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Sexta-feira, 3 de abril de 2020 - Ano 20 - Nº 1008

EU&
FIM DE SEMANA

CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO

A corrida da ciência para vencer


a luta contra o coronavírus

“À Mesa”: José Luiz Setúbal diz que


responsabilidade dos ricos será grande

Para Raghuram Rajan, prioridade é


salvar vidas e controlar pandemia

Quem segura a explosão do novo


coronavírus nas favelas

Lichtman avalia que piora chance


de reeleição de Trump com surto
AVANT-PREMIÈRE
Crise do mercado editorial
DIVULGAÇÃO
mento, portanto balança toda cadeia do
As livrarias Cultura e Saraiva, atual- livro.” Vitor afirma que a maioria das edi-
mente no vermelho e em processo de re- toras colocou seus funcionários em fé-
cuperação judicial, suspenderam os pa- rias coletivas, para evitar demissões. “Po-
gamentos a editores e fornecedores por deremos chegar a um momento de en-
tempo indeterminado. Não há previsão xugar funcionários, mas não queremos
de que as livrarias quitem valores refe- perder essa mão de obra qualificada.”
rentes a vendas realizadas antes mesmo
do fechamento do comércio por conta Últimos recursos
da pandemia. Procuradas, as livrarias As associações do setor editorial reu-
não responderam à coluna até o fecha- niram-se para propor medidas ao gover-
mento desta edição. no federal. Foram enviados ofícios ao Mi-
nistério da Economia e ao BNDES solici-
Diálogo interrompido tando prorrogação dos prazos de reco-
No fim de 2018, o diretor da Faro Edi- lhimento de impostos, redução da taxa
torial, Diego Drumond, foi um dos arti- de juros e abertura de linhas de crédito.
culadores do acordo que firmou a reto- Também pediram pela manutenção de
mada dos negócios entre editoras e a Sa- programas de aquisição de livros e a faci-
raiva, que se encontrava inadimplente. litação dos dispositivos de crédito. “O
“Essa postura unilateral fecha as portas mercado tem fôlego próprio para sobre-
para um possível diálogo futuro”, diz. viver por mais cerca de 20 dias”, diz Vitor
“Outras livrarias, como a Leitura, estão Tavares. “Mais do que isso, será necessá-
negociando lealmente possibilidades de ria uma alavancagem do governo.”
pagamento.” Mesmo sem quitar com-
pras, a Cultura pediu a reposição de Impacto na arte
best-sellers da Faro Editorial, vendidos Uma das principais feiras de arte do
on-line. “Mas por que vender para quem país, a ArtRio ainda não suspendeu sua
não quer pagar?” O repasse de títulos às data de realização, prevista para setem-
CANAL UNICO PDF -Antonio
duas livrarias foi interrompido. O JORNALEIRO
Nóbrega para aliviar o isolamento social
bro. Presidente do evento, Brenda Valan-
si afirma que o cenário adverso resultará O Instituto Brincante, do multiartista Diariamente um novo vídeo é lançado
Férias coletivas em trabalhos de impacto artístico. “Em Antonio Nóbrega (foto), passou a tornar nos canais do Brincante. Os temas in-
É alto o impacto no setor, segundo o momentos de tensão e enfrentamento, a disponível, durante o período de isola- cluem batuque paulista, boi-bumbá, rei-
presidente da Câmara Brasileira do Livro produção artística busca expressar o que mento social, vídeos sobre manifesta- sado, samba de roda e outras manifesta-
(CBL) e diretor da distribuidora e livraria acontece no mundo”, diz. “Veremos ções culturais brasileiras, dentro da ini- ções culturais que fazem parte da histó-
Loyola, Vitor Tavares. “Saraiva e Cultura obras de arte que marcarão um período ciativa #BrincanteEmCasa. Gratuitos, os ria do instituto. O acervo pessoal de fo-
são as duas maiores livrarias do mercado bem difícil de nossa história.” vídeos são do DVD “Danças Brasileiras”, lhetos de cordel do artista está disponí-
e já vinham enfrentando dificuldades”, dirigido por Belisário Franca, com pes- vel on-line para consulta no site
diz. “Juntas, elas seguram 40% do seg- João Bernardo Caldeira , para o Valor ■ quisa de Nóbrega e Rosane Almeida. http://acervoantonionobrega.com.br .

EU&Destaques
SILVIA ZAMBONI/VALOR
Entrevista Raghuram Rajan, Reportagem de capa Como Sociologia Não há democracia
ex-presidente do BC da Índia, diz pesquisadores vêm se mobilizando forte em país sem produção fértil
que o combate à pandemia e o para vencer desafios da pandemia no campo sociológico, dizia
cuidado com os vulneráveis são do novo coronavírus. Texto de Florestan Fernandes, que tem
prioridades absolutas. Por Carlos Rydlewski. Concepção visual reedições de livros. Pág. 28
Robinson Borges. Pág. 4 da capa de Beto Nejme (montagem TV Série brasileira do HBO,
sobre foto freepik). Pág. 18 “Todxs Nós” retrata a nova
GPS Campanha bolsonarista
contra quarentena ecoa em Internacional Allan Lichtman, geração. Pág. 32
comunidades pobres, escreve historiador e analista famoso por É Tudo Verdade Amir Labaki
Maria Cristina Fernandes Pág. 10 prever a vitória de Trump, alerta escreve sobre o cinema na era do
para problemas na reeleição. coronavírus. Pág. 33
Sinais Vitais A pandemia em SP
Por Patrick Brock. Pág. 24
ou no Rio não tem por que se Outros Escritos Leituras para a
comportar de maneira diferente Vinho Jorge Lucki escreve sobre quarentena: lançamentos e
À Mesa com o Valor Médico, filantropo e acionista do Itaú, José Luiz do que em outros países. Por Iran o mercado dos rótulos depois da clássicos sobre doença, saúde e
Egydio Setúbal se diz surpreso com doações do empresariado. Pág. 12 Gonçalves Jr.. Pág. 17 pandemia. Pág. 27 cultura. Por Michel Laub. Pág. 34

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COLUNA SOCIAL
A cobaia
CARVALL
ocorrência do dia 15 de março e na do
dia seguinte, três perfis de
comportamento desconstrutivo da
imagem presidencial podem ser
Os arriscados identificados. Diferentemente da
ajuntamentos diante da suposição aparente do governante,
não se tratava propriamente de um
entrada do Palácio do grupo de apoio e de aplauso.
Planalto são verdadeiras A figura mais expressiva foi a do
jovem imigrante haitiano que se
armadilhas em que o dirigiu a ele dizendo-lhe
presidente caiu, como incisivamente: “Você não é mais
presidente”. Sublinhava nele o
tem caído em outras. comportamento em desacordo com o
Por José de Souza recomendado pelos médicos, quanto a
evitar contatos, por ser ele um
Martins potencial transmissor do vírus.
Destacava, assim, a impropriedade de
suas ações, em face da liturgia de seu
cargo e de sua função simbólica.
A circunstância teve outros
Situações sociais anômalas, como as verdadeiro pesquisador está sempre componentes desconstrutivos. Na
decorrentes da pandemia da covid-19, de prontidão para reconhecer as pequena multidão, trajes verde-amarelo
possibilitam a observação sociológica de revelações científicas do inesperado e e rostos pintados de verde e amarelo
urgência de ocorrências inesperadas. As do acaso. Importantes descobertas definiram um cenário carnavalesco, fora
diferentes do que é pressuposto no científicas foram feitas desse modo. de hora. Uma antecipação descabida de
conhecimento consolidado. Dedico-me à observação e ao estudo campanha eleitoral. De certo modo, o
Ante indagações que lhes têm sido de ocorrências desse tipo, quando país já começa a viver um momento de
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dirigidas, pesquisadores de outras áreas
fazem a ressalva de que enfrentam um
propícias à análise sociológica. É o caso
dos arriscados ajuntamentos diante da
luto coletivo. O ato, estimulado pelo
próprio presidente, aos olhos atuais da
problema médico ainda sem entrada do Palácio do Planalto, população, era completamente
informações suficientes para ocorridos em meados de março, desrespeitoso, impróprio e até sacrílego.
fundamentar previsões, a não ser as verdadeiras armadilhas em que o O presidente da República vinha
provisórias. Nas ciências sociais é a presidente da República caiu, como sendo alertado sobre a imprudência de
mesma coisa. Neste caso, no trato dos tem caído em outras. receber os manifestantes do ato político
desdobramentos correlatos, como os do Ele demonstra, publicamente, ser contra as instituições, contra o
comportamento na situação social cujas movido pela ilusão de um voluntarismo Congresso Nacional e o STF, por ele
referências a epidemia desorganiza. do qual supõe estar fazendo uma coisa, convocado. Violara, provocativamente,
Ao fazer o que habitualmente não quando, na verdade, à luz das as normas de Estado quanto a cautelas
fazem ou ao continuar a fazer o que a consequências inversas da ocorrência em face da pandemia. Sobretudo na
situação de crise já não recomenda, as que provocou, está fazendo outra, que medida em que vários dos participantes
pessoas, individual ou coletivamente, ele não sabe qual é. Nessa inconsciência, de sua caravana aos Estados Unidos, com
criam situações sociais que o sociólogo se desgasta e assim compromete a ele em contato próximo durante muitas
pode analisar como de tipo instituição que representa. O horas, foram contaminados.
experimental. Pode nelas identificar o experimento mostra que é movido por Próximo ao presidente da República,
que é metodologicamente relevante falsa consciência da realidade social. outro manifestante, cuja linguagem
para a observação científica. Para esse tipo de observação revelava ser evangélico, insistia em
As ciências sociais não são ciências científica ele é uma cobaia perguntar-lhe se aceitaria fazer uma
de laboratório. Comportamentos involuntária, como o são os oração com ele ali mesmo. Uma técnica
esdrúxulos podem, porém, permitir bajuladores que dele se acercam nessas fundamentalista de conversão religiosa.
sua análise como se fossem atos em que ocasiões. A situação de risco e de Julgava-o carente de conversão.
os próprios atores, sabendo ou não, conduta social não recomendada, mas O caso é indicativo de um
desafiam o costumeiro e o correto. observável, possibilita que o entendimento de que as três religiões
José de Souza Martins é sociólogo. Os agentes da conduta anômala são, observador identifique os tipos de dos batismos de Bolsonaro não
Professor Emérito da Faculdade de assim, involuntariamente cobaias. Não mentalidade que em situação “normal” convencem de que tenham sido
Filosofia da USP. Pesquisador Emérito do porque sejam induzidos pelo não se expressariam daquele modo. suficientes para cobri-lo com o
CNPq. Membro da Academia Paulista de pesquisador a fazer o que não querem, Nas duas manifestações de porta de manto da proteção divina e, por meio
Letras. Entre outros livros, autor de mas porque fazem o que a ciência palácio, com a participação do de sua função simbólica de poder,
“Moleque de Fábrica” (Ateliê Editorial). precisaria fazer, mas não pode. O presidente da República, como na cobrir-nos a todos. ■
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ENTREVISTA
Raghuram Rajan, ex-presidente do BC da Índia, diz que o
combate à pandemia e o cuidado com os vulneráveis são
prioridades absolutas. Por Robinson Borges, de São Paulo

A hora é de
salvar vidas
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO

sos para os pobres sobreviverem — e manter Valor: O custo do sucesso na contenção da


IMPACTOS DO estruturas econômicas para que possa ha- pandemia do coronavírus é a desaceleração
ver crescimento quando a fase crítica da da atividade econômica. Algumas lideranças
CORONAVÍRUS pandemia passar. Nessa ordem.
Professor da Universidade de Chicago, Ra-
políticas, como Jair Bolsonaro, e empresa-
riais, porém, sugeriram ser necessário sacrifi-
jan soou o alarme bem antes do início da crise car vidas para salvar a economia. Como o se-

