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ANEXO

Professora autora/conteudista
MONICA FONSECA WEXELL SEVERO
É vedada, terminantemente, a cópia do material didático sob qualquer
forma, o seu fornecimento para fotocópia ou gravação, para alunos
ou terceiros, bem como o seu fornecimento para divulgação em
locais públicos, telessalas ou qualquer outra forma de divulgação
pública, sob pena de responsabilização civil e criminal.
SUMÁRIO
Anexo 1: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

Anexo 2: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
ANEXO 1:
Atualmente Jean Marc Lévy-Leblond é professor emérito e diretor do programa no Colégio
Internacional de Filosofia. Foi professor da Universidade de Nice até 2002, nos departamentos de
física, filosofia e comunicação.

Graças ao legado de Jean Thibaud, antigo diretor do Instituto de Física Nuclear de Lyon, a
Academia de Lyon concede a cada dois anos um prêmio a “um jovem físico... para recompensar
seus trabalhos”. Em 1970, este prêmio foi dividido entre G. Ripka, engenheiro no C. E. A. e por J. M.
Lévy-Leblond, professor da Faculdade de Ciências de Paris.

A seguir encontra-se o pronunciamento à Academia de Lyon feito por J. M. Lévy Leblond a


13 de janeiro de 1970, por ocasião da entrega do prêmio Thibaud. Este texto pretende esboçar
a indispensável análise crítica e a desmistificação do papel que hoje desempenham em nossa
sociedade a ciência e a pesquisa científica.

Esta breve mensagem não pretende oferecer uma argumentação exaustiva em apoio a todas
as ideias que menciona. De fato, seu significado essencial consiste em ser um ato militante, em
ruptura radical com a ideologia dominante e a prática habitual nos meios científicos. E é aí, no
fundo, onde se deve buscar a origem real dos processos judiciais (inculpação por “degradação de
monumento público”) e das medidas administrativas (suspensão das funções) de que foi vítima J.
M. Lévy-Leblond, por iniciativa das autoridades universitárias.

Sobre a neutralidade científica

Jean Marc Lévy-Leblond

Com grande satisfação recebo hoje o prêmio Thibaud concedido por sua Academia. Experimento,
ao poder agradecê-lo pessoalmente, um prazer muito especial cuja natureza espero conseguir
fazê-lo compreender. Com efeito, este prêmio me é útil e precioso por várias razões. Em especial,
porque ofereceu a oportunidade de aprofundar um certo número de questões a respeito de minha
condição de pesquisador, de cientista, bem como a possibilidade de expor, hoje, algumas de minhas
conclusões.

É impossível receber um prêmio como este sem se colocar algumas questões: A que se deve
esta recompensa? O que fiz para merecê-la? Aos olhos de quem? E, mais amplamente: Para quê? A

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quem serve definitivamente minha atividade científica? Por que sou pesquisador? Quais são minhas
motivações pessoais? Por que a sociedade organiza a investigação científica? Qual é o papel da
ciência em nossa sociedade? Por outro lado, estes problemas são colocados, cada vez com maior
frequência, no nosso meio e fora dele, sobretudo a partir do grande movimento de maio de 1968 e
dos profundos questionamentos que desencadeou.

Existe uma série de respostas “naturais” a todas estas questões. Não é absolutamente evidente
que a ciência desempenha atualmente um papel fundamental na evolução da sociedade e é o
motor essencial de seus progressos? E que o cientista passou a ser, portanto, o agente essencial
do destino da humanidade e extrai deste pensamento suas motivações básicas e suas maiores
satisfações? Ninguém discutirá que, sob formas ligeiramente menos claras, estes são os temas de
um incessante discurso ouvido desde a escola primária até os bancos universitários e difundido tanto
pelos organismos mais conservadores como por algumas vozes pretensamente revolucionárias.

