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I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e

X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011


UNIOESTE – Cascavel/PR

O teatro nonsense de Qorpo-Santo: Um parto

GALANTE, Camylla (PG - UNIOESTE – Bolsista CAPES)


ASSINI, Tânia K. Alves (G - FAP – Bolsista PIC)

RESUMO: A obra de Qorpo-Santo não é passível de ser classificada em nenhum movimento


ou escola de sua época e nem mesmo em manifestações estéticas posteriores. Sua coletânea de
textos intitulada Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade, organizada e impressa
pelo próprio dramaturgo gaúcho, é composta por peças cômicas, por tratados sobre a justiça e
a saúde, por estudos sobre os evangelhos e até mesmo por bilhetes e receitas, antecipando
uma característica que apareceria somente um século depois de sua morte, nas publicações
modernas e contemporâneas. Em suas peças não há uma estrutura lógica que as permeie e
nem mesmo um enredo que se desenvolva claramente, o que faz com que haja divergências
entre seus estudiosos quando estes tentam encaixá-las em uma escola pré-existente.
Descoberto e encenado somente um século após a sua morte, o teatro do dramaturgo gaúcho
ainda suscita discussões entre aqueles que se dispuseram a estudá-lo e a compreendê-lo, já
que não se sabe quais foram as motivações do autor, se ele pretendia fazer uma crítica à
estética romântica em voga na época ou se suas produções são frutos de transtornos psíquicos.
Para este texto propomos um recorte analítico da peça Um parto, sob a ótica dos teóricos
Eudinyr Fraga (1988). Um dos poucos estudiosos do dramaturgo a reconhecer Qorpo-Santo
como autor surrealista, por este fazer uso constante em seu texto do chamado "automatismo
psíquico", que marcaria a corrente estética surrealista.
PALAVRAS-CHAVE: Teatro nonsense, Qorpo-Santo, Surrealismo.

ABSTRACT: The Qorpo-Santo‟s work can not be classified in any movement or school of
your age or even in aesthetics manifestations after. His text‟s selection named Ensiqlopédia
ou seis mezes de huma enfermidade, organized and printed by the gaucho playwright himself,
is composed by comic plays, treatises about justice and health, by studies about the gospels
and even notes and recipes, what anticipated a characteristic that would appear only a century
after his death, in modern and contemporary‟s publications. In his plays there is not a logical
structure which permeates and even an story which develops clearly, what makes that the
classifications made by his researchers disagrees when they try to classify in a pre-existing.
Discovered and played only a century after his death, the Qorpo-Santo‟s theater still raises
discussions between those that tried to study and understand him, because it‟s not possible to
know if he wanted to criticize the romantic aesthetics in vogue on that period of it his writes
are only a product of his psychological disorders. For this paper we propose to analysis the
play Um parto, using as theoretical basis Eudinyr Fraga (1988), one of the fell researchers that
recognize Qorpo-Santo as a surrealist writer, as he uses constantly the “psychic automatism”
on his text, characteristic that would mark the surrealism aesthetics.
KEY-WORDS: Nonsense theater, Qorpo-Santo, Surrealism.

1 INTRODUÇÃO

Este texto tem por objetivo a tessitura de um breve estudo sobre os elementos
estruturais peça Um parto, de José Joaquim de Campos Leão, o Qorpo-Santo (alcunha