O
ex-presidente do Banco Central financeira global de 2008. Hoje avalia que o nhor vê esta questão?
da Índia Raghuram Rajan consi- impacto do choque do novo coronavírus, em Raghuram Rajan: Não sou epidemiologista,
dera que vivemos hoje uma guer- seu pior momento, pode ser maior do que o mas a questão é: se com uma varinha mágica
ra global e defende uma artilharia de 12 anos atrás. No entanto, vê uma possibili- você pudesse matar 2% de sua população de
para mitigar os efeitos devastadores do dade de ser também mais curto. “Quanto mais uma vez só e depois não ter outro custo ou
surto do novo coronavírus. “O nível de estruturas econômicas sobreviverem, menor preocupações, você teria, por um lado, o custo
mortalidade associada a esta pandemia é a probabilidade de termos uma crise prolon- de todas essas mortes; por outro, resolveria o
tão alto, que é inaceitável para uma socie- gada como a que tivemos em 2007 e 2008.” problema da pandemia. Parece que é isso que
dade civilizada”, afirma o ex-economis- Aos 57 anos, Rajan tem dito que o momen- algumas pessoas pensam: “Talvez devamos es-
ta-chefe do Fundo Monetário Internacio- to atual é o de uma batalha humanitária. Nes- colher as mortes”. Mas não é assim que funcio-
nal (FMI) em entrevista ao Valor. se cenário, propõe diálogo público em torno na. A realidade é muito mais difícil. Se fizer as
A principal arma está no lado fiscal, suge- dos vulneráveis, mais cooperação global e de- contas, 2% é um número enorme, e a quantida-
re Rajan, um acadêmico com reputação de fende prestar-se mais atenção no conheci- de de sofrimento e morte que representa, gi-
“superstar”, segundo o “Financial Times”. mento científico. “Infelizmente, o efeito desta gantesca. Na prática, já que esse nível de morta-
Como os governos têm situações econômi- crise pode ser medido em mortes, e esta é uma lidade é algo que a maioria das sociedades civi-
cas diferentes, cada país terá de estabelecer medida muito dura”, afirma ele, recolhido em lizadas não aceita, provavelmente vão permitir
uma espécie de teto para seus gastos para sua casa, em Chicago. “Por isso, eu acho que que a pandemia se espalhe durante um tempo,
atender algumas prioridades: conter a pan- veremos quem foi mais capaz e quem foi me- e vão perceber que os hospitais estão sobrecar-
demia, preservar vidas — oferecendo recur- nos capaz ao lidar com esta crise.” regados, que a taxa de mortalidade está cres-
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SIMON DAWSON/BLOOMBERG
cendo muito, e então serão adotadas as medi-
das de quarentena. Essa é a única solução que
temos no momento. E aí haverá custo com tra-
balhadores, custo médico, custo econômico.
Valor: Ou seja, a demora na adoção de medi-
das causa impacto econômico?
Rajan: A demora em agir gera um custo mui-
to maior. O consenso é que o nível de mortali-
dade associada a esta pandemia em particular,
principalmente se concentrada, é tão alto, que é
inaceitável para uma sociedade civilizada. É
melhor que seja enfrentada logo, para evitar o
aumento do número de casos. Ao conter os ca-
sos logo no início, pode ser que se salvem mui-
tas vidas, evitando uma disseminação maior.
Valor: Alguns de seus colegas, como o
ex-presidente do Banco Central Europeu Ma-
rio Draghi, dizem que o Estado deve proteger
os cidadãos e a economia contra choques e
que o setor privado não tem essa responsabili-
dade e nem essa capacidade de absorção. O se-
nhor concorda com essa análise?
Rajan: Existem governos com diferentes
graus de riqueza e de capacidade. Os Estados
Unidos ou a Dinamarca têm uma capacidade
de ajudar seus cidadãos que é diferente da de
Serra Leoa ou da Etiópia. A questão é que, sim,
existe uma espécie de contrato social segundo o
qual o Estado nos protege tanto da violência fí-
sica quanto de ataques externos, mas também
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO quando ocorrem calamidades internas de
enormes proporções. O Estado é uma espécie
de mecanismo de seguro para garantir que o
custo não será concentrado, e sim distribuído,
não só entre esta geração, mas também entre as
gerações futuras, por meio de empréstimos.
Valor: Em ações coordenadas, bancos centrais
cortaram as taxas de juros. Como e qual deve ser
a resposta dos governos para esse choque?
Rajan: Acho que o argumento pela inter-
venção estatal em favor das pessoas neste mo-
mento é bastante claro: não se quer pessoas
passando fome nas ruas, porque elas não têm
dinheiro guardado, não podem sair para tra-
balhar. Ajudá-las faz muito sentido, seja na Ín-
dia, no Brasil ou nos EUA, principalmente se
for preciso adotar medidas de quarentena.
Mas que tipo de problema merece ajuda? Se a
crise vai ser de curta duração, muitas das em-
presas com dificuldades agora serão bastante
viáveis quando a crise acabar. Pode ser mais
difícil reerguê-las se elas quebrarem e fecha-
rem agora. De acordo com esse argumento,
talvez valha a pena ajudar essas empresas a so-
breviver aos próximos meses. Quanto mais re-
cursos a empresa tiver e quanto mais capitali-
zada estiver, mais difícil fica defender esse ar-
gumento. Quanto menos recursos a empresa
tiver e quanto menos capitalizada estiver,
mais fácil defendê-lo. Mas é claro que, quanto
Por não terem mais quem culpar, os populistas estão ficando sem desculpas, diz Rajan: ‘Esta crise não perdoa a incompetência’ às empresas pequenas, há a questão: será que
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não devemos deixar que fechem e depois rea- problemas da crise financeira global de
bram, quando a crise tiver acabado? 2008 ainda não foram solucionados e que
Valor: O que o senhor acha? governos, empresas e famílias acumularam
Rajan: Essa acaba sendo uma questão muito mais dívidas e os formuladores de políticas
política, porque existem muitas empresas pe- minaram a confiança no sistema global de
quenas e não existe mandato político segundo comércio e investimento. Como o senhor vê
o qual se deva deixar que fechem as portas. Por esses problemas associados a esse novo cho-
um outro lado, o custo de se permitir que uma que da pandemia?
empresa grande feche as portas é maior do que Rajan: A crise os acentua. Um dos grandes
no caso de uma empresa pequena. problemas que levaram à crise financeira foi o
Valor: O senhor considera que as saídas são alto grau de desigualdade. E até certo ponto é
medidas fiscais, mas os governos terão de enfren- preciso solucionar diretamente a questão da
tar um déficit muito grande. Até onde podem ir desigualdade. Depois da crise financeira, ten-
para resolver questões como essas? tamos desesperadamente estimular a econo-
Rajan: Os EUA têm um problema diferente mia a funcionar a todo vapor para que se crias-
dos demais países do mundo. Os EUA, ainda sem mais empregos. Pois bem: essa era a situa-
que gastem 6% ou 7% do PIB, não terão o proble- ção antes da crise do coronavírus. Talvez tives-
ma fiscal que a Itália está tendo. Mas muitos ou- se dado certo, mas por causa do coronavírus,
tros países não têm gordura fiscal a ponto de nunca saberemos. E a crise começou num mo-
poder gastar 10%, 15% de seu PIB sem proble- mento em que diversos problemas se avolu-
mas. Portanto, acho que no momento é extre- maram muito. Por isso estamos numa situação
mamente importante estabelecer prioridades. de maior fraqueza no momento em que o ví-
Valor: Quais devem ser essas prioridades com rus chega. Além disso, em alguns países, os in-
o dinheiro injetado? divíduos se endividaram mais nesse período, e
Rajan: A prioridade número um é conter a por isso também estão bem mais vulneráveis,
pandemia, obter os recursos, os testes, as más- devido a essa carga de endividamento.
caras, os respiradores, os equipamentos de pro- Valor: Como enfrentar esse quadro?
teção. Em segundo lugar, o importante é man- Rajan: Precisamos pensar em reformas estru-
ter as pessoas vivas. Isso quer dizer que os po- turais que criem mais e melhores empregos nos
bres precisam ter recursos mesmo quando pa- países, mas também precisamos garantir que o
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
ram de trabalhar, porque se você põe a cidade
ou o Estado em quarentena, essas pessoas pre-
principal motor de crescimento não seja uma
política de crédito fácil que leve a um endivida-
cisam de recursos para sobreviver. Em terceiro mento cada vez maior. No momento, muitos
lugar, é preciso manter as estruturas econômi- mercados emergentes estão tendo dificuldades
cas necessárias para que possa haver cresci- em virtude de todos os empréstimos que toma-
mento quando este período terminar. Mante- ram no pós-crise financeira, porque entrou
nha as estruturas funcionando, se elas não pu- uma quantidade enorme de dinheiro que ago- te as financeiras, mas também as empresas da
derem ser restabelecidas rapidamente. É fácil ra quer sair. Depois desta crise, não podemos economia real, sobrevivam ao que esperamos
para uma empresa pequena voltar à ativa, mas mais uma vez querer estimular a economia com que sejam os poucos meses durante os quais
empresas mais complicadas, empresas de mé- dinheiro fácil de forma indefinida e deixar as teremos de fechar as economias para enfren-
dio porte com muito capital humano, são mais dívidas acumularem de novo. Se continuarmos tar a pandemia. Quanto mais estruturas eco-
difíceis de restabelecer. Por isso é preciso desco- tomando empréstimos, em algum momento o nômicas sobreviverem, menor a probabilida-
brir maneiras pelas quais elas possam sobrevi- papel vai acabar. Precisamos pensar numa solu- de de termos uma crise prolongada como a
ver, se possível, concedendo empréstimos, inje- ção, porque parece que, ultimamente, a cada que tivemos em 2007 e 2008. Mas, se muitas
tando liquidez ou mesmo doações. Essa é a dez anos há uma nova crise. empresas quebrarem durante esse período, a
prioridade número três. Valor: O senhor acredita que o impacto agora recuperação poderá demorar muito mais.
Valor: Como ficam as grandes empresas? pode ser pior do que durante a crise financeira de Valor: Os mercados estão bastante voláteis,
Rajan: É preciso garantir que os acionistas 2007 e 2008? com muitos “circuit breakers”. O senhor não vê
assumam a maior parte do risco e, caso haja a Rajan: No pior momento, sim. Estou com os risco ao sistema financeiro neste momento?
necessidade e a possibilidade de um emprés- dedos cruzados, torcendo para que o setor fi- Rajan: Há riscos, com certeza, e serão riscos
timo, é isso que deve ser feito, neste momen- nanceiro, ou pelo menos seus principais ele- que não estamos prevendo ainda. Há sempre a
to. Algumas delas terão de declarar falência. mentos — o setor bancário —, sobreviva, em possibilidade de um “cisne negro”. Mas, dado
Essa sequência, em minha opinião, precisa razão do capital que possui, e levando em o volume de capital em poder dos bancos, as
ser estabelecida em cada país. Se você definir consideração que esse setor não é o principal entidades centrais ao sistema neste momento,
essa sequência, talvez consiga evitar que os responsável pela vulnerabilidade, e sim um em muitos, senão todos os países, parecem ca-
empréstimos fiquem altos demais, em por- choque inesperado causado pela pandemia. pazes de atravessar a crise. Muita coisa depen-
centagem do PIB. E isso também quer dizer [Espero que] apesar do alto grau de alavanca- de de quanto tempo esta crise vai durar. Uma
que quando vocês [o Brasil] oferecem auxílio, gem, esse setor seja capaz de absorver parte quarentena de dois meses ou dois meses e
não podem ser tão generosos quanto, por do custo das perdas em empréstimos etc. de meio é longa, mas é possível sobreviver a ela.
exemplo, os EUA ou a Europa. agora em diante. Se isso acontecer, é possível Porém, se a quarentena durar mais tempo, se
Valor: O senhor escreveu que alguns dos que as estruturas econômicas, principalmen- perdurar por dois trimestres, os danos serão
6 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
ANINDITO MUKHERJEE/BLOOMBERG
ço dispara. Precisamos de preços estáveis,
mas fica mais difícil neste ambiente geopolí-
tico volátil. Portanto, este choque do coro-
navírus terá muitas consequências. O petró-
leo é só uma delas.
Valor: Quais seriam os outros potenciais cho-
ques secundários?
Rajan: Já estamos vendo alguns problemas
geopolíticos com a recuperação chinesa e a
piora econômica dos EUA em virtude da pan-
demia, e já estamos vendo um certo atrito en-
tre os dois países por causa disso. Minha espe-
rança é que vejamos não só os atritos, mas as
vantagens da cooperação. Por exemplo: a Chi-
na está enviando muito equipamento hospi-
talar aos EUA, porque as fábricas chinesas es-
tão trabalhando a todo vapor e já tiveram
tempo para passar a produzir máscaras e res-
piradores. E os EUA estão comprando. Essa é a
beleza do comércio internacional: existem
países em momentos diferentes, neste caso do
ciclo da pandemia, e que podem cooperar. Se
isso tiver um peso maior do que as acusações
mútuas de culpa pela crise e o conflito comer-
cial anterior, talvez no fim haja uma vanta-
gem, que é o aumento da cooperação. Tere-
mos percebido que somos um só mundo e
que não podemos nos isolar uns dos outros.
Valor: Que papel o senhor pensa que a China
vai desempenhar nesta crise? O país será capaz
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO de recuperar a economia após a pandemia?
Rajan: A China, sozinha, não tem essa capaci-
dade, porque não tem uma demanda gigantes-
ca. Tem uma demanda grande, mas não gigan-
tesca por consumo externo. As fábricas chine-
sas podem começar a produzir, mas apenas
muito mais duradouros e profundos. Migrantes em Nova pessoas saberão que o problema pode ser re- uma parte da demanda tem origem na China,
Valor: Em qual cenário o senhor aposta? Déli que tentam solvido e que a probabilidade de morrerem se grande parte da demanda vem de fora. En-
Rajan: Ninguém sabe. As evidências pare- voltar a suas cidades contrair o vírus não será mais tão alta. Esse é o quanto o resto do mundo não começar a com-
cem indicar que, com o isolamento, é possível na pandemia: para cenário otimista. Há muitos cenários pessi- prar carros, equipamentos como celulares etc.,
começar a conter a quantidade de casos e de Rajan, países em mistas sobre os quais não quero falar [risos]. a produção chinesa vai se acumular. É mais ou
mantê-los em um nível que seja possível ad- desenvolvimento Valor: O setor petrolífero mundial está às vol- menos como bater palmas com uma mão só: é
ministrar. Ainda temos de ver o que vai acon- podem sofrer efeito tas com a maior queda na demanda já registra- impossível, é preciso duas mãos para bater pal-
tecer na China, agora que as pessoas estão vol- muito pior do que na da. Como o senhor vê a possibilidade de choques mas. Vai ser preciso uma retomada na outra
tando às fábricas. Se elas forem testadas com Itália e Espanha secundários indiretos, como essa recente queda parte da economia mundial, do Ocidente con-
frequência, se aceitarem fazer testes com fre- nos preços do petróleo? sumidor, para que haja uma retomada forte, ca-
quência, reduzindo o custo gerado pelas mor- Rajan: Já estamos vendo os efeitos disso so contrário será uma retomada pela metade,
tes, e se for possível manter o número de casos em alguns países muito pobres. No Equador, não será uma retomada completa.
baixo, para que se possa administrá-los, talvez por exemplo, já vimos a consequência do Valor: No Brasil, temos um cenário econômi-
seja possível voltar às fábricas e aos escritó- choque do petróleo. Essas são preocupações co-social que pode se agravar com a pandemia, já
rios, com algum grau de distanciamento so- presentes no mundo: grandes movimentos que uma parcela da população vive em comuni-
cial, mas sem a necessidade de ficar em casa. de preço afetam até mesmo os países com dades onde fica espacialmente próxima e muitos
Este me parece o cenário otimista. Ou seja: um melhor gestão, e alguns dos países produto- estão no mercado de trabalho informal. O senhor
ou dois meses de distanciamento social muito res de petróleo não se acostumaram aos bai- vê uma erosão da distinção entre economias
rígido, seguido de um retorno gradual, aliado xos preços do petróleo e agora têm déficits avançadas e países mais pobres?
a alguns avanços tecnológicos, por exemplo, orçamentários gigantescos. Haverá conse- Rajan: A crise é global, e escrevi no “Finan-
se descobrirem que alguns remédios funcio- quências caso os preços continuem nessa cial Times”: os países ricos não podem achar
nam como cura. Há alguns medicamentos an- faixa e não haja um acordo em breve. Tam- que resolveram o problema porque debela-
tivirais, como o Remdesivir, que parecem bém acho que os preços tão baixos não são ram a crise internamente. Ela pode voltar, vin-
muito promissores. Se isso der certo, acho que do interesse dos consumidores, porque eles da de países pobres que não a debelaram. Por-
vai diminuir muito a ansiedade, porque as acabam se acostumando, e de repente o pre- tanto, precisamos debelar a crise globalmente.
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 7
Mas acho que vai ficar clara a desigualdade de querem fazer o bem, mas quais as implicações
recursos no mundo para se combater uma “Infelizmente, o disso para uma empresa? Fazer o bem, para
pandemia. Espero que o contágio mais lento uma empresa, não implica necessariamente
em alguns países em desenvolvimento não se- efeito desta crise doar seu dinheiro ou seus recursos, porque nes-
ja devido a não contabilização dos casos. Espe- se caso ela não estará fazendo aquilo que deve
ro que o vírus se espalhe mais devagar em ou- pode ser medido em fazer. Se pensarmos numa empresa como a Gi-
tros lugares. Não temos evidências, mas, se não lead, que está tentando produzir esse medica-
for esse o caso, se o vírus se espalhar com a mortes, e esta é uma mento, Remdesivir. Eu preferiria que eles se
mesma velocidade nesses países, veremos um concentrassem em produzir testes rápidos. Na
efeito gigantesco em breve, quando o vírus se medida muito dura”, minha opinião, essa seria a melhor maneira pa-
alastrar nesses países. Pode ser muito pior do ra essa empresa contribuir com a sociedade, em
que vimos na Itália e na Espanha, porque, co- diz Raghuram Rajan, vez de doar seu dinheiro e não ter mais dinheiro
mo você disse, em algumas regiões mais po- para produzir os testes. O que você prefere? Eu
bres as pessoas estão muito mais amontoadas. ex-BC da Índia prefiro que eles produzam um bom produto
O distanciamento é muito mais difícil. Você que todos possamos usar.
deve ter visto as fotos dos caminhões na Índia Valor: O senhor considera que as empresas
lotados de gente voltando às suas cidades... da cooperação internacional. Quando esta crise têm de ser mais específicas, especializadas?
Valor: Sim, as imagens são muito impactantes... acabar, e nós enxergarmos como essas ações fo- Rajan: A mensagem tem de ser mais especí-
Rajan: Aquilo é o oposto do distanciamen- ram ruins, talvez possamos chegar a uma con- fica. Maximizar o valor para os acionistas é só
to social. As condições muito desiguais ao re- clusão sobre como agir da próxima vez. uma forma de medição, concordo, mas tam-
dor do mundo vão gerar resultados desi- Valor: Antes da pandemia, líderes empresariais bém é preciso que se dê mais detalhes sobre
guais, a menos que o comportamento do ví- prometiam implementar um capitalismo com mais como essa medição será feita. Porque, em últi-
rus seja influenciado pela temperatura. Acho compaixão. O Business Roundtable, organismo for- ma instância, é preciso que se tenha um objeti-
que vamos perceber que por mais que a desi- mado por CEOs de algumas das maiores empresas vo a atingir, e se esse objetivo é produzir bons
gualdade dentro dos países seja um proble- dos EUA, disse no ano passado que o objetivo de medicamentos para as pessoas, acho que nin-
ma, a desigualdade entre os países também é uma empresa não é só gerar retorno aos acionistas. guém será contra isso. O que precisamos é que
um enorme problema. Vamos ter que enfren- O que vai acontecer com esse “novo capitalismo”? essa mensagem seja mais clara e que possamos
tá-lo ou vamos ter que encontrar maneiras de Rajan: A pressão sobre as empresas só vai cobrar esses objetivos das empresas.
viver separados, em comunidades isoladas, aumentar após uma pandemia como esta. É Valor: Em seu mais recente livro, “The Third
com muros entre os países. Na minha opi- quase como uma miniguerra: as pessoas terão Pillar”, o senhor fala da ascensão do populismo
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
nião, vai ser muito difícil fazer isso. Acho que
esse vírus vai fazer com que comecemos a
pago um preço, e haverá heróis: os médicos,
os enfermeiros. E haverá um sentimento de
em vários países. Como o senhor vê o papel desses
políticos nesta crise?
conversar sobre problemas em comum. Uma que os sacrifícios que eles fizeram devem ser Rajan: Os populistas são muito hábeis em
das coisas que iremos reconhecer é o fracasso divididos. Muitos terão morrido durante a cri- identificar o problema, a alta taxa de desi-
de algumas das instituições internacionais. se. Teremos de levar isso em consideração. gualdade e o fato de que muitos grupos estão
Valor: O senhor tem criticado as ações dos Neste momento, as empresas sabem que lhes em declínio e querem ser reconfortados. Em
organismos multilaterais e instituições in- será exigido mais. A pergunta difícil de res- muitos casos o nacionalismo populista faz es-
ternacionais. Por quê? ponder é: faz sentido para a sociedade que to- se papel de reconfortar essas pessoas. Por ou-
Rajan: O G20 desapareceu, a julgar por suas das as empresas façam tudo? Ou será que de- tro lado, também escrevi que os populistas
ações nesta situação em particular. Lem- vemos dizer “esta empresa é boa em fabricar nunca têm as respostas corretas. Até certo
bre-se: em 2009 eles realizaram uma confe- ventiladores, então ela deve fazer bons venti- ponto, apostam nessa grande desconfiança
rência gigantesca para debater o que tinha de ladores e fazer muitos ventiladores. Mas ela em relação aos profissionais, ao establish-
ser feito. Agora, não estamos ouvindo nem fa- deve fazer só isso, em vez de fazer serviços co- ment, à elite. Dizem “esses caras são os res-
lar no G20. Em parte, é porque muitos desses munitários aqui e caridade ali”. Ela deve se ponsáveis pelo problema, então vamos expul-
países também estão tendo que enfrentar o ví- concentrar em seu negócio, não deve estar em sá-los, saberemos o que tem que ser feito e o
rus, mas não há uma plataforma em comum. setores que deliberadamente poluem o meio que é certo, e você não precisa confiar nos pro-
Precisamos conversar sobre a razão pela qual ambiente, ou que deliberadamente enganam fissionais”. O que estamos vendo é que esta
isso aconteceu, e sobre o que temos de fazer as pessoas, mas se ela é boa naquilo que faz, é crise não perdoa a incompetência. Se você não
para reconstruir uma plataforma em comum isso que ela deve fazê-lo, pelo bem da socieda- teve a competência de criar as estruturas ne-
para combater muitos desses problemas. de. Esse argumento não tem a ver apenas com cessárias, ela o atinge com muita, muita força.
Valor: Por que o senhor acha que não está ha- gerar valor para os acionistas. Tem a ver com É claro que você pode culpar todo mundo: vo-
vendo esse esforço internacional? inovação e com definir quais os produtos que cê pode culpar os estrangeiros, o governo an-
Rajan: Acho que os governos estão sobrecar- trazem vantagens à sociedade. terior, mas a verdade é que sua incompetência
regados. Muitos deles reagiram um pouco tar- Valor: O senhor poderia dar um exemplo? está claramente exposta. Isso está acontecen-
de e agora ficaram sem opções. Estão tentando Rajan: Você pode não produzir alguns tipos do em diversos países: por não terem mais
enfrentar a crise internamente, e muitas das de produtos que causam vício nas pessoas, ain- ninguém para culpar, os populistas estão fi-
ações que adotam são diametralmente opostas da que isso faça com que gastem muito dinhei- cando sem desculpas. E, infelizmente, o efeito
à cooperação internacional. Estão tentando ro com esses produtos, mas em razão do vício. desta crise pode ser medido em mortes, e esta
manter os respiradores, não exportar nada, Muita coisa pode mudar a partir da proposta do é uma medida muito dura. Por isso, eu acho
manter os equipamentos hospitalares no mer- Business Roundtable, mas, por enquanto, ainda que veremos quem foi mais capaz e quem foi
cado interno. É compreensível, mas é o oposto é muito vaga. Minha reação é: pois bem, vocês menos capaz ao lidar com esta crise. ■
8 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO

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Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 9


GPS

Quem
Q
uando Júlio Ludemir necessária à prevenção não impede que
começou a tossir, percebeu as pessoas continuem nos bares, as
que, na verdade, se tornara crianças, nos becos, e muitos, no culto

segura a
parte de uma sinfonia. pentecostal à noite.
Assim como em outras favelas do Ludemir já vê vizinhos se
país, na Babilônia, zona sul carioca, queixarem de pastores que, sem

explosão
não é preciso encontrar o vizinho interromper os cultos, fazem deles
para descobrir que ele tosse. Produtor vítimas de discriminação por parte de
cultural de iniciativas como a Festa outros moradores. O chefe da Igreja
Literária das Periferias, Ludemir mora Universal, Edir Macedo, chegou a

