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A.B.E.L.H.A.

Desafios e recomendações para o manejo e transporte de polinizadores

Ayrton Vollet Neto


Betina Blochtein
Blandina Viana
Charles Fernando dos Santos
Cristiano Menezes
Patrícia Nunes Silva
Rodolfo Jaffé
Sérgio Amoedo

Desafios e
recomendações para
o manejo e transporte
de polinizadores
Organizadores

Ayrton Vollet Neto


Cristiano Menezes

Autores

Ayrton Vollet Neto


Betina Blochtein
Blandina Viana
Charles Fernando dos Santos
Cristiano Menezes
Patrícia Nunes Silva
Rodolfo Jaffé
Sérgio Amoedo

Desafios e
recomendações para o
manejo e o transporte
de polinizadores

São Paulo - SP

Associação Brasileira de Estudos das Abelhas

2018
Copyright © 2018 - A.B.E.L.H.A.
Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em


quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos autores.

Organizadores
Ayrton Vollet Neto e Cristiano Menezes

Projeto Gráfico e Capa


Roberto Carvalho

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)


A.B.E.L.H.A. Associação Brasileira de Estudos das Abelhas

Desafios e recomendações para o manejo e o transporte de


polinizadores – São Paulo: A.B.E.L.H.A., 2018.
100 p. :il. color. 21 cm x 28 cm

Inclui bibliografia.
Inclui fotos.
ISBN 978-85-69982-03-6

1. Polinizadores. 2. Abelhas. 3. Agricultura. 4. Conservação.


5. Manejo. I. Menezes, Cristiano. II. Título: Desafios e
recomendações para o manejo e transporte de polinizadores.

CDD 595.799

Primeira Edição - setembro de 2018

Todos os direitos desta edição, reprodução ou tradução, reservados


pela A.B.E.L.H.A. – Associação Brasileira de Estudos das Abelhas.
Rua João Cachoeira, 488 – Vila Nova Conceição
São Paulo – SP – CEP 04535-001 - Tel: (0**11) 3433-6782
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www.abelha.org.br
Organizadores
Ayrton Vollet Neto
Cristiano Menezes

Apoio
A.B.E.L.H.A. Associação Brasileira de Estudos das Abelhas

Autores
Ayrton Vollet Neto
Amazon Conservation Team - Suriname

Betina Blochtein
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Blandina Viana
Universidade Federal da Bahia

Charles Fernando dos Santos


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Cristiano Menezes
Embrapa Amazônia Oriental e Embrapa Meio Ambiente

Patrícia Nunes Silva


University of Guelph

Rodolfo Jaffé
Instituto Tecnológico Vale

Sérgio Amoedo
Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia
Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos
Foto: Cristiano Menezes
SUMÁRIO

7 APRESENTAÇÃO

8 PREFÁCIO

11 Capítulo 1
A relação da agricultura com a
atividade de criação de abelhas

25 Capítulo 2
Endocruzamento em populações
de abelhas sem ferrão

39 Capítulo 3
Influência do transporte de
colmeias sobre a estrutura genética
das populações de abelhas

49 Capítulo 4
Transmissão de parasitas e
patógenos e espécies exóticas

65 Capítulo 5
Criação de abelhas sem ferrão –
uma atividade sustentável

83 Capítulo 6
Propostas para a regulamentação
do manejo e do transporte de
abelhas sem ferrão
APRESENTAÇÃO

Ao longo da ocupação da Terra pela civilização extremamente importante e que deve ser
humana, o homem levou consigo centenas de incentivada, inclusive para incremento da
espécies animais e vegetais para obter alimento produção de alimentos no campo. É, portanto,
ou outros produtos e serviços fornecidos por com grande entusiasmo que a Associação
eles. Essa intensa movimentação de seres vivos Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.)
trouxe grandes benefícios para o estabelecimento apresenta este livro, elaborado por cientistas que
e o progresso de muitas civilizações. Entretanto, atuam no Brasil com base nos conhecimentos
também gerou uma série de transtornos para o científicos disponíveis até o momento.
meio ambiente e para o Homem. Há registros
de milhares de casos de animais e vegetais que A obra discute os desafios mais representativos
se reproduziram descontroladamente onde não do transporte de abelhas, tendo como objetivo
eram nativos após serem transportados pelo buscar formas mais eficientes e seguras para o
homem, intencionalmente ou não. Muitos se bom desenvolvimento da atividade de criação
tornaram pragas agrícolas, outros competiram de abelhas e obter os benefícios do serviço de
vorazmente com espécies nativas, muitas vezes polinização oferecidos por elas. Trata ainda de
causando sua extinção. providências para garantir a sustentabilidade
da atividade e evitar que novos problemas de
No universo das abelhas e dos polinizadores disseminação de doenças e introdução de
não é diferente. No decorrer da história, diversas espécies invasoras ocorram no Brasil.
espécies foram transportadas ao redor do
mundo, promovendo benefícios inquestionáveis,
mas também prejuízos enormes, difíceis de Ana Lúcia Assad
serem calculados. Diretora-Executiva da A.B.E.L.H.A.

Transportar abelhas e polinizadores para obter


seus produtos diretos ou para polinizar as
culturas agrícolas brasileiras é uma atividade

7
PREFÁCIO

Na última década, o assunto sobre a conservação produtos apícolas, mas, recentemente, vem
das abelhas e a importância dos polinizadores se tornando fundamental para a produção
para a agricultura tomou proporções mundiais de determinados alimentos, em virtude da
e acendeu o debate sobre o impacto das polinização agrícola. Atualmente, muitas
atividades do homem sobre o meio ambiente. culturas dependem direta ou indiretamente do
Colocou-se em xeque a sustentabilidade de um deslocamento de colmeias nas proximidades
dos pilares da nossa civilização – a alimentação para assegurar a polinização de suas flores. O
da humanidade. transporte de colônias também ocorre na busca
por floradas para a produção de mel e pólen e
Temos assistido a debates calorosos sobre para criadores que estão iniciando a atividade,
o impacto da agricultura nas populações de em especial com as abelhas sem ferrão.
abelhas e a uma busca intensa para identificar as
causas do problema. Mas toda crise é também Apesar de ser aparentemente inofensivo para
um momento de grande oportunidade para o meio ambiente em curto prazo, o transporte
mudar o direcionamento das nossas ações e é de colmeias pode afetar a estrutura ecológica e
isso que temos observado ao redor do mundo, genética de populações endêmicas de abelhas,
inclusive no Brasil. Instituições governamentais, além de causar efeitos de endocruzamento em
instituições acadêmicas e instituições privadas populações transportadas para fora de sua área
estão empenhadas em encontrar soluções de ocorrência, em longo prazo. Ademais, existem
de curto, médio e longo prazos para mitigar efeitos causados em curto e médio prazos muitas
as consequências negativas da agricultura e vezes negligenciados por serem quase invisíveis,
conservar os polinizadores manejados e silvestres. como a transmissão de parasitas e patógenos,
Certamente essa discussão toda trará benefícios bem como a perda de colônias pouco adaptadas
significativos para a agricultura do futuro. às novas condições ambientais.

A criação de abelhas é uma atividade de Nesse contexto, reunimos, no presente livro,


importante potencial econômico por gerar alguns dos pesquisadores que estudam as

8
abelhas no Brasil para revisar os temas que capítulo, por sua vez, mostramos as vantagens
afetam a vida das abelhas e dos criadores. de criar espécies em seu lugar de origem e
Esperamos contribuir para as tomadas de discutimos o grande potencial que cada região
decisão, tanto por parte das instituições brasileira possui com suas próprias espécies de
envolvidas quanto por parte dos criadores de abelhas. No último capítulo, por fim, discorremos
abelhas e agricultores. Conforme mostramos sobre as regulamentações hoje existentes
ao longo dos capítulos, as decisões tomadas sobre a criação de abelhas no Brasil e fazemos
diariamente por cada pessoa envolvida nesse propostas objetivas para ajudar a pensar nas
assunto podem ter consequências negativas reformulações que estão em andamento no País.
ou positivas significativas na conservação das
abelhas. Portanto, estamos em um momento
muito oportuno para abordar esses temas
porque diversas regulamentações vêm sendo
revisadas ou construídas, juntamente com o
fato de a atividade de criação de abelhas estar
sendo muito difundida no País. Nosso objetivo é
contribuir para embasar as discussões sobre a
relação entre a agricultura, a criação de abelhas
e a conservação ambiental.

Assim, no primeiro capítulo, discutimos a


importância das abelhas para a agricultura e
apresentamos caminhos que o agricultor pode
trilhar para se beneficiar do serviço de polinização
oferecido por elas. O segundo capítulo discorre
sobre os problemas de viabilidade de populações
sujeitas ao endocruzamento por conta da
redução dos habitats e do transporte de abelhas
para fora de suas áreas de ocorrência. Já o
terceiro capítulo apresenta uma visão global
sobre o transporte de abelhas e os efeitos
que essas ações podem ocasionar à estrutura
genética das populações de abelhas manejadas
e silvestres. O quarto capítulo alerta os criadores
sobre os cuidados necessários para evitar a
disseminação de doenças ao redor do mundo,
com base em exemplos do passado. No quinto

9
Foto: Cristiano Menezes
1
A RELAÇÃO DA
AGRICULTURA COM A
ATIVIDADE DE CRIAÇÃO
DE ABELHAS

RESUMO Cristiano Menezes


Embrapa Amazônia Oriental e Embrapa Meio Ambiente
cristiano.menezes@embrapa.br

O crescimento exponencial da população global ocorrido no século passado obrigou a humanidade


a produzir cada vez mais alimentos para atender à crescente demanda. Consequentemente, o
funcionamento da maioria dos ecossistemas terrestres foi alterado, ameaçando a sustentabilidade
da própria agricultura mundial. Além dos clássicos exemplos relacionados aos recursos hídricos e
às mudanças climáticas, há muitas consequências importantes que podem afetar determinados
aspectos dos sistemas de produção agrícola e tornar inviáveis determinados cultivos, como é o
caso da deficiência de polinização. Por causa da redução dos habitats dos polinizadores e de suas
populações naturais, bem como da intensificação das práticas agrícolas, a produtividade dos cultivos
dependentes de polinização foi afetada na maioria dos lugares e os agricultores precisaram recorrer
aos criadores de abelhas para obter boa produtividade. Atualmente, milhões de colônias de abelhas
– de várias espécies, inclusive de abelhas solitárias – são produzidas e transportadas ao redor do
mundo para atender a essa demanda. Apesar de solucionar parcialmente o problema, esse transporte
descontrolado de abelhas também provocou uma série de problemas ambientais. Espécies exóticas
se tornaram invasoras e doenças foram disseminadas ao redor do mundo, agravando ainda mais a
situação. Assim, hoje o mundo está em alerta e em busca por soluções mais sustentáveis. No Brasil,
a dependência de polinizadores igualmente é alta, já que cerca de 85 cultivos são beneficiados por
eles. Muitos também apresentam deficiência de polinização e precisam introduzir abelhas em suas
áreas, como os de maçã e de melão. Neste capítulo, apresentamos o contexto atual da atividade de
criação de abelhas no Brasil e discutimos os caminhos que precisamos trilhar para não recairmos
sobre os mesmos erros cometidos anteriormente ao redor do mundo, com a proposta de soluções
para atender à demanda da agricultura sem prejudicar as populações naturais de abelhas, tanto de
forma imediata quanto em longo prazo.

Palavras-chave: agricultura; polinização agrícola;


transporte de abelhas; meliponicultura; apicultura.

11
percebeu que, se os danos provocados fossem
Expansão da agricultura e
mantidos nos mesmos níveis do século passado,
manutenção dos serviços
a agricultura se tornaria insustentável em longo
ecossistêmicos
prazo em grande parte do globo.
No fim do século 18, o economista britânico
Thomas Malthus provocou uma onda de A Avaliação Ecossistêmica do Milênio, publicada
preocupação mundial que repercute até os pela Organização das Nações Unidas em 2005,
dias de hoje. Ele observou que o aumento na alertou o mundo sobre as consequências das
produção de alimentos elevou o bem-estar mudanças nos ecossistemas para o bem-estar
dos homens, porém apenas temporariamente, da humanidade e apontou caminhos, com
porque também aumentou a população, como base científica, para promover a restauração
consequência. O principal fundamento da sua dos danos. Assim, a preservação ambiental,
hipótese era a previsão de que a população que durante muito tempo foi considerada um
humana cresceria em uma taxa muito maior custo pelos agricultores e pelas nações, já
que a capacidade de produzir alimentos. De começava a ser vista como investimento. Os
fato, o crescimento populacional explodiu nos benefícios que os agricultores e a humanidade
séculos seguintes, conforme ele havia previsto. recebem da natureza direta ou indiretamente
A catástrofe malthusiana, como ficou conhecida por meio dos ecossistemas, chamados de
sua hipótese, só não ocorreu porque a serviços ecossistêmicos, são indispensáveis
humanidade conseguiu ampliar sua capacidade para a sustentabilidade da produção agrícola.
de produção de alimentos acima do previsto. A partir do momento em que esses serviços
são perdidos, mesmo que parcialmente, os
A primeira saída foi a substituição de áreas de custos de produção atingem níveis que muitas
ecossistemas naturais por sistemas de produção vezes inviabilizam o agronegócio, local ou
agrícola e pecuária. Inovações tecnológicas no regionalmente.
campo, como o uso de fertilizantes, técnicas
de correção de solo, irrigação, equipamentos Além dos clássicos exemplos relacionados aos
modernos e controle químico de pragas, recursos hídricos, à ciclagem de nutrientes e às
contribuíram posteriormente para aumentar a mudanças climáticas, há muitos outros serviços
produtividade das áreas. E, mais recentemente, ecossistêmicos que, se perdidos, podem afetar
tecnologias de seleção artificial e engenharia os sistemas de produção agrícola e tornar
genética deram novo impulso à agricultura. inviáveis determinados cultivos. Esse é o caso da
polinização fornecida por milhares de espécies
Dessa forma, o homem conseguiu manter a animais à agricultura. Borboletas, pássaros,
produção de alimentos acima da demanda morcegos, besouros, vespas, formigas, moscas
global, mas as consequências ao meio ambiente e abelhas, entre outros organismos, participam
cresceram de forma proporcional. O mundo de forma importante na produção de alimentos.

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Os serviços de polinização fornecidos por de alertar o mundo sobre a necessidade de
esses animais respondem por cerca de US$ tornar a agricultura mais amigável às abelhas e
235-577 bilhões da produção agrícola mundial aos polinizadores, com grande repercussão.
anualmente. Ou seja, 5-8% de toda a produção
de alimentos no mundo deixaria de existir se Como consequência da enorme pressão mundial
perdêssemos esse serviço (Aizen et al. 2009; que se formou em torno do assunto, o primeiro
Potts et al. 2016). No Brasil, os polinizadores relatório, lançado em 2016 pela Plataforma
animais contribuem com aproximadamente US$ Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços
12 bilhões anuais da produção agrícola, que Ecossistêmicos (IPBES), focou exclusivamente
representa um terço da produção das culturas esse tema, ou seja, Polinizadores, Polinização e
que dependem de polinização animal (Giannini et Produção de Alimentos (IPBES, 2016; Potts et
al. 2015). al. 2016). O relatório, elaborado pelos principais
cientistas do mundo que estudam o tema,
As pressões causadas pela expansão da apresenta uma visão global sobre os problemas
agricultura têm prejudicado a manutenção desse relacionados à sobrevivência dos polinizadores
serviço, que antes era fornecido gratuitamente e aponta soluções que os países devem adotar
pela natureza. As abelhas vêm sendo utilizadas para preservá-los e manejá-los de forma
como “espécie bandeira” sobre a temática segura, em longo prazo. As ações propostas
dos polinizadores na agricultura em função pelo documento e todo esse contexto mundial
da facilidade de criação e manejo de algumas representam uma grande oportunidade para
espécies, bem como de sua representatividade promover mudanças consistentes nos sistemas
como polinizadores importantes da maioria das de produção agrícola e alcançar um equilíbrio
culturas dependentes de polinização. Contudo, com as ações de conservação da biodiversidade
é importante lembrar que há muitos outros do planeta.
polinizadores relevantes além desses insetos,
tanto para a agricultura quanto para as plantas
Dependência de polinização
não cultivadas.
cruzada
Na última década, o tema ganhou destaque na Ao longo da evolução da agricultura, o homem
mídia mundial em função dos altos índices de vem selecionando variedades vegetais que não
perdas de colônias de abelhas melíferas pelos dependem de polinização cruzada, que é a
apicultores na América do Norte e em países transferência de pólen de uma planta para outra.
da Europa e por conta dos prejuízos que esse Por isso, a dependência de polinização varia
fenômeno teria causado à agricultura dessas muito entre as culturas agrícolas e, inclusive, de
nações. Diversas campanhas para a conservação uma variedade para outra da mesma cultura.
das abelhas foram feitas por organizações não
governamentais e por apicultores com o intuito

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Assim, diversos cultivos não dependem de flores ao longo do ano e, por isso, prejudicam
polinização para produzir frutos e não são a sobrevivência de muitas espécies naquele
beneficiados pela polinização cruzada. É o espaço. A redução dos fragmentos florestais
caso do abacaxi e da banana, por exemplo. e dos corredores ecológicos limita as áreas
Outros são polinizados por sistemas abióticos, em que esses animais podem construir seus
como o vento, como ocorre com o milho, com ninhos e causa problemas de endocruzamento.
o trigo e com o arroz. Ou seja, nessas culturas, O uso de defensivos químicos incompatíveis
o aumento na quantidade de polinizadores não com as abelhas e a aplicação desses produtos
eleva a produtividade. durante as floradas tem potencial de diminuir a
população dos polinizadores adultos daquele
Há ainda cultivos que não dependem de ambiente e prejudicar ninhos que estejam
polinização cruzada, mas que se beneficiam próximos. A competição com abelhas exóticas
disso. É o caso do feijão, do pimentão, da soja e e a disseminação de doenças podem afetar a
do café, nos quais há certa produtividade sem a sobrevivência de outras abelhas silvestres que
presença de polinizadores, mas cuja quantidade vivem nos fragmentos florestais próximos.
de frutos ou de sementes ou cuja qualidade dos
frutos produzidos aumentam quando ocorre A falta de polinização nos cultivos altamente
troca de pólen entre as plantas. dependentes é relativamente fácil de perceber
porque afeta drasticamente a produção. Por
Por fim, existem muitas culturas que são isso, os agricultores de tais culturas foram os
altamente dependentes de polinização primeiros a recorrer aos criadores de abelhas
cruzada e se tornam inviáveis sem isso, como para suprir sua necessidade. Produtores de
maracujá, melancia, melão, açaí e maçã, nas maçã e de melão, por exemplo, alugam colmeias
quais a presença de polinizadores animais é de abelhas africanizadas durante a floração
indispensável. Se a natureza não oferecer a porque sabem que, sem elas, não há produção.
quantidade necessária, o produtor precisará
introduzir polinizadores no plantio ou até mesmo Nos outros cultivos beneficiados pela polinização
fazer a polinização manual, que é a transferência animal, mas não dependentes disso para obter
de pólen de uma planta para a outra pelo próprio produção, é mais difícil diagnosticar a deficiência
homem. na polinização. Como diversos outros fatores
podem interferir na produtividade, como a
Deficiência de polinização irrigação, a qualidade do solo, a temperatura e
a variedade genética, é muito complexo isolar
Diversos fatores contribuem para diminuir a
cada um deles para verificar se a deficiência
população e a diversidade de polinizadores
de polinização está afetando a produtividade
nas culturas agrícolas. Grandes áreas de
de determinada cultura. Muitas vezes, só é
monocultura reduzem a disponibilidade de
possível constatar a deficiência após introduzir

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polinizadores artificialmente e avaliar se houve As abelhas precisam de lugar para morar
ou não aumento de produtividade. O fato é que
Os polinizadores precisam de locais específicos
existem poucas informações disponíveis sobre a
para construir seus ninhos. A maior parte das
realidade de campo na maioria desses cultivos.
espécies de abelhas sem ferrão, por exemplo,
necessita de árvores de grande porte porque
Contudo, o próprio produtor também pode
elas constroem seus ninhos no oco dos troncos.
observar o desenvolvimento dos frutos para saber
Além disso, diversas abelhas solitárias e sociais
se está tendo boa produção. Frutos tortos ou
constroem seus ninhos em barrancos ou no
pequenos, aborto de frutos e baixa quantidade
subsolo.
de sementes são sinais que ajudam a identificar o
déficit de polinização.
Assim, aumentar a área de cobertura florestal
ao redor da plantação e plantar árvores que
É importante o agricultor também observar as
oferecem locais de nidificação são medidas
flores de sua cultura para avaliar a quantidade
que contribuem para aumentar a população de
e a diversidade de polinizadores que a visitam.
tais insetos na cultura. Outra solução é oferecer
Não basta apenas uma única espécie de abelha
substratos para nidificação, como orifícios de
– o interessante é ter diversidade. Vários estudos
bambu ou blocos de madeira perfurados.
recentes vêm mostrando que, quanto mais
espécies de polinizadores na plantação, melhor
o desempenho da produção. Isso porque cada As abelhas precisam comer

uma possui diferentes horários de forrageamento,


Muitas vezes, as flores da cultura não bastam
comportamentos distintos e tamanhos e formas
para manter as populações de polinizadores nas
específicas que a complementam no seu papel
áreas ao redor da plantação porque floradas são,
como polinizadores. Além disso, a competição
em geral, concentradas em curtos períodos. A
entre as espécies altera sua dinâmica de visitação
maioria das espécies de abelhas precisa de
nas flores e favorece a polinização cruzada.
alimento ao longo de todo o ano ou, pelo menos,
por períodos longos.
Polinização oferecida pela
natureza Por isso, uma alternativa importante é plantar
flores atrativas que florescem em períodos
Existem diversas soluções que o agricultor
diferentes para alimentar as abelhas silvestres
pode adotar para aumentar a diversidade
quando a cultura não estiver florida. Diversificar
e a abundância de polinizadores em sua
os cultivos na propriedade também colabora
propriedade. A maioria delas requer baixo
para aumentar a oferta de alimento para os
investimento por parte do produtor e pode
polinizadores.
aumentar consideravelmente a produtividade da
lavoura.