Existem, no entanto, excelentes razões para levantar sérias dúvidas sobre a validade destas
respostas. Consideremos, em primeiro lugar, a relação entre a pesquisa fundamental e os progressos
da sociedade. Não há dúvida de que dois ramos mais custosos e mais prestigiados da ciência
atual são a física das partículas de altas energias e a física espacial. Porém onde estão suas
contribuições para o progresso geral? A quase totalidade dos físicos de altas energias não terão
a menor dificuldade em reconhecer que não se pode esperar nenhuma aplicação de seu setor. E
quanto às “repercussões” tão divulgadas da ciência espacial, só conheço as cápsulas de cerâmica
refratária e outros objetos parecidos. É evidente que me sinto tão mais qualificado para referir-me a
estes problemas uma vez que meus próprios trabalhos, pelos quais fui considerado hoje merecedor
de uma recompensa, são exemplos claríssimos de pesquisa “pura”, quer dizer, gratuita e sem outro
interesse senão o de provocar a curiosidade de uns vinte especialistas em todo o mundo. A maioria
das pesquisas reveste-se, atualmente deste caráter totalmente esotérico, e só são compreensíveis
a uns poucos iniciados. É verdade que existem outros campos onde se vislumbram gigantescas
possibilidades de aplicação: a medicina ou a agronomia, por exemplo, parece que podem contribuir
atualmente com algumas respostas técnicas em relação aos problemas da fome e da doença que
atingem a maior parte da humanidade. Porém, precisamente a natureza das estruturas sociais
impede que estas soluções técnicas possam ser postas em prática. Pensemos unicamente no
escândalo de alguns hospitais abarrotados, na medicina degradante para classes populares, nos
super benefícios das indústrias farmacêuticas e na falta de recursos para a pesquisa médica na
França – para não falar do problema dos países que acabam de se livrar do domínio colonial. E
se os progressos da técnica provocam em geral um aumento da produtividade industrial, não se

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conhecem casos em que isto tenha tido, como consequência direta, a melhoria das condições
de vida das massas populares. São necessárias duras e constantes lutas sociais para obrigar as
classes dominantes a não utilizar em seu benefício exclusivo as novas possibilidades originadas pela
ciência moderna. A modernização técnica das empresas se traduz, quase sempre, em demissões.
Entre 1958 e 1968, as técnicas e a produtividade industrial aumentaram prodigiosamente; porém
foi necessária a grande greve de maio-junho de 1968 para que a classe operária como um todo
obtivesse algumas melhorias de suas condições de trabalho, melhorias que, pouco a pouco, foram
novamente anuladas pela classe patronal. Estas dúvidas quanto à função progressista da ciência
provocam outras, quanto às motivações dos cientistas. Além disso, são cada vez mais numerosos
aqueles que tomam consciência desta situação e chegam às vezes a confessá-lo. Porém, muito
frequentemente, é para refugiar-se em uma ética do conhecimento como valor em si, onde a ciência
se converte em seu próprio objetivo (ver aula inaugural de J. Monod no College de France). Trata-se,
sem dúvida, do último recurso de quem se nega a contemplar os fatos de frente.