das favelas na Babilônia há sete anos. Já viu a


favela mudar de cara muitas vezes.
Cenário de “Orfeu Negro” (1958) a
gravar um vídeo em que diz que o
debate sobre a doença “é mais uma
tática de satanás, que trabalha com o
“Tropa de Elite” (2008), a Babilônia já medo, o pavor e a dúvida.”
Campanha bolsonarista foi do PT de Benedita da Silva, do O produtor cultural diz, no
contra quarentena Comando Vermelho, da UPP, do
Terceiro Comando, de Marcelo
entanto, que a vida na favela só vai
mudar quando as avós começarem a
ecoa em comunidades Crivella, dos turistas estrangeiros que ser contaminadas. Se a mulher que
pobres até que a se hospedam em seus “hostels”, da
chuva que arrasou seus barracos, da
trabalha por conta própria é o arrimo
de famílias à margem do tráfico e do
covid-19 atinja as falta d’água que perdura em tempos crime, é a avó que, encarregada dos
avós, pilar de coesão de pandemia e, finalmente, de Jair
Bolsonaro, que arrebanhou a franca
netos e da gestão familiar, se
transforma no pilar da vida nas
social de famílias que maioria de seus eleitores em 2018 e comunidades. A sobrevivência delas
têm, em suas filhas, o hoje é poupado pelas panelas de seus
moradores. Ludemir só não viu ainda
vai moldar, em grande parte, a reação
das favelas ao avanço da covid-19.
principal arrimo. Por a favela se transformar pelo É a avó do andar de baixo a maior
Maria Cristina CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO coronavírus.
Os mototáxis continuam pra cima
preocupação de Bárbara Nascimento,
professora de escola pública de 42
Fernandes, de São Paulo e pra baixo deixando o comandante anos. Moradora do Vidigal, favela que
da Unidade de Polícia Pacificadora se espraia entre o Leblon e a Barra da
numa saia justa. A restrição privaria a Tijuca, na zona sul do Rio, Bárbara foi
comunidade de importante fonte de uma das primeiras moradoras a se três mulheres . A avó que cuida da
renda e de comunicação. Por outro envolver com a campanha de neta para a filha, que vive de bico,
lado, seu tráfego, sem capacete para o conscientização pela quarentena. A sua poder trabalhar. Tem cesta básica
passageiro, incorreria em infração de se transformou em casa de ferreiro com entregue pela associação dos
trânsito. Por ora, permanecem em espeto de pau. moradores, mas está exposta porque
operação, com álcool gel no assento e A despeito da militância de a filha continua na rua. Na laje ao
no lado de fora do capacete, como Bárbara, o marido, Marcelo, que lado, várias famílias ainda se reúnem
fonte de contágio. trabalha como autônomo no para fazer churrasco.
Assim como o mototaxista, o conserto de eletrodomésticos, não Se a Babilônia voltou às ordens da
barraqueiro de praia, a manicure e o parou. Continuou a trabalhar até o UPP, o Vidigal continua sob o Comando
flanelinha de carro para alugar não sábado, 14 de março, quando o Brasil Vermelho. E lá, a boca de fumo não
têm outra fonte de renda que não seja já tinha centenas de casos mas parou nem decretou toque de recolher.
aquela trazida por sua exposição nenhuma morte confirmada. Na Blogs como o “Portal Favelas”
diária na rua. Por isso, continuam a segunda, começou a tossir. convocam para a quarentena. É uma
sair do barraco, ainda que a vida no Respondeu a questionários virtuais das tantas iniciativas comunitárias que
asfalto, de onde muitos tiram seu e constatou que estava com a doença. receberam rasgado elogio do ministro
sustento, esteja parada. Apesar de hipertenso, Marcelo, aos 45 da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Julio Ludemir é o primeiro a assumir anos, preferiu não procurar um Para quem não tem acesso à internet,
a irresponsabilidade de não ter feito o serviço de saúde. Como os dois porém, a única fonte de alerta é o carro
confinamento. Além da idade (60 cômodos da casa ficam em andares de som do supermercado da região,
anos), a doença já se espraiava na separados, Bárbara ficou no de cima, que passa apenas nas vias principais e
cidade. No primeiro dia dos sintomas, que tem acesso à laje onde o filho do uma sirene da associação de
Maria Cristina Fernandes, jornalista do precisou usar o banheiro de uma casal, de oito anos, pode brincar, e moradores. Nem um nem o outro são
Valor, escreve neste espaço quinzenalmente birosca e, sem perceber que faltava Marcelo, no de baixo. Alternam-se ouvidos por quem mora na parte mais
água, acabou por quebrar a torneira. A para usar a cozinha. elevada do morro.
E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br dificuldade de manter a higiene No primeiro pavimento moram Lideranças da favela têm
10 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
NELSON PROVAZI
saúde mental das pessoas e provocar
toda sorte de transtornos
pós-traumáticos.
À frente de uma campanha de
mobilização para doações a entidades
de moradores de rua e associações de
moradores de Heliópolis, favela da
zona sul de São Paulo, a socióloga Luna
Zarattini arregimentou 450
voluntários e R$ 80 mil, além de
doações de alimentos e produtos de
limpeza, na primeira semana de
atuação. Viu, no entanto, a demanda
crescer muito mais que a oferta.
Apesar disso, ainda não se registra, a
não ser na ação dos robôs
bolsonaristas, um risco iminente de
saques desenfreados nas comunidades
mais pobres do país. À frente de uma
equipe que analisa a origem e a
propagação de mensagens em redes
sociais, Manoel Fernandes foi
despertado pela postagem de saques
em duas cidades, Curupira, município
de 24 mil habitantes, no interior de
Pernambuco, e São Vicente, no litoral
paulista. A notícia vinha acompanhada
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO de fotos e vídeos de saques ocorridos
num supermercado na Guatemala.
Não estivesse o país em meio a uma
pandemia sob o comando de Jair
Bolsonaro, a notícia teria se perdido.
encomendado faixas e pedido para o de casa para trabalhar, podem também surtiu efeito para levar mais Não foi o que aconteceu. Em um único
carro rodar mais vezes, mas é tudo fazê-lo para se divertir. movimento para a rua e incutir dia, a equipe de Fernandes identificou
pago e o cobertor, curto. A Mesmo no Vidigal, favela que, ao conflito na comunidade. 6.667 tuítes sobre saques. A
solidariedade, cimento de coesão social contrário da Babilônia, não votou em Em Carapicuíba, cidade-dormitório propagação desta notícia falsa foi
na favela, tem limites. “Ninguém tá Bolsonaro, a pregação do presidente no oeste da Região Metropolitana de associada ao caos a ser provocado pela
fazendo nada por amor”, queixa-se pelo fim da quarentena ecoa. Lá, o São Paulo, os conjuntos habitacionais quarentena da covid-19, com
Bárbara. Nos fóruns de que participa, a panelaço, mais forte do que em muitos construídos pelo programa Minha Casa desabastecimento e violência.
professora recomenda que as pessoas bairros de classe média, convive com Minha Vida estão sendo geridos com As Forças Armadas chegaram a ser
deixem de pagar contas de água, luz, entregadores como aquele que leva toque de recolher e regras como a de colocadas de prontidão para a
telefone ou dívidas. E guardem o remédio para o marido de Bárbara. Seu que apenas um integrante por família eventualidade de caos generalizado no
dinheiro para comer e comprar comentário — “Todo mundo um dia vai sai de casa para abastecê-la no país provocado pelo crime organizado.
remédio. A começar por sua mãe, que morrer mesmo, então é melhor supermercado. A maior parte dos O sinal de alerta foi dado pela rebelião,
mora em Guaratiba, na zona oeste, aos trabalhar” — foi um copia e cola da fala conjuntos habitacionais para a com fuga, em cinco presídios paulistas
67 anos, hipertensa e diabética, gasta de Bolsonaro no domingo, 29, em que, população de baixa renda da cidade é antes de o confinamento se espraiar
metade de sua renda em remédios. pela enésima vez, passeou pela rua gerida por empresas dominadas por pelo país. A associação entre o PCC e as
A dificuldade de amplificar a contrariando as autoridades sanitárias. ex-policiais militares. fugas acabou não se comprovando.
recomendação de quarentena na Em Sapopemba, bairro do extremo Psicóloga de 48 anos, nascida e Tampouco a associação entre crime
comunidade se reflete em crianças — e Leste de São Paulo, zona mais criada em Sapopemba, onde trabalha organizado e saques nas comunidades
suas avós — que permanecem nas vielas populosa da cidade, o discurso num centro de reabilitação do hospital carentes. É na saúde das avós que o
e becos, cuja largura não ultrapassa bolsonarista também ecoou. Nas do bairro, um dos maiores da capital, termômetro social hoje parece estar
dois metros, e homens que lotam os favelas da região, monopolizadas Cláudia Diroli prevê um atendimento sintonizado. No início da semana, a
bares. Dos motoristas de ônibus, pelo PCC, houve toque de recolher e congestionado em seu serviço na volta Rocinha, na zona sul do Rio, registrou a
auxiliares de enfermagem, suspensão dos bailes funk nos dois ao trabalho, a começar pelos próprios primeira morte de um morador de
trabalhadores das companhias de primeiros fins de semana da profissionais de saúde que estão na favela. Maria Luiza do Nascimento, de
eletricidade, água e limpeza que lá quarentena, mas a pressão frente de batalha. Diz que a associação 70 anos, morava com filha e neta na
moram, Bárbara ouve que se eles saem presidencial contra a quarentena já entre privação e medo vai afetar a parte alta da comunidade. ■
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 11
À MESA COM O VALOR - JOSÉ LUIZ EGYDIO SETÚBAL
Médico e filantropo, acionista do Itaú rechaça Bolsonaro no
combate à covid-19 e se diz surpreso com as doações do
empresariado. Por Daniel Salles, para o Valor, de São Paulo

O remédio da
filantropia
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
C
omo milhares de pessoas, o pediatra detectar a doença no hospital Sabará, cujo de arte de Adriana Varejão, Vik Muniz, Anto-
José Luiz Egydio Setúbal, de 63 anos, conselho Setúbal preside. Deu negativo para nio Dias e Abraham Palatnik, entre outros.
torce para já ter adquirido imunida- os dois, que não apresentaram sintomas. “O Com mais de 600 m2 e avaliado em mais de
de ao novo coronavírus. A probabili- teste afirmou que não tinha o vírus nas mu- R$ 7 milhões, a residência permite uma visão
dade de ter sido infectado é alta. No fim de fe- cosas”, afirma. “Mas só saberia se adquiri an- esplendorosa do Pacaembu. No dia desta en-
vereiro, ele embarcou com a química Sandra ticorpos com um exame sorológico.” Se o or- trevista, o bairro aparentava tranquilidade
Mutarelli, com quem completou 28 anos de ganismo do médico debelou a doença sem de longos feriados. No Estádio do Pacaembu,
casado no dia 4 de março, para uma viagem maiores problemas, caso ele tenha sido in- visível da sala de jantar, estava sendo monta-
de duas semanas pela França. Em Paris, eles fo- fectado, é um mistério. “É provável que eu te- do um hospital de campanha para atender
ram à exposição da fotógrafa Claudia Andujar nha me contaminado, mas talvez só esteja di- casos de baixa complexidade da covid-19.
na Fundação Cartier, visitaram o Museu Picas- zendo isso pelo desejo de já estar imune”, O entrevistado veste camisa azul escuro, calça
so, a Basílica de Saint-Denis e a Fundação diz. “Mas estou muito tranquilo, todos tere- de sarja cáqui, cinto e sapato marrons e está
Louis Vuitton. No Louvre, viram a mostra do mos contato com esse vírus.” acompanhado da assessora de comunicação Lu-
pintor Pierre Soulages. No entanto, a rotina foi alterada. “Não pos- ciana Munaretti. Para diminuir riscos de propa-
Não depararam com hordas de turistas, so aparecer no hospital, que me expulsam, e gação do coronavírus, todos usam um protetor
mas houve passeios de metrô, trajetos de meus filhos não querem me ver por enquan- de pano nos calçados. Após cumprimentos fei-
avião e a longa viagem de trem com início em to.” Quando aceitou participar deste “À Mesa tos com acenos e sorrisos, o pediatra conduz a
Bordeaux. No dia 3, assistiram a um show da com o Valor”, antes da pandemia, Setúbal pro- equipe para a sala de estar e se acomoda em um
Madonna no teatro Grand Rex, com capacida- pôs que o restaurante fosse o Carlota, da chef dos dois sofás. No cômodo ao lado, nos espera
de para 2.702 pessoas. Quando pisaram na Carla Pernambuco; ou o Ici Bistrô, de Benny uma mesa comprida de madeira com um par de
França, o país registrava cerca de 40 infecta- Novak; ou o La Frontera, de Ana Maria Masso- louças portuguesas e um jogo americano para
dos pelo novo coronavírus. Quando embarca- chi. São os três restaurantes em Higienópolis, cada uma das oito cadeiras.
ram no voo de volta já eram 1,2 mil. Na segun- onde mora, que mais costuma frequentar. Em “Vejo com muita tristeza, mas faz parte do
da-feira passada havia 40 mil contaminados; razão do isolamento social prescrito por auto- perfil dele, é uma persona, né?”, diz Setúbal lo-
7,2 mil recuperados e 2,6 mil mortos. “Estáva- ridades da saúde, o médico preferiu abrir a go no começo da entrevista, sobre o pronun-
mos lá bem na época da primeira alta de sua casa para esta entrevista. ciamento em cadeia nacional do presidente
transmissões”, diz o médico. Desde o dia 11 de Localizado no 13 o andar de um prédio a Jair Bolsonaro (sem partido), na direção opos-
março, uma selfie dele e da mulher usando poucas quadras da Fundação Armando Alva- ta às orientações das autoridades de saúde,
máscaras é a foto de seu perfil no Facebook. res Penteado (Faap), o apartamento onde que pedem a população que respeite a qua-
De volta ao Brasil, o casal fez um teste para mora com a mulher é decorado com obras rentena para prevenir os efeitos catastróficos
12 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
LULA

CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO

Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 13


GALERIA de uma sobrecarga nos hospitais. “Na área da Paulo. O mandato durou de 1975 e 1979 e ele foi
ARQUIVO PESSOAL saúde ele tem uma equipe técnica muito boa, nomeado pelo então governador Paulo Egydio
que está tomando as decisões corretas e fazen- Martins, durante o regime militar (1964-1985).
do as orientações adequadas. Só que o presi- Um dos poucos na família a grafar o último
dente da República deveria dar o exemplo. sobrenome com acento, o quinto filho conta
Cria-se uma dupla mensagem, que deve dei- queagraduaçãodairmãnãoescandalizouopai.
xar a população mais humilde bem confusa. “Divergiam em vários aspectos, mas ele era uma
Até entendo a angústia com a questão econô- pessoademocrática”,afirma.“Podianãoconcor-
mica, mas neste momento é preciso ter calma, dar, mas aceitava a diferença, e acho que todos
e ele precisa ser o líder que a nação precisa.” os filhos aprenderam isso, a ouvir o contraditó-
O pediatra fala pausadamente e baixinho. Em rio. Quem pensa diferente sempre te acrescenta
sua conta no Facebook, alimentada com posta- algo. Melhor que escutar só quem pensa igual.”
gens várias vezes ao dia, não há meias palavras. Ele diz que a união dos irmãos saiu incólume
Entre as reportagens compartilhadas está uma da polarizada eleição de 2018. “A gente conversa
sobre o pedido de desculpas do prefeito de Mi- numa boa, não tem constrangimento.” Questio-
lão pela campanha que veiculou contra o isola- nadosealgumdelesvotounocandidatovitorio-
José Luiz Egydio Setúbal (em pé, ao fundo) com os pais e irmãos mento social no início da pandemia, similar à so, o pediatra responde com uma gargalhada:
ARQUIVO PESSOAL encomendada pelo Palácio do Planalto, suspen- “No Bolsonaro? A maioria”. Embora tenha
sa pela Justiça Federal. “Será que o presidente apoiado Geraldo Alckmin (PSDB) no início, ele
Bolsonaro virá daqui a dois meses pedir descul- digitou o número do João Amoêdo (Novo) no
pa pelo erro?”, escreveu. “Acho que não, porque primeiro turno e anulou o voto no segundo.
graças ao bom senso temos um governador e A família do pediatra é uma das mais ricas do
um prefeito que estão tomando as providências país. Pelas contas da revista “Forbes”, o irmão
necessárias como mostram as curvas [de conta- mais velho tem uma fortuna de US$ 1,4 bilhão.
minação]”, completou, referindo-se aos tucanos Quatro anos atrás, a revista estimou o patrimô-
João Doria e Bruno Covas. nio de Neca Setubal (R$ 1 bilhão), Olavo (R$ 1,26
Religioso, Setúbal adotou o hábito de re- bilhão), Roberto (R$ 1,27 bilhão), Alfredo (R$
postar no Facebook os tuítes do papa Francis- 1,23 bilhão) e Ricardo (R$ 1,24 bilhão). O valor
co. E como foto de capa de seu perfil na rede atribuído ao quinto filho é de R$ 1,18 bilhão.
social elegeu uma imagem do pontífice na Questionado se a cifra está correta, ele responde
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
O pediatra com a mulher, Sandra Mutarelli, e os três filhos
LUIZ CARLOS MURAUSKAS/FOLHAPRESS
missa rezada na praça São Pedro vazia. Ques-
tionar líderes espirituais que relativizam a
depois de uma breve risada. “Bom, eu nem sei
qual é meu patrimônio atualmente. Meu patri-
quarentena também faz parte de sua rotina mônio são ações do Itaú, que não sei quanto va-
digital. Entre eles, Silas Malafaia, líder da As- lem hoje. Provavelmente isso”, diz, apontando
sembleia de Deus Vitória em Cristo, e Edir Ma- paraochão.“Nãomeincomodo”,afirma,sobrea
cedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. queda das bolsas, que pode derreter parte de
Quinto dos sete filhos do banqueiro Olavo suas economias.
Setubal (1923-2008), um dos fundadores do Da época em que o pai foi prefeito, o que mais
Banco Itaú, ele foi o único dos homens que Setúballembra é a tensão queseseguiu ao assas-
não seguiu os passos do pai. Paulo Setubal Ne- sinato pela ditadura do jornalista Vladimir Her-
to, o mais velho, foi CEO da Itautec, empresa zog (1937-1975), logo no início do mandato. O
do grupo especializada no desenvolvimento novo trabalho do banqueiro, no entanto, pouco
de soluções e serviços de computação, e presi- alterou a rotina da família. Não se compara ao
de a Duratex, controlada pela mesma holding impacto provocado pela morte de Mathilde de
do Itaú, a Itaúsa. Olavo Egydio Setubal Junior, Azevedo Setubal, a Tide Setubal (1925-1977). A
José Luiz em meio a protesto de pacientes e estudantes na Santa Casa o terceiro, foi executivo da Duratex, da Itautec mãe dos herdeiros do então prefeito não resistiu
ARQUIVO PESSOAL e de outras empresas do conglomerado. Ro- a um câncer, quando tinha 52 anos. “Era uma
berto Setubal, o quarto filho, exerceu a presi- pessoa fantástica, impregnou todos os filhos
dência do Itaú por 22 anos — em 2017, trans- com uma visão social muito grande”, afirma o fi-
feriu o cargo para Candido Bracher. Hoje é co- lho médico. “Ela morreu há mais de 40 anos,
presidente do conselho. quando éramos muito jovens, e ainda é muito
O sexto filho, Alfredo Egydio Setubal, é vi- presente na família. É curioso.”
ce-presidente do conselho de administração da No dia 19 de março, ela faria 95 anos. Um
Itaúsa. O caçula, Ricardo Egydio Setubal, integra dia antes, José Luiz postou uma foto dela no Fa-
cargos em comitês de empresas do conglomera- cebook com o poema “Para Sempre”, de Carlos
do; a única filha, a segunda na descendência, é a Drummond de Andrade (1902-1987). Termi-
socióloga Maria Alice Setubal, mais conhecida na assim: “Fosse eu Rei do Mundo, / baixava
como Neca, uma das grandes apoiadoras da uma lei: / Mãe não morre nunca, / mãe ficará
candidatura de Marina Silva à Presidência em sempre / junto de seu filho / e ele, velho embo-
Com Michel Temer e Geraldo Alckmin em cerimônia em 2016 2014. Quando a irmã cursou ciências sociais na ra, / será pequenino / feito grão de milho”.
USP, seu pai exercia o cargo de prefeito de São O dia no qual ela nasceu explica o nome do
14 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
SILVIA ZAMBONI/VALOR
pediatra. Originalmente seria Luiz Carlos,
mas Tide acabou dando ouvidos à argumen-
tação de uma freira próxima da família: “Você
nasceu no dia de São José e não vai ter ne-
nhum filho com esse nome?”. Em 1979, Olavo
casou-se pela segunda vez, com Daisy Salles,
que morreu em 2010, aos 92 anos. O banquei-
ro morreu dois anos antes, aos 85 anos.
Ao explicar por que enveredou pela medici-
na, ele recorre à resposta que deu na entrevista
que o colocou na residência em pediatria no
Hospital das Clínicas. Ciente de ter à frente o fi-
lho de um banqueiro conhecido, o médico An-
tranik Manissadjian, o temido chefe dos resi-
dentes, quis saber por que José Luiz não optara
pela profissão do pai. “Porque as pessoas me in-
teressam mais que os números”, disse. Olavo Se-
tubal adorou a frase e não se cansou de repeti-la
paraosamigosaolongodavida.Paraobanquei-
ro, foi graças à sua resposta que o filho foi aceito.
“Pena que não vou poder te ajudar na sua carrei-
ra”, disse no dia da formatura Olavo ao filho, que
estudou medicina na Santa Casa.
Esta entrevista é transferida para a sala de jan-
tar.Sentadodecostasparaaparedecomumpai- lo de Neca Setubal para ajudá-la a tirar do pa- custeá-la criou um fundo de R$ 150 milhões. A Em razão do
nel do artista Eduardo Coimbra, o anfitrião pel sua fundação, que milita pela justiça social instituição promove ações que visam a melho- isolamento social
anuncia o que vem da cozinha: salada de alface e pelo desenvolvimento sustentável em peri- ria das condições de saúde de crianças e adoles- prescrito por
americana com ovo cozido, pimentões, azeito- ferias urbanas. Fundada em 2006, foi batizada centes vulneráveis. Em 2015, incorporou uma autoridades de saúde
nas,atumenlatadoefilésdeanchovaemconser- com o nome da mãe, responsável, quando pri- ONG que batalha para diminuir os estigmas as- por causa da
va e penne com mussarela de búfala, tomate-ce- meira-dama, pela implementação do progra- sociadosaoautismo.Trêsanosantes,criouuma pandemia, Setúbal
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
reja, manjericão e queijo parmesão. Como
acompanhamento, uma cesta com croissants e
ma de voluntariado da prefeitura.
Daí para cursar uma pós-graduação em eco-
divisão para elaborar pesquisas, o Instituto
Pensi, responsável pela residência, pós-gradua-
recebeu a reportagem
em sua casa, em
fatias de pão italiano, queijo ralado, molho para nomia da saúde na Unifesp, com o intuito de se ção e estágios oferecidos no Sabará. Higienópolis
salada e quatro jarras, com água e sucos. “Reco- informar sobre o SUS, foi um pulo. Também não Nestes dias, quem visita o hospital depara
mendo comer a massa primeiro para não es- demorou para que lhe oferecessem a compra do na porta com atendentes que têm a missão de
friar”, propõe Setúbal, que se serve por último. Sabará, então um pronto-socorro voltado para perguntar sobre os sintomas da covid-19.
Entre uma garfada e outra, relembra como crianças. Funcionava em um prédio de quatro Quem tiver manifestado algum deles é isolado
deixou de exercer a pediatria para se dedicar à andares em Higienópolis. O negócio foi sugeri- em uma sala de triagem. Até a segunda-feira,
filantropia em tempo integral. A guinada co- dopeloirmãoAlfredo,queteriadito:“Euconhe- todos os casos suspeitos haviam sido descarta-
meçou no ano 2000, quando aceitou dar aulas ço você. Vai ficar seis meses nessa fundação e daí dos. “Estamos tranquilos, em criança não é um
de alfabetização para adultos em um progra- vai encher o saco. Compra o Sabará”. Ciente do problema”, diz o presidente do conselho.
ma criado pelo colégio dos filhos, o Vera Cruz. interesse do grupo Fleury no pronto-socorro, o Os nove stents no coração coincidem com a
Setúbal é pai da designer e fotógrafa Beatriz e pediatra se decidiu pela aquisição em 2005. época em que foi provedor da Santa Casa, entre
do multi-instrumentista Gabriel, ambos na Bateu o martelo no negócio com o intuito 2015 e 2017. Os três primeiros foram colocados
faixa dos 30 anos, e de Olavo, 25, que trabalha de associá-lo a um projeto sobre o qual vinha durante a primeira eleição que disputou para o
como analista de produto na startup Quin- meditando, a criação da própria entidade de cargo — a entidade vivia o auge de sua crise fi-
toAndar e está decidido a ingressar no Itaú. interesse social. “Comprei o Sabará para que nanceira, com um rombo de R$ 900 milhões.
“Doei a vida toda, mas pela primeira vez doei desse sustentabilidade a ela.” Em 2010, quan- Ciente do estresse ao qual Setúbalestava subme-
meu tempo”, diz o médico sobre a alfabetiza- do a Fundação José Luiz Egydio Setúbal foi tido, o médico dele achou prudente solicitar um
ção voluntária, a que se dedicou por cinco instituída, inaugurou-se a nova sede do hos- examedecoração,quediagnosticouobstruções.
anos. Eletambémépatrono doMaspeda Pina- pital, um edifício de 17 andares na avenida Eleito na segunda tentativa, o pediatra sucedeu
coteca do Estado de São Paulo. Angélica que custou R$ 90 milhões. O número o advogado Kalil Rocha Abdalla, que renunciou
Em 2005, ao se desligar do extinto hospital de atendimentos dobrou, para mais de 100 após denúncias de irregularidades. Os outros
Evaldo Foz, no Campo Belo, em que trabalhou mil por ano. Em 2017, alcançou-se a marca de stents foram colocados ao longo do mandato.
por 25 anos até chegar a vice-diretor clínico, o cem cirurgias cardíacas e foi realizado o pri- Há alguns anos, foi apresentado pelo em-
pediatra se viu com as manhãs livres. Decidi- meiro transplante renal. O faturamento presário Elie Horn ao The Giving Pledge, do
do a não ocupá-las com mais trabalho — as anual, de R$ 25 milhões na época da compra, qual o fundador da Cyrela é signatário. Criado
tardes eram dedicadas ao consultório parti- saltou para R$ 360 milhões no ano passado. por Bill Gates e Warren Buffett, o manifesto
cular —, foi assistir a aulas de filosofia e histó- “Deu muito prejuízo antes de dar resultado.” convoca pessoas como eles a doar 20% de suas
ria da música. À beira dos 50 anos, teve vonta- Todo lucro é usado para financiar as ações fi- fortunas — deixar como herança não vale. De-
de de se aposentar. Foi assim até ceder ao ape- lantrópicas da fundação do pediatra, que para cididos a criar um movimento similar no Bra-
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 15
SILVIA ZAMBONI/VALOR