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Quadro 1. Dicas para detectar deficiência de polinização em sua cultura agrícola

Em culturas agrícolas cujos frutos possuem uma única semente, como o açaí, o principal sintoma para diagnosticar
déficit de polinização é a baixa quantidade de frutos produzidos. Nas fotos acima, pode-se comparar a produção em
um cacho de açaí que foi bem polinizado (à esquerda) com um cacho mal polinizado (à direita). É normal observar
alguns cachos mal polinizados mesmo em áreas com abundância de polinizadores, mas, caso isso ocorra com alta
frequência, existe a probabilidade de que haja deficiência de polinização. (foto: Cristiano Menezes)

Já em culturas agrícolas cujos frutos apresentam grande quantidade de sementes, como o melão, o principal aspecto
que deve ser observado é o tamanho dos frutos produzidos. Nesses casos, frutos bem polinizados são maiores, mais
pesados, com formato mais uniforme e geralmente mais doces (à esquerda). A ocorrência de frutos pequenos com
baixa quantidade de sementes (à direita) configura um bom indicativo de falta de polinização. (foto: Cristiano Menezes)

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Outro aspecto importante para a detecção de deficiência de polinização é o formato dos frutos produzidos.
No caso do quiabo, por exemplo, frutos bem polinizados são retilíneos e maiores (à esquerda). Frutos mal
polinizados são menores e/ou tortos (à direita). (foto: Cristiano Menezes)

Quando há poucas visitas de abelhas às flores de quiabo, por exemplo, um lado do ovário recebe mais grãos de
pólen que o outro, formando-se mais sementes em um dos lados do fruto do que no outro. Por causa dessa dife-
rença, um lado do fruto cresce mais do que o outro e o quiabo fica torto (à direita). Um quiabo plenamente poliniza-
do possui um número de sementes semelhante em cada lado (à esquerda). (foto: Cristiano Menezes)

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O simples fato de não remover as plantas Polinização assistida
herbáceas das entrelinhas da cultura já ajuda
Em muitas situações, a polinização oferecida pela
a fornecer alimento para os polinizadores e
natureza não basta para obter boa produtividade.
aumentar a diversidade de abelhas na cultura. E,
Isso ocorre quando a quantidade de flores
obviamente, manter áreas de mata próximas à
é extremamente grande e concentrada em
plantação contribui para diversificar o cardápio
curtos períodos ou quando as áreas cultivadas
dos polinizadores, o que é muito importante para
são extensas e distantes das áreas naturais.
as espécies mais generalistas, como as abelhas
Plantações com a paisagem deteriorada ou
sociais.
que não usem práticas agrícolas favoráveis aos
polinizadores geralmente precisam recorrer a
As abelhas precisam sobreviver na área agrícola essa alternativa. Cultivos protegidos em estufa
também precisam introduzir polinizadores
Contudo, não adianta oferecer casa e comida se
dentro das casas de vegetação, já que eles não
as abelhas forem mortas pelas práticas agrícolas
conseguem acessar as flores naturalmente.
do produtor. Cuidados simples no manejo
da área e no controle de pragas favorecem a
Nesses casos, a aquisição de abelhas para
manutenção de um ambiente saudável à vida
introduzir na propriedade durante a floração é um
dos polinizadores.
recurso muito importante e altamente relevante
em nível mundial. Apesar de essa prática ter
Por exemplo, dar preferência a produtos
causado determinados impactos ambientais
químicos compatíveis com as abelhas ou a
negativos, conforme discutimos nos próximos
métodos de controle biológico é um grande
capítulos, ela vem trazendo, por outro lado, muitos
passo para manter a população de polinizadores
benefícios ambientais, pois ajuda a conscientizar
viva dentro da cultura. Caso seja necessário usar
os agricultores sobre o uso indiscriminado de
produtos incompatíveis, é possível optar por
produtos químicos para o controle de pragas
métodos que evitem matar as abelhas, como
(Velthuis e Van Doorn, 2006). Os agricultores
aplicar os produtos à noite ou programar as
que pagam pelo serviço de polinização passam
aplicações para antes ou depois das floradas
a se preocupar imediatamente em como não
matar as abelhas que acabaram de adquirir.
É importante também adotar técnicas que
Dessa forma, a polinização assistida estimula a
evitem a deriva de produtos químicos para as
busca por produtos e métodos para controle de
áreas do entorno da plantação. O produtor pode
pragas mais amigáveis para as abelhas, como o
minimizar esse risco controlando o tamanho da
controle biológico de pragas e o uso de produtos
gota do pulverizador, não aplicando os produtos
químicos compatíveis.
em dias com vento forte e plantando barreiras de
vento ao redor das lavouras.

18
Aluguel de colônias de Apis mellifera sido também usado por produtores de café
no Espírito Santo. O potencial de crescimento
O modelo de polinização assistida mais comum
dessa atividade no Brasil é muito grande porque
é o aluguel de abelhas, adotado inicialmente na
temos diversas culturas de larga escala que
América do Norte e hoje praticado em todo o
poderiam ser beneficiadas por essa prática,
mundo. Agricultores interessados em aumentar a
como algodão, girassol, canola e soja, além
quantidade de abelhas em seus plantios alugam
daquelas de menor escala, mas com produção
as colmeias dos apicultores, que as instalam
de frutos de alto valor agregado, como kiwi,
dentro do plantio durante a floração. Os preços
morango, macadâmia e lichia.
para o aluguel de uma colmeia nos Estados
Unidos variam de US$ 40 a US$ 200 por mês
ou por florada, de acordo com a cultura agrícola Biofábricas e venda de colônias de Bombus

a ser polinizada. Agricultores dos cultivos mais


Outro modelo de polinização assistida foi
dependentes de polinização, como amêndoas,
desenvolvido na Europa durante a década de 80
pagam mais caro do que os de culturas que são
para a criação e a venda de colônias de Bombus,
menos beneficiadas pela polinização, como a
principalmente da espécie B. terrestris. As
alfafa.
abelhas são produzidas em verdadeiras fábricas,
com altíssima capacidade de produção. Uma
Há contratos bem estabelecidos entre as
única fábrica chega a produzir 900 mil colônias
partes que definem as condições das colônias
por ano.
a ser alugadas, bem como os cuidados que
o agricultor deve adotar para não prejudicar
O sistema de comercialização é distinto porque
as colmeias alugadas. Os contratos também
o ciclo biológico dessas espécies é diferente das
preveem possíveis indenizações ao apicultor
colônias de Apis mellifera. Elas não são perenes,
caso suas abelhas morram devido a práticas
ou seja, as colônias morrem depois de algumas
agrícolas inadequadas do agricultor.
semanas por causa de seu ciclo biológico
natural. Por isso, o agricultor precisa comprar
Os apicultores migram suas colônias de norte
as colônias, e não alugá-las, como no modelo
a sul, de acordo com demanda, calendário de
anterior. Atualmente, o valor dessas colônias
floração e variações climáticas. Eventualmente,
gira em torno de US$ 20 a US$ 30 a unidade.
estacionam suas abelhas em áreas de descanso
Em culturas de ciclo de floração longo, como
para manutenção e alimentação, revisão das
tomate, o agricultor precisa adquirir colônias
colmeias e controle de parasitas e doenças.
com certa frequência para manter a abundância
de polinizadores alta ao longo de toda a floração.
No Brasil, esse modelo é adotado principalmente
Há, hoje, biofábricas de abelhas Bombus em
para atender à polinização de maçã no Sul e
vários países, inclusive no continente americano.
de melão no Nordeste. Recentemente, tem

19
O Brasil possui espécies do gênero Bombus com fêmeas se reproduzem apenas uma vez por
ciclo biológico diferente das espécies de clima ano e só estão ativas durante um período curto,
temperado. São mais populosas e bem mais morrendo depois de construir alguns ninhos e
agressivas, além de possuírem ninhos perenes. botar seus ovos.
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que não
era possível criá-las em escala comercial, porém
Abelhas sem ferrão na polinização de culturas
avanços recentes nas técnicas de criação
mostram um cenário otimista para seu uso na As abelhas sem ferrão têm grande potencial
polinização agrícola. para a polinização agrícola. São sociais, formam
colônias perenes e populosas e não representam
Captura e venda de abelhas solitárias riscos à saúde humana. Somam cerca de 600
espécies no mundo, distribuídas pelas regiões
Outro grupo produzido em escala comercial tropicais e subtropicais do globo. O Brasil é o país
é o das abelhas solitárias, que não formam com a maior diversidade, tendo cerca de 240
colônias – as fêmeas vivem sozinhas ou em espécies descritas. Muitas já podem ser criadas
pequenos grupos de fêmeas, mas cada uma em caixas e são facilmente multiplicadas, sem
constrói seu próprio ninho. Elas representam necessidade de recorrer aos estoques naturais
a maior diversidade de abelhas, com cerca de para ampliar os plantéis.
20 mil espécies reconhecidas, e configuram
importantes visitantes florais de diversas espécies A grande diversidade de características
economicamente importantes. O principal morfológicas e comportamentais desse grupo
modelo de produção existente é a captura por abre um enorme leque de opções para seu uso
meio de ninhos-armadilha e posterior venda dos em escala comercial. Por exemplo, as espécies
ninhos ocupados. A produção comercial desses de pequeno porte, com menos de 2 mm, são mais
polinizadores em larga escala já ocorre nos fáceis de direcionar para a cultura-alvo porque
Estados Unidos e em países da Europa, porém possuem raio de voo limitado. Por isso, são
ainda não existe no Brasil. interessantes para culturas pouco atrativas para
abelhas. Já as espécies de grande porte, como
Criadores dessas abelhas espalham tubinhos de as do gênero Melipona, são interessantes para
bambu ou de papelão pelo ambiente e, quando polinizar culturas que precisam de polinização
os ninhos estão preenchidos com células por vibração, como tomate e berinjela.
de cria, recolhem-nos e vendem-nos para
agricultores com interesse em polinização. Em Apesar de ainda ser incipiente, o emprego dessas
alguns lugares, esses insetos são criados dentro abelhas para polinização começa a se tornar
de estufas, onde são plantadas flores de que realidade nas áreas tropicais e subtropicais do
eles gostam e ofertados locais de nidificação. mundo. Produtores de mirtilo e de macadâmia
Geralmente, possuem ciclo anual, ou seja, as na Austrália alugam ou compram colmeias

20
de Tetragonula carbonaria para melhorar sua para ter bom desempenho produtivo, por
produtividade. Na Indonésia e na Tailândia, isso os meliponicultores contribuem muito
produtores de manga têm utilizado a espécie para o reflorestamento de áreas degradadas,
T. fuscobalteata. No Brasil, a utilização desse para o plantio de árvores e para atividades
recurso é ainda embrionária, mas já começa a conservacionistas. O crescimento dessa
despertar interesse em produtores de morango prática, por outro lado, também tem gerado
e tomate nas Regiões Sul e Sudeste e em consequências negativas para o meio ambiente,
produtores de açaí na Região Norte. como a retirada excessiva de ninhos naturais
e, como tratamos adiante, o transporte
Atualmente, há um grande esforço de pesquisa indiscriminado de tais abelhas para regiões onde
para o desenvolvimento tecnológico da criação e não ocorrem naturalmente.
para a divulgação do conhecimento sobre esses
insetos e de sua importância como polinizadores.
Conclusão
Já são conhecidas diversas culturas agrícolas
que se beneficiam das abelhas, como tomate, A criação e o manejo de polinizadores é
café, morango e açaí, e gradativamente esse uma prática necessária para aumentar a
conhecimento tem sido ampliado (Heard, 1999; produtividade da agricultura e pode gerar muitos
Nunes e Freitas, 2012). Apesar disso, o uso benefícios econômicos e ambientais. Contudo,
em escala comercial ainda esbarra na falta de o transporte indiscriminado de polinizadores
colmeias. pode causar problemas ambientais graves e
muitas vezes irreversíveis. Diversas espécies
Esse cenário está mudando pouco a pouco. foram introduzidas em locais de onde não são
O Brasil é pioneiro nas tecnologias de criação nativas e causaram impactos negativos para as
dessas abelhas e, após décadas de pesquisa populações de abelhas silvestres e manejadas.
científica, a meliponicultura, nome dado à Por isso, nos próximos capítulos, abordamos
atividade de criação das abelhas, tornou-se assuntos específicos relacionados ao transporte
amplamente difundida em todas as regiões de abelhas com o objetivo de conscientizar
do País. Os maiores criadores dedicam-se tomadores de decisão e subsidiá-los com
primordialmente à produção de mel, um produto informações cientificamente embasadas sobre
com alto valor agregado, mas, nos últimos anos, as diversas consequências dessa prática.
têm se expandido para outras finalidades, como Damos enfoque especial às abelhas sem ferrão,
animais de estimação, lazer e conservação. mas também lançamos um olhar sobre o que
já aconteceu em outros grupos de abelhas ao
A expansão dessa atividade é bem-vista porque redor do mundo.
estimula a conservação das espécies de abelhas
criadas, bem como da natureza como um todo. Apesar de bastante polêmicas, as discussões
Os criadores dependem de áreas conservadas atuais sobre o papel dos polinizadores e sua

21
situação atual no mundo vão gerar impactos
muito positivos na produção de alimentos
e na agricultura do futuro. Este livro busca
incrementar esse debate, focando, em particular,
as consequências do transporte das abelhas
para o meio ambiente, para a agricultura e
para a atividade de criação desses insetos. As
discussões propostas aqui permitirão melhorar a
produtividade da agricultura brasileira, ajudar a
manutenção de populações de abelhas silvestres,
gerar renda para os criadores de polinizadores,
estimular o uso correto de defensivos químicos e
ainda gerar divisas para o agronegócio brasileiro.

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22
Foto: Ayrton Vollet Neto

23
Foto: Cristiano Menezes

24
2
RESUMO
ENDOCRUZAMENTO
EM POPULAÇÕES DE
ABELHAS SEM FERRÃO

Ayrton Vollet Neto


Universidade de São Paulo
ayrtonvollet@gmail.com

A perda e a fragmentação de habitats, bastante comuns em sistemas de agricultura intensiva ao


redor do mundo, provocam a redução do tamanho de populações de animais e plantas dessas áreas.
Pequenas populações de todos os seres vivos sexuados estão sujeitas aos efeitos deletérios do
endocruzamento, causado pela perda de diversidade genética, o que resulta na extinção de diversas
espécies de tais fragmentos. As abelhas são insetos de grande importância nesses fragmentos, visto
que contribuem para sua manutenção por meio da polinização da maior parte da vegetação nativa,
bem como polinizam culturas economicamente relevantes nas áreas adjacentes. As consequências
do endocruzamento são particularmente mais severas para as abelhas, bem como para as formigas e
as vespas, insetos da ordem Hymenoptera. Além dos efeitos usuais, o endocruzamento afeta esses
insetos em outro nível, devido ao seu sistema de determinação sexual. Fêmeas que se acasalam com
machos aparentados ou que possuem os genes de determinação sexual similares aos seus podem
produzir uma prole de machos inférteis ou inviáveis, os chamados machos diploides. Tal fenômeno tem
potencial de aumentar significativamente o risco de extinção de espécies, em especial em populações
pequenas. Para a criação de abelhas sem ferrão, particularmente, a produção de machos diploides é
um importante fator a considerar. Plantéis de abelhas criadas fora de sua área de ocorrência natural
estão sujeitos a altas taxas de produção de machos diploides, capazes de inviabilizar a criação em
alguns casos. Algumas alternativas que podem amenizar os efeitos do endocruzamento e da produção
de machos diploides em populações naturais e manejadas de abelhas sem ferrão incluem a criação de
espécies dentro de sua área de ocorrência natural e a restauração e o aumento da área de fragmentos
florestais em paisagens rurais.

Palavras-chave: machos diploides; riscos de


extinção; fragmentação de populações.

25
Glossário
• Acasalamento pareado: acasalamento indivíduos haploides tornam-se machos e
entre uma rainha e um macho que os diploides tornam-se fêmeas.
compartilham os mesmos alelos que
determinam o sexo. • Homozigoto: célula ou indivíduo diploide
que contêm dois alelos iguais para
• Diploide: célula ou organismo que contêm determinado gene.
duas cópias de cada cromossomo,
os cromossomos homólogos. • Heterozigoto: célula ou indivíduo diploide
Consequentemente, apresentam duas que contêm dois alelos diferentes para
cópias de cada gene. determinado gene.

• Endocruzamento: acasalamento de • Macho diploide: no contexto deste livro,


indivíduos geneticamente próximos ou refere-se a um indivíduo diploide da
relacionados. ordem Hymenoptera, que normalmente
originaria uma fêmea, mas que, devido
• Gene: menor unidade do DNA que à combinação de dois alelos similares
codifica uma proteína. Assim, o gene no gene para determinação sexual, dá
determina alguma característica em um origem a um macho. A morfologia e a
organismo quando codificado em proteína fisiologia dos machos diploides variam
(expresso). de acordo com a espécie. Em geral, são
morfologicamente muito similares aos
• Genes de determinação sexual: aqueles machos haploides, porém apresentam
que controlam o desenvolvimento de pouca viabilidade (morrem antes de
características sexuais (macho ou fêmea) tornarem-se adultos) e são inférteis (não
de um organismo. produzem espermatozoides viáveis).

• Haploide: célula ou organismo que contêm • Plantel: conjunto de animais selecionados


apenas uma cópia de cada cromossomo. para procriação.
Consequentemente, apresentam apenas
uma cópia de cada gene.

• Haplodiploide: sistema de determinação


do sexo de insetos da ordem
Hymenoptera, no qual, em geral, os

26
comum à maioria das espécies é a supressão da
Os efeitos do endocruzamento
diversidade de alelos – as diferentes variações
em abelhas
de um determinado gene (quadro 1). Isso
A perda e a fragmentação de habitats devido pode gerar um acúmulo de alelos prejudiciais
ao desmatamento e à agricultura intensiva em homozigosidade nos indivíduos de uma
constituem uma das maiores ameaças à população. Em outras palavras, aumentam as
conservação da biodiversidade. A diminuição chances de que dois alelos prejudicias iguais
do território causa a redução do número se combinem em um indivíduo. Além disso,
de indivíduos que formam as populações gradualmente a variabilidade na composição
das espécies de um fragmento. Uma área genética de uma população se perde, o que
reduzida determina uma quantidade menor de diminui a capacidade dos indivíduos de enfrentar
potenciais parceiros de acasalamento. Dessa variações do ambiente em longo prazo.
forma, pequenas populações de animais e
plantas sexuados tendem a sofrer efeitos do As abelhas estão sujeitas a vários desses
endocruzamento, isto é, do cruzamento entre efeitos do endocruzamento, que acometem
indivíduos aparentados durante várias gerações. os organismos sexuados em geral e podem
Ocasionados pela perda de diversidade prejudicar pequenas populações. No entanto,
genética que a simples diminuição da população além dos tradicionais efeitos, o endocruzamento
acarreta, esses efeitos são diversos e atingem causa uma consequência deletéria ainda maior
as diferentes espécies de seres vivos, com nesses insetos, por conta da produção de
intensidades e formas variáveis. Um efeito machos diploides (Zayed & Parker 2005). Para

Quadro 1. O que são alelos?

A compreensão do conceito de alelo é de fundamental importância para o entendimento dos efeitos


do endocruzamento e da produção de machos diploides. Os genes controlam o desenvolvimento de
características específicas, como a cor da pelagem em coelhos. Existem várias formas distintas de um
gene, que resultam em cor de pelos diferentes. Um dado gene simbolizado pela letra “A” dá origem a
pelos castanhos, enquanto o gene simbolizado pela letra “B” dá origem a pelos brancos. Essas variações
e formas alternativas de um gene são os alelos. No caso acima, identificamos dois alelos para cor de
pelagem.

Em geral, um único gene controla a determinação do sexo das abelhas – e sabemos que existem vários
alelos para esse gene. O macho é haploide, ou seja, possui um único alelo para cada um de seus genes.
Já a fêmea é diploide – assim como nós, os seres humanos – e possui dois alelos para cada um de seus
genes. Como descrevemos a seguir, nas abelhas existem indivíduos diploides machos e, nesses casos, os
dois alelos sexuais desses indivíduos são idênticos.

27
compreender tal fenômeno, é fundamental
entender primeiro como se dá a determinação
de sexo nas abelhas, ou seja, porque uma
abelha nasce macho ou fêmea.

