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CATEGORIAS GRAMATICAIS

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ



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EQUIPE TÉCNICA

Fluxo Editorial: Edilson Damasio
Edneire Franciscon Jacob
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Projeto Gráfico e Design: Marcos Kazuyoshi Sassaka

Artes Gráficas: Luciano Wilian da Silva
Marcos Roberto Andreussi

Marketing: Marcos Cipriano da Silva

Comercialização: Norberto Pereira da Silva
Paulo Bento da Silva
Solange Marly Oshima
Formação de Professores em letras - EAD

Edson Carlos Romualdo


Fabiana Poças Biondo
 (ORGANIZADORES)

Categorias Gramaticais

23
Maringá
2012
Coleção Formação de Professores em Letras - EAD

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Luciana de Araújo Nascimento
Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Ana Cristina Jaeger Hintze
Maria Regina Pante
Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio
Izabela Carolina Pereira Vargas
Eliane Arruda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Categorias Gramaticais / Edson Carlos Romualdo / Fabiana Poças Biondo,


R299 organizadores. -- Maringá : Eduem, 2012.
132p. 21cm. (Formação de Professores em Letras - EAD; n. 23).

ISBN 978-85-7628-488-8

1. Linguística - Gramática - Textos. 2. Linguística - Fala e escrita. 3. Língua


portuguesa - Brasil.

CDD 21. ed. 410

Copyright © 2012 para o autor


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2012 para Eduem.

Endereço para correspondência:

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


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87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392
http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br
S umário

Sobre os autores > 7

Apresentação da coleção > 9


Apresentação do livro > 11

Capítulo 1
O gênero, o número e o grau
Edson Carlos Romualdo / Fabiana Poças Biondo
> 17

Capítulo 2
A pessoa, o número e o tempo > 51
Edson Carlos Romualdo / Elaine de Moraes Santos

Capítulo 3
O modo e a modalidade > 85
Juliano Desiderato Antonio / Sônia Aparecida Lopes Benites

Capítulo 4
O aspecto e a voz > 105
Edson C. Romualdo / Fabiana P. Biondo / Dulce E. Coelho Barros

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S obre os autores
DULCE ELENA COELHO BARROS
Mestre em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulis-

ta Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Araraquara) e Doutora em Linguística pela

Universidade de Brasília (UnB). É professora de graduação na Universidade

Estadual de Maringá (UEM). Tem experiência na área de Linguística, com ên-

fase em Análise do Discurso Crítica. Atua principalmente nos seguintes temas:

discurso parlamentar, argumentação, contexto social e gramática. Integra o

Grupo de Pesquisa Estudos de discurso, pobreza e identidade – rede latino-a-

mericana de estudos do discurso (REDAL – UnB/CNPq).

EDSON CARLOS ROMUALDO


Mestre e Doutor em Letras – área de concentração Filologia e Linguística Por-

tuguesa, pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp/

Assis). Docente do Departamento de Letras da UEM desde 1993. Professor

de Linguística nos cursos de Letras e EAD Letras e de Linguagem no curso

EAD Pedagogia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras, com

o desenvolvimento de pesquisas nas linhas: Estudos do texto e do discurso

e Ensino-aprendizagem de línguas. Atualmente desenvolve seu estágio de

pós-doutoramento na Unicamp. Integra três grupos de pesquisa inscritos no

CNPq: GEPOMI – Grupo de Estudos Políticos e Midiáticos; GEDUEM – Grupo de

Estudos em Análise do Discurso da UEM; e Linguagem e Direito.

ELAINE DE MORAES SANTOS


Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR). Docente

de Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Federal de Mato Grosso

do Sul (UFMS/Campo Grande). Tem experiência na área de Linguística, com

ênfase em Análise do Discurso de linha francesa. Atua principalmente nos

seguintes temas: discurso, corpo político, mídia e formação de professores.

É doutoranda do Programa de Pós-graduação em Letras da UEM e Coorde-

nadora adjunta do curso de Letras a distância da UFMS. Integra dois grupos

de pesquisa inscritos no CNPq: o GEPOMI/UEM – Grupo de Estudos Políticos e

Midiáticos e o GEPEAD/UFMS – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação

Aberta e a Distância.

7
CATEGORIAS FABIANA POÇAS BIONDO
GRAMATICAIS
Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR) – área

de concentração Ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Doutoranda

em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Docente do Departamento de Letras da Universidade Federal de Mato Gros-

so do Sul (UFMS/Campo Grande). Tem como principais temas de interesse:

ensino de língua portuguesa, letramento, formação do professor, análise

linguística e morfologia. Integrante do Grupo de Estudos Linguísticos (UFMS)

e coordenadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à docência

– PIBID Letras-EAD/UFMS.

JULIANO DESIDERATO ANTONIO


Mestre em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Pau-

lista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Araraquara) e Doutor em Linguística e

Língua Portuguesa pela mesma universidade. Realizou estágio de pós-dou-

torado em Estudos Linguísticos na Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita Filho (Unesp/São José do Rio Preto). É professor de graduação e

pós-graduação na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua linha de

atuação é a de Descrição Linguística, com ênfase no Funcionalismo. Participa

do grupo de pesquisa do CNPq Gramática de usos do português do Brasil e

é líder do Grupo de Pesquisas Funcionalistas do Norte/Noroeste do Paraná

(CNPq/UEM).

SONIA APARECIDA LOPES BENITES


Mestre em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) -1978,

Doutora em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita

Filho (Unesp/Araraquara) e Pós-Doutora em Linguística pela Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp). É professora de graduação e pós-gradua-

ção na Universidade Estadual de Maringá (UEM), desenvolvendo pesquisas

em duas linhas: Ensino-aprendizagem de línguas e Estudos do Texto e do

Discurso. Integra três grupos de pesquisa inscritos no CNPq: GEPOMI Grupo

de Estudos Político-midiáticos (UEM), Leitura e Literatura na Escola (Unesp

Assis/UEL/UEM/PUCRS/UFG) e Questões de teoria e análise em Análise do

Discurso (Unicamp).

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A presentação da Coleção
Os 54 títulos que compõem a coleção Formação de Professores em Letras fazem
parte do material didático utilizado pelos alunos matriculados no Curso de Licenciatu-
ra em Letras, habilitação dupla, Português-Inglês, na Modalidade a Distância, da Uni-
versidade Estadual de Maringá (UEM). O curso está vinculado à Universidade Aberta
do Brasil (UAB) que, por seu turno, faz parte das ações da Diretoria de Educação a
Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
(Capes).
A UEM, na condição de Instituição de Ensino Superior (IES) proponente do curso,
assumiu a responsabilidade da produção dos 54 livros, dentre os quais 51 títulos fica-
ram a cargo do Departamento de Letras (DLE), 2 do Departamento de Teoria e Prática
da Educação (DTP) e 1 do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE). O pro-
cesso de elaboração da coleção teve início no ano de 2009, e sua conclusão, seguindo
o cronograma de recursos e os trâmites gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), está prevista até 2013. É importante ressaltar que, visando a
atender às necessidades e à demanda dos alunos ingressantes no Curso de Graduação
em Letras-Português/Inglês a Distância, da UEM, no âmbito da UAB, nos diferentes
polos, serão impressos 338 exemplares de cada livro.
A coleção, não obstante a necessária organicidade que aproxima e estabelece a
comunicação entre diferentes áreas, busca contemplar especificidades que tornam o
curso de Letras uma interessante frente de estudos e profissional. Deste modo, as
três principais instâncias que compõem o curso de Letras na modalidade a distância
(Língua Portuguesa, Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa e
Língua Inglesa e Literaturas Correspondentes) são contempladas com livros que
são organizados tendo em vista a construção do saber de cada área. Semelhante cons-
trução não apenas trabalha conteúdos necessários de modo rigoroso tal como seria
de esperar de um curso universitário, como também atua decisivamente no sentido de
proporcionar ao aluno da Educação a Distância a autonomia e a posse do discurso de
modo a realizar uma caminhada plenamente satisfatória tanto em sua jornada acadê-
mica quanto em sua vida profissional posterior. Isso só é possível graças à competência
e comprometimento dos organizadores e autores dos livros dessa coleção, em sua
maior parte ligados aos departamentos da Universidade Estadual de Maringá envol-
vidos neste curso, além de convidados que enriqueceram a produção dos livros com
sua contribuição. A excelência e a destacada contribuição científica e acadêmica desses

9
CATEGORIAS autores e organizadores são outros elementos que garantem a seriedade do material
GRAMATICAIS
e reforça a oportunidade que se abre ao aluno da Educação a Distância. Além disso, o
material produzido poderá ser utilizado por outras instituições ligadas à Universidade
Aberta do Brasil, abrindo uma perspectiva nacional para os livros do curso de Letras
a Distância.
Além do trabalho desses profissionais, essa coleção não seria possível sem a con-
tribuição da Reitoria da UEM e de suas Pró-Reitorias, do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da UEM e seus respectivos representantes e departamentos, da Diretoria
de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Ensino Superior (Capes) e do Ministério da Educação (MEC). Todas essas esferas, de
acordo com suas atribuições, foram de suma importância em todas as etapas do traba-
lho. Diante disso, é imperativo expressar, aqui, nosso muito obrigada.
Por último, mas não menos importante, registramos nosso agradecimento especial
à equipe do NEAD-UEM: Pró-Reitoria de Ensino, Coordenação Pedagógica e equipe
técnica, pela dedicação e empenho, sem os quais essa empreitada teria sido muito
mais difícil, se não impossível.

Rosângela Aparecida Alves Basso
Organizadora da coleção

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A presentação do livro
Este livro objetiva se colocar como um momento de discussões sobre noções bá-
sicas a respeito das categorias gramaticais da Língua Portuguesa. Assim, embora seja
comum encontrar o nome em destaque referindo-se à tradicional divisão das classes
de palavras (verbos, adjetivos etc), aqui as ‘categorias gramaticais’ atendem a um sen-
tido mais estrito, apontando para todo um conjunto de modificações mínimas signifi-
cativas que os falantes levam em consideração ao organizar sua língua, multiplicando
o uso de um vocábulo (CÂMARA JR., 1984; BORBA, 1975).
Essas modificações mínimas de sentido a que se referem os autores podem ser
compreendidas, a princípio, a partir de um exemplo simples: estudante/estudantes,
no qual o morfema em destaque responde por uma especialização de sentido especí-
fica à categoria gramatical de número – a ideia de quantidade. Por esse exemplo, veri-
ficamos que esses morfemas são categóricos e aplicáveis a um conjunto de vocábulos,
permitindo que ideias estritamente relacionadas não tenham de ser expressas por con-
juntos fônicos completamente distintos, contribuindo para a economia da linguagem.
Cabe destacar, porém, que o estudo de conteúdos aparentemente tão específicos
como o das categorias gramaticais, em destaque neste livro, costuma ser apontado
como pouco útil ou pouco interessante, quando visto sob uma perspectiva que traba-
lha com elementos gramaticais descontextualizados, fora de situações efetivas de uso
da linguagem, portanto, pouco significativa para o desenvolvimento de habilidades
discursivas.
Na busca por possibilitar um outro olhar para os fenômenos gramaticais aqui fo-
calizados, interessa-nos apresentar um caminho de reflexões sobre as categorias gra-
maticais, nominais e verbais, que as considerem como passíveis de serem observadas,
descritas, categorizadas e analisadas como parte dos movimentos discursivos nos quais
se materializam.
De acordo com os PCN do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL,
2000), bem como os do Ensino Médio (BRASIL, 2002), é necessário tornar significati-
vas as atividades com aspectos gramaticais, vinculando-as a situações contextualizadas
e explorando as possibilidades criativas da língua em uma prática de análise da língua
que contemple os diferentes componentes do sistema linguístico.
Nesse caminho, Santos (2007, p. 173) destaca que, no que se refere ao ensino
da Língua Portuguesa, “os PCN apresentam uma proposta de trabalho que valoriza a

11
CATEGORIAS participação crítica do aluno em relação à sua língua, e que mostra as variedades e a
GRAMATICAIS
pluralidade de usos inerentes a qualquer idioma”. Essa perspectiva de trabalho com
conteúdos da língua costuma ser denominada de análise linguística (AL).
A aposta nas atividades de AL como uma possibilidade de trabalhar conteúdos gra-
maticais numa perspectiva mais dinâmica da linguagem é também salientada por Men-
donça (2006, p. 204), que, destacando o caráter sociointeracionista da AL, lembra que
ela surge como alternativa complementar às práticas de leitura e produção de texto,
tornando possível a reflexão consciente sobre fenômenos gramaticais e textual-discur-
sivos que perpassam os usos linguísticos.
Embora isso tudo pareça muito simples, Pisciota (2001) lembra que ainda há um
grande desafio pela frente, pois o professor precisa aprender a aliar a AL com as situa-
ções de uso efetivo da linguagem, construindo explicações e descrições a partir das
regularidades observadas em textos significativos para os alunos, tarefa nada fácil de
ser realizada, pois implica uma negação, destacada também pelos PCN (2000), das
metodologias tradicionais e das regras prontas e descontextualizadas, ainda tão presti-
giadas em muitas salas de aula, tanto do ensino fundamental quanto do médio.
Apesar das incoerências que ainda envolvem o tema, acreditamos que as reflexões
e as atividades voltadas para o ensino e a aprendizagem de aspectos gramaticais pre-
cisam ser vistos como processos dos quais professor e aluno participam ativamente,
partindo da concepção de que saber a língua é saber sua gramática em situação de uso
e trabalhar com conteúdos que revelem adequação teórica e sejam significativos para a
sua aprendizagem. Aceitamos, assim, na esteira de Pisciota (2001), Mendonça (2006),
entre outros, uma concepção ampla de AL, que incorpora, além das questões grama-
ticais, os aspectos semânticos, estilísticos e pragmáticos relacionados à produção e à
recepção de discursos.
A partir dessas questões, professores de Linguística e Língua Portuguesa de duas
universidades de regiões distintas do país (UEM e UFMS) apresentam, nos capítulos
que compõem esta obra, estudos sobre as categorias gramaticais nominais e verbais.
Em seus textos, procuram esclarecer quais são os significados que tais categorias apre-
sentam e demonstram, por meio de análises, exemplificação farta retirada de fontes
diversas (aulas, diálogos cotidianos, obras literárias etc) e propostas de atividades,
como tais categorias produzem efeitos de sentido nos textos/enunciados nos quais
aparecem.
No capítulo 1, Romualdo e Biondo dedicam-se às categorias nominais de gênero,
número e grau. Os autores explicam cada categoria e mostram como elas têm sido
tratadas nos estudos linguísticos. Abordam também os principais questionamentos
feitos por linguistas e gramáticos a respeito dessas categorias. Voltam-se, entre outras

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questões, às relações entre gênero gramatical e sexo dos seres ao tratar da categoria Apresentação do livro

de gênero; às ideias de contável, coletivo e não contável ao abordar a categoria de


número; e à discussão se a gradação se manifesta por flexão ou derivação ao examinar
a categoria de grau.
Romualdo e Santos trabalham, no capítulo 2, as categorias verbais de pessoa, nú-
mero e tempo. Após breve explicação sobre a compreensão do verbo como processo
e da importância de tais categorias em sua caracterização, os autores dedicam-se a
explorar a noção de enunciação e de dêixis que são fundamentais para a compreensão
das categorias apresentadas no capítulo. Para a definição e tratamento da pessoa e
do número, partem, além das concepções de enunciação e dêixis, de um arcabouço
teórico estabelecido principalmente pelos estudos de Benveniste (1991, 1989) e de
Fiorin (2001). No tratamento da categoria tempo, os autores situam o momento da
enunciação como base para a compreensão das noções usuais dos tempos absolutos
e dos desdobramentos dos tempos relativos. No limiar desse ponto dêitico, eles apre-
sentam as especificidades de cada tempo verbal dos modos indicativo e subjuntivo,
numa descrição que visa aos sentidos que o uso da categoria de tempo imprime aos
textos em que aparecem.
No capítulo 3, Antonio e Benites dedicam-se à apreciação do modo e da modali-
dade, que também se relacionam com os verbos. Na perspectiva seguida pelos auto-
res, a modalidade é vista como a responsável pela expressão da avaliação, opinião e
atitude do falante diante do que enuncia e o modo verbal, tradicionalmente como o
conhecemos, é apenas um dos meios de expressão da modalidade. Antonio e Benites
apresentam-nos uma divisão da modalidade em três tipos – epistêmica, deôntica e
dinâmica –, exemplificando ricamente os vários recursos para sua expressão. Em um
item específico, tratam da polissemia dos verbos modais. Ao voltarem seu olhar para o
modo, mostram os diferentes efeitos de sentido do subjuntivo e do imperativo, além
do valor modal do futuro.
Por fim, as duas últimas categorias verbais tradicionalmente consideradas – o as-
pecto e a voz – são objeto de reflexões de Romualdo, Biondo e Barros no capítulo 4.
Para definir a categoria de aspecto, fundamentados em um levantamento de bibliogra-
fia variada, os autores a diferenciam da categoria de tempo, com a qual geralmente é
confundida. Apresentam, então, uma classificação da categoria aspectual em sentido
amplo, dividindo-a em perfectividade e imperfectividade, para, depois, subclassificá-la
em sentido estrito, além de demonstrarem vários mecanismos de sua manifestação.
No tratamento da categoria de voz, os autores mostram como tradicionalmente são
vistas as vozes verbais, suas diferenças e mecanismos de expressão. Mostram também
diferenças entre as vozes quanto à sua manifestação e quanto ao seu sentido.

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A apresentação dos conteúdos foi feita de forma a facilitar a entrada dos futuros
profissionais no tema, que podem, depois, se dedicar a pesquisas mais específicas a
respeito de cada uma das categorias. Além disso, o tratamento de cada categoria em
separado é uma opção didática que não ignora a sua interdependência e muito menos
a importância de que elas sejam pensadas como interligadas no contexto de situações
de uso da linguagem nas quais se revelam.
Esperamos que após o estudo dos capítulos deste livro, os futuros professores
tenham uma visão do funcionamento da língua em relação aos aspectos aqui focaliza-
dos, de como ela se constitui como representação do mundo e de como o homem se
coloca na língua, expressando suas atitudes e subjetividade, e organizando o mundo
ao seu redor.
Acreditamos também que a leitura dos capítulos oferece uma base consistente para
o desenvolvimento de futuras análises linguísticas e, com isso, os professores em for-
mação sejam capazes, no futuro, de criar atividades didático-pedagógicas que demons-
trem a importância das categorias para o sentido dos textos.
Finalmente, desejamos que os conhecimentos advindos deste livro possam ajudar
a construir o perfil dos formandos em Letras, almejado pelas Diretrizes Curriculares
para os Cursos de Letras: a de um profissional “com domínio do uso da língua ou das
línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutura, funcionamento
e manifestações culturais, além de ter consciência das variedades linguísticas e cultu-
rais” (BRASIL, 2001, p. 30).

Edson Carlos Romualdo


Fabiana Poças Biondo
Organizadores
Apresentação do livro

Referências

BENVENISTE, E. Problemas de Linguística geral I. 3. ed. Campinas, SP: Pontes,


1991.

______. Problemas de linguística geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989.

BORBA, F. S. Introdução aos estudos lingüísticos. 4. ed. São Paulo: Editora


Nacional, 1975.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CES


492/2001, de 3 de abril de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de
Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais,
Letras, Biblioteconomia, Arquiologia e Museologia. Disponível em: <http://proeg.
ufam.edu.br/parfor/pdf/parecer%20cne_ces%20n.%20492_2001%20diretrizes%20
curriculares%20do%20curso%20de%20letras%20e%20outros.pdf>. Acesso em: 20
nov. 2006.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília, DF, 2000.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.


Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília. DF, 2002.

CÂMARA JR., J. M. Estrutura da Língua Portuguesa. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1984.

FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa espaço e tempo. 2.


ed. São Paulo: Ática, 2001.

MENDONÇA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro


objeto. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Org.). Português no ensino médio e
formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 198-226

PISCIOTA, H. Análise inguística: do uso para a reflexão. In: BRITO, E. V. PCN de Língua
Portuguesa: a prática em sala de aula. São Paulo: Arte & Ciência, 2001. p. 93-128

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CATEGORIAS SANTOS, L. W. O ensino de língua portuguesa e os PCN. In: PAULIUKONIS, S. G.;
GRAMATICAIS
GAVAZZI, S. (Org.). Da língua ao discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2007. p. 173-184

16
1 O gênero,
o número e o grau

Edson Carlos Romualdo / Fabiana Poças Biondo

Introdução
Como foi destacado na apresentação deste livro, as categorias gramaticais respon-
dem pela especialização de sentidos nas palavras, ou seja, constituem-se como mo-
dificações mínimas de sentido capazes de exprimir ideias específicas e comuns a um
conjunto de vocábulos.
Neste capítulo, temos por objetivo apresentar algumas das principais característi-
cas das categorias gramaticais que respondem pelas especializações de sentidos dos
nomes da Língua Portuguesa – as categorias nominais de gênero, número e grau.
De modo bem sucinto, podemos dizer que a categoria de gênero é responsável
pela classificação dos vocábulos nominais a partir de uma especialização entre gênero
masculino e feminino (como em o tesouro e a menina, por exemplo, respectivamente
masculino e feminino); já o número constitui-se como categoria que responde pela
classificação dos nomes em relação à quantidade (um ou mais de um – como telefone/
telefones); o grau, por sua vez, assume o papel de exprimir noções de aumento ou de
diminuição, como em porta/portinha.
Essas definições, no entanto, são extremamente simplistas e parciais, não abar-
cando as categorias em questão em todas as suas especificidades. Por esse motivo,
ao longo de nossa apresentação, buscamos analisá-las a partir de noções capazes de
demonstrar algumas de suas particularidades, usando, sempre que possível, exempli-
ficações capazes de introduzir o leitor no universo de possibilidades de análise da sua
língua. Destacamos, porém, que não é nossa pretensão focalizá-las tentando exaurir
sua descrição, dadas diversas limitações como o espaço a elas dedicado neste livro,
por exemplo.
De todo modo, buscamos destacar algumas de suas principais características, pro-
piciando um olhar (entre outros possíveis) para as categorias nominais que possa reve-
lar alguns de seus contornos. Para tanto, estabelecemos um percurso que se inicia pela
caracterização da categoria de gênero, passando por noções específicas da categoria de
número e culminando na apresentação de alguns traçados que configuram a categoria
de grau.

17
CATEGORIAS A categoria de gênero
GRAMATICAIS
De modo bem geral, podemos dizer que a categoria de gênero é uma categoria no-
minal que responde pela divisão dos nomes em “classes”. Nas línguas indo-europeias
clássicas, segundo Lyons (1979), é possível identificar a existência de três classes de
gêneros gramaticais: masculino, feminino e neutro.
No caso da língua portuguesa, porém, os nomes podem ser caracterizados, quanto
ao gênero, apenas como masculinos ou femininos. Imediatamente, quando pensamos
em um nome, já identificamos o seu gênero. É o que parece demonstrar, por exemplo,
um aluno do 8º ano do Ensino Fundamental, quando alguém lhe pergunta se os vocá-
bulos “mulher” e “diamante” são do gênero masculino ou feminino:

(1)
A mulher... feminino. Não dá pra ser o mulher, tem que ser a. [...] A dia-
mante também não dá, tem que ser o diamante. [...] Porque fica estranho a
diamante.

A partir da resposta desse estudante, parece-nos simples identificar os vocábulos


em questão como pertencentes a um gênero específico. Afinal, como ele destaca, não
dá pra ser outra coisa, tem que ser assim, e o contrário fica estranho.
Como ocorre com a maioria dos vocábulos, dificilmente apresentamos dificulda-
des para identificar se eles pertencem à classe dos nomes masculinos ou à classe dos
nomes femininos, já que poucos oferecem dúvidas quanto à classificação de gênero,
como é o caso de “clã”, “champanha” ou “dó” (NEVES, 2000, p. 154) – apenas para
citar alguns. No entanto, por detrás da aparente simplicidade da categoria, é possível
dizer, na esteira de Câmara Jr. (1976; 2000), que ela se constitui como um dos conteú-
dos mais complexos e confusos da gramática normativa, principalmente por conta de
uma tendência em se pensar no gênero por uma relação direta com o sexo dos seres.
No livro Emília no país da gramática, de Monteiro Lobato, uma conversa entre os
personagens “Em pleno mar dos substantivos” revela aspectos dessa relação:

(2)
— Espere, bonequinha aflita! — disse Quindim. — Inda há muito pano para
manga aqui. Vocês ainda não observaram que estes Senhores Nomes estão di-
vididos em dois gêneros, o Masculino e o Feminino, conforme o sexo das
coisas ou seres que eles batizam. PAULO é masculino porque todos os Paulos
pertencem ao sexo masculino.
— Mas PANELA? — advertiu Emília. — Por que razão PANELA é Nome feminino e
GARFO, por exemplo, é masculino? PANELA ou GARFO têm sexo?
— Isso é uma das maluquices desta cidade — respondeu o rinoceronte. — Já em
Anglópolis não é assim. Há lá mais um gênero, o Gênero Neutro, para todas
as palavras que designam coisas sem sexo, como PANELA e GARFO (LOBATO,
2009, p. 23).

18
Como podemos verificar por meio do diálogo entre o rinoceronte Quindim e Emí- O gênero, o número
e o grau
lia, há uma tentativa de classificar os substantivos em masculinos e femininos por meio
de uma relação imediata com o sexo dos seres do reino animal. Assim, PAULO é mas-
culino porque todos os Paulos pertencem ao sexo masculino. No entanto, a partir do
momento em que o foco se direciona para vocábulos que não remetem a seres que
apresentam sexo, como PANELA ou GARFO, os personagens resumem a questão como
uma das maluquices da língua portuguesa, destacando que há línguas nas quais a
existência do Gênero Neutro abarca todas as palavras que designam coisas sem sexo.
Se nos propusermos a olhar para a categoria de gênero desde o seu surgimen-
to, passando pelos séculos de seu desenvolvimento até chegar às características que
temos atualmente, veremos que, de fato, as principais causas psicossociais que in-
fluenciaram as suas atuais classificações foram a distinção sexual existente entre os
seres vivos e os diferentes níveis hierárquicos encontrados nas sociedades primitivas
(BIDERMAN, 1974).
Exemplo disso, segundo Jespersen (1924), é o substantivo “terra”, que na língua
ariana é classificado no feminino a partir de uma aproximação com a figura de “mãe”,
produtora de plantas. Isso ocorre também, para o autor, com o substantivo “árvore”,
que também Lausberg (1974) destaca como feminino justamente pelo fato de ser rela-
cionada à figura sexual feminina, já que produz frutos.

É também um vestígio da feminidade de arbor o gênero feminino (facultativo)


dos nomes de árvore de fruto em –aria em catalão, assim como o gênero sem-
pre feminino das árvores de fruta em português correspondente à feminidade
do português árvore (LAUSBERG, 1974, p. 269).

A partir de uma noção mitológica que acaba por reforçar também a questão sexual,
Lausberg (1974) chama a atenção para o fato de que, na língua catalão, nomes das
diferentes espécies de árvores são considerados femininos por existir uma crença de
que as árvores eram habitadas por ninfas.
Pensando ainda na evolução histórica da categoria, é curioso perceber, conforme Jes-
persen (1924), que muitos dos substantivos que conhecemos tiveram o seu gênero de-
terminado pelas funções sociais a que remetem. Assim, os nomes que representam pro-
fissões normalmente ocupadas por mulheres assumiram o gênero feminino, e vice-versa.
São exemplos desse caso os substantivos masculinos “ministro”, “bispo”, “padeiro”, “sa-
pateiro”, entre outros, e os femininos “enfermeira”, “costureira” – embora atualmente
alguns desses vocábulos já apresentem flexão em gênero distinto devido às mudanças de
nossa sociedade no que diz respeito aos cargos assumidos por ambos os sexos.
Vemos, portanto, que a associação entre gênero gramatical e sexo dos seres pode
ser facilmente explicada pela história da categoria. Atualmente, porém, não podemos

19
CATEGORIAS dizer que o sexo dos seres funcione como um critério classificatório único, mas como
GRAMATICAIS
uma influência semântica e parcial. Para Neves (2002), remonta à antiguidade a ob-
servação de que o critério de base sexual é inadequado na identificação do gênero
gramatical, pois já os estoicos compreenderam a importância do artigo na indicação
do gênero e do número dos nomes.
Para Câmara Jr. (1984), existe, na língua portuguesa, mais especificamente nos
nomes de animais, uma relação do gênero com o sexo, mas ela não é absoluta. Isso
porque o gênero se faz presente em todos os nomes substantivos portugueses, sem ex-
ceção, quer façam referência a seres providos de vida (passíveis da distinção de sexo),
quer façam referência a objetos e a sentimentos (não passíveis dessa distinção). Dessa
forma, em nomes como “amendoim” e “confusão”, por exemplo, cuja referência não
remete a seres sexuados, a identificação do gênero gramatical se dá, apenas, por uma
convenção segundo a qual o primeiro pertence à classe dos substantivos masculinos e
o segundo à dos femininos.
No entanto, como a associação semântica entre a categoria de gênero e o sexo dos
seres costuma estar muito imbricada na compreensão da categoria, Biondo (2007)
lembra que é comum encontrarmos determinadas incoerências na maneira como a
categoria de gênero é abordada em diferentes contextos. Algumas dessas incoerências
observadas pela autora podem ser identificadas na fala de dois alunos do 2º Ano do
Ensino Fundamental que foram questionados sobre o gênero gramatical dos vocábu-
los que destacamos acima, “amendoim” e “confusão”:

(3)
E CONFUSÃO? Confusão com homem, com masculino. Por quê? Porque eles
gostam mais de confusão, eles, não é que eles gostam mais de confusão, eles
pegam mais confusão, não é que pega, arrumam mais confusão do que o
feminino.
(4)
E AMENDOIM? Amendoim é os dois, porque os dois comem amendoim. Porque
os dois comem amendoim? É. Como assim? O homem e a mulher podem comer
amendoim quando tem dinheiro pra comprar!

Nos exemplos (3) e (4), percebemos como a relação do gênero gramatical com
a ideia de sexo está bastante marcada entre esses alunos, pois, ao responderem que
confusão é masculino por conta do homem, porque eles gostam mais de confusão, ou
ainda que amendoim é masculino e feminino porque os dois comem amendoim, fica
evidente a tendência à relação da categoria com essa ideia semântico-sexual.
Por outro lado, Câmara Junior (1980, 1984, 2000) destaca que, mesmo em substan-
tivos relacionados a animais e pessoas, não é possível estabelecer uma aproximação
direta entre gênero e sexo, pois “mesmo no reino animal tal coincidência está longe

20
de ser absoluta” (CÂMARA JR., 2000, p. 62). Para ilustrar, o autor cita o substantivo O gênero, o número
e o grau
“testemunha”, que pertence ao gênero feminino, mesmo podendo referir-se a pessoas
do sexo masculino.

Em referência a substantivos designativos de seres do reino animal a dicotomia


masculino-feminino coincide com a oposição dos sexos em machos e fêmeas,
mas não de maneira cabal. Em referência a seres humanos, por exemplo, teste-
munha é substantivo sempre feminino (a testemunha), quer se refira a homem
ou a mulher (CÂMARA JR., 1976, p. 76).

Além de “testemunha”, o autor traz ainda o exemplo “cônjuge”, substantivo exclu-


sivamente do gênero masculino, independentemente da sua utilização para ambos os
sexos. O mesmo acontece com os nomes de animais denominados tradicionalmente
como “epicenos”, como “a cobra”, “o tigre” ou “o jacaré”, que possuem apenas um gê-
nero, quer designem animais de sexo feminino ou masculino. Nesses casos, costuma-
se acrescentar a esses nomes de animais os vocábulos “macho” e “fêmea”, identifican-
do-se a natureza sexual dos seres a que se referem, mas não o seu gênero gramatical.
Assim, para o autor,

na realidade, sob o aspecto semântico, trata-se [a categoria de gênero] de uma


categoria formal, para os nomes, como as três conjugações são em português
uma classificação formal dos verbos. A diferença entre uma e outra está na cir-
cunstância de que o gênero pode variar para um mesmo nome substantivo,
condicionando uma especialização de sentido, que no reino animal, quando há
variação de gênero, é em regra correspondente à distinção de sexos (CÂMARA
JR., 2000, p. 62).