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adotada pelo próprio autor) e que está presente no livro Teatro Completo (1980), organizado
por Guilhermino César.
Qorpo-Santo nasceu em Vila do Triunfo, interior do Rio Grande do Sul, no ano de
1840, em Porto Alegre. Foi comerciante, vereador na cidade de Porto Alegre e professor xxx
(ver). Por conta desta última profissão, Qorpo-Santo propôs num tratado uma nova ortografia
para a língua portuguesa, a qual teria características fonéticas, já que a grafia se basearia no
som das palavras, o que facilitaria a vida daqueles que estavam sendo alfabetizados.
Este seu tratado sobre ortografia, suas peças e mais uma infinidade de textos dos
mais diferentes gêneros estão presentes em uma compilação editada pelo próprio autor
denominada Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade. Segundo estudiosos do seu
teatro, em 1861 (ver) começam a manifestar-se os primeiros sinais de seus transtornos
psíquicos. Qorpo-Santo é então afastado de suas atividades de ensino e interditado
judicialmente a pedido da própria família. O isolamento social parece incitá-lo a escrever
febrilmente, e o leva a constituir sua própria gráfica, na qual viabiliza e edita sua produção
textual. A Ensiqlopédia é, portanto, o produto desta sua reclusão forçada e um meio de se
retratar perante àquela sociedade que o julgou.
O título proposto pelo autor para a reunião de toda a sua produção escrita vem a
calhar se se pensar em seu conteúdo. Segundo o dicionário Houaiss, enciclopédia é um “1.
conjunto de todos os conhecimentos humanos; 2. obra que reúne todos os conhecimentos
humanos ou apenas um domínio deles e os expõe de maneira ordenada, metódica, seguindo
um critério de apresentação alfabético ou temático” (HOUAISS, 2004, p.1136). Qorpo-Santo
reuniu todos seus escritos nesta compilação, procurando classificá-los por gêneros e/ou temas,
o que anteciparia uma característica da produção literária contemporânea, que se caracteriza,
por vezes, na reunião de diversos textos de diferentes gêneros em uma só obra, sem que um
gênero se sobressaia em relação ao outro.
Apesar de ter sido editada pelo próprio autor, a Ensiqlopédia só teve seu
reconhecimento décadas depois, quando alguns volumes foram encontrados. Segundo
Guilhermino César (1980), foi necessário quase cem anos, a partir da publicação original dos
textos do autor gaúcho do século XIX, para que sua obra conquistasse reconhecimento e
passasse a ser estudada. Isto se deu devido aos esforços de muitos intelectuais que assim o
quiseram e para tal trabalharam, na década de 1960, tanto para organizar a obra de Qorpo-
Santo, levá-la ao público por meio de publicações e de encenações das comédias.

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2 ESTUDOS SOBRE A OBRA DE QORPO-SANTO

O período em que Qorpo-Santo viveu e compôs suas obras é considerado pelos


historiadores da literatura como o período correspondente ao Romantismo no Brasil.
Enquanto que um José de Alencar e um Martins Pena possuem diversos estudos, aqueles que
se dedicam à pesquisa da obra do dramaturgo gaúcho são muito poucos. Há poucos volumes
editados que tratam especificamente da obra de Qorpo-Santo, normalmente são dissertações
de mestrado ou teses de doutorado, além de alguns ensaios e uma edição da Revista Travessia,
editada pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Entre os poucos estudiosos da obra de Qorpo-Santo destaca-se o editor de seu teatro
completo, Guilhermino César (1980), que busca situá-lo como precursor de modernas
tendências da arte teatral, como o teatro do absurdo.
Os estudos de Flávio Aguiar descrevem a época do relançamento das obras de
Qorpo-Santo. Segundo o crítico, o relançamento foi muito bem recebido pelo público e pela
crítica. Em seu Homens precários, escrito e editado na década de 1970, o autor faz profunda
análise nas peças e no conjunto de trabalhos do dramaturgo. Aguiar observa também a
tendência dos intelectuais em glorificar este dramaturgo como um criador do moderno teatro
do absurdo. Ele analisa em detalhe o teatro de Qorpo-Santo e seus argumentos fogem à
discussão sobre ser Qorpo-Santo o precursor não reconhecido de modernas tendências do
teatro moderno. Para Aguiar, Qorpo-Santo constrói um teatro da paralisia, em que o pano de
fundo da moralidade vigente é antagonizado pelo desenrolar dos acontecimentos, em atropelo
da possível lógica de seus enredos. Nas peças de Qorpo-Santo o ritmo do tempo se mostra
caótico demais para que dele possa nascer “espontaneamente”, qualquer conclusão lógica.
(AGUIAR, 1975, p. 46).
Enquanto Eudinyr Fraga (1988), em trabalho datado nos anos de 1980, defende que
Qorpo-Santo seja enquadrado como autor surrealista, por fazer uso constante em seu texto do
chamado "automatismo psíquico", que caracterizaria aquela corrente estética:

Suas personagens são sempre projeção dele próprio, e com ele muitas vezes
se confundem, como observamos pelo conhecimento de sua biografia.
Inclusive, deixam a categoria de personagens e assumem um tom discursivo,
lamentando as infelicidades e as injustiças sofridas pelo criador. Por outro
lado, não tem preocupações estéticas. Suas lamúrias estão sempre a um nível

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existencial, ou melhor, individual. Sua obra visa satisfazer uma necessidade


interior que a expressão determina. (FRAGA, 1988, p. 120).

Atualmente, Qorpo-Santo é visto como um indivíduo criativo e fora de seu tempo,


não se propõe mais sua suposta intenção como inovador da estética, mas como um artista
envolvido e dedicado intimamente à sua obra, tanto que, por vezes, “sua mente invade os
personagens liberando seu discurso como uma colagem desconexa da lógica da personagem”.
(FRAGA, 1988, p. 120). Porém, em vida, o dramaturgo chocou a sociedade de sua época,
tanto que sua obra teatral só foi apresentada ao público pela primeira vez em 1966 ou 1968,
não se sabe ao certo, através da montagem de três de suas peças. Fraga aborda que:

Se o autor parece ansiar por um mundo em que prevaleçam a ordem e a


obediência aos preceitos religiosos e legais, logo se insinua a malícia e o
deboche, colocando em ridículo tais objetivos e mostrando a precariedade de
nossos juízos. (FRAGA, 1988, p. 122).

Segundo este estudioso, as peças de Qorpo-Santo estão mais próximas do


Surrealismo de André Breton, autor do Manifesto Surrealista, do que do Teatro do Absurdo
de Eugène Ionesco. Um dos argumentos é a presença das divagações dos chamados ''fluxos de
consciência'', método que aparece no Surrealismo do início do século XX como ''automatismo
psíquico puro''.
Fraga aborda que a essência de todo o arsenal cômico de Qorpo-Santo vem de
Martins Pena, tais como: quiproquós, esconderijos dentro dos armários, personagens
caricaturais, “os mesmos velhos preconceitos disfarçados com a máscara da liberalidade.”
(FRAGA, 1988, 120).
Muniz (2005) aponta aproximações entre os teatros de Qorpo-Santo e do dramaturgo
português Gil Vicente. Muniz demonstra que as obras dos dois teatrólogos podem ser
aproximadas, reunindo argumentos que solidificam a hipótese de se considerar a obra de Gil
Vicente como uma das fontes de processo criativo de Qorpo-Santo. O pesquisador lembra que
o teatro de Gil Vicente é fortemente marcado por uma estrutura denominada “processional”.

Das aproximadamente cinco dezenas de peças vicentinas, quase a metade


delas é marcada pela sintaxe teatral da procissão, ou seja, a encenação
organiza-se em torno de uma ou duas personagens, num cenário de modo
geral fixo, e para os quais convergem todas as outras personagens, em
procissão, criando pequenas cenas ou sketches, independentes uma das
outras. (MUNIZ, 2005, p. 216).

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Muniz dá exemplo os autos das Barcas, de Gil Vicente, nos quais as alegorias do
Anjo e do Diabo estão sempre em cena, dentro de um cenário fixo, a praia ou a ribeira,
recepcionando as almas que deverão embarcar, ou na barca do céu ou na barca do inferno. A
encenação linear, respeitante das regras das unidades de tempo, espaço e ação, é, nesses casos,
desconsiderada, dando lugar a uma encenação espetacular, que lembra os desfiles dos momos
medievais.
Outro exemplo, no teatro de Gil Vicente e também de Qorpo-Santo refere-se a
estrutura não linear, em que as cenas possuem grande independência, não convergindo para
um único fim.