O sistema de determinação de sexo nas abelhas


é peculiar. O fato mais impressionante ocorre
com os machos: eles não têm pai. E não é que
sejam órfãos, já que os machos morrem ao
se acasalar com as rainhas, deixando, assim,
todas as suas filhas órfãs de pai. Um macho Figura 1. Situação mais frequente na natureza, em que
literalmente não tem pai porque o óvulo do a rainha se acasala com um macho com um alelo sexual
diferente do dela (representado pelas cores e letras
qual ele é proveniente não foi fertilizado por
dos óvulos/espermatozoides). Neste caso, todos os
um espermatozoide (figura 1). Dessa forma, indivíduos diploides possuem alelos sexuais diferentes (o
ele possui informações genéticas herdadas que dá origem a fêmeas – operárias ou outras rainhas).

apenas de sua mãe. As fêmeas, por sua vez,


provêm de ovos fertilizados, que contêm,
portanto, informações genéticas provenientes trabalham em um sistema complementar.
de sua mãe e de seu pai. Esse sistema leva a Quando está sozinho, o gene de determinação
outra característica fantástica das abelhas: as de sexo ativa uma cascata de outros genes
fêmeas possuem o controle de determinar o que origina um macho. Quando estão em
sexo da prole. Isso é possível porque as fêmeas dose dupla, esses genes desencadeiam uma
reprodutivas, que, no caso das abelhas sociais, cascata de genes que origina uma fêmea. Esse
são as rainhas, possuem um órgão no qual sistema de determinação de sexo é chamado de
estocam os espermatozoides ao longo de sua haplodiploide. A denominação traz informações
vida: a espermateca, que se assemelha a um que facilitam o entendimento: haploide (do grego
pequeno saco em que os gametas são mantidos haplós, simples ou único) é o nome que se dá a
vivos e viáveis por anos. Desse modo, quando organismos ou células que possuem apenas um
um óvulo é fertilizado por um espermatozoide, conjunto do material genético de sua espécie,
origina-se uma fêmea. Quando o óvulo não é enquanto diploide (do grego diplóos, duplo)
fertilizado, origina-se um macho (figura 1). se refere ao dobro de material. Assim, o haplo
designa a formação de machos e o diplo, a
Em nível genético, o que ocorre é que tanto formação de fêmeas.
espermatozoides quanto óvulos possuem
uma informação neutra em relação ao sexo Os machos diploides são aqueles que, em
a que darão origem, pois nenhum determina vez de apresentarem a quantidade de material
especificamente nada sozinho, mas, na verdade, genético que daria origem a um macho haploide

28
“normal”, possuem o dobro, o mesmo que
uma fêmea. Ou seja, o óvulo é fecundado por
um espermatozoide e, então, os indivíduos são
realmente diploides e, no lugar de uma fêmea,
desenvolve-se um macho. Esse fenômeno
ajudou os cientistas a desvendar o sistema de
determinação de sexo nas abelhas, formigas e
vespas: para dar origem a uma fêmea, além de
um indivíduo ter os alelos para determinação de
sexo em dobro, é necessário que o organismo
apresente esses alelos diferentes um do outro. Figura 2. Situação menos comum na natureza, em que
A vespa parasitoide Habrobracon hebetor foi a rainha se acasala com um macho com o mesmo alelo
sexual que o dela (representado pelas cores e letras
o modelo biológico usado na descoberta de
dos óvulos/espermatozoides). Neste caso, metade dos
tal fenômeno. Em 1943, Whiting verificou que, indivíduos diploides possui alelos sexuais diferentes
sob condições de endocruzamento, o número (o que origina fêmeas – operárias e outras rainhas) e a
outra metade possui alelos sexuais iguais (o que origina
de machos na prole começou a aumentar. Por machos diploides).
meio da contagem do número de cromossomos
nas células, ele concluiu que os machos eram
diploides. Dessa forma, machos tinham a cria infértil, de forma que não contribuem para
mesma quantidade de cromossomos que as a “força reprodutiva” da colônia, e, além disso,
fêmeas, quando deveriam possuir a metade. desenvolvem-se a partir de óvulos fertilizados por
Análises dos cruzamentos e da prole indicaram um espermatozoide, os quais, supostamente,
que um único locus gênico, ou seja, um único dariam origem a fêmeas, que constituem a força
gene, era responsável pelo fenômeno: quando de trabalho de uma colônia. Para entender esses
possui dois alelos diferentes (em heterozigose), dois efeitos dos machos diploides nas colônias,
desenvolve-se uma fêmea e, quando os alelos é importante compreender o papel dos machos
são iguais (em homozigose), desenvolve-se um haploides nas abelhas sociais. Os machos são
macho diploide. Por sua vez, quando esse alelo veículos dos espermatozoides de uma colônia.
sexual está sozinho (em hemizigose), o indivíduo Se algum deles consegue se acasalar, o sucesso
desenvolvido é um macho haploide (figura 2). reprodutivo de sua mãe será enorme, já que, na
população, existem muito mais machos do que
Os machos diploides em abelhas sociais rainhas. Assim, a primeira consequência pode
ser compreendida: os machos diploides não
Duas consequências da produção de machos contribuem para as atividades reprodutivas,
diploides fazem deles grandes “vilões” para já que normalmente são estéreis ou produzem
a sobrevivência de uma colônia de abelhas cria inviável, de modo que nem sequer
sociais: em geral, são inférteis ou produzem

29
cumprem a função de um macho normal, que investimento, inclusive os recursos alimentares
é fertilizar uma rainha. que a larva ingeriu durante seu desenvolvimento,
o tempo e o esforço de trabalho das operárias
Para compreender a segunda consequência, é adultas na construção, no cuidado e no
necessário analisar o papel das operárias e dos aquecimento da célula de cria e mais recursos
machos na colônia. As operárias desempenham quando esse macho se alimenta após emergir.
importantes e diferentes tarefas no ninho: elas
são responsáveis pela coleta de alimento nas Nem toda a cria de uma rainha que se acasala
flores, pela manutenção da temperatura para com um macho com o mesmo alelo sexual será
o desenvolvimento da cria, pela construção de de machos diploides. A rainha sempre tem dois
células de cria, pela limpeza, pela defesa, etc. alelos sexuais diferentes, já que é uma fêmea
Diferentemente das operárias, os machos têm e deve ser, portanto, diploide e possuir alelos
apenas a função reprodutiva e não contribuem distintos, pois, se fossem iguais, ela seria um
nessas atividades de manutenção da colônia. macho diploide. Caso se acasale com um macho
Pelo contrário, são bastante “custosos”, pois com o mesmo alelo sexual, apenas um desses
consomem recursos ao ser produzidos, já alelos vai ser igual, já que o macho é haploide e
que ingerem a mesma quantidade de alimento tem apenas um alelo sexual (figura 2). Se uma
larval depositado numa célula de cria de uma rainha com dois alelos diferentes, representados
operária. Além disso, após emergirem adultos pelas letras A e B, se acasala com um macho que
de suas células de cria, alimentam-se durante possui o alelo sexual B, metade dos óvulos vai
os dias em que permanecem no ninho, antes conter o alelo A e a outra metade, o alelo B. Isso
de deixá-lo, enquanto ainda não atingiram a ocorre porque, durante a formação dos óvulos
maturidade sexual. das rainhas, apenas metade dos genes vai para
um único óvulo, ou seja, ou o alelo A ou o B
Portanto, a fertilização de um óvulo pela rainha estarão presentes. Todos eles vão ser fertilizados
tem, como finalidade, produzir uma fêmea, pelo espermatozoide com o alelo B do macho.
que, na maioria das vezes, será uma operária. Consequentemente, de forma aleatória, metade
É normal que, entre as abelhas sociais, haja um da cria diploide será de fêmeas (AB) e a outra
investimento muito maior em operárias, pois elas metade, de machos diploides (BB) (figura 2).
são necessárias em maior número para manter
uma colônia. Assim, cada operária produzida Nas abelhas melíferas, o efeito dos machos
compensa, posteriormente, todo o investimento diploides diminui devido ao fato de elas se
que recebeu por meio de seu esforço de acasalarem com vários machos, o que, apesar
trabalho, visto que realiza todas as tarefas de aumentar a chance de acasalamento com
mencionadas anteriormente. Entretanto, quando um macho com o mesmo alelo sexual, reduz
um macho diploide se desenvolve no lugar de a proporção de machos diploides na cria,
uma “suposta” operária, a colônia perde todo o pois os espermatozoides se misturam dentro

30
Figura 3. Operárias e rainha de Scaptotrigona depilis inspecionam uma célula de cria aberta contendo alimento larval,
na qual ela irá realizar a postura de um ovo. O desenvolvimento desse ovo resultará em uma fêmea, se fertilizado
(indivíduo diploide, 2n), ou em um macho, se não fertilizado (haploide, n). (foto: Ayrton Vollet-Neto)

da espermateca das rainhas e elas acabam com um macho com o mesmo alelo sexual, a
fertilizando seus óvulos com espermatozoides proporção de fêmeas e de machos diploides
de machos variados. Além disso, as operárias na cria da rainha será, na média, igual (ou
de Apis mellifera reconhecem larvas de machos seja, de uma fêmea para um macho diploide).
diploides por meio da composição química de Por meio da proporção de machos na cria, é
suas cutículas quando eles ainda são bem possível identificar se uma colônia de abelhas
jovens. Após o reconhecimento, essas larvas são sem ferrão está produzindo machos diploides.
mortas, o que evita o desperdício de recursos ao Ao desopercular cerca de 30 células de cria,
alimentá-las. Dessa forma, as abelhas melíferas ou seja, abrir e retirar a camada superior
possuem vários recursos para lidar com os dessas células, escolhidas ao acaso de um
machos diploides. favo com abelhas prestes a emergir, verifica-
se a proporção de fêmeas e machos. Se for de
Nas abelhas sem ferrão (figura 3), em geral 1:1, ou seja, o mesmo número de fêmeas e de
a rainha se acasala com um único macho. machos, a chance de serem diploides é muito
O espermatozoide dele fica armazenado na alta (figura 4). Quanto mais células de cria forem
espermateca e é usado gradualmente ao longo verificadas, mais contundente a conclusão.
de sua vida. No caso de um acasalamento

31
Figura 4. Favo de cria em que as células contendo pupas foram abertas com ajuda de uma pinça fina. As pupas
marcadas em azul são machos. É possível identificá-los por conta de seus olhos próximos um do outro e maiores ou
mais globosos que os das operárias. (foto: Ayrton Vollet-Neto)

Portanto, em uma colônia de abelhas sem ferrão fim dessa história, intuitivamente, seria a morte
na qual a rainha produz machos diploides, cerca da colônia. A história, porém, não é bem assim,
de metade dos indivíduos que supostamente como mostrado a seguir.
seriam operárias se desenvolve como machos
diploides. Assim, há uma redução drástica da
Consequências dos machos diploides para as
população colonial, com muito menos operárias
abelhas sem ferrão e para a meliponicultura
para coletar pólen e néctar nas flores, construir
células de cria, defender o ninho e regular a Um fenômeno muito interessante foi
temperatura. Consequentemente, todas essas observado em algumas espécies de abelhas
tarefas ficam comprometidas e a colônia cresce sem ferrão em que as rainhas se acasalaram
em uma velocidade muito menor do que uma com machos que compartilham o mesmo alelo
colônia que não produz machos diploides. O sexual. Em Melipona quadrifasciata (mandaçaia;

32
Camargo, 1979), M. scutellaris (uruçu outra metade é composta de machos diploides
nordestina; Alves, et al. 2011) e Scaptotrigona –, a colônia permanece órfã e, portanto, sem a
depilis (mandaguari, Vollet-Neto et al. 2017), produção de novas abelhas até que uma nova
já foi verificado que as rainhas que produzem rainha inicie a postura de ovos, o que diminui
machos diploides morrem de modo precoce, consideravelmente sua população. Se isso
supostamente mortas pelas operárias. Até o ocorre em uma época desfavorável, como seca
momento, pouco se sabe sobre os mecanismos e/ou inverno, a chance de que a colônia morra é
que atuam nesse comportamento, que é muito alta. Se não morrer, fica bastante comprometida,
complexo. Contudo, já foi verificado que, em o que impede qualquer tipo de manejo para
S. depilis, o sinal não está na rainha, mas na divisão ou para produção de mel.
emergência dos machos diploides, pois rainhas
que não estavam produzindo machos diploides Outra complicação que pode existir é a nova
foram mortas quando colocadas em colônias na rainha se acasalar com um macho com o mesmo
presença dos machos diploides. Nessa espécie, alelo sexual e novamente produzir machos
as rainhas morrem cerca de 10 a 20 dias depois diploides. Se isso ocorrer, muito provavelmente
de esses machos começarem a emergir. Tal a colônia já estará bastante debilitada em termos
comportamento pode estar relacionado a sinais populacionais e de recursos, o que reduziria suas
químicos que diferenciam os machos haploides chances de sobrevivência. Em uma população
dos diploides e que poderiam ser percebidos natural saudável, essa situação não é comum,
pelas operárias (Vollet-Neto et al. 2017). A morte pois, como há muitos ninhos na área espera-se
da rainha possibilita que uma nova rainha, filha encontrar uma alta diversidade de alelos sexuais
da anterior, tenha a chance de se acasalar com e, consequentemente, uma baixa chance de
um macho que não compartilhe o mesmo alelo acasalamentos com machos com o mesmo alelo
sexual que ela. Dessa forma, em teoria, a colônia sexual. Mas o que acontece, na prática, é que
continuaria a prosperar, provavelmente com uma as matas nativas que abrigam as populações
rainha que se acasalou com um macho com naturais estão fragmentadas em grande partes
alelo sexual diferente do seu. do território nacional. Com a diminuição do
número de ninhos nas matas, a diversidade
No entanto, diversos fatores atuam nesse sistema genética também se reduz consideravelmente.
e não foram analisados sistematicamente em As chances de uma rainha se acasalar com um
uma investigação científica, de forma que ainda macho com o mesmo alelo sexual dependem da
não é sabido qual o sucesso das colônias que quantidade de alelos sexuais em determinada
tiveram suas rainhas mortas. Após a morte da população. Esse número está altamente
rainha e o acasalamento de sua filha com um relacionado com o tamanho da população,
novo macho, a manutenção da colônia sofre uma vez que as populações pequenas acabam
impactos por muitos dias. Além da sua população perdendo a variedade dos alelos sexuais de
de operárias estar quase pela metade – já que a forma aleatória, simplesmente pelo fato de que

33
os alelos precisam estar presentes nas rainhas Esse problema não é incomum e pode afetar
e nos machos reprodutivos. Quanto menor todos os meliponicultores, mesmo os que
o número de rainhas e machos, menor é a criam espécies dentro de sua área natural de
variedade de alelos sexuais diferentes. ocorrência. Revisar as colônias com rainhas
recém-fecundadas, a fim de encontrar alguma
No entanto, o problema mais comum de pista para a ocorrência de machos diploides,
produção de machos diploides se observa nas pode contribuir para saber a frequência de seu
tentativas de criação de espécies não nativas na aparecimento e para tentar auxiliar as colônias
região. Quando uma população de abelhas sem nessa situação, que enfraquecem bastante. É
ferrão é introduzida em um local onde não existia importante observar que esse enfraquecimento
previamente, a diversidade de alelos sexuais se dá apenas em divisões recentes, já que
é exatamente a que continham as colônias a rainha é nova e realizou um acasalamento
fundadoras. Ou seja, se uma população é recentemente, ou em colônias já antigas, mas
fundada com apenas três colônias, a diversidade que tiveram a rainha substituída. Portanto,
máxima de alelos sexuais é de nove alelos convém marcar as rainhas para saber sua
diferentes. Isso porque cada rainha possui idade. Uma forma muito prática de fazer essa
dois alelos sexuais diferentes, já que ela é uma marcação é cortar a ponta das asas. Rainhas
fêmea, mais um alelo sexual do macho com o jovens possuirão as asas inteiras, de forma que
qual se acasalou, contido nos espermatozoides será possível perceber a substituição da rainha.
armazenados em sua espermateca. Então,
se assumirmos que todos eles são diferentes Ao se deparar com uma colônia com a presença
entre as rainhas, essa nova população terá, de muitos machos, deve-se avaliar a cria prestes
no máximo, um total de nove alelos diferentes. a emergir, ou seja, os favos mais antigos. As
Contudo, pode ser que esse número seja menor, células de cria podem ser desoperculadas com
já que há probabilidade de as rainhas dos a ajuda de uma pinça fina ou alfinete e o sexo
diferentes ninhos compartilharem alguns alelos das pupas pode ser determinado (figura 4).
sexuais. Nessa situação hipotética de nove alelos Machos das abelhas sem ferrão possuem a
sexuais, a chance de um acasalamento pareado cabeça ligeiramente menor e os olhos saltados
é de cerca de 22%! Ou seja, a cada cinco e maiores do que os das operárias. Um grande
acasalamentos, um será entre rainhas e machos número de machos vai indicar a produção de
que compartilham o mesmo alelo sexual. Isso machos diploides. O principal manejo, nessa
pode ser traduzido da seguinte forma: a cada situação, é aumentar a população da colônia.
cinco divisões que um meliponicultor faz, uma Isso deve ser feito por meio da introdução de
será malsucedida apenas em razão da produção favos com abelhas prestes a emergir, que devem
de machos diploides. vir de outras colônias mais saudáveis da mesma
população mantida pelo próprio meliponicultor.
Também é importante manter a alimentação

34
artificial regular das colônias nessa situação, bem evitar a produção de machos diploides é criar
como um pasto apícola com diferentes espécies espécies nativas da região onde o meliponário
de plantas com flores. está instalado, o que proporciona fluxo gênico
entre as colônias manejadas e as colônias da
Tentativas de determinar o número mínimo natureza por intermédio dos machos. Ou seja,
de colônias que suportam uma população aqueles produzidos nas colônias da natureza
sustentável de alelos sexuais já foram feitas vão se acasalar com as rainhas provenientes das
(Kerr & Vencovsky 1982; Alves et al. 2011). Por colônia manejadas, dando origem a novos alelos
meio de cálculos complexos, uma estimativa sexuais para a população do meliponicultor.
de 44 colônias foi inicialmente proposta (Kerr & Isso pode ocorrer mesmo se o meliponário
Vencovsky 1982). Investigações mais recentes não estiver muito próximo da mata onde estão
chegaram a um número relativamente alto, as colônias de populações naturais, já que os
de cerca de 180 colônias de abelhas (Alves et machos tendem a se dispersar e não ficar nas
al. 2011). No entanto, existem exemplos em regiões de suas colônias de origem. Portanto,
que poucas colônias podem sustentar uma o que vale, nesse caso, é o velho dito popular:
população (Alves et al. 2011). Essa situação, “É melhor prevenir do que remediar”. Ao criar
porém, demanda um manejo intenso. Estudos espécies em suas regiões de origem, o número
que comparam a performance de multiplicação de rainhas que se acasalam com um macho
e produção em espécies nas suas áreas de com o mesmo alelo sexual é muito baixo. Com
ocorrência natural e fora dela poderiam ajudar a espécies exóticas, essa frequência pode ser tão
compreender melhor o que ocorre, de fato. Uma alta a ponto de inviabilizar a criação, mesmo
prática muito comum entre os meliponicultores “remediando” as colônias que estiverem nessa
é a troca e a venda de favos com o objetivo situação.
de aumentar a diversidade genética de seus
plantéis de abelhas. Isso pode funcionar em
curto prazo, mas populações não nativas da
área de ocorrência tendem a perder alelos
com o tempo, pela simples aleatoriedade do
processo de acasalamento. Além disso, a troca
de favos pode levar à transmissão de doenças e
patógenos (ver capítulo 4), assim como implicar
o risco de homogeneizar geneticamente as
populações e causar a perda de adaptações (ver
capítulo 3).

Assim, apesar de medidas paliativas serem


possíveis, a forma mais segura e correta de

35
Referências bibliográficas
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36
37
Foto: Ayrton Vollet Neto
Foto: Cristiano Menezes

38
3
INFLUÊNCIA DO TRANSPORTE
DE COLMEIAS SOBRE A
ESTRUTURA GENÉTICA DAS
POPULAÇÕES DE ABELHAS

RESUMO Rodolfo Jaffé


Instituto Tecnológico Vale, Belém-PA, Brasil
rodolfo.jaffe@itv.org

O transporte de colônias, uma prática comum entre apicultores e meliponicultores, pode colaborar para
o aumento da produção de mel e para o fornecimento dos serviços de polinização. Contudo, também
é capaz de causar consequências negativas para as abelhas, contribuindo para a transmissão de
doenças, a competição entre espécies exóticas e nativas e a modificação da composição genética das
populações selvagens e manejadas. Neste capítulo, são revisadas as consequências do transporte
de colmeias sobre a composição genética das populações selvagens e manejadas. Começamos
apresentando o caso das abelhas africanizadas, o exemplo mais conhecido. Continuamos mostrando
o caso da introdução de diferentes subespécies da abelha melífera em regiões da Europa que já
possuíam populações de outras subespécies nativas. Finalmente, são discutidas as consequências
do transporte de colmeias em mamangavas e abelhas sem ferrão. Os impactos conhecidos do
transporte de colônias sugerem que políticas que reduzam a hibridização entre abelhas introduzidas
e abelhas locais têm possibilidade de contribuir para a conservação das diferentes subespécies e
sua adaptação aos ambientes locais. Entretanto, apesar de a fiscalização do transporte ilegal de
colônias ser importante para minimizar essa hibridização, a simplificação dos processos de cadastro
de colônias e a solicitação de licenças de transporte são necessárias para promover boas práticas em
meliponicultura. Por outro lado, incentivos econômicos podem também motivar os meliponicultores a
criar e preservar abelhas locais.

Palavras-chave: adaptações locais; hibridização;


homogeneização genética.

39
Figura 1. Apicultores australianos transportam colmeias à procura de florações sazonais (foto: Rodolfo Jaffé)

O transporte de colmeias levando-as para as culturas que precisem ser


polinizadas (Imhoof 2012; Costa 2017) (ver
O transporte de colônias é uma prática frequente capítulo 1).
entre apicultores e meliponicultores (figura 1).
Criadores amadores compram suas colônias O transporte de colônias pode ser benéfico para
de algum criador conhecido e as levam para os apicultores e meliponicultores, contribuindo
casa. Apicultores e meliponicultores comerciais para o aumento da produção de mel e o
comumente compram colônias de fornecedores fornecimento dos serviços de polinização.
distantes e as transportam por distâncias de Contudo, também têm potencial de causar
até milhares de quilômetros. Já apicultores e consequências negativas para as abelhas.
meliponicultores itinerantes, produtores de mel, Por exemplo, colônias infectadas por algum
transportam constantemente suas colmeias patógeno ou parasita podem transmitir doenças
seguindo as florações sazonais e, quando elas às populações locais de abelhas (Graystock et al.
acabam, mudam o apiário inteiro para um outro 2015) (ver capítulo 4). Além disso, o transporte
lugar. Finalmente, apicultores e meliponicultores de abelhas fora de sua área de ocorrência natural
itinerantes especializados em fornecer serviços é capaz de levar à competição entre espécies
de polinização para culturas comerciais exóticas e nativas por recursos alimentares ou
transportam constantemente suas colmeias, lugares de nidificação (Moritz et al. 2005; Vit et

40
al. 2013). Entretanto, como discutido a seguir, características das africanas, como uma maior
mesmo o transporte de colmeias saudáveis e produção de mel e uma maior tolerância às
livres de doenças, dentro da área de ocorrência doenças tropicais. No entanto, a hibridização
natural de uma espécie, pode influenciar a também resultou no aumento da agressividade e
composição genética das populações selvagens da taxa de enxameação, o que dificulta o manejo.
e manejadas (Byatt et al. 2016; Jaffé et al. 2016). A taxa de acidentes cresceu devido aos ataques
das abelhas africanizadas – chamadas pela mídia
A abelha melífera de “abelhas assassinas” – e muitos apicultores
abandonaram a atividade nos primeiros anos da
O exemplo mais conhecido das consequências
africanização. Os remanescentes passaram a
do transporte de colônias é o caso das abelhas
utilizar técnicas de manejo mais apropriadas para
africanizadas. As abelhas melíferas (Apis mellifera)
as abelhas africanizadas, que hoje constituem as
foram introduzidas no continente americano
práticas comuns da apicultura brasileira.
pelos colonizadores europeus para a produção
de mel e cera. Em pouco tempo, estabeleceram
populações silvestres que povoaram o
continente. Visando a aumentar a produtividade
e a resistência das abelhas europeias às doenças
tropicais, o professor Warwick Estevam Kerr, em
1956, importou 49 rainhas da África do Sul, que
foram instaladas no apiário experimental de Rio
Claro, no Estado de São Paulo. Algumas dessas
colmeias enxamearam e acabaram escapando
do apiário e cruzando com as abelhas europeias
que ocupavam a região. Em poucos anos, o
cruzamento entre abelhas africanas e europeias Figura 2. Processo de africanização das abelhas no
resultou na completa “africanização” das abelhas continente americano (fonte: Moritz et al. 2009).

brasileiras (Moritz et al. 2005). Em 20 anos,


as abelhas africanizadas atingiram o norte da
América do Sul e, em 40 anos, o sul da América
O transporte de colônias de abelhas pode ter
do Norte (figura 2).
consequências importantes ainda quando feito
dentro da área de ocorrência natural da espécie.
O processo de africanização implicou a mistura
Isso acontece porque uma espécie pode possuir
do material genético das abelhas europeias e
subpopulações geneticamente diferenciadas
africanas. Essa mistura, ou hibridização, fez
(linhagens ou raças), com características
com que as abelhas europeias que ocupavam
ligeiramente diferentes. Na Europa, o transporte
o continente americano adquirissem algumas
de colmeias vem resultando na hibridização

41
das raças nativas de abelhas melíferas. Embora exemplo, a abelha melífera “preta” (A. m. mellifera)
não tenha ocasionado nada parecido com o é conhecida por sua coloração escura, por sua
processo de africanização, essa mistura está agressividade e pelo tamanho de suas colônias,
modificando aspectos originais dessas raças. que são extremamente grandes, permitindo sua
Na Alemanha, por exemplo, os apicultores sobrevivência durante os invernos europeus. Já a
resolveram substituir todas as suas colmeias da abelha “amarela” ou “italiana” (A. m. ligustica) tem
linhagem da abelha melífera preta (a subespécie uma coloração mais clara, é menos agressiva e
nativa) pela linhagem carnica (A. m. carnica), produz mais mel, porém só consegue sobreviver
que é bem menos agressiva (porém originária nos invernos suaves do sul da Europa.
do leste da Europa). Atualmente, as abelhas na
Alemanha não possuem mais as características Essas raças ou subespécies constituem um
da abelha preta, sendo mais similares à carnica. reservatório de adaptações a condições
ambientais locais, que foram moldadas pela
Mais de dez subespécies de Apis mellifera foram seleção natural ao longo de muitas gerações.
descritas ao longo da sua distribuição natural A conservação desse acervo genético é
(figura 3). Elas possuem características únicas, importante, uma vez que tais adaptações irão
que constituem adaptações às condições determinar a sobrevivência das populações
ambientais dos locais em que habitam. Por selvagens (Randi 2008; Byatt et al. 2016). Assim,
o transporte de colônias de uma raça para uma
área ocupada por outra raça representa uma
ameaça para a conservação desse acervo,
visto que pode resultar na hibridização e na
consequente perda das adaptações locais.
Introduzir colmeias de uma raça adaptada a
climas quentes em um lugar de clima frio, por
exemplo, pode modificar as adaptações das
abelhas nativas e comprometer sua capacidade
de sobreviver aos invernos.