Dada a fragilidade do critério semântico-sexual para a caracterização da categoria


de gênero na língua portuguesa atual, outra forma comum de estabelecer a distinção
entre nomes masculinos e femininos, segundo Biondo (2007), é a partir de sua termi-
nação. Como destaca a autora, muitos vocábulos costumam ser considerados femini-
nos porque terminam em a, assim como a identificação do gênero masculino ocorre,
muitas vezes, pela terminação dos vocábulos em o.
A esse respeito, são ilustrativos os exemplos (5) e (6), ambos os trechos de diálogos
informais:

(5)
A mãe está passeando com o filho na rua quando de repente a criança diz:
– Olha, mãe: o fusca! ... a fusca!? ... O carro, mamãe.
(6)
Garoto de 5 anos diz à mãe:
– Mãe, eu sou lésbico!
A mãe, assustada:

21
CATEGORIAS – O quê? Tá louco, menino?
GRAMATICAIS A tia, lingüista, observa a conversa dos dois e pergunta:
– Por que você é lésbico, Eduardo?
– Ué, tia, eu fiquei sabendo que a mulher que gosta de mulher é lésbica. Eu sou
homem e gosto de mulher, então eu sou lésbico!

Tanto no exemplo (5) como no (6) percebemos uma tentativa de identificação en-
tre o gênero gramatical e a terminação dos vocábulos. Dessa forma, quando a criança
do primeiro exemplo diz o fusca, ela imediatamente percebe a discrepância entre o
artigo o e a terminação do vocábulo fusca. Como se trata de uma criança que está
em fase de aquisição da linguagem e, por isso mesmo, que está levantando hipóteses
sobre ela, imediatamente ela reformula sua fala no sentido de conciliar o gênero com
a terminação do nome fusca: a fusca. Essa tentativa, provavelmente, se deve à sua
percepção de situações nas quais, de fato, a terminação é um dos critérios válidos para
a identificação dos gêneros dos vocábulos, como menino/menina, cuja alternância
de gênero se estabelece por meio das terminações o e a. Isso se confirma quando,
confusa, a criança finaliza dizendo o carro, em que há coincidência entre o gênero
masculino e a terminação em o.
De modo semelhante, no exemplo (6), temos uma associação entre a terminação
dos vocábulos e o seu gênero, pois, quando se diz lésbico, Eduardo estabelece uma
flexão do vocábulo lésbica de modo a atender à sua característica de um menino (sexo
masculino) que gosta de mulher – a exemplo de aluno/aluna.
De fato, para vários estudiosos da linguagem, a terminação exerce algum tipo de in-
fluência sobre a identificação do gênero nos vocábulos, tanto que muitos livros fazem
menção a esse conteúdo. Algumas gramáticas, por exemplo, costumam oferecer uma
lista de vocábulos que, segundo sua terminação, devem obedecer a uma classificação
de gênero específica; outras há, ainda, que apresentam uma oposição segundo a qual
o gênero masculino seria marcado pela desinência -o e o feminino pela desinência -a.
Em direção oposta à apresentada por algumas gramáticas tradicionais, Câmara Jr.
(2000) considera que nos vocábulos em que há a flexão de gênero, ou seja, em que
é possível estabelecer “pares” de vocábulos, como em professor/professora ou aluno/
aluna, essa flexão é marcada por um mecanismo básico (com poucas exceções), dado
pelo acréscimo, no feminino, de um sufixo flexional –a com a supressão da vogal te-
mática, quando ela existe no singular, por exemplo: autor + a = autora; lob (o) + a
= loba. O masculino se caracteriza, portanto, pela ausência das marcas de feminino,
como no exemplo peru/perua. Em outros termos, pode-se dizer que é assinalado por
um morfema zero (CÂMARA JR., 1984, 2000).
Kehdi (2002, p. 30), por sua vez, acredita que a forma –o deva ser considerada
como marca de masculino, já que está intimamente associada a essa noção. Para o

22
autor, é correto dizer que a flexão de gênero se dá pela oposição -o/-a, e não se reduz a O gênero, o número
e o grau
uma oposição Ø/-a, sendo que “a desinência –o apresenta as variantes Ø (peru/perua,
autor/autora) e u semivocálico (europeu/europeia; mau/má)”.
Apesar dos argumentos apresentados por Kehdi (2002), uma rápida observação da
categoria em questão permite vislumbrar que em grande parte dos nomes existentes
em nossa língua a terminação não possui qualquer ligação direta com o gênero a que
pertence, ou seja, existem vários vocábulos terminados em o, por exemplo, que são
do gênero feminino, como é o caso de confusão, substantivo utilizado em (3), que é
essencialmente do gênero feminino, apesar de terminar com a letra o.
Para citar outros exemplos, temos o próprio vocábulo fusca, destacado em (5), que
termina com a letra a embora pertença ao gênero masculino, como é possível perceber
pela utilização do artigo o em o fusca. Além desse, poderíamos lembrar de “sofá”, que
termina em a e é do gênero masculino; “mão”, que termina em o e pertence ao gênero
feminino; ou, ainda, de diversos nomes da língua portuguesa que não terminam nem
em a nem em o, como “homem”, “pente”, “apagador”, “lápis”, “chapéu”, entre outras,
e são enquadradas em um determinado gênero gramatical.
Outra característica importante da categoria de gênero, conforme Câmara Jr.
(1984), é a confusão que se costuma fazer entre flexão de gênero e outras formas
aleatórias, certos processos lexicais ou sintáticos para marcar o sexo. Nesse caminho,
o autor mostra que esse é um problema comum, principalmente nas gramáticas nor-
mativas, nas quais se costuma opor o substantivo “mulher”, por exemplo, como femi-
nino de “homem”. Na verdade, “mulher” é um substantivo privativamente feminino,
que está relacionado ao substantivo “homem”, privativamente masculino, apenas por
uma correlação semântica. Esses casos que costumamos chamar de “heteronímia” não
entram na flexão de gênero português; são apenas formas de marcar o sexo dos seres.
Lyons (1979, p. 303) atenta para o fato de que esses são casos em que vocábulos estão
“semanticamente relacionadas por uma marca de gênero”.
Fato semelhante ocorre com substantivos como “imperatriz”/ “imperador”. O pri-
meiro possui um sufixo desinencial –triz, não-flexional, da mesma forma que o segun-
do possui o sufixo, não-flexional, –dor. Dizer que esse é um caso de flexão de gênero
é afirmação equívoca, é confundir flexão com derivação. O mesmo ocorre com os
substantivos “perdigão”/“perdiz”, “galo”/“galinha”, além de outros.
Câmara Jr. (1984) ressalta ainda que a flexão de gênero é um aspecto redundante
nos substantivos, além de muitos nem a apresentarem. Isso significa dizer que alguns
substantivos têm seu gênero determinado por meio de concordância com os respec-
tivos adjetivos. Entre os exemplos trazidos pelo autor, destaca-se o substantivo “casa”
– que é feminino porque deve concordar com “casa larga”, e “poeta” – que deve con-
cordar com “poeta maravilhoso”, sendo, portanto, masculino.
23
CATEGORIAS Além disso, para o autor, essa série de adjetivos e substantivos apresenta a con-
GRAMATICAIS
cordância com o artigo, que tem como função principal a especialização de sentido
aplicada automaticamente ao substantivo com o qual está engajado:

Com efeito, o artigo, que é uma partícula proclítica e em princípio se pode opor
a qualquer substantivo, tem uma forma masculina o e uma forma feminina a.
Em português, poeta é masculino, porque de diz ‘o poeta’, e rosa é feminino,
porque se diz ‘a rosa’; ao contrário, artista é ambígeno, porque se dizer ‘o
artista’, masc., mas também opositivamente, ‘a artista’, fem. Da mesma sorte:
soberbo poeta, mas soberba rosa, e, opositivamente, soberbo artista, soberba
artista (CÂMARA JR., 1976, p. 75).

Desse modo, Câmara Jr. (1984, p. 92) sugere que as gramáticas deveriam ensinar
o gênero nos nomes substantivos por meio do artigo, com base na forma masculina
ou feminina que eles sempre exigem, pois, segundo ele, a partir da identificação do
artigo torna-se mais fácil identificar o gênero ao qual os vocábulos pertencem. O autor
propõe, assim, que os substantivos sejam classificados, quanto ao gênero, em:

nomes substantivos de gênero único; ex.: (a) rosa, (a) flor, (a) tribo, (a) juriti,
(o) planeta, (o) amor, (o) livro, (o) colibri;
nomes de 2 gêneros sem flexão; ex.: (o,a) artista, (o,a) intérprete, (o,a) mártir;
nomes substantivos de 2 gêneros, com uma flexão redundante; ex.: (o) lobo,
(a) loba; (o) mestre, (a) mestra; (o) autor, (a) autora.

Cabe-nos ressaltar que em tal proposta, enquadram-se no item 1 os nomes com as


chamadas flexões por heteronímia e os nomes formados por morfemas derivacionais
apenas semanticamente relacionados. Silva e Koch (1989, p. 44) exemplificam tal item
com os seguintes vocábulos:

nomes substantivos de gênero único:


– (a) pessoa; (a) testemunha; (o) algoz; (a) mosca; (o) besouro; (a) mesa; (a)
tábua; (o) disco; (o) livro;
– (o) homem; (a) mulher; (o) bode; (a) cabra; (o) príncipe; (a) princesa; (o)
sacerdote; (a) sacerdotisa.

Como vemos, a categoria de gênero apresenta-se, conforme Câmara Jr. (1984), de


forma confusa e incoerente nas gramáticas, em virtude da incompreensão semântica
de sua natureza e da não distinção entre flexão de gênero e processos lexicais ou
sintáticos para indicar sexo. A proposta do autor de compreender a categoria como
uma distribuição em classes mórficas (masculino e feminino), estabelecida a partir do
artigo, e com a descrição feita considerando os três itens mostrados anteriormente,
sem dúvida, simplifica muito a compreensão e o ensino da categoria.
Por outro lado, não podemos negar a importância das noções de representação da
categoria aqui apresentadas, inclusive a sexual, como partes de sua história e como
24
essenciais para a interpretação de algumas nuances discursivas que são observáveis O gênero, o número
e o grau
apenas a partir do conhecimento dessas noções. É o caso do exemplo (5), destacado
anteriormente, em que a criança em fase de aquisição da linguagem relaciona o gênero
à terminação dos vocábulos (o fusca, a fusca) em uma construção de hipóteses sobre
a sua língua que não ignora a complexidade da categoria.

A categoria de número
A categoria de número indica a quantidade de indivíduos designados em um nome.
Borba (1975) afirma que, se pensarmos sob uma perspectiva lógica, é muito clara a
diferença entre um (singular) e mais de um (plural) – classe que pode ser subdividida
em dois, três, quatro etc.
No filme Caramuru. A Invenção do Brasil, há um momento em que o português
Diogo Alvarez ensina a índia Paraguaçu a beijar e a escrever, com o qual podemos
exemplificar a categoria:

(7)
- Ah pode escrever pra todo mundo ficar sabendo que você me beijou bem
muito.
- Por certo que sim.
[...]
Com um sorriso de entusiasmo, Paraguaçu pega Diogo pelos braços e o dirige
para uma cadeira:
- Beijo escreve como?
- Assim ó – Diogo começa a escrever.
- Ai faz um beijo bem grande.
- Grande ou pequeno escreve-se igual.
- Quantos beijos cabem no livro?
- Muitos, quantos quiseres – responde Diogo.
Paraguaçu senta-se à mesa e pega a pena:
- Hum hum... Vou copiar uma imensidão de vezes pra entulhar nossa história
de beijo.
Diogo, em pé, pega a pena para escrever:
- Para dizer que são muitos basta colocar a letra s no fim da palavra.
- Huum ensina de novo.
Paraguaçu se levanta e Diogo se senta e pega a pena:
- Be-i ...
- Não... De verdade.

(Caramuru. A Invenção do Brasil. Globo Filmes. Roteiro de Jorge Furtado e


Guel Arraes. Transcrição nossa).

O exemplo transcrito permite-nos mostrar a distinção principal da categoria de


número não somente na língua portuguesa como também na maioria das línguas entre
o singular (beijo) e o plural (beijos), classe indistinta em termos de quantidade (uma
imensidão de, muitos). O plural, porém, como lembra Borba (1975), diz respeito a
coisas pertencentes a uma mesma espécie, mesmo sem serem idênticas. Assim, um

25
CATEGORIAS beijo mais um beijo são dois beijos; um canário, uma galinha e um avestruz são três
GRAMATICAIS
aves; uma galinha, um cachorro e um boi são três animais; uma porta e um giz são duas
coisas; mas não são dois o lanche e a ansiedade; como não são três o paladar, o beijo
e o calor. Portanto, para o autor, embora a pluralidade suponha diferença porque en-
volve mais de um elemento, a distinção não pode ser muito grande ou fora da espécie.
Apesar de a distinção entre singular e plural ser a mais comum, encontrada na
maioria das línguas, é preciso compreender que línguas diferentes podem categori-
zar a realidade de formas não coincidentes, marcando distinções de número que são
estranhas para nós. Câmara Jr. (1980) mostra que no indo-europeu e em algumas
línguas do grupo semítico como o árabe, ao lado do número singular e plural, há o
número dual. Esse terceiro número, segundo o autor, nas línguas em que aparece,
decorre sempre de uma maneira particular de considerar a noção de par, distinta da
noção de vários, indicada pelo plural. Um exemplo pode ser o nome indo-europeu
para o par de olhos (áks). Borba (1975) também afirma a existência do dual em lín-
guas indo-europeias antigas, entre elas o grego, o sânscrito, o velho persa, o velho
irlandês, o gótico. De acordo com o autor, há, ainda, mais raras, línguas nas quais
podemos encontrar o trial (certas línguas da Melanésia) e o quadrial (presente no
aranta, do grupo australiano).
Como cada língua tem sua estrutura própria, é importante ter em mente que elas
também variam nas suas formas de marcar o singular e o plural. Ressaltamos, no en-
tanto, que não é nosso interesse mostrar como é o padrão morfológico da flexão de
número no português. Queremos apenas chamar a atenção para o fato de que as
línguas se diferenciam quanto à maneira como marcam morfologicamente a categoria
de número. Se compararmos as línguas dos personagens do filme, vemos que no tupi
antigo não há flexão de número e para marcar o plural usam-se os sufixos etá (muitos)
e tyba (grande quantidade) que são aglutinados aos vocábulos1, por exemplo, “paca-e-
tá” (muitas pacas).
No português, como podemos perceber quando Diogo diz a Paraguaçu que Para
dizer que são muitos basta colocar a letra s no fim da palavra, a diferença básica
entre o singular e o plural se faz pela ausência de marca (morfema zero Ø) em posição
à presença do morfema –s para o plural. Lembremos que Diogo está se referindo à
língua escrita, na qual o morfema –s é representado pela letra s, mas na fala acrescen-
tamos o morfema em sua expressão oral /s/, logo, em português: paca (Ø): singular
versus pacas: plural.

1 Segundo o Curso de Tupi Antigo, do Prof. Joubert di Mauro. Disponível em <http://bra-


zil1500.tripod.com/wodlingos/id31.html>. Acesso em: 06 jul. 2011.

26
Pelo caminho que vimos seguindo, podemos pensar que, como diz Câmara Jr. O gênero, o número
e o grau
(1976, p. 75), a “categoria de número é conceptualmente e morfologicamente simples
na língua portuguesa”. Lyons (1979, p. 297) chama a nossa atenção para o fato de
que, à primeira vista, a distinção entre “um” ou “mais de um” pode parecer bastante
natural, mas devemos considerar que aquilo que contamos como “um objeto”, “mais
de um objeto” ou “um grupo de objetos”, ou ainda uma “massa de material não indivi-
dualizada” no mundo inanimado é, até certo ponto, determinado pela estrutura lexical
de cada língua. O autor exemplifica com o vocábulo “uva” e mostra que ele é um subs-
tantivo contável que se pode colocar no plural em inglês (grape/grapes) e português
(uva/uvas). No entanto, o mesmo expediente não acontece em alemão (Traube) e
russo (vinograd), pois nessas duas línguas são nomes “não contáveis”. Já em francês,
raisin pode ser utilizado no singular ou como um nome “não contável” (Voulez vou
du rasin/ quer uva?), ou como um nome “coletivo” (Prenez un raisin/ coma uva). Isso
mostra que há, nas mais diversas línguas, uma categorização lexical do mundo em
termos “contáveis”, “coletivos” e “não contáveis”.
Para Neves (2000), os nomes substantivos marcados com o traço contável se refe-
rem a grandezas discretas, descontínuas e heterogêneas, passíveis de contagem e, por
conseguinte, de pluralização. Em português, nessa classe se encontram todos os no-
mes sujeitos a serem individualizados (um(a) – ato, animal, parede etc) e pluralizados
(mais de um(a) – atos, animais, paredes etc). De acordo com Nascimento (2006), to-
dos os nomes substantivos, em princípio, podem ter uma forma plural; apenas alguns
poucos têm plural de aceitabilidade duvidosa, como: giz/gizes(?), foz/fozes(?), cima/
cimas(?), arroz/arrozes(?), gravidez/gravidezes(?). A aceitabilidade do plural também é
duvidosa em algumas substâncias que não são classificadas em tipos, como determina-
dos elementos químicos: sódio/sódios(?), neônio/neônios(?), hélio/hélios(?).
Os nomes marcados com o traço coletivo são aqueles cujo singular envolve uma
significação de plural, pois, nas palavras de Câmara Jr. (1984, p. 92), é “uma peculiari-
dade da língua interpretar uma série de seres homogêneos como uma unidade supe-
rior, que, como unidade, vem no singular”. Isto quer dizer que os coletivos não fazem
referência a elementos individualizados (NEVES, 2000), porque, mesmo no singular,
eles pressupõem uma composição de indivíduos. Explicando de outra forma, é válido
dizer que a língua, quando se trata dos coletivos, interpreta a pluralidade de seres
homogêneos como um conjunto e esse conjunto é passível de ser pluralizado, pois
representa uma unidade. O nome “peixe” indica um elemento; “peixes”, mais de um; a
vários peixes da mesma espécie vistos como uma totalidade denominamos “cardume”.
“Cardume” representa um conjunto de seres. Podemos ter, assim, tanto um cardume
de tilápias, como um cardume de tainhas ou um cardume de lambaris. Cada um deles

27
CATEGORIAS é interpretado como um conjunto; portanto, no singular. Pode ser pluralizado – car-
GRAMATICAIS
dumes, como no exemplo a seguir:

(8)
Quando houve a piracema, vimos vários cardumes subindo o rio.

Além dos nomes com o traço “contável”, com o “coletivo”, temos ainda os com o
“não contável”. Esse traço está presente em nomes que se referem a grandezas contí-
nuas, entidades não passíveis de numeração:

Trata-se de referência a uma substância homogênea, que não pode ser dividida
em indivíduos, mas apenas em massas menores, e que pode ser expandida
indefinidamente, sem que sejam afetadas suas propriedades cognitivas e cate-
goriais (NEVES, 2000, p. 82).

Os vocábulos que representam essas unidades não podem, de início, ser plurali-
zados, pois não indicam a singularidade de um indivíduo. Vimos que “peixe” indica
um elemento e “peixes”, mais de um, mas o mesmo não se aplica a “gasolina”, “ferro”,
“açúcar”, “farinha”, pois esses vocábulos representam “‘quantidades contínuas’ em
que falta a conceituação de indivíduos componentes” (CÂMARA JR., 1984, p. 93).
Uma maneira simples de identificarmos os substantivos contáveis e os não con-
táveis nos é apresentada por Ilari (2005). Como os substantivos contáveis designam
elementos discretos, sem continuidade, quando são acrescentados uns aos outros re-
sultam em um plural:

Aquele carro + aquele outro carro = aqueles carros

No entanto, como os não contáveis designam porções de alguma substância, quan-


do acrescentamos outras porções da mesma substância continuamos ainda com uma
porção da mesma substância. Vejamos o exemplo muito ilustrativo dado por Ilari
(2005, p. 175):

Já havia guaraná no copo. Acrescentei mais guaraná. O que há no copo? - Guara-


ná. (Note que ninguém diria guaranás ou dois guaranás).

Além disso, como nos mostra o autor, os nomes substantivos não contáveis não
combinam, de modo geral, com vocábulos que indicam o resultado de uma contagem
realizada “por cabeças”, como os numerais cardinais e ordinais e os coletivos que
indicam número (quatro, oitenta, uma dúzia, uma centena): uma centena de canetas

28
versus uma centena de sal. A ideia de quantidade dos substantivos não contáveis de- O gênero, o número
e o grau
pende de usarmos nomes que indicam certa porção da substância, por exemplo, uma
colher de sal, duas xícaras de açúcar, um vidro de mostarda.
Câmara Jr. (1984) chama nossa atenção para o fato de que, quando esses nomes
substantivos são pluralizados, o plural não indica quantidade de indivíduos, mas tipos
diferentes. Vejamos isso em uma receita de cookie:

(9)
Em uma tigela grande, coloque os açúcares, os ovos inteiros, as duas gemas e
a baunilha.

Em uma frase como (9), açúcares não se refere à quantidade de elementos ou


grãos, mas aos tipos, qualidades diferentes de açúcar, que no caso da receita são o
açúcar cristal e o mascavo. Nessa mesma direção, Ilari (2005) afirma:

Nomes não-contáveis, quando são usados como contáveis, indicam (a) qualida-
des ou marcas comerciais de algum produto; ou ainda (b) quantidades de al-
guma substância, correspondentes a embalagens de dimensões convencionais:
uma pinga (= um cálice, normalmente um copo de 25 ml)
duas cervejas (= duas garrafas de cerveja, cada uma com 600 ml)
duas feijoadas e uma salada mista (= duas porções de feijoada e uma
porção de salada mista) (ILARI, 2005, p. 176).

Como vemos, o plural pode ser usado com significações outras que não apenas a
indicação de “mais de um indivíduo da mesma espécie”. Passamos a tratar de outros
casos que envolvem questões semânticas (de significação) e a categoria de número.
O primeiro deles é a inserção dos nomes próprios na categoria dos contáveis. Os
nomes substantivos podem expressar a espécie, chamados de substantivos comuns
– homem, gato, cidade, rio – ou um indivíduo da espécie, chamados de substantivos
próprios – Fábio, Mimi, Maringá, Tietê (LIMA, 1984).
Os substantivos próprios, segundo Neves (2000, p. 69), ao fazerem a designação
individual dos elementos a que se referem, ou seja, ao identificarem “um referente
único com identidade distinta dos demais referentes, eles não evidenciam traços ou
marcas de caracterização de uma classe, e não trazem, pois, uma descrição de seus
referentes”. Então, podemos pensar que a individualização e a distinção em relação
aos demais referentes da classe, designando entidades únicas, tornariam o substantivo
próprio incompatível com a noção de contável. No entanto, a autora mostra duas pos-
sibilidades nas quais ele pode passar a designar um indivíduo de um conjunto, isto é,
pode passar a contável:
a) para designar um indivíduo que têm aquele nome próprio:

29
CATEGORIAS (10)
GRAMATICAIS A: - Quando eu pus na tomada o aparelho não funcionou.
B: - Quem atendeu você?
A: - Quem me atendeu foi um Márcio, baixinho, do cabelo preto.

b) para designar um indivíduo que tem características de algum indivíduo designa-


do por aquele nome próprio:

(11)
A: - Agora quem faz sucesso é o Justin Bieber e a Lady Gaga.
B: - É, mas o Justin Bieber e a Lady Gaga ainda têm que comer muito feijão para
terem a fama e o dinheiro de um Michael Jackson ou de uma Madona no
mundo pop.

No primeiro (10), entre as possibilidades de indivíduos com o nome Márcio, o lo-


cutor demarcou um deles, tornando o substantivo próprio contável; em (11) Michael
Jackson e Madona são ícones do mundo pop; logo, quando seus nomes são colocados
no grupo dos contáveis, passam a designar todos os cantores com as características
apresentadas por eles.
Os nomes próprios usados no plural, conforme Neves (2000), têm significado par-
ticular. Os sobrenomes referem-se a um casal, como no exemplo (12), no qual o sobre-
nome pluralizado indica o marido e a esposa:

(12)
Eles convidaram os Thomés para padrinhos de casamento.

No exemplo a seguir, podemos ver a outra referência do sobrenome no plural, a


indicação de pessoas da mesma família:

(13)
Os Maias eram uma antiga família da Beira, sempre pouco numerosa, sem li-
nhas colaterais, sem parentelas – e agora reduzida a dois varões; o senhor da
casa, Afonso da Maia, um velho já, quase um antepassado, mais idoso que o
século, e seu neto Carlos que estudava medicina em Coimbra (QUEIROZ, 1980,
p. 10, grifos nossos).

O exemplo (13) merece destaque, pois mostra que o sobrenome, ao se referir a um


único elemento da família não é pluralizado – Afonso da Maia –, mas o é quando se
refere às pessoas que compõe a família – Os Maias. O sobrenome no plural é também
o título do romance, pois conta a história de três gerações da família, envolvendo,
portanto, várias pessoas da mesma linhagem.
Por sua vez, os nomes de pessoas no plural, que representam substantivos próprios
usados como substantivos contáveis, para Neves (2000), referem-se a:

30
a) pessoas que tenham o mesmo nome, como podemos ver pelos exemplos a O gênero, o número
e o grau
seguir:

(14)
Não quis pôr o nome do pai no filho dele. Disse que já tem Josés demais na
família.
(15)
Na minha sala tem duas Katiúcias. Achei estranho, porque não é um nome
comum.
(16)
O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria (...)
(MELO NETO, 2003, p. 70, grifo nosso).

b) pessoas com qualidades ou características semelhantes:

(17)
‘Precisamos ter cuidado com essas madalenas arrependidas’ (grifo nosso).2
(18)
De Joões, Marias e Josés
Anda o mundo composto, lés a lés,
Que são principalmente os que exercitam suas fés
No “jogo democrático”, elegendo Manés e Barnabés
(CHAVES, 2010, grifos nossos).

Esse é um tópico importante a ser comentado, para podermos entender o valor


conotativo que os nomes pluralizados passam a ter e como isso permeia a significação.
O exemplo (17) faz parte de uma notícia veiculada on-line e, o que nos interessa
ressaltar, é a pluralização do nome Madalena que o senador Delcídio do Amaral faz
para se referir aos políticos do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Ao pluralizar o
nome e, consequentemente, a expressão popular, o senador atribui a todos os pede-
tistas as características da Madalena bíblica: o arrependimento, a busca pelo perdão e
a promessa de não mais pecar/errar. O plural do nome traz, portanto, um valor cono-
tativo para o vocábulo.
O exemplo (18) é a primeira estrofe do poema de Chaves (2010) que, ao pluralizar
os nomes, também lhes atribui valores conotativos. Joões, Marias e Josés remetem me-
tonimicamente para o povo brasileiro, seu coletivo, tanto pela grande presença desses

2 (Disponível em: <http://www.jardimonline.com.br/index.php?pg= noticia&id=4048>. Acesso em:


7 jul. 2011.

31
CATEGORIAS nomes entre os habitantes do Brasil, indicado no verso Anda o mundo composto, lés
GRAMATICAIS
a lés, quanto pela qualificação que lhes é atribuída no próprio poema pelos versos
seguintes: Que são principalmente os que exercitam suas fés/ No “jogo democrático”,
elegendo Manés e Barnabés. A conotação também se presentifica na pluralização de
Manés e Barnabés, pois tais nomes são normalmente utilizados para se referirem a
indivíduos tolos, sem aptidões. Pelo plural dos nomes, o poema opõe a boa fé do povo
brasileiro à inaptidão, à tolice dos políticos. Com esse poema, podemos verificar mais
explicitamente a observação de Câmara Jr. (1984) de que a pluralização de um nome
próprio tem um efeito estilístico, que pode provocar no ouvinte uma reação afetiva
de exaltação ou de desprezo, trazendo uma contribuição para o entendimento do
significado.
Neves (2000, p. 111) afirma que os nomes pluralizados de pessoas ocorrem tanto
com a letra inicial maiúscula quanto minúscula, porém o emprego da inicial minúscula
acentua a utilização do nome substantivo “como designador de um atributo ou um
conjunto de atributos da pessoa”.
c) membros de uma mesma dinastia ou família de imperadores:

(19)
As memórias relacionavam-se aos feitos dos monarcas, criadores da nação: o 7
de setembro, o 29 de junho, o Dia de São Pedro, o santo protetor dos Pedros,
imperadores brasileiros (grifo nosso).3

Outra aplicação semântica do plural, diversa de sua aplicação no singular é, segun-


do Câmara Jr. (1984), o seu uso para indicar amplitude. Nesses casos, o plural não
marca mais de um, mas uma grande abrangência, grande extensão. Vejamos:

(20)
No princípio Deus criou os céus e a terra. A terra era informe e vazia, as trevas
cobriam o abismo e o espírito de Deus pairava sobre as águas. (BÍBLIA SAGRA-
DA, [19--], p. 13, grifos nossos).

No exemplo, os vocábulos céus, trevas e águas não indicam, pelo plural, mais
de um, mesmo porque são elementos não contáveis. A pluralização indica a imen-
sidão, a grande amplitude de tais elementos no momento da criação. Para Câmara
Jr. (1984, p. 92), no caso de vocábulos como esses, existe um singular, muito mais
ou muito menos usado, em que o conceito de amplitude deixa de se expressar por

3 Disponível em: <http://www.editoracontexto.com.br/produtos/pdf/DICIONARIO%20DE%20


DATAS%20DO%20BRASIL_INTRO.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2011.

32
meio de um morfema flexional de plural. Encontramos, portanto, “treva”, “céu”, O gênero, o número
e o grau
“água” e outros vocábulos como “mar” e “ar”, em que o singular não traz a noção
de amplitude.
Câmara Jr. (1984) chama nossa atenção para o fato de que tanto o plural para a ex-
pressão da amplitude, mostrado anteriormente, como o plural para a indecomposição
linguística de uma série de partes componentes foram reunidos na gramática greco
-latina sob a designação de pluralia tantum. Para entendermos o que o autor deno-
mina “indecomposição linguística de uma série de partes componentes” é necessário
compreendermos que há nomes que só são empregados no plural como “núpcias” e
“exéquias” (cerimônias ou honras fúnebres). Para o autor, esses nomes referem-se “a
um conjunto de atos, vistos, linguisticamente, apenas em globo, sem apresentarem,
portanto, um singular mórfico correspondente”, como em:

(21)
A operadora de turismo Release Travel vem tentando atrair homens para um
albergue para surfistas em Cornualha para o que chama de ‘Fuga das Núpcias
Reais’ (grifos nossos).4

No exemplo (21), o vocábulo Núpcias engloba o todo conjunto de atos que envol-
vem a celebração de casamento do príncipe William e a duquesa Kate Middleton da
Inglaterra, dos quais a agência de turismo propõe que os homens se afastem. Isto quer
dizer que, embora fora da língua possamos entender que tais vocábulos remetem a
uma série de partes componentes, linguisticamente, a forma plural do nome se repor-
ta a uma conceito indecomponível.
Neves (2000) apresenta em sua obra um item no qual afirma que há substantivos
que só se usam no plural, denominados por ela de pluralia tantum. A partir de exem-
plos de uso efetivo em várias fontes, coloca nesse grupo não somente vocábulos como
os apresentados por Câmara Jr. (1984), como também outros que se referem à ideia de
conjunto sem indicar necessariamente um conjunto de atos ou a amplitude: adema-
nes; afazeres; alvíssaras; anais; arredores; Belas-Artes; cãs; condolências; confins; en-
doenças; espadas, ouros, copas e paus (cartas do baralho); núpcias; óculos; pêsames;
trevas e víveres. Zanotto (2001) afirma que nomes dessa ordem podem deixar entrever
partes componentes diversas, etapas sucessivas e desdobramentos variados que devem
ser estudados de forma mais aprofundada pela Semântica.

4 Disponível em:< http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110421/not_imp709196,0.php>.


Acesso em: 11 jul. 2011.

33
CATEGORIAS Finalmente, importa mostramos que há nomes cuja significação é diferente depen-
GRAMATICAIS
dendo de o vocábulo estar no singular ou no plural. Encontramos na fala popular a
seguinte frase:

(22)
Antes do casamento é meu bem e, depois do casamento, na separação são os
meus bens.

O trocadilho popular joga com uma possibilidade que a língua nos oferece: fazer
a distinção semântica dos diferentes sentidos do vocábulo no singular meu bem (meu
querido/amado) e a do plural meus bens (minhas propriedades). Além desse par, ou-
tros vocábulos podem ser listados, entre eles: copa (ramagem) x copas (naipe); cobre
(metal) x cobres (propriedades, dinheiro); costa (litoral) x costas (dorso); ferro (me-
tal) x ferros (ferramentas, aparelhos), humanidade (gênero humano) x humanidades
(letras clássicas). Para Zanotto (2001, p. 77), nesses casos “o morfema designativo
de plural exerce a função de verdadeiro morfema derivativo. Cria-se, no plural, novo
vocábulo semântico”.
Como vimos, a categoria de número marca essencialmente a distinção entre “um”
e “mais de um” e, embora haja empregos especiais no uso do singular e do plural, é
preciso deixar claro que estatisticamente na língua portuguesa eles são pouco relevan-
tes para complicar a compreensão da categoria.