3 LEITURA ANALÍTICA DO TEXTO DRAMÁTICO UM PARTO

A peça Um parto de Qorpo-Santo apresenta-se como uma comédia em três atos e as


personagens são denominadas Cario, Florberta, Casto, Melquíades, Guindaste, Galante,
Ruibarbo, Uma mulher, Uma criada, Uma voz.
Na primeira cena aparece o personagem Cario assentado a uma mesa, provando
alguma comida. Pela descrição na rubrica, parece uma massa com desenhos que vão
alimentado os devaneios do personagem, que ao final cansado adormece em uma cadeira de
balanço. Nessa cena, pela voz da personagem o leitor/platéia vai acompanhando uma serie de
lembranças, associadas a observações do dia-a-dia e a fragmentos de memória da
personagem.
Na segunda cena, Cario levanta-se e passa a divagar sobre a dificuldade humana de
conciliação de interesses opostos e da necessidade de vencer os impulsos. O texto termina de
forma quase incompreensível não fosse pela observação do espectador/platéia de que se trata
de alguém fechado e com algum problema de ordem psíquica. A cena termina com o
personagem pegando o chapéu e se retirando. Tudo parece vago e indefinido.
A terceira cena não tem conexão aparente com as anteriores. A cena tem início com a
personagem Florberta refletindo sobre a força do destino. A personagem canta sobre a
intempestuosidade ou a benignidade do destino. Esta cena reforça a idéia de dubiedade das
outras duas cenas inicias e reforça a indefinição ou ambigüidades na peça.
A quarta cena entra o personagem Casto reclamando de ter que viver amigado com
uma mulher para satisfazer o povo. Diz ele que há de mandar fazer uma mulher na olaria para
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que com ela possa viver sem formalidades religiosas. Segundo a personagem, mulher pobre
não lhe serve, “há de ser rica, formosa, e asseada; senão, nem assim combino, me combino...
ou... concubino! Tri, tri, tri....” (QORPO-SANTO, 1980, p. 109). Surpreendente é a saída do
personagem, que ocorre de forma inusitada: “Faz duas ou três piruetas, tocando castanholas, e
sai aos pulinhos” (QORPO-SANTO, 1980, p.109).
Para Aguiar (1975) Qorpo-Santo constrói um teatro da paralisia, em que o pano de
fundo da moralidade vigente é antagonizado pelo desenrolar dos acontecimentos, em atropelo
da possível lógica de seus enredos, nas peças de Qorpo-Santo o ritmo do tempo se mostra
caótico demais para que dele possa nascer, “espontaneamente”, qualquer conclusão lógica.
No teatro de Qorpo-Santo, cada uma de suas personagens surge como um dos veículos de sua
vingança contra o meio social e os desajustes humanos.
Ainda na quarta cena, retorna o personagem Cario que troca o verbo “transformar”
por “transtornar” e demonstra-se confuso com relação à sua produção intelectual – uma
comédia.
O segundo ato tem por cenário um quarto de estudante. Na primeira cena deste ato
dialogam os personagens Melquíades, Guindaste, Galante e Ruibarbo. O personagem
Melquíades chama por criadas que ainda dormem. A linguagem empregada parece beirar
entre o absurdo e a do nonsense:

Que judias! São (abrindo o relógio) nove horas do dia, cinco da tarde, duas
da noite, seis da madrugada, e ainda dormem! - É muito, muitíssimo grande,
(figurando com as mãos o tamanho) grandíssimo dormir! - Manuel!
Antônio! Mercúrio! Ninguém fala; está tudo em silêncio... em silêncio
profundo!... Profundíssimo! Pois - Résquiés d'impace nas catacumbas do
cemitério do Corpo-santo na cidade do Porto, Portugal dos portugueses –
para vocês todos! Que os levem 30.000 diabos e demônios para os mais
fundos infernos lá do outro mundo: pois cá nos deste ainda vocês me
poderiam incomodar! (QORPO-SANTO, 1980, p. 110).