As mamangavas
As mamangavas (Bombus sp.) são polinizadores
efetivos de culturas importantes, como o tomate,
e, por esse motivo, muitos esforços foram
Figura 3. Distribuição das subespécies da abelha
melífera (Apis mellifera) ao longo da sua área de
investidos no desenvolvimento de sistemas de
ocorrência natural (fonte: http://www.bee-ecology.com). criação comercial dessas abelhas. A criação
comercial cresceu rapidamente e hoje mais de

42
Figura 4. Distribuição da mamangava Bombus terrestris no mundo. As áreas de ocorrência nativa estão marcadas
em amarelo, enquanto as áreas onde a espécie foi introduzida são representadas em laranja (fonte: Acosta et al. 2016).

1 milhão de colônias são produzidas por ano. área de distribuição natural e na Ásia Oriental
Apesar de existirem mais de 30 produtores, (Japão, Coreia do Sul e China), na Oceania
as colônias criadas localmente por pequenos (Nova Zelândia e Tasmânia) e na América do
empresários são, em geral, mais caras do que Sul (Chile e Argentina), de onde colônias dessa
as criadas pelos grandes produtores, razão espécie são regularmente exportadas (figura
pela qual a produção comercial de colônias de 4). A abelha B. impatiens é a principal espécie
mamangavas tem se concentrado em poucas cultivada na América do Norte. Nativa do leste
grandes empresas, que exportam para o mundo desse continente, foi introduzida no oeste e no
todo (Velthuis & Doorn 2006). México para a polinização comercial de culturas
e, na atualidade, já estabeleceu populações
Embora cinco espécies de mamangavas selvagens nessas áreas.
sejam criadas comercialmente, a principal é
Bombus terrestris, nativa da Europa e da Ásia Os tomadores de decisões geralmente
Central. De forma similar ao caso da abelha têm favorecido a introdução de colônias de
melífera, diversas subespécies que ocorrem ao mamangavas para a polinização de culturas,
longo da distribuição natural da mamangava considerando os benefícios para os agricultores,
foram transportadas a regiões distantes para entre os quais estão o aumento da produtividade
ser empregadas na polinização comercial de das culturas, a maior qualidade dos frutos e a
culturas. Atualmente, colônias de B. terrestris redução dos custos envolvidos na polinização
(sobretudo da subespécie B. t. dalmatinus) são manual. No entanto, o transporte e a introdução
utilizadas para polinização comercial na sua de colônias de mamangavas fora da sua área

43
de ocorrência natural envolvem uma série de
riscos ambientais, incluindo a hibridização com
subespécies ou espécies locais – e perda de
valiosas adaptações locais –, a competição
com outras abelhas por recursos alimentares e
locais de nidificação e a introdução de doenças
e parasitas (Velthuis & Doorn 2006) (ver capítulo
4). Embora poucos estudos tenham avaliado as
consequências da introdução de colônias de
mamangavas fora da sua área de ocorrência
natural, um trabalho recente indicou que as
espécies introduzidas no sul da Argentina (B.
ruderatus e B. terrestris) substituíram a espécie
nativa B. dahlbomii (Morales et al. 2013). Figura 5. Isolamento por distância em espécies
Adicionalmente, uma avaliação da composição selvagens (azuis) e manejadas (vermelhas) de abelhas
sem ferrão (fonte: figura modificada de Jaffé et al. 2016).
genética das mamangavas de três estufas
localizadas na Polônia e das populações nativas
da região mostrou uma forte hibridização entre
elas (Kraus et al. 2011), o que poderia causar a manejadas da abelha uruçu (Melipona
perda das adaptações locais das populações scutellaris), presumivelmente devido à troca
nativas de mamangavas, tornando-as mais de colônias entre apicultores (Carvalho-Zilse et
suscetíveis à extinção. al. 2009). Já uma metanálise recente analisou
dados de 135 populações de 17 espécies de
abelhas sem ferrão, tendo avaliado a influência
As abelhas sem ferrão
da distância geográfica, do uso da terra e das
Amplamente distribuídas entre as regiões práticas de manejo sobre os padrões de fluxo
tropicais, as abelhas sem ferrão (Apidae: genético nesses polinizadores (Jaffé et al. 2016).
Meliponini) são polinizadores-chave da flora Em condições naturais, populações vizinhas
nativa e dos cultivos comerciais (Vit et al. 2013). possuem uma maior similaridade genética do
Muitas dessas espécies são criadas de forma que populações mais afastadas. O estudo
racional e utilizadas para a produção de mel quantificou esse efeito – chamado de isolamento
e a polinização de culturas (Jaffé et al. 2015). por distância – e constatou que as espécies
Poucos estudos têm avaliado a influência do manejadas mostram um menor isolamento por
transporte de colmeias sobre os padrões de distância do que as selvagens (figura 5).
diversidade e diferenciação genética nesse grupo
de abelhas. Um primeiro trabalho encontrou uma O fato de as espécies manejadas apresentarem
baixa diferenciação genética entre populações um isolamento por distância mais fraco do que

44
as silvestres sugere que o transporte artificial ser avaliadas, seja com registros de ocorrência,
de colônias está facilitando o fluxo genético das seja com ferramentas moleculares, antes de
abelhas. Além disso, o estudo não encontrou transportar colmeias de uma localidade para
nenhum efeito de rios e estradas, sugerindo outra. O transporte de colônias dentro da área de
que a prática de transportar colmeias não se ocorrência natural de uma subespécie ou ecótipo
restringe a regiões vizinhas conectadas por não representa um risco para a conservação da
rotas. Assim, o trabalho mostra que o transporte diversidade genética dessa subespécie e pode
de colônias resulta na mistura genética entre as ser permitido.
abelhas introduzidas e as populações locais. De
forma similar ao caso das abelhas melíferas e Apicultores e meliponicultores selecionam, direta
das mamangavas, essa prática indiscriminada ou indiretamente, características favoráveis
constitui uma ameaça à conservação de abelhas nas suas abelhas. Ao multiplicar colônias,
sem ferrão porque pode levar à perda de valiosas por exemplo, os meliponicultores geralmente
adaptações locais. Nesse grupo, também favorecem as mais produtivas, substituindo
existem subespécies ou ecótipos adaptados aquelas que produzem menos mel. Muitos
a condições ambientais particulares, embora apicultores comerciais já implementam
tenham sido menos estudadas do que as programas de melhoramento genético,
subespécies da abelha melífera (ver referências desenvolvendo linhagens de abelhas muito
em Jaffé et al. 2016). produtivas, pouco agressivas, higiênicas e
com uma menor taxa de enxameação. Essas
características favoráveis para os criadores
Criação sustentável de abelhas
podem chegar a ser desfavoráveis para a
As consequências conhecidas do transporte sobrevivência das abelhas na natureza, onde
de colônias de abelhas sugerem que políticas as abelhas agressivas e com uma alta taxa
que reduzam a hibridização entre abelhas de enxameação sobrevivem melhor. Assim,
introduzidas e as locais podem contribuir com a hibridização entre abelhas manejadas e
a conservação das diferentes subespécies ou selvagens pode levar à transferência dessas
ecótipos e suas adaptações aos ambientes características selecionadas às populações
locais. Assim, apicultores e meliponicultores selvagens, tornando-as menos aptas para
que desejem preservar esse acervo devem sobreviver na natureza. Portanto, é importante
avaliar os benefícios e os custos envolvidos com manter populações selvagens isoladas, sem
o transporte de colmeias. No caso do Brasil, que fiquem expostas à hibridização com as
isso vale só para as abelhas sem ferrão, já que populações manejadas. As áreas de conservação
a melífera não é uma espécie nativa – embora atuais constituem possíveis reservatórios de
tenha se estabelecido no continente todo. As populações selvagens e têm potencial para
áreas de ocorrência das diferentes espécies e contribuir com a conservação do seu acervo
subespécies de abelhas sem ferrão poderiam

45
genético, desde que elas não se misturem com
populações manejadas.

Os órgãos regulatórios governamentais


desempenham um papel importante
na fiscalização e na regulamentação do
transporte de colmeias. Não obstante, muitos
meliponicultores consideram problemática a
legislação atual sobre meliponicultura, bem como
a burocracia envolvida no cadastro de colmeias
e na solicitação de licenças de transporte
e venda de produtos (Jaffé et al. 2015). A
simplificação desses processos irá seguramente
incentivar os meliponicultores a cadastrar suas
colmeias e solicitar licenças de transporte que
estabeleçam áreas permitidas de movimentação
de cada espécie ou subespécie (ver capítulo 6).
Adicionalmente, incentivos econômicos podem
motivar os meliponicultores a criar e preservar
abelhas locais. Uma alternativa possível seria
valorizar os produtos de abelhas locais, criando
uma denominação de origem controlada, como é
feito com outros produtos, como vinhos e queijos.

46
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47
Foto: Cristiano Menezes

48
4
TRANSMISSÃO DE PARASITAS
E PATÓGENOS E ESPÉCIES
EXÓTICAS

RESUMO Patrícia Nunes-Silva


School of Environmental Sciences, University of Guelph
silvap@uoguelph.ca

Nos últimos anos, várias espécies de abelhas têm sofrido declínio populacional e, apesar de haver
inúmeras causas para esse fenômeno, uma delas é a introdução de parasitas e patógenos entre tais
insetos. Isso pode ser causado pelo manejo e pelo transporte de colônias para a produção de mel e
para a polinização, que aumentam a transmissão dessas doenças ao elevar a densidade de abelhas
para níveis não naturais, o que também pode ocorrer pelo transporte dos materiais contaminados das
colônias, como cera, mel e pólen, e pelo uso desses materiais em colônias sadias. Um exemplo é o
caso das abelhas Apis mellifera, entre as quais o transporte global introduziu o ácaro parasita Varroa
destructor, que debilita seu sistema imunológico e lhes transmite vírus patogênicos. Por sua vez, esses
agentes se espalharam para outras espécies, não só de abelhas, mas de artrópodes. O fato é que
o transporte de abelhas pode interferir na saúde de tais insetos. Medidas como monitorar a saúde
das colônias antes do transporte dentro da região de ocorrência, não transportar as espécies e seus
materiais para locais onde não ocorram naturalmente e não utilizar material de espécies diferentes
para fortalecer colônias sem esterilização podem prevenir a disseminação de parasitas e patógenos. A
seleção de colônias por meio do comportamento higiênico também configura uma solução. Ainda não é
bem conhecido o mecanismo pelo qual as abelhas sem ferrão são afetadas por diversas doenças. Tomar
essas medidas preventivas em relação a esse grupo é uma precaução importante para evitar epidemias.

Palavras-chave: doenças em abelhas; transmissão;


sanidade apícola.

49
Já a transmissão horizontal de patógenos é
Introdução
assim denominada quando ocorre entre o
Diante do cenário atual de declínio das ambiente e as operárias, entre os parasitas e
populações de várias espécies de abelhas, é as operárias e entre as próprias operárias, bem
necessário elucidar quais os fatores responsáveis como quando se dá entre machos e rainhas.
por essa diminuição para subsidiar a criação de Alguns patógenos, como o fungo Nosema apis
medidas para evitá-la. Patógenos e parasitas e vários vírus presentes no mel e no pólen, são
configuram uma das causas da redução de transmitidos oralmente entre as operárias de A.
populações de abelhas em vários países, razão mellifera por meio da trofalaxia, que consiste na
pela qual a prevenção da sua transmissão e troca de alimento entre os indivíduos da colônia.
proliferação torna-se importante, já que elas Outro comportamento que pode causar a
sofrem com inúmeras doenças causadas por disseminação de doenças entre essas abelhas
esses agentes. Tal situação é agravada pelo é a retirada de larvas e pupas mortas. Embora
transporte de colônias na apicultura migratória a eliminação das larvas contaminadas contribua
e para a polinização agrícola, visto que essas para a contenção da infecção dentro da colônia,
práticas podem aumentar a transmissão de o contato com essas larvas ao removê-las ou
doenças e parasitas entre as populações de ingeri-las pode contaminar a operária, que,
abelhas, tanto nas manejadas quanto nas dessa maneira, tem possibilidade de transmitir
silvestres. o patógeno para outras operárias ou para a
superfície da colmeia.
A transmissão de patógenos pode ocorrer de
diversas maneiras, seja entre indivíduos da O comportamento de detecção, desoperculação
mesma espécie de abelha seja entre indivíduos da célula e remoção da cria doente ou morta é
de espécies diferentes. Quando se dá entre chamado de higiênico e, apesar do perigo de
as rainhas e seus filhos ou entre os machos e contaminação das operárias que o realizam,
seus filhos, é chamada de vertical. Rainhas de constitui um mecanismo que, na verdade, reduz
Apis mellifera, por exemplo, podem transmitir infecções na colônia. Isso ocorre quando as
pequenas cargas virais para a cria durante a operárias removem as larvas contaminadas antes
formação dos ovos; da mesma forma, no sêmen que os patógenos e parasitas entrem na fase
dos machos já foi encontrado genoma viral. reprodutiva e possam infectar outras abelhas,
Como são produzidos milhares de filhos durante como nas doenças causadas por fungos, em
a vida de uma rainha, a transmissão vertical que a remoção é feita antes da formação dos
torna-se um risco para as colmeias manejadas. esporos, que respondem pela infecção. Como
Dessa forma, o movimento de rainhas dentro dos se trata de um comportamento geneticamente
apiários e entre eles deve ser regulamentado. controlado e variável entre as colônias, pode-
se selecionar colônias higiênicas. Assim, é
muito estudado e utilizado em A. mellifera

50
para combater a varroatose e outras doenças que se tornam outras fontes de contaminação,
(Spivak & Gilliam, 1998). Também se observa não apenas para A. mellifera, como também
nas abelhas sem ferrão, como já comprovado para outras espécies de abelhas e insetos. Já
para Melipona beecheii, M. quadrifasciata, M. foram encontrados patógenos/parasitas em
scutellaris, Plebeia remota, Scaptotrigona depilis, flores e já se demonstrou que o uso dessas flores
S. pectoralis e Tetragonisca angustula (Medina et contaminadas pode ser um meio de transmissão
al., 2009; Nunes-Silva et al., 2009; Toufailia et al., de patógenos entre os indivíduos que as utilizam.
2016).

Introduções de A. mellifera fora


Um caso importante de transmissão horizontal
de suas áreas de ocorrência e
está na disseminação de várias espécies de
seus parasitas e patógenos
vírus pelo Varroa destructor. Um agente é
especialmente ligado a esse ácaro, o vírus da Originalmente, as abelhas melíferas ocorrem
asa deformada (DWV), o qual se replica mais em grande parte da Europa, da África e da Ásia
intensamente no interior do ácaro, levando Ocidental, ocupando ambientes muito diversos.
a uma contaminação com uma carga viral Existe uma grande variedade de características
maior quando a transmissão ocorre por meio comportamentais e algumas morfológicas nessa
dele. Essa diferença na quantidade de vírus espécie, visto que habitam diversos ambientes e
transmitida determina a gravidade dos sintomas regiões, resultando em mais de 20 subespécies
apresentados pelas abelhas contaminadas, que que refletem suas regiões de origem. Com a
podem ter desde deformações nas asas até não expansão e a colonização europeia ao redor
sobreviverem (Genersch & Aubert, 2010). do mundo, as abelhas A. mellifera foram
introduzidas em locais fora de sua área natural
Outras situações pelas quais pode haver de ocorrência. No Brasil, a primeira introdução
contaminação e espalhamento de patógenos ocorreu em 1839 e cresceu nos anos seguintes
incluem: (a) roubo de recursos de colônias com a vinda de imigrantes, que trouxeram para
doentes pelas operárias; (b) enxameação; (c) cá apenas subespécies europeias.
transporte de colônias entre regiões pelo homem;
(d) utilização de equipamentos contaminados; e Em 1956, quando rainhas de abelhas de uma
(e) emprego de materiais apícolas, como mel, subespécie africana (A. mellifera scutellata) foram
pólen e cera, contaminados. Além disso, grande introduzidas no País, 26 colônias enxamearam
parte dos patógenos de intestino de A. mellifera acidentalmente e se estabeleceram como
apresenta transmissão fecal-oral e alguns vírus selvagens. A partir de então, iniciou-se o
são transmitidos pelas fezes. Uma vez que as processo de africanização, ou seja, houve
abelhas geralmente defecam fora da colmeia, cruzamento de abelhas das subespécies
pode haver contaminação das flores e seus europeias com a africana, resultando em um
recursos (néctar e pólen), bem como de água, poli-híbrido. Como nesse híbrido predominam

51
características da subespécie africana, como especial de agentes virais (quadro 1). Em
alta atividade enxameadora, adaptabilidade, território brasileiro, detectou-se a presença de
produtividade e forte comportamento defensivo, três vírus em amostras de apiários do Estado de
essas abelhas foram chamadas de africanizadas São Paulo no ano de 2007: o vírus da paralisia
e, em 15 anos, as colônias de todo o Brasil aguda, o vírus da realeira negra e o vírus da
sofreram africanização. asa deformada. Outros três agentes testados,
o vírus da paralisia crônica de abelhas, o vírus
Juntamente com as abelhas, vieram os ácaros V. Caxemira e o vírus da cria ensacada, não
destructor, descobertos em nosso país em 1978. estavam presentes nessas amostras (Teixeira et
De fato, originalmente esse ácaro era parasita al. 2008). No entanto, em 2011, o vírus da cria
de outra espécie do gênero Apis, A. cerana, ensacada foi flagrado em um apiário de São
na Ásia, e, quando entrou em contato com A. Paulo (Freiberg et al. 2012). Já em 2014, um
mellifera, foi transportado em suas colônias estudo identificou os vírus da cria ensacada e
para vários países, causando alta mortalidade de Varroa destructor-1 em ácaros coletados em
e a necessidade de utilização de acaricidas 2012 de apiários do Rio Grande do Sul. O ácaro
para controle. Assim, a descoberta do varroa V. destructor configura um importante vetor
foi uma grande preocupação para a apicultura desses agentes, especialmente do vírus da asa
brasileira. No entanto, as abelhas africanizadas deformada, motivo pelo qual é necessário ter
se mostraram bastante resistentes a esse ácaro, cautela ao manejar as colônias de A. mellifera
quando comparadas às raças europeias, o que para não contaminar outras colônias, tanto com
é atribuído a seus comportamentos higiênico o ácaro quanto com os vírus que ele transmite
e de autolimpeza eficientes, à menor duração (Evans & Schwarz, 2011).
da cria operculada – período em que a varroa
se reproduz – e também à baixa fertilidade das Outro patógeno detectado no Brasil foi a cria
fêmeas dos ácaros quando parasitam essas pútrida americana, no fim de 2000, ocasião
abelhas. Desse modo, enquanto há elevada do encontro de esporos dessa bactéria no Rio
mortalidade devido à varroatose em abelhas Grande do Sul. Felizmente, não há registros dos
de subespécies europeias de países europeus sintomas da doença e é possível que esteja sob
e asiáticos e nos Estados Unidos, no Brasil, o controle, já que as abelhas africanizadas são
efeito desse parasita nas abelhas africanizadas é mais resistentes devido a seu comportamento
tão pequeno que parece não causar mortalidade higiênico. A cria pútrida americana, ou
de colônias, e sem que medidas de controle loque americana, é causada pela bactéria
sejam adotadas (Calderón et al. 2010). Paenibacillus larvae e afeta apenas as larvas
de A. mellifera. Além da mortalidade, outros
Quando ocorre mortalidade, é possível que problemas relacionados à doença surgem
seja consequência de infecções secundárias quando se utilizam antibióticos para tratá-la,
de patógenos transmitidos pelos ácaros, em como a contaminação do mel e do pólen, a

52
Quadro 1. Vírus e seus sintomas em Apis mellifera
Virulência ligada a
Vírus Sintomas
Varroa destructor?

Asa Os adultos apresentam asas deformadas, abdomes encurtados Sim


deformada e cutícula descolorida. No entanto, as infecções podem ser
assintomáticas. Nesses casos, também causa mortalidade.
Cria As larvas se tornam amarelo-claro e, quando morrem, ficam marrons Não
ensacada com a cabeça negra. Um líquido se acumula em seu interior, fazendo-
as parecer um saco.
Caxemira Sem sintomas aparentes, porém causa mortalidade. Sim
Paralisia Conjunto 1: as abelhas tremem, rastejam e formam grupos no chão Aparentemente não
crônica ou no caule de plantas; apresentam abdome inchado e disenteria,
morrendo poucos dias depois. Conjunto 2: as operárias não possuem
cerdas, têm aparência oleosa e, depois de alguns dias, param de voar
e começam a apresentar tremores, morrendo logo.
Paralisia Causa os mesmos sintomas que a paralisia crônica, porém a morte é Sim
aguda mais rápida. As pupas morrem antes de emergir.
Realeira Assintomática em operárias e na cria. As pupas das rainhas se tornam Sim
negra amarelo-claro e, como um líquido se acumula em seu interior, parecem
um saco, como as larvas de cria ensacada. As pupas escurecem
quando morrem e a célula real passa a ter parede negra.

