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DEBATES

1. LAWRENCE ST ON E 0 retorno da narrativa: reflexoes sobre


uma nova velha historia 8
2. HERVEMARTlN e GUY BOURD£ A nova historia: herdeira
da Escola dos Amlales 37
3. HERVE COUTAU-BEGARlB Prefacio: da historia imediatn
aarqueologia 63
4. HERVE COUTAU-BEGARIE lntroducao 92
5. GEORGE l;I UPl'ERT 0 exper irnento dos An1Jales 118
6. LUTZ RAPHAEL Panorama: os Annatesna historia (la
historiografia do seculo xx ~41
7. GERARD NOIRlEL Os Annales, 0 "nao conformismo"
e 0 mito da eterna juventude 15 7
8. GERTRUOE HIMMELFARB Introducao 185
9. GERTRUOB HlMMELFARB "Historia corn a politicadcixada de [ora" 202
10. LEONARD KRIEGER A coerencia historiografica no seculo xx 228
11. BRONISLAW GEREMEK Entre 0 individual e 0 coletivo:
historia social ou historia moral? 269
12 . CHARLES-OLIVIER CARBONELL Antropologia, etnologia e historia:
a terceira gera~ao na Franca 279
13. THEO DORE S. HAMEROW A nova h istcrta e a velha 291
14 . GEOR G G. IGGE RS Prance: os Annllfts 340
15- GEO RG G. IGGERS Ultimas obse rvacoes 358
16. ERN ST IlREISACH A Escola dos Annalt's 367
17. ERNST flRE,lSACH Epilogo : histo riografia na nova virada de seculo 379
18. DO NA LD REED KELLEY Circunspeccac e prospeccac 389
19. DONALD REE D KEL LEY Co nd us.io 443
ao. STE PHEN HEN RY RlGBY H istoriografia marxi sta 458
:tl . IGNACIO OLA BARRJ GO RTAzAR A "N ova Histcria", uma estru tura
de longa duracao 512
12.. HAYD EN WHIT E em conversa corn ERLEND ROG NE O objetivo
da tnt erpretacso eprovocar perplexidade em face do real S73

SOBRE os Al/ TORES 59 6

sa BRE os ORGANIZAOORES 602


tvorc e ONOMASTl CO 604
B1B110GRAFIA GERAl 618
DEBATES
Os historiadores sempre contaram histórias: De Tucídides e Tácito a Gibbon e
Macaulay, a composição da narrativa em prosa acurada e refinada sempre foi con-
siderada sua mais elevada ambição. A história era tida como um ramo da retórica.
Nos últimos cinquenta anos) contudo) a função de contar histórias ganhou pés-
sima reputação entre os que se consideravam na vanguarda do ofício) os prati-
cantes da assim chamada "nova história" que surge depois da Segunda Guerra
Mundial.' Na França) o contar histórias foi descartado como l'histoire événemen-
tielle. Agora, contudo) percebo as evidências de uma corrente que anda atraindo
muitos "novos historiadores" proeminentes de volta a um certo tipo de narrativa.
Antes de iniciar o exame das evidências de tal mudança e de algumas espe-
culações sobre o que a teria causado) algumas coisas precisam ser esclarecidas.

Agradeço a minha mulher e a meus colegas, aos professores Robert Darnton, Natalie
Davis, Felix Gílbert, Charles Gillispie, Theodore Rabb, Carl Schorske e muitos outros
por suas críticas valiosas durante a escrita do primeiro esboço deste ensaio. Acatei a
maioria das sugestões, mas a responsabilidade pelo resultado final é toda minha.
Estes "novos historiadores" recentes não devem ser confundidos com os "novos histo-
riadores" norte-americanos de uma geração mais antiga, como Charles Beard eJames
Harvey Robinson.

STON E 9
A primeira é o que se entende aqui por "narrativa" A narrativa significa aqui a
organização do material em uma ordem sequencial cronológica) com o con-
teúdo direcionado para um relato único e coerente) não obstante se sirva de
tramas secundárias. Os dois modos essenciais pelos quais a história narrativa
difere da história estrutural são: seu arranjo é mais descritivo que analítico e
seu foco está no homem) não nas circunstâncias. Assim) ela lida antes com
o particular e específico no lugar do coletivo e estatístico. A narrativa é um
modo de escrita histórica) mas um modo que afeta conteúdo e método e)em
contrapartida, deixa-se afetar por eles.
O tipo de narrativa que tenho em mente não é o de um mero antiquário
ou analista. É uma narrativa dirigida por algum princípio "cheio de potencial"
e que dispõe de tema e argumento. O tema de Tucídides eram as Guerras do
Peloponeso e seus efeitos desastrosos sobre a política e a sociedade gregas;
o de Gíbbon, a ascensão e a queda do Império Romano; o de Macaulay; o
surgimento de uma constituição participativa e liberal em meio às tensões da
política revolucionária. Os biógrafos contam a história de uma vida) do nasci-
mento à morte. Nenhum historiador narrativo) como os tenho definido, evita
a análise, mas esta não constitui o esqueleto em tomo do qual seus trabalhos
se fazem. Por fim) eles estão profundamente preocupados com os aspectos
retóricos de sua apresentação. Bem-sucedidos ou não em suas tentativas, cer-
tamente aspiram ao estilo elegante, à concisão, à inteligência. Não basta que
lancem palavras sobre uma página e deixem-nas ali à sua sorte) segundo a
noção de que, sendo ciência, a história não necessita de arte que a auxilie.
As tendências aqui indicadas não devem ser entendidas como se disses-
sem respeito à maioria dos historiadores. Tudo que se tenta aqui é apontar
uma notável guinada de conteúdo, método e estilo em um bem pequeno,
porém desproporcionalmente proeminente, núcleo da atividade historio-
gráfica como um todo. A história sempre teve muitos solares, que permane-

2 Sobre a história da narrativa, cf. L. Gossman, "Augustin Thierry and the Liberal H ísto-
riography". Historyand Theory, n. 4, Beiheft xv, 1979; Hayden V. White, Metahistory:
'lhe HistoricalImagination in the Nineteenth Century. Baltimore: The Johns Hopkins
University Press, 1973 [ed. bras.: Meta-história: A imaginaçãohistórica doséculo XIX, trad.
José Lourêncio de Melo . São Paulo: Edusp, 1995]. Agradeço ao professor Randolph
Starn por ter chamado minha atenção para o último.

10 O RETORNO DA N AR RATIVA : REF LEXOES SO BRE U M A NOVA VEL HA HIS TÓRI A


cerão caso ela continue a florescer no futuro. O triunfo de qualquer gênero
ou escola leva por fim ao sectarismo estrito, ao narci sismo, à autoadulação,
ao desprezo ou à tirania contra os que seguem caminhos diversos, bem
como a outras características desagradáveis ou frustrantes. Todos nós po-
demos lembrar casos desse tipo. Em alguns países e instituições, tem sido
pouco saudável que os "novos historiadores" tenham predominado tanto
nos últimos trinta anos; e será igualmente nocivo se a nova tendência - caso
seja uma tendência - conquistar tamanho domínio aqui e lá.
É também essencial deixar claro que este ensaio tenta mapear mudanças
nas maneiras de analisar a história, não fazer julgamentos de valor sobre o
que são boas ou menos boas modalidades da escrita da História. Julgamen-
tos de valor são difíceis de evitar em qualquer estudo historiográfico, mas
este ensaio não quer hastear bandeiras ou iniciar uma revolução. Ninguém
está sendo convocado a livrar-se de sua calculadora e contar uma história.

II

Antes que se observem as tendências recentes, deve-se tentar explicar o que


levou muitos historiadores, há cerca de cinquenta anos, a abandonar uma
tradição narrativa consagrada ao longo de 2 mil anos. Em primeiro lugar,
a despeito das afirmações apaixonadas em defesa do contrário, foi ampla-
mente reconhecido, com alguma justiça, que respondendo às perguntas o
que e como de modo cronológico, mesmo que dirigidas por um argumento
central, não se vai muito longe quanto a responder ao por quê. Ademais, os
historiadores estiveram ao mesmo tempo sob forte influência tanto da ideo-
logia marxista quanto da metodologia das ciências sociais. Como resultado,
eles interessaram-se por sociedades, não por indivíduos, e demonstraram-se
confiantes em relação a uma "história científica" que pudesse oferecer, com
o tempo, leis gerais que explicassem a mudança histórica.
Aqui, devemos fazer mais uma pausa para definir o que vem a ser "histó-
ria científica': A primeira "história científica" foi formulada por Ranke no sé-
culo XIX, baseada no estudo sobre novas fontes materiais. Pressupunha-se que
a crítica textual cerrada de registres desconhecidos enterrados em arquivos
de Estado poderia estabelecer, de uma vez por todas, os fatos da história polí-
tica. Nos últimos trinta anos circularam, entre historiadores, três tipos muito

STON E "
distintos de "história científica', todos baseados não apenas em novos dados,
mas em novos modelos e novos métodos: o modelo econômico marxista, o
modelo ecológico / demográfico francês e a metodologia "cliom étrica" norte-
-americana. Segundo o velho modelo marxista, a história se move em pro-
cesso dialético de tese e antítese mediante uma luta de classes, as quais foram
criadas pelas próprias transformações no controle dos meios de produção.
Nos anos 1930, essa ideia resultou em um determinismo econômico e social
bem simplista que afetou muitos jovens historiadores no período. Era uma no-
ção de "história científica" muito defendida por marxistas até o final dos anos
1950. Deve-se, contudo, notar que a geração atual de "neomarxístas" parece ter
abandonado a maioria dos princípios dos historiadore marxistas tradicionais
dos anos 1930. Eles mostram-se, agora, preocupados com o Estado, a política,
a religião e a ideologia como seus pares não marxistas: no processo, parece
que abandonaram a perseguição a uma "história científica':
O segundo sentido de "história científica" é o usado desde 1945 pela
Escola dos Annales dos historiadores franceses, entre os quais Emmanuel
Le Roy Ladurie pode surgir como porta-voz, não obstante seja um radical.
Segundo ele, a variável-chave na história está nas mudanças do equilíbrio
ecológico entre suprimentos alimentares e população, um equilíbrio que se
determina necessariamente pelos estudos quantitativos de longa duração da
produtividade agrícola, das mudanças demográficas e do preço dos alimen-
tos . Esse tipo de "história científica" emergiu da combinação de um interesse
francês de longa data na geografia e demografia históricas associado com a
metodologia de quantificação. Le Roy Ladurie nos diz categoricamente que
a "história que não seja quantificável não pode almejar a cíêncía'.'
O terceiro significado de "hi stória científica" é de origem norte-ameri-
cana e pauta-se pela ideia, expres sa em alto e bom som pelos "cliom etr ístas",
de que só sua muito especial metodologia quantitativa pode arrogar-se o sta-
tus de ci ência.' Segundo eles, a comunidade histórica pode ser dividida em

3 Emmanuel Le Roy Ladurie, lhe Territory of lheHisiorian [1975], trad. Ben e Siân Reynolds .
Hassocks: Harvester, 1979, p. 15 e parte I passim.
+ Um artigo inédito de Robert William Fogel, "Scientific History and Traditional History"
[1979 J, oferece o exemplo mais consistente des sa ideia de uma história verdadeiramente
"científica". Continuo, contudo, long e de ser convencido.

12 O RETORNO DA NARRATIVA REFLEXÕES SOBRE UMA NOVA VELHA HiSTÓRIA


duas. De um lado os "tradicionalistas", que incluem tanto os historiadores
narrativos da velha guarda, que lidam com a política de Estado e a história
constitucional, quanto os "n ovos" historiadores demográficos e econômicos
das escolas dos Annales e do Pastand Present - a despeito do fato de a última
utilizar quantificação e de, por muitas décadas, os dois grupos terem alimen-
tado uma inimizade feroz, especialmente na França. De outro, sendo bem
diferentes, estariam os ditos "historiadores científicos", os cliometristas, que
se definem por uma metodologia, mais do que por qualquer assunto, tema
ou interpretação da natureza da mudança histórica. Eles são historiadores
que constroem paradigmas, algumas vezes contrafatuais, sobre mundos que
nunca existiram na vida real, e que testam a validade de seus modelos pelas
mais sofisticadas fórmulas matemáticas e algébricas aplicadas a quantida-
des muito extensas de dados, processadas eletronicamente. Seu campo por
excelência é a história econômica, que eles praticamente dominaram nos
Estados Unidos; além disso, eles têm feito amplas incursões na história das
políticas democráticas recentes, aplicando seus métodos ao comportamento
das eleições, tanto do eleitorado quanto dos candidatos. Esses grandes em-
preendimentos são resultado, claro, de um trabalho conjunto, bem seme-
lhante à construção das pirâmides: exércitos de assistentes diligentes reú-
nem dados, codificam-nos, programam-nos e passam-nos pela digestão de
um computador - sempre sob a direção autocrática de um líder. Os resulta-
dos não podem ser testados por nenhum dos métodos tradicionais, uma vez
que a evidência está sepultada em registros privados de computador, nunca
expostos em notas de rodapé. Em todo caso, os dados são muitas vezes ex-
pressos de forma tão reconditamente matemática que eles se apresentam
ininteligíveis à maioria dos historiadores. O único indício de laicidade dessa
ordem sacerdotal reside na discordância brutal e pública de seus membros
sobre a validade dos achados dos outros membros dessa confraria.
Esses três tipos de "história científica" sobrepõem-se em certo grau, mas
são suficientemente distintos aos olhos de seus partícipes para justificar a
criação dessa tripartite.
Outras explicações científicas para a mudança histórica ganharam des -
taque por algum tempo e logo caíram em desuso. O estruturalismo francês
produziu algumas teorizações brilhantes, mas nenhum grande trabalho de
história - a não ser que se considerem os escritos de Michel Foucault como
trabalhos de história e não como filosofia moral com exemplos tirados da

8 TONE 13
história. O estruturalismo parsoniano, precedido pela Scientific Theory oi Cul-
ture de Malinowski,' teve sequência, apesar de seu fracasso em oferecer uma
explicação para a mudança com o tempo e do fato óbvio de a adequação en-
tre as necessidades materiais e biológicas de uma sociedade e as instituições
e valores segundo os quais ela vive ter sido sempre muito pouco satisfatória,
para não dizer pobre. Tanto o estruturalismo quanto o funcionalismo ofere-
ceram valiosas intuições, mas nenhum deles chegou sequer perto de dar aos
historiadores uma explicação abrangente sobre a mudança histórica.
Esses três grupos de "historiadores científicos", que floresceram respecti-
vamente dos anos 1930 aos anos 1950, dos anos 1950 a meados dos anos 1970
e dos anos 1960 ao início dos anos 1970, confiaram demasiadamente na ideia
de que os maiores problemas da explicação histórica seriam solúveis e que,
após algum tempo) poderiam resolvê-los. Soluções rigorosas surgiriam final-
mente, segundo afirmavam, para explicar questões obscuras como as causas
das "grandes revoluções " ou a passagem do sistema feudal para o capitalista
e das sociedades tradicionais para as modernas. Tal otimismo inebriante en-
tre os dois primeiros grupos de "historiadores científicos", tão visível dos
anos 1930 aos anos 1960, ganhava o reforço da crença de que as condições
materiais - tais como as mudanças no relacionamento entre população
e oferta de alimentos ou nos meios de produção e os conflitos de classe -
eram as forças motrizes da história. Muitos, mas não todos, entendiam os
desenvolvimentos intelectuais, culturais, religiosos, psicológicos, legais ou
mesmo políticos como meros epifenômenos. Uma vez que o determinismo
econômico ou demográfico ditava amplamente o conteúdo do novo gênero
de pesquisa histórica, as modalidades analíticas, não as narrativas, eram mais
adequadas para organizar e apresentar os dados, e os próprios dados tinham
de ser, tanto quanto possível, de natureza quantitativa.
Os historiadores franceses, que nos anos 1950 e 1960 estiveram à frente
desse bravo empreendimento, promoveram um arranjo hierárquico: em
primeiro lugar, e em ordem de importância, vinham os fatos econômicos e
demográficos; depois, a estrutura social; e, por fim, os processos intelectuais,

5 Bron islaw Malinowski, A Scientific Theory Df Culture, and Other Essays. Chapei Hill :
The University ofNorth Carolina Press, 1944 [ed. bras.: Uma teoria cientifica da cultura,
3~ ed., trad.jos éAuto . Rio de Janeiro: Zahar, 197sJ.

14 O RETORNO DA NARRATIVA: REFLEXÕES SOBRE UMA NOVA VELHA HISTÓRIA


políticos, religiosos e culturais. Esses três elementos eram como os patama-
res de uma casa: cada qual apoiado no que se postava logo abaixo, mas sem
que os superiores tivessem algum efeito sobre os inferiores. Nas mãos de
alguns, a nova metodologia e novas questões produziram resultados quase
extraordinários. Os primeiros livros de Fernand Braudel, Pierre Goubert
e Emmanuel Le Roy Ladurie estão entre os maiores escritos históricos de
qualquer tempo e lugar," Eles sozinhos justificam a adoção das perspectivas
analíticas e estruturais perpetrada por uma geração.
O resultado, contudo, era um revisionismo histórico impetuoso. Visto
que apenas o primeiro patamar importava, e que as condições materiais das
massas eram o tema, não a cultura da elite, tornou-se possível falar sobre a
história continental da Europa do século XIV ao XVIII como "l'histoire immo-
bile". Le Roy Ladurie argumentava que nada, absolutamente nada, mudou
nesses cinco séculos, já que a sociedade permanecia presa à sua tradicional e
inalterada éco-d émographie? Segundo o novo.modelo de história, movimen-
tos como a Renascença, a Reforma, o Iluminismo e o surgimento do Estado
moderno simplesmente desapareciam. Eram ignoradas as poderosas trans-
formações da cultura, arte, arquitetura, literatura, religião, educação, ciên-
cia, lei, constituição, formação do Estado, burocracia, organização militar
ou arranjos fiscais, que aconteceram entre as mais altas rodas da sociedade
naqueles cinco séculos. Essa curios a cegueira decorria de uma forte crença
na ideia de que todas essas questões constituíam uma terceira camada, uma
mera superestrutura superficial. Quando, recentemente, alguns acadêmicos
dessa escola começaram a aplicar seus bem testados métodos estatísticos
a problemas como a alfab etização, o que se dispunha nas bibliotecas ou a
ascensão e queda da piedade cristã, eles descreveram suas atividades como
o uso de quantificação no iroisi ême niveau.

6 Fernand Braudel, La Méditerranée et le monde m éditerran éen à I'époque de Philippe II.


Paris: Arrnand Colin, 1949 [ed . bras.: O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época
de Filipe II. São Paulo: Martins Fontes , 1984]j Pierre Goubert, Beauvais et leBeauvaisis
de 1600 à 1730 . Coniribution à l'histoire sociale de la France du XVII' siêcle. Paris: SEVPEN,
1960j E. Le Roy Laduri e, Les Paysans du Languedoc. Paris: Flammarion, 1966 [ed. port.:
Oscamponeses doLanguedoc, trad. Manuel Ruas. Lisboa: Estampa, 1997] .
7 E. Le Roy Ladurie, "L'Histoire immobile", em seu Le T erritoire de l'historien. Paris:
Gallimard, 1973-78, 2 v.: o artigo foi escrito em 1973.

STONE 15
III

A primeira causa da retomada recente da narrativa é uma ampla desilusão


com o determinismo do modelo econ ómico de explicação histórica e o ar-
ranjo em três camadas hierárquicas que surgiu em decorrência dele. A se-
paração entre a história social e intelectual trouxe terríveis consequências.
Ambas acabaram isoladas, introspectivas, estreitas. Nos Estados Unidos, a
história intelectual- outrora carro-chefe do ofício - conheceu tempos difí-
ceis e por um momento perdeu a autoconfian çaj" a história social floresceu
como nunca, mas a ostentação de suas realizações isoladas apenas prenun-
ciava o declínio final de sua vitalidade, o que se deu quando a fé nas explica-
ções puramente econ ómicas e sociais começou a recuar. O registro histórico
tem obrigado muitos de nós a admitir que há uma via de mão dupla extre -
mamente complexa nas interações entre fatos populacionais, suprimento de
comida, clima, reservas de metais valiosos e preços, de um lado, e valores,
ideias e costumes, de outro. Juntamente com as relações sociais de status ou
classe, eles formam uma única teia de sentido.
Hoje, muitos historiadores creem que a cultura do grupo e mesmo a von-
tade individual são agentes causais da mu dança potencialmente tão importan-
tes quanto as forças imp essoais da pro dução material e do crescimento demo-
gráfico. Não há razão teórica para explicar por que o último deveria sempre
impulsionar o primeiro, e não o inverso, e evidências de exemplos contrários
se acumulam," A contracepção, por exemplo, é claramente produto de um
estado de espírito tanto quanto de circunstâncias econômicas. Prova disso
pode-se encontrar na ampla difusão dessa prática na França bem antes da in-
dustrialização, sem muita pressão populacional exceto em pequenas fazendas,
e quase um século antes de qualquer país ocidental. Agora também sabemos
que a família nuclear antecipou a sociedade industrial, e que os conceitos de
privacidade, amor e individualismo do mesmo modo emergiram entre muitos

8 Robert Damton, "InteUectual and Cultural H ístory", in M. Kammen (org .), ThePastBe-
fore Us: Contemporary Historical Writing in the UnitedStates. Ithaca : Cornell University
Press, 1980, pp. 327-54 .
9 Michael Zuckerman, "Drearns that Men Dare to Dream: The Role ofIdeas in Westem
Modemization". SocialScience Hisiory, n. 3, v. 2, 1978, pp. 332-4 5.

16 O RETORNO DA NARRATIVA: REFLEXÕES SOBRE UM A NOVA VELHA HISTÓRIA


dos mais tradicionais setores da sociedade conservadora inglesa em fins do
século XVII e começo do XVIII, não como um resultado de processos sociais
e de modernização econ ómica posteriores. A ética puritana foi consequência
de um movimento religioso-espiritual originário das sociedades anglo-saxãs
da Nova Inglaterra e da Inglaterra séculos antes de os padrões de trabalho ro-
tineiros serem necessários, ou de a primeira fábrica ser construída. Na França,
por outro lado, há uma correlação inversa entre letramento e urbanização e
industrialização. Níveis de alfabetização não necessariamente levaram a pos-
turas intelectuais "modern as" ou ocupações "rnodernas'i'" Assim, as ligações
entre cultura e sociedade mostram-se claramente complexas e parecem variar
de tempos em tempos e de lugar para lugar.
É difícil não suspeitar que o declínio do compromisso ideológico entre
intelectuais ocidentais também teve seu papel. Se observarmos três das mais
passionais e duras batalhas históricas dos anos 1950 e 1960 - envolvendo a
ascensão e o declínio da nobreza rural (gentry) na Inglaterra do século XVII,
a elevação e a queda dos salários reais da classe trabalhadora nos primeiros
estágios da industrialização, as causas, a natureza e as consequências da es-
cravidão norte-americana -, todas eram, no fundo, debates incitados por
preocupações ideológicas correntes. Parecia extremamente importante, na
ocasião, saber se a interpretação marxista estava certa ou não ; nesse sentido,
essas eram questões históricas que interessavam e despertavam paixões.
O mutismo da controvérsia ideológica, causado pelo declínio intelectual do
marxismo, e a adoção de economias mistas no Ocidente coincidiram com
uma queda de confiança da pesquisa histórica para abordar as grandes ques-
tões, e é plausível sugerir que há alguma relação entre as duas tendências.
O determinismo econ ômico e demográfico não foi minado apenas pelo
reconhecimento das ideias, da cultura e mesmo da vontade individual como
variáveis independentes. Ele também foi solapado por um reconhecimento
revivido de que o poder político e militar e o uso da força bruta têm frequen-
temente ditado a estrutura da sociedade, a distribuição de riqueza, o sistema
agrário e mesmo a cultura da elite. Exemplos clássicos são a conquista nor-

10 Fran çois Furet eJacques Ozouf, Lire et écrire. Paris: Minuit, 1978, 2 v. Ver também Ken-
neth A. Lockridg e, Literacy in Colonial N ew England: An Enquiry into the SocialContext
ofLiteracyin theEarlyModern West. Nova York: Norton, 1974.

STONE 17
manda da Inglaterra em 1066 e provavelmente também a divergência dos ca-
minhos econômicos e sociais tomados pela Europa Oriental, pelo Noroeste
europeu e pela Inglaterra nos séculos XVI e XVII." Sem dúvida} os historiado-
res futuros criticarão duramente os novos historiadores dos anos 1950 e 1960
por não terem dado a devida atenção ao poder: à organização e à tomada de
decisões políticas e aos caprichos das batalhas e do cerco militar, da destrui-
ção e da conquista. Civilizações ascenderam e caíram graças às flutuações da
autoridade política e às víradas do destino na guerra, e é extraordinário que
tais matérias tenham sido ignoradas por tanto tempo po r aqueles que se reco-
nheciam na linha de frente da profissão de historiador. Na prática , a maioria
dos historiadores continuou preocupada com a história política, tal como sem-
pre foi, mas não foi essa a impressão geralmente dada pela vanguarda do ofício.
Um reconhecimento atrasado da importância do poder, das decisões políticas
individuais, das oportunidades da batalha tem forçado historiadores a retomar
o modo narrativo}quer gostem ou não. Para usar termos de Maquiavel, nem a
virtú - atributo individual- nem a fortuna - acidente feliz ou não - podem ser
capturadas por algo que não seja a narrativa ou mesmo uma anedota.
A terceira questão relacionada aos golpes recebidos pela história analí-
tica ou estrutural é o registro incerto quanto à datação no uso do que deve
ser sua maior característica metodológica - a quantificação. A quantificação
sem dúvida tem amadurecido e hoje se estabeleceu como uma metodologia
essencial em muitas áreas da investigação histórica} especialmente da histó-
ria demográfica, da história da estrutura e da mobilidade sociais, da história
econômica e da história dos modos de votação e do comportamento do elei-
tor em sistemas políticos democráticos. Seu uso tem enriquecido bastante
a qualidade geral do discurso histórico, exigindo a citação de números pre-
cisos em lugar da utilização difusa de palavras} como outrora. Os historia-
dores não podem mais sair impunes dizendo "mais", "m en os", "crescendo",
"decaindo", que implicam comparações numéricas, sem citar explicitamente
as bases estatísticas para tais afirmações. Ela também promove, mediante
exemplos, argumentos que de outro modo pareceriam pouco confiáveis. Os
críticos exigem o embasamento em evidências estatísticas para mostrar que

11 Refiro-me ao debate incitado por Robert Brenner, "Agrarían Class Structure and Econo-
mie Development in Pre-Industrial Europe". Pastand Present, n. 70, fev. 1976, pp. 30-75.

18 O RETORNO DA NA RRAT IVA: RE F LEXÕES SOBR E UMA NOVA VEL HA HI STÓRIA


certos exemplos são típicos e característicos} não exceções à regra . Esses pro-
cedimentos certamente melhoraram o poder lógico e a força persuasiva do
~ento histórico. Não há discordância quanto a ser apropriado}produ-
trro e possível que o historiador se sirva de números em seus levantamentos.
Há} contudo, uma diferença importante entre a quantificação artesanal
de um pesquisador solitário}que acumula números em uma calculadora de
mão e produz suas tabelas e porcentagens} e o trabalho dos cliometristas.
Os últimos se especializam em reunir enormes quantidades de dados com
equipes de assistentes} no uso de computadores para processar as informa-
ções e na aplicação de procedimentos matemáticos altamente sofisticados
para a obtenção dos resultados. Dúvidas foram lançadas sobre todos os está-
gios desse procedimento. Se os dados históricos sempre são suficientemente
confiáveis para garantir tais procedimentos; se podemos confiar em grupos
de assistentes para aplicar codificações uniformes a vastas quantidades de
documentos antes muito variados e mesmo ambíguos; se muitos detalhes
cruciais não se perdem em tal trabalho de codificação; se é possível acreditar
que todos os erros de codificação e programação teriam sido eliminados; e
se a sofisticação das fórmulas matemáticas e algébricas não anularia os pró-
prios cliometristas, já que essas fórmulas dispensariam a maioria dos histo-
riadores. Muitos também se incomodam com a virtual impossibilidade de
verificação da confiabilidade dos resultados finais} já que ela depende não de
notas de rodapé}mas de registros de computadores privados}que fornecem
os resultados de milhares de códigos privados abstraídos de dados brutos.
Essas são questões reais e não vão nos deixar. Todos conhecemos te-
ses de doutorado ou ensaios e monografias que têm utilizado as técnicas
mais sofisticadas para provar o óbvio ou o ímplausível, usando fórmulas e
linguagem cuja metodologia se apresenta inverificável para o historiador
comum. Os resultados combinam algumas vezes os vícios da ilegibilidade
com a trivialidade. Todos conhecemos dissertações de doutorado que que-
dam incompletas pois o pesquisador não foi capaz de manter sob controle
intelectual o volume total de dados cuspidos pelo computador} ou passou
tanto tempo preparando os dados para a máquina que sua paciência e seu
dinheiro se acabaram. Uma conclusão clara é que}se possível}selecionar ma-
nualmente é preferível e mais rápido (e igualmente confiável) a fazer passar
o universo inteiro pela máquina. Todos conhecemos projetas nos quais a fa-
lha lógica no argumento ou uma falha no uso do senso comum mais básico

STONE 19
destruiu ou colocou em dúvida muitas das conclusões. Todos conhecemos
pessoas cuja falha no registro de urna informação no estágio de codificação
levou à perda de importantes resultados. Todos conhecemos ainda aqueles
cujas fontes de informação são tão pouco confiáveis que podemos estar se-
guros de que certeza alguma pode ser atribuída às suas conclusões baseadas
na manipulação quantitativa. Registres paroquiais são um exemplo clássico:
um enorme esforço é dedicado a eles em muitos países, e apenas alguns de-
les são capazes de fornecer bons resultados.
A despeito de suas inquestionáveis realizações, não se pode negar que
a quantificação não correspondeu às altas esperanças de vinte ano s atrás.
A maioria dos grandes problemas da história continua insolúvel como sem-
pre, se não ainda mais. O consenso sobre as causas das revoluções inglesa,
francesa e americana está tão longe quanto sempre esteve, apesar do enorme
esforço empregado para a elucidação de suas origens econômicas e sociais.
Trinta anos de intensa pesquisa da história demográfica têm nos deixado
mais, em vez de menos, confusos. Não sabemos por que a população pa-
rou de crescer na maioria das regiões da Europa entre os anos 1640 e 1740;
não sabemos por que voltou a crescer a partir de 1740, ou se a causa foi o
aumento dos nascimentos ou a queda da mortalidade. A quantificação nos
contou uma série de o quês sobre a história demográfica, mas relativamente
muito pouco sobre os por quês. As maiores questões relacionadas à escravi-
dão norte-americana permanecem, como sempre, sem resposta, ainda que
se tenha direcionado a ela um dos mais intensos e sofisticados estudos já ela-
borados. A publicação de seus achados, longe de resolver problemas, apenas
aumentou a temperatura do debate." Ela teve o lado positivo de concentrar
a atenção em importantes pontos, como a dieta, a higiene, a saúde e a estru-
tura familiar dos negros norte-americanos sob a escravidão, mas também
tirou o foco dos efeitos psicológicos igualmente ou ainda mais importantes
da escravidão seja sobre escravos seja sobre senhores, simplesmente porque

12. Rob ert William Fogel e Stanley L. Engerman, Tim e on the Cross: 'IheEconomics ofAme-
rican NegroSlavery.Boston: Little Brown, 1974; PaulA. David et al., Reckoningwith Sla-
very:A CriticaiStudy in the Quantitative Historyof Am erican Negro Slavery. Nova York:
Oxford University Press, 1976. Herbert G. Gutman, Slavery and the Numb ers Game:
A CritiqueofTime on the Cross. Urbana, Illinois: University ofTIlinois Press, 1975.

20 O RETORNO DA NA RRATIVA: REFLE XOES SOBRE UMA N OVA VEL HA HISTÓRIA


essas questões não podiam ser mensuradas por um computador. Historia-
dores urbanos estão cobertos de estatísticas} mas as tendências de mobili-
dade continuam ainda obscuras. Hoje ninguém sabe ao certo se a sociedade
inglesa era mais aberta e móvel que a francesa nos séculos XVII e XVIII, ou
mesmo se a gentry e a aristocracia cresciam ou decaíam na Inglaterra antes
da Guerra Civil. Não estamos em melhores condições a esse respeito do que
J~mes Harrington no século XVII ou Tocqueville no XIX.
Justamente os projetos que mais se serviram de fundos} os mais ambicio-
sos no armazenamento imenso de dados por verdadeiros exércitos de pes-
quisadores assalariados, os mais cientificamente processados pelas últimas
tecnologias da informática, os mais matematicamente sofisticados na apre-
sentação são exatamente os que depois levaram às maiores frustrações. Hoje,
duas décadas e milhões de dólares} libras e francos depois, restam apenas
resultados modestos - os verdadeiros representantes do emprego de tanto
esforço, tempo e dinheiro. Não faltam enormes pilhas de relatórios amare-
lados juntando poeira nos escritórios acadêmicos, ou tomos desconjunta-
dos e monótonos, repletos de tabelas numéricas, figuras, equações algébri-
cas abstrusas e percentagens com duas casas decimais. Não faltam também
achados valiosos e algumas (poucas) contribuições de relevo ao conjunto
relativamente pequeno de trabalhos históricos de valor permanente. Mas}
em geral, a sofisticação da metodologia tendeu ao excesso de confiança nos
dados, enquanto sua utilidade parece estar - não completamente - em in-
versa correlação com a complexidade matemática da metodologia e a escala
grandiosa dos dados coligidos.
Em qualquer análise custo-benefício, as recompensas de uma história
computadorizada em larga escala têm apenas ocasionalmente justificado a
aplicação de tempo e dinheiro, e isso tem levado historiadores a procurar
outros métodos de investigação do passado, que lancem mais luzes e menos
problemas. Em 1968, Le Roy Ladurie profetizava que nos anos 1980 o his-
toriador seria "um programador ou nada';" A profecia não se concretizou-
pelo menos para o próprio profeta.
Os historiadores estão retomando o princípio de indeterminação} um
reconhecimento de que as variáveis são tão numerosas que, como Robert

13 E. Le Roy Laduríe, Le Territoire de l'historien, op. cít., p. 14 (tradução do autor).

STONE 21
Merton sugeriu há algum tempo, na melhor das hipóteses apenas generali-
zações de médio alcance são possíveis em se tratando de história. O modelo
macroeconômico é uma ilusão; a "história cient ífica", um mito. Explicações
monocausais simplesmente não funcionam. O uso de modelos responsivos
de explicação, construídos ao estilo das "afinidades eletivas" de Weber, pa-
rece oferecer melhores ferram entas para revelar parte da verdade ardilosa
acerca das causalidades históricas, especialmente quando abandonamos
qualquer reivindicação de cientificidade a esse método.
A desilusão com o determinismo econômico ou demográfico mono-
causal, ou com a quantificação, fez com que os historiadores começassem
a formular um novo conjunto de questões, muitas delas anteriormente obs-
truídas pela preocupação com a metodologia específica, estrutural, de coleta
de dados e estatística. Mais e mais os "novos historiadores" estão tentando
descobrir o que pensavam as pessoas no passado ou como viviam - ques-
tões que inevitavelmente levam ao uso da narrativa.
Um subgrupo de destaque da grande escola francesa de historiadores
conduzida por Lucien Febvre tem sempre considerado as mudanças intelec-
tuais, psicológicas e culturais como variáveis independentes de fundamental
importância. Mas, por muito tempo, eles foram minoria, deixada para trás
enquanto a "história científica", econômica e social no conteúdo, estrutural
na organização e quantitativa na meto dologia, seguia em frente. Os tópicos
pelos quais se inte ressavam tornaram-se subitamente o centro das discus-
sões; as questões propostas, contudo, já não são as mesmas, muitas vezes
vindas da antropologia. Na prática, se não na teoria, a antropologia tende
a ser uma das disciplinas mais a-históricas , dada a sua ausência de interesse
pela mudança ao longo do tempo. Não obstante, ela tem ensinado como
sistemas sociais inteiros e conjuntos de valores podem ser esclarecidos de
maneira brilhante pelo método acurado de registrar em detalhes um único
acontecimento, desde que seja muito cuidadosamente contextualizado e
analisado em seu sentido cultural. O modelo arquetípico dessa "descrição
densa" é o clássico relato da rinha de galo balinesa de CWIord Geertz." Nós,

14 Clifford Geertz, "Deep Play: Notes on th e Balinese Cock-Fight", em seu 'IheInterpreta-


tion of Cultures. Nova York: Basic Books, 1973, pp. 412-53 [ed . bras.: A interpretação das
culturas, trad. Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Zahar, 1978].

22 O RETORNO DA NAR RATIVA: RE FL EXÕES SOBR E UMA NOVA VEL HA HISTÓRIA


historiadores) não podemos - ai de nós! - fazer-nos presentes com blocos
de anotações) gravadores e câmeras aos eventos que descrevemos) mas) às
vezes)podemos visualizar a nuvem de testemunhas que nos conta como era
estar ali. A primeira causa para o renascimento da narrativa entre os "novos
historiadores" foi) portanto) a substituição da sociologia e da economia pela
antropologia como a mais influente das ciências sociais.
Uma das mais fortes mudanças no campo da história está no crescimento
.:úbito do interesse por sentimentos, emo ções, comportamento) padrões) va-
lores e estados psíquicos. esse sentido, deparamos com a grande influência
de antropólogos como Evans-Pritchard, Clifford Geertz, Mary Douglas e
Victor Turn er. Embora a pico-história seja até hoje uma zona de calami-
dade - um deserto ocupado aqui e ali de destroços de veículos elaborados
com placas cromadas) que se desfazem tão logo partem - ) a própria psicolo-
gia teve seu efeito sobre uma geração que agora volta sua atenção ao desejo
sexual) às relações familiares) ligações emocionais) e como isso afeta os indi-
víduos) e às ideias, costumes e crenças) tal como isso afeta o grupo.
Essa mudança na natureza das questões lançadas também está provavel-
mente relacionada ao cenário dos anos 19 70) uma década em que ideais e
interesses mais pessoais ganharam prioridade sobre assuntos públicos) o que
resultou de uma ampla desilusão com as perspectivas de mudança pela aç ão
política. Assim) é plausível conectar o súbito interesse nessas matérias em
relação ao passado a preocupações similares no presente.
Esse novo interesse nas estruturas mentais foi estimulado pelo colapso
da história intelectual tradicional) tratada como uma espécie de corrida pela
cenoura através das épocas em que se acabou perseguindo a trilha histó-
rica de ideias (terminando geralmente em Aristóteles ou Platão). "Grandes
livros" foram estudados em um vácuo histórico) com pouca ou nenhuma
atenção para contextualização dos autores ou de seu vocabulário linguístico
em seu verdadeiro momento histórico. A história do pensamento político
no Ocidente tem sido reescrita) primordialmente por J. G. A. Pocock, Quen-
tin Skinner e Bernard Bailyn, mediante a dolorosa reconstrução do contexto
preciso e do sentido das palavras e ideias no passado) mostrando como elas
mudaram em suas formas e cores no curso do tempo) como camaleões) de
modo a se adaptar às novas circunstâncias e necessidades.
A tradicional história das ideias tem se aproximado de um estudo da mu-
dança do público e dos meios de comunicação. Surge uma nova e florescente

STONE 23
disciplina da história da imprensa, do livro e do letramento, e seus efeitos
sobre a difusão de ideias e a transformação de valores.
Outra razão para que alguns "novos historiadores" estejam retomando
a narrativa parece ser o desejo de tornar seus achados acessíveis a um pú-
blico inteligente, porém não especializado, ansioso para aprender o que es-
sas questões inovado ras, esses métodos e dados têm a revelar, mas que não
suporta tabelas e estatísticas, argumentos analíticos secos e prosa cheia de
jargão. Cada vez mais os historiadores analíticos, estruturais e quantitativos
se veem falando entre si e com mais ninguém. Seus achados aparecem em
periódicos especializados, ou em monografias tão caras e com tão baixa tira-
gem (menos de mil exemplares) que têm sido quase inteiramente compra-
das pelas bibliotecas. E ainda, o sucesso dos periódicos populares de histó-
ria, como History Today e L'Histoire, prova que existe uma ampla audiência
pronta a lê-los, sendo que os "novos historiadores" estão agora ansiosos para
falar a essa audiência, em vez de deixá-Ia ser alimen tada no pasto das bio-
grafias po pulares e dos manuai s. As ques tões levantadas pelos "novos histo-
riadores" são, por fim, aqu elas que nos preocupam hoje em dia: a natureza
do poder, da autoridade e do poder carismático ; a relação das instituições
políticas que jazem sob padrões sociais e sistemas de valor; posturas so-
bre a juventude, velhice, doença e morte; sexo, casamento e concubinato;
nascimento, contracepção e aborto; trabalho, lazer e consumo conspícuo;
a relação de religião, ciência e magia como modelos de explicação da reali-
dade; a força e a direção de emoções como amor, medo, luxúria e ódio; o
impacto do letramento e da educação sobre a vida das pessoas e os modos
de olhar o mundo; a importância relativa atribuída aos diferentes grupos
sociais, como família, parentesco, comunidade, classe, nação e raça; a força
e o sentido dos rituais, dos costumes e dos símbolos como fatores de coe-
são da comunidade; perspectivas filosóficas e morais do crime e do castigo;
os padrões de deferência e florescimento da igualdade, conflitos estrutu-
rais entre grupos e status ou classes; os meios, possibilidades e limitações
da mobilidade social; a natureza e o significado do protesto popular e das
esperanças milenaristas; a mudança do equilíbrio ecológico entre homem
e natureza; as causas e efeitos da doença. Todos esses são tópicos canden-
tes que, no momento, relacionam-se mais com as massas que com as eli-
tes. Eles são mais "relevantes" à nossa própria vida do que os feitos dos reis
mortos, presidentes e generais.

24 o RETORNO DA NARRATIVA: RE F LEXOES SOBRE U M A NOVA VELHA HIS TÓRIA


Como resultado dessas tendências convergentes, um número significativo de
bem conhecidos expoentes da "nova história" retoma agora a antes desprezada
lIIOdalidade narrativa. Não obstante, historiadores - e mesmo editores - ainda
parecem um pouco constrangidos quando o fazem. Em 1979, o Publishers
ltrri:ly - um periódico do setor - promoveu os méritos de um novo livro, que
~rdava o julgamento de Luís XVI, com as seguintes palavras: "A opção de Jor-
dan pela narrativa em lugar do tratamento acadêmico [ ... ] é um modelo de cla-
reza e síntese" (grifo meu)," A crítica obviamente gostou do livro, mas pensou
que a narrativa fosse, por definição, não acadêmica. Quando um distinto mem-
bro da escola da "nova história" escreve uma narrativa, seus amigos tendem a
desculpar-se em seu lugar dizendo: "Claro, ele só fez isso por dinheiro': A des-
peito dessas defesas envergonhadas, as tendências em historiografia, quanto a
conteúdo, método e modo, são evidentes para onde quer que se olhe.
Depois de permanecer sem leitores por quarenta anos, o livro desbrava-
dor de Norbert Elias sobre hábitos e maneiras, O processo civilizador, ganhou
subitamente traduções para inglês e franc ês," Theodore Ze1din escreveu,
para uma importante série de livros didáticos, um trabalho brilhante, em
dois volumes, sobre a história da França, ignorando praticamente todos os
aspectos da história tradicional e concentrando-se em emoções e estados
mentais." Phillipe Aries estudou reações ao trauma universal da morte em
um vasto intervalo de tempo." A história da bruxaria tornou-se de repente

IS David P.Jordan, The King's Trial: TheFrenchRevolution vs. Louis XVI. Berkeley: Un iver-
sity of Califomia Press, 1979j resenhado em Publishers Weekly, 13/08 /1979.
16 Norbert Elias, über den Prozess der Zivilisation. Basileia: Haus zum Falken, 1939, 2 v.:
traduzido para o inglês por Edmund Jephcott corno The Civilizing ProcessoNova York:
Urizen Books, 1978, 2 v. Cedob ras.: O processo civilizador, trad. Ruy Jungmann. Rio de
J aneiro : Zahar, 1995, 2 v.].
17 Theodore Zeldin, France, 1848-1945. Oxford: Clarendon, 1973-77. Oxford History ofMo-
dem Europe Series, 2 v.j traduzido para o fran cês corno Histoire despassionsfrançaises:
1848-1945. Paris: Seuil, 1978. Ver também Robert Mandrou, Introduction à la France mo-
derne, 1500-1640. Essai depsychologie hisiorique. Paris: Albin Michel, 1961.
18 Phillipe Afies, L'Homme devant la morto Paris: Seuil, 1977 [ed, bras.: O homem diante da
morte, 2~ ed., trad. Luiza Ribeiro . Rio de Janeiro: Fran cisco Alves, 1989-90].

STONE 25
uma indústria em ascensão em todo o mundo} como a história da família}
incluindo a da infância} da adolescência} da velhice}das mulheres e da sexua-
lidade (os dois últimos tópicos em sério risco de sofrer uma estafa intelec-
tual). Um exemplo excelente da trajetória que os estudos históricos tendem
a assumir nos últimos vinte anos encontramos na evolução dos temas de
pesquisa de Jean Delumeau. Ele começou em 1957 com o estudo de uma
sociedade (romana]: seguiu) em 1962} com o de um produto econ ómico (o
alúmen) i em 1971} de uma religião (o catolicismo) j em 1976} de um compor-
tamento coletivo (Ies pays de Cocagne [países da CocanhaJ) i e finalmente}
em 1979} de uma emoção (o medo) ."
O francê s tem uma palavra para descrever o novo tópico - mentaliié - )
mas infelizmente ela não é nem bem definida} nem facilmente traduzível
para o inglês. De qualquer forma }a história contada} a narrativa circunstan-
cial com grande detalhamento de um ou mais acontecimentos baseado no
testemunho ocular e na participação} é claramente um modo de recapturar
algo das manifestações exteriores da mentalité do passado. A análise certa-
mente permanece a parte essencial do empreendimento}que se baseia em
uma interpretação antropológica da cultura com pretensões sistemáticas e
científicas. Isso} contudo} não esconde o papel do estudo da mentalité no res-
surgimento de modos não analíticos de escrita histórica} da qual a história
contada é uma representante.
Evidentemente} a narrativa não é a única maneira de escrever a história
da menialit éque se fez possível pela desilus ão com a análise estrutural. To-
memos} por exemplo) a mais brilhante reconstrução de um conjunto mental
do passado: a evocação do mundo da Antiguidade tardia por Peter Brown."
Ela ignora as claras categorias analíticas mais usuais - população} economia}
estrutura social) sistema político) cultura etc. Em seu lugar} Brown constrói

19 J ean Delum eau, Vie écollomique et sociale de Rome dans la seconde moitié du XVI' sitie/e.
Paris: De Boccard , 1957-59, 1. v.: L'Alun de Rome, X"'-XL""" sitie/e. Paris: SEVPEN, 19 62j Le
Catholicume elltre Luther et Voitail'e. Paris: P UF , 1971j La ,\-fort despays de Cocaglle: Com-
portement.< colleetifs de la Renaissallceà I'âgec1assique. Paris: Sorbo nne, 1976; L'Histoirede
la peur. Paris, 1979 [ed. bras.: História do medo 110 Ocidente, trad, Maria Lucia Machado .
São Paulo: Compa nhia das Let ras, 1990 ].
20 Peter Brown, 'Ihe !'Vorld of Lat e Ant iquity: From AJal'C1/s Aure/ius to Muti ammad. Lon-
dres: Thames & Hudson, 1971.

26 o RETORN O OA NARR ATIVA : REF LEXÓES SO B RE UM A NOVA VEL H A HI STÓRIA


· 'T~ tD do período à maneira pós-impressionista, distribuindo aqui e ali
rhas brutas de cores que}se o leitor se distanci ar}criarão uma visão ator-
.l é' da realidade) mas que}quando vistas de perto) dissolvem-se em bor-

sem sentido. A vagueza deliberada}a perspectiva pictórica}a justapo-


20 intimista de história) liter atura} religião e art e}a preocupação sobre o
e ':c passava na mente das pessoas - tod as são características de um modo
TI de olhar a história. O método não é narrativo; trata- se, sim}de uma

U eira pontiihista de escrever a hist ória. Mas isso também foi estimulado

_o novo interesse na mentalit ée se fez po ssível pelo declínio da per spectiva


znalitica e estrutural dominante nos último s trinta anos.
Tern ressurgido} inclusive} a narrativa de um único epi sódio. Georges
" uby ousou fazer o que } há poucos ano s} teria sido impensável. Ele de-
..:ko u um livro ao relato de uma única batalha - a de Bou vines - e por
meio desse relato destacou as principais características da sociedade feudal
,'rm cesa do início do século XIII.2l Carlo Ginzburg ofereceu-nos um relato
m inucioso da cosmologia de um humilde e ob scuro moleiro do Norte da
.:ú lia no início do século XVI} e com ele procurou demonstrar os distúrbios
osicol ógicos e intelectuais}em um nível popular}causados pela infiltra ção
ú"s ideias reformista s." Emmanuel Le Roy Ladurie pintou um ine squecí-
vel e inigualável retrato da vida e da morte) do trabalho e do sexo, da reli-
gião e do s costumes em uma aldeia do s Pirineus no início do século XIV.23
\ Ie1ll taillou é significativo sob dois aspectos: primeiro porque se tomou
um dos maiores best-sellers historiográficos da França no século XX ; além
disso, porque não conta uma história de lés a lés - não há história - }mas

21 Georges Duby, Le DimanchedeBouvines, 27 juillet1214. Pari s: Gallimard,1973 [ed. bras.:


O domingo de Bouvines: 27 dejulho de 1214, trad. Maria Cristina Frias. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1993l
22 CarIo Ginzburg, Ilformaggio e i vermi: II cosmo di un mugnaio deiSoo. Turim: G. Eínaudí,
1976 [ed. br as.: O queijo e osvermes: O cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela
Inquisição, trad. Maria Betânia Amoroso eJosé Paulo Paes, São Paul o: Companhia das
Letras , 1987].
23 E. Le Roy Ladurie, Montail/ou, vil/age occitan de1294 à 1324. Paris: Gallimard, 1975; tradu-
zido para o inglês por Barbara Bray como Montail/ou: Catharsand Catholics in a French
Vil/age, 1294-1324. Londres: Scolar, 1978 [ed. bras.: Montail/ou, povoadooceitânico: 1294-
-1324, trad. Maria Lucia Machado. São Paulo : Companhia das Letras , 1997].

STONE 27
vagueia pelo pensamento das pessoas. Não é acidental que essa seja, preci-
samente) uma das maneiras pelas quais o romance moderno difere do de
tempos passados. Mais recentemente, Le Roy Ladurie contou a história de
um singular e sangrento acontecimento ocorrido em um pe qu en o vilarejo
no Sul da França em lS80, usando-o para revelar as correntes subjacentes
de ódio que desfaziam o tecido soc ial local," Cario M. Cipolla, que até
hoje é um dos mais sisudos estruturalistas econ ómicos e demográficos, pu-
blicou um livro que se apresenta mais preocupado com uma reconstrução
evocativa das reações individuais à terrível catástrofe de uma pandemia do
que com o estabelecimento de estatísticas de morbidade e mortalidade.
Pela primeira vez, ele conta uma história." Eric Hobsbawm descreveu a
vida curta, imunda e embrutecida de rebeldes e ladrões ao redor do mundo
a fim de definir a natureza e os objetivos dos "rebeldes primitivos" e dos
"bandidos sociais'." Edward Thompson contou a história de uma luta) no
início do século XV III, en tre invasores de terra e as autoridades inglesas
no bosque de Windsor para tornar mais consistente seu ponto de vista
sobre o choque entre plebeus e patrícios no período." O último livro de
Robert Darnton conta como a grande Ency áop édie francesa veio a ser pu-
blicada) esclarecendo o processo de difusão do pensamento iluminista no
século XVIII e tratando, inclusive, dos meandros da produção livreira e dos

24 Id., Le Carnaval de Romans: De la Chandeleur au mercredi des Cendres, 1579-1580. Paris:


Gallimard, 1979 [ed, bras.: O Cll maval de Romalls: Da Candelária à Quartaj eira de Cin-
zas, 15 79-1580, trad. Maria Lucia Machado . São Paulo: Companhia das Letras , 2002).
25 Cario M. C ípo lla, Faith, Reasoll, and lhe Plague iII Seventeenth-Century Tuscany [1977],
tra d. Muriel Kittel. Ith aca: Cornell University Press, 1979.
26 Eri c J. Hobsbawm, Primitive Rebels: Studies in Archaicf orms of social movements in the
19'h and zo" ceniuries. Manchester: Manchester University Pres s, 1959[ed. bras. : Rebeldes
primitivos: Estudos sobreformas arcaicas de movimentos sociais nosséculos XIX exx, tr ad .
Waltensir Dutra, Rio de J aneiro: Zahar, 1978] j E.J. Hobsbawm, Bandits. Londres: Wei-
denfeld & Nícolson, 1969 [ed, bras.: Bandidos, trad. Do naldson M agalhães Garschagen.
Rio de J aneiro : Forense Universitária, 1975J; E. J. Hobsbawm e George Rud é, Captaill
Swillg. Londres: Lawrence & Wishart , 1969 [ed, bras .: Capiltío Swing: A e.\p ansão ca·
pitalista e as revoltas rurais lia Inglaterra do início do século X IX, tra d. M arco An tón io
Pamplona e M aria Luíza Pinto. Rio de Ja neiro: Francisco Alves, 1982).
27 Edwa rd P. Thom pson, Whigs and Huniers: 'Ihe Origin of the BlackAct. Londres: Allen
Lane,1975.

28 O RETORNO DA NA RRATIVA : REF L EXOES SOB RE UM A N OVA VELHA HI STÓRIA


problemas relacionados ao provimento de um mercado nacional - e inter-
IUCi<mai- de ideias." Natalie Davis apresentou uma narrativa de quatro
.rJurivaris, ou procedimentos rituais de castigo público, em Lyon e Gene-
bR durante o século XVII e mostrou o empenho comunitário em reforçar
JUdrões públicos de honra e propriedade."
O novo interesse na mentalité estimulou um retomo a velhos modos de
escrever a história. O relato de Keith Thomas sobre o conflito entre magia
e religião se constrói em tomo de um "princípio gerador", pelo qual tem
origem uma série de histórias e exemplos," Meu livro mais recente sobre
~ mudanças na vida emocional da família inglesa é muito similar ao dele
quanto à intenção e ao método, se não quanto à realização,"
Todos os historiadores mencionados até aqui são acadêmicos maduros
geralmente associados à "nova história", propondo novas questões, ten-
tando novos métodos e buscando novas fontes. Agora eles estão voltando a
contar histórias. Há, entretanto, cinco diferenças entre suas histórias e a his-
tória narrativa tradicionaL Em primeiro lugar, eles estão} quase sem exceção,
preocupados com a vida, os sentimentos e o comportamento dos pobres
e obscuros, e não com os dos grandes e poderosos. Em segundo} a análise
permanece tão essencial à sua metodologia quanto a descrição: seus livros
tendem a variar, de modo um tanto desajeitado, entre uma forma e outra.
Em terceiro, eles estão trazendo à tona novas fontes, muitas vezes registros
de tribunais que usavam procedimentos legais romanos} uma vez que estes

28 R. Darnton, lheBusiness of Enlightenment: A Publishing Historyof the Encyclopédie, 1775-


-1800 . Cambridge: Belknap Press, 1979 [ed. bras. : O Iluminismo como negócio: História
da publicação da "Enciclopédia",1775-1800, trad. Laura Teixeira Motta e Maria Lucia Ma-
chado. São Paulo : Companhia das Letra s, 1996).
29 Natalie Z. Davis, "Charivari, honneur et communauté à Lyon et à Gen êve au XVlI e siê-
ele", in Jacques Le Goff e Jean-Claude Schmitt (orgs.), Le Charivari: Ades de la table
ronde organisée à Paris, 25-27 avril1977par l'École des HautesÉtudesenSciences Sociales et
le CentreNational de la Recherche Scientifique. Paris /Nova York: L'Ecole /Mouton, 1981.
30 Keith V. Thomas, Religion and theDecline ofMagic: Studies in PopularBeliefsin Sixteenth
and Seventeenth Century England. Londres: Weidenfeld & Nícolson, 1971 [ed, bras.: Reli-
giãoe o declínio da magia: Crenças populares na Inglaterra, séculos XVI e XVII, trad. Denise
Bottmann e Thomas Rosa Bueno. São Paulo : Companhia das Letras, 1991].
31 Lawrence Stone, lhe Family, Sex and Marriage in England, 1500-1800. Londres: Weiden-
feld & Nicolson, 1977.

STON E 29
contêm transcrições de testemunhos inteiros de indivíduos sob interroga-
tório e exame. (O outro uso moderno de registros criminais) para mapear
o aumento e a queda quantitativos de vários tipos de desvio) parece-me um
esforço quase inteiramente fútil) pois não se consi dera o número de crimes
perpetrados) mas de criminosos que foram presos c julgados) coi sa mu ito
diferente. Não há razão para supor que crime e criminosos tenham um re-
lacionamento constante ao longo do tempo.) Em qua rto lugar) eles mui tas
vezes contam histórias de forma distinta daquela de Homero) Dickens ou
Balzac. Sob a influência do romance moderno e das ideias freudianas) explo-
ram com vivacidade o subconsciente e não se atêm aos fatos pura e simples-
mente; e sob a influência dos antropólogos) tentam usar o comportamento
para revelar significados simbólicos. Em quinto, eles contam a história de
um indivíduo) um julgamento ou um episódio dramático não por si sós) mas
para lançar luzes sobre as operações internas de uma cultura passada ou de
uma sociedade.

Se estou certo em meu diagnóstico) o movimento dos "novos historiadores"


em direção à narrativa marca o fim de uma era: a das tentativas de produzir
uma explicação científica coerente para a mudança no passado. O determi-
nismo demográfico e econômico entrou em colapso em face das evidências)
mas nenhum modelo determinista de fôlego) baseado em política, psicologia
ou cultura, emergiu em seu lugar. O estruturalismo e o funcionalismo não
se tornaram melhores: o método quantitativo provou ser um instrumento
realmente fraco) capaz de responder a um conjunto limitado de questões.
Forçados a escolher entre modelos estatísticos a priori do comportamento
humano e o entendimento baseado na observação, na experiência, no julga-
mento e na intuição) alguns do s "novos historiadores" tendem hoje a buscar
essa última forma de interpretar o passado.
Ainda que o ressurgimento da modalidade narrativa) promovido pelos
"novos historiadores") seja um fenômeno muito recente) torna-se um mero
gotejar quando comparado à potência constante) caudalosa e igualmente di-
ferenciada da narrativa política descritiva de historiadores mais tradicionais.
Um exemplo recente que encontrou bastante respaldo acadêmico é o livro de

30 o RETOR N O DA N ARRATIVA: RE FL EXÕES SOBR E U M A NOVA V ELH A H ISTORI A


< ~ r!2 m a sobre a política holandesa no século XVIII. 3' Trabalhos como
~ a f:l por décadas tratados com indiferença ou com desdém velado pe-
., historiadores sociais. Essa po stura não encontra muita justificativa,
O'S últimos ano s estimulou algun s do s no vos historiadores a adaptar seu

.=e , critivo para responder a nova s que stõe s. Alguns dele s não parecem
iáo preocupados com questõ es de poder - reis e primeiros-ministros,
.s e diplom acia -, dando, como os "novos historiadores", mais atenção
ia privada de pessoas obscuras. A causa dessa tendência, se é que pode
. ia rnada assim, não é clara, a inspiração, contudo, parece ser o desejo de
tar um a boa história e, ao fazê-lo, revelar as idio ssincrasias da personali-
.:e e a intimidade em um tempo e cultura di versos. Alguns historiadores
. icionais já faziam isso há algum tempo. Em 1958, G. R . Elton publicou um
) aseado em histórias de levantes e revoltas na Inglaterra do século XV I,
tr aíd as dos regi stras da Star Cha mb er,> Em 1946, Hugh Tre vor-Roper
. .o nstruiu brilhantemente os últimos dia s de Hitler. " Recentemente, ele
"' >t igou a extraordinária carreira de um ob scuro cole cionado r de manus-
. ritos inglês, vigari sta e pornógrafo secreto, que viveu na China nos últimos
anos do século Xx.JS O objetivo de escrever sobre esse caso divertido parece
~-:'í sido o puro prazer de contar histórias em si, partindo da bu sca e da cap-
'm ,: de um tipo hist órico extravagante. A técni ca é qua se idêntica à usada,
ano , atrás, por J. A. Symons em seu clássico nu Qy est for Corvo," enquanto
.:! motivação parece bem similar à que inspirou Richard Cobb a registrar com

letalhes repulsivos as miserávei s vidas e mortes de criminosos, prostitutas e


outros desajustado s no submundo da França revolucion ária."

.' _ Simon Schama , Patriots and Liberators: Revolution in theNetherl ande, 1780'l S13. Londres:
Collins, ' 977.
. . Geoffrey R. Elton , Star Chamoer Storíes. Lon dres : Methuen, 1958.
.; .;. H ugh R. Trevor -Rop er, The Last Days of Hitler. Londres: M acmillan, 1947.
"s Id., A H idden L ife: TheEnigma of Sir Edmund Backhouse. Londres: Ma cmillan, 1976; edi-
ção norte-americana, Hermit of Peking, 'Ihe Hidden Life of Sir Edmund Backhouse. Nova
York: Knopf, 1977-
, 6 Alphonse J. A. Symo ns, The Quest f or Corvo: An Experiment in BiograpllY. Londres: Cas-
sell,1934.
37 Richard Cobb, The Police and the People: French Popular Protest, 1789-1820. Oxford: Cla-
rendon, 1970j R. Co bb, Death in Paris: The Records of the Basse-Geõle de la Seine, October

5TONE 31
Muito diferentes no que diz respeito ao conteúdo, método e objetivo são
os escritos da nova escola britânica de jovens antiquários empiristas. Eles es-
crevem detalhadas narrativas políticas que implicitamente negam qualquer
sentido profundo subjacente à história, exceto os caprichos fortuitos do des-
tino e da personalidade. Liderados por Conrad Russell e John Kenyon, sob
os augúrios de Geoffrey Elton) eles se ocupam agora de remover qualquer
sentido ideológico ou idealista das duas revoluções inglesas do século XVII. J8
Não resta dúvida de que eles, ou outros como eles, logo se concentrarão em
outros pontos. Ainda que suas premissas nunca sejam explicitadas) sua pers-
pectiva é de um puro neonamierismo, justamente em um tempo em que o
namierismo está morrendo como modo de entender a política inglesa do
século XVIII. Pode-se perguntar se sua postura em relação à história política
poderia, não subconscientemente, derivar de um senso de desilu são com a
capacidade do sistema parlamentar moderno de lidar com o inexorável de-
clínio econ ómico e de poder da Grã-Bretanha. De todo modo, eles são cro-
nistas dos menores acontecimentos, de l'histoire événemeniiell e, muito erudi-
tos e inteligentes, e assim formam uma das muitas correntes que alimentam
o ressurgimento da narrativa.
A razão fundamental para esta viragem, entre os "novos historiadores",
da modalidade analítica para a descritiva é uma mudança maior na postura
sobre o que é prioritariamente o objeto central da história. E isso, por sua
vez, depende de concepções filosóficas prévias sobre o papel do livre-arbí-
trio humano em sua interação com as forças da natureza. Os polos contras-
tantes do pensamento podem ficar mais bem revelados por meio de cita -
ções, uma de um lado e duas do outro. Em 1973, Le Roy Ladurie intitulou
uma seção de um livro de ensaios de "History without People"? Em con-
traste, por sua vez, meio século atrás, Lucien Febvre anunciou: "Meu alvo é

179s-September1801, Vendémiaire Year IV-Fructidor YearIX. Oxford /Nova York: Oxford


University Pre ss, 1978.
38 Conrad Russell, Parliaments anilEnglish Politics, 1621-1629. Oxford /Nova York: Oxford
University Pre ss/ Clar endon, 1979j John P. Kenyon , Stuart England. Londres: Allen
Lane,1978j ver também os artigos de John K. Gruenfelder, Paul Christianson, Clayton
Roberts, Mark Kishlansky e James E. Farnel!. TheJournal of ModernHistory, n. 4, v. 49,
dez. 1977.
39 E. Le Roy Ladurie, TheTerrito ry of the Historian, op. cito, p. 285.

32 O RETORNO DA NA RRATiVA' REFLEXÕES SOBRE LIMA NOVA VELHA HiSTÓRiA


k m"; e, há um quarto de século, Hugh Trevor-Roper, em sua palestra
O ) , na Universidade de Oxford, exortou os historiad ores a "não estu-

rem 2 5 circunstâncias, mas o homem nas circunst ânci as"." Hoje, o ideal
. ist ória de Febvre está ganhando espaço em muitos círculos, ao me smo
-" J () que estudos analíticos estruturais de forças impe ssoais continuam

-~2 í das prensas. Os historiadores aparecem atualm ente divididos em


. ~ : fO grupos: os velhos historiadores narr ativos, a princípio historiadores

iticos e biógrafos; os cliometristas, que continuam a agir como viciados


.:e statísticas; os historiadores sociais emp edernidos, ainda ocupados em
Ji.sar estruturas impessoais: e os histori adores da mentalité, agora à caça
se i':-:ais, valores, conjuntos de pensamentos e pad rões de comportamento
. Iividual íntim o - e quanto mais íntimo melhor.
.-\. adoçã o da narrativa minuciosamente descritiva ou da biografia indivi-
':"" cJ pelos historiadores da mentalii énão está isenta , contudo, de problemas.
_-oquest ão é antiga, um argumento con stituído de exemplo seletivo é filosofi-
__mente inconvincente - um dispo sitivo retórico, não uma prova científica.
_-oarmadilha historiográfica básica em que somos aprisionados foi há pouco
. uunciada por Carlo Ginzburg: "As per spectivas quant itat iva e antiantropo-
~~ m r i c a das ciências da natureza, desde Galileu, têm colocado as ciências
urnanas diante de um desagradável dilema: ou pr ecisam adotar um padrão
.i entifico fraco para poder gerar resultados significativos, ou um padrão
.i :: ntifico forte , que obtém resultados sem im p ort ânc ia'." A de cepção com
~ ;êgunda po stu ra leva a uma preferência pela primeira. Como resultado, o
1u-: agora ocorre é a expan são do exemplo seletivo - muitas vezes um único
exemplo detalhado - tornar-se um dos modos de escrita histórica em voga.
Ern certo sentido, trata-se apen as de uma extensão lógica do enorme sucesso
~ 0 5 estudos de história local, que não tomam como tema uma sociedade
in teira, mas apenas um segmento - uma pro víncia, uma cidade , até mesmo
uma aldeia. A história total só parece po ssível se partirmos de um micro-
.osmo, e os resultados muitas vezes parecem esclarecer e explicar mais o
~ assado do que todos os estudos ant igos ou concorrentes, baseados no s ar-

.s o H . R Tr evor-Roper, History: Prof essional and Lay - An InauguralLectureDelivered before


the Ullillersity of Oxford 011 12 November 195 7. Oxford : Clarendon, 1957, p. 21.
.. I C. Cinzburg, "Roots of a Scientific Paradigm". Theoryand Society, n. 3, v. 7, 197 9, p. 276.

STONE 33
quivos do governo central. Por outro lado, a nova tendência é a antítese dos
estudos de história local, pois abandona a história total de uma sociedade,
ainda que pequena, considerando-a uma impossibilidade, e instituem a his-
tória de pequenas células.
O segundo problema que surge do uso de exemplos detalhados para ilus-
trar a mentalité é distinguir o normal do excêntrico. Uma vez que o homem é
o nosso alvo, a narrativa detalhada de um único incidente ou personalidade
pode fazer sentido e indicar boa leitura. Mas assim será apenas se as histórias
não se limitarem a um episódio arrebatador, porém irrelevante, de estupro
ou revolta, ou à vida de algum larápio excêntrico, bandido ou místico, mas
forem selecionadas segundo a luz que podem lançar sobre certos aspectos
da cultura do passado. Isso significa que os casos retratados precisam ser tí-
picos, e, ainda assim, o uso amplo de registros de litígios transforma essa
questão da "tipicidade" em algo bem difícil de resolver. Pessoas levadas à
corte são por definição atípicas, mas o mundo que é exposto tão cruamente
em seu testemunho não é necessariamente assim. A salvaguarda recai, en-
tão, no exame dos documentos não tanto pelas evidências que trazem sobre
o comportamento excêntrico do acusado, mas pela luz que lançam sobre a
vida e as opiniões dos envolvidos no incidente em questão.
O terceiro problema, ainda mais difícil de resolver, concerne à interpreta-
ção. Desde que o historiador permaneça ciente dos possíveis acidentes, contar
histórias talvez seja um modo tão bom quanto qualquer outro de obter uma
visão instantânea do homem no passad o, ou tentar chegar a seu pensamento.
O problema é que, se conseguir chegar lá, o narrador precisará de toda a habi-
lidade, experiência e conhecimento adq uiridos na prática da história analítica
da sociedade, da economia e da cultura caso deseje prover uma explicação
plausível para algumas das coisas estranhas que ele provavelmente encontrará.
Ele pode precisar inclusive de certa psicologia amadora para ajudá-lo, mas a
psicologia amadora é um material extremamente fugidio, dificultando um ma-
nuseio bem-sucedido. Alguns diriam ser o êxito impossível.
Outro perigo óbvio é que o ressurgimento da narrativa pode levar ao
retorno do puro antiquarianismo, à narrativa por si só. Também há o risco
de que volte a atenção ao sensacional, obscurecendo, assim, os elementos
enfadonhos e banais da vida da vasta maioria. Tanto os textos de Trevor-
-Roper quanto os de Richard Cobb são muito agradáveis de ler, mas são
amplamente vulneráveis à crítica de ambos os lados. Muitos praticantes

34 o RETORNO DA NARRATIVA: REF LEXÕES SOBR E UMA NOVA VELHA HI STÕRIA


tia nova modalidade, incluindo Cobb, Hobsbawm, Thompson} Le Roy
Ladnrie, Trevor-Roper (e eu), são claramente fascinados por histórias de
rioIência e sexo, que apelam para no ssos instintos de voyeur. Por ou tro
alo, pode-se argumentar que sexo e violência são partes integrantes de
Ioda experiência humana, e que, portanto}é tão razoável e defensável ex-
plorar seu impacto sobre os indivíduos no passado quanto exibi-los no
cinema e na televisão.
A tendência à narrativa traz à tona problemas não solucionados relaciona-
dos à maneira como prepararemos nossos estudantes no futuro - supondo
que eles existirão. Com base nas artes antigas da retórica? Na crítica textual?
Sa semiótica? Na antropologia simbólica? Na psicologia? Ou nas técnicas
· análise de estruturas sociais e económicas que temos praticado nessa ge-
-ão? Permanece aberta a questão sobre a possibilidade de essa inesperada
_- urreição da narrativa}incitada por muitos dos mais destacados represen-
-" e da nova história}ser ou não uma boa coisa para o futuro da profissão.
Em 1972, Le Roy Ladurie escreveu confidencialmente: "A historiografia
• al, com sua preferência pelo quantificável}pelo estatístico e pelo estru-
· ral, tem sido obrigada a suprimir para viver. Nas últimas décadas ela pra-
. arnente condenou à morte a história narrativa dos eventos e a biografia
in ividual":" É muito cedo para pronunciar as orações fúnebre s sobre o ca-
dáver em decomposição da história analítica}estrutural e quantitativa} que
continua a florescer, e mesmo a crescer}se a tendência nas dissertações de
doutoramento nos Estados Unidos for um par âmetro." Não obstante}na
terceira década} a narrativa histórica e a biografia individual mostram fortes
evidências de que se erguem mais uma vez dos mortos. Ainda que não sejam
como foram um dia} antes de sua alegada derrocada}são facilmente identifi-
cáveis como variantes de um mesmo gênero.
Está claro que uma única palavra - "narrativa" - , especialmente quando
tem história tão complicada por trás}é inadequada para descrever o que de
fato é um amplo conjunto de mudanças na natureza do discurso histórico.
Existem sinais de mudança em relação ao tema central da história}das cir-

42 E. Le Roy Ladurie, The Territory of the Historian, op. cit., p. lll.

43 R. Darnton, "Intellectual and Cultural Histo ry", in Michael Kamm en (o rg.), Tne Past
BeforeUs: Contemporary Hisiorical Writing in the Uniied Staies, op. cit., pp. 327-54.

STüN E 35
cunstâncias que cercam o homem ao homem nas circunstâncias; aos proble-
mas estudados} dos económicos e demográficos aos culturais e emocionais;
às fontes primárias de influência} da sociologia, economia e demografia à
antropologia e psicologia; ao assunto, do grupo ao indivíduo; aos modelos
de explicação da transformação histórica, do estratificado e monocausal ao
interconectado e multicausal: à metodologia} da quantificação do grupo
ao exemplo individual; à organização} da análise à descrição; e à concei-
tualízação da função do historiador, do aspecto científico ao literário. Essas
mudanças multifacetadas quanto a conteúdo} objetivo, método e estilo de
escrita histórica} que acontecem todas de uma vez, têm afinidades -clara-
mente eletivas entre si: elas todas casam muito bem. Nenhuma palavra é
capaz de resumi-las; assim} por hora, "narrativa" nos servirá como palavra-
-chave}pois é a que está à mão, para o que está acontecendo.

Publicado originalmen te como "The Revival of Narrative: Ref lexions on a New Old
Hist ory'' Past and Present, n. 85, pp. 3-24.Tradução de Bru no Gambarotto.

36 o RETORN O DA NARRATiVA: REFL EXÕES SOBKE UM A NOVA VELHA H ISTÓRI,',


A nova história: eis uma marca registrada, lançada no mercado em 1978 por
algumas grandes figuras da Escola dos Annales: Ela está longe de ser uma
unanimidade no mundo dos historiadores. E mesmo dentro da própria Es-
cola dos Annales, em que alguns descobrem uma súbita vocação para a an-
tiga história à moda de Fustel de Coulanges, ao passo que outros criticam o
lugar-comum segundo o qual os colaboradores da prestigiosa revista com-
partilhariam de uma mesma concepção da disciplina, e lembram-nos, como
François Furet, que os pais fundadores pregaram, antes de tudo, a "errân -
cia por todos os terrenos': Depois, entre os marxistas, que insinuam que a
novidade tão alardeada não passa, na maioria das vezes, da redescoberta de
alguns dos principais ensinamentos de Marx, apresentados em nova roupa-
gem depois de terem ficado esquecidos por muito tempo. Enfim, nos gran-
des batalhões da corporação dos historiadores, em que são denunciados de
tropel o aspecto publicitário da empreitada, as concessões feitas à linguagem
"midiática", o caráter aventureiro de algumas pesquisas realizadas em etno-
-história ou em psico-história e, sobretudo, o imperialismo intelectual de

Cf. o dicionário La Nouvelle Histoire, organizado por Ja cque s Le Goff, em colaboração


com Roger Chartier eJacques Revel (Paris: Retz, 1978) [ed, bra s.: 11 história nova/trad.
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1990] .

38 A N OVA HI STÓRIA: H ERD EIRA DA ESCOLA DOS ANNA LES


uma corrente que reivindica "a renovação do campo da história como um
todo' , ignorando deliberadamente a contribuição de alguns inovadores de
grande importância. Como não se surpreender, de fato, com a ausência de
menção a uma obra como a de Henri-Irénée Marrou na maçante, desigual
e amiúde um tanto tagarela enciclopédia La Nouvelle Histoire? E no sentido
contrário, como não se surpreender com a autossatisfação assumida por al-
guns diante do "milagre francês" em matéria de história? De tanto celebrá-lo,
é natural que se tenham provocado algumas observações pouco amenas -
mas tão pertinentes - feitas pelo historiador neerlandês W. den Boer, para o
qual os Annales e a "Nova História" se beneficiaram de um mecanismo bas-
tante conh ecido na história das ciências, que ele chama de fenômeno de con-
centração épica, ou princípio de São Mateus: "Este consiste em atribuir, na
história das ciências, as invenções de inúmeros estudiosos e eruditos a ape-
nas um pequeno número deles. Como diz o Evangelho: 'pois dar-se-á àquele
que já tem, e ele ainda terá mais; quanto àquele que não tem, retirar-se-á o
pouco que tem",' E esse autor acrescenta: "Na França, como em diversos ou-
tros países, verificavam-se já ideias, programas e personalidades semelhantes
aos dos Annales bem antes que estes fossem criados" Marc Bloch e Lucien
Febvre, na verdade, não inventaram muita coisa, mas permitiram que uma
"abordagem moderna da história obtivesse um sucesso mais rápido na França,
que se tornasse uma instituição, o que acarretou a criação de cátedras uni-
versitárias e tornou po ssíveis a pesquisa e a publicação': É de temer que esse
discurso se dirija igualmente à nova história, que continua utilizando em seu
proveito o princípio de São Mateus, e se encarrega de produzir, ela mesma,
sua própria historiografia, como se pode ver em dois artigos publicados nos
Annales ESC em 1979, um deles de André Burgui êre e outro de Jacques Re-
vel, que tratam precisamente dos ... Annales de 1929 a 1979! Por mais objeti-
vos que sejam esses dois textos, ainda assim neles se pode ler que o espírito
dos Annales se tornou "o bem comum da maioria dos historiadores", e que
o mundo editorial e a imprensa exibem com frequência "uma produção às
vezes muito livremente adaptada da história segundo os Annales", implicita-
mente considerada, portanto, como o paradigma absoluto!

1. EmmanueI Le Roy Ladurie et al., L'Histoire et ses méthodes. Lille: Presse s Uni versitair es
de Lille, 1981, pp. 90'91.

MARTIN E BOURDÉ 39
Deixando de lado toda e qualquer intenção polêmica e relegando a ou-
tros o trabalho de descrever, com talento e humor, os curiosos costumes da
tribo dos intelectocratas, limitar-nos-emos, numa postura mais clássica, a
descrever os apoios institucionais de que dispõe a nova história, a analisar
as referências mais corriqueiras de seus adeptos, a apreender os objetos de
suas pesquisas e, enfim} a evocar sua arte consumada na releitura dos docu-
mentos e na reciclagem dos materiais antigos a serviço de problemáticas up-
-to-date. No decorrer desse trajeto, assinalaremos também as inflexões que a
nova história provocou no espírito dos Annales, tal como estes se apresenta-
vam em seus primeiros tempos.

I. UMA INSTITUiÇÃO PODEROSA

Desde a morte de Lucien Febvre em 1956} a Escola dos Annales e a revista


que é seu emblema adquiriram uma posição dominante na historiografia
francesa. Até 1968} Fernand Braudel foi seu guia incontestado} assumindo a
maioria das responsabilidades, depois de 1968, a ele se juntaram um comitê
em que aparecem os nomes de Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladu-
rie e Marc Ferro e um secretariado em que se sucederam Robert Mandrou,
André Burgui êre e Jacques Revel. Nas décadas de 1960 e 1970} a revista pu-
blicou seis números - cerca de 1500 páginas - por ano}tendo ocupado a pri-
meira posição entre as revistas de ciências humanas na França} e estendendo
sua influência também a outros países da Europa ocidental e aos Estados
Unidos. Basta ler os "sumários" para distinguir as principais orientações da
publicação. Os Annales permanecem apegados às reflexões metodológicas
(exemplos: Emmanuel Le Roy Ladurie, "Histoire et climat", n. I} 1959; Jean-
-M arie Gouesse, "Parent é, famille et mariage en Norrnandie", n. S} 1972) e
favorecem o diálogo entre as disciplinas (exemplos: "Histoire et structures",
número especial 3-4, 1971; "Histoire et sciences", número especial S} 1975).
Concebendo-se multidisciplinares, os Annales abrem suas colunas não so-
mente aos historiadores (exemplo: Denis Richet, "Croissances et blocages
en France du xv" au XVIIIe si êcle", n. 4} 1968), mas também aos sociólogos
(exemplo: Pierre Bourdieu, "Les Stratégies matrimoniales', n. 3, 1972) e aos
economistas (exemplo: Celso Furtado, "Développement et stagnation en
Amérique Latine", n. I, 1966). E os Annales também têm pretensões ecu-

40 A NOVA HISTÓRIA: HERDEIRA DA ESCOLA DOS ANNALE5


mênicas, desejando cobrir todos os períodos da história e todas as regiões
do mundo (exemplos: Georges Ville, "La Fin des combats des gladiateurs
à Rome", n. 4J 1979; Richard Trexler, "Les Religieuses à Florence à la fin du
~{oyen Ãge", n. 6) 1972; Constantin Mílsky, "La Réforme de l'écriture en
Chine avant 1949'~ n. 2 J 1973J entre outros).
O grupo dos Annales apoia-se numa instituição universitária. Em 1947J
Lucien Febvre obteve dos governos da Libertação a fundação de uma seção
consagrada à especialidade "ciências econômicas e sociais" (Sexta Seção) na
École Pratique des Hautes Études (EPHE); ele presidiu esse organismo e defi-
niu seus objetivos: assegurar uma ligação estreita entre o ensino e a pesquisa,
difundir os conhecimentos por meio de semin ários, estimular as pesquisas
coletivas, organizar o encontro entre as ciências humanas. Em 1956J Fernand
Braudel sucede Lucien Febvre e mantém as diretrizes anteriores. No final dos
anos 1950 e durante a década seguinte, a Sexta Seção da EPHE reúne cerca de
trinta "orientador es": historiadores muito próximos da revista dos Annales -
Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie, François Furet, Marc Ferro -J
historiadores mais independentes, muitas vezes economistas ou demógra-
fos - Ernest Labrousse, Jean Meuvret, Pierre Vilar - J sociólogos - Georges
Friedmann, Alain Touraine - J "psico-historiadores" - Alain Besan çon, Michel
de Certeau. Em princípio, a maioria das ciências humanas está ali represen-
tada) mas, na verdade) a história açambarcou a maioria dos cargos. Pois, de
acordo com Fernand Braudel, a história pode "contribuir com uma lingua-
gem comum', "dar a dimensão fundamental do tempo", "preservar a unidade
das ciências sociais". Em 1968, Fernand Braudel realiza um projeto que lhe
é caro: a criação da Maison des Sciences de l'Homme (MSH). O regime do
general De Gaulle aceita que a Sexta Seção da EPHE se instale na referida
casa, num amplo prédio situado no número 56 do Boulevard Raspail, no
sétimo distrito de Paris, ali são reunidos progressivamente os diversos cen-
tros e laboratórios de pesquisa até então dispersos pelo Quartier Latin.
A MSH entra com um equipamento pesado, indispensável à pesquisa, dis-
pondo de escritórios, salas de confer ências, uma biblioteca, aparelhos de re-
prografia, computadores eJ evidentemente) pessoal capacitado a fazer funcio -
narem seus diversos serviços. Pouco tempo depois, a Sexta Seção da EPHE
se transforma em École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS).
À EHESS é atribuído o status de universidade, o que facilita a outorga de crédi-
tos disciplinares, a matrícula de estudantes e a emissão de diplomas.

M ARTI N E BOUR DÉ 41
o grupo dos Annales conta com outros apoios, extrauniversitários. Na ver-
dade, seus responsáveis dispõem de posições nas editoras. Pierre Nora dirige
a coleção "Bíblíothêque des Histoires", da editora Gallimard, que seleciona
obras que vinculem a história a outras ciências humanas (exemplos: Emma-
nuel Le Roy Ladurie, Montaiúou, Michel Foucault, História da loucura). Jac-
ques Le Goff é o inspirador da coleção "Ethnologie historique', da editora
Flammarion, que privilegia os estudos sobre costumes, usos, hábitos (exem-
plos: Martine Segalen, Mari etfemme dans lasociété paysannej André Burguíêre,
LesBretons dePlozévet). Joseph Goy cuida da série "Scíence" (seção de histó-
ria) da editora Flammarion, na qual são publicadas as grandes teses em versão
resumida (exemplos: Pierre Goubert, Centmille provinciaux au XVII' siêcle; An-
nie Kriegel, LesOrigines du communismefrançais). Pierre Nora e Jacques Revel
dirigem a coleção "Archives", da Gallimard, na qual cada tema é tratado sob a
forma de uma montagem de documentos apresentados por um especialista
(exemplos: Georges Duby, LJ\.n mil; René Étiemble, Les]ésuites en Chine, Jac-
ques Rougerie, Procés des communards). A revista H. Histoire, lançada em 1979
pela editora Hachette, deseja recorrer à história a fim de compreender mais
profundamente a atualidade (exemplos: "Les Juifs en France", n. 3j "Les États-
-Unis', n. 4)j essa publicação é patrocinada pelo grupo dos Annales, preocu-
pado em não abandonar a seus rivais o mercado das revistas de história desti-
nadas ao grande público. Por outro lado, o grupo ocupa posições na mídia de
massa. Seus colaboradores resenham obras de história em certos periódicos
diários e semanais. Emmanuel Le Roy Ladurie e Emmanuel Todd exprimem
suas opiniões no jornal Le Monde, François Furet, Jacques e Mona Ozouf pu-
blicam seus comentários na revista LeNouvel Observateur. Além disso, Jacques
Le Goff e Denis Richet apresentam um programa de rádio intitulado LesLun-
dis de l'histoire, no qual os historiadores falam de suas obras. Na televisão, os
representantes dos Annales não têm o controle de nenhum canal de expressão,
porém, ainda assim, aparecem com frequência em programas nos quais são
promovidos debates históricos, políticos ou literários. Como disse Jean Ches-
neaux, a holding dos Annales é um dos centros do poder intelectual na França.
No início dos anos 1970, Fernand Braudel faz a partilha de sua herança
entre os sucessores, notadamente Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy
Ladurie. O novo grupo se encarrega de fazer um balanço dos Annales, por
ocasião de seu cinquentenário. Em 1974, Jacques Le Goff e Pierre Nora reú-
nem, sob o título Paire de l'histoire, três coletâneas de artigos que levantam

42 A NOVA HISTÓRIA: HERDEIRA DA ESCOLA DOS ANNALES


"novos problemas",esboçam "novas abordagens", apreendem "novos objetos "
Em 1978, Jacques Le Goff publica uma enciclopédia intitulada La Nouvelle
Histoire, na qual se mesclam verbetes que são verdadeiros artigos de fundo
(sobre a noção de estrutura, de longa duração, de história imediata etc.), no-
tas sobre personalidades (como as de Henri Berr, Georges Dum ézil, François
Simiand) e notas sobre termos (clima, linguagem, psicanálise etc.) . Nas duas
empreitadas encontram-se praticamente os mesmos participantes: Philippe
Ariês, Jean-Paul Aron, André Burguiêre, Michel de Certeau, Roger Chartier,
Marc Ferro, François Furet, Dominique Julia, Jacques Le Goff, Pierre Nora,
Jacques Revel, Daniel Roche, Alain Schnapp, Jean-Claude Schmitt, Pierre Vi-
dal-Nacquet, Michel Vovelle e alguns outros.
A produção dessa constelação de historiadores, por mais abundante que
seja, está longe de abarcar todo o campo da história. Na verdade, talvez de-
vido ao impulso dado de início por Lucien Febvre e Fernand Braudel, a Es-
cola dos Annales se interessa prioritariamente pela Europa ocidental e por
suas dependências, da baixa Idade Média até o século da Ilustração. Ao pro-
por uma espécie de quadro de laureados da produção histórica recente, no
melhor estilo "distribuição de prêmios", de que ele tanto gosta, Emmanuel
Le Roy Ladurie só pode, assim, citar especialistas da época moderna.' Na
EHESS, a soberania dos modernistas e de alguns medievalistas é acompanhada
por uma quase exclusão dos antiquistas e dos contemporanistas. Portanto, é
fora do círculo dos Annales que se elaboram quase todos os estudos que di-
zem respeito à Antiguidade (por exemplo, na Escola de Atenas ou na Es-
cola de Roma) e que se efetua a maioria das investigações sobre o mundo
contemporâneo (por exemplo, na Fondation des Sciences Politiques ou no
Institut du Temps Pr ésent). Além do mais, existem na França cerca de trinta
UER/ departamentos ou centros de pesquisa em que atuam centenas de his-
toriadores profissionais. A simples existência de todo esse contingente lem-
bra que a EHESS não passa, no fim das contas, de mais um centro de pesqui-
sas: um centro, porém, que goza daquilo que François Furet chamou, não
sem orgulho, de uma "hegemonia de reputação':

3 L'Histoire, n. 2, jun. 1978.


4 Unités d'Enseignement et de Recherche, ou seja, departamentos de ensino e pe squi sa
no seio de instituições universitárias . [N. T.]

MA RT IN E BOURD É 43
II. O CULTO DOS ANCESTRAIS

Nada define melhor uma corrente de pensamento do que os texto s sagra-


dos que ela invoca. Paradoxo: essa corrente de ponta experimentou a ne-
cessidade de atribuir a si uma gloriosa genealogia e de construir uma versão
quase mítica de suas origens, dedicando um verdadeiro culto a seus pais
fundadores. Entre os grandes ancestrais venerados porJacques Le Goff,s não
é de estranh ar constatar a presença do Voltaire de Ensaio sobre os costumes,
nem o Michelet do Préface de 1869, invocados de modo quase ritual, sem
dúvida por nostalgia em relação a uma história total que não pode mais ser
praticada hoje. No entanto, não deixa de ser um tanto espantoso encontrar
ali também o nome de Chateaubriand, preocupadíssirno, em seus Écrits his-
toriques, em evocar todos os aspectos do cotidiano, bem como o de Guizot,
o analista perspicaz do fato de civilização.
Quanto ao mito da origem: ele se estabelece com a celebração do ano de
1929 - mais conhecido, até então, devido a uma certa "quinta-feira negra"6_,
no qual a fundação dos Annales d'Histoire Économique et Sociale vem abrir
um campo novo para a história, ano também em que as velhas separações de
fatos de natureza distinta caem po r terra para que as comparações triunfem.
Sejamos justos: a dívida de Bloch e de Febvre para com alguns de seus pre-
decessores (Berr, Pirenne, Simiand) é mencionada se-mpre. Mesmo assim,
é em 1929 que começa a gesta dos pais fundadores contra os defensores da
história historicizante e outros "positivistas" atrasados. Em 1946, revolução
na revolução, a revista-guia da historiografia francesa muda de sigla e passa a
chamar-se Annales ESC. Lucien Febvre descobre seu legítimo herdeiro, Fer-
nand Braudel, que tem de lutar de 1950 a 1955 contra os Burgraves da história
universitária nessa verdadeira arena fechada que é a banca examinadora do
exame de Agrégation7 em história. Os anos passam e Femand Braudel dá-se

5 "L'H istoíre nouvelle", in J. Le Goff (org.), La Nouvelle Histoire, op. cit., pp. 210-14.
6 Alusão ao dia em que ocorreu a qu ebra da Bolsa de Nova York. [N. T.]
7 Tradicional exame e concurso da vida universitária francesa, pelo qual são admitidos
no corpo dos professores universitários os suplentes (sem mestrado ou doutorado) i
o statu s de agrégé gozava, ainda há p ouco, de grande prestígio nas univ ersidades fran-
cesas. [N. T.]

44 A. NOVA HISTÓRIA. : HE RDEIRA. DA E,! COLA. DOS ANNAL ES


mota do crescimento de seus sucessores: Emmanuel Le Roy Ladurie, Jac-
ques Le Goff, Marc Ferro.
Essa genealogia intelectocrática tem diversas funções. Ela é inicialmente
legitimadora, posto que faz de um meio restrito de historiadores o deposi-
tário do espírito da primeira fase dos Annales. Depois de Jacques Le Goff,
Emmanuel Le Roy Ladurie e Georges Duby, vêm André Burguiêre, Roger
Chartier, Jacques Revel, Jean-Claude Schmitt ... Essa genealogia constitui
também um argumento de peso na coabitação conflitante com outros seto-
res da ciência histórica. Invocar antepassados venerados por todos permite
evitar enfrentamentos por demais violentos. Pois não foi o próprio Jacques
Le Goff quem disse, com o espírito de conciliação que o caracteriza, que
a nova história se apoia numa longa e sólida tradição e que uma parte das
conquistas técnicas do método positivista continua sendo válida? Não estava ele
celebrando assim a sólida bagagem dos historiadores de ofício e a firme base
institucional da disciplina? Eis com o que pacificar os temores dos Burgraves
da instituição histórica!
Esforçando-se mais por conciliar do que por cruzar armas, reflexo per-
feitamente compreensível por parte de uma corrente de pensamento que
assegurou para si mesma uma posição hegemónica, a nova história evita "de-
finitivamente toda e qualquer turbulência': Ela se entrega indolentemente ao
culto da personalidade, como a Rússia de Brejnev. Num artigo tão brilhante
quanto repleto de excessos, Michel Morineau relatou os dissabores que teve
por ter ousado contestar as sacrossantas tabelas dos venerados Simiand e
Hamilton a propósito do aprovisionamento de metais preciosos na Europa
moderna," Ninguém ousa sequer apontar os erros de Simiand, diz ele, e to-
dos também dão mostras de cegueira em se tratando de trabalhos mais re-
centes nos quai s certos erros gros seiros (verdadeiras gafes) estão presentes.
E surge o j'accuse final: "D enuncio certos erros graves cometidos em diver-
sos setores de importância da história económica moderna, denuncio a to-
lerância de que tais erros desfrutaram simplesmente graças à notoriedade de
seus autores ... denuncio a invasão do culto da personalidade em história .. .':
Para que se possa formar uma opinião sobre a última reprimenda, basta pro-
ceder a uma contagem rápida de referências à obra de Fernand Braudel em

8 Míchel Morineau, "Allergíco cantabile". Amlilles ESC, n. 4, v. 36, 1981, pp . 62 3-49.

MARTIN ~ 30 URDÉ 45
La Nouvelle Histoire. Raros foram os colaboradores que não se desfizeram
em elogios ao autor de O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de
Filipe II. OS alunos de uma universidade do interior da França compreende-
ram rapidamente o que tinham de fazer e, em 1978, simplesmente canoniza-
ram Fernand Braudel, pondo em exposição na biblioteca da instituição sua
bela efígie e passando a lhe dirigir fervorosas orações ("São Fernand Braudel,
padroeiro da nova história, dai-nos a graça do sucesso em nosso exame de
epistemologia") j chegaram também a lhe oferecer enternecedores ex-votos
(cartões-postais, manuais de história, cadernos com anotações de aulas etc.) ,
como prova de gratidão.
Tentemos ser imparciais quanto à versão idealizada que a corrente dos
Annales oferece de seu início e de seus triunfos. O engrandecimento épico
pode ser compreendido vindo daqueles que, como Jacques Le Goff sempre
ocuparam a vanguarda do combate contra os setores mais conservadores da
disciplina histórica. A autossatisfação e a perpétua invocação de algumas
grandes figuras só podem, por outro lado, chocar os pesquisadores que não
têm acesso, por cooptação, a essa meritocracia, e que se recusam a ver sua
venerável disciplina submetida à lei do star system. Posto isso, os dois herdei-
ros André Burguiêre e Jacques Revel dão mostras, nos artigos mencionados,
de uma corajosa objetividade. O primeiro chega até a dizer que Marc Bloch
e Lucien Febvre também faziam parte do establishment universitário e que,
no fundo, a originalidade de ambos se devia mais "à maneira pela qual afir-
mavam seu programa do que pelo programa em si".Michel Morineau pode
não gostar muito disso, mas é preciso dizer que os discípulos nem sempre
são tão dóceis a ponto de exclamar, diante de uma verdade incômoda: "Ap a-
guem a luz! ".

III. NEM JESUS, NEM MAO, NEM TOYNBEE; UM POUCO DE MARX E O MÁXIMO
POSSíVEL DE CIÊNCIA

Os novos historiadores têm o cuidado de não fazer escolhas ideológicas ní-


tidas, isso depois de alguns deles terem flertado por algum tempo com o
marxismo, tendo até mesmo militado no Partido Comunista. Nesse domí-
nio, eles seguem os passos dos pais fundadores, sempre desconfiados das sis-
tematizações redutoras, porque tinham consciência da extraordinária com-

46 A NOVA HISTÓRIA : HE RDEIRA DA ESCOLA DOS ANNA LES


plexidade dos fenômenos sociais e da multiplicidade das inter-relações com
os diferentes níveis da realidade. Marc Bloch não se declarava mais impres-
sionado pelos resultados econômicos dos fenômenos religiosos do que pe-
las implicações econômicas do religioso? Seus discípulos também se abstêm
de todo determinismo estrito, e mesmo de "toda determinação em última
instância": eles apreciam as explicações plurais, as inter-relações dialéticas
entre as diversas instâncias do real, a atualização dos múltiplos códigos que
regem a vida social ...
Por conseguinte, os sistemas filosóficos globais que pretendem enunciar
o sentido da história não são muito bem-vindos nos Annales. Esse descrédito
também afeta a teologia da história, inclusive os trabalhos contemporâneos
de Henri-Irénée Marrou e Paul Ricceur, tanto quanto as grandes interpre-
tações do devir humano propostas por Vico, Hegel, Croce e Toynbee (que
não se recupera de uma resenha assassina, em que Lucien Febv re o condena
ao mesmo tempo por sua visão seletiva do passado e pelo caráter vago de
seus conhecimentos) e o próprio marxismo dogmático, recusado devido à
sua concepção linear e finalista da história. É sem dúvida "a mais global e a
mais coerente das visões sintéticas da história", dizem-nos Le Goff e Nora
no prefácio a Paire de l'histoire, mas os conceitos principais utilizados por
ambos (a ideologia como reflexo do real, a explicação em última instância
pela economia) resistem muito POUCQ quando confrontados com os avan-
ços mais recentes das ciências humanas.
Deixando, pois, de lado todo o espírito de sistema, proclama-se a prima-
zia da conduta científica em relação às opções filosóficas, e, sem cair num
cientificismo que já saiu de moda, pr.etende-se assimilar o historiador aos
cientistas de ponta, mesmo sendo verdade que "ele ('ainda?') não pode ser
Einstein" e que deve continuar se submetendo à "promiscuidade dos vulga-
rizadores de baixo nível" (Le Goff, Nora), especialmente em jornais, revistas
e outros meios de comunicação.
Como o físico ou o naturalista, o historiador deve proceder superpondo
hipóteses, que ele submete em seguida à verificação e, depois disso, retifica
de acordo com o verificado. Pois não há fato histórico em si que se possa
simplesmente extrair dos documentos e vincular a outros fatos a fim de
constituir uma sequência cronológica "natural". Há, isto sim, "o inventado
e o fabricado com o auxílio de hipóteses e conjecturas, por meio de um tra-
balho delicado e apaixonante", para retomar uma surata de Lucien Febvre.

MA RTIN E BOUR DÉ 47
Como seus confrades de outras disciplinas, o historiador constrói seu ob-
jeto de análise constituindo um corpus de documentos de natureza diversa
(textos, objetos, fotografias, imagens, entrevistas etc.), com a finalidade de
responder a uma qu.estão que é endereçada ao passado (Teria a invasão
dória ocorrido de fato? Quando se constituiu a crença no purgatório? Seria
o sentimento da infância um dado natural ou antes uma aquisição cultural
dos tempos modernos? etc.). É a história-problemas, obra de um analista
e não mais de um narrador ou profeta. Em função da questão colocada,
o historiador se esforça por propor uma interpretação racional dos dados
(previamente homogeneizados), que lhe fornece seu corpus. Ele "elabora,
com documentos, o pensável", como nos diz Michel de Certeau, ourives
nessa matéria.
Nessa busca do pensável, o historiador recorre a técnicas de ponta que
só podem lhe facilitar o acesso ao status - tão desejado! - de homem de
ciência. A lista das ciências auxiliares que ele utiliza aumentou conside-
ravelmente desde a época de Langlois e Seígnobos, e mesmo desde 1929:
dendrocronologia, estudo dos polens fósseis, datação pelo radiocarbono,
arqueologia aérea, tratamento informático de dados, análise automática do
discurso, para o novo historiador, nada é impossível! Desde os anos 1950,
os Annales estão repletos de séries numéricas. Caso elas estejam maculadas
por alguns erros, isso não tem importância: "números falsos, curvas verda-
deiras': Nos anos 1970, o computer fascina, e vemos alguns de nossos mais
eminentes modernistas cederem aos encantos da New Economic History,
cujos mestres Fogel e Engerman reduzem o desenvolvimento económico
passado a modelos hipotético-dedutivos e recorrem, para a sua verifica-
ção, a hipóteses contrafactuais. Por exemplo: como fazer para determinar
o efeito económico de uma inovação? Cria-se um modelo de sociedade
sem essa inovação e, em seguida, medem-se as diferenças observadas. De-
rivando para a história-ficção, os cliometristas ousam até mesmo imaginar
os Estados Unidos sem ferrovias (e nos ensinam que estas não eram ne-
cessárias ao crescimento) e o Sul sem escravos (os quais se constituíam
"um investimento extremamente rentável"). Tais conclusões, apresenta-
das ainda há pouco como verdades objetivas porque fundamentadas em
números, são vistas atualmente com bastante ceticismo. Le Goff e Nora
passam a desconfiar do omnipotens ordinator e insistem nos "riscos de uma
subordinação ao mensurável". O que de modo algum impede a análise fa-

48 A NOVA HISTÓRIA: HERDEIRA DA ESCOLA DOS ANNALES


ro rial de se dar mu ito bem no s A nnales; testemunha disso, por exem plo, é
o .:rtigo recente de H élene Millet, "La Comp ositi on du ch apitre cath édral
~e Laon : Une anal yse factorielle'v Do marxi sm o, a no va história conse rva
.ertas co ntribuiçõ es científicas, m esm o no s casos em qu e seus aspe ctos
ulos óficos tenham sido recusados. A dívida para com Marx foi reconhecida
ran to por Fernand Braudel, para o qual o autor de O capital foi o pr im eiro a
:m jar "verdadeiros modelos soc iais" ope ratórios na longa duração, quanto
-; )r Jacques Le Goff para qu em M arx é o an cestral das periodizações am-
91.2 S e da análise estrutural do so cial. Essa dívida é ainda mais cons iderável

aos olh os dos historiadores ma rxistas. Pierre Vilar con side ra que o m érito
:-.rincipal de Simiand, Febvre e Bloch foi o de terem sabido retornar a cer-
' 0 5 ensinam en tos essen ciais de Marx." Quanto a Guy Bo is, em "Marxisme

ê" Histoire nouvelle" ele diz claramente que as teses centrais e as car acterís-

,j . as principais da nova hi stóri a se en contravam , em germe, no marxismo."


.-. história global, para ele, não constitui nad a além de uma designação no va
':'0 modo de produção ou da f ormação econõmica e social, termos m arxistas

urllizados p ara nome ar as totalidades sociais arti culadas. Quanto ao s mé -


' 0 ios qu ant itativos, Marx já os praticava. Ele privilegiava também as estru -

OJ LlS profundas e as ações do s homens comuns, em detrimento do s fato s

l e alto-relevo e feitos extraordiná rios de personalidades marcantes ... De


re sto, prossegue Guy Bois, não é de agor a qu e o marxism o exer ce uma in-
.-b.Il' ilcia indireta e difusa sobre os histori adores franceses. Esta é perceptível
-10 pap el essencial qu e foi atribuído à hi stória eco n ómica no s ano s 19 50 e

na insistência no tema das relações de classe, b em como na apropriação


O· sigual do produto social, bastante visível na obra de Ernest Labrousse.
.':"'iU almente, essa influ ência é reforçada porque, longe de se limitar à ins-
·.incia econ ómico- social, atinge outros patamares da realidade e se estende
1 an álise da totalidade das práticas humanas. Os conceitos centrais do
rn arxismo (especialm ente o modo de produção e a ideologia) são ut ilizado s

.-\rtigo escrito em jan .-fev. 1981.


Pierre Vilar, Une H istoireen construction:Approche marxiste et probl émaiiques conjonctu-
,·i'lles. Paris: Gallimard / Seuil, 1982, pp. :>33 ss.
11 Guy Bois, "Marxisrne et H istoire no uvelle", in J. Le Goff (org.), La N ouvelleHistoire, op.
cit., pp. 3i5 ss.

M ARTi N E BOUROÉ 49
implicitamente nos grandes livros recentes} mesmo quando a terminolo-
gia clássica do marxismo não é adotada e os autores se abstêm de fazer
qualquer referência explícita ao materialismo dialético. Há sem dúvida
uma confluência das duas grandes correntes da historiografia contempo-
rânea} o que não impede de modo algum que os historiadores marxistas
continuem a desempenhar um papel original (por exemplo) na análise do
discurso e na história quantitativa das mentalidades), e tampouco põe um
termo a um saldo de discórdia que permanece bastante significativo. Pois,
segundo o que nos diz Guy Bois} algumas práticas da nova história consti-
tuem armadilhas aos olhos dos marxistas. A sacrossanta quantificação} por
exemplo: não é ela prisioneira do estado das fontes? E não incorre no risco
de privilegiar as realidades sociais que emergem (tais como os dados de-
mográficos) em detrimento de outras} igualmente essenciais, que perma-
necem veladas (por exemplo, os mecanismos da mais-valia)? A sucessão
dos estudos seriais (o livro no século XVIII) os ex-votos dos marinheiros
e seus familiares na região das ilhas do Ponant, os retábulos das almas do
purgatório do século xv ao xx) não acarretaria o risco de atomização da
realidade histórica} de fragmentação das perspectivas e de} finalmente,
proibição do recurso ao conceito unificador de modo de produção? A im-
portância dada às profundezas mentais} que adquirem às vezes o status de
infraestruturas determinantes nos trabalhos dos novos historiadores} não
viria na verdade perverter os princípios marxistas, fazendo que se perca
de vista a primazia das relações de produção? Enfim} pode-se perguntar
se as novas ciências não se apresentam antes como inimigas do marxismo,
como é o caso de uma certa etno-história que, de tanto insistir nos temas
do inconsciente coletivo, da sociabilidade e outros comportamentos pere-
nes dos grupos humanos, acaba desvalorizando a explicação por meio das
relações de classe: uma etno-hist ória que, por vezes, prefere até mesmo in-
sistir nas relações de parentesco em detrimento das relações de produção.
Compreendendo o alcance de tais perigos, Guy Bois exorta os marxistas
autênticos a enfrentarem o desafio da nova história, dando provas de uma
fidelidade intacta em relação aos conceitos centrais do marxismo} os úni-
cos capazes de permitir, segundo ele, que se pense o passado de maneira
coerente, total e dinâmica.

50 A NOVA HISTORIA: HERDEIRA DA ESCOLA DOS ANNAL ES


• OS AVATARES DO GLOBAL

Esse conceito-chave, para não ter de usar essa expressão mágica que é "nova
história", apresentou e continua a apresentar diversas faces distintas, às vezes
quase opostas.
A nova história sempre esteve em busca da apreensão dos grandes espa-
ços e das grandes massas históricas, por fidelidade a Voltaire e a Michelet,
sem dúvida alguma, mas também devido à influência da escola geográfica
francesa e da geo-híst óría braudeliana. Testemunha disso é o papel essencial
atribuído, nos Annales) à cartografia histórica que visualiza os fenômenos
maciços de longa duração. Ela não somente é descritiva) como ainda per-
mite lançar novas questões e contribuir para o avanço da interpretação dos
fenômenos. É com razão que o historiador holandês W. den Boer sublinha,
entre os elementos constitutivos do paradigma dos Annales, o fato de que "a
estatística e a semiologia gráfica substituem a crítica filológica dos textos, às
vezes com menor argúcia': Essa última reflexão, pouco amistosa) não leva em
conta o fato de que a cartografia estatística teve amiúde a função de traduzir
em imagens o conteúdo dos documentos, de estendê-lo (no sentido pró-
prio do termo), antes de chegar ao estágio da interpretação. Para provar isso)
pode-se citar) por exemplo, o estudo de Emmanuel Le Roy Ladurie, "Ex-
ploitation quantitative et cartographique des archives militaires françaises
(1819-1826)':" Esses arquivos) de que se trata aqui) fornecem as seguintes in-
formações sobre os recrutas: ofício, estatura, anomalias físicas) alfabetização)
eventual vocação eclesiástica. O conjunto é ainda mais precioso pelo fato de
ainda não existirem, naquela época, estatísticas nacionais detalhadas) com
exceção de alguns setares. Daí um possível estudo de antropologia compa-
rada dos recrutas franceses, de acordo com sua região de origem, pelo trata-
mento informático dos dados e pelo estabelecimento de imagens cartográfi-
cas. Constata-se) por exemplo) que as elites (jovens formados nas melhores
escolas" de nível superior, docentes ... ) situam-se fundamentalmente no
Nordeste, ou seja) a França desenvolvida e instruída. Quanto aos estudantes

t! E. Le Roy Ladurie, "Exploitation quantitative et cartographique des archives militaires


françaises (1819-1826) ", in Le Territoire de l'nistorien. Paris: Gallimard, 1973-78, pp. 33-88.
13 Na Fran ça, as Écoles. [N. T.]

