanto o personagem Ruibarbo insinua que Galante deve pagá-las de outra
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forma, ao que ele responde que as tem pagado, mas é interrompido com insinuações. O
curioso é que o dramaturgo era um conservador empedernido, segundo seus estudiosos. Só
quando escrevia, o monarquista José Joaquim de Campos Leão dava lugar ao anárquico
Qorpo-Santo:
GALANTE - Pois de outro modo, não sei. Não o entendo. Eu sou inglês, e
inglês de muito boas raças! Portanto não vivo... vivo de mistérios.
RUIBARBO - Pois és um tolo. Estuda a lavadeira, faz- lhe elogios, mostra-te
a ela afeiçoado, e verás como ela te trata, te lava, te goma admiravelmente!
MELQUÍADES - (para Galante) Que hei de eu estudar hoje?
GALANTE - Estuda disciplina.
MELQUÍADES - Assim eu sou tolo! (QORPO-SANTO, 1980, p. 111).
Guindaste revela que Melquíades é estudante, casado e com filhos e insinua que está
velho para estudar, reforçando valores de uma sociedade conservadora de seu tempo:
“GALANTE - (para Guindaste) Pois tu és casado!? Ainda agora é que sei! Pois o Melquíades
já tinha filhas moças!? Ainda mais esta - estudante casado e com filhos!” (QORPO-SANTO,
1980, p. 111). A cena termina com os estudantes saindo para as aulas enquanto Ruibarbo fica
arrumando o quarto e falando sobre ir à aula de Retórica e escrever sua comédia.
A segunda cena deste ato tem início com os estudantes retornando ao quarto.
Melquíades repreende Ruibarbo de não ter ido à aula. As cenas em que aprecem livros e
textos escritos são constantes, talvez remetam a dados autobiográficos. O diálogo basicamente
se constitui em uma série de vitupérios lançados um contra o outro, e ditos de forma a
provocar o riso. As rubricas indicam a acentuação do gestual, que serve para corroborar o
esdrúxulo da linguagem.
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Neste trecho pode-se Qorpo-Santo explica que procura conhecer o que lhe é
necessário. Talvez, ao denominar sua coletânea com o nome de “enciclopédia”, o dramaturgo
dava a entender que todos os conhecimentos (necessários) estavam contidos em sua
Ensiqlopédia, já que nesta continha exemplos de diferentes gêneros, aqueles que são
importantes para o autor. Ainda na mesma réplica, ao pensar sobre os conteúdos importantes
de se conhecer, o gaúcho ainda reflete sobre a sua condição de escritor e o processo da escrita
literária.
O terceiro ato abre a primeira cena com uma personagem denominada “Uma
Mulher” que ouve gemidos e ao investigar descobre que uma cabrita acabara de dar a luz três
cabritinhos. O diálogo se dá entre esta personagem, Mequíades e a criada, pois a mulher
resolve trazer os cabritinhos para o quarto dos estudantes: “É a cabritinha de minha avó, tia, e
irmã, que acaba de parir três cabritos. Ei-los (Atira-os ao cenário)” (QORPO-SANTO, 1980,
p. 123).
Alfredo Bosi observa que “‟a ”loucura‟ e o nonsense devem, pois, ser historicizados
à luz do contexto familiar do século XIX e, mais largamente, à luz dos conflitos entre o
capricho individual e a conduta instituída; conflito de que a farsa é expressão e válvula de
escape." (BOSI, 2003, p. 274).
Aparentemente, os personagens não apresentam uma identidade coerente, e suas
ações são as mais desvairadas: ateiam fogo no cenário, soltam cabritos no palco, espancam-se
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uns aos outros. O elemento de unidade da peça é dado exclusivamente pelo espaço onde as
ações transcorrem, o quarto.
Na segunda cena aparecem Ruibardo, Guindaste, Galante e Melquíades que
descrevem o nojo sobre os cabritinhos no quarto. Melquíades os convida a saírem para verem
mulheres e é criticado pelos amigos.
Mequíades retorna e dá uma aula aos demais sobre o que observou na rua, sobre os
modos de viver em sociedade. Depois deita-se para dormir enquanto os colegas de quarto
discutem sobre a personalidade de Melquíades:
GUINDASTE - E para prova de tudo isto, vejam o que ele fez hoje: saltou;
pulou; dançou; fez o diabo, como estudante! Depois aconselhou, ensinou,
pregou, fez-se santo, como Filósofo! Ultimamente, relampagou, iluminou
como rei! E agora, como acabam de ver, atirou-se naquela cama, como um
cansado estudante; ou qualquer outro ente de vida pouco séria, e
bruscamente no cobertor se enrolou. (QORPO-SANTO, 1980, p. 130).
fundo da encenação pode-se encontrar ou sugerir significados, de caráter temático, para o todo
da peça. A partir do título Um parto, pode-se ao nojo descrito pelos estudantes, um deles
parece estudante de medicina quanto pode remeter ao “parto” de uma obra literária: “Este
tríplice parto inusitado de uma cabra significando o mistério, mesmo „nojento‟, da própria
criação artística. Não há o feio ou o bonito em arte, há a sua força expressiva”
(EVANGELISTA, 1984, p.161). O grupo de estudantes pode também personificar o engano,
a dúvida sobre as teorias, daí as personagens parecerem ridículas e suas ações se
circunscreverem ao campo da caricatura e da farsa.
4 CONCLUSÃO
José Joaquim de Campos Leão, Qorpo-Santo, parece ser a figura mais controvertida
da dramaturgia nacional. Sua obra ora é apontada como produto de uma mente inferior
perturbada pela doença mental, ora como produto de uma mente genial que não é
compreendida.
Os trabalhos críticos acerca do teatro de Qorpo-Santo estão constantemente
apontando certa desordem na estruturação de suas peças, compostas por cenas que não se
conectam, com pouca coesão, e por enredos com mais de uma linha narrativa, que se
complementam pela justaposição ou pela alternância, o que acaba por dar às peças uma
unidade precária. Por sinal, este é o adjetivo escolhido por Aguiar (1975) para qualificar os
personagens do dramaturgo gaúcho. Observando a problemática da organização estrutural da
obra de Qorpo-Santo, afirma o crítico que o teatrólogo não manipulava muito bem certos
conceitos técnicos da dramaturgia de seu tempo – como o de cena, por exemplo, que
identifica um número constante de personagens sobre o palco e uma determinada situação
dramática. As personagens entram e saem sem que haja qualquer mudança de cena. As cenas
mudam sem que haja alteração entre as personagens.
O cômico, nas peças, se estabelece no diálogo ora por meio do recurso à ironia; ora
pelo palavreado baixo; ora pelos indicativos das rubricas. A linguagem é elemento
fundamental na constituição do farsesco, assim como na caracterização do ridículo das
personagens e na inversão das idéias, o que seria um parto esperado para uma ação humana
trata do inusitado: um parto de um animal.
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