O personagem Guindaste reclama de mal-estar: “Há três dias que ando incomodado;
ora do estômago, ora dos intestinos, ora das barrigas [...] ah! são duas, é plural - das pernas e
da cabeça [...]”(QORPO-SANTO, 1980, p. 109). O dramaturgo tem o mérito de ter criado
comédias totalmente nonsense em pleno século XIX, cuja intenção parece ser retratar o
cotidiano com um espírito cômico, satírico.
O personagem Galante acorda incomodado com um carrapicho e segue xingando as
lavadeiras, enquanto o personagem Ruibarbo insinua que Galante deve pagá-las de outra

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forma, ao que ele responde que as tem pagado, mas é interrompido com insinuações. O
curioso é que o dramaturgo era um conservador empedernido, segundo seus estudiosos. Só
quando escrevia, o monarquista José Joaquim de Campos Leão dava lugar ao anárquico
Qorpo-Santo:

GALANTE - Pois de outro modo, não sei. Não o entendo. Eu sou inglês, e
inglês de muito boas raças! Portanto não vivo... vivo de mistérios.
RUIBARBO - Pois és um tolo. Estuda a lavadeira, faz- lhe elogios, mostra-te
a ela afeiçoado, e verás como ela te trata, te lava, te goma admiravelmente!
MELQUÍADES - (para Galante) Que hei de eu estudar hoje?
GALANTE - Estuda disciplina.
MELQUÍADES - Assim eu sou tolo! (QORPO-SANTO, 1980, p. 111).

Guindaste revela que Melquíades é estudante, casado e com filhos e insinua que está
velho para estudar, reforçando valores de uma sociedade conservadora de seu tempo:
“GALANTE - (para Guindaste) Pois tu és casado!? Ainda agora é que sei! Pois o Melquíades
já tinha filhas moças!? Ainda mais esta - estudante casado e com filhos!” (QORPO-SANTO,
1980, p. 111). A cena termina com os estudantes saindo para as aulas enquanto Ruibarbo fica
arrumando o quarto e falando sobre ir à aula de Retórica e escrever sua comédia.

(...) E logo continuarei a escrever a minha encantadora comédia -


Ilustríssima Senhora Dona Anália de Campos Leão Carolina dos Santos
Beltrão Josefina Maria Leitão História das Dores Patão, ou Bulhão, etc. etc.
(QORPO-SANTO, 1980, p. 112).

A segunda cena deste ato tem início com os estudantes retornando ao quarto.
Melquíades repreende Ruibarbo de não ter ido à aula. As cenas em que aprecem livros e
textos escritos são constantes, talvez remetam a dados autobiográficos. O diálogo basicamente
se constitui em uma série de vitupérios lançados um contra o outro, e ditos de forma a
provocar o riso. As rubricas indicam a acentuação do gestual, que serve para corroborar o
esdrúxulo da linguagem.

MELQUÍADES - (pegando em um papel, em que Ruibarbo havia escrito)


Oh! este Ruibarbo, quanto mais estuda, menos aprende! Pois ele ainda
suprime letras quando escreve! (QORPO-SANTO, 1980, p. 114).

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Em outros momentos da peça é possível perceber elementos que talvez remetam à


vida do autor, que reflitam o ato de escrever e trazem ao texto elementos presentes em outras
partes de sua Enciqlopédia:

RUIBARBO - Eu me explico: Quando escrevo, penso, e procuro conhecer o


que é necessário, e o que não é; e assim como, quando me é necessário
gastar cinco, por exemplo, não gasto seis, nem duas vezes cinco; assim
também quando preciso escrever palavras em que usam letras dobradas, mas
em que uma delas é inútil, suprimo uma e digo: diminua-se com esta letra
um inimigo do Império do Brasil! Além disso, pergunto: que mulher veste
dois vestidos, um por cima do outro!? Que homem, duas calças!? Quem põe
dois chapéus para cobrir uma só cabeça!? Quem usará ou que militar trará à
cinta duas espadas! Eis por que também muitas vezes eu deixo de escrever
certas inutilidades! Bem sei que a razão é - assim se escreve no Grego; no
Latim, e em outras línguas de que tais palavras se derivam; mas vocês que
querem, se eu penso ser assim mais fácil e cômodo a todos!? Finalmente,
fixemos a nossa Língua; e não nos importemos com as origens! (QORPO-
SANTO, 1980, p. 120).