A categoria de grau
A categoria de grau exprime noções de aumento ou diminuição que são aplicáveis
aos nomes, nos substantivos quanto ao seu volume (gradação dimensiva) e nos adje-
tivos quanto à sua intensidade (gradação intensiva). Manifestamos, portanto, pela ca-
tegoria de grau, o aumento ou a diminuição de um ser, relativamente ao seu tamanho
normal ou a intensidade maior ou menor de uma qualidade (LIMA, 1984).
Vejamos, pela reprodução de um diálogo informal, exemplos de como a gradação
pode se expressar linguisticamente:

(23)
- Sua cachorrinha... de que raça é?
- Lhasa.
- Ela é menor do que o da Terezinha e o da Sandra.
- É, eu prefiro cachorro pequeno, eu não gosto de cachorro grande. Cachor-
rão dá trabalho para comer e para gente limpar a sujeira.

O exemplo (23) nos permite mostrar que a manifestação do grau está presente no
cotidiano das pessoas que, muitas vezes, nem se dão conta dos diferentes usos que

34
fazem para expressar a gradação. Verificamos que os interlocutores estabelecem uma O gênero, o número
e o grau
escala gradativa em relação ao tamanho dos cachorros, que vai do menor ao maior,
demonstrada no grau do substantivo por cachorrinha/cachorro pequeno, cachorro
grande/cachorrão, e do adjetivo (pequeno) por menor do que, vistos em relação ao
que se considera um cachorro de tamanho normal. Para Vieira e Vieira (2008, p. 63):

Processo cognitivo avaliativo do mundo, a gradação/intensificação constitui um


recurso semântico-argumentativo muito produtivo na língua portuguesa, em-
pregado para indicar que a dimensão ou a intensidade de dado elemento ultra-
passa os limites do que se concebe como relativamente normal/neutro a ele. Por
exprimir uma avaliação de tamanho, de quantidade, de qualidade ou intensida-
de de determinado ser, o grau pressupõe, explícita ou implicitamente, juízos
de graus anteriores. Desse modo, pode-se afirmar que a noção de grau implica
sempre comparação entre pelo menos dois valores de uma escala gradativa.

Ao atentarmos para o uso do grau, vale ressaltar a afirmação de Sapir (1961), para
quem o grau como processo psicológico é sempre anterior à medida e à contagem.
De acordo com o autor, sempre estabelecemos juízos de graus preliminares, ainda que
não explicitamente, ao realizarmos avaliações de quantidade em termos de unidades
de medidas, ou em termos numéricos. Assim, quando olhamos duas coisas distintas,
antes de avaliarmos que A é dois metros maior do que B, de que em A cabem duzentos
litros a mais do que em B, já estabelecemos primeiramente que A é maior do que B.
As gramáticas normativas amparadas pela Nomenclatura Gramatical Brasileira –
NGB (NOMENCLATURA..., 1999) colocam como flexão de grau para os substantivos
o aumentativo e o diminutivo, que se expressam sintética ou analiticamente. No pri-
meiro caso, acrescentamos sufixos aos vocábulos, como em cachorr –inha e cachorr
–ão. Expressamos, portanto, a categoria por um processo morfológico, com variação
vocabular. No segundo, acrescentamos um adjetivo que indique aumento (cachorro
grande) ou diminuição (cachorro pequeno). Expressamos, portanto, a categoria por
um processo sintático, envolvendo a relação entre vocábulos.
Cunha (1986) chama nossa atenção para o fato de que as noções de aumento ou
diminuição de um ser na maioria das vezes são indicadas pelas formas analíticas, es-
pecialmente pelos adjetivos “grande” e “pequeno”, ou similares, que acompanham os
substantivos. Entretanto, as formas sintéticas estão mais relacionadas ao uso afetivo/
emotivo da linguagem, exprimindo valores apreciativos/positivos ou depreciativos/
negativos. Embora isso possa ser válido para um número grande de usos, é sempre
necessário observarmos o contexto de produção no qual o grau aparece para estabe-
lecermos se há uma manifestação de dimensão ou de um juízo de valor. Vejamos os
exemplos abaixo:

35
CATEGORIAS (24)
GRAMATICAIS Quando uma mulher pequena
Vem falar no meu ouvido
O meu coração dispara
Chego até fazer ruído
Fica na ponta dos pés
Se pendura como louca
Olha o céu e fecha os olhos
Pra ganhar beijo na boca
(Mulher pequena. Roberto Carlos, grifos nossos)5.
(25)
Foi em outra casa que um menino esperto teve uma ideia esperta:
— Mamãe, se eu botasse essa mulherzinha africana na cama de Paulinho en-
quanto ele está dormindo? Quando ele acordasse, que susto, hein! Que berro,
vendo ela sentada na cama! E a gente então brincava tanto com ela! A gente
fazia ela o brinquedo da gente, hein! (LISPECTOR, 1990, p. 91).
(26)
Mulherzinha é um estrupício que acha que a realização de toda mulher
está no casamento, por isto muitas deixam de estudar quando já sabem ler e
escrever o nome, ficando à espera de um só marido para sustentá-las! (grifo
nosso).6
(27)
Homem grande sente menos dor do que mulher pequena? (grifos nossos).7
(28)
‘’Pela foto ficou um homão bonito. Não iria conhecer meu filho jamais’’
(grifos nossos).8
(29)
Uma das minhas mais amáveis amigas conheceu um homão.
Antes disso, ela andava como grande parte das mulheres, conhecendo
homenzinhos. Homenzinhos que somem, que nunca mais ligam nem para
saber se a febre passou, que dão telefone errado, que perguntam se a gente
tem camisinha [...] (grifos nossos).9

No exemplo (24), ao usar o diminutivo analítico mulher pequena, o eu-lírico ex-


pressa pelo grau o tamanho da mulher, ou seja, em uma escala que considera a mulher
de estatura mediana, vista como em um grau normal, a mulher da canção é menor. Isso
é facilmente comprovado pelos versos seguintes, nos quais é mostrada a necessidade
de ela ficar na ponta dos pés, pendurar-se e olhar o céu pra ganhar beijo na boca.

5 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/roberto-carlos/mulher-pequena.html>. Acesso em:


11 jul. 2011.
6 Afinal, o que é ser uma Mulherzinha. Disponível em: <http://www.revistaandros.com.br/ mulherzi-
nha.html>. Acesso em: 13 jul. 2011.
7 Disponível em: <http://www.clinicademassagem.net.br/massoterapia/um-homem-grande-sente-me-
nos-dor-do-que-uma-mulher-pequena>. Acesso em: 13 jul. 2011.
8 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080918/not_imp243826,0.php>.
Acesso em: 13 jul. 2011.
9 CAVALCANTI, T. O homão. [S. l.: s. n.]. Disponível em: <http://www.taticavalcanti.com.br/?p=507>.
Acesso em: 13 jul. 2011.

36
A expressão da dimensão, do tamanho também está presente no diminutivo sinté- O gênero, o número
e o grau
tico mulherzinha, no conto de Clarice Lispector. A referência é feita à menor mulher
do mundo encontrada por um explorador francês nas profundezas da África Equato-
rial. Uma parte do conto, da qual faz parte o exemplo (25), explora a estranheza e as
reações que a mulherzinha, de tamanho tão diminuto, causa em pessoas da sociedade
ocidental.
Embora utilize a mesma forma para marcar o diminutivo, no exemplo (26), mu-
lherzinha não se refere a uma gradação da dimensão, mas a uma expressão afetiva, de
valor pejorativo. A definição apresentada do que seja uma mulherzinha é ideologica-
mente construída a partir de um ponto de vista feminista, que despreza as mulheres
que buscam a realização no casamento, param de estudar e esperam ser sustentadas
pelo marido.
No exemplo (27) encontramos os graus aumentativo e diminutivo analíticos para
marcar a dimensão dos seres. No contexto – um site sobre massoterapia –, o questio-
namento relaciona inversamente a intensidade da dor ao tamanho dos seres: homem
grande x mulher pequena.
O exemplo (28) é uma manchete que reproduz por meio das aspas a fala de uma
mãe que encontrou o filho de 26 anos o qual não via desde “os 14 ou 15”. Nele, o grau
aumentativo sintético marca o tamanho do filho aos 26 anos; portanto, um homão
comparado àquele da lembrança da mãe quando ele desapareceu.
Macambira (1982) afirma que, sob o aspecto mórfico, pertence à classe dos substanti-
vos todo vocábulo variável que admite os sufixos –inho(a) ou – zinho(a), –ão(ona) ou
–zão(zona), correspondentes, respectivamente, a pequeno(a) e grande. Portanto, o autor
classifica o substantivo, lançando mão de oposições formais quanto ao grau. Macambira
(1982), entre outros exemplos, emprega o vocábulo “homão”, afirmando que, por ser
coloquial, popular, pode ser mais útil como exemplo do que o literário “homenzarrão”.
A nosso ver, a afirmação do autor demonstra que os falantes de uma língua, inde-
pendente de sua classe social, são capazes de usar, de estender seus conhecimentos
linguísticos a novas situações para interagirem. Assim, como a manifestação do grau
aumentativo é realizada pelo acréscimo do sufixo –ão em outros vocábulos coloquiais
(“cachorrão”, “panelão”, “sopão”) a mãe, cuja fala foi reproduzida, utilizou seus co-
nhecimentos e aplicou a mesma regra no vocábulo “homem”.
Pelo exemplo (29) vemos que o aumentativo sintético homão já extrapolou o uso
coloquial da língua falada e chegou à produção textual de blogueiros e cronistas10.

10 O vocábulo também intitula a crônica de Marta Medeiros: O homão. Disponível em: <http://pensa-
dor.uol.com.br/frase/NjEyODI3/>. Acesso em: 13 jul. 2011.

37
CATEGORIAS Nesse exemplo, opõem-se dois vocábulos no grau aumentativo sintético, os quais se
GRAMATICAIS
voltam para o uso afetivo do grau, demonstrando um valor positivo (homão) e um
negativo (homenzinhos), instituídos a partir de como os homens tratam as mulheres.
Pelos exemplos (24) a (29), objetivamos não só exemplificar as formas do grau
aumentativo e do diminutivo sintético e analítico, mas também mostrar que, embora
certas formas de expressão do grau sejam mais usadas para exprimir determinados
sentidos, como afirma Cunha (1986), é importante, como dissemos, observar o con-
texto de uso do grau para identificarmos os sentidos aos quais a manifestação da cate-
goria nos remete.
Cabe-nos mostrar ainda, como lembra Cunha (1986), que muitos vocábulos, ori-
ginalmente aumentativos ou diminutivos, adquiriram significados especiais com a
passagem do tempo, inclusive com sentidos dissociados do vocábulo derivante, en-
tre eles podemos citar: “portão”, “cartão”, “papelão”, “calção”, “cartilha”, “folhinha”
(calendário), “corpete”. Ao pensamos no sentido de “portão”, não o relacionamos ao
aumentativo de porta, pois o vocábulo se vulgarizou com o sentido de objeto que dá
acesso ao jardim ou ao quintal de uma casa. A constatação de que os significados de
tais vocábulos não se associam mais ao aumentativo ou diminutivo dos vocábulos dos
quais derivam é a possibilidade que temos de atribuir a eles um grau aumentativo ou
diminutivo: “portão grande”/ “portãozão”; “portão pequeno”/ “portãozinho”.
Quanto aos adjetivos, a NGB subdivide a categoria de grau em comparativo e su-
perlativo. No primeiro, comparamos a mesma característica atribuída a dois ou mais
seres ou duas características de um mesmo ser (CIPRO NETO; INFANTE, 1997). O
comparativo pode ser de igualdade (tão adjetivo quanto/como), inferioridade (me-
nos adjetivo (do) que) e superioridade. Este último pode aparecer tanto na forma
analítica (mais adjetivo (do) que) – mais comum – quanto na sintética, para a expres-
são da superioridade dos adjetivos “bom”  “melhor”, “mau”  “pior”, “grande” 
“maior” e “pequeno”  “menor”.
A maioria dos falantes domina os processos sintático e morfológico de indicação do
comparativo e os utilizam na interação. No entanto, em grupos menos escolarizados,
encontramos, por vezes, o uso do comparativo analítico para expressão da superiori-
dade, em construções que são rejeitadas pela norma padrão: “mais bom”, “mais mau”,
“mais grande” e “mais pequeno”. Tais construções, embora rejeitadas pela norma pa-
drão e pelas gramáticas normativas, não deixam de expressar a categoria e de demons-
trar uma escala intensiva do adjetivo elaborada pelo falante.
A NGB divide o superlativo em relativo e absoluto. No superlativo relativo, a in-
tensificação da característica atribuída pelo adjetivo é feita em relação a todos os de-
mais seres de um conjunto que a possuem (CIPRO NETO; INFANTE, 1997), podendo

38
exprimir, sempre de forma analítica, superioridade (o/a mais adjetivo de) ou infe- O gênero, o número
e o grau
rioridade (o/a menos adjetivo de). Excetuam-se as formas do superlativo relativo de
superioridade dos adjetivos “bom”, “mau”, “grande” e “pequeno” que são sintéticas:
“o melhor”, “o pior”, “o maior” e “o menor”.
No superlativo absoluto, a característica atribuída pelo adjetivo a determinado ser
é intensificada, transmitindo a ideia de excesso, que pode ser expressa: a) analitica-
mente, com a participação de um advérbio que indique intensidade como “muito”,
“demasiadamente”, “excessivamente” mais o adjetivo; ou b) sinteticamente, com o uso
de sufixos, principalmente o –íssimo, que adicionamos ao adjetivo.
Entretanto, além dessas maneiras de marcarmos o superlativo, comumente encon-
tradas nas gramáticas, linguistas e alguns gramáticos têm mostrado que o superlativo
pode se manifestar de outras formas, que também revelam a intensificação da caracte-
rística atribuída pelo adjetivo.

Consegue-se ainda o superlativo absoluto dos adjetivos: empregando-se prefi-


xos que dão ideia de aumento (arquimilionário, superelegante, ultra-radical,
etc), repetindo-se o adjetivo (mãos macias, macias), mediante comparação
curta (liso como quiabo, feio como o diabo, linda como ela só, etc); empre-
gando-se certas expressões populares (linda de morrer, feio que dói; podre de
rico, etc); usando-se o adjetivo com o sufixo –inho (grandinho, feinho, etc);
empregando-se o artigo definido com alguma ênfase (Foi a festa, Superman
– o filme); empregando-se a expressão um senhor ou uma senhora, também
com ênfase (Dr. Luís é um senhor cirurgião! Cláudia é uma senhora mulher1)
(SACCONI, 1983, p. 74).

Uma esfera produtiva para exemplificarmos o uso da categoria é a propaganda,


pois nela escalas de grau geralmente estão presentes para diversos fins. O exemplo
(30) é uma das peças publicitárias da campanha “Conto de fadas”, da empresa O Boti-
cário. Nas revistas, o texto com aspas, apresentado a seguir, substituiu o presente nos
outdoors, acompanhando a fotografia:

(30)
“Um belo dia, uma linda donzela usou O Boticário. Depois disso, o dragão que
ela tanto temia ficou mansinho, mansinho e nunca mais saiu de perto dela”
(grifos nossos)11

11 Disponível em: <http://acruelcompanhia.blogspot.com/2009/09/historia-sempre-se-re-


pete.html>. Acesso em: 15 jul. 2011.

39
CATEGORIAS
GRAMATICAIS

Sucintamente, podemos dizer que a propaganda subverte os contos de fadas, nos


quais a donzela teme um dragão feroz e espera por salvação, vendendo a ideia de que
as mulheres consumidoras dos produtos O Boticário são sensuais e capazes “domar” os
monstros/homens que desejam, representados no anúncio pelo rapaz com a tatuagem
do dragão no braço. O uso dos produtos O Boticário demarcam um antes (temer o
dragão) versus um depois (deixá-lo mansinho, mansinho). A expressão do grau assu-
me papel relevante na persuasão do público consumidor, pois é por meio da categoria
que o poder da mulher que usou O Boticário se comprova. O superlativo absoluto é
expresso pelo sufixo –inho e, ainda, pela repetição do vocábulo. A mansidão do dragão/
homem, portanto, é elevada ao grau máximo, demonstrando o poder feminino.
Além das diversas maneiras apontadas anteriormente de marcar a categoria, po-
demos nos surpreender com outras formas inesperadas utilizadas pelos usuários da
língua para expressar a gradação. Reproduzimos abaixo, retirando o nome da pessoa,
uma pichação feita anos atrás em um muro de uma cidade do interior de São Paulo:

(31)

No exemplo (31), o superlativo é marcado na escrita pelo acento e por sua di-
mensão. Ao colocar um acento em um lugar onde as normas da língua escrita não o
admitem e ao exagerar no tamanho de sua representação, o pichador obriga-nos a
realizar uma leitura que prolonga a pronúncia da vogal posterior, média, aberta. Esse
prolongamento implica uma escala com valores graduais na qual o vocábulo da manei-
ra como está escrito e deve ser lido expressa o superlativo, correspondendo a “muito
horrorosa”, à “horrorosíssima”.
40
Além das formas diferentes de se marcar o grau, outra questão levantada pelos O gênero, o número
e o grau
linguistas é se a expressão da categoria se dá por flexão, como aponta a NGB e as gra-
máticas normativas, ou por derivação. Essa discussão não é fortuita, visto que implica
a compreensão de como os sentidos são expressos na categoria de grau e a possibili-
dade de existência de um padrão regular para realizá-la. Souza afirma que não há um
posicionamento unânime, mesmo entre os linguistas, no que se refere ao tratamento
do grau como processo de flexão ou derivação.
Câmara Jr. (1984, 2000) parte do gramático latino Varrão (116 aC – 26 aC) para
diferenciar os processos de flexão e derivação:

Desde Varrão, que opunha a derivatio naturalis à derivatio voluntaria, [...]


faz-se uma distinção, na descrição gramatical, entre morfemas que criam no-
vas palavras, ditos de “derivação”, e morfemas de “flexão”, que adaptam cada
palavra às condições específicas de dado contexto (CÂMARA JR., 1984, p. 48).

O autor argumenta que a derivação não apresenta uma série sistemática e obriga-
tória para o léxico da língua, pois pode aparecer para um vocábulo e faltar para outro
similar; os morfemas não constituem um quadro regular, coerente e preciso. Além dis-
so, é opcional o uso do vocábulo derivado, o que sugeriu para Varrão o adjetivo volun-
taria. Em oposição, há na flexão sistematização coerente e obrigatoriedade imposta
pela própria natureza da frase, daí o nome naturalis para Varrão. A flexão também é
obrigatória, ao contrário da derivação. Em síntese temos:

Critérios Flexão Derivação


Regularidade + -
Concordância + -
Opcionalidade - +

Se observamos a flexão de gênero, por exemplo, percebemos que ela estabelece


um paradigma regular e sistemático, com o morfema Ø para o singular e o morfema
–a, com apenas seis alomorfes (CÂMARA JR., 1984), para marcar o feminino. Há, por-
tanto, um modo de operar bem definido “dentro de um quadro de possibilidades
preestabelecidas pela gramática” (ZANOTTO, 2001, p. 64). No entanto, para a marca-
ção do grau tanto para os substantivos como para os adjetivos, encontramos, como
vimos anteriormente, processos morfológicos e sintáticos, impossibilitando uma siste-
matização, uma série fechada. O comparativo, por exemplo, seja o de igualdade, seja
o de superioridade, seja ainda o de inferioridade, não apresenta qualquer alteração
mórfica do adjetivo, expressando-se somente por expedientes sintáticos. Por sua vez,
para indicar o diminutivo, podemos utilizar em alguns vocábulos vários sufixos, como
em livr–inho, livr–eco, livr–ico, livr–eto.
41
CATEGORIAS Quanto ao segundo critério, Zannoto (2001) afirma que a flexão “impõe a concor-
GRAMATICAIS
dância”. Em menin–a lind–a, verificamos que a concordância de gênero é imposta pela
estrutura da língua portuguesa. Contudo, podemos dizer menininha linda, menininha
lindinha ou menina linda, linda ou ainda usar outras formas para marcar o grau do
adjetivo, pois não há obrigatoriedade da concordância.
Finalmente, o emprego do grau é de uso livre, depende da escolha do falante; é o
usuário da língua que decide se diz, por exemplo, menina linda, lidinha ou lindíssima.
A flexão, no entanto, não é opcional, não cabe ao falante a decisão de flexionar ou
não um vocábulo. Portanto, concordamos com Câmara Jr. (1984, 2000) que o grau se
enquadra nos processos derivacionais. Nas palavras de Zanotto (2001, p. 65):

Conclui-se com facilidade, então, que o grau apresenta as características dos


fatos derivacionais. Sua inclusão entre as possibilidades flexivas da língua de-
ve-se a uma atitude de imitação à gramática latina, em que havia motivos para
enquadrar o grau entre as flexões. Mas a inércia dos gramáticos deixou essa
situação reproduzir-se até hoje.

Pelo que apresentamos, vemos que o grau é um processo derivacional, que as for-
mas de expressão da categoria disponíveis aos falantes são diversas na língua portu-
guesa e que, por meio delas, o usuário da língua é capaz de produzir os mais diferentes
sentidos no jogo interacional.

Conclusão
Neste capítulo, buscamos apresentar as categorias gramaticais nominais de gênero,
número e grau, a partir de algumas das suas principais características e de suas rela-
ções com situações discursivas observadas em contextos reais de uso da linguagem,
como o diálogo informal, a propaganda, a bíblia sagrada, entre outros que vimos des-
tacando aqui.
Caracterizadas por meio desses contextos, esperamos ter possibilitado a visuali-
zação de algumas das relações capazes de serem estabelecidas entre a linguagem e o
mundo, entre a linguagem e a sua utilização no universo social por falantes concretos,
em situações discursivas diversas, e para atender a fins específicos de interação por
meio da língua.
Dessa forma, a partir de alguns estudos de linguistas e gramáticos, vimos que o gê-
nero não pode ser compreendido apenas como uma dicotomia classificatória respon-
sável pela organização dos nomes em masculinos e femininos, muito menos a partir
de uma relação direta entre gênero e sexo dos seres. Como foi destacado, o gênero é
uma categoria complexa, imersa em noções históricas e sociais que merecem ser (re)
conhecidas para a melhor compreensão da categoria.

42
Quanto à categoria de número, destacamos, entre outras questões, a importância O gênero, o número
e o grau
de que sua compreensão ultrapasse a noção de quantidade estabelecida entre um
e mais de um elemento, desvelando noções como a de contável/não-contável, a de
coletivo, entre outras capazes de revelar outras faces além da tradicionalmente a ela
associada – o singular/plural, trazidos de forma estéril em matérias didáticos da língua
portuguesa.
Por fim, ao tratarmos do grau, buscamos sustentar que a categoria se manifesta me-
diante noções semânticas de gradação, passíveis de serem observadas não só por meio
de morfemas derivacionais, mas ainda por outras formas capazes de atribuir ideias
específicas no uso da linguagem. Abordamos também uma questão frequente nos es-
tudos linguísticos: se o grau é uma categoria flexional ou derivacional.
Vistas dessa forma, acreditamos que as categorias possam ser fonte essencial de es-
tudos para profissionais preocupados com a linguagem e com o seu ensino, pois os fe-
nômenos da língua aqui focalizados apresentam-se de forma contextualizada, de modo
a representar possibilidades de análise da língua em situações discursivas cotidianas.
Como já ressalvamos anteriormente, não temos a pretensão de apresentar o nosso
objeto de análise – as categorias nominais – em sua completude, pois sabemos que
essa não é uma tarefa possível de ser realizada, especialmente no curto espaço de um
capítulo. Isso não significa, porém, que estas páginas não representem um quadro
de noções importantes e exemplares a respeito dessas categorias, noções capazes de
permitir que elas sejam analisadas não apenas a partir de suas características morfoló-
gicas, mas também, e, principalmente, por meio de questões que revelam suas diversas
facetas de análises, compreensões e relações com o universo social.

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Proposta de Atividades

1) Leia o seguinte exercício retirado de um livro didático de 4ª série:


Ligue o substantivo masculino ao substantivo feminino correspondente:

Ator cabra cavaleiro vaca


Bode juíza cavalheiro ovelha
Genro atriz zangão amazona
Juiz nora touro dama
Príncipe profetisa carneiro abelha
Profeta princesa herói heroína

(GODOY, M. Língua portuguesa: 4ª série São Paulo: Ática, 2001. p. 161. (Coleção nosso
mundo).

46
Com base nos conhecimentos sobre a categoria de gênero adquiridos por meio da leitura O gênero, o número
e o grau
deste capítulo, analise os “pares” de vocábulos apresentados no exercício acima proposto e
apresente suas reflexões e críticas a respeito.

2) Explique a relação entre a complexidade que envolve a categoria de gênero e os sentidos


estabelecidos especialmente pelo efeito de humor presente no texto abaixo:

SEXA

- Pai...
- Hmmm?
- Como é o feminino de sexo?
- O quê?
- O feminino de sexo.
- Não tem.
- Sexo não tem feminino?
- Não.
- Só tem sexo masculino?
- É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.
- E como é o feminino de sexo?
- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
- O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra “sexo” é masculina. O sexo
masculino, o sexo feminino.
- Não devia ser “a sexa”?
- Não.
- Por que não?
- Porque não! Desculpe. Porque não.”Sexo” é sempre masculino.
- O sexo da mulher é masculino?
- É. Não! O sexo da mulher é feminino.
- E como é o feminino?
- Sexo mesmo. Igual ao do homem.
- O sexo da mulher é igual ao do homem?
- É. Quer dizer... Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo feminino, certo?
- Certo.
- São duas coisas diferentes.
- Então como é o feminino de sexo?
- É igual ao masculino.
- Mas não são diferentes?
- Não. Ou, são!Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.
- Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
- A palavra é masculina.
- Não. “A palavra” é feminino. Se fosse masculino seria “o pal...”
- Chega! Vai brincar, vai.
O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:
-Temos que ficar de olho nesse guri...
- Por quê?
- Ele só pensa em gramática.
( VERÍSSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 53).

47
CATEGORIAS 3) Explique a significação que o plural apresenta nos nomes grifados:
GRAMATICAIS
a) Botucatu: a cidade dos bons ares e das boas escolas.
(Disponível em <http://cidadespaulistas.com.br/prt/cnt/mp-princid-086.htm>. Aces-
so em: 11/jul./2011)
b) Eles enriqueceram enquanto o mundo ruía, conquistaram o Senado, a Casa Branca e
inúmeras beldades de Hollywood. Não fossem as tragédias que assombram sua histó-
ria, os Kennedys seriam uma família invejável.
(Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/kennedys-rea-
leza-americana-494363.shtml>. Acesso em: 11 jul. 2011)

4) Analise e indique quais são os nomes contáveis e os não-contáveis no modo de preparo do


bolo de fubá:
Modo de Preparar:
Coloque no liquidificador os ovos, o açúcar, o fubá, a farinha de trigo, o leite e o
óleo. Bata até obter uma mistura homogênea. Junte o fermento e as sementes de
erva-doce e misture sem bater. Unte e enfarinhe uma forma com furo no meio e des-
peje a massa. Leve ao forno preaquecido em temperatura média (200ºC) até dourar,
ou até que enfiando um palito no bolo ele saia seco. Desenforme o bolo ainda morno
e, se preferir, salpique açúcar e canela antes servir.
(Disponível em: <http://www.receitasdebolos.com.br/receitas/1121/bolos/bolo_de_
fuba.html>. Acesso em: 11/jul./2011)

5) Analise os substantivos grifados quanto à categoria de grau e explique se ela expressa ideia
de dimensão ou de afetividade (positiva ou negativa).
a) Se for para sair do apartamento para ir morar numa casinha, sem quintal, eu prefiro
ficar no apartamento.
b) Chega de cervejinha, vai de cervejão. Nova Schin: Um cervejão! Ao...ão...
c) qto a esse jornaleco e quem escreve nele , por favor , o nordeste não precisa de
voces e não venham aqui usufruir das nossas praias , nossos encantos , nossa historia e
nossa culinaria.
d) Eu até gosto de ler, mas O Senhor dos Anéis é um livrão de mais de mil páginas!
(Transcrição ipsis litteris de exemplo de comentário em fórum de discussão na internet.
Disponível em: <http://www.meusport.com/forum/showthread.php?t=58728&pa-
ge=1>. Acesso em: 13 jul. 2011).

6) Entre as características do Romantismo brasileiro, encontramos a idealização do índio e a


integração do homem com a natureza. No exemplo apresentado abaixo, podemos dizer
que o grau comparativo é utilizado para expressar essas duas características. Identifique
os casos de grau apresentados no exemplo, classifique-os e explique por que poderíamos
dizer que o autor de Iracema consegue, por meio da categoria de grau, aliar as caracterís-
ticas físicas da personagem com elementos da natureza.

48
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. O gênero, o número
e o grau
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo de jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como
seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu,
onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçan-
do, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
(ALENCAR, J. Iracema: lenda do Ceará. São Paulo: Editora Três, 1972. p. 25).

Anotações

49
CATEGORIAS
GRAMATICAIS

Anotações

50
2 A pessoa, o número
e o tempo
Edson Carlos Romualdo / Elaine de Moraes Santos

Introdução
As categorias verbais às quais nos dedicamos neste capítulo são fundamentais para
a caracterização do verbo, sua compreensão e sua diferenciação das demais classes de
palavras.
Durigan (1990), ao tratar da relevância do verbo, coloca-o como a palavra mais
importante do discurso, pois ele forma o predicado, funcionando como ápice da es-
trutura oracional. A autora chama nossa atenção para o fato de que o verbo pode
concentrar em si toda a informação, sem referi-la a um sujeito, conforme vemos nos
chamados verbos impessoais.
O verbo é considerado uma classe de palavras variável e suscetível a categorias
gramaticais, que lhe imprimem determinadas mudanças, como as que compreendem
as variações de tempo, modo, número, pessoa, voz e aspecto.
Comumente o verbo é definido como a palavra que exprime ação, estado ou fe-
nômeno da natureza. No entanto, essa definição é demais simplista, pois, embora
semanticamente os vocábulos “corrida”, “sono” e “chuva” incluam em sua significação
tais ideias, eles não são verbos.
Para Macambira (1982), o que é importante semanticamente para distinguir o ver-
bo é a perspectiva do tempo. Segundo o autor, modernamente adotou-se o termo
“processo” – do latim processus: aquilo que se passa – para designar a noção geral
que engloba as diferentes noções expressas pelo verbo. Assim, “verbo é a palavra que
indica processo, isto é, aquilo que se passa, naturalmente aquilo que se passa no tem-
po” (MACAMBIRA, 1982, p. 41), quer se trate de ações, estados ou mudanças de um
estado a outro.
Vejamos, no exemplo a seguir, a expressão do tempo no verbo:

(1)
VERBO DO AMOR
Te amo, te amei, te amarei!
E por todas as leis tento agora, que este verbo se conjugue no passado,
mais a cada minuto que se passa ele vem se renovando no futuro, te amo, te
amo, te amarei ...
Antes e depois, na profunda imensidão do vazio do meu coração, a cada
lágrima dos meus olhos,

51
CATEGORIAS Eu te amo .
GRAMATICAIS [...]
E conjugando todos os tempos do verbo deste amor, é que repito, te amo, te
amei, te amarei !!!
(Luciana H.d.S.)1

Ao longo dos versos, o eu-lírico marca em tempos diferentes sua declaração de


amor: te amo (presente), te amei (passado) e te amarei (futuro). Nas formas verbais
amo, amei, amarei, como se pode notar, há a manutenção da sequência fonológica do
radical do verbo “amar”, com mudanças apenas no que diz respeito às categorias, sem
que seja necessária, por exemplo, a criação de vocábulos completamente novos e dis-
tintos para cada um dos tempos verbais declamados nos versos. Isso quer dizer que, se
não tivéssemos as mudanças mínimas determinadas nas categorias, ideias muito pró-
ximas estariam separadas num conjunto sônico e/ou mórfico completamente distinto.
Também é um traço característico do verbo indicar, entre outros recursos por meio
da flexão, a qual das três classes de sujeito ele se refere e, ainda, indicar se o sujeito
está no singular ou no plural, expressando respectivamente as categorias de pessoa
e de número. Essas categorias, em português, manifestam-se, em termos flexionais,
por um morfema que acumula as duas significações: a desinência número-pessoal. No
poema, as desinências am-o, ame-i, amare-i destacadas indicam a primeira pessoa do
singular. Logo, a referência à pessoa já implica uma referência ao número, pois este
não apresenta um morfema específico para sua indicação.
O tratamento neste capítulo da categoria de pessoa – e de número por consequên-
cia – juntamente com a de tempo não é aleatória, deve-se ao fato de ambas serem
categorias dêiticas e, por isso, estarem presas à enunciação. Assim, nosso percurso no
tratamento das categorias passa, primeiramente, pela explicitação da noção de enun-
ciação e de dêixis.