Porém nada mais distante de mim do que insinuar que a ciência, a pesquisa, não serve para nada;
estou convencido, ao contrário, de que são muito úteis. Somente que não servem em absoluto àquilo
e àqueles a quem pretendem servir. A atividade científica, como qualquer outra, não é separável
do conjunto do sistema social em que se pratica. Como as demais está orientada, principalmente,
com vistas a garantir a perpetuação ou ao menos a sobrevivência, deste sistema. Os mecanismos
através dos quais assume este papel são numerosos e complexos. De qualquer maneira, podemos
assinalar vários tipos de relações. No plano político, em primeiro lugar, é evidente que as potências
imperialistas utilizam ao máximo os recursos da técnica moderna para dotar-se de um armamento
destinado a garantir-lhes seu poder. É no terreno militar, sem dúvida, que a investigação científica
tem encontrado, nos últimos anos, as aplicações mais numerosas e mais coerentes. Porém, inclusive
neste campo, a utilidade e a eficácia destas aplicações estão limitadas, apesar da chantagem
do terror atômico. Basta ver a resistência vitoriosa do povo vietnamita à agressão americana
para convencer-se de que em nenhum lugar a técnica e a ciência são suficientes para garantir o
poder militar e político. Além disso, estas aplicações militares recorrem principalmente a algumas
descobertas relativamente antigas e não à pesquisa científica fundamental, que é a que mais me
interessa neste momento. Em segundo lugar, no plano econômico. Todos nós sabemos o papel cada
vez mais importante que desempenha a pesquisa fundamental no orçamento dos países capitalistas
avançados. É possível crer seriamente que se permitiriam inversões tão importantes se não tivessem
nenhuma utilidade? Dado que, como já indiquei, estas inversões não estão destinadas geralmente a
promover aplicações mais ou menos técnicas, parece que são em si mesmas uma necessidade do
sistema. Na realidade, pode-se entendê-la como um meio a mais que o capitalismo moderno utiliza

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para tentar remediar suas antigas crises de “superprodução” cíclica. Como a produção científica
não origina um consumo de massas, pode desempenhar um papel de regulador econômico, tal
a corrida armamentista. Isto fica demonstrado pelas repentinas restrições orçamentárias que
se impõem à pesquisa nos períodos de recessão: fecha-se a torneira do deságue quando o nível
baixa. Ao contrário, nos períodos de prosperidade econômica, a investigação científica é uma fonte
fabulosa de superbenefícios para algumas indústrias, a eletrônica por exemplo. Os monopólios
encontram deste modo um meio particularmente discreto de embolsar os fundos públicos, quer dizer,
o que o Estado arrebata da massa de trabalhadores. Porém não insistirei mais sobre os aspectos
econômicos que mereceriam, no entanto, ser estudados de perto.

Gostaria de mencionar, agora, o crucial papel ideológico da ciência. Cabe adiantar a ideia de que
depois da religião, e das “humanidades” clássicas, atualmente é a ciência que, cada vez com mais
vigor, apoia e estrutura as formas de ideologia imposta pela classe social no poder, a burguesia.
A ciência é invocada para cobrir com uma máscara de objetividade e tecnicismo a dominação
desta classe: Capitalismo? Exploração? Não, claro que não, só se fala de pesquisa operacional,
de management etc. Os cientistas eminentes, ou assim considerados, se vêem investidos de uma
missão implícita de “public relations” do sistema: Leprince-Ringuet aparece na televisão para dizer
as banalidades da moda (porém em seu laboratório reprime ferozmente a greve dos técnicos), os
prêmios Nobel Kastler e Monod dão seu aval de intelectuais “de esquerda”, sem falar dos tecnocratas
agentes diretos do capitalismo, como Louis Armand. A ciência serve deste modo para justificar
todo este aparato da hierarquia social proporcionando-lhe critérios “objetivos”. Aparentemente
esta hierarquia já não refletiria, no momento presente, a divisão de classes da sociedade, mas
unicamente as aptidões e a competência dos indivíduos. Sem dúvida é hábil substituir o latim pela
matemática moderna como instrumento, porém providencialmente o mecanismo aparece algo
menos evidente. Finalmente, o último serviço prestado pela ciência a esta sociedade, assegura a
colocação no palco destes novos jogos de circo com os quais se pretende entreter as multidões e
aliená-las dos problemas sérios: como considerar de outra maneira a corrida à lua e estes robôs
pisando o pó lunar ao preço de milhões e milhões de dólares que representam o suor e o sangue
de milhões de homens a quem se atira, como ração, este espetáculo!