MA RTIN E BOURDÉ 51
eclesiásticos, eles são originá rios sobretudo da Bretanha, ou das regiões po-
bre s e montanhosas do Sul (Pireneus, Maciço Central, Alpes) e do Leste, o
que pr efigura o mapa da prática religiosa no século xx. Qu and o se considera
a estat ura dos recrutas, vê-se que os mais altos estão concentrados ao no r-
deste de uma linha entre Saint-Maio e Gene bra, ao passo que os mais baixos
são das regiões Oeste , Centro e Sul. Quando se apela para outros critéri os
(repartição socioprofissional, entre outros ), aparece o contraste en tre duas
Franças: os fatore s ligados ao desenvolvimento e à modernização estão loca-
lizados no Norte; ao contrário, os traços de "subdesenvolvimento" e às vezes
até mesmo de arcaísmo estão agrupados no Sul, no Centro e no Oeste. Os
resultados são em si mesmos muito sugestivos, porém o que fazem é, sobre-
tudo, abrir caminho para múltiplas correla ções com outros dados reunidos
pelos sócio-historiadores do século XIX.
Quanto à preocupação com as massas, ela se manifestou inicialmente
com o florescimento da demografia histó rica. Segundo François Furet é a
única produção rigorosa da nova história qu e soube , no caso, amolda r-se
de acord o com "a fôrma de uma outra disciplina, sem mo dificar seus obje-
tos, conceitos e procedimentos de pesquisa': Por out ro lado, ele dá mostras
de maio res reservas para com a história sociológica na qua l, segundo diz,
o historiador não tom a de empréstimo um sistema rigoroso de conceitos,
mas somente guia-se por sua curiosidade, o que o leva a promover o homem
comum (o médico, o sacerdote, o professor primário) e a analisar o funcio-
namento de organizações de massa (ver a tese de Antoine Pro st sobre Les
Anciens combattants,1914-194D ). O apelo lançado no século XIX por Michelet,
Auguste Comte e Bourdeau, seu discípul o tão esqueci do, que desejavam o
exame dos desq ualificados da história, foi plenamen te atendido pelos Anna-
les e por outros pesquisadores próximos a eles.
A aspiração ao global se manifesta também na preocupação braudeliana
em evocar as diferentes cadências do tempo histórico e em "recostur á-las"
num tempo único. Pois a famo sa distinção entre as três durações corres-
ponde, de fato, a trê s patamares de observação sucessivos. Em eguida, é
preciso mostrar a interferência dessas durações num a conjuntura única, "o
tempo imperio o do mundo': Disso, os discípulos de Braud el conservaram,
em especial, a primazia da longa duração, a ponto de chegar a conceber uma
história imóvel (no caso, a da França rural entre 1300 e 17 20) e a negligenciar a
tu rbulenta história contemporânea, que se enco ntrava em posição de ho nra

52 A NOVA HISTÓRIA: HERDEIRA DA ESCOLA aos ANNAL ES


i!(E primeiros tempos dos Annales, período em que pelo menos um terço - e
(~1; e Z até mesmo a metade - dos artigos lhe foi consagrado. Quanto a isso,
no temos que um assunto como a Revolução Francesa, loeus classieus da histo-
'KJgrafia nacional, tipo de narrativa "unindo a mudança e o progresso" (Fran-
mi s Furet), é quase completamente ignorado pelos novos historiadores.
Estes se lançaram também na análise global de vastíssimos conjuntos,
zoerentes em sua organização social e económica e supervisados por um
srerna de representações homogêneo. Essas "totalidades pensadas" se de-
~ a em por uma unidade profunda de inspiração, por uma atmosfera geral,
co mo A civilização do Ocidente medieval descrita por Jacques Le Goff, uma
rrrst andade em que a religião regula toda a vida social, inclusive os compor-
w mentos económicos e a percepção do mundo. O tempo das catedrais de
eo rges Duby e A civilização do Renascimento de Jean Delumeau se insere-
:,,-1} também nessa percepção global da matéria histórica. Belas construções,

edutoras totalidades culturais, porém, edifícios inevitavelmente frágeis,


~~)jduras por demais restritas para uma realidade plural! Sem jamais renun-
, ' ú à busca do global, pretendeu-se atingi-lo também em bases espaciais

-' 2 ; 5 limitadas, no âmbito de estudos regionais. O Beauvaisis de Pierre Gou-

í er t, "em que o todo de uma sociedade é estudado e apresentado', resultou

em diversos filhotes: o Anjou de Lebrun, o Latium de Toubert, a Picardie de


Fossier, a Bretagne de Alain Croix. Santa litania declamada fervorosamente
oo r tantos estudantes de DEUG!'4 Como era necessário ir sempre mais longe
U 2 an álise, a busca sem fim do global se exerceu em seguida no nível da mo-

Df)'N afia urbana e aldeã, ora com o recurso a diversas equipes especializadas
e m l.es Bretons de Plozévei, sob o comando de André Burguiere, os bretões
,. r em examinados de frente, de costas e de perfil), ora fazendo que uma plu-
'2lidade de abordagens convergisse num documento único (para extrair a
nui ntess ên cia dos depoimentos dos habitantes de Montaillou feitos diante
lo inquisidor, Le Roy Ladurie sabe ser sucessivamente geógrafo, demógrafo,
-,,Suista, etnólogo, num show espetacular). A expressão "antropologia his-
il'r ica", cada vez mais utilizada, exprime muito bem essa aspiração a apreen-
J :' f os homens do passado em relação ao seu meio ambiente, ao mesmo

ü eplôme d'étudesuniversitaires générales, primeiro nível dos antigos diplomas de gradua-


"20 na França. [N. T.]

MARTIN E BOURDÉ 53
tempo ecológico, tecnológico, afetivo, simbólico etc. Tarefa semelhante só
pode ser levada a cabo no âmbito de uma base espacial restrita.
Outra via da história global se definiu igualmente em referência ao fato
social global segundo Marcel Mauss: entendamos isso como um fato social
particular que remete ao conjunto de um sistema e que revela suas estrutu-
ras profundas. Viu-se o florescimento de histórias aparentemente setoriais,
que remetem na verdade "ao todo de uma sociedade" e que fazem que in-
tervenham hipóteses bastante amplas: assim o evergetismo grego e romano,
que Paul Veyne analisa em Le Pain et le cirque, está estreitamente ligado ao
modo de circulação das riquezas na sociedade antiga e constitui uma forma
de redistribuição de parte do excedente apropriado pelos dominantes. À se-
melhança de Paul Veyne, outros historiadores definiram objetos de pesquisa
globalizantes, situados na intersecção de fenômenos sociais múltiplos, como
o incastel1amento ("encastelamento") das populações rurais da Itália central
no início do século XI, estudado por Pierre Toubert.
Alguns novos historiadores se abstêm, contudo, de adotar uma perspec-
tiva global e tentam cuidar da coerência de séries documentais de longa du-
ração, como Jean-Claude Schmitt, que em Le Saint Lévrier" analisa a perma-
nência e as modificações do culto ao cão santo Guinefort no período que vai
do século XIII ao xx, num cantão isolado da região de Dombes. Tal estudo
revela que há uma temporalidade própria aos comportamentos supersti-
cioso s, espantosamente rígidos, que é muito independente das evoluções e
das turbulências que afetam as esferas do econômico e do político. Muitos
jovens historiadores levariam ao extremo a fórmula empregada por Ernest
Labrousse: "O social sempre está atrasado em relação ao económico, e o
mental em relação ao social': Essa nova concepção do fato histórico foi siste-
matizada por François Furet num artigo intitulado "L'Hi stoire quantitative
et la construction du fait hístorique', 16 que pode ser visto como uma espécie
de manifesto da história serial. Esta pode se definir como uma conceptua-
lização do passado, esforçando-se por "constituir o fato histórico em séries
temporais de unidades homogêneas e comparáveis, e por poder assim medir
~

15 "O Santo Galgo". [N . T.]


16 Françoi s Furet, "L'Histoire quantitative et la constru ction du fait h ístoríque", Annales
ES C, n. 1, v. 26, 1971, pp. 63-75.

54 A NOVA HISTÓRIA: H ERD EIRA DA ESCO LA DOS ANN A LE S


sua evolução em intervalos de tempo específicos, geralmente anuais ". Longe
de se limitar ao acontecimento único, como a história historizante, ela preza
a "repetição regular de dados selecionados e construídos em função de seu
caráter comparável': A realidade histórica é assim decomposta em subsiste-
mas, entre os quais é possível estabelecer, em seguida, articulações. Não se
busca) todavia) estudar, de início, o conjunto da massa documental que diz
respeito a todos os aspectos da realidade de dada época, nem construir um
sistema de interpretação global. Por conseguinte, o problema das fontes se
coloca em novos termos: não é mais a relação que os documentos mantêm
com o real o mais importante, mas sim - e muito mais - seu valor relativo,
uns com relação aos outros, no interior de séries documentais constituídas
pelo pesquisador e formatadas para fornecer dados comparáveis. Indepen-
dentemente de tais dados terem sido colhidos em atas do fisco, em cartulá-
rios monásticos ou em registres de reivindicações, eles são em geral "redutí-
veis a uma linguagem suscetível de ser programada" e podem ser utilizados
de maneira mais ou menos substitutiva: por exemplo, é preciso saber passar
de uma curva de preços a uma análise da conjuntura econômica, da evolu-
ção do montante dos aluguéis à da população. Toma-se assim consciência
da "elasticidade extraordinária" das fontes históricas e da multiplicidade das
mensagens que elas podem nos transmitir.
Considerando tudo isso, é a relação do historiador com os fatos que se vê
radicalmente modificada. Enquanto a história acontecimental estava funda-
mentada no único, naquilo que implica curto termo efinalismo (fazendo-nos
assistir ao advento de grandes ~ades filosóficas ou políticas, como a li-
berdade) a democracia, a razão 'etc.);'a-hIstória serial se atém aos fenômenos
repetitivos e decompõe a realidade em diferentes níveis. Dizendo isso de
outro modo: a) estuda as variações no longo prazo e não fica submetida à
"irrupção misteriosa do acontecimento": b) suspende toda concepção global
da história e, por conseguinte, o a priori segundo o qual todos os elementos
de uma sociedade têm uma evolução homogênea. A análise global virá em
seguida, pela elaboração do "sistema dos sistemas", depois que se tiverem
estabelecido conjunturas diferenciais de acordo com os níveis de atividade
considerados. Enquanto isso não acontece) as periodizações de conjunto da
história tradicional devem ser submetidas a um reexame. Assim, "o conceito
de Renascimento é sem dúvida pertinente com relação a inúmeros indicado-
res da história cultural, mas é desprovido de sentido quanto aos dados da

M ARTIN E BOU RDÉ 55


produtividade agrária". Deixando de lado o estudo das totalidades históricas,
é preciso, a partir de então, determinar, num só conjunto, os níveis em evo-
lução rápida e os "setores de forte inércia".

V. SERVIR-SE DE TUDO: A ARTE DA RECICLAGEM E DO REMANEJO

A nova história dá provas de muito engenho no que diz respeito a inven-


tar, reinventar ou reciclar fontes históricas até então dormentes} ou consi-
deradas definitivamente esgotadas. Ela se baseia, como nos diz Jacques Le
Goff, "numa multiplicidade de documentos: escritos de todas as espécies}
imagens} materiais provenientes de escavações arqueológicas}documentos
orais etc. Uma estatística, uma curva de preços, uma fotografia, um filme
ou, quando se trata de um passado mais longínquo, uma amostra de pólen
fóssil, um utensílio, um ex-voto são, para a nova história, documentos de pri-
meira grandeza': As linhas citadas, repletas de referências implícitas a traba-
lhos marcantes, aludem de tropel a vestígios brutos do passado e a materiais
elaborados pelo historiador (estatística, curva de preços). Na verdade, seria
preciso distinguir entre diversos casos de invenção de novos documentos.
Há inicialmente a descoberta stricto sensu, por exemplo graças à arqueo-
logia aérea, em que se assiste ao encontro de uma técnica (a fotografia aérea),
um sistema de leitura dos vestígios no solo (em função das suas variações
de matizes e do crescimento diferenciado da vegetação ), uma pergunta feita
pelo historiador e, às vezes, um acaso: assim, por exemplo, a seca de 1976
resultou num aumento extraordinário dos conhecimentos sobre o passado
do solo francês." Após algumas semanas de aridez saariana, as variações da
umidade do solo (mais bem conservado por um antigo fosso do que por pa-
redões soterrados) apareceram com uma nitidez sem precedentes, revelando
aos historiadores a existência de centenas de sítios neolíticos, de edificações
galo-romanas e de fortalezas feudais. Na região rural de Beauce, foram des-
cobertos diversos sítios pro to-históricos, e uma cidade da Antiguidade na
localidade de Verdes, próxima de Châteaudun, da qual se I;l0demver a forma,
as termas, o comércio etc. Na região de Vendée, 117 novos sítios foram loca-

17 Ver Les Dossiers de l'archéologie, n. 22, jun. 1977.

56 A NOVA H ISTÓRIA : H ERD EIRA DA ESCO LA DOS ANNAL ES


lizados, entre os quais quinze campos neolíticos delimitados por um ou di-
versos cinturões de muralhas ou fossos, e 2S edificações galo-romanas (cujas
plantas completas foram fotografadas pela primeira vez naquela região). Re-
sultados inestimáveis foram obtidos no Leste, onde as plantas das cidades
puderam ser lidas com uma precisão jamais obtida anteriormente, e tam-
bém em Corseul, na Bretanha, onde foi possível compreender a estrutura
urbana da civitas Coriosolitum, estendendo-se por cerca de vinte hectares.
Depois, a corrente dos Annales, entendida num sentido muito amplo,
soube valorizar documentos até então relegados ao anedotário jornalístico
e marginalizados, porque eram vistos como pitorescos ou mundanos. Os
relatos de festas ou cerimônias, e até mesmo as relações dos desfiles e das
procissões, deixaram de ser exclusividade de eruditos locais e galgaram os
degraus da grande história. A partir do momento em que se faz prevalecer a
busca do sentido sobre a minúcia da descrição, os rituais passam a aparecer
como bons reveladores das armaduras profundas de um sistema social. O
caso das festas durante a Revolução Francesa, estudado por Mona Ozouf, é
significativo ("Les fêtes sous la Révolution française", em Paire de l'histoire).
Tais festas, com efeito, haviam sido objeto de toda a atenção de gente como
Aulard e Mathíez, que retiveram delas apenas os aspectos comemorativos e
políticos (dos grandes momentos da Revoluç ão). A abordagem aqui é dife-
rente, e se concentra nos mecanismos profundos da festa, na preocupação
que nela se exprime em remanejar e reescrever a história. A autora insiste
nas seguintes características da celebração revolucionária: 1) Ela ensina a
Revolução àqueles que não a conheceram, compondo uma história anual e
comemorativa do referido acontecimento, cujas grandes etapas são relatadas
pela festa. Diz de modo inesgotável, com flâmulas e máximas, muito mais
do que mostra. 2) Ela apresenta características permanentes aos olhos das
testemunhas, que amiúde colocam tudo no mesmo plano, quer se trate das
festas da Razão ou das do Ser supremo. Essa função de culto de substituição,
substituto do cristianismo, seria procedente de uma analogia entre a esfera
do religioso e certas manifestações da vida social vistas sob o signo da una-
nimidade e da exaltação. 3) Ela significa fundamentalmente o recomeço, a
morte do velho mundo e a instalação num "tempo refeito e novo", muito
mais do que serve à evocação de uma lembrança. Também é um erro propor
apenas uma interpretação racional (e política) dessas celebrações. Trata-se,
portanto, de toda a experiência vivida da festa revolucionária (e não somente

MARTIN E BOU RDt: 57


o sentido desejado para esta, já estudado por antecessores), que Mona Ozouf
promoveu a objeto de análise histórica.
Um número recente de Ethnologie française (1977/1) mostra o partido
que se pode tirar da análise sistemática das procissões e das entradas reais
ou principescas nas cidades. Constata-se que o procedimento estrutural e
a análise histórica (explicação pelas origens) completam-se mais do que se
opõem, como no estudo de Tina Jolas, Parcours cérémoniel d'un terroir villa-
geois, no caso, a aldeia de Minot, na região da Côte-d'Or,
Os cardápios e os livros de culinária" suscitaram igualmente a bulimia"
dos historiadores. Outrora, esse tipo de fonte era encarado pelos cronistas e
redatores como anedotários jornalísticos, para se extasiarem diante do for j
midável apetite de nossos antepassados: de agora em diante, procuram-se
também nesses documentos, nem sempre com igual êxito, indicações sobre
as estruturas sociais e mentais. O auto~ leva em conta "três componentes do
documento culinário': Inicialmente, a lista e o custo dos alimentos consumi-
dos em 1846 e 1847 nos hospitais da assistência pública de Paris, elementos
que comportam informações sobre a medicina, a economia, a administração.
Os cardápios pouco sofreram a influência das crises de subsistência de 1846
e do ano seguinte, e constituiriam uma espécie de "imagem remoldada em
gesso dos desejos populares pela ideologia burguesa': O autor avalia tam-
bém a ração energética de que dispõe cada hospitalizado: ela se situa entre
2200 e 2600 calorias por dia, ou seja, o bastante para sobreviver.
Em seguida, Jean-Paul Aron examina os cardápios dos restaurantes pa-
risienses dos anos 1880, "a fim de apreender a sensibilidade alimentar': Daí
uma análise do prestígio desigual dos diversos alimentos, com o realce da
"contração do leque alimentar" no final do século XIX (um efeito da demo-
cracia niveladora?) em comparação com a profusão que caracterizara o final
do século XVIII e o início do século XIX, períodos em que a mesa burguesa
substituiu a mesa principesca ... Enfim, a análise do serviço de mesa no res-
taurante parisiense de Antonin Carême (nome predestinado)1 9 durante os

18 Cf. Jean-Paul Aron, "La Cuisine, un menu au XIX e siêcle", in]. Le Goff e Pierre Nora
(orgs.), Pairede /'histoire. Paris: Gallimard/NRF, t. III, 1974, pp. 192 ss [ed. bras.: História:
Novos problemas, 4~ ed., trad. Theo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995].
19 A palavra carême quer dizer "quaresma". [N. T.]

58 A NOVA HISTÓRIA: HERDEi'1A DA ESCOLA DOS ANNALES


anos 1820-40 revela o caráter sincrõnico da gastronomia do século XIX} "em
que tudo seria consumido simultaneamente" (caldos quentes) entradas} pei-
xes} carnes} pratos intermediários} tudo era servido ao mesmo tempo}, e per-
mite reconstituir o código gourmand em uso na época em que a burguesia
colhia os frutos de suas conquistas.
Outra fonte dormente} o folclore deixa de ser relegado à ~3ali­
dade e à curiosidade dos etnógrafos e viajantes. Em La Vision des vaincus,
Nathan Wachtel nos mostra como o folclore atual dos índios peruanos}
mexicanos e guatemaltecos conserva os vestígios do traumatismo pro-
vocado pela conquista espanhola no século XVI. De um lado conserva a
lembrança das reações do século XVI (resistência diante dos conquista-
dores) ou submissão} dependendo do caso) . De outro deforma os acon-
tecimentos com certa lógica} a fim de compensar o traumatismo inicial e
propiciar uma saída imaginária a sociedades que foram desintegradas pela
conquista: pode} assim} apresentar a imagem de uma conjunção} e não
de um enfrentamento, entre índios e espanhóis} enfatizando a superiori-
dade indígena (a contrapartida onírica da sujeição aos novos senhores ... ).
Os casos de reinvenção dos documentos não se detêm nisso. Os livros de
milagres da Idade Média} por exemplo} revelaram-se úteis indicadores da
nosologia daquela época} ao passo que as hagiografias e as coletâneas de
exemplos utilizados pelos pregadores nos transmitem alguns rudimentos
da tradição oral e alguns vestígios da religião subterrânea recalcada pelo
cristianismo triunfante.
Por meio dos exemplos que acabamos de citar} é possível concluir
que a nova história prega antes a releitura (com frequência inspirada na
linguística) na semiótica ou na psicanálise) de fontes conhecidas, prefe-
rivelmente à leitura de novos documentos. Essa preocupação prioritária
em propor novas interpretações, após décadas de transcrição passiva das
fontes, não podia ser mais legítima, mas incorreria no risco de trancar
os historiadores no legado textual do século XIX. Diante de tal perigo} a
preocupação é exumar e editar novas fontes: a investigação empreendida
por Jacques Le Goff e Jean-Claude Schmitt sobre os exempla medievais é
testemunha disso.
A contrautilização dos documentos} já sugerida por Bloch e Febvre
(interrogar-se sobre o sentido de um erro, de um documento falso ... )}
revela-se uma via promissora. Marc Ferro nos dá isso em "Le Film: Une

MARTIN E BOURDÉ 59
contre-analyse de la société", em que fica claro que o filme não deve ser
20

considerado simples reflexo da sociedade, mas um meio de ter acesso ao seu


avesso, ou de fazer que caiam por terra certas máscaras. Segundo Ferro, a
análise dos filmes de atualidades relatando as manifestações de Petrogrado
ocorridas entre fevereiro e outubro de 1917, por exemplo, parece mostrar
que os manifestantes eram na maioria soldados, e não operários. Isso, caso
ficasse de fato provado, questionaria os lugares-comuns sobre as "manifes-
tações de massa", em que o papel da vanguarda deve necessariamente ca-
ber aos operários, proletários conscientes e organizados, e não aos soldados,
que em sua maioria são "camponeses de uniforme': Uma tradição histórica
falsificadora se veria, desse modo, em dificuldade.
Alguns pioneiros da nova história imaginam poder ir além da contrauti-
lização das fontes, e raciocinar na ausência, e para além da ausência, de todo
e qualquer documento. Em As três ordens: ou o imaginário do feudalismo,
Georges Duby se detém demoradamente numa reflexão sobre o eclipse do
esquema tripartite (segundo o qual a sociedade se divide em: aqueles que
oram, aqueles que combatem e aqueles que trabalham), entre 1030 e u80, nas
regiões setentrionais da França. Ele vê diversas razões para isso: os monges
daquele tempo recusam o modelo ternário porque apreciam as construções
binárias (o perfeito se opõe ao que é aperfeiçoável) ou quadripartidas (mon-
ges - clérigos - cavaleiros - trabalhadores) ; a diversificação social é tal que
os teólogos não podem mais se satisfazer com o velho esquema e devem le-
var em conta a diversidade dos estatutos reais ... Assim, a ausência ganha
sentido, e passam a se exprimir os silêncios e a se dissipar as zonas de sombra.
Mas o talento de virtuose do autor é todo ele necessário para que se chegue
a produzir tantos ensinamentos a partir de um vazio documental. Essa arte
de produzir texto (cerca de cem páginas!) na ausência do texto logo depara
com seus limites, podendo se revelar perigosa caso muitos epígonos deci-
dam praticá -la também.
Há outro limite contra o qual se choca a nova história: "os métodos de
crítica desses documentos novos foram calcados, mais ou menos, no s méto-
dos desenvolvidos pela erudição dos séculos XVII, XVIII e XIX ... Uma nova

20 M arc Ferro, "Le Film: Une contre-analyse de la société", in Paire de t'hisioire, op. cit.,
t. III} pp. 236-56.

60 A. NOVA. HISTÓRI A.: H ER DEI RA DA ES COLA DOS ANNAL fS


cep ção do documento e da crítica que deve ser feita mal foi esboçada"
J"'( ~u e s Le Goff). Por mais que as novas fontes tenham se multiplicado,
m étodos de tratamento que elas recebem permanecem tradicionais, com
> ) 0 frequente dos procedimentos dos cliométricos e dos "peregrinos da
" ~ utura" Muitos textos (re)descobertos são utilizados apenas sob a forma
me ntagens apressadas: a coleção "Archives" dá muitos exemplos disso.
~ ntinua bem vivo o velho e bom método recorta-e-cola! Outros textos são
~I: , a d o s superficialmente, num completo desconhecimento das catego-
_5 linguísticas básicas. O tratamento da iconografia é ainda mais decepcio-

~.::. re: as obras são na maioria dos casos decompostas em elementos, atomi-
: o" em vez de serem analisadas em sua coerência profunda. Verificam-se
, , 1 maior frequência as comparações entre Maria, José, Pedro ou Paulo nos

'~ i~u l os da Haute-Tarentaise ou do baixo Contentin" (para nos limitarmos


.t exemplos imaginários) do que estudos estruturais de retábulos precisos,
.essituados em seu meio simbólico e ritual.
Dotados de instrumentos metodológicos de qualidade desigual, os novos
, istoriadores impuseram ao estoque documental renovado de que dispu-
" -,2m remanejamentos diversos, para poder lidar com os novos objetos con-
'ê'I:n ?lados por sua insaciável curiosidade. De nada serve se extasiar uma vez
mais diante das "novas roupagens de Clio" e retomar aqui um refrão bas-
:.:.te conhecido sobre as novas histórias (do clima, dos mitos, do incons-
.i ente, do comer, do beber, do nascer e do morrer, do ler e do escrever, do
entir e do tocar etc.) que floresceram nesses últimos vinte anos. Essa litania
; ::-de algumas observações. Ela não é desprovida de concessões à moda e à
. :; :> manda do grande público, ávido por estudos sobre as atitudes corporais
e ern particular}sobre a vida sexual (ver Jean-Paul Aron, Le Pénis et la d émo-
lJii, r7 t ioll de t'Occident],A periferia sempre é mais valorizada em detrimento
ao (f il tr o: marginais, indivíduos com desvios e feiticeiras gozam atualmente
: e um tratamento especial. O avesso da experiência vivida (o imaginário, os
so nhos, as construções ideológicas) chama muito mais a atenção do que as
co ndições reais de existência. Prezam-se as zonas sombrias: fantasias e ob-
sessões (ver os medos evocados porJean Delumeau, medo da noite, do lobo,
do mar, da mulher, do Diabo), pulsões recalcadas} sabás e diabruras diversas

: 1 Respectivamente, sub-regiões da Saboia e da Normandia. [N. T.]

MARTIN E BOU RDÉ 61


(ver a introdução de Amand Danet a Le Marteau des sorci éres, de Jacques
Sprenger e Heinrich Institoris). Depois de ter passado um século levantando
cronologias e 25 anos se consagrando às séries numéricas, a história se vê,
agora} imersa numa atmosfera neorromântica: as almas penadas vagam por
aí afora} Satã se desfaz em malefícios, a bruxa manda na aldeia} a chegada
do anticristo é iminente ... A história se tornou um show permanente, em
que produções altamente impregnadas de fantasmagoria se sucedem umas
após as outras, numa cadência acelerada, e em que as vedetes do estilo mais
coruscante incorrem no risco de se desgastar dentro de poucos anos. Como
está distante a época das pacíficas sequências cronológicas interrompidas
apenas por alguns repousantes quadros", Distante, também, o tempo dos
patriarcas que, como Lavisse, podiam reinar durante muitas décadas sobre a
ciência histórica! A história encontra-se, doravante} submetida à lei do mer-
cado} e corre o risco de ser vítima de uma obsolescência rápida, que afetará
tanto os homens que a fazem quanto os conceitos que propõe. Os herdeiros
de Dom Mabíllon" dão às vezes a impressão de terem optado pelo show bu-
siness, o que não deixa de ter seus perigos.

Pub licado originalmente como "L'Histoire nouvel le, heri tiêre de l'école des 'Annales''',
in Les Écoles histor iques. Par is : Seuil , 1983. Tradu ção de Flávia Nasc imen t o.

22 Monge beneditino que viveu no século XVII i historiador, escreveu sobr e a vida de Saint
Émilion na qual relata como este santo foi tentado por Satanás po r meio de elogios
excessivos. [N. T.]

62 A N OVA H ISTÓRIA : HER DE IRA DA ESCO LA DOS AN NA LES


Este livro resulta de uma tese de doutorado começada em 1979J defendida
no ano seguinte e publicada em 1983. Os novos historiadores encontra-
vam-se então em plena glória midiática e intelectual. As publicações de
balanços de sua produção se sucediam, publicavam-se as grandes teses
(Jean-Pierre Pousou, Jean-Pierre Bardet), Braudel estava prestes a entrar
para a Academia Francesa e continuava remanejando incansavelmente
o primeiro tomo de uma história da França esperada com impaciência
e assombro, depois de todas as zombarias com que os Annales haviam
brindado a história nacional. O estudo dos novos historiadores pertencia,
portanto, a um gênero incerto e perigoso, porém oficialmente muito pre-
zado por eles: a história imediata, análise de um fenômeno cujos efeitos
continuavam se produzindo.
Cinco anos depois desta publicação, as coisas mudaram muito. A explo-
são da nova história em correntes diversas, e às vezes antagónicas, tornou-se
patente. Mais grave ainda, sua dinâmica parece rompida: a quarta geração,
chamada a suceder Pierre Chaunu ou Emmanuel Le Roy Ladurie, ainda não
soube assumir seu papel, e os jovens historiadores se dirigem de bom grado
a outras paragens: "a maioria do grupo [dos jovens historiadores] não per-
tence mais ao meio que predominava ainda há alguns anos, ou seja: a École
des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), cujo prolongamento se'
faz num sentido pelos Annales e, em outro, pela Biblioth éoue des Histoires ou

64 PREFÁCIO: DA HI STÓRIA I MED IATA À ARQUEOLOGIA


: -= " .r ónica hist órica de Le Nouvel Observateur".' As teses inovadoras marca-
:"".' pelo espírito dos An nales se tornaram mais raras. O gosto do público se
;.,.;: ~ e para os gêneros tradicionais - história da França e biografias - , qu e
ro agraciados com uma in contest ável reabilitação. M ais franco e lúcido
~ :' outros, Pie rre Chaunu fala de uma "nova histór ia na menopausa", e
. . urne, em 1984, na reedição de seu clássico História como ciência social,
_.-= ela entrou em fase de rendimento decrescente : "Na verdade, em dez
~ 'J nenhuma descob erta fundamental che gou a causar alguma comoção.
• • 1;; aperfeiçoam os e p olimos, e fomo s mais herdeiros do que inovadores':'

_ 2 história imediata, passamos à arqueologia de uma história ainda não

J~' 2n d o n ad a, m as cujo de clínio já foi encetado. Modesta contribuição às


.-s rividades do aniversári o de cinquenta anos da primeira edi ção, ho je esse
.0 assume o tom de um verdadeiro atestado de óbito.

=ALECIDA NOVA HISTÓRIA

Claro, trata-se de uma morte lenta, que passa despercebida, camuflada pela
sobrevivência das instituições: os Annales ESC continuam a ser publicados
com seu costumeiro atraso, a EHESS erige-se hoje na esquina do Boulevard
Raspaíl com a Rue du Cherche-Midí, alguns novos historiadores são vistos
de tempos em tempos no programa Apostrophes.3 Mas o impulso intelectual
e o espírito conquistador dos anos 1960-70 cederam lugar à dúvida e à ro-
tina. No plano universitário}a EHESS continua voraz, como sempre, em seu
consumo de verbas e de pessoal qualificado, mas ela não é mais a colmeia
superativa que foi a Sexta Seção. Evidentemente, continua-se a trabalhar ali,

Pascal Ory, "La Nouvelle G én ération". Le Figaro littéraire, U/04/1988, p. 8.


Pierre Chaunu, "Dix ans aprês", prefácio à segun da edição de Histoire, science sociale: La
durée, I'espaceet l'homme à I'époque moderne. Paris: Sedes, 19841p. XlI. A expressão "n ova
hi stória na menopausa" aparece em diversos texto s, por exemplo, no prefácio a Certitu-
des et incati tudes de l'histoire: Trois colloques sur l'histoire de l'Institut collégia/ europ éen,
organizado por Gilbert Gadoffre. Paris: PUF, 1987, p. 10.
Pr ograma literário e de humanidades comandado por Bernard Pivot na televisão públi-
ca fran cesa, que durou d e meados da dé cada de 1970 a 1990, tendo se tornado um tanto
culto [N. T.]

COUTAU- BÉGARIE 65
mas sem um plano conjunto) e apenas o laboratório de demografia histórica
prossegue nas grandes pesquisas que tanto contribuíram para a reputação
da casa. As publicações da École diminuíram de modo espetacular: suas di-
ferentes coleções produziram) de 1980 a 1987) apenas setenta títulos) o que
sugere que na década de 1980 o total de livros publicados não ultrapassará
os oitenta) ou quem sabe pouco mais ) ao passo que na década de 1970 conta-
ram-se 120 publicações e, na de 1960, duzentas. Pode-se obviamente evocar
o argumento da alta dos custos da edição. Mas isso não explica tudo: pois,
como explicar o fato de assistirmos hoje a uma expansão tão surpreendente
das publicações da Quarta Seção da École Pratique des Hautes Étudesi" Du-
rante os anos 1960) a Quarta Seção publicou apenas uma trintena de obras,
o que significa que a proporção era então de 1 para 7. Hoje, ela é de somente
1 para 1,5 quando se comparam as duas seções: a Quarta Seção praticamente
mantém o páreo com sua poderosíssima rival) e isso sem que a despropor-
ção com respeito aos recursos entre as duas instituições tenha se atenua-
do.' Manifestamente, a política voluntarista dos anos 1950-60 se desvaneceu.
A qualidade sofreu os efeitos disso. Isso não significa) obviamente, que os
trabalhos atuais sejam medíocres) mas depois de Bordeaux et le Sud-ouesi,
de Jean-Pierre Pousou, publicado em 1983/ a École praticamente não publi-
cou mais nenhuma grande tese. O desprezo pelas teses, qualificadas, aliás,
como entulho arcaico) produz hoje em dia seus efeitos: a quarta geração não
contribuiu com obras-primas individuais com a mesma qualidade daquelas
que construíram a reputação da Escola dos Annales. À ascese imposta por
dez ou quinze anos de suje ição à pesquisa em arquivos) ela preferiu a via
mais rápida dos artigos, das comunicações nos colóquios e dos projetos co-
letivos. Mas nem todo mundo nasceu para Louis Henry ou François Furet,
e é raro que esses trabalhos mais curtos cheguem a compensar a ausência
de teses. Ora, estas continuam sendo, contra ventos e marés, o meio privi-

4 O ensino uni versitário franc ês é dividido em diversas "se ções" disciplinares (hoje
contando com 74 seções oficiais), nas quais atu am os docentes pesquisadores; a di-
visão sofreu mudanças (notadamente com acréscimo s e reorganização) ao longo do
tempo. [N. T.]
5 O orçamento da EHESS elevou-se, em 19 87 , a 21,5 milhões de francos; o da Quarta Seção
não chegava a atingir 1 milhão.
6 A tese de Jean-Pierre Bardet não foi publicada pela École.

66 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IMEDI ATA À ARQUEOLOGIA


legiado para fazer que a pesquisa progrida} como acaba de demonstrar Les
Galériens (1987)} de André Zysberg, bem como as teses ainda inéditas de
Jean-Pierre Bois sobre os soldados veteranos, ou a de Denis Crouzet sobre
.JS guerras de religião.

As publicações mais notadas atualmente são as reedições ( Os camponeses


do Languedoc, Beauvaisis et leBeauvaisis, La Noblesse bretonne ... ) e as tradu-
ções (sendo enfim publicada a obra de E. P. Thompson, A formação da classe
operâria inglesa). Tais obras são bem-vindas} mas não são fruto da atividade
dos jovens pesquisadores da casa. O Dicionário das ciências históricas, organi-
zado por André Burguiêre, dá conta}apesar de tudo, desse enfraquecimento:
praticamente todos os trabalhos citados como modelos já constavam de La
Nouvelle Histoire, obra organizada por Jacques Le Goff sete anos antes/ e o
principal interesse desse novo dicionário reside antes no destaque feito em
relação às escolas históricas estrangeiras}que} enfim} tornam-se visíveis.
A nova história tampouco vai bem no domínio público: acabou-se o su-
cesso de Montaillou} assim como as vagas para obras sobre a morte, a família
ou a sexualidade. O público reivindica história da França} sendo as obras
com esse tema editadas em rajadas sucessivas," e} acima de tudo} biogra-

o Dictionnairedes sciences historiques (org, André Burguíere. Paris: PUF, 1986 [ed. bras.:
Dicionário das ciências históricas, trad. Henrique de Araújo Mesquita. Rio de Janeiro:
Imago, 1993]) consagra verbetes substanciais às principais escolas nacionais (britânica,
alemã, americana, italiana...), mas também reserva um espaço importante aos trabalhos
estrangeiros nos verbetes gerais, o que não ocorria, sete anos antes, em La Nouvelle His-
toire (ed.Jacques Le Goff et al. Paris: Retz, 1978 [ed. bras.: A história nova, trad. Eduardo
Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1990]).
Histoirede France, organizada porJean Favier, foi publicada em seis volumes pela Fayard
(Paris, 1984-88) . Histoire d~ France, cm cinco volumes (alguns ainda no prelo), Paris:
Hachette. L'Identiié de la France, de Femand Braudel, Paris: Flammarion (um tomo em
três volumes já publicado; restam outros dois tomos) [ed. bras.: A identidadeda França,
trad. Lygia Araújo Watanabe. Rio de Janeiro: Globo, 1989]. L'Obscure mémoire de la
France: De la premiêre pierre à l'an mil/e, de Pierre Chaunu, Paris: Perrin (primeiro tomo
de Histoire de Fral1ce, que deveria perfazer três tomos), 1988. Histoirede Frnnce de Fran-
çois Lebrun eJean Carpentier. Paris: Seuil, 1987, sem esquecer certos gêneros um tanto
diferentes como o de Les Lieux de mémoire, em três tomos, com organização de Pierre
Nora. Paris: GaIlimard, 1984; e os três enormes volumes de Géopolitiques deFrance, obra
organizada por Yves Lacoste (Paris : Fayard, 1986), um trabalho redigido por geógrafos.

COUTAU- BÉGARIE 67
fias, cujo sucesso só faz aumentar. Nos dois últimos anos, o Grand Prix de
história Moét-Henessy contemplou sucessivamente Louis XIV) de François
Bluche, e LavaI, de Fred Kupferman. Diante do triunfo do Rei-Sol, François
Lebrun não encontrou outra coisa a fazer que não redigir um verdadeiro
discurso de defesa da nova história, cujo tom miserabilista dá o que pen-
sar: "seria deplorável que essa revanche da história tradicional acarretasse o
esquecimento ou o descrédito de uma forma de história que conseguiu ar-
rancar do esquecimento os verdadeiros atores do passado': 9 Onde foi parar a
segurança, tantas vezes matizada de arrogância, característica dos anos 1970?
Contudo, nem todos os novos historiadores se trancam numa reprova-
ção dolorosa, e alguns deles tiram proveito desse retorno do grande homem
e do acontecimento. Marc Ferro se lança numa biografia de Pétain, com a
aprovação de Braudel, que lhe declara: "Bom, você tem que fazer, sobretudo,
uma boa narrativa) porque ... entende? Um livro sobre Pétain ... é preciso
que a gente possa, depois, compreender todo o restante". Imagina-se o es-
panto de seu interlocutor, que fica "boquiaberto": "Claro, eu tinha a inten-
ção de proceder assim mesmo, mas não imaginava que o pai da longa du-
ração) o crítico feroz da história acontecimental fizesse) antes de mais nada)
esse coment ário'i" Diversos novos historiadores merecidamente ilustres
começam a preparar uma Histoire de Pran ce, cuja advertência ao leitor) redi-
gida por Georges Duby, indica bem o propósito do trabalho: "O projeto que
construimos, Emmanuel Le Roy Ladurie, François Furet, Maurice Agulhon
e eu, implica que o discurso se concentre na política. Não hesitei) inicial-
mente, em me deter diante de alguns acontecimentos ... pelo acontecimento)
é da própria vida que tratamos"." O tomo II) confiado a Emmanuel Le Roy
Ladurie, é ritmado pela história política) como demonstram os títulos de
suas três partes: "Les Valois florissants", "Les Valois décadents", "La verdeur
du Bourbon", e não se sabe ao certo se podemos concordar com o autor
quando este afirma que "a presente obra se situa na esteira das contribuições
anteriores que ele produziu para a Histoire économique et sociale de la France,
organizada por Fernand Braudel e Ernest Labrousse, para a Histoire de la

9 François Lebrun, "Louis XIV et vingt millions de Français ". L'Histoire, n. 97, fev. 1987, p. 87.
10 Mare Ferro, Pétain. Paris: Fayard, 19871 p. 10.
II Georges Dub y, Histoire deFrance, t. I (LeMoyenAge). Paris: Ha chette, 1987, p. 9.

68 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IMEDIATA Á A R O U E O I~ O G I A


=- ~ Ul .e rurale e, enfim, para a Histoire de la France urbaine':12 A continuidade
en tre esses vastos afre scos coletivo s não é nem um pouco evidente. Pelo me-
DO :, no que diz respeito à última tropa da ortodoxia braudeliana, que denun-

c:" essa "regressão", tal continuidade inexiste.

.-_~1f ó p ri a identidade da Esco la do s Annales sem p re se construiu, para além


LC2 pluralidade da s personalidades que m arcaram sua hi stória, em sua oposi-
:~(' resoluta, militante, à narrativa político-cronológica.
Não é, pois, sem surp resa, que se lê a Histoire de France (Hachette), de
G eorges Duby e Emmanuel Le R oy Ladurie. Ela tem o encanto ob soleto de
nrn Ernest Lavisse ou de um Mallet-Isaac exumados. Enfim, a França tem um
ro rne ço. Antes, todos se perdiam em conjecturas sobre suas origens troianas,
';:2ulesas ou francas, e agora todos sab em que a Fr ança n asce exatamente no
r-onto em que se inicia o conhecimento de Georges Duby, o que vem a ca-
nal': 987 - Hugues C apet, exatamente h á m il anos! Antes, a Fr an ça não era
z França. M aurice Duverger tem contra o que se insurgir, reivindicando seu
: 2ro Carlos Magno e seu prezado Clóvis, que lhe são confiscados!" Devería-
:1lO S ver aí uma vit ória póstuma do velh o mestre Lavisse ?

O balanço que fazem no ssos hi storiadores do s heróis de no ssa infância é


) ob alm ente positivo : "Eles não deixaram de ter seu m érito'i" No est ilo da
mais pura tradição, o critério deci sivo para ser alçado ao topo da parada dos
reis é te r permitido o cre scimento da Casa-França. De quebra, algumas rea-
bilitações, sem esquecer os segredos da s alcovas reais qu e voltam a ganhar
i ireito de cid adania no discurso da história erudita . Assim, aprendemos que
Luís VII, o "queridínho" de Georges Duby, não merece a má reputação que
tem, de vida às traições de sua mulher. Emmanuel Le Roy Ladurie refaz o
personagem de H enrique III, acusa d o erroneamente de homo ssexualidade,
quando na verdade se sab e que pa ssou do is dia s com 24 prostitutas e, em se -
guida, foi um bom esposo! Certo psicologismo biográfico entra em destaque,
e Emmanuel Le Ro y Ladurie se pr opõe perscrutar "o fundo do coração" de

i2 Emmanuel Le Roy Ladurie, Histoire de Francc, t. II (L'État Royal: de Louis XI a Henri IV,
14-6 0-16 10) . Paris: H achett e, 1987, p. 356.
13 Le Monde, 12/ 11 /19 87.
l-l- E. Le Roy Ladur ie, Panorama. France Culture , 03 / u /1 987.

COUTAU- BEGAR!E 69
Henrique nr." Temos a impressão de estar sonhando quando o vemos expres-
sar, no programa Apostrophes, logo ele, antigo militante do Partido Comunista
francês (mas trata-se de crime prescrito, explica ele num programa da rádio
France Culture), sua admiração por. .. Luís XIV ! Lembramo-nos, no entanto,
do quadro sombrio que pintava outro analista, Pierre Goubert, em seu livro
Louis XlV et 20 millions de Français. Também se pode confrontar com espanto
o novo Duby com o outro, de 1973, que escreveu Le Dimanche deBouvines: "O
que viria a fazer, a favor de uma história que durante tanto tempo lutou, e tão
justamente, para se livrar dos entraves do acontecimental, o relato da batalha
de Bouvines no ensino infantil de uma Europa unificada? Nosso tempo ex-
pulsa as batalhas da memória. E ele tem razão '." Indo no sentido contrário de
sua própria tese de desmistificação de Bouvines, tese em que Georges Duby
pregava que tal batalha era um não acontecimento, agora o mesmo Duby es-
creve que "Bouvínes foi uma verdadeira batalha', uma "vitória esmagadora","
"A batalha de Bouvines, o centro de meu livro, tem um sentido fundador "
(programa televisivo Apostrophes, 13 de novembro de 1987):8

QUANDO O MEDITERRÂNEO OLHA PARA A FRANÇA

o que François Dosse não vê é que os novos historiadores podem não ter
permanecido fiéis ao projeto dos fundadores, mas uma coisa é certa: eles
conservaram pelo menos a inteligência estratégica que tanto colaborou para
seu sucesso. De resto, não é verdade que eles foram encorajados pelo exem-
pio dado por Fernand Braudel em pessoa? Sua obra póstuma e inacabada,
L'Identité de la France, obteve um sucesso de vendas inusitado, mas "su r-
preendeu e incomodou muitos de seus leitores, e em especial aqueles para
os quais ele era mais familiar - historiadores e geógrafos à frente de todos -

15 Id., Histoire de France, t. II, op. cit., p. 168.


16 G. Duby, Le Dimanche de Bouvines [1973]. Paris: Gallimard, 1985, P: 231 [ed , br as..
O domingo de Bouvines: 27 dejulho de 1214, trad. Ma ria Cri st ina Fria s. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1993].
17 Id., Histoire de France, t. I, op. cit., p. 263.
18 Fran çois Doss e, "Les H istori ens sont tombés sur la t ête", Lio ération, 28 fev. 1988 .

70 PR EFÁCi O: DA HIST ÓRIA IM ED i ATA Á AROU EOLOGIA


e que estavam acostumados a seu pensamento e a suas obras anteriores';"
Maurice Aymard reconhece que, tanto quanto à forma como quanto ao con-
teúdo, há uma "ruptu ra evidente ou, no mínimo, uma evolução em relação
~ hábitos anteriores que nos pareciam estabelecidos de uma vez por todas,
ditando nossas expectativas" i ainda assim, Aymard tenta mostrar que, apesar
de tudo, esse livro preparado por tanto tempo se inscreve com naturalidade
na linhagem direta da obra pregressa de Braudel, "com continuidades e evo-
luções, umas e outras signíficatívas'." Mas esse testemunho de devoção filial
não convence. Do ponto de vista da forma, como não ver a diferença entre
o estilo elegante, porém distante, de Civilização material) economia e capita-
lismo: Séculos XV-XVIII e esse livro que faz confidências ao leitor por meio de
pequenos toques intimistas, lembranças de infância ou impressões colhidas
DO decorrer de viagens através do Hexágono? Passeio encantador e emocio-

nante, muitas vezes impregnado de nostalgia, mas mesmo assim algo ines~
perado sob a pena do autor de Escritos sobre a história. Quanto ao conteúdo,
como não ser tomado por sobressaltos ao ver com que entusiasmo o autor
reverencia o "sempre apaixonante Manuel historique de politique étrangere
de Émile Bourgeois", >l após recordarmos os ferozes sarcasmos de Lucien
Febvre?" Como não ficar perplexo diante desta afirmação, que poderia ter
sido assinada por Pierre Gaxotte: "Ao lado da administração monárquica, o
exército tornou-se portanto a ferramenta mais ativa da formação unitária da
França"?" Reconhecimento tardio da história militar tão maltratada pelos
4-\nnales em outros tempos. Como não ficar dividido entre a estupefação e
a vontade de rir ao ler a narrativa (palavra terrível .. . ) do cerco de Toulon,"
que se resume na mais pura história-batalha? As batalhas deixam, assim, de

19 MauriceAyrnard, "Une Certaine Passion de la France, une certaine idée de l'hístoíre", in


Maurice Ayrnard et al., LireBraudel. Paris: La Découverte, 1988, p. 58.
10 Id., ibid., p. 59.
21 F. Braudel, L'Identitéde la France, t. I, v. 1, op. cit., p. 295.
II Por exemplo, em Combats pour l'histoire (Paris: Armand Colin, 1953) lê-se à página 18:
"Eu possuía, desde minha mais tenra infância, uma vocação de historiador quase corpó-
rea. Mas ela não pudera resistir a dois anos de aulas de retórica no liceu Louis-le-Grand,
e a dois anos remascando o Manueldepolitique étrangere de Émile Bourgeois".
23 F. Braudel, L'Identitéde la France, t. I, V. I , op. cit., p. 339.
24 Id., ibid., pp. 316-31.

COUTAU- B t GARIE 71
ser uma agitação superficial e se veem contempladas com o reconhecimento
dos efeitos criadores. São assim evocadas: "a Gália merovíngia que surge, de
forma um pouco improvisada, com as vitórias de Clóvis (contra Syagríus,
em Soíssons, ano 486; contra os alamanos, em Tolbiac, ano 496j contra os
visigodos, em Vouillé, ano 507)";25 "a Gália carolíngia [que] se define, em
primeira instância, pela sucessão de acontecimentos considerados tradicio-
nalmente importantes: ano 687, a batalha de Tertry (vitória da Austr ásia),
tendo como consequência uma mudança nas regras do jogo; ano 732 ou 733,
no campo de batalha de Poitiers, o verdadeiro fundador da nova dinastia
dos carolíngios - Charles Martel- obriga à retirada a cavalaria leve dos in-
vasores muçulmanos'l" Visivelmente, Braudel não gosta dessa apresentação
tradicional, mas, contra os que afirmam que não houve Império Carolíngio,
ele observa que: "o Império só dá certa impressão de força entre os anos 800
e 840 (e olhe lá): desde a morte de Carlos Magno, o navio está à deriva","
o que é uma surpreendente homenagem ao grande imperador, o qual teria,
portanto, feito mais pelo poder do Império do que os determinismos eco-
nômicos e sociais. O desenvolvimento europeu a partir do ano 1000 é expli-
cado pela "forma mais elementar de crescimento: a extensão do espaço geo -
gráfico conquistado pela economia europeia que, então, se dilata em todas
as direções [ 1212, a grande, a decisiva vitória de Las Navas de Tolosa","
o •• ]

A guerra econômica entre Gênova e Veneza perde impulso, não pelas osci-
lações dos preços ou pelo deslocamento dos grandes eixos comerciais, mas
sim por uma vulgar batalha: "apenas no final do século XIV, após sua vitória
no término da guerra dramática de Chioggía (1383), é que Veneza se verá
enfim livre do rival genovês "! 9Reabilitação do acontecimento que encontra,
assim, um Significado, graças à noção bastante curiosa de "acontecimento
longo, isto é, um acontecimento que tem consequências de longo termo e
anexa a si mesmo, desse modo, um tempo muito superior ao de sua própria

25 Id., L'ldentit éde Ia France, t. I, v. 2) op. cit., p. 93.


26 Id., ibid., P: 1Ol.
27 Id., ibid., p. 104.
28 Id ., ibid., p. 137; grifo meu.
29 Id., ibid., p. 149 .

72 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IMEDIATA Á ARQUEOLOGIA


duração"> Que longo caminho percorrido desde o famoso artigo "Histoire
et sciences sociales. La longue dur ée" (1958) J no qual se pode ler: "com sua
abusiva capacidade de propaga ção, [o acontecimento] é uma fumaça que
farta a consciência dos contemporâneos, porém ele praticamente não dura,
e é por pouco que quase não se pode ver sua chama''"
No entanto, é verdade que Braudel não negou in extremis todas as suas
profissões de fé anteriores. Não causa surpresaJ portanto, o fato de exprimir
a nostalgia do paraíso perdido que era a França camponesa J juntamente com
uma condenação moral da "cidade parasita"," o que acarreta uma hierarqui-
zação que acreditáramos retirada de um manual marxista dos anos 1950: "a
superestrutura urbana é um sistema elevado que explica o mundo campo-
nês subjacente, condenado a suportá-la sobre seus ombros'z' Essa dialética
entre infraestruturas rurais e superestruturas (assim se intitulam os dois ca-
pítulos do segundo volume do tomo II) é acompanhada, logicamente, por
uma condenação renovada do Estado: "Daquilo que arrecada o Estado - im-
postos diretos e indiretos, empréstimos -J nada, ou quase nada, é reinjetado
na economia ativa do país, ou nas economias locais. Tudo concorre para sus-
tentar, 'de acordo com um percurso retilíneo do qual toda e qualquer dedu-
ção está excluída, a vída da Corte, as despesas de prestígio, o reembolso das
dívidas govemamentais, as necessidades do exército} da marinha ... ~34 Dia-
lética igualmente acompanhada, claro, por uma condenação do capitalismo
que explora a França e o povo, " E para completar, exumada do depósito de
velharias, onde pensávamos que ficaria para sempre, eis a teoria da paupe-
rização relativa," que os próprios historiadores marxistas deixam descan-
sar em paz. E isso ocorre quando o próprio Braudel reage J na conclusão do
mesmo volume, contra o miserabilismo campon ês," Até um acadêmico tem

30 Id., L'Ideniit éde la France, t. I, V.1, op. cit., p. 103 e nota 220 .
31 Femand Braudel, Ecrits sur l'hisioire. Paris:Flammaríon, 1969 , p. 45 [ed. bras.: Escritosso-
brea história, trad.]acó Guinsburg e Teresa C. S.da Mota. São Paulo: Perspectiva, 1992].
32 Id., L'Identii éde la France, t. I, V. 2, op. cit., p. 214.
33 Id., ibid., p. 185.
34 Id., ibid., p. 222.
35 Id., ibid., p. 240.
36 Id., ibíd., p. 175.
37 Id., ibíd.,p. 429.

COUTAU- BÉGARIE 73
dificuldade para se livrar dos ouropéis que restam da ideologia. Porém, suas
inflexões epistemológicas parecem mais significativas que sua continuidade
ideo lógica. Que o grande mestre da nova história tenha podido a tal ponto
questionar suas análises anteriores, eis algo revelador da ruptu ra que se pro-
du ziu no decorrer dos anos 1970, e que levou Charles-Olivier Carbonnel a
estabelecer uma distinção entre duas novas histórias: "De que 'Nova H istó-
ria' estamos falando? A dos Allllales, que tem cinquenta anos de idade, e na
qual se sucederam trê gerações, ou da 'Nova nova hist ória, surgida há cerca
de dez anos, e cujas características são às vezes bem diferentes daquelas en-
con tradas nas ideias da primeira e da segunda geração dos Amlales?,:38

AS RAZÕES DE UMA LENTA EXTINÇÃO

Por que e como uma evolução assim pôde se produzir? A resposta é evi-
dente: a nova história não escapou ao desgaste do tempo. As premissas do
declínio já eram perceptíveis no final dos anos 1970, quando era celebrado
com grande ruído o cinquentenário. Félix Torres notou com perspicácia que
"a leva de estudos sobre os Annales, notadamente por ocasião do aniversário
de cinquenta anos, a constituição de uma genealogia retrospectiva na enci-
clopédia La Nouvelle Histoire (1978), a assimilação um pouco forçada, a esta,
do passado e do presente da pesquisa histórica na França sobrevinham num
momento em que a hegemonia da escola estava 'em nítido recuo em compa-
ração a 1965":39 Do mesmo modo como Platão teorizava sobre a cidade-Es-
tado ideal no momento em que esta se encontrava prestes a capitular diante
do império, Jacques Le Goff e seus colaboradores compunham, sem saber,
uma pavana para uma escola defunta.
Annie Kriegel foi sem dúvida a primeira a sublinhar os efeitos nocivos
dessa "longa duração" da Escola dos Annales, num artigo publicado em 1972
na Revue Française de Sociologie: "que a Nova História tenha sido um mo-
mento necessário e produtivo na evolução epistemológica da disciplina, isso

38 Discussão sobre a comunicação de Philippe Ari ês em Certitudes et incertitudes de Thistoire,


op. cit., p . 175.
39 Félix Torres, Déjà vu:Post et néo-modernisme, leretour du passé. Paris: Ramsay, 1986, p. 217.

74 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IME DIATA Á ARQUEOLOGIA


P é algo óbvio. Agora, que continuemos sendo obrigados a nos contentar,
tingindo, quarenta anos após o estabelecimento de suas bases e 25 anos após
~ morte de Marc Bloch, que acreditamos que ela continua gozando do privi-
légio da modernidade, eis o que é bem menos óbvio"," Tais questionamen-
tos se multiplicaram em seguida. Para Emmanuel Todd (1980), ela não passa
da"herança de uma glória antiga. A história das mentalidades e as técnicas
quantitativas não são invenções do pós-guerra. Os princípios metodológi-
cos desses dois domínios de pesquisa foram estabelecidos por Gabriel Tarde
a partir dos anos 1880-90; a fundação da Escola dos Annales por Marc Bloch
e Lucien Febvre reporta-se ao período entreguerras. A nova história não
merece seu nome. Ela é brilhante, mas tudo deve a um passado ainda mais
brilhante, que é o da sociologia do final do século XIX':4 Lawrence Stone vai
1

mais longe na crítica, embora reconheça que "asprimeiras obras de Fernand


Braudel, de Pierre Goubert e de Emmanuel Le Roy Ladurie constarão entre
as maiores, em meio aos escritos de história de todos os tempos e lugares.
Tais obras são o bastante para justificar plenamente a escolha, por parte de
toda uma geração, da via de abordagem analítica e estrutural";" ainda assim,
ele estima que a idade de ouro dos Annales faz parte do passado, porque
a história científica, da qual eles constituem uma das grandes correntes -
sendo a outra a dos c1iometristas norte-americanos -, falhou: "o determi-
nismo econôrnico e demográfico desmoronou diante de certas evidências,
mas nenhum outro modelo determinista bem-acabado, fundamentado so-
bre a política, a psicologia ou a cultura, foi criado para tomar o seu lugar.
O estruturalismo e o funcionalismo quase não obtiveram maior êxito. Foi
possível constatar que o método quantitativo não passa de um caniço bem
quebradiço, e que só pode dar respostas a uma série limitada de questões.
Obrigados a escolher entre os modelos estatísticos a priori de comporta-
mento humano e a inteligência por observação, experiência, julgamento e

40 Annie Kriegel, "D u Bon Usage de la crise". RevueFrançaise de Soci%gie, n. 4, v. 13, oul.-
-dez. 1972, p. 461.
41 Emmanuel Todd, "La Vie intellectuelle française: Du néant à l' être". Le Débat, n. 4, set,
1980, p. 85.
42 Lawrence Stone, "Retour au récit ou réflexions sur une nouvelle vieille hístoíre " [1979],
trad. Louis Évrard. Le Débat, n. 4, set, 1980, p. 122.

COUTAU- Bt:GARIE 75
intuição, alguns dos novos historiadores se deixam levar rumo ao segundo
modo de interpretação do passado'i"
No mesmo ano, Alain Besançon, que já se havia retirado da psico-história,
se distancia dos Annales num prefácio em que distingue dois tipos de histó-
ria: a história narrativa, "maneira espontânea e primeira de escrever a história",
praticada por Michelet e hoje por "Le Roy Ladurie e outros bons e merecida-
mente populares novos historiadores" e a história sistemática, na qual não é
difícil reconhecer os Annales:

Infelizmente) existe uma maneira bastante inferior de escrever a história que,


desde a guerra) prospera em nosso país: a história sistemática, ou antes, a his-
tória de sistema. Aqui, os acontecimentos não são apreciados por si mesmos,
não provocam mais surpresa, admiração, horror. Eles são envolvidos, enquis-
tados, cimentados num esquema de conjunto, sempre o mesmo, numa inter-
pret ação global, à qual eles devem servir de justificativa. Mas que sistema?
Com menos frequência o marxismo do que um sociologismo que dele deriva
inconscientemente, trazido pelos ares do tempo, o meio do qual se originam
os historiadores, as facilidades intelectuais que autoriza.

E para que não persista nenhuma dúvida) Besançon aponta, como caso
exemplar de sociologismo, a bem conhecida formulação "econ om ia, socie-
dade, civilízação'l'" Não seria possível ser mais claro do que isso.
Em 1982, um novo golpe atinge o projeto braudeliano, vindo daquele
que poderia ter estado entre as primeiras fileiJ:as de seus defensores: Fran-
çois Furet, que presidia então a École des Hautes Études en Sciences Socia-
leso Ele não pronuncia nenhuma condenação retrospectiva) mas assume a
dissolução do grupo que, mesmo sem esgotar seu capital, havia, segundo
ele, perdido seu objeto social. "À pergunta 'O que é a Escola dos Annales?'
os fundadores deram respostas brilhantes, e Fernand Braudel igualmente,
depois deles. Mais precisamente: eles as elaboraram. Todas essas batalhas

43 Id., ibid., p. 132. Esse parágrafo foi retomado sem modificações em relação à primeira
edição, p. 31S.
44 Alaín Besançon, prefácio a Martin Malia , Comprendre la Révolution russe. Paris: Seuíl,
19So, p. 9.

76 PREFÁCIO DA HISTÓRIA IME DIATA À ARQUEOLOGIA


~cidas contra a estreiteza e a autossatisfação, que, no fim das contas, fun-
daram uma instituição, tiveram pouco a pouco desfeitas suas próprias ra-
zões de ser:' A partir de então, "não há nada além de uma hegemonia de
intluência e de reputação, e não mais uma escola de pensamento; sem dú-
Tida, sequer continua havendo um espírito geral comum':4S A luta por uma
história global e científica corresponde a um estágio doravante ultrapassado
da. historiografia, e posto que a causa está ganha a nova história pode se frag-
mentar e seguir direções diversas - com a ira de Braudel, que desaprova essa
fragmentação e permanece apegado ao estandarte da história global. Mas a
partir do momento em que o papa teve de abdicar, ele não pôde mais pre-
tender a infalibilidade dogmática. Ainda é rodeado de deferência e venera-
ção, porém não mais escutado." Como consequência disso, passa a atrair,
como seguidores, uma tropa esquelética de fiéis. E chegaremos mesmo a ver,
num colóquio organizado pelo Fernand Braudel Center, da Universidade do
Estado de Nova York, o historiador norte-americano Traian Stoianovich de-
fendendo o projeto braudeliano contra os herdeiros infiéis, no caso Jacques
Revel e André Burguiêre, que apresentavam na ocasião a nova teologia da
história fragmentada ... 47
Querela sobre o sexo dos anjos? Ou, mais profundamente, reflexão so-
bre o legado, cinquenta anos depois da fundação? Até o fim, Fernand Brau-
del reivindicou para a história um lugar central em meio às ciências sociais,
e negou que a sociologia pudesse ter esse papel. "Os sociólogos são para
nosso trabalho de grande valia, evidentemente, mas a sociologia não passa

. ' François Furet, L'Atelierde l'histoire. Paris: Flammarion, 1982, p. 8.


.!-6 O necrológio de Braudel publicado no s Annales, assinado pela "Reda ção" (jan.-fev.
1986), não tentou camuflar um desacordo que se tomara público: "Fem and Braudel
fazia muitas reservas com relação à revista cuja responsabilidade ele havia transmitido
há mais de quinze anos, e da qual tinha se distanciado progressivamente... Ele a acusa-
va de fragmentar os interesses e de mal chegar a distinguir , às vezes, entre o acessório e
o fundamental. Seu projeto fora o de uma história global, integrando as contribuições
de todas as ciências humanas. Quanto a nós, estaríamos entregues a experimentações
mais locais...".
+7 Atas publicadas em Review, n. 3-4, v. I, 1978, com o título "lhe Impact of the Annales
School on the Social Sciences". O discurso de defesa de Traian Stoianovich fica claro
em seu texto "Social History: Perspective of the Annales Paradígm", especialmente na
p. 20, bem como nos debates , p. 52.

COUTAU- BÉ GARIE 77
de uma 'ciência' em devir. Ela não nos fornece modelos, nem definições ou
regras tendenciais, dós quais já tivéssemos necessídade.l" Projeto estra-
tégico e epistemológico ao mesmo tempo: não se fala mais de leis, sequer
de constantes, mas as eufemizantes "regras tendenciais" passam a exprimir
a mesma ideia. Para François Furet, ao contrário, não há mais sentido em
prosseguir na luta a partir do momento em que o adversário depõe suas ar-
mas : "Mas o que passa a ser, enfim, a Escola dos Annales a partir do mo-
mento em que o território que ela reivindicou para a história se tornou um
domínio público?,:~9 Sucesso, portanto, no interior da corporação. Mas, ao
mesmo tempo, foi preciso reconhecer que entre "a boa e velha história nar-
rativa, aquela que reconstitui os fatos verdadeiros segundo a lógica cronoló-
gica do romance, e a história que se auto denomina 'nova' porque empresta
uma parte de sua bagagem a disciplinas vizinhas, a oposição não é nem tão
nítida nem tão real como a segunda dessas histórias pretende insinuar.
A confusão resulta do fato de que a renovação e a extens ão dos assuntos da
história - coisas sobre as quais todos os historiadores estão de acordo hoje -
não acarretam forçosamente a transformação da matéria">' O mesmo dito
de outro modo: do ponto de vista epistemológico, os Annales não trazem
nada de novo. Mas do ponto de vista do campo dos estudos históricos, sim.
E é possível que se limitem a isso.
Temos a mesma constatação no que diz respeito às ciências sociais. O
projeto Bloch-Febvre-Braudel devolveu à história sua legitimidade e evitou
que fosse marginalizada. Durante os anos 1930, os historiadores não se en-
centravam envolvidos nas tentativas de organização das ciências sociais, e
se viram à frente da Sexta Seção um pouco por acaso, mas puderam pere-
nizar sua dominação graças à ruptura que operaram com o positivismo e
à vontade de impor um novo status à história. Ao mesmo tempo, porém, a
interlocução com as ciências sociais deu-se, amplamente, em sentido único:
a história se enriqueceu muitíssimo em contato com a sociologia ou a etno-
logia, ao passo que não se pode dizer o mesmo no sentido contrário. Charles

48 F. Braudel, prefácio ao tomo I de Histoire économiqueetsocialedela France (org, Fernand


Braud eI e Erne st Labrousse). Paris: PUF, 1977, p. 7.
49 F. Furet, L'Atelierde l'histoire, op. cit., p. 8.
so Id., ibid., p. 28.

78 PREFÁCIO: DA HI STÓRIA IME DIATA À ARQUEOLOGIA


-. :" observa que "falar da influência dos A nnales sobre a antropologia cons-
.--..., ; um wishful thinking"Y O projeto dos Annales marcou a história em seu
Y ~:-:'! F O' Mas esse tempo já se foi.

: ',' OMENTO BRAUDEL

Mas eis que é chegada a hora, para os novos historiadores, de entrar na li-
nha. Renunciando, no final dos anos 1970, ao projeto que lhes tinha servido
de estandarte, eles perdem a auctoritas. E, ao abandonarem, em 1985, a pre-
sidência da EHESS pelo fato de não contarem com nenhum representante
da quarta geração que possuísse os títulos necessários para suceder à Fran-
çois Furet, eles perdem a potestas. Claro} resta-lhes o conforto da situação
e da reputação adquirida. Porém, do mesmo modo que os durkheimianos
haviam reinado na Sorbonne de 1902 a 1955, mesmo que a escola tenha se
estendido durante a Segunda Guerra Mundial, " depois de ser abalada uma
primeira vez pela Grande Guerra, a Nova História não é senão um astro
morto, semelhante a essas estrelas cuja luz continua a chegar até nós muito
tnnpo após sua extinç ão.
A especificidade da época braudeliana aparece então em todo o seu al-
cance. Inovador em seus discursos e escolhas, Fernand Braudel foi também
um grande "mandarim" - talvez o último da linhagem -, seguindo a trad ição
degente como Meillet ou Roques. Soberano absoluto, soberbamente desde-
nhoso de quaisquer conselhos e regulamentos, ele govern ava sozinho, ser-
rido por seus três mais importantes subalternos (Heller, Velay, Marzocchi),
que a ele tudo deviam e que apenas a ele tinham contas a prestar. Pródigo
no gasto de verbas qu e não transitavam pelas vias contábeis normais, ele
dispunha de meios de pressão de que lançava mão amplamente. Os orienta-
dores de pesquisas que integraram a Sexta Seção no período de 1950 a 1972

Charles Tilly, "Anthropology, H istory an d th e Ann a/es". Review, n. 3-4, v. I, 1978,p. 213.
. • Cf. Victor Karady, "D u rkh eim, les sciences so ciales et l'Université: Bilan d 'un se mi-
-échec", Revue Prançaise de Sociologie, ab r./jun.1976, n. 109, p. 310, e Brigitte Mazon, "La
Fondation Ro ckefeller et les sciences sociales en Fran ce, 1925-194 0". Revue Française de
Sociologie, m ar./ abr. 1985, p. 340.

COUTA U- BÉ GA RIE 79
foram todos escolhidos por ele, e a eleição pelo conselho da seção não pas-
sava de formalidade. Aquele que ousasse se candidatar contra sua vontade
não tinha a mínima chance; Pierre Chaunu, por exemplo, viveu essa expe-
riência." Tal sistema acarretava, às vezes, injustiças flagrantes, mas era eficaz,
como prova o volume de publicações da Sexta Seção. Depois da saída de
Braudel, os costumes da casa se burocratizaram, o controle da pesquisa se
tornou inexistente, as repartições orçamentárias e as eleições passaram a ser
feitas nos conselhos, porém ao cabo de arbitragens sempre muito difíceis,
opondo grupos rivais ... A existência desse modo de proceder foi sugerida
por Brigitte Mazon, quando ela colocou como epígrafe de sua tese uma frase
atribuída a Hegel: "A função da ideia é criar uma instituição: a função da
instituição é destruir a ideia que a criou':s4 Fórmula que poderia ser comple-
tada pela aplicação das leis de Parkinson: do mesmo modo que Versalhes foi
edificado pela monarquia absoluta em pleno declínio, a Sexta Seção dotou-
-se de novos estatutos e de amplos recintos no momento preciso em que sua
vitalidade intelectual estava se esgotando.
Também é preciso falar da especificidade da fase Braudel com relação ao
período dos fundadores. O fenômeno da nova história só emerge realmente
a partir do momento em que as duas dimensões, a intelectual e a institu-
cional, atingem a "massa crítica de transformação", para retomar uma noção
da física contemporânea cara a Pierre Chaunu. Antes da guerra, tal massa
não fora, manifestamente, atingida, mesmo sendo um exagero o que declara
Braudel sobre o número de leitores de que dispunham os Annales então: de
apenas três a quatrocentos." Institucionalmente, o acontecimento decisivo
foi a criação da Sexta Seção da École Pratique des Hautes Études, em 1947.
Intelectualmente, O Mediterrâneo de Braudel marca a passagem dos Annales
a um estágio superior, pois esse livro será o primeiro, antes mesmo daque-
les de Bloch e Pebvre, a conquistar repercussão internacional. Desse modo,
para retomar a reflexão de Maurice Aymard, os Annales são os Annales mais

S3 Ele se candidatou para um cargo de orientador de pesquisas em meados dos anos 19S0,
contra a vontade de Braudel, e foi vencido porJean Malaurie.
S4 Brigitte Mazon, Aux Origines de I'EHESS: Le Rôle du mécénataméricain (1920-1960). Paris:
Cerf, 1988, p. 9·
SS F. Braudel, "En Guise de conclusíon", Review, n. 3-4, v. I, 1978, p. 247.

80 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IMEDIATA Á ARQUEOLOGIA


_ Sexta Seção mais O Mediterrâneo de Braudel." Braudel de fato é a figura-
.h ave do fenômeno nova história} pois} tanto institucionalmente como
- ".:lectualmente} ele já estava com as rédeas nas mãos antes da morte de
~ ucien Febvre." Assim é que se chega a um fenômeno que se estende do fim
.:. : , anos 1940 ao início dos anos 1970} ou seja: um fenômeno que dura uma
z2. 2. ção inteira praticamente sob a égide do mesmo mestre, de uma ponta à
: utra. Homenagem paradoxal de uma história centrada nas massas feita ao
~ 2pel criador dos grandes homens.

~ ~ N A L E S E NOVA HISTÓRIA

Este prefácio se choca com uma objeção que muitas vezes foi levantada
desde sua primeira edição. Conforme me escreveu um dos membros mais
conhecidos do grupo: ''A assimilação da Nova História à Escola dos Anna-
les é falsa. A Nova História é uma empreitada de Le Goff e está ao mesmo
tempo aquém e além dos Annales".5 8 Diversos novos historiadores (ou
annalistes) criticaram-me por essa identificação} inclusive dois colabora-
dores de La Nouvelle Histoire de Le Goff o que não deixou de me desc~n­
certar. Caso as duas denominações devessem realmente ser distinguidas}
teria cabido aos principais interessados reagir contra tal confusão} em vez
de lhe dar seu aval} explícito ou implícito} de acordo com os diferentes
casos. É verdade que este livro foi inicialmente concebido como uma res-
posta ao dicionário de Jacques Le Goff. Mas este último contou com a
colaboração de tantas assinaturas prestigiosas que pareceu difícil ver nisso
uma iniciativa marginal.

S6 M. Aymard, "Les Annales et l'Italie", Mélanges de l'École française de Rome, Moyen Âge -
Temps modemes, v. I, 1981, p. 402.
57 Febvre transmitiu seus poderes a Braudel a partir do início dos anos 1950. Jaime Vicens
Vives notou, em 1957, que "a orientação metodológica do grupo parecia lhe escapar",
Pierre Chaunu, por sua vez, confirmou em depoimento a mim concedido que, no plano
institucional, ele podia conservar o direito de veto, mas que havia deixado a Braudel a
gestão dos assuntos correntes.
58 Por razões evidentes, a fonte de informações recolhidas durante conversas privadas não
é mencionada, com exceção da reação de Femand Braudel.

COUTAU-BÉGARIE 81
De resto, haveria algum fundamento em querer estabelecer uma distin-
ção entre a Escola dos Annales e a Nova História, definindo a primeira, como
fez um de meus interlocutores, por um critério institucional, e a segunda por
critérios "ideológico-históricos"? & duas dimensões do fenômeno coexis-
tem desde muito cedo (no mínimo desde 1947), ao passo que a denomina-
ção Nova História é de criação recente: Annie Kriegel a empregou de modo
furtivo em 1972,59 ela não aparece na obra Faire de l'histoire" e parece ter sido
empregada pela primeira vez em 1978, quase simultaneamente nos Estados
Unidos - por diversos participantes de um colóquio sobre os Annales or-
ganizado pelo Femand Braudel Center de Nova York - e na França - pelo
sociólogo André Béjin, num artigo sobre as ciências sociais de 1968 a 1978.61
A fortuna da expressão não é devida a uma extensão ou a uma superação da
Escola dos Annales, mas sim à exploração midiática. Como a referida escola,
animada por uma constante necessidade de expansão, jamais teve fronteiras
precisas, salvo em seus primeiros anos - o que, aliás, lhe confere originali-
dade em relação à escola durkheímiana, por exemplo -, não há razão alguma
para proceder a tal distinção e transgredir o princípio de parcimônia que
Guillaume de Occam assim formulava: "As entidades não existem para que
sejam multiplicadas sem necessidade"
É esse mesmo princípio de parcimônia que me faz manter a unidade
da Nova História, de seu início até os anos 1970. Diversos de meus inter-
locutores contestaram a hipótese de que pudesse haver uma unidade entre
três gerações em que convivem, por sinal, temperamentos muito diferen-

59 Annie K.riegel, "Du Bon Usage de la crise", op. cit., p. 461.


60 O prefácio emprega por duas vezes a expressão "história nova ", que Henri Berr já uti-
lizava em 1930. Mas a expressão "nova história" já se encontra em L'Idée de l'histoire
accomplie, de Lancelot Voisin de la Popelinl êre, obra que data de 1599.
61 André Béjin enumera as pesquisas interdisciplinares: nova história económica, nova
etnografi a, nova geografia e "as pesquisas que se inscrevem no que poderíamos chamar,
na França (para que sejamos mais completos...), de 'nova história', isto é, os trabalhos
importantes de P. Chaunu, G. Duby, E. Le Roy Ladurie, P. Veyne, L Wallerstein (ane-
xemo-lo à lista) e, de modo geral, as pesquisas recentes apresentadas ou lembradas na
obra organizada por J. Le Goff e P. Nora, Paire de l'hisioire. Paris: Gallimard, 1974 [ed.
bras.: História: Novos problemas, 4~ ed., trad . Theo Santiago . Rio de Janeiro : Francisco
Alves, 1995]. "Effervescence et nouveUe donne dans les sciences sociales", Autrement,
fev. 1978, p. 249.

82 PREFÁCIO: DA HISTÚRIA IM EDIATA Á ARQUEOLOGIA


Ies: como reunir sob o mesmo rótulo marxistas assumidos e notórios anti-
marxistas, historiadores dos preços e historiadores das mentalidades? Que
ponto comum pode existir entre a Apologia da história, de Marc Bloch, e
Como se escreve a história, de Paul Veyne? Aplicação um tanto quanto per-
.-ersa do princípio cartesiano: "divide as dificuldades até o momento em
que não puderes mais v ê-las'." Seguindo tal raciocínio} sociologia alguma
continua sendo possível, pois se podem sempre encontrar diferenças entre
individualidades que merecem} no entanto} ser reunidas sob uma denomi-
nação comum. Como disse Raymond Aron: "de perto, percebem-se apenas
mdivíduos: de longe é que as grandes linhas se desenham'l" Quanto a isso,
os Annales podem ser comparados à escola durkheimiana. Os historiadores
dasociologia puseram "em evidência a relativaheterogene ídade intelectual
que reinava no interior daquilo que era percebido como um 'clã' ou uma
'capela' [ ... ] Mesmo supondo que se pudessem isolar os princípios de uma
doutrina durkheimiana, seria bastante difícil fixar com alguma precisão os
limites da adesão de cada qual a uma escola como essa [ ... ] No entanto,
essa heterogeneidade doutrinal do início sublinha indiretamente o êxito de
Ll\nnée sociologique como máquina de guerra destinada a anexar territórios
que a sociologia pode ocupar e explorar ('o imperialismo sociológico') [ ... ]
Victor Karady recenseia as diversas estratégias utilizadas por Durkheim e
seus colaboradores para conferir à disciplina deles legitimidade institucio-
nal e científica'?" Da mesma maneira, o que une a dupla Bloch-Febvre e a
terceira geração é mais forte do que tudo o que as separa. De fato pode ser
difícil fornecer uma definição positiva desse consenso} pois o grupo sempre
manteve em seu âmago, ou em suas circunvizinhanças, alguns "heterodoxos"
ou marginais: no entanto, é possível, por outro lado, identificar facilmente
fatores "negativos" da unidade: os annalistes ficaram divididos em relação a
muitas questões, mas sempre entraram em acordo para condenar a história

1 Na verdade o texto exato de Descartes é: "dividir cada uma das dificuldades que eu exa-
minava em tantas parcelas quanto fosse po ssível, e em tantas quantas fosse requerido
para melhor resolvê-las".
63 Raymond Aron, citado por François Hartog, "Un Geme nouveau, ou un document d'un
nouveau geme?", Le Débat, n. 49, mar-abr, 1988, p. 129.
+ Philippe Besnard, apresentação do número sobre "Les Durkheímíens", Revue Française
de Sociologie, n. 1, v. 20, 1979, P: 3.

COUTAU-BÉG ARIE 83
positivista e "historizante" E eles realmente tiveram uma estratégia}mesmo
sendo fato que a maioria quase não teve consciência disso, porque ela se
elaborava e conduzia no topo da hierarquia, de modo muito monárquico.
Fernand Braudel me recebeu após a publicação da primeira edição para pro-
testar com veemência contra essa visão das coisas.

o senhor diz que tivemos uma estratégia de poder. Ora, isso é completa-
mente falso. O senhor fez dos positivistas os perseguidos. Pois os persegui-
dos, meu caro amigo, éramos precisamente nós, e os malvados eram eles.
Impediram-me de entrar na Sorbonne, recusaram-me as subvenções neces-
sárias para a impressão de minha tese. Quanto aos outros, permitiam-nos
ir para a Sexta Seção, mas para eles esta era como uma espécie de depósito
que tudo podia abrigar. Ainda hoje} a Maison des Sciences de l'Homme só
está de pé porque continuo lá. Aliás, se não fosse por isso eu teria partido
há muito tempo ."

François Dosse mostrou muito bem a utilidade estratégica desse tipo de


discurso: "fazendo de uma fraqueza uma força mobilizadora, os Annalesvão
cultivar, a partir desse fracasso, a imagem de párias, de proscritos da Univer-
sidade, tese pouco crível} mas que permite obter mais facilmente a aliança
das ciências sociais com os historiadores} sem que temam ser absorvidos
e comandados por um vizinho excessivamente poderoso'r" No caso pes-
soal de Braudel, deve-se acrescentar a vontade de deixar transparecer a ima-
gem de um homem que assumia responsabilidades que não havia buscado.
Confesso que ele não conseguiu me convencer}como tampouco convenceu
François Crouzet, que termina sua análise de La Civilisation maiérielle com
esta flechada assassina : "Muitos universitários franceses terão dificuldade
em acreditar no que veem quando lerem o seguinte excerto: 'Quando Jean-
-Paul Sartre (abril de 1974) escreve que é preciso romper com a hierarquia

6S Femand Braudel me recebeu no dia 27 de junho de 1983J num final de tarde. Retranscre-
vi imediatamente o texto dessa entrevista.
66 F. Dosse, L'Histoire en miettes: Des "Annales" à la "nouvelle histoire", Paris: La Découverte,
1987, p. 69 [ed. bras .: A história em migalhas: Dos Annale s à Nova História, trad . Dulce
OliveriaAmarante dos Santos, ed. rev, Bauru (sp) : Edusc, 2003].

84 PREFÁCIO: DA H ISTÓRi A IM ED IATA À AR QU EOLOGIA


e proibir que um homem dependa de outro homem, a meu ver ele está di-
zendo o essencial: Curiosa profiss ão de fé vinda de um mestre que há mais
de trinta anos vem edificando um império} um mestre cuja capacidade de
exercer o poder sobre os outros não passaria despercebida ao mais ingênuo
dos observadores'l"
Para além da reação de Braudel, é o problema da validade de uma análise
estratégica que se vê em evidência. Qual é a margem de liberdade dos homens
com relação às estruturas, do ator com relação ao sistema? Michel Crozier e
Erhard Friedberg tentaram superar esse velho debate mostrando a comple-
mentaridade dos dois procedimentos, estratégico e sistêmico : "Sem verifica-
ção estratégica, a análise sistêmica se reduz a uma especulação, e sem o es-
tímulo do raciocínio estratégico, ela se torna determinista'i" Jamais se deve
esquecer que, mesmo limitado e tolhido pelo sistema no qual se encontra, o
ator conserva uma margem de liberdade, e que seu comportamento é ativo,
mesmo quando não forçosamente consciente - ele enfrenta com seus recursos
os problemas que tem diante de si, e o faz com um objetivo ofensivo: "apreen-
der oportunidades com vistas a melhorar sua situação", e, por outro lado} com
um objetivo defensivo: "a manutenção e a ampliação de sua margem de liber-
dade, e, portanto, de sua capacidade de agir':69 Pebvre" e, de forma mais signi-
ficativa} Braudel adotaram uma estratégia consciente e determinada diante das
ciências sociais: eles queriam "reabilitar" a história, dotando-a de uma nova
epistemologia, a história que almejavam exigia meios (pesquisas coletivas,
amplas investigações ... ): eles foram buscá-los por toda parte, inclusive nos
Estados Unidos, a Sorbonne era uma fortaleza por demais imponente para
ser conquistada: eles adotaram, então} uma estratégia de "desenvolvimento
periférico? criando uma instituição adaptada às suas próprias necessidades.

7 François Crouzet, De la Supériorité de l'Angleterre sur la France: L'économique et


l'imaginaire, svtr-xx siecles. Paris: Libr. Académique Perrin, 1985, p. 104.
Michel Crozier e Erhard Friedberg. L'Acteur et le systême: Les contraintesde l'action co/-
lective. Paris: Seuil, 1977, p. 203.
69 Id., íbid., pp. 4 7-48.
70 O título de sua prim eira coletânea de artigos, Combats pour l'histoire, é a esse respeito
extremamente significativo.
71 A expressão é de François Furet. Ela foi retomada por Brigitte Mazon em sua tese Aux
Origines de I'EHESS, op. cit., 1988, p. II.

COUTAU - BÉGARI E 85
A ação dos novos historiadores, e em especial a de Febvre e Braudel, foi
decisiva para o devir de sua disciplina, e essa ação, longe de se limitar uni-
camente ao domínio intelectual, ainda teve influência sobre as estruturas e
as instituições. Pondo em execução a insígnia de Marx, eles não se conten-
taram somente em pensar a história, mas tentaram também transformá-la.
Pierre Bourdieu condenou esse tipo de análise, qualificada como "co-
nhecimento semicientífico [ ... ] que, impossibilitado de chegar ao princípio
oculto das práticas, limita-se à denunciação anedótica dos responsáveis apa-
rentes e acaba engrandecendo os supostos autores dos 'complôs' denuncia-
dos, fazendo de cada um deles o sujeito cínico de todas as ações detestadas,
e antes de tudo em sua própria grandeza': E para que não haja dúvida alguma
quanto à pessoa visada, uma nota fornece a precisão: "Entre outros, pode-se
citar O mais recente adepto desse veio, Hervé Coutau-Bégarie, cujas análises
sobre a Escola dos Annales deixam entrever, com a mais completa ingenui-
dade, a violência recalcada que suscita a exclusão intelectual sobreposta à
distância províncíana'i" Entretanto, um historiador com certeza muito mais
próximo (do ponto de vista ideológico) de Bourdieu do que de mim apre-
sentou, recentemente, uma análise inspirada por esta que é aqui proposta,
mesmo se abstendo de citá-la de modo claro.

Clio na França, por trás da parasitagem da história puramente comercial,


da história-mercadoria, encarna-se sobretudo numa escola que conquistou
uma posição hegemônica: a Escola dos Annales. Os "annalistes" se apodera-
ram de todas as praças fortes da sociedade midiática. O novo historiador se
desdobrou em comerciante e ao mesmo tempo em cientista, representan-
te comercial, publicitário e gerente, a fim de controlar todos os níveis das
redes de difusão dos trabalhos históricos. Os responsáveis pelas coleções
históricas da maioria das editoras são" annalistes". Eles ocupam assim um
lugar essencial de poder, que lhes permite selecionar as obras considera-
das como dignas de serem editadas, jogando no lixo as outras. Hegemôni-
ca, essa escola tomou de assalto, ao mesmo tempo, os órgãos de imprensa,
divulgando suas próprias publicações a fim de assegurar a elas o necessário

72 Pierre Bourdieu, Homo academicus. Paris: Minuit, 19841 p. 13. Parece-me inútil responder-
-lhe. A resenha que Georges Dumézil se dispôs a escrever sobre este livro o faz por mim.

86 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IMEDIATA Á ARQUEOLOGIA


sucesso de que depende sua chegada a um público mais amplo. Dos centros
de pesquisa aos circuitos de distribuição, a produção histórica francesa se
tomou quase um monopólio dos Annales.
Seu êxito é resultante de uma estratégiade captação dos procedimentos e
das linguagens das ciências sociais que são suas vizinhas, bem como de uma
capacidade notável para abocanhar as roupagens alheias com a finalidade
de vestir uma velha senhora indigna que se tomou antrop ófaga."

Do mesmo modo, Olivier Dumoulin, historiador próximo dos atuais


Annales/ 4 retoma a ideia de um Braudel "empreendedor" das ciências huma-
nas: "sua função de presidente de banca do exame de Agrégation em história,
de 1950 a 1955, lhe outorgou provisoriamente um papel estratégico para a
enunciação dos cânones intelectuais da profissão de historiador. No entanto,
a dedicação à Sexta Seção da EPHE e, depois, sua presidência, bem como a
concepção da Maison des Sciences de l'Homme, marcaram muito mais pro-
fundamente o campo das ciências sociais'." Ele se apoia" na tese de Brigitte
Mazon sobre as origens da Sexta Seção, trabalho que mostra os desígnios
expansionistas de Braudel e sua inteligência estratégica" - o que me auto-
riza a dizer que uma ideia minha, enunciada em 1980, com base em fontes
fragmentárias e de segunda mão (evidentemente, eu não tinha acesso aos
arquivos da Sexta Seção), recebeu depois disso uma confirmação e alguns
desenvolvimentos. Independentemente disso, ela continua me parecendo
objetivamente válida, e só posso, por conseguinte, continuar defendendo-a.

73 F. Dosse, L'Histoire en miettes, op. cit., 1987, pp . 6-7.


74 Ele colaborou consideravelmente com o Dicionário das ciências históricas de André
Burguiêre,
75 Olivier Dumoulin, '''Un Entrepreneur' des sciences de I'homme", Espace-Temps, n. 34-35,
1986, p. 31.
76 Aliás, de forma um pouco exagerada, a tal ponto que teve de publicar num número se-
guinte da revista uma "explicação" reconhecendo o grande alcance de seus empréstimos.
77 Defendida em 1985, essa tese foi publicada há pouco. Brigitte Mazon é arquivista na
EHESS, posto de observação privilegiado para o assunto de que tratou. Ela também foi
aos Estados Unidos para consultar os arquivos das fundações Ford e Rockefeller, de
modo que seu trabalho pode ser considerado definitivo para a história institucional do
começo da Sexta Seção,

COUTAU - BÉGARIE 87
REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS CRíTICAS

Ainda assim, isso não significa que o texto da primeira edição possa ser reto-
mado tal como foi publicado inicialmente. Há cinco anos, novas fontes, em
meio às quais é preciso citar a riquíssima tese de Brígítte Mazon, o colóquio
de Estrasburgo sobre o nascimento dos Annales, os Essais d'ego-histoire reu-
nidos por Pierre Nora, a descoberta de textos mais antigos que haviam esca-
pado à minha observação, contatos com inúmeros historiadores, "novos" ou
não, o trabalho realizado em conjunto quando da conferência de historio-
grafia contemporânea na Quarta Seção da École Pratique des Hautes Études,
tudo isso veio modificar diversos pontos de minha visão sobre o "fenômeno
nova história", o que me permite hoje precisar, retificar ou completar minha
apresentação. Poucas páginas escaparam a esses remanejamentos, mais ou
menos importantes, mas que afetaram sobretudo o último capítulo, graças à
tese de Brigitte Mazon e à descoberta inesperada de uma coleção privada de
atas de assembleias da Associação Marc Bloch. Os dois primeiros capítulos,
que tratam da dimensão intelectual do fenômeno, foram comparativamente
menos transformados. Não que a evolução no decorrer dos últimos anos
tenha sido pouco perceptível, ao contrário: com o abandono do projeto, en-
contramo-nos hoje na presença de outra história, que não pertence mais ao
fenômeno aqui analisado. Talvez ela venha a ser objeto, mais tarde, de outro
livro. Mas deve ficar claro que a nova história de que se trata aqui extinguiu-
-se no início dos anos 1980: indiquei, aqui e acolá, alguns prolongamentos
dela, mas apenas a impossibilidade de estabelecer uma data verdadeira-
mente evocadora (entre 1979 e 1985, pelo menos, seria possívelindicarvários
momentos) impediu que eu destacasse num subtítulo datas-limite. Como
restam ainda alguns exemplares da primeira edição, o leitor (mítico ... )
preocupado em avaliar minha evolução não terá dificuldade alguma para
fazê-lo. Indicarei aqui somente dois ou três pontos importantes.
Inicialmente, creio agora que, de modo bastante paradoxal, superestimei
um pouco o impacto do grupo. Um de meus interlocutores tratou de me
criticar gentilmente por isso: "Seu livro me faz pensar num antissemita que
só aceitaria o tratamento prescrito por um médico judeu pelo fato de julgá-
-lo mais competente". Philippe Contamine observou o mesmo em termos
mais acadêmicos, em sua resenha publicada pela Revue Historique: "Sem
dúvida não foi inútil lembrar que a Escola dos Annales não poderia ter a

88 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IMEDIATA Á ARQUEOLOGIA


~ -:"\ ensão de obter o monopólio da história 'inteligente' ou nova [ ... ] Tal-
=t !té tivesse sido necessário ir um pouco mais longe nesse sentido} insis-
c ., .io um pouco mais na indispensável manutenção da erudição tradicional,
mais alto nível. Teríamos apreciado} por exemplo} algo mais que uma
-;'l :,ics menção à Quarta Seção da EPHE".78 Creio que, quanto a isso, a la-
_ _ rk!. roi preenchida, enquanto se espera por uma história da EPHE que se

- .on tra em vias de elaboração.


Tamb ém tentei delimitar com um pouco mais de precisão, e indicar mais
_zramente, o que era próprio à Escola dos Allnales, e o que ela havia recupe-
-~ ~o ou anexado no decorrer de sua existência (por exemplo) a demografia
-' st órica). Ao mesmo tempo, é preciso insistir no fato de que esse gênero
.:.;: di stin ção é frequentemente artificial} e que a luta entre os historiadores
- - -: 0 5" e tradicionais não se situava, no início, num plano intelectual. Lu-
. :' f! Febvre teria agido de outro modo se a Sorbonne não o tivesse prete-

-l'io por Georges Pagês, e Braudel sempre desprezou Renouvin por causa
: 2 eleição de Gaston Zeller, que representava para ele um entrave para o

~ . esso à cátedra de história moderna." Foi por motivos como esses que a
)o rbonne e a Sexta Seção mantiveram relações difíceis até os anos 1960. Os
3:-_sacordos intelectuais não chegavam a proibir toda e qualquer coopera-
:.~~. Victor-Lucien Tapié lembrou-se disso em 1954: "Que estejamos neste
; :-upo ou fora dele (e por razões nem sempre doutrinais), temos para com ela
: história existencial de Bloch e de Febvre, HCB) dívidas incontest áveis'."
~ Pierre Chaunu confirmou o mesmo recentemente: "Creio que exageraram
;c rivalidade que existia entre a École des Hautes Études e a Sorbonne, entre

os .1.ll l1ales e a história 'tradicional: No entanto, a rivalidade existia. Ela era

78 Resenha publicada na RevueHlstorique, n. 548, out.-dez. 1983, pp. 473-74.


"9 Quando a cátedra de Augustin Renaudet ficou vaga, Braudel ainda não tinha defendido
sua tese sobre o Mediterrâneo. Ele teria desejado que a eleição fosse adiada por alguns
meses, tempo necessário para obter o indispensável apoio. Renouvin, que tinha o poder
de decisão, fez questão de adotar o procedimento normal. No entanto, é difícilimaginar
que Braudel tenha podido ser perseguido, pois ele foi eleito para uma cadeira no Colle-
ge de France somente alguns meses após a publicação de O Mediterrâneo.
80 Carta a Philippe Aríês publicada em anexo à reedição de Le Temps de l'histoire. Paris:
Seuíl, 1986, p. 255 [ed, bras.: O tempo da história, trad. Roberto Leal Ferreira. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1989].

COUTAU- B ÉGARIE 89
artificial, decorria de velhos mal-entendidos, de rancores antediluvianos e
de feridas mal cicatrizadas'l" Essa luta simbólica só se extinguiu no final dos
anos 1960: Alphonse Dupront pôde então presidir a nova universidade Paris
IV, herdeira da antiga Faculté des Lettres, ao mesmo tempo que ocupava um
cargo de orientador de pesquisas na Sexta Seção.
Enfim, sem mudar o estilo da obra (para isso teria sido necessário rees-
crevê-la), corrigi "algu ns desvios de pena", que me foram amigavelmente
indicados pelas críticas de Félix Torres." Para dizer a verdade, não suprimi
muita coisa. Posso dizer que pratiquei a ironia e a impertinência, mas creio
que me abstive da maledicência. Meu verbo caracterizou-se às vezes pela
ferocidade, mas não mudo nada do que escrevi sobre Jean Lacouture: a ce-
gueira era por demais comum nos anos 1950 para servir de acusação a quem
quer que fosse, mas ela deixou de poder ser desculpada depois de tantas
experiências, e seu livro Vietnam) voyage à travers une victoire (1977) é inad-
missível. Por outro lado, lamento a agressividade injusta de minhas palavras
sobre Pierre Nora, que reproduziam sem prudência um testemunho oral
que se revelou, posteriormente, pleno de informações inexatas, que corrigi
nesta edição. Quanto ao resto) não creio ter sido agressivo ou descortez, não
apresentei uma coleção de anedotas saborosas ou retratos impiedosos como
fez Jean-Paul Aron, orientador de pesquisas da Sexta Seção, que se vingou
do mestre por meio de uma execução sumária: "Braudel acumula os pode-
res, presidindo a banca do exame de Agrégation, reinando no CNRS (Centre
National de la Recherche Scientífique), mais astucioso que uma raposa, mal-
vado com seus adversários como um cão de fila, bonachão com possíveis
clientes que não lhe dão mostras de adulação nem de esforços para obter um
bocadinho de influência em seus domínios, Rei-Sol a partir de 1960, man-
tendo sua corte na Rue de Varennes e na Rue de la Baume, deslocando-se de
um lugar para outro, tal como Luís XIV do Louvre a Saint-Germain, a Fon-
tainebleau, antes da inauguração de Versalhes, que nesse caso é a Maison des
Sciences de l'Homme, situada no Boulevard Raspail e da qual ele se declara

81 Pierre Chaunu, "Le Fils de la mort", in Pierre Nora (org.), Essais d'ego-histoire. Paris:
Gallimard, 1987, p. 88 [ed. port.: Ensaios de ego-história, trad . A. C. Cunha. Lisboa: Edi-
ções 70, 1987].
82 F. Torres, Déjà vu, op. cit., p. 356.

90 PREFÁCIO: DA HISTÓRIA IM EDIATA Á ARQUEOLOGIA


=o2 t:1inistrador".83 Tampouco falei) como fez outro herdeiro desiludido)
-::-::m and Braudel homem, que não estava mais à altura do historiador'l"
. -2 S impertinências vindas de fora são sempre menos percebidas do que

' - l ~; g a s de família. Com exceção de Pierre Chaunu." nenhum novo his-


- ~ ~o r citou este livro. Como tão bem disse Péguy: "Pois eles não querem
_: ~ 2 faça a história dos historiadores. Querem é aniquilar a indefinidade
~" t 21 h e histórico. Agora, o que eles não querem é que sejam eles mesmos
_- ~ :0 5 de acordo com essa indefinidade. Seria como se os médicos não

_--25.Sêm ficar doentes e não admitissem morrer'."

-"'.Joti': 3do originalmente como "Preface: Oe l'histoire immédiate à l'archéologie", in


- ~ - .o Cout au- Bégarie, Le Phénoméne nouveUe histoire: Grondeur et décadence de

=::JJb des Annales, 2~ ed. Paris: Economica, 1989, pp. VII-XXVIII . Traduçào de Flávia

• jc ~ n - P aul Aro n, Les Modernes. Paris: Gallimard, 1984, pp. 269-70.


J ~c qu e s Le Goff, ''L'Appétit de l'histoire", in Pierre Nora (org.), Essais d'ego-hisioire,
o p. cit., p. 238.
• C t. sua resenha, retomada em Pour l'histoire. Paris: Perrin, 1984, pp. 20-21.
C itado por Pierre Bourdieu, Homo academicus, op. cit., P: 10.

COUTAU-BÉGARIE 91
- 11 todas as sociedades têm naturalmente consciência de sua dimensão
t órica. Ernest Gellner estabelece uma distinção "entre as sociedades his-
. ' : ,05e as sociedades a-históricas. Grosso modo, seria possível utili zar como
" é~io o fato de que uma sociedade acumula um número cada vez maior de
. ~ ; 6 e s na medida em que o tempo passa, o fato de que o mundo ordin ário,
. ~ m do horizonte, se amplia com o tempo, ou o fato contrário, isto é: que a
_ . . ensâo da planície aquém do horizonte permane ce constante, o que ocorre
_..ndo um esquecimento sistemático age de modo a fazer que o número de
.:' -::. ~ õ e s que separam o present e do Pai Fundador permaneça constante':'
O caso do Ocidente não é problema: "é claro que somos uma sociedade
. r órica [ ... ] Situ amo-nos, sem dúvid a alguma, numa sequência temporal
escente e cumulativa, que não rejeita as inform açõe s ocult ando-as, mas, ao
- er ário, as registra. Evidentemente, essa é a primeira razão, e a mais geral,
in teresse que atribuímos à história.' Essa con sciência histórica é extre -
m ente antiga. Geo rges Dum ézil, em seus apaixonantes trabalhos sob re
" do-europ eus, mo strou muito bem como os romanos historicizaram o

::rnest Gellner, "Notre sens de l'h istoire", em L'H istorien entreI'eihnologue et le[uturoto-
,' lI e, Paris: Mouto n, 19 72, p. 13.

lo., ib id., p. 14.

COUT4U- BÉGARI E 93
mito da guerra de fundação, ao passo que os indianos fizeram dele uma epo-
peia cósmica: "os romanos pensam historicamente, enquanto os indianos
pensam fabulosamente'l'
Essa consciência histórica ocidental é hoje objeto de análises opostas.
Por um lado, há aqueles que estimam que estamos perdendo lentamente
nossa dimensão histórica: para Jacques Ellul, "passam os a uma verdadeira
cultura do esquecimento, no duplo sentido da palavra, o que quer dizer que
as instâncias sociais cultivam o esquecimento, arrastam-nos para ele, con-
duzem-nos a esquecer e, ao mesmo tempo, constrói-se uma cultura, no sen-
tido intelectual e artístico, baseada no esquecímento'i - Mircea Eliade, por
outro lado, horroriza-se com "o interesse apaixonado, quase monstruoso,
do homem moderno pela história. Esse interesse se manifesta em dois pla-
nos, aliás, solidários: o primeiro é o que poderíamos chamar de paixão pela
historiografia, o desejo de conhecer sempre mais completa e exatamente o
passado da humanidade, e em especial o do mundo ocidental; no segundo
plano, o interesse pela história se manifesta na filosofia ocidental contem-
porânea: é a tendência a definir o homem sobretudo como ser histórico, ser
condicionado, no final das contas, criado pela História. O que foi chamado
de historicismo, Historismus, storicismo, tanto quanto o marxismo e algumas
correntes existencialistas,' são filosofias que, num sentido ou em outro, atri-
buem uma importância fundamental à História e ao movimento hístórico'"
Essas duas teses são apenas aparentemente contraditórias. O sistema téc-
nico leva efetivamente ao esquecimento, e os mass media só difundem uma

3 Georges Dum ézíl, La Religion romaine archaique: Avec un appendice sur la religion des
étrusques, 2~ ed. Paris: Payot, 1974, p. 129.
4 J acques Ellul citado porJean Lebrun, "L'Aménagernent du territoire de l'h istorien". Pro-
jet, n. 125, maio 1978, p. 529.
5 Sobre a qu estão do histe ricismo, cf. Karl Popper, Misere de l'historicisme [. 94 4 ], trad.
H ervé Rousseau . Paris: Plon, 1956 [cd. bras.: A miséria do historicismo, trad. O ctany S.
da Mo ta e Le ónidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix / Edu sp, 1980 ] e La Société olll'e,'te
et ses ellllclllis [1945], trad.Jacqueline Bernard e Philippe Monod. Paris: Seuil, 1979, 2 v.
[ed. bras.: A sociedadeaberta e seus inimigos, trad. Amado Milton. Belo Horizon te /São
Paulo : Itatiaia/ Edusp, 1974] .
6 Mircea Elíade, "Syrnb olisme religieux et valorisation de I' angoisse", in Mythes, rêveset
mystêres. Paris: GaIlimard, 1957, p. 63 [ed. port.: Mitos] sonhos e mistérios, trad. Samuel
Soares. Lisboa : Edições 70, 1989].

94 ~ NT R OD U ÇÃO
adtura do instante. Esta sociedade concede um lugar cada vez menor à eter-
lllidade, tal como testemunha o declínio da arte monumental - a pirâmide
jo Louvre certamente não tem o mesmo valor que as pirâmides do Egito :
I:mlpouco terá a mesma longevidade. Mas, devido a um reflexo instintivo) "o
J.omem, o homem comum, diante da aceleração da história, deseja escapar
i angústia de se tornar órfão do passado, de não ter raízes': Ele cuida dos
.anumentos "históricos" como ninguém o fizera antes) e se interessa pela
-.:ória, que é "a única capaz de permitir) num mundo em estado de instabi-
5dade definitiva) que vivamos com reflexos outros que não aqueles criados
pelomedo':7
Essa paixão leva a uma mutação do conhecimento histórico: "onde existe
.ma historiografia tradicional - é o caso da China ou dos países de cultura
islâmica - , ela sempre desempenhou a função de modelo exemplar", ao
passo que) hoje em dia, "é uma paixão científica que visa ao conhecimento
aaustivo de todas as aventuras já vividas pela humanidade, esforçando-se
por reconstituir o passado total da espécie e por fazer que tomemos cons-
ciência dele':s
O objetivo da historiografia, doravante, não é mais fazer o inventário
dos grandes feitos - bem como dos atos menos nobres - de uma linhagem
de príncipes, como fizeram há 4 mil anos os sacerdotes de Amon, que nos
transmitiram a lista das trinta dinastias de faraós que reinaram no Egíto, e
como faziam também ainda há menos de um século - isso se acreditarmos
DO que dizem alguns novos historiadores - os adeptos da história "histori-

zante" Para chegar a atingir o homem do passado em seu cotidiano, a histó-


ria teve de fazer sua revolução científica e substituir os paradigmas da histó-
ria tradicional por novos. O resultado é uma história nova, lançada no início
do século :xx quase simultaneamente por Max Weber e Karl Lamprecht
na Alemanha, John Dewey e Frederick Turner nos Estados Unidos (a New
History) 9e Henri Berr na França .

- Lucien Febvre, "Face au vent ", manife sto dos novos Annales, 1946, retomado em Com-
batspour l'histoire. Paris: Armand Colin, 1953, p. 41.
_ M. Eliade, op. cít., p. 64.
- A N ewHistory seria depois praticada por dois grandes historiadores: Charles Beard e
James H. Robin son.

COU TAU - B ~ G A RI E 95
A partir de 1900, Henri Berr abre caminho para essa inovação com a fun-
dação da Revue de Synthêse Historioue; esta ataca violentamente os dogmas
da história positivista então dominante, ao mesmo tempo que enceta uma
colaboração com a sociologia durkheimiana. A certidão de nascimento "ofi-
cial" da nova história data de 1929, com a criação, em Estrasburgo, por Marc
Bloch e Lucien Febvre, dos Annales d'Histoire Économique et Sociale, que da-
rão nome à escola que originará a nova história. Os objetivos de Bloch e
Febvre são claros: "inicialmente, extrair a história dos sendeiros da rotina,
e em especial de seu encerramento atrás de grades estritamente disciplina-
res [ ... ] Afirmar duas direções inovadoras, manifestas no título da revista:
'História econômica e social"." E, acima de tudo, lutar contra a história po-
lítica, "que é por um lado uma história-narrativa e, por outro, uma história
de acontecimentos} uma história acontecimental, teatro de aparências que
mascara a verdadeira representação que ocorre no palco da história'?' Enfim}
proceder à "implacável crítica da noção de fato histórico. Não existe uma
realidade histórica pronta para ser utilizada} que se propusesse por si mesma
ao historiador':" Em pouquíssimo tempo, Bloch e Febvre se instalam em Pa-
ris} e os Annales com eles. O grupo pode então desenvolver a sua audiência.
Marc Bloch foi morto em 1944, e Lucien Febvre prosseguiu a obra co-
mum. Em volta dele, formou-se um grupo que seria o cerne dessa história
nova: Fernand Braudel, Charles Morazé, Georges Friedmann..a segunda
geração dos Annales. A partir de 1946} o grupo passa a se chamar Annales:
Économies, Sociétés, Civilisaiions, "nova denominação que sublinha uma am-
pliação de horizontes'l" Em 1947, a fundação da Sexta Seção da École Pra-
tique des Hautes Études dá ao grupo as bases que lhe faltavam, bem como
os meios materiais requeridos por suas ambições. A partir de então, a con-
quista da universidade pode se organizar, e o sucesso será crescente. A morte
de Lucien Febvre, em 19S6} não interrompe essa progressão. Fernand Brau-
deI recebe a herança e saberá tirar dela bons frutos.

10 Jacques Le Goff et alo (orgs.), La Nouvelle Histoire. Paris: Retz, 1978, p. 214 [ed. bras.:
A história nova, trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1990].
11 Id., ibid., p. 215
12 Id., ibid., p. 216.
13 Id., ibid., p. 217.