Silvia Zamboni/Valor
Cardápio*
Casa do José Luiz Egydio Setúbal

Pão italiano e croissants 1


Salada de alface americana com ovo 1
cozido, pimentão, azeitona, atum
“Se tem uma coisa
enlatado e filé de anchova
boa nesta crise é a
Penne com mussarela de búfala, 1
mobilização da
tomate-cereja, manjericão
sociedade civil. A
e queijo parmesão
etapa aguda da crise
Kiwi, melão, manga, pêssego, romã, 1
vai passar mais ou
mamão e caqui
menos rápido, as
Sorvete de creme 1
consequências dela,
Marrom-glacê 1
não. E aí a
Jarra de suco de laranja 1
responsabilidade dos
Jarra de suco de tangerina 1
ricos vai ser grande”,
Jarra de suco de limão 1
afirma Setúbal, sobre
Jarra de água 1
a pandemia atual
* Cortesia do entrevistado

CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO


sil, Horn e Setúbal bateram na porta de em- vai ser grande”, afirma. “Mas os privilegiados mento social prescrito para a covid-19. Após
presários com altíssimo poder aquisitivo. não são só os milionários, os bilionários, os tri- receber críticas, o empresário e apresentador
“Procuramos pessoas que já doaram muito, lhardários. Falam que rico sou eu, que faço parte de TV admitiu a importância da quarentena.
têm fundações, institutos, mas ninguém quis, de uma faixa de 0,1% do Brasil. Um funcionário Na sobremesa é servido um prato com kiwi,
alegando diversas razões”, conta o médico. “As meu que ganha R$ 5,6 mil está entre os 10% mais melão, manga, pêssego, romã, mamão e caqui
pessoas não têm orgulho de doar no Brasil, não ricos do país. Então também é privilegiado.” em fatias, que disputa atenções com um pote de
faz parteda nossa cultura. Têm medo demostrar Que a pandemia vai aumentar a desigualda- sorvete de creme e uma travessa de marrom-gla-
que são ricos, o que é uma besteira, e tem a ques- de, ele não tem dúvida. “Torço para a mentalida- cê. A receita desse último, diz o anfitrião, veio de
tãodasegurança.Criou-seoprincípiodequevo- de do país mudar. Não é só dar dinheiro, vai sua personal trainer. “Estou na dúvida”, ele con-
cê não deve mostrar o bem que faz.” Prontifi- muito além disso”, argumenta. “O empresário fessaemseguida,antesdesedecidirpelosorvete
cou-se a cumprir o que o The Giving Pledge pre- precisa refletir sobre como toca seu negócio, o e pelo doce à base de castanhas.
gaquandocriouaprópriafundação.“Elacorres- governo precisa repensar suas ações sociais, os Ao fim, voltamos ao coronavírus e questões
ponde a bem mais do que 20% do meu patrimô- legisladoresdevemrevercomogastamodinhei- como a ampliação dos leitos para tratar os in-
nio. Doei um hospital, e esse hospital valorizou”, ro público.” Setúbal demonstra alguma espe- fectados. “Fico me perguntando sobre quem
diz. “É um compromisso moral. Ninguém vai rança em relação à política. “Nesta crise vão sur- vai mexer em todos esses respiradores que se-
checar se cada um doou exatamente 20%.” gir novas lideranças no Brasil.” rão comprados. Enfermeiro de UTI é um pro-
Ele se diz surpreso com a onda de doações A filantropia, avalia, sairá fortalecida. “Para fissional altamente capacitado. Por lei, cada
motivada pela pandemia em curso. Cita os muita gente, principalmente os mais jovens, um deve cuidar de no máximo 20 leitos”, diz.
R$25,8milhõesarrecadadospelaONGComuni- tudo precisa ter ou impacto ou resultado fi- “Médico intensivista é um para cada dez
tas para a compra de 351 respiradores e 121 mo- nanceiro. Filantropia não é isso, e pode acabar leitos. E para doenças respiratórias é preciso
nitores de UTI, doados para hospitais públicos se prevalecer esse raciocínio.” Ele cita um ter fisioterapeuta. Médico tem um monte.
do Estado, e o montante similar que a XP Investi- exemplo hipotético: a necessidade de criar um São capacitados? Não tenho a resposta, mas
mentos vai destinar a famílias que não terão sus- remédio para uma doença rara. “O impacto e o a dúvida é enorme.” São profissionais, lem-
tento em tempos de isolamento. Com o mesmo resultado desse medicamento será mínimo, bra Setúbal, que terão de lidar com dilemas
objetivo da corretora, Setúbal vai doar R$ 1 mi- pois os pacientes serão pouquíssimos. Então éticos em escala inédita. “Em algum ponto o
lhão por meio de sua fundação. eles que se lixem?”, questiona. “É o pensamen- sistema de saúde não vai aguentar e será pre-
“Se tem uma coisa boa nesta crise é a mobili- to do Bolsonaro e do Roberto Justus: ah, vão ciso escolher”, afirma. “Vamos colocar no res-
zação da sociedade civil. A etapa aguda da crise morrer só 2 mil pessoas, 2 mil velhos, que já vi- pirador o neurocirurgião de 65 anos ou a
vai passar mais ou menos rápido, as consequên- veram a vida. É uma visão utilitarista”, diz, lem- prostituta de 25? O rico ou o pobre? A socie-
cias dela, não. E aí a responsabilidade dos ricos brando a posição de ambos a respeito do isola- dade está preparada para isso?” ■
16 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
SINAIS VITAIS
Coronavírus
RODRIGO CAPOTE/BLOOMBERG
cularmente São Paulo e Rio de Janeiro, se-
guiram o que se fez de melhor nos países
europeus e foram iniciadas precocemen-

3
te. Se não acontecer a tremenda explosão
de casos observada nos Estados Unidos,
que demorou a tomar as mesmas medi-
das, por certo teremos uma vantagem
A pandemia na Grande importante na hora em que o sistema de
saúde público e privado for desafiado.
São Paulo ou no Grande Acredita-se que a primeira grande on-
Rio não tem por que se da de pacientes infectados ainda não se
manifestou. Essa é a posição oficial, inclu-
comportar de maneira sive, do ministro da Saúde, que, em entre-
diferente do que houve vista no último sábado, estima que em
duas a três semanas haverá aumento do
em Londres, Nova York número de casos no país. Nessa janela de
ou Lombardia. oportunidade, as demais cidades devem
se adiantar nas medidas de isolamento e
Por Iran Gonçalves Jr. proteção aos seus habitantes. Vale o dito
O Estádio do Pacaembu, em São Paulo, abriga o Hospital Municipal de Campanha popular sobre a inutilidade de colocar fe-
chadura depois de o ladrão entrar.
Caro leitor, terminei o artigo do mês mo o coronavírus se espalha. Nesta última semana do mês de mar-
de março com o seguinte parágrafo: “En- Teorias e hipóteses de como agir de ço falou-se muito dos aspectos econômi-
fim, amigo leitor, estamos todos no mes- outra maneira que não o isolamento cos da pandemia e como isso deveria ser
mo barco. Vamos remar em conjunto na amplo ou quarentena ruíram naqueles levado em conta nas medidas sanitárias
direção certa e fazer a parte que nos cabe. países frente à realidade do aumento do propostas. Ora, soluções econômicas
É o que é possível no momento”. número de casos, óbitos e saturação dos que possam atenuar os efeitos da pande-
O que mudou de lá para cá? Em rela- sistemas de atendimento. mia no nosso país é o que se espera dos
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ção ao mundo fomos surpreendidos por
um aumento, muito além do previsto, no
No Brasil, país de tal dimensão que to-
da a Europa cabe em seu território, tem
economistas e administradores dos seto-
res público e privado. Médicos, enfer-
número de casos que atingiram primei- múltiplas configurações de cidades e meiros e profissionais de saúde não en-
ramente a Itália, seguida de Espanha, aglomerados urbanos. Caberiam dife- tendem de PIB, TJLP, políticas fiscal e mo-
França, Alemanha e Reino Unido. A che- rentes soluções para diferentes lugares? netária, mecanismos de compensação,
gada do vírus aos Estados Unidos foi ex- Talvez sim, talvez não. Mas, se aborda- engenharia financeira ou seja lá o que
plosiva e ultrapassou, em poucos dias, o mos a questão desse ponto de vista, en- for possível acionar, modificar, experi-
número de casos registrados na China. traremos no campo das hipóteses e teo- mentar. Um dos aforismos preferidos
Tornou-se evidente para a comunidade rias onde cada um tem a sua. dos grandes empreendedores é que cri-
médica que medidas de isolamento que O que temos de certo é que não há ra- ses geram oportunidades. Então esta é a
não contemplassem toda a população não zão, exceto por crenças fora da razoabili- maior oportunidade de todas.
são efetivas, mas sim perigosas. Governos dade científica, para crer que a doença se Este é o momento de pensar “fora da cai-
que testaram hipóteses de isolamento ape- comportará em uma cidade ou aglome- xa”. O desafio é global. Não é uma crise sa-
nas de grupos de risco, prescreveram con- rado urbano nacional de modo diferente zonal em um país particular, afeta todas as
selhos vagos de restrições de mobilidade daquele que se apresentou em regiões cadeias de produção ao mesmo tempo e
ou se ativeram ao simples “laissez-faire” semelhantes de outros países que já es- globalmente, não há para onde fugir. Esta
mudaram rapidamente suas orientações e tão em ritmo mais adiantado da pande- situação pandêmica é pior do que a crise fi-
correram atrás do prejuízo. A mortalidade mia. Na Grande São Paulo ou no Grande nanceira de 2008 pois não se pode estimar,
aumentou, líderes de governo foram con- Rio, ela não tem por que se comportar de do ponto de vista médico, como será o “day
taminados, os sistemas de saúde ficaram à maneira diferente do que houve em Lon- after”. É a primeira vez na história da hu-
beira do colapso. dres, Nova York ou Lombardia. manidade que esse vírus se manifesta. Ha-
Sem provisionamento para o pior cená- Essa maneira de abordar o problema verá sequelas tardias nos que apresenta-
rio, houve falta de insumos, equipamentos não é hipotético, é factual, já há resultados ram apenas poucos sintomas? Haverá
e leitos hospitalares, equipamentos de pro- descritos que são atualizados a cada hora e imunização nos infectados? Tudo isso deve
teção individual para a população geral e que permitem que medidas testadas sejam ser levado em conta.
para os trabalhadores da saúde, esgota- implementadas mais rapidamente. O mes- O que nos importa de imediato é sal-
mentos físico e mental e óbitos nas equipes mo vale para a pergunta “Por quanto tem- var tantas vidas quanto possível, é nosso
de atendimento. A falta de testes para diag- po?”. Provavelmente por um tempo seme- desafio e nosso dever como seres huma-
nósticos é mundial e dificulta a identifica- lhante ao daqueles lugares. nos. Volto ao início do texto para reafir-
Iran Gonçalves Jr, médico , escreve neste ção de novos focos da doença, o que torna As medidas adotadas nos grandes mar que estamos todos no mesmo barco.
espaço mensalmente impossível o melhor entendimento de co- aglomerados urbanos brasileiros, parti- Oxalá remando na mesma direção. ■

Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 17


REPORTAGEM DE CAPA

A ciência na luta
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Como pesquisadores vêm se mobilizando para vencer desafios da

18 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020


IMAGEM DE VEKTOR KUNST IXIMUS POR PIXABAY

a contra o vírus
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pandemia global. Por Carlos Rydlewski, para o Valor, de São Paulo

Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 19


muns. Outros dois, Mers e Sars (chamados
IMPACTOS DO por alguns autores de “clássicos da Sars”) são
muito mais agressivos. A síndrome respira-
CORONAVÍRUS tória aguda grave (Sars) matou 800 pessoas
entre 2002 e 2003. A síndrome respiratória
do Oriente Médio (Mers) acrescentou mais