A luz destas observações sobre o verdadeiro papel que tem a ciência, o cientista, o sábio, aparece
como agente destes mecanismos de servidão. Estar ou não consciente das forças a serviço das quais
trabalha, não o escusa de ser seu cúmplice. Com efeito, todas as motivações de uso externo que eu
citei acima, seja do progresso técnico, o destino da humanidade ou, ainda, a ética da ciência pela
ciência, isto tudo não é mais do que hipocrisia frente aos fatos. Na realidade, através da pesquisa,

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como acontece em toda parte, o que inspira os cientistas é a corrida ao poder. Seja no interior da
comunidade científica ou no âmbito da sociedade em geral, é sempre a ideologia de elite a que se
põe em marcha. Uma carreira científica universitária é, atualmente, um comodíssimo trampolim
para determinados postos governamentais. E por que não falar, muito despretensiosamente, das
múltiplas vantagens materiais que os cientistas extraem de sua profissão: a um emprego estável e
salários confortáveis, somam-se em proporções crescentes com sua situação hierárquica, algumas
viagens gratuitas ao estrangeiro (ou mesmo remuneradas, pois os honorários são sempre super
valorizados), alguns benefícios adicionais, às vezes consideráveis (contratos com a indústria, cargos
de conselheiros científicos) e alguns prêmios científicos dignos de ser levados em conta, como o
que hoje me concedem. Por que outro motivo, se não este, teria eu me candidatado?

E agora encontro as respostas às perguntas que coloquei no início. Por acaso não se outorgam
os prêmios científicos àqueles que cumpriram da melhor maneira com o papel que lhes assinala
esta sociedade? São premiados por propagar e manter a ideia de uma ciência politicamente neutra
e socialmente progressista, por acertar e difundir a ideologia de elite e de competição e por ajudar,
assim, a classe dominante a mascarar os mecanismos de exploração e opressão sobre os quais
está fundada esta sociedade. E, naturalmente, quanto mais “puro” e inconsciente é o cientista deste
papel que se lhe atribui, melhor o interpreta e daí o interesse de um sistema de prêmios, consistente
em dinheiro efetivo, em prestígio individual ou em migalhas de poder. Porém, como todo sistema de
seleção, o mecanismo de escolha dos laureados apresenta sérias falhas, e assim, nesta ocasião,
o dinheiro de um prêmio científico ajudará àqueles que querem construir uma sociedade sem
exploração, sem hierarquia e sem prêmios.

Publicado em Les Temps Modernes nº 288. Julho/1970

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ANEXO 2:
Herbert Marcuse

A responsabilidade da ciência*

A proposição que desejo apresentar é a seguinte: a ciência (isto é, o cientista) é responsável


pelo uso que a sociedade faz da ciência; o cientista é responsável pelas consequências sociais da
ciência. Argumentarei que esta proposição não depende para sua validade de quaisquer normas
morais fora e além da ciência, ou de qualquer ponto de vista religioso ou humanitário. Em vez disso,
sugiro que a proposição é ditada pela estrutura interna e o telos da ciência, pelo lugar e função
da ciência na realidade social. Não se trata de duas razões diferentes, uma pertinente à ciência, a
outra externa a ela (sociológica ou política). Elas são essencialmente inter-relacionadas e, nessa
inter-relação, determinam o rumo do progresso científico (e sua regressão!). A ciência está hoje
em uma posição de poder que traduz quase imediatamente avanços puramente científicos em
armas políticas e militares de uso global e eficiente. O fato de que a organização e o controle de
populações inteiras, tanto na paz quanto na guerra, tornou-se, em sentido estrito, um controle e
organização científicos (dos aparelhos domésticos técnicos mais comuns até os mais sofisticados
métodos de formação da opinião pública, da publicidade e da propaganda) une inexoravelmente
a pesquisa e os experimentos científicos com os poderes e planos do establishment econômico,
político e militar. Consequentemente, não existem dois mundos: o mundo da ciência e o mundo da
política (e sua ética), o reino da teoria pura e o reino da prática impura – existe apenas um mundo
no qual a ciência, a política e a ética, a teoria e a prática estão inerentemente ligadas.