96 INTRODUÇÃO
No final dos anos 1960 o sucesso está consolidado. Com honrarias, Brau-
dei é apresentado como o maior historiador vivo e exerce uma irresistível au-
IIDridade sobre grande parte da produção histórica francesa. Em sua esteira, a
Inceira geração - Emmanuel Le Roy Ladurie, Pierre Chaunu - está pronta
para substituí-lo. A nova história pode então se debruçar com satisfação so-
bre a obra realizada, enumerando suas conquistas: "novos problemas vêm
questionar a própria hist ória, mas abordagens modificam, enriquecem, sub-
.mem os setores tradicionais da história: novos objetos, enfim, aparecem
DO campo epistemológico da história'," A história como um todo foi atin-

~: "a história nova não se contenta com esses avanços. Ela se diz história
p;lobal, total, e reivindica a renovação do campo inteiro da história':', Em 1979,
o cinquentenário dos Annales é celebrado com pompa. Emmanuel Le Roy
Laduríe escreve: "fundada por dois pesquisadores franceses, Marc Bloch e
Lncien Febvre, uma nova escola histórica chamada dos Annales conquistaria
em seguida uma hegemonia quase total - intelectual, muito mais do que
~strativa ou burocrática. Essa hegemonia se impôs inicialmente na
França, o que em si não foi essencial: mas ganhou também o universo inter-
nacional dos historiadores, quer nos países de língua inglesa (Reino Unido,
Estados Unidos), quer nos países latinos ou na Polônia e Hungria'." Antes
de concluir, sem modéstia excessiva, afirma que: "esses franceses frustrados
produziram, apesar de tudo, entre 1930 e 1965, sem se dar muito bem conta
disso, os melhores historiadores do mundo. Graças aos Annales~17 Dizendo
as coisas de outro modo: felizmente, num século de miséria e decrepitude, a
França conta com os novos historiadores.
Triunfalismo deslocado ou simples expressão da realidade? Deixando
de lado o caráter ditirâmbico de uma declaração como essa, é preciso re-
conhecer que não deixa de ter fundamento: a Escola dos Annales produziu
com efeito obras-primas, não somente até 1965 - aliás, por que essa data?

~ Jacques Le Goff e Pierre Nora, "Introductíon", em Paire de l'histoire. Paris: Galli-


mard /xns, 1974, 3 v., p. 10 [ed. bras.: História: Novos problemas, 4~ ed., trad. Theo San-
tiago. Rio deJaneiro: Francisco Alves, 1995J.
. J. Le Goffet aI. (orgs.), La Nouvelle Histoire, op. cit., p. 212.
Emmanuel Le Roy Ladurie, "Les Mousqu etaires de la nouvelle histo ire". Le N ouvel
OiJservatew', n. 791, p. 58.
- 1 " 0ibid., p. 61.

COUTAU- BÉGA Ri E 97
Porque a tese de Emmanuel Le Roy Ladurie foi publicada em 1966, modéstia
pouco comum, pela qual podemos cumprimentá-lo. O prestígio da Escola
dos Annales é efetivamente internacional. É um americano, Jack Hexter, que
fala de uma "admiração universal, algo como um consenso segundo o qual a
história, na França, é realmente a número 1 ~18 Tamanho prestígio internacio-
nal é excepcional o bastante para merecer um exame mais demorado e uma
tentativa de explicação,
Até o final dos anos 1970, nenhum autor francês tinha se arriscado a
tanto. Contudo, um historiador norte-americano, Jack Hexter, havia des-
crito com muita precisão, já em 1972, as estruturas institucionais sobre as
quais se apoiara Braudel para fazer que suas ideias triunfassem. Mas seu
cáustico artigo quase não produziu ecos. Aureolada pelo sucesso, a Escola
dos Annales estava então no apogeu da glória, a ponto de se identificar com
toda a história. Os paradigmas definidos pelos fundadores tinham se tor-
nado, de ~cordo com os sucessores, "um hábito incômodo de pensamento,
tão profundamente incrustado no espírito dos crentes que muito raramente
era submetido a um exame crítico'l" O problema exposto por Hexter é, no
entanto, central. Quem são os novos historiadores? Que história fazem eles?
Como foi que chegaram ao sucesso? Perguntas para as quais os novos histo-
riadores não deram resposta alguma, pelo menos até a "implosão" do final
dos anos 1970.
Sim, os novos historiadores produziram, durante os anos 1970, mui-
tos manifestos e balanços do trabalho feito. Podem ser lembradas aqui,
em especial, as coletâneas de artigos de Emmanuel Le Roy Ladurie'? e
de Pierre Chaunu," mas principalmente as duas obras coletivas Paire de
l'histoire e La Nouvelle Histoire:" Porém, nenhum desses livros se caracte-
riza por uma perspectiva crítica exageradamente desenvolvida - o que é

18 Jack Hexter, "Fern and Braudel and th e monde braud élien", [ournal of Modern History,
n. 4, 1972 , p. 4 83.
19 Id., íbid., p. 483.
20 E. Le Roy Ladurie, Le Territoire de l'historien. Paris: Gallimard, t. I, 1973, e t. II, 1978.
21 Pierre Chaunu, Histoire quantitative, histoire sérielle. Paris: Armand Colín, 1978.
22 Jacques Le Goff e Pierre Nora (orgs.) , Faire de I'histoire- I. Nouveaux problêmes - II.
Nouvelles approches - III. Nouveaux objets, op. cit., 1974; Jacques Le Goff et alo (orgs.), La
NouvelleHistoire, op. cito

98 INTRODUÇÃO
~ :n preensível - e, sob retudo} tod os apre sentam a nova história partindo
interior, colo can do-s e num ponto de vis ta estritame nte historiográ-
~ : 0 : eles se interessam apenas pelo "p ro duto"} sem se perguntar como ele
- 1 ['à bricado. Atitude normal}me smo sendo po ssível, por parte de algum

_ o írito contraditó rio, obs erva r qu e o fato de os campeões da interdisci-


: inaridade se recusarem a sair do âmbito estrito de sua própria disciplina
e be m curioso. É qu e, ao agir assim, eles evit am prestar contas sobre a ma-
r eira com o "fazem" essa história e}sobretudo, ocultam a "nova história"
: m o fenôm eno int electual específico.
Pois há um fenômeno "nova h ist ória"," do mesmo mod o como houve
~i fenô m en o "nova filosofia" - a principal diferen ça entre os doi s é que o
: ~ undo associa-se aos acontecimentos criados pel a m ídia, ao passo que a
rva história se relaciona com a longa dur ação} para retom ar uma distin-
.."20 cara a Fern and Braudel. Esse fenômeno é duplo - e, portanto, ambíguo;
, _[1cern e ao mesmo tempo à epistemologia - a nova história desempenha
~ ::! papel importantíssimo na reno vação da historiografia do século xx - e
_ m ídia - a nova história não se limita à esfera da produção do saber: ela se
:n~! !t ra também nas rede s de comunicação. Nesses doi s níveis}ela adqu iriu}
L ' u nte os ano s 1970, como diz Emmanuel Le Roy Ladurie, "uma hegemo-
-j " quase total". Hegemonia universitária, inicialmente; a revista dos Ann a-
' _ é apresentada com o a melhor revista históri ca do mundo, e os chefes do
rnovimento estão instalados no College de Fran ce e na École des Hautes
~~ 'J d e s en Sciences Sociales, mas igualmente em diver sas uni versidades.
O ; AllIlales tamb ém exercem hegemonia junto ao público: Braudel, Duby,
C iau nu, Le Roy Ladurie obtiveram reconhecimento midi ático. Montaiúou,
. , voado occiiãnico, de Le Roy Ladurie, vendeu mais de ISO mil exemplares,
- r:?gem fabulosa para um livro de respeitável extensão e de leitura difícil.
_.... monumental suma de Fernand Braudel, Civilização material, economia e
: lpltalismo: Séculos XV-X V III, em três volumes, conseguiu um belo desempe-
ano nas livrari as. Desembaraçadas de seu aparato crítico, as teses do SEV PEN

. ' O fen ômeno se desin tegrou ao longo desses últim os ano s, e não volta rei atrás sobre o
que disse n o pr efácio. A utili zação do presente do indi cativo na primeira edição podia
ser to ma da ao pé da letra, ao passo que, aqui, o uso desse temp o verbal tem ap en as
valor narrat ivo,

COUTtl U- BÉGARIE 99
também foram reeditadas em livros de bolso. O sucesso é óbvio, em todos
os níveis. Como explicá-lo?
Há evidentemente essa sede de história que Mircea Eliade constatou.
Mas isso não é o bastante para explicar um êxito tão impressionante. De
forma modesta, Emmanuel Le Roy Ladurie falou em hegemonia "intelec-
tual, muito mais do que administrativa ou burocrática," sendo uma maneira
elegante de resolver o problema: "é muito simples : fomos os melhores, e o
sucesso veio naturalmente':
Simples demais. O talento pode ser uma condição necessária para o su-
cesso, mas não é suficiente. Georges Dumézil era mais talentoso que qual-
quer outro historiador, sua obra é incomparável pela originalidade e riqueza.
Ele teve de esperar o final dos anos 1970 para que ela fosse enfim reconhe-
cida além do círculo dos especialistas. E seu exemplo não é único. Também
podem ser citados aqui Philippe Aries, cujo renome foi tardio, ou Bertrand
Gille e Alphonse Dupront, cujas obras consideráveis jamais foram conheci-
das além do âmbito estreito dos especialistas.
O sucesso raramente vem sozinho. É preciso encorajá-lo tratando de
preparar condições favoráveis. Isso vale para os indivíduos - com algumas
exceções - porém ainda mais para os grupos. A ascensão a uma posição he-
gemônica não é somente uma recompensa do talento, por maior que ele seja.
Ela sublinha também, e acima de tudo, o sucesso de uma estratégia. De uma
estratégia de tomada do poder. A explicação do sucesso da nova história está
nisso, na conjunção de circunstâncias favoráveis e inteligência estratégica de
seus chefes.
Circunstâncias favoráveis, tanto estruturais quanto conjunturais. Estrutu-
rais: trata-se do problema fundamental, e no entanto sempre negligenciado,
da localização do movimento. É um norte-americano que faz a pergunta:
"Por que a França? Por que não os Estados Unidos, com seus enormes recur-
sos, com a tradicional postura coletiva de seus historiadores profissionais,
muito menos rigidamente confinados nas fronteiras nacionais do que qual-
quer outro grupo equivalente? Em meio a certos historiadores norte-ameri-
canos dos anos 1930 e 1940 prevalecia uma visão similar, em muitos aspectos,
à dos annalistes. E eram historiadores da qualidade de um Febvre, de um

~4 E. Le Roy Ladurie, "Les Mousque taires de la nouvelle histoire", op. cit., p. 58.

100 !,\jTRCOUÇkO
Braudel'." A nova história pôde se impor graças à estrutura extremamente
centralizada da universidade francesa, o que permitiu a difusão generalizada
a todas as universidades das ideias dos novos historiadores a partir de alguns
postos-chave."
Nos Estados Unidos, ao contrário, a independência de cada universidade
é um obstáculo para a extensão da influência de uma escola. Jack Hexter
insiste na ideia de que esse policentrismo teria impedido Braudel, caso ele
fosse norte-americano, de atingir uma posição comparável à que conquistou
na França: "todas as estruturas da instituição universitária e 'educativa' que
favoreceram a Escola dos Annales na França estavam ausentes nos Estados
Unidos';" Foram essas estruturas que fizeram da nova história um fenômeno
essencialmente francês.
Circunstâncias favoráveis também existiram de um ponto de vista con-
juntural: a nova história chegava na hora certa. No final dos anos 1920, a his-
tória não se encontrava mais na fase que Kuhn chama de ciência normal."
Uma crise se anunciava: os paradigmas positivistas de Langlois e Seignobos
começavam a ser questionados - na França, a Revue de Synihése Historique
partia em guerra contra eles; na Alemanha, a Revista Trimestral de História
Social e Econômica sugeria novos campos de estudo. Marc Bloch e Lucien

25 J. Hexter, "Fem and Braudel and the monde braudélien", op. cit., p. 58.
26 Convém relativizar o argumento de J. Hexter, lembrando que a estrutura centralizada
da universidade tamb ém oferece um obstáculo às novid ades, que só podem se implantar
depois de uma longa maturação. Em seguid a, após alguns centros vitais terem sido con-
quistados, pelo menos parcialmente, a difusão pode ser feita muito rapidamente. Foi o
que passou no caso da nova história, cuja implantação se fez lentamente entre os anos
1930 e 1950, antes de sua aceleração a partir dos anos 1960.
27 J. Hexter, "Fern and Braudel and the monde braudélien", op. cit., p. 497. Isso também
vale no caso da Grã-Bretanha. Cf.James Obelkevich, "Past and Present: Marxisme ethis-
toire en Grande-Bretagne". LeDébat, n. 17, dez. 1981, p. 104. Emmanuel Le Roy Laduri e
reconhece que a vitó ria total do s Annales n a universid ade francesa "tom ou-se po ssível
graças às estrutu ras centralizadas, que ne ste caso pelo menos foram bastante úte is, da
univer sidade. Elas não obrigatoriamente exist em em outros países". Entrevi sta em His-
toireMagazine, n. 3,1980, p. 95.
28 Thomas Kuhn, La Structure des révolutions scientifiques [1962], trad . Laure M eyer. Paris:
Flammarion , 1972, p. 40 [ed. bras.: A estrutura das revoluções científicas, trad. Beatriz
Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1975].

COUTAU - 8 ÉGARIE 101


Febvre, professores em Estrasburgo, intenso foco intelectual em contato
com o mu ndo germânico, sofreram a influência do país vizinho e levaram
adiante a aclimatação de suas ideias na França. O ato decisivo para a sua
difusão foi a criação de uma revista, os Annales, órgão indis pensáve l para
veicular novas concepções. Estas se beneficiariam de uma boa ajuda dada
pela sorte, garanti ndo seu suce o devid o ao desaparecimento espontâneo
de publicações con correntes. Na França, os historiadores tradicionais não
compreenderam o perigo e não pensaram em reagir de fato. Do lado da
ciências sociais, o campo foi se tornand o progressivamen te mais livre com o
definhamento da sociologia durkheimiana, que ficara desamparada desde a
morte de seu fundado r, em 1917, e tamb ém com a perda de seus jovens adep-
tos nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, além do declínio
inexorável da prestigiosa escola vidaliana de geografia humana, a partir do
final dos anos 1930 . o exterior, a concorrência mais temível, a historiogra-
fia alemã, que iniciara a mu tação da disciplina no início do século xx com
Lamprecht e Weber, e para a qual se voltava a comunidade internacional dos
historiadores, também estava à deriva desde o advento do nazismo, criando-
-se assim um vazio de que os Annales se aproveitariam durante o pós-guerra.
Mas, para aproveitar tais circunstâncias favoráveis, era preciso ter um
programa, pôr estruturas em funcionamento, formar urna escola. Marc
Bloch, que aliás morreu muito cedo, Lucien Febvre, Fernand Braudel e
Ernest Labrousse se encarregariam dessa tarefa. Formando turmas de es-
tudantes cada vez maiores, que em seguida passavam a trabalhar nas fa-
culdad es, escrevendo numerosos artigos sobre qu estões metodológicas,
promovendo debates e combates, eles construíam um projeto para um a
história no va, e punham em andame nto um a estratégia sob medida para
garantir seu sucesso.
Tudo isso vem naturalmente acompanhado de urna "estratégia interna",
que visa garantir o sucesso das novas concepções no interior da corpora-
ção dos historiadores universitários. Quanto a isso, os meios são diferentes.
O projeto dos Annales era superior aos paradigmas então existentes, mas se-
ria ingénuo acreditar que por isso os adeptos das concepções tradicionais
abandonariam os lugares que ocupavam, ou negariam os fundamentos de
seus trabalhos. O único meio para garantir o triunfo das ideias novas consis-
tia em instalar progressivamente seus adeptos no interior do aparelho uni-
versitário, até que eles adquirissem seu controle. Em seguida, essa estratégia