A enunciação e a dêixis
Vários linguistas têm proposto definições de enunciação, mas seu sentido primeiro
é o de ato produtor de um enunciado (FIORIN, 2001). Benveniste (1989, p. 82) afirma
que a “enunciação é este colocar a língua em funcionamento por um ato individual
de utilização”. O autor chama nossa atenção para o fato de que a enunciação não é o
texto do enunciado, mas o ato em si no qual um locutor mobiliza a língua. Enunciar é,
portanto, “transformar individualmente a língua – mera virtualidade – em discurso”.
(FLORES; TEIXEIRA, 2008, p. 35).

1 Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/inventei_o_verbo_teadorar/>. Acesso em: 16


jul. 2011.

52
Esclarecemos que discurso não tem aqui a acepção que atualmente se encontra A pessoa, o número e
o tempo
nos estudos linguísticos na perspectiva da Análise do Discurso de linha francesa, tão
difundida no Brasil. Para Benveniste, o discurso é um produto do ato de enunciação;
é a linguagem posta em ação necessariamente entre parceiros; é a “manifestação da
língua na comunicação viva” (BENVENISTE, 1991, p. 139).
Antes da enunciação, a língua apresenta-se apenas como uma possibilidade de lín-
gua. Ao enunciar, o locutor apropria-se da língua e marca sua posição de emissor, por
meio de índices acessórios ou específicos, por exemplo, a identificação de si como
eu, e imediatamente implanta o outro, pois, conforme Benveniste (1989, p. 84), toda
“enunciação é, explicita ou implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário”.
Em outra obra, Benveniste (1991, p. 286), ao tratar da subjetividade, afirma:

A linguagem só é possível porque cada locutor se coloca como sujeito, reme-


tendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa,
aquela que, sendo embora exterior a “mim”, torna-se meu eco – ao qual digo
tu e que me diz tu.

Pelo fragmento transcrito, entendemos que o eu existe em oposição ao tu e que os


papéis eu/tu são inversíveis (“ao qual digo tu e que me diz tu”), isto é, podem mudar
em um diálogo.
A relação da enunciação com o sujeito mostra que a situação típica do enunciado
é egocêntrica, o falante está sempre “no centro da situação do enunciado” (LYONS,
1979, p. 291), pois todo enunciado linguístico se realiza em uma situação espaço-tem-
poral específica:

Como a pessoa enuncia num dado espaço e num determinado tempo, todo
espaço e todo tempo organizam-se em torno do “sujeito”, tomado como ponto
de referência. Assim, espaço e tempo estão na dependência do eu, que neles se
enuncia. O aqui é o espaço do eu e o presente é o tempo em que coincidem
o momento do evento descrito e o ato de enunciação que o descreve. A partir
desses dois elementos, organizam-se todas as relações espaciais e temporais
(FIORIN, 2001, p. 42).

A enunciação instaura o sujeito e este é o ponto de referência para a organização


do espaço e do tempo. Eu (ego) é aquele que enuncia; aqui (hic) é onde o sujeito está,
agora (nunc) é o momento de enunciação. Apresentamos abaixo a transcrição de uma
mensagem deixada em uma secretária eletrônica, na qual se brinca com as coordena-
das enunciativas:

(2)
Oi! Aqui é a Evely. No momento não posso atender, quer dizer... no momento
eu posso atender porque eu estou aqui gravando essa mensagem que você vai

53
CATEGORIAS ouvir. Então, é depois que eu não vou poder atender. Mas esse depois vai ser,
GRAMATICAIS para você, um agora, ou seja, é o depois do agora que eu não vou poder aten-
der. De qualquer maneira, esse é o agora para quando você ligar.
Ih!... Mas isso é tão confuso...

No exemplo (2), ao enunciar, Evely marca: 1) sua posição como enunciadora pe-
las formas referentes à primeira pessoa (pronomes e desinências); 2) um alocutário
(você), pelo próprio ato de enunciar, visto que o aparelho formal da enunciação tem
como parâmetro um locutor e um alocutário; 3) o espaço (aqui), que representa o
lugar onde ela, que enuncia, está; 4) o tempo (no momento, agora), que marca o
momento enunciativo da gravação da mensagem eletrônica.
O humor da mensagem, fruto da pseudoconfusão, manifesta-se quando o enuncia-
dor pressupõe a inversibilidade de papéis. Está pressuposto na mensagem eletrônica
que o alocutário, quando telefonar, estará realizando também uma atividade enunciati-
va, como se fosse um diálogo, no qual o tu/você passa a eu ao institui-se como sujeito,
delimitando outro espaço e outro tempo. Esse tempo, depois para Evely, é o agora
da enunciação do alocutário pressuposto que se torna enunciador (esse depois vai ser
para você um agora), futuro em relação à enunciação de Evely (é depois do agora que
eu não vou poder atender). Então, novamente Evely considera o momento (agora) de
enunciação do outro: De qualquer maneira, esse é o agora, para quando você ligar.
O exemplo (2) permite-nos verificar como o “ato de por a língua em funcionamento”
é fundamental na organização discursiva, pois, por meio dele, o sujeito enunciador or-
dena a referenciação pessoal, temporal e espacial. Por dependerem dessa referenciação
em virtude da enunciação, as categorias de pessoa e tempo são consideradas dêiticas.
Dêixis, conforme Lyons (1979), é a palavra grega que exprime a ação de apontar
ou indicar. Na tradição da teoria gramatical, ela se transformou em um termo técnico
que foi introduzido para indicar os traços norteadores da língua que vimos tratando a
partir da enunciação. Câmara Jr. (1984, p. 90) define a dêixis como a “faculdade que
tem a linguagem de designar mostrando em vez de conceituar”. Isso quer dizer que há
vocábulos cuja significação depende exclusivamente do contexto enunciativo para ser
estabelecida, como em:

(3)
Qual deles você vai levar? Este ou aquele?

No exemplo (3), você, este e aquele são interpretados em referência ao ato enun-
ciativo, pois eles não apresentam um conceito como “cachorro”, “cadeira”, “panela”,
apenas fazem a designação por meio da indicação: você ao alocutário, este a algo que
está próximo ao locutor e aquele a algo que está distante de ambos os interlocutores.

54
De igual maneira, fazem-se as referências ao espaço e ao tempo verbal e a advérbios A pessoa, o número e
o tempo
a eles relacionados, como “aqui, aí, lá, acolá (de lugar) e agora e então (de tempo),
que indicam o ‘próximo’ e o ‘não-próximo’ do falante (e às vezes também do ouvinte) e
o ‘momento em que se fala’ e o ‘não-momento em que se fala’” (LYONS, 1979, p. 290).
Cabe esclarecer que ao lado da referência dêitica há a referência textual (anafórica e
catafórica), que diz respeito a pessoas, objetos, tempos, lugares, fatos etc, mencionados
em outros pontos do mesmo texto. Logo, são interpretados por referência a outras
passagens do texto e não presas ao contexto enunciativo de que estamos tratando aqui.2

As categorias de pessoa e número


Como vimos, as categorias de pessoa e número estão acumuladas em um único
morfema – a desinência número-pessoal –, portanto a referência à pessoa faz supor
necessariamente uma menção ao número.
As gramáticas normativas (CIPRO NETO; INFANTE, 1997; CUNHA, 1986; FARACO;
MOURA, 1999; LIMA, 1984; SACCONI, 1983) apresentam a categoria de pessoa como a
indicação da pessoa gramatical a que o verbo se refere, que serve de sujeito ao verbo;
a de número como a referência a um único ser (singular) ou a mais de um ser (plural),
manifestadas pelas desinências número-pessoal e pelos pronomes pessoais, daí:

1ª pessoa: aquela que fala. Pode ser:


do singular – corresponde ao pronome pessoal eu:
Eu respondo.
do plural – corresponde ao pronome pessoal nós:
Nós respondemos.
2ª pessoa: aquela que ouve. Pode ser:
a. do singular – corresponde ao pronome tu:
Tu respondes.
do plural – corresponde ao pronome vós:
Vós respondeis.
3ª pessoa: aquela de quem se fala. Pode ser:
do singular – corresponde aos pronomes pessoais ele, ela:
Ela responde.
do plural – corresponde aos pronomes pessoais eles, elas:
Eles respondem (FARACO; MOURA, 1999, p. 325).

Ao tratarmos de pessoa, conforme lembra Fiorin (2001), podemos ser levados


a pensar que o “eu” e o “tu” são figurativizados somente por seres humanos. Esse
pensamento é ingênuo, pois a enunciação permite que, em um processo de perso-
nificação, todo ser se torne locutor e instaure como alocutário, ao se dirigir a ele,

2 Sobre referência textual, conferir Fávero (1991); sobre dêixis e anáfora, Ilari (2001).

55
CATEGORIAS qualquer outro ser, seja concreto ou abstrato, existente ou inexistente, esteja presen-
GRAMATICAIS
te ou ausente.
Nas fábulas, por exemplo, delegam-se vozes a animais. Logo, são instituídos pela
enunciação como interlocutores (eu – tu). No cotidiano também é comum conversar-
mos com nossos bichos de estimação, ver crianças conversando com árvores e objetos,
falarmos “com as paredes”. Esses alocutários são instituídos pela enunciação. Logo,
como expõe Durigan (1990), podemos entender as pessoas verbais como as entidades
envolvidas no processo de comunicação.
Para Benveniste (1991), o alinhamento das três pessoas gramaticais eu, tu e ele
não é suficiente para entendermos a categoria, visto que para sua compreensão preci-
samos procurar saber como cada pessoa se opõe ao conjunto das outras e sobre qual
princípio se funda sua oposição. Essa necessidade deve-se ao fato de que só podemos
atingi-las por aquilo que as diferencia.
O autor defende que uma teoria linguística sobre a pessoa gramatical apenas pode
constituir-se, tomando como base as oposições que diferenciam as pessoas e se limita
inteiramente à estrutura de tais oposições. A partir das denominações dos gramáticos
árabes de que a primeira pessoa é “aquele que fala”, a segunda “aquele a quem nos
dirigimos” e a terceira “aquele que está ausente”, afirma que há uma disparidade entre
a terceira pessoa e as duas primeiras, pois elas não são homogêneas, e nega a legitimi-
dade da terceira pessoa como pessoa.

Nas duas primeiras pessoas, há ao mesmo tempo uma pessoa implicada e


um discurso sobre essa pessoa. Eu designa aquele que fala e implica ao
mesmo tempo um enunciado sobre o ‘eu’: dizendo eu, não posso deixar de
falar de mim. Na segunda pessoa, ‘tu’ é necessariamente designado por eu e
não pode ser pensado fora de uma situação proposta a partir do ‘eu’, e, ao
mesmo tempo, eu enuncia algo como predicado de ‘tu’. Da terceira pessoa,
porém, um predicado é bem enunciado somente fora do ‘eu-tu’; essa forma
é assim exceptuada da relação pela qual ‘eu’ e ‘tu’ se especificam. Daí, ser
questionável a legitimidade dessa forma como ‘pessoa’ (BENVENISTE, 1991,
p. 250).

A nosso ver, se tomarmos como base a enunciação, as ideias do autor são mais
facilmente compreensíveis. Na enunciação, como vimos, o locutor toma a língua por
um ato individual de utilização e coloca-se como sujeito “eu” e institui um alocutário
“tu”, ambos, portanto, estão implicados no processo enunciativo:

56
A pessoa, o número e
ENUNCIAÇÃO o tempo

LINGUA

EU → TU (designado por “eu” na enunciação)

Inversibilidade
enunciativa

Ao contrário do “tu”, que “é necessariamente designado por eu” na enunciação, a


terceira pessoa, como nos mostra o quadro, não participa do jogo enunciativo, é exce-
tuada da “relação pela qual “eu” e “tu” se especificam”, não se qualificando, portanto,
como pessoa.
Para justificar esse posicionamento, Benveniste (1991) apoia-se na exemplificação
de uma série de línguas nas quais a terceira pessoa não tem desinência ou tem de-
sinência zero, como acontece em português, e também no fato de a terceira pessoa
ser aquela usada em diversas línguas para exprimir a forma não pessoal do verbo, ou
seja, os verbos impessoais, a exemplo do inglês (it rains), do francês (il pleut) e do
português (chove).
Benveniste (1991) argumenta ainda que a inversibilidade é possível entre “eu” e
“tu”, pois o “tu” pode inverter-se em “eu” e o “eu” em “tu”3, mas nenhuma relação
paralela é possível entre essas duas pessoas e “ele”, pois “ele” não designa ninguém
no jogo enunciativo.
Essas observações levam o autor a estabelecer duas correlações que diferenciam as
pessoas verbais:
1) a correlação de personalidade: que opõe “eu-tu” a não pessoa “ele”.
“Eu-tu” possui a marca de pessoa e “ele” é privado dela: a “‘terceira pessoa’ tem por
característica e por função constantes representar, sob a relação da própria forma, um
invariante não pessoal, e nada mais que isso” (BENVENISTE, 1991, p. 254);
2) a correlação de subjetividade: interior à precedente e que opõe “eu” a “tu”.
A correlação de subjetividade deve-se ao fato de que a realização da enunciação
pelo “eu” marca sua subjetividade, o que não acontece com o “tu”, visto que “tu” é o
alocutário, instituído no ato enunciativo do “eu”.

3 É sempre bom lembrar que na maioria dos estados brasileiros a referência a segunda pessoa é
feita pela forma “você”.

57
CATEGORIAS Quanto ao número, Benveniste (1991) só reconhece um verdadeiro plural para a
GRAMATICAIS
não pessoa4, pois o plural das formas verbais é diferente das nominais. De acordo com
o autor, a distinção usual entre singular e plural, no que diz respeito à pessoa, deve
ser se não substituída, pelo menos interpretada por uma distinção entre pessoa estri-
ta (singular) e pessoa amplificada (plural), pois, por exemplo, no caso da primeira
pessoa:

Está claro, de fato, que a unicidade e a subjetividade inerentes a “eu” contra-


dizem a possibilidade de uma pluralização. Se não pode haver vários ‘eu’ con-
cebidos pelo ‘eu’ que fala, é porque ‘nós’ não é uma multiplicação de objetos
idênticos mas uma junção entre ‘eu’ e o ‘não-eu’, seja qual for o conteúdo
desse ‘não-eu’ (BENVENISTE, 1991, p. 256).

Pelo fragmento, percebemos que a categoria de número dos verbos não pode sim-
plesmente ser interpretada como “um” e “mais de um”, igual a dos nomes, visto que
a unicidade e a subjetividade inerentes a “eu”, devido à enunciação, impedem que
vejamos em “nós”, mais de um de “eu”, isto é, mais de indivíduo que enuncia. Essa
compreensão pode ser mais facilmente percebida no exemplo a seguir:

(4)
Cena: Apresentadores Fernanda Torres e Evandro Mesquita introduzem a
esquete.
Evandro: A linguagem é o mais poderoso instrumento que o homem inventou
para ser entendido.
Fernanda: E também para ser mal entendido.
---
A cena mostra um homem (H) e uma mulher (M) deitados juntos em uma
almofada no chão, fazendo piquenique em um bosque.
H: Ah, eu senti sua falta.
M: Eu também! Tanta... tanta... Quando nós terminamos eu fiquei...
H: Nós quem?
M: Nós: eu e você.
H: Quem terminou foi você!
M: Sim, mas nós não podíamos continuar daquela maneira.
H: Nós quem?
M: Ué?! Nós quem? Eu, você... sua mulher.
H: Nós podíamos ter resolvido de um outro jeito!
M: Nós quem?
H: Eu, você, minha mulher, seu marido, as crianças, sua mãe.
M: Não, minha mãe não tem nada a ver com isso. Meu amor, nós resolvemos o
que foi melhor.
H: Nós quem?
M: Eu, você, os nossos advogados, o meu marido, a sua mulher, os advogados
deles, as crianças.

4 É importante observar que o pronome pessoal referente a não pessoa é o único passível de
flexionar-se em feminino e plural (ele/ela, eles/elas) como os nomes.

58
H: Ah, é melhor deixar assim. Essa história já tem nós de mais. A pessoa, o número e
M: Nós? Nós quem? o tempo
H: Nós! Nós de amarrar.
(Fantástico. Série Bicho-homem. Autores: Guel Arraes e Jorge Furtado. Trans-
crição nossa).

O exemplo (4) não só demonstra a inversibilidade entre “eu” e “tu”/“você” no


diálogo, mas também nos permite verificar claramente as observações de Benveniste
(1991) de que o plural para a pessoa não corresponde ao plural dos nomes.
O esquete organiza-se justamente a partir do fato de que o “‘nós’ não é um ‘eu’
quantificado ou multiplicado, é um ‘eu’ dilatado além da pessoa estrita, ao mesmo
tempo acrescido de contorno vagos” (BENVENISTE, 1991, p. 258), demonstrado pela
necessidade constante de os interlocutores terem de especificar a que indivíduos eles
se referem ao usar o pronome “nós”.
Ao primeiro pedido de esclarecimento de H, M explica que o “nós” se refere a si
mesma e a ele (Nós: eu e você.). Esse “nós” tem, portanto, um caráter inclusivo, pois
envolve também o alocutário: “eu” + “tu”/“você”. A partir do segundo questionamen-
to, as formas “nós” referem-se ao “eu” que enuncia, ao “tu”/“você” alocutário e a ou-
tro(s) indivíduo(s), aumentando a amplitude de referência do pronome:

Nós quem?
• M: Ué?! Nós quem? Eu, você... sua mulher.
• H: Eu, você, minha mulher, seu marido, as crianças, sua mãe.
• M: Eu, você, os nossos advogados, o meu marido, a sua mulher, os advogados
deles, as crianças.

Nesses casos, a forma “nós” refere-se não só a segunda pessoa, como também a não
pessoa, fora da situação enunciativa: “eu” + “tu”/“você” + “ele(s)”.
Há, ainda, a possibilidade de o nós não incluir o alocutário, como em:

(5)
Patrão, nós viemos aqui para pedir um aumento de salário.

No exemplo (5), o “nós” tem caráter exclusivo, pois, obviamente, exclui o alocutá-
rio/patrão do pedido de aumento: “eu” + “ele(s)”.
Pelos exemplos (4) e (5) podemos verificar também que em “nós” há sempre um
“eu” que enuncia e, embora se incorpore a uma coletividade que pode incluir ou
excluir o alocutário, sempre prevalece, devido à unicidade do ato enunciativo. Nas
palavras de Benveniste (1991, p. 256):

59
CATEGORIAS Essa junção forma uma totalidade nova e de um tipo totalmente particular, no
GRAMATICAIS qual os componentes não se equivalem: em ‘nós’ é sempre ‘eu’ que predomina,
uma vez que só há ‘nós’ a partir de ‘eu’ e esse ‘eu’ sujeita o elemento ‘não-eu’
pela sua qualidade transcendente. A presença do ‘eu’ é constitutiva do ‘nós’.

Durigan (1990, p. 16) lembra-nos de que na realidade linguística com a qual nos
defrontamos, pelo menos na língua portuguesa, há uma indicação mórfica de pessoa,
no sufixo número-pessoal das formas verbais tanto para o singular como para o plural.
No singular indicam a pessoa do falante (eu), a do ouvinte (tu) e de tudo que é dis-
tinto de ambas (ele). Essas três pessoas formais são suscetíveis de um plural quando
o falante:
a) se incorpora a uma pluralidade (nós);
b) se dirige a uma pluralidade (vós);
c) se refere a uma pluralidade distinta de si próprio e do ouvinte (eles).
No entanto, apesar das marcas formais, as observações que vimos fazendo nos mos-
tram que a categoria da pessoa e a do número verbais devem ser, quanto à sua referen-
ciação, analisadas com cuidado.
Fiorin (2001) trata daquilo que denomina a pessoa subvertida, casos nos quais
uma pessoa gramatical é usada para referenciar outra. O autor elenca 20 possibili-
dades, mas não nos deteremos em todos os casos apresentados, trataremos apenas
de 5. Cremos que a explicação desses casos sirva de base para que outros diferentes
possam ser analisados desde que o processo de subversão da pessoa seja conhecido.
Lembramos também que todas as possibilidades podem ser vistas com a leitura obra
de Fiorin (2001):

• A terceira pessoa pela primeira do singular:

(6)
O Chefe do Departamento fica muito satisfeito quando vê a concretização de
um projeto como este.
(7)
A filha, deitada no sofá, pede para a mãe pegar refrigerante para ela e o irmão
na geladeira. A mãe responde:
– Fulana, a mãe não é escrava de vocês.

Os exemplos (6) e (7) demonstram o uso da terceira pessoa pela primeira. Em


(6), o locutor era o próprio chefe do departamento pronunciando-se na solenidade
de inauguração de um laboratório; uma situação mais formal, solene, portanto. O
exemplo (7) evidencia que esse recurso é também muito empregado na linguagem
cotidiana. Além desses casos, Fiorin (2001) afirma que essa subversão também é muito
comum na linguagem oficial, como em requerimentos. Podemos encontrar também o

60
uso de formas indeterminadas em lugar da primeira pessoa. O autor afirma que nesse A pessoa, o número e
o tempo
caso de pessoa subvertida (terceira pessoa pela primeira) o enunciador esvazia-se de
toda e qualquer subjetividade, apresentando-se apenas como papel social.

• A terceira pessoa pela primeira do plural:

(8)
A gente mantém esses bichos lá no sítio devido ao trabalho que nós fazemos.
(Programa do Jô, 08/01/02).
(9)
Seu irmão e sua irmã podem repetir mil vezes isso pra você, mas você não
ouve.

No exemplo (8) a terceira pessoa (a gente) é usada pela primeira pessoa do plural
pelo veterinário que estava sendo entrevistado no programa, para referir-se a ele e
outros que realizavam o trabalho com ele. Em sua frase vemos que o nós é empregado
em seguida para se referir aos mesmos indivíduos. Por sua vez em (9), a terceira pessoa
do plural é usada pela primeira do plural, pois Seu irmão e sua irmã significam nós.

• A terceira pessoa pela segunda do singular:

(10)
Eu sei que o doutor fez tudo o que podia.
(11)
Uma mãe falando com seu filho:
Olha só, o nenê já está comendo sozinho.
(12)
Então o Rei da Cocada Preta acha que pode tudo?

Nos exemplos de (10) a (12) a terceira pessoa é usada pela segunda. Fiorin (2001,
p. 88) mostra que, ao se realizar essa subversão, podemos indicar respeito, como em
(10); afeto e carinho, como em (11), pois “o locutor exclui o outro da troca linguística,
dando-lhe um lugar especial, não instituído pelo eu, como seria o lugar do tu”. O autor
também afirma que o uso de “ele”/“ela” no lugar do “tu” podem tanto denotar afeto
(“Ele tem belos pelos, esse cachorrinho”), como descontentamento ou desprezo (“O
que é que ela quer agora?”). Além dessas possibilidades, vemos pelo exemplo (12) que
o uso de um nome também pode denotar desprezo. Devemos, portanto, estar atentos
para as significações que a subversão da pessoa apresenta.

61
CATEGORIAS • A segunda pessoa do singular pela terceira
GRAMATICAIS

(13)
Após voltar de um passeio de jangada, um professor da região sul, em visita a
uma amiga do nordeste que tem medo de água, conta a ela:
– Você põe o salva-vidas e sobe na jangada. Daí você vai cortando as ondas.
Quando chega lá no fundo, os jangadeiros jogam uma corda e você fica segu-
rando nela dentro da água pra eles virarem a vela e voltarem. Daí você volta
cortando as ondas de novo.
– Você você, porque você eu, nem pensar.

Voltamos a lembrar que normalmente usamos “você” para indicar a segunda pes-
soa. Nesse caso de subversão, podemos também encontrar o pronome pessoal “tu” e
suas formas oblíquas, mais raras se considerarmos o falar brasileiro.
Fiorin (2001) afirma que esse caso é o chamado de tu genérico, cuja função é pes-
soalizar enunciados impessoais. No exemplo (13), quando o professor usa a segunda
pessoa, não se refere à sua amiga (alocutário), mas a todos que forem andar de jan-
gada. O você grifado tem esse sentido genérico. A generalidade é compreendida pelo
alocutário, que, em sua fala (Você você, porque você eu, nem pensar), especifica, no
jogo enunciativo, a quem o você poderia se referir. Em você você e você eu, os prono-
mes você (o segundo) e eu aparecem qualificando e, desta forma, retirando do caráter
generalizante, do você determinado.

• A primeira pessoa do plural pela primeira do singular

(14)
Creio-vos admirados, porque desde que sobre Nós pesa o cuidado da Igreja
universal, ainda não vos dirigimos Nossas cartas, como o costume arraigado
da Igreja e Nossa benevolência para convosco o reclamam. (grifos nossos).5
(15)
Observamos que o advérbio é uma classe gramatical complexa, cuja com-
preensão requer ainda muitos estudos.6
(16)
O chefe entrega para o funcionário uma série de levantamentos que precisam
ser realizados em um determinado prazo. O funcionário diz:
– Vamos ver o que nós podemos fazer.

Os fragmentos acima exemplificam casos de plural majestático, de autor e o de


modéstia. Conforme Fiorin (2001), nesses casos o “eu” dilui-se no anonimato do “nós”
ou é amplificado. A diferença entre o uso de um ou de outro é o tipo de texto em que
encontramos o “nós”.

5 Disponível em: <http://www.derraderiasgracas.com.> Acesso em: 25 jul. 2011.


6 Disponível em: <http://www.cielli.com.br/downloads/367.pdf.>. Acesso em: 25 jul. 2011.

62
O exemplo (14), que demonstra o plural majestático, é um fragmento da Carta A pessoa, o número e
o tempo
Encíclica “Mirari vos”, de Sua Santidade o Papa Gregório XVI. Nesse caso, o papa, ao
usar as formas da primeira pessoa do plural, “evita colocar a alta autoridade como uma
subjetividade entre outras e, ao mesmo tempo, opô-la ao tu, o que criaria uma esfera
de reciprocidade” (FIORIN, 2001, p. 96).
Por sua vez o exemplo (15) – plural de autor – demonstra que o locutor não
fala apenas em seu próprio nome, alicerça-se na comunidade científica que está por
trás de si, falando em nome da Ciência, do Saber, como se fosse um delegado dessa
coletividade.
No plural de modéstia, como no exemplo (16), o “eu” evita dar realce à sua sub-
jetividade, diluindo-se no “nós”, como fez o funcionário, evitando demonstrar sua
subjetividade diante da tarefa que lhe foi atribuída pelo chefe.
Além dos casos de pessoa subvertida, exemplificados e explicados aqui, Fiorin
(2001) explora também:
• terceira pessoa pela segunda do plural;
• primeira pessoa do singular pela terceira;
• primeira pessoa do plural pela terceira;
• segunda pessoa do plural pela terceira;
• primeira pessoa do singular pela segunda do singular;
• segunda pessoa do singular pela primeira do singular;
• primeira pessoa do plural pela segunda do plural;
• segunda pessoa do plural pela primeira do plural;
• segunda pessoa do plural pela segunda do singular;
• segunda pessoa do singular pela segunda do plural;
• primeira pessoa do singular pela primeira do plural;
• primeira pessoa do plural pela segunda do singular;
• segunda pessoa do plural pela primeira do singular;
• segunda pessoa do singular pela primeira do plural;
• primeira pessoa do singular pela segunda do plural.

A nosso ver, somente pelo título dos itens listados, analisando os enunciados em
que a pessoa subvertida aparece, somos capazes de dizer em qual categoria ela se
enquadra. Precisamos ter sempre em mente que a categoria de pessoa se refere aos
seres por dêixis e não por conceituação, o que possibilita deslocamentos em relação às
coordenadas enunciativas efetivas, mostradas pelos casos de pessoa subvertida.

63
CATEGORIAS A categoria de tempo
GRAMATICAIS
A noção de tempo nas línguas românicas como o português, o francês e o espanhol,
assim como no latim, é utilizada pela gramática tradicional, segundo Silva (2002), com
uma designação comum tanto para a ideia de tempo como construto mental quan-
to para o tempo verbal em específico. Nessas línguas, o uso de “tempo”, “temps” e
“tiempo”, como forma única de denominar a noção temporal favorece, portanto, uma
correspondência, nem sempre adequada, entre o tempo verbal e as relações temporais
da realidade humana.
Observemos os exemplos a seguir:

(17)
Venho para abrir portas para que muitas outras mulheres, também possam, no
futuro, ser presidenta; e para que – no dia de hoje – todas as brasileiras sintam
o orgulho e a alegria de ser mulher.7
(18)
Em um comício os eleitores gritam após a fala do candidato:
– Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!

Em 01 de janeiro de 2011, a presidente eleita, Dilma Rousself, pronunciou em seu


discurso de posse a ideia de que sua vitória no pleito podia ser um incentivo para a
conquista política de outras mulheres. Com a forma verbal venho (presente do modo
indicativo), do exemplo (17), ela usa o tempo verbal que faz alusão ao momento em
que falava, em que tomava posse na política nacional, o que se confirma, também,
pela utilização do vocábulo hoje em no dia de hoje, todos referenciados a partir da
enunciação.
A forma verbal ganhou, do exemplo (18), indicaria, em princípio, um fato já acon-
tecido, pois o pretérito perfeito do indicativo é normalmente usado para descrever
processos verbais do passado, mas nesse enunciado isso não ocorre, pois a eleição
ainda não tinha se realizado. O exemplo (18) ilustra o descompasso que podemos ter
entre a forma verbal e o tempo real, como acontece também em expressões populares
do tipo: “Escreveu, não leu, o pau comeu”.
Esses e tantos outros casos poderiam ser apresentados aqui em consonância ao que
discute Santos (1974), a respeito da existência de três tempos diferentes: cronológico,
gramatical e psicológico. O primeiro compreende, segundo ela, um tempo de duração
constante; o segundo é marcado na língua pelo radical dos verbos e seus demais mor-
femas e o último existe apenas em função do indivíduo. Aquilo que a autora denomina

7 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/853564-leia-integra-do-discurso-


-de-posse-de-dilma-rousseff-no-congresso.shtml.>. Acesso em: 14 jul. 2011. (grifos nossos).

64
tempo gramatical é chamado de tempo linguístico por Benveniste, ligado, portanto, ao A pessoa, o número e
o tempo
exercício da palavra e que se define e se ordena como função do discurso (DURIGAN,
1990, p. 26).
Outro aspecto que merece nossa atenção é o fato de que a organização temporal
dividida entre presente, passado e futuro, inerente às línguas românicas, não é comum
a todas as línguas. Ao contrário, alguns sistemas temporais valem-se da dicotomia pri-
mária “passado” versus “não passado”. Conforme Silva e Koch (2001), em idiomas
como o finlandês, o húngaro, o alemão e o russo, o sistema temporal é prospectivo,
ou seja, nessas línguas para a indicação de futuro usamos formas do presente (não
passado) ou não fazemos marcação.
Algumas línguas, entretanto, são constituídas por um sistema retrospectivo, que
consiste na existência da dicotomia “futuro” versus “não futuro”. Nesse caso, é o pas-
sado que pode tanto ser expresso pelo presente quanto aparecer como não marcado.
Encontramos essa dicotomia em línguas como o guarani e o dakota.
Por ser uma língua românica, a categoria de tempo em português é comumente de-
finida como aquela responsável por situar o momento de ocorrência do fato expresso
pelo verbo no presente, no passado ou no futuro. O problema desse tipo de definição
é que exclui o fator fundamental: o momento da enunciação. Segundo Câmara Jr.
(1982), o tempo verbal se refere ao momento da ocorrência do processo expresso
pelo verbo, visto a partir do momento de enunciação. Como já comentamos, o falante,
ao enunciar, se instaura como sujeito e organiza o espaço e o tempo. Logo, aquilo que
é passado, presente ou futuro se estabelece tendo como referência o ponto dêitico da
enunciação, conhecido como nunc (agora).
Para entendermos melhor a referência dêitica do tempo, podemos, juntamente
com Metzeltin (1982), representar a linha cronológica como uma reta orientada da
esquerda para a direita, na qual marcamos de início o nunc:

nunc

Com base nessa reta, podemos situar o fato enunciado como anterior (passado),
simultâneo (presente) ou posterior (futuro) ao nunc. No exemplo (17), venho marca
a simultaneidade com o ato enunciativo de Dilma. A forma do passado (“vim”) e a
do futuro (“virei”) representariam outras marcações na linha temporal, tendo como
parâmetro a enunciação:

65
CATEGORIAS
GRAMATICAIS
Passado Presente Futuro
nunc

vim venho virei

Como nos lembra Corôa (2005), os verbos são os elementos linguísticos que mais
de imediato situam o processo na sua relação temporal com a enunciação. Ressalta-
mos, porém, que outros recursos também marcam a temporalidade – por exemplo,
advérbios e expressões adverbiais como “hoje”, “agora”, “depois”, “daqui a pouco”,
“há pouco” etc.