À primeira vista, parece que a história contradiz esta proposição, pois com o desenvolvimento
do mundo moderno veio a bifurcação dos domínios que estiveram unidos durante a maior parte da
Idade Média. Além disso, tal separação constituiu uma precondição para que a ciência se libertasse
das normas e valores impostos, uma precondição para o avanço técnico e para a contínua conquista
da natureza e do homem que chamamos de progresso científico. Entretanto, esse fato histórico
foi ultrapassado e a separação que foi uma vez libertadora e progressista tornou-se destrutiva e
repressiva. Ou, em outras palavras, embora a ideia de teoria pura tenha tido em outros tempos uma
função progressista, ela serve agora, contra a intenção do cientista, aos poderes repressivos que
dominam a sociedade. Como isso aconteceu?

A ciência procede de acordo com seus próprios métodos de descoberta, experimentação e


verificação, e de acordo com a lógica de seu próprio desenvolvimento conceitual, sem levar em conta

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o uso social e as consequências de suas descobertas. A intenção do cientista é pura: ele é motivado
pela “pura” curiosidade; busca o conhecimento pela busca do conhecimento. Mas seu trabalho, uma
vez publicado, insere-se no mercado, torna-se mercadoria para ser avaliada pelos compradores e
vendedores em potencial e, em virtude dessa qualidade social, seu trabalho satisfaz necessidades
sociais. Além disso, através de sua relação com as necessidades sociais prevalecentes, o trabalho
do cientista adquire um valor social; seu trabalho incorpora as características das tendências
sociais predominantes e torna-se progressivo ou regressivo, construtivo ou destrutivo, libertador
ou repressivo em termos da proteção e melhoramento da vida humana. Afirma-se porém que o
cientista trabalhando em seu gabinete ou laboratório não pode prever as consequências sociais
de seu trabalho; ele não pode saber antecipadamente se o que está fazendo resultará em um fator
construtivo ou destrutivo na história. Além disso, como a aplicação de suas descobertas fica nas
mãos do engenheiro ou do técnico, e a decisão final cabe ao político (o governo), o problema das
consequências sociais de seu trabalho fica fora de sua alçada, e consequentemente ele não pode
ser moralmente responsabilizado.

Mesmo que aceitemos esse argumento, será que ele justifica a neutralidade e indiferença
morais da ciência? Eu diria que não. O cientista permanece responsável enquanto cientista porque
o desenvolvimento social e a aplicação da ciência determinam, em considerável medida, o posterior
desenvolvimento conceitual interno da ciência. O desenvolvimento teórico da ciência é assim
enviesado em uma direção política específica, e a noção de pureza teórica e neutralidade moral é
assim invalidada.

Dois exemplos podem ajudar a ilustrar este ponto. Comentando o fato de que os recursos
federais para a ciência em faculdades e universidades excedem atualmente 1,3 bilhão de dólares,
e constituem dois terços do total de gastos com pesquisa nessas instituições, Harrison Brown,
professor de geoquímica do Instituto de Tecnologia da Califórnia, diz:

“Como a maior parte dessas verbas provém de agências do governo ‘orientadas por missões’,
os programas de pesquisa serão inevitavelmente adaptados às necessidades da agência em vez
da concepção daquilo que é importante de um ponto de vista puramente científico.”

O senador Fulbright expressa a mesma constatação em termos mais gerais:

“Suspeito que quando uma universidade volta-se muito fortemente para as necessidades
correntes do governo, ela incorpora um pouco a atmosfera de um lugar de negócios, enquanto perde
a de um lugar de estudo. Suponho que as ciências são promovidas às custas das humanidades

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e, dentro das humanidades, a escola behaviorista nas ciências sociais às custas das abordagens
mais tradicionais – e a meu ver mais humanas. De maneira geral, minha expectativa é a de que
um interesse em informações vendáveis pertinentes aos problemas correntes seja enfatizado às
custas de ideias gerais referentes à condição humana”.