E
ster Sabino é diretora do Instituto de 900 mortes a esse total entre 2013 e 2014.
Medicina Tropical (IMT), da Universi- E uma das peculiaridades do novo coro-
dade de São Paulo (USP). Há quase navírus, algo que o torna especialmente
três décadas, ela lida com a epide- capcioso, é o fato de ser lento. Ele permane-
miologia molecular. Seu trabalho, grosso mo- ce em silêncio por longo período no orga-
do, consiste em analisar a genética dos vírus nismo dos hospedeiros. Isso faz com que as
para saber de onde vêm, como se espalham e pessoas, embora contaminadas, sejam as-
quais mutações relevantes apresentam em sintomáticas. A incubação da covid-19 po-
suas jornadas. Agora, aos 60 anos, diante da de durar semanas. “Isso é péssimo sob o
avalanche global do novo coronavírus, afirma ponto de vista epidemiológico”, diz Renato
que não está espantada. Está, simplesmente, Astray, virologista do Laboratório Multipro-
“triste”. “Já tenho amigos na UTI”, diz. E foi pósito do Instituto Butantan, em São Paulo.
pensando em como superar o impasse provo- “O contágio se propaga sem que ninguém
cado pela atual onda de contágios que a pes- saiba que está infectado.”
quisadora idealizou uma espécie de lista de Astray observa que, normalmente, isso
“desejos científicos”. ocorre quando o corpo humano não reconhe-
Uma vacina e medicamentos eficazes con- ce de imediato que está sendo atacado. “Al-
tra o SARS-Cov-2, o vírus que causa a doença guns vírus têm mecanismos que silenciam as
covid-19, ocupam o topo da relação. Mode- respostas do nosso sistema imunológico”, diz
los preditivos mais robustos também im- o cientista. “O SARS-Cov-2 pode ser um caso
portam. E muito. Afinal, é preciso definir desse tipo.” Ele acrescenta que, por isso mes-
com acurácia quando e até que ponto isolar mo, e em contrapartida, infecções que matam
as cidades. Isso para preservar vidas — sem- rapidamente tendem a não se espalhar de ma-
pre e sem limites —, mas provocando o me- neira tão sorrateira — e atroz.
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nor dano possível às pessoas. “Seriam cru-
ciais ainda testes simples, baratos e precisos,
A anatomia do novo coronavírus tam-
bém apresenta singularidades. O vírus tem
como os de gravidez, para identificar e isolar o formato de uma esfera, de onde partem
os doentes”, afirma a cientista. Por fim, siste- inúmeras espículas, à semelhança de espe-
mas tecnológicos de abastecimento pode- tos. Elas se parecem com coroas. Daí o no-
riam atender as camadas mais vulneráveis me, “corona”. É por meio desses ganchos,
da população em situações de emergência. chamados de proteínas “spike”, que ele ade-
Pois a lista de Ester, na prática, reflete al- re a uma outra proteína, a ACE2, encontra-
guns dos principais desafios da ciência, em da na superfície das células humanas. pesp, a agência de fomento à pesquisa cien-
um mundo onde 2,8 bilhões de pessoas vivem Especula-se que esses picos sejam mais tífica e tecnológica de São Paulo.
sob algum tipo de restrição de movimento — eficazes do que os comumente encontrados E qual é o prazo para que isso aconteça?
o equivalente a um terço da população global. nos “Sars clássicos”. “É precoce tirar qual- Com otimismo, algo entre 12 e 18 meses. É
Ocorre que não é nada fácil executar as tarefas quer conclusão”, diz Astray. “Mas esse des- isso o que afirmam, por exemplo, autorida-
da “relação” da pesquisadora. conhecimento em torno do problema só des como Anthony Fauci, chefe do Instituto
Cientistas ainda tentam entender por que o amplia nosso desafio.” Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas
SARS-Cov-2 é tão eficaz. “Nós não sabemos co- Por isso, alertam os cientistas, hoje não dos EUA (Niaid, na sigla em inglês). Fauci,
mo isso acontece”, diz Suzan Weiss, da Univer- há bala de prata contra a covid-19. A prin- um veterano no combate a epidemias, acon-
sidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, cipal arma é social. Inclui, fundamental- selhou seis presidentes americanos sobre es-
que estuda os coronavírus há 40 anos. “A ge- mente, as medidas de isolamento. A solu- se tipo de problema, começando por Ronald
nética não nos diz isso.” Diante dessa escuri- ção mais efetiva no longo prazo, contudo, Reagan (1911-2004), no caso do HIV, e, ago-
dão, ela diz acreditar que, neste instante, o todos afirmam em uníssono, seria a produ- ra, com Donald Trump e o novo coronavírus.
melhor a fazer é já nos prepararmos para algo ção de uma vacina. “A verdade é que a vacina pode ser uma arma
inevitável: “Futuros surtos iguais a este”. “Mas chegar a uma resposta desse tipo disponível somente para as próximas ondas
Hoje, sabe-se que a família do vírus coro- não é uma tarefa simples e nem rápida”, do vírus”, diz Cabral. “Temos de saber disso e
naviridae reúne perto de 40 espécies, sendo pondera Gustavo Cabral, um dos pesquisa- nos preparar para essa possibilidade.”
que os primeiros estudos sobre o tema da- dores responsáveis pelo desenvolvimento Desenvolver uma vacina consiste, na práti-
tam do fim da década de 1960. Além do de uma vacina contra o SARS-CoV-2 no Bra- ca, em incutir um pedaço do vírus inativado
SARS-Cov-2, seis integrantes do grupo afe- sil, cujos trabalhos ocorrem no Laboratório no organismo de um ser humano. A partir daí,
tam os seres humanos. Quatro deles — co- de Imunologia do Instituto do Coração (In- o sistema imunológico realiza duas tarefas
nhecidos pelas siglas OC43, HKU1, NL63 e cor) da Faculdade de Medicina da USP decisivas. A primeira consiste em reagir e der-
229E — causam um terço dos resfriados co- (FMUSP). O estudo é financiado pela Fa- rotar o tal corpo estranho. A segunda é criar
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PAUL YEUNG/BLOOMBERG
faz com que a maquinaria da própria célula
produza a proteína que combaterá o inva-
sor”, explica Cabral, do Incor. A CanSino
adota uma estratégia baseada no adenoví-
rus humano tipo 5 (que causa infecções res-
piratórias e pneumonia). É ele que cria a res-
posta imunológica contra o SARS-Cov-2.
Para ganhar tempo, a Moderna nem se-
quer usou um fragmento físico do vírus pa-
ra criar seu protótipo, o que seria o normal.
Ela fez tudo apenas com base na sequência
genética de parte do novo coronavírus, en-
quanto ele ainda proliferava em Wuhan, na
China. A partir daí, em 42 dias, a empresa
enviou as primeiras amostras de testes para
o Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla
em inglês), a agência governamental de
pesquisa biomédica dos EUA.
Como a companhia já havia feito pelo me-
nos nove vacinas experimentais dessa manei-
ra contra outras doenças, ela também adap-
tou o processo de fabricação à nova ameaça.
Como se diz, somente substituiu o software
em um computador já existente. “Ela trocou a
informação”, afirma Astray, do Butantan.
“Não precisou fazer um novo hardware.”
Os pesquisadores observam que tudo isso
dá segurança e potencial ao modelo, mas as
expectativas devem ser moderadas. Embora Técnico em pesquisas
as duas companhias tenham largado na fren- com o SARS-Cov-2,
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO te, não há garantias de que cruzarão a linha de
chegada. Nenhuma vacina que emprega a tec-
na Universidade de
Hong Kong: cientistas
nologia de mRNA, por exemplo, está no mer- ainda tentam
cado. Sua eficiência nunca foi comprovada. entender por que o
Ainda assim, as ações da empresa americana vírus que causa a
valorizaram quase 30% na Nasdaq, a bolsa de doença covid-19 é tão
empresas de tecnologia, em Nova York, em fe- eficaz
vereiro. No início desta semana, o governo
uma memória imunológica capaz de comba- CanSino Biologics, de Tianjin, no Nordeste Trump anunciou que investirá US$ 1 bilhão na
ter o invasor em um eventual segundo round da China, oferecem exemplos desse tipo. Moderna e na Johnson & Johnson, uma entre
— ou seja, em uma nova contaminação. “Essas Em um ritmo sem precedentes, ambas ini- as gigantes globais que participa da corrida
‘memórias’ podem variar bastante”, observa ciaram testes em seres humanos de uma vaci- para desenvolver um sistema de imunização
Cabral, do Incor. “É por isso que as vacinas têm na contra a covid-19 há duas semanas. Consi- contra a covid-19.
diferentes prazos de validade.” A agravante é dere que o início desse tipo de procedimento No Brasil, a equipe do Incor também em-
que, somente essa etapa do processo, a de demorou 20 meses no caso da Sars. Jennifer prega uma solução inovadora para desen-
criação da “lembrança viral”, pode demorar Haller, de 43 anos, de Seattle, foi a primeira volver sua versão da vacina. O modelo está
entre seis meses e cinco anos. voluntária americana a receber uma dose do baseado em partículas semelhantes a vírus
Mas estes não são tempos normais. Há experimento. Na ocasião, ela afirmou estar (VLPs, na sigla em inglês). Elas são estrutu-
uma guerra global em curso contra uma “orgulhosa” e “grata” por participar da inicia- ras multiproteicas com características simi-
pandemia. O tempo é um fator determinante tiva. Jennifer, funcionária de uma pequena lares às do vírus agressor. Por isso, são reco-
nas batalhas — e define a quantidade de bai- empresa de tecnologia, soube do estudo por nhecidas como inimigas pelas células do
xas que elas provocam. Não por acaso, a Or- meio de uma postagem no Facebook. Nos sistema imunológico. “A vantagem é que as
ganização Mundial da Saúde (OMS) estima EUA, 45 pessoas (de 18 a 55 anos) receberão VLPs são seguras e não provocam efeitos co-
que existam dezenas de estudos de imuni- duas doses do protótipo. Na China, serão ava- laterais”, afirma Gustavo Cabral, um dos lí-
zantes contra o novo coronavírus em anda- liados 108 indivíduos (de 18 a 60 anos). deres do projeto. Os testes em animais de-
mento no mundo. Só a lista das ações mais Tanto a Moderna como a CanSino que- vem começar nos próximos meses.
promissoras inclui perto de 40 nomes de em- braram recordes de velocidade porque en- A premência de tempo fez com que a ciên-
presas e institutos de pesquisa. E algumas veredaram por atalhos tecnológicos. A Mo- cia apostasse pesado em uma segunda grande
dessas alternativas soam formidáveis. A Mo- derna utiliza o ácido ribonucleico mensa- rota para tirar o mundo da crise. Nesse caso,
derna, uma empresa com sede em Cambrid- geiro (mRNA) como base do processo de trata-se da tentativa de encontrar medica-
ge, Massachusetts, nos Estados Unidos, e a imunização. “Na prática, essa plataforma mentos que possam combater — ou ao menos
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 21
atenuar — o impacto da covid-19. “A principal
estratégia adotada em todo o mundo é testar
remédios já existentes, em vez de criar algo
novo, o que exigiria muito mais tempo”, diz
Rafaela Ribeiro, doutora em biologia celular.
Ela participa de um estudo de fármacos no
Hospital San Rafaelle, em Milão, um dos epi-
centros globais da doença. E várias adapta-
ções estão em curso nesse processo. “O meu
trabalho original, por exemplo, estava volta-
do para a zika”, diz Rafaela. “Agora, mudei o
foco para o coronavírus. Isso está acontecen-
do com muitos pesquisadores.”
Ainda nesse front, há duas semanas, a
OMS lançou uma iniciativa inédita no plane-
ta. A instituição criou o projeto colaborativo
Solidariedade (Solidarity). Ele vai unir cen-
tros de pesquisa e hospitais do mundo intei-
ro para testar emergencialmente quatro re-
médios contra a covid-19. O que se pretende
é realizar uma investigação científica robus-
ta, como nunca se viu: ela acontecerá no
meio do furacão, enquanto a pandemia se
alastra. A análise incluirá milhares de pa-
cientes já hospitalizados. Só no Brasil, de-
vem participar 18 hospitais em 12 Estados. O
Com otimismo, Inserm, a agência francesa de pesquisa bio-
vacina contra a médica, coordenará uma investigação com-
covid-19 deve surgir plementar na Europa, com 3,2 mil pacientes
entre 12 e 18 meses; em pelo menos sete países.
testes em seres
humanos vêm sendo
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
Serão avaliados medicamentos prontos –
portanto, seguros — e outros que ainda estão
realizados há duas em fase de testes, mas que mostraram bom
semanas em potencial em estudos com animais. Isso prin-
voluntários cipalmente no enfrentamento dos coronaví-
rus mortais já conhecidos: o da Sars e o da
Mers. As análises incluirão o Remdesivir, de- uso contra o HIV. O Solidariedade examinará equipe de epidemiologistas do Imperial
senvolvido pela Gilead Sciences. Ele foi usado ainda uma combinação desses dois antivirais College, de Londres. Nele, foi analisado o
contra o ebola no ano passado na República com o interferon-beta, uma molécula voltada impacto da covid-19 em 202 países, entre
Democrática do Congo e não apresentou re- para a regulação de inflamações. eles o Brasil. A última versão do cálculo foi
sultados promissores. Algumas experiências, A modelagem matemática de cenários é tão contundente que levou o primeiro-mi-
entretanto, indicam que pode ser eficaz con- outro campo da ciência que tem se mostra- nistro britânico, Boris Johnson, infectado
tra as síndromes respiratórias graves. do decisivo nos dias correntes. Ela é o pilar pelo novo coronavírus, a apertar o nó da es-
As drogas cloroquina e hidroxicloroquina sobre o qual se apoiam muitas das decisões tratégia de isolamento no Reino Unido.
também serão examinadas. Elas ganharam políticas sobre os planos de “distanciamen- Na terça-feira, cálculos dessa natureza,
especial notoriedade depois que foram cita- to social”. Mas, como em todas as outras feitos pela Universidade de Washington, le-
das pelos presidentes Donald Trump e Jair frentes, apresentam limites. “Só teremos varam o presidente Trump a dizer que os
Bolsonaro. As menções provocaram uma cor- um modelo realmente bom quando ocorrer americanos terão pela frente duas semanas
rida às farmácias em busca desses antimalári- o próximo surto da doença”, diz Francisco (as próximas) “muito, muito dolorosas”. As
cos. O fato despertou o seguinte comentário Coutinho, professor da Faculdade de Medi- estimativas apontam que o surto da nova
por parte de Arthur Caplan, do Centro Médico cina da USP, especialista nesse ramo. “Quan- síndrome respiratória grave pode matar en-
Langone, na Universidade de Nova York: “Isso to mais completos forem os dados que usar- tre 100 mil e 200 mil pessoas nos EUA. Se ne-
me lembra o fenômeno do papel higiênico e mos, melhores serão os trabalhos. No mo- nhuma medida de restrição fosse adotada,
todo mundo correndo para uma a loja”. mento, nos falta o mais importante: justa- contudo, o número de vítimas subiria para
Seja como for, ambos os remédios podem mente as informações precisas.” algo entre 1,5 milhão e 2,2 milhões. “Isso
agir contra a SARS-CoV-2, mas há indícios de Hoje, os modeladores estão pousando não seria possível”, disse Trump. “Você veria
que, para isso, são necessárias altas doses, o aviões lotados, voando por instrumentos, as pessoas morrendo nos lobbies de hotéis,
que pode causar toxicidades. A lista de medi- sob neblina, em um terreno desconhecido. nos aeroportos. Isso não poderia continuar.”
camentos da OMS inclui ainda um mix de ri- Ainda assim, estudos profundos têm obtido No estudo dos técnicos britânicos, foram
tonavir e lopinavir, vendido sob a marca Kale- grande repercussão. Um dos trabalhos mais traçados três grandes cenários. No primeiro
ra. Ele foi aprovado nos EUA, em 2000, para completos nesse setor foi preparado pela deles, nada seria feito contra a pandemia. Os
22 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
PAUL YEUNG/BLOOMBERG
zem grande diferença”, diz Britta Jewell, os casos da doença, quando as pessoas ain-
pesquisadora do Imperial College. “Se cada da estão assintomáticas”, afirma o especia-
infecção produz, em média, outras 2,5, re- lista. “Com isso, podemos identificá-las e
duzindo os links entre indivíduos haverá isolá-las. Esse é um grande trunfo dada a
uma diminuição substancial das pessoas in- lenta manifestação da doença.”
fectadas.” Caso contrário, vem a explosão. Outra missão da ciência, mais ampla tan-
Para o Brasil, os especialistas do centro de to no escopo quanto no tempo, é preparar o
estudos britânico estimaram 1 milhão de mundo para novas epidemias. Os pesquisa-
mortes na pior estimativa, caso nenhuma dores acreditam que a pandemia do novo
medida de restrição (ou achatamento da coronavírus se formou em um mercado de
curva, como dizem os técnicos) fosse toma- animais silvestres em Wuhan, na China. Em
da. Na melhor hipótese, com a diminuição 24 de fevereiro, o governo chinês proibiu o
de 75% das interações, podem morrer 44,2 funcionamento desse tipo de comércio no
mil pessoas. Porém, o físico Roberto Kran- país. Mas os vírus sempre saltaram dos bi-
kel, especialista em modelagem epidemio- chos para seres humanos — e continuarão
lógica da Universidade Estadual Paulista saltando. Em geral, eles não causam proble-
(Unesp), adverte que o país está em um “voo mas. “Mas isso ocorre tantas e tantas vezes
cego” sobre essas planilhas. “Neste momen- que torna as epidemias inevitáveis”, diz Ester
to, temos um grande represamento na reali- Sabino, da USP. Esse processo cria uma espé-
zação de testes da doença”, diz Krankel. cie de “roleta-russa viral”. Por repetição inin-
“Com isso, não sabemos ao certo qual é o nú- terrupta, um episódio desastroso, como em
mero de contaminados e, por consequência, um lance de dados, tende a se consolidar.
qual o real impacto da quarentena.” E a jornada de uma epidemia pode ser
“Teste, teste, teste.” Não por acaso, foi essa longa. Muito longa. Ester destaca que o HIV
a orientação dada ao mundo há duas sema- pulou do macaco para o homem por volta
nas pelo diretor-geral da OMS, o etíope Te- de 1930. Por longos anos, o contágio ficou
dros Adhanom Ghebreyesus. A ênfase justi- restrito à África. Nos anos 70, ganhou o
fica-se. “A aplicação maciça de testes, segui- mundo. “O vírus chegou aos EUA em 1977 e
da pelo acompanhamento das pessoas exa- só foi percebido em 1981”, afirma a profes-
minadas, está na raiz do sucesso do comba- sora, uma das primeiras a sequenciar cepas
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO te ao novo coronavírus na Coreia do Sul”,
afirma Alessandro Farias, chefe do Departa-
do HIV no Brasil. Suspeita-se ainda que o
H1N1, que provoca a gripe suína, tenha se
mento de Genética, Evolução, Microbiolo- espalhado a partir de uma operação de con-
gia e Imunologia da Unicamp. Ele faz parte finamento de porcos na Carolina do Norte,
de uma força-tarefa montada na universi- nos EUA, em 2009. O surto de H5N1, ou a
dade para atuar nestes tempos difíceis. A gripe aviária, teria começado em fazendas
infectados somariam 7 bilhões (em 7,7 bi- ação do grupo abrange pelo menos cinco chinesas de galinhas, em 1997. “As agres-
lhões de habitantes do planeta) e 40,6 mi- vertentes, com braços que vão da TI a até tes- sões ao meio ambiente só pioram esse qua-
lhões morreriam. Ou seja, seria o mesmo tes clínicos de medicamentos. dro”, observa Ester.
que simplesmente varrer do mapa popula- No caso dos sul-coreanos, os balanços in- E foi a permanente ameaça desse tipo de
ções inteiras de países como a Espanha ou a dicam que uma pessoa em cada 170 foi sub- evento que levou a OMS a lançar, em 2006,
Colômbia. Na segunda hipótese, seria ado- metida a testes da doença no início da pan- um megaprojeto para combater um surto
tada uma estratégia de isolamentos parciais, demia. Enquanto isso, os EUA teriam exami- de proporções globais. A entidade acredita-
reduzindo em 42% as interações entre indi- nado uma em cada 943 em um período simi- va que o protagonista do ataque seria uma
víduos. Se as medidas abrangessem apenas lar. Esses números, no entanto, mudam per- variedade mais severa do vírus influenza.
idosos, o número de mortes cairia para 20 manentemente, pois os países estão inves- “Esse projeto estimulou diversos laborató-
milhões. E o total de doentes graves supera- tindo pesado na realização dessas análises, rios a criar novas tecnologias para o desen-
ria em oito vezes a capacidade dos hospitais embora lidem com gargalos enormes em volvimento mais rápido de vacinas”, diz Re-
no mundo desenvolvido. Nos países pobres, áreas como logística, falta de mão de obra nato Astray. “Essas técnicas estão sendo em-
esse limite seria superado em 25 vezes. qualificada para manipular os exames e res- pregadas atualmente, ainda que para um
O terceiro quadro parte de uma redução trições de acesso a insumos como reagentes. outro patógeno.”
de 75% dos contatos entre indivíduos. Se es- Novos modelos de testes também estão Embora tenha errado o alvo, o esforço glo-
sa barreira for fixada nos 250 primeiros dias sendo desenvolvidos nos principais labora- bal anti-influenza não foi em vão. Hoje, ele
de contágio, a infecção atingiria 470 mi- tórios do planeta. Farias observa que, na pode fazer com que uma plataforma de imu-
lhões e provoca 1,9 milhão de mortes. Se Unicamp, optou pelo tipo RT-PCR (reação nização contra o SARS-CoV-2 seja erguida
adotada depois desse prazo, os números em cadeia da polimerase em tempo real), já em tempo recorde pela humanidade. Isso
saltariam de forma espetacular. Alcança- existente. Ele detecta o RNA do vírus em ainda pode demorar, mas só reforçaria a
riam, respectivamente, 2,4 bilhões e 10,5 amostras de sangue ou secreção do nariz e mensagem que tem sido dominante da ciên-
milhões. E a lógica por trás dessas estimati- da boca. O material é coletado com bastões, cia através da história. Apesar do quadro ter-
vas é bastante simples. “Até pequenos atra- como “cotonetes” grandes, os “swabs”. “Essa rível pintado pelas atuais modelagens mate-
sos na adoção de medidas de isolamento fa- versão nos permite identificar muito cedo máticas, ela sempre foi de esperança. ■
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 23
INTERNACIONAL
Allan Lichtman, o historiador e analista político famoso por
prever a vitória do presidente americano, alerta para
problemas na reeleição. Por Patrick Brock, de Nova York

As chances de
Trump pioram
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO

cana —, Lichtman (pronuncia-se “Likt- cer no futuro quando houver uma con-
IMPACTOS DO men”) foi um dos raros analistas a vaticinar fluência entre pandemia e mudança climá-
a vitória do magnata nova-iorquino. tica catastrófica?”, questiona. Para ele, o co-
CORONAVÍRUS No rastro de uma carreira produtiva co-
mo historiador do presidencialismo e da
lapso do Partido Republicano, que negou
todos os seus fundamentos para apoiar
política americana, com vários livros sobre Trump, é uma questão de tempo.