Os tempos verbais do modo indicativo


Como sabemos, o modo indicativo apresenta, em Língua Portuguesa, seis tempos
verbais: presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, pretérito mais-que-perfeito,
futuro do presente e futuro do pretérito. Para cada um deles, devemos prestar atenção
em algumas especificidades de composição e de uso.
Para Silva e Koch (2001, p. 52), o tempo presente do modo indicativo “exprime
um processo simultâneo ao ato de fala ou a um fato costumeiro, habitual. É usado
frequentemente com valor de passado (presente narrativo ou histórico) ou de futuro”.
Constatamos que a autora nos apresenta quatro usos distintos do tempo presente.
O primeiro deles – a simultaneidade com o ato enunciativo – já explicamos e de-
monstramos com o exemplo (17). Ressaltamos, contudo, que geralmente quando que-
remos marcar a concomitância com o ato enunciativo, na linguagem coloquial, falada e
escrita, é mais raro usarmos o presente do indicativo. Geralmente utilizamos a locução
verbal com o verbo principal no gerúndio, por exemplo:

(19)
– O que é que você está fazendo?
­­– Quer me deixar em paz, estou comendo!

O uso do tempo presente para marcar um fato costumeiro, habitual, pode ser visto
na seguinte fala:

(20)
Ela sempre estuda na biblioteca da UEM, diz que é mais tranquilo lá.

Em (20), o locutor demonstra pelo uso do verbo no presente do indicativo que os


processos de estudar na biblioteca e esclarecer o motivo dessa preferência são ações
habituais da pessoa que as pratica.
66
Como o próprio nome indica, o uso do presente narrativo ou histórico é aquele no A pessoa, o número e
o tempo
qual utilizamos a forma do presente do indicativo para narrarmos fatos já acontecidos,
trazendo-os, de certa maneira, para mais próximo do leitor, como em:

(21)
Em 15 de agosto de 1769, nasce Napoleão Bonaparte.

O exemplo (21) ilustra “o que se entende tradicionalmente como presente históri-


co, isto é formas não-marcadas para o pretérito, funcionando como tal” (CÂMARA JR.,
1982, p. 100). Corôa (2005) destaca que, com o uso do presente narrativo ou histó-
rico, o falante acaba por fazer uma viagem no tempo e enxergar um evento passado
como seu contemporâneo.
O presente, como afirma Silva e Koch (2001), pode ainda ser utilizado com valor
de futuro. Segundo Câmara Jr. (1980, p. 140), a categoria de tempo em português
“repousa essencialmente na dicotomia passado: presente, exprimindo-se no presente,
fatos vindouros em que não há uma tonalidade modal”. Logo, a forma de futuro se
reveste de um tom modal, da incerteza própria de algo projetado para a futuridade (cf.
capítulo 3), e o falante normalmente expressa o futuro pelo tempo presente, com o
auxílio de outros indicadores, como advérbios marcadores de tempo:

(22)
Tudo bem! Eu vou ao cinema com você à noite e termino o trabalho amanhã.
(23)
Essa fita era só pra falar que Altas Horas ao Vivo volta já.8

Em (22) os verbos vou e termino estão no presente do indicativo, no entanto,


ambas as ações são projetas para o futuro, como demonstram a locução adverbial
temporal à noite e o advérbio amanhã.
No exemplo (23), a forma verbal volta, tradicional na chamada de intervalo do pro-
grama global Altas Horas, também está conjugada no presente do indicativo, todavia
traz em si a noção futura de que o programa, que na data tinha apresentação ao vivo,
interrompia sua exibição para um pequeno comercial, mas voltaria minutos após o
momento da enunciação, demonstrado pelo advérbio já que expressa a ideia de “sem
demora”, “logo”, isto é, em seguida ao comercial.
Além desses valores, o tempo presente do modo indicativo também é usado, em
Língua Portuguesa, para demarcar fatos cuja referência não se prende a um momento

8 Vídeo disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ZPfMa2jJ9M0>. Acesso em: 17


jul. 2011. Transcrição nossa.

67
CATEGORIAS único, mas àqueles que possam ser interpretados como verdades científicas ou axio-
GRAMATICAIS
mas filosóficos:

(24)
Todo homem é mortal.
(25)
Lição sobre a água

Este líquido é água.


Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,


sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
(Antônio Gedeão. Lição sobre a água)9

Em (24) e (25), há nos enunciados um valor atemporal, nos quais, apesar de os ver-
bos “ser”, “mover”, “dissolver”, “congelar” e “ferver” estarem conjugados na terceira
pessoa do presente do modo indicativo, a categoria de tempo aí quase se anula pelo
caráter temporal neutro ou eternizado da expressão. Apoiando-nos em Lyons (1979),
podemos dizer que o presente, em casos como esses, é usado “para afirmações de fa-
tos atemporais ou eternos”, ou ainda verdades científicas. Em (24) não há como negar
a mortalidade do homem, pois é um fato atemporal: o homem foi, é e será mortal.
A primeira e segunda estrofes do poema de Gedeão (25) apresentam as proprie-
dades físicas da água (inodora, insípida e incolor), suas utilidades quando em deter-
minadas circunstâncias (move os êmbolos das máquinas, dissolve tudo bem, ácidos,
bases e sais) e seus grau de fervura e congelamento (Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando em pressão normal). Tais afirmações são verdades cientifica-
mente comprovadas e universais, ou seja, a água (pura) sempre tem as características
e empregos descritos, nas circunstâncias mencionadas.

9 Disponível em:<http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/antonio_gedeao/agua.html>.
Acesso em: 24 jul. 2011.

68
Nas duas primeiras estrofes, nas quais se comentam as propriedades da água que A pessoa, o número e
o tempo
são verdades universais, cientificamente comprovadas, o poeta utiliza todos os verbos
no presente. Somente na última estrofe, na qual a água é o lugar onde Ofélia, persona-
gem da tragédia Hamlet, de William Shakespeare, é encontrada morta, os verbos estão
no pretérito perfeito. A falta de paralelismo quanto ao uso dos tempos verbais entre
as duas primeiras estrofes e a última demonstra a mudança de perspectiva para ver a
água: da científica à poética, literária.
Para Corôa (2005, p. 46), esse uso do presente indica algo que se entende como
verdadeiro independentemente do momento em que é enunciado, isto é, algo que se
entende como “uma verdade quase onitemporal quando vista da nossa perspectiva de
tempo limitado da existência humana”.
Enquanto o presente não apresenta divisão gramatical, o passado e o futuro se sub-
dividem em classificações que tomam como base a referência mais próxima ou não do
ponto nunc. Em português, por exemplo, o passado possui no modo indicativo três
tipos: o pretérito perfeito, o imperfeito e o mais-que-perfeito.
Segundo Silva e Koch (2001, p. 52), o pretérito perfeito “exprime um processo
passado totalmente concluído, sem duração no tempo”, ao passo que o imperfeito
“exprime um processo passado com duração no tempo, indicando concomitância ou
habitualidade”. Há, portanto, nesses tempos uma intersecção entre as categorias de
tempo e de aspecto, mais especificamente com as noções de perfectividade e imper-
fectividade (cf. capítulo 4).
Vamos nos dedicar primeiramente às noções do pretérito imperfeito:

(26)
Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,


assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,


tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,


tão simples, tão certa, tão fácil:
__ Em que espelho ficou perdida a minha face?
(MEIRELES, 1987, p. 84. grifos nossos)

Em (26), os versos de Cecília Meireles marcam um eu-lírico que olha a posição


em que se encontra, vê as mudanças que sofreu e se pergunta em que momento do

69
CATEGORIAS passado elas ocorreram e como não as viu acontecer. O pretérito imperfeito do verbo
GRAMATICAIS
“ter” contribui para a construção desse efeito de sentido do poema. Para Corôa (2005,
p. 51), “o imperfeito não limita o evento transcorrido (ou transcorrendo) no passado,
não o força a acabar”, favorecendo a ideia de um evento não limitado.
Esse olhar do eu-lírico para sua vida passada é perfeitamente possível a partir do
uso desse tempo verbal, pois com o pretérito imperfeito o falante

se coloca numa perspectiva também de passado para contemplar o evento na


sua ocorrência. O que o falante transmite ao ouvinte com o uso do imperfeito é
uma ótica do evento a partir do próprio momento do evento e não de seu fim,
resultados ou conseqüências: o falante se coloca e, conseqüentemente coloca o
ouvinte no momento do evento” (CORÔA, 2005, p. 52-53).

De acordo com Silva e Koch (2001), o pretérito imperfeito também pode indicar
fatos passados concebidos como contínuos ou permanentes, caracterizando a cate-
goria de aspecto (cf. capítulo 4), além de, metaforicamente, expressar um valor de
irrealidade, como notamos em:

(27)
Se eu fosse um peixinho
E soubesse nadar
Tirava a Maria
Lá do fundo do mar.

Na letra da canção infantil folclórica, o verbo “tirar” está conjugado no pretérito


imperfeito do modo indicativo, mas o fato que é expresso por essa forma verbal (tirar
a Maria lá do fundo do mar) não se prende à realidade, uma vez que se mostra como
possível apenas advindo de uma condição imaginada – se o eu-lírico realmente pudes-
se ser um peixe e nadar como um.
O exemplo (28), apresentado a seguir, é o enunciado final de um comercial televisi-
vo que foi bastante veiculado em canais abertos na televisão brasileira. Para compreen-
dermos sua força persuasiva, temos de descrever o contexto em que aparece.
O comercial, em que o enunciado figura, traz, na cena inicial, uma mulher ao che-
gar do trabalho a sua casa; está vestida com roupa de executiva ao passo que seu
marido se encontra de maneira mais despojada, colocando o jantar e cuidando das
filhas do casal.
Após cumprimentar as filhas e o marido, a esposa afirma ter uma “surpresinha”
para ele. Entrega-lhe, então, uma chave de um automóvel e os dois vão para fora ver
o carro que o marido ganhou. A esposa comenta sobre as qualidades do carro: “Viu
como é espaçoso? Dá pra levar as crianças na escola, fazer compras no supermercado,
levar seus amigos para o futebol”.

70
Dentro da descrição é importante mencionar ainda a parte final da propaganda. A pessoa, o número e
o tempo
Outro casal vizinho que está observando a cena produz os seguintes enunciados: a mu-
lher diz, um tanto reticente: “– Amor...”. Enquanto, o marido a interrompe, dizendo,
em tom de mágoa: “– Fala nada não, preciso ficar um pouco sozinho”. A propaganda
finaliza-se com a voz do narrador pronunciando:

(28)
O mundo mudou, o Fiat Idea também! Ficou muito mais moderno e muito
mais esportivo! 10

Nesse caso, o pretérito perfeito mudou marca o encerramento de uma série de mu-
danças pelas quais a configuração da sociedade atual passou no que se refere aos pa-
péis de homens e mulheres na família brasileira. O efeito de humor produzido encon-
tra-se, especialmente, na “transferência” de discursos e atitudes geralmente associadas
ao mundo feminino e vice-versa. Na fala do locutor, a mudança também é apresentada
em sua situação final e conclusa “O mundo mudou, o Fiat Ideia também, ficou mais
moderno e muito mais esportivo”, produzindo um efeito de que a versão final do novo
carro é moderna e acompanha as evoluções sociais.
É relevante notar nesse caso que, graças ao pretérito perfeito dos verbos “mudou” e
“ficou”, temos uma espécie de sentença em retrospectiva, em que se expressa um fato
já ocorrido visto a partir do nunc, do momento da enunciação. Dessa forma, o falante
toma como referência o momento atual e destaca o resultado do fato expresso pela
forma verbal, aceitando a realidade das mudanças e, consequentemente, as do carro.
Para tratamos do pretérito mais-que-perfeito, é importante sabermos que o pas-
sado e o futuro, ao contrário do presente, podem se dividir em fases ou épocas. O
pretérito mais-que-perfeito caracteriza-se por tomar como referência, além do ponto
dêitico da enunciação, outro ponto no passado:

(29)
Quando chegamos à rodoviária, o ônibus para Tupã já partira.

O enunciado expressa duas ações no passado, a de chegada à rodoviária e a da


partida do ônibus, anterior à chegada. Na representação na reta temporal temos:

10 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=pEm0oEfmuf8>. Acesso em: 24 jul.


2011. (grifos nossos)

71
CATEGORIAS
GRAMATICAIS nunc

partira chegamos

De acordo com Macambira (1998, p. 163), “o pretérito mais-que-perfeito indica


uma coisa duplamente passada”. Precisamos deixar claro que os dois tempos são mar-
cados a partir do nunc. Como vemos no exemplo (29), tanto chegamos (pretérito
perfeito) quanto partira (mais-que-perfeito) estabelecem sua indicação considerando
o momento de enunciação, mas partira considera também outro ponto, o momento
da chegada à rodoviária. Logo, o mais-que-perfeito é passado mais passado em relação
ao perfeito.
É importante destacar, compactuando com o posicionamento de Corôa (2005, p.
50), que a dificuldade da compreensão desse tempo verbal não reside na sua significa-
ção, mas no seu uso que, quase sempre, se restringe à linguagem literária, jornalística
ou a uma “forma muito cuidada de expressão oral”.
Embora a forma simples do verbo no pretérito mais-que-perfeito seja mais rara na
linguagem oral, a indicação de fases ou épocas no passado é constantemente realizada
pelos falantes da língua portuguesa, apesar de o fazerem por meio da forma composta
do verbo:

(30)
­­Quando chegamos à rodoviária, o ônibus para Tupã já tinha partido.
(31)
Eu já tinha almoçado quando ele me convidou.

Aos tempos que se caracterizam por recorrerem “a não apenas um ponto de re-
ferência, o ponto dêitico da enunciação, mas também por levar em consideração um
outro ponto da linha do tempo que precede ou é posterior ao momento da enuncia-
ção” são chamados de tempos relativos (COSTA, 1990, p. 17), como o pretérito mais-
que-perfeito e o futuro do pretérito.
O futuro do presente, como já comentamos, situa o fato enunciado como posterior
ao nunc, e reveste-se, por isso, de uma significação modal (cf. também capítulo 3).
O futuro do pretérito, por sua vez, também se configura como um tempo relativo
tal qual o pretérito mais-que-perfeito. Isso porque ele denota, de um lado, a anteriori-
dade em relação ao momento da enunciação e, de outro, a posterioridade do proces-
so verbal, tomando como base outro processo anterior ao momento da enunciação,
como em:

72
(32) A pessoa, o número e
HISTÓRIAS SOBRE OS TÍTULOS DE AYRTON SENNA o tempo
Na primeira temporada de Senna na Mclaren em 1988 ele foi ousado como
poucos para desafiar Allain Prost, o atual campeão. Senna foi campeão
daquele ano. Em 1989 os dois continuavam na equipe, no GP de Ímola (onde
o brasileiro morreria anos mais tarde) Senna e Prost se qualificaram em
primeiro e segundo, Senna propôs a Prost que não houvesse ultrapassagem na
primeira curva, pelo bem da equipe, Prost aceitou numa boa.11

No exemplo (32), o enunciador projeta dois momentos distintos na linha do tem-


po: o primeiro em 1989, ano em que os dois pilotos continuavam na equipe − o
passado em relação à enunciação; o segundo é o momento da morte de Ayrton Senna,
com o verbo no futuro do pretérito morreria, que situa o acontecimento antes do
momento da enunciação, mas posterior ao de 1989. Temos assim:

nunc

1989 morreria
continuavam

Câmara Júnior (1982, p. 101) explica que esse uso é menos frequente na linguagem
e decorre da necessidade de “visualização de um momento, já passado, como futuro
em relação a outro momento passado que lhe foi anterior – em vez de simplesmente
passado em relação ao presente”:
Além dessa indicação temporal, o futuro do pretérito, por projetar o futuro numa
situação passada, é mais comumente usado com valor modal. De acordo com Silva e
Koch (2001), o futuro do pretérito indica também hipótese, probabilidade, incerteza
não comprometimento do falante ou, ainda, modéstia ou cerimônia:
(33)
Por Você
Eu dançaria tango no teto
Eu limparia
Os trilhos do metrô
Eu iria a pé
Do Rio à Salvador...

Eu aceitaria

11 Disponível em: <http://www.cdz.com.br/forum/index.php?/topic/5674-ayrton-senna-


-esse-cara-era-demais/page__st__20__p__173899#entry173899>. Acesso em: 25 jul. 2011.
(grifos nossos)

73
CATEGORIAS A vida como ela é
GRAMATICAIS Viajaria a prazo
Pro inferno
Eu tomaria banho gelado
No inverno...
(Frejat; Goffi; Mauro S. Cecília. Por Você). 12
(34)
Você pegaria o prato para mim, por favor.

Em (33), nas duas primeiras estrofes da canção, vemos que o eu-lírico projeta uma
série de atos difíceis e penosos, utilizando os verbos no futuro do pretérito. Nos ver-
sos, o futuro do pretérito apresenta claramente um valor modal, pois a realização des-
ses atos se condiciona à aceitação do eu-lírico por sua amada. Logo, caracteriza-se por
um tom de promessa, de incerteza quanto à efetivação. Por sua vez, o exemplo (34)
ilustra o uso do futuro do pretérito por polidez, comum na vida cotidiana, quando
pedidos algo para alguém.
Para Câmara Jr. (1982, p. 101), devido aos motivos como os mostrados acima é que
o uso do futuro do pretérito é considerado metafórico, “para expressão da irrealidade,
o que sugeriu para esse tempo a denominação de condicional”.
Assim sendo, ao analisarmos os futuros, tanto do presente quanto do pretérito,
devemos considerar a intersecção que esses tempos fazem com a categoria de modo,
conforme poderemos observar no capítulo 3.

Os tempos verbais do Modo Subjuntivo


O modo subjuntivo é composto pelos tempos presente, pretérito imperfeito e fu-
turo. De acordo com Câmara Jr (1982, p. 101), “a divisão tripartida não é, entretanto,
fiel à realidade linguística. Na verdade, há duas divisões dicotômicas que se comple-
mentam”. Para ele, as reais divisões nesse modo opõem a) presente versus pretérito,
em que o pretérito é a forma não marcada; e b) pretérito versus futuro, oposição que
nas orações subordinadas estabelecem uma condição prévia do que se vai comunicar.
Nesse modo, os tempos verbais, muitas vezes, indicam noções temporais diferentes
do tempo em que se encontram flexionados/conjugados. O presente e o futuro, por
exemplo, parecem ter suas diferenças temporais anuladas pelo frequente estabeleci-
mento de fatos com referência futura enunciados no presente do subjuntivo.

12 Disponível em: <http://letras.terra.com.br/barao-vermelho/44432/>. Acesso em: 25 jul.


2011. (grifos nossos)

74
(35) A pessoa, o número e
Tomara o tempo
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho.
( Vinícius de Moraes. Tomara)13

Na primeira estrofe da canção de Vinícius de Moraes, reproduzida no exemplo


(35), o presente do modo subjuntivo reitera-se no desejo de que, em um momento
futuro, posterior ao da fala, o interlocutor se dê conta de que é melhor estar ao lado
da pessoa que o ama. Assim, embora o tempo seja o presente do subjuntivo, a ação
é projetada para o futuro. Esse uso do tempo é comum em períodos compostos por
uma oração principal com ideia de futuro e uma oração subordinada com verbo no
presente do subjuntivo:

(36)
Rezaremos para que ele volte com saúde

No caso expresso em (36), tanto o verbo “rezar” (futuro do presente do indicativo),


que aparece na oração principal, quanto a forma verbal “volte” (presente do subjun-
tivo) situam fatos posteriores ao nunc e os projetam para um momento futuro em
relação ao da fala.
Com os outros tempos do subjuntivo, as noções temporais também não são preci-
sas. Segundo Durigan (1990, p. 42),

o futuro abriga noções temporais e modais (com predominância das últimas),


pois que se funda numa convergência entre futuro do indicativo e pretérito
perfeito do Subjuntivo; o primeiro concorrendo com as noções temporais; e
o último, com as modais. O passado, por sua vez, tem um valor francamente
modal. Embora considerado pretérito do subjuntivo, na verdade a ideia que
veicula é a de um futuro intemporal transposto para o modo.

O pretérito imperfeito do subjuntivo, portanto, figura como uma noção de futuro


intemporal, dado sua veiculação de uma ideia hipotética de algo que poderia ou não
ocorrer, conforme condições expressas:

13 Disponível em: <http://letras.terra.com.br/vinicius-de-moraes/86596/>. Acesso em: 26


jul. 2011. (grifos nossos).

75
CATEGORIAS (37)
GRAMATICAIS Se fosse verdade eu partiria.

No exemplo (37), encontramos a forma verbal da oração principal, “partir”, que se


vincula a uma condição expressa (pelo verbo “ir”) na oração subordinada, o que ex-
clui, em princípio, a concretização dos dois processos verbais conjugados no período:
não é verdade, então não partirei.
Com o futuro, a situação é um pouco diferente. Macambira (1998, p. 164) situa
esse tempo verbal como mais fiel à noção do tempo em que está conjugado: “parece
que o futuro do subjuntivo só exprime futuridade: não nos ocorre exemplo em que
denote o presente ou o passado”. Sendo assim, o autor sugere características interes-
santes a serem observadas nesse tempo, tais como o fato de que só o encontramos em
períodos compostos por oração subordinada e o de que não varia semanticamente
(indica sempre futuridade):

(38)
Quando for aprovada no vestibular, ganhará um carro.

Em (38), há também uma condição, tal como em (37), e ela é expressa pelo futuro
do subjuntivo na oração subordinada (quando for aprovada), mas propõe a aquisição
do carro como evento possível em um momento posterior – o que mantém nessa
forma verbal a veiculação de um valor de futuridade.

As formas nominais
Por fim, com relação às formas nominais dos verbos – infinitivo, gerúndio e par-
ticípio –, ressaltamos, seguindo as observações de Câmara Jr. (1982), que a oposição
entre essas formas não é de natureza temporal, mas aspectual (cf. capítulo 4).
O infinitivo é entendido frequentemente como o nome do verbo, especialmente
porque “de maneira mais ampla e mais vaga resume a sua significação, sem impli-
cações das noções gramaticais de tempo, aspecto ou modo” (CÂMARA JR. 1982, p.
102).

(39)
O verbo no infinito

Ser criado, gerar-se, transformar


O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
(MORAES, 1986, p. 350)

76
O exemplo (39) é a primeira estrofe do soneto de Vinicius de Moraes, no qual to- A pessoa, o número e
o tempo
dos os verbos são utilizados no infinitivo, como indica o próprio nome do poema, pois
infinito é também uma designação para o infinitivo verbal. Com o título do soneto,
o poeta já nos coloca diante da questão de o infinitivo não estabelecer um momento
na linha temporal, desenvolvida depois pela utilização dos verbos, nessa forma, nos
versos. No soneto, acompanhamos, pela escolha dos verbos, todos os seres humanos
que passam pela existência desde o nascimento até a morte, vivenciando também a
experiência do amor. A estrofe do exemplo (39) trata da primeira infância. O fato de os
verbos estarem no infinitivo constrói o efeito de sentido de que todos os seres huma-
nos, independente da época, vivem tais experiências.
O gerúndio e o particípio mantêm uma oposição ligada à categoria de aspecto, por
meio da qual o primeiro situa um processo como inconcluso, ao passo que o segundo
denota um fato concluído:

(40)
No trabalho, um amigo espera o outro para saírem:
– Terminando?
– Terminado.

No exemplo (40), ao usar a forma verbal no gerúndio (terminando), o amigo ques-


tiona a finalização do trabalho que está sendo realizado, pois o gerúndio mostra que
o processo verbal ainda está em curso, ao contrário do particípio, apresentado na
resposta, que dá o processo por finalizado, concluso.

Conclusão
Neste capítulo, apresentamos as categorias verbais de número, pessoa e de tempo,
tomando por base para sua caracterização a enunciação e a sua natureza dêitica. Na
descrição de suas especificidades, relacionamos cada categoria a contextos discursivo-
textuais de usos, na intenção de demonstrar como a correta compreensão dos recur-
sos gramaticais favorecem a realização de análise linguística e o tratamento da língua
como fonte inesgotável de interação.
Com o subsídio dos pressupostos teórico-metodológicos de linguistas e gramáti-
cos, apresentamos a categoria de número e pessoa em concomitância, dado que sua
flexão na língua portuguesa se faz por um morfema cumulativo que apresenta, a um só
tempo, as duas noções nos verbos em que aparece. As categorias de pessoa e número
foram revisitadas por um viés que questiona as noções apresentadas tradicionalmente
pelas gramáticas. Demonstramos também a ideia da pessoa subvertida, casos em que,
embora as indicações sejam de uma pessoa gramatical, as formas referem-se a outras
no jogo enunciativo.

77
CATEGORIAS No que se refere à categoria de tempo, mostramos que ela também é uma categoria
GRAMATICAIS
dêitica. Mesmo sendo uma categoria que também se manifesta pelo fenômeno linguís-
tico da cumulação em desinências modo-temporais, procuramos focalizar as especifi-
cidades do emprego do tempo verbal em Língua Portuguesa, deixando a descrição do
modo para o capítulo 3, que relaciona o verbo à noção de modalidade.
No tratamento das noções de presente, passado e futuro, focalizamos as reais opo-
sições que esses tempos adquirem quando correlacionados à enunciação e às pers-
pectivas dos falantes. No tratamento dos tempos do modo indicativo, vimos os vários
empregos do presente, as diferenças entre os pretéritos, o valor mais modal do futuro
e os tempos relativos. Nos tempos do subjuntivo, mostramos que as oposições tempo-
rais não são bem marcadas nesse modo verbal. Quanto às formas nominais, vimos que
traduzem mais noções aspectuais do que propriamente temporais.
Esperamos, assim, ter contribuído para o estabelecimento de reflexões sobre os
fenômenos linguísticos que se configuram nas categorias gramaticais aqui focalizadas
e para a representação de algumas possibilidades de análise da pessoa, do número e
do tempo, como noções responsáveis por efeitos de sentidos que se manifestam na
língua, na linguagem, no universo de possibilidades discursivas com as quais estamos
em contato a todo tempo.

Referências

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ed. São Paulo: Cortez, 2001.

Proposta de Atividades

1) A partir da leitura sobre enunciação e dêixis, discuta a categoria de pessoa utilizando o


texto abaixo:

Fim de um diálogo

– Sim, é amanhã. Você vai a bordo?


– Está doida? É impossível.
– Então, adeus!
– Adeus!
– Não se esqueça de Dona Plácida. Vá vê-la algumas vezes. Coitada! Foi ontem

80
despedir-se de nós; chorou muito, disse que eu não a veria mais... É uma boa A pessoa, o número e
o tempo
criatura, não é?
– Certamente.
– Se tivermos de escrever, ela receberá as cartas. Agora até daqui a...
– Talvez dois anos?
– Qual! Ele diz que é só até fazer as eleições.
– Sim? Então até breve. Olhe que estão olhando para nós.
­­– Quem?
– Ali do sofá. Separemo-nos.
– Custa-me muito.
– Mas é preciso; adeus Virgília!
– Até breve. Adeus!

(ASSIS, M. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 6 ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 116)

2) Explique, utilizando o texto abaixo, por que o “nós” não é uma pluralização de “eus” e o
seu caráter inclusivo e exclusivo:
Situação: Três irmãos e uma amiga estão se preparando para serem levados ao
cinema pelo pai:

– Que filme nós vamos ver?


– “Cartas para Julieta”.
– Não, não vamos ver isso não! Nós vamos ver “Os mercenários”.
– Por que nós não podemos ver o mesmo filme?
– Porque nós não gostamos de filme de amor.
– Ah é? e nós não gostamos de filmes de guerra. Então nós não vamos ficar
juntos.
O pai chega:
–Vamos embora que nós já estamos atrasados.

3) Explique a pessoa subvertida nos fragmentos abaixo:


a) Os abaixo assinados, brasileiros, residentes na rua José Maquiavel, Vila Santo Antônio,
nesta cidade de Andanópolis, vêm, por meio deste, solicitar que sejam tapados os buracos
causados pela chuva na rua mencionada.
b) Se Deus for Brasileiro, o Papa é carioca. (Frase do papa João Paulo II)
(Disponível em: <http://www.frasesfamosas.com.br/de/papa-joao-paulo-ii/pag/7.html>.
Acesso em: 25/jul./2011).
c) Então meu filhinho se divertiu muito hoje? (Um pai perguntando ao filho).

81
CATEGORIAS d) Se eu (= alguém) decido entrar para a política, preciso conhecer onde estou me
GRAMATICAIS
metendo.
e) Por que eu deixei meus brinquedos lá fora? (Uma mãe pergunta a um filho).
f ) Aguardamos o momento em que Israel vai dizer ‘sim’ a Cristo, mas sabemos que tem
uma missão especial na história agora. (Frase do papa Bento XVI, em livro de sua auto-
ria publicado em 2000).
(Disponível em: <http://www.frasesfamosas.com.br/de/papa-bento-xvi.html>. Acesso
em: 25 jul. 2011).

4) A partir da leitura sobre a categoria de tempo, analise como o emprego do pretérito con-
tribui na construção de sentidos para os versos do poema abaixo:

Infância
Carlos Drummond de Andrade

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.


Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre  mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que  aprendeu


a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo


olhando para mim:
__ Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!

Lá longe meu pai campeava


no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história


era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

(Disponível em: <http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=312&amp;rv=Cigarra>. Acesso


em 25 jul. 2010).

82
5) Com base no enunciado “Quando a mãe percebeu, a criança já pusera o sapato na boca”, A pessoa, o número e
o tempo
explique a noção de tempo relativo.
6) Discuta os tempos verbais do indicativo e do subjuntivo a partir dos empregos das formas
verbais no poema do poeta cubano David Chericián:

Lição de gramática

Eu estou, você está,


e ela está, e ele também;
e todos os que estiveram
e estão muito bem.

Estamos, estaremos
nós, ela e ele
estarão lado a lado, e eu, que estive,
estarei.

E se acaso estivesse
alguém que não tenha estado naquela vez,
bem-vindo!, porque estar é o que importa
- e que todos estejam.

(CHERICIÁN, D. Poesia latino-americana para meninas e meninos. São Paulo: Melhora-


mentos, 2000. p. 33).

Anotações

83
CATEGORIAS
GRAMATICAIS

Anotações

84
3 O modo e a
modalidade

Juliano Desiderato Antonio / Sônia Aparecida Lopes Benites

Introdução
Tradicionalmente, a categoria modo é considerada uma propriedade do verbo para
indicar a atitude ou o posicionamento do falante em relação ao “fato” ou “ação” enun-
ciados (CUNHA; CINTRA, 1985; SAID ALI, 19651). Em geral, as gramáticas e livros di-
dáticos postulam a existência de três modos: o indicativo, como em (1), para ações ou
estados considerados reais, ou seja, quando o falante tem certeza; o subjuntivo, como
em (2), para fatos duvidosos, prováveis, potenciais, ou seja, quando o falante faz uma
suposição; o imperativo, como em (3), para expressar ordem, pedido, convite etc.
(1)
Cai chuva (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 436).
(2)
Duvido que ela estude2 (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 454).
(3)
Cala-te, não lhe digas nada.
Cavem, cavem depressa! (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 465).

Os exemplos demonstram que o modo verbal é uma das formas de que o falante
dispõe, no jogo da interação verbal, para marcar o tipo de relação que o une ao inter-
locutor ou para demonstrar sua atitude em relação ao fato enunciado. Não se trata,
portanto, de uma característica do verbo, mas da maneira (modo) como o locutor se
posiciona. A certeza e a dúvida só podem ser entendidas pela perspectiva do locutor.
Por sua vez, a ordem ou o pedido marcam a relação entre os interlocutores, que pode
ser mais ou menos assimétrica. Quem usa uma forma de imperativo sabe, por exem-
plo, se o interlocutor é seu subordinado ou não. E isso faz toda a diferença em suas
escolhas estruturais, lexicais e entonacionais.

1 A primeira edição é de 1921.


2 Na verdade, a dúvida aqui está mais relacionada ao verbo da oração principal (duvido). Trata-
remos de casos como esse, no decorrer do capítulo.