Neste trecho pode-se Qorpo-Santo explica que procura conhecer o que lhe é
necessário. Talvez, ao denominar sua coletânea com o nome de “enciclopédia”, o dramaturgo
dava a entender que todos os conhecimentos (necessários) estavam contidos em sua
Ensiqlopédia, já que nesta continha exemplos de diferentes gêneros, aqueles que são
importantes para o autor. Ainda na mesma réplica, ao pensar sobre os conteúdos importantes
de se conhecer, o gaúcho ainda reflete sobre a sua condição de escritor e o processo da escrita
literária.
O terceiro ato abre a primeira cena com uma personagem denominada “Uma
Mulher” que ouve gemidos e ao investigar descobre que uma cabrita acabara de dar a luz três
cabritinhos. O diálogo se dá entre esta personagem, Mequíades e a criada, pois a mulher
resolve trazer os cabritinhos para o quarto dos estudantes: “É a cabritinha de minha avó, tia, e
irmã, que acaba de parir três cabritos. Ei-los (Atira-os ao cenário)” (QORPO-SANTO, 1980,
p. 123).
Alfredo Bosi observa que “‟a ”loucura‟ e o nonsense devem, pois, ser historicizados
à luz do contexto familiar do século XIX e, mais largamente, à luz dos conflitos entre o
capricho individual e a conduta instituída; conflito de que a farsa é expressão e válvula de
escape." (BOSI, 2003, p. 274).
Aparentemente, os personagens não apresentam uma identidade coerente, e suas
ações são as mais desvairadas: ateiam fogo no cenário, soltam cabritos no palco, espancam-se

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uns aos outros. O elemento de unidade da peça é dado exclusivamente pelo espaço onde as
ações transcorrem, o quarto.
Na segunda cena aparecem Ruibardo, Guindaste, Galante e Melquíades que
descrevem o nojo sobre os cabritinhos no quarto. Melquíades os convida a saírem para verem
mulheres e é criticado pelos amigos.

GUINDASTE (para Galante:) Este Melquíades mudou completamente!


Passou de estudante ao mais extravagante do seu século. Cruzes!
Abrenúncio! Está atrevido como o diabo!
RUIBARBO - Isto é porque ele fez anos hoje! Amanhã... (QORPO-SANTO,
1980, p. 126).

Mequíades retorna e dá uma aula aos demais sobre o que observou na rua, sobre os
modos de viver em sociedade. Depois deita-se para dormir enquanto os colegas de quarto
discutem sobre a personalidade de Melquíades:

GUINDASTE - E para prova de tudo isto, vejam o que ele fez hoje: saltou;
pulou; dançou; fez o diabo, como estudante! Depois aconselhou, ensinou,
pregou, fez-se santo, como Filósofo! Ultimamente, relampagou, iluminou
como rei! E agora, como acabam de ver, atirou-se naquela cama, como um
cansado estudante; ou qualquer outro ente de vida pouco séria, e
bruscamente no cobertor se enrolou. (QORPO-SANTO, 1980, p. 130).

A cena termina com Melquíades levantando-se de repente e expulsando os estudantes