102 INTRODUÇÃO
_oiversit ária foi prolongada por uma estratégia de obtenção da chefia do
- und o da edição e da m ídia , o que visava controlar a alavanca de comando
~ produ ção histórica destinada ao público.
Essa estratégia interna se situ a num ní vel muito mais institucional do
. ue intelectu al. Mas está diretamente relacionada ao projeto} pois do valor
..: es te depende a importância da dimensão estratégica interna. Ou seja: se
: rojeto representar um progresso subs tan cial e não der motivo para crí-
. - : ' 5, ele haverá de se impor por si mesmo}na medida em que forem desa-

~~~e c en d o os universitários formados pela "velh a escola': Num caso como


.~: e , o aspecto estratégico é totalmente secundário. Porém} se a confiabi-
.:,lcte do projeto não for límpida e óbvia} caso ele se choque contra uma
?o sição resoluta, uma boa estratégia será}então} necessária para liquidar
o:' resist ên cias.

Teria o projeto dos novos historiadores chegado a se impor apenas gra-


. ~s a suas virtudes ? Parece difícil responder positivamente a essa pergunta.
•'. S p osições que eles tiveram de enfrentar não vinham somente da parte

.:. ) S sorbonnistes apegados às suas cátedras. Um jovem historiador que ela-

oo rou trabalhos inovadores, Louis Chevalier} opôs-se vigorosamente às


.oncep çôes dos Annales. E ainda é preciso mais: respeitados pesquisadores}
.:. sprovidos de qualquer hostilidade} não acreditam que tenha surgido da
.:. -s cen d ên cia de Bloch e Febvre uma história nova. Jean Glénisson destaca
~ continuidade da historiografia francesa durante o século x x : "Seria exato
:·.Ja , como fazem alguns} de uma 'subversão' na concepção atual da histó-
" 2 ~ No que diz respeito à França} nada nos parece menos justificado. Ao

: 0 . tr ário, a continuidade - e} apesar das aparências, a tranquilidade - de


: ua evolu ção há ma is de cem anos parece ser um dos traços mais caracterís-
.icos de nossa historiografia nacional. Para nos atermos apenas aos últ imos
~ ) anos do século xx, podemos dizer que a tragédia dos anos 1939-45 sequer
.. afetou, ao passo que, no caso da escola histórica alemã contemporânea}a
.evis ão brusca e 'dilacerante' que a pressão de sse acontecimento impôs é
bastante vis ível'."

: 9 Jean Glénisson, "L'Historiographie français e contemporaine. Tendances et réalisations" ,


in La Recherche hístoríque en France de 1940 à 1965. Paris: Centre National de la Recher-
che Scíentifique, 1965, p. x.

COUTA!J- BÉGARI E 103


Raymond Aron emite opinião semelhante: "O conhecimento histórico
teria de fato mudado fundamentalmente seus métodos, seu objeto e seus re-
sultados pelo fato de se esforçar por descobrir, nas sociedades desaparecidas,
o que as ciências sociais estudam nas sociedades atuais? Não creio'." Indo
ainda mais longe, ele recusa a ideia de uma "oposição entre escolas históricas
rivais, cada qual fortalecida por um método original, orgulhando-se de uma
visão singular do passado";" reduz "a maior parte das chamadas querelas de
escola entre historiadores" a "rivalidades estéreis entre especialistas, cada
qual considerando seu método - método este resultante de uma experiên-
cia específica - como exemplar, cada qual elevando ao nível de filosofia sua
equação profissional, negando o interesse da ordem dos fatos, rumo à qual
não se orienta sua própria curiosidade">
Pode-se discutir indefinidamente sobre a possibilidade de os progressos
realizados no decorrer dessas últimas décadas - que não devem, de modo
algum, ser subestimados - terem de fato levado a uma mutação da história.
O problema não está aí. O que conta é que o maior filósofo da história do sé-
culo XX manifesta sem ambiguidade suas dúvidas quanto às pretensões dos
novos historiadores. Uma tomada de posição como essa, somada à oposição
declarada de um historiador tão importante quanto Louis Chevalier, cujo
trabalho em muitos pontos poderia ser vinculado à nova história, mostra
que o projeto dos fundadores dos Annales não deixa de ter suas fraquezas,
e que não há dúvida de que ele não se impôs "espontaneamente': Portanto,
é realmente preciso considerar o projeto "nova história" em seu duplo as-
pecto: um projeto sedutor e fecundo, mas que só triunfou por ter sido inte-
grado numa estratégia.
Essa é a história dos Annales. Não somente uma história nova. Mas tam-
bém de historiadores inteligentes. E dizer que sem essa inteligência eles não
teriam chegado à posição hegemônica que ocuparam durante as décadas 1960-
-70 não desmerece a obra histórica que produziram. Contudo, eles permane-

30 Rayrnond Aron, Dimensionsde la consciencehistorique. Paris: Union Générale d' Êditlons,


19ó5, p. 103·
31 Id., ibid., p. 10Ó. No prefácio, vimos que Franço is Furet exprimiu o mesmo julgamento
em L'Aielierde l'histoire. Paris: Flammarion, 198 2..
32. Id., ibid., p. 108.

104 INTR ODUÇÃO


ceram em silêncio quanto a esse aspecto do sucesso que obtiveram. Questões
M.iministrativas não devem ser comentadas. De minimis, noncurat praetor. Pois
é ... Um exemplo realçará a importância essencial do fator estratégico.
Em 1949} Braudel publica O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na
ipoca de Filipe II. Obra capital} cuja influência será decisiva. Se considerar-
mos apenas o aspecto historiográfico} se negligenciarmos o autor para nos
determos apenas na obra} concluiremos rapidamente que: "uma obra-prima
como essa não poderia permanecer ignorada". Claro. Mas será que tal obra
deveria realmente fazer um sucesso tão grande?
Um ano antes} Philippe Ariês publicara sua Histoire des populations fran-
çaises et de leurs attitudes devant la vie. Livro pioneiro também, que sugeria
novas pistas. Bastaria tê-las explorado e a história das mentalidades teria
sido lançada. Ela poderia ter-se fundido com a Escola dos Annales e tirá-la
do economismo no qual chafurdava. A história nova teria adquirido outra
dimensão} como testemunha a posteridade tardia que obteve esse livro: "as
hipóteses que ele levanta} e que em muitos casos foi o primeiro a formular}
por exemplo no que diz respeito à precocidade do controle da natalidade na
França}continuam tendo o mesmo valor. Elas continuam a inspirar um dos
setores mais dinâmicos da pesquisa histórica atual'i" Nada decorreu dessa
perspectiva impressionante. Apenas a indiferença total. O ano de 1949 foi
determinante para a historiografia contemporânea. O de 1948 também po-
deria ter sido importante}mas não passa} no final das contas} da data de pu-
blicação de um livro pioneiro} porém ignorado. Disso resultará um atraso de
pelo menos dez anos referente à história das mentalidades. Por quê?
Por que O Mediterrâneo e não Histoire despopulationsfrançaises? Diver-
sas razões podem ser apontadas. Entre elas} não estaria também a perso-
nalidade dos autores desses livros? Braudel tinha o apoio incondicional
de Lucien Febvre, podendo contar com todo o aparato dos Annales e da
Sexta Seção. Ariês era um pesquisador isolado} afetado por uma tara inde-
lével: não era universitário} mas sim um especialista em geografia tropi-
cal. Ele não pôde formar alunos}nem difundir suas ideias. Quem ousaria

33 André Burguíêre (org.), Diciionnaire des sciences historiques, verbete "Philipp e Ari ês",
Paris : PUF, 1986, p. 68 [ed, bras .: Dicionário das ciências históricas, trad. Henrique de
Araújo Mesquita. Rio de Janeiro: Imago , 1993].

COUTAU- BÉGARI E 105


acreditar que esse aspecto do êxito de Braudel e do fracasso de Ariês não
é algo essencial?
Negligenciar a variável estratégica é proibir toda compreensão do fenô-
meno "nova história': Porém, é preciso não cair no excesso contrário, le-
vando em conta apenas esse aspecto. Tal explicação seria parcial. Se reto-
marmos a comparação entre Braudel e Ari ês, não encontraremos, ao lado
do fator estratégico, outra razão que explique esses tão diferentes destinos?
A Histoire des populations françaises não teria na verdade chegado um tanto
cedo demais? Não estaria ela, mais ou menos, condenada por antecipação,
devido ao próprio assunto de que tratava, que não estava em conformidade
com o economismo então reinante, que os annalistes souberam perfeita-
mente explorar? À análise estratégica deve se juntar a análise ideológica.
Oficialmente, esta não tem razão alguma de ser. De fato, a nova história
não tem conteúdo ideológico. A demonstração de François Furet é exemplar.
Ele critica a história positivista de Langlois e Seignobos por causa de seu
conteúdo ideológico - entre outras reprimendas: "Seu recorte corresponde
àquele de um historiador republicano'l> Raymond Aron admite o mesmo.
Mas, quando se aborda a nova história, essa regra deixa de ser válida: "Há
uma diferença fundamental; tomemos, como exemplo de história serial, a
história demográfica [ ... ]. Qual é a ideologia contida em tal empreitada?
Nenhuma [ ... J. Um domínio absolutamente aideológico e cientificamente
certo se revelou de imediato"> François Furet simplesmente esquece que,
se não existe nenhuma ideologia numa série demográfica, ela existe no fato
de se preferir a história demográfica das massas à genealogia dos príncipes.
Raymond Aron não cai na armadilha: "Também há uma ideologia implícita
na história dos Annales':36 Intuição muito justa, que é preciso desenvolver.
O que se deve entender por ideologia? Difícil encontrar conceito mais
banalizado e deformado do que esse. Duas concepções são possíveis.
A primeira restringe a ideologia ao domínio político: para Jean Baech-
ler, há ideologia desde que o homem pense, fale ou aja na área da política,"

34 François Furet em L'Historien entre l'ethnologue et lefuturologue, op. cit., pp. 64-65.
35 Id ., ibid.
36 Raymond Aron em L'Historien entre l'ethnologue et lefuturologu e, op . cit., p. 65.
37 Jean Baechler, Qu'est-ce quel'idéologíe? Paris: Gallimard, 1976, p. 22.

106 INTRODUÇÃO
C onsiderad a nesse sen tid o limitado, a ideologia tem amiúde uma conota-
:,20 pejorativa: para Ja cques Ellul, a id eologia é a forma degradada de uma
do utrin a pol ítica." Ao estudar o conteúdo ideológico da ciência econ ómica,
.~j a i n Wolfesperger propôs cinco definições qu e consideram como ideoló-
; iCl toda proposição superficial ou posta a serviço de uma causa política e
social, ou que se apo ie numa filosofia p ol ítica. " É concebível que François
Furet rejeite a ideia de tal conteúdo id eológico. De acordo com uma expres-
siva definição de Raymond Ar on, a ideologia é a teoria do adv ers ário."
Uma acepç ão m ais ampla é, porém , po ssível, não limitando a ideologia
d '.) político: para Georges Dum ézil, a ideologia é a estrutura conceptual, per-
: ept ível ou inconsciente) em que se embasa uma so ciedade - é ness e senti do
~u e ele fala da ideologia tripartite do s indo -europeus:" para Louis Dumont, a
id eologia é "o conjunto da s idei as e valores comuns numa sociedade'. " Assim
.o rnpreendida, a ideologia perde seu co nte úd o pej orativo e, sobretudo, torna-
. ,;: um intermediário obrigatório ao qu al ninguém pode se subtrair: "todas as
tor m as de consciência são semelhantes no sentido em qu e nenhuma opera
sem uma 'grade' atr avés da qual tomamos conhecimento do que é dado e, ao
mesmo tempo, deixamos de lado uma parte de ssa matéria. Não há consciên -
'12 direta e exaustiva de coi sa algum a. N a vida de todos os dias, é ini cialmente
Do r interm édio da ideologia de nossa so ciedade que no s tornamos conscien-
:es de qualquer coisa'." Re sulta disso o fato de que a ciênci a e a ideologia se
encontram tão estreitamente ligadas a ponto de ser impossível distingui-las."

.;.> J. Ellul, L 'Idéologie marxiste chr étienne. Paris: Le Ce nturion, 1979, pp. S-6.
,9 Alain Wo lfesperger, "Le Conte nu idéologique de la science éconorn ique", in Je an-Ja c-
ques Rosa e Florin Aftalion (orgs.) , L'Économioue retrouvée: Vieilles critiqueset nouvelles
(j l1alyses. Paris: Econ omica, 1977, pp. 13-16.
.! .)Citado por Alain Wo lfesperger, "Le Conten u idéologique de la science éconornique", in
L' Écononucue retrouvée, op. cit., p. 12 .
_ ! G. Dum ézil, L'Idé% gie tripartiiedesindo-européens. Bruxelas: Latomu s/Revue d' Étu des

Latines, 1958.
'-" Louis Dumont, Homo e quaiis - 1 Genese et épanouissement de l'idéologie économique.
Paris: Gallim ard, 1976, p. 66 [ed. bras.: H omo «ouali«: Gênese e plenitude da ideologia
ecollómica, trad.José Leonardo Nascimento. Bauru (sr): Edusc, 2000 ].
f 'Id., ibíd., p. 27.
• . Id., ibid., p. 31; J. Ellul, La Parole humiii ée. Paris: Seuil, 1981, p . 29 7 [ed, br as.: A palavra
humilhada, trad . M aria Cecília de 1\1. Duprat. São Paulo: Paulin as, 1984 ] .

COUTAIJ - Bt:G AR IE 107


Assim, fica evidente que a nova história não escapa à regra. Como todas
as histórias que a precederam, ela é uma história situada, isto é, uma história
sujeita à influência dos valores da sociedade na qual se desenvolve. Nesse ní-
vel é que se deve começar uma análise da ideologia da nova história: teria ela
realmente sabido se individualizar ou teria reproduzido fielmente os valores
dominantes da sociedade industrial e técnica?
Há vinte anos teria sido possível determo-nos nisso. Mas desde que a
terceira geração de novos historiadores desceu de sua torre de marfim para
se aventurar, e com sucesso, na área da comunicação, a "carga ideológica" da
nova história aumentou consideravelmente. Por um lado, isso se deve ao
fato de o texto jornalístico obedecer a uma racionalidade diversa daquela
que caracteriza o texto universitário: "nesse campo [o dos mass media], em
que tudo é posto no plano do consumo, toda tentativa de fornecer um qua-
dro teórico para um problema perde sentido';" Por outro lado, vale con-
siderar que, para entrar nesse cenáculo fechado dos grandes veículos de
informação, os novos historiadores tiveram de pagar o preço e aceitar as re-
gras, a hierarquia e a ideologia desse meio. Isso acarretou a coexistência de
dois mundos bem distintos: de um lado, a pesquisa fundamental, erudita,
crítica ... } e, de outro} a produção escrita informativa e engajada. Natural-
mente} existe uma defasagem sensível entre ambos. Os balanços no gênero
do Paire de l'histoire e La Nouvelle Histoire em geral ignoram esse segundo
nível, e limitam-se à sua vertente "nobre" Poderíamos ceder à tentação de
assentir, afirmando que quase não há relação entre os dois mundos acima.
Mas não há por que ocultar} assim, uma faceta significativa da atividade dos
novos historiadores} ainda mais pelo fato de que é por meio dela, na maioria
das vezes} que o público entra em contato com a nova história. E seria algo
muito ingênuo crer que as opiniões expressas nos escritos de vulgarização
não têm nenhum ponto em comum com as tendências que se verificam nos
trabalhos de pesquisa. Será preciso, portanto} estudar também a ideologia
(no sentido restrito da palavra) que impregna os textos de vulgarização dos
novos historiadores.

45 Julien Freund, prefácio a Carl Schmitt, La Notion depolitique [1932], trad . Marie-Louise
Steinhauser. Paris : Calmann-Lévy, 1972, pp. 52-53 [ed, bras.: O conceito do político, trad.
Alvaro L. M. Valls. Petrópolis (nj). Vozes, 1992].

108 INTRODUÇÃO
Do que foi dito até agora, pode-se deduzir o que será este livro. E mesmo
o que ele não será.
Ele não será uma história dos Annales. Um trabalho assim ainda está por
ser feito, e seria extremamente útil. Todavia, pressupõe o acesso aos arqui-
yos da revista, bem como aos dos membros mais eminentes do grupo, o que
por enquanto é dificilmente imaginável.
Este livro tampouco será um estudo sociológico dos Annales, porque
tal ângulo de abordagem seria inadequado: tanto do ponto de vista das
origens quanto da formação universitária, nada é mais semelhante a um
novo historiador do que um ... historiador, apenas. Uma abordagem so-
ciológica deveria englobar o conjunto da corporação dos historiadores
universitários, e não somente uma parte dela, a qual, desse ponto de vista,
quase não apresenta características originais, sendo, portanto, difícil de
ser isolada.
Enfim - e acima de tudo -, não será um ensaio de epistemologia histó-
rica buscando opor novas concepções - ou reabilitar uma linha tradicio-
nal- à concepção da nova história. O objetivo não é propor uma "história
de substituição", mas sim uma leitura da nova história, diferente daquela,
estritamente historiográfica, que nos é proposta pelos novos historiadores.
A análise será desenvolvida em três planos:

1. A análise estratégica externa parte da crise da história no início do


século xx: a partir dos anos 1930, tornou-se evidente que a história
positivista estava sem fôlego, e que era preciso encontrar algo diferen-
te. Para sair daquela situação de crise, diversas estratégias eram teo-
ricamente possíveis. Os fundadores dos Annales definiram uma, e a
impuseram. A ideia deles era simples: para enfrentar a sociologia de
Durkheim e de Mauss, que oferecia então o espetáculo de uma ciência
em pleno desenvolvimento, era preciso se libertar do jugo das regras
positivistas e pôr no lugar concepções novas, capazes de dar nova-
mente à história um caráter atraente, fazendo que voltasse a ocupar
um papel de primeira grandeza entre as então chamadas ciências do
homem, papel que a história sempre reivindicara - no século XIX,
Augustin Thierry já manifestava uma nova pretensão.
2. Essa estratégia revela uma ideologia. Não somente porque "um
cientista jamais é um puro sábio, mas também um homem sempre

COUTAU-BÉGARI E 109
engajado em alguma posição filosófica ou ideológica'r" Mas também
porque a dimensão ideológica condiciona a estratégia: um grupo que
aspira a uma posição dominante nãopode ir contra a ideologia dominan-
te. A ideologia permite "decodificar" o balanço historiográfico: ela
explica o sucesso - os novos historiadores propuseram uma história
que a mídia estava prestes a apoiar - mas também os limites da nova
história - esta não pode tratar de assuntos que não caibam em sua
"grade" ideológica.
3. A análise ideológica} porém} não basta para explicar o sucesso dos
novos historiadores. É preciso, assim, que intervenha nessa reflexão
um terceiro plano, sobre o qual geralmente nada se tem dito, que é
o da estratégia interna. Isso permitirá que se compreenda como os
novos historiadores conseguiram garantir posições importantes den -
tro da universidade e, depois, controlar a vulgarização histórica de
alto nível.

Nem é preciso dizer que uma leitura como essa, isto é, em termos de estra-
tégia e ideologia, não tem a pretensão de ser a única possível sobre a nova
história. Ela visa somente à apresentação de uma análise diferente da inter-
pretação historiográfica tradicional, feita de um ângulo que nos parece per-
mitir uma boa compreensão do fenômeno. Isso não significa que os novos
historiadores tenham sido exclusivamente guiados por preocupações de
ordem estratégica. Quando Jacques Ellul estuda a arte contemporânea em
sua relação com o sistema t écnico," ele faz questão de observar que a arte
de que trata não se r~duz a essa relação, mas que lhe parece fundamental
para compreender o como e o porquê dessa arte. No caso de que tratamos, a
nova história é antes de tudo um fenômeno epistemológico que se traduziu
por uma renovação extremamente fecunda. Aplicando-lhe os métodos de
análise das ideia s políticas, este estudo não almeja desvalorizar essa reno-
vação, mas simplesmente explicar as razões de seu sucesso e de seus limites,
demonstrando sua estratégia e revelando a ideologia em que se ernbasa, o
que é uma resposta à preocupação de Georges Duby, que sublinha "a neces-

46 J ean Piaget, ÉpisténlOlogie des sciences de l'homme. Paris: Gallima rd, 19 7 1, p. 81.
47 Em L 'Empire dl l non·sellS: l'art et la société technicienne. Paris: P UF, 1980.

110 INTRO OUCÀO


sidade de observar o próprio observador} de saber no que ele crê} o que teme}
de fazer a história dos historiadores, a sociologia dos sociólogos, de avaliar
~ contribuição do aspecto mental no funcionamento} não mais das socieda-
des} mas das ciências humanas. De interrogar} por conseguinte} os próprios
cientistas. E de se perguntar} no final das contas} se eles fazem exatamente o
que dizem fazer':48
A imagem que resultará dessa dupla análise será bastante diferente da que
nos propõem livros como Paire de l'histoire ou La Nouvelle Histoire. Esse tipo
de obra} sobretudo a segunda} é de fato uma permanente "adoração mútua":
"chegado o sétimo dia} a nova história olhou para o que fizera e viu que era
bom': Até Pierre Chatelus, ao resenhar de modo favorável La Nouvelle His-
toire, não pôde deixar de observar que ali "encontram-se sempre os mesmos
nomes} os dos amigos da École Normale Supérieure ou os da Sexta Seção
des Hautes Études, as mesmas referências obrigatórias} os mesmos tiques
de linguagem} as mesmas 'problemátícas', os mesmos julgamentos peremp-
tórios e sem recurso da história tradicional} 'aqu ela das batalhas e da diplo-
macia, qualificada de 'pré-histórica, e ainda o mesmo desprezo pelas revistas
especializadas que não sejam a dos Annales, o mesmo modo de admirar-se
reciprocamente entre 'novos historiadores'} de excluir os outros} de sair dis-
tribuindo reprimendas e louvores'l'"
Todavia} cometeríamos um erro se víssemos em La Nouvelle Histoire
apenas um produto da vaidade humana. Esse livro tem uma função precisa:
ele reescreve e reconstrói a história para que o grupo dos Annales apareça} a
partir de então} como a única força viva da historiografia francesa. É preciso
mostrar que toda mudança vem do grupo: que} antes dele} não havia nada}
ou quase nada. Todos os meios clássicos são empregados: desvalorização
sistemática dos predecessores, exclusão do s adversários} que desaparecem
da história, recuperação daqueles que podem ser recuperados. E La Nouvelle
Histoire não é um caso isolado. Tendências idênticas são encontradas em di-
versos escritos dos novos historiadores. A nova história entrou ao mesmo
tempo nos mass media e na esfera do sagrado . Braudel se tornou uma figura

.d Georges Duby, "Le Mental et le fonc tio n nement des scien ces humain es", L'Arc, n. 72,
1978, p. 9 2 •
+9 Pierre Cha telus, "La Mé m oire au plur iel". Él éments, n. 32, 1979, pp . 4 2-57.

COUTAU- BÉGARiE 111


mítica, que se juntou a Bloch e Febvre no panteão dos novos historiadores.
Única diferença: a canonização dos predecessores ocorrera após a morte, ao
passo que, no caso dele, começa ainda em vida.
De acordo com nossa perspectiva, tentaremos permanecer absoluta-
mente críticos: um exame crítico tem como objetivo "estabelecer a verdade
ou a autenticidade do objeto estudado":" o nosso buscará demonstrar os
mecanismos desse discurso triunfalista, a fim de chegar à verdadeira dimen-
são da nova história. Mas exame crítico não quer dizer hostil. Se esse en-
saio é uma reação contra os excessos dos turiferários dos Annales, ele não
esquece que a nova história é antes de tudo, e principalmente, uma quanti-
dade impressionante de obras-primas assinadas por gente como Labrousse,
Braudel, Duby, Chaunu, Le Roy Ladurie o" E isso é o essencial. Se este tra-
balho parece insistir mais no passivo do que no ativo desse balanço, isso se
deve simplesmente ao fato de que a nova história já foi sublimada, e muitas
vezes seus aspectos positivos, ao passo que seu corolário permanece pratica-
mente ignorado.
Assim, também parece desnecessário dizer que, quando insistimos no
aspecto estratégico do fenômeno, o objetivo não é repreender os novos his-
toriadores. O estabelecimento de alianças e a conquista de cátedras e cargos
de direção são preocupações perfeitamente normais e legítimas para quem
queira difundir suas ideias, salvo, naturalmente, se isso leva e resulta em
comprometimento e degradação de conteúdo. Não se trata aqui de repro-
var Braudel por causa de seu êxito. Ao contrário, é preciso sublinhar que ele
foi mais inteligente que os outros. Como nota Emmanuel Le Roy Ladurie,
essa "inteligência estratégica (tão evidente nos anos 1930-50 na revista dos
Annales) só pode honrar os instigadores do movimento: Marc Bloch, Lucien
Febvre, Fernand Braudel, Ernest Labrousse'l" Pode-se acrescentar a isso: "e
aqueles que os sucederam".
Essa advertência precisava ser feita, mesmo sem muita ilusão quanto à
sua utilidade. Sejam quais forem as precauções tomadas, notemos, assim
como Jules Monnerot, que a verdade sempre tem "propriedades vesican-

50 Segundo o Larousse encyclopédique. Paris: Larousse, 1960-64.


SI E. Le Roy Ladurie, Le Territoire de l'historien, op. cit., 1973, p. 24.

112 INTRODUÇÃO
115- e que uma "descrição sem deferência contém em si o risco de provo-
car um esc ândalo";"
Resta-nos ainda uma questão prévia. Quando falamos da estratégia dos
IIOVOS historiadores ou da sua ideologia, postulamos a existência de uma

mesão forte o bastante para dar ao grupo uma unidade que se exprime
por essa estratégia e por essa ideologia comuns. Ora, isso não é, de modo
~,óbvio.
É um colaborador do próprio Jacques Le Goff, ele mesmo novo histo-
riildor, portanto, e ainda por cima marxista, que diz: "não existe uma 'nova
história: Pode-se certamente defini-la sumariamente por algumas preocu-
pações dominantes: a ampliação do campo de observação do historiador
por meio da descoberta de 'novos objetos', o recurso a um conjunto de
ciências humanas (antropologia, ciência econômica, sociologia, psica-
nálise), a elaboração e adoção de métodos quantitativos cada vez mais
sofisticados tendo como base uma documentação serial. Mas seria isso
suficiente para lhe dar uma unidade mínima?,:s3Até o sucesso dos Annales
acarretou uma alteração do "rótulo": "eis a 'história nova', lançada como
uma marca de sabão em pó! No caso daqueles que ainda queiram per-
manecer apegados a uma história historizante, unilinear e estreitamente
acontecimental, basta proclamar-se adepto da 'nova economia' a fim de
tomar o produto mais vendável'i>
Felizmente, Jacques Le Goff está aí para nos lembrar uma verdade pri-
mordial: "há uma história nova".ssMas não é "aquela de uma equipe ou de
uma escola', e é necessário até mesmo recusar a ideia de uma "pretensa Es-
cola dos Annales': "Claro, não há aqui ortodoxia alguma, sendo ela a mais
Werta:'s6A coesão da nova história resultaria, antes, da "convergência de
formações, de preocupações, de desígnios semelhantes'l" Uma afirmação
como essa, quando tomada ao pé da letra, implica que basta ter passado

-. Jules Monnerot, LesFaits sociaux nesont pas des choses. Paris: Gallímardrca õ,p. 84.
:3 Guy Bois, "M arxism e et histoire nouvelle", inJacques Le Goff et alo(orgs. ), La Nouvelle
Histoire, op. cit., p. 377.
. . Id., ibid., p. 378.
.. J. Le Goff et alo(orgs. ), La Nouvelle Histoire, op. cit., p. 211.
J. Le Goff e P. Nora (org s.), Faire de l'histoire, t. I, op. cít., p. IX.
Id., ibid., p. X.

C O U TA U - B ~ G A RI E 113
pela Sexta Seção ou ter se dedicado à história social para ser um novo his-
toriador. Mas Le Goff se recusa a ir tão longe: <ta marca nova história não
poderia se referir a nenhuma produção histórica, menos ainda a uma his-
tória tradicional mal remodelada com alguns toques rápidos de sociologia,
ciência política, economia, psicologia ou algo equivalente': Seu sucessor na
presidência da EH ESS, Fran çois Furet, denuncia "a ide ia falsa segun do a qual
o grupo do s hist oriadore dos Annales partilharia um a concepç ão comum
e unificada da disciplina, por oposição à tradi ção [ ... ]. Os histo riadores da
École strictosensu trabalham seguindo dire ções por demais diferentes para
qu e sejam facilmente agrupados sob um estandarte intelec tual comum';"
Pierre Goubert, outro novo historiador conhecido, pensa o mesmo; fala de
"grupos do s Annales (decididamen te, não há uma 'E scola' dos Annale: )".59
Então, será que no ssa tentativa de identificar um a estratégia e uma ideologia
comuns está fadada ao fracasso?
Felizmente para nós} as inúmeras declarações dos novos historiadores es-
tão aí para nos tranquilizar: Paul Veyne fala da "nossa Escola dos Annales~6o
sendo imitado por Emmanuel Le Roy Ladurie," Pierre Chaunu'" e André
Burgui êre." A negação da existência de uma Escola dos Annales foi feita} não
por poucos, por razõe s diferentes, mas explicáveis: as palavras, antes citadas,
de François Furet foram escritas em 1982, quando a unidade do grupo se de-
sintegrou e o projeto do s fundado res deu lugar a uma história fragmentad a.
Pierre Goubert se situa, como a mai oria do s ex-alunos de Labrousse, um
pouco à margem do núcleo. Quanto a Jacques Le Goff, os manifestos que
concebeu queriam passar uma imagem aberta da nova história} que favore-
ceria a sua recuperação. Ele obedecia a um imperativo estratégico ao deixar

58 F. Furet, L'Atelier del'histoire, op. cit., pp. 6-7.


59 Pierre Goubert, Clio parmi les hommes: recueil d'artules. La Haye : Mouton, 1976, p. 7.
60 Paul Veyne, "L'H istoire conceptualisante", in J. Le Goff e P. Nora (orgs.), Paire de
l'hisioire, t. I, op. cit., p. 72.
61 E. Lc Roy Ladurie, "Les Mousquetaires de la nouvelle histoíre", op. cit., p. 61.
62 P. Chaunu, Histoire,science sociale:La dur ée, l'espace et l'homme à l' êpooue moderne. Paris:
Sedes,1974, p.l [ed. bras.: A história como ciência social: A duração, o espaço e o homem
na época moderna, trad. Fernando Ferro. Rio deJaneiro: Zahar, 1976].
63 André Burgu íêre, "The Fate of the History of Mentalités in the Annales". Comparative
Studies in Society and History, n. 24, jul. 1982, p. 427.

114 I NT RODUCÃO
_': vincular a história nova a uma escola. Isso lhe permitiu incluir Louis Che-
rlier na história nova," quando na verdade este é um adversário assumido
~ O ' Al1l1a/es. Mas exatamente como os outros) Jacques Le Goff quando
?",!1sa em "nova história", pensa, antes de mais nada, nos Annales.
Na realidade) a Escola - ou o grupoÓS - dos Annoles sempre foi muito
".z"da ao seu chefe, primeiramente Lucien Febvre, depois Fernand Braudel.
~ lícito) portanto, falar de uma estratégia comum (até os anos 1970). Quanto
'!o conteúdo) H. R. Trevor-Roper menciona uma "filosofia comum [que]
oode ser distinguida, sob formas variáveis, evidentemente) em todos os alu-
[I(1 S da Escola dos Al1l1a/es".66 Jacques Revel segue a mesma linha: "Há) con-

tu do, entre a obra de Bloch e Febvre e a de seus sucessores muitos pontos


.omuns e uma continuidade de inspiração bastante forte para que se possa
colocar em dúvida a realidade) a substância da corrente intelectual que eles
reivin dicam'." Contrariamente àquilo que levaria a crer Jacques Le Coff a
~ o e s ão
dos historiadores oriundos dos Annaies e da Sexta Seção foi forte
d em ais, e foram eles que fizeram essa nova história. Nossa busca de uma
estratégia e de uma ideologia compartilhadas tem) portanto) fundamento.
C onvém ainda assim fazer três observações.
Em primeiro lugar) no que diz respeito à estratégia, apenas participam
dela de maneira consciente e ativa aqueles que pertencem ao núcleo do
gru p o. Os outros) notadamente os provincianos) distanciados das querelas
das paróquias e modas parisienses) têm uma atitude essencialmente passiva.
A. maioria deles sequer tem a sensação de pertencer a uma escola. Mas seu
silêncio tem o valor de aceitação implícita) e isso é o bastante para o núcleo,
no que diz respeito à elaboração da estratégia.
Em seguida) a ideologia comum não significa uma identidade de opi-
niões sobre todos os problemas. Ao contrário) os novos historiadores po-

64 J. Le Goff et alo (orgs.), La Nouvelle Histoire, op. cit., p. 237.


65 Fernand Braudel escreveu em 1963: "não somos uma 'Escola', mas uma sociedade de
espíritos livres que promovem a aproximação de certo número de convicções comuns".
Annales ESC, n. I, 1963, p. 103. Escola ou grupo, trata-se apenas de uma questão de palavras.
66 H. R Trevor-Roper, "Fernand Braudel, theAnnales and the Mediterranean". Journal of
Modern History, n. 4, v. 44, 1972, p. 471.
67 Jacques Revel, verbete"école des Annales", em André Burguiére ( org.), Dictionnairedes
sciences historiques, op. cit., 1986, p. 49.

COUTAU-BÉGARIE 115
dem se dividir sobre questões importantes, por exemplo, as relações com o
marxismo. De maneira geral, as relações internas do grupo da nova história
são complexas e às vezes difíceis. As ambições universitárias, os engaja-
mentos políticos e, mais simplesmente, as inimizades pessoais dão origem
a numerosas rivalidades entre pessoas e instituições - por exemplo, entre a
École des Hautes Études en Sciences Sociales, acusada de monopolizar as
atenções, e as universidades. As fraturas não devem ser dissimuladas. Isso,
porém, não pôs em dúvida a unidade resultante da presença dos chefes
incontestes, como Febvre e Braudel, até que viesse a explosão dos anos
1970. E para além das divergências manifestas, pode-se verificar um con-
senso em relação a alguns temas fundamentais que deram à nova história
sua unidade.
Porém - e eis um ponto capital - é preciso sempre ter em mente a am-
biguidade fundamental da noção de nova história. Esta pode ser de fato en-
tendida de duas maneiras completamente diferentes. Num sentido muito
amplo, a nova história é, antes de mais nada, um estado de espírito que pode
ser considerado vitorioso praticamente entre todos os historiadores france-
ses (e estrangeiros), pelo menos na universidade: hoje, não há mais ninguém
que faça uma história semelhante à dos anos 1920. Num sentido mais restrito,
porém, a nova história designa o grupo de herdeiros de Marc Bloch e Lu-
cien Febvre que reivindicou a paternidade dessa renovação. Naturalmente, é
esta última acepção que nos interessa aqui, refletindo a posição de Jacques
Le Goff e seus colaboradores, que atribuíam a si mesmos o monopólio da
marca. Essa ambiguidade transparecerá neste livro, pois certo número de
contribuições de Bloch, Febvre, Labrousse ou Braudel passou a fazer parte
do patrimônio comum dos historiadores franceses. Mas que fique claro: va-
mos nos concentrar na estratégia e na ideologia do grupo. Teremos, aliás, a
oportunidade de ver que este construiu sua estratégia justamente a partir da
exploração dessa ambiguidade.
Na maioria das vezes, as críticas apresentadas aqui nada terão de origi-
nais. Contentei-me em reuni-las e desenvolvê-las. As citações são numerosas,
o que não se deve a um vão desejo de erudição, mas sim à necessidade de
mostrar que os limites da nova história já tinham sido percebidos anterior-
mente, ainda que na maior parte das vezes de maneira furtiva e parciaL
E finalmente ... para além do espírito "inquisitorial" que o anima, por seu
estilo, que pode lembrar o dos "debates e combates" dos Annales em seus

116 INTRODUÇÃO
~ rim órd io s, por sua vontade de ir mais longe do que produzir uma mera
- arrativa do êxito dos novos historiadores a fim de lançar a questão: "Como
~ que eles conseguiram?", pela importância atribuída ao inconsciente - à
-: 201ogia -, por sua pluridisciplinaridade - mistura de história e de ciência
~ ol ítica -, é lícito perguntar: não seria, em alguma medida, este livro, ele
~ ~ mb ém, da nova história?

Publicado originalmente como "Introduction", in Hervé Coutau-Bégarie, Le Phé-


,noméne nouveUehistoire: Grandeur et décodence de I'école des Annales . Paris: Eco-
nomica , 1989, pp . 1-21. Tradução de Flávia Nascimento.

COUTAU-B ÉGARI E 117


A despeito de seu título estranho, seu conteúdo peculiar e o tamanho mo-
desto de sua lista de afiliados, o periódico francês Annales: Économies, Socié-
tis, Civilisations começou a ganhar audiência global nos anos 1960. Tornou-
-se, desde então, provavelmente o mais falado e o mais influente periódico
acadêmíco devotado aos estudos históricos no mundo.' Na Alemanha e
Da Grã-Bretanha, a abordagem histórica dos Annales encontrou incom-

preensão e resistência por algum tempo,' mas seu triunfo nas universidades
norte-americanas é indiscutível, e isso a despeito do fato de muitos de seus
~adores norte-americanos não conseguirem ler o periódico francês e

Para uma bibliografia seleta, ver Peter Burke, lhe French Historical Revolution. lhe
.,Annales" SchooI1929-1989. Stanford: Stanford University Press, 1990 [ed . bras .: A revo-
lução francesa da historiografia: A Escola dosAnnales (1929-1989), trad. Nilo Odalia. São
Paulo: Unesp, 1998]. Burke foca nos principais trabalhos dos historiadores dos Annales
e faz análises judiciosas deles. Meu texto está centrado na revista. Pode ser lido como
complemento ao livro de Burke.
: Michael Erbe, Zur neueren franzosischen. Sozialgeschichtsforschung. Darmstadt, 1979.
Erbe é especialmente astuto ao descrever a resistência germânica aos Annales nos anos
da Guerra Fria. A monografia de Erbe pode muito bem ser considerada o estudo mais
acurado e cuidadoso dos Annales em qualquer língua. Inclui uma boa bibliografia.

HUP PERT 119


se contentarem com antologias de artigos} em tradução ao inglês} tomados
dos Annales)
Muitos livros do s historiadores dos Annales estão agora disponíveis
em tr adução. Entre eles há teses de doutoramento célebres} enormes e
pouco lidas} como O Mediterrâneo} de Braudel, ou os Os camponeses do
Languedoc, de Le Roy Ladurie, algumas monografias excepcionalmente
imaginativas} como a Religião de Rabelais, o Royal Touch, de Bloch, ou
Holy Greyhound, de Schmitt, e impressionantes trabalhos de síntese}
voltados a um público de não especialistas} como A sociedadefeudal} de
Bloch, e Birth oj Europe, de Lopez.'
Foi apenas no final dos anos 1960 que a reputação dos historiadores
franceses }antes firmada na maior parte da Europa}especialmente na Itália}
começou por fim a penetrar o mundo de língua inglesa. Em 1968 convenci
uma grande editora norte-americana de empreender a monumental publi-
cação em língua inglesa de O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época
de Filipe II} de Fernand Braudel. O livro parecia virtualmente intraduzível.
Depois de rejeitar sete ou oito candidatos à tradução} encontrei a pessoa
apta ao trabalho. Experimentei as mesmas quase insuperáveis dificuldades
para encontrar um tradutor para Os camponeses do Languedoc, de Emma-
nuel Le Roy Ladurie, até que o professor John Day, um medievalista norte-
-americano e historiador econômico que havia passado muitos anos de sua
carreira em Paris} candidatou-se ao trabalho. A obra-prima de Braudel final-
mente ganhou uma versão em inglês em 1972; a de Le Roy Ladurie, em 1974.
A terceira obra-prima dos Annales, Philippe II et La Pranche Comté, original-
mente publicada em 1912} nunca foi traduzida.
Acontece serem esses três livros imensos, mas esse não é o principal obs -
táculo para o tradutor. É seu estilo}muito atraente no original}que é excep-
cionalmente difícil de transpor ao inglês. Ao contrário do estilo comum da
escrita histórica francesa} que não é particularmente inventiva e que fun-

3 Entre numerosas antologias, citaria Marc Ferro (org. ), Social Historians in Contemporary
France. Essaysfrom "A nnales". Nova York: Harper Torch Books, 1972, e P. Burke (org.),
A N ewKind ofHistory and otherEssays, trad. K Folca. No va York: Harper & Row, 1973.
4 P. Burke, lhe French Historical Revolution, op. cit., 1990, fornece uma sele ção atualizad a
dos melhores livros dos annalistes em tradução para o inglês.

120 O EXPERIM ENTO DOS ANNAL E5


.::lCn;J... como boa parte da prosa acadêmica, por clichês cujos equivalentes
~ fáceis de localizar em inglês ou alemão, a linguagem criada por Febvre e
: ~ud el é idiossincrática e poética, repleta de inversos arcaicos e de palavras
mi cas extraídas diretamente de fontes do século XVI. O efeito é extraordi-
. :>10; mas não se traduz. Mesmo o leitor francês é facilmente bafejado pelo
- nrrn úr i o oceânico dessas milhares de palavras, exóticas, autênticas e parti-
_ -:eres como o são.
infelizm ente, nem todos os livros associados aos Annales são obras-prí-
~~> : há também um considerável número de áridas produções acadêmicas
. ~ ilh as de manuais, livros de mesa de café, enormes volumes produzidos
~r comitês e compilações de bem menos que brilhantes escritos de oca-
XI - o refugo que chega às nossas livrarias e bibliotecas por causa do selo
~O ' _-'umales, como as peças ordinárias e de baixa qualidade que alcançam o
~ ercado com a marca de algum grande costureiro.'
De primeira linha ou não, esses livros apresentam uma figura distorcida
~:..,u que é o experimento conduzido pelos Annales. Geralmente, são escritos
: II fran ceses cuja preocupação é a França pré-industrial. A razão para isso é

: _-: muitos dos pesados volumes que encontram seu lugar nas bibliografias
rnnvencíon ais são produzidos como teses de doutoramento. Esses volumes
oc es os, que representam de dez a vinte anos de trabalho árduo em arquivos
--:':1ceses, dispõem de poucas qualidades ligadas aos Annales. Raramente
ao comp arativos ou experimentais, e seu estilo tende ao usual rigor mortis
"Xip do das teses acadêmicas. Também é verdade que muitas dessas thêses
:. -: pen dem exclusivamente de arquivos franceses. Lendo-as, pode-se razoa-
:·.mente concluir, com Peter Burke," que o horizonte dos historiadores dos :';,\1'

_-o nates é limitado a três séculos da história económica e social francesa.


Não estão os annalistes interessados na história moderna, contemporâ-
- :',} ou antiga? Não estão eles curiosos com o mundo além da França? Além
:.:. Emapa? Não se pode dar conta disso na maioria dos livros traduzidos

:5 Um exemplo dentre muitos: o multivolume, de vários autores, Histoire des femmes en


Occident, preparado por um editor italiano, traduzido na ocasião para o francês e depois
para o inglês. O volume do verão de 1993 dos Annales concedeu muito espaço para esse
medíocre produto da casa.
6 P. Burke, The French Historical Revolution, op. cit., pp. 99, 108.

HU PPERT 121
para o inglês, mas a verdade é que os Annales, de seus primórdios, têm sido
sempre ferozmente) agressivamente) globais em seu propósito) tanto em seu
recrutamento de colaboradores quanto em sua escolha de tópicos a explo-
rar. Desde os anos 1930) o periódico tem fomentado uma prática de artigos
comissionados e resenhas de acadêmicos de primeira ordem não necessa-
riamente associados aos departamentos de história das universidades fran-
cesas: norte-americanos) italianos) poloneses) emigrados sem postos univer-
sitários) sociólogos) antropólogos ou administradores coloniais. Os editores
têm o costume de investigar tópicos não necessariamente de interesse da
Sorbonne, como a coletivização da agricultura na União Soviética) a origem
das ferrovias) a função das universidades islâmicas) demografia histórica ou
postura diante da morte. Esses não são os assuntos aos quais os periódicos
acadêmicos comuns dedicam muito interesse) até recentemente) quando
mesmo o mais insosso deles começou a imitar os Annales.
Não penso nos Annales como uma publicação acadêmica entre outras.
A qualidade especial dos Annales, até recentemente) não é fácil de definir.
Lembro meu primeiro encontro) em 1957 ou 1958) com os volumes grossos)
bem encadernados) nas prateleiras da sala de leitura da Universidade da
Califórnia) em Berkeley; onde era estudante de graduação. Eu caminhava
à luz do sol por entre eucaliptos para pegar o mais recente exemplar do
periódico) que acabava de ganhar o novo design de capa) um tanto peremp-
tório. Fui embora) para o bem ou para o mal) tendo encontrado minha vo-
cação como historiador.
Na época) o periódico começava a chamar a atenção em Cambridge,
Nova York, Chicago e Berkeley) ainda que já existisse por mais de trinta
anos - e) muito antes disso) em 1914) os futuros editores) Lucien Febvre e
Marc Bloch, já dissessem e escrevessem muito do que eles diriam ou escre-
veriam posteriormente. O espírito dos Annales é dos primeiros anos do sé-
culo. Se há um único livro) um único trabalho acadêmico original) que in-
corpore, mais do que qualquer outro.as qualidades veneradas por aqueles
que admiram o tipo de história dos Annales) esse é Philippe II et La Pranche
Comté, publicado em 1912.
A revista que veio a existir pelas mãos de Febvre e Bloch nos anos 1920
mudou de maneira importante) depois de 1945. Ela iria mudar muitas ve-
zes ao longo de sua história) com cada novo lançamento fazendo-se com-
preender com memoráveis manifestos escritos por Febvre - e finalmente)

122 o EXPERIMENTO DOS ANNALES


~ epois de 1956, por seu jovem alter ego, Fernand Braudel. Ainda assim,
_ualquer um que pretenda ler, ou pelo menos folhear, o periódico em su a
talidad e, atravessando sessenta anos de publicações contínuas, ficará es-
u ~r e ei d o não tanto pelo interesse crescente dos editores à caça de novo s
: roblernas a serem resolvidos e novas técnicas a serem aplicadas, mas an-
le; por sua fidelidade dura corno urna rocha ao s objetivos definidos por

=",' vre, com notável constância, dos primeiros anos do século ao último
_-.0 de sua vida. Esses objetivos foram reafirmados por Braudel na entrada

: Ü '; anos 1970.


Al gum as conclusões podem ser formuladas a partir des sas observações.
Pr imeiro, que o famoso esprit do grupo dos Annales era em grande parte re-
. =:':0 da mente de um -h ornem . Lucien Febvre foi secundado por Bloch por
__;uns anos, e a contribuição de Bloch às revistas em seus primeiros anos foi
mportante. Ma s era Febvre quem redigia os editoriais, eram seu estilo e seu
: 2pel como diretor e descobridor de talentos que dominaram os Annoles
: :"'; I e o início e continuam a fazê-lo além-túmulo.
Febvre tinha algo de anarquista. Rebelou-se, ainda estudante, contra as
.o nven ções culturais do século XIX e abraçou tendências revolucionárias
m i arte, música, psicologia e literatura. Proclamou-se desgostoso de tudo

:t..!2nto fosse burguês - palavra com que queria expressar tudo que fosse
.z ute loso, acanhado, apático e associado à Sorbonne. Nisso, e em sua fasei-
&lo? -.1 0 por culturas não ocidentais - produto, afinal, de "povos tão distantes

: ': tudo que seja burgu ês'? - , ele pertenceu à vanguarda. Em harmonia com
J:' pintores experimentais, compositores e romancistas de sua juventude, re-

. eitou os modos consagrados de fazer história e ridicularizou historiadores


~ .ad êmicos como laboriosos compiladores do óbvio.
Do tempo que era estudante da École Normale, em 1902, até sua morte,
: >11 19S6, ele perseguiu sua ideia do que a hi stória poderia se tornar no sé-

.u! o xx - caso pudesse ser resgatada de sua atmosfera mortuária na univer-


.:ó.ade. Foi opinião de Febvre que os historiadores haviam atingido o fim
': 2 linha, que os livros que escreviam eram em sua maioria preocupados

.orn efeitos triviais de superfície (histoire évériementielle) e que em seu lu-


'::,2, eles deveriam encontrar meios de alcançar as profundezas das forças

- No original: ces peuples si peu bourgeois. Annales, 1948, p. 388.

HUPP ERT 1 23
ocultas que moldam os destinos humanos. Descrever eventos políticos em
ordem cronológica parecia a Febvre tão limitado e sem sentido quanto se-
ria uma tentativa de entender paisagens sem levar em conta as forças geol~
gicas que as moldaram. Seu próprio Pranche Comté era, entre outras coisas,
uma demonstração eloquente dos usos da geologia e da geografia nas mãos
dos historiadores.
A estratégia de Febvre de tomar a pesquisa histórica daqueles que ridi-
cularizara como "esp ecialistas de ninharias" incluía alianças com geógrafos,
sociólogos e antropólogos, com estudantes de mitologia comparada, com
economistas e linguistas. Não apenas seus amigos nesses campos tinham in-
teresse em apoiar suas inclinações heréticas, como eles se empenharam em
formas de investigação que, por definição, favoreciam a busca por realidades
há muito ocultadas. É realmente notável que Febvre, dados seus objetívos,
não tenha se tornado presa das atrações do marxismo, ao qual muitos de
seus amigos e colegas sucumbiram. Já no início da década de 1920, contudo,
Febvre deu cabo de todo tipo de cenário pronto para a explicação de tudo,"
Os Annales iriam se livrar de fórmulas pré-fabricadas. Não era a intenção
esposar doutrinas, nem fazer uma "escola': A ideia era permanecer, como um
dos mais antigos e prontos aliados de Febvre, o sociólogo Georges Fried-
mann, afirmou, "un chantier d'hommes iibres'? Uma vez rejeitadas as antigas
formas de fazer história, o grupo dos Annales buscou uma maneira fácil de
comunicar seu experimento. Febvre sabia como ridicularizar a Velha Guarda,
os "perdedores de 1870 ': Ele viu o que estava errado, o que faltava, nos livros
que resenhava - uma história das cidades, por exemplo, cujo autor escrevia
sobre prédios e plantas sem mencionar seres humanos. Mas como ele expli-
caria o tipo de história que imaginara, já que ela não existia e não passava de
um experimento em curso?
Qualquer tentativa de reduzir a abordagem dos Annales a uma fórmula
está perto de cair em erro. Sim, a ênfase, nos anos 1930, era dizer-se em
busca da história econômica e social] como o próprio título já dizia: An-
nales d'Histoire Économique et Sociale. Mas Febvre tinha claro em seu pen-

8 Em sua pa lestra inaugural na Un iversid ade de Estra sbur go, publicad o na R evtle d,-
Synthise Historique, 1920, v. 30, pp. 1-15.
9 Ann ales, 1957, p. 4 ·

124 O EXPERIMENTO aos A N NA L ES


gmento que "história econômica e social" era uma expressão suficiente-
mente vaga para se impor como definição - e assim especialmente útil para
!ImS propósitos,'?

A essência do que os annalistes procuravam foi resumida muito sucinta-


mente pelo historiador da economia Emest Labrousse: "L'histoire est à[aire",
ou seja, "a história precisa ainda ser inventada';" Inventar uma história ade-
quada às necessidades do século xx, esse era o programa consistente perse-
zuido pelo grupo dos Annales. Esse era o objetivo, proclamado em manifesto
editoríal de 1946, no qual Febvre celebrava a ressurreição do periódico de-
pois das dificuldades dos anos de guerra: uma história experimental pronta
~ responder às necessidades do presente.
Que as necessidades do presente, mais do que o comitê da universidade,
deveriam ditar as escolhas dos problemas a serem investigados era uma posi-
ção conscientemente herética, em profunda discordância com a prática aca-
dêmica. Febvre foi mais longe ao declarar que não poderia apoiar a noção de
erudição por erudição." A esperança rankeana - ou panglossiana -, segundo
~ qual cada novo fato descoberto, como um tijolo modesto, deveria se jun-
tar a outros até que a forma do edifício enfim se revelasse, era absurda para
Febvre. Fazia mais sentido para ele que as pessoas procurassem os serviços
de um arquiteto antes de empregar os pedreiros. Os Annales não publica-
riam nenhuma pesquisa nova que lhes aparecesse pelo caminho, como é prá-
tica comum dos periódicos acadêmicos. Em seu lugar, os Annales davam aval
a pesquisas sobre problemas de utilidade pontual e agiam como uma casa
financeira, unindo os problemas aos especialistas e suas soluções. O objetivo
era uma "história administrada", "une histoire ditigée"»
Em certo sentido, os Annales podem ser considerados uma obra de mo-
mento. Nos últimos anos , tomaram-se mais convencionais, mais acadêmi-
cos, mas ao longo de sua longa vida fizeram pelos historiadores o que impe-
tuosas publicações quadrimensais, galerias de arte, salões e cafés fizeram por

10 L. Febvr e, Combats pOllr l'histoire [ 1952]. Paris: Ar mand Colin, 1965, p. 19 : "II ri'y a p as, à
proprernen t parler, d'hi stoire économ ique et sociale",
Cita do por Pierr e Vilar, A nnales, 1973, p. 165.
12 "Et diso ns: L' érud ictio n po m l'éru dict ion, jam ais", citado por M. Erbe, op. cit., n. 4, E' 48.
I} L. Febv re, op. cit., p. 55.

.- UPP=RT 125
artistas e poetas nos anos 1920: oferecer uma base para rebeldes que uniam
esforços em oposição à cultura oficial.
Não que os colaboradores dos Annales, nos anos 1930, e menos ainda
nos últimos anos, fossem claramente identificados como rebeldes. Eles
eram em sua maioria professores universitários de meia-idade, moderados,
alguns poucos deles membros da elite mais restrita que se pode imaginar, a
composta de graduados na École Normale Supérieure. Os Annales foram
fundados no momento da nomeação de Febvre ao mais desejado posto da
educação superior francesa, uma cadeira no College de France, e Febvre
fez tudo para que, depois, seu sucessor escolhido para dirigir os Annales,
Fernand Braudel, herdasse sua cadeira após sua aposentadoria, do mesmo
modo que Braudel, por sua vez, ajudou Le Roy Ladurie a herdar seu posto.
Se, a despeito do inegável status de elite de seus membros-chefes, os An-
nales tiveram uma reputação de periódico radical, o mérito pertence inteira-
mente à novidade das ideias expressas em suas páginas, não a alguma imagi-
nada obediência a uma agenda política, sem mencionar um partido político,
ainda que seja fato que os Annales eram, quando encarados de modo geral,
terminantemente de esquerda enquanto Febvre dominou suas políticas edi-
toriais. Especialmente estranho aos acadêmicos conservadores era a preocu-
pação de seus editores com o presente, seu desejo claramente expresso de
influenciar acontecimentos.
O momento decisivo para o periódico e para o próprio Febvre chegou
às vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando ele, ao que parece, rom-
peu com sua editora e quase acabou com a vida da publicação com o in-
tuito de responder com propriedade ao triunfo dos regimes nazista e fas-
cista." Tomar posições contra o fascismo era relativamente fácil, mesmo
que isso significasse realizar publicações caseiras. Mas fazer isso sem se
apoiar nas fileiras marxistas requeria rara independência de pensamento.
Febvre identificava a emergência dos movimentos totalitários de massa
como o tópico mais crítico para ser enfrentado pelos intelectuais. Era,
portanto, dever dos Annales explicar esse fenômeno. "Na porta ao lado",
ele escreveu, "um mundo se acaba. Um novo mundo está tomando seu
lugar:' Para explicar e assim conter sua ameaça, novas ferramentas con-

14 Peter Schõttler, Lucie Varga: Les autorités invisibles. Paris: Cerf 1991.

126 o EXPER IMENTO DOS ANNALES


ceituais deveriam ser desenvolvidas para substituir as teorias esgotadas,
iDduindo o marxismo: ''Asvelhas chaves não abrem as novas fechaduras'l"
Em sua busca por novas chaves, Febvre voltou-se a Franz Borkenau, um
refugiado político vienense recentemente chegado a Paris. Conhecedor
de história, Borkenau era também versado no movimento nazista e no sis-
mna soviético. Ele havia sido, até pouco tempo, agente do Comitern, tra-
balhando na embaixada soviética em Berlim, com total responsabilidade
pelo movimento da juventude comunista alemã. Logo se tornaria conhe-
cido por seu lúcido relato da Guerra Civil Espanhola e por sua análise
segura da ideologia totalitária. Em Paris, Borkenau serviu como consultor
de Febvre, apontando semelhanças entre os regimes soviético e nazista de
um modo que seria impensável à esquerda europeia. A contribuição de
Borkenau aos Annales, no entanto, teve um caráter pedestre. Foi a mulher
de Borkenau, Lucie Varga, que se mostrou perfeitamente adequada ao ob-
jetivo de explicar o poder das novas ideologias totalitárias. Nela, Febvre
encontrou uma parceira ideal. Ela era medievalista de formação e, entre
outras coisas, etnógrafa, linguista e, além disso, alpinista nas horas vagas.
Foi Lucie Varga que deu forma às chaves que Febvre procurava em uma
série de artigos nos Annales. Nesses ensaios, repletos de inteligência, nem
um pouco ligados às convenções acadêmicas, ela deu relatos de seu traba-
lho de campo entre aldeães dos Alpes, austríacos e italianos. Ela trouxe
sua experiência como estudante de cultos religiosos medievais - tanto
quanto de Freud, Marx e Malinowski - a seu trabalho, que era entender o
que levava jovens a descartar a visão de mundo de seus párocos locais em
favor do evangelho pregado por charlatões vestidos de preto ou marrom
provedores de uma espécie diferente de salvação."
A passagem meteórica de Lucie Varga pelas páginas dos Annales oferece
um exemplo concreto do que Febvre almejava. Ele começou identificando
um problema urgente. Então, saiu em busca da pessoa mais próxima de tra-
zer uma boa solução para ele. Acreditava que o historiador devia sempre co-
meçar com um problema, não com um conjunto de documentos que podem
ou não ser significativos. Os estudos de Varga se ocupavam dos sistemas de

IS Id., ibid., p. 75.


!6 Id., ibid.

HU PPE RT 127
crença populares (mentalités). O Religião de Rabelais de Febvre colocaria a
questão: seria possível} com o sistema de crenças do século XVI} ser ateu?
Esse estudo foi concebido} inicialmente} em colaboração com Lucie Varga.
É até possível detectar o germe da tese de Febvre, a saber} que Rabelais não
era ateu} na dissertação de Varga."
Depois da derrota dos regimes fascista e nazista, os mais importantes
problemas a serem encarados pelos europeus, na análise de Febvre, eram
os criados pelos séculos de expansão colonial usurpadora na África, na Ásia
e na América do Sul. Os Annales começaram então a dar sistematicamente
lugar a artigos e relatos sobre o mundo exterior à Europa. Um problema re-
lacionado que preocupava os editores nos anos 1950 era o da explosão po-
pulacional no Terceiro Mundo, uma vez que a revista passava a se interessar
cada vez mais por demografia histórica," Nos anos posteriores à guerra, sob
a liderança de Febvre, o pequeno periódico herético, conhecido apenas de
entendidos} experimentava uma ascensão impetuosa. Seu tamanho aumen-
tou, ele saía com mais frequência, e o grupo de colaboradores cresceu, como
sua lista de assinaturas e sua influência."
Febvre estava apto a participar da construção de novos centros de pes-
quisa encabeçada pelo governo francês. Ele foi nomeado presidente do novo
departamento de ciências sociais, a Sexta Seção, na antiga École Pratique
des Hautes Études. Estabeleceu um Centro de Pesquisa Histórica, liderado
por Fernand Braudel, e vários outros centros, não abundantemente servidos
de recursos, mas capazes de oferecer uma modesta base institucional para
o grupo dos Annales. Foram forjadas alianças com o Centro Nacional de
Pesquisa Científica, o Instituto Nacional de Estudos Populacionais, entre
outros. Os Annales agora tinham um orçamento. Muitos dos historiadores
e cientistas sociais associados aos Annales tiveram oportunidades de prestar
serviço permanente como pesquisadores nesses novos institutos.

17 Id., ibid.
18 O interesse no Terceiro Mundo começou em Febvre nos anos 1930 e institucionalizou-
-se com a direção editorial de Braudel em um regular e sempre mais importante título
sob o chapéu Le Monde saufl'Burope.
19 M. Erbe, op. cit., p. 49. Em 1946, 400 páginas por volume, em 19S8, 800j em 1960,1200-
e seis números por ano: em 1970, perto de 1800 páginas.

128 O EXPERIMENTO DOS ANNALES


A Sexta Seção cresceria prodigiosamente} especialmente sob a adminis-
tração do perspicaz Braudel, ameaçando engolir outras seções, até que final-
mente se estabeleceu como um instituto isolado} a École des Hautes Études
m Sciences Sociales, com seus imponentes quartéis-generais de aço e vidro
construídos no Boulevard Raspail, a Maison des Sciences de l'Homme.
Os recursos estavam em ordem. Era o momento de sair do protótipo
i produção. É nesse ponto que a controvérsia emerge entre aqueles que
dão atenção à história do experimento dos Annales. Há os que preferem
permanecer leais aos primeiros Annales (Annales premiere maniêret e os
que preferem os Annales em seu estágio plenamente desenvolvido e ma-
duro} quando se tomou um gigante cuspindo novos periódicos e séries de
monografias. Isso aconteceu quando os annalistes conquistaram o status de
estrelas. Agora é necessário consultar bibliografias especializadas e frequen-
temente atualizadas para que se saiba dos artigos e livros publicados todo
mo sobre os Annales, em muitas línguas. Uma boa ilustração do lugar espe-
cial ocupado pelos Annales na cultura francesa contemporânea é a recepção
bvorável dada pela imprensa diária} recentemente} a uma séria monografia
dedicada ao trabalho de Lucie Varga." O autor} Peter Schõttler, segreda} de
passagem} que Lucien Febvre foi apaixonado por Lucie Varga nos anos 1930.
A imprensa diária} jornais como Libéraiion, vê como apropriado dar espaço}
sob títulos lúridos (Lucien et Lucie), a um suposto romance envolvendo
dois historiadores de meia-idade há sessenta anos. Obviamente} os Annales
são notícia na França.
Irritação ou prazer à parte, com toda a publicidade que circunda os Anna-
les, a questão permanece: os Annales foram bem-sucedidos? Eles mudaram
o modo de escrever história} quando conquistaram os meios de influenciar
historiadores em larga escala} quando se afastaram da provocação e da exor-
tação para se tomarem o centro de um vasto império editorial? Pessoal-
mente} preferiria o estágio inicial} combativo} quando o periódico era cheio
de possibilidades e entusiasmo, e antes de se tomar o porta-voz oficial de
uma burocracia entrincheirada. Braudel, também, no fim de sua carreira, via
as coisas daquela forma. Mas por tudo isso} não estou pronto a fechar os

20 P. Schõttler, op. cit., 1991.

HUPPERT 129
livros sobre os Annales como Peter Burke parece estar!' Gostaria de rever
as críticas dirigidas aos Annales durante os anos 1960 antes de descrever as
realizações genuínas que, em minha opinião, ainda fazem os Annales perma-
necer vigentes.
Talvez a crítica mais comumente ouvida seja a de que os Annales assumi-
ram uma postura positivista ingênua, afirmando que apenas as coisas passí-
veis de serem contadas valeriam o estudo. É uma crítica certamente válida.
Houve um tempo, entre os anos 1960 e 1970, em que os Annales focavam
quase exclusivamente nos tópicos que se prestavam à quantificação, ao es-
tudo da demografia histórica (por exemplo), dos preços dos grãos, da to-
nelagem que passava pelos portos do Atlântico. Contar em larga escala era
uma técnica aplicada também a problemas a princípio menos apropriados, a
mensuração do fervor religioso) por exemplo, na base de um grande número
de testamentos, ou o estudo do letramento ou da produção de livros.
Não há nada de errado nisso, e quase todas as instâncias, os incansáveis
ratos de calculadora, poderiam dizer) e com razão, que estavam apenas obe-
decendo a ordens, as ordens do general Febvre, que especificava o grupo
de trabalho, a busca de tendências de longa duração e o uso sistemático de
evidências como testamentos para chegar à história das mentalités coletivas.
O problema com o modo como as ordens dos fundadores tardios foram cum-
pridas é que elas eram levadas a cabo mecanicamente. Como Franco Venturi
apontou, de passagem, mas gentilmente, os annalistes dos anos 1960, em seu
entusiasmo pela "história científica", chegaram a graus absurdos, "usando um
cíclotron para quebrar uma noz'?' e fazendo pronunciamentos teóricos de
natureza cómica: "De um ponto de vista científico, a única história social é a
história quantitativa'l" É difícil escapar ao sentimento de que os normaliens
que se viram permanentemente empregados na Sexta Seção, depois de um
aprendizado nas células comunistas da École Normale, eram condicionados

21 P. Burke, The Prendi Historical Revolution, op. cit., pp. 106-07: "O movimento efetiva-
mente acabou" e "isso é quase como escrever um obituário".
22 F. Venturi, Utopia and Reform in the Enlightenment. Cambridge: Cambridge University
Press, 1971, pp. 9-10.
23 Adeline Daumard e François Furet em Annales, 1959, p. 676: "Scíentífiquernent parlant,
nn' est d'histoire sociale que quantitatif'.

130 O EXPERIMENTO DOS ANNALES


~ se tomar seguidores doutrinários e, como tais, a pior escolha possível para
lrRr adiante os experimentos idealizados pelos fundadores.
É válido notar nessa conexão que os Annales são capazes de autocrítica.
Acdíção do quinquagésimo aniversário (1979) confessa, candidamente, que
o periódico havia se concentrado em métodos em si, de modo rotineiro, en-
quanto perdia de vista sua missão original. Os editores estavam calmos o
mficiente para admitir que a publicação já não era o que havia sido, que já
mo se dedicava às melhorias do mundo, como havia feito sob a direção de
febvre, que os annalistes, não mais críticos à margem, estavam seguramente
iDtegrados e participavam da ordem acadêmica estabelecida.
Essa autocrítica não foi muito além, claro. O que precisa ser dito é que,
se fosse dada a Febvre e Bloch, por algum milagre, a oportunidade de fo-
har as páginas de seu periódico hoje, eles morreriam de rir do jargão en-
carquilhado que se passa por francês e a evidente mediocridade de alguns
deseus colaboradores.r' Há quem gostaria de atribuir a contagem mecânica
e a prosa mecânica à usurpação dos Annales empreendida por uma nova
~ção de marxistas de salão," mas não acredito que somente a ideologia
Irvou o experimento dos Annales a vacilar. Penso que o problema é institu-
cional, complexo demais para que seja descrito aqui em detalhes, mas, grosso
fflDdo, relacionado com uma nova geração de normaliens que foram mais
funcionários públicos do que historiadores. Quando os Annales não tinham
um quadro de funcionários remunerados nem escritórios e não mais que
trezentas assinaturas, os artigos eram assinados por Henri Pirenne, Marc
BIoch, Georges Dumézil, Mircea Eliade, Roger Dion, Jacques Berque, Louis
Gemet, Edouard Perroy - em uma palavra, assinados por gigantes, por aca-
dêmicos de imensa reputação, que emprestavam ao combativo periódico o
capital de suas próprias bem estimadas reputações. À medida que os Annales
se tomaram a vigorosa casa editorial de um enorme instituto de pesquisa,

~ Um exemplo: Lucette Valensi, que iria ocupar uma vaga no conselho editorial finalmen-
te, escreveu: "L'explícítatíon du non-événementiel suivant une perspective de longuc
durée", Em sua pscudolinguagem, palavras como "événem entieI" e expressões como
"longue durée" são transformadas em conceitos "científicos". Não à toa, ela também fala
sem inibição em "l'école des Annales" (Annales, 1974, p. 1309).
:!5 P. Burke,TheFrench Historical Revolution, op. cit., p. 24 .

HUPPERT 131
muito do conteúdo do periódico foi produzido por membros do seu quadro
de funcionários que, em alguns casos, sequer haviam publicado uma tese de
doutoramento, sem falar um trabalho acadêmico de peso. Começaram do
fundo, na casa que Braudel construiu, a Maison des Sciences de l'Homme,
e passaram, do porão ao sótão, por assim dizer, fazendo seu caminho entre
ferozes intrigas de escritório. Devem toda sua reputação a sua conexão com
os Annales.
A despeito dessas mudanças, do preço do sucesso, pode-se dizer, os An-
nales ainda retêm muito de seu apelo original. Isso acontece por causa do
extraordinário senso de continuidade, de ligação filial, de lealdade sectária
que mantém o grupo unido. "L es Annales coniinuent" era o título do edi-
torial de Braudel, em 1957, dizendo que haveria algumas questões para que
o periódico continuasse a existir, depois da morte de Febvre, ainda que a
vie matérielle da publicação fosse mais segura do que nunca a essas alturas.
A presença espiritual dos fundadores é óbvia em cada artigo dos Annales.
Bloch e Febvre são invocados sempre, comemorados a cada oportunidade,
e do mesmo modo seus pares e apóstolos. O desejo mínimo de mudança
das perspectivas do periódico, por parte dos editores, é claramente expresso.
O senso de missão apostólica de Braudel nunca lhe faltou, e sua autoridade
permaneceu firme até que os eventos de maio de 1968 (e a ausência tempo-
rária do patrono, em Chicago) ofereceram a oportunidade de uma pequena
revolução palaciana que levou a uma partilha do poder e a um estilo de di-
retório na governança que, desde então, tem levado a queixas apocalípticas
sobre a queda do império: l'histoire en miettes.
É preciso estudar a composição do conselho editorial ao longo dos anos
para ver que o pulso firme de Febvre pouco enfraqueceu, mesmo após 1968.
Vinte e cinco anos depois de sua morte o conselho ainda era dominado por
seus camaradas mais próximos, alguns dos quais ocupando o lugar desde os
anos 1930. A escolha de tópicos para pesquisa mantinha muito do velho es-
pírito. O volume de 1960, por exemplo, incluía estudos das práticas agrícolas
dos iorubas, das minas de ouro da Bósnia, dos camelos do norte da África
no período romano, da economia do Chile no século XVIII, de experimen-
tos técnicos com colhedoras mecânicas na antiguidade. No mesmo volume
Jacques Le Goff publicou um primeiro esboço de seu estudo das concepções
medievais de tempo, Claude Lévi-Strauss refletiu sobre a antropologia e a
história, Lucien Goldmann escreveu sobre Chagall, Robert Mandrou sobre

132 o EX,DERIM EN TO DOS A N NAL ES


_ n .eito de barroco}Alexandre Koyré sobre Newton} Galileu e Platão) Ro-
- Barthes sobre Racine: a um só tempo) a companhia brilhante e uma
- de nomes que poderia ter sido escolhida por Febvre. Talvez fosse) já que
_ . :0 5 dos assuntos dos Amzales são minuciosamente planej ado s, às vezes
, antes de suas datas-limite .
Dez anos depois) o volume de 1970 permanece tão rico quanto sugestivo.
_rrarn en te não foi planejado por Febvre, mas era a criação de um conselho
. ro rial que não mudava desde 1957. Planejamento urbano etrusco) deuses
. - j ' nos) escolas contemporâneas francesas) catedrais do Peru ) a Argélia
ra], o ouro do Sudão, beduínos, contos de fada) teoria da probabilidade,
_. ~ J J a história do clima) a fisiologia do cérebro) o movim ento estudantil
__ maio de 1968: outro coquetel de Febvre com poder de intoxicar. Que
__rra publicação ousava combinar tantas disciplin as) continentes e culturas?
:. ! c maneira tão rigoro sa e disciplinada?
Pode ser verdade que falte imaginação e verd adeiras credenciais acadê -
..., ' ~ ss a alguns do s atuais annalistes, sem mencionar noções de estilo) mas
-' ",:smo assim o periódico como empreendimento coletivo continua a ex-
~ erirnentar, a convidar ao experimento}a encorajar a colaboração entre his-
riadores e cientistas sociais ) a engajar a imaginação histórica de todas as
~ f1 ç i ras concebíveis. Pode ser que os editores fossem mais afeitos a riscos ,
.:I,e anos atrás) publicando) por exemplo) um ensaio insano) mas sugestivo)
.:. :: um folclorista da Ásia central sob re a significação xamanística da lenda
Lio Cavalo de Troia, ou publicando) sob a rubrica de "iconornetria compa-
._~ :i'\'a"}uma tentativa de provar que as leis básicas da representação artística
.- }f arn inventadas na Idade da Pedra e não teriam mudado desde então (ver

. -. .I i iles, 1963). Tem-se a impressão}naqueles anos) de que os Annales sem-

n.. 2 estiveram à frente de qualquer outro, os primeiros a fazer da morte, da


sexualidade ou do clima objetos de estudo histórico sistemático) por exem-
:- :0. Tardiamente, os Annales traziam artigos sobre tópicos já discutidos em
»utros lugares. Parecia o caso quando o periódico abrigou uma conferência
~. o bre "Vichy e os judeus" e a publicou em uma edição especial ) com uma
mtrodu ção de certa forma defensiva (1993) . Dez anos antes ) em 1983) Brau-
l ei já havia chegado à conclusão de que os Annales haviam desistido de sua
missão original. Em uma carta datada de 23 de fevereiro daquele ano) ele
escreveu para explicar por que havia se retirado de todas as funções edito-
riais em 1972) ainda que seu nome permanecesse na capa. Seus sucessores

HUP PERT 133


desapontavam-no. Eles haviam embotado e desviado o curso original do pe-
riódico. Para Braudel, os Annales haviam perdido a raison d'être quando dei-
xaram de ser uma publicação de vanguarda: "Une revue d'avant-garde; donc
de risque} et probablement hérétique". Os novos Annales eram ligados a mo-
das, seguindo-as} não as liderando. Ao mesmo tempo, os editores corriam o
risco de abandonar a perspectiva filosófica que havia sido "essencial desde
a fundação do peri ódico", a saber, a ambição de escrever a história total ou
global reconstituindo "todas as realidades sociais" que estão na base de todo
problema histórico (de uma carta não publicada em posse da sra. Braudel).
Seria difícil debater com a autoridade crítica de Braudel. A publicação cer-
tamente já não é uma revista de vanguarda, nem deliberadamente provoca-
tiva e herética. E parece ter desistido de alguns dos mais importantes obje-
tivos definidos por Febvre no início do século. Podem-se observar artigos,
mesmo volumes inteiros, já há vinte anos, que parecem pouco inspiradores,
mas os ingredientes básicos da tradição dos Annales permaneciam presentes,
de alguma forma.
No nível mais visível essa tradição se manifesta na elaboração deliberada
de cada número. Ele traz, geralmente, dois ou três études substanciais, ar-
tigos completos baseados em pesquisa nova e geralmente exaustiva. Uma
categoria separada de travaux en cours fala de trabalhos em andamento. Ru-
bricas permanentes como notes critiques e compies-rendus lançam olhares
abrangentes, competentes e críticos sobre o que se publica em domínios
seletos. As resenhas são coerentes e seguem linhas temáticas. Diferente-
mente de periódicos que simplesmente noticiam novos livros enviados ao
editor - os livros que por acaso caem em sua área de especialização, história
medieval ou Oriente Médio, por exemplo -J os Annales assumem compe-
tência sobre rigorosamente tudo. Por necessidade} a política de avaliações
da publicação precisa ser altamente seletiva. Um tópico é escolhido, e o
crítico ou os críticos resenham livros e artigos em quaisquer línguas que
possam ser relevantes.
Por exemplo, escondido na categoria de Notes Breves et Prises de Position,
no volume de 1965J encontramos uma série característica de notas críticas
reunidas no tópico ''A Alemanha e seus vizinhos depois de 1914': Em seis pá-
ginas fechadas os resenhistas avançam sobre um artigo na Historische Zeits-
chiftJ outro na Zeitschiftfür Geschichiwissenschaft, da Alemanha Oriental, um
terceiro na Ceskolovensky Casopis Historicky (sobre o fracasso da social-de-

13 4 o EXPER IM Er\TO DOS A N NA LE S


mocracia austríaca). Os resenhistas tomam um artigo da Alemanha Oriental
sobre a natureza do regime nazista e o fazem em pedaços: "O autor se per-
gunta quem está por trás do sistema nazista de controle e repressão. Ele diz,
simplesmente, o grande capital". O item seguinte é um livro publicado pela
Orlord University Press, em 1963, o Austria, Germany, and the Anschluss, de
Jõrgen Gehl. "Este trabalho de um diligente iniciante será de pouca utilidade
para os especialistas" é o veredicto, e o resenhista nunca esquece de que es-
creve em certa perspectiva, a da hostilidade febvriana, não da história diplo-
mática como tal) mas da história diplomática como uma rotina sem vida na
qual ministros, embaixadores e outras figuras públicas "aparecem no palco e
dele desaparecem como marionetes de uma velha história diplomática fora
de moda". Falando de outro artigo na Ceskolovensky Casopis Historicky, o re-
senhista nota que o autor do artigo espera até o último parágrafo para colo-
car a questão que deveria ter servido como tema guia desde o início.
O que é impressionante sobre a política de resenhas dos Annales, e tem
sido assim desde o início) quando Bloch e Febvre escreviam quase todas as
resenhas) é que os julgamentos expressos) muitas vezes de maneira brutal)
sobre o trabalho de outros historiadores é parte da filosofia dos Annales.
Os resenhistas muitas vezes começam pela definição de um problema) expli-
cam por que o tópico é importante e seguem fazendo mais do que chamar
a atenção dos leitores a um livro: eles criticam e ensinam, sempre prontos a
mostrar em que sentido o livro ou artigo em questão não consegue chegar
aos critérios pelos quais a pesquisa e a escrita históricas deveriam se fazer,
segundo os editores dos Annales e seus amigos e adeptos. Esse aspecto peda-
gógico dos Annales pode) é claro)ser bem irritante se você estiver na linha de
tiro. Críticas cortantes eram uma especialidade de Marc Bloch, e a tradição
se manteve viva no periódico, ainda que a qualidade também tenha enfra-
quecido nos últimos anos."
O espírito dos Annales iniciais foi reverentemente mantido nos anos de
Braudel, ainda que o periódico tenha sido constantemente remodelado para

26 Para um exemplo do sarcasmo de Bloch, ver sua resenha de La Fortune de Richelieu.


Bloch escreve: "La Fortune de Richelieu: Beau sujet, assurément. Ayons le courage
d'ajouter aprês l'étude de M. Louis Battifol, presque autant qu'auparavant, sujet tout
neuf' (Anna!es, 1939, p. 459).

HUPPERT 135
permanecer aberto a novos desenvolvimentos, novas oportunidades e no-
vos interesses. Rubricas tradicionais com o Le Monde sauf l'Europe, Débats a
Combats, Enquêies en Cours juntaram-se a novas, como Fronti êres Nouvel
Domaines Contemporains, Inter-Sciences, Temps Présent, Mentalités. Lad o
lado com categorias mais ou menos permanentes, os organizadores publi-
caram números especiais sobre tópicos como Famille et Sociéié, Histoire d
Psychanalyse, Histoire et Sexualité, Histoire et Environement ou Histoire No.
-Écriie, por exemplo.
"Pour une histoire anthropologique", no volume de 1974, é um bom exem-
plo de esforço feito pelos organizadores para oferecer um fundamento racio-
nal para explorações interdisciplinares. Escrevi "fundamentos consistentes-
para evitar a palavra "teoria". Os fundadores não viam utilidade na teoria,
Como o sociólogo Georges Friedmann recordaria, em 1953, em ocasião do
75'?aniversário de Lucien Febvre, foi sua aversão saudável à teoria, nos anos
1930, que tornou o grupo dos Annales atrativo àqueles que estavam fartos de
teorização no campo marxista. Em vez de "racionalizações, as pol émicas, as
disputas escolásticas, a suspeita, as críticas sem fim na ausência de quaisquer
tentativas de originalidade", eles descobriram} no campo de Febvre, "um
espírito de pesqui sa e cooperação". "Nós pre cisávam os de um espírito de
equipe", escreveu Friedmann, "e nós não queríamos parte daquele esprit th
syst ême que prevalecia entre os socíó logos.?"
O próprio Friedmann, com Charles Morazé e Fernand Braudel, consti-
tuiu o núcleo do conselho editorial por quase toda a história do periódico.
Eles atuaram como um Conselho de Censores, mantendo os olhos aten-
tos ao entusiasmo da geração mais nova, e, ocasionalmente, expuseram a
fragilidade dessas construções. Morazé, Friedmann, entre outros} evitaram
que os Annales se tornassem uma escola, sopesando, de tempos em tempos,
ensaios editoriais de cunho filosófico e fornecendo discretos movimentos
corretivos de timoneiro quando o barco parecia correr pelo mar de Sarga-
ços da teoria.
Um ótimo exemplo desse tipo de intervenção é o ensaio de Charles
Morazé sobre "L'Histoire et l'unité des sciences de l'homme" no volume de
1968.Sentindo o perigo de os Annales tornarem-se um objeto de idolatria - e

27 Allnales, 1957, p. 4 .

136 o EXPERIME NTO DOS AN NA LE S


~ _erendo acabar com as afirmações excessivas feitas sobre a originalidade
_ ' experim ento dos Annales -, Morazé explicou que "a grandeza das cidades,
_-' d ecadência [ ... J) o veneno e as vicissitudes evocados pela prosperidade)
modo como a ansiedade pode produzir vaidade e sabedoria) tais conside-
o •• ú es encontramos em Heródoto". Para que tecnocratas pouco estudados
~ fi zessem confusão com a demanda de Febvre de "économies, sociétés, ci-
".;.!;tions") como se fosse uma nova fórmula pronta a ser patenteada) Mo-
o.:z ~, que conhecia as fontes do pensamento de Febvre, sua âme de papier,
g,,: iarnente lembrou a seus leitores que "nenhuma história digna do nome
- - escrita enquanto seu autor negligenciava sociedades) economias e psico-
fi 2-s': Em uma palavra: o historiador que escreve para os Annales pertence
. urn a tradição de história filosófica que remonta aos primórdios do pensa-
- -nto racional. "As ciências sociais") escreve Morazé, "estão ancoradas nos
ar.:ontros entre a história e a filosofia.'?" Essa é uma formulação que poderia
<.:"i feito sentido a Montaigne, quatro séculos atrás) mas pode parecer me-

~t~ significativa para os que querem acreditar que a história é uma ciência
r enas recentemente desenvolvida nos laboratórios do Boulevard Raspail.
( '. hábitos mentais alimentados pelo marxismo acadêmico não são facil-
me nte compatíveis com a visão humanista de Morazé, Priedmann, Braudel
~ Febvre ou Bloch. Isso) me parece, é a fonte principal da tensão entre uma
Zêf2Ção de annalistes e a seguinte. Foi o mérito especial de Fernand Braudel
esreri d er uma ponte entre a cultivada e cosmopolita Velha Guarda e os téc-
aicos especialistas que estavam sob seu comando.
Braudel manteve acesa a chama. Ele observou as diretrizes estabelecidas
oo início do século para a boa condução da revista e suas atividades adjun-
:c.s seminários de pesquisa) conferências) séries monográficas. Ele preser-
vou o espírito daqueles primeiros anos) certificando-se de que a história)
trrn a história viva) como Febvre sempre quis, reinaria soberana na família
: 2.S ciências sociais, confraternizando com outras disciplinas) emprestando

',eus métodos e perspectivas) mas permanecendo alerta. As qualidades que


nzerarn Braudel tão efetivo foram as de um apóstolo, de um homem que
2osorveu os ensinamentos de seu mestre tão completamente que o espírito
oe Lucien Febvre reviveu em Braudel. Ele fez de seu estilo ao rés do chão) de

~ ~; .s nnoles, 1968, p. 233.

HUPPERT 137
Terceira República, engajado, uma arte, dispensando o homo academicus que
residia na Sorbonne com julgamentos pungentes, monossilábicos, impubli-
cáveis. Ele deu boas-vindas a jovens discípulos de maneira a um só tempo
aristocrática e informal, abraçando-os e dirigindo-se a eles com o familiar
tu. Ele sempre evocava sua amizade longa e calorosa com Febvre, selada no
caminho de uma viagem lenta através do Atlântico Sul, a bordo do vapor
Campana, em novembro de 1937. Seus tributos publicados a Febvre, espe-
cialmente o luminoso ensaio que, sob o título de "Presence de Lucien Fe-
bvre", serve como introdução ao Festschrift de 1953, são os mais autênticos
guias do espírito dos Annales.
Lendo aquelas páginas, mais de uma vez, e escutando a fala de Braudel-
ele falava como um livro, suas palestras, gravadas em estenógrafo, podiam
sair direto para a impressora -, era claro que suas palavras conservavam um
estilo passado, o delicado estilo arcaico do intelectual francês da década
de 1930. Ouvindo Braudel, podia-se às vezes escutar Febvre ao fundo, não
Febvre sozinho, mas o som daquela belle épooue, já uma memória histórica.,
mas viva, ainda, por um desígnio especial. Braudel entendeu que a substân-
cia da realização dos Annales não seria encontrada na adoção de técnicas
astutas, mas no credo pessoal que Febvre partilhava com Bloch: a pura pai-
xão pela erudição estruturada por um profundo envolvimento nas questões
entre mundo e amizades estreitas com outros" esprits risqueurs et originaux".
"Dividir a vida de alguém em duas partes: definir uma pelo trabalho, feito
sem amor, e reservar a outra às maiores necessidades: isso é abominável",
escreveu Febvre, explicando sua paixão por seu métier, que ele não separava
de suas mais profundas convicções. "Eu estou muito sozinho, estou traba-
lhando", escreveu em mais de uma ocasião. Trabalho incessante, solidão re-
forçada, a condição, em uma palavra, da vida do acadêmico. Mas quando ele
não estava em sua mesa, você encontraria o professor Febvre em ótima com-
panhia, viajando a França em um venerável Bugarti dirigido por Léon Werth
e de propriedade parcial de Saint-Exupéry. O tributo de Braudel nos lembra
da multidão ampla e excepcionalmente diversa e talentosa dos amigos de
Febvre, aqueles a quem permanecia "romanticamente leal',"

29 F. Braudel, "Presence de Lucien Febvre", inEventail de l'histoire vivante:Hommage o.ffert


à Lucien Febvre, v. 1. Paris: Armand Colin, 1953, pp. 1-16.

138 O EXPERIMENTO DOS ANNALES


Isso era mais do que um grupo de colegas. Era uma boa mostra da
iIrU11igentsia francesa, incluindo políticos e poetas, psicólogos e filósofos , to -
dos juntos em parte por suas notáveis habilidades naturais que catapultaram
-mos deles à École Normale em sua juventude, a despeito de suas origens
sociais - e, em parte, por uma postura comum diante das graves questões
políticas de seu tempo. Era uma postura, oposta a qualquer chauvinismo e
profundamente envolvida na defesa do homem comum, no espírito de Jules
Michelet e do anarquista Elisée Reclus - ambos figuram proeminentemente
m construção da âme depapier de Febvre -, era isso e a fina inteligência da
ma escrita, que passavam como uma corrente elétrica para atingir jovens
historiadores isolados em suas universidades de província tão distantes, es-
piritualmente, quanto a Sardenha.
Essas são as qualidades, talvez emudecidas hoje, que explicam o triunfo
do experimento dos Annales em um mundo que se recupera dos pesadelos
totalit ários que chegaram tão perto de destruir as almas dos europeus oci-
dentais e ainda assolam o Leste. Assistindo a Femand Braudel presidir o en-
contro anual de historiadores económicos patrocinado pela municipalidade
comunista de Prato, na Itália, assistindo ao comunista Príncipe Doria, então
prefeito de Gênova, ombro a ombro com um protegido de Braudel saído de
Varsóvia, o medievalista Bronislaw Geremek, que estava a caminho da prisão
e de um papel de liderança no movimento Solidariedade, pode-se concluir
que a vita contemplativa nunca esteve longe da vita activa nessas paragens.
Foi um grande mérito do grupo dos Annales ampliar o horizonte dos
historiadores franceses, notadamente monolíngues, publicando o trabalho
de estrangeiros, tanto no periódico quanto nas muitas séries monográficas
dirigidas por Febvre, Braudel e outros depois dele. Historiadores italianos,
poloneses ou norte-americanos em sintonia com o grupo parisiense se tor-
naram parte da cena intelectual de Paris. Seus livros foram publicados em
traduções, enquanto os historiadores franceses conectados com os Annales
encontraram seu caminho em meio aos periódicos estrangeiros, rotineira-
mente, e à lista de casas editoriais como as das universidades de Cambridge
e Chicago - maiores com os nomes de autores franceses.
Nos últimos vinte anos, mesmo quando o tom dos Annales mudou, e en-
quanto os annalistes recebiam críticas agudas, a influência do grupo francês
cresceu a um ponto que os Annales tendem a afirmar o orgulho do lugar em
cursos de método introdutório em graduações norte-americanas e mesmo

HUPPERT 139
manuais con ven cionais inclu ind o seçõ es sob re m entalités. A história soc:_
com pitadas de ant ropologia à maneira do s Amwl es se tornou um do s mai
estimados gêneros de escrita histórica. Não se trata de modi smo. Esse é
ponto : o experim ento do s Annales está conosco para o bem. Ele está era
sintonia com nosso século. Quaisquer que sejam as reservas que POSS2. L~
ser alimentadas em relação a este ou aquele aspecto dos Annaies, é verd ade
qu e um co njunto co mpleto do periód ico é um a ferramenta indispens áve
para demon strar a varie dade da prática históri ca do século xx e par a mo stre,
qu anto os historiadores e os cientistas sociais espelham as tensõe s e as m n
dan ças do no sso tempo.

Publicad o originalm ent e como "The Anno les Experiment ", in Michael Bentley (or 0
Compon ion to Historiograp hy . Londres: Rout ledge, 1997, pp. 873-88. Traduç ão oe
Bruno Gambarotto.

140 O EXPERIM ENTO DOS ANNA L ES


Tendo chegado ao fim deste estudo) é o momento de examinar mais uma
vez quais os novos olhares sobre os múltiplos aspectos de uma história da
historiografia do século xx, possibilitada) aqui) pela perspectiva adotada de
uma "história científica". Na introdução) assumimos a classificação de Ernst
Schulin e) com ele) distinguimos como aspectos centrais: a referência à so-
ciedade e à ideologia, a história social, a crítica da tradi ção; os conteúdos
técnico e de m étodo, a análise da forma literária e do significado cultural da
historiografia. Caso o leitor tenha segu ido a linha "revisionista" deste traba-
lho, vai se perguntar aqui se) afinal) a corrente dos Annales apresenta algumas
dessas características de todo suficientes em comum) para que) no tocante
a campos de problemas) traga à luz algo de elucidativo. Os resultados deste
estudo indicam claramente a aceitação menos crédula) a partir de agora) da
corrente dos Annales, enquanto formação real coletiva, a partir da compara-
ção com objetos tais como os seus compromissos políticos e sociais) o estilo
literário ou até teorias na ciência da história do século xx. Aqui) outras unida-
des de investigação precisam ser construídas) respectivamente) o contexto do
campo das historiografias nacionais precisará ser cuidadosamente analisado,
caso uma comparação internacional entre "escolas" e "correntes" pretenda
investigar mais do que apenas os seus próprios artefatos isoladamente.
Comecemos o panorama com o aspecto da "história social". Dedica-
mos grande atenção à análise da "sociabilidade das ideias científicas", na

142 PANORAM A: OS AN NALES NA HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA DO SÉCULO XX


esperança de encontrar assim algumas explicações para as tendências do
movimento da "história científica': Sobretudo} vimos que os Annales estão
inseridos na história dos historiadores franceses e que} entre 1885 e 1968} o
ambiente social universitário desses historiadores profissionais esteve mani-
iestamente sob o signo da continuidade: a estabilidade da ordem acadêmica}
que ainda não estava ameaçada pelo lento espraiamento das suas cadeiras e
pela alteração da sua clientela estudantil} produziu vagarosamente uma série
de certezas em relação às expectativas especializadas e aos hábitos dos his-
toriadores universitários. Essa estabilidade do mundo vital me parece um
pressuposto essencial para o programa de reforma intelectual que está ligado
~ nome Annales. Pois} no que concerne à corrente dos Annales, desde 1945}
trata-se} histórico-cientificamente} não de uma revolução intelectual} mas
sim de reformas parciais: o seu grande sucesso reside exatamente em que
os seus representantes sempre exerceram uma Realpolitik de inovação cien-
tífica e estavam dispostos a acordos reiterados} frequentemente tácitos} com
os hábitos de seus colegas. Também não se pode esquecer que eles mesmos
estavam impregnados das certezas do campo dos historiadores - e que com
o crescente número de alunos e de colaboradores também aumentaram as
inserções na ordem social e na tradição intelectual desse campo. A rigor} em
termos histórico-científicos} o caráter do direcionamento dos Annales ao
longo do tempo se modificou tão fortemente que existem dúvidas quanto
ao costumeiro procedimento de classificá-lo de forma unitária} dentro da
história da historiografia internacional} sem levar em conta as mudanças
morfológicas entre 1945 e 1975. Trata-se, até os anos 1950} de um pequeno
grupo de historiadores que - frequentemente ligados por amizades e con-
tatos pessoais - estavam comprometidos com um estilo de pensamento
comum. Assim} a corrente transformou-se depois em associação informal
de historiadores econ ómicos, sociais e culturais} cuja espinha dorsal insti-
tndonal veio a ser a Sexta Seção da EPHE, que se sentiam comprometidos
com uma tradição comum. Características específicas} comuns a uma gera-
ção, assim como posições homólogas no campo dos historiadores} criaram
outras associações. Como vimos}por fim} foi grande o papel que tiveram os
hábitos de trabalho dos historiadores franceses profissionais na expansão da
corrente dos Annales. Na era Braudel e Labrousse a corrente aproveitou o
acordo muitas vezes tácito sobre os pressupostos decisivos da qualifica-
ção técnica (as certezas do ritual de Agrégation)} as normas metodológicas

RA PHA EL 143
(a disciplina das grandes ihêses], as experiências profissionais (como profes-
sor de história na província) e finalmente sobre a.especialização profissional,
que conservou intacto o mundo do historiador profissional francês. Há que
se aguardar para saber se as certezas do hábito profissional foram também
abaladas com a mudança radical do sistema educacional nos anos 1970.
Tal versão revê, em primeiro lugar, a retórica da ruptura e da revolução
permanente, que se tornou a marca registrada da nouvelle histoire. Ainda em
1987, um historiador dos Annales transferiu, cheio de convicção, o título de
um livro sobre o México no século xx, México} cincuenta afios de revolución,
para a corrente dos Annales, sem ao menos, exercendo a autocrítica, conside-
rar que o "parti do revolucionário institucional" daquele país produzira um
rico material ilustrativo sobre as contradições de um partido revolucioná-
rio pós-revolução, entre a consolidação do poder e a retórica revolucionária
permanente.' Destarte, a comparação é} também, mais uma vez elucidativa:
na medida em que as inovações intelectuais dos Annales ganharam solidez
institucional, o movimento se transformou em cenário de conflitos espe-
cíficos do campo, entre inovação da pesquisa e cultivo datradição. Vimos
como a concorrência entre as instituições (Sexta Seção ver~us'Sorbonne)
retrocedeu diante de uma nova divisão das zona s de influência acadêmicas
e das áreas de poder, o que, no sistema francês de educação altamente cen-
tralizado, levou a uma convivência mais ou menos amistosa do grupo dos
Annales com as escolas menores e tradições mais antigas. A concorrência
pluralista de ideias sempre repousa também em convenções corroboradas
pelo poder. Em resumo, a norma da concorrência e da crítica radicais, im-
pulsionadora do processo da ciência moderna, não só encontrou, também
no campo dos historiadores bem-sucedidos dos Annales, partidários entu-
siasmados, mas da mesma forma levou a reações da garantia dos bens adqui-
ridos e do saber, na medida em que conseguia alcançar prestígio intelectual
e poder acadêmico. Vimos como a força propulsora das ideias dos Annales-
concretamente, a mobilização contínua da força de trabalho intelectual para
programas de pesquisa em comum - esmoreceu e, com isso, as inovações
que partiam desse empreendimento tornaram-se, igualmente, mais raras.

Ver Frédéric Mauro, "L'H isto ire face aux sciences soci ales: L'Évolu tion de la rech erche
historique". Critica Storica, n. 24, 1987, p. 166.

144 PANO RAM A: OS AN NALES NA HI STÓRIA DA H iSTORIOGRAFIA DO SÉCUL O XX


Ao mesmo tempo, atribuiu-se à mudança das gerações um significado
ímportante. Assim, esses estudos, ao contrário de uma perspectiva, por as-
sim dizer, histórico-natural, procuraram por motivos concretos, sociais, ins-
titucionais e culturais, a favor da continuidade ou ruptura na concorrência
sanpre reiterada entre "jovens" e "velhos". Nitidamente, a tendência dos
Annales mostrou-se como um pacto que, entrementes, abrange quatro gera-
ções. A retórica revolucionária dos Annales mostrou-se, nesse aspecto) como
ama linguagem que envolveu as diversas perspectivas de historiadores mais
ft1hos e mais jovens em uma tradição e abriu espaço para o desenvolvimento
de vários interesses de pesquisa. Nesse contexto, há que se verificar mais
uma vez a tese da mudança de paradigma, tese essa que sempre emerge na
história da historiografia: a ruptura paradigmática - com frequência ainda
associada simbolicamente ao ano de 1929 - afirmou-se menos como modelo)
metódica e teoricamente satisfatório, para descrição do desenvolvimento
ooncreto do que como uma forma de comunicação socialmente bem-suce-
dida no empreendimento da ciência. A apresentação da ruptura Simplificou,
no caso dos Annales, as relações reordenadas com as pesquisas e as ideias
antigas e confrontou os grupos de pesquisadores ligados a seu nome com
outros. Como formação da tradição, o paradigma dos Annales é altamente
real - tornou-se componente constante da memória coletiva dos historia-
dores franceses do período pós-guerra - e) nesse aspecto) talvez soments'
ainda comparável às certezas coletivas que o historismo alemão associa ao
nome de Ranke. Ao mesmo tempo que esse modo do cultivo da tradição
limita o número dos antepassados e encontra o passado da própria matéria
relevante ao presente, cria também espaço para novas alianças futuras. Nisso
é possível que resida também uma das causas para a capacidade acentuada
dos Annales: sem dúvida, foi sua tradição revolucionária que lhe possibilitou
acolher e integrar os impulsos oriundos das revoluções culturais e da crise
institucional do fim dos anos 1960.
Ao invés da história heroica das revoluções científicas permanentes) pu-
demos observar, na realidade, outro processo que, no meu entender) repre-
senta uma contribuição menos espetacular, mas muito mais fundamental
dos historiadores dos Annales para a história científica. Para além das rup-
turas políticas, culturais e institucionais dos anos 1945 e 1968, contribuíram
para impulsionar a autonomia profissional da pesquisa histórica na França.
A distância dos Annales em relação às controvérsias ideológicas de seu

RAPHAEL 145
tempo) o repúdio à atividade política) assim como a alta avaliação da com-
petência científica) orientaram-se em ideais de liberalidade e objetividade
que foram transformados pelos fundadores da ciência universitária da ~
tória na França em ideias condutoras da nova profissão. A pluralidade polí-
tica dos historiadores contrastou contudo durante muito tempo com a es-
treiteza metodológica e temática da nova escola científica. Essa propensão
para a convencionalidade técnica esteve em ligação íntima com as tarefas
acadêmicas e nacional-políticas que os historiadores universitários assumi-
ram na Terceira República. Os annalistes reformadores levaram adiante o
processo da cientificização da história) na medida em que contrapuseram
fortemente a orientação autônoma da pesquisa à automodéstia acadê-
mica e à mera reprodução de um saber formalmente profissional. Graças
a Febvre, Bloch, Braudel e Labrousse o trabalho de pesquisa ganhou im-
portância maior no campo da historiografia francesa - nas suas decisões
político-científicas) eles implementaram de forma concreta essa norma tão
incontestável quanto abstrata, na medida em que sempre estimularam no-
vos projetos de pesquisa e fomentaram os pesquisadores independentes.
"Salvar o essencial) isto é, a liberdade de expressão e o interesse apaixonado
pela pesquisa" - a formulação de Braudel de seus objetivos científicos após
os acontecimentos de maio de 1968 expressa) ao meu ver) de forma concisa
os objetivos que os representantes dos Annales, em suá política científica,
transformaram mais em um hábito na ciência da história. Mais fortemente
talvez que as obras dos grandes indivíduos) mostram as marcas desse im-
pulso os empenhos coletivos dos anos 1950 e 1960) no âmbito da história
econ ómica, social e da mentalidade. As mudanças estruturais em virtude
da reforma do ensino superior) da crise das novas universidades de massa
e dos novos modelos do movimento cultural desde os anos 1970 tomaram,
/ '

todavia, também evidente que, perante tendências opostas, tal orientação


semprenecessitou de renovação.
Contudo) aos poucos os impulsos intelectuais da corrente dos Annales
enfraqueceram-se e com a Nouvelle Histoire surgiu uma situação na qual a

2 "Sauver l'essentiel, c'est-à-dire. Ia liberté d'expression et le goút passionné de la recher-


che." Carta de Fernand Braudel a Henri Lapeyre de 14 novo 1968, Korrespondenz F. Brau-
del1963-1969 , M SH .

146 PAN ORA M A : OS A N NA LES N A H ISTORIA DA HI STORIOGRA FI A DO SEC U LD XX


descoberta internacional da historiografia francesa foi acompanhada da
perda de sentido das suas práticas de pesquisa. Desse ponto de vista, a cor-
ROte dos Annales nos dá uma imagem clara dos processos que} além das
miliições e programas, parecem determinar a ascensão e a queda dos pa-
radigmas acadêmicos da ciência moderna da história. Na minha opinião, o
-.odeIo evolutivo de Toulmin para o desenvolvimento da ciência, segundo
a. interação entre variação espontânea de ideias e sua seleção social, dá mais
conta dos resultados concretos de nossa exposição do que a hipótese da
troca de paradigmas.' A análise concreta mostra que a corrente dos Annales
só teve tanto sucesso porque continuou a cultivar, tacitamente, importantes
tradições técnicas} sociais e intelectuais, que não tinham relação profunda
mm os paradigmas oficiais, de modo que podiam retornar a concepções an-
tigas sem que} com isso, a revolução historiográfica desabasse.
Na perspectiva deste estudo de caso parece que a mudança intelectual da
íonna na pesquisa da história é, em regra, o produto final de uma longa série
de revisões parciais, cujas possibilidades são, finalmente, influenciadas pela
presença concomitante de tradições mais antigas no empreendimento cien-
tífico. Tentamos fazer justiça a essa íntima engrenagem da inovação intelec-
tual e da modificação morfológica no campo dos historiadores, na medida
em que não transformamos o nível dos conceitos e dos discursos historio-
gráficos em ponto de partida de nossa exposição das inovações intelectuais,
com o que teríamos favorecido nolensvolens [quer queira}quer não] a ideia
darecepção imaculada de grandes ideias e mudança inexplicável de paradig-
mas} mas sim procuramos sempre as concretas e, por isso, frequentemente
habituais dimensões dos conflitos do campo da historiografia, que instaura-
ram a disputa de ideias, dinâmica social e continuidade institucional.
Continuidade também é a palavra-chave que nos conduz à próxima con-
clusão: fica evidente para todo o conhecedor da história da historiografia
que, subjacente às inovações programáticas, existe uma ampla zona de con-
tinuidades}que tornam possíveis dentro de cada especialidade essas revisões
parciais. O hábito de trabalho dos historiadores especializados mostra-se,
por exemplo, durante muito tempo como uma formação extremamente re-
sistente aos paradigmas} como é o caso dos contextos sociais e institucionais,

3 Steph en Toulmin, Kritik der kollektiven Vernunft. Frankfurt: Suhrkamp, 1978.

RAPHAEL 147
da mesma forma que o sistema educacional, a origem social, as normas coi-
turais fundamentais permanecem estáveis, ou são expostos apenas a lenta
mudanças. A acumulação silenciosa dos resultados de pesquisa, dos "fatos
históricos" que hoje são criticados de bom grado devido a suas antigas S&-
peravaliações enganosas fundadas em velhas teorias do conhecimento, &-
tos esses contidos nos registros familiares e cotidianos sobre o progresso da
pesquisa histórica, fornece assim um segundo exemplo que sugere à história
especializada uma exegese que segue menos as autotematizações espetacula-
res nas controvérsias de historiadores e instituições acadêmicas, e tem mais
em conta a variedade curiosamente consistente que há mais de cem anos ca-
racteriza uma história cientificízante. Em um processo de desenvolvimento
tão longo e heterogêneo, a historiografia dos Annales tem um lugar tanto
mais estável quanto menos espetacular.
Também resultam deste estudo novas perspectivas sobre os aspectos
"teórico-históricos" da história da historiografia. A análise mostrou que na
corrente dos Annales as diversas ideias condutoras da prática da pesquisa
histórica e os pressupostos básicos da especificidade do seu objeto, o pas-
sado, se associaram. Parece-me interessante utilizar, para a descrição dessa
mistura de ideias, o modelo de pensamento que John G. A. Pocock desen-
volveu para as ideias políticas do início da Época Moderna. Pocock parte da
ideia de que os diversos textos dos discursos políticos pertencem a determi-
nados jogos de linguagem, que se baseiam em contextos tanto intelectuais
quanto institucionais; nesses contextos, a maioria das situações discursivas
no mundo das ideias políticas do início da Época Moderna, examinado por
ele, são, nesse sentido, multilinguísticas.' A produção dos Annales também
se mostra multilinguÍstica: a linguagem dos Annales do entreguerras era
sobretudo uma "contra"-linguagem, contrária ao consenso dominante; na
medida em que, no seu interior, podiam conviver lado a lado ideias-chave
tão heterogêneas quanto "orientação de problemas", "referência à atuali-
dade" e "vida", que, por sua vez, se referiam a outras diversas linguagens

4 J. G. A. Pocock, "The Concept of a Language and the mêtier d'historien: Some Comi-
derations on Pratice", in Anthony Pagden (org.), The Languages of Politicai Theory ill
Early-Modem Europe. Cambridge/Londres/Nova York: Cambridge University Press ,
1987, pp. 19-38.

148 PANORAMA OS ANNALES NA HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFiA DO SÉCU LO XX


f'SVÇ cializadas filosóficas e das ciências sociais. Enquanto Bloch frisava
_retudo a fo rm ulação clara de conceitos) de hip óteses e escolha das
- ates, e pre conizava o cam inh o preferencial de uma ciê ncia da história
T !O voltada para problemas e constru tora consc iente de seus obj etos

- ~ ç b ne, por seu turno) propunha a linguagem da filosofia da vida ao fe-


o - ad o mundo con ceitual da hist ória científica francesa co ntemporânea .
Co m isso) não só se evidencia a p roximidade in telectua l com as grandes
. .teses histórico-culturais de um Burckhardt ou de um Huizinga, como
.J1h érn com o historismo de um Dilthey, quando Febvre, como ele, sem -

~ : ': tenta "voltar à vida me sm a) e so m ente à vida) como razão original de


. ia a histó ria'> Foi sobretudo o conceito da "histó ria dos acon tecime n-
s políticos" qu e se imp ôs) o qu al, na lingu agem do s A nnales, se tornou
,"l contraponto ne gativo da própria história. Ele designava as amplas áreas

;;., _ pesquisa hist órica que caíram sob suspeita da irrelevân cia e ficaram
: reserva qu ant o ao puramente subjetivo. Essa área da histór ia tornou-
e, sobretu do no período de Fernand Braudel, a "espuma do s dias " (Bo-
o;:; Vian), o imp ério das sombras das transito riedades banidas. Salta aos
lhos que ) com Fernand Braudel e Ernest Labrousse, a tensão de base já
w ritlcável em Bloch e Febvre tenha se man tido perseverante) qual seja) a
. ens ão entre uma perspectiva centrada no m étodo racionalista e um pen-
o arnento histórico orientado por configuraçõe s totalizantes, influenciadas

; ::ográfica) econôm ica ou culturalmente (eco nom ias-m undo) espaços


;e ográfico -históricos e mentalidade s). Contudo) outras linguagens esp e-
rializadas se colo caram em primeiro plano: a ideia condutora do m ovi-
mente em ondas) assim como a da repetição cíclica dos processos históri-
cos, vieram da teoria dos ciclos de conjuntura; e a geo-histó ria difundiu a
noção tripartite do tempo-espaço : estrutura) conjuntura e lon ga duração -
o s conceitos centrais da tendên cia dos A nnales do pó s-guerra se associ a-
vam a uma lin gu agem orientada por metáfor as espaciais. Por fim) com o
marxism o e o estruturalismo) de certa forma , duas linguagens do mundo
invadiram o discurso do s A nnales e lhe deram a nova metáfora da base
e da superestru tura - respect ivamente) est rutura profunda e superfície.

Wolfgang Ha rdtwig, Geschichtsschreibungzwischen Alteuropa und modernerWelt. G ôttin-


gen: Vandenhoeck & Rupre cht, 19 74, p. 206 .

RJlPHAEL 149
Também ficou claro que a influência dessas duas linguagens fez surgir
uma nova tensão entre os historiadores dos Annales que formularam p~
cessos em categorias de desenvolvimento histórico, ou como etapas de
um contexto que aglutinava a história mundial e os que conceberam a
mudanças de época como rompimentos ou mutações de estruturas e ras-
cunharam modelos de equilíbrio cíclico, e postularam a contiguidade das
espaços-tempo não integráveis. A marcha triunfal do relativismo cultunl
desde os anos 1970 enriqueceu sobretudo o ultimamente denominado
idioma com aquelas figuras do pensamento - "marginal" e "estrangeiro" -,
provenientes da filosofia e da antropologia, o que conduziu ao idioma da
nouvelle histoire. Essas diversas linguagens especializadas coexistiram lado
a lado em relativa paz na historiografia dos Annales, porque a maioria de
seus historiadores, enquanto empiristas céticos, desconfiava da disputa
por conceitos e dava-se por satisfeita com o aparecimento em primeiro
plano das diversas linguagens teóricas, desde os anos 1960. O sincretismo
do idioma dos Annales mostrou-se, ao mesmo tempo, como força e fra-
queza: fez nascer uma língua franca que se manteve aberta para novas
abordagens de pesquisa e novos temas e foi profícua para a exploração e a
inovação. Ao mesmo tempo, o referido sincretismo propendeu a ignorar
fraquezas teóricas e imprecisão nas suas próprias fileiras.
Agora, esse trato com teorias e conceitos não é de maneira nenhuma tão
incomum, como às vezes sugere uma história da historiografia voltada para
problemas teóricos e metodológicos; ele poderia corresponder à prática da
maior parte dos colegas estrangeiros também, no século xx. Já o último ca-
pítulo mostrou que a postura defensiva exigida pela Escola dos Annales, con-
tra novos princípios para a integração da história política, representou uma
particularidade que estreitou as fronteiras para a exportação das suas ideias,
Entretanto, do ponto de vista das outras "linguagens", outras análises compa-
rativas me parecem particularmente fazer sentido, pois que os caminhos da
história da recepção já deram início à produção de alguns balanços. A impor-
tância relativamente reduzida das teorias explícitas na prática da pesquisa su-
gere uma análise comparativa mais forte naquela área de conceitos e ideias de
alcance médio, que também influenciam de forma duradoura as abordagens
de pesquisa. Ou seja, tal análise poderia atentar para aquelas "ideias históri-
cas" menos abstratas, para aqueles "princípios explicativos", os quais, como
formula Siegfried Kracauer, revelam, "como que de um só golpe, conexões

150 PANORAMA: OS AN NA LES NA HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA DO SÉCULO XX


~radas, e de dimensão relativamente grande'" Aqui também me parece
lIrSidir propriamente a riqueza da tradição dos Annales: ela elaborou numerá-
.as conceitos de médio alcance e sobretudo inventou algumas "ideias histó-
ÕIl.ÃS- quando encampou estímulos de outras disciplinas. Já aludimos a algu-
~: o modelo marxista de base e superestrutura foi usado de forma flexível
por muitos historiadores sociais dos Annales como "ideia histórica': Pense-
-se também em como Georges Duby usou o conceito de dádiva (de Mauss)
IDm.aIldo-o a chave para a sua interpretação das relações econômico-sociais
mAlta Idade Média. O conceito de fait social totalmostrou-se também como
.m "ideia histórica" fecunda. Ele permitiu a Le Roy Ladurie ler o carnaval de
Ilomans como ritual e acontecimento no qual as relações e tensões duradou-
as dos homens no mundo histórico do início do século XVI se expressavam
de forma , por assim dizer, condensada. Fernand Braudel concebeu a tensão
imdamental entre periferia e centro em uma "economia-mundo" como base
do movimento das diferentes dinâmicas de desenvolvimento dos espaços
econômicos, e da troca de posições dentro deles.
Finalmente, há quem indique que a Escola dos Annales teve, no período
de Fernand Braudel, talvez, a sua última tentativa de fornecer uma lingua-
PI comum às diversas disciplinas e pesquisas especiais na área da história
científica. O "histerismo na época das ciências sociais" foi reiteradamente
discutido : na realidade, as ideias centrais da historiografia dos Annales mos-
tram-se como tentativas sempre novas de se ajustar às novas condições de
uma especialização crescente a antiga ideia-chave historiográfica do con-
teno, sob a palavra-chave de uma "história geral",ou seja, uma histoire totale.
1\ história científica, enquanto forma de integração do saber das ciências
humanas sobre o passado dos homens e seu meio ambiente, encontrou em
Braudel, mas também em Le Roy Ladurie ou em Duby, firmes defensores
e profissionais de sucesso. O programa dos Annales manteve-se, no entanto,
associado a uma centralização das perspectivas para os grandes movimen-
tos promissores e amplamente eficazes do passado europeu: a perspectiva
da "marginalidade', também observável pela nouvelle histoire, da quebra ra-
dical, finalmente se dissolveu, em paralelo, na especialização real da pes-
quisa segundo esse modelo.

6 Siegfried Kracauer, Geschichte - vordenletztenDingen. Frankfurt: Suhrkamp, 1973, p. 117.

RAPHAEL 151
A crise da clássica história nacional política marca} sem dúvida} em p ,,-:
pectiva internacional} o ponto de partida em comum das novas abordage ,
historiográficas, na primeira metade do século xx. Os impulsos intelectua
dos Annales também provêm dessa situação emergente. Ela está ligada à c ~
ção da nova figura social do intelectual autónomo, por volta de 1900, n"-
perfil} na França} estava estreitamente vinculado a um novo consenso entre
os eruditos da universidade. Como muitos dos seus colegas} agora de rm
neira mais clara do que no passado, os historiadores universitários tamb éa
mantinham distância em relação às elites políticas e económicas, e a rnai
ria republicana se orientava por normas universalistas. Nesse contexto, é
meu ponto de vista} fica mais fácil examinar os problemas que se levantas
com a pergunta pelas referências sociais ou político-ideológicas da corre nte
dos Annales. Pois ela procurou sempre} de forma bem peculiar} equilibra. e
distanciamento científico com o engajamento político-moral. Vimos com
também a tendência manifestamente apolítica dos Annales construiu- se
sobre um silencioso consenso "republicano"} quer dizer} social-liberal e '''-~
cialista, que só excepcionalmente admitia em suas fileiras historiadores Of
cididamente conservadores. Essa orientação político-moral criou aquela rrx
tivação, sem o que mal ter-se-ia realizado tão intensivamente pesquisas em
história econômica e social quantitativa que vieram a se tornar a marca regi.,,.
trada da escola. Nesse ponto} a entrada das massas na política marca tamb ém
o início da história social dos Annales. Ernst Breisach indicou que} ma is °
tardar com as experiências da Primeira Guerra Mundial} a busca pelo "p 2~
sado coletivo das pessoas de todas as classes sociais"? tornou-se referênc ia
evidente da exposição historiográfica. Contudo} os historiadores dos Anna le:
separavam mais fortemente o engajamento político e o distanciamento cien
tífico do que a maioria do restante dos historiadores sociais} que} enquanto
marxistas} socialistas} reformistas sociais liberais ou nacionalistas étnic o,

7 "After World War I this emancipation no longe r was a hope or a specter but increasingi-
a reality. Scholars had to take note of it and the historians among them tried to find the
proper historiographical expression for the new reality. lhe task proved to be formidabl ~
as it meant to less than to discover the collective past ofthe people of all social strata and
link it with the democratic present and an ill-defined future." Ernst Breisach, Ilistoriog-c
phy, Ancient, Medieval and Modem. Chicago: University of Chicago Press, 1983, p. 324 .

152 PANORAMA OS ANNALES NA HISTORIA DA HISTORiOGRA FIA DO SÉCU LO XX


penh avam -se na nova escrita historiográfica dos grupos e forças sociais
- lü im as. Como a maioria de seus colegas} sobretudo na América do Norte
, Europa Ocidental, eles eram consensuais quanto ao estado de bem-estar
~iJ ; consenso que, depois da Segunda Guerra Mundial, evitou contudo
~ 2 referência imediata às ideologias ou até parcialidades políticas. Sem d ú-
- -.: o primado dos temas econ ómicos, sociais e políticos na Europa dos blo-
, políticos rígidos e dos sistemas sociais rivais influenciou também as aten-
_- ?s daqu ela dimensão da historiografia social apolítica dos Annales. Não
~ dem os deixar de perceber que a história social dos Annales como um todo
: Iesenvolveu a partir de uma tensão subterrânea, entre as "estruturas" con-
_eiru alm ente ressaltadas e os interesses, políticos e moralmente motivados}
~ gente simples", na sua resistência e suas revoltas. Nesse ponto, as transfor-
- -'.óes radicais depois de 1968 levaram a uma clara mudança de curso: até
, -,:âo, a interpretação objetivista de "estru tur as" como agente an ónimo dos
.:rocessos sociais e como banimento do acontecimento político para o reino
Jo contingente bloqueara qualquer continuidade de desenvolvimento.
Entretanto, essa história social, apartada da política, também permane-
.eu dominante na França. Nesse ponto, as relações dos Annales com a es-
crita da história nacional francesa são mais íntimas do que por muito tempo
: :0 percebeu.Ao contrário do que tencionavam Bloch e Febvre, e isso tam-
~ érn foi cogitado pelo próprio círculo internacional de alunos de Braudel,
,:. corrente dos Annales fixou amplos círculos de historiadores franceses no
passado nacional e nas suas próprias tradiçôes. Embora eles tenham trans-
rorm ado, como quase nenhum outro agrupamento, tendências econ ómicas,
sociais e demográficas de longo prazo em objeto das suas pesquisas - não
deixaram de mostrar um interesse particular assumido que se circunscrevia
':'5 fronteiras da França de hoje e desenvolveu menos disposição para a com-

paração e a ampliação da história universal. Abstraindo a grande exceção


d e Fernand Braudel, depois da Segunda Guerra Mundial dominou entre os
historiadores da então nova e agora mais nova história um olhar histórico-
-nacional também nas pesquisas para a história social econ ómica e cultural,
de tal forma que não admira a dedicação posterior de muitos historiadores
dos Annales também aos temas clássicos da escrita da história política nacio-
nal. O longo silêncio dos Annales referente aos pontos históricos em litígio
da história da França não pode ser confundido com uma ausência de traços
nacionais no processo de constituição da memória. Pode-se notar que um

RAPHAEL 153
resultado essencial dos mais de trinta anos de pesquisa social e cultural de. '
Annales é que transformaram o worldwe have lost de Laslett em um compo-
nente básico de uma "herança cultural" nacional, a qual, no outro lado da
história das elites culturais e políticas, também encontra agora, no encalçe
de uma variada France profonde, elementos incluídos no processo de instíns-
ção da identidade nacional. De modo geral) satisfizeram com isso alguma
nece ssidades de orientação relacionadas à nacionalidade, as quais foram ar-
ticuladas pelas elites culturais e políticas do país. Nessa consideração, a fase
da escritura da história social de traços nacionais integra o modelo funda-
mental do serviço histórico para a nação, que moldou o processo de p~
fissionalização da história científica no século XIX. As orientações polítíco-
-ideológicas, assim como os conhecimentos especializados da maioria dos
historiadores dos Annales, mantiveram-se assim relacionados à moldura da
história nacional. As continuidades dessa conexão em uma corrente hísto-
riográfica que, como os Annales, supostamente rejeitou) em sua programá-
tica, tal limitação nos fazem lembrar que essa herança do século XIX ainda
está muito viva na história da historiografia do século xx.
Assim, parece-me ser muito cedo para julgar a medida e a profundidade
da ampliação da perspectiva antropológica que se desenvolveu largamente
com a nouvelle hisioire dos anos 1970, cujas pistas no entanto podem ser OD-
servadas precocemente nos Annales. Em uma perspectiva de longo prazo,
parece-me que a contribuição da tendência dos Annales é notável, sobre-
tudo na direção de uma sequente desconstrução do ponto de vista antro-
pomórfico e centrado na atualidade. Como Norbert Elias, eles também se
interessaram pelo "trabalho sobre uma imagem do ser humano [ ... ] que se
oriente menos pelos próprios sentimentos e pelas valorações a eles ligadas
e mais pelos próprios seres humanos enquanto objeto do seu próprio pen-
samento e observaç ão'" Assim, as perspectivas antropológicas dos Annales
levaram adiante também o processo fundamental da historicização, em cujo
fim estava a renúncia a um humanismo eurocêntrico. Em uma escrit a histó-
rica relacionada à humanidade e sem páthos como a nouvelle histoire, pers-

8 Norbert Elias, ÜberdenProzefl derZivilisation, v. 1. Frankfurt: Suhrkarnp, 1976, p. LXIV


[ed, bras.: O processo civilizador, 2~ ed., trad. RuyJungmann, rev. Renato J anine Ribeiro.
Rio de Janeiro: Zahar, 2011].

154 PANO RA M A: OS A NN A LES NA H ISTÓRIA DA H ISTOR IOGRA F IA DO S ECU LO XX


~as antiquadas e críticas coexistem lado a lado e sem relação entre si,
e uma história das tendências que entrementes se tornaram internacionais)
.je uma new history, teria diante de si a tarefa de separar as modas culturais
mláteis de um meio intelectual em crescimento mundial) das respostas in-
:àectuais fundamentais às tensões ligadas à construção de uma sociedade
::mmdial cujos contornos e problemas demográficos) económicos, culturais
e ecológicos cada vez mais claramente começam a emergir.
Não somente a teoria da história pós-moderna descobriu as qualidades
1erárias de muitas obras dos Annales. A crescente lacuna entre o interesse
J.o público culto e os produtos da historiografia universitária pertencia
~elas manifestações de crise que Febvre e Bloch confirmaram na sua luta
contra a estreiteza da erudição acadêmica. O abismo incomum na historio-
~a francesa entre obras de história e de literatura) no entreguerras, foi
?Ouco a pouco novamente fechado) através dos livros dos seus seguidores:
DeSSe ponto de vista) os Annales mantiveram-se sempre nos antigos modelos
.ia literalidade comunicativa e da elegância estilística. O peso das tradições
àterárias na França fez com que a arte da exposição tivesse um papel sempre
central na "avanigarde" da historiografia científica. Paralelamente) manteve-
-se superficial o flerte com todos os conceitos de uma social science history, os
quais estavam prontos a abrir mão da linguagem da historiografia tradicional
compreensível também aos leigos) em proveito de uma inequivocidade das
linguagens científicas especializadas) áreas restritas de pesquisa) e modelos
formalizados. Quanto a isso Marc Bloch já se tinha claramente posicionado:
"Lma equação exata não é menos bonita do que uma frase certa) mas cada
ciência tem a sua própria estética da linguagem. Acontecimentos humanos
são) por seu próprio caráter, fenômenos bastante melindrosos) que comu-
mente não se deixam mensurar pela medida da matemática. Para interpretá-
-los corretamente, ou seja) para penetrá-los da maneira certa [ ... J) é neces-
sária uma apurada fineza da linguagem) o tom certo precisa ser encontrado a
cada vez [ ... J pode-se assim negar que não exista somente o tato das mãos)
mas também o das palavrasê'v

"'1are Bloeh, Apologieder Geschichte oderDer Beruf desHistorikers. Stuttgart: Klett-Cotta,


1992, p. 41 [ed. bras.: Apologia da história ou O ofício de historiador, trad. André Telles.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001].

~A~ i-'ÀEL 155


A atenção às qualidades literárias é um componente importante da t ~ _
dição dos Annaies. A admiração internacional pelas qualidades literárias c:
muitos de seus textos mostra que os seus autores devem estar incluídos e ~
tre os mais conhecidos representantes do mainsiream profissional da histo-
riografia do século xx.
A isso junta-se também a última consideração: em no ssa expo sição, ~
historiadores dos Annales aparecem como representantes "normais" da SL..
profis são, no empreendimento da ciência do pó s-guerra - talvez superiores
em curiosidade intelectual a alguns colegas no seu próprio país e no exter io;
comparáveis a eles contudo em suas orientações profi ssionais fundament ai
também às vezes como guias em suas inovações técnicas internacionalmente
ma s com frequência, porém, os primeiros no próprio paí s. Os conflitos ;;1-
telectuais e institucionais que enfrentaram enquanto grupo também rios
parecem, nos seus padrões básicos, comparáveis às formas nas quais outro:
campos de historiadores manifestaram tensões internas. Assim, este estu do
também foi conduzido a partir da ideia de que a ciência da história, antes
de tudo, serve ao autoesclarecimento. No nosso caso, portanto, o olh ar . 0
espelho do vizinho francês e do s antepassados pode nos trazer à tona algo
sobre o m éiier do historiador no séc~lo xx.

Pub licado originalm ent e como "Ausblick: Die Anna les in der Histo riog raph ieges-
chichte des 20. Jah rhundert s", in O/e erbe n von Bloch und Febvre. Annales G es c~ ­

chte ssc hreib ung un d nou velle hist oire in Fra nkre ich, 1945-1 980 . Stu t tg art: Kle(i-
-Cot t a , 1994, pp. 505-1 7. Tradução de Alexandre Dal Farra e Adriana Ardito.

156 P!',N ORAM A: OS ANNA LES NA H iSTÓRiA DA HIS TORIOGRAFIA DO SÉCULO xx


Na origem de toda aquisição científica encontra-se o não con-
formismo. Osprogressos da Ciência sãofruto da discórdia. Do
mesmo modo) é a heresia que alimenta e consolida as religiões.
Oportet haereses esse.
Lucien Febvre, "Aula inaugural", College de France, 13 de
dezembro de 1933.

De todos os movimentos historiográficos que se sucederam desde o início do


século xx, a corrente dos Annales é seguramente o que suscitou, no decorrer
dessas últimas décadas pelo menos) o maior número de reflexões) estudos e
polêmicas. Exatamente por isso, o historiador desejoso, hoje, de compreen-
der melhor seu meio profissional, sobretudo quando se sente ele mesmo de
algum modo "herdeiro" do movimento, não pode evitar um "passeio" pelos
Annales. Nós, que gostamos de justificar nosso ofício junto ao grande público
sublinhando que o conhecimento histórico pode "ajudar os homens a viver
melhor", segundo a feliz expressão de Marc Bloch, temos que dar o exemplo.
A história da história não é apenas um domínio novo anexado ao território
do historiador. É também um terreno de reflexões suscetível de nos ajudar,
quando não a "melhor viver", pelo menos a conduzir nossas atividades de
modo mais lúcido. A análise apresentada aqui nasceu de uma interrogação
sobre a maneira como a história dos Annal esvem sendo percebida, há cerca

158 OS ANNA LES. o " NÃO CONFORM ISMO" E O MITO DA ETERNA J UVENTU DE
de dez anos) pelos historiadores) que podem ser considerados, enquanto
membros do atual comitê de redação da revista, os sucessores em "linh a di-
reta" de seus fundadores. Os artigos publicados pelos Annales na ocasião de
seu quinquagésimo aniversário' ilustravam) parece-me, uma nova maneira)
para um movimento intelectual) de encarar seu próprio passado. Rompendo
deliberadamente com as forma s diretas ou indiretas de celebração) tais estu-
dos propunham instrumentos de análise crítica destinados a alimentar uma
reflexão científica sobre a história de sua própria tradição de pensamento.
Aideia central esboçada nesses textos era que) para além de seus méritos pro-
priamente intelectuais) o sucesso da revista não podia se explicar sem uma
referência às estratégias de poder' e às formas de justificação desenvolvidas
pelos responsáveis por sua promo ção.' Tal abordagem supunha que se pri-