85
CATEGORIAS A atitude do falante em relação ao que enuncia pode ser expressa linguisticamente
GRAMATICAIS
por uma série de outros elementos além da categoria modo. Advérbios como nos
exemplos (4)3 e (5), adjetivos em posição predicativa, como nos exemplos (6) e (7),
substantivos, como no exemplo (8), verbos modais, como nos exemplos (9) e (10),
também exercem essa função de expressar a avaliação que o falante faz a respeito do
que diz.

(4)
E aí os aminoácidos se combinam e formam moléculas mais complexas, que
provavelmente seriam proteínas.
(5)
Uma observação que nós necessariamente devemos fazer é o seguinte...
(6)
Uma apresentação do texto penso que é necessário fazer.
(7)
Mas todos nós sabemos que essa viagem do espaço até a Terra não permitiria
que esses microorganismos ou esses seres primitivos que deram origem à vida
chegassem aqui com vida. Isso não seria possível.
(8)
Na verdade, os primeiros seres vivos eram autotróficos.
(9)
A suspensão farmacêutica adequada deve ser de fácil ressuspensão.
(10)
Você pode omitir nomes, mas a instituição acaba sendo exposta.

De forma bastante ampla, a categoria responsável pela expressão da avaliação, da


opinião, da atitude do falante em relação ao que enuncia é chamada modalidade
(PALMER, 1986). Nessa perspectiva, o modo verbal seria um dos meios de expressão
da modalidade ao lado de outros meios de expressão como os demais mencionados
no parágrafo anterior4.
A partir de Palmer (1986), é possível analisar o modo e a modalidade apontando
para algumas diferenças entre eles. Essa perspectiva de análise permite identificar, por
exemplo, que modo é uma categoria morfossintática do verbo, como tempo e aspecto,
marcada flexionalmente por desinências verbais. A modalidade, por sua vez, estaria re-
lacionada semanticamente com toda a oração e pode ser expressa por verbos modais,
advérbios, adjetivos etc.

3 Os exemplos de (4) a (47), com exceção do exemplo (30), são do corpus do Funcpar (Grupo de
Pesquisas Funcionalistas do Norte/Noroeste do Paraná, composto por elocuções formais (aulas)
e entrevistas com pesquisadores. Esses exemplos foram retextualizados para melhor compreen-
são, tendo sido retiradas as marcas típicas de oralidade.
4 É interessante o estudo de Guiraldelli (2009) a respeito dos usos do modo subjuntivo para
expressar as modalidades epistêmica e deôntica.

86
A fim de compreender melhor as particularidades existentes nas noções de modo O modo e a modalidade

e de modalidade, os tópicos a seguir apresentam uma caracterização específica da mo-


dalidade, particularizando cada um dos tipos que a configuram. Em seguida, o modo
é tomado como foco.

A modalidade
Encontrar uma definição consensual para a categoria modalidade não é tarefa fácil,
uma vez que várias disciplinas (Lógica, Linguística, Filosofia, Psicologia etc) tomam
essa categoria como objeto de estudo. Para fins didáticos, adotam-se, neste estudo,
as definições de Palmer (1986), apresentadas na introdução deste capítulo (categoria
responsável pela expressão da avaliação, da opinião, da atitude do falante em relação
ao que enuncia) e de Quirk et al. (1985, p. 219) “maneira pela qual o conteúdo de uma
oração é qualificado para refletir o julgamento do falante a respeito da probabilidade
da proposição por ela expressa ser verdadeira”.
A manifestação dos principais tipos de modalidade se dá por meio de vários meios
linguísticos, conforme descrições apresentadas por Neves (2006, p. 167-169; 2002, p.
173-179) e por Dall’Aglio-Hattnher (1995, p. 37-42):
• Por verbo auxiliar modal, como nos exemplos (11) e (12):

(11)
O candidato pode trazer outras leituras que não as contempladas pelo
elaborador.
(12)
Vocês deverão fazer um esboço, um rascunho.

• Por verbo de significação plena, indicador de opinião, crença ou saber, como


nos exemplos (13), (14) e (15):

(13)
Eu acredito que é um desperdício você jogar fora esse leite.
(14)
Eu acho que o melhor que poderia acontecer é essas crianças serem inseridas
em lares, em famílias.
(15)
Eu sei que não sai de lá de dentro a autorização para adoção.

• Por um advérbio, como nos exemplos (16), (17) e (18):

(16)
E pode ser que eventualmente no futuro eu também venha a ver de uma outra
forma.
(17)
Possivelmente não foi uma atitude consciente.
(18)
Mas realmente são poucos que têm o objetivo de prestar vestibular.

87
CATEGORIAS (19)
GRAMATICAIS Eu acho que talvez seja necessário.

• Por um adjetivo em posição predicativa, como no exemplo anterior (19) e no


exemplo (20):

(20)
É impossível recuperar as qualidades do leite.
Por um substantivo, como nos exemplos (21) e (22):
(21)
Sem sombra de dúvida o Brasil é um país agroindustrial.
(22)
Tenho a impressão que é essa data mesmo.

• Pelas categorias gramaticais do verbo (tempo, aspecto, modo), que podem ou


não aparecer associadas a outros mecanismos modalizadores, como nos exem-
plos (23), (24) e (25):

(23)
Talvez seja uma questão social mesmo.
(24)
Pode ocorrer que esse gene tenha uma variação grande.
(25)
Talvez tenha sido uma atitude covarde.

Tipos de modalidade

Modalidade epistêmica
De acordo com Palmer (1986), a modalidade epistêmica diz respeito ao grau de
comprometimento do falante com o que diz. Para o autor, o termo ‘epistêmico’ se
justifica etimologicamente por ser derivado da palavra grega que significa “compreen-
são”, “conhecimento”, “devendo ser interpretado como apresentando o estatuto da
compreensão ou do conhecimento do falante” (p. 51). Dessa forma, para Palmer, a
modalidade epistêmica engloba julgamentos do falante (especulações, deduções) ou
as garantias que ele tem do que diz (citações – ‘alguém disse’ ou evidências baseadas
nos sentidos)5. De (26) a (29) apresentam-se exemplos de enunciados modalizados
epistemicamente segundo a proposta de Palmer.

5 Deve-se observar que não há consenso entre todos os autores no que diz respeito ao fato de
citações e evidências serem formas de modalização epistêmica. Ao contrário de Palmer, há auto-
res que consideram que a modalização epistêmica é que faz parte de uma categoria mais ampla,
a evidencialidade.
88
(26) O modo e a modalidade
Deve ser muito joia, eles exportam pinga pra Europa, vendem banana e leite.
(27)
O que me parece é que algumas escolas correm atrás daquilo que é cobrado
no vestibular.
(28)
Eu já ouvi dizer que aquela numeração que tem na caixinha de leite longa vida
quanto mais alta mais vezes esse leite retornou para o laticínio para ser pasteu-
rizado novamente.
(29)
Outra pesquisa já disse o contrário, disse que a soja transgênica até faz bem
para o corpo.

Para Neves (2006), a modalidade epistêmica está relacionada ao eixo do conheci-


mento. A avaliação epistêmica, na visão dessa autora, situa-se em um contínuo que vai
do absolutamente certo e “se estende pelos indefinidos graus do possível” (p. 172).
Observe-se o exemplo (30), encontrado em Neves (2006, p. 172):

(30)
É possível que a história se repita.

Tal enunciado pode ser relativizado, segundo a autora, por meio de diversos recur-
sos disponibilizados pela língua: absolutamente possível, bem possível, pouco possí-
vel, quase impossível etc.
É importante analisar os efeitos de sentido obtidos com o uso dos modalizadores
epistêmicos. Dall’Aglio-Hattnher (1995) apresenta um esquema que entrecruza os “va-
lores modais de certeza e possibilidade com o comprometimento do falante” (p. 93).
O esquema é reproduzido a seguir:

É certo que o caminhão tombou. É possível que o caminhão tenha tombado.

CERTO POSSÍVEL

Tenho certeza de que o caminhão tombou. Acho que o caminhão tombou

De acordo com o esquema, no sentido horizontal, os modalizadores expressam


certeza ou possibilidade. Nos quadrantes superiores (predicação), expressam a ava-
liação de um estado-de-coisas como certo ou possível, ao passo que nos quadrantes

89
CATEGORIAS inferiores (proposição) expressam a avaliação do falante a respeito da verdade de uma
GRAMATICAIS
proposição. De acordo com Lyons (1977), um estado-de-coisas é algo que pode ocor-
rer em um mundo real ou imaginário. No modelo de análise utilizado por Dall’Aglio
-Hattnher 1995), que concebe a oração em uma estrutura de camadas hierarquicamen-
te organizadas, os estados-de-coisas são estudados na camada da predicação.
Por outro lado, as proposições, que representam outra camada nesse modelo, são
fatos possíveis, “construtos mentais que não existem no espaço ou no tempo, mas
existem nas mentes daqueles que os contêm”, isto é, são conteúdos nos quais se pode
acreditar, dos quais se pode duvidar (Hengeveld; Mackenzie, 2008, p. 144). Dessa
forma, o comprometimento do falante aumenta quando modaliza proposições, uma
vez que avalia não apenas a possibilidade de ocorrência de um evento (como nos esta-
dos-de-coisas), mas a verdade de uma proposição.
A esta altura do capítulo, o leitor deve estar percebendo que o estudo da moda-
lidade pode ser muito importante na investigação do posicionamento dos sujeitos
no discurso. Dependendo das circunstâncias, pode ou não ser interessante para um
falante se comprometer com o que diz.
Neves (2006) apresenta outros efeitos de sentido que podem ser obtidos com os
modalizadores. Em (31), observa-se um enunciado apresentado como uma assevera-
ção sem espaço para dúvida e sem relativização.

(31)
Aquela planta que você plantou lá na sua casa é exatamente igual geneticamen-
te aquela da sua tia.

Outro uso dos modalizadores da não certeza apresentado por Neves (2006) pode
ser observado no exemplo (14), repetido a seguir. Trata-se de enunciado em primeira
pessoa no qual o falante, ao assumir sua incerteza, ganha credibilidade.

(14)
Eu acho que o melhor que poderia acontecer é essas crianças serem inseridas
em lares, em famílias.

O falante também pode utilizar modalizadores da não certeza para omitir a fonte da
informação, como no exemplo (32).

(32)
Parece que diminuiu a demanda por vaga em abrigos, no entanto, aumentou a
demanda por vagas em lares de crianças infratoras.
O falante pode apoiar sua certeza, segundo Neves, na evidência garantida pelo
conhecimento, como em (33).

90
(33) O modo e a modalidade
Evidentemente, no dia a dia da colonização nem todo agente colonizador por-
tuguês que veio pro Brasil compartilhava dessa crença e desse ideal missionário.

A não certeza do falante, por sua vez, pode ser apoiada, segundo Neves, na aparên-
cia, como no exemplo (27), repetido a seguir.

(27)
O que me parece é que algumas escolas correm atrás daquilo que é cobrado
no vestibular.

Apresentam-se a seguir alguns trabalhos que exploram os efeitos de sentido das


modalidades em determinados discursos ou gêneros textuais. Em sua tese de douto-
rado, Dall’Aglio-Hattnher (1995) investigou a modalidade epistêmica nos discursos
do ex-presidente Fernando Collor de Mello, defendendo a hipótese de que há uma
correspondência entre o grau de comprometimento do falante e a camada da oração
em que atua o modalizador.
Brunelli investigou, em sua tese de doutorado (2004), traços que caracterizam o
discurso de autoajuda, verificando que a manifestação da certeza é um dos traços que
constituem esse discurso, mas que a manifestação da dúvida é rejeitada.
Alves (2010) investigou, em sua dissertação de mestrado, a modalidade epistêmica
em discursos políticos das senadoras Heloísa Helena e Marina Silva. Verificou que ex-
pressões que exprimem dúvidas são utilizadas com frequência pelos políticos para se
isentarem de uma responsabilidade maior em relação à informação. Também verificou
que a apresentação de informações com base em experiências de mundo foi utilizada
como forma de criar proximidade com os ouvintes. Ainda foi possível verificar que
informações mais polêmicas são terceirizadas de forma a isentar o falante da respon-
sabilidade pelo que é dito.

Modalidade deôntica
A modalidade deôntica, segundo Neves (2006), situa-se no eixo da conduta e está
relacionada com obrigações e permissões. Para a autora, uma obrigação pode ser “mo-
ral, interna, ditada pela consciência” ou “material, externa, ditada por imposição de
circunstâncias externas” (p. 174). Apresentam-se, de (34) a (39), exemplos da moda-
lidade deôntica.

(34)
Você primeiro tem que usar a propriedade logaritmo.
(35)
Nós temos que facilitar a leitura dessa tabela ou desse gráfico para o leitor.

91
CATEGORIAS (36)
GRAMATICAIS Você precisa ter um certo equilíbrio no teu organismo em relação à alimentação.
(37)
Você não pode ficar comendo batata chips, você não pode ficar comendo batata
frita, esses alimentos industrializados que ficam no mercado.
(38)
A escolha do agente molhante deve ser criteriosa e principalmente deve ser
compatível com todos os componentes da formulação.
(39)
Vocês necessariamente deverão apresentar aquela descrição.

Modalidade dinâmica
Segundo Dall’Aglio-Hattnher (2008), a definição da modalidade dinâmica não é con-
sensual. Também chamada modalidade facultativa ou modalidade inerente por alguns
autores, está relacionada à expressão de capacidade e de habilidade. De acordo com
a autora, essa modalidade “é expressa por um número reduzido de itens lexicais” (p.
137), como o verbo modal poder, a construção ser capaz e alguns verbos plenos como
saber e conseguir. Apresentam-se, de (40) a (43), exemplos da modalidade dinâmica.

(40)
Eles não acreditavam que uma bactéria era capaz de se dividir.
(41)
Não sabe ler, não sabe escrever.
(42)
Ele não consegue transformar aquelas moléculas orgânicas complexas em molé-
culas orgânicas quebradas e degradadas no próprio ambiente.
(43)
Tem umas moscas grandonas que podem levar a carne embora.

A polissemia dos verbos modais


Os verbos modais não têm sido objeto de estudo das gramáticas escolares do por-
tuguês, embora sejam comuns em materiais didáticos de outras línguas como o inglês
e o alemão (NEVES, 2006).
É comum encontrarmos ocorrências nas quais os verbos poder e dever possibilitam
mais de uma leitura. Segundo Neves (2006), podem ser atribuídos ao verbo poder
significados de capacidade ou habilidade, permissão e possibilidade, ao passo que ao
verbo dever podem ser atribuídos significados de obrigação, ordem e necessidade.
É óbvio que é muito difícil determinar o significado de um verbo modal se o pe-
ríodo no qual ele se encontra for analisado isoladamente. Observe-se o exemplo (43)
repetido a seguir.

(43)
Tem umas moscas grandonas que podem levar a carne embora.

92
Pelo menos duas interpretações são possíveis: as moscas grandes têm capacidade O modo e a modalidade

de levar a carne embora ou existe a possibilidade de as moscas grandes levarem a


carne embora. Dessa forma, verifica-se que uma simples paráfrase do enunciado não
é mecanismo suficiente para resolver a ambiguidade. Pode-se, então, recorrer ao con-
texto maior em que o período ocorre:

(43)
As larvas eram de moscas varejeiras que iam lá, pousavam na carne, colocavam
seus ovinhos ali. Tem umas moscas grandonas que podem levar a carne embo-
ra, né. Elas iam lá, botavam seus ovos e depois surgiam as larvas.

Trata-se de um trecho de uma aula de biologia, na qual o professor está falando


sobre a teoria da abiogênese. Ele está explicando que, ao contrário do que propunha
essa teoria, a vida não surgia de matéria não viva, ou seja, as larvas das moscas não
“nasciam” da carne. Pelo contrário, elas nasciam dos ovos colocados pelas moscas que
pousavam sobre a carne. Em determinado momento, o professor faz um comentário
em tom de brincadeira, afirmando que há moscas que, de tão grandes, podem levar
a carne embora. A análise do contexto permite verificar que o verbo poder, nessa
ocorrência tem significado de capacidade. O significado de possibilidade seria viável
em um contexto de advertência: “Cuidado! Não deixe a carne descoberta ou moscas
grandonas podem levar a carne embora!”.
Além da análise de um contexto mais extenso, alguns outros traços das construções
podem ser investigados para se determinar o significado de um verbo modal. Neves
(2006) apresenta alguns desses traços:
• Verbos existenciais ou estativos (ligados a sujeitos estáticos) favorecem a mo-
dalidade epistêmica, como no exemplo (44), em que a professora expressa a
possibilidade de a fotocopiadora (chamada por ela de xerox) ter (verbo exis-
tencial) esse material.

(44)
Existem normas da ABNT de como fazer referências bibliográficas. Sigam essas
normas. Lá no xerox deve ter esse material.

• Eventos passados, em especial os totalmente acabados, favorecem interpreta-


ção epistêmica, como em (45):

(45)
Esse processo quebra a agitação que pode ter ocorrido no sistema.

93
CATEGORIAS
GRAMATICAIS • Verbos na forma progressiva também têm leitura preferencialmente epistêmi-
ca, como no exemplo apresentado por Neves (2006, p. 188) “Seis horas. Cleber
deve estar saindo do trabalho”.
• As categorias deônticas obrigação, proibição e permissão estão relacionadas
a predicações abertas para a futuridade, como nos exemplos (46) e (47), em
que os destinatários só poderão adotar a conduta solicitada posteriormente à
enunciação. Nos trechos dos quais os exemplos foram retirados, a professora
dá instruções aos alunos sobre como elaborar um relatório. Obviamente, os
alunos só poderão seguir as instruções após as terem recebido.

(46)
Vocês necessariamente deverão apresentar aquela descrição porque são os
comportamentos que foram observados.
(47)
Se vocês forem trabalhar com colunas, vocês devem colocar o que é cada coluna.

• O traço [+controle] é característico da modalização deôntica, como nos exem-


plos (34) e (37), repetidos a seguir.

(34)
Você primeiro tem que usar a propriedade logaritmo.
(37)
Você não pode ficar comendo batata chips, você não pode ficar comendo batata
frita, esses alimentos industrializados que ficam no mercado.

Exercício de análise6
Para demonstrar os efeitos de sentido produzidos pelos modalizadores, destacare-
mos alguns enunciados do discurso de posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
no Congresso Nacional, em 20037. O tema mudança é o tópico principal do discurso
e percebe-se que o presidente pretende envolver os brasileiros nessas mudanças. Não
há no discurso modalizadores epistêmicos do campo da não certeza, uma vez que o
presidente procura se representar como um sujeito que não tem dúvidas com relação
à maneira como governará o país. O presidente utiliza verbos de significação plena,
indicadores de crença e saber para reforçar essa imagem, como nos trechos a seguir,
representados nos exemplos (48), (49) e (50).

6 Coneglian e Antonio (2010) apresentam atividades com modalizadores que podem ser utiliza-
das em sala de aula. O texto está disponível em <http://www.cielli.com.br/downloads/395.pdf>.
7 Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44275.shtml>. Acesso em
4 jul. 2011.
94
(48) O modo e a modalidade
Creio num futuro grandioso para o Brasil.
(49)
Por tudo isso, acredito no pacto social. Com esse mesmo espírito constituí o
meu Ministério com alguns dos melhores líderes de cada segmento econômico
e social brasileiro.
(50)
Quando olho a minha própria vida de retirante nordestino, de menino que
vendia amendoim e laranja no cais de Santos, que se tornou torneiro mecânico
e líder sindical, que um dia fundou o Partido dos Trabalhadores e acreditou
no que estava fazendo, que agora assume o posto de supremo mandatário da
nação, vejo e sei, com toda a clareza e com toda a convicção, que nós podemos
muito mais.

A responsabilidade pelas mudanças no discurso do presidente é de todos os brasi-


leiros, motivo pelo qual os modalizadores deônticos são utilizados na primeira pessoa
do plural ou tendo como agente o referente Brasil, no sentido de nação, ou seja, das
pessoas que constituem o País, como nos exemplos de (51) a (53).

(51)
Teremos que manter sob controle as nossas muitas e legítimas ansiedades so-
ciais, para que elas possam ser atendidas no ritmo adequado e no momento
justo; teremos que pisar na estrada com os olhos abertos e caminhar com os
passos pensados, precisos e sólidos, pelo simples motivo de que ninguém pode
colher os frutos antes de plantar as árvores.
(52)
Temos de nos orgulhar de todos esses bens que produzimos e comercializamos.
(53)
O Brasil, nesta nova empreitada histórica, social, cultural e econômica, terá
de contar, sobretudo, consigo mesmo; terá de pensar com a sua cabeça; andar
com as suas próprias pernas; ouvir o que diz o seu coração.

Por outro lado, algumas das responsabilidades pela mudança são assumidas pelo
presidente que, no caso do exemplo (54), utiliza o chamado ‘plural de modéstia’ como
agente do modalizador deôntico.

(54)
Não permitiremos que a corrupção, a sonegação e o desperdício continuem
privando a população de recursos que são seus e que tanto poderiam ajudar na
sua dura luta pela sobrevivência.

Em outros pontos do discurso, o presidente não se responsabiliza pelas mudanças,


provavelmente porque dependem de outros Poderes que não o Executivo. Nesses tre-
chos, observam-se adjetivos em posição predicativa como modalizadores, como nos
exemplos de (55) a (57).

95
CATEGORIAS (55)
GRAMATICAIS ... será também imprescindível fazer uma reforma agrária pacífica, organizada
e planejada.
(56)
... é absolutamente necessário que o país volte a crescer, gerando empregos e
distribuindo renda.
(57)
É preciso enfrentar com determinação e derrotar a verdadeira cultura da impu-
nidade que prevalece em certos setores da vida pública.

Por fim, o presidente utiliza a modalização dinâmica para demonstrar a confiança


que tem na capacidade do povo brasileiro para realizar as mudanças. Em (58), o presi-
dente utiliza um verbo auxiliar modal, em (59), um substantivo.

(58)
O Brasil pode dar muito a si mesmo e ao mundo.
(59)
O povo brasileiro, tanto em sua história mais antiga, quanto na mais recente,
tem dado provas incontestáveis de sua grandeza e generosidade, provas de sua
capacidade de mobilizar a energia nacional em grandes momentos cívicos.

O modo
Em seu Dicionário de Linguística e Gramática, Câmara Jr (2009, p. 209)8 define
modo como “a propriedade que tem a forma verbal de designar a nossa atitude psí-
quica em face do fato que exprimimos”. Tratando dos três modos tradicionalmente
reconhecidos pelos estudiosos de língua portuguesa9, Câmara afirma que: 1) com o
indicativo, asseguramos o fato; 2) com o subjuntivo ou conjuntivo, enunciamos um
fato com dúvida; 3) com o imperativo, expressamos o desejo de que um fato se dê.
Contudo, como vimos no início deste capítulo, longe de ser uma categoria objetiva,
o modo revela o posicionamento do locutor em relação ao que enuncia ou para quem
enuncia. Apresenta-se, portanto, como uma categoria de natureza subjetiva. Em decor-
rência disso, o locutor pode decidir expressar sua dúvida ou “vontade em relação ao
comportamento do ouvinte” (CÂMARA JR, 2009, p. 176) por meio do modo indicativo

8 A primeira edição é 1956.


9 Aos três modos verbais da língua portuguesa, Câmara Jr acrescenta outros dois, expressos
por meio de conjugações perifrásticas: a) o obrigatório, com o auxiliar ter relacionado a um
infinitivo pela partícula de ou que (tenho que ir; tive de falar...); b) o volitivo, com o auxiliar
haver, especialmente no indicativo presente, relacionado a um infinitivo pela partícula de, para
expressar a vontade do falante que se exerce sobre o sujeito (hei de ir, hás de falar...). Não existe,
contudo, unanimidade em relação a essa interpretação, pois, como já vimos, esses novos modos
são interpretados como modalidades por numerosos estudiosos.

96
acompanhado de advérbios ou de outros modalizadores. Assim é que os enunciados O modo e a modalidade

(60) e (61) expressam dúvida, ainda que o verbo esteja no modo indicativo.

(60)
Não sei se ele cumpriu o combinado.
(61)
Ele deve ter cumprido o combinado.

De maneira semelhante, o locutor pode empregar formas verbais de indicativo para


expressar vontades ou ordens, como nos enunciados (62), (63) e (64):

(62)
Exijo que você cumpra o combinado.
(63)
Proíbo-lhe de descumprir o combinado.
(64)
Em atendimento às determinações legais pertinentes, você fica obrigado a cum-
prir o combinado.

O subjuntivo
Azeredo (2000, p. 131) lembra que, enquanto o modo indicativo “é próprio dos
enunciados declarativos simples, em que ocorre apenas um verbo ou uma locução
verbal”, o subjuntivo é usual nas estruturas dependentes de alguma expressão que
exige sua ocorrência, como as orações subjetivas que complementam orações como “é
preciso que”, “é possível que”, “é necessário que”, “é importante que”.
Para Câmara Jr (2009, p. 209), embora ligado à expressão da dúvida, o modo sub-
juntivo é, no português de hoje, uma “servidão gramatical”10, só usada em tipos espe-
ciais de frase. Assim é que nos exemplos (65), (66) e (67), extraídos de Azeredo (2000,
p. 130), embora a dúvida não seja expressa propriamente pelas formas de subjuntivo,
mas por outros elementos presentes na construção do período, os verbos das orações
subordinadas se encontram no subjuntivo.

(65)
É possível que a porta esteja fechada.
(66)
Acreditávamos que a porta estivesse fechada.
(67)
Toque a campainha se a porta estiver fechada.

10 “Na servidão gramatical a forma particular não traz em si uma significação gramatical espe-
cífica” (CÂMARA JR, 2009, p. 270).

97
CATEGORIAS Aí está a servidão gramatical a que se refere Câmara Jr. O modo subjuntivo está
GRAMATICAIS
presente em orações subordinadas substantivas (65 e 66) ou adverbiais, como (67).
Entretanto, a suposição ou dúvida se deve à oração principal, nos dois primeiros casos
(É possível; Acreditaávamos); no terceiro caso, a dúvida não se deve apenas à forma
verbal subjuntiva, mas a toda a condição expressa na oração subordinada (se a porta
estiver fechada).
Contudo, como ressalta Azeredo (2000, p. 130), “em alguns casos, a variação mor-
fológica do verbo é a única indicação formal das diferentes atitudes do falante”. O
autor cita dois exemplos, em que a certeza (68) ou a dúvida (69) do falante se deve
unicamente à flexão em modo:

(68)
Procuro uma casa que tem uma ampla varanda na frente.
(69)
Procuro uma casa que tenha uma ampla varanda na frente.

O imperativo
O imperativo “expressa exclusivamente a vontade do falante em relação ao com-
portamento do ouvinte” (CÂMARA JR, 2009, p. 176) e pode caracterizar uma humilde
súplica, um pedido, uma sugestão, uma solicitação ou uma grosseira ordem, com “co-
notação agressiva, ou, pelo menos, de superioridade impositiva” (CÂMARA JR, p. 209).
De qualquer forma, mais do que marcar a posição do locutor ante o fato que enuncia,
o imperativo marca a relação assimétrica existente entre locutor e alocutário.
Como esse modo é decorrente de regras sociais que envolvem o relacionamento
locutor/alocutário, não basta ao locutor conhecer as formas verbais de imperativo.
É preciso saber quem pode usá-las, dirigindo-se a quem, em que situação; é preciso
saber que a entonação pode transformar uma ordem num pedido e saber se, para
alcançar o efeito pretendido, é mais conveniente a ordem ou o pedido.
Nas ordens, o locutor apresenta-se como superior ao alocutário, e, caso deseje
evitar ser interpretado como arrogante, pode optar por uma expressão indireta de
vontade, com o verbo no indicativo e a entonação adequada, como em (70) e (71).

(70)
Gostaria que você lavasse os copos de cristal com muito cuidado.
(71)
Você poderia me passar o sal?

Nas súplicas, (orações, pedidos de ajuda, por exemplo), normalmente o locutor


assume uma posição de extrema inferioridade. Tomamos aqui como exemplo a oração
do Pai Nosso, em que os fiéis imploram por pão, perdão e proteção, empregando o

98
modo imperativo e a entonação pertinente. Uma assimetria menor entre locutor e O modo e a modalidade

alocutário é marcada nos pedidos e convites, como (75).

(72)
O pão nosso de cada dia nos dai hoje.
(73)
Perdoai-nos as nossas ofensas.
(74)
Livrai-nos do mal.
(75)
Venha juntar-se a nós.
(76)
Preste mais atenção às explicações.
(77)
Dirija com cuidado.
(78)
Tome cuidado com suas palavras.

Por fim, nos conselhos e avisos, como em (76), (77) e (78), o locutor apresenta-se
como alguém supostamente mais “experiente” que o interlocutor. Entretanto, confor-
me a entonação e a opção lexical adotadas, o conselho pode levar o interlocutor a se
sentir ameaçado.

O valor modal do futuro


Devido ao caráter de possibilidade que envolve os fatos que ainda ocorrerão após
o momento da enunciação (em contraste com o caráter de realidade dos fatos do
presente e do passado), as formas de futuro do indicativo possuem um valor muito
mais de modo que de tempo. De acordo com Silva (2002, p. 480), “a correlação entre
os diferentes graus de incerteza inerentes a qualquer evento ou estado-de-coisas dá
origem à sobreposição modal nas formas que expressam futuridade”. Essa “sombra
modal” dificulta a conceituação do futuro, fazendo que persista a questão sobre “se ele
é tempo ou modo”. Contudo, enfatizando a subjetividade do uso linguageiro, o autor
considera essa uma questão menor, pois o que importa para a linguagem “é o modo
como seus usuários consideram esses eventos”.
O futuro do presente, por exemplo, pode ter valor modal de imperativo, como se
observa em (79) e (80):

(79)
Não matarás.
(80)
Honrarás pai e mãe.

Um efeito de sentido semelhante a esse expresso pelo valor de imperativo pode ser
provocado pelo infinitivo, como “não matar”, “honrar pai e mãe”.
99
CATEGORIAS O futuro do presente pode também assumir um valor de dúvida, como em (81),
GRAMATICAIS
(82) e (83):

(81)
Agora haverá uns dez alunos na classe.
(82)
Será ele o assassino?
(83)
Maria terá hoje uns 15 anos.

O futuro do pretérito, por sua vez, pode indicar uma certeza do locutor, como
em (84), ou uma dúvida, como em (85). Este último emprego é previsto por Cunha
(1972, p. 441): “exprimir a incerteza (probabilidade, dúvida, suposição) sobre fatos
passados”. Além dessa noção de “condição e possibilidade”, Travaglia (1999, p. 695)
identifica nesse tempo verbal o valor de “polidez e desejo” (86).

(84)
José seria a pessoa ideal para ocupar esse cargo.
(85)
A garota teria, naquela época, uns 15 anos.
(86)
Gostaria de ver os novos modelos de carro dessa linha.

Conclusão
Antes de encerrar o capítulo, parece relevante pontuar que, na abordagem didático
-pedagógica do modo ou da modalização, seria proveitoso relacioná-los às pessoas ver-
bais, à entonação, aos tipos de frases e, consequentemente, à pontuação, mostrando
seu funcionamento oral e escrito, na língua. O indicativo, por exemplo, é o modo das
frases declarativas, isto é, da função referencial, por excelência, como nos exemplos
(87), (88) e (89). Por focalizar a informação, tendo como tópico o referente, um texto
informativo jamais comportaria formas de imperativo. A pessoa gramatical que carac-
teriza esse tipo de texto é a terceira do singular.

(87)
A água é um líquido incolor, inodoro e insípido.
(88)
O rapaz saiu gravemente ferido do acidente.
(89)
O congresso se reunirá extraordinariamente na próxima semana.

Por sua vez, o imperativo coloca em relevo o interlocutor, a quem o locutor se


dirige, solicitando, sugerindo ou ordenando algo, como em (90), (91) e (92). Esse
interlocutor deve ser convencido a tomar uma atitude que seja do interesse do locu-
tor. Daí seu amplo emprego também em peças publicitárias. A função da linguagem
100
predominante nas frases imperativas é a conativa ou apelativa e a pessoa predominan- O modo e a modalidade

te é a segunda11 do singular.

(90)
Preserve a água. Pense nas futuras gerações.
(91)
Respeite a vida.
(92)
Por favor, senhores deputados e senadores, defendam os interesses da Nação.

O subjuntivo, por fim, é bastante empregado quando o locutor expressa anseios,


esperanças e dúvidas, vistos em (93), (94) e (95). Daí sua relação com a função emotiva
ou expressiva, com significativa ocorrência de frases exclamativas e da primeira pessoa
do singular.