morte da microbiota benéfica das abelhas e, dividem inúmeras vezes até formarem esporos
possivelmente, a resistência aos antimicrobianos infecciosos, produzindo infecções de milhões de
(Evans & Schwarz, 2011). Uma forma de esporos por abelhas. Causam danos ao intestino
transmissão desses patógenos ocorre quando as e resultam em aumento dos requerimentos
abelhas roubam material das colônias infectadas nutricionais, redução da longevidade e
e os disseminam num raio de até 2 km, o que mortalidade. O fungo N. ceranae, como o varroa,
diminui substancialmente a partir dessa distância também passou de sua hospedeira asiática, A.
(Lindström et al. 2008). Assim, é importante que cerana, para A. mellifera, e se espalhou para
colônias infectadas sejam identificadas e tratadas outros continentes. Em 2013, uma análise
ou removidas de perto de colônias sadias, assim genética de zangões do ano de 1979 mostrou
como que os materiais de colônias mortas não que N. ceranae e N. apis estão presentes no
sejam deixados no local. Brasil pelo menos desde então, embora seu
impacto não seja conhecido (Teixeira et al. 2013).
Outros patógenos de A. mellifera são os fungos O movimento de rainhas, colônias e produtos
do filo Microsporidia, N. apis e N. ceranae, apícolas pode ter contribuído para a introdução
organismos parasitas intracelulares obrigatórios desses patógenos nos diversos países.
de células que invadem o epitélio do intestino
médio. Ali, no interior das células, eles se

53
Um levantamento realizado em 2015 em quatro intuito de melhorar a polinização do trevo, uma
localidades do Rio Grande do Sul detectou N. forragem de pasto. Assim, Bombus hortorum, B.
ceranae em duas delas, com uma incidência ruderatus, B. subterraneus e B. terrestris ali se
de 10%, em Cambará do Sul, e de 100%, em estabeleceram. Posteriormente, as abelhas B.
Porto Alegre. Também foi verificada a presença ruderatus foram levadas da Nova Zelândia para
de organismos da subfamília Leishmaninae, o Chile, onde também se estabeleceram e de
visto que, em A. mellifera, encontram-se onde se expandiram para a Argentina.
Crithidia mellificae e Lotmaria passim. Já L.
passim foi descrita apenas recentemente, Após a domesticação, nos anos 70, e o início da
podendo, contudo, ter sido identificada antes criação comercial, em 1987, havia mais de 30
como C. mellificae. É encontrada nos apiários produtores de colônias de Bombus no mundo
dos Estados Unidos, da Bélgica e também do em 2006, mas apenas três delas dividiam
Chile, onde sua prevalência varia de acordo com quase totalmente o mercado. A espécie mais
a região do país. Esse patógeno igualmente comercializada é B. terrestris, usada na Europa,
foi encontrado em duas de quatro localidades no norte da África, na América do Sul, na Ásia
investigadas, com uma incidência de 80%, em e na Australásia, embora seja nativa apenas
Cambará do Sul, e de 100%, em Porto Alegre da Europa, do norte da África e de partes da
(Nunes-Silva et al. 2016). O papel de L. passim Ásia. A espécie B. terrestris apresenta várias
na saúde de A. mellifera é incerto, mas outros subespécies, que, assim como as subespécies
tripanossomas podem afetar negativamente de A. mellifera, possuem distribuição geográfica
o comportamento, a longevidade e o sistema distinta. A comercialização introduziu as
imunológico dessa espécie, especialmente sob subespécies em áreas em que elas não ocorriam
condições estressantes, por exemplo. naturalmente e, de forma experimental, foi
demonstrada a formação de híbridos (ver
capítulo 3), além de outros riscos ambientais,
Introduções de mamangavas como a disseminação de doenças e parasitas.
(Bombus spp.) fora de suas No entanto, muitos países não permitem
áreas de ocorrência e seus a criação e a comercialização de colônias
parasitas e patógenos originadas de fora de seu território. Como, nas
últimas décadas, esse comércio se tornou mais
Ao contrário das abelhas A. mellifera, cuja
intenso, Canadá, Austrália, Estados Unidos,
domesticação foi motivada pela produção
México e Japão restringiram a importação de B.
de mel e outros produtos apícolas, o motivo
terrestris (Velthuis & van Doorn, 2006).
principal para a domesticação das espécies de
Bombus foi a polinização. Inicialmente, houve
Já na América do Norte, a principal espécie
introduções de várias espécies de mamangavas
comercializada é B. impatiens. Outra espécie,
do Reino Unido na Nova Zelândia com o
Bombus occidentalis, também era criada, mas

54
uma infestação de Nosema bombi, um fungo começou a ser importada intensamente por esse
parasita, tornou a criação inviável. Esse patógeno país em 1998, da Europa e do oeste da Ásia.
pode enfraquecer os indivíduos, levando-os à Poucos anos depois, em 2001, foi reportado
morte, e, além disso, rainhas jovens infestadas que ela já havia sido encontrada na natureza
não são sexualmente atrativas aos machos, o e, em 2006, colônias de B. terrestris já tinham
que evita o acasalamento (Velthuis & van Doorn, se estabelecido em áreas naturais também
2006). Ocorre em várias espécies de Bombus na Argentina. Essa espécie tem se expandido
e pode afetar negativamente a reprodução e o rapidamente, em uma velocidade estimada de
crescimento de suas colônias, infectando tanto 200 km/ano, um fato preocupante porque, no
adultos como larvas. A contaminação se dá no Brasil, não há comercialização de mamangavas
ambiente e nas flores, possivelmente a partir exóticas e ainda não se observou B. terrestris
de néctar e pólen contaminados. A forrageira no País. No entanto, é possível que ela invada
traz o alimento para a colônia, o qual infecta a porção sul do País, vinda da Argentina e do
as larvas, que, por sua vez, infectam a colônia Uruguai, provavelmente pela costa continental,
quando emergem e defecam dentro do ninho. expandindo-se até o Sudeste (Acosta et al.
Como forrageira, ela contamina as flores e, 2016).
assim, o patógeno passa para outras colônias.
Além disso, machos contaminados também Em resumo, o comércio internacional de B.
transmitem N. bombi para as rainhas e há terrestris e seu transporte para fora da sua área
evidências de que as rainhas o transmitam para de ocorrência tornaram essa espécie invasiva
seus filhos. em vários países, como Argentina, China, Chile,
Japão, México, Israel, África do Sul, Coreia do
Assim como para B. terrestris, há muita Sul, Nova Zelândia, Tasmânia e Taiwan. Isso é
crítica em introduzir B. impatiens nos locais particularmente preocupante, pois o declínio
de onde não é nativa, pois existem grandes populacional de abelhas mamangavas (Bombus
riscos ambientais. Abelhas Bombus coletadas spp.) foi correlacionado com o derramamento de
próximas de estufas comerciais apresentam patógenos a partir de espécies de mamangavas
um maior nível de Crithidia bombi, N. bombi e criadas comercialmente. Apesar de as colônias
Locustacarus buchneri, um ácaro traqueal, que de B. terrestris serem vendidas como livres
abelhas coletadas em áreas sem estufas, o de doenças, um estudo mostrou que cinco
que evidencia que colônias comerciais podem espécies de micróbios parasitas (Apicystis
introduzir patógenos e parasitas em uma área, bombi, C. bombi, N. bombi, N. ceranae e vírus
levando à contaminação de abelhas silvestres da asa deformada) estavam presentes nesse
(Colla et al. 2006). grupo e 77% das colônias de três produtores
apresentavam pelo menos um deles. Esses
Na América do Sul, após a introdução de B. patógenos podem infectar tanto outras espécies
ruderatus no Chile, em 1982, a abelha B. terrestris de Bombus quanto de A. mellifera (Graystock et

55
al. 2013). Além disso, um modelo criado para baixa incidência, em colônias de A. mellifera e
C. bombi estimou que, em três meses, esse B. terrestris na Patagônia (Argentina). Não pode
organismo infectaria até 20% das mamangavas ser descartado um futuro espalhamento desse
selvagens em um raio de 2 km de uma estufa que patógeno para outras áreas de ocorrência de B.
contivesse colônias comerciais contaminadas, terrestris, como os pampas, visto que espécies
modelo confirmado pela avaliação das nativas de Bombus não apresentavam A. bombi
mamangavas selvagens. Dessa maneira, é antes da chegada de B. terrestris. Esta última,
necessário se preocupar com os efeitos do portanto, pode ser um vetor de A. bombi para
transporte das colônias manejadas e a possível outras espécies de abelhas.
invasão de B. terrestris ao Brasil.
Alguns patógenos de A. mellifera também podem
O parasita C. bombi está presente na América do infectar mamangavas, a exemplo do vírus da asa
Sul, no Chile e na Argentina (Plischuk & Lange, deformada. As espécies B. terrestris e Bombus
2009; Plischuk et al. 2016), na mamangava pascuorum são infectadas por esse vírus e
nativa B. dahlbomii e nas introduzidas, B. apresentam os sintomas de deformações na asa.
ruderatus e B. terrestris. Entre seus efeitos Os vírus da asa deformada, da cria ensacada e
negativos estão os prejuízos à reprodução, visto da realeira negra de A. mellifera também foram
que rainhas infectadas perdem mais massa e encontrados em colônias comerciais de uma
têm menos sucesso ao fundar colônias novas, espécie nativa da América do Sul denominada
a redução do tamanho das colônias e a menor Bombus atratus, na Argentina, porém não se
produção de machos. Além disso, pelo menos sabe o efeito desses agentes em tal grupo.
em B. impatiens, abelhas altamente infectadas Mesmo se a saúde dessas abelhas não for
apresentam dificuldade de aprendizagem motora afetada negativamente, existe a possibilidade de
e demoram muito mais tempo para aprender elas atuarem como um reservatório de tais vírus,
a manusear flores – assim, é provável que o os quais podem ser transmitidos novamente para
parasita C. bombi prejudique o forrageamento. A. mellifera ou, ainda, para outras espécies de
abelha. O contrário também ocorre, visto que a
Outra doença importante de mamangavas é gregarina A. bombi, protista parasita do intestino
a causada pelo protista A. bombi. Ocorre em de invertebrados, que infecta as mamangavas
quase 20 espécies de Bombus no mundo e (Bombus), pode também infectar A. mellifera.
causa sérios problemas físicos, como alterações Apesar de se saber que colônias localizadas nas
no tecido adiposo, e comportamentais, como um regiões tropicais são mais suscetíveis, outros
aumento da mortalidade das operárias e rainhas, aspectos biológicos das gregarinas nas abelhas
falhas na comunicação entre operárias e rainhas melíferas são pouco conhecidos, como sua
e redução do sucesso do estabelecimento das biogeografia, sazonalidade e virulência.
colônias. Na América do Sul, detectou-se A.
bombi em colônias de B. terrestris no Chile e, em

56
Todos esses casos mostram como a introdução de abelhas sem ferrão, tendo sido já reportados
de espécies exóticas e sua comercialização e casos para Frieseomellita varia, Melipona
transporte, até mesmo dentro de suas áreas colimana, M. asilvae, M. subnitida e Tetragonisca
de ocorrência, podem introduzir patógenos angustula. Sabe-se que a infecção se dá por
em novos locais e alterar sua distribuição meio da transferência dos favos infectados e
nas populações de hospedeiros. Portanto, é da manipulação das colônias, aparentemente
necessário ter cautela durante essas atividades. ocorrendo apenas dessa maneira, já que outras
colônias da área não foram contaminadas
durante os estudos. Assim, a dispersão do
Patógenos e parasitas em
ácaro é limitada e exemplifica a necessidade
abelhas sem ferrão
de cuidados sanitários no manejo de colônias
O conhecimento sobre os patógenos e parasitas e de inspeção de materiais do ninho antes de
que ocorrem em abelhas sem ferrão ainda sua utilização em outras colônias (Menezes
é muito limitado. O primeiro relato, do fim et al. 2009). Essa medida não se estende
dos anos 40, foi de uma doença que atinge apenas às abelhas sem ferrão, já que o gênero
larvas de Melipona quadrifasciata e M. bicolor Pyemotes também parasita abelhas solitárias
bicolor, possivelmente causada pela bactéria (Anthophoridae e Megachilidae), bem como A.
Bacillus paraalvei, porém a identificação se deu mellifera, causando a morte da colônia no último
apenas por microscopia e não houve estudos caso.
subsequentes. Em 2017, foi descoberta uma
bactéria, Lysinibacillus sphaericus, que causa Já em 2013, um outro parasita foi descoberto
doença em larvas de Tetragonula carbonaria, uma no Rio Grande do Norte, atacando colônias de
espécie de abelha da Austrália muito utilizada Melipona subnitida. Trata-se de Plega hagenella,
na meliponicultura. As colônias infectadas um inseto da ordem Neuroptera cujas larvas
apresentam alterações estruturais, como potes se desenvolvem dentro das células de cria da
de alimentos e invólucros grossos e escuros abelha. Após consumir as larvas, os imaturos
em relação ao normal, alimento larval amarelo- de P. hagenella constroem um casulo duro, que
escuro a esverdeado, discos de cria falhos, com fica aparente depois de as operárias removerem
células também engrossadas e opérculo reto, a cera ao seu redor. Quando eclodem, os
e cheiro de podre. A população se reduz e as indivíduos saem das colônias. Não se sabe como
operárias se mexem muito pouco, rastejam para se dá a infestação – se as fêmeas ovipositam
fora do ninho e não o defendem agressivamente, diretamente nas células de cria, se ovos ou
como de costume. Essa doença pode causar a larvas são transportados pelas forrageiras ou se
perda de colônias (Shanks et al. 2017). as larvas entram nas colônias pelas frestas. No
entanto, a taxa de infecção é alta, pois cerca de
Além desse patógeno, o ácaro parasita 48% das colônias estudadas continham esse
Pyemotes tritici causa a mortalidade de colônias parasita (Maia-Silva et al. 2013).

57
Além de seus próprios patógenos, os de A. fazem fronteira com o sul do Brasil, inclusive em
mellifera podem infectar abelhas sem ferrão. B. atratus, que também ocorre no País, assim
Atualmente, sabe-se que três vírus que ocorrem como em A. mellifera, indicando que A. bombi
nessa espécie estão presentes em meliponíneos. possa ter sido passado dessas espécies para
No México, os vírus da asa deformada e da as abelhas sem ferrão. A análise genética do
realeira negra foram detectados em populações patógeno indicou que sua origem é europeia,
de Scaptotrigona mexicana e, no Brasil, o vírus mas não há confirmação de sua rota (Nunes-
da paralisia aguda foi identificado em Melipona Silva et al. 2016).
scutellaris (Guzman-Novoa et al. 2016). Não se
sabe se esses agentes podem causar doenças O pólen é uma possível fonte de transmissão
e danos às abelhas sem ferrão, mas é possível, de doenças para as abelhas sem ferrão, pois
já que o vírus da asa deformada diminui a aquele proveniente de colônias de A. mellifera
longevidade e provoca deformidades às asas de pode conter A. bombi e é comumente utilizado
mamangavas (Bombus) (Fürst et al. 2014). Existe na alimentação suplementar de colônias dessas
a possibilidade de a apicultura funcionar como abelhas. Como esse patógeno foi encontrado
uma fonte potencial de risco para as abelhas em baixa incidência em apenas dois dos nove
sem ferrão, pois pode ser um fator-chave no lugares estudados, e os outros demais agentes
derramamento de patógenos. Potenciais vetores investigados não foram encontrados, é possível
de vírus entre as abelhas sem ferrão são os que as abelhas sem ferrão estejam ainda livres
forídeos, visto que já foi encontrado o vírus da asa de muitos microrganismos. Alguns mecanismos
deformada em forídeos que atacam A. mellifera poderiam ser responsáveis por isso, como uma
(Core et al. 2012). É possível que isso também barreira fisiológica que não permite que elas
ocorra nos forídeos que atacam as abelhas sem sejam infectadas por alguns patógenos ou pelo
ferrão, o que merece investigação, já que estes uso de própolis na construção das estruturas do
são uns dos principais inimigos dessas abelhas. ninho, que seria capaz de impedir a proliferação
desses agentes na colônia (Nunes-Silva et al.
Recentemente, foi realizado, no sul do Brasil, 2016).
um levantamento de patógenos (Leishmaninae,
Nosematidae e Neogregarinorida) em seis Apesar de não terem sido encontrados patógenos
espécies de abelhas sem ferrão: Melipona bicolor, da família Nosematidae no Rio Grande do Sul,
Plebeia droryana, P. emerina, P. remota, P. saiqui, N. ceranae está presente em cinco espécies de
Tetragonisca fiebrigi e A. mellifera. Observou-se Melipona, em Goiás, quais sejam, M. fasciculata,
a presença de A. bombi (Neogregarinorida) nas M. quadrifasciata quadrifasciata, M. mandacaia,
abelhas sem ferrão P. emerina e T. fiebrigi em M. marginata e M. rufiventris, e em T. fiebrigi e
baixa incidência, mas não em A. mellifera. Como Scaptotrigona jujuyensis, na Argentina (Porrini et
já mencionado, esse patógeno está presente al. 2017).
nas espécies de Bombus, habitando países que

58
Figura 1. Ácaro Leptus sp. parasitando macho de Melipona flavolineata, em Belém-PA. Nessa região, esses ácaros
são frequentemente encontrados em machos de abelhas sem ferrão, mas até o momento não foram registrados
problemas para a criação de tais abelhas. Contudo, há um risco de se tornar uma praga ou um transmissor de
doenças se for transportado para outras regiões do Brasil. Em abelhas africanizadas (A. mellifera), esses ácaros
são capazes de transmitir doenças, como a bactéria Spiroplasma, agente causador da “doença de maio” (Martin &
Correia-Oliveira, 2016). (foto: Cristiano Menezes)

O conhecimento atual sobre os patógenos e Em tal cenário, leis e medidas preventivas se


parasitas de abelhas sem ferrão ainda é muito tornam muito importantes para a proteção das
restrito e, dessa forma, há necessidade de muita abelhas sem ferrão contra patógenos e parasitas
pesquisa para saber o status sanitário desses exóticos, assim como para evitar o espalhamento
insetos. Muitos insetos, ácaros, microrganismos dos agentes infecciosos entre populações e
e outros organismos vivem em harmonia dentro regiões. Assim, para melhorar a tomada de
das colônias de abelhas sem ferrão, mas suas decisões quanto ao manejo das abelhas, as
relações ainda são pouco conhecidas (figura pesquisas devem inicialmente identificar quais
1). Existe um grande risco de alguns desses os microrganismos presentes nesse grupo e
organismos causarem problemas para a seus efeitos nas colônias, informação básica
meliponicultura se forem transportados para fora para estabelecer as espécies que devem ser o
de sua área de ocorrência natural e infectarem foco de medidas preventivas.
outras espécies de abelhas que não estão
adaptadas à presença deles (figura 2).

59
Figura 2. Baratas encontradas recentemente dentro das colônias de abelhas sem ferrão do gênero Melipona, em
Belém-PA. Elas não ocorriam no meliponário experimental da Embrapa Amazônia Oriental, mas, nos últimos anos, se
espalharam para caixas de diversas espécies de Melipona. Não se sabe ainda se causam problemas de sanidade nas
colônias infestadas. (fotos: Cristiano Menezes)

Prevenção 4. Cuidar da limpeza e da esterilização dos


materiais utilizados no manejo das colônias,
Algumas medidas podem ser adotadas pois essas ferramentas também podem
para prevenir a disseminação de parasitas e espalhar doenças entre colônias da mesma
patógenos: espécie ou de espécies diferentes.

1. Não transportar as espécies e seus 5. Ter colônias higiênicas também pode ser uma
materiais para locais onde elas não ocorram solução. Realizar o melhoramento genético
naturalmente. para essa característica, selecionando
colônias higiênicas, pode ajudar a evitar a
2. Monitorar a saúde das colônias antes do
propagação de patógenos e parasitas.
transporte.

3. Não utilizar material (pólen, mel, cera) para


fortalecer colônias sem antes realizar sua
esterilização.

60
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62
63
Foto: Ayrton Vollet Neto
Foto: Cristiano Menezes

64
5
CRIAÇÃO DE ABELHAS SEM
FERRÃO – UMA ATIVIDADE
SUSTENTÁVEL

RESUMO Charles Fernando dos Santos


& Betina Blochtein
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
charles.santos@pucrs.br
betinabl@pucrs.br

A criação de abelhas sem ferrão é uma atividade sustentável e amigável ao meio ambiente porque
disponibiliza ao ecossistema uma grande quantidade de insetos polinizadores que contribuem para
a reprodução das plantas, além de favorecer a conservação das próprias espécies de abelhas que
estão sendo criadas. Entretanto, o transporte de colônias para fora de sua área de ocorrência natural
pode causar impactos ambientais negativos à própria meliponicultura. O transporte indevido de
colmeias de espécies de abelhas sem ferrão para localidades de onde elas não são nativas é capaz
de prejudicar seu manejo em longo prazo devido às dificuldades de adaptação à vegetação e ao
clima distintos da sua área de origem. Além disso, existe a possibilidade de as abelhas sem ferrão
exóticas competirem por recursos florais com as espécies nativas, comprometendo a viabilidade e
a saúde das populações locais ao longo das gerações. Nesse sentido, identificar e reconhecer o
desempenho de espécies de abelhas sem ferrão locais para a obtenção de produtos das colônias ou
para o uso na polinização agrícola são fatores determinantes para uma meliponicultura de sucesso
e para a conservação ambiental. Portanto, a escolha das espécies constitui um passo fundamental
para o sucesso da criação, pois é preciso considerar os possíveis riscos às populações de abelhas
nativas com a introdução de espécies exóticas. A criação de abelhas sem ferrão locais pode ser uma
boa fonte de renda para as pessoas envolvidas nessa atividade e para o agronegócio regional. Sua
contribuição na preservação de espécies nativas e do meio ambiente como um todo agrega valor a
essa atividade e beneficia toda a sociedade.

Palavras-chave: área de ocorrência; diversidade;


endemismo; preservação; regionalismo.