vilegiasse o estudo das práticas dos historiadores engajados na aventura dos
1\rmales, pondo em operação um programa de pesquisas sociológicas, mais
do que prosseguir na interpretação de seu discurso.' Quando se examinam
mais de perto os artigos publicados dez anos depois) por ocasião do sexagé-

André Burguíere, "Hi stoire d 'une histoire: La naissance de s Annales". Annales ESC, no v.-
-dez . 1979, pp. 134 4-59, e Jacques Revel, "H istoire et sciences sociales: Le s paradigmes
des Annales".A nnales ESC, no v.-d ez. 1979, pp. 1360-75.
"N a realidade, todo projeto científico é inseparável dc um projeto de poder", A Burguie-
re, op. cit., p. 1353. Sente-se, nesses estudos, a influênci a das tese s de Michel Foucault e,
mais ainda, da s reflexões sob re a história de senvolvidas alguns anos antes por Michel
de Certeau, L'Écriture de l'histoire. Paris: Gallimard, 1975 [ed. bras.: A escrita da história,
tr ad . Maria de Lourdes Menezes. Rio deJaneiro: Forense Universitária, 2011].
"Como toda corrente de pensamento que deve justificar suas escolhas c inflexões reme-
tendo-as a uma doutrina fundadora, a 'escola' do s Annales tem hoje em dia sua própria
tradição escrituraI", A. Burgui êre, op . cit., p. 1347. O autor acrescenta: "O ra, é claro que a
originalidade do movimento inici ado por Marc Bloch e Lucien Febvre está mais na ma-
neira pela qual afirmaram seu programa do que no pr óprio programa". Annales ES C, nov.-
-dez, 1979, p. 13so.Jacques Revel, evo cando os propósito s de Fernand Braudel por ocasião
do quadragésimo aniver sário da revista, sublinh a as contradições de uma argumentação
quc visa constantemente lembrar os m éritos dos pa is fundadores ao mesmo tempo que
celebra, a cada aniversário, o advento de "n ovos novos Annales", op. cit., p. 1361.
.;. Jacques Revel precisa que o objetivo de seu estudo é "refletir sobre as condições práticas
do trabalho do h istoriador", e sublinha que apenas uma investigação sistemática permi-
tirá (o emprego do futuro assinala aqui a dimensão programática do artigo) levar a cabo
a indispensável análi se sociológica do movimento, ibid ., p. 1362.

NDIRIEL 159
simo aniversário da revista/ é forçoso constatar que este programa de modo
algum continua na ordem do dia. A sociologia histórica dos Annales deixou
lugar a uma "epistemologia" que privilegia a reflexão sobre os "regimes de
historicidade" e as análises críticas sobre a relação da revista com seu pas-
sado foram substituídas por engajamentos que visam o futuro. O editorial
"tentemos a experiência" anunci a o advento de "novos novos novos Annales·,
reatando assim com a tradição dos discursos de aniversário, que os leitores
tinham sido incitados a questionar dez anos antes. Ainda que os historia-
dores associados à revista tenham amplamente contribuído para o floresci-
mento de tantas pesquisas feitas no decorrer dos últimos quinze anos sobre
as história dos Annales / ao que parece eles encontraram um obstáculo que já
fora claramente identificado nos artigos do quinquagésimo aniversário. Os
"pais fundadores " do movimento pediram a seus sucessores que conciliassem
as duas dimensões contraditórias da herança. De um lado, era preciso preser-
var "o espírito dos Annales", defendendo a ideia de que a ciência só progride
por iniciativa de pensadores "marginais" e "anticonform istas", que cultivam
a polêmica por "quebrar a crosta da prudência universitária que [sufoca] o
debate de ideias e [torna] praticamente impossível, porque inconveniente,
a discussão sobre a produção cientííica'" Mas, por outro lado, os herdeiros
também deveriam assumir o sucesso da revista : Afinal, os fundadores e os
primeiros continuadores do movimento tinham lutado a vida inteira para
que sua concepção da história deixasse de ser marginal, para que ela con-
quistasse posições institucionais e reconhecimento público. Não tinham
sido estes os objetivos visados? Objetivos que os Annales, ao envelhecer, ti-
nham alcançado bem além do que se teria esperado. Porém, como justificar
a posição central ocupada doravante pela revista e, ao mesmo tempo, fazer
a apologia da "marginalidade criativa"? Como gerenciar os consensos e os
compromissos inerentes a todas as posições de poder afirmando, ao mesmo
tempo, que não há discussão científica possível sem polêmicas e questio-

5 Cf. os editoriais "H istoire et sciences sociales. Un tournant critique?" e "Histoíre et


sciences sociales: Tentons I'expérience", ambos em AnnalesEsc, op. cito
6 Cf. especialmente os trabalhos de Olívier Dumoulin e de Bertrand Müller, aos quais este
artigo muito deve, como se verá.
7 A. Burguíêre, op . cit., p. 1350.

160 OS ANNAL ES, O " NÃO CON FORM IS MO' E O M ITO DA ETER A J UVENTUDE
namentos? Como explicar a continuidade pela ruptura, a maturidade pela
Juventude) a centralidade pela marginalidade, a tradição pela inovação? Em
suma, melhor dizendo: como conceber a autocrítica e a autoanálise quando
se ocupa uma posição hegemónica? Essa questão) evidentemente) não diz
respeito somente aos Annales. É preciso tomá-la como uma interrogação vá-
lida para todas as disciplinas. Ela se coloca antes de mais nada para os Anna-
ies porque os fundadores e os herdeiros do movimento foram os primeiros
a nos encorajar a tratar deste problema: coisa que nenhuma outra corrente
importante da pesquisa em ciências sociais jamais ousou fazer até hoje. Essa
minha contribuição analisa mais particularmente o papel que Lucien Febvre
desempenhou na elaboração da "tradição escrituraI" própria ao movimento
historiográfico para a fundação do qual ele contribuiu.

AS REGRAS DO JOGO

Uma das principais razões que explicam que os Annales tenham ainda hoje
dificuldade para assumir completamente sua herança vem do fato de que os
fundadores do movimento) e em especial Lucien Febvre, apresentaram sua
empreitada) retrospectivamente) sob a forma de uma narrativa "heroica", des-
tinada a persuadir leitores) sucessores e admiradores de que a contribuição
que haviam dado para o desenvolvimento do conhecimento histórico só fora
obtida mediante um preço: a rejeição das "regras do jogo" acadêmico elabo-
radas por seus antecessores. No preâmbulo redigido em 1952 para apresentar
a coletânea de artigos publicada com o significativo título de Combatspour
l'histoire, Lucien Febvre pinta um retrato de si mesmo que ilustra de modo
impressionante sua maneira de conceber o progresso científico. Segundo ele)
o verdadeiro sábio emprega toda sua energia não a serviço de seus próprios
interesses) mas sim em defesa de sua causa (a história). "Nunca lutei a meu
próprio favor, nem contra este ou aquele indivíduo) do ponto de vista pessoal.
Combates pela história? Sim) pois foi exatamente por ela que) durante a vida
inteira, travei tantas lutas:' O verdadeiro sábio deve combater sem repouso
a fim de impor suas ideias num mundo hostil e incapaz de compreendê-lo.
Quando ainda não passava de um estudante (entre 1895 e 1902), diante das
"trémulas prudências" de uma história dominada pelo "culto laborioso) mas
intelectualmente preguiçoso", do "fato", continua Lucien Febvre: "reagi ins-

NülRIEL 161
tintivamente e quase sem apoio algum no campo dos historiadores [ ... ].
Sozinho na arena, fiz o melhor que pude". Infelizmente, "a sorte do pioneiro
é decepcionante: ou sua geração lhe dá quase imediatamente razão e absorve
num grande esforço coletivo seu esforço isolado como pesquisador, ou en-
tão ela resiste e deixa para a geração seguinte o cuidado em fazer brotar a
semente que fora lançada aos sulcos prematuramente'" Não se trata aqui de
negar os méritos de Lucien Febvre, nem de subestimar as oposições que suas
novas ideias sobre a história encontraram no meio profissional dos historia-
dores. Mas, para compreender como é que essas ideias puder-am conquistar
um lugar, é preciso aban donar a perspectiva "idealista" sobre o conhecimento
ilustrado por esses propósitos, para recolocar sua obra no contexto das práti-
cas que regiam a disciplina no início do século xx. Isso é ainda mais necessá-
rio pelo fato de Lucien Febvre pertencer à primeira geração de historiadores
completamente "profissionalizados", isto é, que aprenderam as regras do ofí-
cio em seu primeiro estágio de formaç ão."
A partir do final do século XIX, todo indivíduo desejoso de exercer a pro-
fissão de historiador tem que se submeter a um processo de nomeação que
compreende, no caso francês, três procedimentos de avaliação: o chamado
exame de Agrégation, o doutorado e a contratação num cargo de professor
universitário. Esses três momentos importantes nas relações de poder que
definem a disciplina têm, todos eles, o objetivo de avaliar, de acordo com
modalidades variáveis, competências que dizem respeito ao mesmo tempo à
pesquisa (saber científico) e ao ensino (m em ória).
A reforma da Agrégation, impulsionada por Ernest Lavisse, desempenhou
um papel essencial na consolidação das particularidades do sistema univer-
sitário francês. Ao decidir que a partir de então todo candidato à Agrégation
deveria ser titular de um diploma de pesquisa, Lavisse reforça os elos entre os
ensinos secundário e superior, estabelecidos desde o primeiro Império, e faz

8 L. Febvre, Combatspour l'hisio ire [1952] . Paris: Armand Colin, 1992, pp. V-VIII (todas as
minhas citações são desta edição). Evocando Proudhon, ele acrescenta : "N ós, franc o-
-condeses, não som os de modo algum conformistas", precisando ainda que outra carac-
terística das pessoas desta região é que "aprenderam muito cedo duas coisas: saber fazer
e saber parar". [N. T.: Febvre nasceu na Lorena, mas dizia-se, por adoção, franco-condês].
9 Os historiadores "metodistas" "inventaram " essas regras do jogo ; porém, por definição,
não as aprenderam eles mesmos.

162 OS ANNAL ES . O " NÃO CON FORM IS MO " E O MI TO DA ETER NA J UV ENTU DE


desse exame uma verdadeira passarela entre os dois meios. Ainda que se trate
de um concurso destinado a contratar professores do secundário, o êxito na
Agrégation é, na prática, uma condição quase incontornável para aquele (ou
aquela) que espere um dia ser contratado como professor pela universidade.
A maioria dos historiadores começou a carreira no ensino secunário. Inver-
samente, dado que os agrégés do secundário têm) todos eles, uma experiên-
cia na pesquisa histórica, eles constituem interlocutores privilegiados para
os historiadores universitários. Graças a esse meio de ligação, a minúscula
comunidade dos historiadores profissionais (até 1939 cerca de cem pessoas)
está em constante relação com o grupo, bem mais avantajado, dós professores
de história do ensino médio. Pode-se pensar que é principalmente por inter-
médio deles que as produções especializadas dos historiadores profissionais
puderam atingir um público mais vasto, à diferença do que ocorreu em vá-
rios outros países. No nível da pesquisa, esse vínculo se concretizou por co-
laborações estabelecidas entre os historiadores profissionais e os numerosos
professores agrupados em sociedades científicas. Dado que a Agrégation é um
concurso centralizado) compreendendo provas comuns a todos os candidatos,
elaboradas com base num programa que cobre a totalidade do saber histórico
(todas as épocas e, em princípio, todos os países) , este exame tem também o
papel de unificador da própria comunidade profissional. Antes de se dispersa-
rem e se repartirem em especialidades em função das épocas, domínios e lu-
gares pesquisados, os historiadores começam por adquirir uma visão comum
do saber histórico tal como é constituído oficialmente, a cada ano) através das
questões que caem no concurso. Por isso o programa da Agrégation e a bi-
bliografia oficial que o acompanha são algo de decisivo, posto em jogo, anual-
mente, na disciplina. Trata-se do principal meio de que dispõe a comunidade
dos historiadores para validar o saber histórico considerado como "adquirido"
e que constitui, por isso, a "ciência normal" da história digna de ser ensinada
em todas as escalas da máquina educativa. Uma inovação na pesquisa histó -
rica francesa só pode ser considerada verdadeiramente admitida depoi s de ter
sido, de uma forma ou de outra, integrada no programa da Agrégation.'oEsse

10 Sob re o que está em jogo nos program as e nos manua is de ciências exatas, cf. N orb ert
Elias, "Scient ific Establishm ents", in N . Elias, H erm inio Martins e Rich ard Wh itle y
(or gs.), Scierz tific Estabüshmentsand Hiera rcliies. Dordrecht: Re ídel, 1982, pp . 3-69.

NDIRIEc 163
concurso também tem um papel essencial na "reunião" da comunidade profis-
sional dos historiadores devido às atividades geradas por sua preparação. Para
todas as universidades da França, trata-se de um objetivo importantíssimo.
O dinamismo, quando não mesmo o valor, dos professores-pesquisadores"
de um departamento de história é medido} com muita frequência} pelos ín-
dices de alunos aprovados na Agrégation. Dada a importância do que está em
jogo e da seletividade do concurso, trata-se de um momento privilegiado
de leitura, não somente para os estudantes, como também para os professo-
res encarregados dos cursos preparatórios. A Agrégation permite assim uma
recepção dos "produtos" da ciência histórica} muito mais "profissional" 00
que a recepção mais distanciada que domina em meio ao "grande público':
Essa atividade de consumo da pesquisa científica é o meio essencial graças
ao qual a comunidade dos historiadores franceses chegou a conservar uma
relativa unidade} sem sentir a necessidade de se estruturar em associação
profissional como em diversos outros países. Mas ao mesmo tempo o peso
desse encargo pedagógico sempre foi grande o bastante para colocar entra-
ves no desenvolvimento da própria pesquisa científica. Por um lado} desde
o final do século XIX} a preparação da Agrégation mobiliza uma parte consi-
derável da energia dos universitários} em detrimento de seus próprios traba-
lhos. Por outro} o mercado -lucrativo - das obras pedagógicas desvia muito
amiúde os historiadores da pesquisa científica, " em proveito de produtos
de vulgarização que contribuam para perenizar essa "história de professores"
encarnada por Charles Seignobos.
A Agrégation tem sobretudo como objetivo avaliar "a atividade da me-
mória" do futuro historiador} ao passo que a segunda prova em que ele deve
imperativamente obter êxito} a tese, serve para mensurar suas competências

11 Na França, os professores doutores concursados nas un iversidades, quer ocupem um


cargo de Maitre de conférences (sem direito à orientação de teses de doutorado) ou de
Professeur des Universités (com direito à orientação de te ses de doutorado) I são chama-
dos, sempre, de "professores-pesquisadores" (enseignants-chercheurs)j os candidatos à
Agrégation se preparam para o exame seguindo os cursos dados por estes profe ssores, em
diferentes estabelecimentos univ ersitários, com base num programa nacional. [N. T.]
12 Dado que o ensino da história também tem como objetivo assegurar e manter a memó-
ria coletiva nacional, "a demanda pedagógica" incita os historiadores a privilegiarem a
pesquisa sobre a história da França.

164 OS AN NAL fS . O "N ÃO CON FORM ISMO " E o M iT O DA ET ERNA JUV ENTUDE
científicas. Isso explica que a avaliação seja confiada a uma banca especia-
lizada no campo de estudos escolhido pelo candidato. Ainda assim, como
vimos nos capítulos precedentes, essa prova visa também, pelo menos era
o caso no início do século xx, verificar suas aptidões "pedagógicas" e, para
além delas, seu respeito às normas que dominam a profissão.
Com a terceira etapa, o futuro historiador entra na fase de contratação
propriamente dita . É sem dúvida nesse nível que os jogos de poder mais
aparecem. Por um lado a criação de um cargo universitário sempre supõe a
intervenção da administração central (a atribuição das vagas é subordinada
à publicação delas no Bulletín oificiel pelo Ministério da Educação nacional) .
Por outro, o processo de contratação dá lugar, com muita frequência, a con-
flitos entre professores desejosos de encontrar colocação para seus protegi-
dos, de estender sua esfera de influência etc." A nomeação para um cargo
universitário constitui apenas o primeiro estágio dessa terceira etapa. A hie-
rarquia das funções estabelecida pela Terceira República aumentou muito o
número de escalões pelos quais o historiador deve passar até que chegue ao
topo da carreira, isto é, a cátedra na Sorbonne, posto máximo na época de
Lucien Febvre e Marc Bloch.
É preciso mencionar uma quarta etapa na formação dos historiadores
franceses, existente desde o final do século XIX, mesmo sendo verdade que
ela só diz respeito a um pequeno número de casos. Depois de ter mobilizado
toda sua energia para melhorar sua posição na profissão, o historiador deve
então se esforçar por sair dela, para visar uma consagração mais ampla, que
é a proporcionada pela entrada nas mais prestigiosas instituições da nação,
notadamente a Academia Francesa. Nesse plano, como observava Gabriel
Monod, não é tanto o pesquisador mas sim o escritor que a República quer
honrar na figura do historiador. Mais que sua competência cientifica, é a
contribuição dada à cultura e à memória nacionais que os árbitros que com-
põem essas nobres assembleias (políticos, homens de letras, jornalistas) são
encarregados de avaliar.
Definindo as grandes linhas das "regras do jogo" que todo historiador
deve respeitar caso queira realmente desempenhar seu papel até o topo, a

13 Não é útil entrar aqui nos detalh es desses conflitos que opõe m, frequ entemente, as instân-
cias locais de contratação (no nível do próp rio estabel ecimento) e as instâncias nacion ais.

NOIR1EL 165
Terceira República fixou as características nacionais da profissão} tal como
ela é praticada na França há um século. A imbricação} muito mais impor-
tante do que em outras paragens} entre as atividades do saber e as da me-
mória} a forte centralização e a estatização das relações de poder explicam
que} a despeito da diversificação e do desenvolvimento da disciplina, a co-
munidade't dos historiadores franceses conservou uma unidade e uma ho-
mogeneidade que não se encontra em outros domínios do conhecimento
universitário, nem entre os historiadores dos países vizinhos.

A NEGAÇÃO DOS COMPROMISSOS

Os estudos e os materiais acumulados pelos especialistas da pesquisa his-


toriográfica nos permitem, hoje, mostrar que, contrariamente à imagem
"heróica" de si mesmos que propunha Lucien Febvre em seus Combats
pour l'histoire, os fundadores dos Annales foram inovadores apenas porque
se submeteram às regras do jogo fixadas exatamente por aqueles que eles
quiseram superar. Esses brilhantes alunos ultrapassaram com facilidade os
primeiros obstáculos que demarcam o caminho da excelência (concurso
da École Norrnale, Agrégation de história). Eles começaram a carreira no
ensino médio" antes de terem acesso, após a defesa da tese} aos primeiros

14 Evocando as publicações coletivas que vem dirigindo desde os anos 1970, Pierre Nora
escreveu: "Existe uma comunidade historiadora, uma koiné, que une a corporação para
além de suas diferenças. Em nenhuma outra disciplina teria sido possível agrupar his-
toriadores de orientação diversa, pois sequer um consenso mínimo existia", in Essais
d'ego-histoire. Paris: Gallimard, 1987, p. 363 [ed. bras.: Ensaios de ego-história, trad. A. C.
Cunha. Rio de Janeiro: Edições 70, 1987]. Ainda que um pouco mais crítico sobre tal
consenso, Jean-Claude Passeron confirma esta análise: entre os historiadores, obser-
va ele, "o controle cruzado no e pelo grupo de pares dispõe de índices suficientes de
profissionalidade admitidos por todos para que um consenso superficial possa se es-
tabelecer e atenuar diplomaticamente os conflitos de avaliação e de "reconhecimento
entre escolas", J.-c. Passeron, Le Raisonnement sociologique. L'Espace non-popperien du
raisonnement nature!. Paris: Nathan, 1991, p. 67.
15 E conservaram sempre estreitos vínculos com as sociedades científicas que reúnem
muitos professores do ensino médio. As primeiras pesquisas coletivas dos Annales se
apoiaram significativamente nesses professores.

166 OS ANNALES, O "NÃO CONFORMISMO" E O MITO DA ETERNA JUVENTUDE


escalões da carreira universitária em alguma cidade do interior. Alguns anos
depois, tornaram-se professores titulares de uma cátedra em Estrasburgo,
na mais prestigiosa universidade francesa depois da Sorbonne." Evocando
esses primórdios de sucesso, Lucien Febvre observa no preâmbulo a seus
Combats: "nem minha astúcia, nem minha impetuosidade foram suficientes
para que se levantassem contra mim os mu itos valorosos corações que tanto
me apreciavam, e que faziam questão de me dar provas disso sempre que
possível [ ... ]. A nata da Universidade daquele tempo, uma aristocracia dos
sentimentos, pelo menos. E entre os grandes, que benevolência ativa, que
fraternidade'," Na verdade, se os "pais fundadores" da história "metodista"
são tão bem-dispostos em relação a seus alunos (o orientador da tese de
Febvre foi Gabriel Monod e o de Marc Bloch, Charles Seignobos), é porque
eles têm todas as razões para se sentirem orgulhosos deles. Eles são admira-
dos porque dominam perfeitamente as regras do "método hist órico'." No
entanto) talvez pelo fato de este ter se tornado o "bem comum" de todos os
historiadores daquela geração e, por conseguinte, não poder mais servir às
estratégias de distinção, os jovens mais desejosos de brilhar vão buscar fora
da história os elementos que lhes permitam cultivar a diferença. Essa é uma
das razões que pode explicar o interesse precoce de Febvre e Bloch pelas
disciplinas vizinhas - a geografia, a sociologia, a linguística - e sua colabora-
ção com a Revue de Synihêse, publicação que não gozava de grande prestígio)
naquela época, junto à corporação dos historiadores. Eles chegam assim a
ampliar seus centros de interesse sem perder a simpatia de seus mentores) e
isso se deve seguramente ao fato de possuírem uma qualidade sobre a qual
jamais chegarão a se pronunciar: a arte do compromisso, a arte de saber até

16 Lucien Febvre obteve a cátedra de história modema em 1919, e Marc Bloch a de história
medieval em 1927. Dado que o primeiro nasceu em 1878 e o segundo em 1886, eles ocu -
param as mesma s funções com as mesmas idades. Tendo entrado aos 33 ano s no ensino
superior, tiveram acesso ao topo da pir âmide universitária provincial aos 41 anos.
17 L. Febvr e, op. cit., p. VIII.
18 Vimos , no capítulo anterior, que a tese de Lucien Febvre era uma perfeita aplicação do
"método histórico", A conferência dada por Marc Bloch em 1914 sobre "a crítica histórica
e a crítica do testemunho" ("Critique historique et critique du témoígnage", publicada
nos Annales ESC, 1950, pp. 1-18) mostra que ele ainda compartilhava, na época, do essen-
cial da conc epção histórica desenvolvida por Langlois e Seignobos.

NülR IEL 167


onde é possível ir} sem sair dos limites da liberdade condicional que a comu-
nidade concede a cada um de seus membros."
A primeira parte das carreiras de Bloch e Febvre transcorreu sem maio-
res dificuldades, mas a segunda vai se revelar bem mais delicada. Como
mostrou Olivier Dumoulin, no momento em que ambos chegam à idade
em que a cátedra da Sorbonne se torna um desafio legítimo sobre o qual
apostam os historiadores mais brilhantes de sua geração} a conjuntura é par-
ticularmente desfavorável. A partir dos anos 1920} e sobretudo no início dos
1930, a criação de cargos nas universidades fica estagnada, a importância da
história diminui a favor das disciplinas literárias: aquela geração, que havia
tirado proveito da criação de muitos cargos no início do século, tarda a de-
socupar os lugares existentes, aproveitando para isso da possibilidade de se
aposentar na idade mais avançada possível." Essa situação só pode favorecer
os candidatos mais dóceis} mais próximos do "centro de gravidade" da disci-
plina. As muitas errâncias "interdisciplinares" em que Marc Bloch e Lucien
Febvre se lançaram quando lecionavam na Universidade de Estrasburgo, as
críticas que fizeram aos manuais escolares e ao programa da Agrégation se
tornaram desvantagens insuperáveis. Lucien Febvre comprova isso por uma
experiência dolorosa} já em 1926} quando disputa a cátedra de Seignobos
e é duramente preterido por um candidato sem grande notoriedade} cuja
quantidade de publicações era infinitamente menor que a dele (quem co-
nhece, ainda hoje, Raymond Guyot?). Dada a extrema centralização do po-
der acadêmico que caracteriza então a universidade francesa} basta desagra-
dar alguns indivíduos que dominam a instituição para acabar com qualquer
esperança de promoção. Lucien Febvre e Marc Bloch só têm uma solução:
voltar-se para lugares do saber situados à margem da universidade e mais
orientados para a pesquisa, a interdisciplinaridade e a inovação científica:
principalmente o College de France e a École Pratique des Hautes Études.

19 É a razão pela qual eles continuarão a colaborar regularmente na Revue Historique.


20 A idade média dos historiadores passa de 44 para 51 anos entre 1920 e 1934. Em 1920,
existiam doze cátedras de história em Paris (30,8% do total); em 1939, treze (22,4%);
cf O. Dumoulin, "Changer l'histoire. Marché universitaire et innovation intellectuelle
à l' époque de Marc Bloch", in H. Atsma e A. Burguiêre (orgs.), Marc Bloch aujourd'hui.
Paris: EHESS, pp. 94 e 92; cf também a tese de O. Durnoulin, Profession historien. Paris:
EHESS, 1983.

168 OS AN!'JALES, O " N Ã =: COI"FORMISMO " ~


A correspondência entre Lucien Febvre e Marc Bloch, recentemente editada
e comentada por Bertrand Muller," ilumina ao mesmo tempo a importância
do que estava em jogo (todo desenvolvimento de um projeto intelectual am-
bicioso tem que passar, naquela época, pela ocupação de funções em Paris)
e a impossibilidade, para aqueles que aceitam as regras do jogo, de escapar
às normas que lhe dão sentido. Contornando a fortaleza da Sorbonne para
entrar no College de France, eles escapam a uma lógica de poder para en-
trar em outra. O funcionamento des se tipo de instituições repousa sobre um
ideal de "autogovern o" dos cientistas. O princípio da redefinição periódica
das cátedras em função da evolução do conhecimento é destinado a evitar
a esclerose dos saberes tomados rotina, que só podem sobreviver por meio
de uma eternização das instituições que os veiculam. O princípio de elei-
ção de novos membros por uma assembleia de pares fundamenta-se na ideia
de que, para além de suas especialidades disciplinares, os cientistas que a
compõem podem falar uma linguagem comum porque são animados pelo
mesmo espírito científico: o que toma possível uma lógica de recrutamento
baseada em critérios que dependem exclusivamente do puro conhecimento.
Max Weber, como vimos, sublinhou o caráter utópico de uma perspectiva
como esta. Sua aplicação é ainda mais difícil nas instituições que agrupam
pesquisadores de competências extremamente diversas (desde as ciências
físicas até as disciplinas literárias, passando pelas ciências humanas). O que
mostra de modo agudo a correspondência de Lucien Febvre e Marc Bloch
em relação a esse problema é a importância decisiva dos elementos exterio-
res ao debate científico nesses recrutamentos; o que obriga o candidato a
conduzir uma "campanh a eleitoral" com o objetivo de reunir, custe o que
custar, uma maioria de votos. Pelo fato de a lógica política prevalecer, devido
à força das coisas, sobre a lógica científica, compreende-se que, como nos
exemplos citados por Weber (a eleição do papa e a eleição do presidente do s
Estados Unidos), os candidatos de "segundo escalão" sejam os vencedores

21 M. Bloch, L. Febvre et les Annales d'Histoire Écono mique et Sociale, Correspondance, tome
premia . 1928.1933, ed. estabelecida, apresent ada e anotada por Bertrand M üller, Paris:
Fayard, 1994. CE.também C. Charle e C. Delangle, "La Campagne électo rale de Lucien
Febvre au Co llege de France, 1929-1932: lettre s à Edm ond Faral". Histoire de l'Éducation,
n. 34, maio 1987, pp. 49 -6 9.

NO!RIEL 169
na maioria das vezes. A inovação científica incomoda os poderes em vigor
exatamente pelo fato de questionar aquilo que a geração que a antecede - ou
seja, a dos que julgam - tentou pacientemente construir. Nessas condições,
é evidente, sobretudo em períodos de cargos raros , que os candidatos me-
nos "subversivos', os que se situam no "centro", têm mais chances, como se
dá na política, de obter mais votos. Claro, as circunstâncias e as qualidades
pessoais dos juízes podem contribuir para fazer com que essa regra admita
exceções. Mas elas supõem que o candidato saiba se adaptar ao jogo que
lhe é imposto: o que o obriga a ferir muitas vezes a imagem da "ciência pura"
que, no entanto, faz questão de defender em seus discursos. O ideal de so-
lidariedade profissional não resiste, em geral, à ferocidade da competição
que opõe, muito frequentemente, candidatos "amigos há trinta anos" (ou
até mesmo há quarenta), que frequentaram as mesmas instituições e que
possuem os mesmos títulos. Como constata Lucien Febvre: "todas as elei-
ções no College, ou quase, [questionam] relações de camaradagem", O que
explica que, em tais ocasiões, a amizade "se destrua por si mesma"." Quanto
ao ideal de franqueza (de "sin ceridade"), ele não resiste à necessidade de
se conformar ao ritual da "visita': Para aumentar suas chances, o candidato
precisa encontrar cada membro do corpo eleitoral. As cartas em que Lucien
Febvre evoca esse ritual mostram muito bem que não é o conteúdo cientí-
fico do programa que prevalece em tais ocasiões, mas sim outras considera-
ções. O postulante tem que se dar a conhecer "fisicam ente" e, por um com-
portamento e conversação amáveis, dar garantias sobre sua personalidade,
pois a comunidade científica deseja estar certa de que aquele que talvez seja
para ela no futuro um colega não será um elemento perturbador para a vida
coletiva da instituição, alguém capaz de um comportamento ou de propó-
sitos inconsiderados (ou incontroláveis). Os antigos alunos brilhantes, que
muito depressa se resignam à ideia de que o êxito estará à altura dos méritos,
só podem viver num grande mal -estar essa lógica de nomeação na qual os
elementos "objetivos" de apreciação de seu valor intelectual são margina-
lizados. As confidências de Lucien Febvre a Marc Bloch são quanto a isso

22 Correspondance, op. cit., p. 384 . Lucien Febvre relata aqui o que disse a Femand Grenier,
concorrente de Marc Bloch. É sabido que até a amizade entre Feb vre e Bloch ficará
abalada por essa concorrência.

170 OS ANNAl ES, O " NÃ O CON FORMISMO " E O MITO OA ETERNA JU VEN TUO E
muito reveladoras. Evocando os membros da nobre assembleia à qual soli-
cita sufrágios em seu favor, ele escreve: "Falta ainda ver a metade deles. Seis
por dia, isso é o máximo, e eles são 4S! [ ... ] Que trabalheira, e que aflição!':
Sem dúvida é para conseguir suportar essa situação insuportável que ele não
pode impedir, ao sair de tais visitas, de julgar ele mesmo seus juízes, deles
produzindo retratos da maior impiedade que ilustram a consideração que
tem pela instituição à qual, no entanto, tenta desesperadamente se integrar,"
O ideal do cientista corajoso e "anticonformista" tampouco resiste à
obrigação de estabelecer compromissos com os juízes a fim de recolher o
maior número possível de votos. Uma das razões que explicam o sucesso
de Lucien Febvre (em sua terceira tentativa) e o fracasso de Marc Bloch no
College de France'" é a diferença da estratégia que cada um adota para de-
fender sua própria candidatura. O título do projeto científico apresentado
pelo postulante diante da assembleia dos pares é de uma importância de-
cisiva pois, como todo programa eleitoral, constitui um poderoso instru-
mento para reunir votos. Ao intitular seu projeto de "História da civiliza-
ção moderna', e não "História geral e método histórico" (que correspondia
ao verdadeiro conteúdo daquilo que ele pretendia ensinar, como dirá ele
mesmo por ocasião de sua aula inaugural), Lucien Febvre aceita um com-
promisso que lhe permite apresentar-se como o continuador de Michelet,
isto é, como o defensor da tradição da história moderna francesa: referên-
cia à "civilização" sendo o que lhe permite angariar os votos dos eleitores
pertencentes às disciplinas literárias e às "humanidades': Marc Bloch, ao
contrário, recusa esse tipo de comprometimento. Ele defende um projeto de
"história comparada das sociedades europeias" que faz explodir ao mesmo
tempo os limites cronológicos e os nacionais, e persiste em sua escolha, ape-
sar de os amigos lhe áconselharem a substituição do adjetivo "europeia" por
"medieval". "Não sou do tipo que aprecia as mudanças nos cerimoniais, nem

23 Id., ibid., p. 307. Seria preciso estudar também em maiores detalhes o papel dos "rumo-
res" sobre a "cotação dos candidatos" nessas relações de poder. Lembrando um mem-
bro da assembleia "que não compreende de modo algum como alguém que era medío-
cre em junho pôde se tornar um gênio em outubro", Febvre escreve a Bloch: "Como vê,
ele realmente ainda não adquiriu o espírito do College de France" (p. 320).
24 Lucien Febvre foi eleito em 1932. Marc Bloch fracassou por duas vezes. Ele consegue
entrar na Sorbonne em 1936.

NülRIEL 171
quando esses cerimoniais se apresentam como hábeis, ou acreditam sê-lo.?'
Se essa obstinação é assim suicida, é porque a própria identidade de boa
parte dos juízes é produto de uma institucionalização anterior desses recor-
tes para cuja imposição eles muitas vezes contribuíram, o que explica que
se definam como "medievalistas", "modernistas" etc. Desfazer tais recortes é
não somente ir contra aqueles que se identificam com eles (e que só podem
assim questionar a "pretensão" do candidato), mas também afastar qualquer
chance de mobilizar as redes (e portanto as "toneladas de votos") estrutu-
radas por tais quadros institucionais." O que vem ilustrar assim o exemplo
dos fundadores dos Annales é que o lado absurdo e doloroso das lutas pelos
cargos não impede os historiadores, nem mesmo os mais "conformistas", de
perseverar, no decorrer de toda sua carreira, em suas atividades ligadas ao
poder. Depois do College de France, Lucien Febvre será candidato à Aca-
demia de Ciências Morais e Políticas. Quanto a Marc Bloch, mal tendo sido
eleito na Sorbonne, ele se lança num novo combate para dirigir a École Nor-
male, enfrentando diretamente seu amigo Maurice Halbwachs, apoiado por
Lucien Febvre."

25 Sobre isso, cf O. Dumoulin, "Changer l'histoire", in H.Atsma eA. Burguiêre (orgs.), op.
cit., p. 96. Esse rigor não impede Marc Bloch de admitir, ele também, a neces sidade de
alguns comprometimentos. Evocando as páginas um tanto critica s que redigiu, para os
Annales, sobre os trabalhos de François Simiand (que era então membro do College de
France), escreve: "Se eu for candidato, essas páginas estarão de qualquer modo destina-
das à gaveta durante algum tempo", Correspondance, op. cit., p. 359.
26 A importância dessas entidades coletivas salta aos olhos quando se lê a correspondên -
cia entre os fundadores dos Annales. Por exem plo, Lucien Febvre adverte Marc Bloch
sob re o perigo de uma ofensiva dos "literários" (p. 357). Ele escre ve: "Alb ertini vai votar
a favor da 'An tiguidade', e não contra sua candidatura" (p, 459 ) . Febvre con seguiu ser
eleito, e isso ocorreu não somente porque ele conseguiu mobilizar esses quadros disci-
plinares, mas também porque se apoiou nas redes constituídas a partir de outros tipos
de filiações: religiosas, políticas etc. Para conquistar os votos dos cientistas, não poupou
esforços em direção dos círculo s que denominou, ele mesmo, numa carta, de gôche e de
"dir eitos humanos" (p. 320). [N. T.: para se referir à esquerda, Febvre utiliza com certo
humor ou ironia uma corruptela da palavra francesa "gauche".]
27 Cf. sobre isso C. Fink, MarcBloch, op. cit., p. 201. [N . O.: Carole Fink (Mark Bloch, a Life
in Histo ry. Cambridge: Cambridge University Press, 1989, p. 201) esclarece: L. Febvre
apoiava M. Halbwachs.]

172 OS A N NAL ES , O " NÃO CONFüR MISMü" E o M!TO DA ETER' rA JUVENTUDE


o MITO DO PENSAMENTO LIVRE

Definindo a ciência como puro trabalho do espírito, Lucien Febvre contribuiu


para manter a clivagem entre discurso público e discurso privado que domina,
ainda hoje, a reflexão sobre as atividades do saber. Cultivando o mito do "re-
sistente do pensamento", ele mesmo pôs lenha na fogueira daqueles que, exu-
mando a face oculta de seus propósitos, tudo fariam em seguida para desacredi-
tar os Annales, sublinhando as contradições entre os escritos e os atos, a teoria
e a prática, de modo que se visse nessa admirável aventura intelectual apenas o
elemento deliberadamente calado pelos fundadores: as relações de poder. Para
responder a empreitada de "desmistificação" Lucien Febvre quase não tinha ou-
tra solução a não ser a precipitação dos discursos de autojustificação. Às custas
de muitos "remendos', ele teve então que apagar até a pegada de seus próprios
passos, todos os sinais que mostram que o homem não foi o autor do herói, mas-
carando as fraquezas, as lacunas, as contradições, os "não sei" e os "enganei-me':
Os Cambats paur l'histoire constituem um bom exemplo desse tipo de emprei-
tada. Talvez fosse para fazer boa figura diante de Marc Bloch - que obteve seus
galões de herói devido à própria história vivida, nos campos de batalha - que
Lucien Febvre se esforça por aparecer nesse livro como o herói da história apren-
dída," Mais uma vez, é preciso insistir que não se trata de contestar, aqui, o valor
dos argumentos desenvolvidos na obra," O que é contestado são as técnicas de
reescritura que Febvre é obrigado a empregar para se ajustar ao personagem que
acreditou necessário forjar. Todas as obras que se apresentam sob a forma de
uma coletânea de artigos são produto de um trabalho de reescritura, pelo sim-
ples fato de que reúnem, num mesmo espaço material, estudos publicados em

28 O preâmbulo sublinha discretamente a anterioridade de suas visões inovadoras em rela-


ção a Marc Bloch: "um jovem historiador veio me apoiar fraternamente} prosseguindo
meu esforço em seu campo de rnedievalista" (p. VIII). Essas observações, é preciso dizer,
não têm como objetivo alimentar as polêmicas que tendem a opor hoje o "bom" Marc
Bloch ao "malvado" Lucien Febvre, polêmicas que constituem) segundo penso) apenas
outro modo da "heroízação" questionada aqui.
29 Para uma análise mais aprofundada do interesse que apresenta, a meus olhos} a con-
cepção de história proposta por Lucien Febvre, cf G. Noiriel, "Pour une approche...".
Armales ESC, op. cito

NüiRIEL 173
lugares e tempos diferentes." Mas esse trabalho assume aqui uma importância
realmente excepcional. Lucien Febvre explica, numa advertência ao leitor, que
procedeu a "algu m as modificações de forma" (enxugamentos, retificações de
títulos, acré scimos bibliográficos), "para melhor sublinhar o espírito" de seus
artigos. Confrontando sistematicamente os artigos originais e os reproduzidos"
seria possível avaliar mais precisamente a extensão dessas transformações. Uma
visão de conjunto basta, contudo, para compreender o objetivo disso. A maioria
dos estudos agrupados na segunda parte do livro, intitulada significativamente
"C ontra ou a favor ", apresenta-se como "manifestos": "Pela síntese contra a his-
tória-quadro" ("Pour la Synthese contre l'histoire-tableau', p. 70), "Contra o vão
torneio das ideias" ("Contre le vain tournoi des id ées", p. 75); tais títulos de s-
toam dos originais, que eram bem menos ofensivos. Por exemplo, o artigo inti-
tulado inicialmente "Entre a história-tese e a história-manual. Dois esboços re-
centes da história da França: sr. Benda e sr. Seignobos" ("Entre l'histoire à th êse
et l'histoire-manuel. Deux esquisses récentes d'histoire de France: M. Benda e
M. Seígnobos"), publicado na Revue de Synthese, vai se tornar: "N em história-
-tese, nem história de manual. Entre Benda e Seígnobos" ("Ni histoire à these,
ni histoire-manuel. Entre Benda et Seignobos', p. 80). Suprimindo as marcas de
deferência ("senhor"), e substituindo a palavra "entre" por "nem/ nem', Feb vre
lapida a imagem da qual os herdeiros se encarregarão de cuidar. A outra técnica
de reescritura visa a apagar as pistas cronológicas das publicações. A ordem de
apresentação dos artigos e a classificação "tem ática" mantidas traçam uma tra-
jetória intelectual que começa com uma "profissão de fé nos primórdios" (pri-
meira parte) e termina com "as esperanças na chegada" (sexta parte). Mas trata-
-se de uma trajetória que se situa unicamente no nível do pensamento e não no
da carreira real de Febvre. Todos os textos que ele reúne em sua "profissão de fé
nos primórdios" são posteriores à sua entrada para o College de France, em 1932.

30 Je an-Claude Chamboredon mostrou, a propósito dos comentários suscitados pela


obra de Durkheim, toda a importância deste ponto; cf. J.-c. Chamboredon, "Émile
Durkheim, le social objet de science ", Critique, jun.-jul. 1984, pp. 460-531.
31 Um trabalho como este teria necessitado também passar pela confrontação dos artigos
selecionados em Combats pour l'hisioire com o conjunto dos textos publicados por
Febvre. Esse tipo de pesqui sa é hoje possívelgraças aos instrumentos de trabalho elabo-
rados recentemente pelos especialistas da história da história; cf. sobretu do B. M üller,
Bibliographie destravaux de Lucien Febvre. Paris: Armand Colin, 1990.

174 OS ANNAL ES , O " NÃO CONFORMI SMO" E O M ITO DA ETERNA J UVENTU DE


Eles correspondem à última etapa das carreiras de maior êxito, quando o histo-
riador, chegado ao topo da instituição, deve tomar certas distâncias em relação a
ela - caso queira continuar a aplicar as "regras do jogo': Os trabalhos anteriores,
apresentados nas partes seguintes do livro, aparecem assim como uma espécie
de aplicação de uma concepção da história "sempre-já aqui': Basta restabelecer a
ordem cronológica dos textos reunidos nesse livro para descobrir uma realidade
muito diferente. Os compromissos com o poder, que Febvre teve que aceitar
para também ocupar, 'ele mesmo, posições de poder, organizam toda a produ-
ção dos seus escritos. Tomemos o exemplo das críticas que ele dirigiu a Charles
Seignobos. Os primeiros ataques datam de 1933, e são renovados em 1934, 1935,
1939i mas nenhum dele s é anterior à sua entrada no College de France. Em suas
críticas, Febvre lança mão de uma lógica idêntica àquela que adotara para valori-
zar sua própria trajetória: porém, ele simplesmente inverte os sinais. "Com toda
a simplicidade e absolutamente sem segundas intenções pessoais" - escreve
ele - "com esse livro, não é um historiador, mas sim uma certa concepção da
história que critico, uma concepção que, por muitos anos, o sr. Seignobos pôde
servir dispondo de poderosos meios, uma concepção que recuso com todas as
minhas forças e que de bom grado eu consideraria responsável, em parte, por
esse de scrédito, ao mesmo tempo injusto e justificado, em que cai muitas vezes
a história junto aos 'leigos':' E a sentença não se faz esperar: "esse livro é, de uma
ponta à outra, tradicional" (p. 97 ).31 Ao invés de se entregar a uma análise da tra-
jetória de Seignobos, levando em conta o conjunto de sua obra, Febvre isola um
"ensaio" escrito por um velho senhor de 78 anos. A "len da negrá' de Seignobos,
historiador "conservador" e "positivista', aparece como o contraponto de uma
"lenda dourada" dos Annales.33 Mas a primeira se volta hoje contra ambas, à me-
dida que os progressos da história da história demonstram sua ausência de
fundamentos. Se Febvre quisesse realmente convencer que não buscava, com

32 A resenha é sobre o livro Histoire sincere de la nationfrançaise, essaid'une évolution du


peuplefrançais, de C. Seignobos (Pa ris: Ríeder.acja).
33 A "lenda negra " que concerne Seignobos viria a se impor apenas no pó s-guerra. Pode-
-se encontrar em sua última obra , C. Seignobos, Études de politique et d'histoire. Pari s:
PUF, 1934 (que reúne seus principais artigos), uma lista de participantes composta pra-
ticamente de toda a esquerda intelectual do país, notadamente: V. Basch, P. Sagnac ,
C. Bouglé, P. Fauconnet, L. Lévy-B111W, o sr. e a sra.joliot-Curíe, F. Simiand , M. Mau ss,
M. Bloch, mas não Lucien Febvre.

NOIRI EL 175
tais ataques, fazer um acerto de contas pessoal (principalmente devido a seu
fracasso em 1926 quando e candidatou à cátedra de Seignobos na Sorbonne},
ele teria evitado essas críticas caricaturais às quais Marc Bloch não aderiu,
como sublinha Antoine Prost." Ainda mai s que a severidade dos julgamentos
destoa dos compromissos que ele assume, na mesma época, com ou tros au-
tores , na tentativa de tirar os Amwles do isolamento a que os confinava o fato
de estarem sed iados em Estrasburgo. Tendo conseguido, depois de muitos
e forço s, atrair André Siegfried para o comitê de redação da revista , Lucien
Febv re só podia fazer elogios às obras publicadas por aquele que qualificou de
"observador cheio de talento do s Estados Unidos dos dias de hoje" (p. 239). A
análises de Siegfried sobre a "psicologia e a fisiologia nacionais" - que os his-
toriadores consideram atualmente como "elucubrações" que não deixam de
ser "um tanto matizadas de racismo?" - são louvadas por Febvre devido a "seu
tom extremamente justo, [sua] constante moderação no julgamento" (p. 241).

INOVAÇÕES E ATIVIDADES PRÁTICAS

Ao justificar de um modo que no final das contas é muito tradicional seus


"combates" pela história, Lucien Febvre não deu a seus herdeiros os meios
que lhes teriam permitido apreender as obras como atividades sociais. Conti-
nua-se ainda hoje, em geral, a avaliar a contribuição dada por um pesquisador
para a sua disciplina isolando, em meio a suas publicações, aquelas que apa-
recem como as mais marcantes. Definindo a história como a combinação de
atividades de poder, de saber e de memória, o historiador "pragmático" pode
encarar as coisas de outro modo. A reflexão não se dirige mais, nessa pers-

34 A Prost, "Seignobos revísít é", Vingtieme Siêcle. Revue d'histoire, v. 43, n. 43,1994, pp . 100-
-18. Em A apologia, Marc Bloch recorda-se de sua dívida para com o mestre, e faz sua a
ideia de uma história "sincera" defendida por Seignobos, ideia que Febvre tenta ridicula-
rizar em sua resenha. Para uma "reabilitação" de Seignobos, cf também o prefácio de M.
Rébérioux a Charles Victor Langlois e C. Seignobos, Introduetion to the Study ofHistory,
trad. George Godfrey Berry. Nova York: Holt, 1904.
3S J. Le Goff, prefácio a M. Bloch, L'Apologie pour l'histoire ou Métier d'historien. Paris: Ar-
mand Colin, 1993, p. 31 [ed, bras .: Apologiada história ou O ojfeio do historiador, trad.
Andr éTelles. Rio de Janeiro: Zahar, 2002].

176 OS ANNA LES . O "NÃO CONFORM ISM O" E O MITO DA ETERNA JU VEN TUD E
pectiva, para um pequeno número de textos (ou mesmo de citações) consi-
derados como "inovadores" ou "tradicionais", mas para o conjunto dos escri-
tos profissionais produzidos pelo autor. A análise se concentra então num
corpus que reúne ao mesmo tempo o que poderia ser chamado de "escritos
relativos à esfera do poder" (em geral inéditos eresultantes do desempenho
de funções de direç ão, gestão e avaliações na qualidade de especialista assu-
midas por esse historiador no decorrer de sua vida profissional), os "escritos
relativos à esfera do saber" ("escritos científicos"), que correspondem aos
trabalhos de "primeira mão" (tese, relatórios de pesquisa, artigos para revis -
tas acadêmicas, resenhas, obras de fundo), e os "escritos de memória', forma-
dos por todos os textos de vulgarização, eles mesmos divididos em escritos
pedagógicos (manuais escolares) e escritos destinados ao "gran d e público"
(obras de síntese, artigos de jornais, entrevistas etc.). Esse método permite
pôr em evidência a diversidade dos "perfis" possíveis numa carreira, pois
toda escritura é também vestígio de um conjunto de atividades. Ele permite
o estabelecimento de uma tipologia das trajetórias profissionais apoiada em
argumentos tangíveis, em campos em que muito amiú de reina a polêmica e
a vontade de prejudicar. Nessa perspectiva, é exatamente a combinação dos
escritos produzidos nas esferas do "saber", da "m em ória" e do "poder" que
faz a originalidade do "p erfil" de cada historiador. De maneira geral, os textos
da esfera do "sab er" são publicados sobretudo na primeira parte da carreira, e
os relativos à da "memória" e à do "poder" na segunda parte; mas, de acordo
com as individualidades, a combinação de tais atividades varia sígníficatí-
varnente: em função da concepção que cada um tem da ciência, da contri-
buição que acredita poder fornecer, como também das oportunidades que
são oferecidas a cada qual. Encarando assim as coisas, Lucien Febvre teria
podido criticar Seignobos apoiando-se em argumentos irrefutáveis. Febvre
foi um verdadeiro "cientista", o que é devido ao fato de o essencial de seus
textos estar inscrito na esfera das atividades do "saber": uma enorme tese, di-
versas obras de fundo e, sobretudo, uma inacreditável quantidade de artigos
e resenhas em revistas profissionais (e antes de tudo nos Annales). Ao contrá-
rio, Charles Seignobos contentou-se principalmente em publicar escritos de
"memória" (manuais escolares e obras destinadas ao grande público), quase
jamais tendo posto em prática, ele mesmo, o famoso "método histórico" que
impôs aos outros. A pequena quantidade de escritos de vulgarização no con-
junto das obras de Lucien Febvre e Marc Bloch aparece, contudo, como pro-

Nü lRI EL 177
duto de uma conjuntura especialmente desfavorável a esse tipo de publicação,
mais do que como uma escolha deliberada. Lucien Febvre concordou, com
entusiasmo, em dirigir os trabalhos de redação de L'EncyclopédieFrançaise, o
que consumiu uma parte considerável de sua energia durante vários anos.
Finalmente, se ele acabou não publicando sua própria "história da França",
acalentou por muito tempo tal projeto. A geração seguinte, favorecida pelo
novo desenvolvimento da edição escolar e comercial, viria confirmar, se é
que havia ainda necessidade, que todos os historiadores aplicam as mes-
mas regras do jogo. Braudel foi um "homem de ciência", sobretudo graças à
grande tese sobre o Mediterrâneo, mas foi também um "homem de poder",
enquanto presidente da Sexta Seção da EPHE e da MS H, e igualmente um
"homem de memória", trabalhando em prol da transformação do programa
da Agrégation, organizando publicações coletivas de manuais escolares, sem
negligenciar os artigos na imprensa e as obras de síntese.
Outro inconveniente maior que apresenta a concepção "idealista" do co-
nhecimento histórico, para a propagação com a qual Lucien Febvre contri-
buiu, vem do fato de que ela não nos permite compreender como se produ-
zem, na prática, as inovações. Em seus Combats, Febvre completa a imagem
do herói "anticonform ísta" que ele teria gostado de ser (como todos nós)
com aquela do gênio "onisciente", capaz, unicamente graças ao prodígio de
seu espírito, de ser ao mesmo tempo filósofo, psicó logo, linguista, cientista
político, geógrafo, sociólogo etc. É claro que, diferentemente dos historiado-
res-epistemologistas dos anos 1970, Lucien Febvre, e ainda mais Marc Bloch,
encararam suas relações com as outras disciplinas seja num processo de em-
préstimos recíprocos, seja como uma colaboração entre especialidades dis-
tintas. Ainda assim, recusando-se a apreender a "interdiscíplinaridade" sob o
ângulo das relações de poder universitárias, eles legitimaram - principal-
mente Lucien Febvre - o posterior extravio num discurso "epistemol ógico"
Se chamávamos a "interdisciplinaridade" de simples fato, para o historiador,
de mobilizar em seu próprio trabalho novidades surgidas em outros campos
do saber, então é evidente que a história sempre foi "interdisciplinar"
O "método histórico', fixado em suas grandes linhas por Niebuhr no início
do século XIX, combina as contribuições da hermenêutica, da gramática
comparada, da filologia. Em seguida, os historiadores se esforçaram cons-
tantemente para integrar as inovações externas, transformando-as em ins-
trumentos a serviço de sua disciplina. Era nessa perspectiva, como vimos,

178 OS ANNALES , o " N ÃO CON FORM IS MO" E O MITO DA ETER NA J UVENTUDE


que Seignobos encarava a sociologia como uma ciência auxiliar da história.
O problema com o qual se defrontaram os fundadores dos Annales, e mais
ainda seus sucessores, foi o da progressiva institucionalização das outras dis-
ciplinas voltadas para o conhecimento empírico das sociedades humanas.
O exemplo da sociologia mostra que esses outros campos do saber universi-
tário só puderam adquirir uma identidade própria a partir da oposição à his-
tória, do mesmo modo como a própria história, que havia conquistado sua
autonomia anteriormente, precisara se opor à filosofia. É contra os historia-
dores que os sociólogos vão forjar sua própria linguagem disciplinar, isto é,
um estilo, um universo de referências e assuntos de conversação que ne-
nhum indivíduo que se defina como "sociólogo profissional" pode (em prin-
cipio) ignorar. Por isso a oposição entre história e sociologia é, antes de tudo,
uma questão de linguagem, que põe em confrontação aqueles que falam
como todo mundo e se interessam por acontecimentos "singulares" (ab or-
dagem monográfica) e aqueles que falam uma linguagem teórica a fim de
isolar relações universais. Essas diferenças explicam que, embora os funda-
dores dos Annales tenham querido retomar por conta própria o projeto inte-
lectual que os durkheimianos haviam lançado em 1914, sua perspectiva era
radicalmente diferente. Como sublinhou Jacques Revel, de imediato os An-
nales se apresentam sobretudo como "uma atividade que não se incomoda
muito com defini ções te óricas":" isso permite a seus fundadores que pro-
longuem a prática, cara aos historiadores, de "auxílíar ízação" das disciplinas
vizinhas, ao passo que os durkheimianos concebiam a ciência social como a
aplicação de uma teoria sociológica que integrasse o conjunto dos saberes
constituídos. Essa oposição radical permite compreender por que, quando
os Annales tentaram associar François Simiand a seu projeto de pesquisa
econ ómica, este lhes opôs uma recusa categórica, vendo nas proposições de
Febvre o exemplo mais acabado de uma abordagem "m onográfica", ou seja,
precisamente tudo aquilo ele sempre combatera," Os historiadores, ao con-

36 ]. Revel, "Histoire et sciences socíals ", Annales, op. cit., p. 1361.


37 CE. "Une correspondance entre Lucien Febvre et François Simiand à I'aube desAnnales".
Vingtieme siêcle.Revued'histoire, n. 24 J 1989, pp. 10 9-10. Para uma análise mais detalhada
des sa questão, ef. G. Noiriel, "Foucault and H istory: lhe Lessons of a Disillusion", Jour-
nal ofModem History, n. 4J v. 66, 1994, pp. 54 7-68.

NOIRIEL 179
trário, jamais aceitarão as análises de Símiand, a despeito de seu caráter his-
tórico e do lugar que ele atribui ao estudo dos arquivos. Eles sempre consi-
derarão o estilo de Simiand "abstrato demais",suas preocupações "filosóficas"
demais, suas análises excessivamente "descarn adas". Para compreender
como o próprio Simiand pôde se tornar, uma trintena de anos mais tarde,
uma das principais referências brandidas pelos Annales, a tal ponto que sua
feroz crítica de Seignobos tenha sido reeditada na revista em 1960,>8 é pre-
ciso considerar o imenso trabalho levado a cabo pelos historiadores situados
na ponta da inovação, capazes de "traduzir" as descobertas sociológicas de
Simiand para a linguagem normal dos historiadores dando a elas, por isso
mesmo, um novo sentido e novas virtudes heurísticas. Na maioria das vezes,
os historiadores interdisciplinares tornam explícito apenas um aspecto de
seus méritos, evocando as disciplinas, os autores, as "teorias" em que se
apoiaram para forjar seu próprio saber. Mas esquecem quase sempre de nos
explicar como eles fizeram para que seus colegas historiadores acabassem
aceitando tais estranhezas e parassem de rejeitá-los lançando mão do inexo-
rável argumento: "isso não é história': Para dar esclarecimentos sobre esse
processo, "importa compreender por que um conjunto de questões assume
pouco a pouco sentido e valor no mercado das ideias, e como, também, um
grupo de intelectuais se apropria desses questionários e desses problemas
para deles fazer a própria trama de sua vida', pois é "assim [que] se constitui
um modo comunitário de compreensão nas circunstâncias e nas ocasiões'l>
A fim de analisar nessa perspectiva o sucesso dos Annales, é preciso partir de
um fato essencial: a corrente designada sob o rótulo "hi stória econômica e
social" só pôde triunfar graças a um poderoso movimento de renovação de
toda uma geração. Foi a aposentadoria simultânea, entre 1935 e 1937, de uma
importante fração de historiadores da Sorbonne que haviam começado suas
carreiras no final do século XIX, que permitiu o aparecimento de novas for-
ças, processo cuja melhor ilustração é o acesso de Marc Bloch à cátedra de
história econôrnica. Mal fora nela instalado, ele obteve a criação de um cer-

38 F. Sirniand , "M éthode historique et sciences socíales", Annales ESC, n. I, 1960, op. cito
39 D. Roch e, "D e I'hi stoire sociale à I'histoire des cultur es: Le métier que je fais", in Les
Républicains des Letires. Gensde culture et Lwnieres au xvttr siecle. Paris: Fayard, 1988, p. 9.

180 OS A NNAL ES, O "NÃO CON FORM iSMO " E O M ITO DA ETE RNA J UVENTUOE
tificado de estudos em história econômica para os alunos de Licence" e a
fundação do Institut d'Hístoire Économique et Sociale." A partir disso, bru-
talmente a história econômica torna-se algo de relevância em jogo na pes-
quisa científica e no ensino universitário. Em 1945, Ernest Labrousse sucede
Marc Bloch na cátedra que ocupará até 1967. O papel excepcional desempe-
nhado por Labrousse no desenvolvimento dessa nova perspectiva histórica
se explica por duas razões de força maior. Em primeiro lugar, ele dispõe de
meios incomparavelmente superiores àqueles que existiam durante o pe-
ríodo entre as duas guerras mundiais. Além de sua posição institucional cen-
tral, ele podia se apoiar nos recursos humanos e materiais que lhe eram for-
necidos pelo CNRS (Centre National de Recherche Scientifique), criado em
1936, e pela Sexta Seção ("econômica e social") da EPHE (École Pratique des
Hautes Études). A história econômica e social é assim encorajada graças a
periódicos como os Annales e a revista Le Mouvement Social (fundada por
Labrousse), e ainda graças a colóquios e projetes de pesquisa internacio-
nais. Labrousse se beneficia também de uma conjuntura única, dado que
chega às funções de direção numa época em que os "mestres" ainda são
poucos, ao mesmo tempo que o fluxo de cargos, por conseguinte o de discí-
pulos, não para de aumentar. O fato de sublinhar que a história econômica e
social se beneficiou do extraordinário crescimento institucional por que
passaram as universidades nas décadas ulteriores à guerra não Significa, de
modo algum, diminuir seus méritos. Já unicamente por meio de sua ativi-
dade de orientador, Labrousse pôde aplicar amplamente, graças às pesquisas
empíricas de seus orientandos, a nova perspectiva histórica que ele contri-
buíra para elaborar. Mas Labrousse ocupa uma posição excepcional também
por outra razão. De fato, ele não é um produto puro da instituição historia-
dora. No início, foi como economista que ele seguiu e compreendeu os ensi-
namentos de Simiand na EPHE e no College de France. Ele só foi reconhecido
pelos historiadores como um dos seus graças aos esforços dos colaboradores

40 A Licence correspondia, ainda há pouco, ao segundo nível de diplomação no sistema


do ensino universitário francês (segundo ciclo de estudos universitários) j vinha após o
"DEUG" (Diplôme d'Études universitaires générales). Pode-se dizer que corresponde a um
grau ligeiramente inferior à graduação brasileira tradicional. [N. T.]
41 O. Dumoulin, "Changer l'hístoire", op. cito

Nü lRIEL 181
dos Annales, em especial os de Georges Lefebvre." Essa integração precisou de
uma verdadeira "tradução" do pensamento de Simiand de modo a torná-lo
compatível com as "regras do jogo" da disciplina histórica. Sem poder insistir
demasiadamente, aqui, sobre esse exemplo, lembremos os elementos mais
importantes de tal trabalho. Em primeiro lugar, Labrousse abandona a lin-
guagem "esotérica" de Simiand para entrar em conformidade com as normas
linguísticas do meio histórico. Em seguida, ao invés de tentar isolar relações
universais, como queriam fazer os durkheimíanos, ele restabelece a perspec-
tiva monográfica, o Zusammenhang, caro aos historiadores de todas as épo-
cas. Progressivamente, a história econômica e social pregada por Labrousse
vai se apresentar como uma história "total", construída em volta de uma ma-
triz: "economia-sociedade-civilização', o famoso subtítulo dos Annales, sufi-
cientemente flexível para satisfazer às exigências de todos os combates que
deve travar o historiador desejoso de lutar até o fim pelas ideias em que crê.
Essa matriz constitui um plano cômodo, ao mesmo tempo, tanto para os tra-
balhos minuciosos e de grande envergadura (em particular as teses), como
para os trabalhos de vulgarização. Ela permite à nova geração que se oponha,
ponto por ponto, ao "paradigma" histórico hegemônico até então. Não é a
política que é o fator decisivo, mas sim a economia. A história não é feita
pelos "grandes homens", mas sim pelas "massas": não são os métodos "her-
menêuticos" que são verdadeiramente científicos, mas sim os métodos
"quantitativos': Uma tal abordagem só podia seduzir a nova geração de histo-
riadores, ansiosa por marcar sua diferença e provar sua inteligência. Graças a
esse novo "paradigma', ao mesmo tempo que respeitavam as regras do ofício
(pesquisar os arquivos, fazer uma tese monográfica etc.), os novos recrutas
podiam inovar tanto pelas técnicas utilizadas quanto pelas explicações conce-
bidas e pelos objetos estudados. Além do mais, a inspiração de cunho mar-
xista dessa história econômica e social- Labrousse jamais ocultou seu engaja-
mento à esquerda - lhe permite estar em bom entendimento com o humor
político então reinante numa parte do mundo intelectual francês. Retraduzi-
dos na linguagem dos historiadores, os argumentos "progressistas" assim for-
necidos aos jovens pesquisadores que ocupam "os escalões mais baixos" vão

42 Sobre este problema, cf.], Y. Grenier e B. Lepetit, "L'Expérience historique: À propos


de C. E. Labrousse". Annales ESC, n. 6, 1989, pp. 1337-60.

182 OSANNALES, O "NÃO CONFORMISMO" E O MITO DA ETERNA JUVENTUDE


se revelar verdadeiras armas a serem utilizadas contra a história "positivista"
defendida pelos herdeiros de Seignobos, que ainda fazem parte das primeiras
fileiras da profissão. Ao mesmo tempo que se elabora, essa história constrói
também seu próprio mercado, conduzindo a luta não somente no nível da
pesquisa científica, como em todos os patamares do discurso histórico: La-
brousse e Braudellutam para modificar os programas da Agrégation, eles pu-
blicam manuais e obras destinadas ao grande público. É inegável que a pre-
cocidade da abertura interdisciplinar da historiografia francesa (encarnada
pelos Annales) é uma consequência da centralização do poder universitário,
pois aqueles que desejavam desenvolver novas perspectivas foram obriga-
dos a contornar a "fortaleza", apoiando-se em disciplinas vizinhas e institui-
ções marginais. Mas essas aberturas proibidas em relação ao passado só se
tornaram correntes legítimas e importantes na história mediante um esforço
imenso em nome de sua "aclimatação', ou melhor, de sua "tradução". Foi gra-
ças a esse trabalho que as críticas dos filósofos e dos sociólogos foram trans-
formadas em argumentos adaptados às carências e necessidades da pesquisa
histórica. Com isso, as oposições revelavam antes clivagens disciplinares
(singular / coletivo, qualitativo / quantitativo, prático / teórico, refor-
mismo / evolução) que se tornaram pontos centrais em jogo na estruturação
dos principais debates intrínsecos à história.
Estudar o problema da inovação privilegiando a análise das práticas de
pesquisa é algo que permite também compreender por que os "paradigmas"
históricos envelhecem e desaparecem. Os jovens historiadores, que devem,
quando preparam suas teses, demonstrar capacidade de inovação, não po-
dem mais encontrar, numa corrente que se tornou - justamente por ter tido
êxito - um componente da "ciência normal" da história, os recursos que
lhes permitam fazer com que apareça que seu trabalho é diferente. Como
sublinhou Daniel Roche ao evocar sua própria experiência, "de maneira
geral se tratava de fazer algo completamente diferente, porém ao mesmo
tempo permanecendo fiel às motivações das origens': Por isso, seguindo
aliás os conselhos que o próprio Labrousse dera, ele saiu dos sendeiros
bem sinalizados da história econômica e social para se engajar no rumo
dos caminhos novos da história social da cultura." Esse processo é refor-

43 D. Rache, LesRépublicains ... , ap. cit., p. 12.

NülRIEL 183
çado pelos mesmos que contribuíram para o sucesso do antigo "paradigma "
aplicando-o em suas próprias pe squisas. De fato, depois da defesa da tese e
da obtenção de um cargo na docência universit ária , liberados de sua depen-
d ência em relação a um "m estre", os historiadores aspiram a am pliar seu s
horizontes. Como explicou Maurice Agulhon: se o projeto labroussiano de
conhecimento integral da história da França por meio da proliferação de tra-
balhos monográficos fracassou}isso se deu porque, depois de terem po sto
um ponto final em suas teses, os historiadores ma is ambicioso s não podiam
se contentar em ser considerados os melhores especialistas mundiais da hi s-
tória de regiões francesas como o Loir-ei-Cher ou o Var. 44 Eles precisavam
adquirir uma "visibilidade" nacional ou internacional tratando dos "grandes
ternas", colaborando na redação de "histórias da Fran ça" produzindo com
destino ao grande público leituras originais da história) propondo a seus alu-
no s "novas perspectivas", muito diver sas - e amiúde até mesmo radicalmente
opostas - da história econ ómica e social que haviam frequentado assidua-
mente durante a juventude.

Pub licado or iginalmente co mo "Les An na /es, le 'non co nf ormis me' et le myt he de


l' ét ernelle j eunesse",in Gérard Noiriel, SUl' la 'crise' de t'nist oire. Paris: Édit ions Berl in,
1996, pp. 261- 86. Tradução de Flávia Nasci ment o.

44 M. Agulhon , "Vu des coulisses", in P. Nora (org.), Essais d'ego-histoire, op. cit.

184 OS A N NA L ES . O "NÃO CON FORMI SMO" E O mo DA. ETERN.'; JUV ENTUD E


A "velha nova história social" e a "nova velha história social": assim um emi-
nente historiador social (Charles Tilly) distingue sua modalidade de histó-
ria da que se reconhece em outro importante historiador social (Lawrence
Stone} ,' Reconsiderando a história dos vários tipos de história, poderíamos
ficar tentados a acrescentar outros "velhos" e "novos" para acomodar as mui-
tas variedades que emergiram desde que James Harvey Robinson procla-
mou o advento da "nova história':
Mesmo em 1912, quando Robinson publicou aquele manifesto, a "nova
história" já não era tão nova. Em 1898, a Amerícan Hístorícal Review, bas-
tião da velha história} publicou um ensaio, "Features of the N ew History",
recomendando o novo Kulturgeschítche tal como Karl Lamprecht o pra-
ticava - o que, em si, não era uma novidade, o clássico trabalho de Jacob
Burckhardt sobre a Renascença aparecera quase meio século antes. A nova
história de Lamprecht não era como a de Burckhardt, nem a de Robinson
como a de Lamprecht. Mas eles tinham muita coisa em comum} não só en-
tre si como com as últimas versões da nova história, pois todos rejeitavam
as premissas básicas da velha história: que o verdadeiro objeto da história

Charles Tilly, "lhe Old New Social History and the New Old Social H ístory", Review
(periódico do Femand Braudel Center) , v. 7, 1984, pp. 363-406.

186 INT RODUÇÃO


seria essencialmente político} e o modo natural da escrita histórica} nar-
rativo. O método "genético" de Lamprecht, enfatizando a causação mais
do que a narrativa} antecipava o método "analítico" hoje endossado. E a
exortação de Robinson a uma história do "homem comum"} que pudesse
dispensar os "detalhes triviais" envolvendo as dinastias e as guerras e uti-
lizar os achados de "antropólogos} economistas} psicólogos e sociólogos",
ainda hoje caracteriza a nova história.'
A Inglaterra encontrou seu precursor em John Richard Green, cujo His-
tory of the English People (1877-80) declarava tomar por assunto o "povo in-
glês'~ não os "reis e conquistadores ingleses', dedicar mais atenção às "leis
dos pobres" elisabetanas e ao metodismo que à Armada e ao jacobitismo.
Menos de meio século depois} Herbert George Wells publicaria uma versão
irreverente e pouco vitoriana da nova história} Outline ofHistory, na qual uma
figura "historicamente mundial" como Napoleão era vista desfilando cheia
de pompa sobre a crista da história como um "galo em uma estrumeira'" De-
terminado tanto a democratizar a história como a ridicularizá-la ("desmis-
tíficá-la", um marxista diria), Wells descreve sua história como a "aventura
comum de toda a humanidade"} de todas as classes e nações." e dava-lhe pra-
zer dizer que seu livro não era apenas sobre o homem comum} como tam-
bém era dirigido a ele} ao leitor comum - como prova disso} mencionaria a
venda de mais de 2 milhões de exemplares em pouco mais de uma década.
Ainda que a maioria dos historiadores profissionais desdenhasse Wells tanto
quanto ele próprio os desdenhava} eles não podiam ignorar seu trabalho e a
tese que apresentava. Resenhando o Outline na American Historical Review}
Carl Becker (ele próprio muitas vezes identificado com o novo historiador)
confessava que a "nova história" de Wells era nova demais para seu gosto}
insistente demais em julgar o passado pelos olhos do presente - ou ainda
pela visão que Wells promovia do futuro} quando a "grande sociedade', a

1 James Harvey Robinson, lhe New History: Essays Illustrating the Modern Historical Ou-
tlook [1912]. Nova York: Free Press, 1965, pp. 132, 8, 24.
H. G. Wells, lhe Outline ofHistory, Being a Plain History ofLife and Mankind [1920]. Gar-
den City: Doubleday, 1971, pp. 779-80 [ed. bras.: História universal, trad. Anísio Teixeira,
2~ ed. São Paulo: Nacional, 1939].
+ Ibid. (1 ~ ed.), prefácio.

HIMMELFARB 187
"federação mundial", inauguraria uma era verdadeiramente universal e de-
mocr ática.' Se aquela profecia hoje soa absurda, outras fantasias de Wells
chegariam até nós. Em 1900 ele ofereceria um "projeto" para uma história da
humanidade, levando em conta todas as forças da mudança social: biológi-
cas, demográficas, geográficas, econômicas. Mais tarde}em sua autobiogra-
fia, Wells assinalaria que, se fosse um multimilionário, instituiria "professo-
rados de história analítica" para formar um novo ramo de historiadores - os
"ecologistas humanos'"
Os franceses já haviam começado a criar esse novo ramo. Os Annales
d'Histoire Économique et Sociale foram fundados em 1929, em oposição aos
historiadores da política e da diplomacia que dominavam o meio acadê-
mico - os sorbonnistes, como eram chamados com menosprezo. O epíteto
perdeu um pouco de sua força quando os Annales se mudaram de Estras-
burgo para Paris, onde um de seus diretores (Marc Bloch) ingressou no
corpo docente da Sorbonne, e outro (Lucien Pebvre), no College de France .
Com a fundação} após a guerra, da Sexta Seção da École Pratique des Hautes
Études, os annalistes conquistaram uma poderosa base institucional, e, sob a
direção de Fernand Braudel, seu periódico tornou-se a mais influente publi-
cação historiográfica da França, possivelmente do mundo.' Ela também se

5 Carl L. Becker, "M r. Wells and the New History" [192.1], reimpresso em C. L. Becker,
Everyrnan His Own Historian:Essays onHistory and Poliiics [1935J. Chicago: Quadrangle
Books, 1966, pp. 169-90.
6 H. G. Wells, Experirnent ín Autobiography: Díscoveries and Conclusions ofa VeryOrdinary
Brain. Nova York: V. GoHancz/The Cresset Press, 1934, pp. 551-52.
7 O título do periódico mudou diversas vezes; hoje em dia é Annales: Économies, Soci éiés,
Cívi/isatíons. Quanto às bibliografias francesas sobre essa escola, ver Hervé Coutau-Béga-
rie, Le Phénoméne "Nouvelle Histoire", Stratégíe et idéologíe desnouveaux historiens. Paris:
Económica, 1983; e Traian Stoianovich, French Hisiorical Method: 'IheAnnalesParadigm.
Ithaca : Cornell University Press, 1976. Uma das primeiras críticas sérias publicadas nos
Estados Unidos foi a de Bernard Bailyn, "Braudel's Geohistory - A Reconsideration".
Journal of Econornic History, v. 11, 1951, pp. 277-82. Entre os notáveis críticos britânicos,
estão Richard Cobb, "Nous des Annales" [1966 J, reimpresso em Cobb, A Second Identity:
Essays onFrance and French Hisiory , Londres/Nova York: Oxford University Press, 1969;
J. H. Hexter, "Fernand Braudel and the Monde Braudellien". [ournal ofModern History,
n. 4, v. 44, 1972, pp. 480-539; Samuel Kínser, "Annaliste Paradigm? The Geohistorical
Structuralism ofFernand Braudel".Arnerican Historical Review, n.r, v. 86, 1981,pp. 63-105;

188 INTRODUÇÃO
provou particularmente inovadora. Conduzindo-se com desenvoltura além
das formas mais tradicionais de história social e econ ómica, hoje seus obje-
tos e métodos são derivados da antropologia, da sociologia, da demografia,
da geografia, da psicologia e mesmo da semiótica e da linguística.
Apesar de os norte-americanos terem desenvolvido suas próprias moda-
lidades de nova história - econométrica e cliométrica, negra e étnica, femi-
nista e sexual, psicanalítica e populista -, eles foram bastante influenciados
por seus colegas do além-mar. Um amplo contingente de historiadores pode
ser encontrado em peregrinações anuais ou sabáticas a Paris para se instruir
com seus mestres. Outros vão à Grã-Bretanha, em busca de inspiração, espe-
cialmente os marxistas, cujo trabalho tem servido para fortalecer a tradição
local de história radical (tipificada por um aluno e colaborador de Robin-
son, Charles E. Beard), Desse modo, Aformação da classe operária inglesa,
de Edward Palmer Thompson, tomou-se modelo para a formação da classe
trabalhadora norte-americana, o conceito de "rebeldes primitivos", cunhado
por Hobsbawm, é tomado como protótipo das gangues urb anas: e a versão
de Perry Anderson para o marxismo "althusseriano" fez-se ponto de partida
para discussões teóricas e metodológicas do marxismo.

Se a nova história, como a conhecemos hoje, não é a novidade que muitos


de seus mais jovens entusiastas acreditam ser, tampouco a velha história é
tão arcaica quanto seus críticos dizem. A velha história, a história tradicio-
nal, tem tido bastante tempo para assimilar a nova e adaptar-se a ela. De
fato, mesmo antes do advento da nova, ela nunca foi tão homogênea ou
simplista quanto seu estereótipo. A história alemã cuidou para que hou-
vesse lugar tanto para um Burckhardt quanto para um Ranke, para a história
cultural tanto quanto para a política ou "científica': Os historiadores ingleses
whigs, da linhagem de Burke e Macauley [sic], surgiram com muitos tama-
nhos e formas, incluindo alguns notáveis tipos não whig. E seus contemporâ-
neos na França tiveram uma amplitude e liberalidade de espírito que mesmo
os annalistes admiram, uma das queixas dos novos historiadores é que os

David Gress, "lhe Pride and Prejudice ofFemand Braude!". New Criterion, abro 1983, pp.
7-13. Alguns desses autores (Kin ser, por exemplo) balanceiam suas críticas com elogios
efusivos, e outros lidam mais com Braudel do que com os annalistes em geral.

HIMM ELFARB 189


sorbonnistes abandonaram a grande tradição de Guizot, lhierrye Michelet.
Nem são os grandes clássicos norte-americanos meras cr ônicas políticas. A
história de Bancroft não era apenas um elogio à democracia jacksoniana; ela
também refletia sua predileção pelo idealismo e pelo romantismo alemães. E
a "história da floresta americana" de Parkman, como ele chamava seu traba-
lho sobre o Grande Oeste/ estava tão enraizada na antropologia) na geogra-
fia e na ecologia quanto o trabalho de um novo historiador; o meio selvagem
era certamente seu herói, tanto quanto o Mediterrâneo o era para Braudel.
A nova história) então) é mais antiga do que se poderia supor, e a velha
não tão antiquada. Mas o que é sem dúvida novo é o triunfo da primeira. Na
profissão de h istoriador como um todo, a nova história é a nova ortodoxia.
Isso não significa dizer que não se escreve mais a velha história. Histórias
políticas, constitucionais, diplomáticas, militares e intelectuais continuam a
ser escritas por alguns importantes historiadores da velha guarda, e mesmo
por alguns jovens empreendedores. (Ainda que seja mais frequente reescre-
ver a velha história à luz da nova. Assim) a história política é quantificada e
socíologízada, e a história intelectual - o estudo das ideias - convertida em
história das mentalités - o estudo das crenças e atitudes populares.) De todo
modo, a velha história) se não foi inteiramente superada) tem perdido, de
forma significativa, o seu lugar. O que um dia foi o centro da profissão agora
está na periferia. O que outrora definia a h istória reduziu-se a seu rodapé.
Seguindo um espírito acadêmico) alguns historiadores (novos e ve-
lhos) têm sugerido que tudo isso tem poucas implicações, desde que um
ambiente de tolerância prevaleça) desde que cada historiador possa "reali-
zar seu próprio trabalho" - ou, como se tem dito) "ch egar ao paraíso da sua
maneira'f Outros) sob um ponto de vista mais cínico) diminuem o papel da
nova história) qualificando-a como uma moda acadêmica que de saparecerá
tão logo sua novidade expire ou alguns discípulos mais ousados e ciosos de

8 Mason Wade (org.), 'lhe Journals ofPrancis Parkman. Nova York: Harp er, 194 7, p. XI.
Um "clássico" mais recente com a mesma característica é a obra de Walter Prescott
Webb , 'lhe GreatPlains (Boston: Ginn & Company, 1931), em que os protagonistas são

9
.
o solo e o clima.
G. R. Elton, "Two Kinds of History", in Robert William Foge! e G. R. Elton, WhichRoad
to the Past?Two Views ofHistory. New Havcn : Yale University Press, 1983, p. 83.

190 INTRODUCÃO
afirmação se rebelem contra seus mestres. (Na profissão) isso é conhecido
como revisionismo.) Na verdade) essa moda em particular tem sobrevivido
a muitas gerações e se tornado mais e mais forte com o passar do tempo.
Hoje em dia) existem historiadores - sérios) experientes) de grande repu-
tação - que não conhecem) nem poderiam praticar) outro tipo de história.
Para eles) a nova história perdeu seu caráter distintivo. Eles não reconhecem
crítica legítima ao gênero como tal) mas apenas críticas à história propria-
mente dita. Ao argumento de que a história quantitativa) por exemplo) tem a
tendência de valorizar o método em detrimento da substância) permitindo à
estatística definir o objeto, eles responderão afirmando que ela não difere da
história constitucional) que obtém seus assuntos de quaisquer documentos
à disposição. Como resposta à acusação de que a história social tende a se
preocupar em excesso com as rninúcias da vida cotidiana) eles mencionarão
as não menos tediosas maquinações que constituem boa parte da história
política. A questão) dizem eles) não está na nova ou velha história) mas na
boa ou má história.
Essa é uma solução tentadora para o problema. Quem poderia recusar
o apelo relacionado a uma boa história? Quem poderia negar que há muita
coisa boa na nova e muita coisa ruim na velha? Quem poderia ser tão ignóbil
a ponto de reavivar velhas disputas e resistir ao chamado da reaproximação?
Quem) com exceção talvez de um historiador intelectual que acredite que
ideias não podem ser facilmente conciliadas) que há importantes questões
em jogo ainda não resolvidas) que os dois modos de história implicam dife-
renças de método e objeto equivalentes a diferentes concepções de história)
e que a nova história tem consequências significativas não apenas para a his-
tória da historiografia) mas também para a história das ideias?

Os capítulos deste volume lidam com alguns modos) métodos ou aspectos


da nova e da velha história. Eles demonstram uma variedade que parece
contradizer a Singularidade da "velha" e da "nova" história) a qual poderia
até desafiar os rótulos de "nova" e "velha". Apesar de todas as qualificações
e variações neles contidas) as categorias apresentam uma realidade que não
pode ser negada. Essa realidade tem reflexo no uso comum. "Nova história"
tomou-se o termo corrente aceito para modalidades de história que podem
não ser compatíveis entre si) mas que representam, coletiva ou individual-
mente) um desafio à história tradicional.

HIM MELFARB 191


o desafio se sustenta apenas por conta da posição dominante ("hegemô-
nica", diriam os novos historiadores) da nova história na profissão atual, " De
fato, é essa posição dominante que se faz crucial ao argumento deste livro.
Tenho afirmado com insistência que a questão não é a nova história como
tal, mas o papel central que ela assume e o que se fala em seu favor. Nin-
guém - certamente nem mesmo eu - pode oferecer objeções a um estudo
da agitação popular em Paris entre os anos de 1557 e 1572; ou dos desocupa-
dos, mendigos e assaltantes em Cuba entre 1878 e 1895; ou do trabalho femi-
nino em manufaturas da Europa Central entre 1648 e 1870; ou da estatura e
nutrição na monarquia dos Habsburgo no século XVIII. Mas quando, como
recentemente ocorreu, essa nova história se toma o assunto exclusivo (des-
contadas as resenhas de livros) não só do Journal 01Social History como da
AmericanHistorical Review,u e quando os diretores e o conselho editorial da
Review nada: veem de notório nesse conjunto de artigos - não os reconhe-
cendo de fato como parte de um gênero distinto -, pode-se encontrar uma
razão para reflexão e preocupação.
Esse tipo de nova história, a história social, é o assunto do capítulo ini-
cial deste volume. "História com a política deixada de fora" é como George
Macaulay Trevelyan descrevia a história social há meio século. A expressão
é usada hoje em dia de forma ir ónica, mas ela caracteriza uma modalidade
de história que, além de ignorar a política, a relega ao campo do "epifenô -
meno" , ou a reconhece como assunto que merece estudo apenas quando se
transforma em ciência política ou social. Quando tal história se autodeclara
"hi stória total", ou mesmo uma forma superior ou dominante de história, as
implicações são graves - não apenas para a escrita da história, mas para a
concepção que o historiador tem de política e de ser humano, que é o tema
tanto da história quanto da política.

10 Emmanucl Le Roy Lad urie de screveu essa h istória total como se exercesse um a "heg e-
monia qu ase tot al". H ervé C outau -B égarie, Le Pn énom êne "Nouvelle H isioire ", op . cit .,
1983, p. 16.
11 A mericcl11 H isiorical Review, n. 5, v. 90, 1985. Ver tamb ém os assuntos do núm ero de abril
de 1986 (n . 2, v. 91) : "Cotton Milk P eopl e: Wo rk, C om m unity, and Pr ot est in th e T ex-
tile South, 1880-1940"j "Atrocíous Mi sery: Th e African Origins ofFamine in N orthern
So malia, 1839-1884"; "An glo-Indian M edical Theory and the Origin s of Segregation in
W est África": "Psych oh istory as H isto ry",

192 INTRODUÇÃO
o capítulo sobre a "Nova história" enfoca a quanto-história e a psico-his-
tória} com seus respectivos determinismos e seus próprios problemas meto-
dológicos. "Duas nações ou cinco classes" descreve um exercício de história
sociológica e contrapõe as abstrações e os modelos desse tipo de história à
'imaginação moral" dos vitorianos. "O grupo" lida com a influente escola in-
glesa da história marxista: suas origens no Partido Comunista} seus compro-
missos ideológicos e suas estratégias revisionistas, sua relação com a história
não marxista e com a nova história.
Os ensaios reunidos nos capítulos seguintes analisam trabalhos e te-
mas específicos da nova história. O primeiro} sobre a história social} con-
sidera as perspectivas de dois fundadores do gênero e tece considerações
sobre seu atual status. O segundo apresenta interpretações psico-histó-
ricas de dois grandes pensadores ingleses} que servem como estudo de
caso do próprio método. O terceiro} comparando trabalhos recentes de
historiografia sobre a França e a Inglaterra} conclui que uma das supostas
vítimas da nova história} a história nacional} não está tão defunta quanto
se costuma dizer.
O contraponto à nova história é em geral entendido como história whig,
que é predominantemente política quanto ao assunto e narrativa na forma.
'Quem lê Macaulay hoje?" assinala o fato de que historiadores vitorianos
com todo tipo de orientação política} tanto tories e radicais quanto whigs}
compartilhavam a ideia de que a história de um povo é antes de mais nada
a narrativa de sua herança política} e que a história inglesa} em especial} é
o enredo de uma "descendência liberal': "História e a ideia de progresso"
traz um conceito muitas vezes associado à história whig, mas que é, na ver-
dade} característico de uma longa linhagem de pensadores que discordam
quanto ao que constituiu o progresso} porém partilham o pensamento de
que um conceito de progresso seria necessário para dar sentido à histó-
ria} estabelecendo um continuum entre o passado, o presente e o futuro.
'A história faz sentido?" sugere que o desafio da história tradicional não
vem apenas da nova história: o filósofo conservador Michael Oakeshott é,
a esse respeito} mais radical do que Nietzsche, e Nietzsche mais whig que
Oakeshott, pois a musa histórica de Nietzsche confere sentido ao passado
falando sobre nossas preocupações presentes, enquanto a de Oakeshott é
uma querida amante que não consegue "fazer sentido" porque o passado
em si está morto.

HIMMELFARB 193
A maioria dos capítulos deste livro foi publicada nos anos 1980; o mais an-
tigo, "Clio e a nova história", em 1975. O ensaio "A francesidade da França"
não foi anteriormente publicado, e uma versão levemente modificada do
artigo sobre Macaulay aparece em meu livro Marriage and MoraIs among
the Victorians. Todos os ensaios, exceto um, foram reeditados, expandidos
e em alguns casos extensivamente reescritos. A única exceção é "H istória
com a política deixada de fora ", que se apresenta aqui essencialmente em
sua forma original. Quando foi publicado pela primeira vez, em 1984, pro-
vocou uma boa controvérsia, e em vez de abrandar suas questões mediante
revisão, escolhi manter o original intacto e adicionar um pós-escrito à guisa
de comentário.
As respostas apaixonadas àquele ensaio, as favoráveis e as desfavoráveis,
levaram-me a reconsiderar uma opinião que havia sustentado alguns anos an-
tes. Em 1980, em uma resenha de The PastBefore Us (um volume de ensaios
historiográficos patrocinado pela American Historical Assocíation], escrevi
sobre as "insinua ções", nesse volume e em outros lugares, de que alguns no-
vos historiadores se tornaram suscetíveis às preocupações de historiadores
tradicionais. Predizia, na ocasião, que "a 'h um anização' da história social le-
varia, por fim, não à restauração da velha história, mas a uma acomodação
na qual a velha e a nova poderiam conviver';" Cheguei a essa conclusão a
despeito de outras insin uações, nesse mesmo trabalho, de que alguns novos
historiadores não só passavam longe dessa acomodação como estavam em-
barcando em missões ainda mais radicais. Em sua contribuição a esse volume,
Carl Degler observou que, apesar de bastante atenção estar sendo dirigida à
história das mulheres e da família, esses assuntos ainda não haviam sido pro-
priamente integrados à história "d omi nan te", e que isso só poderia ser alcan-
çado se alterássemos nossa concepção de história e nossa ideia de passado:
"Em suma, o que se quer dizer com história ou passado terá de ser modificado
antes de essas duas subdisciplinas tornarem-se parte integral dela'i"

12 Gertrude Himmelfarb, resenha de "lhe Past Before Us, lhe NewYork Times ". Book
Review, 17/08/1980, p. 3.
13 Carl Degler, "Women and the Pamíly", in Michael Kammen (org.). lhe PastBefore Us:
ContemporaryHistorical Writing in the United States. Ithaca: Cornell University Press,
1980, p. 326.

194 INT RODUÇÃO


Desde a publicação de The Past Before Us, a exigência de "maior aten-
~20" tem sido ecoada por outras subdisciplinas que lidam com trabalha-
.:.o res}negros}grupos étnicos e "desviantes" sexuai s e sociai s. Seria válido
~J e s t i o n ar se restaria alguma coisa da história como disciplina caso essas
subdisciplinas fossem levadas ao centro das indagações, e se tais esforços
d -: integração não resultariam na desintegração do conjunto. A história
.o tal" de que alguns novos hi sto riadores se orgulham poderia se conver-
rer em uma total dissolução da história de algum modo reconhecível tanto
?-lr d o novo como para o velho historiador. Essa é, de fato) a prescrição

l j"-: recida por Theodore Zeldin (dis cutida no capítulo 7)j participando da
revo lu ção histórica, Zeldin bu sca, com o seu termo, a liberação da história
ern relação a todas as categorias e conceitos (causa, tempo) classe, nação)
~" J e ainda a subjugam.
~ I e sm o algun s dos annalistes começam a suspeitar que desencadearam
. :TI processo que são incapazes de controlar. Mesmo as disciplinas que usa-

zrn para subverter as convenções da velha história amea çam subverter a


': r ópria história. É curioso ver organizadores de uma coleção de ensaios de
: roerninentes annalistes queixando-se da "agressão das ciênci as sociais " e
ainda mais interessado s em saber do efeito dessa agressão sobre a história:
O -amr o que ela [a história] costumava ocup ar sozinha - da exploração
.srern ática da sociedade em sua dimensão temporal - tem sido invadido por
l u as ciência s, com fronteiras mal definidas, que ameaçam absorvê-la ou
.:.:"olvê-Ia".'4 O mesmo volume contém um ensaio de um do s organizadores
(um o título provocativo "O retorno do acontecimento): Mas o anunciado
",,:orno" não é do tipo de "acontecimento" familiar à história tradicional.
~,, : o contrário: Pierre Nora confirma "o apagamento do acontecimento, a
- ~ a ç ão de sua importância e sua dissolução " como a grande conquista da
. uva história. A bem da verdade}o acontecimento em que stão é outro: o

Colin Lucas, "Intrc duction", inJacqu es Le Golf e Pierre Nora (o rgs.) . CO llstructing the
Past:Essays in HistoricaI Methodology. Cambridge: Cambri dge Univ ersity Pr ess, 1985, p .lO.
Lucas cita a introdução de Le Golf e Nora à compilação de quatro volumes de ensaios
[" irede l'histoire (Paris: Gallimard /NRF, 1974 [ed . br as.: História: Novosproblemas, 4~ ed.,
[sic], trad. The o Santiago . Rio de Ja neiro : Franc isco Alves, 1995] ), da qual Constructing the
P'ISt faz parte.

Hi MME LFARB 195


acontecimento produzido pelos meios de comunicação de massa da mo-
derna sociedade industrial, e que muitas vezes não se distingue de um "não
acontecimento" ou "ilusão", um "sinal" ou uma "função'?'
Um retraimento similar, mais semântico do que substantivo, pode-se no-
tar nos Estados Unidos, onde um dos fundadores da nova história tem pro-
posto uma "nova velha história", para corrigir os excessos da nova e restaurar
algumas das virtudes da velha. Mas a "história das mentalités" que Lawrence
Stone invoca como modalidade distintiva de sua "nova velha história" não
traz nada da tradicional história intelectual ou mesmo cultural. E o "ressur-
gimento da narrativa" que ele assinala - a "narrativa de um acontecimento
único", exemplificada por Montaillou, de Emmanuel Le Roy Ladurie, Faith,
Reason, and the Plague in Seventeenth-Century Tuscany, de Cario Cipolla, Pri-
mitive Rebels, de Eric Hobsbawm, Whigs and Hunters, de E. P. Thompson -
está longe da velha narrativa histórica, na qual a narrativa não se fazia com
base em um único acontecimento, mas precisamente em uma série de acon-
tecimentos cronologicamente ligados, com a finalidade de contar uma cena
histórica de um significativo intervalo de tempo.
Ninguém se surpreende por encontrar outros sinais de dissidência e receio.
Ortodoxias geram heresias, dominação, descontentamento. Como a nova his-
tória perde o brilho da novidade, a velha adquire novo alento. Mais e mais se
assume a nostalgia de uma história tradicional, com movimentos dramáticos
e graça literária; de uma história política que faça menção a leis e constitui-
ções como algo mais do que manobras para a manipulação do poder, de uma
história intelectual em que as ideias sérias sejam entendidas seriamente, como
ideias, não como instrumentos de produção e consumo: ou mesmo de uma
história social que não se presuma dominante ou superior, ou até "total': Tal-
vez estejamos assistindo ao início de outra onda de revisionismo histórico -
mas não culminando na restauração de um antigo regime (historiadores são
céticos quanto a restaurações), e sim na inauguração de outro.

15 Pierre Nora, "Le Retour de l'événement", inFaire de l'histoire, t. I, op. cit., p. 227. O "retor-
no do acontecimento" - neste sentido específico de "acontecimento" - era um assunto
muito discutido entre os annalistes na época. T. Stoianovich, French Historical Method, op.
cit., 1976, pp. 228-31. O "retomo da política" também tem sido anunciado por um proemi-
nente annaliste - mas, de novo, com um sentido muito especial (ver cap. 1, n. 6).

196 INTROOUÇÃO
É tentador afirmar (como certa vez o fiz) que podemos agora aguardar
a real acomodação do velho e do novo} uma mistura do melhor dos dois.
É uma perspectiva agradável} mas um tanto incerta. Em um tempo em que
o "velho novo" historiador rejeita de forma categórica as pequenas e experi-
mentais intervenções de um "novo velho" historiador} dificilmente se pode
nutrir esperanças de reconciliação com o "velho velho" historiador. Há
muito em jogo} não apenas em termos de interesses profissionais (carreiras
que dependem de assuntos específicos) métodos e afiliações institucionais],
como de convicções filosóficas - ideias sobre história} política} sociedade
e mesmo sobre a natureza humana. O novo historiador não pode ceder à
precedência da política em sentido aristotélico} supondo que o homem seja
um "animal político" j nem o velho historiador pode admitir a superioridade}
para não dizer a totalidade} de uma modalidade de história que considera
o homem um "animal social". Também não pode o novo historiador dei-
xar de lado seu.desprezo por uma história que insiste em estudar "pessoas
importantes, acontecimentos significativos e movimentos históricos bem-
-sucedidos"," nem o velho historiador pode deixar de estranhar que deter-
minados assuntos sejam motivo de chacota} e que l'histoire historisante seja
uma expressão utilizada com certo rancor," Enquanto alguns dos novos
historiadores afirmam que "o Mickey Mouse pode realmente ser mais im-
portante para o entendimento dos anos 1930 do que Franklin Roosevelt","
ou que a "história da menarca" seja considerada "igual em importância à
história da monarquía'j'? historiadores tradicionais se sentirão convencidos
do enorme abismo que separa essas duas modalidades de história.

16 Perspectives [boletim da American Historical Association J, fev. 1986. Relato dos comen-
tários por E. J. Hobsbawm, durante uma conferência na N ew School for Social Research,
30 out. 1985.
17 Frase geralmente atribuída a Henri Berr. Ver Fernand Braudel, "Personal Testi-
mony".Journal ofModern History, n. 4, v. 44, 1972, p. 467; id., OnHistory [1969J, trad.
Sarah Matthews. Chicago: University of Chicago Press, 1980, p. 64 [ed. bras.: Escritos
sobre a história, trad.]acó Guinsburg e Tereza Cristina Silveira da Mota. São Paulo:
Perspectiva, 1978 J.
IS Warren I. Susrnan, Culture as History: lhe Transformation of American Society in the
Twentieth Century. Nova York: Pantheon Books, 1984, pp. 103, 197·
!9 Peter N. Steams, "Corníng of Age". Journal ofSocial History, n. 2, v. io, 1976, p. 250.

HIMMELFARB 197
Alguém poderia pensar que a própria realidade inevitavehnente cuidará para
que se produza uma história mais atenciosa e realista. Mas isso também não
pode servir de alento. Afinal de contas, foi durante o mais catastrófico acon-
tecimento dos tempos modernos que dois dos maiores annalistes afirmaram
sua fé em uma doutrina que apequenava os acontecimentos e associava a
realidade às "forças impessoais" da história. Em seu relato comovente sobre
a queda da França em 1940, Marc Bloch aludia à teoria da história que con-
tribuía para o sentimento dominante de "letargia intelectual".

Éramos todos especialistas em ciências sociais ou trabalhadores em labo-


ratórios científicos, e talvez as próprias disciplinas em que nos empregá-
vamos nos afastaram, por algum tipo de fatalismo, do engajamento na
ação individual. Crescêramos acostumados a observar grandes forças im-
pessoais em funcionamento tanto na sociedade quanto na natureza. No
enorme arraste dessas correntes submarinas, tão cósmicas a ponto de pa-
recerem irresistíveis, que importância poderiam ter as pequenas lutas de
uns poucos marinheiros à deriva? Pensar de outro modo teria sido falsear
a história."

Mesmo então Bloch não levava em conta a possibilidade de que essa teoria
"cósmica" pudesse ela mesma falsear a história, de que ela não era apenas po-
liticamente fraca, mas historicamente estulta. Muitos se perguntam se essa
possibilidade teria lhe ocorrido quando, mais tarde, uniu-se à Resistência -
e entregou-lhe a vida.
Foi o mesmo acontecimento trágico, a queda da França, que ironica-
mente ofereceu a outro historiador a oportunidade de atacar a l'histoire évé-
nementielle," Os historiadores são gratos a Fernand Braudel, que escreveu
o primeiro esboço de seu trabalho monumental, O Mediterrâneo e o mundo
mediterrânico na época de Filipe II, enquanto era prisioneiro dos alemães du-
rante a Segunda Guerra. Esse trabalho exalta alongue durée: as forças "inani-

l O Marc Bloch, Strange Defeat: A Statement of Evidence in 1940 [1946], trad. Gerard Hop-
kins. Nova York: Norton, 1968, pp . 171-73.
li Braudel atribui a criação desse termo a Paul Lacombe e François Símíand, ver seu "Per-
sonal Testímony", p. 46 7, e On History, op. cit., p. 27.

198 INTRODUÇÃO
madas" da geografia, da demografia e da economia que eram as "realidades
profundas" da história, em comparação às quais as paixões de Filipe II e as
ideias da Renascença se tornavam meras "conchas" à mercê das águas da his-
tória." O livro, de fato, constituía urna realização impressionante, mas tam-
bémprofundamente irânica, se não perversa. Isso porque foi escrito quando
a Europa se convulsionava pelas paixões de um único homem e ideias que
chegaram perto de destruir um povo e uma religião de considerável durée.
O próprio Braudel dizia ter escrito o livro, na prisão, em parte como "res-
posta existencial direta aos tempos trágicos que vivia".

Todas as ocorrências que nos arrebatavam, trazidas pelo rádio e pelos jor-
nais de nossos inimigos, ou mesmo as notícias de Londres que nossos in-
terceptadores clandestinos nos davam, tive de afastá-las,rejeitá-las, negá-las.
Abaixo as ocorrências, especialmente as vexatórias! Tinha de acreditar que
a história, o destino, era escrita com um sentido mais profundo."

É curioso que os historiadores, admirados com o espírito intrépido que po-


deria dar à luz uma teoria tão ousada em meio a tão trágicas "ocorrências",
tenham falhado em observar a disparidade fundamental entre aquela teo-
ria e as ocorrências - a amplitude de "afastar, rejeitar, negar" que a teoria
implicava. É ainda mais curioso que nos anos que sucederam a guerra, en-
quanto os historiadores tentaram assimilar a enormidade de indivíduos e
ideias responsáveis por aqueles "acontecimentos de curta duração" (conhe-
cidos como Segunda Guerra Mundial e Holocausto), a teoria da história
que diminuía a importância de indivíduos e ideias tornava-se incrivelmente
influente. À ironia acresce-se o fato de que aquilo que Braudel entendeu
ser a "resposta existencial" à realidade - distanciando-se dela e buscando
um "nível muito mais profundo" de sentido - era exatamente o oposto da
resposta dos existencialistas, que encontraram sentido na atualidade dos

F. Braudel, TheMediterranean and theMediterranean World in theAge ofPhilip II [1949J,


trad. Siân Reynolds. Nova York: Harper & Row, 1972, p. 21 (prefácio à primeira edição
francesa) [ed. bras.: O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II. São
Paulo: Martins Fontes, 1984 J.
"! .. Id., "Personal Testímony", op. cit., p. 454.

HIMMELFARB 199
acontecimentos, ainda que contingentes e efêmeros. Por terem respeitado o
sentido dos acontecimentos, os existencialistas também respeitaram a inte-
gridade dos indivíduos neles envolvidos - indivíduos conscientes} respon-
sáveis e autônomos, cujas ações fundavam-se no livre-arbítrio, e mesmo na
"gratuidade" Braudel, negando a realidade subjacente aos acontecimentos,
negava a eficácia dos indivíduos e a possibilidade de liberdade. O Mediter-
râneo termina afirmando o triunfo da longa duração sobre os indivíduos,
condenados a viver na curta duração.

Assim, quando penso sobre o indivíduo, sempre tendo a vê-lo prisioneiro de


um destino do qual ele próprio tem pouco controle} fixo em uma paisagem
em que as infinitas perspectivas da longa duração se ampliam às distâncias
presentes atrás dele e em sua frente. Na análise histórica, como a vejo, com
acerto ou erro, a longa duração sempre vence no final.Aniquilando inume-
ráveis acontecimentos - todos aqueles que não podem ser acomodados na
principal corrente do progresso e que, assim, são varridos sem piedade para
a margem -, ela indubitavelmente limita a liberdade do indivíduo e mesmo
o papel do acaso."

Se os historiadores têm se mostrado estranhamente resistentes à reali-


dade histórica, eles têm também se mostrado particularmente vulnerá-
veis ao tédio. Em seu Philosophical Dictionary, Robert Nisbet traz o ver-
bete "tédio" - nada tão pretensioso quanto" ennui", "anomia" ou "apatia",
mas a simples característica "insistente e universal" do tédio. Perto do fim
do verbete, cita Bertrand Russell: "Se a vida deve ser poupada do tédio,
aliviada somente pelo desastre, os sentidos devem ser encontrados na
restauração da iniciativa individual não apenas diante das coisas que são
triviais, mas das coisas que realmente importam"> Alguns novos histo-
riadores confessam que sua insatisfação inicial com a história tradicional
vinha do tédio que sentiam em relação a velhos assuntos: dinastias e go-
vernos, guerras e leis, tratados e documentos. Assim, uma nova geração

24 Id., The Mediterranean... , op. cit., p. 1244.


25 Robert Nisbet, Preiudices: A PhilosophicalDictionary. Cambridge: Harvard University
Press, 1982, pp. 22, 28.

200 INTR ODUÇÃO


l ê' historiadores, entediada com a "vida cotidiana de gente comum" e as
es truturas de longa duração" da geografia e da demografia) pode sentir-se
r:">.-igorada diante do drama dos acontecimentos) do poder da s idei as e da
~ i ~ n i dade do s indivíduos - "não apenas diante das coisas que são triviais)
. 1,15 das co isas que realmente importam".

~lJ bli cado or iginalmente com o "Intr oduc t ion', in Gertr ude Himmelfa rb. The New
'--!istory and the Old: Crit ica i Essays and Reappra iso ls. Camb ridge (M."): The Belknap
Press of Harvard University Press, 1987, pp. 1- 12.Tradução de Bruno Gambarott o.

H IM M ELF ARB 201


Você} filólogo} que ostenta saber tudo sobre a mobilia e a vesti-
menta dosromanos e sermais íntimo dos quarteirões, das tribos
e das ruas de Roma do que de suaprópria cidade. Por que esse
orgulho? Você não sabe mais do que souberam o oleiro, o cozi-
nheiro} o sapateiro} o oficial} o leiloeiro deRoma.
Giambatlista ViCO,1702

Qjlando a história da menarca for amplamente reconhecida


como igual em importância à história da monarquia} nós tere-
mos chegado lá.
Peter Stearns, 1976

Há alguns anos, em uma discussão sobre as mais novas tendências da escrita


histórica, um jovem historiador descreveu, cheio de orgulho, seu trabalho
como "a vanguarda da disciplina".Escrevia um estudo sobre uma cidade da
Nova Inglaterra nos fins do século XVIII, uma análise "em profundidade" da
vida de seus habitantes: suas ocupações e ganhos, suas condições de vida e
trabalho, suas relações familiares e sexuais, hábitos, posturas e instituições
sociais. Ele lamentava ter de se limitar àquela única cidade, mas alguns de
seus colegas estavam fazendo estudos comparados de outras cidades, e seus
esforços conjuntos constituiriam uma "história total" daquele tempo e lugar.

HIMM ELFARB 203


Perguntei-lhe se seu trabalho, ou seus esforços coletivos, tinha alguma liga-
ção com o que eUJ que assumidamente não sou uma especialista em história
norte-americana, entendia ser o mais importante acontecimento daquele
tempo e lugar e, a bem da verdade, um dos mais importantes da história mo-
dema: a fundação dos Estados Unidos da Am érica, a primeira grande repú-
blica dos tempos modernos. Ele reconheceu queJ partindo de seus temas e
fontes - registros de par óquia, listas de impostos, censos, registros legais, lis-
tas de eleitores, títulos de terra -J não poderia "alcan çar", como dizia, a fun-
dação dos Estados Unidos. Contudo, negava que esse fosse o acontecimento
decisivo que eu considerava ser. Decisivas eram a vida e as experiências da
massa. Esse era o assunto de sua história: essa era a "nova história', a história
social. Minha refutação - que mesmo pessoas comuns (talvez a maioria das
pessoas comuns) haviam sido profundamente afetadas nos mínimos aspec-
tos de sua vida pela fundação da rep ública, pelos acontecimentos políticos,
pelas instituições e ideias que criaram uma nova política e com ela uma nova
sociedade - pareceu-lhe infantil e defasada.
Existia, na verdade, algo de anacrônico nessa discussão. A "nova his -
tória" - ou melhor, a nova "nova história", distinta da velha "nova história"
criada por James Harvey Robinson e Charles Beard no início do século - já
não era nova. Se ela data da fundação dos Annales, há mais de meio século,
está hoje na meia-idade. Na realidade, aparece tão firmemente instalada no
campo da história que, enquanto jovens iniciados ostentam originalidade e
ousadia, seus adeptos desfrutam das dotações de um ambiente acadêmico
bem constituído. E alguns de seus principais proponentes e praticantes
(François Furet e Lawrence Stone) encontram razões para reclamar dos ex-
cessos e defeitos do que tem se tomado a nova ortodoxia.'
A nova história não é tão monolítica quanto o rótulo sugere. Ela envolve
uma variedade de objetos e métodos, alguns dos quais se excluem mutua-
mente. Não obstante, algumas características a unificam à velha história, e
outras a diferenciam dela. Assim, a nova história tende a ser analítica, não

François Furet, "Introduct íon", in ln the Workshop of History [1981J, trad. Jonathan
Mandelbaum. Chicago : University of Chicago Press, 1984 i Lawrence Stone, "The Revi-
vai ofNarrative: Reflections on a New Old History" [197 9J, reimpresso em ThePastand
thePresento Boston: Routledge & K. Paul, 1981. Ne sta antologia, pp. 8-36.

204 " HISTÓRIA COM A pO LíT ICA DEIXADA DE FORA"


narrativa; temática, não cronológica. Ela se vale mais de tabelas estatísticas,
entrevistas orais, modelos sociológicos e teorias psicanalíticas que de cons-
tituições, tratados, debates parlamentares, escritos políticos e manifestos de
partido. Enquanto a velha história costuma se preocupar com regimes e ad-
ministrações, legislações e políticas, diplomacias e relações internacionais,
guerras e revoluções, a nova concentra-se em grupos étnicos e de classe,
problemas sociais e instituições, cidades e comunidades, trabalho e lazer,
família e sexo, nascimento e morte, infância e velhice, crime e insanidade.
Enquanto a antiga destaca reis, presidentes, políticos, líderes, teóricos po-
líticos, a nova tem como assunto as "massas anónimas" A velha é "história
de cima", "história elitista', como agora se diz; a nova é "história de baixo",
"hístória populista"
Nos dias de hoje, a nova história já é suficientemente velha para ter pro-
vocado uma série de críticas. A abordagem analítica, diz-se, falha na captura
dos movimentos dinâmicos da história, o método quantitativo constrange
a história e a faz trivial, restringindo a investigação a assuntos e fontes que
podem ser quantificados; as interpretações psicanalíticas derivam mais de
teorias a priori do que da evidência empírica; modelos sociológicos são abs-
tratos demais para elucidar as situações históricas específicas; o viés ideo-
lógico que prevalece dispõe o historiador a identificar-se com seus temas,
conferindo a eles suas próprias posições e valores; a modalidade populista
não pode acomodar os indivíduos notáveis cujas ações e ideias realmente
ajudaram a moldar a história; e o gênero como um todo, em sua variedade
de técnicas e abordagens, sugere uma permissividade metodológica que pa-
rece endossar o famoso dito de Carl Becker, "Todo homem é seu próprio
historiador'? Todas essas críticas e outras mais têm sido debatidas e postas
em questão. Mas há outro assunto que tem recebido menos atenção e pode
ser mais significativo. Pois a nova história é eminentemente social, e como
tal torna problemática a modalidade que tem sido a preocupação tradicional
do historiador - a história política.
O que representa escrever uma história que não "alcança" a fundação da
república norte-americana (ou o desenvolvimento da constituição inglesa,

1 Carl Becker, Everyman His Own Historian: Essays onHistoryand Politics [1935]. Chicago:
Quadrangle Books, 1966.

HIMMELFAR B 205
ou o curso da Revolução Francesa)? O que acontece quando essa modali-
dade de história se torna dominante} quando ela não se pratica mais na pe-
riferia do ofício} mas em seu centro} não como um campo auxiliar} mas o
principal- de fato} como alguns historiadores dizem} como história "total"?'
Quais as implicações disso no sentido do presente e do passado}em um pas-
sado e um presente norte-americanos privados dos princípios de liberdade
e direito, de mecanismo de verificação e equilíbrio;' de autogoverno e bom
governo} que foram de início enunciados por seus fundadores e incorpora-
dos na Constituição?

Há quase cinquenta anos, em seu English Social History - um dos primeiros


trabalhos ingleses a lidar exclusivamente com a história social, e sob tal ró-
tulo - , George Macaulay Trevelyan ofereceu a famosa definição de história
social como "a história de um povo com a política deixada de lado': Trevel-
yan não demorou a prosseguir, dizendo que era difícil deixar a política de
fora da história} em especial no caso do povo inglês. Tudo que ele esperava
era refazer o equilíbrio, recuperar aquela parte da história, a história da vida

3 Emmanuel Le Roy Ladurie, The Peasants ofLanguedoc [1966], trad.John Day. Urbana:
University ofIllinois Press, 1974, p. 8; Peter Stearns, "Corníng ofAge". [oumal of Social
History, n. 2, v. 10, 1976, p. 246, e "The New Social History: An Overview", inJames B.
Gardner e George Rollie Adams (orgs.), Ordinary People and Everyday Life: Perspectives
on the New Social History. Nashville: American Association for State and Local History,
1983, p. 7; F. Furet, "In troduction", inln theWorkshop ofHistory, op. cit., pp . 5-6; Traian
Stoianovich, French HistoricalMethod: TheAnnalesParadigm. Ithaca: Cornell University
Pres s, 1976, pp. 102 SS.; Hervé Coutau-Bégarie, Le Ph énomêne "Nouvelle Histoire": sira-
tégie et idéologie desnouveauxhistoriens. Paris : Economica, 1983, pp. 92 ss. Um annaliste,
Pierre Vilar, conclui sua discussão sobre história marxista observando que ela também,
como toda "história verdadeira", precisa se tornar "nova história", e então "história to-
tal". "Qualquer 'nova' história que não tenha ambição de ser total em seu escopo é uma
história obsoleta antes mesmo de começar." P. Vilar, "Constructing Marxist History", in
Jacques Le Goff e Pierre Nora (orgs.}, Constructing the Past: Essays in Historical Metho-
dology. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, p. 80.
4 No original, checks ~nd btllan~es :. _~érte de limitações e inspeções dentro do sistema go-
vernamental cuja tarefa é manter o equilíbrio entre as diversas facções e impedir que
uma delas obtenha poder em excesso. [N. T.]

206 - HISTÓRIA COM A POLíTICA DEIXADA DE FORA"


cotidiana, que havia sido terrivelmente negligenciada,' E ele se propôs fazê-
-lo sabendo que outros estavam engajados (como ele próprio estivera por
boa parte de sua carreira) na escrita da história politica convencional. O es-
tudioso teria considerado ridículo modificar o equilíbrio a ponto de ocasio-
nar uma inversão completa, tornando a história social a forma dominante,
fazendo-a suplantar, não suplementar, a história convencional.
Afinal de contas, Trevelyan, como seu tio-avô Macaulay, era antes de
tudo um historiador whig, convivendo com as instituições políticas e tradi-
ções que haviam feito da Inglaterra, a seus olhos, assim como para Macaulay,
um país liberal, progressista e esclarecido. Sua interpretação whigda história
inglesa, com o modo whig de escrever a história - a "falácia whig': como tem
sido chamada -J caiu em descr édito," Quando Herbert Butterfield expôs a
falácia, há mais de meio século, tentava alertar o historiador quanto ao há-
bito insidioso de ler a história em sentido inverso, de procurar no passado as
fontes das ideias e in stituições que valorizamos no presente, ignorando as-
sim as complexidades, as contingências e particularidades que fazem o pas-
sado singular e irrevogavelmente passado. Mas ele não pretendia contrapor
uma tendência à presentificação por demais intrusiva a uma austera orienta-
ção passadista, negando a continuidade entre o passado e o presente. Se não
é histórico permitir ao presente determinar o passado, o mesmo vale no que
diz respeito a impedir que o pa ssado anime o presente. E é certamente algo
não histórico diminuir ou ignorar ideias políticas e instituições que muitas
vezes provocaram lutas e o derramamento de sangue - e que desde então se
tornaram nossa herança.
Diferentemente de um seguidor de Trevelyan ou de sua contrapartida
moderna, para a qual a história social complementa e suplementa a histó-
ria convencional, o novo historiador social pensa na história social como o
único tipo significativo de hist ória, ou mesmo como história "total". Nesse
sentido, o novo historiador é o culpado de fato pela "falácia whig", pois é
ele, mais até do que o whig, que permite ao presente modelar o passado,
que projeta sobre o passado sua própria ideia do que é real e im portante.

5 George M. Trevelyan, English Social History: A Survey of Six Ceniuries, Chaucer to Queen
Victoria. Londres/Nova York: Longmans/Green, 1942, p. VII.
6 Herbert Butterfield, lhe Whig Interpretation ofHistory. Londres : G. Bell & Sons, 1931.

HIMMELFARB 207
Antes, apenas os marxistas viam a política como "epifenô meno" da história}
a "superestru tura" ou "reflexo" da economia fundamental e da "infraestru-
tura" social. Atualmente, essa perspectiva da política aparece tão entranhada
em nossa cultura que poderíamos muito bem dizer: "Somos todos marxis-
tas agora" Tendo falhado em tantos aspectos - em fornecer um exemplo de
sociedade comunista que não seja tirânica ou autoritária, em tornar consis-
tentes as previsões de Marx sobre a pauperização do proletariado e proleta-
rização da pequena burguesia e sobre o colapso do capitalismo e o triunfo
de uma revolução mundial - }o marxismo teve êxito em diminuir e difamar
acontecimentos políticos} instituições} atividades e ideias.
Sob certo aspecto, o novo historiador social vai ainda além do marxista,
Enquanto o marxista considera necessário provar} ou pelo menos afirmar}
uma relação causal entre a economia e a política, o novo historiador pode
simplesmente ignorar a dimensão política} tornando a realidade social tão
ampla e onipresente a ponto de qualquer forma de governo} lei ou institui-
ção política ser automaticamente percebida como um modo de "controle
social': No lugar da clássica infraestrutura marxista - o modo de produção
e as relações sociais derivadas desse modo -} a nova infraestrutura passa a
ser a vida cotidiana das pessoas comuns: as relações dos sexos tanto quanto
das classes} as condições envolvendo os criminosos e loucos tanto quanto os
trabalhadores e camponeses.
Para os historiadores sociais}contudo} e para os marxistas}a infraestru-
tura é o que o historiador imagina que ela seja, não aquilo que os contempo-
râneos podem ter julgado como os mais importantes aspectos de sua vida e
de seu tempo. Como o marxista, o historiador social considera fácil acusar
aqueles que são seus objetos de estudo de "falsa consciência", de não com-
preensão de sua própria realidade. Se ele, de algum modo, nota a discrepân-
cia entre seu relato do passado e o daqueles que viveram aquele tempo}passa
a julgar-se mais sábio do que eles}afirmando que seu olhar distanciado e as
mais avançadas técnicas analíticas - econometria, prosopografia, psicologia
ou qualquer outra - oferecem-lhe uma perspectiva mais acurada e objetiva
da realidade social. A sua é a "verdadeira" consci ência: a deles, a "falsa".
O historiador social faz tudo isso com boa-fé} pois a realidade que ele
atribui ao passado é a realidade que ele reconhece no presente. Se ele leva
em conta tanto o trabalho e o lazer como o sexo e a infância, é porque essas
são as coisas que o instigam em sua própria cultura, que ele acredita serem

208 'HI STÓRIA COM A POlÍTI CA DEIXADA DE FORA"


uma parte da realidade existencial mais relevante do que os processos "me-
r.unente formais " do governo e da política. Se ele interpreta a religião dos
ritorianos como uma forma de compensação psíquica, uma sublimação da
mgústia social, uma expressão de alienação, é porque não pode dar crédito,
em seu nome ou de seus colegas, a convic ções ou experiências que são es-
sencialmente religiosas, em vez de sociais ou psicológicas. Se ele dá maior
ênfase à história local do que à nacional, às tradições populares do que às
políticas, às evidências informais ou orais do que aos documentos escritos,
~s mitos populares sobre a bruxaria do que a teorias de governo, está in-
genuamente nos contando mais sobre a cultura intelectual e política a que
pertence do que sobre a cultura que ele, de modo ostensivo, descreve.
Ao impor seu próprio sentido de realidade ao passado, o historiador so-
cial expõe todos os problemas da interpretação whig sem suas qualidades
redentoras. Ainda que sejam falaciosas as suposições whig sobre as origens
da liberdade civil, do governo constitucional e das instituições representa-
tivas, não há falácia ou anacronismo em atribuir ao passado uma profunda
preocupação com os assuntos parlamentares, políticos e constitucionais.
A história social, ao desvalorizar o campo político, desvaloriza a própria his-
tória. Ela torna sem sentido os aspectos do passado que sérios e influentes
contemporâneos pensaram serem os mais significativos. Torna sem sentido
não apenas a luta pela autoridade política, como o próprio conceito de autori-
dade política legítima, de regulação política, que não é apenas um eufemismo
para o "controle social", ou de direitos e liberdades, que não são (como Jeremy
Bentham considerava) "entidades fictícias", e de princípios e práticas, que não
são apenas reflexo (como supôs Gramsci) da "hegemonia" da classe domi-
nante. O historiador social que afirma escrever uma história da Inglaterra ou
dos Estados Unidos abrangente, "total", deixando a política de fora (mais uma
vez, não estou falando do historiador para quem a história social é suplemen-
tar à história política), está engajado em uma reinterpretação da história de
forma mais radical do que ele poderia suspeitar.

o efeito verdadeiramente radical da nova iniciativa é desvalorizar não ape-


nas a história política, mas a razão em si, a razão histórica e política - a ideia
de que as instituições políticas são, pelo menos em parte, o produto de uma
tentativa deliberada, racional e consciente de organizar a vida pública de
modo a promover o bem-estar. A esse respeito, o historiador social apenas

HIM MEL FARB 209


segue o exemplo de seus colegas das ciências políticas, que veem a política
essencialmente como um jogo, em que os políticos disputam posições, po-
der e as benesses do posto, divertindo-se com os interesses, paixões e pre-
conceitos de seus constituintes. Esse processo político presume-se racional,
da parte dos políticos, apenas pelos meios com que conquistam e retêm o
poder, não por seus fins, e racional, da parte dos eleitores, apenas no que diz
respeito à satisfação de seus interesses particulares, não dos públicos. (A lin-
guagem da ciência política é em si sugestiva: "políticos" em lugar de "estadis-
tas", "constituintes" ou "votantes" em lugar de "cidadãos"]
Nas ocasiões em que o historiador social põe-se em contato com a po-
lítica, essa é a concepção de política que molda sua pesquisa.' Assim, ele

7 Ver, por exemplo,Jacques Le Goff, "Is Politics Still the Backbone of H ístory?". Daeda-
lus, n. I, v. 100,1971, pp. 1-19j Allan G. Bogue, "lhe New PoliticaI History in the 1970'S",
in Michael Kammen (org.), ThePast Before Us: Contemporary Historical Writing in the
UnitedStates. Ithaca: Cornell University Press, 1980, pp. 231-51j Samuel P. Hays, "Politícs
and Social History: Toward a New Synthesís", inJ. B. Gardner e G. R. Adams (orgs.),
Ordinary People and Everyday Life, op. cit., pp. 164-66; J. Morgan Kousser, "Restoring
Politics to Politicai History". [ournal of Interdisciplinary History, n. 4, v. 12, primavera,
1982, pp. 569-95, e comentários sobre esse artigo feitos por Paul F. Bourke e Donald
DeBats no mesmo periódico, inverno, 1985j Philip R. Vandermeer, "lhe New Politícal
History: Progress and Prospects", in Georg G. Iggers e Harold T. Parker (orgs.), Inter-
nationalHandbook of Historical Studies: Contemporary Research and Theory. Westport:
Greenwood Press, 1979, pp. 87-108; Alan Brinkley, "W riting the History of Contem-
porary America: Dilemmas and Challenges". Daedalus, v. 113, verão, 1984, pp. 121-41j
"Political History in the 1980'S", in Theodore K Rabb e Robert L Rotberg (orgs.), The
New History: The 1980'S and Beyond. Princeton: Princeton University Press, 1982, pp. 29-
-4 4. Um annaliste foi mais longe a ponto de clamar por um "retorno à política". Mas ele
seguiu definindo a nova história política, que incorpora a economia política, a geografia
política, a ciência política, a sociologia política e a etnografia política. Ver Jacques Jul-
liard, "La Politique", inJacques Le Goff e Pierre Nora (orgs.), Paire de l'hisioire. Paris:
Gallimard /NRF, t. II, 1974, pp. 227-50 [ed. bras.: Hist éria: Novos problemas, 4~ ed., trad.
lheo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995]. Mesmo o tributo de David Pot-
ter a Roy Nichols, "reabilitação da história política", também tem esse caráter, com a
reabilitação envolvendo o rebaixamento da história tradicional ou convencional, consi-
derada como estreita, superficial, seca - "uma miscelânea de cronologia pontuada com
anedotas". Ver David Potter, "Roy Nichols and the Rehabilitation of American Political
Hístory" [1971], in Don E. Fehrenbacher (org.), Historyand AmericanSociety: Essays of
David M. Potter. Nova York: Oxford University Press, 1973, pp . 194, 206-07.

210 " HI STÓRIA COM A p OLí TICA DEI XADA DE FORA"


quantifica os interesses econômicos e determina a classe dos membros
do Parlamento e seus constituintes: ou psicanalisa os motivos e o com-
portamento daqueles que buscam o poder e daqueles que os colocam no
poder, ou descreve o relacionamento de governantes e governados em
termos de "hegemonia" e "deferência": ou vê na burocracia e na "dinâ-
mica administrativa" a explicação para leis e políticas, ou procura em reu-
niões confidenciais e nos corredores do poder os segredos das decisões
políticas. E passa por todo esse processo sem utilizar fontes - constitui-
ções} leis} decisões judiciais, debates, comentários, tratados - que pode-
riam sugerir uma racionalidade e deliberação que não serviriam a si mes-
mas, que se dirigiriam aos fins e não aos meios do poder, que trouxessem
consigo alguma concepção de interesse nacional e bem-estar público.
O historiador social considera essas fontes suspeitas, como se documen-
tos formais fossem menos confiáveis que comunicações privadas, como
se premeditação e deliberação implicassem tentativas maquiavélicas de
esconder a verdade} como se o efêmero do momento (uma observação
casual ou nota rápida) fosse mais revelador que a reflexão e o julgamento,
como se interesses fossem mais reais do que ideias, e as paixões mais
fortes que a razão.

Em sua aula inaugural na Universidade de Cambridge, em 1968, o eminente


historiador Geoffrey Elton comentou o nome de sua nova cadeira: .

A cadeira é a de história constitucional inglesa. Agora, eu mesmo escolhi


aquele título, e penso que não poderia ter feito uma escolha pior, poderia?
Eu me culpo duas vezes. História constitucional inglesa, no atual clima de
opinião. Um adjetivo poderia ser perdoado. Talvez história constitucional
chinesa pudesse funcionar. Talvezhistória social inglesa fosse maravilhoso.
Mas não, resolvi escolher os dois - história constitucional Inglesa.'

Elton, cujo Tudor Revolution in Governmeni, publicado em 1953, provocou


uma espécie de revolução na história dos Tudor, um homem que não se po-

,< G. R. Elton, TheFutureof the Pasi, an InauguralLecture.Londres: Cambridge University


Press, 1968} p. 4.

HIMMELFARB 211
deria acusar de ser um velho historiador ranzinza, segue explicando por que
escolheu aquele título estranho.

o propósito da história constitucional é estudar o governo, a maneira pela


qual os homens, tendo constituído sociedades, organizam-se numa exis-
tência ordenada, ao longo do tempo e do espaço, dessas sociedades. Assim,
ela é, como qualquer modalidade de história, uma forma de história social,
uma forma de história da sociedade. Contudo, cabe um comentário sobre a
questão do governo. Relaciona-se com o que se faz para tomar a sociedade
um corpo continuamente vivo, estruturado, de modo que o que venha a
falhar seja corrigido adequadamente, de modo que a ação política da qual
essa sociedade é capaz possa ser eficiente e efetivamente conduzida. Sim,
uma engrenagem. Mas também pensamento, doutrina, ensinamento, con-