A
llan Lichtman ganhou fama ao o tema, Lichtman publicou um livro a res- Com uma filha vivendo em meio à crise
desafiar a corrente majoritária e peito de um eventual impeachment de em Nova York, Lichtman, de 72 anos, não
prever a vitória de Donald Trump Trump (“The Case of Impeachment”, Har- conhecia ninguém que ficara doente. Ele
na eleição americana de 2016. perCollins, 2017) e mais recentemente ou- concedeu esta entrevista ao Valor na sema-
Agora, ele traz um novo alerta: a pandemia tro clamando pela revogação da polêmica na passada, quando avaliou que o Partido
deve piorar as chances de reeleição do presi- Segunda Emenda da Constituição america- Democrata tem feito boa oposição a Do-
dente dos Estados Unidos, já enfraquecido na (“Repeal the Second Amendment: The nald Trump e tende a se beneficiar das mu-
por escândalos e baixa aprovação. Case for a Safer America”, St. Martin’s Press, danças demográficas do país, mas precisa
Professor da American University, em 2020), sobre o suposto direito universal de renovar suas lideranças.
Washington, Lichtman tinha uma notorie- portar armas. Os democratas também poderiam ter si-
dade crescente desde 1984 com previsões Do quase isolamento de sua casa no Esta- do mais incisivos nas críticas ao presidente
certeiras das eleições presidenciais, basea- do de Maryland, temperado por escapadas durante a série de debates das primárias.
das num sistema de 13 “chaves” desenvol- para praticar corrida nas ruas desertas, Li- Embora considere que a pandemia do ví-
vido por ele e o cientista russo Vladimir chtman chama atenção para o perigo que rus SARS-CoV-2, causador da covid-19, difi-
Keilis-Borok em 1981 (leia nesta edição). enxerga não apenas na possível reeleição de culte muito emitir sua previsão no mo-
Depois de acertar resultados — exceto Trump, mas no tipo de política que ele re- mento, ele adiantou que algumas das cha-
por 2000, na primeira vitória de George W. presenta, que nega a ciência por razões ves do sistema já viraram contra Trump.
Bush, decidida pela Suprema Corte ameri- ideológicas ou pessoais. “O que vai aconte- Leia, a seguir, trechos da entrevista.
24 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
SETH PERLMAN/AP

Segundo Allan
Lichtman, a “questão
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO maior não é só a
reação de Trump a
esta crise”, mas seu
modo de governar,
“que é ignorar a
noção de verdade”

Valor: Quando sai a sua previsão eleitoral? balho que vem fazendo, mas a situação obje- nacional, como no 11 de Setembro ou no
Allan Lichtman: Esta crise obviamente co- tiva é o que vai contar. atentado ao edifício federal em Oklahoma
meçou a dominar as chaves. Não posso emi- Valor: Mas o senhor acha que a situação City, ou no início de uma guerra, mesmo a do
tir uma previsão até saber onde isso vai dar, eleitoral dele já piorou por causa da crise Vietnã, geralmente a popularidade do presi-
e vai demorar alguns meses para isso. causada pela pandemia? dente bate no teto. A de Trump aparenta ser a
Valor: Como a pandemia afeta as chances Lichtman: Por causa da crise e de outras mesma, não importa o que aconteça. Sempre
de reeleição de Donald Trump? coisas. Não só por causa da crise. Várias cha- está em 40% para 45% [subiu levemente nos
Lichtman: Há um número determinado ves já viraram contra ele. Lembre que ele so- últimos dias para perto de 46%]. É absoluta-
de chaves no meu sistema para [prever freu uma derrota dura nas eleições na meta- mente impressionante. Até a de Jimmy Carter
quem vai ganhar] a Casa Branca. São 13 per- de do mandato. Foi uma onda azul, e essa é subiu no início da crise dos reféns no Irã.
guntas do tipo “sim/não”, “verdadeiro/falso” uma das chaves. Ele tem ido muito mal na po- Valor: Por que a popularidade de Trump não
e se seis delas forem falsas ou estiverem con- lítica exterior. Aí é outra chave. Há um escân- muda, mesmo com os problemas óbvios na admi-
tra o partido na Casa Branca, Trump e os re- dalo. Não é como se ele tivesse entrado nesta nistração da crise?
publicanos, eles perdem. Uma série de cha- crise certo de ganhar. Já estava em perigo. Lichtman: Eu me espanto muito que sua po-
ves podem virar contra eles nesta crise. Uma Valor: O senhor acha que esta crise revelou o pularidade não tenha desabado. Acho que as
óbvia é a chave econômica de curto prazo. verdadeiro Trump? Ele sempre tenta projetar pessoas querem acreditar que seu governo está
Essa aí certamente já era. Se a recessão for uma imagem de sucesso, mas agora encontra um trabalhando por elas. É a única explicação que
profunda demais, pode até mesmo custar a desafio muito real que não pode ser escondido. posso dar diante da maneira horrorosa como
chave da economia de longo prazo. Talvez a Lichtman: Concordo. Há muito tempo es- ele se atrapalhou nisso, e diante do quão obvia-
[chave] dos distúrbios sociais, e com o go- crevi que os fatos alternativos podem te aju- mente ele se atrapalhou nisso. A outra coisa,
verno meio que paralisado, talvez também a dar com os puxa-sacos do Senado de maioria claro, é que no momento todos estão evitando
da política exterior. Até agora muito está em republicana, mas fatos alternativos não pa- criticá-lo. Ninguém critica o presidente quando
jogo nesta crise. Você sabe que Trump pode ram uma pandemia. Não tem como Trump precisa de sua ajuda. Mas acho que [a crítica] vi-
falar o quanto quiser sobre o excelente tra- ganhar aqui. Geralmente, durante uma crise rá. Acho que o acerto de contas virá depois. Ain-
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 25
da não vimos esse acerto de contas até agora problema é que ele ignorou o que os cientis-
porque precisam de sua ajuda. “O que dá mais medo é tas lhe disseram sobre mudança climática. O
Valor: O impeachment fracassou. Qual foi a que vai acontecer no futuro próximo quando
consequência de não tirar Trump do poder? que estamos nesta houver uma confluência entre pandemia e
Lichtman: Eu sabia que não iam tirá-lo, mudança climática catastrófica? Imagine se,
mas certamente o escândalo atrapalhou. Ele furada porque Trump junto a uma pandemia como esta, tivermos
já foi esquecido agora, porque obviamente os 5 milhões de migrantes da mudança climáti-
americanos têm problemas mais urgentes, ignorou o que os ca vagando pelo país.
mas vai voltar no outono. Especialmente se Valor: Os republicanos estão trocando seu fu-
esta crise não melhorar. Inclusive ninguém cientistas lhe disseram turo por uma vitória de curto prazo? O GOP
sabe o que vai acontecer com esta crise. (Grand Old Party), como o partido é apelidado,
Valor: O senhor escreveu recentemente um li- dois ou três meses está passando por uma crise ou colapso?
vro sobre revogar a Segunda Emenda. Acha que Lichtman: Sim, acho que o GOP não tem futu-
esta crise pode servir como catalisador para mu- atrás”, diz Lichtman ro. Não posso dizer quando ele vai entrar em co-
dar a emenda, ou universalizar a saúde nos EUA? lapso como partido, mas vai acontecer. A de-
O que pode vir de positivo desta crise? mografia é o destino. A base deles, de homens
Lichtman: Mudanças geralmente ocorrem Lichtman: Não, não mesmo. Acho que os brancos idosos, não está crescendo. A base de
em tempos de crise, não é? Tivemos o New Deal partidos estão entrincheirados demais, a não minorias jovens e pessoas sem filiação religiosa
como resposta à Grande Depressão. Tivemos o ser que realmente seja como na Grande De- é a que cresce mais rápido no eleitorado, e a ba-
fim da escravidão em resposta à Guerra Civil pressão, uma crise de vários anos. Vou te dizer se republicana é a que está diminuindo mais rá-
[1861-1865]. Tivemos a GI Bill [lei que dá crédi- o que me apavora mais e que as pessoas não pido. É por isso que os republicanos adotaram
to educativo a veteranos de guerra] e o sistema estão falando suficientemente agora. A ques- todas essas medidas para suprimir votos. Isso
tributário moderno em resposta à Segunda tão maior não é só a reação de Trump a esta não vai funcionar no longo prazo. Já vimos um
Guerra Mundial [1939-1945]. Tivemos os direi- crise. É todo o jeito como ele governa e con- Estado totalmente vermelho [republicano],
tos civis em resposta à violência horrível contra duz a sua Presidência, que é ignorar a noção Arizona, agora virar totalmente azul [democra-
os negros e ativistas dos direitos civis no Sul. de verdade. Não existe verdade para Trump. A ta]. A corrida eleitoral está ficando mais acirra-
Sim, crises podem render mudanças positivas. única coisa que existe para Trump é o que ele da no Texas. Antigamente era um Estado repu-
Mas não vai acontecer com Trump. acredita que o beneficia num certo momen- blicano por uma margem de 15%. Ele vai se
Valor: Alguns analistas têm sugerido que os to. O que dá mais medo é que estamos nesta abrir [aos democratas] dentro de uma década.
EUA estão passando por um realinhamento polí- furada porque ele ignorou o que os cientistas Não vejo nenhum Estado onde os republicanos
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
tico. O senhor acredita nisso? lhe disseram dois ou três meses atrás. Mas o estão indo bem no longo prazo.

Para entender o método de Allan Lichtman


A 10 -
s 13 chaves são questões de verda- dominado por dois partidos, Republicano e Desastre militar/ de
deiro ou falso que indicam ou não Democrata) ou campanha independente. política externa:
a vitória do partido no poder. Se O governo não sofreu

5-
cinco ou menos são falsas, o parti- Economia de curto prazo: A um grande fracasso
do no poder ganha; quando seis ou mais economia não está em reces- em questões militares ou de política
são falsas, vence a oposição. são durante a campanha. exterior.

1- 6- 11 -
Vitória no Congresso: Depois Economia de longo prazo: Sucesso militar/ de po-
das eleições na metade do man- Crescimento per capita real da lítica externa: O gover-
dato presidencial, o partido no economia durante o mandato no consegue uma gran-
poder tem mais cadeiras na Câ- é maior do que a mediana do de vitória em questões
mara dos Representantes do que antes da últi- crescimento nos últimos dois mandatos. de política externa ou militares.
ma eleição na metade do mandato.

7- 12 -
Mudança nas políticas: Carisma do presiden-

2-
Competição: Não há nenhum O governo realiza grandes te: O candidato da si-
desafio sério intrapartidário ao mudanças nas políticas tuação é carismático
candidato da situação. nacionais. ou herói nacional.

3- 8- 13 -
Partido no poder: O partido Distúrbio social: Não há Carismadooponente:
da situação tem a Presidên- distúrbio social substancial O candidato da oposi-
cia da República. durante o mandato. ção não é carismático
ou herói nacional.

4- 9-
Terceiro partido: Não há Escândalo: O partido da si-
um candidato importante tuação não enfrentou um Fonte: “The Keys to the White House:
de um terceiro partido (nos grande escândalo. A Surefire Guide to Predicting
Estados Unidos, o sistema é the Next President” ■

26 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020


VINHO
O mercado
JORGE LUCKI
num contexto familiar devido aos altos im-
postos sobre transmissão na França.
Hoje em dia, é quase impossível com-

depois da
prar alguma parcela de vinha a partir da
venda de vinhos. Com base nessa evidên-
cia, Lalou Bize-Leroy, dona do Domaine e

pandemia
da Maison Leroy, tem utilizado o valor real
de suas terras para ajustar o preço de seus
vinhos, num patamar só alcançado pelos
rótulos do Domaine de la Romanée-Conti
Os preços dos rótulos (do qual ela era cogerente e continua com
franceses de maior 25% de participação). A mesma teoria é uti-
lizada por Jean-Yves Bizot, dono de um pe-
prestígio se manterão no queno “domaine” de 3,5 hectares, que pro-
patamar elevado que duz menos de dez mil garrafas ao ano, ven-
didas por valores que chegam a cinco ou
atingiram ou a seis vezes os preços de seus congêneres (os
desaceleração da bons) — o Échezeaux, seu único grand cru,
onde tem menos de 0,5 hectare, alcança o
economia mundial vai Jean-Yves Bizot: seu Échezeaux alcança o mesmo preço do Romanée-Conti mesmo preço do produzido pelo DRC.
deixar marcas duradouras? Se o (prudente) cancelamento dos sações que devem continuar acontecendo,
Estive com Bizot há três anos em sua ca-
sa/vinícola numa rua de Vosne-Romanée
Por Jorge Lucki eventos, feiras e viagens a regiões viníco- mas cuja dinâmica está diretamente ligada que desce em direção à N74. Professor de
las programados para começar neste iní- a um movimento positivo do mercado. enologia e viticultura em Beaune, ele é
cio de abril me fez reprogramar as colu- Seria o caso de perguntar se a venda, em bem esclarecido e seguro de suas posições.
nas do 1 o semestre — sabe-se lá se de fato dezembro passado, do Château Cantenac Nesta semana de confinamento, consegui
vai acontecer tudo que está sendo previs- Brown, uma bela propriedade situada calmamente rever as duas horas de grava-
to para a segunda metade do ano -—, por num ponto privilegiado da comuna de ção da conversa que tivemos, parte com co-
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
outro lado tenho tido tempo para rever
alguns temas pendentes e pensar como o
Margaux, 3ème Grand Cru Classé pela clas-
sificação de 1855, teria se concretizado na
mentários sobre cada um dos vinhos tira-
dos dos barris e um bom tempo sobre o
mercado vai se comportar quando o atual conjuntura pelos mesmos € 150 mi- que estava se passando na Borgonha — as
mundo (começar) a voltar ao normal. lhões anunciados. Da mesma forma, é bem vendas do Clos des Lambrays e Clos de Tart
O que me intriga, num primeiro mo- possível que tenha entrado em “ba- para a LVMH e para François Pinault, res-
mento, é saber se os preços dos rótulos nho-maria” a tentativa de vender outro im- pectivamente, além do Bonneau du Mar-
franceses de maior prestígio, de Bordeaux portante Château, o Lascombes, 2ème GCC tray para o americano Stanley Kroenke. Bi-
e da Borgonha em especial, se manterão no de 130 hectares, pertencente ao grupo zot tem consciência que o preço da terra
patamar elevado que atingiram ou se a francês de seguro saúde MACSF — adquiri- não é um argumento comercial para justi-
inesperada e brusca desaceleração da eco- do em 2011 por € 200 milhões, os possíveis ficar o valor que ele vende seus vinhos.
nomia mundial vai deixar os (abastados) interessados no negócio haviam oferecido Contudo, “eu não faço negócios, faço vinho
consumidores desses vinhos mentalmente valores considerados baixos. Em todo caso, e, se quero continuar, tem que ser vendido
fragilizados a ponto de repensarem suas nem de longe terá um retorno financeiro bem, para que eu possa continuar produ-
extravagâncias. Qual será o efeito da (ainda tão bom (espetacular mesmo) quanto o do zindo vinho como achar melhor e para que
incerta) sobretaxação dos vinhos franceses proprietário anterior, um fundo de investi- minha propriedade dure, porque talvez
anunciada pelo presidente americano? mento americano que comprou a mesma um dos meus filhos queira assumir. Você
Um primeiro bom parâmetro será a de- propriedade em 2001 por € 20 milhões. tem que se antecipar, se dar a capacidade
gustação “en primeur” dos bordeaux 2019, Diferentemente de Bordeaux, onde pre- de preparar uma sucessão. Hoje o preço
que deveria se realizar no fim de março e dominam grandes propriedades, a Borgo- das garrafas está subindo. Quão longe?
foi adiada. Mesmo sem data definida, o nha se caracteriza pela enorme fragmenta- Que consequências? Quais riscos? Eu en-
Grand Cercle des Vins de Bordeaux está só ção dos vinhedos, formando pequenas tendo o lado do verdadeiro consumidor.
esperando uma brecha para fazer apresen- parcelas espalhadas, conduzidas por viní- Mas perder as oportunidades hoje não é
tações pontuais em centros importantes, colas familiares. A despeito da dificuldade apontar a longo prazo, é perder o trem.”
na tentativa de não atrasar demais a cam- de desenvolver um projeto mais rentável É uma postura arriscada e, creio, pouco
panha de comercialização dos Grands Crus dentro do sistema fundiário muito fracio- eficaz para salvar a Borgonha da ganância
Classés, que começa(va) normalmente em nado da região, não faltaram investidores dos grandes investidores, que conhecem
Jorge Lucki escreve neste meados de maio, algum tempo depois da de fora interessados em comprar vinhas os pontos fracos da estrutura familiar que
espaço semanalmente publicação das avaliações por parte dos por lá. A preocupante venda de proprieda- caracteriza a vitivinicultura da região. Bas-
críticos. O resultado dessa comercialização des históricas a “estrangeiros”, acarretou ta um dos participantes da sociedade que-
E-mail: terá implicações nas negociações de com- um aumento brutal no preço das terras, rer vender sua parte. Os demais dificilmen-
Colaborador-jorge.lucki@valor.com.br pra e venda de châteaux importantes, tran- tornando inviável manter as propriedades te terão meios para comprar. ■

Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 27


SOCIOLOGIA

Umrefinado
retratodoBrasil
Não há democracia dução profícua no campo da sociologia.
Sem conhecer e refletir sobre os temas so-
da organização social, reconstituiu o sistema
tribal e conseguiu explicar uma civilização.

forte em país sem ciológicos, a origem e a estrutura de si, uma


sociedade será facilmente dominada política
As reedições serão enriquecidas com prefá-
cios e material complementar sobre a impor-

produção fértil no
e economicamente por poderes imperialistas tância do pensamento do autor. No primeiro li-
e, no âmbito interno, a maioria da população vro, André Botelho e Antonio Brasil Junior, am-
sempre será oprimida por uma minúscula eli- bos da Universidade Federal do Rio de Janeiro
campoUNICO
CANAL sociológico,PDF te, serviçal, por sua vez, de uma elite global pa-
- O JORNALEIRO
ra a qual, por muitas vezes, o voto popular é
(UFRJ), assinam a apresentação. Uma entrevista
com Gabriel Cohn, ex-diretor da Faculdade de
dizia Florestan desprezado em nome de seus interesses. Esse
autor foi Florestan Fernandes, morto em 1995
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, on-
de atuou Florestan, completa a edição.

Fernandes, que tem e que completaria 100 anos em 22 de julho.


Na comemoração do centenário, a Editora
Farãoparteaindadacoleçãoosclássicos“AIn-
tegração do Negro numa Sociedade de Classes”

reedições de livros
Contracorrente inicia um trabalho hercúleo de e “Educação e Sociedade no Brasil”, além das
reedição das principais obras do fundador da obras sobre o exercício da profissão de sociólo-
sociologia crítica no país. A data inspirou a ela- go e o papel da sociologia, permitindo, assim,
em centenário. Por boração de uma peça de teatro, escrita pelo ator
e autor Oswaldo Mendes (do Projeto Arte &
uma revisita das novas gerações ao trabalho de
Florestan, cujos livros que circulam hoje pelas
Jorge Felix, para o CiêncianoPalco)comacolaboraçãodojornalis-
ta Florestan Fernandes Júnior, a partir das cor-
salas de aula nas universidades foram publica-
dos na década de 1970, dando a falsa impressão

Valor, de São Paulo respondências entre o sociólogo e o crítico An-


tonio Candido (1918-2017). “Serão histórias sa-
a jovens estudantes de ser um material datado.
A coleção permitirá às novas gerações de lei-
borosas deles, do exílio, da vida universitária e tores atestarem a difícil construção de uma so-
do país. Não terá um protagonismo do meu pai, ciedade democrática e a função da sociologia
mas de dois dos principais nomes da Universi- para erguer esse edifício, sobretudo em países
dade de São Paulo”, afirma o jornalista. como o Brasil. “Nenhum país da periferia do