65
Meliponicultura: uma atividade para a geração de renda, mas também valores
conservacionista ambientais e sociais para seu manejo eficiente e
A criação de abelhas sem ferrão é uma atividade duradouro.
econômica com alto potencial conservacionista,
desde que as espécies criadas ocorram Embora a meliponicultura seja uma atividade
naturalmente na região onde o meliponário está benéfica para o meio ambiente, algumas práticas
instalado1. A sustentabilidade dessa atividade podem causar impacto ambiental negativo.
é obsevada logo que ela se inicia, ou seja, os Uma das mais preocupantes é a introdução de
enxames, em vez de ser obtidos por meio da espécies de abelhas sem ferrão oriundas de
coleta predatória na natureza, são adquiridos por fora de sua sua área de ocorrência natural, com
compra ou troca com outros meliponicultores da potencial de causar problemas de competição,
região ou, ainda, capturados por meio de ninhos- transmissão de doenças, endocruzamento e até
iscas (figura 1). Essas práticas evitam a derrubada extinção de outras espécies. Parte do interesse
desnecessária de árvores, contribuindo, assim, em adquirir espécies de abelhas sem ferrão de
para a conservação das plantas que oferecerão outras regiões geográficas se deve ao fato de que
abrigos e/ou recursos alimentares para as muitos meliponicultores desejam ter espécies
populações de abelhas sem ferrão. Atitudes com grande capacidade de produção de mel.
como essas fazem da meliponicultura uma Elas também são geralmente de fácil manejo
atividade viável e de longo prazo porque ela e pouco defensivas, o que acaba aumentando
incorpora princípios não apenas econômicos ainda mais o interesse por essas espécies.

Ao longo deste capítulo, apresentamos


argumentos para não criar abelhas fora de suas
regiões de ocorrência natural. Um deles é que
existem opções de espécies nativas, e com as
características desejadas pelos criadores, em
todas as regiões e Estados brasileiros. Nesse
sentido, o Brasil é um país privilegiado porque
aqui há cerca de 240 espécies de abelhas sem
ferrão formalmente descritas (Pedro 2014).
Figura 1. Ninho-armadilha confeccionado com
garrafa PET. Aqui, é possível observar a obtenção Assim, por mais que certas espécies sejam
ambientalmente adequada de captura de enxames de pouco interessantes para o manejo devido ao
abelhas sem ferrão na natureza. Esse método contribui
baixo acúmulo de produtos com potencial de
não apenas para a manutenção de populações
silvestres sadias, já que o enxame é obtido de colônias utilização nas colônias ou por sua agressividade,
locais, bem como colabora para a preservação das há, em todas as regiões brasileiras, diversas
plantas, já que elas não precisam ser derrubadas para
a obtenção do enxame. (foto: Cristiano Menezes) espécies adequadas para criação. Apesar

1
Essa atividade, porém, possui alguns aspectos negativos de homogeneização das populações, aumento da competição entre espécies
e maiores chances de transmissão de doenças, como discutido em capítulos anteriores. Entretanto, se bem direcionada, esses efeitos
podem ser contornados e seus impactos negativos, reduzidos.
66
FONTE: Adaptado de Jaffé et al. 2015; Pedro 2014

Figura 2. Meliponas (uruçus, jandaíras) vs. outras espécies de abelhas sem ferrão: o gênero Melipona é bastante
representativo na meliponicultura brasileira. Azul: melíponas; vermelho: não melíponas. *Espécies de abelhas
representadas apenas pelos seus gêneros, como Plebeia sp. e Scaptotrigona sp., não foram consideradas aqui (figura 3).

disso, os dados atuais demonstram que a em todo o território nacional, um aspecto


meliponicultura brasileira maneja apenas 2% interessante porque a Melipona sp. também
(Jaffé et al. 2015) de todas as espécies existentes apresenta essas características, embora tenha
no território brasileiro (Pedro 2014) e, destas, porte maior. De qualquer modo, esses dados
cerca de dois terços são representados por sugerem que se cria no Brasil uma baixa
apenas cinco espécies de abelhas sem ferrão . variedade de espécies de abelhas sem ferrão
Isso demonstra que, além de haver uma baixa com potencial de manejo. Isso demonstra que
utilização das outras espécies disponíveis, há muitas espécies ainda recebem pouca atenção
um viés para a criação de espécies do gênero por parte dos meliponicultores (figura 3).
Melipona e Tetragonisca (Jaffé et al. 2015)
(figuras 2 e 3). A criação de abelhas sem ferrão locais pode
contribuir para a conservação dessas espécies,
A abelha jataí (Tetragonisca angustula) é inclusive daquelas ameaçadas de extinção.
tradicionalmente conhecida por seu fácil manejo, Por exemplo: atualmente, há quatro espécies
baixa defensividade e boa produção de mel de abelhas sem ferrão vulneráveis, segundo a

2
Segundo um levantamento feito no Brasil com diversos meliponicultores, Jaffé et al. (2015) observaram que pouco mais de 75% das
abelhas sem ferrão criadas correspondiam às espécies Tetragonisca angustula, Melipona quadrifasciata, M. subnitida, M. scutellaris e M.
fasciculata. Ou seja, apenas 2% de pelo menos 240 espécies reconhecidamente nativas no País.
67
FONTE: Adaptado de Jaffé et al. 2015

Figura 3. Principais gêneros de abelhas sem ferrão criados no Brasil: no território nacional, há cerca de 29 gêneros
de abelhas sem ferrão (Pedro, 2014). Contudo, pode-se observar que a meliponicultura brasileira tem se baseado na
criação de apenas sete desses gêneros, com predominância de Melipona e Tetragonisca (cerca de 92% dos gêneros
criados).

lista brasileira de espécies ameaçadas da fauna de ninhos-iscas, de acordo com o Conselho


(MMA 2014). Duas delas têm sido beneficiadas Nacional de Meio Ambiente (Conama 2004),
pela criação em larga escala (Melipona rufiventris, sem necessidade de recorrer a espécies de fora.
Melipona scutellaris), enquanto, para outras
duas (Melipona capixaba, Partamona littoralis), Portanto, considerando-se a grande diversidade
o manejo inexiste ou ocorre em pequena escala de espécies de abelhas sem ferrão que existe
(Jaffé et al. 2015). Esse fato é representativo no território brasileiro, a prática de buscar
porque somente algumas delas recebem espécies de fora da região, além de arriscada,
considerável atenção dos meliponicultores. É pode homogeneizar a atividade, o que limitaria a
possível que a criação das duas últimas seja variedade de produtos que poderiam ser obtidos
mais difícil devido a limitações técnicas, como caso espécies locais fossem mais criadas e
ausência de caixas padronizadas ou falta de manejadas. Conforme discutimos neste capítulo,
interesse imediato no seu manejo. Entretanto, a a criação de espécies que ocorrem naturalmente
troca de experiências entre os meliponicultores em determinada região traz diversos benefícios,
da região poderia contribuir para alcançar formas tanto para os criadores quanto para as próprias
alternativas de criar espécies locais obtidas por abelhas sem ferrão. A razão central disso é que
meio de multiplicação de colônias ou por meio elas já se adaptaram às condições ambientais
3
Aqui, condições ambientais incluem variáveis bióticas como tipo de vegetação, organismos causadores de doenças (bactérias, vírus e
ácaros) e variáveis abióticas, inerentes à geografia local, a exemplo da altitude e condições climáticas como temperatura, irradiação solar e
umidade relativa.
68
regionais de onde são nativas, o que facilita sua de onde ela foi adquirida fica facilitado. Isso
busca por alimento e reduz de modo considerável permite que a atividade possa ser, inclusive,
a necessidade de cuidados especiais por parte desenvolvida em centros urbanos nos quais
do meliponicultor. Ademais, dificilmente sofrem a diversidade de plantas não chega a ser tão
os efeitos negativos de endocruzamentos e alta quanto nas zonas rurais. Dados recentes
são mais resistentes a doenças, parasitas e demonstram, por exemplo, que a quantidade
patógenos locais. de colônias manejadas em áreas urbanas é
praticamente a mesma das zonas rurais (Jaffé et
A rica diversidade regional al. 2015) (figura 4A). Além disso, quase metade
de abelhas sem ferrão e sua dos meliponicultores brasileiros está localizada
utilização exclusivamente nas áreas urbanas (Jaffé et al.
2015) (figura 4B).
Diversas espécies de abelhas sem ferrão
podem ser criadas e manejadas em caixas
Essa flexibilidade de locais (zonas rurais ou
padronizadas para obter seus produtos ou seus
urbanas) onde a meliponicultura pode ser
serviços de polinização agrícola, estes últimos
praticada é ou promovida pela enxameação
predominantemente nas zonas rurais. Quando
de espécies de abelhas sem ferrão locais para
uma colônia de abelhas é capturada por meio
ninhos-iscas (Oliveira et al. 2012; Silva et al. 2014)
de ninho-isca ou adquirida de meliponicultores
ou devida à sua facilidade de se multiplicar (Jaffé
vizinhos, seu manejo em longo prazo na região

Figura 4. Abelhas sem ferrão que ocorrem em suas próprias regiões de origem podem ser criadas com sucesso tanto
em áreas rurais quanto nas urbanas. A – A quantidade de colônias em áreas urbanas e rurais é praticamente a mesma.
A categoria Diversos aqui significa ambas as áreas ou outros tipos de localidades. B – Metade dos meliponicultores
brasileiros está estabelecida em áreas urbanas do País.

69
et al. 2015). Entretanto, o que fazer caso espécies suas necessidades proteicas, o que torna o
nativas pouco tradicionais colonizem os ninhos- mel impróprio para consumo.
iscas? Esse é um impedimento que precisa ser
contornado por meio do melhor conhecimento • Abelhas mutualísticas (Schwarzula spp.,
da biologia das espécies incomuns, a fim de Scaura spp.) – apresentam comportamento
aumentar a diversidade de abelhas sem ferrão altamente especializado, necessitando de
regionais mantidas dentro dos meliponários. parceiros específicos (cochonilhas) para
Certamente, isso demandará alguns cuidados sobreviver ou substratos de nidificação
dos meliponicultores para manter tais abelhas (cupinzeiros). As espécies de Schwarzula
saudáveis em longo prazo. spp. precisam coletar o honeydew5
secretado por cochonilhas dentro de seu
Embora se busque também despertar no próprio ninho para se alimentar e construir
meliponicultor o interesse em explorar mais a os ninhos. Algumas espécies de Scaura
diversidade de abelhas sem ferrão comuns da necessitam de cupinzeiros para estabelecer
sua própria região, obtidas naturalmente de seus ninhos.
modo sustentável, há evidentemente espécies
pouco recomendadas para a criação para fins • Abelhas de solo (Mourella caerulea,
comerciais. Abaixo, destacam-se algumas Schwarziana spp., Geotrigona sp.) – têm
espécies ou gêneros dessas abelhas que o hábito de fazer ninhos no solo. Embora
possuem certas restrições de manejo4: se conheçam os esforços empregados na
tentativa de manter colônias dessas espécies
• Abelhas caga-fogo (Oxytrigona spp.) – são em colmeias adaptadas de diferentes
muito agressivas e liberam uma substância modelos, as chances de sucesso são
ácida que causa queimaduras na pele. extremamente baixas. Assim, recomenda-se
proteger os ninhos conhecidos, mantendo-
• Abelhas iratim (Lestrimelitta sp.) – são os nos seus locais originais, a fim de evitar
cleptobióticas, ou seja, roubam alimento de perdas.
ninhos de outras espécies de abelhas sem
ferrão, colocando em risco outras espécies Apesar de as espécies mencionadas
que forem criadas no local. representarem alguma limitação à sua criação
ou ao interesse imediato no seu manejo, os
• Abelhas necrófagas (Trigona hypogea, criadores no Brasil dispõem ainda de uma
Trigona necrophaga, Trigona crassipes) diversidade de espécies que merecem atenção
– possuem o hábito de se alimentar de não apenas para a produção do mel, como
proteína animal, ou seja, podem visitar ocorre tradicionalmente, mas também de outros
carcaças de animais também a fim de obter produtos das colônias (pólen, cera, própolis)
ou mesmo para a polinização agrícola. Neste
4
Embora o manejo das espécies/gêneros listados aqui seja restrito ou não recomendado, os ninhos naturais dessas abelhas devem ser
mantidos vivos e protegidos, pois contribuem para a diversidade da fauna local de abelhas e para a dinâmica de populações da localidade.
5
Por honeydew, entende-se aqui a substância açucarada comumente excretada por insetos da ordem Hemiptera, como cigarrinhas e cochonilhas.
70
Figura 5. Riqueza de abelhas sem ferrão conforme a região geográfica e o Estado brasileiro: o quadro mostra que as
diferentes regiões brasileiras possuem, de modo geral, uma grande diversidade de espécies de abelhas sem ferrão,
que se distribuem de forma desigual no território nacional e são naturalmente adaptadas aos respectivos biomas
(Amazônia, Pantanal, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pampas), onde têm ocorrência natural. A linha tracejada
indica a média, em parênteses, por região do País.

último caso, é sabido que muitas espécies de praticamente todos os Estados brasileiros
abelhas sem ferrão que não possuem potencial possuem ao menos uma espécie de abelha sem
produtor de mel são úteis na agricultura (Slaa ferrão de gêneros comumente valorizados pelos
et al. 2006) e elevam o valor econômico das meliponicultores (Jaffé et al. 2015), como é o
colheitas (Giannini et al. 2015). Portanto, sugere- caso da jataí (Tetragonisca spp.), que ocorre em
se que o meliponicultor, além de selecionar todo o território nacional, assim como das uruçus
espécies de fácil manejo e de bom desempenho (Melipona spp.), das tubunas (Scaptotrigona
na sua região para a produção de mel, escolha spp.) e das mirins (Plebeia spp.)
aquelas com potencial de atender às novas
oportunidades e necessidades que surgem no Se esse esforço para evitar o transporte
mercado de agronegócios. generalizado de colmeias de abelhas por todo
o território nacional for alcançado, todos os
Cada uma das cinco regiões brasileiras possui biomas brasileiros serão favorecidos (figura 5).
mais de 20 espécies de abelhas sem ferrão Do mesmo modo, a diversidade de abelhas
(figura 5). Isso significa que, de um modo geral, sem ferrão de cada Estado será protegida e

71
beneficiada por essa atitude responsável dos isso, é compreensível que os meliponicultores
meliponicultores. O potencial local deve ser desejem espécies não locais cujas colônias
valorizado pelos criadores de abelhas sem ferrão desenvolvam-se em curto período para posterior
porque disso resultará o reconhecimento da venda e que sejam também boas produtoras
sociedade, que poderá desfrutar de mais tipos de mel. No entanto, os criadores que possuem
de mel, pólen, própolis e outros produtos e os maiores plantéis e que têm tido sucesso
serviços derivados da meliponicultura. na atividade trabalham com espécies locais.
Isso provavelmente ocorre porque elas se
Criação de espécies regionais desenvolvem com mais facilidade e contornam
e agregação de valor aos seus as adversidades próprias da região. Os dados
produtos demonstram que a maioria dos meliponicultores
de sucesso (com mais de 50 colônias) utiliza
De acordo com os meliponicultores, a legislação
espécies nativas, sugerindo que essa escolha
brasileira (Conama 2004) é um dos principais
configura um importante fator que contribui para
problemas para praticar essa atividade no Brasil
uma criação bem-sucedida (figura 6).
(Jaffé et al. 2015). Dentre todas as restrições
ali presentes, uma das que mais parecem
Portanto, ao invés de adquirir colônias de fora,
incomodar os criadores é a impossibilidade de
os meliponicultores poderiam criar espécies
comercializar e transportar ninhos de abelhas
nativas a fim de explorar e valorizar os distintos
sem ferrão fora de sua área nativa. Por isso, é
méis e suas características específicas regionais
comum a justificativa de que as abelhas sem
(Souza et al. 2006). Cada espécie de abelha
ferrão “são brasileiras” – logo, pode-se criá-las
produz um mel característico, com propriedades
em qualquer região do País. Algumas pessoas
exclusivas e com sabor peculiar e único. Assim,
também pontuam que os meliponicultores
se determinada região possui uma espécie
ajudam a preservar as abelhas sem ferrão
de abelha endêmica, que ocorre somente
no Brasil – portanto, podem fazer isso onde
ali, é possível agregar um valor especial a
quiserem. De fato, os meliponicultores possuem
esse mel. Mas tal valor se perderia caso essa
um papel importante na preservação das abelhas
abelha fosse levada para outros lugares e se
sem ferrão, mas apenas quando o manejo
tornasse comum entre os criadores de outros
ocorre em consonância com os princípios
locais. Economicamente, considera-se mais
da meliponicultura sustentável e nas áreas
interessante focar em um mel regional, com
endêmicas dessas espécies.
certificado de origem que lhe agrega valor, do
que criar abelhas de outras regiões e produzir
A maior parte do transporte e da comercialização
tipos de mel que todos produzem.
de colmeias de abelhas sem ferrão (87%) está
voltada para a obtenção de renda com a venda
do mel e de enxames (Jaffé et al. 2015). Por

72
Figura 6. Criação de abelhas sem ferrão nativas – uma atividade bem-sucedida: a maioria dos meliponicultores de
sucesso, ou seja, aqueles que possuem mais de 50 colônias, tem, como principal espécie no meliponário, abelhas
sem ferrão que ocorrem na sua própria região.

2016), o que configura um aspecto fundamental


Abelhas sem ferrão são
para sua sobrevivência. Se a biologia básica
adaptadas ao clima e à
das abelhas sem ferrão é ignorada e a escolha
vegetação regionais
equivocada por enxames de outras regiões
Ao longo de milhões de anos de evolução, as é feita, até mesmo a insolação, que difere em
abelhas sem ferrão se adaptaram ao clima e à cada parte do País, pode afetar os horários de
geografia do local onde ocorrem atualmente forrageio. Desse modo, uma vez que a incidência
(Camargo and Pedro 1992). Por conta disso, solar afeta diretamente a termorregulação e,
apresentam comportamentos específicos nas consequentemente, o comportamento de
distintas estações do ano e períodos do dia, forrageio das abelhas sem ferrão (Biesmeijer
otimizando as atividades externas das colônias et al. 1999), espécies deslocadas de sua área
para buscar alimento (figura 7) nos melhores original enfrentam mais dificuldades para manter
horários e locais (Ramalho 2004; Nunes-Silva et a colônia saudável.
al. 2010; Aleixo et al. 2016; Keppner and Jarau

73
Transportar espécies de abelhas sem ferrão Não apenas as condições ambientais climáticas
de uma região para outra tem consequências relacionadas às paisagens nas quais essas
drásticas para o desenvolvimento das abelhas se desenvolveram afetam sua biologia,
colônias. Por exemplo: um estudo comparou mas também o fato de elas coexistirem
o desempenho de forrageio de M. subnitida localmente com outras espécies de abelhas
(jandaíra) com M. quadrifasciata (mandaçaia) competidoras. A abelha sem ferrão Partamona
(Maia-Silva et al. 2014). No estudo, a jandaíra orizabaensis, por exemplo, é capaz de forragear
foi introduzida artificialmente em São Paulo, de na chuva para evitar a competição com uma
onde a mandaçaia é nativa. Constatou-se que espécie mais agressiva que ocorre na mesma
a jandaíra tinha limitações para forragear em região, Trigona fuscipennis (Keppner e Jarau
períodos do ano em que as temperaturas eram 2016). Isso demonstra que abelhas sem ferrão
mais frias e diferentes daquelas a que estava que já convivem há milhões de anos na mesma
habituada, mas às quais a mandaçaia estava região conseguem partilhar recursos e coexistir
adaptada. Como consequência, cerca de 50% com outras espécies locais, desde que estejam
das colônias de jandaíra foram perdidas e em sua área de ocorrência natural.
pereceram ao longo de um ano de observações.
Isso constitui uma clara evidência de que as A adaptação das abelhas sem ferrão ao clima
espécies de abelhas sem ferrão possuem regional é notável em algumas espécies de
limitações fisiológicas e comportamentais Plebeia e Melipona, por exemplo, que conseguem
para sobreviver em um local onde o clima e a prever condições ambientais desfavoráveis e,
vegetação são distintos daqueles em que elas se em resposta, cessam a produção de crias, um
desenvolveram e aos quais se adaptaram. evento conhecido como diapausa reprodutiva

Figura 7. Espécies de abelhas sem ferrão são importantes visitantes florais e/ou polinizadoras: à esquerda, a abelha
arapuá (Trigona spinipes) visitando flor de morango e, à direita, a abelha uruçu-da-bunda-preta (Melipona melanoventer)
visitando flor de urucum.
Ambas as espécies visitam flores para a coleta de pólen e/ou néctar. O exemplo demonstra que mesmo espécies
relativamente agressivas ou pouco produtivas, portanto, pouco atraentes para a criação, podem atuar como agentes
polinizadores. (fotos: Cristiano Menezes)

74
(revisto por Santos et al. 2014). Com a abelhas sem ferrão, como Melipona bicolor
aproximação da estação fria, elas não apenas bicolor, Melipona bicolor schencki, Melipona
modificam os horários de forrageamento e os scutellari e Plebeia droryana, apontam que, se
tipos de alimentos que entram nas colônias as condições climáticas mudarem na área de
(Nunes-Silva et al. 2010), como também alteram ocorrência dessas espécies, elas enfrentarão
a estrutura do ninho para resistir melhor ao problemas para sobreviver em tais locais
inverno, aumentando as camadas de invólucro (Giannini et al. 2012; Santos et al. 2015a). Assim,
ao redor da cria (exemplos em Santos et al. as estimativas sugerem que, se essas abelhas
2014). estiverem expostas a condições ambientais
diferentes daquelas às quais estão adaptadas,
É importante destacar que, mesmo que uma a viabilidade e a sobreviênvia de suas colônias
espécie de abelha sem ferrão possua uma ficarão comprometidas (Giannini et al. 2012;
ampla distribuição geográfica, como Plebeia Santos et al. 2015a).
droryana (nove Estados) e Melipona marginata
(cinco Estados), elas diferem geneticamente ao A partir de simulações computacionais, é possível
longo de sua distribuição. Deve-se ter atenção à determinar, com alto grau de precisão, o nível
origem de suas colônias, pois as linhagens que de adequabilidade de habitat dessas espécies,
não estão adaptadas a fazer diapausa no inverno ou seja, quanto estão aptas a sobreviver em
em uma determinada porção do Nordeste, determinado local, dependendo das condições
por exemplo, podem sofrer ou mesmo perecer ambientais encontradas ali. A fim de exemplificar
nesse período na Região Sul, de onde também essa metodologia, geramos um modelo de
são nativas. Essa é uma outra demonstração adequabilidade de habitat para a distribuição
do quão importante é criar abelhas sem ferrão geográfica de Plebeia droryana para demonstrar
locais, uma vez que já estão adaptadas ao clima quanto seria inviável realocar colônias dessas
e ao ambiente regionais. Dentre as variáveis espécies para outras regiões do País onde as
ambientais, a temperatura é um dos principais condições climáticas são diferentes da sua área
fatores que afetam sua sobrevivência e seu de ocorrência natural. Desse modo, é possível
desenvolvimento (Torres et al. 2007; Vollet-Neto observar, na figura 8, que a área maior do mapa,
et al. 2015; Santos et al. 2015b). Portanto, na cor cinza, é inadequada para a criação dessa
realocar tais espécies para fora de sua área espécie quando considerados seu clima, sua
de ocorrência natural pode acarretar estresse vegetação e sua geografia. Nessa porção, o
fisiológico e comprometer, assim, o manejo meliponicultor teria dificuldades para manter a
bem-sucedido de suas colônias. espécie, visto que seria necessário despender
muito esforço e recursos financeiros para tentar
Em geral, os estudos que avaliam o efeito atender às demandas alimentares (nutricionais)
da variação do clima (temperatura, umidade e de termorregulação dessas abelhas. Assim
relativa, precipitação) sobre as populações de