Em outras palavras, a pretensa neutralidade da ciência e a indiferença quanto aos valores,


das quais ela se gaba, na verdade promovem o poder de forças externas sobre o desenvolvimento
científico interno.

Defensores da neutralidade científica frequentemente apontam para o fato de que a ciência tem
embutido nela um mecanismo de detecção de erros. Assim, C. P. Snow escreve:

A ciência é um sistema autocorretivo. Isto é, nenhum erro (ou equívoco honesto) ficará sem ser
detectado por muito tempo. Não há necessidade de uma crítica científica externa, pois a crítica é
inerente ao próprio processo, e assim tudo o que uma fraude pode fazer é desperdiçar o tempo dos
cientistas que têm de expô-la.

O problema é que não é a “fraude” que penetra no processo científico, mas tarefas e objetivos
“científicos” perfeitamente legítimos. Ao cientista são dados problemas que estão dentro de sua
competência e interesse como cientista: problemas científicos; acontece que eles são também
problemas de destruição da vida, de guerra química e bacteriológica. Mas se o mecanismo de
autocorreção da ciência não trata desses problemas, a ênfase na natureza autocrítica da ciência
perde muito de sua validade.

Sua própria “indiferença quanto aos valores” torna a ciência cega para o que acontece com a
existência humana. Ou, formulando isso de modo diferente, e um pouco menos caridoso, a ciência
livre de valores promove cegamente certos valores políticos e sociais e, sem abandonar a teoria pura,
a ciência sanciona uma prática estabelecida. O puritanismo da ciência transforma-se em impureza.
E essa dialética levou à situação na qual a ciência (e não apenas a ciência aplicada) colabora na
construção da mais eficiente maquinaria de aniquilamento da história.

Como esta separação de conhecimento e valores, que foi primeiramente progressiva, tornou-se
regressiva? Qual é a relação entre progresso e destruição? Em certo sentido, a própria destruição
é progressiva e libertadora, e a ciência moderna em seus começos era destrutiva nesse sentido
progressista. Ela foi destrutiva do dogmatismo e da superstição medievais, destrutiva da aliança
sagrada entre filosofia e autoridade irracional, destrutiva da justificação teológica da desigualdade

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e da exploração. A ciência moderna desenvolveu-se em conflito com os poderes que se opunham
à liberdade de pensamento; hoje a própria ciência encontra-se em aliança com os poderes que
ameaçam a autonomia humana e frustram a tentativa de realizar uma existência livre e racional.

Quais são as possibilidades de reverter essa tendência? Uma coisa deve ficar clara desde o
começo: não existe a possibilidade de reverter o progresso científico, de um retorno à idade de ouro
da ciência “qualitativa”. Por certo é verdade que uma mudança poderia ser imaginada apenas como
um evento no desenvolvimento da própria ciência, mas tal desenvolvimento científico somente
pode ser esperado como resultado de uma ampla mudança social. O necessário é nada menos
que uma completa transvalorização dos objetivos e necessidades, a transformação das políticas
e instituições repressivas e agressivas. A transformação da ciência é imaginável apenas em um
ambiente transformado; uma nova ciência exigirá um novo clima, em que novos experimentos e
projetos serão sugeridos ao intelecto por novas necessidades sociais. Em seu sentido mais geral,
essa transformação implicaria o desaparecimento das necessidades sociais de produção e produtos
parasitários e desperdiçadores, de defesa agressiva, de competição por status e conformismo, e
exigiria a correspondente liberação das necessidades individuais de paz, alegria e tranquilidade. Em
vez de promover a conquista da natureza, a restauração da natureza; em vez da lua, a terra; em vez
da ocupação do espaço extraterrestre, a criação do espaço interno; em vez da coexistência não tão
tranquila da afluência e da pobreza, a abolição da afluência até que a miséria tenha desaparecido;
em vez de armas e manteiga nas nações superdesenvolvidas, margarina suficiente para todas as
nações. Evidentemente, esta seria a mudança global mais radical que podemos imaginar. O que
podem fazer os cientistas a respeito disso? Aparentemente, nada.