venções. O que a sociedade pensa ser seu governo, como ela o trata, o que
ela faz para corrigi-lo? Que formas de mudança são possíveis, que reforma,
e assim por diante."

A história constitucional, argumentava Elton, é fundamental ao entendi-


mento do passado, pois representa os esforços de um povo em organizar-
-se e governar-se racional e efetivamente. Mas ela está também no centro
da aventura histórica, pois representa o empenho do historiador em desco-
brir, tanto quanto possível, a verdade objetiva sobre o passado - descobri-
-la, ademais, naqueles documentos escritos que são as evidências objetivas
do passado e, assim, a principal fonte do historiador que tenta reconstruir
o passado objetivamente. Esses documentos precisam ser interpretados e
reinterpretados, ampliados e suplementados por outros tipos de evidência;
mas eles não podem ser negados, falsificados ou ignorados. E, assim como
esses documentos são o legado do passado ao historiador, são também o
legado do passado ao presente.

Assim, tanto do ponto de vista do trabalho contínuo do historiador quanto


do ensino da história, e do ponto de vista de transmitir para o mundo e para
o futuro um sentido e um entendimento do passado, o estudo do governo

9 Id., ibid., pp. 24-25.

212 ·' HISTÓRIA COM A POLITICA DEIXADA DE FORA"


mantém, segundo penso, sua primazia. Se ele puder ser bem explicado,mais
extensivamente descrito e claramente compreendido, deixará pouquíssimas
questões em aberto, e poderá apetrechar o uso da razão mais do que qual-
quer outra coisa. 10

"Poderá aperfeiçoar o uso da razão" - esse é o cerne da questão. Ninguém


sabe melhor do que Elton quanto, no passado e no presente, a luta por di-
nheiro, poder, privilégios e posições fazem parte da política. Mas ele tam-
bém compreende que uma parcela do processo político consiste na tentativa
de restringir esse desejo de autopromoção, para que se crie a partir dele, ou
se imponha a ele, uma estrutura de governo que servirá à sociedade como
um todo. O historiador tem muitas tarefas, mas a principal é "a criação
de um pensamento justo, de uma razão justa': "D escobrir a verdade tanto
quanto possível, transmitir a verdade tão verdadeiramente quanto for possí-
vel' de modo a torná-la conhecida, e os homens aptos, por terem aprendido
e conhecido a verdade, a distinguir a razão correta da errada" - isto, Elton
assegura, é a "simples" tarefa do historiador,"
Há muito em jogo nessa simples tarefa: nada menos que a restauração da
razão na história. Não a Razão de Hegel, um espírito transcendental ou ideia
infundida na história, mas uma razão mais mundana e pragmática. É a razão
refletida na ordem racional e na organização da sociedade por meio das leis,
das constituições e instituições políticas; é a razão subjacente à atividade
racional do historiador que busca descobrir e transmitir a verdade sobre
aquela sociedade, para que as gerações vindouras possam ser instruídas so-
bre o passado, que é parte de seu presente e que eles, por sua vez, legarão às
futuras gerações. O título do pronunciamento de Elton, "The Future of the
Past'~ é deliberadamente ambíguo: seu assunto é o futuro da história tanto
quanto do passado.
Quando Elton deu sua aula, no final da década de 1960, não poderia
prever o estado presente da disciplina. Ou talvez pudesse, mas preferisse
cercar-se de prudência quanto ao futuro, assim como fez em relação ao
passado. Seja como for, seus comentários são mais pertinentes do que

,,::o Id., ibid., p. 27.


11 Id., íbld., p. 22.

HIMM ELFARB 213


nunca. Pois não é apenas a história política que os historiadores sociais
negam ou apequenam. É a própria razão: a razão que a política incor-
pora, presente nas leis e constituições que permitem aos homens con-
ferir ordem a suas ações de maneira racional - ou, em certos momentos,
de modo irracional, modo este que} ao ser detectado por outros homens}
será combatido racionalmente e}muitas vezes} heroicamente. Trata-se da
razão transmitida ao presente por meio de leis e constituições} as quais
especificam seus meios de emenda e reforma. E essa é a razão inerente
à história, na busca por uma verdade objetiva que sempre desconcerta
o historiador, mas sempre (pelo menos por enquanto) informa e inspira
seu trabalho.
Essa racionalidade é agora conscientemente negada ou inconsciente-
mente minada por todas as formas de nova história: pela história social, que
propõe uma infraestrutura que, supostamente, tem maior alcance do que os
meros arranjos políticos e não é acessível à razão ou à vontade; pela história
antropológica, que explora os aspectos não racionais da sociedade, como
hábitos sexuais e alimentares; pela história psicanalítica, que explora os as-
pectos irracionais, inconscientes, do comportamento individual e coletivo;
pela história estruturalista, que enfatiza a longa duração das "estruturas"
ecológicas e a média duração das "conjunturas" sociais e econômicas em
detrimento da curta duração de indivíduos e da política; pela história da
menialité, que dá mais atenção às crenças populares do que às ideias "elitis-
tas" dos filósofos; pela história oral, que se baseia mais nas reminiscências
verbais do que nos documentos escritos ; pela história engagé}orgulhosa por
advogar causas, não por propor análises; pela história populista, que busca
reconstituir não apenas a vida de pessoas comuns, mas também sentimen-
tos íntimos que tendem a ser inacessíveis ou desconhecidos, por quaisquer
novas histórias que perguntem ao passado o que o passado não pergunta a
si mesmo, cujas evidências são esparsas ou não confiáveis, e ao qual as res-
postas são necessariamente especulativas, subjetivas e dúbias.

Mais uma vez preciso dizer - e nunca será demais - que não é o assunto ou
o método da história social o que está em questão} mas seu domínio, que
reflete a pretensão, incrivelmente comum no meio, de acreditar que esses as-
suntos e métodos representam uma forma mais elevada de história, mais real
e significativa, mais essencial e elementar do que a velha história. Sobre essa

214 " HISTÓRIA COM A p OLí TICA DEIXADA DE FORA"


tendência, não é preciso dizer nada: basta olhar para os programas dos en-
contros anuais da American Historical Association, ou para os mais novos
periódicos da área, ou para a concessão de bolsas, ou ainda para os títulos
de dissertações recentes e projetos em andamento. Se o processo não está
ainda mais avançado, é porque a velha geração de historiadores ainda não
se extinguiu (ainda que muitos tenham se convertido à nova história) e por-
que alguns profissionais da jovem geração têm resistido ao encantamento do
novo, chegando a colocar em risco sua carreira.
É tentador pensar nessas tendências como uma moda passageira, um
desses paroxismos do entusiasmo aos quais as universidades são tão sensí-
veis. Infelizmente, as universidades dispõem de meios para institucionalizar
tais modismos: é a chamada salvaguarda acadêmica." Por ora}uma geração
de novos historiadores - ou muitas gerações, como se espera no meio acadê-
mico - compõe-se de professores efetivados, produzindo, incansavelmente,
estudantes à sua imagem e semelhança. Para muitos jovens (e não tão jo-
vens) professores, além de estudantes de pós-graduação, a história social
é o único tipo de história que conhecem, e com certeza o único tipo que
respeitam. Mais do que uma simples moda}isso representa uma espécie de
revolução na disciplina. Lembra a revolução na educação antecipada pela es-
cola progressista há três quartos de século, e na filosofia, pela escola analítica,
meio século atrás, tendências que ainda hoje são dominantes nas respectivas
disciplinas (ainda que agora estejam começando a sofrer ataques). Não es-
tou dizendo que a história social seja ou vá se tornar a única modalidade de
história. As histórias política, intelectual, diplomática e constitucional so-
breviverão, mas não na linha de frente dos estudos históricos: elas estarão na
periferia, como}um dia, esteve a história social.
Nos Estados Unidos, essa revolução passou dos programas de pós-gra-
duação à graduação, e mesmo ao ensino médio. Em um recente exame de
história norte-americana do College Board Advanced Placement, havia a
seguinte questão dissertativo-documental: "Com o e por que o status e a
vida das mulheres de classe média do Norte mudaram entre 1776 e 1876?" -

12 No original , tenure system. No Brasil, corresponde às efetivações do s docentes por con-


curso públi co. Note-se que "tenure" nos Estados Unidos vale para tod as as universidades,
inclusive as privadas. [N.T.]

HIMMELFARB 215
uma questão descrita no boletim da American Historical Association
como "tópico central';" Uma questão similar do exame de história euro-
peia falava sobre a criação das crianças na Inglaterra entre os séculos XVI
e XVIII: 4 Mais uma vez, não importa a propriedade de tais questões, mas
sua proeminência. Esses exames mandam mensagens às escolas de ensino
médio de todo o país indicando qual tipo de história deve ser ensinada se
seus estudantes quiserem competir com boas chances pela admissão na fa-
culdade; de fato, estabelecem algo bem próximo de um currículo nacional.
E dado o tempo limitado para o estudo da história em nossas escolas, os
novos assuntos não apenas suplementam os antigos; eles inevitavelmente
os suplantam.
Os adeptos da história social dirão: "E já não era sem tempo" Por que mu-
lheres e crianças não deveriam suplantar reis e políticos? Por que o modo
como pessoas comuns viviam, amavam, trabalhavam e morriam não deveria
ganhar precedência sobre o modo como eram governadas? Tal reordenação
de prioridades seria eminentemente razoável e humana não fosse pelo custo
de tal ação, um custo que recairia sobre aquela gente comum com a qual esses
historiadores são tão cuidadosos. Se as pessoas comuns estão sendo "resgata-
das do esquecimento', como se tem dito, pela nova "história vinda de baixo",
elas também estão sendo rebaixadas, privadas daqueles aspectos de sua vida
que as elevavam em relação ao comum, que as conduziam a relacionamentos
dotados de algo maior do que sua vida cotidiana, que as faziam sentir-se parte
da política mesmo quando não estavam nela representadas e que as levavam a
lutar com determinação pela representação exatamente por atribuírem muita
importância a seu status político.

Quando Macaulay preparou seus leitores para o famoso terceiro capítulo de


sua History of England - o capítulo que descreve "a história do povo tanto
quanto do governo', as condições de vida e trabalho, as maneiras, a moral e
a cultura -, ele afirmou poder "suportar com satisfação a reprimenda por ter

13 College Board Examination, 1981j Perspectives, jan. 1982, p. 12.


14 Em 1985, a questão dissertativa do exame europeu lidou com menores de idade infrato-
res na Inglaterra do século XIX.

216 " HISTÓRIA COM A POLíT ICA DEIXADA DE FORA"


descido ao nível abaixo da dignidade da história".', Mas nunca lhe ocorreu
chegar a um nível tão abaixo da dignidade da história a ponto de estender-
-se sobre a história do povo sob o ris co de ignorar, ou mesmo excluir, a
história do governo. Muito menos teria lhe ocorrido impugnar a dignidade
do povo discorrendo sobre os menos dignos aspectos de sua história. Um
livro recém-publicado, composto de excertos retirados de escritos de lou-
cos, A Mad People's History ofMadness, foi saudado por um resenhista como
"uma contribuição bem-vinda à história dos que vivem à margem'." É ape-
nas uma questão de tempo para que outros críticos entendam a obra como
insuficientemente "m argin al', por incluir eminên cias como o místico me-
dieval Margery Kempe em vez de loucos (e loucas - não se pode esquecer
delas) an ónimos e marginais de fato, de Bedlam e Bellevue.
Para Macaulay, a "dignidade da história" - que tom arcaico a expressão
possui agora - era equivalente ao significado da história. Se acontecimen-
tos, instituições e ideias políticas surgem tão amplamente em sua história, é
porque ele os via moldando e definindo o passado, dando forma e sentido
ao passado tal como os contemporâneos o vivencíaram, e ao enredo do pas-
sado tal como o historiador tenta reconstruí-lo. Com uma perspectiva dife-
rente, alguns marxistas têm feito objeções a uma modalidade de história que
destitui o passado de um sentido que encontram nele. Assim, Elizabeth Fox-
-Genovese e Eugene Genovese têm acusado a história social de romantizar
a vida comum de gente comum, negando a pauperizaç ão, que é o impulso
marxista para a revolução, e priorizando a vida cotidiana em detrimento da
política, o que ofusca a luta de classes, a qual é, enfim, uma luta política, uma
lota por poder. Contra a privatização e a despolitização da história, citam
~-\ origem da[amiüa, da propriedade privada e do Estado, de Engels, cujo tí-
tulo, por si só, chama a atenção "ao terreno político de cisivo do processo
histórico': Como L ênin, ao atacar os "desvios da esquerda" por favorecerem
os contrarrevolucionários de forma objetiva, os Genovese reprovam dura-

I~ Thomas Macaulay, lhe Works ofLo rdMacaulay, complete, ed. Lady Trevelyan. Londres:
Longmans / Green, t. I, 1866, p. 3. Sobre a "digni dade da história", ver também Lord
Bolingbroke, Letters on theStudyand Use ofHistory [1738J. Nova York: Garland, t. I, 1970,
p. 159 (carta 5) .
Resenha de Roy Porter publicada em New Society, 15 jul. 1982, p. 110.

HI MMEL FARB 217


mente os "ex-marxistas, ex-neoesquerdistas e ex-comunistas" que perpetram
a "fraude burguesa" ao discorrerem sobre a vida comum das pessoas e não
sobre a luta de classes."
Há quem esteja de acordo com os marxistas, que veem essa história so-
cial, antes uma aliada, voltada contra si, não deliberadamente, mas de forma
ingênua, tirando a atenção da luta revolucionária. Há também quem simpa-
tize com os historiadores sociais que, por todas as suas afinidades radicais,
entendem ser o marxismo inadequado ou irrelevante para explicar a vida
comum de gente comum, para não falar das vidas anormais dos margina-
lizados, criminosos e loucos. Há quem perdoe o historiador convencional
caso ele sinta Schadenfreude ao ver um expondo a fraqueza do outro, confir-
mando assim o que ele há tempos disse: que é tanto uma distorção da his-
tória ignorar a política como tornar a luta de classes seu fato determinante.
Depois de várias décadas da nova história, podemos fazer uma melhor
avaliação do que se perderá caso abandonemos a velha. Perderemos não
apenas o tema unificador que tem dado coerência à história, os grandes
acontecimentos, os grandes personagens e instituições que tornaram a his-
tória interessante e memorável - não apenas, em suma, um passado Signifi-
cativo - , mas também a concepção de homem como animal político e ra-
cional. E essa perda é ainda mais difícil de sustentar, pois ela envolve uma
redefinição radical da natureza humana.
Um eminente historiador social tem evocado Aristóteles para a defesa
de seu trabalho: "Não há melhor definição da natureza humana que a de
Aristóteles, traduzida como ele a entendeu: 'O homem é um animal social"."
O dito de Aristóteles é, evidentemente, "O homem é por natureza um ani-
mal político'." Não em "casa" ou na "aldeia", disse Aristóteles; apenas na

17 Elizabeth Fox-Genovese e Eugene Fox-Genovese, "lhe Politicai Crisis of Social Hi s-


tory: A Marxian Per spective" . Journal of Social History, n. 2, v. 10, 1976, pp. 213-15. Para
uma crítica similar da história social de uma perspectiva socialista, ver Tony Judt,
"A Clown in Regai Purple: Social History and the Historians", HistoryWorkshop [ournal,
n. I, v. 7, 1979, pp. 66-94.
18 H .J. Perkin, "Social Hístory", in H. P. R. Finberg (org.), Approaches to History,a Sympo-
sium. Londres: Routledge & K. Paul, 1962, p. 81.
19 Aristóteles, Política, livro I, capítulo 2. O historiador que traduziu mal o que disse Aris-
tóteles está em boa companhia. Hannah Arendt, que em seu próprio trabalho tentou

218 " H ISTÓRIA COM A POLITI CA DEI XADA DE FORA-


}".1/is" o homem é verdadeiramente humano} decisivamente diferente de
abelhas ou quai squer outros animais gregários': Estas}afinal}também vivem
em casas e aldeias (ou sociedades) como se poderia dizer}; também comem}
brin cam , copulam, criam seu s filhos, buscam seu sustento (e muitas vezes o
~ ;; sua fam ília), têm relações sociais e desenvolvem estruturas sociais. O que
elas não têm é um a política) um governo ligado a leis e instituições por meio
':'0 qual- ou somente por meio do qual} como acreditava Aristóteles - o ho-
mem consciente e racionalmente tenta estabelecer um regime justo que vise
2 um bem-estar. O historiador social }rejeitando quaisquer ideias "elitistas"

corno o bem-est ar}buscando ap enas entender qualquer vida e com preen-


.iendo-a como o tr iunfo da im agin ação histórica ao explorar as profundezas
':c vida e seu aspecto inconsciente}irrefletido, irracional}nega que o homem
; ~j a o animal úni co e específico qu e Aristóteles concebeu - um animal racio-
nal, ou seja}político.

: ÔS- ESCRITO

Quando este ensaio foi primeiramente publicado} pela Harper's, em abril


de 1984} provocou mais controvérsia do que eu esperava. Os editores soli-
citaram comentários de alguns historiadores} e outros se ofereceram para
expressar suas opiniões} que oscilavam de elogios efusivos a vitupérios im-
publicáveis. Mas não foi antes de receber a primeira pilha de cartas endere-
çadas a mim de modo privado}algumas fazendo menção à minha coragem
de dizer publicamente o que eles pensavam sem ousar dizer} outras denun-
ciando minha ignorância} arrogância e intolerância} que percebi como era
sensível o nervo que eu havia atingido.
Ao reimprimir o ensaio) planejei sua rev isão e expansão (como havia
pensado fazer com os outros capítulos deste volume): mas) imaginando
que isso poderia me dar uma vantagem injusta perante os meus críticos}

restaurar o sentido da importância da vida política, traçou o percurso da corrupção do


dito de Aristóteles, Sêneca e São Tomás de Aquino até a modernidade. Ver lhe Human
Condition. Chi cago: University of Chicago Press, 1958, p. 23 [ed. bras.: A condição huma-
na, trad. Roberto Raposo . Rio de Janeiro: Forense Universitária /Salamandra, 1981].

HIMM ELFARB 219


mantive aqui a versão original (exceto por algumas pequenas mudanças
estilísticas, a eliminação de duplicações e a restauração das notas de ro-
dapé e do título original). Em lugar disso, quero aproveitar a oportunidade
para comentar pontos mais importantes, levantados em resposta ao ensaio.
(Apenas os remetentes cujas cartas foram publicadas na Harper's serão no-
minalmente citados.)
Visto que muitos de meus críticos acreditam que eu esteja pronunciando
um interdito a toda a história social, tomei deles por empréstimo uma de
suas técnicas e desenvolvi uma aritmética simples, Descobri que disse na-
quelas folhas, por nada menos do que sete vezes, que minhas objeções não
eram à história social como tal, mas a suas pretensões de dominação, supe-
rioridade ou mesmo "totalidade" - não à história social como suplemento
ou complemento da história tradicional, mas àquela que poderia suplantá-la.
Antecipando esse mal-entendido, iniciei assim um parágrafo: "Mais uma vez
preciso dizer - e nunca será demais - que não é o assunto ou o método da
história social o que está em questão, mas seu domínio". A repetição, con-
tudo, não parece ajudar. A bem da verdade - como um de meus correspon-
dentes assinalou -, alguns dos que me acusaram de tentar abolir a história
social expressaram justamente aquela pretensão de superioridade, aquele
desprezo por todas as outras formas de história, o que só veio a confirmar
meu ponto de vista.
As cartas mais comoventes que recebi vieram de estudantes de pós-gra-
duação que relatavam suas experiências com professores (incluindo alguns
eminentes historiadores) que se recusavam a aprovar ou orientar disserta-
ções sobre um assunto tão "arcaico" ou "elitista" como a história política ou
intelectual. Um dos estudantes de meu próprio seminário, que procurava
desenvolver seu artigo em uma dissertação, disse-me que o professor em
cujos domínios seu assunto estaria o advertira de que a biografia política e
intelectual, o tipo que o interessava, era uma "velharia', sendo que seu traba-
lho nunca seria publicado e criaria um obstáculo para sua carreira.
Não me sinto convencida, portanto, por Lawrence Stone - que me cen-
surou por "dar murro em ponta de faca" -, ao citar sua própria previsão de
1979, segundo a qual "os historiadores sociais começariam a se voltar para
modalidades mais tradicionais de escrita histórica': Embora seja verdade,
como disse em meu artigo, que alguns historiadores haviam ficado incomo-
dados com a "nova ortodoxia", suas suspeitas não têm reflexo na profissão

220 " HISTÓRIA COM A POLí TICA DEIXADA DE FORA"


mmo um todo. O próprio Stone teve recentemente de repetir suas críticas,
incluindo a acusação de que a nova história tem cometido o erro de igno-
Re a dimensão política da hist ória." E sua concepção de uma "nova velha

história'~ como mostrei em outro lugar deste volume) diverge tão pouco da
nova história convencional que não consegue trazer à luz as questões que
Irnho levantado.
Outros historiadores que fizeram advertências contra a nova história
tiveram essa atitude justamente porque estão incomodados com sua hege-
monia no ofício. Em seu pronunciamento presidencial à American Histo-
rical Association, em 1982, Gordon Craig descreveu a postura dominante
cm relação à história política de um modo geral) e à história diplomática
cm particular) como se variasse "entre a condescendência e a antipatia"
Dizia ele que, na meia dúzia de encontros anuais anteriores da associação)
as relações internacionais somaram cinco de 128 sessões ." Uma análise de
programas mais recentes poderia mostrar uma desproporção ainda maior;
c as poucas sessões de fato voltadas à história política e diplomática são) na
maioria das vezes) exercícios de história social disfarçada de história política
ou diplomática. Um dos colegas de Stone, também historiador social) mos-
tra evidências do mesmo efeito (ainda que não munido de espírito crítico).
Analisando os cursos de história oferecidos em oito universidades norte-
-americanas entre 1948 e 1978, Robert Darnton concluiu que o número de
cursos de história política caiu em relação ao total de cursos disponíveis) en-
quanto o número de cursos de história social subiu de maneira exagerada."

Respondendo à minha observação sobre a presença da história social no en-


sino médio, como se demonstrou pelas questões dissertativo-documentais
dos exames de colocação avançada) um historiador que participou da ela-
boração do exame assegurou-me que as questões não refletiam tal ambiente)

Lawr ence Stone, pronunciamento em cerimônia da convenção da American Historical


Associ ation, em dezembro de 19 8 2 j e N ewsletier, American Council ofLearned Societies,
inverno-primavera, 1985, pp. 18-19.
:1 Gordon A. Craig, "The Historian and lhe Study ofInternational Relations", American
HistoricalReview, n. 1, v. 88, fev. 1983, p. 2.
__ Rob ert Darnton , "In tellectu al and Cultural H ístory", in M. Kammen ( org.), lhe Past
Before US J op . cit., pp. 350 -51.

HIM M ELFARB 221


que eram meramente voltadas à avaliação das habilidades dos estudantes
quanto ao uso de fontes materiais e do pensamento lógico e crítico a respeito
de fatos históricos, deduções e elaboração de hipóteses. No entanto} um re-
lato recente sobre as "origens intelectuais e o impacto" do tema da disserta-
ção} publicado no boletim da American Historical Association, mais do que
confirma minha acusação. Essa evidência é ainda mais gritante} pois ela vem
de alguém que aprova completamente tanto a história social quanto o exame.

Como um todo, muitos professores assistentes em história norte-americana


estão envolvidos com a "nova" história}e alguns dos mais engajados mem-
bros deste grupo fizeram parte do comitê de examinadores de colocação
avançada em história norte-americana} em que compartilharam seu entu-
siasmo por essas reformas com seus colegas membros do comitê. O maior
responsável pelo desenvolvimento e introdução da dissertação documental
foi o reverendo Giles Hayes, da Delbarton School, em Morristown, Nova
Jersey. O reverendo Hayes dispõe de notório conhecimento e compromisso
no que diz respeito à "nova" história dos anos 1960, tendo sido profunda-
mente influenciado pelo movimento de investigação daquele período.

Esse artigo também sustenta minha afirmação de que os exames "mandam


mensagens" às escolas sobre o tipo de história que deve ser ensinado} estabe-
lecendo, assim}"algo bem próximo de um currículo nacional".

O comitê reconhece que a dissertação documental promove uma mudança


em relação aos procedimentos e normas passados e tem ponderado as impli-
cações de tal proposta. Alguns membros se perguntam se o teste deveria ser
um agente de mudança do currículo ou se deveria continuar como medida do
conteúdo e das habilidades dos cursos existentes de história norte-americana
em nível universitário. Como notado, defensores da dissertação documental}
como o reverendo Hayes, acreditam que o programa de colocação avançada
deveria ser a "nota de corte" da reforma curricular, e essa perspectiva conse-
quentemente prevalece no comitê, já que este endoss~ a disserta ção."

23 Michael S. Henry, "lhe Intellectual Origins and Impact of the Document-Based Ques-
tion", Perspectives, n. 2, v. 24, fev. 1986, pp. 15-16.

222 "HI STÓR IA COM A POL! TICA DEIXA DA DE FORA"


Não surpreende que esse mesmo processo esteja em andamento na França,
a terra da nova história, mas é curioso observar o espanto do governo socia-
lista quando confrontado com os efeitos práticos de uma história social que
de outro modo lhe seria tão próxima. Em agosto de 1983, um encontro de ga-
binete discutiu uma pesquisa recém-divulgada que mostrava que apenas um
terço das crianças que chegavam ao ensino médio sabia a data da Revolução
Francesa. "A deficiência do ensino da hist ória", François Mitterrand declarou,
"tornou-se um perigo nacional.">' Desde então se discutiu muito, nos parti-
dos de direita e de esquerda, a necessidade de restaurar o sentido de história
política e narrativa, com ênfase a indivíduos notáveis no quadro de referên-
cias de nacionalidade. Mesmo alguns (poucos) annalisies começaram a re-
considerar a questão. Marc Ferro, codiretor dos Annales e diretor da área de
estudos em ciências sociais na École Pratique des Hautes Études, descreveu
a prática comum do ensino de história na França que consiste em pedir que
os alunos coletem e discutam casos de rua de sua própria vizinhança para,
depois, ensiná-los a usar documentos e questionar supostos fatos em vez de
meramente memorizar datas e acontecimentos. O resultado, concluiu, é que
às vezes "as crianças já não sabem história algurna'l"
O fato de que não são apenas as crianças que "já não sabem história al-
guma" por ignorarem a história política é ocasionalmente admitido por al-
guns historiadores sociais. O historiador norte-americano que citei, o qual
confessou não "alcançar" a fundação dos Estados Unidos, tem seus confra-
des no além-mar. O eminente annaliste François Furet comentou o descaso
sobre uma das "mais clássicas áreas da historiografia",a Revolução Francesa -
clássica,pois pede tratamento narrativo e também porque estabelece a "polí-
tica como fonte e instrumento da liberdade". No entanto, esse assunto estava
"praticamente ausente", ele percebeu, das séries dos Annales, tanto do pré
quanto do pós -guerra, "como se esse locus classicus da história nacional fosse

•• TIle Economist, 24 set. 1983.


Marc Ferro, The Use and Abu se ofHistorYi ar, HolV the Past is Taught [1981], trad. Nor-
man Sto ne e Andrew Brown. Londres /Boston: Routledge/Kegan Paul, 1984, pp. 239-40
[ed. bras.: A manipulação da história no ellsino elias meios de comunicação, trad. Wlad ímir
Araújo. São Paul o: Ibr asa, 1983].

HIMM ELFARB 223


uma reserva especial da 'outra' hist ória';" Eric Hobsbawm também destacou
um "possível enfraquecimento da perspectiva dos Annales, mais especifica-
mente sua dificuldade em lidar com o que se pode chamar de grandes acon-
tecimentos políticos formativos na história de um país: o Risorgimenio, na
Itália}ou a Revolução Francesa} na França':'?
Alguns críticos me censuraram por criticar a prática de "fazer perguntas
ao passado que o passado não perguntava a si mesmo': Historiadores} argu-
mentaram} costumam fazer tais perguntas. Assim o fazem}assim deveriam
fazer. Mas minha objeção, como dei xei claro}relaciona-se a fazer perguntas
"às quais a evidência é escassa e não confiável" e cujas respostas "são neces-
sariamente especulativas}subjetivas ou dúbias". Eu não faria} obviamente,
críticas a perguntas para as quais possuem evidências confiáveis à disposi-
ção - e} talvez o mais importante} que não pressupõem ou predeterminam
as respostas} que não impõem aos que pertencem a um tempo passado as
afirmações} os valores e as preocupações do historiador. Um exemplo típico
acaba de chegar até mim. Um professor de história do ensino médio} que
participa do Test Development Committee da seção de colocação avançada
em história europeia do College Board, descreve um exercício para que
estudantes desenvolvam uma compreensão de um material que} de outra
forma} pareça opaco:

Um exercício possível reúne estudantes que representam liberais} conser-


vadores} católicos} socialistas e feministas alemães do século XI X ao chan-
celer Bismarck. Representantes de cada grupo de discussão "confrontam"
Bismarck}expressando a aprovação ou não de sua política e confessando se
eles "se venderam" ou não a ele: 8

Não se sabe qual seria a maior distorção histórica: ter feministas como repre-
sentantes de um grupo alemão do século XIX} entre liberais} conservadores}

26 F. Furet, "Introductíon", in ln the Workshop ofHistory, op. cit., p.H.


27 Eric Hobsbawm, "lhe Impact of the AnnalesSchooI on the Social Scíences" [relato da
conferência]. Review, n. 3-4, V.1, 1978, p. 65.
28 Mildred Alpern, "A P European History for Able Sophomores", Perspectives, dez. 1985,
p.16.

ZZ4 " HISTORIA COM A POLíTICA DEIXADA DE FORA"


católicos e socialistas, ou ver esses grupos "confrontando" Bismarck e con-
iessando se eles "se venderam" ou não a ele.
Visto que Carl Degler foi um dos críticos que assinalaram essa questão)
r ode ser adequado citar um artigo seu, datado de muitos anos, que àquela

altura me impressionou e ainda hoje me convence. O historiador, disse ele, é


guiado menos por "leis universais" que se presumem verdadeiras para todos
os tempos e lugares do que pelas "fontes participantes" - ou seja, evidências
d e momento. Assim, o historiador poderia considerar plausível que a Revo-
lução Americana tenha sido causada por altos impostos ou leis de navegação,
mas, se ele não descobrir evidências para isso na literatura do período, de-
ver á abandonar sua tese: por outro lado, se descobrir outras razões, deverá
desenvolvê-las seriamente, ainda que lhe pareçam estranhas. "O historiador
cauteloso', Degler concluiu, "tenta pensar como aqueles que compõem seu
rema e segundo seu sistema de valores.'?"
Outro crítico pergunta: "A vasta maioria da população no passado não
leria considerado ser mais 'elementar e significativo' pensar sobre onde vi-
-'iam e como ganhavam a vida, com quem casavam e o que aconteceria com
seus filhos, do que sobre quem havia vencido as últimas eleições?': Ele me
repreende por pensar que "um novo estudo acerca dos meandros do pensa-
mente político de John C. Calhoun é mais proveitoso que uma análise da
vida familiar de 4 milhões de escravos norte-americanos do período ante-
ri r à Guerra Civil no Sul': Concordaria que uma análise da vida familiar de
_ milhões de escravos seria proveitosa (se ela fosse mais confiável e menos
especulativa e tendenciosa que muitos estudos do gênero), mas não se isso
"ignifica desprezar "um novo estudo" sobre Calhoun - cujas ideias e influên-
ria foram, como sabemos, de considerável significado para a vida de 4 mi-
lhões de escravos . E não penso que seja um sinal de respeito à "vasta maioria
ria população" supor que ela fosse menos interessada em "quem havia ven-
ri o as últimas eleições" (ou quem venceu a última guerra) do que, talvez,
u m professor de Harvard que procure se informar sobre a política nacional
sem negligenciar sua casa, sua carreira e sua família. Este crítico, ao que me
jXrece, está demonstrando um comportamento verdadeiramente elitista - e

:"9 Carl Degier, "D o Historians Use Cov ering Laws?", in Sidne y Hook (org.), Philosophy
and H istory, Nova York: New York University Press, 1963, pp. 20 5-11.

HIMM ELFARB 225


não histórico -, o que fica claro se considerarmos o fato de que muitas pes-
soas "comuns" estiveram apaixonadamente envolvidas com causas políticas,
ideológicas e religiosas, muitas vezes a ponto de sacrificarem sua subsistên-
cia, quando não a vida.
Também fui criticada por não dar valor à irracionalidade na história.
"Nietzsch e, Freud, Kafka e, mais recentemente, Richard Hofstadter", sou
lembrada, "deixavam claro a todos que seres humanos e a política que prati-
cam dificilmente são conduzidos apenas pela razão:' Mas nunca sugeri que
fossem guiados "ap enas" pela razão. Nem o fez Aristóteles (sem a ajuda de
Nietzsche, Freud, Kafka ou Hofstadter) . O "animal político" de Aristóteles
tinha todas as paixões, impulsos, interesses, sentimentos, desejos - e, sim,
irracionalidade - conhecidos pelo homem moderno: mas também se pre-
sumia que fosse dotado de uma "razão" que o tornava um ser humano, algo
mais do que um mero animal. Tampouco Aristóteles propunha que a polí-
tica fosse uma atividade completamente racional - dizia que era apenas em
parte, e que essa parte seria vital, um ingrediente essencial da vida política.
Há ainda mais coisas envolvidas na ideia de racionalidade do que me
aventuro a sugerir em meu ensaio. Pois a racionalidade é a precondição da
liberdade, do livre exercício da vontade individual. Considerando-se que
o campo político está mais ligado à escolha racional, em comparação com o
campo social, que é governado pelas preocupações econômicas e materiais, é na
política que a liberdade potencial se encontra. Isso explica por que a história
social tende a ser mais determinista que a história política, e por que a histó-
ria política tem um aliado natural na história intelectual. Herbert Butterfield,
com sua crítica à história whig, entendeu isso muito bem. ''Ao longo e acima
da estrutura da política", escreveu em sua crítica de Lewis Namier, "nós de-
vemos ter uma história politica apresentada em forma narrativa - um relato
de seres humanos adultos, tomando em suas mãos seu destino, conduzindo
a história para onde desejam conduzi-la, e decidindo por sua própria conta
e risCO:'30 Mas talvez meus críticos aceitem meu argumento quando ele for
desenvolvido por um dos seus . Pedindo a seus colegas que reconsiderassem
a aversão annaliste à história política, François Furet demonstra a ligação ín-
tima entre a história política e a ideia de liberdade:

30 H erbert Butterfield, George III and the H istorians. Londres: Collins, 1957, p. 206.

226 ' HISTÓRIA COM .tA POliTICA DEIXtAD A DE FORA"


Assim, também, a história política é primeiramente uma narrativa da liber-
dade humana tal como foi vista ao longo das mudanças e do progresso. Ain-
a que a história política descreva a concepção básica, ou seja, os limites
ern que os homens atuam, sua maior função é descrever os pensamentos, as
escolhas, os atas dos homens - ante s de tudo, dos grandes homens. A políti-
ca é o campo fundamental do acaso, e, assim, da liberdade. Ela dá à história
2 estru t ur a de uma narrativa, exceto pelo fato de que seu enredo deve ser
composto de fatos verídicos, verificávei s segundo as leis da evidência; e tal
história é de fato o verdadeiro romance das na ções."

-uoli cado originalment e como "Histo ry With th e Polit ics Left Out" in Gertru de Him-
~- elíar b, The New History ond the Dld: Critica i Essoys ond Reopp rois ols. Cambri dge
,): The Belknap Press of Harvard Universit y Press, 1987, pp. 13- 32. Tradução de
: funo Gamba rotto.

F. Furet, "Introduction", em ln the Warkshop of History, op. cit., p. 9.

HI MM ELFARB 227
·- historiografia do século xx apresenta ao hi stori ador um probl ema novo
- _...te campo) a saber) um imenso pluralismo que parece desafiar uma expo si-
.~ coerente dessa historiografia. Ela não pode ser descrit a da mesma forma
:l:n-; o a do século anterior que era constru ída como se seguisse dois modelos,
. '-'-"3eliano e o rankeano, no s quais a política atuava como a fonte de coer ên-
.' ~ extra-h ist órica para a hist ória e a histor iografia daquele século com vistas
_ urna posterior história da histor iografia, Pelo contrário) o histori cismo lega
. .:1.1 pluralism o de modelos e métodos) não um ou doi s) e estes modelos e

- étodos são tão variados qu anto os historiadores que os empregam) bem


.u sn o são variados os objetos aos quais se aplicam.
Quando o historiador tradicional gostaria de ser capaz de ver a possi-
ilidade de uma bem-sucedida proposta de coerência de seu trab alho) qu e
ub stitua a antiga confiança na política tal como ocorrera no século XIX, ele
~1 consegue.

Qu ando o historiador tradi cional gostaria de ser capaz de demonstrar) em


oo rne de um a fonte de coerência histo ricamente fund ada e da int egridade
hist órica de seu campo de estudo s, que os historistas e autorracionalistas do
>......culo xx simplesmente reconfigu ram as faces de velhas moedas com a fina-
.:.1a.de de pre encher as necessidades de seu pr óprio tempo) que reconfigura-
rum os modelos de Hegel e Ranke valorizando agora alguma outra teori a de
coer ên cia histórica no lugar da polít ica) ele simplesmente não consegue.

KRIEGER 229
A evidência de uma prática histórica pluralista é forte demais para com-
portar um ponto de vista como esse. Não há um único elemento de coerên-
cia sintética na historiografia do século :xx que seja capaz de associar satis-
fatoriamente os esforços de um Meinecke ou de um Toynbee aos, digamos,
de Foucault.
Permanece entretanto a hipótese dessa história de que, não obstante his-
toriadores aparentemente tão opostos quanto Meinecke e Foucault, perten-
çam a uma única história da prática histórica do século :xx. Ainda que os his-
toriadores do século :xx tenham enfrentado de modo desigualo problema
com que o historicismo deparou - o problema da dissolução dos valores
universais - e assim, no' caso do historicisrno, tenham enfrentado a crise
anunciada de maneiras muito variadas, esses historiadores e muitos exem-
plos de suas respectivas práticas históricas ainda pertencem a uma tem-
poralidade pós-historícista, ao mesmo século, e, pelo menos segundo um
importante aspecto, à mesma experiência histórica, conscientes ou não de
que assim fosse. Partilham de uma historicidade comum, mesmo que não
tenham conseguido reconhecê-la ou preferissem ignorá-la, ou tivessem le-
vado às últimas consequências o fato de que o historicismo foi efetivamente
a nota dominante na experiência histórica desse século, com sua evocação
da noção moderna de crise. Isso é tão verdadeiro para a prática histórica
quanto para a vida econôrnica, social e política do século xx.
Assim, o historiador tradicional poderia muito bem lamentar o fato
de que a questão da gênese da coerência de seu trabalho não seria levada
adiante por seus colegas, não poderia ser uma preocupação explícita do tra-
balho desses colegas, nem ser escrupulosamente definida e rigorosa e cons-
cientemente empregada em benefício de uma ciência histórica. Mas isso
seria apenas lamentar o fracasso de nosso século ter produzido uma razão
especificamente histórica, há muito prometida pelos idealistas da disciplina,
segundo a qual a história seria definida e praticada de maneira uniforme,
quando na verdade não poderia existir tal leito de Pro custo da razão histó-
rica. Há, de fato, uma variedade de histórias para serem aprendidas e uma
pluralidade de métodos históricos para serem praticados; e, necessariamente,
algum elemento histórico que permanece além do escopo da razão histórica.
Não resta dúvida de que ainda há de existir uma razão histórica específica,
ou um verdadeiro historicismo. Mas que, por si, nunca será um substituto
para a definição pluralista de prática histórica. Não obstante, como este livro

230 A COERÊNCIA HISTORIOGRÁFICA NO SÊCULO XX


: -s for ça por demonstrar, o tempo tem suas razões, e quando a coerência
• - necessária, ela será provida.
Se] com a descrição da pluralidade da prátic a histórica no século xx, um
_ n ário entrecortado logo aparece - tendo a suspe nsão temporária da cro-
lo gia em favor da abordagem teórica de um lado e a súb ita suspensão do
rrico em favor do cronológico de outro -, isso se deve à heterogeneidade
_ objeto e à ne cessidade de explicit ar o que faz essa heterogeneidade ser
_ crente. Se, então, essa descrição pr oduz uma imagem um tanto excêntrica
: obrigatoriamente truncada da historiografia do século xx, é apen as porque
· ~ .uralidade do produto histórico do nos so século é sua razão, e o historia-
~ ~ solitário só pode agir dessa forma.
~a verdade, toda a historiografia do século xx, no que diz respeito à base
~ ~ sua coerê ncia em cada exemplo, pod e ser classificada de acordo com um a
" . 2. que se estende da externação desse princípio na form a de leis ou mo-

~ é . DS universais, até sua subutilização, o que implica uma no ção do discurso


I · ~ ti c ularm ente moderna, específica do século xx . Ademais, essa linha ofe-
: re um contexto par a a discu ssão de cada exemplo de coerência histórica
~ . , historiadores em particular - um a base para avaliar a relação do exemplo
· Ti a externação do princípio de coerência - tanto quanto para a discussão

:.:' quaisquer ambiguidades que subitamente apareçam no caminho. Dada a


· ~ têrogeneidade do.objeto, parece mais adequado dirigir a atenção ao histo-
.ador individual e o exemplo de sua prática à man eira de Hegel, enfatizando
historiador individual e a dialética histórica , já que o precedente hegeliano
r .I) pode ser seguido de outra form a. O problema lógico de cruzar referên-

.i .2S da natureza coletiva do homem, para que se chegue à sua ind ividuali-

· sde, é resolvido aqui pela ênfase comum na história social e no que stiona-
_. ento da un idad e do tempo histórico.
O exemplo da externação do princípio de coerência, tal como aplicado
õM) estudo da história, cheg a a nós em meado s do século xx, vindo da filo-

~! d . O papel uni versal da razão, mas não a razão em si, tornou-se subor-
.: nado, mas não anulado, pelo s rom ânticos do século XIX. Esse exemplo
a nerge dos grandes choques das dua s guerras mundiais, e da experiência do
znrbulento período entreguerras, com um dinamismo político, social, cultu-
. J :: econ ómico dilacerante e que não podia ser assimilado à tradição. Foi
- o campo da filosofia, no qual a ênfase inglesa, norte-americana e austríaca
- _ an álise e na lógica histo ricamente ind iferente substituiu a preocupação

KRIEGER 231
francesa, italiana e alemã de um existencialismo historicamente engajad o,
que a razão intra-histórica (autorracional) cedeu espaço para um cânone de
racionalidade a-histórica.
Positi vistas lógicos e filósofos analíticos são representantes da postura,
encontrada no século xx, que dá maior importância à epistemologia do
que ao processo - à escrita mais do que à história vivida - , e, apesar de SU ê.
classificação não ser muito surpreendente, ela confirma a persistência dê.
tradição racionalista e historística na fase contemporâne a da abordagem
histórica. De acordo com a passagem da sub stância ao conhecimento, o
tipo de razão que esse grupo procura na história transitou do padrão a
explicação, da continuidade do processo à conexão que denota o sentido
de um acontecimento. Como esses filósofos estenderam suas ideia s a urna
história obstinada, entre outros campos, eles procuraram explicar os mais
variados tipos de realidade. O que ch amamos de tipo s racionalísticos e
historístico s de abordagem do problema da razão na história, signi ficand o
uma racionalidade que não é tão peculiar a ela, encontra expressão na po s-
tura de oposição daqueles que esposam as "lei s universais" para história
e daqueles que insistem nos princípios explicativos mai s próximos do
procedimento de historiadores independentes. O modelo de lei univers al,
que sustenta que historiadores devem recorrer a uniformidades expre ssas
por leis gerais pa ra formular suas explicações, quer eles concordem ou
não com esse procedimento, faz o balanceamento da racionalidade his -
tórica com a extra-histórica, nas palavras de uma autoridade do porte de
Carl Hempel, um do s criadores do modelo. Ele escreveu categoricamente
que "a natureza do entendimento, no sentido de a explicação visar ofer e-
cer um entendimento dos fen ômenos empíricos, é basicamente a mesma
em todas as área s da investigação científica [ ... ]. Nossos esquemas exi-
bem [ .. . ] um importante aspecto da unidade metodológica de todas as
ciên cias empíricas".' Deve-se notar que Karl Popper, um importante crí-
tico da história racionalista do século XIX, rejeitou, no que diz respeito às
ciências naturais e à lógica histórica - e, assim, partindo da perspectiva de
sua próp ria racionalidade histórica - , o tipo de indução generalizante no

Carl H emp el, "Explanation in Scien ce and H isto ry", in William H . Dray (org.), Philoso-
phica/ Ana/ysis and H istory. Nova York: H arp er, 1966, pp . 123-24.

232 A COERÊNCIA HiSTORIOGRÁFiCA NO SÉCULO XX


eal, ele percebeu, se b aseava a história racional supostamente inválida do
: : ilo XIX) e durante sua aparente concessão à proposta historicamente
~ nveniente de "engenh aria soci al fragment ária" ele insistiu na unidade es-
: ocial do s procedimentos racionais em todos os campos. "Todas as ciên-
· ',-_~ teóricas ou generalizantes fazem uso do mesmo método) sejam elas
- .rurais ou sociais [ ... ]. Os métodos consistem sempre em oferecer expli-
· : t~ e s causais dedutivas e em testá-las [ ... ]. A tese da unidade do método
_ en t ífico [ ... ] pode se estender, com certas limitações, mesmo ao campo
.; ,--õ . i éncias históricas [ ... ]. Um evento Singular é a causa de outro evento

-~ul a r - que é seu efeito - apenas em relação a algumas leis universais."


:\ 5 reservas que têm se expressado quanto à aplicabilidade de um mo-
~ do de lei universal à história têm muitas vezes colocado em contraposição
_. no nes racionais de explicação que são apropriados somente à história,
do assim classificáveis como representantes de uma racionalidade histo-
- -·i a. Essa, por exemplo, é a defesa de Dray para aquilo que ele - e outros
·:'? ais dele - chama de "explicação racional", referindo- se assim à união
~ '-" pretensas razões reconstruídas do seu agente histórico para uma ação
:n .-n as próprias estimativas do historiador acerca das razões "reais" que tal
~ .:::: nte teria para sua aç ão.' Uma rest rição alternativa é limitar tais explica-
ri ::5 racionais às pretensas razões do agente e atribuir todas as demais ex-
~ . : cações ao campo das causas, que podem ou não ter po sição historística."
=- :: todo modo, quer nessa forma de explicação racional, quer na exposição
.. ais intrincada de uma lógica especial da narrativa histórica,' o fato é que
_. escolas contemporâneas de filosofia que relacionaram o padrão e a expli-
-::- cào na história e que são famosas por sua filosofia histórica racionalística

Karl Popp er, The Poverty of Historicism. No va York: Harper & Row, 1961, pp. 62-64, 98,
i:;o-31, 143-45 [ed. bra s.: A miséria do historicismo, trad. Oc tany S. da Mota e Leonidas
Hegenberg. São Paulo: Cultrix / Edusp, 1980].
William Dray, Laws and Explanation in H istory. Londres: Oxford University Press, 1957,
Fp· 123-26.
Sobre essa alternativa, ver Patr ick Gardiner, The Na ture ofHistorical Explanation. Lon-
dres: Oxford Uni versity Press , 1953,pp. 182-218; Robert F. Berkhofer JI., A Behavioral
.'ipproach to Historical Analysis. Nova York : Free Press, 1969, pp. SI-59.
.Arthur C. Danto, Ana lytical Philosophy of History. Cambridge: Cambridge University
Press, 1968, pp. 233-66.

KRIEGER 233
também produziram discussões de equivalentes historísticos em favor de
uma razão mais distinta. Se o modelo de lei universal é o limite concebí-
vel à externação do princípio de coerência tal qual se aplica ao campo da
historiografia, como aqui se propôs, então certamente a discussão sobre os
equivalentes historísticos dessa lei precisa continuar, tendo em vista a con-
firmação dessa proposição.
Esses exemplos, vistos aqui em seus pontos centrais, não obstante, repre-
sentam os esforços mais significativos de nosso século em restabelecer, em
nome da questão da coerência histórica, uma base de certeza que é externa
à própria história, apoiados em uma suposta compreensão universal da na-
tureza de nosso entendimento dos fenômenos empíricos. Feliz ou infeliz-
mente, dependendo da perspectiva da natureza necessariamente pluralista
do trabalho historiográfico, essa gênese externa de uma coerência histórica
é precisamente o tipo de realização que os fenômenos do historicismo mos-
traram ser sempre problemático. Antes de nos- aprofundarmos mais, con-
tudo, dois exemplos de historiadores que insistiram nos princípios de ex-
plicação e coerência mais próximos dos procedimentos dos historiadores
independentes serão instrutivos. Pois, a bem da verdade, a historiografia de
nosso século revela uma maior proliferação de existencialismos historica-
mente engajados em comparação com uma aderência a qualquer lógica his-
toricamente indiferente.
Friedrich Meinecke, cuja longa vida e carreira englobaram a época ante-
rior à Primeira Guerra Mundial, o entreguerras e o período após a Segunda
Guerra Mundial, foi um historiador profissional cuja teorização sobre a his-
tória pertencia em essência à segunda das épocas," Ele era um historicista
convicto, que observava a história em si, como processo e como modo de
conhecimento, para gerar a coerência ligando eventos individuais e for-
mas que seriam a essência da história. "O cerne do histericismo", escreveu,
"consiste na substituição de um tratamento generalista das forças históricas

6 O próprio Meinecke se refere a seu artigo "Causality and Values", de 1925, como sua
teoria da história. Até então, ele havia se dedicado à escrita da história concreta. Hans
Herzfeld, "Priedrich Meinecke: Der Geschíchts-Denker", in Richard Dietrich~rg.),
Historische Theorie und Geschichtsforschung der Gegenwart. Berlim: De Gruyter, 1964,
pp. 99-101.

234 A COERÊNCIA HISTORIOGRÁFICA NO SÉCULO XX


e humanas por um tratamento individualizante,"? Duas de suas qualidades
óbvias e distintivas sublinham essa sua ênfase intra-histórica. Primeiro) sua
ambivalência acerca da filosofia o levou a se opor à intrusão da filosofia na
história na forma de princípios políticos e a insistir em princípios filosóficos

F. Meinecke, Die EntstehungdesHistorismus. Munique: R. Oldenbourg, 1936, v. I, p. 2.


O famoso historiador holandês Johan Huizinga também faz parte dessa ilustre geração,
cujo pensamento histórico é, em sua essência, reflexo desse período entreguerras, e seu
exemplo pode muito bem servir de introdução ao de Meinecke. Ainda que afirme a po-
sição mediadora da cultura dos Países Baixos na Europa, e a perspectiva de seu trabalho
tenda ao pan-europeísmo, seu pensamento histórico pode classificá-lo como historicista
no modelo germânico; ainda que seja menos explícito neste ponto do que Friedrich
Meinecke, ele representava a mesma espécie de imersão antinaturalista no indivíduo e a
mesma espécie de insatisfação com essa imersão como o fez a maioria dos historiadores
germânicos. Huizinga enfatizava a variabilidade e a pluralidade da história cultural em
particular e da história em geral. "O objetivo [de sua história cultural] é determinar
uma morfologia do particular, antes que ouse considerar o geral", escreveu categorica-
mente. "Sejamos, por hora, pluralistas acima de tudo." Johan Huizinga, Men and Ideas:
History, theMiddleAges, theRenaissance [1948 J, trad. James S. Holmes e Hans van Marle.
Nova York: Meridian Books, 1959, pp. 58, 64. Ver também Carlo Antoni, FromHistory to
Sociology: The Transition in German Historical Thinking [1940J, trad. Hayden V. White.
Detroit: Wayne State University Press, 1959, pp. 204-06. Mas desde que atribuiu um
papel ativo ao historiador, legando a ele a função de explicar as formas e estruturas dos
fenômenos, ele nunca ficou inteiramente feliz com os resultados individualizantes do
empreendimento do historiador, e mesmo em sua obra-prima, TheWaning of the Mid-
dleAges, assumiu o objetivo de buscar"a característica comum de várias manifestações
de civilização daquela época". J. Huizinga, The Waning of the Middle Ages: A Study of
the Forms of Life, Thought, and Art in France and the Netherlands in the xrv" and xv"
Centuries. Londres: E. Arnold, 1924, p. 6. Uma vez que por definição ele dificilmente
encontraria a estabilidade que procurava na história, e na medida em que envelhecia,
sua tendência foi procurá-la fora da história. O Homo ludens que escreveu como um
discurso em 1933 e como um livro em 1938 era uma investigação da ideia de jogo por
trás de toda a cultura humana, e confirma amplamente o veredicto de seu comentador
de que "Huizinga revela seus interesses meta-históricos pela escolha de seu assunto e
a crescente ênfase nas relações sociais". J. Huizinga, Homo ludens: A Study of the Play-
-Elementin Culture. Boston: Beacon Press, 1955, esp. pp. 1-27 [ed. bras.: Homo ludens:
O jogo como elemento da cultura, trad.João Paulo Monteiro. São Paulo: Edusp/Pers-
pectiva, 1971J; Bert Hoselitz, "Introduction", in J. Huizinga, Men and Ideas, op. cit., p. n.
Se nós notarmos ainda que ele se voltou a constantes relacionamentos além da história,
então teremos a história de Johan Huizinga.

KRIEGER 235
induzidos com base na história) selando sua factualidade com generalidade e
construindo uma unidade para acontecimentos históricos) assim como para
um sentido filosófico do historiador." Segundo) ele foi o primeiro a conside-
rar o historicismo algo bem-vindo. Enquanto outros, como Troeltsch e Man-
nheim, notaram a importância cultural do historicismo, mas ainda o viam em
essência como um "problema") como um tipo de relativismo a ser superado}
Meinecke, longe de negar o sentido fundamentalmente individualizante do
historicismo e a questão da "anarquia de valores" que ele inevitavelmente le-
vantava, o caracterizou como "o mais alto estágio que já se alcançou no en-
tendimento das questões humanas", e escreveu, abordando sua gênese) um
de seus principais livros, tentando resolver as questões que levantava em seus
próprios termos." Ele não poderia aceitar as tentativas literais de Troeltsch de
resolver o problema da "confusão" do historicismo criado pelo "infinito plu-
ralismo dos valores individuais" precisamente porque era mais historiador, e,
assim) mais empírico que o teólogo) e porque} ainda que não admitisse, de-
monstrava maior aceitação do historicismo do que Troeltsch, com seu inces-
sante esforço para "superá-lo". Em Die Idee der Staatsráson (1924), Meinecke
tomou por tema "a polaridade da natureza física e do intelecto", e aceitou am-
bos os lados como a substância de sua história, incluindo as implicações de
um nexo causal naturalista em oposição à teleologia ideal." Perto do fim de
sua vida, ademais, afirmou que observava "uma síntese inteiramente nova do
historicismo e da lei natural" e admitia "o típico" e "o recorrente" na associa-
ção com o evento único como uma parte integral do próprio historicismo."

8 Walther Hofer, Geschitchtsschreibung und Weltanschauung,: Betrachtungen zum Werk


Friedrich Meineckes. Munique: Oldenbourg, 1950, pp. 7-13. Nos próprios termos de Mei-
necke, sua posição"de fato não traz pressupostos metafísicos, mas é levada a consequên-
cias metafísicas". F. Meinecke, Staat und Pcrsônlichkeit: Studien von Friedrich Meinecke.
Berlim: E. S. Mittler & Sohn, 1933, p. 62.
9 F. Meinecke, Die Entstehung des Historismus, op. cit., esp. v. I, p. 5j "AlIgemeines über
Historismus und Aufklârungshistorie", in Aphorismen und Skizzen zur Geschichte. Leip-
zig: Koehler & Amelang, 1942, pp. H-18.
10 Id., Machiavellism: The Doctrine of Raison d'Etat and its Placein Modem History [1924 J,
trad. Douglas Scott. Nova York: Praeger, 1965, pp. 6-12.
H F. Meinecke a H. Ritter von Srbik, 18 jan. 1951, e Meinecke a Kãhler, H jul. 1941, em F.
Meinecke, AusgewahlterBriefwechsel, eds. Ludwig Dehio e Peter Classen. Stuttgart: Kôh-
ler, 1962, pp. 3°7, 377.

236 A COERtNCIA HISTORIOGRÁFICA NO StCULO XX


A tendência or iginal de Meinecke de definir o historicism o em termos
-= -: sua doutrina da in d ividualida de e de comp or sua pluralidade pela ên-
--~.' " nos motivo s do conflito, da dualidade e da heterogeneid ade empírica
- as matérias históricas, acarretou dificuldad es para que enc ontrasse fatores
-= -:" coerência est ável na hist óri a. Ele tentou sup era r essa fraqueza, enquanto

-i.: :1 a resguardava o lugar dominante do histo ricismo, introduzindo a id eia

: -: "desenvolvim ento" junto à de "individualidade" como parte s da ess ên-


: l ,} do histericismo, e definind o desenvolvimento como uma "contín ua

coe r ên cia da vida [Lebenszusammenhang] diri gida a objetivo s"" Com a


mtera ção de no çõ es de de senvolvimento e individualidade , a distinção
ind ividual da vida hi stórica p assou a ser movida por "ideias" que inves-
{~ m na individualid ade da histór ia em form as socializadas e suprapessoais
': assim, dotavam-na "m acrosc opicam ente" da continuida de da "unidade
~ ~ vida humana e esp iritual", emprestando inteligibilidade e coerência aos
pa rticulares hist órico s."
Em virtude das qualidades flexíveis que atribuía à individualidade, em
,;:-" nde parte, m as não de forma decisiva, po r meio de seu casamento com
i! no ção de de senv olvimento, Meinecke procurou desenvolver as conexões

rulturais universais a partir da abordagem do historiador qu anto ao pro-


: ,, 550 histórico em si no molde historicista. Assi m, a história intelect ual, na

rorrna da históri a da s ideias, recebeu sua ênfase primeiramente como base


à~ continuidade na história. M as a b ase historicist a dessa coerência nunca
'oi considerada adequada por Meínecke, e ele na verda de assentou suas
noc óes de individualidade e de senvolvimento no solo segur o da Weltans-
.i ;@ I.mg - ou seja, em sua filosofia da vida -, aplicando-a à história, a des-
:-eito de sua an álise ostensiva do relacionam ento em dire ção oposta, qu e
pressupunh a a primazia da história." Então ele p ôde persistir em sua fé na
ro erê ncia histórica quando) depois da Segunda Guerra Mundial, associou
sua nova preferência por Burckhardt em lugar de Ranke com o pensador da

11 F. Meinecke, "Ein Wort über Geschichtliche Entwicklung ", in Aphorismenund Skizzen


zur Geschichte, op. cit., p. 96.
13 Id., ibid., pp. 102-0 9 .
I~ Esse é o argument o do comentador m ais sofisticado de M einecke em atividade, W. Ho-
fer, Geschitchtsschreibung und WeltallschauulIg, op. cit., pp. 4 71-74, 519-39.

KRIEGER 237
história com sua preferência pela ideia de individualidade (que ele associava
a Burckhardt) em lugar da ideia de desenvolvimento (que ele associou a
Ranke), Na verdade} o pessimismo cultural de Burckhardt estava mais para
seu gosto} no pós-guerra, do que o otimismo histórico de Ranke, mas o fato
é que ele permaneceu seguro quanto às implicações coerentes de sua nova
ideia de individualidade mesmo sem a companhia de sua n~ção de desen-
volvimento histórico, confirmando assim a gênese extra-histórica de sua fé
na individualidade das formas da vida."
Como Meinecke, Arnold Toynbee, um dos mais proeminentes historia-
dores de nosso tempo} embora pouco representativo dessa época} teve uma
longa carreira} que atingiu seu clímax com o trabalho escrito e publicado du-
rante os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial} trabalho que real-
mente pertence, por seu pensamento histórico} ao período entreguerras."
Mas} diferentemente de Meinecke, Toynbee parece pertencer ao campo
anti-historista, já que ele atribuía explicitamente ao "histericismo" - ou ao
Historismus, como ele insistia em chamá-lo - a crença no caráter único dos
acontecimentos históricos e em sua consequente incomensurabilidade} que
ele em princípio rejeitava." Contudo} ele próprio foi um produto da ênfase
historicista, como aqui é definida} pois admitia que a generalização de qual-
quer forma sempre fora o problema da história} que a indução com base na
história é tão adequada ou inadequada quanto a indução em geral," Desse
modo, a ênfase de Toynbee na sujeição dos historiadores às condições de
seu tempo} na consequente relatividade dos resultados e no uso do método

15 F. Meinecke, "Ranke and Burckhardt", in Hans Kohn (org.), German History: Some
New German Views, trad. Herbert H. Rowen. Boston: Beacon Press, 1954, pp. 145, 154i
Meinecke a L. Dehio, 21 jul. 1947, e Meinecke a Kâhler, 16 abr. 1947, em F. Meinecke,
Augswiihlter Briefwechsel, op. cit., pp. 282, 514.
16 Sua reflexão tardia é posterior à Segunda Guerra Mundial. Porém, A Study ofHistory, a base
real de sua fama, retoma ao periodo imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial
para buscar inspiração. Os primeiros seis volumes foram publicados por volta de 1939; os
outros quatro, que encerram a essência do trabalho, logo após o término da Segunda Guerra
Mundial, de 1946 a 1954, e os dois volumes de considerações finais, em 1961.
17 Arnold Toynbee, A Study ofHistory. Nova York: Oxford University Press, 1961, v. 12, pp.
16,562 [ed. bras.: Um estudo da história, trad. Isa Silveira Leal e Miroe1 Silveira, 2~ ed.
Brasília/São Paulo: usa/Marnns Fontes, 1987].
18 Id., ibid., v. 9 (1954), pp. 173-216j v. 12, pp. 22-68.

238 A COERÊNCIA HISTORIOGRÁF'CA NO SÊCULO XX


comparativo como caminho para a generalização na história levava a uma
.1:.illJissão de sua própria cumplicidade com o histericismo, a cujo individua-
-'o ele se opunha abertamente."
Segue-se que Toynbee se opunha àqueles que criticavam duramente
_ ~ s generalizações sobre a situação presente da humanidade por não
.-em empíricas e sim impostas à evidência histórica." Para entender o
_ " flito}que era} sobretudo} uma questão de diferentes perspectivas sobre
o bra de Toynbee, com ambos os lados sobrevalorizando a função sinte-
ti"z.:dora do historiador per se e reivindicando-a para si mesmos} não será
reciso recorrer à crescente fé religiosa de Toynbee, como se evidenciou
~H sua tardia atribuição da lei na história à lei de Deus} que não é} segundo
SUi! definição}"feita pelo homem"} mas antes uma tradução do humano à

'-.:-era divina por meio da metafísica antropomórfica e sua correspondente


•",,': d a natureza" determinística} que dali se impôs sobre os destinos histó-
. ro s do homem." A crença de Toynbee em uma natureza comum} ou seja}
: ' J "ingredientes estáveis" quase imutáveis} mas que se deslocavam pelo

;:.,c mpo humano e eram a base real da "contemporaneidade filosófica" (o


-undam ento da confiança de Toynbee na comparabilidade entre civiliza-
?-l-':'s) , indica o relacionamento dual entre a história) de um lado} e a ciência
" d arte) de outro} em razão do qual se considera que as últimas} às vezes,

~ .,, ~ J O em outros tempos, fora da história." A primeira representa o inicial


~ ,,<'. 0 desenvolvido; a última} o pensamento maduro de Toynbee. Em seu
~M) " l c i o namento inicial} Toynbee negou que "a continuidade da história"
~·tE ' e genuinamente histórica em sua utilização a ponto de se presumir a
~-o n ex ão entre as vidas de diferentes sociedades} e insistia em que} ainda
Llu ê a capacidade de formular leis estivesse à margem da ciência geral} a

.'j Id., ibid., V.1 (1934), pp.a-ió, 147-62.


: :0 Id ., ibid., v. 12, pp. 259-68, 563-68j Pieter Geyl, Debates with Historians. Nova York: Me-
ridian Books, 1958, pp. 114-15, 129, 165-80; Gerhard Masur, Geschehen und Geschichte:
A ufsatz e und Vortrage zur europiuschen Geistesgeschichte. Berlim: Colloquium Verlag,
"971, pp. 182-85.
:' J A. Toynbec, A Study of History, op. cit., v. 9}pp. 168-73.
Id., ibid., v. 1, pp. 172-74j Civilization on Trial. Nova York: Oxford University Press, 1948,
p.8j Change andHabii: lhe Challenge ofourTime. Nova York: Oxford University Press, 1966,
p.10 [ed. bras.: O desafio denosso tempo, trad. EdmondJorge. Rio de Janeiro: Zahar, 1968].

KRIEGER 239
"alternação rítmica entre duas atividades antitéticas porém complementa-
res} que é nativa ao pensamento em geral e ao pensamento histórico em
particular} é também nativa à própria História","
Mais tarde} contudo} Toynbee chegou a admitir que diferentes tipos de
atividades poderiam adicionar-se à história em vez de estar compreendidas
nela. "É preciso ser livre para recorrer aos diferentes métodos do poeta} do
cientista e do historiador} segundo a natureza de cada ponto da tarefa"} es-
creveu} elaborando sua máxima para defender o fato de que o pensamento
histórico estava tão sujeito à prioridade da hipótese e à desproporção entre
teoria e indução quanto qualquer tipo de conhecimento científico." O que
é preciso admitir} portanto) além das restrições às generalizações impostas
por Toynbee, proferidas contra ele por historiadores com uma tendência
h~storicista individualizante} é que} enquanto ele prosseguia} e enquanto} de
fato} sua convicção quanto a uma intervenção divina nos assuntos humanos
crescia} sua admissão da qualidade intrusiva das generalizações e de sua gê-
nese vitalista evoluía rapidamente. Sua ênfase vinha de dentro para fora no
que diz respeito ao processo histórico para a validação de suas generaliza-
ções históricas.
Como os "novos historiadores" norte-americanos} por outro lado} Toyn-
bee ajudou a preencher a distância entre a ênfase interna científica dos fran-
ceses e as explicações filosóficas externas dos alemães} no que se refere à
superação da crise trazida pelo impacto cáustico do historicismo. Os "novos
historiadores" norte-americanos} juntamente com os inovadores e influen-
tes annalistes franceses} merecem agora discussão.
A "nova história", que se caracterizou pela abordagem inovadora de his-
toriadores perto da virada de nosso século} foi, ainda que possa parecer ter
ocorrido o contrário} baseada no historicismo e na dissolução de valores
universais. A história estritamente política} especializada e factual} que eles
deploravam abertamente, tinha} como vimos} princípios estáveis} se não ex-
trapolíticos, em suas premissas. O ponto alto da nova história foi aceitar a
mobilização e} assim} a historicização de toda a realidade humana cognoscí-
vel, construindo uma síntese estável} geralmente com a ajuda da ciência e de

23 Id., A Study of History, op. cit., v. I, pp. 43-44, 50.


24 Id., ibid., v. 12, pp. 40-47.

240 A COERÊNCIA HISTORIOGRÁFICA NO SÊCU LO XX


eus métodos. Essa "nova história" foi muito difundida, marcando pre sença
iA-l trab alho de Jame s Harvey Robinson, Charles Beard, Carl Becke r e outros
.: ~ \-o to s do pr agmatismo hi stórico nos Est ados Unidos, de Karl Lamprecht,
- :. Ale ma nha, e da escola francesa, oportunidad e em que teve sua raiz mais
.i:-m e. Assim, a versã o am ericana da "nova história" considerou o método
:j.:o ntífico gen éri co como o ma is ade quad o m eio de estabelecer um conhe-
rim ento histórico válido. Obser vou o m ais amplo sen tido de "fato ou ocor-
rência" com o parte da "busca de leis naturais e suas aplica çõe s multiformes',
.: ue sinte tizaram as narrativas hi stóricas de fatos e ocorrências e claramente
- T ..-ocaram as mais recentes descobert as das ciências sociais como relevant es

.} .oe rente "seleção de fatos históricos e sua inte rpretação'i" Quando os jo-
~ n s protagoni sta s da "nova história" (Becker e Beard eram alunos de James
:·i :.rvey Robinson) se des vencilharam da ênfase original na or ientação do
::.s sado em di reção ao presente, foram atraídos, cada qual de sua form a ini-
mit ável, ainda mai s profundamente pelos trabalhos do historicismo. Becker
- 2'':U SOU assistê ncia exterior e, enfatizando que, "deixados a si me smos, os fa-

iJ)5 não falam" e, consequentemente, o historiador precisaria "dar a eles certo

-:~ ar em certo conjunto de ideias", sublinhou a relatividade e a vari abilidade


':'0.5 padrões puramente hist óricos." O Beard do s últimos tempo s, por outro

23o, reagiu com vigor contra o determinism o natural-cientificista que sur giu
32 tais pad rõ es e voltou-se cada vez m ais aos esquemas europeus contine n-
:",.i, ligados a um a supervenç ão filosófica do histo ricismo, na linha de Croce,
ieínecke e M annheim, para enc ontrar saídas para seu imp asse intel ectual."
Com o uma versã o mais no va da no va história, a abordagem de Karl
'. amprecht, que se engajou em uma MetllOdenstreit aberta com seus colegas
__x tod oxos no iníci o do século, uniu em sua campanha uma in sistên cia na
aist óría coletiva e unitária e uma cândida confiança na psicologia. Prescrevia
~u e "0 tipo geral de desenvolvimento do s po vos necessita ser descoberto" e

J ames Harvey Robinson, The New Hi story: Essays IlIustrating the Modem H istorical
Outlook (nova edição) . Nova York: Free Press, 1965 } pp. 15, 24} 4 8-10 0.
Carl L. Becker, Everyman His Own Historian: Essays on History and Politics. No va York:
F. S. Crofts & c., 1935, p. 251.
- ;\lorton G. Wh ite, SocialThought in Am erica: The Revolt againstFormalism. No va York:
Viking Press, 194 9, pp . 22-35i Cushing Strout, The PragmaticRevolt in Am erican History:
Cl rl Becker and Charles Beard. N ew H aven : Yale University Press , 1958, pp . 50 -61.

KRIEGER 241
postulava tanto uma comunidade psíquica nas raízes do desenvolvimento
histórico da cultura genérica de uma nação quanto um relacionamento estri-
tamente causal entre suas expressões como seus motivos."
Mas a nova safra de historiadores norte-americanos e alemães teve pouca
influência fora do continente norte-americano. Sem dúvida, dos historiado-
res profissionais que refletiram sobre o impacto do historicismo na virada
do século, os dois mais representativos foram Henri Berr, da França, e Frie-
drich Meinecke, da Alemanha, e se, como no caso da filosofia idealista do
século xx, considerarmos haver um continuum na historiografia significativa
entre a era anterior à Primeira Guerra Mundial e o período entreguerras
(incluindo os anos que seguem imediatamente a Segunda Guerra Mundial),
então devemos acrescentar os "novos historiadores" norte-americanos con-
temporâneos e Marc Bloch e Lucien Febvre dos Annales como extensões
de Berr e dos contemporâneos independentes, e Johan Huizinga e Arnold
Toynbee relacionados a Meinecke, como comentadores históricos explícitos
do historicismo.
Sendo assim, o principal canal de influência de Berr foi organizacional.
Em 1900 ele fundou e dirigiu um periódico marcante sob o título Revue
de Synihêse Historique (em 1931, o título foi mudado para Revue de Synthêse,
e o periódico continuou tendo esse título até sua saída de circulação, em
1951) e a partir de 1920 passou a ser o diretor da coleção The Evolution of
Humanity (L'Évolution de l'humanit é}, que almejava incluir cem volumes sin-
téticos sobre a história da civilização humana e que realmente patrocinou
a publicação de 65 obras até a morte de Berr, em 1954. Mas Berr também
deixou uma extensa formulação escrita de suas ideias em seu livro Synthesis
in History (La Synthêse en hisioire}, que publicou originalmente em 1911 e
depois republicou, sem mudanças, exceto por um novo prefácio e apêndice,
em 1953. Nesse trabalho, expandiu e fundamentou o programa preliminar,
que foi esboçado no primeiro volume de sua revista, em que considerava
que a sociologia e a psicologia eram componentes indispensáveis para uma
ciência histórica, com ênfase na primeira, e insistiu na indissolubilidade da
associação de tese e análise, enquanto enfatizava novamente a preeminên-

28 Karl We int raub, Visions of Culture. Chicago: Univ ersity of Chicago Press, 1966, pp . 162- 77.

242 A COER ÊN CIA HISTORI OGRÁF ICA N O SÉC UL O XX


da da primeira." Neste livro, Berr desenvolveu esses preceitos de forma a
mostrar a força do novo princípio francês que destacava e a vulnerabilidade
do componente tradicional da abordagem histórica que adotou. Sua força
era sua ênfase - ainda mais categórica no livro que no programa - no que
havia de geral e coerente na nova história científica, baseada em sua citação,
de início) do bem conhecido axioma segundo o qual "só existe ciência do
geral", e a consequente "elaboração do geral" era a essência da "síntese cientí-
fica" da natureza e da história." Sua fraqueza era sua ênfase na circunstância
segundo a qual a ciência era onipresente, e o elemento geral e coerente na
história resultado não de uma operação propriamente histórica) mas antes
produto de uma abordagem científica genérica que tinha uma aplicação his-
tórica juntamente com outras.
No que diz respeito à primeira alegação - a insistência de Berr em que co-
nexões generalizantes constituem o aspecto definitivo da história -, ele dis-
tinguiu explicitamente uma "síntese erudita", que "consiste essencialmente
em organizar o trabalho analítico e coletar seus resultados" - ou seja, que é
voltada aos fatos particulares coletados, classificados e estabelecidos critica-
mente -, e a síntese científica autêntica) que unifica os fatos e os alinha com
seus princípios explanatórios, com a vantagem do último tipo de síntese em
história. Optando pela síntese científica e não pela "filosofia da história", que
ele rejeitava por ser apriorística, subjetiva e de fundamento germânico, pen-
sou que evitaria a gênese externa de padrões na história." Desse modo, Berr
reforçava a convergência entre natureza e história segundo a perspectiva de
historicizar a natureza tanto quanto de naturalizar a história. Assim, man-
tinha a aplicabilidade dos conceitos científicos que compunham o sentido
geral do que, de outro modo, seria uma caótica multiplicidade de eventos
perante o fluir da história tanto quanto a organização da natureza. Insistia
em enfatizar que em qualquer tipo de ciência "o espírito trabalha para orde-

=9 Henri Berr, "About Our Program", in Fritz Stern (org.), Varieties of History: From Vol-
taireto thePresent [1956], trad. Deborah H. Roberts (nova edição). Nova York: Vintage
Books, 1973, pp. 250-55i H. Stuart Hughes, TheObstructed Path:French Social Thoughtin
theYears ofDesperation, 1930-1960. Nova York: Harper & Row, 1968, pp. 26-27.
30 Henri Berr, La Synthese en histoire: Son rapportavec la synihêse générale [1911] (nova edi-
ção). Paris: Albin Michel, 1953, pp. 5-23. Destaque no originaL
31 Id., ibid., pp. 15-42, 138-401.

KRIEGER 243
nar os fatos", que o relacionamento entre natureza e história equivalia à rela-
ção entre "unidade" e processo de "un ificação"} que os conceitos que fora m
pensados juntamente com as ciências da natureza, como "lei", "necessidade'
e "l ógica', eram também suficientemente flexíveis em sua essência - ou seja
individuais e temporais - para serem compatíveis com uma ciência da hist ó-
ria. Logo, em sua essência} uma lei da natureza sempre fora temporalmente
condicionada} e em sua aplicação histórica ela sempre propicia} portant
uma lei de desenvolvimento. A causalidade científica é essencialmente plu -
ral e própria à lei. Ela busca uniformidades} e em su a roupageJ.ll hist órica
busca descobrir "a relação entre fatos contingentes e outros tipos de causas"
É por "o espírito humano rejeitar a desordem" que a contingência só pode ser
entendida em relação à ordem. Em geral} pois} a contingência está sempre
misturada à ordem; o caso particular da história como ciência promove o
estudo "da interação e os reajustes das causas': O estudo da necessidade no s
assuntos humanos é o estudo da sociologia, mas o estudo da sociedade} que
é o assunto da sociologia, é por definição parcial}e a síntese histórica estuda
a necessidade social em sua relação onipresente com a individualidade} uma
da s formas de contingência} como parte de sua obrigação geral. A evolução
social é necessária porque é lógica} mas é o tipo de lógica que é inventada por
indivíduos e estudada pela história sintética."
Mas} se Berr tentou interiorizar a ordem na história} ele também} no
mesmo sentido - e em sua segunda alegação - , entronizou uma ciência
que estava tanto na história quanto fora dela. Por diversas vezes, em sua
Synthêse en histoire, Berr declaradamente rejeitou a ideia de que a história
fosse uma "ciência sui generis". Enfatizava a comunhão de todas as ciências
em detrimento da particularidade da subci ência histórica, e sublinhava
especialmente a exigência por parte da história de afirmações lógicas que
se "impõem talvez a todo acadêmico'." A tendência de Berr de expandir a
abordagem histórica, alcançando a síntese científica, no tratamento da sín-
tese científica como tal, se confirmava pelo novo subtítulo de seu reeditado
Synthése en histoire - a saber, San rapport avec la synthêse g én érale - e pela
mudança no título de sua revista em 1931, de Revue de Synthêse Historioue

32 Ido, ibid., pp. 30 -32, 4 8-53. 63-68, 109-11, 113-14, 151-52, 168- 75.
33 Ido, ibid., pp. 138-44, 226- 27, 250-51.

244 A COERENCIA HISTORIOGRÁFICA NO SÉCULO XX


~ --' Revue de Synthese. Em sua explicação sobre a mudança, Berr admitia
_ :.-:.biguidade entre a concepção de síntese de conhecimento em geral e
p;2pd da história nessa síntese} e sustentava que o lugar central da histó-
. ~ " a síntese científica havia se consolidado de tal modo} tanto na prática
~2'f\ t o na teoria, ao longo dos anos} que a abordagem da síntese por meio
~ _ h i s t ó ~ia havia sido "integrada em um todo orgânico} a filosofia positiva"}
~,u e torna possível a consideração direta de um programa mais amplo."
Z >'~i m, nos primórdios propriamente ditos da história científica, campo em
: ~ " o s franceses seriam tão proeminentes no século xx) eles mostraram a
~.J i d ade da inspiração científica interna e externa com que caracterizariam
~ -' padronização histórica pelo restante do século.
O s jovens colaboradores de Berr, Lucien Febvre e Marc Bloch, escreve-
. _eJ\ a história de que Berr havia falado. Do mesmo modo que Berr repre-

5 c: 2Ya o pensamento histórico francês sobre as ciências sociais no período

_ ~ .erior à Primeira Guerra Mundial} os Annales representaram o mesmo no


: o ~i o d o entreguerras. Embora os Annales ainda se destaquem} resta pouca

~ ~ 'ida de que o período de 1929 a 1939 tenha sido único." Febvre e Bloch,
--::mdadores e diretores dos Annales, partilhavam com Berr a reverência por
Jo! . kheim} a preferência pela síntese histórica sobre os fatos históricos} a
_. nvicçâo quanto à unidade conquistada no que concerne a método cientí-
~ :"0 e conceitos e à consequente ambiguidade do papel da ciência histórica
: ~ n é rica na construção de padrões de síntese que integrassem os fatos da
-::,ória. Assim} eles perpetuaram} no período inicial dos Annales, a ambiva-
...c !1 cia social e científica entre a ordem interna das coerências históricas e a
-:: ~ o s iç ão externa das leis científicas gerais} e também a predileção pela pri-
- =;ra, que havia sido característica da história social francesa durante este
=rulo. De fato} eles enfatizaram} mais que Berr, a posição privilegiada da
&:ú tória como o foco preferencial da pesquisa nas ciências sociais." Assim}
:= ~:)\' r e não apenas intitulou uma coleção de seus ensaios de Combats pour
istoire, não apenas confessou sempre ter sido um historiador "por prazer

H . Berr, "Au Bout de trente ans", Revue de Synthêse, n. I, 1931, pp. 3-5.
35 Fernand Braude1, "Personal Testimony". Journal of Modern History, n. 4, v. 44, 1972,
p.46 1.
Id., ibid., p. 463.

KRI EGER 245


'o u desejo" e ter como objetivo a reputação de alguém que "na história [ ... ]
viu apenas a história; nada mais ", como também viu que a "hist ória", por ex-
celência, "experimenta a unidade viva da ciência porque a história é a ciência
do homem'." Mas suas suspeitas sobre a racionalidade em desenvolvimento
da civilização ocidental e sua suspeita geral das teorias históricas da mudança,
quando combinadas com sua insistência contrapontística acerca da constru-
ção de totalidades, levaram-no a uma ênfase crescente nas estruturas estáticas
como os únicos padrões historicamente demonstráveis," No período áureo
dos Annales, esse francês socialmente engajado salientou a totalidade da vida
que poderia ser apreendida na realidade histórica, uma totalidade que reque-
ria um rigor metodológico especial) já que atentava, sobretudo, aos fatos s~
ciais e econômicos de pessoas comuns.
Contrastando com os últimos annalistes, a geração que chegaria à linha
de frente depois da Segunda Guerra Mundial) a crença do período inicial es-
tava voltada à unidade conferida pela continuidade histórica. Assim, Bloch
justificava seu grande livro sobre a sociedade feudal argumentando que ele
fazia parte de um "sistema de classificação, baseado na observação de fenô-
menos sociais", e definindo sua proposta como "um a tentativa de analisar e
explicar uma estrutura social e seus princípios unificadores';" Mas por trás
dessa continuidade histórica existe a fé na unidade de todo o conhecimento.
Tanto Bloch quanto Febvre partilhavam da doutrina segundo a qual "a his-
tória [ ... ] não pode escapar a certos princípios que governam todo o co-
nhecimento", pois existe "uma ordem natural governada por leis imutáveis':
Ademais, como a dedicação dos Annales demonstra, a questão contra a qual
eles reagiam não era ainda a da falsa unidade) mas a da especialização e frag-
mentação da historiografia. "oFebvre insi stiu que o afamado método crítico

37 Lucien Febvre, Combatspour l'histoire. Pari s: Armand Colín, 1953, pp . v, 12-13, 17-18,31.
38 George G. Iggers, New Directions in European Historiography. Middletown: We sleyan
University Press, 1975, pp. 73-77.
39 Marc Bloch, FeudalSociety [1939], trad . L. A. Manyon. Chicago: University of Chicago
Press, 1961, pp. XVII, xx [ed, port.: A sociedadefeudal, 2~ cd., trad. Liz Silva. Lisboa: Edi-
ções 70, 2001].
40 H. Berr e L. Febvre, "History", in Edwin R. Seligman e Alvin S.Johnson (orgs. ), Ency-
clopedia of the SocialSciences. No va York: The Macmillan Company, 1935, v. 7, p. 361j M.
Bloch, The Hi siorian 's Craft [1949], trad. Pete r Putnam. Nova York : Knopf, 1953, p.135

246 A COERÊNCIA HISTORIOGRÁFICA NO SÉCU LO XX


não é distintamente hi stórico, mas antes "um método universal aplicado
indiscriminadamente à análise de todas as formas de atividade humana", e,
assim, a história não se separava de outras dísc íplínas, pelo contrário, era
soa aliada em um grande empreendimento, transcendendo a história e unifi -
cando todas as disciplinas, os modos de pensar e viver do homem."
Como seu mentor Henri Berr, os primeiros annalístes estavam, então, ex-
pressando a ambiguidade entre a adesão às ciências sociais extra-históricas,
que forneciam coerência exterior ao entendimento histórico, e a adesão a
uma ordem vital da história, que fornecia um modelo para uma elabora-
ção interna da coerência histórica pelo historiador. Operacionalmente, a
primeira geração dos Annales trabalhou no meio-fio da síntese histórica,
que era intermediária entre o acontecimento transitório in dividual e a es-
trutura e a lógica permanentes ou de longa duração de toda a atividade
humana, constituindo um método e um campo literais de razão histórica
estrita em oposição aos fatos discretos e às constantes leis extra-históricas
do comportamento humano. O próprio Febvre insistiu que a "lei [ ... ] não
é necessariamente universal e eterna: ela se manifesta na história: ela pode
ser criada pela história", e que, na prática, "não é correto impor quaisquer
guias proféticos do exterior a uma disciplina que está no processo de orga-
nizar e reorganizar a si mesma" Bloch e ele sustentaram, respectivamente,
que o objeto apropriado da história era o meio social, considerado por um
lado como se fosse o ponto de encontro da liberdade individual e da "ne-
cessidade" geral, e por outro como se tivesse sua própria coerência, já que
nela "tudo é mutuamente controlado e ligado';" Para Febvre, que não fez
distinções de gênero entre história social e intelectual, que insistiu na con-
vergência entre arte e ciência e iniciou a salutar abordagem dos annalistes
com ênfase na natureza geral da história auxiliada pelas ciências "hum anas',
e não pelas unicamente sociais, a noção de uma natureza "social" do homem

[ed, bras.: Apologia da história ou O ofício de historiador, trad. André Telles. Rio deJanei-
ro: Zahar, 2 0 0 1]j Annalesd'Histoire Économiqueet Sociale, v. 1, 1929, pp. 1-2.
~ L. Febvre, Combats pour I'histoire, op. cit., pp. 24, 30- 33, 55-60.
.p. Id., A New Kind ofHistory: From the Writings ojPebvre, ed. Peter Burke, trad. K Folca.
Nova York: Harper & Row, 1973, p. 42j Edwin Robert Anderson Seligman e Alvin]ohn-
son (orgs.), Encyclopedia ofSocialSciences. No va York: Macmillan, 1959, p. 361. Destaque
no original.

KRIEGER 247
estava ligada ao estreitamento de sua natureza infinitamente individual e suz
rejeição à insistência tradicionalista em discutir os fatos particulares do Pê.:; -
sado. Febvre associou a adesão necessária do homem a grupos sociais com
sua mensurabilidade por "problem as" e "teorias" que constituíam o n ív
mediano dos estudos humanos no qual os historiadores deveriam se posi-
cionar. "Fatos [ .. . ] são tantas abstra ções", as quai s são chamadas à realida de
pelos historiadores a serviço de questões e hipóteses que formulam e r és-
pondem a partir de seu material, a fim de explicar a sociedade presente com
a ajuda do passado.'] A história promove "uma classificação racional e um a
progressiva inteligibilidade': H Assim, a preferência de Bloch e Febvre pela
"síntese histórica" est ava ligada ao papel necessariamente intermediário dê
síntese na ambiguidade entre a gênese externa da história padronizada e sua
autonomia interna, uma ambiguidade que eles, deliberadamente, implanta-
ram em sua abordagem da continuidade da história. Viam a síntese como o
coração, a um só tempo, de uma "ciência sui generis", ou seja, de uma ci ên-
cia eminentemente histórica, e, no geral, de uma "síntese científica, [ ... ] o
esforço de generalizar, de desenrolar uma causalidade complexa para desc o-
brir fatores gerais, sem eliminá-los a priori".» Sua insistência em uma síntese
que deveria ser histórica, era garantida por sua insistência na temporalidad e.
Quando Bloch propôs "seguir a linha do tempo na direção oposta" - ou
seja, voltar no tempo, indo dos resultados das coisas às sua s origens - , não
começou pelo presente distintamente temporal para interpretar o passado
qualitativamente distinto, mas sim pelo "passado recente", para "ilum inar
um passado muito particular" - ou seja, por meio de uma conexão entre
polos temporalmente homog éneos."
Contudo, Febvre não tinha certeza sobre o cerne histórico de sua síntese
científica. Ele estava certo de que uma história propriamente definida po-
deria pegar de empréstimo conceitos e técnicas de disciplinas vizinhas, m as

43 L. Febvre, Cambats paur l'histoire, op . cit., pp. 12-15, 20- 25, 30, 117,2 24 .
4 4 M. B1och, lhe Historian's Craft, op. cit., p. 10.
45 L. Febvre, em E. R. A Seligman e A Johnson (org s.), Encyclopedia of SocialSciences, op.
cit., p. 361.
46 M. Bloch, Les Caracteres originaux de I'histoire ruralefrançaise [1931J (nova edi ção).
Paris: Armand Colin, 1968, pp. IX-X, XIV.

248 A COERÊ CIA HI STORIOGRÁF ICA NO SÊ CUL O XX


~ J est ava tão certo de que essas disciplinas estivessem muito interessadas
. ~ -:: em uma situação extrema esse relacionamento negativo poderia)
-..:' :'ntemente) secar as fontes externas da hist ória." Esse relacionamento
~ ~gu o com outras disciplinas humanas era) portanto) parte de uma mais
~ ~ .::. ambiguidade) que afligiu os Annales e preparou o caminho para que a
: ..-:end én cia externa da história fosse completamente descartada. Os Anna -
.'oram fundados por uma colaboração genuína entre as disciplinas .Junto
. rn os historiadores Bloch e Febvre, um grupo de geógrafos) sociólogos)
~ . . ólogos e o filósofo-sociólogo-economista François Simiand estavam
-:\'Olvidos em seu período inicial." Mas tal colaboração tornou-se mais e
::." rara, e com sua redução a história ficou cada vez mais focada em seus
- ·.zrumentos. Febvre era geógrafo e historiador) e pelo menos dois de seus
. rirneiros livros - um sobre o Franche-Comté (Les Regians de Prance: la
":"r · .jle-Camté) e um estudo geral) La Terre et l'évolution humaine -lidavam

_ . "TI OS princípios da geografia em sua aplicação à história. Ademais, sua

-.:~m a da distinção entre contingência) necessidade e lógica ou ideia em re-


,",- _<:''0 à causalidade histórica poderia ser totalmente compreendida no âm-

- ' : 0 da história ou como derivada) em parte, de ciências extra -históricas.

·-.:..>.:m , a sociologia lida com a necessidade social, e a psicologia coletiva


rnece princípios para a ideia da causalidade hist órica." É evidente que
::ristia uma ambiguidade na derivação da coerência histórica para os pri-
- ,:,:ros annalistes.
A s tendências da nova história norte-americana e dos Annales franceses
r., rarn , em no sso século, fértei s o suficiente para ter desfrutado de rena sci-
- ente e propagação sem ter conhecido a morte) ou, mais especificamente,
2 :11 Jamais ter resolvido com sucesso os problemas encarados pelo histo-

.' cismo e deixados por ele em aberto. A mais recente ocupação da "nova
~st ó ria", que tomou a forma de uma ênfase inovadora no s aspectos sociais,

- L Febvre, Combats pour l'histoire, op. cit., pp . 14, 32-33, 282, 291-94, 30 0 -01, 313.
_~ Fernand Braudel, Écrits sur l'histoire. Paris: Flamm arion , 1969 , p. 10 3 [ed. bras.: Escritos
sobre a história, trad .Jacó Guinsburg e Teresa C. S. da Mota. São Paulo : Persp ectiva,
; 9 92]. "Com eles [...] a história estava na posse de todas as ciências do homem."
~ Palm er A. Throop, "Lucien Febvre: 187 8-1956 ", in S. William H alperin (o rg.), Some
Twentieth-Century H isiori ans: Essa)'s on Eminent Europeans. Chicago : University of Chi-
cago Press, 1961, pp . 280 -97.

KRIE GER 249


psicológicos e, de modo geral} científicos do conhecimento e da expressão
históricos} é um capítulo particularmente virulento} com uma longa série de
erupções contra a historiografia tradicional}e introduz uma nova safra de
historiadores," Como suas precursoras}a "nova" nova história enfatiza os
níveis mais abrangentes de fatos que careçam de determinação crítica} mas
ataca a fraqueza externa e}portanto}não examinada da coerência histórica
na tradição ocidental da literatura histórica. De fato} de acordo com as preo-
cupações contemporâneas} como a história demográfica e a "nova história
urbana"} em particular} tanto quanto a história quantitativa} em geral} as
áreas do passado mais populares}mais rotineiras e mais existenciais que os
discretos fatos elitistas normalmente definidos como históricos tornaram-se
hoje historicamente relevantes. Mas a ênfase nesse tipo de novidade tende,
em geral} a ser uma atribuição de historiadores tradicionais no sentido de
ignorar os desafios do historicismo (historiadores com pouco interesse no
contexto dessa investigação) e dos historiadores social e politicamente radi-
cais} com sua doutrina de busca de uma história mais democrática} ou seja}
igualitária. A essência dessa "nova hist ória", como a "nova história" de qual-
quer tempo}tende a destacar o reforço do fator conectivo na história. Co-
mumente, os acadêmicos radicais que são racionalistas no que diz respeito à
história - ou seja} aqueles que importam por completo seus conceitos orga-
nizacionais e métodos}indo buscá-los fora da história - tendem a dizer aos
historiadores o que se deve fazer. Os que são historistas, por importarem
universalmente seus conceitos e métodos organizacionais de fora da histó-
ria} ou os que superam o historismo buscando conceitos e métodos da pró-
pria história - partidários da historicidade} em nossa terminologia - tendem
a contar aos historiadores (e outros) o que eles estão fazendo. Em ambos

50 Sobre o uso corrente da expressão "nova história" por acadêmicos radicais, ver a análise
de Jean Glenisson, "France", in Georg G. Iggers e Harold Parker (orgs.), Intemational
Handbook of Historical Studies: Contemporary Researck and Theory. We stpo rt : Green-
wood Press, 1979, pp. 178-79, e Jacques Le Goff e Pierre Nora (orgs.) , Paire de l'histoire.
Paris: Gallimard/NRF, t. I, 1974, 3 v., pp. X-XIII [ed, bras.: História: Novos problemas,
trad. Theo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995]; a apresentação desse livro
foi puhlicadanesta antologia, v.r, pp. 122-27· Ver também o manual de Allan]. Lichtman
e Valer íe French, Historians and the Living Past: 'Ihe Theory and Practice of Historical
Study. Arlington Heights: ARM Pub. Corp., 1978, pp. 122-24.

250 A COER ÊNC IA HISTORIOGRÁFICA N O S ÊCU LO XX


:2." O S) como deve ter ficado claro) em virtude de seu próprio desconhe-
_. õ;-, [O quanto aos empréstimos feitos de outros tipos de pensamento) a

- lr iografia tradicional propiciou a crítica que os radicais acadêmicos têm


- ~ rsto a ela.
Co mo se poderia esperar, as correções que os radicais invocaram ten-
_ _<TI .=. apresentar o mesmo tipo de dualidade que se evidenciou na história
Jicional) o seu alvo. Os radicais) também) com essa ênfase em um mais
_ iberado e válido tipo de coerência na história, importaram impl ícit a-
~"'f! , e conceitos de fora da história e insistiram em uma nova construção
_L ~ a adigmas no próprio processo histórico. De forma geral) norte-ame-
-.zno s e alemães recorreram à primeira alternativa) enquanto os franceses
- -: :'", riram a última.
e ntretant o, em outras questões as linhas de divisão se dispuseram de
xi o diverso. Como se formassem duas correntes) o radicalismo historio,
-:-2::' .o atual vê os europeus tomando um caminho e os norte-americanos)
. , ro. Assim, enquanto o radicalismo político e acadêmico tende a conver-
~ ' : na Europa) ele tende a divergir nos Estados Unidos ," Mais uma vez) en-
_zan to os europeus tendem a incluir a vida mental de uma cultura em suas
- ' lises das sociedades hi stóricas) e assim pensar todas as artes humanas
:' . iencias no universo das disciplinas vizinhas) os historiadores de origem
- rt e-am erican a raciocinam mais exclusivamente em termos de ciências so -
ô."i!i '; assim como seu s vizinhos simpatizantes. Ne ssa passagem) sublinhare,
mm a ênfase norte-americana na externalidade dos paradigmas históricos e o
':' 'ô'' envolvim ento francês em direção a uma internalidade hi stórica. Também
::;l"minarem os a versão europeia das ciências humanas genéricas e a limita-
:;'0 norte-am ericana concernente ao radicalismo em sua forma acadêmica)
?Oi , essas distinções são mais apropriadas para dar ênfase à cxternalidade e
~ intern alidade dos paradigmas históricos, que são, aqui, nosso maior objeto,
Hi storiadores norte-americanos do comportamento) de inclinação psico-
ll-,:: ica ou quantitativa) são pelo menos tão preocupados com a importação

~.t Para obter um exemp lo de convergência eur ope ia, ver Eric J. H obsb awm, "From Social
H isto ry to the Hi sto ry of Society". Daedalus, n. I, v. 100 , 1971, pp. 2 0-431 em que a da-
tação da histór ia social apenas a pa rtir da década de 1950 obviame nte tem a ver com a
convergência de radicalismo social e acadêmi co po r parte de H obsb awm.

K RIEGER 251
de m étodos mai s confiáveis e con ceitos raci onalmente veri ficáveis de ou tra
ciências para a história qu anto o são com a exploraçã o de novos tipos de ..~
dos. Assim, um gru po de represent antes da história socia l qu antitati vam enr-
orientada argumenta qu e "a abordagem das ciênc ias sociais [ ... ] pr essupõe
qu e existem un iformidade s do comportamento humano qu e tran scen dere
o tempo e o lugar e podem ser estudadas como tais; e o historiad or COrn 1.
cientista social escolh e seus problemas com o ob jetivo de descobrir, verifi-
car ou esclare cer tais uniforrnidades'l" Outro gru po sustenta que , "do p onto
de vista do historiador, o valor da pesquisa técni ca consiste na luz que po ss~
lanç ar sobre problemas gera is de interpretaçã o histórica, send o igualm ent.:
det erminado por ela':s3 Um terceiro representant e dirige queixas sobre ~.
voga corrente da "pesquisa imp ressionista", bem com o suas pr óp rias propos-
tas de urna "historiografia gen uinamente cien tífica" para a identificação f:
formulação de "hipó teses potencialm ente verificáveis': a serv iço de "teorias
gerais válidas" que alinhem a história com outras ciências sociais. Ainda qu e
esse representante em particular recomende uma pluralidade de histórias f:
con sidere a históri a um elem ento essencial para a construção de uma ciên-
cia social viável m ais do que o reverso, parece claro não apenas que essa re-
comendação para organizar a histór ia de conceito s e "métodos sistemá ticos
de pesquisa" tem sua raiz em outras ciências socia is, m as também que esses
m étodos rep resentam o "equivalen te fun cional" nas ciên cias sociais para o
tip o de investigação característica das ciênci as naturais."
A ani m osidade co ntr a a narrativa na hi stó ria corno síntese não exami-
nada da histór ia tradicional confirma a or ientação primeira do s historiado-
res ligados às ciências sociais, visando ao paradigma mai s do que aos fatos
da velha hist ória." Essa animosid ade remonta à hostilidade expressada por
Lucien Febvre qu anto à prim azia de acontecim entos d iscretos na história

52 David S. Land es c Charles T il1y (orgs.), History as Social Sciencc. Eng!ewoo d Cliffs:
Prentice-H all, 19 71, pp. 271-73.
S3 William O. Aydelotte, Allan G. Bogue e Rob ert William Foge! (orgs.), 'Ihe Dimensiofl>
of QlIantitative Research iiI History. Princet on: Prince ton University Pr ess, 19 72 , p. 7.
54 Lee Benson, Toward the Scien tific Study of History: Selected Essays. Filadélfia: Lippin cott ,
1972 , pp. 2- 8, 196 -201, 2SS-S8, 312-26.
SS Por exemplo, Rob ert F. Berkho ferJr.,A BelzavioralApproaclz to Historical Atralysis. Nova
York: Free Press, 1969, pp. 271-73 .

252 A COER ÊNCIA HIS TORIOG RÁFICA NO SECU LO XX


_dicic nal, pois) segundo sua perspectiva, a organização dos acontecimen-
em uma narrativa era um dos caminhos pelos quais a ordenação dos fa-
Í! 2- velha história se tornava dependente da prioridade dos próprios fatos)

uanto acontecimentos concebidos individualmente. A preferência pela


_ q ,se, em detrimento da narrativa) do radicalismo acadêmico atual é) por-
aro , uma espécie de explicação) mais do que uma negação da explicação,
~ área da história.

.-\ principal liderança do radicalismo acadêmico alemão no campo da


· .r ória procura francamente "ten dên cias teóricas, conceitos de desenvol-
imento ou 'paradigmas", com os quais organiza a "história da sociedade"
rol que se engaja. Se rejeita as disciplinas sociais científicas - a ciência po-
-"cs, a economia e a sociologia - como as fontes literais dessas tendências,
· J fl .eitos ou paradigmas) seu recuo a uma combinação de materialismo his-

· "li ' · 0 e teoria da modernidade caracteriza seu abandono da estrutura da

-"sr ória empírica em nome de suas ideias de integração, como sua invocação
R 1\ larx e Max Weber - os santos padroeiros de suas teorias - pode atestar. 56

Uma liderança norte-americana voltada à defesa da psico-história é igual-


- ,-:nte categórica quanto à necessidade de estender os conceitos da ciência
eztra-hist órica à história para que sirvam como elos das conexões que temos
.hamado de razão histórica. "Por que deveria a história, uma disciplina que
ia especialm en te com o passado do homem e busca explicação do passado
ern termos dos motivos do homem, ignorar com tanta veemência uma ci ên-
~ [ .. . ] que se centra precisamente na pesquisa dessas mesmas áreas?" Eles
co nstituem, portanto) "uma contribuição à luta contra o terrível problema
~ 2. interp retação hist órica"?
Os historiadores europeus utilizaram muito menos a psico-história (assim
corno a psicanálise em geral) do que os nascidos nos Estados Unidos. Mas,
ern um artigo pioneiro, um historiador alemão, que tenta iniciar uma discus-

-6 Hans-Ulrich Wehl er, "Vorüberlegungen zu einer modernen deut schen Gesellschafts-


gesgechichte", in Dirk Stegmann, Bernd-Jurgen Wendt e Peter-Christian Witt (orgs. ),
lndustríelle Gesellschaft und politisclzes System. Bonn: Verlag Neue Gesellschaft, 1978,
pp. 30 4 , 310-20.
5- Bruce Mazlish (org.), Psychoanalysis and Hist01Y [1963 J (nova edição). Nova York: Uni-
versal Library, 1971, pp. 2-3.

K,'iI EGER 253


são envolvendo o campoJ considera as vantagens da aplicação da psicanálise
à história, sobretudo em termos gerais J e as desvantagens em termos indivi-
dualizantes. Dessa forma, ele inclui entre seus maiores benefícios uma pro-
visão de "categorias " interpretativas, em especial aquelas que permitem aos
historiadores avançar a partir de "fragm entos" em suas fontes em direção ao
"todo", pelo qual eles têm se mostrado realmente interessados, objetivando
o necessário conhecimento das conexões psíquicas no passado. Ele define
sua desvantagem primordial em relação à história como um compromisso
com "um individualismo at ómico" que negligencia a rede de condições co-
letivas em que os indivíduos históricos estão inseridos," Uma comprovação
adequada da referência externa à qual a historiografia radical da moda alemã
recente remete sua preocupação com a coerência histórica é sua visão con-
clusiva da "psicologia social" como a alternativa mais viável à psicanálise para
as categorias nas quais "a ciência histórica modema" está interessada.v
É claro que os Annales têm sido mais do que o que seus sucessivos
diretores, Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel e Emmanuel Le
Roy Ladurie, disseram que eram; ainda assim, podemos considerar esses
diretores, bem como seus amigos - especialmente Pierre Chaunu e Fran-
çois Furet -J como suas figuras representativas, uma vez que articularam
a teoria que há por trás do grupo. Na verdade, as últimas gerações dos
Annales são bem diferentes da primeira} a ponto de necessitar de trata-
mento diferenciado. Aqui, devemos ter em mente a distinção em nossa
terminologia entre o historismo e o historicismo dos primeiros estágios
dos Annales, associados a Bloch e Febvre e cujo auge se associa ao período
entreguerras, e o estágio posterior - os Annales da Segunda Guerra Mun-
dial e suas relações com essa terminologia. Mas, também, devemos fazer
distinções entre as duas gerações dos últimos Annales que são facilmente
confundidas, ou seja, entre os historistas e os verdadeiros advogados da
historicidade. A primeira geração pós-guerra (e segunda geração dos An-
nales) está ligada ao nome e à direção de Fernand Braudel, que repetiu a
ambiguidade herdada de seu mentor e amigo Lucien Febvre, da primeira

58 H.-U. Wehler, "Geschichtswissenscha ft und Psychohistorie", Innsbrucker Historíschc


Sttl diell, v. 1,1 978, pp. 2°3 -°5, 212.
59 Id., ibid. , pp. 212-13.

2 54 A COER ÊNC IA HI STORIOGRÁFI CA NO S ÊCU LO XX


. do s Annales, mas com grande ênfase na op ção interna, ou historística,
âm bito dessa ambiguidade.
_, segunda geração, especialmente a da fase final de Braudel - a partir de
-, - , convergiu para o então em vog a estruturalismo francês) e) juntamente
. os estru tur alistas pr ó-história, cons tituiu a principal versã o francesa do
. .alismo acadêm ico histórico, sendo que muitos pontos precisam ser escla-
lO S a esse respeito. De nos so ponto de vista, o estruturalismo representa

: . Ol S a vã tentativa de total internalização do paradigma. Representa uma das


·~ ti\'as de construir uma coerência de tempo e espaço no mundo com o
. i ro de preencher o vácuo de ixado pelo fim do s elementos absolutos que
~ rrerizaram o historicismo, em particular, e pelo pensamento próprio de
'.0 século, em geral. Considerar o estruturalismo a favor ou contra a Histó-
_era algo que dependia do tipo de hi stória em questão - se ela era a história
1:.1 da tradição ou a história estrutural, que fora um dia a pai xão da França.

. ' . estru turalism o foi associado primeiramente aos escritos de Roland Bar-
:'S, na literatura, e de Claude L évi-Strauss, em antropologia. Os escritos de

: ,,:hes têm sido em geral indiferentes à história - ele tende a rejeitar a histó-
literária em favor da análise estrutural dos tr abalhos literários e dar maior
oo rt ància ao "tempo épico" sobre o "tem po histórico" - , e assim ambas as
: si . óes são irrelevantes para nossa consideração. Mas precisamos notar que a
: ';'0 de Barthes da realidade era no mínimo compatível com a história apro-
_llo"!(.h e estruturalmente elaborada." Barthes afirmava sua antipatia pela cro-
'tgia como ferramenta da ciência histórica, atribuindo apenas categorias lin-
_ ' ti .as e estruturais ao historiador Michelet e ao campo da história em geral
-- seu ensaio "H istorical Discourse', além de confirmar sua aceitação quanto
'; • historiadores que lidam com estruturas e não com cronologias" em sua
:t_f:i .ipa ção em um seminário de dois anos organizado pela Sexta Seção da
:: .o le Pratique de s Hautes Études, em Paris, dominada por historiadores."

Roland Barthes, Essais critiques. Pari s: Seuil, 1964, pp . lO- l1 j H ans Rob ertJ auss, "Ge s-
chichte der Kun st und Historie ", in Von Reinh art Koselleck e Wolf-D ieter Stemp el
( orgs.), Gcschichie: Ereignis und Erz âuiung. Munique: W. Fink,19 73, pp. 199-203.
Roland Barthes (org .), Michelet par lui-même. Pari s: Seuil, 1954, pp . io-n: "Historical
Discourse", in Mi chael Lane (o rg.) , l ntrod uction to Stru cturalism . Nova York: Basic
Books, 1970, pp . 145'55.

V,P'IEGER 255
Mas o desenvolvimento de Lévi-Strauss chegava mais perto do aspe c
histórico específico, mostrando a convergência de estruturalismo e hist óre
do lado do estruturalismo. O próprio Claude Lévi-Strauss, cuja antropolos _
estrutural havia servido como modelo de estruturalismo anti-hist órico, a bec
da verdade colocou-se em ambos os lados da questão histórica, depende _:..
do tipo de história que se debatia. Basicamente, sua posição era a da conforte
dade com a tradição do historismo: por suas formas de coerência, a hist ória e
genética, mas compatível com a antropologia. Sua posição inicial em relação '"
história, tomada antes de ficar a par da história estrutural- cuja estrutura __:
afirmava ser emprestada da antropologia - , reiterava a compatibilidade de U iT
história dedicada à consciência, e assim aos fatos ) com uma antropologia cu'
ponto forte estava na análise cultural dos fenômenos conectivos inconsciec
tes." As expressões mais recentes de Lévi-Strauss contra a história não são .-
rigidas exatamente contra a história, mas contra um tipo específico de hist ória,
A postura anti-histórica de Lévi-Strauss, expressa na diatribe final con tra
a Crítica da razão diaiética, de Jean-Paul Sartre, no último capítulo de O p~
sarnento selvagem, e confirmada pelas acusações de Jean Piaget a Lévi-Strauss
como "a-histórico" em seu relato, é na verdade dirigida a uma historiografia
individualizante e à doutrina "derivativa" como "con tin uidad e abstrata, ano-
lítica", que havia sido filosoficamente imposta a esse tipo de história para lhe
emprestar coer ência." Desse ponto de vista, "a história biográfica ou ane
dótica [ ... ] é uma história desprovida de poder, que não é inteligível em , '
mesma e apenas consegue sê-lo quando transferida em bloco a uma for ma

62 Claude Lévi-Strauss, Structural Antllropology [1958], trad . Claire J acobson e Bro oke
Grundfest Schoepf. Nova York: Basic Books, 1963, v. I , pp. 1-25 ledobra s.: A ntropoloçi«
estrutural, trad . Beatriz Perrone-Moi sés. São Paulo : Cosac Naify, 2008].
63 Id., Tne Savage Mind , trad. George Weidenfield and Nicolson. Chicago : University 0:-
Chicago Press, 1966, pp. 245-69, esp. P: 263 ledo bras .: O pensamento selvagem, trad . >\L.-
ria Cele ste da Costa e Souza e Almir de Oliveira Aguiar . São Paulo: Companhia Edit ora
Nacional /Universidade de São Paulo , 1970]. Essa é uma tradução par a o inglês de L;
Pensée sauvage, originalmente publicado em 1962. Ver tamhémJean Piaget, Struct!<1\:-
lism [1968], ed. e trad. Chaninah Maschler. Nova York: Basic Books, 1970, pp. 108,111
[ed. bras.: O estruturalismo, trad. Moacir R. de Amorim. São Paulo: Difel, 1970] , e Ma r,
Gaboriau, "Structural Anthropology and History", in M. Lane (org.), lniroduction to
Structurali sm, op . cit., pp. 156-69.

256 A COERÊNCIA HI STORIOGR.4 FICA NO SÉCU LO XX


bíst ória com um poder maior que ela mesma"} e a única forma de garantir
. igibilidade nesse tipo de história - e, assim , coerência - é deixar por
--,;>ieto o campo histórico e usá-lo apenas como "p onto de partida"?'
Porém, na mesma época (em 1960 ), Lévi-Strauss deu uma palestra na
_J d e justificava a "dim ensão histórica" da antropologia. De sse modo, ad-
o riu que "essa declaração em favor da história poderia causar surpresa, já
-

_~ >igum as vezes fomos reprovados por estarmos próximos da hist ória'r"


enquanto ele formulava sua defesa e adotava uma posição positiva, tor-
. _ a-se claro que o tipo de história que tinha em mente era "um a ideia de
r ória estrutural'r" E ele chegaria a sustentar, mais tarde (em 1965), que "a
-ro du ção do método estruturalista em uma tradição crítica que procedia
-n cialm ente do historicismo está longe de representar um problema. É a
. sré ncia dessa tradição histórica que pode sozinha prover uma base para
-, ~, -ee n dim en to s estruturais. [ ... ] Portanto, é a história, em conjunção
rn a sociologia e a semiologia, que dará condições ao analista para quebrar
.írculo de confrontação aternporal'l" Uma vez que Lévi-Strauss definia
.ru tura como "um sistema governado por uma coesão interna", o sígnífi-
_~o de sua preferência por uma história estrutural é claro: e, como que para
rnar esse tipo de história inquestionável, surgia a afirmativa da redução da
~ rin ção entre sincronia e diacronia, entre a ordem de acontecimentos e a
: iern da estrutura." Essa afirmativa também é amparada por seu reconhe-
imento da concordância de Braudel."

6.4- M . Gaboriau, "Structural Anthropology and History", in M. Lane (org.), Iniroduction to


Structuralism, op. cit., pp. 261-62.
65 C. L évi-Strauss, Structural Anthropology, v. 2, trad. Monique Layton. Nova York: Basic
Books,1976, v. 2, pp.l2-15 [ed. bras.: Antropologia estrutural dois, trad. Beatriz Perrone-
-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2013].
66 Id ., íbíd., p. 16.
6'- Id., íb íd., p. 276.
68 Id., ibid., pp. 17-18.A segunda condição que Lévi -Strauss especifica como definidora de
estruturas - as "tran sform ações pelas quais propriedades similares são reconhecidas em
sistemas aparentemente diferentes" - não é relevante para esta discussão.
Ó9 Id ., ibíd., p. 16; Fernand Braudel, "H ist ory and Social Sciences", in Peter Burke (org.),
Economy and Society inEarlyModem Europe; Essays from Annales. Nova York: Harper &
Row, 1972, pp. 27, 31, 33-34, 38. Esse texto é uma tradução de "Histoire et sciences socia-
les: 'Ia longue durée"'.Annales: Économies, Soaété, Civi/isations, n. 4, v.13, 1958, pp. 725-53.

KRI EGER 257


Braudel representa} de fato}uma segunda geração de transição do s "~.
neles, uma geração paralela a Lévi-Strauss e que poderia muito bem ser r~
ponsável por sua virada - a favor da história. Braudel é a figura que causa
confusão no que diz respeito às gerações de annalistes, pois dava continrs-
dade à dependência das ciências humanas vizinhas que se iniciou com s~ _
mentor} Lucien Febvre, e advogava um estruturalismo histórico que o lig2 .
aos estruturalistas na literatura e na antropologia e preparava o caminh
para a atual geração de annalistes e pós-estruturalistas, com suas doutrina
historicamente internas de história serial e a arqueologia do saber histórico.
Braudel torna-se um tanto menos confuso quando suas duas ênfases são CfI~
nologicamente separadas} de modo que a ênfase externa} racionalista, se'_
associada ao jovem Braudel, e a ênfase interna} histor ística, ao mais velho.
A obra que causa especial confusão a esse respeito é O Mediterrân eo <' .
mundo mediterrânico na época de Filip e II } pois não fora publicada ante s 6 ~
1949; mas} segundo o próprio testemunho de Braudel, em 1939 ela já estava
completa em suas "linhas gerais'~ pertencendo ao primeiro período dos An-
nales? Daí seu uso aberto da geografia como parte integrante da seção mais
geral de outra história}ou seja}como "a história do homem em seu relaciona-
menta com o meio ambiente} [ ... ] uma história de con stante repetição, do
ciclos sempre recorrentes", e a igual aceitação da "história quase atemporal"
da história social de mudanças lentas e da tradicionallJistoíre év énementieiti
como os três níveis válidos de passado histórico atribuídos ao paradigma re-
cional dos Annales iniciais." Nem é preciso dizer que Braudel concebeu seu
trabalho como uma síntese}poi s ele examinava "a unidade e a coerência da
região do Mediterrâneo" como suas maiores verdades} e} ainda que não o'
tivesse exposto} eram evidentes os pr incípios extra-históricos que a dotavam
dessas qu alidades. "

70 Ainda qu e não fale po r si, o própr io Braud el confirmo u form alm ente a existên cia d ~
perío dos distin to s na histórí a dos Anllales. Fernand Braudel, Thelv fediterraneml and th:
Mediterralleall World in theAge of Philip II [ 194 9], trad . Siân Reynolds. N ova York: H ar
per & Row, 1972, V. 1, p. IS [ed. bras.: O M editerrãneo e o mundo mediterrânico lia época â~
FilipeII. São Paulo: Martins Fontes, 1984 ].
7 1 Id., ibid .

7 2 Id., ibid ., pp . 15- 2 0.


73 Id., íbid., p. 14 .

258 A CO ~RÉN C I A HISTORIOGRÁFiCA NO SECULO XX


.:l. d ireção geral do pensamento histórico de Braudel seguia e reforçava o
• .0- envolvím ento que se depreende das sucessivas edições de O Mediterrâ-

!'o 1as as duas fases permanecem interligadas o bastante para que Braudel
- . : :~ reter algo da ambiguidade original dos Annales e permanecer distinto
:'": ~era ção posterior de annalistes, com sua inequívoca devoção à historiei-
~..:. :-: dos paradigmas históricos.
•~ principal ênfase do Braudel posterior voltava-se ao veio historístico, su-
. -'~" i d o no início dos Annales. Dessa forma , ele passava a afirmar a partícula-
- .:."",Je e a individualidade do empreendimento histórico com mais vigor que
: ;::-':':0: e Febvre. Equilibrava essa afirmação com sua outra ênfase, insistindo

. ! individualidade das sociedades e, assim, no fim em aberto e na natureza

_::-,:J das histórias sociais. Também tendia a ver as relações da história com
ou tras ciências humanas mais como um problema do que como uma reali-
:-i ' : "Precisamos de uma nova m úsica"> O antigo Braudel é infinitamente
- zis interessado em estabelecer a primazia da história - "Não seria a história,
. mo dialética da duração, uma explicaç ão, a seu modo, da realidade total da
- ~ ,:. social?'? ' -, e, assim, da internalidade do paradigma histórico.
O efeito da ambiguidade de Braudel tem sido sua crescente aceitação
: :: "estruturas de longa duração" na história, a despeito de sua preferência
: d.2 média duração ou "história conjuntural". Como os primeiros annalis-
- e especialmente como seu mentor, Lucien Febvre -, Braudel defendia
_ . história total" ou sintética (histoire totale) e ainda reiterava que a história
"'-~ uma ciência destinada a cooperar com outras ciências sociais; contudo,
: ~ sou a sustentar muito mais enfaticamente do que outrora a historicidade
-~-rutável da totalidade e a centralidade da história entre as ciências sociais."
-;imb érn como os primeiros annalistes, ele se voltava decisivamente contra
'. hist ória tradicional de acontecimentos de curta duração, aos quais O Me-
~:~:Iàneo era tão dedicado. Obviamente opta pela história intermediária de

ld., Ecrits sur l'histoire, op. cit., pp. 86-94, 115'21.


ld., "H istory and Social Sciences", in Peter Burke (org. ), Economy and Society in Early
.\ fodern Europe, op. cit., p. 25. O artigo foi publicado originalmente em 1958. Ver, tam -
bém, a esse respeito, a série Civilization and Capitalism, em três volume s; é bom esclare-
cer: considero Braudel um historiador de primeira grandeza do século xx .
Para uma discussão da histoire totale relacionada a Braudel, ver J. H. Hexter, "Fernand
Braudel and the Monde Braudellien". [ournalofModern History, n. 4, v. 44, 1972, p. 5Il .

KRIEGER 259
média duração das "conjunturas" ou ciclos "com o o formato de um esquema
explicativo no qual a história pode ser encaixada", e que é um meio natural
para "um novo modo de narrativa hist órica'." Braudel deixava claro que ao
usar o termo "global" queria dizer "total", "sintética" ou "unit ária", e para "a
unificação de diversas ciências do homem", incluindo a "ciência global" ~
história, ele ainda invocava a assistência necessária "de todas as ciências hn-
manas" e, em especial, a influência homogeneizadora do aspecto "social" do
passado e do presente."
A história de longa duração das "estruturas" consiste precisamente na
organização comparativamente estável de fatores sociais e materiais, cons-
tituindo a cena da confrontação entre a história e as outras ciências sociais,
com a abordagem da "coerência" conduzindo da melhor maneira à historíza-
ção dessas ciências sociais e, assim, à internalização das conexões históricas.~
Desse modo, na revisão de O Mediterrâneo que empreendeu depois, durante
os anos 1960, Braudel admitiu que "por temperamento sou um estrutura-
lista", e isso se deu no mesmo período em que ele saudava Lévi-Strauss em
detrimento de Sartre." Ao mesmo tempo, revia sua perspectiva dos aspec-
tos geográficos da primeira seç ão, excluindo-os da história, já que agora
ele parecia se referir a "realidades atemporais". Ele também excluiu o nível
de acontecimentos discretos de sua noção de história, pois agora identifi-
cava "lentos e rápidos níveis " com "estrutura e conjuntura" e com esses dois
itens defendia uma "história estrutural", agora identificada com a mudança
muito gradual de relacionamentos econômicos e sociais," Como todos os
estruturalistas pró-história, que, é possível dizer, em geral representavam o
que havia de mais característico no pensamento social francês mais recente,
Braudel procurou transformar uma coerência historicamente distinta em
paradigma ou "m odelo" - para usar sua terminologia - para todos os tipos

77 Id., íbíd., pp. 498-5 10; F. Braudel, "H istory and Social Sciences", in Peter Burke (org.),
Economy and Society in Early Modem Europe, op . cít., pp . 16-18.
78 F. Braudel, Ecrits sur l'histoire, op . cit., pp . 103-14.
79 Id., "H istory and Social Sciences", in Peter Burke Corg.), Economy and Society in Early
Modem Europe, op. cit., p. 17.
80 Id., TheMediterranean..., op. cit., v. 2, p. 1244.
81 Id ., íbid., pp. 1239-42 , citado po r]. H. Hexter, "Fern and Braudel and the Monde Brau-
dellíen", [ournal ofModem History, n. 4, v. 44, dez. 1972, p. 504.

260 A COERÊN CIA HI STORIOGRÁFI CA NO SÉCU LO XX


dr passado. As proporções das influências externas e internas em Braudel fo-
am resumidas em sua edição de excertos e artigos de Lucien Febvre. O fato
dr ele ainda olhar Febvre como seu mentor mostrou sua lealdade ao caráter
memo dos primeiros Annales. Mas o título que escolheu, emprestado do
próprio Febvre - Pour une histoire à part eniiêre" -, correspondeu mais aos
desenvolvimentos posteriores de Braudel do que às intenções originais de
FàJvre quanto a esse título, embora Braudel tenha feito isso como se con-
tasse com a aprovação de Febvre. E ele certamente não o aprovaria.
Contudo, uma distinção deve ser feita entre Braudel, que permaneceu
iel aos ensinamentos de Febvre e, da mesma forma, ainda pensava em ter-
-.os, sobretudo, de cooperação entre a história e as outras ciências humanas,
e ~ última geração dos Annales, representada especialmente por Le Roy La-
dorie, Chaunu e Furet e que mostra uma internalidade histórica que dá um
p:mde passo, indo ainda mais além do que a própria ênfase estruturalista do
mbo Braudel. Essa internalidade histórica excessiva, para repetir um ponto
frequente nestas páginas, rotulamos de "historicidade", em contraste com
os termos "histerismo" e "histericismo", aos quais ela muitas vezes é rela-
cionada. O principal sinal dessa inovação instigada pela nova geração é o
IIIílIClvilhamento parcialmente compreensível com que Braudel saudou a no-
ção de "história serial",introduzida por Pierre Chaunu, tornando-se caracte-
rística da última geração de annalistes" Com o rápido desenvolvimento do
pensamento histórico francês, houve o movimento geral desse pensamento
deuma fase estrutural para uma pós-estrutural, representada especialmente
porJacques Derrida na filosofia e Jacques Lacan na psicanálise filosófica,
~ do movimento das disciplinas humanas como um todo (nas artes e
DaS ciências) para longe da historicidade, ficando, assim, distantes do con-

nte à colaboração com os historiadores. Esses movimentos tiveram, como


seu maior sinal, o envelhecimento dos contemporâneos de Braudel, como o
pró-histórico Lévi-Strauss e o igualmente pró-histórico, apesar de bem di-
ierente, e existencialista Sartre, e tomaram a forma da ênfase da filosofia na
análise lógica e linguística, do declínio e queda da história literária e artística

L. Febvre, Pour une histoire apart entiére. Paris: SEVPEN) 1962.


3 F. Braudel, "Pour une histoire sérielle: Seville et I'Atlantique (1504-1650 t) in Écrits sur
i'iz istoire, op. cit., pp. 135-61.

KRIEGER 261
e do triunfo do comportamentalismo não histórico nas ciências humanas.':
Como resultado}os historiadores foram abandonados a seus próprios recur-
sos) e) pela primeira vez) houve o desenvolvimento de teorias que estabel e-
cem a autonomia dos modelos no passado e a gênese de fatos a partir deles.
A confusão na historiografia francesa pode ser esclarecida se admitirmos
dois pontos: primeiro}os representantes da atual Escola dos Annales - La-
durie, Furet, Le Goff - fornecem uma linha de continuidade através do labi-
rinto; segundo, eles rivalizam apenas com as noções pós-estruturalistas de
figuras como L évy, Foucault e Derrida." Assim) Le Goff e Nora falavam de
uma nova história, que eles se recusavam a definir, dizendo apenas que ela
envolvia uma definição inteiramente nova de trabalho historiográfico, o qual
descartava o conceito de continuidade da história como uma interpolação
inválida de significado produzida por historiadores anteriores. Lévy, parafra-
seando Certeau, afirmava que os remanescentes da continuidade na inter-
pretação da história acreditavam que toda a história era fictícia} que ela "não
existia'." Nessa celebração pós-estruturalista do relativismo histórico, duas
coisas são claras: primeiro} que a média duração, ou a história conjuntural,
foi eliminada em favor de uma nova ênfase na longa duração e no aconte ci-
mento como componentes necessários da nova história; e}ao mesmo tempo,
que tanto Febvre como Braudel são vistos como representantes de uma his-
toriografia passada que tem pouco a dizer às tendências atuais."

84 Lawrence Stone, "History and the Social Science s in the Twentieth Cenrury", in Char -
les Delzell (org. ), The Future of History: Essays in the Vanderbilt Universiiy Centennial
Symposium. Nashville: Vanderbilt University Press, 1977, pp. 7-10, iz, 29, 38j René Wel-
lek, "The Fall ofLiterary History", in Von Reinhart Koselleck e Wolf-Dieter Stempel
(orgs.), Geschichte: Ereignis und Erz ãhlung, op. cit., pp. 428 , 439 -40.
85 J. Le Goff e Pierre P. Nora (orgs.) , Faire de l'histoire, op. cit., t. I, p. XlIIi Michel de Cer-
teau, L'Écriturede l'histoire. Paris: Gallimard, 1975, pp. 9-23 [ed , bras.: A escrita da história,
trad . Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro : For ense Universitária, 1982] j Bernard-
-Henri Lévy, La Barbarie ti visage humain. Paris: B. Grasset, 1977, pp. 61-73j versão em
inglês: Barbarism with a Human Face, trad . George Holoch. No va York: Harper & Row,
1979, pp. 44-54 iJ. Glenisson, "France", in G. G. Iggers e H. Parker (orgs.) , lntemational
Handbook ofHistoricaI Siudies, op. cit., pp. 178-90 .
86 R-H. Lévy, Barbarism with a Human Face, op. cit., p. 54.
87 Por exemplo, sobre o afastamento em relação a Febvre, ver M. de Certeau, L'Écriturede
l'histoire, op. cit., pp . 18-19.

262 A COERtN CIA HISTORIOGRÁFICA NO SÉCULO XX


Ernmanuel Le Roy Ladurie, representante da terceira geração dos Amla-
'~ Bloch e Febvre como os fundadores de sua escola) e coloca Braudel
--r<: eles." Como Bloch e Febvre, ele enfoca os problemas sintéticos, não
novos fatos, para que lhe sirvam de ponto de partida." Mas) diferente-
".-! t e de Bloch e Febvre, busca esses problemas na própria história) não

homem como um todo. De acordo com essa preferência) ele mostra


- intimidade muito maior com a "história estatística ou 'serial" e en-
- za, muito mais que Braudel, a inclinação histórica das ciências, sobre a
~I Ladurie insistiu a respeito da historicização. Seu interesse em posturas
_ n te da morte é um exercício de psicologia histórica que ele chama de "um
r '':íiema estritamente histórico"; recorda Simiand por seu estímulo aos his-
-

- -2 ores) e enfatiza a cooperação com não historiadores em campos mais

_ :<'eitos das ciências naturais) como se quisesse confirmar a historização


_ _, .iencias sociais."
Furet, o annaliste atual que se mostra mais influenciado pela teoria que
co n jun to de seus colegas, tomou o conceito de "história serial " do his-
ric d or quantitativo Pierre Chaunu e o transformou em um instrumento
_hiuso para todos os historiadores cujo material permita a atribuição da
mazia às séries temporais regulares e da derivação funcional aos dados
i ecíficos que compõem a série) com a consequente depreciação do acon-
- .i rnento em favor do relacionamento entre acontecimentos aos quais está
ravante subordinado. Uma vez que a série histórica é temporal) ela é ca-
~or i c am ente distinta da série econ ómica, que não tem essa característica:
_ irn, torn a-se uma espécie de razão distintamente hist órica,"
Porém, o filósofo historiador Michel Foucault foi a figura da cena intelec-