O
vigor das democracias ou como as O primeiro livro da Coleção Florestan Fer- mundo capitalista terá hoje condições de lutar
democracias morrem é um dos te- nandes será “A Revolução Burguesa no Brasil: contra o subdesenvolvimento e a dependência
mas mais presentes atualmente no Ensaio de Interpretação Sociológica”, escrito se não for capaz de produzir teoria original no
debate político. Vários autores re- como uma espécie de resposta — e tentativa campo das ciências sociais”, afirmou Florestan
lacionam uma série de motivos para a so- de explicação — ao golpe militar de 1964, em entrevista que originou o livro “A Condição
brevivência de uma governabilidade parti- que completou 56 anos nesta semana. do Sociólogo” (1978). “Em um momento de tan-
cipativa. Uma das causas para a longevida- Na sequência, a coleção coordenada pelo to obscurantismo e culto à ignorância, acredita-
de de sistemas de soberania popular, po- professor Bernardo Ricupero (do Departa- mos que era urgente resgatar as ideias dele”, jus-
rém, está ausente desses best-sellers con- mento de Ciência Política da USP) incluirá sua tifica o editor Rafael Valim, da Contracorrente,
temporâneos. Já na metade do século passa- grande obra, “A Função Social da Guerra na que discutia a coleção havia três anos com o jor-
do essa premissa foi apontada por um dos Sociedade Tupinambá”. Nesse livro, Florestan, nalista Florestan Fernandes Junior.
maiores intelectuais brasileiros: não existe de maneira inédita e cientificamente consis- O conjunto da obra de Florestan Fernandes
democracia forte em um país sem uma pro- tente, a partir de seu conhecimento da teoria é um painel sobre a ampla diversidade social,
28 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
MARCIO ARRUDA/AGÊNCIA O GLOBO
Em sua releitura crítica dos intérpretes do Brasil,
Souza aponta as lacunas deixadas por Sérgio
Buarque de Holanda (1902-1982), Gilberto
Freyre (1900-1987) e outros pensadores con-
temporâneos que, segundo ele, foram vítimas
de uma visão colonizada, culturalista ou mera-
mente economicista, marcada por um comple-
xo de inferioridade intelectual. Florestan foi o
primeiro sociólogo, na opinião de Souza, que
“avança na questão de refletir sobre a reprodu-
ção simbólica do capitalismo periférico”.
Um dos principais livros de Jessé Souza, “A
Construção Social da Subcidadania” (reeditado
pela Leya em 2018), é um diálogo com “A Revo-
lução Burguesa” e outro título importante, “A
Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive” (reeditado
pela Contracorrente em 2018), é um parente
próximo de “A Integração do Negro na Socieda-
de de Classes”, trabalho referencial de Florestan.
“Ele foi, na verdade, o primeiro cientista social
brasileiro,comgrandeformaçãoteórica,aperce-
ber a sociedade brasileira a partir de baixo, ou se-
ja, com o olhar do oprimido”, afirma. “A reedição
de suas obras, neste momento, é tempestiva.”
E o que seria perceber a sociedade a partir de
baixo? Florestan, segundo Jessé Souza, colo-
cou a sociologia brasileira em outro patamar
de sofisticação. As ciências sociais deixam a di-
mensão da “sociologia espontânea”, da visão
convencional que interpreta as relações so-
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO ciais sob o paradigma da intencionalidade in-
dividual ou da herança cultural do tipo “se
meu avô era português, eu também sou”.
cultural e histórica da sociedade brasileira. Na Comemoração de quando convidado a prefaciar o livro do Florestan inaugura a dimensão da eficácia
opinião do sociólogo José de Souza Martins, “é centenário inclui grande amigo. Os dois foram confidentes, institucional. “O comportamento prático coti-
o maior e mais refinado retrato do Brasil”. reedições pela Editora cúmplices intelectuais, companheiros de tra- diano só pode ser devidamente explicado e
Essa particularidade faz do autor uma leitu- Contracorrente das balho e mantiveram uma relação de amizade compreendido por meio da eficácia das institui-
ra além dasfronteirasacadêmicas. Obrigatória principais obras de e proximidade. Formaram-se na Faculdade ções—seusprêmiosecastigosqueconstrangem
para todos que desejam participar do debate Florestan, como “A de Filosofia da USP na década de 1940. o comportamento dos indivíduos em dada dire-
político com uma base intelectual sólida. “Não Revolução Burguesa “Sempre me impressionaram nele a vasti- ção sem que eles mesmos percebam consciente-
é um retrato impressionista, mas um retrato ri- no Brasil”, resposta ao dão e variedade das leituras, bem como o sen- mente —, e nunca pela ação intencional dos pró-
gorosamente científico, o primeiro e ainda ra- golpe de 1964 so artístico; mas, ao mesmo tempo, a capaci- prios indivíduos percebidos ingenuamente co-
ro modo de conhecer esta sociedade”, diz. dade de a sua experiência de leitor e fruidor de mo autônomos ou livres”, diz Jessé Souza.
Ele lembra que Florestan se inspirou na con- arte para esclarecer melhor o seu pensamento Foi por conta dessa ingenuidade pré-socio-
cepção do sociólogo alemão Hans Freyer de sociólogo e político”, escreveu o crítico. lógica que outros intérpretes do Brasil, de tra-
(1887-1969) de que a sociologia é a autocons- Essa sensibilidade para equilibrar a erudição dição colonizada ou economicista, imagina-
ciência científica da sociedade. A obra de Flo- e a didática de maneira atraente faz dos livros de ram um Brasil filho de Portugal, ignorando a
restan, continua o colunista do Valor, “é obra Florestanuma leiturasemhermetismo. Noatual grande “instituição” que marcou nossa ori-
de cientista erudito, que domina os métodos momento político, quando temas como racis- gem: a escravidão. Freyre apostou em uma
científicos, tanto os métodos técnicos quanto mo, diversidade, meio ambiente, desigualdade convivência harmônica. Buarque de Holanda
os métodos lógicos, tanto na pesquisa quanto social, nacionalismo, imperialismo, patriarca- acreditava que o Brasil continuava o mesmo
na explicação propriamente científica. Nada do, feminismo e tantos outros frequentam, sem depois do capitalismo comercial, do Estado
nela escapa desse cuidado”. Para Souza Mar- cerimônia, as redes sociais e as discussões fami- centralizado e da urbanização. Raimundo Fao-
tins, a obra de Florestan difere de quase tudo liares, Florestan oferece luz e argumentos para ro (1925-2003) centralizou sua análise no pa-
que a sociologia brasileira já fez. “A sociologia esse ambiente de conflitos, muitas vezes provo- trimonialismo. Florestan, destaca Jessé Souza,
dele contrapõe o conhecimento científico ao cado por deficiências na compreensão de cons- quebrou essa mesmice que só fazia reproduzir
nosso pobre conhecimento de senso comum.” truções ou conceitos sociológicos. interpretações vulgares para justificar nossa
A erudição do autor é uma das explicações Uma das maiores provas da vitalidade da estrutura social e nossas desigualdades.
para sua “imortalidade”. “Florestan é uma obra de Florestan é o sucesso editorial do soció- “Ele é, neste sentido, o grande contraponto
ilha de sociologia cercada de literatura por logo Jessé Souza, autor do best-seller “A Elite do à tradição elitista, ainda hoje hegemônica,
todos os lados”, escreveu Antonio Candido, Atraso” e um seguidor de sua tradição teórica. que se constrói com Sergio Buarque de Holan-
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 29
da e vai até Fernando Henrique Cardoso e vá-
rios outros, baseada na lenga-lenga manipu-
ladora da corrupção apenas da política como
“Em um momento de “A ele devo muito
questão principal do país”, diz Souza. tanto obscurantismo intelectualmente”
Durante muito tempo, Fernando Henrique
foi o principal discípulo de Florestan. Sob a lide- e culto à ignorância,

L
rança do mestre, o ex-presidente tornou-se um eia trechos de entrevista com o
“sociólogo de campo”, ou seja, um pesquisador acreditamos que era ex-presidente Fernando Henrique so-
em locais como favelas e bairros pobres desde os bre a influência de Florestan Fernan-
anos 1950. Foi Florestan quem ensinou Fernan- urgente resgatar as des em sua produção intelectual.
do Henrique a fazer uma sociologia, durante o Valor: Qual o papel de Florestan Fernandes
mestrado e o doutorado, a partir do olhar de se- ideias dele”, diz o para as suas pesquisas de mestrado e doutora-
tores não dominantes da sociedade. mento sobre a sociedade escravocrata?
Como seus mentores nos tempos de forma- editor Rafael Valim Fernando Henrique Cardoso: A orientação de
ção, ao lado de Florestan estavam os sociólogos Florestan Fernandes foi fundamental para nossas
Fernando de Azevedo, também da USP, e o fran- pesquisas sobre a sociedade escravocrata e os ne-
cês Roger Bastide, com os quais o ex-presidente “Ele vai sempre além do que está dado como gros, inclusive os preconceitos sobre eles, ao Sul
participou de pesquisas nos cortiços da cidade estabelecido, como explicado. Ao submeter o do país. Pesquisas minhas, de Octavio Ianni e Re-
de São Paulo. “Sua influência foi decisiva. Não real e o pensado à reflexão crítica, descortina as nato Jardim Moreira. Eu participara da pesquisa
apenas como professor de muitos de nós, mas diversidades, desigualdades e antagonismos, feita em São Paulo e patrocinada pela Unesco so-
como ícone de comportamento moral e intelec- apanhando as diferentes perspectivas dos gru- bre esses temas, sob a direção de Roger Bastide e
tual”, afirma Fernando Henrique. poseclasses”,definiuoutrodeseusseguidores,o Florestan. Devo ter nos meus arquivos os comen-
Sua relação com Florestan sempre foi quase sociólogo Octavio Ianni (1926-2004). tários escritos por Florestan, com tinta azul esver-
de pai e filho. A ponto de, quando a ditadura mi- Esse estilo de pensar fora do padrão de civili- deada, sobre as hipóteses da pesquisa paulistana,
litar (1964-1985) empurrou o então jovem pro- zação dominante — ou uma imaginação so- bem como comentários que fez à minha tese de
fessor para fora da USP e, depois, para o autoexí- ciológica muito peculiar — é empreendido pa- doutoramento sobre a escravidão no Rio Grande
lio, em Paris, Florestan convocou um substituto, ralelamente a uma constante defesa do ensino do Sul e os preconceitos gaúchos sobre os negros.
o hoje professor emérito Sedi Hirano, mas com público e da construção das balizas da profis- Valor: Qual a influência dele para o senhor de-
um aviso: “Se o Fernando voltar, você sai”. são de sociólogo. Sua imaginação conseguiu senvolver uma sociologia segundo a visão de se-
Florestan só não sabia que teria menos in- definir um relacionamento possível, no dizer tores não dominantes da sociedade?
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
fluência sobre o seu orientando quando ele fos-
se para a práxis. No campo político, Fernando
de Antonio Candido, entre o desafio da objeti-
vidade científica e a militância política.
Fernando Henrique: Sua influência foi deci-
siva. Não apenas como professor de muitos
Henrique recusou o Partido dos Trabalhadores, A “escola” de Florestan Fernandes, diferen- de nós, mas como ícone de comportamento
partido que teve em Florestan um dos fundado- temente do vitupério dos críticos ou do que moral e intelectual.
res e pelo qual foi deputado federal. O aluno alguns poderiam dizer hoje, não permitia Valor: Como Florestan influenciou na escolha
chegou ao cargo mais alto do país no ano da ideologia em sala de aula. Todos os argu- de campos de pesquisa, como cortiços e favelas?
morte do mestre. Mas, àquela altura, o então mentos exigiam uma prova científica, mes- Fernando Henrique: O modelo de pesquisa,
presidente já optara por uma agenda social bas- mo que a verdade objetiva fosse descartada. nos cortiços, favelas e bairros populares nos foi
tante diversa das preocupações políticas às Inúmeras e relevantes são as obras sobre o dado pela referida pesquisa em São Paulo. Na
quais Florestan seria fiel até o último dia de vida. papel do sociólogo e sua indispensável parti- época, estavam na moda os estudos “de comu-
Um dos principais pontos dessa agenda era a cipação na consolidação da democracia, co- nidades”, sobretudo nos Estados Unidos. Flo-
transformação social. A revolução social era um mo, principalmente, “Fundamentos Empíri- restan viu com a pesquisa sobre os negros em
de seus temas mais frequentes. Toda a sua pro- cos da Explicação Sociológica” e “A Sociologia São Paulo a oportunidade de fazer aqui o que os
dução—eos leitores poderãoverificar nas novas numa Era da Revolução Social”, que integram sociólogos americanos haviam feito em Chica-
edições da coleção — está impregnada de um es- a coleção da Contracorrente. go. Eu aprendi a pesquisar com ele e Roger Bas-
tilo de reflexão que questiona a realidade social “Durante os anos da ditadura militar, foi um tide (meu primeiro trabalho de campo foi so-
e coloca em xeque uma determinada sociologia ativo participante de movimentos de defesa da bre umbanda em São Paulo e em Araraquara).
que insistia em interpretar essa realidade como educação pública, dos direitos civis, políticos e Íamos ao campo, sem nos limitarmos às leitu-
natural.Éumquestionamentoapartirdaraizda sociais e da democracia”, afirma a professora ras. Aprendíamos com as pessoas que pesquisá-
sociedade brasileira, isto é, o papel de índios, eu- AngelaAlonso,daUSP.“Florestansetornouuma vamos, tanto quanto com os livros.
ropeus, negros, imigrantes e suas metamorfoses referência dupla, intelectual e política, para a so- Valor: Qual a importância dessas reedições dos
em classes sociais ou castas a partir da emergên- ciologia brasileira. Ao longo de sua carreira aca- principais livros dele neste momento do país?
cia do capitalismo local. dêmica tornou-se um dos principais consolida- Fernando Henrique: Se houve alguém que
Florestan, assim, estabelece um diálogo com dores da sociologia universitária no Brasil”. me influenciou na universidade, foi Flores-
outros sociólogos, como Buarque de Holanda, O público poderá conhecer ou recordar o tan Fernandes. A ele devo muito intelectual-
Freyre e também Sílvio Romero (1851-1914) e pensamento sociológico crítico de Florestan e mente. Acredito que uma nova edição de
Oliveira Viana (1883-1951) e teses de Caio Prado entender melhor os princípios para a existência suas obras mostrará o trabalhador intelec-
Júnior (1907-1990), Euclides da Cunha de uma democracia pujante, pois as palavras do tual incansável que foi. E tomara que mais
(1866-1909) ou Manoel Bomfim (1868-1932) autor, como resumiu Antonio Candido, “são co- depoimentos de seus ex-alunos e assistentes
como se perguntasse, a todo momento, a esses moapoesiadeMáriodeAndrade:oEuquefalaé permitam mostrar o quanto nós e a sociolo-
autores: será que o Brasil é isso mesmo? um ser individual mas é também o Brasil”. gia brasileira devemos a ele. (JF) ■
30 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
LIVRO AAA Excepcional AA+ Alta qualidade BBB Acima da média BB+ Moderado CCC Baixa qualidade C Alto risco

‘OAsnodeOuro’trazrespostasdopassado
Romance do século II de Lucio Apuleio trata do poder das transformações. Por José Castello, para o Valor
WIKIPEDIA
“O Asno de Ouro” metamorfose como um instrumento
Lucio Apuleio de enfrentamento e de superação do
Trad.: Ruth Guimarães; Editora 34 real. Em épocas como a nossa, quando,
480 págs., R$ 88 AA+ apesar do avanço acelerado da
tecnologia, nos sentimos prisioneiros
Em horas de da repetição, o livro de Apuleio merece
atordoamento, uma leitura atenta — que será, também,
nada melhor do muito divertida. Ele nos traz de volta a
que recorrer a crença nas rupturas e nas reviravoltas,
experiências do recolocando em cena uma palavra que
passado remoto, hoje parece em desgaste: a esperança.
que nos ajudem a Em sua bela apresentação do livro,
inverter nossos Adriane da Silva Duarte nos lembra
hábitos mentais e a reinventar o que, em contraste com a tragédia e a
presente. É no passado, muitas vezes, poesia, o romance é um gênero tardio,
que o futuro se guarda. e por isso já nasce marginal. Pois apesar
Só por isso já faz sentido ler — ou de todos os movimentos mecânicos da
reler — “O Asno de Ouro”, romance de literatura comercial — que hoje dita a
Lucio Apuleio, escritor romano do regra no mercado —, o romance, ainda
século II da era cristã, relançado em que restrito a corajosas exceções,
bela edição bilíngue pela Editora 34. continua a ser um gênero rebelde.
Trata-se do único romance da literatura Esse caráter marginal prosseguiu
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
latina que nos chegou inteiramente
preservado. Mais célebre do que ele, do
no “Dom Quixote”, de Miguel de
Cervantes (1547-1616), o primeiro
“Satyricon”, de Petrônio, só nos romance moderno, e nunca mais se
chegaram, porém, fragmentos. perdeu. Contudo, se voltamos aos
O romance de Apuleio tem, primórdios e nos detemos em
também, um segundo título: Apuleio, isso ainda nos espanta. Livro de Apuleio recoloca em cena uma palavra que parece desgastada: a esperança
“Metamorfoses”. Muitos grandes Como assinala Mikhail Bakhtin
livros ecoam hoje nesse nome. Ele (1895-1975) em um famoso conjunto de aventuras dispersas e inclusive, um processo movido pelos
não só remete ao famoso livro comentário agora transformado em provações súbitas que, enfim, passa a parentes de sua mulher, cujo amor
homônimo de Ovídio, poema orelha da nova edição, é com “O Asno fazer sentido. As aventuras de Lucio não passaria, segundo os acusadores,
mitológico escrito no ano 60 antes de de Ouro”, e com a transformação do constituem, por fim, uma iniciação. do efeito de um feitiço. Para se
Cristo, mas também ao perturbador protagonista Lucio em um asno, que Em um breve ensaio de Ruth defender, Apuleio escreveu a célebre
“A Metamorfose”, conto que Franz a literatura chega à vida privada. A Guimarães, datado de 1963, que os “Apologia”, do ano 155.
Kafka (1883-1924) escreveu em 1912. metamorfose garante ao personagem editores acrescentam a título de Foi um homem culto, formado em
É uma palavra que hoje, no século um artifício para acessar aquilo que, prefácio, a autora nos lembra da gramática e em retórica, que se
XXI, quando a padronização e o até ali, mesmo nos grandes clássicos advertência de Apuleio a seus envolveu com a sofística e com o
descartável se proliferam, se torna do passado, estava vedado. leitores: “Da Grécia veio esta história. platonismo. Quando, nos 11 livros de
ainda mais potente. “O Asno de Ouro” Ao introduzir um olhar secreto Atenção, leitor: ela vai-te alegrar”. “O Asno de Ouro”, ele descreve as
é, antes de tudo, um romance sobre o sobre a vida íntima, Apuleio descerra A alegria que percorre o espírito do aventuras do jovem Lúcio,
poder da transfiguração e o modo uma cortina solene, que, antes, leitor de “O Asno de Ouro”, transformado por magia em um
como ela pode subverter e inverter os encobria o real. Ao incluir o privado entretanto, não tem relação alguma asno, é de sua turbulenta vida, um
cenários mais gélidos. onde antes só imperava o público, ele com a animação distraída e algo tanto, que ele fala. O livro de Apuleio
Nem o romance de Apuleio, nem o nos mostra que é possível devassar o anestesiante que toma conta dos pode ser lido, então, como um
livro de Petrônio, são tão antigos mundo, acessar suas entranhas, leitores na época da diversão. A romance de formação, longo
quanto as “Aventuras de Quéreas e penetrar seus subterrâneos, alegria aqui não é relaxamento, não é percurso que termina com uma
Calírroe”, romance de amor que desmontar suas engrenagens e até se fuga, nem ajuda a dormir. Ela solução esotérica.
Cáriton de Afrodísias escreveu em divertir com tudo isso. empurra o leitor, com leveza e perícia, Solução que, em vez de fechar as
algum momento das décadas Quando Lucio, já no livro XI, recebe para a vida. Ela o desperta. portas da aventura, a escancara para
seguintes à crucificação de Cristo. a visita de Ceres, mãe da natureza, Também em sua vida privada, o novo. Transformações e
Mais que os outros dois, porém, que o reconhece como digno de sua Apuleio foi acusado de envolvimento metamorfoses que hoje nunca foram
“O Asno de Ouro” aposta na proteção divina, enfim, é todo um com a magia — e essa suspeita gerou, tão necessárias. ■
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 31
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DIVULGAÇÃO
“Toy Boy” (1 a temporada)
Espanha - 2019. Criadores: César Benítez,
Rocío Martínez. Onde: Netflix BB+

Da mesma
produtora de “La
Casa de Papel”, “Toy
Boy” visita o
universo dos “go go
boys” (homens
“strippers”), porém
apenas como um
pano de fundo.
Hugo (Jesús Mosquera) vive um
“affair” com uma socialite mais velha
(Cristina Castaño), que o trata como
mero objeto, a despeito dos
sentimentos sinceros do rapaz. Uma
noite, após uma orgia regada a
álcool e drogas, ele acorda em seu
veleiro para encontrar um cadáver
carbonizado, sem cabeça.
Imediatamente, barcos da polícia
lhe cercam. Hugo, então, é
condenado pelo assassinato do
Clara Gallo, Julianna Gerais e Kelner Macêdo em “Todxs Nós”: comédia de situações didática, mas sem ser panfletária marido da amante. Tudo armação.
Sete anos mais tarde, ele sai em

Diversidade alémPDF
da-bolha
liberdade condicional e decide
CANAL UNICO O JORNALEIRO investigar o caso por conta própria,
indo contra os conselhos da
advogada, a jovem e idealista
“Todxs Nós” retrata a nova geração. Por Luciano Buarque de Holanda, para o Valor Triana (María Pedraza),
presumivelmente o novo interesse
“Todxs Nós” (1 a temporada). Brasil - coisa do passado — agora se fala “Todxs Nós” não discute apenas romântico do protagonista.
2020. Criadores: Vera Egito, Heitor Dhalia LGBTQIA+, aliás. As pessoas não gênero. É uma sátira dos costumes O que temos a partir daqui é um
e Daniel Ribeiro. Onde: HBO BBB binárias não aceitam os gêneros dos dias atuais, acima de tudo. Negra thriller policial padrão, com texto e
gramaticais pré-impostos. Daí vem e feminista, Maia (Julianna Gerais) elenco razoáveis, porém supérfluo
Rafa (Clara Gallo) o “e” nos sufixos dos adjetivos, por vezes se atrapalha com sua demais para investirmos nosso
rejeita seu nome de denotando indeterminação, tal cautela politicamente correta. Como tempo. O primeiro episódio da
batismo, Rafaela. como a incógnita “x” do título, na cena em que usa a gíria “capeta” temporada é quase um
Ela se diz uma “Todxs Nós”. na frente de um colega de trabalho, longa-metragem, o que já nos
pessoa pansexual, A nova série brasileira do HBO tem tratando de se desculpar desestimula. Seja como for, “Toy Boy”
não binária. Ou certo compromisso didático, pois imediatamente pela conotação é atualmente o programa mais
seja, alguém que empacota todos esses conceitos de católica do termo. assistido da Netflix no Brasil. (LBH) ■
não se identifica forma muito simples, própria para se Ao se explicar, ela sugere que a DIVULGAÇÃO
com um gênero específico. Em suas comunicar com as massas. palavra “cão” talvez seja mais
próprias palavras, “ela pega geral”. Um dos aspectos mais adequada, mas logo muda de ideia,
Sua família interiorana não digeriu interessantes é a autoironia. “Todxs uma vez que os animais são “ótimos”.
a ideia, portanto ela arruma as malas Nós” levanta a bandeira da O misticismo cheio de contradições
e se muda sem sobreaviso para a casa diversidade, claro, mas nunca cai de Inês (Gilda Nomacce) também é
do primo gay de São Paulo, Vini num tom panfletário chato. Como tratado com humor, assim como o
(Kelner Macêdo), com a certeza de qualquer comédia de situações, pedantismo experimental do grupo
que será prontamente acolhida. todos os personagens da série têm de teatro de Vini.
Incrédulo, Vini pergunta sobre seus um lado meio ridículo, risível. Os diálogos esbarram em certa
planos. Rafa só sabe que chegou para A própria protagonista, inclusive. artificialidade e o elenco, embora
viver livre, “criative” e “plene”. Rafa é a “heroíne”, mas o texto evita talentoso, carece de experiência. No
Se você já passou dos 40 anos, deixá-la em um pedestal moral. Em geral, porém, “Todxs Nós” supera o
talvez fique perdido com essa nova parte, ela é uma adolescente sem didatismo, fugindo de clichês para ir
nomenclatura. Pois a sigla LGBT é noção, um tanto intransigente. muito além de sua bolha temática. Jesús Mosquera e María Pedraza