Mas aqui também somos confrontados com uma ilusão, pois o cientista já não é o pesquisador
dissociado e isolado, mas se tornou o esteio das políticas e das instituições estabelecidas. Na
medida em que a economia se torna um sistema tecnológico, a ciência se transforma num fator
decisivo nos processos econômicos da sociedade. Mesmo o trabalho físico torna-se cada vez mais
dependente de fundamentos científicos (tecnológicos). Ao mesmo tempo, a brecha entre ciência
pura e aplicada se estreita; as realizações mais abstratas e formais na lógica e na matemática
traduzem-se em valores muito concretos e materiais (por exemplo, computadores). A ciência
literalmente abastece a economia. Na medida em que a ciência é parte da base da sociedade ela
se torna um poder material, uma força política e econômica, e todo cientista individual é uma parte
desse poder. Assim como o cientista depende do governo e da indústria para o financiamento de sua
pesquisa, também o governo e a indústria dependem do cientista. O cientista individual pode de fato
ser impotente para deter a maré da destruição “científica”, mas pode recusar-se a emprestar suas

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mãos e seu cérebro para a perfeição da destruição, e ele pode denunciar. Com certeza, sua recusa
e seu protesto são apenas expressões individuais, e podem resultar na perda do apoio necessário
para um determinado projeto. Há sempre esse risco. Mas sua recusa pode fazer com que indústria
e governo pensem, e pode encorajar outros a segui-lo. Se estivermos inclinados a desprezar esse
esforço como “meramente negativo”, devemos recordar que muitas vezes no passado o negativo
foi o primeiro passo positivo.

Hoje não há conflito entre a ciência e a sociedade (a sociedade estabelecida); elas impelem-
se reciprocamente na direção estabelecida do progresso, uma direção que parece cada vez mais
perigosa para a humanidade. Mas existe um conflito entre a ciência moderna tal como é praticada
e o telos interno da ciência. A ciência está ameaçada pelos seus próprios progressos, ameaçada
por seu avanço como instrumento de um poder livre de valores, em vez de um instrumento de
conhecimento e verdade. A ciência, como todo pensamento crítico, tem sua origem no esforço de
proteger e melhorar a vida humana em sua luta com a natureza; o telos interno da ciência não é
nada mais que a proteção e o melhoramento da existência humana. Essa tem sido a razão de ser
da ciência, e seu abandono é equivalente à ruptura entre a ciência e a razão. A ciência pode de fato
continuar a crescer, em um sentido limitado, como uma técnica, mas perderá sua própria raison
d’être (razão de ser).

A ciência como um esforço humano continua a ser a mais poderosa arma e o instrumento mais
eficaz na luta por uma existência livre e racional. Esse esforço estende-se para além do estudo, além
do laboratório, além da sala de aula, e visa a criação de um ambiente, tanto social quanto natural,
no qual a existência pode ser libertada de sua união com a morte e a destruição. Tal libertação
não será um objetivo externo ou subproduto da ciência, mas antes a realização da própria ciência.

* Texto revisado da palestra ministrada no Lake Arrowhead Center of the University of California,
Los Angeles (julho de 1966). [Esta tradução foi feita a partir da publicação de The responsibility
of science em Leonard Krieger e Fritz Stern (Org.), The responsibility of power: historical essays in
honor of Hajo Holborn (New York, Doubleday, 1967), p. 439-44.]. Traduzido do original em inglês por
Marilia Mello Pisani. Revisão técnica de Marcos Barbosa de Oliveira.

Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 655-64, 2009. Disponível em: <http://www.scientiaestudia.


org.br/>. Acesso. em: 24 mar 2014.

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