(93)
Ah! Se eu pudesse tomar uma água fresca, agora!
(94)
É indispensável que tenhamos amor pela vida.
(95)
Suspeito que eles só pensem em seus próprios interesses.

A abordagem do modo e da modalidade como categorias subjetivas e relacionadas


a outros elementos gramaticais propicia a reflexão sobre os usos da língua em situa-
ções variadas. Além disso, permite ampliar o leque de opções à disposição do aluno,
para expressar sua posição, nas situações de interação, onde a linguagem é lugar de
debate, de conflito, e onde os interlocutores não são ideais, mas seres concretos, que
desejam alcançar determinado resultado ao combinar formas.

Referências

ALVES, R. J. Uma análise funcionalista da modalidade epistêmica e da


evidencialidade em discursos políticos. 2010. 109f. Dissertação (Mestrado em
Estudos Linguísticos)-Programa de Pós-Graduação em Letras, UEM, Maringá, 2010.

11 No Português Brasileiro, é mais comum o emprego do pronome de tratamento você (terceira


pessoa) do que tu (segunda pessoa).

101
CATEGORIAS AZEREDO, J. C. Fundamentos de gramática do Português. Rio de Janeiro: Jorge
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um exercício de análise dos discursos do ex-pressidente Collor. 1995. 111f. Tese
(Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa)-Faculdade de Ciências e Letras,
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M. (Org.). Gramática do Português falado VII: novos estudos. Campinas, SP: Ed. da
Unicamp, 1999. p. 673-697.

Proposta de Atividades

1) Você concorda com a afirmação a seguir?


“Os modalizadores deônticos ocorrem com frequência em textos cujos destinatários são
pessoas que de alguma forma são ou estão subordinadas ao produtor desse texto.”
Procure na internet arquivos de áudio ou de vídeo de pregações religiosas, preleções de
técnicos de algum tipo de esporte coletivo aos jogadores etc. Procure também por docu-
mentos ou avisos expedidos por chefes de alguma repartição pública ou por responsáveis
por algum departamento de empresa privada. Nesses textos e arquivos, procure por mo-
dalizadores deônticos para comprovar ou não a hipótese acima.
2) Acesse o site da Câmara Federal ou do Senado Federal. Escolha alguns deputados ou se-
nadores e verifique em seus discursos a ocorrência de modalizadores epistêmicos. Retire 5
exemplos e explique os efeitos de sentido produzidos pelo uso dos modalizadores.

103
CATEGORIAS 3) Leia o texto abaixo.
GRAMATICAIS

GOVERNAR
(Carlos Drummond de Andrade)

Os garotos da rua resolveram brincar de governo, escolheram o presidente e


pediram-lhe que governasse para o bem de todos.
- Pois não - aceitou Martim. - Daqui por diante vocês farão meus exercícios
escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês formarão a minha segurança.
Januário será meu Ministro da Fazenda e pagará o meu lanche.
- Com que dinheiro? - atalhou Januário.
- Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro por dia para a caixinha do
governo.
- E que é que nós lucramos com isso? - perguntaram em coro.
- Lucram a certeza de que têm um bom presidente. Eu separo as brigas, distri-
buo tarefas, trato de igual para igual com os professores.
Vocês obedecem, democraticamente.
- Assim não vale. O presidente deve ser nosso servidor, ou pelo menos saber
que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.
- Eu sou o presidente e não posso ser igual a vocês, que são presididos. Se exigi-
rem coisas de mim, serão multados e perderão o direito de participar da minha
comitiva nas festas. Pensam que ser presidente é moleza? Já estou sentindo
como esse cargo é cheio de espinhos.
Foi deposto, e dissolvida a República.

4) Comente a atitude psíquica do locutor (modo)


a) nas falas do narrador;
b) nas falas de Martin.

5) Aponte as formas gramaticais ou as palavras que traduzem os modos identificados na ques-


tão anterior.

Anotações

104
4 O aspecto e a voz

Edson Carlos Romualdo / Fabiana Poças Biondo / Dulce Elena Coelho Barros

Introdução
Além das noções de pessoa, número, tempo e modo que o verbo pode indicar, há
ainda duas categorias verbais que não se manifestam por meio de desinências especí-
ficas na língua portuguesa: o aspecto e a voz.
O fato de não se apresentarem por meio de morfemas exclusivos não implica a sua
inexistência, pois se observarmos enunciados diversos, veremos que muitas vezes o
locutor ressalta o tempo interno, a duração ou as fases de um determinado processo
verbal, atualizando a categoria de aspecto, ou demonstra se o sujeito da oração pratica
a ação verbal, sofre ou realiza ambas as coisas, delineando a categoria da voz, como
vemos, a seguir, no fragmento transcrito de uma notícia:

(1)
Os confrontos violentos em alguns bairros de Londres estão se alastrando
para outras localidades da capital inglesa. Um prédio foi incendiado no bairro
Peckham, no sudeste londrino. A polícia bloqueou a principal rua da região
para isolar os manifestantes. (grifos nossos).1

Para explicarmos melhor o que queremos dizer sobre as indicações das categorias
de aspecto e voz, vamos trabalhar tomando por vez, para confronto, apenas dois ele-
mentos do fragmento (1).
Quanto à atualização da categoria de aspecto, se compararmos estão se alastrando
com bloqueou, de maneira geral, podemos distinguir dois posicionamentos distintos
em relação à duração das ações verbais. Em estão se alastrando, o locutor mostra que
o processo expresso pela locução verbal está em desenvolvimento, em curso; já em
bloqueou, não existe a intenção de marcar a duração interna do processo, ele é visto
simplesmente como uma ação projetada no passado, sem marcar de qualquer maneira
sua temporalidade interna, como aconteceu em estão se alastrando.

1 Disponível em: <http://www.sidneyrezende.com/noticia/140572+conflitos+em+londres+se


+intensificam+pelo+terceiro+dia+seguido>. Acesso em: 21 ago. 2011.
105
CATEGORIAS Quanto à categoria da voz, em Um prédio foi incendiado, o locutor realça o proces-
GRAMATICAIS
so verbal em detrimento do agente, ou seja, é mais importante dar relevo ao incêndio
do que àqueles que o provocaram, visto que o agente do processo de incendiar o pré-
dio não foi apresentado. Um prédio é o sujeito paciente da oração, pois recebe a ação
verbal. Por outro lado, em A polícia bloqueou a principal rua da região..., o realce é
sobre o sujeito agente – a polícia – e a ação indicada pelo verbo recai sobre o objeto
direto a principal rua da região.
Vemos que as categorias de aspecto e voz são utilizadas pelos usuários da língua,
como foi mostrado no fragmento (1). Entretanto, seu tratamento é mais problemático
nos estudos linguísticos do que o das demais categorias, principalmente devido à pou-
ca atenção dada a elas em comparação com as outras categorias e ao posicionamento
divergente entre autores no que diz respeito à sua conceituação, à sua abrangência e
à sua classificação.
Diante desse quadro, objetivamos neste capítulo apresentar uma perspectiva teó-
rico-metodológica capaz de introduzir o futuro professor no estudo das categorias
de aspecto e de voz. Contudo, é importante destacar que, dentre outras possíveis,
apresentamos uma visão, uma perspectiva de abordagem do aspecto e da voz, que
acreditamos ser suficiente para que os futuros professores possam se aprofundar pos-
teriormente no tratamento dessas categorias.

A categoria do aspecto
Em um trabalho minucioso sobre o aspecto, Travaglia (1994) afirma que pouca
atenção tem sido dada ao estudo da categoria no Português, afirmação que se baseia
nas raras gramáticas tradicionais que abordam o assunto.
Costa (1990, p. 8) tem posicionamento semelhante, ao apontar que o aspecto é
uma categoria linguística “não muito cortejada pelos estudiosos do português, fora do
âmbito acadêmico”. Segundo a autora, no Brasil, um estudante pode ir até o final de
sua formação, inclusive universitária, sem ouvir qualquer referência ao aspecto verbal,
diferentemente do que acontece com as categorias de tempo, modo, pessoa, número
e voz.
O aspecto é uma categoria que se intersecciona com a categoria de tempo (cf.
capítulo 2), mas dela se diferencia. Vimos que o tempo é uma categoria que marca o
momento de ocorrência do processo verbal no passado, presente ou futuro, tomando
como ponto de partida o ponto dêitico da enunciação (nunc). Já o aspecto é uma
“categoria linguística que marca a referência ou não à estrutura temporal interna de
um fato” (COSTA, 1990, p. 38). Para entender isso melhor, observemos o fragmento
a seguir:

106
(2) O aspecto e a voz
Eu amava
Como amava algum cantor
De qualquer clichê
De cabaré, de lua e flor...
(Oswaldo Montenegro. Lua e Flor, grifos nossos)2
(3)
Eu amei
Como amou algum cantor
De qualquer clichê
De cabaré, de lua e flor.
(Texto modificado, grifos nossos).

Tanto em (2) quanto em (3), em relação à categoria de tempo, os fatos ocorreram


no passado, tomando como referência o ponto dêitico da enunciação. No entanto, ao
utilizar a forma amava, o eu-lírico mostra que a ação teve uma duração nesse passado.
Com isso, chama nossa atenção para o tempo transcorrido, levando-nos a olhar para
o tempo compreendido entre o começo e o fim da ação. Logo, há uma marcação da
“estrutura temporal interna” do processo verbal, que não encontramos em amei e
amou, caracterizando a categoria de aspecto.
Para Costa (1990), a oposição aspectual básica funda-se na possibilidade de a cons-
tituição temporal interna de um fato ser considerada (imperfectividade) ou não (per-
fectividade) pelo falante. Conforme a autora, “marcar a categoria de aspecto em portu-
guês significa, em última instância, imperfectivizar o enunciado” (COSTA, 1990, p. 38).
Quanto à perfectividade e à imperfectividade, Almeida (1976) já mostrava que na
categoria do aspecto essa dualidade é de extensão bem mais ampla que outras catego-
rizações aspectuais, visto que praticamente todos os verbos da língua nela se enqua-
dram, a partir do próprio lexema ou da tendência da realização do contexto. O autor
denomina, então, a perfectividade e a imperfectividade como aspectos lato sensu.
Nesse caminho, Costa (1990) aponta várias distinções equivocadas do perfectivo e do
imperfectivo. Detemo-nos naquela que mais ouvimos em nossa prática profissional, quan-
do questionamos os estudantes sobre as noções de perfectividade e imperfectividade: a de
que a primeira se refere a uma ação acabada e a segunda a uma ação não acabada.
Podemos dizer, seguindo as considerações da autora a esse respeito, que nesse tipo
de resposta se estabelece uma confusão, pois só se pode considerar a ação acabada em
relação ao ponto dêitico da enunciação (ao presente), portanto essas noções têm mais
relação com a categoria de tempo do que com a de aspecto.

2 Disponível em: <http://letras.terra.com.br/oswaldo-montenegro/73964/>. Acesso em: 22


ago. 2011.

107
CATEGORIAS O que ocorre é que o perfectivo, por referir o fato como um todo, refere-se
GRAMATICAIS como completo, com princípio, meio e fim, sem enfatizar qualquer das partes
constitutivas do seu ‘tempo interno’, quer a parte final, quer qualquer outra
(COSTA, 1990, p. 33).

Por conseguinte, verificamos que o perfectivo constitui-se como o termo não


marcado em relação à constituição temporal interna e o imperfectivo como o termo
marcado.
Se, por um lado, o locutor pode escolher imperfectivizar grande parte dos enun-
ciados, por outro lado o locutor deve estar atento a algumas restrições relacionadas à
imperfectivização, pois, como destaca a autora, há traços semânticos que estabelecem
restrições de compatibilidade relativamente à liberdade do locutor quanto à escolha
aspectual.
Isso acontece, por exemplo, quando o lexema do verbo é compatível com o per-
fectivo, por apresentar o traço [- durativo]. A nosso ver, podemos colocar nesse item
os verbos como “quebrar”, “cair”, “morrer”, “pular”, que indicam fatos verbais mo-
mentâneos, sem constituição temporal interna, portanto, que não duram no tempo.
Entretanto, como salienta Costa (1990), embora o lexema apresente originalmente o
traço [- durativo], o locutor pode escolher tratá-lo como [+ durativo], levando em
conta sua impressão subjetiva ou outros determinantes como o avanço tecnológico,
observado em:

(4)
Super Câmera – coisas explodindo, quebrando e estourando em slowmo-
tion.3 (grifos nossos).

Nesse fragmento, os verbos grifados apresentam o traço [- durativo], pois se re-


ferem a atos e a acontecimentos momentâneos, mas o desenvolvimento tecnológico
da câmara lenta e da super câmara permitem que se atribua a eles o traço [+ dura-
tivo]. Cremos também que a imperfectivização pode mudar o sentido primeiro do
verbo, como no caso de “morrer”, que imperfectivizado, pode significar agonizar ou
desaparecer.
Devemos considerar também que há verbos que podem expressar repetições de
fatos verbais singulares, por meio de sufixos como -itar (“saltitar”), ou prefixos como
re- (“rever”). Para Costa (1990, p. 24), “a repetição de um fato não pode, a rigor,
ser interpretada como pertinente à sua constituição temporal interna”, pois são fatos

3 Disponível em: <ueba.com.br>. Acesso em: 21 ago. 2011.

108
que se sucedem na linha do tempo sem marcarem a duração interna. Assim, a autora O aspecto e a voz

descarta, de imediato, a possibilidade do aspecto iterativo, considerado por outros


autores, como Almeida (1976), Câmara Jr. (1980) e Durigan (1990).
Ainda quanto às restrições à imperfectivização, os fatos podem ser tratados como
atemporais, com verbos no presente do indicativo (cf. capítulo 2). Uma das hipóteses
para a impossibilidade de imperfectivização desses enunciados é a de que as afirmações
com esses verbos são válidas para todos os tempos, não expressam fatos singulares,
com limites temporais de início e de fim. Nesses casos, não é possível delimitarmos sua
temporalidade interna ou parcializada, expressando-se somente no perfectivo.
De todo modo, é possível identificar a categoria do aspecto em diversos enun-
ciados marcados em situações específicas de uso da linguagem. Para que possamos
analisar esses enunciados no que diz respeito à atualização da categoria de aspecto,
Costa (1990, p. 37) propõe-nos um teste prático segundo o qual devemos submeter o
material sob exame à seguinte pergunta:

o fato expresso está referido no enunciado de modo global, como um bloco


inteiriço, ou, ao contrário, o fato está referido levando-se em conta que ele tem
uma constituição temporal interna, que está no caso sendo marcada?

O resultado a essa pergunta mostrar-nos-á se o material sob exame apresenta uma


forma verbal não marcada para o perfectivo ou marcada para o imperfectivo, ou seja,
com indicações da duração interna ou de uma de suas fases constitutivas.
De acordo com Ilari (2001), para as principais autoridades no assunto, as esco-
lhas aspectuais no português compreendem o aspecto perfectivo, que não reconhece
fases e se subclassifica em pontual e resultativo, e o aspecto imperfectivo, que reco-
nhece fases e se subclassifica em inceptivo, cursivo e terminativo. Ou seja, podemos
dizer que há uma classificação em sentido amplo (lato sensu) em perfectividade e
imperfectividade, conforme mostramos com Almeida (1976), e uma subclassifica-
ção em sentido restrito (stricto sensu) em pontual, resultativo, inceptivo, cursivo e
terminativo.4
Ilari (2001) apresenta a seguinte tabela de classificação e exemplificação da catego-
ria aspectual:

4 Salientamos que a classificação proposta por Almeida (1976) dos aspectos stricto sensu é di-
ferente da que propomos aqui. O autor divide os aspectos stricto sensu em Aspectos de “fase”
(inceptivo, cursivo e terminativo) e Aspectos de “extensão” (pontual, durativo e Iterativo).

109
CATEGORIAS
GRAMATICAIS Pontual À noite, João arrumou a mala.
Perfectivo
Resultativo Às oito, a mala estava arrumada.

Inceptivo A criança adormeceu às sete.

Imperfectivo Cursivo João estava arrumando a mala.

Terminativo João terminava de arrumar a mala.

FONTE: (ILARI, 2001, p. 20).

Assim, em relação a outros autores, essa proposta de classificação dos aspectos do


português se mostra sintética para a conceituação e as possibilidades semânticas de
atualização da categoria do aspecto em português. Devido ao caráter de introdução
ao conhecimento da categoria que tem esse capítulo, adotamos tal proposta para
apresentá-la, considerando, porém, pontos de vista de outros autores que intersec-
cionamos na apresentação.
Dessa forma, para apresentar algumas noções essenciais a respeito da categoria
apoiamo-nos nas considerações de Durigan (1990, p. 72-73), que reproduzimos a
seguir:
a) o aspecto verbal, em português, é uma categoria de natureza sintático-se-
mântica, distinta das de tempo e de modo, embora com elas relacionadas (cf.
capítulo 2);
b) a modalidade neutraliza as noções aspectuais; logo, como os futuros referem-
se a processos não iniciados e deslizam para a modalidade (cf. capítulos 2 e
3), restringem a atualização dos aspectos;
c) a língua portuguesa dispõe de vários meios de expressão da categoria, como
os lexemas, as desinências e os sufixos, as perífrases e seus auxiliares, adjun-
tos adverbiais etc;
d) as noções aspectuais no indicativo são mais nítidas; portanto restringimos
nossa abordagem a essas formas; e
e) o contexto deve sempre ser considerado para a análise da realização dos
aspectos.

O aspecto perfectivo, como já dissemos, refere-se ao fato considerado como glo-


bal, não marcado para as nuances da constituição temporal interna. Expressa-se por
lexemas que possuem o traço [- durativo] e também pelo tempo verbal pretérito
perfeito:

110
(5) O aspecto e a voz
Um ladrão pulou o muro de uma casa na noite desta segunda-feira (7) e rou-
bou três enfeites de jardim, na Vila Seixas, em Ribeirão Preto (313 km de SP).
(grifos nossos).5

Ao submeternos o exemplo (5) à pergunta formulada por Costa (1990), verificamos


que o locutor não tem interesse em marcar a temporalidade interna dos processos ver-
bais, pois pulou possui o traço [-durativo] e está no pretérito perfeito, assim como rou-
bou está conjugado no mesmo tempo verbal. Portanto, os fatos verbais são mostrados
como conclusos, como um bloco inteiriço, não havendo imperfectivização, atualização
da categoria de aspecto.
Salientamos, no entanto, que a simples presença de um verbo no tempo pretérito
perfeito não significa que o aspecto seja perfectivo. É preciso sempre verificar o con-
texto, pois, segundo Costa (1990), um circunstancial durativo pode levar a imperfec-
tivização. Vejamos:

(6)
Ele estudou para o vestibular.
(7)
Ele estudou o ano inteiro para o vestibular.

Nos exemplos (6) e (7) o verbo estudou está no pretérito perfeito. Se submetermos
os exemplos à pergunta apresentada anteriormente, vemos que em (6) o fato expresso
está referido no enunciado de modo global, pois o locutor não tem o interesse de
marcar a duração do processo. Entretanto, embora em (7) o verbo esteja no mesmo
tempo e modo, se submetermos o exemplo à pergunta, vemos que, ao contrário de
(6), o locutor leva em conta a temporalidade interna do processo, pois tem interesse
em mostrar sua duração, o que consegue por meio da expressão circunstancial o ano
inteiro. Assim, ressaltamos a importância de analisar o contexto frasal para a verifica-
ção da atualização da categoria, ou seja, sua imperfectivização.
O aspecto imperfectivo, por sua vez, marca a constituição temporal interna, por
meio de lexemas que apresentam o traço [+ durativo]. Uma de suas manifestações
é possível com o tempo pretérito imperfeito, se não indicar, na proposta de Costa

5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/872318-ladrao-invade-casa-


-para-furtar-gnomo-de-jardim-em-sp.shtml>. Acesso em: 26 jul. 2011.

111
CATEGORIAS (1990), iteração ou habitualidade, mas sim duração:6
GRAMATICAIS

(8)
Enquanto dona dormia, Ladrão invadiu casa e levou moto (grifos nossos).7

Em (8), há o contraste entre um processo verbal no imperfectivo, demonstra-


do pelo uso do tempo pretérito imperfeito (dormia), que se estende no tempo, em
oposição aos fatos colocados como sem marcação da duração, indicados pelos verbos
no pretérito perfeito (invadiu e levou). Logo,

o contraste entre o pretérito imperfeito e o pretérito perfeito, além de marcar


ambos os fatos como passados, relacionando-se, portanto, com o momento do
enunciado, estabelece também uma relação temporal dos fatos entre si, o fato
perfectivo como um ponto de intersecção, penetrando na constituição tempo-
ral interna do fato imperfectivo (COSTA, 1990, p. 50).

Para Ilari (2001), a relação dos fatos entre si é o que os linguístas chamam de “es-
quema de incidência”. No exemplo (8), o fato de a dona dormir é representado como
um processo que se inciou antes e teve duração durante e depois da invasão e do
roubo da moto. A invasão (invadiu) e o roubo (levou), por sua vez, são apresentados
como indivisíveis e localizados.
Outro mecanismo linguístico para a imperfectivização é o uso de sufixos. Há gra-
máticas que apontam vários sufixos que, segundo elas, marcariam o aspecto. Na pro-
posta que vimos seguindo, o número de sufixos fica mais reduzido. Costa (1990) des-
classifica os sufixos –inhar (“escrevinhar”) e –iscar (“mordiscar”, “chuviscar”) como
marcadores da categoria de aspecto, pois, para a autora, a ideia acrescida pelo sufixo
ao lexema é mais próxima à categoria de grau, relacionada à noção de diminuição ou
de pouca intensidade. Por sua vez, em verbos como “bebericar” e “saltitar”, os sufixos
­–icar e –itar apresentam, além da ideia de diminuição, a noção de iteração, de repe-
tição de uma ação, o que não estamos considerando, juntamente com Costa (1990),
uma noção aspectual.

6 Isso porque o Pretérito imperfeito pode propiciar também uma interpretação iterativa, que,
voltamos a insistir, na proposta que seguimos aqui, não é uma atualização aspectual. Para distin-
guirmos a iteração da cursividade, devemos observar o traço de duração dos lexemas: “estourar
é verbo cujo lexema porta o traço [ - durativo], o que impede a imperfectivização. Se o lexema
tem o traço [+ durativo], o Imperfectivo automaticamente referirá a cursividade no interior da
temporalidade do fato [como em lidava]” (COSTA, 1990, p. 49).
7 Texto modificado. Original disponível em: <http://minutoarapiraca.com.br/noticia/>.
Acesso em: 31 ago. 2011.

112
Já os sufixos –ecer (ou esc(er)) e –ificar são, para autora, morfemas que inegavel- O aspecto e a voz

mente acrescentam ao lexema a noção da passagem gradativa de um estado a outro,


imperfectivizando os lexemas aos quais são acrescidos, como em “emagrecer”, “ama-
durecer”, “esclarecer”, “solidificar”, “intensificar”, “glorificar”.
Costa (1990) aponta que algumas gramáticas se referem ao sufixo –ecer como
indicativo de “começo da ação”. Na tabela apresentada por Ilari (2001), mostrada ante-
riormente, no exemplo A criança adormeceu às sete, o autor faz referência ao sufixo
–ecer, como marcador do início do processo expresso pelo verbo, ou seja, o sufixo
indica que a criança teria começado a dormir.
No entanto, para Costa (1990), com o uso do sufixo não marcamos o início do pro-
cesso, mas a passagem de um estado a outro, sem se referir a fase em que o processo
se encontra. A nosso ver, a proposta da autora faz sentido, pois, se em “adormeceu” o
sufixo nos dá a ideia do início do processo, o mesmo não acontece em “amadureceu”,
“embranqueceu” ou “emagreceu”. Assim, podemos afirmar que nem sempre o sufixo
–ecer (ou –escer) indica início de um processo. Avaliar o sentido do lexema e do con-
texto em que o verbo aparece é que nos mostrará o valor inceptivo ou não do sufixo.
Costa (1990) chama nossa atenção para o fato de que o morfema -izar é, sem
dúvida, o mais produtivo no português atual para a imperfectivização de um lexe-
ma nominal ou verbal, como em “enfatizar”, “concretizar”, “marginalizar” “atualizar”.
Conforme sua visão, se precisamos criar um verbo que expresse a passagem de deter-
minada coisa por determinado processo, usamos o sufixo –izar. Vejamos um exemplo:

(9)
Segundo o site Parceiro Jbox, Ultra Q seriado exibido em 1966 e que também
passou aqui no Brasil está sendo remasterizado e colorizado digitalmente
para venda em DVD no Japão (grifos nossos).8

No exemplo (9) a imperfectivização se atualiza pelo uso das locuções verbais está
sendo remasterizado e colorizado, que demonstram os processos imperfectivos em
curso. Mas o que queremos destacar nesse exemplo é a formação e o uso dos verbos
“remasterizar” e “colorizar”. O sufixo –izar, na formação dos verbos, demonstra a
passagem de um estado a outro. No caso do uso de “remasterizar”, de acordo com o
sentido convencionado, o que se pretende é recuperar o áudio do seriado a fim de
se obter uma qualidade superior; já “colorizar” é usado para indicar que o seriado,
originalmente em preto e branco, está sofrendo um processo de receber cor. Logo,

8 Disponível em: <http://tokubrasil.com/v2011/index.php?option=com_content


&view=article&id=520>. Acesso em: 31 ago. 2011.

113
CATEGORIAS os lexemas aos quais acrescentamos os sufixos –izar, –ecer (ou –esc(er)) e –ificar
GRAMATICAIS
passam a formar verbos com o traço [+ durativo].
Vistos os aspectos que classificamos como lato sensu – o perfectivo e o imperfecti-
vo –, passamos a tratar daqueles que estamos chamando de stricto sensu: o pontual, o
resultativo, o inceptivo, o cursivo e o terminativo.
O aspecto perfectivo pontual, como o nome indica, apresenta as predições dinâ-
micas em sua completude. Em verbos com o traço [-durativo], o presente, o pretéri-
to perfeito simples e o pretérito mais-que-perfeito do indicativo podem marcar esse
aspecto. Os exemplos de (10) a (13) mostrados a seguir, são retirados de situações
faladas e expostos por Castilho (2002, p. 102):9

(10)
quer dizer que o teu conhecimento especializado não dá para... só atinge uma
área muito limitada
(11)
um momentinho porque eu encontrei uma definição
(12)
e:: eles arrumaram os quartos e tudo... e as gurias de noite amarraram cordão
nas PORtas fizeram o diabo lá... pra pra mexer com o pessoal sabe?
(13)
porque... matou tanta galinha eu sei que aquele dia se comeu foi uma comilan-
ça de galinha porque morreu na Hora ali elas morreram sufocadas né?

Em todos os exemplos, os verbos grifados indicam o aspecto perfectivo pontual,


visto que não aludem a nenhuma duração interna dos processos.
Quanto ao aspecto perfectivo resultativo, podemos dizer que não há consenso en-
tre os estudiosos sobre sua conceituação e classificação. Posturas diferentes são apre-
sentadas por Castilho (2002), Travaglia (1994), Durigan (1990) e Costa (1990). Trava-
glia (1994), por exemplo, considera a resultatividade dentro do grupo das noções não
aspectuais, mas geralmente ligadas ao aspecto. Costa (1990), ao contrário dos demais
autores, considera o aspecto resultativo como uma das subdivisões do imperfectivo.
Durigan (1990), ao analisar o aspecto resultativo, pondera que ele é mais uma noção
semântica do que sintática, extrapolando os elementos de análise para além da ideia
contida na forma verbal.

9 É importante ressaltarmos que Castilho (2002) não classifica os verbos a partir dos traços [ +
durativo], mas como télicos – aqueles nos quais o começo e o fim da ação coincidem – e atélicos
– aqueles em que não há coincidência entre o começo e o fim da ação. O autor propõe um teste
prático para descobrirmos se um verbo é télico ou atélico: restringir-se ao sistema adversativo
implícito nas sentenças. Assim, se o teste constituir uma sentença semanticamente aceitável,
teremos um verbo télico, se não, um atélico. Por exemplo: * “Ele brincava mas não brincou”.
Essa sentença é inaceitável semanticamente, logo o verbo é atélico. “Ele se afogava, mas não se
afogou”. Essa sentença é semanticamente aceitável, logo o verbo é télico.
114
Diante dessa complexidade, optamos por continuar na perspectiva que vimos to- O aspecto e a voz

mando, analisando o aspecto na estrutura frasal e assumindo o posicionamento da


maioria dos linguistas – conforme vimos com Ilari (2001) – que compreende o aspec-
to resultativo como uma subclassificação do perfectivo.
Desta forma, o perfectivo resultativo, para Castilho (2002, p. 104), tem quatro
propriedades:

(i) ocorre nas predicações estático-dinâmicas, associando uma ação a um es-


tado; (ii) a ação, necessariamente tomada no passado, é pressuposta; (iii) o
estado presente decorre dessa ação; (iv) há relações entre o resultativo e a voz
passiva [...].

Os exemplos a seguir, de (14) a (20) também são apresentados por Castilho (2002,
p. 104-105) e coletados de dados falados:

(15)
aquilo se torna uma imposição
(16)
então ficou muito bonito (quando a gente entrou)

Em (15) e (16), segundo o autor, compreendemos que houve uma mudança no


atributo do sujeito, pois, em (15), antes aquilo não era uma imposição, e, em (16), o
elemento ao qual o locutor se refere não era bonito anteriormente.

(17)
as provas estão corrigidas
(18)
a gente tem uma série de dados levantados
(19)
ficou resolvido que não sairíamos de casa
(20)
a reunião do departamento continuou acertada

Percebemos pelos exemplos de (17) a (20) que em todos os casos permanece um es-
tado em consequência do término de uma ação tomada no passado. Como amostragem,
vemos que em (17) a ação de “corrigir”, pressuposta com ocorrência no passado, rela-
ciona-se com o estado de corrigidas que as provam adquirem em virtude daquela ação.
Os aspectos stricto sensu inceptivo, cursivo e terminativo demarcam as fases de
desenvolvimento dos processos verbais; logo, são subdivisões do aspecto lato sensu
imperfectivo.
O aspecto imperfectivo inceptivo expressa o começo da ação. Para Sacconi
(1983), os auxiliares começar a, desatar a, entrar a, passar a, pôr-se a, principiar a,

115
CATEGORIAS acompanhados de infinitivo, são indicadores do aspecto inceptivo. Além disso, como
GRAMATICAIS
vimos, devemos considerar a possibilidade de o sufixo –ecer também indicar a fase ini-
cial de um processo. Nos exemplos a seguir, retirados da estória “A galinha medrosa”,
recontada por António Mota10, encontramos dois exemplos desse aspecto:

(21)
Um dia, a galinha saiu do galinheiro, e pôs-se a esgravatar no chão, a ver se
conseguia uma minhoca para pôr no papo. (grifos nossos).
(22)
A galinha ficou muito assustada e desatou a correr. (grifos nossos).

A utilização das perífrases verbais com os verbos auxiliares pôs-se a e desatou a em


(21) e (22) demonstram que o narrador tem interresse em marcar o início das ações
da galinha. Há, portanto, uma indicação de uma fase constitutiva da temporalidade
interna, uma imperfectivização do enunciado, uma vez que as ações continuam após o
início demarcado nas perífrases.
Se o aspecto imperfectivo inceptivo destaca os momentos iniciais de uma duração,
o aspecto imperfectivo cursivo indica uma ação em seu pleno curso, que perdura no
tempo, pois o processo verbal continua depois de iniciado.
O gerúndio pode por si só expressar a imperfectividade em curso, como no exem-
plo (23) em que A pergunta a B sobre a tarefa que B executava:

(23)
­­– Cozinhando?
– Fazendo feijão.

Contribuem na formação do valor cursivo verbos auxiliares, tais como: andar, es-
tar, ficar, vir e ir com gerúndio ou infinitivo. Vejamos:

(24)
Ações de bancos franceses continuam a pesar na Europa. (grifos nossos).11
(25)
Descubra detalhadamente o que você anda comendo. (grifos nossos).12

Ao aplicarmos a pergunta que demonstra se o locutor tem interesse em marcar a


temporalidade interna do processo, vemos que isso acontece em (24) e (25), pois os

10 Disponível em: <http://www.slideshare.net/rosaborges/a-galinha-medrosa>. Acesso em:


31 ago. 2011.
11 Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/>. Acesso em: 22 ago. 2011.
12 Disponível em: <http://www.eumesintobem.com.br/adicional/>. Acesso em: 22 ago. 2011.