75
Figura 8. Condições ambientais regionais são importantes para a manutenção e a viabilidade em longo prazo das
populações de abelhas sem ferrão: modelagem da adequabilidade de habitat para a distribuição geográfica das
populações de Plebeia droryana segundo pontos georreferenciados obtidos da literatura e das seguintes fontes:
Museu de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; SpeciesLink [http://splink.
cria.org.br/]; Global Biodiversity Information Facility. Figura de Plebeia droryana cedida por Kátia Paula Aleixo. Mapa
gerado por André Luis Acosta. (foto: Kátia Aleixo)

sendo, o fato de P. droryana ocorrer em parte Amazonas, de onde elas não são nativas (Pedro
do território brasileiro e poder ser considerada 2014).
“brasileira”, de modo geral, não implica que
esteja apta a sobreviver adequadamente Especificamente o fato de a abelha-mirim
em qualquer região do País. Mesmo porque (P. droryana) não ocorrer no Amazonas, por
o Brasil tem dimensões continentais e, de exemplo, não significa que os meliponicultores
acordo com os ecossistemas que compõem daquela região estejam desprovidos de espécies
cada bioma, as condições ambientais mudam alternativas de Plebeia sp. naquele local. O
drasticamente, diferindo de uma região para criador de abelha sem ferrão do Amazonas
outra no território nacional. É possível imaginar o pode obter, por ninhos-iscas ou com outros
estresse de colônias de P. droryana caso fossem meliponicultores da região que eventualmente já
transportadas do Rio Grande do Sul para o as criam, espécies-irmãs de P. droryana, como P.
alvarengai, P. margaritae, P. minima e P. variicolor

76
(Pedro 2014), ou seja, pelo menos quatro Um caso semelhante, e ainda mais recente, com
espécies alternativas que são aparentadas consequências ambientais registradas, ocorreu
e muito similares biologicamente à mirim com a introdução, no Chile, de mamangavas
droryana. Do mesmo modo, um meliponicultor Bombus terrestris originárias da Europa, na
do Rio Grande do Sul não precisaria obter década de 80. Algumas rainhas fugiram e, uma
espécies amazônicas de mirim (Plebeia spp.) década depois, ninhos silvestres dessa espécie
para o Sul porque na região ocorrem ao menos foram encontrados na Argentina (Morales
seis espécies-irmãs de P. droryana, como P. et al. 2013). Agora, há grandes chances de
catamarcensis, P. emerina, P. nigriceps, P. essas mamangavas invadirem o Brasil nos
remota, P. saiqui e P. wittmanni (Pedro 2014). próximos anos (Acosta et al. 2016). Entretanto,
na Argentina, onde a mamangava exótica está
Introdução de abelhas sem presente, embora seja polinizadora efetiva
ferrão pode causar problemas de culturas agrícolas, tanto ela quanto outra
ambientais mamangava introduzida naquele país (Bombus
ruderatus) estão causando redução drástica da
O transporte de abelhas sem ferrão para população da nativa Bombus dahlbomii devido
regiões onde elas não ocorrem naturalmente à competição por alimento nas flores (Morales et
pode contribuir indiretamente para a extinção al. 2013).
de espécies locais. Isso porque, se uma for
muito similar à outra, porém mais eficiente na O dano ambiental causado pela introdução de
coleta ou na ocupação de recursos (locais abelhas sem ferrão em áreas não endêmicas pode
de forrageamento, nidificação), é provavel se dar não apenas por causa da interferência
que possa prevalecer e afetar a outra. Essa na competição por alimento ou por substratos
competição pode ser gerada tanto pelas para nidificação. O transporte indevido e não
colônias de espécies exóticas mantidas nos autorizado de colônias de espécies de abelhas
meliponários quanto por aquelas exóticas que sem ferrão para diferentes regiões do Brasil é
eventualmente enxamearem desses locais. capaz de ocasionar problemas na reprodução
Sabe-se, por exemplo, que a introdução de das espécies. Como relatado nos capítulos
abelhas melíferas africanas no Brasil, na década anteriores, há registros de que espécies de jataí
de 50, saiu do controle quando algumas rainhas (Tetragonisca angustula e Tetragonisca fiebrigi)
escaparam com operárias e fundaram ninhos na estão formando híbridos em regiões onde foram
natureza (Michener 1973). Isso demonstra que introduzidas e onde anteriormente as espécies
mesmo o manejo de uma espécie exótica e bem não compartilhavam as mesmas áreas (Francisco
conhecida pode fugir ao controle do criador, et al. 2014). Existem também dados de híbridos
ainda que experiente. entre populações de Melipona capixaba e
Melipona scutellaris na região de Minas Gerais,

77
onde nenhuma das duas ocorrem naturalmente de clima e de vegetação a que estão adaptadas.
(Nascimento et al. 2000). Mesmo que, num primeiro momento, os
meliponicultores obtenham relativo sucesso
Esses casos demonstram que a intenção do na criação de espécies de abelhas sem ferrão
meliponicultor de criar espécies exóticas para exóticas, em longo prazo elas terão possibilidade
preservá-las pode ter efeito contrário e afetar de sofrer com variações climáticas ou restrições
as próprias espécies nativas do seu Estado. Em alimentares por não estarem adaptadas àquela
outras palavras, não se ignora a possibilidade de região. Isso poderá reduzir substancialmente sua
abelhas sem ferrão se adaptarem a áreas distintas diversidade genética, levando-as a uma baixa
das suas regiões de origem. A precaução que se resistência a patógenos e parasitas, bem como
levanta aqui é o risco para as espécies nativas a adversidades, a exemplo da produção elevada
de partição dos recursos florais (pólen e néctar) de machos diploides.
com uma espécie exótica. O impacto ambiental
dessa competição possivelmente não seria A atividade econômica desempenhada pelos
imediato e, portanto, seria pouco percebido pelos meliponicultores ao criar abelhas sem ferrão
criadores. A restrição de recursos nutricionais nativas de seus próprios Estados é uma
afeta a condição das colônias, tornando-as demonstração dos elevados valores ambientais
mais vulneráveis a outras adversidades, inclusive adotados por esses profissionais e oferecidos
a parasitas e patógenos. Essa situação pode à sociedade brasileira. Portanto, estimular a
prejudicar o desenvolvimento das colônias e as criação das espécies regionais pode não apenas
chances de manutenção das populações nativas ajudar a preservar as espécies e o bioma de
de abelhas sem ferrão, sejam as silvestres, sejam onde elas são nativas, como também aumentar
as mantidas nos meliponários. o sucesso na obtenção de bons resultados para
o meliponicultor.
Considerações finais
A aquisição de novos enxames de espécies
de abelhas sem ferrão por meio de compra
ou de ninhos-armadilha está qualificando a
meliponicultura, elevando-a a uma atividade
ambientalmente sustentável no Brasil. Aliado
a isso, é crescente a conscientização dos
meliponicultores sobre os riscos causados
pela introdução de espécies em áreas onde
não há registro de sua ocorrência, bem como
sobre o conhecimento de que as colônias se
desenvolvem adequadamente sob condições

78
Agradecimentos
CFS é grato à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa do Programa
Nacional de Pós-Doutorado.

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81
Foto: Cristiano Menezes

82
6
PROPOSTAS PARA A
REGULAMENTAÇÃO DO
MANEJO E DO TRANSPORTE
DE ABELHAS SEM FERRÃO

RESUMO Blandina Viana1


& Sérgio Amoedo1,2
1
Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia
blandefv@ufba.br
2
Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA

Os polinizadores, mais especificamente as abelhas, são componentes essenciais nos agroecossistemas,


pois a presença destes nos cultivos pode, na maioria dos casos, ser necessária para aumentar a
produtividade agrícola e contribuir para a melhoria da qualidade dos frutos e/ou sementes. Atualmente,
a agricultura mundial está cada vez mais dependente do serviço de polinização prestado pelas
abelhas, manejadas e/ou silvestres. Assim, para suprir essa demanda, o adensamento com abelhas
manejadas, mais comumente Apis mellifera, é uma prática utilizada em vários países, inclusive no
Brasil. Diante desse contexto, o manejo de abelhas sem ferrão para fins de polinização é uma atividade
promissora e economicamente viável, com benefícios mútuos para meliponicultores e agricultores.
No entanto, o uso das abelhas manejadas na agricultura requer o deslocamento das colônias para
onde o serviço de polinização é demandado, o que pode resultar em ameaças para as populações
locais desses insetos. Dessa forma, é importante que tal atividade seja regulamentada por legislações
especificas que respeitem suas especificidades. Ademais, os segmentos envolvidos nessa cadeia
produtiva devem estar suficientemente informados e sensibilizados acerca dos problemas e das
soluções. No presente capitulo, destacamos a importância das abelhas na agricultura, discutimos os
principais entraves à regulamentação do manejo e do transporte de abelhas sem ferrão para criação e
polinização de cultivos, fazemos algumas recomendações para revisão e elaboração dos instrumentos
legais estaduais e, finalmente, apresentamos sugestões para formulação de políticas públicas que
fomentem a atividade e que estimulem o engajamento e a sensibilização de todos os segmentos da
sociedade envolvidos com a atividade, em prol da conservação das abelhas e do serviço de polinização
prestado por elas.

Palavras-chave: legislação; meliponicultura;


regulamentação.

83
a polinização dos cultivos proporciona benefícios
Agricultura e abelhas
mútuos para agricultores e criadores de abelhas.
O papel dos polinizadores na agricultura, mais Na Bahia, por exemplo, estudos recentes
especificamente das abelhas, é amplamente mostraram que a adição de colônias de uma
reconhecido. Hoje, no mundo todo, essa espécie de abelha nativa manejada, denominada
atividade está cada vez mais dependente do Melipona quadrifasciata (mandaçaia), a pomares
serviço de polinização prestado pelas abelhas, de macieira previamente adensados com Apis
manejadas e/ou silvestres. A presença desses mellifera, contribuiu para o aumento de 67% na
insetos pode aumentar a produtividade e produção de sementes e de 44% na produção
contribuir para a melhoria da qualidade dos de frutos nessa cultura (Viana et al. 2014).
frutos e/ou sementes.
Para o agricultor, as abelhas proporcionam
Contudo, os sistemas agrícolas convencionais benefícios diretos, devido ao aumento da
atuais têm sido uma séria ameaça à sobrevivência produtividade e da qualidade dos frutos e das
desses animais. Há relatos recentes de declínio sementes, e indiretos, pela manutenção das
de algumas espécies de abelhas em vários áreas naturais, contribuindo para a estabilidade
países do mundo, causados principalmente pelo de outros serviços ecossistêmicos, além da
uso intensivo do solo e pelo modo de produção polinização. Para o criador de abelhas, alugar
agrícola, de alto impacto, baseado na supressão colônias para fins de polinização pode ser
de vegetação natural para o plantio de grandes uma atividade bastante rentável. Nos Estados
áreas com monoculturas (IPBES 2016). Unidos, o aluguel de uma colônia da abelha
Apis mellifera chega a custar US$ 200. No Brasil,
Assim, para suprir a demanda dos cultivos pelos o preço do aluguel de colmeias dessa espécie
serviços de polinização desempenhados pelos pode variar de R$ 90 a R$ 150, de acordo com a
polinizadores silvestres, o adensamento das região, com as condições das colônias e com a
áreas cultivadas com abelhas manejadas, mais duração da florada do cultivo.
comumente Apis mellifera, é uma alternativa
que vem sendo utilizada com frequência pelos No caso das abelhas sem ferrão, o aluguel de
agricultores em diversos países, inclusive no colônias para fins de polinização, embora recente
Brasil. Estudos revelam que apenas adensar e ainda pouco procurado pelos agricultores, é
os cultivos com uma única espécie de abelha também uma prática economicamente viável e
manejada não basta para prover a demanda com grande potencial de crescimento, dados os
por esse serviço, havendo necessidade de avanços no desenvolvimento de técnicas para
diversificar o número de espécies manejadas. criação em massa dessas abelhas e a expansão
da meliponicultura, nos últimos anos, no Brasil.
Hoje, já existem muitas evidências de que a
diversificação no uso de abelhas manejadas para

84
A criação das abelhas sem ferrão e seu uso na naturais. Com o advento da Lei Complementar
polinização agrícola inevitavelmente requerem o nº 140/2011, a responsabilidade, no âmbito
deslocamento das colônias em algum momento. da gestão e da proteção ao meio ambiente,
Como abordado nos capítulos anteriores, o ficou dividida entre os entes federativos (União,
transporte de abelhas para fora de sua área de Estados e Municípios). Dessa forma, entende-se
origem pode ocasionar consequências danosas que a conformidade legal de empreendimentos
para as populações locais desses insetos. e atividades potencialmente poluidoras ou
Sendo assim, é importante que tanto o manejo e utilizadoras de recursos naturais pode ser
o transporte dessas abelhas sejam controlados licenciada e fiscalizada por quaisquer dos entes
e fiscalizados por legislações específicas federativos, obviamente dentro da sua área
quanto os setores envolvidos nessa cadeia territorial, visto que a competência constitucional
produtiva estejam suficientemente informados e é comum.
sensibilizados acerca dos problemas.
No âmbito federal, os principais instrumentos
legais que dispõem sobre a criação, o comércio
Principais entraves para a
e o transporte de abelhas nativas, e que, de certa
regulamentação do manejo e
maneira, norteiam as demais regulamentações
do transporte de colônias de
estaduais, são a Resolução Conama nº
abelhas nativas sem ferrão
346/2004 e a Instrução Normativa do Ibama
nº 07/2015. Entretanto, sendo uma gestão
Base legal
compartilhada, os Estados e os Municípios têm a
A legislação ambiental brasileira é constituída de liberdade de regulamentar as atividades inerentes
uma série de leis, decretos, portarias, resoluções, à meliponicultura, desde que não sobreponham
instruções normativas e outros instrumentos a hierarquia dos atos normativos. Nesse
legais que favorecem a convivência harmônica contexto, alguns Estados já publicaram suas
entre agricultura e polinizadores. A gestão da normas, enquanto outros estão com propostas
política da fauna nacional, incluindo as abelhas, de projetos de lei em tramitação, os quais ainda
teve início no Brasil a partir da publicação da Lei precisam ser aprovados e sancionados pelos
Federal nº 5.197/1967, que estabelece que a seus governos (tabela 1).
fauna silvestre é propriedade do Estado, sendo
proibida sua utilização, perseguição, destruição, Muitos pesquisadores e criadores de abelhas
caça ou apanha, salvo mediante licença da nativas questionam os instrumentos legais
autoridade competente. federais mencionados acima por não atenderem
às peculiaridades e às atividades inerentes à
Com a publicação da Lei nº 7.735/1989, coube prática da meliponicultura. A seguir, discutimos
ao Ibama a competência legal para, entre alguns pontos-chave dessa discussão, que
outras ações, fiscalizar e controlar os recursos devem ser considerados na elaboração dos

85
Tabela 1. Estados brasileiros que possuem instrumentos legais para o manejo e o transporte de
abelhas nativas.

ESTADO INSTRUMENTO LEGAL NÚMERO/ANO

Amazonas Lei Estadual 4.438/2017


Bahia Projeto de Lei 21.619/2015
Minas Gerais Projeto de Lei 4.943/2014
Paraná Projeto de Lei 225/2016
Instrução Normativa Sema 03/2014
Rio Grande do Sul Lei Estadual 14.763/2015
Lei Municipal de Canela 3.465/2014
Lei Estadual 16.171/2013
Santa Catarina
Decreto Estadual 178/2015
São Paulo Projeto de Lei 1.286/2015

instrumentos legais para controle e fiscalização em todo o seu território, sem necessidade de
do manejo e do transporte das abelhas nativas. autorização.

Insuficiência de regulamentação para o O mesmo artigo mencionado veta a criação de


transporte de colônias de abelhas sem ferrão abelhas nativas fora de sua região geográfica de
dentro dos limites geográficos estaduais ocorrência natural, exceto para fins científicos.
Nota-se que a legislação proíbe a criação, no
À luz da legislação brasileira, o transporte de entanto a redação do artigo não deixa claro se
abelhas nativas entre os Estados só é permitido há restrições para a migração temporária de
mediante autorização do Ibama, conforme o Art. colônias para polinização, mesmo fora da sua
6º da Resolução Conama nº 346/2004. Nota- área de ocorrência. Essa falta de clareza pode
se que a exigência da permissão fica restrita ao levar a diferentes interpretações e decisões
deslocamento interestadual. A regulamentação na esfera judicial e precisa de esclarecimento.
do transporte dentro dos limites geográficos Migrações temporárias teriam, potencialmente,
estaduais fica a cargo de cada Estado e a maioria o mesmo efeito prejudicial que a criação
deles ainda não possui regulamento específico permanente, pois, ao longo delas, poderia haver
para as abelhas sem ferrão. Em Santa Catarina, enxameações e dispersão de machos pelas
por exemplo, é exigido o documento de Guia colônias transportadas.
de Trânsito Animal (GTA) para o deslocamento
de abelhas, enquanto, no Rio Grande do Sul, o Como vimos nos capítulos anteriores, o
trânsito de abelhas nativas é livremente permitido transporte de colônias de uma região para outra

86
pode causar a padronização do perfil genético por parte dos responsáveis pelo controle, da
das abelhas, a transmissão de doenças, o distribuição geográfica natural das espécies.
aparecimento de machos diploides ou mesmo
a perda de populações de abelhas até então A determinação das áreas de ocorrência das
isoladas, que estavam adaptadas às condições espécies de abelhas é, portanto, uma limitação
climáticas e ambientais de seus habitats e que importante no cumprimento da legislação.
podem desaparecer com a chegada de novas Apesar da existência, na literatura especializada,
populações. No âmbito socioambiental, a de informações acerca das áreas de ocorrência
migração temporária de abelhas nativas para e dos padrões biogeográficos de muitas das
polinização, fora da área de ocorrência natural, espécies manejadas no Brasil, esses dados
também é um assunto bastante controverso não são de fácil acesso para o meliponicultor
em vista dos possíveis impactos que essa ação e para os agentes públicos, responsáveis pela
pode vir a causar. fiscalização e pelo cumprimento da legislação.

Assim, se, por um lado, a polinização agrícola Contudo, mesmo com esforços dessa natureza,
pode incrementar a economia em geral, por existem questões mais subjetivas envolvendo a
outro, pode acabar incentivando o comércio de delimitação das áreas de ocorrência, de forma
espécies invasoras, como foi o caso de Bombus que isso continua sendo uma limitação para
terrestris – espécie de abelha europeia que, fora que a legislação seja cumprida. Essas questões
da sua zona de ocorrência, transformou-se em estão relacionadas com diversos fatores,
ameaça à agricultura e às espécies de abelhas entre eles as incertezas teóricas associadas
nativas na América do Sul. Nesse sentido, tanto à definição de “espécie”, subespécie, raça,
o transporte para fins comerciais de colônias etc. Tais conceitos não são consensualmente
dentro de cada Estado quanto a migração definidos dentro do campo da taxonomia –
temporária de colônias para fins de polinização estudo da classificação dos seres vivos. No
devem estar previstos nas regulamentações. caso das abelhas sem ferrão, é difícil saber se
os problemas acerca do transporte ocorreriam
Limitações na determinação das áreas de entre populações distintas do que chamamos
ocorrência das espécies de abelhas sem ferrão de uma mesma espécie, mas que poderia exibir
características fisiológicas e comportamentais
Como discutido nos capítulos anteriores, a área diferentes, que não conseguimos medir. Por
de ocorrência natural das espécies de abelhas exemplo, as jataís do sul do País são similares
nativas sem ferrão é um ponto crucial de restrição às encontradas no norte? Apesar de muito
para o manejo e o transporte desses insetos no similares morfologicamente, elas possuem
País. A implementação de medidas de controle outras adaptações que não podemos facilmente
dos deslocamentos de colônias, temporários ou identificar, o que as torna significativamente
permanentes, depende do conhecimento prévio, distintas. Além disso, muitas espécies não

87
podem ser identificadas com facilidade, pois que acabam restringindo a distribuição de
diferem sutilmente de outras, por exemplo, pela populações de abelhas sem ferrão, como é o
posição e pelo tamanho de pequenas cerdas caso da Amazônia.
(pelos) que cobrem seus corpos, estruturas que
só um especialista consegue notar. Isso dificulta Entraves burocráticos para a regularização da
de forma prática a fiscalização e o conhecimento, atividade de meliponicultor
para os próprios criadores, sobre o que estão
criando. Um dos problemas apontados principalmente
pelos meliponicultores se refere aos entraves
Outro problema prático diz respeito ao fato de burocráticos relacionados à sua regularização
a distribuição das espécies não acompanhar as nos órgãos competentes. De acordo com
fronteiras geopolíticas dos territórios, de forma a Resolução Conama nº 346/2004 e com
que o transporte dentro de um Estado pode ser a Instrução Normativa Ibama nº 07/2015,
mais prejudicial para uma população de abelhas para legalizar sua atividade, todo e qualquer
do que cruzar uma fronteira estadual. No entanto, meliponicultor, independentemente da
é necessário que haja alguma regulamentação e, quantidade de colmeias que possua, é obrigado
no momento, o uso das fronteiras geopolíticas a efetuar a inscrição no Cadastro Técnico Federal
representa o que pode gerar o melhor de Atividades Potencialmente Poluidoras e/ou
dos resultados para evitar um transporte Utilizadoras de Recursos Ambientais (CTF/APP)
indiscriminado. É possível que os próprios do Ibama (http://www.ibama.gov.br/cadastro-
Estados contribuam para sanar muitos desses tecnico-federal-ctf). Essa exigência é bastante
entraves. No Rio Grande do Sul, por exemplo, questionada, sobretudo por aqueles criadores
a legislação estadual traz, na sua Instrução que vivem em áreas remotas, porque, uma vez
Normativa Sema nº 03/2014, uma relação de realizado esse cadastro, o meliponicultor fica na
espécies de meliponíneos com ocorrência no obrigação de entregar, até o dia 31 de março
Estado, o que pode ser considerado um avanço de cada ano, o Relatório Anual de Atividades
para o cumprimento da legislação. Informações exercidas no ano anterior.
relativas ao tipo de ambiente (bioma) em que a
espécie é encontrada também têm utilidade para Para o criador de abelhas nativas que possui 50
guiar o criador em relação à criação de uma ou mais colônias, além do CTF/APP, exige-se a
espécie em sua região. Em geral, as espécies autorização de uso e manejo da fauna silvestre em
distribuem-se ao longo de um tipo de vegetação cativeiro – Sisfauna (http://www.ibama.gov.br/
que acompanha uma determinada distribuição sistemas/sisfauna) – e o licenciamento ambiental
de um padrão climático. Contudo, além de ser da atividade no órgão ambiental vinculado à
difícil estabelecer a delimitação desses biomas, Secretaria Estadual de Meio Ambiente de cada
muitas vezes o que é aparentemente um único Estado.
tipo de ambiente também possui peculiaridades