32 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020


É TUDO VERDADE
O cinema
GRAY WHITLEY/SUN JOURNAL VIA AP
quanto à solidez financeira das grandes
mostras e festivais. O impacto sobre a dinâ-
mica das produções ainda não é auferível e

na era do
provavelmente haverá um acirramento da
disputa por menos títulos nesta safra. Nem
começo aqui a entrar nas dramáticas espe-

coronavírus
cificidades do caso brasileiro, em que o
garroteamento da produção audiovisual e
dos festivais de cinema, como da economia
da cultura como um todo, antecede à para-
Sou cético frente a lisação forçada pelo coronavírus.
análises apocalípticas Sou cético frente a análises apocalípticas
sobre o impacto do fechamento provisório
sobre o impacto do das salas de cinema e adiamento de festi-
fechamento provisório vais para o declínio definitivo da chamada
“situação cinema”, isto é, o ato de assistir
das salas e adiamento de em comunidade, num espaço público, à
festivais para o declínio projeção de filmes. Sim, nos tornamos co-
mo nunca espectadores domésticos devi-
definitivo do ato de Cinema fechado nos EUA: pela primeira vez, a bilheteria cinematográfica no país foi zero do à quarentena e à clausura dos cinemas.
assistir em comunidade, A epidemia do coronavírus conseguiu Por aqui, o É Tudo Verdade, que ainda
Ainda bem que existem os canais por assi-
natura e as plataformas de streaming, por
num espaço público, à o que nem o ataque a Pearl Harbour em antes de declarada a pandemia anunciara mais que suas limitações de catálogo como
projeção de filmes. 1941 ou os neocamicases da al-Qaeda
em 11 de setembro de 2001 haviam lo-
sua seleção em 10 de março para o evento
que seria aberto no dia 25, viu-se forçado a
nunca estejam se tornando mais evidentes.
Vale lembrar, como escrevi recentemen-
Por Amir Labaki grado. Na semana passada, pela primei- reestruturar-se cinco dias depois, realizan- te aqui mesmo, que o crescimento recente
ra vez em 120 anos, a bilheteria cinema- do agora um festival on-line e preservando das ofertas de consumo audiovisual domi-
tográfica nos EUA foi zero, zip, nada, a alegria do convívio pessoal nas estreias, ciliar deu-se, no ano passado, como um au-
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO
diante do fechamento de todas as salas
de projeção. Mundo afora, o mesmo
mostras competitivas, projeções fora de
concurso e seminários para o período en-
mento na venda de ingressos nas salas de
cinema nos principais mercados, Brasil in-
ocorreu ou vai ocorrer, ao menos onde as tre 24 de setembro e 4 de outubro. clusive. Como argumentou a repórter An-
autoridades ouviram a ciência e não se O alarme global soou quando o Festival ne Thompson em artigo na Indiewire do
dedicaram ao negacionismo. de Cannes, em 19 de março, transferiu com último dia 26, “alguns cinemas sobrevive-
Sundance, Roterdã e Berlim consegui- algum otimismo para “fins de junho ou rão e outros não” e “os estúdios continua-
ram abrir normalmente o calendário início de julho” sua 73 a edição, prevista rão exibindo seus filmes caros em casas de
anual de festivais, mesmo com a crescen- originalmente para o período entre 12 e 23 tijolo e argamassa, porque essa é a única
te proliferação da covid-19 a partir da de maio. Não se trata de fato inédito. maneira de ganhar dinheiro”.
China, mas já no início de março a agen- Com ninguém menos que Louis Lumiè- Não se subestime, sobretudo, a dimen-
da de cancelamentos, reformulações e re (1864-1948) como presidente honorá- são ritual do cinema. Para frisá-la, o escri-
adiamentos se acelerou. rio do júri e estrelas como Mae West (1893- tor Guillermo Cabrera Infante (1929-2005)
O multimídia SXSW, em Austin, Texas, 1980) e Tyrone Power (1914-1958) entre os lembrou o impacto mágico da frase profe-
cancelou em 6 de março sua gigantesca convidados, o primeiro festival na Côte rida na abertura de cada projeção em Can-
programação presencial, fazendo pela in- d’Azur, marcado para ocorrer entre 1 o e 20 nes, onde cruzei com ele flanando na rua
ternet apenas a exibição de filmes e a pre- de setembro de 1939, foi cancelado pela quando participou do júri em 1994: “La
miação de concorrentes. Simultaneamen- invasão da Polônia por tropas hitleristas e séance commence”. Começa a sessão. Ecoa
te, entre 5 e 8 de março o True/False Film o começo da Segunda Guerra Mundial no assim uma mais que secular promessa de
Festival, em Columbia, Missouri, conse- dia de sua abertura. maravilhamento, a um só tempo indivi-
guiu desenvolver-se como planejado. Tampouco em 1950 o festival aconte- dual e coletivo. Não surpreende que Sérgio
Em 12 de março, um dos maiores festi- ceu: um freio de arrumação, de olho no Augusto tenha adotado uma variante para
vais de documentários na Europa, o congestionado calendário de eventos do batizar sua obrigatória coletânea de arti-
CPH:DOX em Copenhague, Dinamarca, segundo semestre, levou sua organização a gos cinematográficos — “Vai Começar a
anunciou a anulação de todos os eventos pular um ano, passando a festa a ocorrer Sessão” (Objetiva, 438 págs, R$ 89,90).
Amir Labaki é diretor-fundador do presenciais e sua realização em plataforma no primeiro semestre a partir de 1951, na O cinema desafiou sucessivos atestados
É Tudo Verdade — Festival Internacional digital. No dia seguinte, o Cinéma du Réel quarta edição, de 3 a 20 de abril. de óbito e sobreviveu à chegada do som e
de Documentários. realizou a sessão noturna de abertura de Circunstancialmente, a sobreposição de ao advento da televisão, ao VHS e DVD e à
sua 42 a edição no Centro Georges Pompi- datas de eventos fílmicos (e artísticos em difusão pela internet, a duas guerras mun-
E-mail: labaki@etudoverdade.com.br dou em Paris, França, para adotar já na ma- geral) será inevitável no segundo semestre, diais e a regimes obscurantistas. Não será
Site do festival: nhã seguinte a estratégia de realizar-se numa avaliação otimista quanto à supera- uma pandemia que eliminará o fascínio
www.etudoverdade.com.br parcialmente em streaming. ção do ápice da pandemia e também das luzes bruxuleantes na tela branca. ■
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 33
OUTROS ESCRITOS

Leituras
“D
ez Drogas”, Thomas e domá-lo como um cavalo, mas sua Em “O Demônio do Meio Dia”
Hager (Todavia, 334 ação depende da resposta natural do (Companhia das Letras, 584 págs.,
págs., Antônio corpo (…). O aspecto mais tradução de Myriam Campello), a

para a
Xerxenesky) — Numa antinatural da vacinação é depressão da qual o autor sofre é usada
época de descrença no conhecimento, que, quando tudo corre bem, para iluminar aspectos variados da
o que só agrava a pandemia de ela não provoca doença nem cultura contemporânea. Já “Longe da

quarentena
coronavírus, é sempre bom conhecer o produz um mal.” Árvore” (Companhia das Letras, 962
longo caminho entre hipótese Susan Sontag — Há muitos ensaios págs., tradução de Pedro Maia Soares,
científica — às vezes contraintuitiva — e sobre a relação entre saúde e cultura, Donaldson M. Garschagen e Luiz A. de
cura ou controle das mais variadas ou saúde e política. Se os de Michel Araújo), em parte escrito na época em

(1) doenças. O título é um resumo: Hager


fala de mais que dez substâncias e
métodos descobertos por
Foucault são as maiores referências
dos últimos cinquenta anos no tema,
os de Sontag talvez sejam os mais
que ele decidiu adotar uma criança
juntamente com seu parceiro, é um
estudo sobre filhos muito diferentes
Lançamentos e clássicos pesquisadores, dos opióides e da sulfa conhecidos fora da academia. Em sua dos pais — por terem alguma
sobre doença, saúde e aos antipsicóticos e estatinas. São
histórias permeadas pelo fator
mistura típica de distanciamento e
ênfase, esnobismo e paixão, ela se
deficiência física/mental ou
característica de comportamento fora
cultura. Por Michel Laub humano, tanto o melhor dele inspirou em experiências pessoais do comum. Em ambos, assim como em
(inteligência, desprendimento, para escrever dois livros importantes: vários livros recomendáveis dessa linha
solidariedade) quanto o pior “A Doença como Metáfora” (1978), (como “Meus Tempos de Ansiedade”,
(ganância, inveja, trapaça). Uma que direta ou obliquamente trata do de Scott Stossel), o conceito de doença
qualidade do texto, que o põe na câncer que a autora enfrentou por se torna indissociável do de identidade.
tradição de obras como “O Imperador décadas (e que acabaria por matá-la “Mas só podemos ver uma se
de Todos os Males”, de Siddhartha em 2004), e “Aids e suas Metáforas” obscurecermos a outra”, diz Solomon.
Mukherjee (sobre a história do câncer), (1989), produzido no auge da “A política da identidade refuta a ideia
é o distanciamento que consegue epidemia que vitimou muitos de seus de doença, enquanto a medicina
manter das tentações extremistas que amigos próximos. Os dois textos ludibria a identidade. Ambas saem
envolvem seu objeto: “Não é um livro podem ser encontrados numa diminuídas com essa estreiteza.”
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO que vai deixar os fabricantes de
medicamentos felizes”, escreve o autor
mesma edição (Companhia das
Letras, 168 págs., traduções de Paulo
Thomas Mann — Se falamos em
identidade e doença, é inescapável
na introdução. “Ou os lobistas da Henriques Brito e Rubens citar os romances — grandes em mais
indústria farmacêutica. Ou os ativistas Figueiredo). Neles, e descontando de um sentido — que o autor alemão
contrários a ela (...). Nenhuma droga é trechos hoje superados pela evolução escreveu a respeito. Em “A Montanha
boa, nenhuma droga é má. Todas são científica desde a publicação, há um Mágica”, um sanatório de
ambas as coisas.” libelo contra o irracionalismo que dá tuberculosos é o cenário de
“Imunidade”, Eula Biss (Todavia, a males físicos dimensões culturais (a discussões políticas que espelham o
206 págs., tradução de Pedro Maia tuberculose como extensão do declínio do humanismo na Europa e
Soares) — A autora teve a ideia do romantismo, o câncer como a piora da saúde do protagonista. Em
livro ao se tornar mãe e, claro, passar consequência da repressão) e/ou usa “Doutor Fausto”, a sífilis é sintoma do
a temer pela saúde do seu bebê. Sua uma linguagem que culpa o próprio pacto que um compositor faz com o
pesquisa resume o que se sabe hoje doente (quando ele não vence a demônio, alusão ao que ocorreu na
sobre o sistema de defesa do nosso “guerra” contra um vírus ou bactéria, Alemanha durante o nazismo. Mas é
corpo, repercutindo isso em termos por exemplo). “Todos que nascem em “Morte em Veneza”, um texto
culturais, com trechos especialmente têm dupla cidadania, no reino dos curto (Nova Fronteira, tradução de
interessantes sobre vacinas. Além de sãos e no reino dos doentes”, escreve Eloisa Ferreira Araujo Silva, publicada
motivos religiosos, ideológicos ou da Sontag. “Porém é quase impossível junto com a novela “Tonio Kröger”
pura ignorância/má-fé, a rejeição ao fixar residência no reino dos doentes numa edição de 162 págs.), que
método de inocular agentes sem ter sido previamente encontramos referências mais diretas
patógenos enfraquecidos ou mortos influenciado pelas metáforas ao que vivemos hoje. O protagonista
num indivíduo saudável pode se lúgubres com que [ele] foi pintado.” é um escritor que abandona seus
basear na incompreensão de um Andrew Solomon — Autor que tem ideais de disciplina apolínea para
paradoxo: “As vacinas pertencem pontos em comum com Sontag, entre viver um amor pedófilo, platônico e
àquele lugar de transição entre os eles a experiência pessoal com os autodestrutivo — fisicamente,
seres humanos e a natureza — um assuntos de que trata. Sua abordagem inclusive — numa cidade que ele sabe
campo aparado (…) cercado por inclui um trabalho jornalístico mais estar infestada pela cólera. Os sinais
Michel Laub, jornalista e autor dos ro- bosques. A vacinação é uma espécie amplo, porém, além de uma da epidemia, ignorados por ele em
mances “Diário da Queda” e “O Tribunal de domesticação de uma coisa atualização importante sobre os nome de uma paixão que “como o
da Quinta-Feira”, escreve neste espaço selvagem, na medida em que envolve avanços científicos dos últimos vinte crime, não se adapta à ordem
quinzenalmente nossa capacidade de atrelar um vírus anos nas áreas que resolveu investigar. estabelecida”, geram efeitos
34 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020
LANÇAMENTOS
CRIS BIERRENBACH

“Meninos de Zinco” “Despertar os Leões”


Svetlana Aleksiévitch. Tradução: Cecília Ayelet Gundar-Goshen. Tradução: Paulo
Rosas. Companhia das Letras, R$ 59,90 Geiger. Todavia, R$ 69,90

Ganhadora do Esse suspense


Nobel de literatura, a com um viés moral
extraordinária narra a história de
escritora bielorrussa um neurocirurgião,
Svetlana Aleksiévitch Eitan Green. Casado
oferece, com seu com a policial Liat,
estilo singular e eles têm três filhos.
tocante de narrar, Transferido de
uma versão sobre o conflito entre Tel-Aviv para Beer Sheva, situada à
soviéticos e afegãos (1979-1989). A beira do deserto, compra um carro
propaganda da então URSS falava em novo para enfrentar as estradas de
“missão de paz”. Mas o resultado foram areia. Em uma noite o médico
milhares de mortos de ambos os lados: atropela e mata uma pessoa. E foge. A
as famílias recebiam seus parentes partir disso, sua vida nunca mais será
acondicionados em caixões de zinco a mesma. A mãe da vítima, um
lacrados. Svetlana ouviu testemunhos imigrante africano em busca de vida
de mães, mulheres, irmãos, médicos, melhor, procura o atropelador e diz
enfermeiros e soldados sobre a saber o que aconteceu. Será que ela
experiência de cada um na guerra. As quer dinheiro? O que está por vir é
lembranças e os sentimentos dos pior do que gastos financeiros. Eitan
entrevistados estão neste livro, que traz irá se envolver num mundo de
à luz toda a brutalidade, o sentimento violência e tráfico. A israelense Ayelet
de vergonha dos soldados e a angústia Gundar-Goshen é mestre em
CANAL UNICO PDF - O JORNALEIRO ao pensarem nos que não voltaram. psicologia e roteirista premiada.

“1793” “O Homem Despertado” Roberto


Niklas Natt Och Dag. Tradução: Fernanda Mangabeira Unger. Tradução: Roberto
Abreu. Intrínseca, R$ 59,90 Muggiati. Civilização Brasileira, R$ 59,90

Vencedor do Roberto
prêmio Livro do Ano Mangabeira Unger
semelhantes aos que vemos hoje em são “doentes” de algum modo — dos da Suécia (2018), este propõe neste livro,
governos como o do Brasil: “O temor chamados males mentais ou, com título já teve os publicado
de que (...) perdas consideráveis frequência, numa ressonância com a direitos negociados originalmente nos
ameaçavam os hotéis, o comércio, biografia desse autor de saúde frágil para 35 países. Assim EUA em 2007, uma
toda a complexa indústria do que passou a juventude com como “O Nome da reorientação de
turismo, sobrepujava na cidade o problemas pulmonares, de moléstias Rosa” (Umberto Eco), ideias estabelecidas.
amor à verdade e o respeito às do corpo “stricto senso”. Como em “1793” é “um romance cerebral e Traz reflexões sobre a natureza, a
convenções internacionais, levando “Morte e Veneza” ou “Doutor Fausto”, profundo”, escreveu o “Washington mente, a sociedade, a política e a
as autoridades a persistir há em Bernhard uma visão em alguns Post”. Niklas Natt Och Dag cria aqui um religião. A filosofia predominante em
obstinadamente em sua política de aspectos romântica, que identifica (à retrato vívido da sombria Estocolmo do nosso tempo é o que ele chama de
silêncio e desmentidos.” moda antiga, digamos) a século XVIII, ao contar a história de um doutrina do encolhimento, um recuo
Thomas Bernhard — Além de enfermidade e aspectos criativos da crime e a busca pela identificação do para linhas mais defensáveis, de parar
Mann, seria possível citar muitos “alma”. “Defendeu ciumentamente, cadáver mutilado encontrado no lago e esperar, cantar acorrentado, à
nomes da ficção clássica e guardou para si e colocou no centro da Ucharia. Um advogado conduz a medida que perdemos a confiança em
contemporânea que trataram da de sua vida sua loucura”, diz o árdua tarefa de investigar, com a ajuda grandes projetos, sejam teóricos ou
doença: de Boccaccio a Nelson narrador sobre um amigo internado de um sentinela que avisou sobre o políticos. Em contraponto a esse
Rodrigues, de Proust a Alison Bechdel. num hospital em “O Sobrinho de surgimento do corpo. Em algum modo de pensar e agir, o professor de
Bernhard é possivelmente o mais Wittgenstein” (Rocco, 124 págs., momento vai se revelar uma trama Harvard lembra que nunca é tarde
radical deles — e o mais engraçado, tradução de Ana Maria Scherer). de segredos, perversões e crueldade para mudar o rumo. “A ideia não é
em sua característica mistura de fúria “Assim como eu, finalmente, a partir que alcança os altos escalões da Suécia. resgatar o pragmatismo, é representar
enfática e bufonaria, em frases dessa doença dos pulmões e dessa Bons e maus, ricos e pobres, vivos e e elevar a nossa humanidade.
intermináveis e cheias de repetições loucura, por assim dizer, [defendi] mortos se entrelaçam num enredo Imaginação e esperança serão nossos
em espiral. Todos os seus narradores minha arte.” ■ de suspense. guias gêmeos”. ■
Sexta-feira, 3 de abril de 2020 | Valor | 35
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No Portal sescsp.org.br,
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ativo e informado,
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Beiguelman apresenta
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que trazem à tona


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contam a história dos DISPONÍVEL ON DEMAND DISPONÍVEL ON DEMAND
Percursos da Tradição da
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de encontros, trocas e os Espíritos dos Malês
→ revista e aprendizados. O filme relata o encontro Episódio 5
sescsp.org.br/revistae Evandro entre duas visões opostas Africanos muçulmanos
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A Revista E de abril Saúde e Bem-estar Jardim cura. No Parque Indígena escravizados no Brasil, se
está disponível sescsp.org.br/ Fabiana de Barros, do Xingu, médicos e pajés rebelam contra a opressão.
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Baixe gratuitamente Está difícil manter a saúde e Marcia Zoladz
Direção: Mari Corrêa. e a escrava toma uma
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reportagens, com várias orientações Jardim, a coleção Arte,
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Dia 4/4, sábado, às 20h30.
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36 | Valor | Sexta-feira, 3 de abril de 2020

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