116
fatos não estão colocados como conclusos, como um bloco inteiriço. Pelo contrário, O aspecto e a voz

vemos o interesse em marcar que os processos verbais perduram no tempo. Em (24)


salienta-se que, durante a crise econômica europeia as ações dos bancos franceses
vinham pesando e continuam a pesar. Em (25), não é a iteração que é demonstrada,
mas a continuidade do que o interlocutor come/anda comendo.
Por sua vez o aspecto imperfectivo terminativo, como o nome indica, marca o tér-
mino, a finalização de um processo. Pode ser expresso, no nível frasal, por meio de
auxiliares verbais, por exemplo: acabar de, deixar de, desistir de, cessar de, parar de
acompanhados de infinitivo:

(26)
Aguinaldo Silva avisa no Twitter que desistiu de se casar. (grifos nossos).13
(27)
Há algum tempo atrás, a Xuxa parou de trabalhar com crianças e começou a
fazer programas em todo Sábado. (grifos nossos).14

Em (26) e (27), a utilização dos verbos desistiu e parou, que funcionam como au-
xiliares de “casar” e “trabalhar”, contribuem para a indicação do aspecto imperfectivo
terminativo, pois com as perífrases verbais o locutor marca o término de processos
que estavam em curso, no caso a expectativa de casamento de Aguinaldo Silva e o
trabalho de Xuxa com crianças. No exemplo (27), podemos observar a contraposição
que o locutor estabelece entre o final de uma atividade da apresentadora e o início de
outra (começou a fazer), respectivamente com o imperfectivo terminativo e o imper-
fectivo inceptivo.
Para finalizarmos nossa apresentação da categoria do aspecto, ressaltamos que a
análise da categoria deve ser feita com muita atenção, sempre considerando o con-
texto frasal, pois, como vimos, essa categoria é complexa e manifesta-se por meio de
vários recursos. Assim, não basta, por exemplo, apenas verificar se o verbo apresenta
o traço [- durativo] para dizer que o aspecto é perfectivo, pois a noção aspectual pode
manifestar-se diferentemente no contexto apesar desse traço, como em:

(28)
Cai, cai balão
Cai, cai balão
Aqui na minha mão

13 Disponível em: <http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2011/06/21/>. Acesso


em: 31 ago. 2011.
14 Disponível em: <http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110321084813
AAnYnGf>. Acesso em: 31 ago. 2011.
117
CATEGORIAS Embora o verbo “cair” apresente o traço [- durativo], na canção infantil expressa-se
GRAMATICAIS
uma duração, uma fase da queda, marcando o aspecto imperfectivo cursivo.
A categoria da voz
Na língua portuguesa, a categoria da voz não apresenta um morfema específico
para sua caracterização. No entanto, é possível identificarmos, na construção discursi-
va verbal, noções que remetem a essa categoria.
Duarte e Lima (2000), ao definirem a voz, afirmam que as gramáticas divergem
no tratamento da categoria no que diz respeito à sua conceituação e à sua tipologia.
Nessa mesma direção, Hauy (1992) aponta que, para a conceituação da voz, há autores
que consideram a forma do verbo; outros, sua significação ou, ainda, o tratamento do
processo verbal em relação ao sujeito.
O critério mais comum encontrado para a identificação e classificação da voz é o
semântico, que destaca o papel do sujeito referente ao fato de praticar a ação verbal
(sujeito agente – voz ativa), sofrer a ação (sujeito paciente – voz passiva) ou praticar e
receber a ação (sujeito agente e paciente simultaneamente – voz reflexiva ou média).
Entretanto, se levarmos em conta somente o aspecto semântico, podemos confun-
dir, conforme adverte Bechara (1983), voz passiva com passividade. Para o autor, a
voz passiva é a forma especial em que se apresenta o verbo para indicar que a pessoa
recebe a ação verbal, como em:

(29)
Todos os brigadeiros da festa foram comidos pela professora.
(30)
Compra-se filhote de Yorkshire.15

Já a passividade é o fato de o sujeito receber a ação verbal, que pode ser expressa
pela voz passiva ou pela ativa, se o verbo expressar sentido passivo:

(31)
Os vilões das novelas sempre recebem o castigo merecido no final.
(32)
Em Mulheres apaixonadas, a professora de Educação Física apanhava do mari-
do e suportava tudo calada.

Se confrontarmos os exemplos (29) e (30) com o (31) e o (32), vemos que nos
quatro casos, sob o critério semântico, as ações verbais recaem sobre os sujeitos. En-
tretanto, (31) e (32) não apresentam as formas representativas da voz passiva como

15 Disponível em: <http://www.classificados.com.br/index.php?page=search&s_res=GO&


stype>. Acesso em: 18 ago. 2011.

118
(29) e (30). Verificamos, assim, que em (29) e (30) as formas verbais foram comidos O aspecto e a voz

e compra-se são indicativas da voz passiva, que costuma se estabelecer com verbos
auxiliares seguidos de verbo principal no particípio, como no primeiro caso, ou com
o uso do pronome apassivador se, conforme o segundo exemplo. Já em (31) e (32), a
noção de passividade recai sobre o sentido inerente ao verbo receber e apanhar, mas
não na forma pela qual eles se apresentam.
Em perspectiva um tanto distinta, Câmara Jr. (1980) define a voz a partir da estrutu-
ra da frase, apresentando as diversas relações passíveis de serem estabelecidas entre o
sujeito e o predicado. Afirma, assim, que em frases pessoais essas relações são as mais
variadas. Segundo o autor (CÂMARA JR., p. 181), podemos ter de maneira geral:
• Um sujeito possessivo, que se apresenta como possuidor do que o predicado
expressa:

(33)
– O Zé Carlos tem um Gol.
– Não. A mulher dele tem um Gol. Ele tem uma Saveiro vermelha.

• Um sujeito ativo, que desempenha o papel de agente:

(34)
Sinhá Vitória remexeu no baú, os meninos foram quebrar uma haste de ale-
crim para fazer um espeto. (RAMOS, 1985, p. 14, grifos nossos).

• Um sujeito inativo, quando o processo se passa nele:

(35)
Alinne Rosa adoece em mini-turnê nos EUA. (grifo nosso)16

• Um sujeito passivo, que sofre o processo indicado no predicado:

(36)
O humorista Francisco Jozenilton Veloso, o Shaolin, de 39 anos, sofreu um
grave acidente, na noite da terça-feira (18), quando dirigia na BR-230, em
Campina Grande (PB). (grifos nossos).17

Essas observações do autor chamam nossa atenção para o fato de que, embora na

16 Disponível em: <http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/alinne-rosa-adoece-em-mini-


-turne-nos-eua/>. Acesso em : 17 ago. 2011.
17 Disponível em: <http://noticias.r7.com/cidades/noticias/humorista-shaolin-sofre-grave-aci-
dente-em-campina-grande-pb-20110119.html>. Acesso em: 17 ago. 2011.

119
CATEGORIAS voz ativa o processo verbal seja tratado como uma atividade/ação de um determinado
GRAMATICAIS
ser sujeito de quem, na representação linguística pelo menos, parte o processo verbal,
encontramos nela expressões verbais em que o sujeito é possessivo (33), ativo (34),
inativo (35) ou passivo (36). Não há, portanto, “uma relação constante e indissolúvel
entre os conceitos metafísicos de agente e ação e os conceitos gramaticais de sujeito e
verbo na voz ativa” (CÂMARA JR., 1984, p. 224).
Sacconi (1983, p. 113) apresenta posicionamento similar aos autores citados, no
que diz respeito à significação de determinados verbos na voz ativa e à passividade.

Existem certos verbos cuja significação não denota atividade nenhuma do su-
jeito. São os que exprimem passividade [aguentar, apanhar (sova, surra, etc.),
padecer, sofrer, suportar, etc.] e os que indicam fenômenos naturais (adoecer,
durar, envelhecer, morrer, nascer, etc.). Tais verbos se apresentam na forma
ativa, mas com sentido passivo. Assim, o sujeito classifica-se como paciente so-
mente no aspecto semântico.

Hauy (1992, p. 7), por sua vez, propõe um tratamento da categoria de voz, ao ado-
tar o critério formal. Para o desenvolvimento de sua proposta, conceitua a voz como “a
forma em que o verbo se apresenta para indicar se o sujeito pratica ou sofre a ação ver-
bal”. O privilégio da forma verbal leva a autora a restringir a “flexão de voz” aos verbos
que indiquem ação e que tenham o sujeito expresso ou indeterminado. Excetuam-se
da flexão de voz os verbos impessoais e os de ligação (“ser”, “estar”, “permanecer”,
“ficar”, “continuar”), pois estes não indicam ação e aqueles não têm sujeito − traços
essenciais para o estabelecimento da categoria.
A autora chama de verbos neutros os verbos que não têm flexão de voz e coloca
nessa lista, além dos verbos de ligação, outros verbos que não indicam ação, por exem-
plo, “sofrer”, “merecer”, “receber”, “ganhar”. Pelos vocábulos fornecidos, percebemos
que os verbos cuja significação não denota atividade do sujeito, citados por Sacco-
ni (1983), incluem-se também, nessa classe, o que os isentam de uma categorização
quanto à voz. Contudo, como salienta Guimarães (1990, p. 66), “esta não é uma clas-
sificação pacífica; ao contrário, pode ser minoritária”.
As considerações que vimos fazendo sobre a categoria voz corroboram o que afir-
mamos anteriormente sobre sua complexidade conceitual e sobre a adoção de critérios
para sua classificação. A tradição gramatical e escolar baseia-se no sentido, mas, como
demonstramos, somente o critério semântico não dá conta da identificação das vozes,
pois há questões problemáticas que envolvem o tratamento da categoria sob esse pris-
ma, como a noção de passividade e os tipos de sujeito (agente, paciente, possuidor,
inativo). Por outro lado, a adoção do critério mórfico leva-nos a assumir a perspectiva
de verbos neutros, que se mostra como uma atitude por demais particularizada, frente

120
ao objetivo que temos nesse capítulo, qual seja, o de apresentar uma perspectiva teó- O aspecto e a voz

rico-metodológica que permita a introdução do futuro professor no conhecimento


sobre a categoria.
Assim, tomando por base nosso objetivo principal, explicamos as vozes a partir da
posição assumida por Duarte e Lima (2000, p. 31). Nas palavras dos autores:

Não temos restrições ao uso do sentido para caracterizar fatos gramaticais.


Nossa posição relativamente à categoria de voz, por exemplo, é considerá-la
um complexo de forma/função e sentido, como, aliás, qualquer fenômeno
linguístico.

Embora assumam o complexo relacionado à categoria, os autores criticam o que


chamam de “mistura caótica de critérios, usados sem sistematização nenhuma, sem
nenhum rigor científico” (DUARTE; LIMA, 2000), com os termos usados ora em um
sentido linguístico, ora em sentido comum, como o termo “forma”, que é empregado
como “um fonema ou sequência fonêmica providos de significação, no primeiro senti-
do”, e “maneira”, “modo”, no segundo.
Nas reflexões sobre a categoria que passamos a fazer, privilegiamos, portanto, o
critério formal para identificar a voz, sem desconsiderarmos a função dos elementos
na estrutura oracional e o seu sentido.
Diante desse posicionamento, podemos afirmar que a voz passiva se expressa por
meio de duas estruturas distintas:
a) Voz passiva analítica: com o uso dos verbos auxiliares ser, estar ou ficar + par-
ticípio variável de um verbo transitivo direto ou direto e indireto. Para que haja a
voz passiva o verbo deve necessariamente apresentar um objeto direto, visto que, na
estrutura da frase passiva, esse objeto passa a sujeito paciente, e quem pratica a ação
expressa pelo verbo, agente da passiva.

(37)
J foi retirado do rio por N e outra pessoa.
(Fragmento de um Depoimento Judicial de um processo-crime)

No exemplo (37), J é o sujeito paciente, pois sofre ação verbal de ser retirado do
rio, e N e outra pessoa são os agentes da passiva, pois são os responsáveis pelo proces-
so verbal. Isso pode ser facilmente comprovado se colocarmos a frase na forma ativa: N
e outra pessoa retiraram J do rio, na qual J é o objeto direto sobre o qual recai a ação
do sujeito composto N e outra pessoa.
b) Voz passiva sintética: com um verbo transitivo direto ou transitivo direto e in-
direto na terceira pessoa do singular ou do plural, em concordância com o sujeito,

121
CATEGORIAS seguido do pronome se apassivador:18
GRAMATICAIS

(38)
ALUGA-SE
Salão de fundo p/ fim comer, 30 mts da av. Júlio de Castilho.
(Anúncio da seção “Classificados”. Jornal Correio do Estado, 04/04/2011)

Ao contrário da passiva analítica, que pode apresentar o verbo em todas as pessoas,


a passiva sintética apresenta-o somente na terceira pessoa do singular ou do plural,
pois deve concordar com o sujeito. Em (38), o sujeito é Salão de fundo..., como po-
demos ver na passiva analítica: Salão de fundo p/fim comer, 30 mts da av. Júlio de
Castilho é alugado.
Segundo Câmara Jr. (1984, p. 55), com o apassivador se criamos uma voz passiva
em que “predomina a ação verbal reportada ao paciente pelo pronome apassivador e
com a apresentação do agente completamente eliminada”. Hauy (1992) afirma tam-
bém que a passiva sintética, no português moderno, não admite expressar o agente.
Na passiva analítica, o agente pode ser omitido ou, às vezes, incluído no predicado. Em
suma, como afirma Câmara Jr. (1980), a essência da voz passiva é o realce do processo
ativo em detrimento do agente.
Romualdo (2002) dedica parte de seu trabalho ao estudo das vozes verbais, pre-
sentes nos depoimentos de um processo-crime. O autor analisa um processo no qual
um indivíduo, em uma confraternização à beira de um rio, fraturou a espinha. Entre-
tanto, essa fratura só foi descoberta posteriormente, quando a vítima já se encontrava
hospitalizada.
Nos depoimentos, a maioria das orações redigidas na forma passiva refere-se a
momentos posteriores ao acidente. Esses casos de utilização da voz passiva reforçam
a ideia de vítima, conferida ao indivíduo, uma vez que o sujeito, nessas estruturas,
como mostramos, é o alvo do processo verbal. Os depoimentos giram em torno desse
indivíduo e do que aconteceu a ele. A voz passiva desempenha bem essa função, pois
o mantém como sujeito das orações, mas o coloca inerte, impossibilitado de agir, so-
frendo os processos indicados no predicado, como em:

(39)
J teria sido agredido a golpes de cinta por H.
(40)
... a vítima ser jogada na água, assim como agredida por H...

18 Com os verbos transitivos indiretos o se não funciona como pronome apassivador, mas sim
como índice de indeterminação do sujeito. Logo, em Precisa-se de empregados, o sujeito é inde-
terminado.
122
Os exemplos (39) e (40) ilustram ocorrências em que os agentes da passiva apare- O aspecto e a voz

cem. Além no realce da ação, do processo, em detrimento do agente, os outros ses-


senta e seis casos de voz passiva, observados nos depoimentos do processo, omitem o
agente da passiva, no destaque absoluto das ações. Vejamos alguns exemplos:

(41)
... foi ajudado a sair da água.
(42)
J foi removido para a Santa Casa...
(43)
A vítima foi então levada pelos braços e meio arrastado até o banheiro.

Se considerarmos a causa da morte da vítima – fratura na coluna vertebral – a movi-


mentação a que foi exposta depois do acidente seria importante para apurar as circunstân-
cias que levaram ao desenlace e os responsáveis, conscientes ou não, pelo desfecho final.
No entanto, fazendo recair a ênfase sobre as ações e o sujeito que as recebe, o uso
da voz passiva, nos depoimentos, encobre os participantes das ações e promove con-
comitantemente a isenção de envolvimento pessoal e avaliatório da testemunha com
os tópicos desenvolvidos e com a denúncia do(s) culpado(s). Desse modo, constrói-se
um discurso mais neutro e objetivo, em consonância com as características previstas
para uma prova testemunhal.
Pelo foco posto na ação em detrimento do agente, deixado em anonimato, a esco-
lha da construção passiva acusa, também, a preferência dos funcionários da justiça,
diante de um caso tão controvertido, de não denunciar precocemente culpados.
A possibilidade de omitir o agente mostra-se fundamental na construção discursiva
desses depoimentos. Por outro lado, a voz ativa pode também servir à finalidade do
locutor/usuário.
A voz ativa é reconhecida pela ausência dos elementos que caracterizam a voz pas-
siva, exibindo o verbo na forma simples ou composta com os auxiliares ter ou haver.
Há, portanto, realce do sujeito na estrutura oracional. Vejamos alguns exemplos do
mesmo processo-crime:

(44)
Naquele dia... J, na condição de pedreiro, construía um muro naquela casa de
veraneio.
(45)
Essa mesma pessoa [J] e seu tio H resolveram nadar.
(46)
Contudo, minutos depois, novamente J entrava na água.

Os exemplos (44) a (46) apresentam os verbos na forma ativa e a utilização dessa


forma verbal, que destaca o sujeito agente, mostra que, antes do acidente, o indivíduo
era responsável por seus atos.
123
CATEGORIAS Além das vozes passiva e ativa, a categoria engloba ainda a voz reflexiva (ou média).
GRAMATICAIS
A voz reflexiva é a “forma verbal que indica que o sujeito é, ao mesmo tempo, agente
e paciente da ação verbal” (HAUY, 1992, p. 18). O verbo transitivo direto ou transitivo
direto e indireto aparece na forma ativa, mas com um pronome oblíquo átono, índice
da pessoa do sujeito.

(47)
– Você não vai pentear o cabelo para sair de casa?
– Eu já me penteei, não está vendo?

No fragmento (47), nas duas frases, os verbos estão na forma ativa, mas, na primei-
ra, a voz é ativa e, na segunda, reflexiva. É importante observarmos que na primeira
frase o sujeito é você e o objeto é o cabelo, sobre o qual recai a ação verbal. Na segunda
frase, o sujeito é eu e o objeto direto sobre o qual recai a ação é o pronome pessoal
oblíquo me – índice da pessoa do sujeito –, determinando que a ação recai sobre o
próprio sujeito, ou seja, o sujeito pratica e recebe a ação. Por esse motivo encontra-
mos afirmações de que a voz reflexiva implica uma participação intensa do sujeito no
processo verbal.

Assim é que, na reflexiva, a pessoa do sujeito reaparece no predicado sob


a forma de um pronome oblíquo átono como objeto de uma ação verbal
transitiva, que parte dele; ou, mais resumidamente, ação praticada pelo sujei-
to recai no próprio sujeito, representado no predicado pelo oblíquo átono.
Com outras palavras, a ação praticada pelo sujeito retroage para o próprio
sujeito, que é, pois, a um tempo, agente e paciente, agente e recipiente da
ação (HAUY, 1992, p. 19).

Bechara (1983) faz a ressalva de que em certos verbos, como “atrever-se”, “indig-
nar-se”, “queixar-se”, “ufanar-se”, “admirar-se”, não se percebe a ação rigorosamente
reflexa, mas a indicação de que a pessoa a que o verbo se refere está vivamente afeta-
da. Por isso, segundo alguns autores, uma maneira prática de verificarmos a condição
reflexiva é substituirmos o pronome oblíquo por expressões como “a mim mesmo”,
“a si mesmo” etc.
Na reflexiva recíproca, o verbo está também na forma ativa e o pronome oblíquo
átono também é objeto de uma ação verbal transitiva que parte do sujeito. Entretanto,
como o sujeito está no plural, a ação praticada por um elemento não recai sobre si
mesmo, mas sobre o outro, que igualmente pratica a ação e a faz recair sobre o primei-
ro. Segundo Câmara Jr. (1984, p. 164),

na medial reflexiva, pode haver uma reflexividade cruzada, ou uma medial recí-
proca, quando um sujeito plural, abarcando dois indivíduos A e B, se disjunge

124
nocionalmente num agente A, que atua sobre B, e num agente B, que atua O aspecto e a voz
sobre A; ex.: os antagonistas se feriram.

Podemos observar a voz reflexiva recíproca na estrofe que finaliza a canção “Café
da Manhã”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, na qual o eu-lírico projeta ações para o
dia seguinte, entre elas pedir o café da manhã, envolver a amante nos braços e amá-la.
Ao cantar essa estrofe na música, Roberto faz uma retoma intertextual de uma outra
canção sua e de Erasmo Carlos, “Os seus botões”, pois essa estrofe pertence original-
mente a tal canção:

(48)
(Nos lençóis macios amantes se dão
Travesseiros soltos, roupas pelo chão
Braços que se abraçam, bocas que murmuram
Palavras de amor enquanto se procuram)
(Roberto Carlos/Erasmo Carlos. Café da Manhã, grifos nossos).19

Inserida no novo contexto, a estrofe, de certo modo, sintetiza o ato amoroso e


é útil para mostrar que, na voz reflexiva recíproca, há mais de um sujeito envolvido
no processo, executando a ação e, ao mesmo tempo, recebendo-a mutuamente
(DURIGAN, 1990). Nos fragmentos grifados os sujeitos estão no plural: amantes,
braços e bocas – estes dois últimos retomados pelo pronome relativo que, e são
passíveis de ser distinguidos nocionalmente em dois agentes que atuam um sobre o
outro. O se funciona como pronome reflexivo da pessoa do sujeito (terceira pessoa
do plural) dos verbos dão, abraçam e procuram. O uso da reflexiva recíproca nos
versos mostra a integração e a interação dos amantes e de partes de seus corpos,
que metonimicante representam os apaixonados, no ato amoroso.
Mediante esta apresentação, podemos identificar a categoria da voz por meio
das variações formais do verbo juntamente com as relações significativas entre o
sujeito e o predicado, de acordo com o papel que é atribuído ao sujeito na frase:
agente, paciente ou ambos. A atualização da categoria permite que o locutor des-
taque, na estrutura frasal, determinado elemento, seja o agente, seja o processo,
seja a reciprocidade das ações e alvos, mobilizando sentidos diferentes ao utilizar
a categoria.

19 Disponível em: <http://www.letras.com.br/roberto-carlos/cafe-da-manha>. Acesso em:


18 ago. 2011.

125
CATEGORIAS Conclusão
GRAMATICAIS
As categorias de aspecto e de voz, apresentadas neste capítulo, são representativas
de noções discursivas essenciais às diversas possibilidades de apresentações de senti-
dos exigidas no lidar com a nossa língua no dia a dia. Assim, como destacamos, apesar
de não apresentarem morfemas específicos para sua representação, o aspecto e a voz
contribuem para a marcação de especificidades relacionadas ao processo verbal.
Dessa forma, julgamos importante ao profissional, para o qual este livro se destina,
o conhecimento de noções específicas passíveis de serem expressas por meio dessas
categorias, a fim de que ele possa lidar, mesmo que minimamente, com as mais diver-
sas possibilidades que se materializam por meio das interações comunicativas estabe-
lecidas a partir da atualização desses componentes do sistema linguístico.
Com esse intuito, vimos que a categoria do aspecto responde por noções rela-
cionadas à duração interna dos fatos verbais, expressas de modo a marcar ou não
sua duração, correspondendo aos aspectos lato sensu imperfectivo e perfectivo. Entre
outras questões que foram destacadas, apresentamos uma visão da categoria capaz
de demonstrar que, ao mesmo tempo em que ela se apresenta relacionada ao tempo
verbal, dele se distancia, à medida que marca nuances verbais especificamente ligadas
à ideia de perfectividade (aspectos pontual e resultativo) e imperfectividade (aspectos
inceptivo, cursivo e terminativo). Do ponto de vista estritamente comunicativo, no
entanto, o aspecto é considerado como uma escolha do locutor, que opta por atualizar
a categoria imperfectivizando o enunciado, a depender da importância que ele atribua
à chamada da atenção do alocutário para o tempo da realidade interna do fato que
expressa.
De todo modo, cabe-nos ressalvar que apresentamos apenas uma proposta de clas-
sificação da categoria do aspecto, pois como afirma Costa (1990, p. 9), o aspecto ainda
“é uma categoria em estudo, sob reflexão; sobre ela nada pode ainda ser considerado
definitivo”.
No que diz respeito à categoria voz, embora tenhamos destacado a existência de
divergências no tratamento da categoria, especialmente no que concerne à sua concei-
tuação e tipologia, privilegiamos neste capítulo a utilização do critério formal para sua
identificação, sem desconsiderarmos a função dos elementos na estrutura oracional e
o sentido. Identificamos a voz ativa, em que se realça o sujeito ativo, a voz passiva, na
qual o destaque recai sobre o processo em detrimento do agente, que pode, inclusive,
ser omitido, e as vozes reflexiva e reflexiva recíproca nas quais há uma participação
intensa do sujeito no processo verbal, pois pratica e recebe a ação.
O aspecto e a voz, no entanto, a exemplo das demais categorias apresentadas pelos
diversos autores que compõem essa obra, não podem ser pensadas apenas por uma

126
de suas faces, visto que são diversas as categorizações, classificações e propostas a elas O aspecto e a voz

relacionadas. De todo modo, buscamos apresentar, neste capítulo, uma visão geral
dessas categorias, visão essa que, esperamos, possa ser não somente representativa de
uma maneira de pensarmos o aspecto e as vozes verbais como também possa suscitar
a busca por outras informações sobre tais categorias.


Referências

ALMEIDA, J. O problema do aspecto. Revista de Letras, Assis, v. 18, p. 101-115,


1976.

BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 28. ed. São Paulo: Editora Nacional,
1983.

CÂMARA JR. J. M. Dicionário de Linguística e gramática: referente à Língua


Portuguesa. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984.

______. Princípios de Linguística geral: como introdução aos estudos superiores


da língua portuguesa. 6. ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1980.

CASTILHO, A. T. Aspecto verbal no Português falado. In: ABAURRE, M. B. M.;


RODRIGUES, A. C. S. Gramática do Português falado. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 2002. p. 83-121. (Novos estudos descritivos, v. 8).

COSTA, S. B. B. O aspecto em Português. São Paulo: Contexto, 1990.

DUARTE, P. M. T.; LIMA, M. C. Classes e categorias gramaticais. Fortaleza: Eufc,


2000.

DURIGAN, M. O aspecto verbal em São Bernardo: uma abordagem estilístico-


gramatical. 1990. 346f. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em
Letras, Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Unesp, Assis, 1990.

GUIMARÃES, A. P. Tudo sobre o verbo: comentário detalhado, conjugação,


questionário, respostas. São Paulo: Ícone, 1990.

127
CATEGORIAS HAUY, A. B. Vozes verbais: sistematização e exemplário. São Paulo: Ática, 1992.
GRAMATICAIS

ILARI, R. Aspecto. In: ______. Introdução à semântica: brincando com a


gramática. São Paulo: Contexto, 2001. p. 19-26.

RAMOS, G. Vidas secas. 55. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 1985.

ROMUALDO, E. C. A construção polifônica das falas na justiça: as vozes de um


processo-crime. 2002. 332f. Tese (Doutorado)-Programa de Pós-Graduação em Letras,
Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Unesp, Assis, 2002.

SACCONI, L. A. Nossa gramática: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Atual, 1983.

TRAVAGLIA, L. C. O aspecto verbal no Português: a categoria e sua expressão. 3.


ed. Uberlândia: Ed. da Universidade Federal de Uberlândia, 1994.

Proposta de Atividades

1) A partir da leitura dos dois fragmentos, explique a diferença entre os aspectos lato sensu
perfectivo e imperfectivo:
a) Nascida em 04 de Setembro de 1981, em Huston, no Texas, Beyoncé Giselle Knowles
começou a se interessar pela música aos sete anos de idade, época em que fazia aulas
de dança na escola e cantava no coral da igreja que frequentava com os pais Mathew
Knowles e Tina Beyincé e a irmã Solange Knowles.
(Disponível em: <http://www.89fm.com.br/musica/artista.aspx?>. Acesso em: 31 ago.
2011).
b) Nascida em 04 de Setembro de 1981, em Huston, no Texas, Beyoncé Giselle Knowles
começou a se interessar pela música aos sete anos de idade, época em que fez aulas
de dança na escola e cantou no coral da igreja que frequentou com os pais Mathew
Knowles e Tina Beyincé e a irmã Solange Knowles.

2) Explique qual é o aspecto stricto senso das formas grifadas:


a) Rapaz olha no espelho do elevador e diz:
– Ih, eu estou ficando careca, o cabelo está caindo aqui na frente.
b) A cantora Amy Winehouse morreu em Londres neste sábado, 23.
(Disponível em: <http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL1668173-9798,00>.
Acesso em: 31 ago. 2011).

128
c) Conta um relato antropológico da primeira década do século XX que, certa vez, um dos O aspecto e a voz
índios mais velhos da tribo desatou a chorar e não parou mais.
(Disponível em: <http://super.abril.com.br/cotidiano/choramos-443091.shtml>.
Acesso em: 31 ago. 2011).
d) Quando a chuva parou de cair, todas as casas estavam destruídas.
e) Henrique Lemes já terminou de gravar seu CD.
(Disponível em: <http://colocanoidolos.blogspot.com/2011/08/>. Acesso em: 31 ago.
2011)

3) A partir da leitura do Texto 1, faça o que se pede:


a) Identifique e diferencie os casos de voz ativa e passiva;
b) Indique os casos em que a voz ativa não possui sujeito agente.

Texto 1:

Motorista dorme ao volante, invade posto de gasolina,


mata uma pessoa e deixa outra ferida

Uma pessoa morreu e outra ficou gravemente ferida em um acidente na tar-


de dessa quinta-feira (21) na PE 160, em Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste
de Pernambuco.
As vítimas foram os irmãos Geraldo Cassimiro da Silva, 41 anos, e Adriano
do Nascimento Barbosa, 22. De acordo com a polícia, eles estavam trabalhando
em um reforma de um posto de combustível às margens da PE 160, quando o
motorista José Dimas Bezerra dormiu ao volante de uma caminhonete modelo
Nissan Frontier, de cor preta e placa NIV-5000/AL, perdeu o controle do veículo 
que vinha em alta velocidade, invadiu o posto e atropelou os irmãos.
Ainda segundo a Polícia Militar, Geraldo Cassimiro morreu na hora e Adria-
no do Nascimento foi levado para o Hospital da Restauração, no Recife, em
estado grave.
O motorista se apresentou à Delegacia de Santa Cruz do Capibaribe, foi
ouvido e liberado. Ele irá responder pelo crime de homicídio culposo, quando
não há intenção de matar.
O corpo de Geraldo Cassimiro foi levado para o IML de Caruaru.
(Disponível em: <http://caruaru2014.blogspot.com/2011/07/motorista-
dorme-ao-volante-invade-posto.html>. Acesso em: 17 ago. 2011).

4) Leia o Texto 2, compare os casos de voz passiva analítica com os do Texto 1 e, considerando
que ambos são notícias, explique por que os textos diferem quanto à marcação do agente
da passiva.

129
CATEGORIAS Texto 2:
GRAMATICAIS

Índio atropelado por 2 ônibus


morreu como o pai na luta por terra, alerta MPF
(...)
Na terça-feira passada, [o jovem indígena Sidney Cario de Souza, de 26 anos]
foi atropelado próximo ao local onde vivia, na região conhecida como Curral
do Arame, a sete quilômetros de Dourados. Ele andava a pé e foi atingido pelo
ônibus que o jogou na pista onde foi atropelado pelo segundo veículo. Pai de
5 crianças, Sidney seguia a noite para encontrar uma das filhas que voltava de
Dourados.
(Adaptado de: <http://www.fatimanews.com.br/noticias/indio-atropelado-por-
2-onibus-morreu-como-o-pai-na-luta-por-terra-aler_119823/>. Acesso em: 25
jul. 2011).

5) Explique, a partir dos fragmentos grifados no Texto 3, a diferença entre a voz ativa e a
reflexiva.

Texto 3:

Marilyn Manson cortou-se 158 vezes em um só dia.


(...)
“Cada vez que liguei para ela [a ex-namorada] nesse dia – liguei 158 vezes –,
agarrava uma lâmina e cortava meu rosto ou minhas mãos”, disse ele.
(Adaptado de: <http://www.biovolts.com/forun/musica/ma-
rilyn-manson-cortou-se-158-vezes-num-so-dia/?PHPSESSID=2a1a59a69703c5c-
6f8ae97c5b522d769>. Acesso em: 18 ago. 2011).

6) Utilizando as manchetes abaixo, disserte sobre a voz reflexiva e a reflexiva recíproca, apre-
sentando argumentos que possibilitem a identificação de cada uma delas.
a) MILITAR TRANCOU-SE NO POSTO E MATOU-SE COM UM TIRO
b) DUAS FAMÍLIAS AGREDIRAM-SE COM MARTELOS, PEDRAS E FACAS
(Disponível em: <http://24horasnewspaper.com/fotonews/2952/pdf/16.PDF>. Acesso
em: 18 ago. 2011).

130
O aspecto e a voz

Anotações

131
CATEGORIAS
GRAMATICAIS

Anotações

132

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