.:!!1! francesa que teve sua negação quanto a participar da fraternidade estru-

zrralista justificada por sua ênfase na mudança histórica) nas mudanças cu1-

Emmanuel Le Roy Ladurie, Tne T erritory 01the Historian [1975J, trad . Ben e Siân Rey-
nolds. Ha ssocks: Harvester, 1979, p. 18.
ld ., ibid. A esse respeito) ver também o belo ensaio de François Furet, "Beyond th e Ano
id es". [ournal 01Modem History, n. 3) v. 55, 1983, pp. 389-410) esp. pp. 409-1 0.
ld ., ibid., pp. vnr, 7, 282.
Pierre Chaunu, Histoire quaniitaiive,histoire s érieúe. Paris: Armand Colin, 1978; François
Furet, "Quantitative History", in Felix Gilbert e Stephen R Graubard (orgs. ), Historical
St!ldies Today. Nova York: W. W. Norton) 1972, pp . 4 7-48.

KRIEGER 263
turais que ele chamava "epistemes", e não nas constantes históricas que eram
a reserva de mercado dos estruturalistas." Foucault não apenas enfatizou a
descontinuidade das coisas em seus trabalhos teóricos, como seus trabalhos
empíricos - lidando com o tratamento sucessivo da loucura no período
clássico entre os séculos XVI e XVIII/ 3 as origens do tratamento clínico mo-
derno e a prisão nos séculos XVIII e XIX, e com a história da sexualidade hu-
mana ao longo dos tempos - enfocam a mudança de uma ordem antiga das
coisas, imposta, para uma nova ordem interna, humana, que se apresenta no
início da era moderna."
A abordagem teórica de Foucault é esclarecida, e sua popularidade se
torna indício de um papel representativo quando suas propostas são vis-

92 Sobre Foucault, ver especialmente Allan Megill, "Fo ucault, Structuralism and the
Ends of History". [ournal of Modem History, n. 3, v. 51, 1979, pp. 452-503; Mark Poster,
"Foucault's Troe D íscourse", Humanities in Society, v. 2, 1979, pp. 155-56, com referência
especifica ao recente The History ofSexuality [1976J, v.a, trad. Robert Burty. Nova York;
Pantheon Books, 1978 [ed. bras.: Históriada sexualidade, trad. Maria Thereza da Co sta
Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 3 v., 1977-85J, e Hayden V. White, "Foucault Deco-
ded: Notes from Underground". History and Theory, n, I, V. 12, 1973, pp. 24, 27-28, 45, 49,
ou os próprios textos teóricos de Foucault, em The Orderof Things:AnArchaeology of the
Human Sciences [1966J, trad. Alan Sheridan. Nova York: Pantheon Books, 1971,pp. XIV,
XVII -XXIII [ed, br as.: As palavras e as coisas: Uma arqueologia dasciências humanas, trad.
Salma Tannus Muchail, 4~ ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987J, e TheArchaeology of
Knowledge [1969J, trad. A. M. Sheridan Smith. Nova York: Pantheon Books, 1972,pp. 15-
-17 [ed, bras.: A arqueologia dosaber, 3~ed., trad. Luiz Felipe BaetaNeves. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1987].
93 Para conferir a minha posição sobre a interpretação de Foucault nes se caso, ver meu An
Essay on the Theory ofEnlightened Despotism. Chicago: University of Chicago Press, 1975,
p·55.
94 M. Foucault, The Order of Things, op. cít., p. 7 j Madness and Civilization: A History of
Insanity in theAge ofReason [1961J, trad. Richard Howard. Nova York: Pantheon Books,
1965 [ed. bras. : História da loucura na Idade Clássica, 7~ ed., trad. Antonio de Padua Da-
nesi. São Paulo: Perspectiva, 2004Jj TheBirth of the Clinic: An Archaeologyof Medical
Perception [1963J, trad. A. M. Sheridan Smith. Nova York: Pantheon Books, 1973 [ed,
bras.: Nascimento da clínica, trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Univer-
sit ária, 1977J; Discipline and Punish: The Birth of the Prison [1975J, tr ad . A. M. Sheridan
Smith . Nova York: Vintage Books,1979 [ed, bras.: Vigiar epunir: Nascimentoda prisão,
trad. Lígia M. Pondé Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1977Jj TheHistory oj Sexuality, op . cito

264 A COERÊNC IA HI STORIOGRÁ FI CA NO S ÊCU LO XX


tis de uma perspectiva pós-estrutural." Sua oposição radical em relação à
~ória tradicional, com suas pressupostas continuidades quanto a pessoa,
trabalho, gênero e teoria, dá ensejo a muitos argumentos contra a absorção,
perpetrada pelo historiador, de unidades racionais de uma realidade não
Imlporal, e sua reivindicação de unidades que sejam reconstruídas mediante
~ aceitação da descontinuidade, de materiais "arqueológicos" compostos ex-
dusivamente de relacionamentos temporais entre meros enunciados, é, de
&to, um argumento em favor de uma razão peculiarmente histórica. Em suas
próprias palavras, "o dever essencial era liberar a história do pensamento de
ma sujeição à transcendência': "Liberando [os fatos do discurso] de todos os
grupos que se pretendem unidades naturais, imediatas, universais, podem-
-se descrever outras unidades, [ ... ] a análise de sua coexistência, sua suces-
são, seu funcionamento mútuo, sua determinação recíproca e sua indepen-
ciênciaou transformações recíprocas [ Tomo essas coisas para descrever
o •• ]

~ relações entre enunciados.t"


Os estudos empíricos de Foucault orientam sua postura teórica, que é
estruturalista em sua tentativa ambígua de defender transcendências no
espaço-tempo contínuo, em direção à possibilidade de examinar com se-
gurança a mudança histórica. Nesse contexto, ele coloca para si mesmo o
problema de explicar o nascimento de instituições como o asilo, a clínica e
a prisão no início dos tempos modernos - ou seja, nos primeiros anos do
século XIX. Por causa de seu interesse inicial pela coerência, ele aplicou, em
cada caso, ênfase no impulso interno de ordenação da sociedade em oposi-
ção a um precedente libertário ou autoritário. Assim, segundo diz, a clínica
surgiu como "um novo modelo unitário coerente para a formação de objetos,
percepções e conceitos médicos', aceitando como sua condição necessária a
obtenção revolucionária dos "privilégios do puro olhar anterior a qualquer

5 Ver Allan Megíll, Prophets ofExtremity:Nietzsche} Heidegger} Foucauli, Derrida. Berkeley:


University of California Press, 1985, para conferir uma discussão esclarecedora sobre
Foucault, ainda que se faça necessário acrescentar que sua tese parece mais adequada
no que diz respeito a Derrida. Esses quatro pensadores não são todos representativos
da história mundial.
ó M. Foucault, TheArcheology ofKnowledge [1969]. Nova York: Víntage, 1982,pp. 29-31}
203 [ed, bras.: A arqueologia do saber} 7~ed., trad. Luiz Felipe B. Neves. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007].

KR IEGER 265
intervenção e fiel ao imediato'." As implicações desse estabelecimento da
ordem histórica acima das condições da liberdade histórica foram explícita-
das na História da loucura de Foucault, em que o autor sublinhou que o tra-
tamento moderno da insanidade estava a serviço da razão dominante, que
"a angústia repressora da responsabilidade" era a condição libertária do asilo
para a própria afirmação individual da "gran de continuidade da moralidade
social ",representada pelo asilo em seu relacionamento fundamental de des-
continuidade com um passado autoritário."
Dizer, como Foucault, que só existe um mundo do passado, que esse
mundo é habitado apenas por vestígios que são o fundamento da história e
que o dever do historiador é construir uma unidade, um conjunto de regu-
laridades discursivas apropriadas ao caráter descontínuo do passado histó-
rico - este é, certamente, o limite concebível da internalização da história.
Por fim, isso conclui a questão, abordada por este capítulo, de colocar em
linha um conjunto de várias posições teóricas, todas sustentadas por proe-
minentes historiadores do século xx, acerca da coerência na historiografia
e na história.
Concluindo, portanto, pode-se dizer com segurança que os historiadores
do século xx não têm sido os historiadores do historicismo e que nenhum
historicismo verdadeiro emergiu desse trabalho. O s historiadores mais ou
menos contemporâneos à crise que se manifestou pelo historicismo respon-
deram de duas formas opostas, porém análogas, não se tornando, contudo,
historicistas, e os resultados de seus esforços estendem-se entre a externali-
zação e a total internalização do princípio da coerência. A fragmentação e a
disjunção poderiam ser as inevitáveis condições da ordem intelectual que
eles criaram. Explícita ou implicitamente, ambos os grupos reconheceram
a força cáustica da crise cultural exercida sobre a e;tabilidade requerida dos
processos e valores universais. Como vimos, os historiadores mais inclina-
dos à filosofia tenderam a respeitar a fragmentação da realidade e a avaliar as
novas abordagens que a levavam em consideração, avançando à maneira da
versão historicista da filosofia da história e segundo a resposta exemplar dos
historicistas à dissolução dos universais, sacrificando novos pontos de vista

97 Id., The Birtlt of the cu,«, op. cit., pp. 25-26, 29-30, 51, 88-122.
98 Id., Madness and Civilization, op. cit., pp . 243-6 9.

266 A COERÊNCIA HISTORIOGRÁFICA NO SÉCULO XX


sobre a racionalidade; esses pontos de vista não haviam sido sacrificados no
espírito do historicismo, que tudo abrangia.
Os historiadores de inclinação menos filosófica, por outro lado, ficaram
iodiferentes a qualquer reflexão sobre a realidade, quando não a rejeitaram.
Eles acreditavam no fluir instável dos acontecimentos individuais e em seu
direito de conferir-lhes coerência, em geral em forma narrativa, pois esse
aa seu trabalho, ignorando outros tipos de realidade porque elas não lhes
competiam. Como historiadores profissionais, preocupavam-se apenas com
o processo histórico. Veem o processo como um fluxo incessante e buscam
identificar princípios conectivos inteiramente ligados a esse fluxo. Esses
historiadores não explicam a realidade extra-histórica, dissoluta ou estável,
como era o hábito dos historicistas. Nem reconhecem com frequência a na-
tureza extra-histórica das fontes de coerência de seu trabalho. Se as fontes
de coerência para o trabalho histórico são, de alguma forma , dependentes
de relações com a realidade última, então a explicação dessas relações pode
moito bem ser deixada aos filósofos.
No caso dos historiadores, portanto, mesmo depois de os fenômenos do
historicismo terem julgado essa confiança um tanto ilusória, de certa forma
instável e de maneira alguma estritamente histórica, as raízes externas da
coerência histórica permaneceram implícitas, quando não passaram desper-
cebidas. Ambos os grupos de historiadores mostraram suas relações com
a crise do historicismo apenas obliquamente, pelo desejo de continuar a
confiar em valores extra-históricos quando estabeleciam a coerência, ou, de
modo mais pronunciado, pela determinação com que construíram versões
da coerência histórica. De forma ampla, ainda que com variados graus de
comprometimento, os historiadores do século :xx foram todos historiadores
dahistoricidade. Esses historiadores foram tradicionais no sentido de levar
adiante as doutrinas do historismo, ou tradicionais à maneira moderna, do
século XIX - tornando-se híbridos após o desfecho do historicismo -, de
fundamentar a coerência em conceitos e métodos de confirmação racional.
Se a confiança estrita em conceitos e métodos de confirmação racional fal-
seia a noção de crise cultural, essa confiança não criou obstáculos à prática
histórica, mesmo que essa prática tenha se mostrado de alguma forma ina-
dequada às possibilidades da época. Desse modo, os historiadores têm se di-
ferenciado dos historicistas mais voltados à filosofia ao tomarem a realidade
fragmentada como um dado e não como um conjunto de circunstâncias a

KRIEGER 267
serem explicadas. Ou seja) os historiadores encararam uma realidade frag-
mentada como um ponto de partida) não como uma condição da realidade
a ser explicada. Os historiadores de nosso século enfatizaram a síntese his-
tórica como condição inevitável da ordem intelectual que buscavam criar
ou) mais frequentemente e de forma bem menos significativa, ignoraram
toda a questão da crise cultural. Não obstante) explícita ou implicitamente,
julgados pela relação de coerência entre seu trabalho e as fontes) os filóso-
fos e historiadores que foram aqui discutidos reconhecem que a dissolu ção
dos universais é o desafio dominante destes tempos e que a transcendência
dessa dissolução mediante a fixação de um modelo de alguma forma com-
patível com ela está na ordem do dia. Mas) em ambos os casos, eles aceita-
ram a fragmentação de sua realidade como um dado e seguem, com suas
fontes de coerência) nesse trabalho fincado pela metade na história e com
suas raízes balançando no ar) aceitando o tempo todo a heterogeneidade da
realidade humana.

Publi cado or iginalment e como "Hi st orical Coherence in the Twenti eth Century", in
Leonard Krieger, Time's Reasons: Philosophies of History Old and New. Chicago:The
Univers it y of Chicago Press, 1989, pp. 137- 63.Tradução de Bruno Gambaro t to .

268 A COE RÊNC IA HI Sr ü RIOGRÁ "I CA NO S ÉCU LO XX


Começarei lembrando que a expressão "nouvelle histoire" e a realidade das
revoluções historiográficas reiteram-se ao longo de toda a história da histo-
riografia. Michelet considerava sua obra uma novidade em relação à história
escrita na época das Luzes.' Da mesma forma) diante dos românticos) os
historiadores positivistas insistiram no fato de que a história é ciência (mu-
dando também) portanto) a própria natureza desse saber). No século xx,
enfim) ocorreu uma nova revolução historiográfica: exatamente o que cha-
mamos de nouvelle histoire.
Do ponto de vista do marxismo) meu primeiro encontro com a nouvelle
histoire foi com a leitura de A sociedade feudal) de Marc Bloch, e O Mediter-
râneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II) de Fernand Braudel. Meu
primeiro encontro pessoal com Braudel aconteceu em 1956) nove anos depois
da publicação de Mediterrâneo) quando a primeira geração (1929») a de Marc
Bloch, dera lugar à segunda, dirigida por Braudel. Na época, a nouvelle histoire
já era realidade na França, ou seja, a nouvelle histoire era a história elaborada em

Este texto não é uma transcrição nem resumo da exposição do professor Geremek. É um
desenvolvimento literário, efetuado porJosé Andrés-Gallego e completado por Ignacio
Olábarri Gortázar, com base no roteiro da conferência, obtido por ambos. A versão final
foi aprovada pelo professor Geremek.

270 ENTRE O INDIVIDUAL E O COLETIVO: HISTORIA SOCIAL OU HISTÓRIA MORAL?


torno da revista Annales. Só com a crise dos anos 1960 chegaria a adquirir força
no mundo anglo-saxão. A New History é, na realidade, uma tradução da nou-
velle hisioire. As mudanças na Am erican Historical Review constituem um bom
exemplo desse aparecimento da nouvelle histoire no mercado mundial da his-
tória. Atualrnente, é impossível fazer história como se fazia antes dos Annales.
Nos anos 1970, produziu-se uma profunda crise na escola neopositivista,
que considerava ser o objeto da história constituído pelas relações entre os
homens e não - como na nouvelle histoire - pelo homem e suas relações.
Ao mesmo tempo, dissemos, a crise do marxismo tinha uma janela aberta
especificamente à New History na revista Past and Preseni, por meio do prin-
cípio metodológico de que, além do que foi dito sobre as relações humanas
e os homens, é preciso levar em conta que a ação humana é determinada
por fatore s externos. No entanto, o princípio determinista, a partir de 1960,
também entraria em crise, inclusive na P&P, transformada, daí em diante,
em uma revista de mais amplo espectro.
Por fim, a crise da ideia de progresso, ideia que se encontra, em parte, na
própria origem do saber histórico.
Nesse contexto, a nouve/le histoire já incorporava, primeiro, o aporte da his-
tória econ ómica, tal como havia sido elaborada na Alemanha (na escola histó-
rica de economia nacional alemã), ao aplicar a história ao estudo da economia,
e não só o inverso. Dessa linha de raciocínio, surgiram todos os "quantitati-
vismos" que constituiriam uma das principais características da New History.
Incorporava} em segundo lugar, o aporte da sociologia: contribuição me-
nor do que a do saber econ ôrnico, por causa do ceticismo dos historiadores
perante o aspecto sociológico, mas muito importante. Lucien Febvre e Brau-
del, e com eles a chamada Escola dos Annales, já tinham derrubado as fron -
teiras entre as denominadas ciências sociais. A sociologia, para eles e a partir
deles, deixara de ser a rainha dessas ciências para passar o cetro à história (a
história rainha: esse era o "segredo" que fomos descobrindo à boca pequena,
todos nó s que conhecíamos de perto os homens dos Annales). A história
deveria dar às ciências sociais um sentido de experiência} anexado à própria
experiência do tempo.
Em terceiro lugar, o conceito de mentalidade. O conceito que levaria a
história da cultura até os limites do biológico e do social. A mentalidade se
converteria, assim, na chave da interpretação sociocultural. Com ela, a etno-
logia e a antropologia chegavam à história.

GEREME K 271
Assim}para os homens da nouvelle histoire, a história social apresentava-
-se como forma de história total, globalizadora. Compreendia o propria-
mente social, mas também o cultural ... todo o humano. Além da história
social, entendida dessa maneira} não poderia existir nada. De fato, foi so-
cial, na parte fundamental} o desenvolvimento historiográfico a partir dos
anos 1960.
Karl Lamprecht já propusera algo semelhante no final do século XIX,
provocando grande controvérsia na Alemanha (a Methodensreit) [sic]. Pro-
clamara, à nossa maneira, o direito de estudar o social, e não só os acon-
tecimentos, os fatos fortuitos, e com isso o problema das relações entre o
coletivo e o individual, e o determinismo.
Apesar da falta de relação entre ambos os processos) consequência de
um verdadeiro "corte" entre duas culturas historiográficas, a identidade das
preocupações de historiadores alemães e franceses perfilava-se, claramente,
nessa circunstância. No caso francês, os principais representantes das novas
tendências foram François Simiand e Paul Lacombe. Lucien Febvre incor-
porou essas tendências ao falar do direito dos deserdados da história à his-
tória, do social como primogênito da história e da história como disciplina
eminentemente social.
Naqueles anos, G. M. Trevelyan definia a história social como "a histó-
ria inteira, excluindo a política". Mais importante que a sua definição foi sua
atividade: o estudo da vida cotidiana, da organi zação social da vida inteira
do homem. Na Alemanha} George Kubler traçava a "história das coisas". As
"coisas" (os objetos) também mudam -lembrou-nos -) e disso pode dar tes-
temunho} por exemplo, a moda.
Sem dúvida} os Annales ESC acolheram essas preocupações. Contudo,
primeiro tomaram o rumo da história econômica. Concretamente, a macro-
-história e a história regional.
Muito rápido, ainda que de forma paulatina, constatou-se sua aproxima-
ção da história social}nos temas das teses de doutoramento que se liam na
França. Com Labrousse, a história social também pôde apreender a conjun-
tura social, apresentou-se como o reverso da história econômica. E chegou ,
assim, à explicação das revoluções como resultado da economia. Desse
modo seria reinterpretado o Quatre-vingt-neuf
Não se tratava de estudar só o social como exclusivamente social, mas
de averiguar todas as suas implicações. Dessa maneira} com a comparação

272 ENT RE o INDI VID UAL E o COLET IVO: HISTÓRIA SOCIAL OU HISTÓRIA MORA L?
de séries quantitativas e o estabelecimento de ciclos referentes aos diversos
tipos de acontecimentos} introduziu-se a história social nos Annales. Seriam
Hamilton e Braudel os que aplicaram, de forma esplêndida, o modelo. Em
seguida, não obstante, veio a procura por outras fontes. Como os testamen-
tos e os cadastros (como o de Florença de 1427000), que tornaram possível a
reconstrução não só da economia, mas da família e da casa.
Certamente, nessa quantificação do social havia um obstáculo: o privi-
légio (as ordens privilegiadas, que escapavam de tantas outras fontes e, apa-
rentemente, não pareciam passíveis de quantificação).
Juntamente com os Annales é preciso mencionar a social history inglesa
e norte-americana, formada, em parte}em torno dos estudiosos da história
da família, liderados por Peter Laslett. Foram precedidos por demógrafos e
historiadores da sociedade.
Nesse âmbito, a criminalidade converteu-se em um dos objetos preferidos
dos estudiosos da Baixa Idade Média e da Era Moderna. Isso porque, desde o
século XIV, tornou-se possível elaborar estatísticas. Algo fundamentaL
Apesar de fundamental, também não era confiável} porque a estatística
não expressava a frequência do crime, apenas a da repressão, que dependia
da qualidade da polícia, entre outros fatores. Pode-se comprovar, historica-
mente, que uma simples mudança de funcionários levou, muitas vezes, à al-
teração da estatística criminal . Sendo assim, como conhecer a criminalidade
"real" (o crime "negro", oculto)? O historiador desses objetos tinha - e tem -
a sensação de que lhe faltam meios.
Na Alemanha, Otto Brunner tentaria captar a família como conceito-
-chave da história social: a família camponesa, principalmente, em torno da
casa, do lar, do pátio, o que permitia}também, estudar a economia doméstica.

*
Com isso, vemos que a história social foi desenvolvida por diversos expe-
rimentos, em diversos países. Seria preciso falar, ainda} de Vicens Vives, na
Espanha, mesmo que para seus seguidores e para muitos outros as tentativas
tenham obtido mais êxito no campo da história económica do que} propria-
mente, no da social.

GEREMEK 273
Todos esses são enfoques consecutivos para se aproximar mais da his-
tória social: afinal} o social é a grande interrogação da nouvelle histoire. Mas
existe} realmente} a sociedade? A sociedade é um objeto?
Braudel procurou uma resposta com a tentativa de organização que
houve na distinção entre longa duração e acontecimentos (événements). As
mudanças de longa duração seriam} na essência} elementos constitutivos da
civilização, correspondendo à estrutura. Já os acontecimentos equivaleriam
à conjuntura e, nesta, o social não apareceria. O conceito de "civilização" pa-
rece válido} enquanto o de "sociedade" é um conceito criado pelos historia-
dores. Temos uma "civilização ibérica" ou uma "civilização barroca"} que sa-
bemos definir. Mas a "sociedade modema" ou a "sociedade contemporânea"
são criações dos historiadores} criações destinadas a situar a ação humana.
No entanto} isso implica outra dúvida: o homem atua em sociedade. Então}
como se operam as mudanças se não no eventual (événem entiel)?

*
Este é o problema-chave da reflexão dos novos historiadores: a nouvelle his-
toire já está em crise porque não tem consenso a respeito de como se dá a
mudança. Entre a sociedade que denominamos moderna e a que denomina-
mos contemporânea houve uma mudança. Mas onde? Não aparece.
Alguns recorreram à matemática de R. Thom, convidando os historiado-
res a seguir esse caminho. Eles, porém, não aceitaram o convite. A história
social continua sendo uma história de classes sociais. Com a peculiaridade
de que, em grande parte} isso é fruto da reflexão marxista sobre a luta de
classes} instrumento em decadência como meio de an álise. O próprio con-
ceito de classe também se encontra em crise}é cada vez menos eficiente para
as explicações.
Assim}os Os camponeses do Languedoc, de Le Roy Ladurie, não contêm
uma exposição sobre classe social nem sobre um conjunto de classes, mas
sobre um conjunto de homens em comunidade} definidos menos pelo re-
curso comum a técnicas que pelas condições comuns da vida camponesa.
Da mesma forma} em seu admirável livro sobre a formação da classe
trabalhadora na Inglaterra} Thompson também não apresentou uma classe

274 ENTRE o INDIVIDUAL E o COLETI VO: HISTÓRIA SOCIAL OU HISTÓR IA MORA L?


social, mas uma série de homens e de grupos ligados por vínculos profissio-
nais. Não eram pessoas definidas por uma consciência de classe.
Para designar os homens do início do século xx, já se começava a falar
de massa.
E, indo além, dos marginalizados, dos excluídos da história (por mais
que hoje estejam na moda). Eu mesmo trabalho com a história social da
Europa medieval e moderna, entre os séculos XIII e XVII. Estudei um grupo
de assalariados em uma cidade medieval. Logo, os excluídos dela. Depois,
os pobres na Idade Média e na Moderna, uma realidade social e a resposta
da própria sociedade) por meio da beneficência ou do ódio. Não se pode
esquecer que o pobre era visto por alguns como destruidor da ordem social,
já que não participava de uma relação social que se pudesse considerar or-
denada, de ordem.
Pois bem, posso dizer com isso que estudei uma classe social? Não.
O que estudei são homens marginalizados: os sem-família. É algo seme-
lhante ao que Julio Caro Baroja estudou em Las brujas y su mundo. Ou
ao que algum outro autor abordou quando enfocou a vida dos artistas
como marginalizados.

*
Com isso quero dizer que não há sentido em estudar uma classe social?
Também não. O que me nego a admitir é o estudo de uma suposta ou real
dicotomia social: a classe dominante contra a classe dominada e)portanto, o
conflito entre ambas. Isso é inaceitável para um estudioso da história social.
O que, desde logo, quer dizer que a história social tem o mesmo pro-
blema de método que o conceito de classe social. O medievalista Maurice
Lombard estudou o Islã medieval e, especificamente, a classe mercantil. Ex-
plica como, nos séculos xv e XVI, a classe mercantil e a corte islâmica foram
realidades expansivas, estendidas até o Sudão, graças, principalmente, ao co-
mércio de escravos. Em Beirute, havia um centro de castração dos servos ...
Também descobriu belas histórias, por exemplo, a da linda escrava sudanesa
que chegou a ser rainha e a do banqueiro assassinado ... Às vezes, sua obra
parece um quadro impressionista. Isso é exatamente o que Kolakowski afir-

GEREMEK 275
mou: a abordagem do historiador é uma aproximação impressionista. No en-
tanto, não é isso o que consideramos história de uma classe social.
Qual a solução? Medir? Sem dúvida, é preciso medir tudo que é mensu-
rável. O historiador não tem o direito de dizer "muito" se pode dizer quanto.
Às vezes é possível criar o mensurável. É o que fez Lawrence Stone na cha-
mada prosopografia social (que não contradiz o método weberiano dos "ti-
pos ideais" e que, na realidade, já fora aplicada, em meados do século XIX,
ao estudo do cursus honorum dos funcionários romanos). É possível e até
necessário aplicar isso aos mais diversos níveis da sociedade, para definir
quem são os membros de um grupo, o que possuem, quais são suas fun-
ções, quem são seus filhos ...
Na verdade, tudo isso não contraria a importância da história social. Ao
contrário. Só explicita a complexidade das relações que existem por trás
das classes e dos grupos. Meu livro sobre a pobreza e as atitudes diante da
pobreza trata de um assunto apaixonante. Refere-se, rigorosamente, ao que
continua sendo a grande vergonha da Europa do século xx e do mundo con-
temporâneo no seu conjunto: a existência da pobreza e nossa incapacidade
para resolver as carências. É um fenômeno hoje agravado pela crise da cari-
dade cristã; um fenômeno que faz que a solução dessas questões dependa
da capacidade de influir na política, entendida como uma ação a serviço do
cidadão, não como um simples jogo de poder.

*
É precisamente disto que quero falar por último: da sociedade e da política.
Foucault acreditava que a sociedade tradicional excluía os loucos, os
pobres, aqueles, por isso mesmo, marginalizados. Mesmo que isso fosse
verdadeiro, também o era o fato de que, simultaneamente, a sociedade se
formava - forma-se - por meio de exclusões. Exclusões que servem para
afirmar a coesão dos grupos e, por isso, são e foram, frequentemente, ex-
clusões de grupos: a exclusão de estrangeiros reforça a coesão da nação, a
evolução dos vagabundos e dos desocupados, nos países protestantes, tem
a ver com isso. Nesses locais, o trabalho era considerado uma obrigação
também religiosa.

276 ENTRE o INDIVIDUAL E o COLETIVO: HISTÓRIA SOCIAL OU HISTÓRIA MORAL?


Contudo, a solidariedade não brota apenas contra os outros, mas também
para os demais. Brota, por exemplo, da relação construtiva entre os homens.
Pensemos nas confrarias medievais: eram criadas para a vida religiosa, mas
igualmente para organizar a vida segundo critérios cristãos. Lembremos, a
propósito, aquilo que Le Roy Ladurie reconstruiu em Montaillou: a solida-
riedade familiar servia para organizar a vida social, era um veículo de so-
ciabilidade. Consideremos, também, a Polónia comunista do século xx. Os
dissidentes eram uma minoria, o que perdurou até 1980, quando foram capa-
zes de formar um sindicato que chegou a reunir 10 milhões de pessoas. A lei
marcial de 1981 já não podia contê-los. Esse é, desde logo, um dos exemplos
mais evidentes de formação da sociedade civil, organizada contra o Estado:
com articulação institucional à margem do Estado.
Como foi essa articulação? Havia movimentos clandestinos difundidos
por meio de jornais escritos à mão, com os quais se formavam opiniões ...
Houve um que chegou a ter em circulação 50 mil exemplares, reproduzi-
dos dessa forma. O livro de Karl Popper, A sociedade aberta, atingiu 100 mil.
Tudo isso pela existência de uma sociedade civil, formada simplesmente
sobre a base de um sistema de valores compartilhado, sobre um consensus
sempr ~ referido à verdade, uma sociedade civil conhecida, obviamente, pe-
las autoridades, embora nunca oficialmente reconhecida.
De certa forma, o caso da Polônia evoca os movimentos camponeses do
século XVII, estudados por E. P. Thompson: movimentos que geravam ma-
nifestos que diziam a mesma coisa, sem nenhuma relação possível entre os
respectivos autores. O que os fazia coincidir era a referência a valores co-
muns, constituindo a moraleconomy de que falaria Thompson, um consensus
que, ao menos na Polônia do século xx, mostrou ser mais eficaz do que a
democracia do Estado e que não é o único caso, nem na história da Polônia.
Lembremos que o liberum veto costuma ser invocado para explicar a divi-
são da Polônia na segunda metade do século XVIII. Porém, esquecem-se de
que esse regime existia há duzentos anos, durante os quais nada disso havia
acontecido. É um exemplo contundente da prática do consensus.
A história social praticada hoje na nouvelle histoire está muito influenciada
pela linguagem política, pela linguagem do Estado, inclusive pela linguagem
da Igreja. No entanto, é necessário descobrir a sociedade civil que pode existir
em cada situação histórica, porque nela está a memória, a prática institucio-
nal e, definitivamente, a auto-organização.

GEREMEK 277
*
Para concluir: a história social, tal como é escrita hoje, sob o rótulo da nou-
velle histoire, tem grande influência na vida social e política. O Estado se dá
conta de que tem diante de si uma sociedade civil, com sua históri a e com
capacidade de organizar-se por si mesma.
É esta a verdadeira lição ética sobre o comportamento do homem, que
tem como consequê ncia o declínio do determinismo: a liberd ade dos ho-
mens, o descobrimento de sua capacidade de escolha.
Napoleão III dizia que a história é a guerra. Acredito que a história é a
paz. Ou que é a paz e a guerra. Em último caso, é a manifestação da diferença
de opção entre os indivíduos, uma diferença que implica ser o mundo dos
valores um espaço de escolha. Nesse sentido, podemos afirmar que a histó-
ria raramente ensina como fazer as coisas bem, mas sim como não devem
ser feitas.

Publicado or iginalment e como "Entre lo ind ivid ua l y lo colect ivo: Hist oria soc ial o his -
t or ia moral?", in José And rés- Gall ego (erg) , New history, nouvelle histoire: Hocio uno
nuevohistorio . Madri: Editorial Actas, 1993, pp. 83 -90 .Tradução de Maria Elena Ort iz.

278 EN TR E o IN DI VI DUA L E o COL ET IVO: HISTÓRI A SOCIA L ou HI STORIA M ORAL?


Na óptica deste curso, La Nouvelle Histoire, apresentarei o tema: "a antro-
pologia histórica é a 'nouvelle' Nouvelle histoiret", ou, em outras palavras: a
"nouvelle" Nouvelle histoire é uma antropologia histórica?
Temos que estar de acordo quanto aos termos. Usarei etnologia e antro-
pologia como sin ónimos, não pelo afã de simplificar, mas porque são duas
palavras intercambiáveis para os novos historiadores franceses. Le Goff Puret,
Burguiere, por exemplo.
Em 1974, quando a revista Annales: Économies} Sociétés, Civilisations con-
sagrou um dossiê à "história antropológica" (assim intitulado), o responsá-
vel redigiu uma introdução (pp. 1309-10) na qual usava, frequentemente, a
expressão etnologia. Fato curioso e discutível, antropólogos e etnólogos fran-
ceses fazem o mesmo: em seu Dictionnaire de l'ethnologie et de l'anthropologie,
Pierre Bonte e Michel Izard discorrem rapidamente sobre etno-história em
longo verbete sobre Histoire et Anthropologie. Aqui} empregarei a expressão
antropologia histórica, mais adequada que etno-história, para não avalizar
um equívoco lamentável e mal fundamentado.
Denominarei antropologia com Carlo Ginzburg, a "ciência do vivido"; com
Jacques Le Goff, o "estudo do homem cotidiano"; com André Burguíêre, o "es-
tudo dos costumes - gestos} ritos, pensamentos ... e dos comportamentos':
Sucessivamente} procurarei demonstrar que a antropologia histórica se
converteu na nova Nova história; que, com isso, surgiu não apenas outra his-

280 AN TRO POLOGIA, ETN OLOGIA E HI STÚRIA: A TERCEI RA GERAÇÃO N A FRAN ÇA


;:r !.'. , mas uma história diferente; e, como consequência) o risco para a histó-
<i" .assim praticada é o de desaparecer como ciência específica.

•..:. ANTROPOLOGIA HISTÓRICA É A NOVA HISTÓRIA

A. antropologia histórica é o último avatar da Nova história. Certamente)


como sempre ocorre na história das ciências) existiram pioneiros distantes:
Marc Bloch e sua obra Os reis taumaturgos, Norbert Elias e sua Civilisation
eles moeurs ... Contudo) é preciso esperar o início dos anos 1970 para vê-
-la praticada por um grupo de pesquisadores) reconhecida e batizada. Em
abril de 1971) em Veneza, no seminário da Association.pour la Liberté de
la Culture, François Furet apresentou uma comunicação intitulada "His-
toire et Ethnologie", publicada onze anos mais tarde em L'Atelier de fhistoire.
Em 1972, Jacques Le Goff publicava, na obra Mélanges Braudel, um artigo
denominado "L'Historien et l'homme quotidien', já consagrado de fato às
relações entre história e etnologia. Em 1974, como já o dissemos, os Annales
ESC apresentavam "Pour une histoire anthropologique", em que se debatia,
principalmente, o conceito de reciprocidade, tão caro a Karl Polanyi. Em
1976, Le Goff mudava o nome de seu seminário na École des Hautes Étu-
des en Sciences Sociales, nascido no ano anterior da transformação da Sexta
Seção (História) da École Pratique des Hautes Études. O seminário, até en-
tão denominado Histoire et Sociologie de 1'0ccident Médiéval, recebeu o
título de Anthropologie Historique de l'Occident Médiéval. Em 1978, André
Burguiére consagrava, para o grande público, a antropologia histórica como
um novo território privilegiado do novo historiador, ao escrever um longo
artigo na obra coletiva La Nouvelle Histoire.
Segunda constatação: a antropologia histórica, disciplina jovem) dá
provas de uma vitalidade conquistadora. Os historiadores franceses tes-
temunham-no. Reconhecem a influência que grandes obras de etnologia
exerceram sobre eles; é o caso de Georges Duby; que escrevia, no prefácio à
tradução francesa da obra de Jack Goody; L'Évolution de lafamille et du ma-
riage en Burope, em 1985: "Há vinte anos os historiadores, começando pelos
da época medieval e séculos XVI e XVII, puseram-se a ler assiduamente os
etnólogos. Leitura vivificante':
Atitude semelhante é perceptível na Itália, Alemanha e Estados Unidos.

CARBDNELL 281
Às vezes, o historiador reconhece sua dívida em relação a uma obra COIr
creta: Jean-Claude Schmítt, por exemplo, estudou o suicídio na Idade Média
(Annales, janeiro de 1976) com base em um artigo de antropologia de Mar-
cel Mauss sobre a ideia da morte. Michel Sot, em sua pesquisa sobre o epis-
copado pós-carolíngio, partindo das gesta episcoporum, confessava: "Afinal, o
que informa minha abordagem e o que a vem informando há alguns anos?
É a presença da antropologia':'
Tampouco} os historiadores franceses de hoje não hesitam em afirmar,
uns, o triunfo da etno-história: outros, o da antropologia histórica. François
Dosse fala de uma "etnologízação do discurso hist órico'? e assegura que "o
historiador dos Annales calça as botas do etnólogo e relega o econ ómico, o
social e a rnudança'l'
Mais próximos de nós} em um balanço sobre L'Histoire médiévale en
France (1992), Jacques Berlioz e Jacques Le Goff resenham, no capítulo "An-
thropologie et histoire", mais de 120 títulos publicados nos últimos vinte
anos e comentam) portanto, "a relação privilegiada que se estabeleceu entre
história e antropologia, de 1968 até nossos dias':
Essa convergência das duas disciplinas não é nova. Só se surpreendem
aqueles que ignoram que a história e a etnologia, tal como as definimos, for-
mam um par nascido do mesmo pai, Heródoto, cuja obra Istoria é indiferen-
temente chamada de "História" ou "Pesquisa':

EXPLICAÇÕES

A separação entre antropologia e história não repousa sobre critérios epis-


temológicos claros e seguros. É fruto mais do acaso hist órico, confirmado
pelo costume universitário - as cátedras diferenciadas - }dó que da neces-
sidade teórica.

Espaces Temps, n. 7, 1978, p. 76.


2 François Desse, L'Histoire en mieties: D es "An nales" ala "nouvelle histo ire", Pari s: La
Déc ouverte, 1987, p. 165 [ed. bras.: A história em migalh as: Dos Ann ales aNova Hi stória,
trad. Dulce Oliveria Amara nte dos Sant os, ed. rev. Bauru (s p) : Edusc, 2003 ) .
3 Id ., ibid., p. 167.

282 ANTROPOLOGIA, ETNOLOG'A E HISTÓRIA: A TERCEIRA GERACÃO NA FRAN ÇA


A antropologia nasceu, de fato, da descoberta europeia de sociedades
ex óticas e da intenção das Luzes de dar um fundamento racional às descon-
:i..nuidades culturais. Foi a oposição entre o mundo civilizado, progressista -
.ujo conhecimento correspondia à história - e o mundo selvagem, primi-
tivo e paralisado - cuja exploração correspondia aos etnólogos. É a grand
.:-.•rtage que Goody evocou. A diferença entre história e etnologia tem, assim,
... rigem na ideia de que existem dois tipos de humanidades, às quais corres-
oondem dois tipos de saber.
Essa diferença tornar-se-ia oposição epistemológica no século XIX, com
C' triunfo da história positiva (ou positivista) e o nascimento das ciências

sociais.
A história considera os indivíduos como os únicos agentes do devir hu-
man o: dedica-se, pois, a resenhar o que procede do arbítrio humano e se
manifest a em acontecimentos únicos. Cr ónica de príncipes, de estados, de
batalh as ou biografia de heróis de exceç ão, a história estuda o individual, o
contingente) o eventual.
A antropologia) ao contrário, postula que o social é irredutível ao indivi-
dual , estuda as formas prementes da vida coletiva, ambiciona deduzir leis
(l eis de evolução ou leis de estrutura) . Ao contrário da ciência histórica,
compara e analisa.
As diferenças de método acabam por aprofundar o fosso: o etnólogo usa
fontes orais e, como Heródoto, pratica o opsis e o acoe) o visto e o ouvido.
O historiador emprega fontes escritas e os porões dos arquivos convertem-
-se em laboratórios onde se elabora o conhecimento científico do passado.
Hoje) já vimos, não só o fosso está coberto, como as duas disciplinas) re-
conciliadas, às vezes parecem confundir-se em uma só.
Como, por que essa interdisciplinaridade exemplar) indistinta?
Obedece) talvez, à própria natureza da "nouvelle histoire" e à sua história.
Combatendo arduamente a história "positivista", a nouvelle histoire transfor-
mou-se em história social: com isso, renunciou aos traços mais antiantro-
pológicos da história "p ositivista': Os historiadores da historiografia fizeram
notar que os novos historiadores, depois de meio século de existência, não
deixaram de praticar a bidisciplinaridade (a íntima colaboração com outra
ciência) nem deixaram de mudar de partenaire. André Burguiére ressalta:
depois da geografia, da sociologia, da economia e da demografia, hoje é a
antropologia a "n ova etapa da carreira predadora do pensamento histórico

CA RBON ELL 283


francês ': Sim, mas por que eleger a antropologia em vez da psicanálise ou
da cibernética?
A explicação deve ser procurada em outro lugar. Por exemplo, numa con-
vergência por analogia.
De fato , são numerosos os pontos comuns entre etnólogos e novos histo-
riadores da primeira e da segunda geração:

Braudel, na primeira parte de sua tese ( O Mediterrâneo ... , 1949), havia


estudado, por meio da geo-história e da história dos redutos culturais
montanheses, fenômenos quase imóveis, cujas mudanças só eram per-
ceptíveis situando-as na longa duração; a longa duração que ele anali-
sara, de forma teórica, no célebre artigo da revista Annales.4
Antes dele, Lucien Febvre havia rejeitado o eventual, definido como "o
fato que deixa um traço único e singular, que marca a história por suas
consequências particulares e ínímit ãveís'> Reivindicava, portanto, uma
história total, interessada pelos homens, por todos os homens, em sua
vida cotidiana. A crítica que fizera de Histoire de Russie, de Miliukov e
Seignobos, pôde apresentar-se como o manifesto dessa etno-história
tão desejada:

Abro a Histoire de Russie: tsares falats saídos de Ubu Rei, tragédias de pa -


lácio, ministros concussion ários, burocratas tagarelas, ukazes ou prikazes à
vontade. Mas e a vida forte , original e profunda do país, a vida da floresta e
da estepe, o fluxo e o refluxo de populações em movimento, a grande maré
que, indo além dos Urais, aflui para o Extremo Oriente siberiano, e a vida
pujante do s rios, os pescadores, os barqueiros, o trânsito, e a prática agrícola
dos camponeses, seus instrumentos, sua técnica, a rotação de culturas, as
pastagens; a exploração florestal e o lugar do bosque na vida russa; a fortuna
fundiária da nobreza e seu modo de vida; o nascimento das cidades, sua ori-
gem, seu desenvolvimento, suas instituições, suas características; as grandes

4 Femand Braudel, "La Longue durée", AnnalesESC, n. 4, v. 13, out.-dez. 1958.


5 A definição é de Olivier Dumoulin, Dictionnaire des sciences historiques (o rg. André
Burgu íêre). Paris: PUF, 1986, p. 271 [ed, bras .: Dicionário das ciências históricas, trad. Hen-
. rique de Araújo Mesquita. Rio de Janeiro : Imago, 1993].

284 ANTROPOLOGIA. ETNOLOGIA E HISTÓRIA: A TERCEIRA GERAÇÃO NA FRANCA


feiras; a constituição do que chamamos burguesia (mas houve alguma vez
uma burguesia na Rússia ... ), a tomada de consciência no mundo todo de
uma Rússia que evocava que tipos de repre sentação e de que ordens, étni-
ca? - territorial? política? - , a função da fé ortodoxa na vida coletiva russa e
se teve lugar (ou não) na formação individual das consciências; as questões
linguísticas; as oposições regionais e seus princípios? Sei lá que mais ... ?
Sobre tudo isso que se põe a mim sob a forma de pontos de interrogação,
sobre tudo isso que, para mim, é a própria história da Rússia, não há quase
nada nessas 1400 páginas,"

Febvre reivindicou também, para o historiador, o direito e o dever de inte-


ressar-se pelo presente. Outra convergência com a etnografia.
À convergência soma-se «sedu ção, a sedução exercida pelo estrutura-
lismo sobre as ciências humanas, em geral, e, particularmente, sobre a his-
tória. Por Claude Lévi-Strauss sobre Braudel, por exemplo, porque o debate
que mantiveram é célebre e foi, de certa forma, fundador. Nesse caso, seria
mais preciso falar de uma sedução-repulsão exercida pelo antropólogo sobre
o historiador.
Debate direto porque o artigo de Braudel sobre a longa duração, já men-
cionado, respondia à Antropologia estrutural, com alguns meses de intervalo.
Sedução, porque Braudel não regateou elogios a Lévi-Strauss: "Su a
tentativa", escreve, "parece-m e a mais inteligente, a mais clara, a mais bem
fundamentada na experiência social, da qual tudo deve partir e à qual tudo
deve retornar':
Repulsão, também, porque Braudel não cessou de contrapor à "linha
profunda, mas estreita, das permanências humanas", à "ideia de uma estru-
tura global da sociedade" que "in quieta e incomoda o historiador"? uma
percepção complexa do tempo ou dos tempos da história cuja longa du-
ração mede a si mesma, isto é, a inevitável evolução, a inelutável mudança
das coisas.

6 Révue de Synthêse, n. 7, 1934.


7 F. Braudel, Ecritssur l'histoire. Pari s: Flammarion, 1969, pp. lU e us [ed. bras.: Escri-
tos sobre a história, trad.Jacó Guinsburg e Teresa C. S. da Mota. São Paulo: Perspec-
tiva, 1992].

CARBONELL 285
Não é menos claro que o debate Braudel-Lévi-Strauss testemunhou uma
sensibilização quase geral dos historiadores franceses em relação à aborda-
gem antropológica do real. Essa sensibilização}que parece manifestar-se no
final dos anos 1950} era de fato fruto de uma vasta evolução que afetava a
Europa: crise do eurocentrismo (resultante da Segunda Guerra e da de sco-
lonização), crise dos mitos europeus} do mito do Progresso} em particular.
Nesse sentido} a mudança do título da revista Annales, tribuna dos novos
historiadores, é reveladora. Em 1945, os Annales d'Histoire Économique et 50-
ciale convertem-se em Annales: Économies, Sociéiés, Civilisations. O plural ex-
pressa claramente uma mudança de atitude e a ampliação das curiosidades:
como o etnólogo} o historiador interessa-se por povos que acreditava não
ter história e quanto aos quais descobre um passado rico em fatos, "m óvel" e
"cognoscível" A crise de 1968 esteve na origem da fortuna da etno-história. É,
pelo menos} a hipótese defendida por François Furet em L'Atelier de l'histoire
(1982) . "N ão é casualidade", escreve, "que esse tipo de história tenha tido seu
ápice nos últimos dez ou vinte anos} numa sociedade francesa que se encon-
trava violentamente desgarrada de seu passado pelo crescimento econ ôrníco
e que, em compensação} nutria um mundo de nostalgias:' Daí "essa paixão
por nós mesmos, como se emoções, crenças e representações de nossos an-
cestrais pudessem reviver'"
François Dosse dá outra explicação para o que chama "a etnologização
do discurso histórico". Em A históriaem migalhas (1987), afirma que "esse re-
tomo a tempos imóveis antigos é sintoma de um devir relegado à lógica pura,
talvez insana, de um desenvolvimento das forças produtivas". E prossegue:
"encerrada entre as contradições Norte-Sul e Leste-Oeste, nossa sociedade
prefere refluir para o exotismo oferecido pelas gerações precedentes, revi-
vidas pela memória popular, rumo a uma história etnográfica que não tem
sentido, uma vez negada sua relação com o devir'f
Qualquer que seja sua explicação, o efeito permanecei a antropologia his-
tórica triunfa e, com ela, uma história diferente.

8 François Furet, L'Atelier de l'histoire. Paris: Flammarion, 1982, p. 24.


9 F. Dosse, op. cit., pp. 176-77.

286 ANTROPOLOGIA, ETNOLOGIA E HISTORIA: A TERCEIRA GERAÇÃO NA FRANÇA


II . UMA HISTÓRIA DIFERENTE

A etno-história modificou as perspectivas temporais do historiador, ofere-


ceu-lhe outras temporalidades.
Não por acaso rejeita o acontecimento, no sentido positivista do termo,
e propõe uma história feita de acontecimentos repetidos e esperados: festas
do calendário religioso, festas agrárias (frequentemente confundidas com
as primeiras), cerimônias ligadas à história biológica e familiar (nascimento,
casamento, morte) J comemorações... Quando lança um olhar de etnólogo
sobre as sociedades que estuda, o historiador compreende melhor o que
existe de litúrgico nessa sociedade "histórica':
A etno-história obriga o historiador a recorrer a uma diferenciação de
tempos da história e a prestar atenção especial aos fenômenos tradicionais
cuja evolução só é perceptível na longue durée.
Depois do tempo, o espaço: a etnologia orienta ou reorienta o olhar do
historiador no espaço humanizado. Com a antropo-história, o mundo rural
é descoberto e reabilitado. Depois do século dos historiadores "burgueses"
(quero dizer, da cidade) J que vai de Guizot a Henri Pirenne, vem o tempo
dos ruralistas: Marc Bloch, o pioneiro, eJ atualmente, Georges Duby e Em-
manuel Le Roy Ladurie, cujo Montaillou ilustra, por seu grande êxito, a per-
cepção da etno-história.
Depois do tempo e do espaçoJ a sociedade: a antropologia conduz o his-
toriador a destacar certas estruturas sociais mais ou menos marginalizadas nas
sociedades "evoluídas" j conduz igualmente a tornar complexa sua visão da
dinâmica social.
A nova história social acrescentaJ ou até prefere, às ordens, classes ou
outros grupos corporativos, a célula familiar, os laços de parentesco queJ
como a etnologia das sociedades exóticas "primitivas", pretende sistematizar.
A etno-história feminiza uma história até então muito (demasiadamente?)
masculinizada. Inclusive o fenômeno das faixas etárias prende sua atenção
tanto quanto os fenômenos de sociabilidade, incluindo os fugazes.
Quando a nova história se torna antropologia retrospectiva, não há
mais enriquecimentos. São, categoricamente, explorações, invenções his-
toriográficas.
História da alimentação (hábitos, gostos, sensibilidades "')J história do
corpo (constituição, enfermidades, socialização do corpo, sexualidade, ati-

CARBüNELL 287
tudes diante da vida e da morte ... ) J eis alguns aportes da antropologia ao
insaciável historiador.
A antropologia econômica orientará o historiador para a gestação e a evo-
lução das atitudes econômicas; tornará evidentes as lógicas não econômi-
cas, inclusive as antieconômicas, que condicionam, hoje como ontem, aqui
e ali, os hábitos econômicos. É emprestando de Mauss a teoria da dádiva e
de Sahlins a do gasto ostentat ório, como Georges Duby a reinterpretou, em
Guerriers et paysansJ a história econômica da alta Idade Média; pegando em-
prestado de Polanyi o conceito de economia camponesaJ E. Patlagean rein-
terpretou a de Bizâncio. Pegando emprestado de Evans-Pritchard o conceito
de sociedade fragmentária, Lucette Valensi reinterpretou a da Tunísia dos
séculos XVIII e XIX. A lista está longe de ser completada ...
A antropologia cultural e política desempenhará a mesma função reve-
ladora para o historiador, tanto quando ele estuda as crenças populares, os
gestos cotidianos, nos quais verá o reflexo de uma representação do mundo,
como quando se interessa pela relação entre o "alto" e o "baixo', a cultura
savante e a cultura popular, as ideias políticas e os mitos. Enquanto Nathalie
Davis descobre as categorias elementares de uma cultura popular na França,
Vernat, Vidal-Naquet e Détienne demonstram que na Grécia antiga a polí-
tica não era filha das ideias produzidas pelas elites conscientes e ampliadas
de cima para baixo, mas sim fruto de mitos compartilhados por todos e inse-
paráveis de uma visão comum do cosmos.
Assim, a antropologia histórica permitirá a revanche do irracional (o sa-
grado, as pulsões, os mitos) sobre o racional. O banal, o cotidiano, sobre o
excepcional; o "baixo" (os esquecidos, os marginalizados) sobre o "alto':A an-
tropologia histórica será como o reverso (e, por isso, o complemento) das ve-
lhas historiografias. Uma historiografia diferente ou algo diferente da história ?

III. A HISTÓRIA EM RISCO PELA ANTROPOLOGIA

O entusiasmo de certos novos historiadores pela antropologia histórica não


é suicida? Para Clio, o risco de frequentar a etnologia não é o de perder-se?
A fusão das duas disciplinas é real ou apenas possível?
Constatemos, em primeiro lugar, que elas são separadas por distâncias
inevitáveis e impossíveis de reduzir. Isso se torna claro com os trabalhos

2BB ANT ROPOLOGIA, ET NOL OGIA E HI STÓRIA : A TERCEIRA GERAÇÃO N A FRA N ÇA


dedicados ao parentesco pelos medievalistas franceses. A não coincidência
de conceitos introduz uma lamentável ambiguidade, inclusive uma total in-
compreensão. Enquanto a "linhagem" dos historiadores medievalistas é uma
parente indiferenciada, a "linhagem" dos africanistas é um grupo de única
filiação: e enquanto os antropólogos distinguem, cuidadosamente, paren-
tesco, família e grupo doméstico, a maioria dos historiadores da Idade Mé-
dia toma-os como sinônimos.
A distância também se origina de práticas depesquisa muito diferentes: o
etnólogo pode, mesmo com dificuldade, construir genealogias sobre o ter-
reno, o medievalista usa documentos escritos sem relação com o assunto:
isso quer dizer que está quase proibido de trabalhar sobre as mudanças dos
regimes matrimoniais e das relações de parentesco, objetos de estudo privi-
legiados dos antropólogos.
A dificuldade de colaboração reside, por fim, nas diferenças entre as socie-
dades estudadas: pois a sociedade feudal não é uma sociedade primitiva, as
relações familiares não ocupam o lugar central que têm nas sociedades "não
históricas" e, por isso, podem adquirir formas muito específicas, como o pa-
rentesco espiritual, surgido dos ritos de vassalagem. Nesse caso, a quadrícula
da análise antropológica produz um fiasco.
Esse é apenas um exemplo; outros confirmariam esta distância essencial,
ligada à própria natureza das duas disciplinas.
Uma segunda diferença, também fundamental, vem da relação com o
tempo que etnólogos e historiadores mantêm.
Na obra acabada, o etnólogo utiliza um curso regressivo: volta no tempo
para provar a antiguidade e a permanência de um uso (tradição) ou para en-
contrar os momentos (descontinuidade) em que as modificações intervieram.
O historiador retorna ao tempo remoto para encontrar o sentido de uma
evolução. Os tempos de Braudel são tempos de mudança; se recorre à longa
duração como a um grande ângulo, é para abarcar, num único olhar, os dois
extremos de uma evolução.
Considerando-se que as distâncias são infranqueáveis, o que dizer de
historiadores que afirmam tê-las franqueado? Como qualificar a disci-
plina singular que supostamente nasceu da cópula história-antropologia?
A história como disciplina não está desnaturalizada e, por fim, absorvida
nessa antropologia histórica que não tem nada, ou quase nada, de histó-
ria antropológica?

CARBDNELL 289
D e fato, po de -se ressaltar qu e, quan do um etnólog o ou um an tropólog o
remonta ao pa ssad o, faz histó ria, m as n ão se torna hi storiado r; já o h isto -
riad or qu e se arrisca como antropólogo só p od e ter êxito n esse caminho se
renunciar à sua personalid ade científica.
Ass im, qu ando "novos" novos historiadores prati cam a antro po log ia, fazem
qu e a nouvelle histoire perca algumas marcas de ide ntidade: a problem áti ca e
a macro -hi stória, p or exemplo.
À h istória-problem a}tão cara aos novos historiadores da p rim eira e da se-
gu nda geração (de Lu cien Feb vre a Fernand Braud el}, su cede uma história
impressionista, qu e m ultiplica os qu ad ros descritivos dos cos tumes, do saber
fazer, do sab er viver. A m eno s que, com os qu esti on am entos} ocorra u m a
modelização vinda de fora, na qu al o historiador se esforçará pa ra recolher os
retalhos do passad o.
À macro-história da s áreas e das eras, totalizante e am b iciosa, su cedem as
m onografias qu e frag m entam o real em partes imóveis. lvIontaillou) povoado
occitânico está lo nge do Mediterrâneo de Filipe I I. O qu e n ão signi fica que
Montailloll seja uma obra m ed íoc re. Em absoluto.
E então ? Morte da N ova Hi stória, traíd a e desfigu rad a pelos m esmos
que se dizem seus herdeiros? Isso seria dramati zação infundada. Como res-
salta Fr an çois Furet, "n ão bas ta qu e a história apele a outra disciplin a para
se constituir em um tipo de saber diferente do qu e era há cin qu en ta anos.
Essa reivindicação, ou essa afirm ação, pode apenas significar que am plio u
seu campo, não que tr an sformou sua aproxim ação in tele ctua l ao p assado".
De fato, seria m ais justo distinguir entre a hi stó ria antropológica do s histo-
riadores e a antro po logia h istórica do s an tro p ólog os.
Essa di stinção mereceria, por certo, captar n ossa atenção longamente;
tão longamente a ponto de ultrapa ssar os limites de uma sim ples aul a, que
não tinha outra preten são a não ser des crever um m omento da hi storiografia
francesa.

Publicad o origina lment e como "Antropologia , et nología e histo ria: La te rcera ge-
ner ación en Francia'; in José Andr és-Gall ego (erg) , New his tory, nouvell e hi stoire:
Hocia una nueva his tor ia. Madr i: Edit orial Acta s, 1993, pp. 91- 100. Tradução de
Maria Elena Ort iz.

290 A N TRO POLOGI t. , ETN OLOGIt. E H ISTÓRI /< t. T E ~C E I R A GE RA,ÇÃO NA FRA,N ÇA


A democratização das origens sociais dos historiadores e a radicalização de
suas perspectivas políticas ajudam a explicar as mudanças recentes no con-
teúdo e na metodologia da disciplina. A história tradicionalmente lidou com
os feitos e as realizações das elites, dos indivíduos e grupos que exercem um
papel dominante na sociedade. Os grandes temas da historiografia eram, ti-
picamente, reinados, o desempenho político de um ministro, a campanha de
um general ou a sacralidade de um santo. Às vezes, um movimento secular
ou um ideal coletivo poderiam servir de tema ao trabalho do historiador: o
surgimento de uma famosa dinastia, o triunfo de uma verdadeira religião, a
conquista de um continente distante ou a emergência de uma poderosa na-
ção. Mas o objetivo desse tipo de história era justificar a ordem estabelecida,
retratar suas origens e celebrar seus feitos.
Isso não significa, contudo, que os historiadores fossem complacentes e acrí-
ticos, que fossem apenas bardos ou menestréis a louvar o poder de então. Para
muitos deles, a história era um importante julgamento, punindo a improprie-
dade e recompensando a virtude. As lições que ensinavam poderiam ser apren-
didas apenas pelo estudo dos erros do passado. Portanto, eles não hesitaram em
apontar a fraqueza de seus protagonistas: rancor, egoísmo, imprudência, indo-
lência ou vaidade. Ademais, não restringiram sua historiografia às res gestae dos
monarcas, guerreiros e políticos. Muitas vezes, iriam lidar com atitudes públicas,
o desenvolvimento econ ómico, as relações de classe e as instituições culturais.

292 A NOVA HISTÓRIA E A VE LHA


Especialmente depois do século XVII, o aprendizado da história ampliou
seu escopo para incluir a sociedade, a economia, a psicologia e a cultura.
"Pois, o que ainda restará ao autor de uma história política", perguntava o
acadêmico alemão Johann Christoph Gatterer em 1767, "se ele não diz nada
sobre assuntos religiosos, a situação, as condições naturais e os produtos dos
países, ou sobre a avaliação de suas diligências, negócios, indústria, a força
das nações e, por fim, nada sobre as artes e as ciências? " Essa história ma-
gra, ele sugeria, consistiria apenas em uma lista cronológica de governantes
adornada por descrições de cerimônias oficiais, relatos de intrigas amorosas
da corte e narrativas de guerras e batalhas. Quarenta anos mais tarde, August
Ludwig von Schl õzer fez o mesmo comentário em um livro de teoria estatís-
tica: ''A história não é mais apenas a biografia de reis, a enumeração crono-
logicamente acurada de sucessões reais, guerras, batalhas e o relato de revo-
luções e alianças. Esse era o estilo de quase todos os homens nos tempos da
Idade Média, e nós, alemães, ainda escrevíamos nesse estilo caduco há meio
século, antes de franceses e britânicos nos despertarem de nosso sono com
exemplos melhores". Certamente, a idade de ouro da historiografia que se
iniciou depois das guerras napoleônicas não lidava apenas com reis, campa-
nhas e tratados. Os grandes mestres do ofício - Macaulay, Ranke, Michelet,
Parkman, Prescott, Mommsen - eram mais do que cronistas, genealogistas
ou contadores de história. Tinham uma clara compreensão da diversidade e
da multiformidade da experiência humana coletiva.'
Eles aceitavam, contudo, a ideia de que o aprendizado histórico deveria
dar atenção aos dotados de autoridade e aos detentores do poder. Prínci-
pes, cortesãos, generais, governadores e prelados eram, em sua opinião, mais
importantes que camponeses, trabalhadores, soldados, empregados e fun-
cionários. Aqui e ali, por trás dos retratos dos bem-nascidos e poderosos,
as massas poderiam ser vistas no horizonte remoto: seu trabalho, suas as-
pirações, sentimentos e ressentimentos. Mas parecia auto evidente à maio-

J. c. Gatterer, "Vorn historischen Plan un d der darauf sich gründenden Zusammenfur-


gung der Erzãhlu ngen". Allgemeine nistorische Bibliothek von Mitgliedern des kiiniglichen
Insiituts der historischen Wissenschaft zu Giittingen) I, 176 7, pp. 24-25; August Ludwig
von Schlõzer, Tlieorie der Statistik. Ne bst Ideen über das Studium der Politik überlza upt.
G óttingen: Vand enho eck & Rupr echt, 180 4 , p. 92.

HAVE ROW 293


ria dos acadêmicos que um Carlos v ou um Luís XIV tiveram um impacto
mais profundo no curso da história do que os camponeses espanhóis ou
artesãos franceses que viviam sob seu poder. O que os historiadores escre-
viam apoiava-se em uma aceitação velada do Significado relativo de vários
tipos de dados que o passado oferecia à consideração. Estabeleciam uma
hierarquia de valores ao determinar a importância do que havia acontecido;
usavam uma escala de prioridades para decidir que parte da experiência co-
letiva era digna de preservar pela memória histórica. Os critérios adotados
expressavam um julgamento implícito relativo à estrutura da autoridade no
Estado e na sociedade.
É nesse ponto que a nova história) que emerge depois de 1945, difere mais
fortemente da velha. Ela também pressupunha a aceitação tácita referente à
importância relativa de vários tipos de informação que o historiador encon-
tra em sua pesquisa. Mas seus pressupostos não eram os mesmos da velha
historiografia. Refletindo a transformação da posição social e da perspectiva
política do acadêmico) a nova história criticava as elites que monopolizavam
o aprendizado histórico no passado. Encontrou seus heróis entre os pobres,
oprimidos) explorados e ignorados. Afirmou que os camponeses espanhóis
do século XVI ou os artesãos franceses do XVII tinham significação maior
do que Carlos V ou Luís XIV. Reis e generais estavam sendo substituídos na
ribalta) cada vez mais) pelas massas urbanas e rurais.
Havia incontestáveis implicações ideológicas e políticas nessa transfor-
mação de valores históricos. "D e Rocroi a Crulai", escreveu o acadêmico
francês Emmanuel Le Roy Ladurie, um dos mais eloquentes defensores da
nova história, "de Waterloo a Colyton - esses quatro topônimos podiam ser
ditos como síntese do curso tomado nos últimos 150 anos por certa escola
histórica - ) da historiografia do século XIX) uma história de batalhas, resso-
nante e repleta de ação, à ressurreição matemática e silenciosa de um pas-
sado total representado hoje pela demografia histórica:' Aldeias obscuras
como Crulai e Colyton, na Normandia e em Devon, podiam não ser tão
famosas como os grandes campos de batalha, Rocroi e Waterloo. "Os traba-
lhos eruditos, inspirados por essas pequenas comunidades camponesas) não
surgem em grandes edições) nem proveem um cenário para filmes basea-
dos em best-sellers." Não obstante, graças a essas aldeias e a algumas outras
como elas, graças aos seus registros paroquiais e aos estudos genealógicos
em Genebra e no Canadá) as importantes técnicas de reconstituição familiar

294 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


" rarn pela primei ra vez desenvolvidas e testa das. "Sem o ressoar das trorn-
eras. essas técnicas lan çam novas luzes sobre as sociedades do pas sado:'
=,ss a era a voz da no va história.'
Seu desafio aos valores e p ressuposto s da hi storiografia tradicional to-
mo u numeros as forma s. Ant es de tudo) havia a rejei ção aos grandes temas
J' academia. Nunca antes o aprendizado da história havia sido tão severo
em seu retrato das crenças e dos objetivos da ordem est abelecida. As elites
do minantes, acostumadas ao centro do palco) foram subitamente deixadas
em segundo plano em nome de tipos estranhos e marginalizado s) em nome
dos que haviam sido humilhados e escarnecidos pela sociedade.
Assim) na história norte-am ericana) os p eregrinos que de sembarcavam
em uma selvagem No va Inglaterr a e os cavaleiro s sulistas que lutavam e
morriam por uma causa perdida deixaram de ser tratados com admiração
acr ítica. Nem mesm o protagon istas plebeus) como migrantes atravessando
.~ s planícies do O este em suas carruagens cob ertas ou pequenos fazendeiros
resistindo a barragens e estradas de ferro, conseguiram manter sua posição
privilegiada, Os anti-heróis de outrora se tornaram os heróis de hoje: índios,
negros) orientais) mulheres) imigrantes, hab itantes das cid ad es} favelado s,
sindicalistas, trab alhadores bra çais e políticos radicais.
Na Europa) uma mudança similar aconteceu. Monarcas, mini stro s) di-
plomatas e generais cada vez m ais perdiam seu espaço}limitando-se aos ro-
mances e filmes) ficando à mercê de escritores de best-sellers e livros baratos.
Seus objetivos foram negados; suas ambiçõe s, condenadas. Acadêmicos sé-
rios voltaram-se às grandes massas) mudas desde o início da história: cam-
poneses}trabalhadores) artesãos) grevistas) rebeldes) bandidos) invasores de
terra} entusiastas) milenaristas, loucos e criminosos.
Houve tamb ém um grande crescim ento do número de historiadores do
Terceiro Mundo) porém sua atenção não se concentrava mais em explora-
dores) missionários) conquistadores e govern adores que vinham da Europa.
Eles pareciam mai s interessados em sociedades indígenas e culturas nativas)
no s grandes Estado s e nas vigorosas civilizações destruídas pela chegada do
ho mem branco, e nas vítimas da expansão impiedosa: escravos e servo s da

Emmanuel Le Roy Ladurie, m e T erritory of the H isiorian [1975], trad. Ben e Siân Rey-
nolds. Ha ssocks: H arvester, 1979, p. 223.

HAM EROW 295


América, da Ásia e da África. A perspectiva desses acadêmicos era em geral
anticolonial, crítica em relação ao papel do Ocidente e simpatizante da luta
contra o imperialismo. De fato, muitos deles sentiram-se, ideologicamente,
mais próximos em espírito à intelligentsia radical da região que estudavam do
que aos legisladores e políticos de seu próprio país.
A nova história não mudou apenas a escala de valores que o significado
da experiência histórica determinava. Ela também descobriu campos para 3.
investigação acadêmica até então desconhecidos ou ignorados. Buscava ob-
servar o passado "de baixo", do ponto de vista dos milhões de humildes que
o saber histórico havia ignorado. O que era a vida para as massas esquecidas
e anônimas cujo trabalho havia servido à dominação das elites? O novo sa-
ber histórico dispensava temas como guerras, diplomacia e política e saía em
busca das experiências comuns e cotidianas das classes mais baixas. O acadê-
mico britânico E. Hobsbawm afirmava, em 1971, que os trabalhos interessan-
tes dos dez ou quinze anos anteriores haviam se concentrado nos seguintes
tópicos ou complexos de questões: "(1) demografia e parentesco, (2) estu-
dos urbanos, contanto que fossem pertinentes a nosso campo; (3) grupos e
classes sociais; (4) a história das 'mentalidades' ou da consciência coletiva,
ou da 'cultura' em sentido antropológico; (5) a transformação de sociedades
(por exemplo) modernização ou industrialização); (6) movimentos sociais e
fenômenos de protesto social".A erudição acadêmica antes ignorava esses as-
suntos, pois eles eram implicitamente subversivos em relação às instituições
e lealdades estabelecidas. Voltou-se a eles por essa mesma razão. Tornaram-
-se um meio de entender os erros do passado e as possibilidades do futuro.
Tornaram-se um instrumento de reconstrução social.
Outros adeptos da nova história se preocuparam menos com os processos
de mudança social do que com as manifestações de suas permanências. Ou
seja, eles começaram a observar instituições, práticas, costumes e atitudes
que pareciam imutáveis no tempo, dotando a comunidade de estabilidade e
constância. Os historiadores franceses em particular} expressando suas ideias
nos influentes Annales, exortavam os pesquisadores a alcançar o que perma-
necia abaixo dos acontecimentos, a encontrar um substrato de realidade imu-
tável sob o fluxo e refluxo das ocorrências transitórias. Enfatizavam a longue
durée, um sistema de periodização que não lidava com anos ou décadas, mas
com séculos e milênios, no qual presente, passado e futuro se encontram e in-
terpenetram. Faziam uma distinção apurada entre "estrutura" e "conjuntura',

296 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


entre as características da sociedade que permanecem resistentes à mudança
e os acontecimentos fortuitos que podem parecer cruciais quando ocorrem,
mas que em retrospectiva podem ser vistos como ondas num vasto oceano.
Falavam sobre o papel da "mentalidade" na história, dos sentimentos cole-
tivos e das atitudes na comunidade que explicam a resposta das massas às
experiências comuns. Acima de tudo, alertaram contra a preocupação com
o "acontecimento", com a ocorrência fortuita que desviava a atenção do aca-
dêmico das forças subjacentes que davam forma ao destino humano. Apenas
uma história que lidasse com essas forças poderia ser chamada de história.
A introdução de novos valores no saber histórico levou à adoção de novas
técnicas, pois a metodologia é logicamente moldada para refletir a ideologia.
A velha escola empregava métodos afeitos a seus pressupostos, relativos à
importância de patriciados e elites. Ela examinava materiais públicos e pri-
vados, geralmente em bibliotecas ou arquivos, que esclareciam as atividades
dos detentores do poder. Eram memorandos, cartas, discursos, memórias,
decretos, jornais, periódicos e atas. Esses materiais eram estudados e avalia-
dos, comparados uns com os outros e arranjados para formar uma narrativa
coerente que fosse objetivamente verd adeira em relação aos dados históri-
cos, mas que também expressasse um entendimento subjetivo de sua im-
portância. A ênfase desse tipo de erudição estava na clareza, na organização,
no estilo e na habilidade literária. Nas mãos certas, tal narrativa se tornava
um trabalho instígante, uma leitura erudita que interessava tanto a amadores
quanto a profissionais. As técnicas de que o historiador dispunha sublinha-
vam a necessidade de afastar paixões, avaliar com cuidado a confiabilidade
das evidências e julgar com imparcialidade, sine iraet studio. Ele não poderia,
obviamente, permanecer inteiramente à margem do trabalhai sua maneira
de interpretar o passado ligava-se ao modo como ele olhava o presente. Ape-
sar de sua perspectiva da história expressar sua visão da sociedade, ele tinha
de restringir suas predisposições aos limites impostos pelos fatos objetivos
que emergiam das evidências.
A nova escola adotou diferentes técnicas acadêmicas adequadas a dife-
rentes categorias de dados. Os documentos usados para analisar as ativi-
dades de indivíduos e pequenos grupos eram inapropriados para o estudo
das grandes massas. Assim, uma nova metodologia começou a tomar corpo,
definida não apenas para lidar com a informação histórica em escala mais
ampla do que a tentada no passado, mas também para fornecer resultados

HAM EROW 297


mais precisos e "científicos" do que os atingidos pelos procedimentos de
pesquisa convencionais.
A primeira dessas novas técnicas a emergir foi a quantificação ou "clio-
metria", a análise de grandes corpi de dados numéricos, geralmente auxiliada
por computadores, que poderiam revelar relações ignoradas pela pesquisa
tradicional. O uso das estatísticas nos trabalhos de história não era desco-
nhecido das gerações anteriores de acadêmicos; a quantificação não era tão
revolucionária quanto alguns dos quantificadores apregoavam. Não há dú-
vida , contudo, de que a aplicação de técnicas estatísticas à evidência histó-
rica se tornou mais aceita e comum após 1945.
A segunda maior inovação metodológica foi a "hi stória-ciência social", o
uso na historiografia de conceitos e intuições desenvolvidos pelas ciências
sociais , particularmente a antropologia e a sociologia. Sua rápida difusão su-
geria que muitos historiadores se tornavam mais interessados em como clas-
ses e comunidades reagiam às mudanças e a elas se adaptavam do que em
como dinastias e aristocracias adquiriam e exerciam o poder. Isso refletia a
mudança de ênfase : das políticas e diplomacias aos processos e instituições.
Finalmente, do fermento intelectual gerado pela nova escola emergia um
grupo de psico-historiadores, acadêmicos que afirmavam que os métodos
da psicologia, da psiquiatria e da psicanálise poderiam ser aplicados a dados
históricos, levando a um entendimento mais profundo do comportamento
de indivíduos e grupos. Visto que esses métodos se fundavam em intuições
relativas à vida íntima de pacientes que sofriam de desordens mentais e ner-
vosas, os psico-historiadores começaram a buscar evidências da vida íntima
das gerações passadas, evidências que haviam sido ignoradas pelos acadêmi-
cos tradicionais, em parte pela inibição moral, mas sobretudo porque elas
eram por demais ambíguas e desiguais para serem utilizadas por critérios
aceitos como de validade histórica.
Lawrence Stone, membro crítico e judicioso da nova escola, descreveu
com polida ironia seu efeito sobre a disciplina histórica depois de trinta anos
de inovação e experimentação: "Os historiadores estão atualmente divididos
em quatro grupos: os velhos historiadores narrativos, primeiramente histo-
riadores políticos e biógrafos, os cliometristas, que continuam a agir como
viciados em estat ísticas, os historiadores sociais empedernidos, ainda ocupa-
dos em analisar estruturas impessoais: e os historiadores da menialité, agora
à caça de ideais}valores} mentalidades e padrões de comportamento indivi-

298 A N OVA HI STÓRIA E A VEL HA


dual íntimo - e quanto mais íntimo, melhor': Seu tom sugeria que as promes-
sas do período pioneiro da nova história ainda não haviam sido cumpridas.
Não se pode questionar, contudo, que ela produziu uma profunda mu-
dança no modo pelo qual o passado era percebido pela academia. Ainda que
a história politica, diplomática, militar e biográfica não tenha sido abando-
nada, ela tem sido vista como defasada e banal. Os franceses têm sido es-
pecialmente veementes ao criticar o que chamam de histoire événementielle,
uma história que lida com acontecimentos e contingências e não com pa-
drões e estruturas, uma história que em sua opinião é somente frivolidade e
cronologia. Segundo Jacques Le Goff diretor de estudos da École Pratique
des Hautes Études, "a Escola dos Annales era contrária ao trio formado pela
história política, a narrativa histórica e a história crônica ou episódica (évé-
nementielle). Todas essas, para ela, eram somente pseudo-hist ória, hi stória
de assuntos banais e superficiais que preferiam a sombra à substância. O que
havia de ser colocado em seu lugar era a história em profundidade - uma his-
tória econômica, social e mental" Ele dava "a velha história política" como
morta, mas ainda não enterrada, "um cadáver que precisava ser sepultado':
Le Roy Ladurie era igualmente implacável, prevendo morte e destruição
para a história tradicional. "A historiografia atual, com sua preferência pelo
quantificável, estatístico e estrutural, tem sido obrigada a suprimir para vi-
ver ", ele escrevia. "Nas últimas décadas, ela praticamente condenou à morte
a história narrativa dos eventos e a biografia individual. Tais gêneros, não
indignos de atenção e muitas vezes justificáveis - ainda que talvez por de-
mais inclinados, segundo interesses do passo narrativo, a saltar do m assacre
à alcova, do quarto à antessala -, sobrevivem em nossos supermercados cul-
turais graças ao efeito de multiplicação dos meios de comunicação de massa."
Mas hoje a musa da história desdenha aquelas "longas sequências de simples
e descomplicados eventos" que tanto agradavam aos historiadores da velha
escola. "Com o todos sabemos, ela tomou para si o estudo das estruturas, os
padrões persistentes da 'longa duração' e a compilação de dados afeitos às
análises seriais e quantitativas:' Tudo que aparecesse no caminho dessa re-
volução seria varrido.
O tom passional de muitos desses historiadores refletia um sentimento
de que se encontravam no limiar de uma superação acadêmica mais abran-
gente. Mas eles precisavam ser impiedosos no que dizia respeito à destrui-
ção da metodologia convencional para chegar a uma visão mais profunda

HAMEROW 299
da experiência histórica. Havia algo de excitante nessa ideia. Mesmo Henry
Stuart Hughes, cujo campo era o da história intelectual, tão fora de moda,
foi tomado de entusiasmo pela iminente descoberta. A tarefa do historiador,
ele declarou, não se encerrava quando o conteúdo dos documentos tinha
sido estabelecido. Pelo contrário, apenas começava. "Os verdadeiros proble-
mas estimulantes de interpretação - de cuja mera existência o mais fraco
entre nós mal suspeita - residem quase todos no futuro:' Esses problemas
só poderiam ser resolvidos por uma síntese entre arte e ciência no campo
da história, e ainda assim muitos historiadores ficariam desorientados pelo
caráter intermediário da disciplina.

Em particular, a filiação crescente da história às ciências sociais parece mais


um desafio do que uma oportunidade. Na cabeça dos historiadores ainda li-
gados à tradição da história como ramo da literatura, a nova ênfase no rigor
metodológico sugere o abandono de algo infinitamente precioso. O medo
de uma ligação científica poderia estar enraizado numa experiência passa-
da desafortunada: poderia remontar aos anos de faculdade, quando um jo-
vem estudante com inclinações fortemente literárias se via inepto em um
laboratório. Pode refletir o desgosto estético por cientistas tanto quanto por
barbarismos culturais sem carinho algum pela linguagem. Pode mascarar
um senso de inferioridade: afinal, os cientistas não têm problema algum em
entender o que os historiadores escrevem, mas o inverso está longe de ser
verdadeiro. Em todo caso, um grande número de historiadores parece sentir
que, se seu objeto se tornar por demais científico, ele poderá ser privado de
sua alma - perderia a qualidade do colorido e da aventura que primeiro os
inspirou a embarcar nos estudos históricos.
Quanto a isso faço enérgica objeção. Nunca disse - nem pretendo dizer
agora - que a história deve lutar pela exatidão das ciências mais precisas.
Resisto à noção de que os historiadores precisariam alterar seu vocabulário
característico e modo de apresentação ou deixar de pensar em seu ofício
como um ramo da literatura. O dilema, acredito, é absolutamente falso. A
história pode se tornar mais científica - mais consciente de seus pressu-
postos e de seus procedimentos intelectuais - sem perder sua qualidade
estética. De fato, um reconhecimento explícito do lugar da história entre
as ciências poderia aumentar o entusiasmo intelectual que ela permite. Po-
deria adicionar uma nova dimensão ao velho sentido da aventura histórica.

300 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


Nos anos seguintes a Hughes e sua defesa de uma nova história, suas expec-
tanvas se realizaram de modo ainda mais completo do que esperava. Reor-
ganizada, a disciplina se transformou, houve uma mudança drástica nos
nlores pelos quais ela tradicionalmente se norteou. Contudo, é claro que
os efeitos dessa revolução líistoriográfica não são nem acachapantes, nem
í20 cheios de benefícios quanto propalam seus seguidores. A velha história -
que sempre foi mais do que contar casos e espalhar escândalos - sobreviveu.
Ela ainda pode ser encontrada, não apenas em romances e filmes, mas em
sólidos trabalhos acadêmicos que continuam a ampliar nosso conhecimento.
A nova história tornou o escopo da disciplina mais abrangente, mas sua utili-
dade na solução de problemas metodológicos provou-se variável e limitada.
O contraste entre posturas tradicionais e inovadoras quanto ao saber histó-
rico não parece mais tão extremo quanto para a geração anterior. Na verdade,
aparentemente surge uma coexistência tensa entre as duas, uma tolerância
mútua e ressentida, refletindo uma avaliação mais generosa da velha história
e uma mais sóbria da nova. O entusiasmo do período inicial de experimen-
tação deu lugar a um prudente sentimento de reavaliação.'
Consideremos o surgimento da cliometria, a inovação metodológica mais
próxima da academia tradicional. Sempre houve historiadores para os quais
o trabalho envolvia a mensuração estatística de dados em larga escala para
determinar a direção e a intensidade do desenvolvimento histórico. Eles po-
diam ser encontrados mais comumente na área da história econ ómica, que
por natureza depende de quantificação. Os livros Europe, the Worlds Banker,
de Herbert F éis, publicado em 1930, ou American Treasure and thePrice Revo-
lution in Spain, de Earl J. Hamilton, publicado em 1934 - o primeiro tratando
de finanças internacionais anteriores à Primeira Guerra Mundial, o último,
do efeito inflacionário dos metais preciosos do Novo Mundo nos séculos
XVI e XVII - J podiam muito bem ter sido escrito s cinquenta anos mais tarde.

3 Eric]. Hobsbawm, "From Social History to th e History of Society", Daedalus, n. I, v. 10 0,


1971, p. 33j Lawrence Stone, "lhe Revival ofNarrative: Reflexions on a New Old H is-
tory", Past and Present, v. SS, 1979, p. 21j Jacques Le Goff, "Is Politics Still the Backbone
of Hístory?". Daedalus, n. I, v. 100, 1971, pp. 4, 12i E. Le Roy Ladurie, 'Ihe Territory of the
Historian, op. cit., p. m : Henry S. Hughes, History as Art and as Science [1964]. Nova
York: Garland, 19S5, pp. 3-4, 2 0 .

HA MEROW 301
Mas as técnicas cliométricas também eram empregadas em outros campos
da história. O livro lhe [acobins, de Crane Brinton, com o precoce subtítulo
An Essay in the New History, surgido em 1930, era uma tentativa de analisar-
os fundamentos sociais de uma ideologia política; e lhe AtlanticMigratiora.,
de Marcus Lee Hansen, publicado em 1940, examinava o movimento po~
lacional da Europa em direção aos Estados Unidos anterior à Guerra Civil
Resumindo}não havia nada de novo, teoricamente falando, quanto à quan-
tificação.Já em 1804, Schlõzer argumentava que o conhecimento de reinos,
sucessões, guerras, batalhas, revoluções e alianças não era suficiente para
permitir ao historiador um entendimento do modo de vida de uma nação,
ou seja, "se ela era feliz ou miserável; qual era a situação da agricultura, do
seu comércio e outras formas de sustento; como se estabelecia sua indústria,
ou se ela naufragava em indol ência" Não obstante, escrevia ele, todas essas
questões mereciam consideração em qualquer relato acadêmico do desen-
volvimento de um país. "O historiador precisa lidar com elas em virtude da
posição que sustenta; ele precisa, portanto, ser um estatístico. Em outras pa-
lavras} a história é o todo, e a estatística é parte dela."
O que distinguia o movimento cIiométrico que surgiu depois da Se-
gunda Guerra Mundial era uma aplicação mais ampla dessa técnica e uma
formulação mais rigorosa de seu método. Primeiro, áreas que, no passado,
eram consideradas além do seu escopo - a história política, cultural, social,
religiosa ou mesmo biográfica - eram agora reexaminadas à luz da análise
estatística. Segundo, os processos de avaliação quantitativa se tornaram
mais exatos e complexos} a ponto de só um especialista em cIiometria ser
capaz de rigorosamente entender alguns deles. Sua justificativa era a de
que eles poderiam revelar conexões e padrões na evidência histórica que
permaneceriam não descobertos por outras técnicas. Uma forma diferente
e mais interessante de estudar o passado parecia emergir, conduzindo a
conclusões mais abrangentes, verdades mais profundas e recompensas
mais satisfatórias. Uma geração de jovens acadêmicos, armada de logarit-
mos, coeficientes, índices e regressões, com eçava a pesquisar conjuntos de
dados estatísticos dos quais se extraía um entendimento mais preciso da
experiência coletiva. Alguns deles estavam aptos a oferecer contribuições
significativas ao saber, mas outros caíam em uma aridez abstrusa que não
era mais esclarecedora do que antigas e empoeiradas monografias baseadas
em documentos diplomáticos ou legais. Em muitos casos, a cliometria dei-

302 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


rou de ser um instrumento út il à solução de problemas hi st órico s, em vez
" isso, problemas histórico s passaram a ser estudados porque poderiam ser
solucionados com a ajuda da cliom etria . Os meios tend iam a obscurec er os
uns, a virtuosidade técnica a encobri r o senso comum, e o ritual m et odol ó-
i k o a substituir a criativid ade intelectual.
Muitos dos profission ais da quantificação alertaram para as expect ativas
co;:Jgeradas. Eles tentavam mo strar que a cliometria ainda era uma técnic a
cxr erimental, que sua eficácia ainda não era totalm ente conhecida e que sua
utilidade era estreit amente limitada. Na int rodução de um livro de pesquisa
quantitativa que editaram, William O. Aydelotte, Allan G. Bagu e e Robert
. villiam Fogel descreveram seu escopo com franc a modéstia. "Um número
de membros do ofício") diziam, "tinha a esperan ça de qu e vários tipo s de
problemas históricos, até aqui discutidos apenas em termos gerais, pod eriam
~ ... ] por meio da quantifi cação ser tratad os mais efetivamente e ficar próxi-
mos de um a solução tend o em vista o conhecimento requerido:' A considerá-
...el experimentação de acadêm icos nesse sentido "tem produzido resultados
que já atraíram muita atenção". Contudo, havia sérias barr eiras à comunica-
-; .10 entre historiadore s quantit ativos e não quantit ativos. Os último s nutriam
expectat ívas não muito realistas a respeito do que a cliornet ria era capaz de
fazer, ou seja, o que ela podia arrogar a si ou "o que eles pensavam ser err o-
neamente atr ibuído a ela". Os que não eram iniciados no campo "tendiam
a esperar uma amplitude de escop o e um grau de certe za das investigações
estatísticas que não estavam na natureza do método': A dem and a de achados
indiscutíveis, explicações completas ou leis universais era "a matéria de qu e
os sonhos são feitos, e não poderia ser considerada seriamente por aqueles
que tinham alguma experiência nesse tipo de pesqui sa':
Seria até um engano, prosseguiam os autores, imaginar que os resultados
da pesquisa quantitativa, nas áreas limitadas em que eram aplicáveis, pode-
riam ser conclusivos ou finais. Isso acontecia em parte porque a diometria
ainda era uma técnica relativamente nova. Porém, o mais importante é que
"não está na natureza do método estatístico, ou de qualquer método de pes-
quisa, produzir respostas definitivas a grandes questões". A falta de condu-
sividade nos resultados da pesquisa acadêmica era conhecida de todos, e
mesmo assim "demandas pouco realistas em relação à pesquisa quantitativa
eram às vezes feitas por gente desinformada, além disso, quantificadores
também sofrem de falta de habilidade':

HAM EROW 303


Seria) portanto) errado pensar que o uso de números proveria o historia-
dor de uma segurança que outras formas de evidência seriam incapazes de
dar) ou que "um conjunto de papéis que apresente números seria) por essa
razão) definitivo" A acuidade dos cálculos não poderia garantir a acuidade
das conclusões no que dissesse respeito às questões substanciais em inves-
tigação. Poderiam ocorrer erros na medição. Poderia haver dificuldade em
estabelecer um sistema de classificação tão claramente definido a ponto de
eliminar questões quanto à relação entre itens e categorias. Poderia haver
inconsistências nos resultados obtidos segundo diferentes tipos de dados . E)
o mais importante, "as manipulações estatísticas meramente rearranjavam
a evidência: exceto em um nível muito elementar) elas não poderiam res-
ponder a perguntas) e o efeito dos achados sobre os amplos problemas de
interpretação em que os historiadores estão interessados é uma questão não
de aritmética) mas de lógica e persuasão".
Os que acreditavam que as categorias em um projeto estatístico mais
amplo poderiam ser inteiramente não ambíguas concluíram, ou que os re-
sultados conduziriam a uma única posição) ou ainda que não haveria dúvi-
das sobre o que os achados representariam; simplesmente desconheciam os
problemas práticos desse tipo de método de erudição. O que a quantificação,
como qualquer outro tipo de pesquisa) procurava obter não era conheci-
mento total da realidade) mas uma aproximação maior dela, o que poderia
ser descrito, usando uma metáfora matemática, como "uma proximidade
assintótica da verdade': Ainda que as técnicas estatísticas não levassem à ver-
dade absoluta, elas poderiam chegar perto de descobertas que pudessem ser
afirmadas com alguma segurança.
Os vários argumentos em defesa da cliometria foram reformulados com
ainda mais modéstia, graça e sucesso na coletânea de ensaios de Aydelotte
sobre a quantificação na história. Aqui, mais uma vez ele afirma que os mé -
todos estatísticos só poderiam ser aplicados a um número limitado de ques-
tões históricas, e que "empregá-los quando as evidências são inadequadas
ou imprecisas seria como usar ornamentos artificiais de investigação siste-
mática para encobrir um pensamento relapso" De todo modo, as técnicas
quantitativas pareciam adequadas, em certas circunstâncias) a alguns tipos
de pesquisa histórica) ou seja, quando as evidências permitiam seu uso. "Pa-
rece razoável acreditar que um uso discriminado desses métodos poderia
facilitar consideravelmente o estudo de certos problemas:' Quem poderia

304 A NOVA HISTÓR IA E A VEL HA


discordar de afirmações tão prudentes? Aydelotte até mesmo admitia que
alguns defensores da quantificação estiveram próximos de argumentar que
essas técnicas seriam o único meio de obter um conhecimento confiável, de
modo que realizações acadêmicas de uma época pré-quantitativa poderiam
ser seguramente descartadas. "É absurdo} contudo, sustentar que exista um
caminho exclusivo para o conhecimento} que o rigor intelectual só possa ser
alcançado pelo uso de números, ou que o valor da pesquisa dependa das
técnicas utilizadas e não da inteligência com que elas são aplicadas:'
De fato, Aydelotte advertia: "aqueles que proclamam a quantificação
como um novo evangelho da salvação} invalidando todos os trabalhos ante-
riores, fazem mais mal do que bem à causa': Havia o perigo da concentração
em métodos e consequente esquecimento dos objetivos para os quais os
métodos eram aplicados. De qualquer modo} a adoção de uma nova téc-
nica não poderia garantir a posse do saber. Alguns jovens acadêmicos, ade-
mais, tendo se comprometido com um alto padrão de exatidão, poderiam
deliberadamente evitar tarefas importantes que sentissem pouco afeitas à
precisão, em alguns casos, eles poderiam nem mesmo entendê-las. "Uma
preocupação em obter tudo de imediato pode torná-los incapazes de ver
algo além do próprio nariz:' O objetivo principal do método quantitativo
em história era simplesmente nos conduzir um pouco mais adiante em
nosso próprio caminho, tornando possíveis algumas afirmações que antes
não podiam avançar com muita certeza. Esses métodos, ainda que não ge-
ralmente lembrados como empíricos, poderiam pelo menos ter um valor
heurístico. "Arejeição arbitrária de técnicas para refinar a evidência e tornar
mais precisa nossa aproximação não apenas falha em curar a doença como a
agravaj ela age diretamente contra nossas maiores esperanças quanto a um
conhecimento mais amplo de nossos problemas:' Resumindo, a cliometria
poderia dar sua contribuição, modesta mas útil} à sensibilidade do historia-
dor em relação ao passado.'

4 A. L. Schlôzer, 'Iheorie der Statistik, op. cit., pp. 92-93j William O. Aydelotte, Allan G.
Bogue e Robert William Fogel (orgs.), "Introductíon", in 'lhe Dimensions 01Quanti-
tative Research in History. Princeton: Princeton University Press, 1972, pp. 4, 8, lO-11j
William O. Aydelotte, Quantification in History. Reading: Addison-Wesley, 1971, pp. 3,
14,20,31, 96-97.

HAMEROW 305
o apelo de Aydelott e à aceitação metodológica era tão sim pático que se
tornava qu ase irresistível. Era emine nteme nte razoável e soava muíto justo.
Mas nem todos os quantificadores falavam com a doce voz da razão. Havia
os mais coléricos, que caçoavam da modéstia demonstrada pelos modera-
dos . A cliometria era não só uma nova técnica erudita; era uma técnica aca-
demicamente superior. Os resultados que ela oferecia eram mais precisos, a
conclusões, mais confiáveis , as verdades, mais profundas. Os historiadore
que faziam essas afirma ções não apresentavam falsa modéstia; eles não he-
sitavam em fazer uma distinção pouco amistosa entre a tradição tediosa e a
inovação estimulante. Edward Shorter, por exemplo, em seu manual sobre
o uso do computador na pesquisa acad émica, declarava com arrogância qu e
"este guia permitia ao historiador, cuja experiência anterior se limitava à im-
pies Velha História, experimentar moderna tecnologia eletr ônica"
Na mesma linha, Le Roy Ladurie admitia que alguns campos da história
ainda não haviam alcançado o estágio que permitiria que fossem estuda-
dos pela diometria, porque eles não haviam atingido seu desenvolvimento
completo. Disciplinas promissoras como a psicologia histórica, para dar
um exemplo, permaneciam resolutamente qualitativas. Elas ainda concei-
tualizavam suas abordagens, construindo modelo coerentes e adquirindo
as credenciais que são essenciais para a análise estatística. Ma , cedo ou
tarde, "mesmo nos mais esotéricos ramo da história, chega o tempo em
que o historiador, tendo trabalhado com uma sólida base conceitual, sen-
tirá a necessidade de começar a contar: de registrar frequências, repetições
significativas ou porcentagens". Apenas os cálculos, por mais tediosos ou
elementares que possam parecer, poderiam validar os dados reunidos, mos -
trando se teriam ido além do anedótico, chegando ao típico ou represen-
tativo. "Considerando-a em sua forma mai extrema (e é um extremo tão
remoto e que, em alguns casos, está tão além do escopo da pesquisa em
questão que parece imaginário), a história que não é quantificável não pode
ser considerada científica:'
David H erlihy foi ainda mais longe. Para ele, a quantificação foi um es-
tágio avançado na evolução do saber histórico, ao qual todos os membros
do ofício deveriam se adaptar para que a disciplina se to rn asse mais exata
e sofisticada. Era uma ferramenta de pesquisa que o acadêmico precisava
dominar para poder estar à altura de suas responsabilidades. "O historiador
da década de 1980 não precisa ser um programador, mas ele precisará saber

306 A NOVA HIS TORIA E A VELHA


corno o computador pode auxiliá-lo em todas as fases de seu trabalho. Caso
contrário, será incapaz de cumprir seus deveres corno cientista e corno his-
toriador." Os não quantificadores do ofício que leram essas palavras devem
ter sentido urna forte culpa.
Ainda que os cliometristas moderados tenham se mostrado mais sen-
satos quanto ao seu balanço sobre o que a quantificação poderia alcançar,
os militantes eram mais entusiasmados. Sua visão de urna ciência histórica
que pudesse produzir respostas precisas para questões complicadas sobre
o passado era mais inspiradora que a afirmação de que a análise estatística
poderia, em certas circunstâncias, contribuir para a solução de alguns pro-
blem as de pesquisa. Os militantes geraram urna predisposição à antecipação
que atraiu um grande número de historiadores, a maior parte iniciantes, ao
estudo da cliometria. No curso de urna geração, esses jovens convertidos
ajudaram a mudar o foco do saber histórico, da narrativa literária à metodo-
logia quase científica.
J. Morgan Kousser tentou mensurar a magnitude dessa mudança no pe-
ríodo de 1961 a 1978 ao contar quantas tabelas estatísticas havia para cada
cem páginas de texto em cinco dos mais importantes periódicos da área: a
American Historical Review, o Journal of American History, o Journal of Mo-
dern History, o Journal of Southern History e o William and Mary Quarterly.
Esses periódicos, com urna circulação conjunta de aproximadamente 48 Soo
exemplares em 1978, representavam grosso modo os interesses acadêmicos da
maioria dos historiadores profissionais nos Estados Unidos. Os cálculos de
Kousser mostravam que o número médio de tabelas a cada cem páginas em
todos os cinco periódicos subiu de urna, entre 1961 e 1964} a duas entre 1965
e 1969} quatro entre 1970 e 1973 e cinco entre 1974 e 1978. Havia variações sig-
nificativas, contudo, entre os dois maiores campos da história cobertos por
esses dados. No Journal ofModern History, que lida quase que exclusivamente
com a Europa, houve apenas urna modesta elevação no número médio de ta-
belas, de menos que O}S entre 1961 e 1964 a urna entre 1965 e 1969, duas entre
1970 e 1973 e três entre 1974 e 1978. Do mesmo modo, os números referen-
tes à American Historical Review} que dedica 'metade de seu espaço à história
europeia, mostraram um crescimento relativamente moderado das tabelas
estatísticas, de menos de 0,5 entre 1961 e 1964 a três entre 1965 e 1969, mas
seguido de queda para duas entre 1970 e 1973 e 1974 e 1978. Os periódicos de-
dicados, sobretudo, à história norte-americana} por outro lado, tiveram urna

HAMEROW 307
tendência muito mais pronunciada à quantificação. O número médio de ta-
belas no Journal of Southern History foi de duas entre 1961 e 1964 e entre 1965
e 1969 a quatro entre 1970 e 1973 e seis entre 1974 e 1978j no William andMary
Quarterly) de duas a quatro) seis e cinco: no Journal of American Hisiory, de
menos de 0)5 a duas) seis e oito. Os dados sugerem que) enquanto as técnicas
quantitativas cresciam em todos os campos, sua influência havia sido signifi-
cantemente maior na história norte-americana do que na europeia.'
A aceitação rápida da cliometria refletia o entusiasmo gerado pelos mais
empenhados quantificadores) mas sua realização propriamente dita parecia
mais ligada à predição dos moderados. A nova metodologia provou-se va-
liosa em certos campos da história) como a demografia) a urbanização e a
industrialização. Em outros, teve papel importante, mas não indispensável
- opinião pública) comportamento político e padrões de voto, por exemplo.
Na maioria dos campos) contudo) ela era de pouca ou nenhuma serventia.
Em alguns chegou a ser contraprodutíva, desviando energias e fundos que
poderiam ser mais bem empregados em outras modalidades. A c1iometria
sem dúvida teve um profundo efeito sobre o estudo da história: ganhou um
lugar entre as metodologias aceitas da disciplina. Contudo) apesar de ter sido
frutuosa em algumas áreas de pesquisa) em outras ela conduz a confusão
e de~apontamento. Pode haver discordância quanto a seus efeitos a longo
prazo, mas poucos acadêmicos sustentarão que ela foi coerente em relação
a todas as afirmações feitas nos anos iniciais de sua juventude exuberante.
O desencantamento com uma técnica que havia sido inicialmente sau-
dada com toda a pompa e honrarias suscitou considerável Schadenfreude
entre os membros da velha guarda) que sempre disseram que a quantifica-
ção prometia mais do que podia realizar. Seu medo fora que a c1iometria
pudesse minar os fundamentos humanísticos e literários da disciplina. Carl
Bridenbaugh expressou esse temor em 1962) durante seu pronunciamento

5 Edward Shorter, TheHistorian and the Computer: A Practical Guide, Englewood Cliffs:
Prentice-Hall, 1971, p. VIIi E. Le Roy Ladurie, 1he Territory of the Historian, op. cit., p. 15;
David Herlihy, "Q uantification in the 1980s: Numerical and Formal Analysis in Euro-
pean Hístory", [ournal of Interdisciplinary History, n. I, v. 12, 1981-82, p. 135; J. Morgan
Kousser, "Quantitative Social-Sc íentífic Hístory", in Michael Kammen (org.), The Past
Before Us: Contemporary Historical Writingin the United States. Ithaca: Cornell Univer-
sity Press, 1980, pp. 437-38.

308 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


presidencial à American Historical Association: "Os melhores historiado-
res não serão aqueles que sucumbirem aos métodos desumanizadores das
ciências sociais", advertia. "Nem será o historiador que decidir adorar os
relicários dessa deusa maligna, a QUANTIFICAÇÃO:' A história oferecia valo-
res e métodos radicalmente diferentes dos da cliometria, pois lidava com os
"muitos, mutáveis e rnalcheirosos" Ela falharia caso não os mostrasse como
indivíduos. Os historiadores do futuro precisariam adquirir uma noção de
incontáveis homens individuais que conduzissem sua vida cotidiana, agindo
em determinado tempo e lugar, caso contrário não haveria entendimento do
que eles experimentavam. "Só assim os relatos de homens em grupos ou de
homens na massa, as análises de forças, de tendências e toda a parafernália
de gráficos e tabelas poderão fazer algum sentido para a posteridade:'
A crítica de Oscar Handlin à cliometria era mais sutiI. Seu argumento não
era o da desumanização ou do saber histórico mecanizado, mas a defesa de
que a pirotecnia metodológica desviava a atenção dos assuntos fundamentais
da pesquisa histórica. Alguns estudos que empregam a quantificação "dão
contribuições modestas ao entendimento de problemas levantados pelo
exame de fontes convencionais". Sua técnica, que envolve classificar e contar,
ajuda a tornar o trabalho do historiador mais eficaz, porém não demanda mu-
danças na conceitualização. Nos anos de ascensão da cliometria, "a sofistica-
ção metodológica cresceu, mas sem trazer nenhuma alteração substancial ao
ponto de vista".No que diz respeito ao computador, ele conduziu a estatística
histórica, que "havia enveredado pelos obscuros caminhos mecânicos e elé-
tricos e se misturado aos sonhos da inteligência robótica", de volta ao mundo
prático do um/ dois. Também eliminou a necessidade de imensas pilhas de
papel, mas não solucionou problemas intelectuais. "Ainda que sua flauta te-
nha atraído muitos seguidores, especialmente os favorecidos por generosas
bolsas de estudo, ele não transformou a prática da história:' Pelo contrário,
questões de lógica e de conformidade à realidade tornaram-se ainda mais ur-
gentes em face desses sistemas amplos, totais e inflexíveis. Manuais sobre o
uso de métodos eletrônicos em geral dizem ao leitor como fazê-lo: porém,
não explicam a ele o que se estava fazendo. "Assim como o entusiasmo obs-
curecia questões das entrelinhas, o novo hardware impedia o entendimento:'
A técnica se tornava mais importante que o propósito.
Os cliometristas possivelmente considerariam Bridenbaugh ou Handlin
velhos fósseis ressentidos da vanguarda, mas poderiam eles deixar de lado

HAMEROW 309
o entendimento de acadêmicos muito conhecidos que outrora haviam par-
tilhado de sua fé? David S. Landes, por muito tempo partidário da nova
história} usara suas técnicas e inspirações em seu próprio trabalho. Em seu
pronunciamento presidencial à Economical Historical Association em 1977}
ele expressou dúvidas quanto a alguns pontos centrais da quantificação.
"Os dados da história econ ómica consistem em grande parte em matéria
qualitativa} não quantificável}que sempre tem sido a preocupação e o pra-
zer do historiador tradicional", lembrou. "Aseleção e a contagem podem vir
depois} mas alguém precisa encontrar e relatar a matéria bruta que há em
tabelas e séries temporais." Surpreendendo ainda mais} chegou a admitir
que "muitas}se não a maioria}das questões significativas com as quais te-
mos de lidar não se prestam - pelo menos não ainda - ao tratamento quan-
titativo". Havia obstáculos técnicos à análise estatística. "Às vezes faltam
dado s numéricos. Existem áreas inteiras da história em que provavelmente
nunca encontraremos os números de que precisamos. Às vezes}temos os
números} mas eles não dizem o suficiente." Ainda mais relevantes eram as
limitações inerentes à cliometria. "Os métodos quantitativos são apenas
ferramentas; não chegam ao cerne da matéria. O coração da matéria está
nos fins, não nos meios:'
Landes conclui com uma exortação que poderia ter saído da boca dos
membros mais conservadores da velha guarda: "Não devemos nos preocu-
par apenas com os processos de adquirir e gastar} com cartas e tabelas e con-
juntos e médias}mas também com pessoas}com empregados e trabalhado-
res} mercadores}industriais e artesãos} com o conhecimento e a ignorância}
a razão e a paixão presentes nos centros decisórios da economia em todos os
níveis". Nem mesmo Bridenbaugh discordaria disso.
A mais comovente confissão de fé perdida}contudo} veio em 1979} feita
por Lawrence Stone, que} embora jamais tivesse sido um seguidor cego
da quantificação} havia partilhado de suas esperanças e adotado seus mé-
todos. "Justam en te os projetos que mais se serviram de recursos} os mais
ambiciosos no armazenamento imenso de dados por verdadeiros exércitos
de pesquisadores assalariados} os mais cientificamente processados pelas
últimas tecnologias da informática} os mais matematicamente sofisticados
na apresentação são exatamente os que depois levaram às maiores frustra-
ções:' Ele lamentava que} vinte anos depois do surgimento da cliometria,
depois de terem sido gastos milhões de dólares} libras e francos} apenas

310 A NOVA HISTÓRIA E A VEL HA


parcos resultados houvessem sido conquistados. "Não faltam enormes
pilhas de relatórios amarelados juntando poeira nos escritórios acadêmi-
cos, ou tomos desconjuntados e estúpidos, repletos de tabelas numéricas,
equações algébricas abstrusas e percentagens com duas casas decimais:'
Era fato que muitos achados valiosos e poucas grandes contribuições exis-
tiram. Em geral, entretanto, a sofisticação da técnica havia excedido a con-
fiabilidade dos dados; a utilidade dos resultados aparecia em correlação
inversa à complexidade matemática da metodologia e à escala grandiosa
das estatísticas coligidas.
"Em qualquer análise custo-benefício, as recompensas de uma história
computadorizada em larga escala têm apenas ocasionalmente justificado a
aplicação de tempo e dinheiro:' A maioria dos grandes problemas da eru-
dição histórica mostrava-se tão insolúvel quanto antes) se não mais. Con-
sensos sobre as causas das revoluções inglesa, francesa e americana conti-
nuavam remotos como nunca, a despeito dos esforços voltados à análise
de suas origens sociais e econômicas. A intensa pesquisa em demografia
histórica somente aumentou a confusão dos historiadores. "Aquantificação
contou-nos muito sobre o quê da demografia histórica) mas relativamente
muito pouco sobre o porquê:' Importantes questões relativas à escravidão na
América continuavam obscuras, a despeito do uso de técnicas sofisticadas
em ampla escala. A história urbana estava apinhada de dados, mas pouco se
sabia das tendências de mobilidade. Ninguém sabia ao certo se a sociedade
inglesa nos séculos XVII e XVIII era mais aberta ou móvel do que a francesa,
ou se a gentry ou a aristocracia ascendiam ou decaíam na Inglaterra antes da
Guerra Civil. "Não estamos em melhores condições a esse respeito do que
James Harrington no século XVII ou Tocqueville no XIX:'
Q!1elição tirar do fracasso da quantificação? A resposta de Stone parece
revelar um homem mais triste e sábio:

Pode ser que tenha chegado, para o historiador, o tempo de reafirmar a im-
portância do concreto, do particular e do circunstancial,bem como do mode-
lo teórico genérico e da sensibilidade quanto aos procedimentos; de ser mais
desconfiado da quantificação pela quantificação; de suspeitar de enormes
projetas de cooperação e seus altos custos; de frisar a importância crítica de
uma avaliação estrita da confiabilidade das fontes; de ser) apaixonadamente,
determinado a combinar dados quantitativos e qualitativos e métodos como

HAMERO W 311
o único caminho confiável para que nos aproximemos da verdade relativa a
essa criatura tão estranha e imprevisível que é o homem; e de mostrar uma
apropriada modéstia quanto à validade de nossas descobertas nessa tão di-
fícil das disciplinas.

Há algo de comovente nesse adeus ao entusiasmo da juventude que cativara


tantos historiadores impacientes com as limitações intrínsecas a seu ofício,"
No curso de uma única geração) a quantificação completou a transição da
experimentação ousada à cínica convenção. Sua evolução oferece uma lição
de hubris e nemesis, pois a acachapante exuberância inicial dissipou-se em
esoterismo e obscuridade. Tornou-se claro que muitas questões importan-
tes da disciplina - na realidade a maioria delas - simplesmente não se pres-
tam à análise mediante técnicas estatísticas. Mesmo quando essas técnicas
são aplicáveis, elas muitas vezes oferecem respostas parciais ou incompletas.
Seus resultados devem ser complementados e conferidos pelo uso de méto-
dos mais tradicionais de pesquisa. Porém, o principal é que os cliometristas,
como outros historiadores, estão à mercê de suas fontes. Os registros que o
passado nos deixa são inexatos e incompletos. Os acadêmicos de uma gera-
ção posterior, quantificadores ou não quantificadores, não podem corrigir as
imperfeições dos dados que examinam. Nenhuma metodologia, ainda que
sofisticada, é capaz de compensar as omissões e distorções de materiais do-
cumentais ou estatísticos. Nenhuma fórmula matemática pode retificar os
enganos de um coletor de impostos que não soube contabilizar seus núme-
ros, um padre que era descuidado ao registrar nascimentos e mortes em sua
paróquia, ou um censor que cansou de contar e passou a adivinhar. Apesar
de a quantificação trazer a aparência da precisão, sua especificidade é muitas
vezes espúria. Ela é tão falível e reside em tanta fé quanto os métodos que

6 Carl Bridenbaugh, "lhe Great Mutation". ArnericanHistorical Review, n. 2, v. 68, 1962-


-63, pp. 326-27j Oscar Handlin, Truth in History. Cambridge: Belknap Press, 1979, pp. II,
206 [ed. bras. : A verdade na história, trad. Luciana Silveira de Aragão e Frota e Yvone
Dias Avelino. São Paulo: Martins Fontes, 1982 Jj David S. Landes, "On Avoiding Babel".
Journal ojEconomic History, n. I, v. 38, 1978, pp. ó-roj L. Stone, "lhe Revíval ofNarrative",
op. cit., pp. 12-13; id., "History and Social Sciences in the Twentieth Century", in Charles
F. Delzell (org.) , The Future of History: Essays in the Vanderbilt University Centennial
Syrnposium. Nashville: Vanderbilt University Press, 1977, p. 39.

312 A NOVA HISTÓRIA E A VEL HA


mo se pautam por dados quantificáveis) continua sendo uma importante
~enta do saber, mas não mais importante do que outras técnicas mais
convencionais de pesquisa.
O desenvolvimento da história-ciência social seguiu o mesmo caminho
da cliometria. Houve, primeiro, a fase do pioneirismo ousado e da inovação
iconoclasta. A complacência de uma disciplina que tendia a desdenhar de
competidores presunçosos era subitamente sacudida por um grupo de jo-
TeIlS historiadores que acreditavam que as ciências sociais não eram rivais,

mas aliadas e professoras da história. Acadêmicos que ignorassem os mé-


todos e descobertas de cientistas sociais, eles advertiam, o fariam por .sua
própria conta e risco.
Os membros do History Panel of the Behavioralzand Social Sciences
Survey concluíram que "o caráter mutável da evidência histórica, o desen-
volvimento de novas técnicas e conceitos em disciplinas relacionadas, o
corpo crescente de pesquisas de não historiadores sobre problemas histó-
ricos implicavam que mesmo os historiadores que não estivessem traba-
lhando com as ciências sociais deveriam aprender a lê-las e a usá-las, ou pelo
menos ensiná-las aos seus alunos saudáveis': Em escala sempre crescente,
sustentaram eles, a pesquisa vital ao saber histórico estava se posicionando
fora da história. Em áreas como as biografias coletivas de indivíduos com
estatutos sociais e ocupacionais específicos, estudos das origens sociais das
elites, histórias de participação e comportamento político, a história eco-
nômica, demografia histórica, etno-história e história local, muito ou boa
parte do trabalho inovador estava sendo feito pelas ciências sociais. Se os
historiadores se mantivessem à margem desse crescente corpo de trabalhos
acadêmicos e das fontes materiais em que se baseava, perderiam a força.
Eles haviam desde sempre se orgulhado de ser os guardiões e avaliadores
das evidências históricas primárias, enquanto os teóricos e generalizadores
de outras ciências sociais tinham se contentado com as fontes secundárias
e os materiais processados. Os historiadores não podiam abandonar essa
função de custódia agora, pois sem ela a história deixaria de ser uma disci-
plina crítica e científica. "Resumindo, o estudante de história de hoje deve
aprender as estatísticas das ciências sociais, as técnicas de computação, a
elaborar modelos e habilidades auxiliares. [ ... ] Ele tem de aprender pela
mesma razão por que aprende línguas estrangeiras - porque sem elas não
pode ter acesso a literatura relevante e usar fontes relevantes:'

HAM EROW 313


Considerando que uma mudança de grande alcance na metodologia
da história implicava uma drástica revisão do treinamento requerido
para seu estudo, o History PaneI afirmou que "departamentos de histó-
ria deveriam introduzir em seu currículo um número substancialmente
maior de cursos definidos por temas e problemas (guerra, revolução,
poder, urbanização e sociedade agrária, por exemplo), ficando ao lado
dos tradicionais cursos que abordavam unidades de espaço e tempo
(como os Estados Unidos depois de 1865, a Europa desde 1815, a Europa
da Renascença)". Para encorajar a criação de tais cursos, as instituições
de ensino superior deveriam promover a instrução colaborativa de
membros de várias disciplinas. Além disso, os departamentos de histó-
ria, assim como os departamentos de outras ciências sociais, deveriam
reconhecer a importância da matemática, da estatística e dos programas
de computador, exigindo de seus alunos o domínio dessas habilidades
em adição às línguas estrangeiras que são tradicionalmente parte de seu
treinamento. Isso significava que "deveria ser permitido aos estudantes
de pós-graduação que fizessem metade de suas disciplinas fora de seu
campo de atuação (em comparação com a única que é hoje admitida),
além de serem abolidas as exigências distributivas que tornam impossí-
vel um aprendizado consistente fora da história sem que a preparação na
área ou nas áreas de seu interesse seja sacrificada". Apenas mediante uma
reforma irrestrita da instrução que recebiam seria possível que os jovens
acadêmicos se preparassem para o desafio da nova história.
Uma reforma desse tipo estava claramente atrasada, dizia o grupo. As
outras ciências sociais já haviam adotado muitas técnicas inovadoras:
muito tempo se passara desde que aprenderam a conviver com equações,
números, análises regressivas e o inconsciente. Por outro lado, os his-
toriadores, ou pelo menos muitos deles, não haviam compreendido de
fato "esses intrusos incômodos em um mundo de arte, intuição e habili-
dade verbal". Não obstante, a história sempre contara com contribuições
de outras disciplinas, e a esse respeito os conhecimentos das ciências so-
ciais eram apenas outro exemplo de um processo que já havia começado
há algum tempo. O fluxo de conhecimento e ideias, ademais, sempre se
movera em duas direções, de modo que a história sempre emprestou a
outras disciplinas. As ciências sociais seriam, sem dúvida, mais pobres
sem um conhecimento do registro histórico. Resumindo, apenas por

314 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


meio da simbiose a ciência social e o saber histórico alcançariam pleno
desenvolvimento,"
Essa exuberância jovial, o zelo pioneiro, a noção de que a hi stória estava
a ponto de romper as amarras que restringiam seu desenvolvimento desapa-
receram quase por completo dos escritos dos novos historiadores, substituí-
dos pela reflexão sóbria. Mas aqui e ali um seguidor mais fiel fala da história-
-ciência social com entusiasmo intacto. "O nde a sociologia e a história fluem
juntas, a correnteza 'se forma", diz Charles Tilly no prefácio à coleção de seus
ensaios publicada em 1981. "Quatro homens muito diferentes - Samuel Beer,
George Homans, Barrington Moore Jr. e Pitirim Sorokim -lançaram-me na
navegação por essas correntezas. Agora, quase trinta anos depois da partida,
gostaria de registrar minha dívida para com eles por terem me guiado em
direção à aventura:'
A aventura por que Tillyse sente grato é a mudança ocorrida no campo do
saber histórico: dos feitos e políticos aos processos e instituições. Seu próprio
trabalho lida , como ele diz, com "o conflito e a ação coletiva", com "revolu-
ções, rebeliões} violência coletiva, greves, manifestações, levantes por comida"
e com "m odos correlatos de reunião para agir segundo interesses e ressenti-
mentos comuns': Essas preocupações são regidas por uma questão mais am-
pla. "No Ocidente dos últimos cem anos , em que medida o desenvolvimento
do capitalismo e a concentração de poder nos Estados nacionais afetaram os
modos com os quais as pessoas comuns poderiam - e o fizeram - agir em
conjunto segundo os mesmos interesses?",ele pergunta. Partindo dessa ques-
tão, o acadêmico pode seguir inúmeras dire ções, como a das "características
gerais do capitalismo e dos Estados nacionais",por exemplo} ou em direção
à "lógica da ação coletiva" ou em direção aos "problemas envolvidos na união
entre a história e a sociologia relativas a esses assuntos mais amplos': Seja qual
for a direção tomada, o destino será um novo tipo de história, com temas e
objetivos mais relevantes do que os do saber histórico condicional.
A abordagem de Lawrence Stone para a história-ciência social é um
tanto diferente. Seus ensaios, ele nos conta} refletem uma passagem da mu-
dança social, política e económica para a mudança dos valores, das crenças

7 Da vid S. Lan des e Ch arles Tilly (orgs.), History as Social Science. Engl ewood Cliffs:
Prentice-H all, 197 1, pp. 1-2, 74 -75, 91-92, 14 2-4 3.

HAtvE ROW 315


religiosas, dos costumes e dos padrões de comportamento íntimo. "Nessa
mudança} os ensaios não apenas refletem alterações em minha perspectiva
do passado, mas sobretudo uma guinada ainda mais genérica} ocorrida nos
anos 1960 e 1970} da sociologia para a antropologia} constituindo a fonte do-
minante das novas ideias na profissão histórica em geral:'
Um bom exemplo é oferecido por uma comparação entre seus livros
Crisis of Aristocracy, lSS8-1641} que foi publicado em 1965, e The Pamily, Sex
and Marriage in EnglandJ 1500-1800, que surgiu em 1977. O primeiro analisa a
posição da nobreza na Inglaterra antes da Guerra Civil, tendo parcialmente
como base dados obtidos por técnicas cliométricas para descrever a nobreza
na sociedade, a inflação de títulos, a mudança econômica, a estrutura de po-
der} a administração de propriedades, os negócios, a burocracia e a justiça, o
crédito, os gastos mais notórios, a família e o casamento, a educação e a cul-
tura, a religião e a crise de confiança. O último inicia com "fatos demográfi-
cos', ou seja, casamento, nascimento e morte, e então se volta à "genealogia
familiar aberta" entre 1450 e 1630, descrevendo sua estrutura, seus valores
e suas relações afetivas. Depois vinha uma seção sobre "a familia patriarcal
nuclear restrita" de ISSO a 1700, que examinava o declínio do parentesco, do
clientelismo e da comunidade e o reforço do patriarcado. Isso era seguido
pela "família nuclear doméstica fechada" de 1640 a 1800, com capítulos sobre
o crescimento do individualismo afetivo, os arranjos matrimoniais, o con-
cubinato e as relações entre pais e filhos. A última seção, intitulada simples-
mente "sexo", analisava as posturas da elite e seu comportamento, apresen-
tando alguns casos de comportamento sexual de cavalheiros e concluindo
com o comportamento sexual dos plebeus. A diferença de assunto entre os
dois livros refletia a mudança de ênfase na nova história} de uma postura
sociológica para outra antropológica.
A aplicação de técnicas da antropologia ao estudo histórico pode ser vista
ainda mais claramente nos ensaios de Natalie Zemon Davis sobre sociedade
e cultura na França durante o início do período moderno. Aqui os temas
familiares à pesquisa acadêmica sobre a era de ouro da civilização francesa
são substituídos por estudos nada ortodoxos baseados no que se pode no-
mear história antropológica. Eles enfocam as experiências ordinárias, coti-
dianas, de pessoas comuns: seus costumes, atitudes, crenças, hábitos e ati-
vidades. "Esses ensaios tratam de camponeses e em especial de artesãos e
do menupeuple das cidades", explica a autora. "Os muito ricos} os poderosos,

316 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


os educados e os párocos são descritos a princípio em relação à vida dos
modestos' - como reagiam a estes, como eram seus conflitos, ou como par-
tilhavam de suas crenças e atividades. A interação de sociedade e cultura e o
equilíbrio entre tradição e inovação são, então, explorados apenas em certos
segmentos da ordem social:'
Mas como um historiador encontraria fontes para estudar a vida de pes-
soas que eram em sua maioria iletradas? Como ele determinaria não ape-
nas onde estariam as fontes, mas também o que elas seriam? Uma pesquisa
desse tipo, segundo Davis, não seria apenas'uma questão de esquadrinhar
bibliotecas para encontrar esquetes teatrais populares, poemas e panfletos
ou de vasculhar registros criminais e judiciais, catálogos de pessoas próspe-
ras, contratos de notários, listas militares ou financeiras em busca de uma
menção aos pobres e humildes. Isso seria também uma questão de reconhe-
cer que formas de vida em associação e comportamento coletivo não são
meros itens na história da Reforma ou da centralização política: são artefa-
tos culturais. "O rito de iniciação de um trabalhador, a organização festiva
de uma aldeia, um encontro informal de mulheres durante um parto ou de
homens e mulheres para ouvir e contar histórias, ou um distúrbio urbano
podem ser 'lidos' com tanto proveito quanto diários, um tratado político,
um sermão ou um corpo de leis:' Do mesmo modo, um livro ou um provér-
bio não apenas falam por seu autor ou leitor como oferecem uma pista sobre
relacionamentos entre grupos ou tradições culturais.
Os assuntos abordados por Davis em seus ensaios ilustram o uso que se
pode fazer de tais técnicas de pesquisa pouco convencionais: as experiências
sociais que ajudaram a formar a consciência protestante entre artesãos: a
relação entre sensibilidade religiosa e o tratamento da pobreza, as fontes da
fidelidade protestante entre alguns grupos de mulheres urbanas, a variação
de usos políticos e sociais em relação às folias carnavalescas e organizações
festivas, a troca de papéis sexuais nos ritos e festividades, a ordem subja-
cente à violência com que as multidões defendiam sua religi ão; a interação
de cultura oral e letrada: a sabedoria proverbial e o erro popular em rela-
ção à medicina. As conclusões sobre a estrutura social na Europa dos pri-
mórdios da modernidade que emergem desses ensaios foram descritas em
termos altamente difusos: "Imagino um quadro multidimensional no qual
os eixos de mensuração representam qualitativamente diferentes tipos de
poder, propriedade e controle, tanto quanto outras variáveis - como sexo e

HAM EROW 317


idade - que podem determinar a organização social. Diferentes hierarq uia
podem se conectar de várias formas, ma s não são redutíveis umas às outra
sem que haja alguma importante transformação social': Poderia ser, em '
um engano pensar apenas em "pessoas ou famílias mapeadas em um qu adr
de uma ou dua s dimensões, segundo suas propriedades, seu poder e pre,,-
gio'~ ou em alguma outra categoria singular,"
Para aquele s acostumados com a tradição clássica da historiografia, L
linguagem muitas vezes soa suspeitamente como gíria. Ela os incomoda; a
vezes, torna-se incompreensível. Ma s suas objeções à metodologia das ci ên-
cias sociais não se ba seiam somente em seu estranhamento. Eles tamb érr
sentem que há uma dife rença fundamental entre a história, com sua ênfase
no singular e único, e a ciência, com sua bu sca pela regularidade e repeti çã o,
Sua posição pode ser resumida com mais eficácia por Isaiah Berlin , um fi l ó-
sofo com apurado interesse no saber histórico. "N ão seria o caso de pensar
que ser não científico é desafiar, sem nenhuma razão lógica ou empírica, hí
póteses e leis estabelecidas, enquanto ser não histórico é o oposto - ignorar
ou desfigurar a perspectiva de acontecimentos particulares, pessoas e diri-
culdades em nome das leis, teorias e princípios derivados de outros camp os,
como o lógico, o ético, o metafísico, o científico, que a natureza do meio
considera inaplic áveisi" Era isso, precisamente, o que estava sendo feit o
pelos teóricos que quase sempre eram classificados como fanáticos, poi s
sua fé em um padrão particular não tinha contraposição de um sentido de
realidade. "A tentativa de construir uma disciplina que pudesse aderir com
pureza de aplicação à história concreta não é a esperança vã de algo que está
além do poder humano, mas uma quimera, nascida de uma profunda inc a-
pacidade de compreender a natureza da ciência natural, ou da história, ou de
ambas." O que separava as duas não era o preconceito ou a ignorância, mas
uma diferença fundamental em seu s propósitos últimos.

8 Charl es Tilly, As Sociology Meets History. N ova York: Academic Press, 1981, pp. XII-XlIIi
Lawrence Stone, lhe Past and the Presento Boston : Routledge & K. Paul, 1981, p. xi, Na-
talie Zem on Davis, Societyand Culiure in Early Modern France: Eight Essays. Stanford:
Stan ford Uni versity Press, 1975, pp. XV-XVII [ed. br as.: Culturas do povo: Sociedade e
cultura no início da França moderna - oito ensaios, tr ad. Mariza Correa. Rio de J ane iro:
Paz e T erra, 1990 ].

318 A NOVA HISTÓ RIA E A VELH;'


Historiadores tradicionais nem sempre perceberam o problema em ter-
mos tão rigorosos. Alguns pensavam em coexistência pacífica. Comer Vann
Woodward argumentava que o relaxamento das tensões e a cooperação en-
tre a história e as ciências sociais eram preferíveis a uma guerra fria sem fim.
Considerando o movimento de aproximação de ambas, surgia um amplo
terreno de encontro e uma promessa de relações mais próximas. "Gostaria
de ter a esperança de que os cientistas sociais se aproximarão da história
com questões e respostas, com o desejo de ensinar e de aprender, como alia-
dos com interesses comuns e não como imperialistas procurando grandeza.