88
Toda essa burocracia gera uma taxação, venda e óbito, entre outras, não adequadas
muitas vezes incompatível com a realidade às abelhas sociais que vivem em colônias,
dos pequenos meliponicultores. Na Bahia, por pois estas possuem milhares de indivíduos,
exemplo, de acordo com o Decreto Estadual impossibilitando controlar data de nascimento,
nº 16.366/2015, a remuneração básica para óbito, etc.
a análise dos processos pelo órgão ambiental
estadual (Inema) custa R$ 800, para a Esses entraves burocráticos relacionados à
autorização de empreendimentos utilizadores de regularização da meliponicultura, aliados à
fauna silvestre – Sisfauna –, e R$ 1.000, para a falta de incentivo do poder público, levam
licença ambiental, totalizando um custo de R$ o meliponicultor a continuar realizando
1.800 dos atos administrativos e autorizadores clandestinamente sua atividade, o que gera
para a regularização do meliponário. riscos não só para a conservação das espécies
de abelhas nativas, como também para toda a
Outra dificuldade apontada pelos cadeia produtiva.
meliponicultores consiste no cadastro do
empreendimento no Sisfauna. Criado por meio Recomendações para
da Instrução Normativa do Ibama nº 169/2008, regulamentações estaduais
o Sisfauna é um sistema eletrônico de gestão e do manejo e do transporte de
controle dos empreendimentos e das atividades colônias de abelhas nativas
relacionadas ao uso e ao manejo da fauna sem ferrão
silvestre em cativeiro em território nacional. Em
As legislações estaduais e federais vigentes
outras palavras, todo aquele que cria, reproduz,
não estão suprindo as necessidades de
comercializa, mantém, abate, expõe e pesquisa
regulamentação da meliponicultura. Nesse
animais da fauna silvestre é obrigado a ter o
sentido, é importante que essas leis sejam
registro no Sisfauna, que autoriza o manejo.
revistas e que se desenvolvam mecanismos
Até 2011, essa análise de solicitações e
de controle e fiscalização para atender às
emissão de autorizações de empreendimentos
especificidades dessa atividade. A seguir,
de fauna silvestre era atribuição exclusiva do
apresentamos algumas recomendações que
Ibama. Contudo, a partir da publicação da Lei
podem orientar tais revisões e subsidiar a
Complementar nº 140/2011, tal atribuição foi
elaboração de instrumentos legais nos Estados
repassada para os Estados. Assim sendo,
que ainda não regulamentaram tal prática.
as solicitações para novos empreendimentos
dessa natureza devem ser feitas diretamente
ao órgão ambiental estadual. Acontece que o Cadastro dos criadores

sistema eletrônico exige informações inerentes


É interessante que cada Estado tenha um
aos espécimes criados, tais como forma de
diagnóstico da criação de abelhas nativas no
aquisição, data de nascimento, transferência,

89
seu território, principalmente o conhecimento Transporte
do quantitativo de meliponários e das espécies
No tocante ao transporte, além de ser necessária
que estão sendo manejadas. Esses dados são
a exigência de um documento de controle, a
importantes porque podem contribuir para
exemplo da Guia de Transporte Animal (GTA), é
o mapeamento das áreas de ocorrência das
também fundamental normatizar o deslocamento
espécies locais, bem como para identificar
temporário para fins de polinização de cultivos
meliponários aptos a receber colmeias de
agrícolas e produção de mel migratória, assim
áreas próximas que sejam alvo de processo de
como a regulamentação do transporte dentro de
supressão da vegetação.
cada território estadual. Uma das questões mais
desafiadoras em tal contexto, como mencionado
Dessa forma, independentemente da autorização
anteriormente, refere-se à determinação das
de manejo e/ou licenciamento ambiental,
áreas de ocorrência natural das espécies de
prevista na Resolução Conama nº 346/2004,
abelhas sem ferrão. Nesse sentido, é essencial a
para aqueles criadores com mais de 49 colônias,
articulação entre o poder público e as instituições
a proposta é que todos os meliponários realizem
de pesquisa para compilar e disponibilizar as
o cadastro no órgão estadual competente. Esse
informações existentes, tornando-as públicas
cadastramento poderá ser on-line, feito de forma
em listas e mapas de distribuição geográfica
simplificada e gratuita, contendo informações
das ocorrências naturais das principais espécies
básicas como dados de identificação do
brasileiras manejadas nas regulamentações
meliponicultor (RG e CPF ou CNPJ), bem
estaduais, a exemplo do Rio Grande do Sul. Uma
como localização e descrição simplificada do
das ferramentas já existentes, e que pode ser
meliponário, com o número de colônias por
de grande ajuda nesse processo, é o Catálogo
espécie.
Moure (http://moure.cria.org.br/), que traz todas
as informações publicadas sobre as espécies
Manejo de abelhas presentes na região neotropical
já organizadas em relação à sua distribuição
O desenvolvimento de técnicas para a marcação
geográfica
de colônias é crucial na efetivação do controle,
do monitoramento e da fiscalização do manejo.
Dessa maneira, as caixas das colônias devem
Sugestões de políticas
ser marcadas com uma placa de identificação
públicas para engajamento
com informações referentes a número do registro
e articulação dos segmentos
no órgão competente, local de origem e espécie
da sociedade envolvidos na
manejada.
atividade
Sabemos que o manejo das abelhas sem ferrão
é uma atividade economicamente viável, que
promove benefícios mútuos para agricultores

90
e meliponicultores e que contribui para a sustentabilidade socioambiental dessa atividade,
conservação da biodiversidade. Entretanto, a apresentamos uma proposta que sistematiza e
existência de instrumentos legais, bem como de elucida as relações entre os segmentos – poder
mecanismos eficientes de controle e fiscalização, público, meliponicultores, agricultores, cientistas
embora necessária, não é suficiente para garantir e agentes públicos (figura 1) – e esclarece os
a sustentabilidade econômica e ambiental da papéis desempenhados por cada um deles,
meliponicultura nem do seu uso na agricultura. bem como as principais limitações enfrentadas
Sendo assim, tornam-se imprescindíveis a para o pleno desempenho de suas funções e
formulação e a implementação de políticas possíveis ações para contornar as limitações
públicas que fomentem a atividade e que, ao descritas (tabela 2).
mesmo tempo, estimulem o engajamento e
a sensibilização de todos os segmentos da Os principais problemas identificados no manejo
sociedade envolvidos nessa cadeia produtiva, e no transporte de abelhas sem ferrão para fins de
em prol da conservação das abelhas e do serviço polinização agrícola incluem os seguintes fatos: a
de polinização prestado por elas. legislação vigente não atende às especificidades
da atividade; o controle e a fiscalização da atividade
O processo de formulação de políticas públicas apresentam uma série de limitações; existem
requer a definição clara dos problemas e das lacunas no conhecimento científico para subsidiar
linhas de ação a serem adotadas para resolvê- a aplicação e a elaboração de instrumentos
los, dos programas a serem desenvolvidos e legais; o processo de registro do meliponicultor é
das metas a serem alcançadas. Assim, nesse burocrático; e os meliponicultores e agricultores
processo é fundamental reunir os diferentes não estão suficientemente informados acerca
segmentos envolvidos no contexto no qual a dos riscos inerentes ao deslocamento de colônias
política será implantada (criadores, agricultores, para as populações dos polinizadores silvestres
pesquisadores e agentes públicos) e pedir- (tabela 2).
lhes que sugiram a melhor forma de proceder.
Isso gera uma série de opiniões que podem Assim, consideramos que as políticas públicas
servir como base para apontar o caminho devem, em linhas gerais, contemplar linhas de
desejado pelos segmentos, auxiliando a escolha ação que visem a: a) capacitar os agentes públicos,
da proposta e contribuindo para legitimá-la. responsáveis pela formulação de instrumentos
Portanto, é importante que cada segmento esteja legais, pelo controle e pela fiscalização; b)
ciente do seu papel dentro desse contexto e que promover campanhas educativas sistemáticas
as ações estejam devidamente articuladas. e coordenadas para informar, sensibilizar e
aumentar a consciência dos meliponicultores
Visando facilitar a formulação de políticas quanto aos problemas que o transporte
públicas para manejo e transporte de abelhas permanente e/ou temporário de abelhas pode
na agricultura, que permitam assegurar a causar às populações de polinizadores silvestres;

91
Figura 1. Representação gráfica das relações entre os segmentos envolvidos com o manejo e o transporte de abelhas
sem ferrão na agricultura, para fins de polinização. As setas cheias indicam interações diretas entre os segmentos e as
setas pontilhadas, interações indiretas. O poder público é responsável por impor restrições, mas também por viabilizar
as soluções. O engajamento entre os principais segmentos envolvidos na atividade (pesquisadores, agentes públicos,
agricultores e meliponicultores) é imprescindível para a proposição de soluções e para sua efetivação. Esquema
inspirado em Rocha (2015).

c) engajar meliponicultores em projetos de agentes públicos, responsáveis pelo controle e


pesquisa colaborativos – ciência cidadã – voltados pela fiscalização dos meliponários, e cursos de
para o monitoramento da diversidade de abelhas capacitação para os meliponicultores. Dentro
silvestres e para o mapeamento das suas áreas dessa mesma ação, é também necessária a
de ocorrência e levantamentos da sanidade das produção de publicações, como guias de campo
colônias; d) desenvolver mecanismos que facilitem para identificação das principais espécies de
o uso do conhecimento científico na formulação abelhas nativas e manejadas e suas áreas de
de políticas e na tomada de decisão, tendo ocorrência, e cartilhas com orientações sobre
em vista que esse conhecimento é necessário manejo e transporte das abelhas sem ferrão para
para subsidiar a revisão e a elaboração dos polinização (tabela 2).
instrumentos legais que regulamentam a atividade
de meliponicultura (tabela 2). Da mesma forma, é preciso aprimorar ou
criar mecanismos de controle que auxiliem a
Mais especificamente, algumas ações fiscalização. Uma dessas medidas consiste
merecem destaque, como o desenvolvimento na marcação das caixas utilizadas na criação
de capacidades. Nesse sentido, devem ser das abelhas. A ideia é que cada colônia seja
fomentados treinamentos específicos para os identificada com informações que contemplem

92
o nome do meliponicultor, a espécie e o número Finalmente, essa proposta não se esgota em si
da colônia manejada. Esses dados devem estar mesma, mas constitui apenas uma sugestão para
associados à Guia de Transporte e devem ficar à a formulação das políticas públicas estaduais,
disposição da fiscalização (tabela 2). pois, como mencionamos anteriormente, é
fundamental que esse processo conte com a
A adoção de medidas para facilitar o registro ou participação de cada segmento envolvido no
o cadastro do criador de abelhas nos órgãos contexto no qual a política será implantada,
competentes, a fim de garantir o comprometimento emitindo suas opiniões e servindo de base para
desses atores com a conservação das abelhas apontar os caminhos desejados pelos segmentos,
silvestres e o cumprimento da legislação, é outra de modo a auxiliar a escolha das propostas e
ação necessária. O sistema de registro/cadastro contribuir para sua legitimidade e efetividade na
dos criadores de abelhas nativas, bem como implementação das ações.
o licenciamento da meliponicultura, deve ser
simplificado, o que traria benefícios mútuos para
o criador e para o agricultor, já que a polinização
configura um serviço ecossistêmico crítico para
a agricultura e o uso de espécies manejadas
é necessário para viabilizar tal serviço. Nesse
sentido, a isenção das taxas de regularização
dessa atividade nos órgãos competentes para
os considerados pequenos produtores rurais
– com menos de 100 colônias, por exemplo –
seria um incentivo a mais para o meliponicultor,
contribuindo para que ele saia da clandestinidade
e para que seus produtos sejam legalmente
comercializados (tabela 2).

Além da popularização e da divulgação do


conhecimento cientifico, convém ainda fomentar
a produção desse conhecimento, visando
o preenchimento de lacunas, que limitam o
desenvolvimento da meliponicultura e a resolução
dos problemas apontados. Para tanto, parcerias
entre o poder público, instituições de pesquisa e
o setor produtivo devem ser incentivadas.

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Tabela 2. Papel desempenhando pelos segmentos envolvidos no manejo e no transporte das
abelhas nativas, restrições para atuação e ações sugeridas.

Segmento Papel desempenhado Restrições/limitações Ações sugeridas

Fornecer o Não existe uma terminologia Criar a terminologia


licenciamento específica para a meliponicultura, com
ambiental da atividade meliponicultura e a atual unidade de medida, porte do
de meliponicultura categoria que contempla essa empreendimento e potencial
atividade é inadequada poluidor, adequados para essa
atividade
O processo é burocrático: Facilitar o licenciamento da
a documentação exigida atividade de meliponicultura
atualmente para licenciar a
atividade de meliponicultura é
extensa e o processo, moroso
As taxas são inapropriadas Isentar de taxas os pequenos
para a realidade dos meliponicultores (abaixo de
pequenos produtores rurais e 100 colônias)
meliponicultores
Regulamentar e Não há uma regulamentação Elaborar e publicar a
controlar o manejo e o específica para o manejo e o regulamentação da atividade
transporte de abelhas transporte de abelhas nativas de meliponicultura
nativas no Estado
Não há mecanismos de controle Criar um sistema de controle e
do transporte de abelhas nativas documentação de transporte
(GTA)

Poder público Não há mecanismos de Criar um sistema de controle


controle das colônias de colônias (marcação das
caixas)
Registrar a atividade O sistema atual (Sisfauna) não Ajustar o Sisfauna para o
é preparado para o cadastro de registro adequado das abelhas
abelhas nativas silvestres
Não há políticas públicas de Promover campanhas
educação ambiental para para a sensibilização dos
sensibilizar os meliponicultores meliponicultores sobre a
sobre os benefícios do registro importância do registro
Tornar públicas as Não há instrumento legal Realizar parceria com as
listas das espécies e que reconheça as espécies instituições de pesquisa para
suas áreas geográficas de abelhas nativas de cada conhecer e tornar públicas, por
de ocorrência natural Estado, bem como suas áreas meio de um instrumento legal,
de ocorrência natural as espécies nativas nos Estados
e suas áreas geográficas de
ocorrência natural
Contratar e Os fiscais são despreparados Aumentar o quadro de
capacitar os agentes para lidar com as agentes públicos, bem
fiscalizadores especificidades da atividade como capacitá-los para uma
e não há número suficiente fiscalização mais efetiva
de recursos humanos para a
fiscalização

94
Segmento Papel desempenhado Restrições/limitações Ações sugeridas

Promover articulação As ações que promovem essa Fazer parcerias com universidades
entre os formuladores de articulação são insuficientes e outras instituições de pesquisa
políticas e tomadores de para criar mecanismos que
decisão e a comunidade permitam o uso do conhecimento
científica científico na formulação de
políticas e na tomada de decisão

Promover articulação Há insuficiência de ações que Realizar ações que estimulem


entre os formuladores promovam essa articulação e facilitem o diálogo entre
de políticas e o poder público e os
tomadores de decisão meliponicultores, com
e os meliponicultores ênfase no manejo ou na
comercialização das abelhas
sem ferrão
Fiscalizar o manejo e o Não há fiscalização dos Realizar operações de
transporte de abelhas meliponários nem do transporte fiscalização nos meliponários e
nativas de abelhas nativas em barreiras rodoviárias
Há número insuficiente de Ampliar o contingente de
recursos humanos agentes públicos
O quadro atual de recursos Capacitar os agentes para
Agentes públicos humanos não está devidamente identificação e distribuição das
capacitado para lidar com as principais espécies de abelhas
especificidades da atividade nativas manejadas
Aplicar as sanções Há poucas penalidades ou Aplicar com mais rigor as
administrativas quase não são aplicadas aos sanções administrativas
previstas nas leis infratores previstas em leis para os
infratores
Fazer o registro da Um número reduzido de Regularizar a atividade no
sua atividade no órgão meliponicultores está registrado órgão ambiental competente
ambiental competente nos órgãos ambientais
competentes
Realizar o manejo Há desinformação sobre o Participar de cursos de
adequado das abelhas manejo adequado e sobre os capacitação sobre manejo e
nativas riscos associados ao transporte transporte de abelhas sem
de colônias de abelhas sem ferrão
ferrão para fora de suas áreas
de ocorrência natural
Adquirir colônias de Parte ainda adquire colônias Somente adquirir colônias
Meliponicultores
forma legal através de meleiros, que por meio de multiplicação
extraem as colmeias artificial e captura por meio de
diretamente da natureza ninho-isca ou, ainda, aquelas
provenientes de criadouros
autorizados
Criar e/ou transportar Adquirem e multiplicam colônias Somente adquirir colônias de
espécies de abelhas de espécies não nativas espécies da área natural de
sem ferrão dentro ocorrência
das suas áreas de
ocorrência natural

95
Segmento Papel desempenhado Restrições/limitações Ações sugeridas

Evitar deslocar as São práticas comuns o aluguel Vender, alugar e/ou


abelhas para fora e a venda de colônias para transportar colônias de
de suas áreas de fora das áreas de ocorrência abelhas sem ferrão apenas
ocorrência natural natural das espécies nas áreas de ocorrência das
espécies

Compilar as As informações existentes Fomentar a realização


informações sobre a distribuição das desses trabalhos por meio
existentes sobre espécies são fragmentadas de parceria das instituições
distribuição em artigos científicos, de pesquisa com o poder
geográfica das dissertações e teses público
abelhas nativas sem
ferrão e elaborar
um mapa das áreas
de ocorrência das
principais espécies
de abelhas sem
ferrão manejadas do
Brasil

Realizar estudos Há necessidade de aprimorar Elaborar e submeter


sobre técnicas o conhecimento sobre as projetos sobre esses temas
de manejo de formas adequadas de manejo às agencias de fomento à
abelhas nativas sem das abelhas nativas sem pesquisa
ferrão para uso na ferrão para uso na agricultura,
agricultura para fins de polinização

Realizar estudos Há lacunas no conhecimento Elaborar e submeter


Pesquisadores de taxonomia e taxonômico das espécies e projetos sobre esses temas
biogeografia em suas áreas de ocorrência às agencias de fomento à
abelhas sem ferrão pesquisa

Fazer monitoramento Existem lacunas no Estabelecer parceria com os


de longo prazo conhecimento acerca da meliponicultores para a criação
da diversidade de diversidade e de áreas de de projetos de ciência cidadã
abelhas e suas áreas ocorrência de muitas espécies que visem o monitoramento
de ocorrência de abelhas nativas de longo prazo

Capacitar agentes São insuficientes os Ofertar cursos de extensão


públicos e programas contínuos para tais segmentos
meliponicultores de capacitação desses
segmentos

Desenvolver Não há ferramentas de Estabelecer parceria com


mecanismos identificação/numeração os agentes públicos para
inovadores e de das colônias, entre outros o desenvolvimento de
fácil utilização mecanismos que permitam ferramentas que facilitem o
para identificação seu rastreamento controle e o transporte de
(marcação) e controle colônias de abelhas sem
de colônias ferrão

96
Segmento Papel desempenhado Restrições/limitações Ações sugeridas

Alugar colônias de Há desinformação por parte Criar mecanismos que


abelhas sem ferrão do agricultor facilitem o acesso do
apenas nas áreas agricultor às informações
de ocorrência das sobre a origem das abelhas
espécies que está alugando
Agricultores
Não utilizar Há falta de comunicação entre Ficar atento ao calendário
agrotóxicos durante agricultores e meliponicultores da floração e manter diálogo
o período em que as com os meliponicultores
colônias estão nos
cultivos

97
Referências bibliográficas
BAHIA. Decreto Estadual 16.963, de 18 de agosto de 2016. Altera o Regulamento da Lei nº 10.431/2006,
aprovado pelo Decreto nº 12.024/2012.

BRASIL, Resolução Conama nº 364, de 17 de agosto de 2004 – Disciplina a utilização das abelhas silvestres
nativas, bem como a implantação de meliponários. Publicação DOU nº 158, de 17/08/2004.

BRASIL. Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII
do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal. Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/LCP/Lcp140.htm

BRASIL. Portaria MMA nº 444, de 17 de dezembro de 2014. Publicada no DOU no 245, de 18 de dezembro de
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BRASIL. Lei 5.197, de 03 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências.

BRASIL. Lei 7.735, de 22 de fevereiro de 1989. Dispõe sobre a extinção de órgão e de entidade autárquica, cria
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências.

IPBES (2016). The assessment report of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and
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H. T. Ngo, (eds). Secretariat of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem
Services, Bonn, Germany. 552 pages.

Rocha, E. G. (2015). Scientists, environmental managers and science journalists: a hierarchical model to enhance
the environmental decision-making process. Monografia de Bacharelado apresentada ao Instituto de Biologia da
Universidade Federal da Bahia. 34 páginas

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99
Foto: Cristiano Menezes
Associação Brasileira de Estudos das Abelhas

100
Reunimos no presente livro alguns dos
pesquisadores que estudam as abelhas no Brasil para
revisar os temas que afetam a vida das abelhas e dos
criadores. Esperamos contribuir para as tomadas de
decisão, tanto por parte das instituições envolvidas
quanto por parte dos criadores de abelhas e agricultores.
Conforme mostramos ao longo dos capítulos, as
decisões tomadas diariamente por cada pessoa
envolvida nesse assunto podem ter consequências
negativas ou positivas significativas na conservação
das abelhas. Portanto, estamos em um momento muito
oportuno para abordar esses temas porque diversas
regulamentações vêm sendo revisadas ou construídas,
juntamente com o fato de a atividade de criação de
abelhas estar sendo muito difundida no País. Nosso
objetivo é contribuir para embasar as discussões sobre
a relação entre a agricultura, a criação de abelhas e a
conservação ambiental.

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