para a escola. Qorpo-Santo, muito embora fosse um marginalizado social, também assumiu
em suas peças o discurso do Estado, defendo suas instituições, como a Monarquia e, nela, os
monarcas, a Igreja e os bons costumes. A sua farsa recaía sobre aqueles que exerciam mal
seus papéis sociais ou que se aproveitavam de seus privilégios em sentido privado,
corrompendo as instituições.
Ao fim da peça, quando se procura uma relação entre o grupo de estudantes e as
cenas anteriores, se os demais personagens têm algo em comum ou para que fim convergem
suas ações, não se encontra uma resposta satisfatória. As personagens parecem soltas,
configurando uma junção algo aleatório entre os grupos nucleares de personagens e a
justaposição de seus enredos e cenas, desestabilizando a unidade da peça.
Como dito anteriormente, apenas o espaço onde todas as ações transcorrem garante
certa unidade à obra. Do mesmo modo, uma leitura condescendente com as “falhas”
estruturais apontadas e atenta ao significado pretendido da obra, buscando um sentido de
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fundo da encenação pode-se encontrar ou sugerir significados, de caráter temático, para o todo
da peça. A partir do título Um parto, pode-se ao nojo descrito pelos estudantes, um deles
parece estudante de medicina quanto pode remeter ao “parto” de uma obra literária: “Este
tríplice parto inusitado de uma cabra significando o mistério, mesmo „nojento‟, da própria
criação artística. Não há o feio ou o bonito em arte, há a sua força expressiva”
(EVANGELISTA, 1984, p.161). O grupo de estudantes pode também personificar o engano,
a dúvida sobre as teorias, daí as personagens parecerem ridículas e suas ações se
circunscreverem ao campo da caricatura e da farsa.

4 CONCLUSÃO

José Joaquim de Campos Leão, Qorpo-Santo, parece ser a figura mais controvertida
da dramaturgia nacional. Sua obra ora é apontada como produto de uma mente inferior
perturbada pela doença mental, ora como produto de uma mente genial que não é
compreendida.
Os trabalhos críticos acerca do teatro de Qorpo-Santo estão constantemente
apontando certa desordem na estruturação de suas peças, compostas por cenas que não se
conectam, com pouca coesão, e por enredos com mais de uma linha narrativa, que se
complementam pela justaposição ou pela alternância, o que acaba por dar às peças uma
unidade precária. Por sinal, este é o adjetivo escolhido por Aguiar (1975) para qualificar os
personagens do dramaturgo gaúcho. Observando a problemática da organização estrutural da
obra de Qorpo-Santo, afirma o crítico que o teatrólogo não manipulava muito bem certos
conceitos técnicos da dramaturgia de seu tempo – como o de cena, por exemplo, que
identifica um número constante de personagens sobre o palco e uma determinada situação
dramática. As personagens entram e saem sem que haja qualquer mudança de cena. As cenas
mudam sem que haja alteração entre as personagens.
O cômico, nas peças, se estabelece no diálogo ora por meio do recurso à ironia; ora
pelo palavreado baixo; ora pelos indicativos das rubricas. A linguagem é elemento
fundamental na constituição do farsesco, assim como na caracterização do ridículo das
personagens e na inversão das idéias, o que seria um parto esperado para uma ação humana
trata do inusitado: um parto de um animal.

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REFERÊNCIAS:

AGUIAR, Flávio. Os homens precários. Porto Alegre: A Nação/Instituto Estadual do Livro,


1975.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2003.
CÉSAR, Guilhermino. “O que era e o que não devia ser”, “O criador do Teatro do Absurdo”,
em QORPO-SANTO, José Joaquim de Campos Leão. Teatro completo. Fixação de texto,
estudo crítico e notas por Guilhermino César. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de
Teatro/Fundação Nacional de Arte, 1980.
EVANGELISTA, Maria de Jesus. Qorpo-Santo: teatro romântico. IN: Revista Travessia.
Florianópolis: UFSC, 1984, v. 04, n.07, p.155-165.
FRAGA, Eudinyr. Qorpo-santo: Surrealismo Ou Absurdo? São Paulo: Perspectiva, 1988.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Instituto
Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2009.
QORPO-SANTO, José Joaquim de Campos Leão. Teatro completo. Fixação de texto, estudo
crítico e notas por Guilhermino César. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro/Fundação
Nacional de Arte, 1980.
MUNIZ, Márcio Ricardo Coelho. Qorpo-Santo e Gil Vicente: Diálogos Possíveis.
In:.MALUF, Sheila Diab; AQUINO, Ricardo Big. (Org.). Reflexões sobre a cena. 01 ed.
Maceió; Salvador: EDUFAL; EDUFBA, 2005, v. 01, p. 213-232.

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