Se eles o fizerem, então as perspectivas de um comércio, de uma troca cultu-
ral e de uma coexistência pacífica serão propícias." Algo nessas palavras nos
sugere um carneiro propondo colaboração a um lobo.
Dúvidas expressas ou implícitas sobre a aplicabilidade das técnicas das
ciências sociais ao estudo da história não se limitaram à velha guarda. Mui-
tos acadêmicos que, a princípio, haviam abraçado a metodologia das ciên-
cias sociais vieram mais tarde a expressar reservas sobre sua utilidade na
pesquisa histórica. Muitas vezes houve impaciência quanto a seu fracasso
em encontrar algum padrão subjacente, alguma forma unificadora nos da-
dos que se procurava analisar. "Quanto a pesquisa dos últimos anos avançou
no sentido de uma história da sociedade?", perguntou Hobsbawm. "Colo-
quemos as cartas na mesa. Não posso apontar nenhum trabalho que exem-
plifique uma história da sociedade à qual nós devemos, penso eu, aspirar:'
Segundo ele, houve importantes avanços no sentido do estudo de certos ti-
pos de sociedade, particularmente as baseadas na escravidão, nas Américas
do Norte e do Sul, ou em comunidades campesinas, na Europa e na Ásia,
por exemplo. "Por outro làdo, as tentativas de traduzir uma história social
abrangente em uma síntese popular me pareceram, até o momento, relativa-
mente fracassadas ou, com todos os seus méritos - e o menor deles não é o
estímulo -, esquemáticas ou provisórias:'
Existiam outras restrições. Stone reprovava os historiadores ligados às
ciências sociais e à c1iometria por terem fracassado na missão de tornar seus
achados acessíveis aos leitores interessados, porém amadores. Eles haviam
escrito apenas para uma pequena corte de devotos e especialistas. Havia um
público inteligente e não profissional que queria aprender "o que essas ques-
tões inovadoras, métodos e dados revelavam", mas que não tinha "estômago
para digerir tabelas estatísticas, argumentos de análise áridos e o jargão".

HAMEROW 319
Os acadêmicos estruturais, analíticos e quantitativos tinham, portanto, t.:
lado até então entre si e com mais ninguém. "Seus achados aparecem em ~
riódicos especializados, ou em publicações de monografias tão caras e aa
tão baixa tiragem (menos de mil exemplares) que têm sido quase inte~
mente compradas pelas bibliotecas." A única forma de interromper esse m0-
vimento em direção ao abismo, como sugeria Stone, era retomar o estilo da
narrativa literária que havia tradicionalmente caracterizado o saber históricn.
A metodologia das ciências sociais, contudo} ainda sofre de outra b-
queza}mais séria do que o esoterismo. Mais do que a quantificação, ela se
pauta por um débil corpo de dados. Os registros históricos que o passado
nos deixa refletem a estrutura oligárquica, autoritária e hierárquica da socie-
dade pré-industrial. Ainda que geralmente de maneira inadequada} eles li-
dam bem mais com classes dominantes do que com subordinadas. Contam-
-nos muito sobre reis e generais, mas pouco sobre camponeses e artesãos.
Concentram-se no comportamento público}não no privado. A aplicação de
técnicas de pesquisa ainda mais sofisticadas a um corpo de evidências ine-
xato e incorreto não consegue corrigir distorções e omissões.
O historiador cientista social ligado às ciências sociais é como o curador
de arte antiga que tenta juntar os pedaços de um mosaico romano a partir de
um punhado de fragmentos dispersos. O resultado pode ser plausível} mas
ele nunca passa de uma reconstrução imaginária. A metodologia empregada
leva a conclusões que são frequentemente engenhosas e persuasivas} po-
dendo até ser válidas. Mas podemos estar certos de que elas representam
uma realidade objetiva e não uma percepção subjetiva? Os fragmentos e in-
formações dispersas sobre a vida das classes baixas na França do século XVI
sustentam claramente a noção de que o charivari em. frente à casa de al-
gum velho viúvo que casara com uma moça fora motivado por um desejo
de demonstrar apoio à falecida esposa} mostrar preocupação com os filhos
do primeiro casamento e, acima de tudo, expressar ressentimento quanto à
imprópria diminuição do grupo de moças aptas ao casamento? Os diários
de Samuel Pepys, Robert Hooke, William Byrd, Sylas Nelville e James Bos-
well são suficientemente representativos para formar uma base sólida para
generalizações a respeito do comportamento sexual de cavalheiros ingleses
durante os séculos XVII e XVIII? Qualquer jornal alemão, na primeira me-
tade do século XIX}mesmo o Augsburger Allgemeine Zeitung - de dezesseis
páginas ou menos, preocupado com diplomacia ou política} indiferente a

320 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


questões sociais e económicas -} pode prover dados confiáveis para uma dis-
tribuição percentual de formações que participaram de desordens populares
de acordo com as categorias "simples multidão', "multidão com identidade
ideológica'~ "artesãos", "trabalhadores sem habilidades ou de fábrica', "estu-
dantes" ou "militares baderneíros"?
Resumindo} a justificativa factual da metodologia das ciências sociais é
muitas vezes fraca demais em relação ao fardo de hipóteses e generalizações
que precisava sustentar. O resultado é uma história menos científica do que
as antigas formas de erudição histórica. Ainda mais impressionista e intui-
tiva} mais dependente da fé e da imaginação. Todo trabalho de historiografia
se torna} em certo ponto} uma recriação subjetiva, requerendo} como a poe-
sia} uma voluntária suspensão da descrença. Mas na história-ciência social}
esse ponto é alcançado mais cedo do que nos ramos mais tradicionais da
disciplina. As limitações que a natureza dos dados históricos impõe ao histo-
riador são intrínsecas e insuperáveis. Nenhum historiador consegue escapar
a elas} muito menos o historiador cientista social,"
A disparidade entre a evidência e a conclusão} entre a hipótese e o resul-
tado} é ainda mais aparente na psico-história} a mais controversa das ino-
vações acadêmicas que caracterizam a nova história. Por um lado} ela está
intimamente relacionada com a mais familiar e tradicional forma de saber
histórico - a biografia. Por outro} contudo} busca aplicar às artes antigas as
mais recentes técnicas e teorias da psiquiatria e da psicanálise.
Aos olhos de um tempo profundamente influenciado pelas ideias freu-
dianas} nada parece mais natural do que utilizá-las na exploração de uma
mente individual ou de uma mentalidade coletiva de gerações anteriores.
Pouco tempo depois da Primeira Guerra Mundial} o jovem Harry Elmer
Barnes, um dissidente acadêmico por toda a sua vida} escreveu - em um pe-
riódico mais ligado à psicologia do que à história - que a história precisava

9 Isaiah Berlin, "History and lheory: lhe Concept of Scientific History". History and
'Iheory, n. I, v. I, 1960, p. 31j C. Vann Woodward, "History and the lhird Culture". Jour-
nal of Contemporary History, n. 2, v. 3, 1968, pp. 34-35j E. J. Hobsbawm, "From Social
Historyto the History of Socíety", op. cit., pp. 42-43j L. Stone, "lhe Revival ofNarrati-
ve", op. cit., p. 15j Richard Tilly, "Popular Disorders in Nineteenth Century Germany:
A Preliminary Survey". Journal of Social History, n. 1, v. 4, 1970, p. 20.

HAMEROW 321
aprender a aplicar as descobertas da psicologia ao estudo de importantes
personagens do passado. "O historiador psicologista moderno que aceitar
a interpretação de Carlyle relativa à história precisará rever a famosa frase
que diz que 'a história é a biografia coletiva, entendendo que a história é
o registro da 'sublimação coletiva de neuroses e psicoses' de suas grandes
personalidades, dizia ele. "Torna-se} portanto} muito evidente que nós não
podemos de forma alguma escapar à necessidade de aplicar novos mecanis-
mos psicológicos ao estudo das grandes personalidades} pelo menos as dos
tempos modernos} em relação às quais temos um conjunto seguro de evi-
dências para servir-nos de base de investigação:' Podemos não ser capazes
de ir muito além da "fronteira da exploração" na análise do inconsciente de
pessoas que não estão mais vivas} mas sem saber pelo menos um pouco a
respeito de seus complexos básicos nosso entendimento do significado e da
causa de seus pensamentos e ações permaneceria imperfeito.
A maioria dos historiadores} infelizmente} não acreditava que deveria
se preocupar com os problemas de interpretação. Barnes queixava-se} e
mesmo aqueles que o faziam provavelmente seguiriam por um bom tempo
rejeitando surpreendentes inovações como "a psicologia dos instintos} o be-
haviorismo e} principalmente, a nova psicologia dinâmica do inconsciente':
Mas não havia razão para desespero} considerando uma disciplina que avan-
çara de Gregório de Tours, no século VI} a grandes mestres no século xx,
como FrederickJackson Turner}James Harvey Robinson eJames Thomson
Shotwell. "Podemos até mesmo acreditar que daqui a um século o conheci-
mento do ramo da psicologia que Freud e seus seguidores elaboraram será
considerado uma ferramenta tão indispensável ao sucesso do historiador
quanto [um manual de diplomática] é hoje para um estudante de documen-
tos históricos:'
Era claro para Barnes que os novos métodos e paradigmas} derivados da
"moderna psicologia dinâmica", haveriam de ser adotados pela disciplina bio-
gráfica interpretativa caso se tornassem mais do que uma contribuição para
a literatura descritiva. ''A biografia vital deve lidar com as marcas íntimas da
vida privada que revelam os mais profundos complexos da personalidade} e
não pode se limitar a uma apresentação superficial de certas realizações obje-
tivas nem aceitar como válidas expressões de doutrina que poderiam ser so-
mente formas elaboradas de disfarce ou racionalizações secundárias estendi-
das:' Experiências da infância em particular deveriam.receber maior atenção}

322 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


pois é um conceito central da psicologia analítica o de que os complexos que
determinam os principais contornos do comportamento pessoal são forma-
dos e fixados durante a infância e a adolescência. Por meio de um aprofunda-
mento nas fontes psicológicas da motivação humana, o historiador poderia
obter um entendimento mais profundo do passado, conclui Barnes.
Ele estava certo quando dizia que a maioria dos historiadores rejeitaria
por algum tempo a aplicabilidade da psiquiatria e da psicanálise à história.
Mas, durante o período de inovação que surgiu logo após a Segunda Grande
Guerra, o clima se fez mais favorável ao tipo de estudo psico-histórico que
ele defendia. A mais importante e surpreendente conversão à nova subdisci-
plina foi a de William L. Langer, que ganhara notoriedade por seus escritos
na mais tradicional das áreas , a história diplomática. Em 1957, já sexagená-
rio, ele assombrou a audiência que ouvia seu pronunciamento presidencial
diante da American Historical Association ao sublinhar a importância dos
achados recentes da psicologia para o saber histórico. Dizia que durante os
cinquenta anos precedentes o escopo da disciplina havia se ampliado muito.
Mesmo campos tão familiares como o da história política e militar haviam se
tomado mais abrangentes e analíticos, com o reforço da pesquisa dos aspec-
tos sociais, econômicos, intelectuais, científicos, entre outros, do passado,
alguns deles bastante distantes daquilo que outrora se considerara história.
Era improvável que houvesse mais "expansão horizontal" mas ainda havia
espaço para "a expansão em profundidade", de modo que a "história mais
nova" seria, sem dúvida, mais intensiva e menos extensiva. Especificamente,
existia uma necessidade urgente de aprofundar o entendimento histórico
por meio do uso de conceitos e achados da psicologia moderna. "Não me
refiro à psicologia clássica ou acadêmica que, tanto quanto posso compreen-
der, tem pouco a dizer aos problemas históricos, mas à psicanálise e seus de-
senvolvimentos e variações mai s recentes, como os relacionados à psicologia
'dinâmica' ou 'profunda"
Era lamentável, segundo Langer, que os historiadores tivessem permane-
cido indiferentes à psicanálise, pois ela parecia trazer grandes contribuições
à solução de problemas históricos. Muitos anos de trabalho clínico de analis-
tas treinados haviam fortalecido e refinado a teoria original de Freud acerca
dos impulsos humanos, dos conflitos a que levavam e dos meios pelos quais
eles eram reprimidos ou escamoteados. A psicanálise já não era considerada
uma mera terapia; ela já era amplamente reconhecida como uma teoria es-

HAME ROW 323


sencial para o estudo da personalidade humana. Como poderiam, então, os
historiadores, que deveriam ao menos preocupar-se tanto com as pessoas e
suas motivações quanto com as forças impessoais e causalidades, não tirar
proveito de suas descobertas? "Vistas à luz da moderna psicologia, as con-
clusões psicológicas amadoras dos historiadores do passado, mesmo os mais
importantes, parecem terrivelmente inadequadas, para não dizer ingênuas.
Parece óbvio que é chegado o tempo de considerarmos essa doutrina, que
atinge o cerne de nossa disciplina:'
Os argumentos arrolados por Langer foram repetidos durante os anos
seguintes por um grupo de historiadores, nem todos profissionais, que for-
maram a vanguarda da psico-história. Hans Meyerhoff, cuja especialidade
era a filosofia, afirmava que a psicanálise e a história tinham muito em co-
mum. Primeiro, porque um método histórico formava uma parte da teoria
e da terapia da psicanálise. Depois, porque a psicanálise, ainda que formu-
lada estritamente como uma teoria psicológica, não podia se separar de um
estudo da sociedade e da história. As similaridades em relação ao método
entre as duas disciplinas tornavam possível ver a psicanálise não como um
ramo das ciências gerais - biológicas, médicas ou psicológicas -, mas como
um ramo da história.
Bruce Mazlish, um dos principais acadêmicos da psico-história, pergun-
tava-se como a história, "uma disciplina que lida especialmente com o pas-
sado do homem e busca explicá-lo, sobretudo, em termos das motivações
humanas", poderia tão resolutamente ignorar a ciência - ou, no mínimo, a
tentativa de ciência - que enfocava essas mesmas questões. "Os historiado-
res estudam o passado coletivo: os psicanalistas estudam o passado indivi-
dual. Certamente, poder-se-ia pensar na construção de uma ponte mental
para conectar as duas investigações:'
Henry Stuart Hughes deu um passo além. Para ele, as duas investigações
não eram simílares - eram idênticas. "Apsicanálise é a história - ou possivel-
mente a biografia", disse ele durante o treinamento psiquiátrico de um grupo
em um hospital de Boston. O analista reconhecia isso, embora ainda não o
dissesse explicitamente, como uma regra. Seu objetivo profissional e moral,
ademais, era o mesmo do historiador, a saber, "liberar o homem do fardo do
passado ajudando-o a entendê-lo". O problema clássico do historiador - a
explicação das motivações humanas - poderia encontrar na psicanálise uma
reserva mais rica de entendimento do que qualquer outra disciplina, e em

324 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


uma forma bem próxima do pensamento do historiador, pois suas leis de
relevância e evidência são altamente tolerantes, e ela se apresenta constan-
temente alerta para o Significado sintomático do que a princípio pareceria
lrivial. "Aquil o que Um método menos imaginativo poderia de imediato des-
cartar, o analista (ou historiador) poderia muito bem colocar no centro de
sua interpretação. Nesse sentido, a história é, à sua maneira, a psicanálise: no
estudo das motivações, ambas mostram a convicção de que tudo é a um só
tempo relevante e fortuito, incoerente e ordenado, no contexto total de uma
existência humana:' Aqui encontrava-se a justificativa básica para a assunção
dapsico-história."
Deixemos claro que nem todas essas ideias eram totalmente novas. Os
historiadores sempre reconheceram que o exame do caráter e das motiva-
ções humanas - do modo como homens e mulheres se comportam e intera-
gem, do modo como eles respondem a desafios e problemas - era essencial
para uma compreensão do passado, em especial nos escritos de história bio-
gráfica. Essa era a razão que explicava por que tantas importantes biografias
derivaram do trabalho de eruditos não acadêmicos, de historiadores cuja ex-
periência havia sido moldada por atividades mundanas - política, adminis-
tração, negócios ou jornalismo - e não por campus universitário. Mas o tipo
de entendimento psicológico cuja importância para a disciplina histórica
havia sido admitida poderia ser adquirido por meio da observação prática
e da ação ao longo da vida. O historiador, assim como o artista ou o escritor,
precisava de uma sensibilidade inata, não de um treinamento formal.
Saul K. Padover, o biógrafo de Jefferson, Marx, José II e Luís XVI, enfati-
zou esse ponto indiretamente, ao perguntar se a vida de uma grande figura
histórica poderia ser escrita de forma satisfatória com a mesma técnica e o
mesmo método, e segundo o mesmo ponto de vista, da historiografia con-

10 H arry Elmer Barnes, "Psychology and History: Some Reasons for Predicting Their
More Active Cooperation in the Future". American[ournalojPsychology, v. 30, 1919, pp.
362, 375-76, e "Some Reflections on th e Possible Service of AnalyticaI Psychology to
History". Psychoanalytical Review, v. 8, 1921, p. 27; W. L. Langer, "The N ext Assignment".
American Historical Review, v. 63, 1957-58, pp . 284-87j Hans Meyerhoff "On Psychoa-
naIysis as History". Psychoanoiysis and PsychoanalyticReview, n. 2, v. 49, 1962, p. 4; Bruce
Mazlish (org. ) J "Introductíon", in Psychoanalysis and History. Englewood Cliffs: Prenti-
ce-Hall, 1963, p. 2j H. S. Hughes, HistoryasArt and as Science, op. cit., pp. 47-48.

HAM EROW 325


vencional. "É possível explicar um grande homem - Jefferson, Lincoln ou
Jesus - com base em nada mais do que uma referência minuciosa, constante
e precisa fornecida por documentos? Os documentos, que são eles próprios
acidentes históricos, podem esclarecer a dinâmica interna de um indivíduo?
Ou são necessários outros meios auxiliares - como a imaginação, a intuição
psicológica, as técnicas psicossociais?" Para Padover, sem meios auxiliares,
o leitor poderia não obter uma imagem clara ou vívida do objeto de uma
obra biográfica.
John A. Garraty, editor da Encyclopedia of American Biography, foi mais
explícito. Parecia-lhe que a biografia e a psicologia sempre haviam sido disci-
plinas relacionadas. Seu "relacionamento intuitivo" dos primórdios, ademais,
havia sido recentemente suplementado por esforços mais científicos e cons-
cientes de ambas para enriquecer suas obras. "O conhecimento psicológico
tem auxiliado biógrafos modernos a compreender seus objetos de estudo,
e as biografias têm sido usadas pelos psicólogos interessados no estudo da
genialidade, da hereditariedade, dos movimentos sociais e de muitos outros
tópicos:' Havia espaço para mais desenvolvimento, no entanto. "O s méto-
dos científicos da psicologia precisavam ser amplamente investigados por
biógrafos, enquanto os psicólogos deveriam voltar-se à biografia mais vezes
para obter fontes de dados psicológicos', Garraty propõe.
Mas isso estava longe de ser suficiente para os membros da escola psico-
-histórica. Eles rejeitavam como não científica a conexão tradicional im-
plícita ou informal entre história e psicologia. Langer falava com escárnio
sobre "as interpretações psicológicas amadoras dos historiadores do pas-
sado ", que lhe pareciam "inadequadas e ing ênuas" O desdém para com a
biografia histórica, dizia ele, que outrora parecera conveniente já que gran-
des personalidades eram consideradas como meros receptáculos de forças
imensas, além do entendimento e do controle humano, havia sido agora
abandonado por uma época que assistira a seus Lênins, Stálins e Hitlers.
"Se pretendemos compreender os acontecimentos do passado e do presente
que revolucionaram o mundo e lhe deram forma, nós, historiadores, preci-
samos de toda a ajuda que outras disciplinas puderem fornecer - não ape-
nas a economia, a geografia, a demografia, e assim por diante, mas também,
e especialmente, a psicanálise." Havia alguns institutos psicanalíticos que
já ofereciam cursos genéricos para amadores, o que era muito bom. "Mas
seria ainda melhor se, nas maiores universidades, fossem oferecidos cursos

326 A NOVA HI STÓRI.4 E A VEL 'iA


básicos) feitos especialmente para estudantes de vários campos) como a li-
teratura) a arte, a história) em que a competência na psicanálise é essencial)
ou pelo menos desejável:' No mesmo sentido, analistas desejosos de enga-
jamento nos estudos históricos poderiam se matricular em algum curso sis-
temático de método e crítica histórica para ganhar familiaridade e aptidão
no que concerne ao manuseio das evidências.
Hughes era favorável a todas essas propostas. Ele admitia que o estudo
completo da psicanálise seria realmente muito custoso e demorado para
a maioria dos candidatos ao doutorado: alguns teriam até mesmo dificul-
dades de temperamento. "Em alguns casos) contudo) seria exatamente
aquilo de que estamos precisando) e acredito que fundações de fomento
não demorariam a financiar tal empreendimento:' Ele esperava que no
futuro uma minoria significativa de jovens historiadores) em particular
os preocupados com os aspectos psicológicos da interpretação histórica)
iniciasse a análise pessoal sob a condução de clínicos experimentados.
Os outros desenvolveriam um programa mais curto) mediante consulta
de institutos psicanalíticos que se estabelecessem nas proximidades das
maiores universidades. "Uma participação menor da psicologia) creio eu)
seria insuficiente para o atendimento das necessidades do entendimento
histórico na segunda metade do século xx,"
O treinamento sistemático em psicanálise, segundo os psico-historia-
dores, poderia habilitar o biógrafo a retratar seu objeto de forma a atingir
maior penetração e entendimento. Ele poderia enxergar com mais clareza
através das várias formas de autojustificativa pelas quais a mente busca obs-
curecer motivações e impulsos subjacentes. Sem tal treinamento, poderia
ficar à mercê de documentos, perdido entre suas omissões e distorções. Erik
H. Erikson, um psicanalista que se voltara à biografia histórica, enfatizou as
inadequações metodológicas da historiografia convencional. "Nós não po -
demos deixar a história apenas nas mãos de observadores não clínicos e his-
toriadores profissionais", asseverou ele, "que muitas vezes tão nobremente
imergem nos próprios disfarces) racionalizações e idealizações do processo
histórico dos quais deveriam se afastar:' Um analista habilidoso, por outro
lado, poderia não só compreender os documentos com mais consistência
como ir além deles) preenchendo seus vazios e corrigindo seus enganos.
"Um treinamento clínico o leva, e a bem da verdade o força, a reconhecer as
principais tendências, mesmo quando os fatos não estão à disposição: em

HAME ROW 327


qualquer momento do treinamento} ele pode, e precisa estar apto para fazer
predições significativas; e ele também precisa estar apto para tirar proveito
mesmo de fontes questionáveis de tal modo que uma hipótese coerente
surja." Poderia um historiador convencional desenvolver essas habilidades
apenas com o seu treinamento?
Donald B. Meyer, cuja especialidade era a história social e intelectual
norte-americana} escreveu, em uma resenha do livro de Erikson sobre
a vida do jovem Lutero, que a contribuição do livro não residia na desco-
berta de novos fatos, mas na interpretação mais inteligente e acurada dos
antigos. Acadêmicos tradicionais perguntavam-se, como sempre, se o autor
havia encontrado algum dado novo, se ele tivera acesso a fontes não utili-
zadas. Mas a frequência com que essa questão era utilizada como um teste
de competência profissional, Meyer sustentava, era} "para pôr as coisas em
pratos limpos"} a medida da "bancarrota teórica" da história. A biografia de
um homem como Lutero mostrava o porquê. "Novas fontes de informações
sobre Lutero serão bem-vindas} mas sempre haverá lugar para progressos de
qualquer um que souber como usar as fontes já conhecidas} à disposição.
O livro de Erikson não foi baseado em novos dados} mas em dados reno-
vados, resgatados da supressão, da invenção e da redução:' Essa era a mais
importante função da nova metodologia!"
As justificações teóricas da psico-história soaram muito convincentes}
mas suas realizações práticas permaneceram incomodamente pequenas.
Os acadêmicos que aceitaram seus princípios e utilizaram seus ensinamen-
tos foram} na maior parte} como admitia Langer, "os que passaram pela
análise". Tendo experimentado a efetividade das técnicas psicanalíticas na
terapia, eles ficaram igualmente convencidos de sua utilidade no estudo his-
tórico. Ainda assim, na maioria dos casos a prática recusou-se a acompanhar

11 Saul K. Padover, "Archítect of Policy". Saturday Review ofLiterature, 20 OUt.19S1, p.16;


John A Garraty, "lhe Interrelations of Psychology and Bíography", Psychological Bul-
leiin, n. 6, v. 5, 1954, p. 580 ; W. L. Langer, "lhe Next As sígnment", op. cit., p. 287, e
"Foreword", in Benjamin B.Wolman (org.), 'IhePsychoanalytic lnterpretaiion of History.
Nova York: Basic Books, 1971, pp. VIll-IXj H. S. Hughes, History asArt and as Science,
op. cit., p. 6Sj Erik H. Érikson, YoungMan Luther: A Study in Psychoanalysisand History.
Nova York: Norton, 1958, pp. 20, SOj "Review Essays". Historyand 'Iheory: Studies in the
Philosophy ofHistory, v. I, 1960-61, pp. 292-93.

328 A NOVA HI STÓRIA E A VELHA


~ teoria. Uma quantidade desproporcional de literatura acadêmica psico-
-histórica foi produzida para demonstrar por que e como a psico-história
deveria ser escrita - mas ninguém a escrevia de fato. A realidade não seguiu
~ expectativas, a metodologia excedeu a criatividade.
A psico -história estimulou o estudo de atitudes e crenças coletivas, do
que veio a ser rotulado como mentalité: o ciclo de infância, adolescência e
rida adulta em Plymouth Colony no século XVlIj o conceito de insanidade
durante o Ancien Régime dos séculos XVII e XVIIIj a perspectiva de crime e
castigo na França durante os séculos XVIII e XIXj ou as mudanças de com-
portamento diante da morte na sociedade ocidental desde a Idade Média.
Mais frequentemente, contudo, a psico-história voltou-se à biografia, ao uso
de perspectiva psicanalítica no estudo da personalidade individual. O livro
de Erikson sobre Lutero era o mais conhecido e bem-sucedido desses re-
tratos psico-históricos, mas havia muitos outros esboçando figuras proemi-
nentes, vivas ou mortas. A maioria dos historiadores, entretanto, incluindo
muitos novos historiadores, encarava-os com ceticismo. Eram como curio-
sidades "acadêmicas, um truque metodológico, uma proposta especulativa
de uma antiga teoria psicanalítica a um conhecido corpo de dados. Como
seus achados poderiam ser testados pelos critérios usuais do saber histórico?
Para escapar a tais questões, a psico -história se recolheu à obscuridade ainda
mais cedo do que a cliometria ou a história-ciência social. Ela se tornou, na
maioria das vezes, um culto acadêmico, místico e hierático, separado por sua
doutrina e ritual da grande massa de não iniciados e permanecendo distante
da tendência dominante da disciplina, com seus membros comunicando-se
apenas entre si.
Esse isolamento, abstrusidade e sacerdotalismo foram reconhecidos até
por aqueles que de início davam boas-vindas à escola psico-histórica. Stone,
ainda que entusiasta da experimentação, expôs sem delongas que a psico-
-história é "uma zona de calamidade - um deserto ocupado aqui e ali de des-
troços de elaborados veículos cromados que se desfazem tão logo partem".
Robert Waelder, professor de psicanálise na Jefferson Medical College, na
Filadélfia, era mais contido. Reiterava a idei a comum de que "a psicanálise
parecia [ ... ] guardar em si a promessa de um conhecimento mais aprofun-
dado da história': Mas então ele admitiu: "Passados três quartos do século, os
resultados presentes do estudo psicanalítico da história são desapontadores.
Não há novas perspectivas em lugar nenhum: as aplicações atuais da ideia

HA M EROW 329
psicanal ítica na história são poucas e, muitas vezes, especulativas . Algumas
são produto da imaginação poética". Robert G. L. Waite, autor de um es-
tudo psico-histórico sobre Hitler, reclamava de "colegas bem-intencionados
[que] tentavam demonstrar em seus escritos não a complexidade da história,
mas sua aparente simplicidade': Tão sedutora era a psicanálise, "pelo menos
para o recém-convertido amador", que os aspectos intricados do passado
histórico ficaram reduzidos à análise psicológica simplista. "Resumindo,
qualquer historiador sabe quanto material histórico ruim se produziu por
aqueles que são muito entendidos da teoria psicológica, mas pouco da evi-
dência histórica:'
Mesmo Erikson, a estrela dessa escola, declarou que havia usado o termo
"psico-história" apenas entre "aspas tácitas", pois "não gostaria de ser asso-
ciado com tudo que se fez em nome desse termo': Ele havia lido algumas
análises de grandes figuras} como Jefferson, que "tratavam o que essas pes-
soas diziam ou escreviam como se suas frases tivessem sido livres associa-
ções no curso de confissões mais ou menos voluntárias e admissão daquilo
que pacientes fazem no contexto clínico': Simplesmente uma péssima meto-
dologia. A pessoa interior de uma figura histórica, "em toda a sua unicidade
e ainda com seus conflitos e fracassos", tinha de ser vista, bem ou mal, como
protótipo de seu tempo} e preenchendo necessidades específicas na vida da-
queles que seguiam seus caminhos.
Esses fatos levantaram questões problemáticas. Por que a aplicação da
psicanálise à história} que a princípio parecia tão promissora, mostrou-se
tão infrutífera? Por que os psico-historiadores, que procuravam ampliar e
aprofundar o entendimento histórico, acabaram constituindo uma pequena
e isolada corte? O problema parece residir em uma diferença metodológica
básica} entre tratar os sintomas de um paciente com quem o terapeuta pode
interagir e ao qual pode responder, e examinar as ações de uma figura histó-
rica que podem ser estudadas apenas por meio de incompletos e, às vezes,
enganadores documentos materiais.
Oscar Handlin, um crítico perceptivo da nova história, lembrou a distin-
ção crucial entre o psicanalista e o psico-historiador. "O modo fundamental
de análise é indisponível para o historiador", apontou ele. "O paciente não
está lá para responder às questões. O processo de diagnóstico já é difícil para
o terapeuta habilidoso, que pode perguntar e ouvir as respostas, depois passar
por um longo aprendizado e período de análise, e que, mesmo assim, pode

330 A NOVA HIST ÓRIA E A V EL HA


ceder ao impulso da presunção." Esse processo não podia ser aplicado pelos
praticantes do "faça você mesmo" a indivíduos que não eram sujeitos à in-
terrogaç ão, e sem isso a psique do objeto guardava seus segredos invioláveis.
AApenas quando a evidência existe a teoria pode complementá-la:' O perigo da
onda do psicanalismo pregado pelos seguidores da escola psico-histórica re-
cai em sua substituição de uma fórmula amparada pela teoria para a obtenção
das evidências. "Quando os dados se exauriam, o historiador não confessava
sua ignorância nem mantinha-se em silêncio; ele buscava algum jargão clí-
nico para transmitir um pretenso conhecimento:' Tal esforço estava fadado
ao fracasso, pois, a despeito da dificuldade de escolher entre teorias rivais e
altamente mutáveis, os empréstimos de Erikson, Freud, Jung ou Adler não
poderiam conferir força ao que os próprios analistas haviam escrito. "M esmo
quando os empréstimos não degeneravam em um reducionismo absurdo,
eles sufocavam a imaginação dos autores, que permitiam que a teoria obscu-
recesse as características da personalidade individual, além de sufocar a imagi-
nação dos leitores, que poderiam, de outra forma, ter encontrado seu próprio
caminho para preencher os vazios do registro:'
As diferenças metodológicas entre a terapia psicanalítica e a pesquisa
histórica foram enfatizadas inclusive por alguns escritores da psico-história
que eram favoráveis a seus ob jetivos. Em seu ensaio pioneiro de 1919 sobre a
necessidade de cooperação entre psicologia e história} Barnes reconheceu o
problema. "Deve-se lembrar que, mesmo para os mais habilidosos psiquia-
tras de ofício, é difícil chegar ao inconsciente do paciente (para conseguir
dados suficientes para que se obtenha a cura) sem ao menos cinquenta ou
cem horas de questionamento pessoal direto, e não se pode supor que a mais
completa biografia, os diários ou a autobiografia possam apresentar alguma
espécie de informação pessoal direta." Ademais, a tendência da expressão
consciente, que constituía a maior parte do s registros falados ou escritos,
seguia a direção do "deslocamento, da racionalização, da projeção, da sim-
bolização ou do disfarce dos motivos dinâmicos reais e impulsos do incons-
ciente': Mesmo o mais honesto e confiável indivíduo poderia selecionar - e
é comum que faça isso com certa frequência - motivos ou razões para um
ato particular ou estratégia que estivessem "tão longe da realidade como as
afirmaç ões do mais notório mentiroso de sua geração':
O mesmo problema foi discutido quarenta anos mais tarde em um artigo
de Fritz Schmidl, publicado no Psychoanalitic Quarterly, sobre o relaciona-

HA M EROW 331
mento entre psicanálise e história. "Muitas dificuldades são encontradas
quando os métodos psicanalíticos são aplicados a qualquer outra disciplina',
ele advertia, "e eles se tornam particularmente problemáticos quando aplica-
dos à história." Olhar para qualquer fenômeno psicanaliticamente significa
investigá-lo do ponto de vista da motivação inconsciente, de fato, a psicaná-
lise era o único método que tornava a investigação do inconsciente possível
Não foi, portanto, surpreendente que, apesar de as disciplinas da psicanálise
e da história terem muito em comum, a aplicação das técnicas psicanalíticas
aos problemas da ~stória tivesse permànecido casual e frequentemente insa-
tisfatória. "Aprincipal razão para isso é que a psicanálise requer a cooperação
de um indivíduo vivo. Os fragmentos da informação factual ou os produtos da
imaginação à disposição do historiador nunca são um substituto para o mate-
rial, tremendamente rico, que é extraído após a psicanálise de um Indivíduo"
Tratava-se basicamente de uma "dificuldade insuperável', ainda que alguns re-
sultados valiosos pudessem ser alcançados se os historiadores se familiarizas-
sem com "certa gesmír tfpica', conhecida e compreendida pelos psicanalistas.
Resumindo, a tensão criativa entre o analista e o analisando, estabelecida
à custa de muito tempo e esforço e que muitas vezes leva à resolução de con-
flitos psicológicos, não pode ser reproduzida na relação do historiador com
seus dados. Incapaz de penetrar o véu de racionalizações e possibilidades
com o qual seu objeto disfarça sua motivação (subjacente), o psico-historia-
dor é muitas vezes forçado a recuar às regras dos manuais e às teorias de sala
de aula. Seus achados não podem ser testados, como na análise clínica, pelo
estado de saúde do paciente. Eles não podem ser refutados ou confirmados,
aprovados ou reprovados. Para serem aceitos, dependem da fé. A psico-his-
tória parece às vezes mais próxima em espírito à especulação metafísica ou à
disputa teológica do que à erudição emp írica,"

12 W. L. Langer, "Foreword", op. cit., p. IX; L. Stone, "The Reviva! of Narrative", op. cit., p. 14;
Rob ert Wae1der, "Psychoana!ysis and History: Application ofPsychoana!ysis to Historio-
graph y", in B. B. Wohnan (org. ), The PsychoanalyticInterpretation oj History, op. cit., p. 3;
Robert G. L. Waite, "Adolf Hitler's Anti-Semitism : A Study in History and Psychoanalysis",
in íd.,ibid., p. 192; ErikH. Eríkson, Dimensions of a New Identity: 'Ihe 1972 Jefferson Lectures
on theHumanities. Nova York: Norton, 1974, pp. 12, 14; O. H andlin, TruthinHisiory, op. cit.,
pp. 273-74; H . E. Bam es, "Psychology and Hístory", op. cít., p. 361; Fritz Schm ídl, "Psychoa-
na!ysis and History". PsychoanalyticQuarter/y, v. 31, 1962, pp . 535-36, 545.

332 A NOVA HIST ÓRIA E A VEL HA


A nova história como um todo pode agora ser vista como menos radical
ou inovadora do que quando apareceu. Nascida em um tempo em que o
ofício do historiador se democratizava cultural e socialmente, em que as
tradicionais justificativas e funções do saber histórico ruíam, ela parecia
oferecer uma opção à obsolescência que ameaçava a disciplina. Nutrida
por bolsas governamentais e apoiada por fundações filantrópicas, carrega a
promessa de uma revitalização acadêmica compatível com as necessidades
de uma sociedade em mudança. Para aqueles que seguiram o ritmo do en-
tusiasmo da nova história, era um tempo de desenvolvimento e rejuvenes-
cimento, de pioneirismo e iconoclastia. Mas esse período está chegando a
seu termo, e nós podemos vê-la mais claramente agora do que durante seu
inebriante florescimento.
Os acadêmicos que partilhavam de suas esperanças e realizações ainda
olham para trás com ressentimento pelo que fora um dia, aquecidos por sua
memória e protegidos contra os ventos frios que começam a soprar. Assim,
na introdução a uma compilação de ensaios publicada em 1981, Lawrence
Stone discorreu, um tanto tristemente, sobre a fenecente idade de ouro à
qual ele deu importantes contribuições:

Sinto-me afortunado por ter vivido transformações tão estimulantes em


minha profissão, e por ter feito parte delas. Se, como parece, o surgimento
de novos recrutas na academia for restrito, nos próximos quinze anos, pela
falta de oportunidades de emprego, é provável que a estagnação intelectual
se instale, pois é dos jovens que vem a inovação. Se isso acontecer, os úl-
timos 25 anos serão vistos como uma espécie de fase heroica na evolução
do entendimento histórico, comprimidos entre dois períodos de silenciosa
consolidação do saber adquirido.

Outros acadêmicos lembram esses anos com menos nostalgia. Mas há,
pelo menos, concordância ampla quanto à entrada da nova história em
um período de retraimento, introspecção defensiva e rigidez. O próprio
Stone admite que "pairam sinais alertando sobre as ameaças de um novo
dogmatismo teórico e de um novo escolasticismo metodológico". Não é
cedo, portanto, para tentar traçar o esboço de uma avaliação dos resulta-
dos da grande transformação que o saber histórico experimentou desde a
Segunda Guerra Mundial.

HAME ROW 333


Sua mais significativa realização é certamente a promoção de um enten-
dimento mais rico e uma visão mais ampla da escrita da história. A ênfase
tradicional nos processos da política, da diplomacia e da guerra na Europa
e na América tem sido reduzida ou suplantada, em parte por um crescente
interesse no Terceiro Mundo, em parte por uma cada vez maior preocupa-
ção com o modo de vida de homens e mulheres comuns. Um levantamento
estatístico de Robert Darnton sobre teses de doutorado em história con-
cluídas entre 1958 e 1978 mostrou uma grande guinada em direção à história
social, especialmente no que diz respeito a assuntos como a imigração e a
etnia, a história do trabalho, a história dos negros, a história urbana e a his-
tória das mulheres e da família (ver tabela 1). As grandes perdas estiveram
nos campos que outrora dominaram a disciplina. A porcentagem de teses de
doutorado em história política, por exemplo, que foi cinco vezes maior do
que a referente às teses em história social em 1958, e três vezes maior em 1968,
ficou abaixo da história social em 1978. Outras áreas tradicionais, como as
relações internacionais e a história econ ómica, história intelectual, também
sofreram grandes perdas. No caso da história 'constitucional, ela desapare-
ceu quase completamente, com apenas uma tese no total de 431 concluídas
em um período de seis meses em 1978. A distribuição de especialidades de
pesquisa provavelmente não mudará de forma significativa em um futuro
próximo. Ela reflete uma mudança de longa duração na academia: das per-
sonalidades, eventos e conjunturas em direção aos padrões, às estruturas e
instituições ou processos, evoluções e desenvolvimentos. O saber histórico
não retomará tão cedo a preocupação com patriarcados e elites que outrora
o caracterizaram.
A ampliação da visão acadêmica, entretanto, tem sido acompanhada da
ampliação da distância entre história e literatura, entre erudição e cultura.
O público inteligente, educado, que outrora lia trabalhos de historiografia
com interesse e compreensão, tem se voltado a popularizadores amadores
dotados de habilidades narrativas que os profissionais não mais consideram
importantes. Muitos dos novos historiadores inicialmente sustentaram que
seu trabalho poderia tornar a história mais adequada às necessidades da so-
ciedade contemporânea, aumentando, assim, seu apelo geral. As questões
que levantavam, segundo Stone, são as "que nos preocupam hoje". Em lugar
de sustentar a audiência com "a ração das biografias populares e manuais",
eles lidam com poder, autoridade e liderança; a relação entre as instituições

334 A NOVA HI STÓRIA E A VELH A


- -: ='--' 1: DISSERTAÇÕES DE HISTÓRIA POR ÁREA DE PESQUISA, 1958- 78 (EM % )

1958 19 6 8 197 8
História social 6,8 10,4 27,1
História negra 2,1 4,9
L ii graç ão e etnia 1,5 1,9 2,8
História do trabalho 0,4 1,9 3
História urbana 0,4 0,5 2,8

História das mulheres e da família 1,1 3,2


Geral 2,5 2,9 10,4
História constitucional 1,5 0,5 0,2

História cultural 2,5 3,2 5,8


História econ óm ica 7,5 4,8 3,5
História intelectual 10,5 9,5 8,8

Relações internacionais 10,5 12,7 9,3


História política 34, 3 33,4 23,7
Outros 26,4 25,5 21,6

Fonte: Robe rt Damton, "Intellectual and Cultural Histor y", in Michael Kammen (org.), The
Past Before Us: ContemporaryHistorical Writing in the United States. Ithaca: Cornell University
Press, 1980, p. 353.

políticas e os valores e padrões sociais: as atitudes diante da juventude, da


idade, da doença e da morte: sexo, matrim ónio, contracepção e aborto,
trabalho, lazer e consumo: religião, ciência e magia: amor, medo, lascívia e
ódio: literariedade e educa ção, família, parentela, comunidade, classe e raç a,
rituais, costumes e símbolos: crime e penaj deferência e igualdade, estamen-
tos, classes é mobilidade social: protesto popular e milenarismo, e natureza,
ecologia e doença. Não são esses assuntos mais pertinentes e interessantes
que os feitos de monarcas e guerreiros mortos?

HAME ROW 335


Ainda assim} a nova história} embora adequada às preocupações contela-
porâneas, como se diz na teoria} tem} na prática} apenas alienado o leitm
comum da erudição. Isso é em parte resultado de sua metodologia quase
científica e de sua linguagem hierática. Segundo a atitude de muitos noVOi
historiadores} o que eles têm a dizer é tão significativo que não importa ~
o leigo entenda ou não. Pediremos ao físico} ao químico ou ao biólogo qur
comuniquem seus achados em um estilo literário polido? Os historiado-
res também devem ser julgados pela qualidade de sua pesquisa} não de SIY
escrita. De fato, o caráter de isolamento do que faz é uma medida de SIY
originalidade. Quanto à tarefa de popularização} isso pode ser deixada aos
jornalistas e escritores.
Igualmente alienante tem sido a aceitação tácita por parte da nova histó-
ria de que os feitos daqueles que dispõem do poder} da riqueza e do status
não são mais importantes - de fato} eles podem ser menos importantes - do
que os feitos daqueles que não os possuem. Não obstante, na experiência
cotidiana} aceitamos , quase instintivamente} como questão de senso comum,
gradações na importância atribuída a atividades de vários grupos sociais e
classes na comunidade. Mesmo um historiador centrado no estudo de festi-
vais populares e manifestações comunitárias na França do século XVII está
mais interessado, quando lê o jornal pela manhã, no que está acontecendo
na Casa Branca ou no Kremlin do que nas manifestações da cultura popular
que aparecem no caderno de esportes} na seção de entretenimento, na his-
tória em quadrinhos ou na coluna de aconselhamentos amorosos. Há uma
lógica envolvente que insiste que as estratégias e decisões dos mestres da po-
lítica ou capitães da indústria afetam os interesses vitais da sociedade mais
profundamente do que os costumes populares e a moral dos lenhadores e
aguadeiros. E se esse for o caso} então seria prematuro excluir a velha his-
tória e seu relato narrativo das res gestae dos poderosos e influentes. Em vez
disso, um ressurgimento da historiografia biográfica, política, diplomática
e militar parece bem provável a longo prazo. Ela nunca desapareceu do tra-
balho de historiadores amadores, e sua aceitação renovada pela academia é
apenas uma questão de tempo, "

13 L. Stone, 'Ihe Past and the Present, op. cit., p. XI, e "H istory and Social Sciences in the
Twentieth Century", in Charles F. Delzell (org.), The Future of History, op. cit., p. 40j

336 A NOVA HI STÓRIA E A VELH A


A nova história do pós-guerra pode agora ser vista simplesmente como a
última de uma série de novas histórias recorrentes que tem caracterizado o
desenvolvimento da disciplina nos últimos cem anos. Havia a nova história
da década de 1880, pela qual os fundadores da American Historical Asso-
ciation esperavam conquistar um alto grau de profissionalismo e um ainda
mais alto patamar acadêmico. Trinta anos depois veio a nova história ensi-
nada porJames Harvey Robinson e seus seguidores, que acreditavam que o
estudo do passado poderia ajudar no desenvolvimento da sociedade norte-
-americana no presente. Na geração seguinte houve mais uma nova histó-
ria, com ênfase cultural e psicológica, que o historiador económico Herbert
Heaton considerou um modismo: "Em dezembro de 1939, um grande cavalo
de madeira foi deixado na frente do Mayflower Hotel, em Washington D.e.,
onde a American Historical Association estava, na sua reunião anual. De seu
interior saltou uma legião de evangelistas que pregavam o novo caminho
para a salvação} a chamada 'abordagem cultural: A conversão aparentemente
envolvia a completa imersão na antropologia cultural e na psicologia social".
Dez anos e uma guerra mundial depois, chegou a mais recente nova história}
baseada na quantificação, na metodologia das ciências sociais e na intuição
psicanalítica. Assim, a rejeição da tradição na historiografia acadêmica é ela
mesma uma tradição.
Cada uma dessas novas histórias começou por prometer a libertação da
disciplina, dar-lhe um novo significado, romper as grades que aprisionavam
o conhecimento histórico, o rejuvenescer e regenerar. Porém, depois de duas
décadas de inovação, todas tenderam ao enrijecimento de uma tradição ou
ortodoxia própria. Pierre Goubert, professor de história na Sorbonne, des-
creveu com acuidade o processo de convencionalização: "Todo sucesso traz
consigo o excesso. Como o trabalho histórico [ ... ] é posto em prática princi-
palmente nas universidades, ele tende a reproduzir os seus problemas. Logo,
uma imitação servil da inovação estabelece uma nova tradição} ou uma vio-
lenta e negativa contestação que muitas vezes termina por reforçar a matéria
originalmente posta em questão". A sucessão cíclica de iconoclastia e conso-
lidação parece ser uma característica comum da evolução do saber histórico.

Robert Darnton, "lntellectual and Cultural History", in Michael Kammen (org.), The
Past Before Us, op. cit., p. 353; L. Stone, "The Reviva!of Narrative ", op . cit., p. 15.

HAM EROW 337


Não há dúvida, claro, de que a nova história do pós-guerra deu impor-
tantes contribuições a nosso entendimento do passado) ampliando a percep-
ção e a técnica da pesquisa acadêmica. Mas ela também sofreu de empáfia,
o pecado capital de todas as novas histórias, Superestimou a competência
da metodologia para recriar uma realidade viva com base em documentos
inanimados e estatísticas. As sim, tem relutado em reconhecer que mesmo
o melhor trabalho de um historiador, qualquer que seja seu objeto ou a téc-
nica utilizada, vai se provar, por sua natureza) defeituoso e imperfeito.
O reconhecimento de sua falibilidade) que é de fato difícil de aceitar, tem
levado alguns acadêmicos a enfatizar as limitações existenciais do conheci-
mento histórico. Em seu pronunciamento presidencial à American Histori-
cal Association, em 1936, Charles Howard McIlwain advertiu: "Cada [histo-
riador] deve também perceber que sua resposta nunca pode ser mais do que
a de uma tentativa. Ele deve saber quão limitada é sua percepção; quão infi-
nitamente pequena variedade da experiência de nossa espécie, que é a histó-
ria, pode ser dominada no curto período de uma vida ou mesmo de muitas.
Toda a história deve ser uma lição de humildade para nós, historiadores".
Vinte anos depois, Allan Nevins repetiu essa advertência em seu pronuncia-
mento presidencial: "N ós somos todos amadores; somos todos profissionais.
Talvez o que nós mai s necessitamos seja um duplo sentido de humildade;
humildade porque sabemos que, por mais que procuremos a verdade com
afinco, não conseguiremos alcançá-la; humildade porque somos, em última
análise, servos do público democrático [ ... ] Esta não é uma época de arro-
gância, desdém ou rivalidade, mas de união em um grande esforço comum':
Mesmo Lawrence Stone alertou os novos historiadores, em 1977) contra o
doutrinarismo metodológico : "Se a profissão começa realmente a estreitar
seu ponto de vista e acabar com opções intelectuais [ ... ] ela corre o risco de
ficar estéril ou fragmentada em facções. Somente se os princípios da diversi-
dade metodológica e do pluralismo ideológico forem vigorosamente defen-
didos, a necessária troca intelectual entre o historiador e o cientista social
continuará a ser frutuosa':
Na verdade, a própria distinção entre a nova história e a velha parece am-
plamente artificial. A única diferença real está entre história boa ou ruim ou
entre historiadores bons e ruins. Pois não é o objeto, ou o ponto de vista
acadêmico, ou a técnica de pesquisa, que produz obras duradouras do saber
histórico, mas a imaginação e a criatividade. Um historiador talentoso pode

338 A NOVA HISTÓRIA E A VELHA


fizer o tópico mais comum e convencional parecer novo e interessante. Um
obtuso, pedante e pouco inspirado, por outro lado, fará que mesmo um as-
sunto original e relevante pareça apenas pedante. A história é escrita por ho-
mens e mulheres, não por fórmulas e metodologias. Isso era o que Handlin
queria dizer quando lembrou que "o historiador [ ... ] encontrará algo para
dizer como tal apenas por meio da tensão criativa que surge do exercício do
puro poder de sua imaginação e do entendimento diante da evidência infle-
xívelque sobrevive do passado. Ele pode continuar a fazê-lo como indivíduo
mesmo que a crise na disciplina o deixe sem uma comunidade de investiga-
dores da qual faça parte". No presente inverno de nosso descontentamento,
seria algo proveitoso aos historiadores ponderarem a respeito."

Publi cado or iginalmente como "The New Hist ory and t he Old", in Theodore S. Hame-
row, Reflect ions on Hist ory and Historian s. Madiso n: The University of Wisconsin
Press, 1987, pp. 162-20 4.Tradu ção de Bru no Gamba rotto.

14 Herbert Heaton, "lhe Economic Impact on Hístory", inJacques Barzun et al., 'lhe Inter-
pretationofHistory. Princ eton: Princeton University Press, 1943, p. 104; Pierre Goubert,
"Local H ístory", Daedalus, n. I, v. 100, 1971, pp . 122-23; C. H. McIlwain, "lhe Historian's
Part in a Changing World". AmericanHistorical Review, n. 2, v. 42, 1937, p. 207; Allan N e-
vins, "Not Capulets, not Montagus". AmericanHistorical Review, n. 2, v. óS, 19óO, P: 270;
L. Stone, "His tory and Social Sciences in the Twentieth Century", in Charles F. Delzell
(org .), 'lhe Futureoj History, op. cit., p. 40; O. Handlin, Truth in History, op. cit., p. 22.

HAM EROW 339


A escola de historiadores franceses, centrada na revista Annales, ocupa uma
posição ímpar na historiografia do século xx. Por um lado, seus autores
partilham a confiança de outros historiadores - cientistas sociais na possi-
bilidade de uma abordagem científica na história. Por outro, estão cientes
das limitações de tais abordagens. Durante mais de oito décadas, esses his-
toriadores alteraram profundamente as concepções do que constitui e de
quem faz a história. Propuseram uma visão de tempo histórico muito dife-
rente daquela apresentada pela maioria dos historiadores do século XI X e xx.
Quase todos os historiadores, de Ranke a Marx e Weber, e, depois deles} os
historiadores-cientistas-sociais norte-americanos, haviam pensado a histó-
ria em termos de um movimento ao longo de um tempo unidimensional, do
passado ao futuro. Os historiadores dos Annales modificaram radicalmente
essa visão, enfatizando a relatividade e a multidimensão do tempo.
Os historiadores dos Annales insistiram que eles não constituem uma
"escola" - apesar de serem comumente vistos como tal -, mas sim um espí-
rito marcado pela receptibilidade a novos métodos e abordagens à pesquisa
histórica: De maneira geral; estão certos. As publicações dos Annales de

Sobre a história dos Annales, ver Peter Burke, lhe French Historical Revolution: lhe An -
nales SchooI19 29-89. Stanford: Stanford University Press : 1990 Cedobras.: A revolução

IGG ERS 341


fato refletem interesses e abordagens muito diversos, e eles não formularam.
explicitamente, uma teoria ou filosofia da história. Na verdade, a pesquisa
sempre veio antes da reflexão teórica. Ainda assim, seus escritos refletem
pressuposições teóricas.
Apesar de clamarem que não são uma escola} a partir da Segunda Guerra
Mundial, os Annales tiveram uma base institucional firme . E apesar das mu-
danças fundamentais que ocorreram em sua historiografia ao longo dos
anos, há também continuidade na linguagem que usam e nos conceitos que
aplicavam desde os primeiros trabalhos de seus fundadores, Lucien Febvre
e Marc Bloch.' As discussões sobre método, iniciadas em 1900 na revista de
Henri Berr, Revue de Synthêse Historique, fazem parte da pré-história dos An-
nales. O livro de Lucien Febvre sobre a região do Franco-Condado sinalizou
a transição para um novo tipo de ciência histórica. Neste livro} entidades
que até aquele momento haviam exercido papel tão importante - o Estado,
mas também a economia, a religião, o direito, a literatura e as artes - perdem
sua autonomia e são integradas à cultura que a tudo abarca. A cultura não é
mais entendida como o domínio de um privilégio intelectual e estético de
uma elite, mas sim a maneira pela qual toda a população sente e vive a vida.
Lucien Febvre e especialmente Marc Bloch, que estudaram em Leipzig
e Berlim entre 1908 e 1909, observaram com atenção o que os historiado-
res alemães estavam fazendo nos campos da história econômica e social.
Há paralelos entre o livro de Febvre sobre o Franco-Condado e a história
econômica do vale do rio Moselle, na Idade Média, escrita por Lamprecht,
embora seja pouco provável que haja influência direta. Enquanto a histó -
ria econômica e social alemã se concentrava nos aspectos administrativo e
constitucional, Lamprecht e Febvre se preocupavam com estreitar ligações
entre estruturas sociais, econômicas e políticas, e com os padrões de pen-
samento e comportamento de uma região geográfica e cultural específica.

francesa da historiografia: A Escola dosAnnales (1929-1989), trad. Odália Nilo. São Paulo :
Unesp, 1991J; também Troian Stoianovich, French Historical Method: lh e Amlales Pa-
radigm. Ithaca: Cornell University Press, 1976.
1 Sobre Bloch, ver a biografia de Carol Fink, Marc Bloch. Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 1989. Para referência mais recente, ver Ulrich Raulff, Ein Historikerim 2 0.
Jahrhundert: MarcBloch. Frankfurt: S. Fischer, 1995.

342 FRANÇA: OS ANNA LE S


Mas os interesses de Febvre refletiam uma formação diferente da maioria
dos historiadores alemães. Na Alemanha, de 141 professores de história nas
universidades entre 1850 e 1900, 87 estudaram também filologia como um
campo secundário; e desses, 72 se especializaram em filologia clássica: 23
estudaram teologia ou filosofia, apenas dez estudaram economia e somente
doze geografia. Na França, em contrapartida, a geografia era parte essencial
daAgrégation, o exame exigido para ingressar na carreira universitária.' Além
disso, a geografia na França tinha orientação histórica e cultural, desde que
emergiu como disciplina acadêmica no final do século XIX sob a tutela de
Paul Vidal de La Blache, que havia sido muito influenciado por Carl Ritter
e pela tradição alemã de geografia. Agéographie humaine de Vidal de La Bla-
che, que evitava o determinismo geográfico do seu contemporâneo alemão
Friedrich Ratzel, influenciou muito toda a tradição dos Annales, de Febvre
em diante. Além da geografia, havia também a abordagem sociológica de
Durkheim, interpretada para os historiadores dos Annales pelo estudioso
do assunto, o economista François Simiand. Durkheim, por um lado, queria
transformar a sociologia numa ciência rigorosa, o que, para Simíand, envol-
via formulações matemáticas.' Por outro lado, o consciente, entendido como
consciente coletivo, era, para Durkheim, o tema central da ciência da socie-
dade, cujos componentes mais importantes eram as normas, os costumes e
a religião. A aceitação dessas abordagens acadêmicas reflete os laços próxi-
mos entre geografia, economia e antropologia na historiografia francesa, em
contraste com a ênfase no Estado, na administração e na jurisprudência, que
se dava na tradição alemã, que incluía Max Weber. Nesse contexto, pode-se
entender a enorme importância que Febvre e Bloch atribuíam a estruturas
anónimas, assim como a atenção que davam aos temas do sentimento e da
experiência enraizados nas mentalidades coletivas, que são o objeto da an-
tropologia histórica.

.; Ver Lutz Raphael, "His torikerkeon troversen irn Spannugsfeld zwisehen Berufshahitus
Pãcherkonkurrenz und sozialen Deutungsmustern, Lampreeht-Streit und franzõsischer
Methodenstreit der Jahrhundertwende in vergleichender Perspektive". Historiche Zeiis-
chrift, 251,199°, p. 352.
~ François Simiand, "Méthode histo rique et scienees soeiales". Revue de Synthêse Histori-
que, n. 6, 1993, pp. 1-22.

IGGERS 343
Febvre e Bloch construíram os fundamentos intelectuais dos Annales
muito antes da criação da revista. Os livros Phillipe II et la Franche-Comti
(1911), de Febvre, e Os reis taumaturgos (1924) ,s de Marc Bloch, que tratava
das artes mágicas de cura dos reis ingleses e franceses na Idade Média, foram
lançados antes da fundação da revista em 1929J assim como o livro de Febvre
Un Desiin: Martin Luther? Os Annales nunca aprese ntaram uma doutrina
claramente definida. Imitando, em parte, o título da revista Vierteljahrschrift
jür Sozial und Wirtschaftsgeschichte, a mais antiga e respeitada publicação no
campo, os Annales inicialmente receberam o título Annales d'Hisioire Éco-
nomiqueet Sociale, apesar de seus historiadores verem neles, desde o início,
uma proposta bem diferente da Vierteljahrschrift.7 Depois de 1946, o título
foi mudado para Annales: Êconomies, Societés, Civilisations, enfatizando assim
sua natureza interdisciplinar. Para os Annales, a história ocupava um lugar
central nas ciências que lidam com o homem} mas atribuíam a ela um papel
diferente daquele conferido pelo historicismo clássico. Enquanto a história
clássica elevara o Estado ao papel de instituição-chave, à qual eram subordi-
nadas todas as outras áreas da sociedade e da cultura, os Annales aboliram
as fronteiras entre as disciplinas tradicionais e as integraram sob o termo
"ciências do homem" [sciences de l'homme]. Usou-se o plural de propósito,
para enfatizar a pluralidade das ciências. Os Annales, evitando os modelos
dogmáticos do fragmentário Ranke ou os do sistemático Droysen," não for-
mularam nenhuma teoria da história ou da historiografia - nem mesmo no
livro de Bloch Apologia da história, que consiste de anotações feitas no front

5 Marc Bloch, LesRoisthaumaturges. Paris: Gallimard, 1924 [ed, bras.: Osreis taumaturgos:
O carátersobrenatural dopoderrégio, FrançaeInglaterra, trad. Júlia Mainard. São Paulo:
Companhia das Letras,1993J.
6 Lucien Febvre, UnDestin: MartinLuther. Paris: Rieder, 1928.
7 Numa carta ao historiador holandês Johan Huízinga, de 2 de outubro de 1933, Lucien
Febvre diz que os Annales substituíram a Vierteljahrschrift, que se tornou uma publi-
cação muito alemã, com uma visão da história social muito diferente dos Annales. Ver
J.Huizinga. Briefwisseling, v. 2. Utrecht, 1990, p. 484.
S O livro mais recente sobre Droysen em inglês é Robert Southard, Droysen and the Prus-
sian School of History. Lexington: Kentu cky University Press, 1995. O livro concentra-se,
contudo, na relevância política do pensamento de Dro ysen. A melhor discussão de sua
teoria histórica se encontra emJõrn R üsen, Begri.ffenne Geschichte: Genesis und Begriin-
dungderGeschichtssiheorie J. G Droysen. Kõln: Paderborn, 1969.

344 FRANÇA: OS A N NA LES


em 1940.9 A finalidade dos Annales era, como Bloch e Febvre explicaram na
introdução à primeira publicação da revista, construir um fórum de várias
direções e novas abordagens,"
Além disso, não existe um denominador comum na visão política dos
Annales. Apesar de serem, em sua maioria} republicanos e patriotas france-
ses, eram também muito menos ligados à ideologia do que a maioria dos
historiadores alemães, cujo principal propósito era justificar os objetivos
nacionais alemães e as instituições políticas e sociais da Alemanha Impe-
rial. Ainda assim, é importante entender o compromisso político dos fun-
dadores dos Annales, e lembrar que Marc Bloch, que descendia de judeus}
foi torturado e assassinado pelos alemães em 1944 por sua participação na
resistência. No que diz respeito ao papel dos Annales no cenário acadêmico
francês} tanto Febvre quanto Bloch, até serem chamados a Paris em 1933 e
1936} respectivamente," lecionavam na Universidade de Estrasburgo} e foi de
lá que iniciaram o conflito com Seignobos e os tradicionais historiadores
políticos da Sorbonne. Mais tarde, as coisas mudaram muito. Se haviam ou-
trora ocupado uma posição relativamente marginal nos anos 1930, Febvre
e os Annales tornaram-se dominantes após a guerra, quando surgiu um in-
teresse em história cultural e social, e fez-se uma reconsideração crítica das
atitudes que Bloch julgou} em L'Étrange défaite,t> terem aberto o caminho
para a catástrofe de 1940.
Em 1946} os Annalesganharam uma base institucional firme com a recém-
-formada Sexta Seção da École Pratique des Hautes Études. A École havia
sido criada em 1868 para servir de centro de pesquisa, seguindo o modelo
alemão. Não oferecia aulas normais, e existia exclusivamente para formar

9 Mare Bloeh, Apologie pour l'histoire ouMétierd'historien. Paris: Armand Colin, 1949. Em
inglês, lhe Historian's Craft, trad. Peter Putnam, Nova York: Vintage Books,1953, p.140
[ed, bras.: ApolOgia da história ou O ofício dehistoriador, trad. André Telles. Rio de Janei-
ro:Jorge Zahar.zoor] .
10 "Anos lecteurs", Annalesd'Histoire Économique et Sociale, n. 1,1929,pp. 1-2.
11 Febvre foi para o College de France e Bloch para a Sorbonne substituindo Henri Hauser
como professor de história econ ôrnica e social.
u Publicado postumamente da mesma forma que La Sociét éféoda/e . Paris: Albin Michel,
1930-40, 2 v. A tradução inglesa foi publicada em Londres, em 1949 [ed, port.: A socieda-
defeudal, 2~ ed ., trad. Liz Silva. Lisboa: Edições 70, 2001].

IGGERS 345
e treinar pesquisadores. Na Quarta Seção, centrada nos estudos históricos}
introduziram-se seminários que seguiam o modelo de Ranke. A Sexta Se-
ção, reorganizada em 1972 e intitulada École des Hautes Études en Sciences
Sociales (EHESS)} tinha o compromisso de integrar a história e as disciplinas
de ciências sociais sob o termo abrangente de "ciên cia do homem" (science
de l'hommei, que incluiria não apenas as tradicionais ciências sociais} tão im-
portantes nos primeiros anos da revista - economia}sociologia e antropolo-
gia -} mas também linguística} semiótica; as ciências da literatura e das artes
e a psicanálise. Graças ao financiamento que a École recebia do Conselho
Nacional de Pesquisa Científica e de fundações norte-americanas}ela foi ca-
paz de exercer influência nas pesquisas na França.
Essa institucionalização teve efeitos conflitantes. Favorecia a pesquisa
interdisciplinar} e} por isso} muitas vezes favorecia também a nova postura
de abertura. A institucionalização tornou possível o trabalho coordenado}
e surgiram vários projetos que} cada vez mais, faziam uso de novas ferra-
mentas tecnológicas de processamento de dados. Assim} nos anos 1960 e
1970} aconteceram, nos Annales, as grandes sínteses de Fernand Braudel,
Pierre Goubert, Jacques Le Goff, Georges Duby, Emmanuel Le Roy La-
durie e Robert Mandrou. Em compensação} havia artigos muito especia-
lizados) escritos num jargão incompreensível para quem não participasse
daquele universo.
À despeito da grande variedade de abordagens metodológicas e concei-
tuais no presente) há cerca de oitenta anos) quando da publicação do livro de
Lucien Febvre sobre o Franco-Condado (1911») as obras dos historiadores
dos Annales possuem muito em comum, Para ilustrar isso) vamos analisar
brevemente vários dos trabalhos importantes que foram publicados entre
1911 e os anos 1980. Febvre, Philippe II et La Franche-Comté (1911)j Bloch,
A sociedade feudal (1939-40) j 13 Febvre, O problema da incredulidade no sé-
culo XVI: A religião de Rabelais (1942) j14 Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o

13 Id., ibid. Em inglês, Feudal Society. Londres/ Chicago: University ofChicago Press, 1961.
14 LeProblême del'incroyance au XVI' siêcle: La religion deRabelais. Paris: Albin Michel, 1942
( 2~ ed. rev., 1947) [ed. bras.: O problema da incredulidade no século XVI : A religião deRa-
belais, trad . Maria Lucia Machado. São Paulo : Companhia das Letras, 2009].

346 FRANÇA: OS AN NALE S


rrrundo mediterrânico na época de Fílipe II (1949)j I5 Emmanuel Le Roy Ladu-
De, Os camponeses do Languedoc (1966)16 e Montaíllou (1975) ; 17 e, finalmente,
Braudel, Civilizations and Capitalism: 15th to 19th Century (1979-87),8 e A iden-
tidade da França (1986).'9
Chama a atenção que não haja, em nenhum desses livros, uma instituição
central que sirva de fio condutor da narrativa histórica, em que as ações de
pessoas desempenham um papel decisivo. Isso não quer dizer que o papel
dapolítica seja ignorado. No exame de Bloch da sociedade feudal, a política
desempenha papel essencial, porém tratada de maneira diferente dos estu-
dos alemães. Enquanto estes se concentram nos aspectos formais do feuda-
lismo, em suas instituições políticas, eclesiásticas e jurídicas, Bloch aborda
o feudalismo pelo viés antropológico) como um complexo de relações in-
terpessoais. Ao usar o termo "complexo", evito intencionalmente a palavra
"sistema", raramente usada pelos Annales e que, segundo eles, objetifica e rei-
fica demais o comportamento humano. Deve-se tomar o mesmo cuidado
com a palavra "estrutura", que é usada pelos historiadores dos Annales. Sem
dúvida, esses historiadores dão ênfase às estruturas. Indivíduos que ocupam
posição-chave na historiografia do século XIX raramente são mencionados,
e, às vezes, absolutamente ignorados, em suas publicações. Em A sociedade
feudal, de Bloch, por exemplo, reis aparecem com pouca frequência, e margi-
nalmente. No livro de Braudel sobre o Mediterrâneo, indivíduos são relega-
dos a uma parte separada, que trata da história política da região. Essa parte
tem pouca relação orgânica com as duas anteriores, que discutem o cenário

15 La M éditerran ée et le monde méditerranéen à l' époque dePhilippe II. Paris: Arm and Colin,
1949 [ed, bras.: O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II. São Paulo:
Martins Fontes, 1984].
16 LesPaysans du Languedoc. Paris: SEV PEN, 1966, 2 v.
17 Montaillou, vil/age occitan. Paris: Gallimard, 1975 [ed, br as.: Montail/ou, povoado occitâni-
co: 1294-1324, trad. Maria Lucia Ma chado. São Paulo: Companhia das Letra s, 1997] .
18 Femand Braudel, Civilisation mat ériel, économie ei capiialisme. Paris: Armand Colin,
1979-8 7, 3 v. Em inglês, Civilizat ion and Capitalism. Berkeley: University of Califomia
Press, 1992 [ed. bras. : Civilização material, economia e capitalismo - séculos XV- XVIII. São
Paulo: Martins Fontes, 1995-96 , 3v.].
19 L'ldentit éde laFrance. Paris : Plammarion, 1986-8 7, 3 v. [ed . bras.: A identidadeda França,
2~ ed., trad. Lygia Araujo Watanabe. São Paulo: Globo , 1991].

\ IGGERS 347
geográfico quase atemporal da região mediterrânica e sua estrutura social e
econômica que mudava lentamente. Os indivíduos reaparecem na pequ ena
aldeia de heréticos do início do século XIV, Montaillou, descrita por Le Ro
Ladurie. Aqui, eles são o foco de uma incursão pela antropologia históri
onde uma série de narrativas retrata homens e mulheres enraizados numa
antiquíssima cultura popular.
Como já foi dito, os historiadores dos Annales introduziram um novo
conce ito de tempo histórico. Seus estudos, incluindo Philippe II et La Pran-
che-Comté e O problema da incredulidade tIO século ..\."VI: A religião de Rabelais,
ambos de Febvre, A sociedadefeudal, de B1och, o livro de Braudel sobre o
Mediterrâneo e Montaillou, de Ladurie, estão mais intere ssados em produzir
o retrato de uma cultura ou de uma época, independe nte do fluxo histór ic
do que em relatar um processo de mudança ao longo dos anos. Os histor ia-
dores de quem falamo s praticamente abandonaram a ideia de uma hi t ó-
ria linear, direcional , típica de grande parte do pensamento histórico desde
o período descrito por Reinhart Koselleck como a transição entre as eras
pré -moderna e moderna, que ocorreu entre 1750 e 1850.20 Michel Foucault
considera que a ideia de uma única narrativa histórica seja uma invenção
da modernidade, que já acabou. A maioria dos historiadores dos Annales
concordaria. No lugar de um só tempo histórico, veem uma pluralidade de
tempos que coexistem, não apenas em civilizações diversas como no inte-
rior de cada civilização. Essa ideia é desenvolvida de forma mais clara na
estrutura do livro de Braudel sobre o Med iterrâneo, qu e diferencia entre
três tempos, cada um com sua própria velocidade: o tempo qua se parado
do Mediterrâneo enquanto espaço geográfico (longu e durée), o tempo lento
das mudanças nas estruturas econ ôrnicas e sociais (conjonctures) e o temp o
acelerado de evento s políticos (événements). Baseado nisso,Jacques Le Goff
escreveu seu clássico ensaio "Merchant's Time and Church's Time in th e
Middle Ages':"

20 Ver Reinhart Koselleck, Futures Past: 0 11 the Semalltics of H istorica/ Tim e. Cambridge
( MA): MIT Press, 1985.
21 Reimpresso em]acques Le C off T ime, Work and Culture ill the Midd/e Ages. Chica -
go: Chicago Uni versity Pre ss, 1980 [ed. oríg .: Pour tlll autre Moyen Âge. Pa ris: Galli-
m ard ,1 978].

348 FRANÇA : OS AN NA LES


Com o abandono do conceito de tempo linear, desfaz-se a confiança no
progresso, e com ela a fé na superioridade da cultura ocidental. Não há mais
um conceito de desenvolvimento histórico unificado sobre o qual se pode
construir uma grande narrativa da história do homem. Além disso, a narra-
tiva histórica precisa buscar novas formas de se expressar nessas novas con-
dições. Assim como no romance, na história desaparece a narrativa com um
enredo central, no qual indivíduos exercem o livre-arbítrio. E a nação, que
garantia um sentido de identidade em amplos segmentos da população nos
séculos XIX e xx, está muito ausente desses livros. Com poucas exceções, a
historiografia dos Annales é regional ou supranacional. Regiões muitas vezes
assumem certa unidade, não apenas no livro de Febvre sobre o Franco-Con-
dado como em uma série de estudos dos anos 1960 baseados fortemente
em dados demográficos." O livro de Braudel sobre o Mediterrâneo trata
de todo o universo da região, tanto cristão quanto muçulmano. Seu livro
Structures ai Everyday Life (1967» 3 trata da vida material - a ascensão das
instituições capitalistas, assim como os vários aspectos concretos da vida, da
saúde à comida e às modas - no período entre 1500 e 1800, concentrando-
-se na Europa mas inserido numa estrutura comparativa maior, que abarca
o mundo todo. O último grande livro de Braudel, A identidade da França
(1986-87), retorna à história nacional, mas define a França não pelo centro,
em Paris, mas em termos de uma pluralidade de regiões cujas identidades
se mantiveram estáveis ao longo dos séculos. Mais uma vez, a ênfase não se
dá na mudança, mas na langue durée, na persistência da cultura e da mentali-
dade camponesas no século xx.
Essas observações não pretendem dar a impressão de que a visão dos
Annales se manteve a mesma por oitenta anos, apesar de haver continuidade
entre os primeiros trabalhos de Febvre e Bloch e as últimas publicações do
grupo. Os Annales refletem as transformações mais importantes que ocor-

11 Por exemplo, Pierre Goubert, Beauvais et le Beauvaisis de 1600 à 1730. Paris: SEVPEN,
1960 ; René Baehrel, Une Croissance: La Basse-Provence rurale. Paris: EHESS, 1961, e Ladu-
rie, Paysans du Languedoc, op. cito
23 F. Braudel, Siructuresof Everyday Life: TheLimits of Possible. Londres: Collins, 1981 [ed.
bras.: Civilização material, economia e capitalismo - séculos XV-XVIll, v. I, As estruturas do
cotidiano. São Paulo : Martins Fontes, 1995]. O livro é uma versão do primeiro volum e
de Civilization and Capitalismo

IGGERS 349
reram no pensamento histórico durante o século xx, mas deram a elas um
cunho próprio. Como eles exerceram grande influência sobre a escrita
histórica no mundo todo no século xx, acabaram também contribuindo
para mudanças na perspectiva histórica. Podemos) talvez} identificar qur
tro fases na historiografia dos Annales que refletem as quatro gerações de
historiadores desde os primeiros trabalhos de Febvre, mas não se pode es-
quecer que cada geração}por sua vez} sofreu alterações em sua visão} alte-
rações essas que refletem mudanças no ambiente intelectual no qual traba-
lhavam. Assim} os primeiros trabalhos de Febvre têm semelhanças com os
trabalhos de historiadores franceses e alemães que tentavam escrever uma
história social e econôrnica integrada de uma região geográfica e histórica
sem ignorar os aspectos políticos. A geografia é um segmento importante
da historiografia dos Annales) mas aparece sempre como uma "geografia hu-
mana', ciente da interação entre a cultura e o espaço físico. Por exemplo,
em L'Histoire rurale française (1931)24 - no qual Bloch reconstrói o modo
como a terra era utilizada na Idade Média e analisa as consequências cul-
turais resultantes desse uso) que ficam evidentes em fotografias aéreas -) o
autor inicia a tradição de interesse por fatores materiais. É notável em mui-
tos trabalhos dos Annales a grande atenção dada aos fenômenos religiosos,
vistos por um olhar antropológico como parte de uma mentalidade coletiva.
O empenho em entender os pensadores religiosos da virada da moderni-
dade é especialmente evidente na preocupação de Febvre com as crenças
de Lutero e com a suposta descrença de Rabelais. A tradição da antropolo-
gia cultural francesa ) de Marcel Mauss e Lévy-Bruhl a L évi-Strauss, adqui-
riu função cada vez mais importante no pensamento de Febvre, assim como
a abordagem linguística e semiótica. Para Febvre, a questão da descrença
no século XVI não é primordialmente relacionada às ideias que Rabelais e
outros articulavam. Ela é} na verdade} uma das "ferramentas mentais" com
as quais eles trabalhavam) da qual a linguagem é a principal. Este estudo)
portanto) possui aspectos arqueológicos. A linguagem) nessa visão) é menos
uma criação consciente de homens e mulheres que a falam do que um sis-
tema interligado de significados dentro do qual cada geração nasce) e que
molda seus processos mentais.

24 M arc B1och, Les Caracteresoriginaux de I'IJistoire ruralefrançaise. Paris: Armand Co lin, 19 31.

350 FRAN ÇA : OS AN NALES


Nesse sentido, a linguagem também faz parte do mundo material. Mas
o materialismo de Febvre e Bloch é muito diferente do de Marx. A filosofia
da história de Marx demonstra tendências especulativas muito comuns nos
escritos sobre filosofia da história no século XIX. Quando Bloch reflete sobre
a tecnologia, seja o moinho ou o arado, l 5 ele analisa esses objetos com os
quais as pessoas trabalham em outra sociedade como chave para entender
os seus modos de pensar e viver. Mais importante do que a economia para a
compreensão de uma sociedade é a semiótica, como vemos em Os reis tau-
maturgos e A sociedade feudal, e também no livro que Febvre escreveu sobre
Rabelais, pois toda cultura é um sistema de significados que se expressa atra-
vés da linguagem e do simbolismo. O próprio Febvre refletia as mudanças
que ocorriam no clima intelectual de sua época. Seu livro sobre Rabelais, for-
temente norteado pela semiótica, não poderia ter sido escrito três décadas
antes, quando seu trabalho sobre o Franco-Condado surgiu, em 1911 - um
livro que, por sua vez, refletia o universo muito mais transparente da história
econômica e social típicas da virada do século.
Comparada às obras de Bloch e Febvre, a de Braudel parece muito menos
sutil. A ideia de que o mundo exterior, visto por ele como a junção de clima,
biologia e tecnologia, delimita à risca o que homens e mulheres podem fa-
zer prevalece muito mais em seus escritos do que nos de Bloch e Febvre.
O significado básico da longue durée é que existem poucas mudanças, ao
longo do tempo, naqueles aspectos da vida que importam. É claro que Brau-
deI não nega o impacto de gostos, ideias e atitudes. Daí vem seu interesse
por moradia, vestimentas e alimentos, vistos não apenas como elementos
de subsistência, mas também como parte da cultura material, expressa por
meio da arquitetura, decoração, moda e culinária. Braudel abre caminho
para a história quantitativa dos anos 1960 e 1970 sem ser ele próprio um au-
tor do quantitativo. Em sua história econômica da França, que escreveu com
o historiador económico Ernest Labrousse, l6 ele demonstra seu interesse
pelos grandes ciclos recorrentes que determinam a atividade econômica por
décadas e séculos. A economia) portanto, se torna uma ciência, mais pró-

25 Id., "lhe Advent and Triumph of the Watermill", in Land and Work in Medieval Europe:
SelectedPapeis. Berkeley: University of California Press, 1967.
26 Ernest Labrousse, Histoire économique et sociale de la France. Paris: PUF, 1970-80, 4 v.

IGGERS 351
xima daquela praticada por economistas políticos clássicos do que da eSCllia 1
alemã, mas sem a fé que esses economistas têm na persistência e desejai»-
dade do crescimento. I
Nos anos 1960, o fascínio por quantificações, que marcava as ciências s0-
ciais, também atingiu os Annales. Cada vez mais, eles queriam ser cientistas,
Muitas vezes, chamavam seus centros de pesquisa de laboratórios, e falavam
da história como uma ciência - uma ciência social, sem dúvida, mas ainda . .
sim uma ciência, que devia trabalhar quantitativamente se pretendia de fato
ser considerada científica," Nos anos 1960, boa parte dos estudos de história
social na França fundamentava-se na quantificação, como os estudos demo-
gráficos já citados, que, baseados em um grande volume de dados, buscavam
apresentar uma "história total" (histoire totale) de uma região. Esses estudos
abordam questões mais amplas sobre a sexualidade, analisando dados esta-
tísticos gerados a partir de arquivos paroquiais sobre comportamento rege-
nerativo. Talvez o estudo quantitativo mais ambicioso dos anos 1960 seja
Les Paysans du Languedoc (1966), de Le Roy Ladurie. Por longos trechos, o
livro é uma "história sem pessoas",28 uma análise estatística da relação entre
longos ciclos de crescimento populacional e preços dos alimentos, alimen-
tada por pressuposições malthusianas. Ladurie lançou o livro no mesmo ano
em que publicou sua história do clima desde o ano 1000,29 para o qual ele
estudou os anéis dos troncos das árvores, também demonstrando sua prefe-
rência por dados concretos.
Mas Les Paysans du Languedoc paradoxalmente também representou um
desvio da "história sem pessoas " - um termo inventado de Le Roy Ladurie -
e seguiu em direção a uma nova história da consciência. A história da cons-
ciência sempre foi importante para os Annales. A sociedade feudal também
foi, numa versão mais simples, uma história da consciência, na qual Bloch
analisou um sistema social e as atitudes e pontos de vista pelos quais esse

27 Ver Emmanuel Le Roy Ladurie, 'Ihe Territory of the Historian . Chic ago: University
of Chicago Press, 1979 [ed. orig.: Le Territoire de Yhistorien. Paris : Gallimard, 1973) ;
François Furet, "Quantitative History", in Felix Gilbert (org.), Historical Siudies Today.
Nova York: Norton, 1972; Pierre Chaunu, Histoire quantitative, histoire s érielle. Paris :
Colin, 1978.
28 E. Le Roy Ladurie, op. cit., p. 285.
29 Id., Histoire du climat. Paris: Flammarion, 1967.

352 FRANCA: OS AN NALES


sistema se expressava. Nos livros Centuries of Childhood (1960)30 e The Hour
of Our Death (1981)/1 Philippe Ariês explorou as mentalidades europeias do
início do período moderno, fundamentando seus estudos em fontes literá-
rias e artísticas. Assim começou uma tradição, na terceira geração dos Anna-
les, de histórias da mentalidade, especialmente na obra de Robert Mandrou,
Jacques Le Goff e Georges Duby, que investigaram atitudes populares num
contexto económico e social. Mandrou escreveu sobre bruxaria e o início
do pensamento capitalista dos Puggers;" Le GOff33 e Duby> se dedicaram a
temas religiosos, comerciais e militares da vida medieval. A arte e a literatura
se tornaram fontes importantes para a reconstrução de mentalidades, as-
sim como tinham sido úteis para Bloch. O fascínio pelo computador trans-
formou o estudo das mentalidades. De fato) a "história das mentalidades",
como era estudada por Pierre Chaunu" e Michel Vovelle." teve origem na
pressuposição de que só seria possível fazer uma reconstrução de mentali-
dades se as análises fossem feitas a partir de um grande volume de dados)
como testamentos, que informavam os historiadores sobre como as socieda-
des viam a morte e a religião. Nessa guinada em direção à quantificação, os

30 Philippe Afies, L'Enfant et la viefamiliale sous I'ancienrégime. Paris: Plon, 1960. Em inglês,
Centuries of Childhood. Nova York: 1965.
31 Id., L'Homme devant la morto Paris: Seuil, 1977. Em inglês, The Hour of Our Death. Lon-
dres: Vintage Books, 1981.
32 Robert Mandrou, Magistrats et sorciers en Francedu XII' siêde. Paris: Plon, 1968j Les Fug-
gers, propriétairesfonciers en Souabe 1500-1618, Étude de comportementssocio-économique
à lafin du XVI' siécle. Paris: Plon, 1968.
33 Jacques Le Goff, Time, Work and Culture in the Middle Ages, op. cit., The Birth ofPurga-
tol)'. Londres! Chicago: lhe University of Chicago Press, 1984 [ed. orig.: La Naissance
du purgatoire. Paris: Gallimard, 1981].
34 Por exemplo, Georges Duby, The Knight, the Lady and the Priest: TheMaking ofModern
Marriage in Medieval France. Chicago: University of Chicago Press, 1993j The ThreeOr-
dersoj Feudal SocietyImagined. Chicago: University ofChicago Press, 1982. Sobre a bata-
lha de Bouvines e seu papel na memória histórica da França, ver The Legend ofBouvines.
Berkeley: University of Califomia Press, 1990.
35 Ver Pierre Chaunu, La Mort à Paris aux XVI', XVII' et XVII' siicles. Paris: Fayard, 1978; e
"Hístoíre quantitative ou histoire sérielle". CahiersVilfredo Pareto. Genebra: Droz, 1964.
36 Michel Vovelle, Piété baroqueet déchristianisation. Attitudes provençales devant la mort au
siécle des Lumiêres. Paris: Plon, 1973; e também Idéologies et mentalités. Paris: Maspero,
1982 Em inglês, Ideologies and Mentalities. Chicago: University of Chicago Press, 1990.

IGGERS 353
historiadores do s Annales não ap ontaram no vo s caminhos, ma s se fizerac
presentes no que se tornara um m ovimento forte nas pe squisas de hi st óri
-ci ên cia social. A qu antificação não foi fruto dos Allnales, ma s tinha U iT
base firme na s tradições, com ênfa se nos fundamentos m ateriais da cult ura
Contudo, essas me sm as trad içõe s, nas suas ab ordagens ant ropológicas, tan
bém apontavam em direção a uma hi stória da consciên cia) que era aberta 1
questõe s existenciais e exp erienciais da vida . Les Paysans du Languedoc i-e
um livro representativo do uso de modelo s teóricos na hi stória quantitativa,
M as ao me smo tempo co ntém uma reconstrução narrativa muito dramáti -,~
do ma ssacre de católicos na s m ãos d e protestantes no Carnaval de Rorn an
em 1580 , que o autor explica, em parte, como o resulta do de p ressõe s de-
mográficas e econ óm icas que se deram entre uma classe de burgueses P [(~
te stantes e as classe s de camponeses e artífices empob recidos. Mas a lut..
em si foi feita de açõ es simbó licas agressivas, repl eta s de insinuações sexuais
que só poderiam ser compreendidas por meio da psican álise. Ne sse case
demografia e econ om ia foram subs tituídas, ou ao menos reforçadas, pel a s:"-
miótica e pela psicologia profunda. A demanda por uma história que desse
conta das expe riências existenciais de seres humanos, e a atitude crítica 2.
uma abo rdagem de hi stória-ciência social, qu e se concentrava em estruturas
e processo s) expressou -se na descoberta pelos hi storiadore s do s Annoles da
história do cotidiano. Nove anos depois de Les Paysans du Languedoc, Le
Roy Ladurie escreveu Montaillou [197SJ, que trata de uma pequena ald eia
no sul da Fran ça, cujos habitantes foram investigados pel a Inquisição, no sé-
culo XIV, por suspeita de heresia. Por meio de depoimentos dos camponeses,
o autor tenta reconstruir os detalhes mais íntimos e particulares da vida e do
pensamento de pe ssoas comuns.
A terceira geração de hi storiadores do s A nnales já est á aposentada ou
quase, tendo viv id o o entusiasmo geral pela ciência so cial quantitati va
incontestável e, então, como no caso de Ladurie, adotado a antropol ogia
hi stórica. Na quarta gera ção, que inclui Jacques Revel, André Burguiere e
Bernard Lepetit, diluiu-se a ideia de uma ori entação esp ecífica para os A n-
nales, e sua h istoriografia agora está seguind o caminhos variad os. Indica-
tivo das mudanças que estão ocorrendo nos Ann ales é a mudança de seu
sub título de Économies, Soci ét és, Civilisaiions para Histoire, Sciences Sociales.
Q sub título anterior enfatizava todos os intere sses, ma s refletia a tendência
contra a hi stóri a política. Essa tendência também incluía uma preferência

354 F RA N ÇA OS ANN AL f S
por estudar sociedades mais simples, pré-modernas) que) em comparação
às sociedade s mai s complexas) industriais e p ós-industriais) facilit avam a
aplicação dos m étodos etnológicos.
Na verda de, os A nnales já foram até mesmo criticados por não saber lidar
com a Era Moderna. De fato a histo riografia do s A nnales se concentra na
Idade Média e no Antigo Regime) mas o grupo nunca ignorou por completo
a Era M oderna, No s ano s 1930) discuti ram os problemas da sociedade indus-
trial moderna nas cidades grandes) tanto no mundo desenvolvido qu anto
no s países que na época eram col ónias." Vários artigos discutem fascismo)
bolchevismo e o New Deal, mas para grand e surpresa nenhum tr ata do na-
zism o. L'Étrange défait e foi uma reconciliação importantíssima com a Ter-
ceira República. Muitos estudos import antes sobre a socieda de franc esa
do século X IX sur giram nos an os 19 50 e 19 6 0 , incluindo La Bourgeoisie pari-
sienne de 1815-1848/ de Adeline Daumard, Cr édit lyonnais de 1863 à 1882,39 de
Jean Bouvier, Les Bourgeois conquérants,4 0 de Charles Moraz é, e Classes labou-
rieuses ei classes dangéreuses à Paris pendantla premiére moitiédu X l xe" iC si écle;"
de Louis Chevalier, este último publicado fora do grupo dos Annales. A pri-
mazia das categorias econômica e sociológica nesses livros foi totalmente
substituída pelas preocupações antropológicas de Maurice Agulhorr" e
Mona OZOU( 4J que examin aram as tradi ções republicanas por meio de seus
símb olos. Dur ante várias décad as, Marc Ferro con centrou sua atenção no

37 Ver L. Raphael, "lhe Present as a Challenge to the Historian: lhe ContemporaryWorld


in the Annal es d'Hi stoire Économique et Sociale", Storia della Storiografi a, n. 21, 1992,
pp. 25-44·
38 Adeline Daurnard, La Bourgeoisie parisienne de 1815-184 8. Paris: SEVPE:lI, 19 63.
39 J ean Bouvier, Cr édit lyonnais de 186] à 1882. Paris: Flamrnaríon, 1963.
40 Charles Morazé, Les Bourgeois conquérants. Paris: Armand Colin, 1957 (re ed. Bruxelas:
Complexe, coI. Historique, 1985) [ed. bras.: Os burguesesà conquista do mundo, 1780-1895,
trad. Maria Antonieta Magalhães God inho . Rio de Ja neiro : Cosmos, 1965].
41 Louis Che valier, Classes iaborieuses et classes dangereuses à Parispendant la prenziere moi-
ti édu XIX ' siecle. Paris: Plon, 1958.
42 Maurice Agulhon, La Républioue au vil/age. Paris: Plon, 197 0. Sobre o simbolismo polí-
tico) ver tamb ém M arianne au combato Paris: Flammarion, 197 9.
4 3 Mona Ozouf, La Féte r évolutionnaire. Paris: Gallimard, 1976 .

IGGERS 355
século xx, estudando a Primeira Guerra Mundial" e a Rússia bolchevique.s
Desde a metade dos anos 1970, François Furet vem se dedicando a fazer uma
história da Revolução Francesa que rejeita as categorias marxistas de classe
e dá destaque à política, ideias e cultura."
O que se mantém distintivo nos escritos dos Annales no que diz respeito
aos estudos sobre o mundo moderno e contemporâneo é a dedicação à coi-
tura e a símbolos para compreender as tradições políticas modernas, como
nos volumes de Les Líeux des mémoíres (1984-86)/7 um trabalho coletivo
sobre os símbolos, monumentos e santuários da modema consciência na-
cional francesa. Apesar de os Annales serem um movimento profundamente
enraizado nas tradições acadêmicas francesas, talvez nenhum outro movi-
mento acadêmico no século xx tenha tido tamanho impacto internacional
ao servir de modelo para novos caminhos na investigação histórica da cul-
tura e da sociedade. Sua influência se estendeu até mesmo aos países socia-
listas, onde os historiadores perceberam que os métodos dos Annales pro-
porcionavam acesso mais aberto à cultura material e aos fatos do dia a dia
do que o marxismo dogmático. Por isso surgiram livros na União Sovética
como Categoríes ofMedíeval Culture." escrito em 1971 por Aaron Gurevich.
O livro evita a linguagem e o esquema marxistas da história e se constrói a
partir da tradição de Marc Bloch. Gurevich não foi o único: nos anos 1980,
um pequeno mas significativo grupo de historiadores inspirados nos Anna-
les começou a se formar na União Soviética. Na Polônia, onde os livros bá-
sicos de Bloch, Febvre e Braudel começaram a ser publicados nos anos 1970,
o impacto dos Annales foi ainda maior," Por sua vez, os Annales publicaram
trabalhos dos mais importantes historiadores econômicos e sociais da Polô-

44 Marc Ferro, La GrandeGuérre 1914-1918. Paris: 1969 [ed. port.: Agrande guerra: 1914-1918,
trad. Stella Lourenço. Lisboa: Edições 70, 1990]'
4S Id., La Révolution russe de 1917. Paris: Flammarion, 1967 [ed. bras.: A revoluçãorussa de
1917, trad. Maria P. V. Resende. São Paulo: Perspectiva, 1974].
46 François Furet, Penser la révolution française. Paris: Gallimard, 1978. Em inglês, Interpre-
tingthe FrenchRevolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
47 Pierre Nora (org.), Les Lieux desmémoires. Paris: Gallimard, 1986.
48 Aaron Gurevich, Categories of Medieval Culture. Londres: Routledge, 1985.
49 Ver Georg G. Iggers, New Directions in European Historiography. Middleton: Wesleyan,
1984, pp . 138-42.

356 F RA N ÇA ; OS A N NA L ES
Dia. o que sem dúvida contribuiu para sua influência foi o fato de que, por
um lado, os historiadores dos Annales estavam comprometidos a ter o que
entendiam como uma abordagem científica ao passado histórico, e, por ou-
tro, trabalhavam com concepções de história e de sociedade que eram muito
mais amplas e abertas do que a visão de outra historiografia norteada pelas
ciências sociais no Ocidente, ou o marxismo oficial no Oriente.
A complexidade e o pluralismo de suas abordagens, contudo, também
gerou sérias contradições na sua temática. Assim, como vimos, especial-
mente nas três décadas que se seguiram à Segunda GuerraMundíal, muitos
historiadores dos Annales ficaram fascinados pelas abordagens das ciências
sociais, que prometiam um conhecimento seguro e objetivo. A importância
que Braudel atribui a estruturas resistentes e às bases materiais da cultura
não estava a salvo do cientificismo, Por outro lado, como também vimos,
havia uma tradição firmemente representada por Bloch, Febvre até Le Goff
e Duby, que se baseava fortemente em fontes como arte, folclore e hábitos,
e portanto encorajava modos de pensar mais sutis e qualitativos. Os traba-
lhos desses historiadores ajudaram a diminuir a distância entre história e
literatura. Sua forte abordagem antropológica contribuiu para evitar que as
principais correntes historiográficas dos Annales sucumbissem ao cientifi-
cismo típico de boa parte do pensamento das ciências sociais. Ao longo de
sua história, os Annales se mantiveram notavelmente livres da confiança ex-
cessiva na superioridade da civilização ocidental e sua construção com base
na ciência e tecnologia, e livres também dos conceitos de modernização tão
importantes para a teoria das ciências sociais. Ao contrário, se concentra-
ram intensamente no mundo pré-moderno. Talvez isso ajude a explicar o
interesse repentino nos Annales, depois dos anos 1970, por parte do resto do
mundo, dado o momento de questionamento das principais pressuposições
da história-ciência social.

Publicado originalmente como "France: The Annales", in Georg G. Iggers, Historio-


graphy in the Twentieth Century: From Scientific Objectivity to the Postmodern Chal-
lenge [1993]. Hanover (NH): University of New England, 1997, pp. 51-64. Tradução de
Luiza Mello Franco.

IGG ERS 357


I. o " FI M DA HISTÓRIA"?

Nos últimos anos} ouve-se com frequência que estamos vivendo uma era
pó, -his t órica, que a história}tal como a conhecemos, chegou ao fim,' O que
e quer dizer com isso não é}obviamente}que o tempo parou, mas que não
é mais possível criar uma grande narrativa que dê coerência e sentido à his-
tória. Vem sendo questionada a ideia central da fé judaico-cristã, desde a
antiguidade bíblica} de que a história tem uma direção e fins transmundanos.
O Iluminismo secularizou essa fé} e inseriu o eschaton histórico dentro do
próprio processo da história humana. Celebrou a civilização do Ocidente
moderno como o ponto alto} e quase a realização de uma ordem social dese-
jável} em que a liberdade humana e a cultura seriam garantidas. Mais recen-
temente} Francis Fukuyama reiterou essa crença otimista.'
O século XIX foi o ápice da fé nos benefícios do desenvolvimento his-
tórico} mas ao mesmo tempo marcou o início de uma incerteza profunda
sobre a qualidade da cultura moderna. As primeiras vozes críticas a se pro-

Ver Lutz N iethammer, Posthistoire: Has H istory Come to an End] Lond res: Verso Books,
199 2 .
2 Francis Fukuyama, TIlC End 01 H istory and ihe Last 1111all. Nova York: Free Press, 19 9 2.

IGGERS 359
nunciar vinham daqueles que suspeitavam das próprias noções de racions.
lidade científica, de progresso técnico, de direitos humanos, tão altamente
valorizada pela civilização do século XIX. Eram não só pensadores nostâ-
gicos de um mundo pré-moderno, pré-industrial, mas também aqueles qor
queriam ir além desse mundo. Essa crítica, muitas vezes antidemocrática, se
voltava contra a visão de um mundo no qual o Iluminismo libertaria 1»-
mens e mulheres da maldição antiquíssima da subordinação, da pobreza e
da violência. O que perturbava Kierkegaard, Nietzsche, Burckhardt, Dos-
toiévski e Baudelaire era menos a violência e a injustiça inerentes ao mundo
europeu moderno, que tanto perturbara outros pensadores como Alexandre
Herzen, do que o que sentiam ser a vulgarização dos valores no processo de
massificação e o declínio do heroísmo que a acompanhava. Às vésperas das
revoluções de 1848, Kierkegaard lamentou que o homem tivesse perdido a
capacidade para a violência heroica.' Elites antiquadas haviam sido elimi-
nadas em meio às transformações políticas e sociais que criaram o mundo
dos negócios do século XIX, supostamente sem que novas elites cultural-
mente criativas as substituíssem. Um grupo cada vez maior de pensadores
via a ciência e a tecnologia como as consequências finais de um processo
de racionalização que destruía os elementos míticos e poéticos que davam
sentido à vida, processo que agora confrontava o homem com o nada e o ab-
surdo da existência. Procedendo desse pessimismo com relação à civilização
moderna, o pensamento histórico seguiu em duas direções contraditórias:
uma era conscientemente elitista e antidemocr ática; seus representantes tar-
dios, tais como Ernst ]ünger e Carl Schmitt, fantasiariam sobre a renovação
de uma comunidade nacional (Volksgemeinschaft) num mundo de guerra
tecnológica e de violência. A outra incluía pensadores que vieram depois
de 1945, que sem dúvida rejeitavam essa atitude elitista, mas que utilizaram
muitos dos argumentos contra a ciência e a tecnologia como parte de suas
críticas ao capitalismo. Eram pensadores que viam na ciência e na tecnologia
instrumentos para a destruição de um mundo humanitário.
Nesse processo, perderam credibilidade ideias de importância crucial
para a concepção moderna de história. A leitura da história que emergiu
no século XVIII e se tornou dominante no século XIX se baseava em várias

3 Seren Aahye Kierkegaard, lhe Present Age. Nova York: Harper Torchhooks, 1962.

360 ÚLTIMA S OBS ERVAÇÕES


suposições. Uma delas era a de que havia uma história) die Geschichie, que
permitia uma narrativa contínua do desenvolvimento histórico. Em 1824,
Ranke havia) ainda assim) intitulado seu primeiro livro de Histories ofLa-
tin and Germanic Peoples, em que pese) na verdade, o fato de ter criado
uma grande narrativa) que relatava o surgimento do sistema de Estado
moderno na virada do século XVI. Outra ideia importante era a de que
existiam certas instituições-chave) principalmente o Estado) que tinham
papel central na narrativa. J. G. Droysen fazia distinção) portanto) entre
"hist ória" (die Geschichte) e "transações" (Geschiifte).4 Esta última dava
conta dos vários aspectos da vida cotidiana e das pessoas consideradas
irrelevantes para o grande fluir da história. Finalmente) como já foi dito)
havia a forte crença) defendida por Hegel) Ranke, Comte, Marx e mui-
tos outros) de que havia tão somente uma cultura e sociedade verdadeira-
mente histórica) a do Ocidente.
Todas as três noções sucumbiram à crítica do século xx. A ideia da uni-
dade da história foi questionada relativamente cedo no século xx por Os-
wald Spengler,' Arnold Toynbee." entre outros que queriam escrever uma
história comparativa das "altas culturas". Mas essa distinção entre povos "ci-
vilizados" e "primitivos" foi rejeitada pela antropologia cultural, assim como
a imagem de "Povos sem hist ória"? E) cada vez mais, grupos da população
que haviam sido ignorados pelos historiadores requisitavam seu lugar na
história. O foco da história foi) portanto) expandido para incluir não apenas
os centros de poder) mas também as margens da sociedade) promovendo o
nascimento da micro-história e da noção de múltiplas histórias. Ainda assim)
reconhecer que não é mais possível encontrar uma grande narrativa que dê
direç ão à história não quer dizer que a história) como muito se diz, perdeu
todo o sentido. A história continua a ser um veículo poderoso para grupos e
pessoas definirem suas identidades. No lugar de um só processo significativo,

+ J. G. Dro ysen, Outlineof the PrincipiesofHistory. Boston : Boston, Ginn & Co., 1893.
5 Oswald Spengler, TheDecline of the West. Nova York: Knopf, 1926-28, 2 v.
6 Arnold Toynbee, A Study Df History. Nova York /Londres: Oxford University Pre ss,
1947-57,10 v. [ed, bras.: Um estudo da história, trad. Isa Silveira Leal e Miroel Silveira,
2~ ed. Brasília/São Paulo: uxa/Martíns Fontes, 1987] .
7 Ver Eric Wolf, Europe and the Peoplewithout History. Berkeley: University of California
Press, 1982.

IGGERS 361
há agora um pluralis m o de narrativas qu e tocam exp eriências existenci ais Ó ~
vida de muitos grupos diferentes.
Emb ora este livro argume nte a favor da legitimidade da mi cr o-hist óri ~
também m ostrou com o ela nunca pôd e escap ar ao fun cionamento de estru-
turas ma iores e transformações em que essa história se situa. Como vim os
qu ase todo s os micro -historiadore s se confro ntara m com processos de mo -
dernização por causa do seu impacto no s pequen os grupos sociais aos qu ais
esses histo riadores se dedicaram. O conceito de modernização perdeu seu,
aspectos normativos, mas ainda assim continua a denotar processos que são
op erativos no mundo moderno. O historiador é ciente do quanto a mod er-
nização nã o é um processo unitário) mas sim que se expressa de maneira
diferente em contextos sociais com tradiçõe s culturais diversas. No melhor
dos caso s) a modernização se torna um tipo id eal por m eio do qu al mudan-
ças concreta s podem ser comparadas a condições concret as. Co ntudo, o
estad o atual de consc iênc ia histórica, longe de ter dad o "fim" à história, ge-
rou uma sofisti cação cada vez maior, em que tanto o contexto m ais amplo
quanto as diversidades individuais têm o seu lugar.

II . O FIM DA HISTÓRIA COMO UM EMPREENDIMENTO ACADÊMICO?

Nosso levantamento dos estudos históricos no século xx tentou mostrar que,


embora o "nobre sonho" da objetividade histórica tenha caído por terra, isso
de maneira alguma provocou o declínio da pesquisa histórica séria. Ao con-
trário, gerou a diversificação de abordagens e aumentou a sofisticação dos
estudos. Certas coisas vêm se tornando cada vez mais óbvias. Já se modificou,
há tempos, a confiança que tinham historiadores profissionais, posteriores
a Ranke, de que a imersão nas fontes produziria uma percepção do passado
que correspondesse à realidade. Ainda assim, os historiadores não abriram
mão do compromisso com a honestidade hi stórica que inspirou Ranke e
seu s colegas. Na medida em que os historiadores recentes foram percebendo
os limites da objetividade, eles se tornaram}de certa forma, ainda mais cien-
tes dos preconceitos que comprometem sua honestidade do que era a escola

8 Ver Peter Novick, That Noble Dream. Cambridge: Camb ridge University Press, 1988_

362 Ú LTIM AS OBS ERVACÕES


"'científica" na tradição rankeana, que trabalhava na ilusão de que o conheci-
mento objetivo era possível. Em muitos sentidos} a história enquanto "ofí-
cío" preservou muitos dos procedimentos metodológicos nos quais a antiga
história se baseava. Historiadores ainda vivem em meio a fontes} e o aparato
crítico com o qual as abordam ainda é}de muitas maneiras} o mesmo. Con-
tudo, vemos essas fontes com mais cautela. Tornamo-nos mais conscientes
do fato de que elas não ditam a realidade diretarnente, mas são elas mesmas
elaborações narrativas que reconstroem essa realidade} não de qualquer jeito}
mas guiadas por conclusões acadêmicas e por um discurso acadêmico.
O escopo de estudos históricos aumentou dramaticamente nas últimas
décadas - não apenas em relação aos grupos e às pessoas estudadas} mas
também aos temas e às questões que interessam aos historiadores. Os te-
mas} que com frequência tocam aspectos existenciais da vida}demandaram
novas estratégias de estudo que} como vimos} enfatizaram a interpretação
de relações importantes que perderiam seu valor qualitativo se fossem sub-
metidas a categorias analíticas impessoais. Aqui entram a imaginação e a
empatia} mas esta é uma imaginação} como disse Natalie Davis} guiada pe-
las "vozes do passado'i" A atitude crítica em relação à racionalidade cientí-
fica levou alguns historiadores a negar qualquer diferença essencial entre
história e ficção. Vários autores argumentam que a história é indistinguí-
vel do mito} e que a tentativa dos historiadores, desde a profissionalização
desse ofício} de abandonar a retórica e substituí-la pela pesquisa acadêmica
é um erro que deve ser revertido," Frank Ankersmit argumenta que os his-
toriadores deveriam reconhecer francamente que seu discurso é metafórico}
e que a coerência não tem como fonte "a realidade"} mas "a linguagem que
usamos para falar sobre ela'." Peter Novick comentou} muito corretamente,
a meu ver} que a objetividade é inalcançável na história. O historiador não

9 Natalie Davis, TheReturn ofMartin Guerre. Cambridge (MA): Harvard University Press,
1983 [ed, bras.: Retorno deMartin Guerre, trad . Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987].
10 Ver a apresentação de Hans Kellner, ainda não publicada, no Congresso de Ciências
Históricas, em Montreal, em 1995. Ver também seu livro Language and Hisiorical Repte-
sentation: Gettingthe Story Crooked. Madison: University ofWisconsin Press, 1989.
11 F. A. Ankersmit, "Historicism: An attempt at Synthesis". Historyand Theory, n. 34, 1995,
p.lSS ·

IGGERS 363
pode almejar nada mais que a plausibilidade." A plausibilidade não se ba-
seia na invenção arbitrária de um relato histórico, mas envolve estratégias
racionais para determinar o que, de fato, é plausível. Ela presume que a
narrativa histórica relata uma realidade histórica, não importa o quão com-
plexo e indireto seja o processo por meio do qual o historiador se aproxima
dessa realidade. Assim, embora muitos historiadores tenham levado a sério
linguística, semiótica e teoria literária, na prática, eles não aceitaram a ideia
de que os textos com os quais trabalham não têm nenhuma referência com
a realidade. Certamente todo relato histórico é uma construção, mas uma
construção que vem do diálogo entre o historiador e o passado, que não
acontece num vácuo, mas dentro de uma comunidade de mentes inquisití-
vas que compartilham os critérios da plausibilidade.

III. O FIM DO ILUMINISMO?

A dúvida radical no nosso século a respeito da possibilidade da investiga-


ção racional da história é, como sugerimos, fortemente ligada ao descon-
forto crescente com a sociedade e a cultura modernas. Essa sociedade tem
sido considerada herdeira do iluminismo. O Ilum inismo foi entendido, a
princípio, como um compromisso com a libertação do ser humano de li-
mitações arbitrárias por meio da reflexão racional, para permitir que cada
indivíduo desenvolvesse suas potencialidades livremente. Em discussões
pós-modernas, o Iluminismo se tornou o bode expiatório, responsável
não apenas por esvaziar o mundo de- sentido como também por criar as
ferramentas tecnológicas e administrativas para dominar os seres huma-
nos. O pensamento pós-moderno se firmou sobre uma tradição de um sen-
timento anti-iluminista que remonta aos pensadores oitocentistas, conser-
vadores e românticos antimodernistas do fim do século XVIII e começo do
século XIX. De lá, há um caminho que passa por Nietzsche e Heidegger e vai
até a direita radical dos anos 1920 e 1930.
Mas já nos anos 1940 aspectos importantes dessa crítica foram apropria-
dos por pensadores como Max Horkheimer, 1heodor Adorno e Herbert

12 P. Novick, op. cito

364 Ú LTI MAS OBS ERVAÇÕES


Marcuse, que aplicaram conceitos marxistas de alienação e mercantilização
à crítica da cultura moderna. Esses pensadores argumentavam que o Ilumi-
nismo' que havia tentado abolir o mito para, desse modo, libertar os seres
humanos, acabara por criar o novo mito de que a análise científica poderia
compreender, e, por meio da tecnologia, poderia obter controle sobre a na-
tureza e o ser humano. Partindo de uma análise marxista, eles argumentam
que, por trás da proclamação iluminista a favor dos direitos humanos, es-
condia-se uma ordem hierárquica, social e económica, e consequentemente
política, baseada nos direitos da propriedade. O grande defeito do Ilumi-
nismo, diziam eles, tinha raízes em sua visão distorcida da razão, que os fazia
ter como objetivo final a redução da verdade às formulações científicas, ou
seja, quantitativas," A crença na onipotência desse tipo de ciência constituía
um novo mito . Ao abandonar a preocupação com os aspectos qualitativos da
existência, o Iluminismo perdeu de vista a perspectiva crítica que é a essên-
cia da verdadeira ciência.
Essa caracterização do Iluminismo, reiterada mais tarde por Foucault,
Derrida e Lyotard, na minha opinião, representa uma distorção grosseira.
O Iluminismo indiscutivelmente teve muitos aspectos conflitantes. To-
mando Condorcet como um de seus representantes, buscou maximizar a
riqueza e o bem-estar por meio da aplicação sistemática do conhecimento
científico e do know-how tecnológico resultante à esfera da sociedade." Mas,
para Condorcet, com certeza a ciência e a tecnologia não eram fins em si
mesmos, mas meios para libertar o homem - e, para o autor, definitivamente
também as mulheres - do tormento da ignorância, da privação e da tirania.
Havia, de fato, uma dualidade no Iluminismo: o universalismo e a fé no pla-
nejamento racional e no controle, argumentou-se, continham as sementes
da utopia e do totalitarismo de radicais, de Robespierre a Lênin. Contudo, a
ênfase na autonomia do indivíduo esclarecido pressupõe oposição decidida
a todas as formas de autoridade arbitrária e de controle total .

13 Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, 'IheDialect ofEnlightenment. Nova York: Her-


der & Herder, 1972 [ed. bras.: Dialética do esclarecimento: Fragmentos filosóficos, trad.
Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006].
14 Jean-Antoine-Nicolas de Caritat, marquês de Condorcet, Sketchfor a Historical Picture
ofthe Progress ofthe HumanMind. Nova York: Noonday, 1955.

IGGERS 365
o caminho do iluminismo até Auschwitz foi infinitamente mais com-
plexo do que Adorno ou Foucault fizeram parecer, e também deve muito
ao antimodernismo daqueles que eram contrários a ele. A história desse
século nos ensinou muito sobre a ambiguidade das concepções iluminis-
tas de direitos humanos e racionalidade. O pensamento pós-moderno con-
tribuiu muito para discussões históricas contemporâneas ao nos advertir
sobre a utopia e os conceitos de progresso. Isso devia nos levar, entretanto,
não a abandonar ou repudiar a herança iluminista, mas a examiná-la criti-
camente. Essa também tem sido a intenção por trás da nova história social
e cultural examinada neste livro. A alternativa ao iluminismo, mesmo mo-
derado, é a barbárie.

Pub licado or iginalment e como "Concl ud ing Rema rks", in Georg G. Iggers, Historio -
graphy in th e Twent ieth Century: From Scient ific Object ivity to t he Post modern Chel-
lenge [1993]. Hanover (NH) : Universit y of New England, 1997, pp. 141- 47. Traduç ão
de Luiza Mel lo Franco.

366 ÚLTI M AS OBSERVAÇÕES


Da história sintética à história total. A Escola dos Annales tinha suas origens
naquilo que Henri Berr, na década de 1S90, entendeu ser o mal causado pela
inadequação da historiografia em relação à Era Moderna. Era um tempo que
clamava por uma disciplina de caráter científico que pudesse elaborar gene-
ralizações sobre as relações entre as vidas e os acontecimentos individuais,
englobar toda a vida, não apenas os assuntos e os homens de Estado, e ex-
plicar ou dar sentido sem que se precisasse recorrer à filosofia transcendente
ou a elementos teológicos. A fundação, por Henri Berr, da Revuede Synihêse
Historique deu início, na França, à busca por uma nova história, que passasse
a discordar da história acadêmica que prevalecia. Esta destacava a história
política e se amparava nos preceitos teóricos da Introdu ção aos estudos histó-
ricos, de Charles V. Langlois e Charles Seignobos.' O lugar de Berr como pio-
neiro da Nova História seria mais tarde assumido por Lucien Febvre e Marc
Bloch, que depois da Primeira Guerra Mundial deram aulas na Universidade
de Estrasburgo, até que fossem chamados a lecionar em Paris (Pebvre no
College de France, em 1933j Bloch na Sorbonne, em 1936). Em 1929, eles fun -

Charles V. Langlois e Charles Scignobos, Introduction to the Study of History [1É!98], trad.
G. G. Berry, Londres: Cass, 1966 [ed. bras.: Introdução aos estudos históricos, trad. Laerte
A. Morais. São Paulo: Renascença, 1946].

368 A ESCOLA DOS ANNA L ES


dar.un o periódico Annales d'Histoire Économique et Sociale, que se tomou o
ponto de encontro dos historiadores avançados. Bloch e Febvre rejeitaram o
que se poderia chamar de histoire événementielle - história dos acontecimen-
tos -, pois sua narrativa, de conteúdo essencialmente político, não era capaz
de alcançar a amplitude da realidade humana, ameaçando, desse modo, a
posição ocupada pela história entre as disciplinas que tratavam do estudo da
'rida humana. O público encontraria ali "um punhado de antiquários que em
nome de um amor mórbido destituíam os deuses mortos de seus véus; os
sociólogos, economistas e publicistas: estes são os únicos investigadores da
vida~2 Febvre também sabia o que era necessário ser feito : "Ahistória precisa
deixar de parecer uma necrópole adormecida, assombrada unicamente por
esquemas sombrios'i' O trabalho por uma história total requeria um amplo
repertório de interesses e métodos. Os historiadores precisam convidar seus
"companheiros e irmãos" das ciências sociais para trabalharem juntos, com
um único objetivo: ''Acab ar com todas as barreiras e r ótulosi '." Com as dis-
ciplinas atuando juntas, todos os acadêmicos logo poderiam reconhecer a
importância do tempo, percebendo que o estudo da vida humana deveria
ser histórico. A história, ao enfatizar as estruturas da vida, poderia mais uma
vez ocupar o centro da investigação, mais rica e ampla do que nunca.
O escopo mais abrangente, os temas complexos e a estrutura variada da
história total necessitavam de uma nova metodologia. Naquele momento,
a máxima tinha de ser: "O homem não pode ser separado em lâminas. Ele
é um todo. Não se pode dividir a história - aqui os acontecimentos, ali, as
crenças'.' A despeito de seu revisionismo desbragado, Febvre e Bloch não
eram exatamente adeptos da teoria da história. Como membro da Resis-
tência francesa, Marc Bloch escreveu um livro sobre o ofício do historiador.
Mesmo diante de circunstâncias desafiadoras, ele permaneceu calmo, racio-

2 Mare Bloeh, Apologiepour l'histoireouMétierd'historien. Paris: Armand Colin,1949, p. n ,


Em inglês, The Historian's Craft [1949], trad. Pet er Putnam. Nova York: Vintage Books,
1953 [ed, bras.: Apologia da história ou O ofício de historiador, trad. André Telles. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001].
3 Lucien Febvre, Combats pour l'histoire. Paris: Armand Colin,1953, p. 32.
4 Id., A New Kind of History: From the Writings of Febvre, ed. Peter Burk e, trad. K. Folca .
Londres: Routledge and Kegan Paul, 1973, p. 31.
5 Id., Pourune histoire à pari entiere. Paris : SEVPEN, 1962, p. 852.

BREISACH 369
nal e muito menos inflamado do que Febvre, cuja natureza passional nunca
se adequou aos moldes teóricos: era da opinião de que "falando em termos
gerais [ ... ] não é uma boa coisa para o historiador refletir muito sobre a
história. Sempre que o faz} seu trabalho empaca. E o filósofo (cujo trabalho,
a bem da verdade, é esse) cruza os braços. Isso faz que dois homem não
trabalhem'" Mas a praticidade do livro de Bloch o impressionou: "Este livro
é um sistema da história? Nem um pouco. Ele consiste em reflexões pseu-
dofilosóficas sobre a história? Não. Ele corrige conceitos falsos e obsoletos?
Talvez. Este livro é, acima de tudo, uma revisão crítica de modos incorretos
de pensar e praticar a hist ória'" Assim, havia um número considerável de
ingredientes teóricos na historiografia dos Annales, mas poucos livros sobre
teoria. Em seu Apologia da história,8 Bloch percebeu a teoricamente com-
plexa tarefa que os annalistes deveriam enfrentar, quando afirmou que os
historiadores precisavam ir além dos documentos escritos e orais, os quais
falavam apenas das intenções dos indivíduos, e utilizar um amplo conjunto
de fontes, possibilitando aos historiadores o entendimento de fatos sociais
passados, tal como as instituições.
Mesmo antes de 1945, os trabalhos de Febvre e Bloch anunciaram mui-
tos dos temas tratados posteriormente pela Escola dos Annales. Febvre
demonstrou uma aproximação da história total em Philippe II et la Pranche-
-Comté (1911), o valor do aspecto geográfico em seu La Terre et l'évolution
humaine (1922) e a importância das explicações psicológicas em Un Desiin:
Martin Luther (1928) e O problema da incredulidade no século XVI (1982).9
Bloch explorou a crença medieval no poder de cura do toque real no caso
da escrófula ( Os reis taumaturgos, 1924), mas, acima de tudo, lidou de modo

6 Id., citando Péguy, A New Kind of History, 0P' cit., p. 29.


7 Id., ibid., p. 31.
8 M. Bloch, ApologiepOlir l'lzistoire, op. cito
9 L. Feb vre , Philippe II et la Franche-Comt é. Paris: H. Cha m pi on, 1911; La T erre ri
l'évolution /lUma ine. Paris: Ren aissan ce du LiVTe, 1922; Un Destin: Martin Luth er. Paris:
Reid er, 1928j Tue Problem of Unbelief in ihe Sixteenth CentlllYJ the Religion of Rabelai,
[1942], tr ad. Beatric e Gottl ieb . Cambridge: Harvard University Press, 1982 [ed. bras.:
O problema da incredulidade rIo s éculo XVI : A religião de Rabelais, trad . Maria Lucia M a-
chado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009].

370 A ES COLA OCS ANNA LES


..iparativo e estrutural com o feudalismo (A sociedadefeudal, 1939 ).'0Seus
;.- :balhos tiveram impacto considerável nos estudos franceses sobre a Idade
f Iia, particularmente em Georges Duby.
N"a vitoriosa França do pós-guerra, muito da historiografia tradicional
__-.da era escrito à maneira historicista e segundo a tradição republicana
-~,c e s a . Com bons acadêmicos, como Roland Mousnier, da Sorbonne, e
: controle da Revue Hisiorioue, a influência da historiografia tradicional era
zin da considerável. Mas a memória amarga da derrota também criou o res-
entim en to da "velha" França e uma abertura à inovação que beneficiou a
~õ ' ola dos Annales. Febvre tornou-se o marechal das forças annalistes. Com
~gudo senso de organização política, construiu as bases para a preeminência
':0 5 Annales: a Sexta Seção da École Pratique des Hautes Études. O perió-
':ico) agora chamado A nnaies: Économies, Soci éiés, Civilisations, retomava a
?,ublicação. A revolução historiográfica transformou a Escola dos Annales,
inicialm ente um grupo marginal, no establishment da historiografia francesa.
Embora muitos trabalhos de equipe em projetas de longo alcance tenham
ocorrid o nos novos institutos de pesquisa, os melhores trabalhos foram rea-
lizados por individualidades inovadoras.
Embora a principal mensagem da Escola dos Annales não demonstrasse
adesão a grandes esquemas, ela era influenciada por um forte movimento
filosó fico e literário francês do mesmo período: o estruturalismo. Sua forma
operativa nos anos 1960 remontava à linguística de Ferdinand de Saussure,
que via a linguagem como um sistema manifesto na mente dos indivíduos.
Seus estudos não exigiam incursões no passado - estudos diacrônicos -,
mas apenas a análise dos sistemas linguísticas existentes, ou seja, os estudos
sin crô nicos. O significado de qualquer parte da língua e as mudanças daí
decorridas poderiam ser entendidos encontrando-se a posição da parte no
arranjo de todas as partes da língua. O todo não seria, de forma alguma, uma
entidade viva ou misteriosa referida a um significado transcendente, mas um

10 M. Bloch , Les Rois thaumaturg es. Estrasburgo /Londres /Nova York: Istra /H. Mil-
ford/ Oxford University Press, 19 2 4 [ed, bras.: Os reis taumaturgos: O carátersobrena-
tural do poder régio, França e Inglaterra, trad .Júlia Maina rd. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993J; La Sociétéf éodale. Paris: Albin Michel, 1939 [ed . port.: A sociedadefeudal,
2~ ed., trad. Liz Silva. Lisboa: Edições 7 0 , 2 001 ].

BREISACH 371
arranjo escolhido; uma permuta das partes segundo muitos arranjos possí-
veis. Ele representava o código que governava o pensamento e as ações do
grupo. Ninguém sabia por que aquele código específico tinha sido escolhido
entre muitos. Kant ainda pensava que suas categorias para o entendimento
dos fenômenos formavam um código válido para todos os seres humanos.
Mas ele vivera no mundo da física de Newton: cujas certezas há muito ti-
nham sido abandonadas. Não obstante) era verdadeiro que o código prece-
desse suas manifestações; as pessoas não escolhiam seus códigos livremente.
Do mesmo modo) os franceses estruturalistas) influenciados pela semiología
e sua interpretação da vida como comunicação) afirmavam: o código pre-
cede a mensagem.
L évi-Strauss transferiu os teoremas estruturalistas a uma disciplina que
nos ano s recentes adquiriu um relacionamento especial com a história: a
antropologia. Para ele) a vida social de um grupo era moldada por trocas
governadas pelo código especial do grupo; este) por sua vez) estava ligado
ao código universal de toda a vida humana) que estava ancorado 'em uma
natureza humana comum (fig. 1).
Neste esquema) os seres humanos desapareceram como ateres, de-
cidindo e decisivos. Toda a pesquisa estava agora dirigida à finalidade de
descobrir as estruturas intemporais) invisíveis e impessoais - as chaves do
comportamento humano. A estrutura do mundo humano tanto quanto o
objetivo da pesquisa tomavam-se a-históricos. A busca das estruturas invi-
síveis poderia ser mais bem conduzida pela análise de suas manifestações
específicas) sem recurso aos registros comumente incompletos do passado.
Não havia problema em rejeitar o passado) pois os estruturalistas recusavam
as explicações genéticas) ou seja) negavam as manifestações passadas das es-
truturas que moldavam as do presente. Todas as mudanças ocorreriam se-
gundo as próprias regras de transformação do sistema. Assim, a condição
humana não poderia mais ser estudada diacronicarnente, ou seja, pelo re-
conhecimento da importância da sucessão temporal. Os estudos históricos
seriam substituídos pela análise sincrônica no presente.
Pode-se dizer que os historiadores dos Annales encontraram em sua afirma-
ção dos vários ritmos de mudança uma solução mais adequada ao problema
perene de ter de conciliar mudança e continuidade do que os estruturalistas,
com sua solução intrinsecamente estática, na qual a mudança continuava
sendo uma área negligenciável dos fenômenos) talvez apenas um desconforto.

372 A ESCOLA DOS ANNAL ES


~ JFiA 1. A VISÃO ESTRUTURA LlS TA DA CULTURA

2 3
o código universal : Códigos específicos Os códigos tornam-se
. atemporal, estável, de grupos: variantes visíveis em relações
independente do código universal específicas entre os
da vontade e da que governa o reais participantes;
consciência humana! comportamento eles são temporais e
visível em elementos humano. mutantes.
invariantes de todos os
códigos específicos.

)
Hierarquia geral dos códi gos

Direção da pesqu isa

Encontrar o código Encontrar os códigos Estudar as


universal. específicos. manifestações visíveis.

A falta de um grande esquema ou de concordância quanto a uma defini-


ção da natureza do mundo histórico garantiu aos acadêmicos dos Annales
muita liberdade para escolher métodos e interpretações. Eles absorveram
as inovações historiográficas mais do que cederam a elas. Uma pressão co-
mum, contudo, permeou toda a história dos Annales: a procura de uma his-
tória que abrangesse a vida e reconhecesse em larga escala apenas estruturas
racionalmente explicáveis. A historiografia da Escola dos Annales pode ser
vista como a exploração de diversas interpretações estruturais. Em todas, o
papel do ind ivíduo tem sido ambíguo.

BREISACH 373
Já se argumentou} num sentido mais amplo} que os acadêmicos liga-
dos aos Annales desejaram criar um humanisme historique, um humanismo
que reconhecia o impacto de forças de larga escala sobre a vida humana ao
mesmo tempo que respeitava o papel do indivíduo. Contudo}com sua de-
terminação de rejeitar a historiografia tradicional, a historiografia annaliste
tendia}na prática}a negligenciar o individual. Sua tipologia de história eco-
n ômica e social} com forte ênfase coletivista e ambiental) sistematicamente
colocou o conceito de ordem acima da atuação e decisão individuais.
Fernand Braudel chegaria bem perto de um esquema explicativo com-
pleto para a história total. Em 1956} ele herdou a liderança institucional
de Febvre e acrescentou a ela a posição da nova Maison des Sciences de
l'Homme. Como acadêmico) estabeleceu seu status propriamente com O
Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II (edição original
de 1949)," no qual pretendeu mostrar tudo sobre a vida da região em de-
terminado período. Para tanto) desenvolveu um imenso e inovador trabalho}
com o intuito de descobrir e utilizar estruturas integrativas. Seu apreço por
tais estruturas foi estimulado pela geografia humana de Vidal de La Blache
e pelo estruturalismo inicial (anos 1940) de Gaston Roupnel. As estrutu-
ras de Braudel derivavam de um fato central: tudo no mundo muda) mas
de acordo com três ritmos diferentes. Terra) mar} clima e vegetação mudam
tão lentamente que nos parecem imóveis - têm a qualidade da longue durée
(longa duração). Os annalistes tornaram-se particularmente fascinados por
esses elementos quase estáveis) talvez porque muitos deles houvessem es-
tudado o início do período moderno seguindo o "ritmo lento) imóvel} duro}
denso} geológico) da sociedade tradicional"." E um ritmo mais rápido de mu-
dança caracteriza os fenômenos com um aspecto cíclico (lentementrythmés).
Alguns ciclos ocorrem no período da vida humana} muitos o transcendem.
Historiadores annalistes têm muito frequentemente estudado os ciclos que
governam os aspectos econômicos e demográficos da vida. Eles se referem

11 Fernand Braudel, lhe Mediterranean and the Mediterranean World in the Age of Philip
II [1949], trad. Siân Reynolds. Londres: Collins, 1972-73 [ed. bras.: O Mediterrâneo e o
mundo mediterrânico na época deFilipe II. São Paulo : Martins Fontes}1984] .
12 Pierre Chaunu, "L'Histoire g éographique". Revue de l'Enseignement Sup érieur, n. 44-45.
1969,P·67.

374 A ESCOLA DOS A N NA LE S


a esses tipos de mudança como conjonctures, conotando padrões cíclicos ou
tendências de preços, posse de terras e movimentos populacionais. Por fim,
há o aspecto episódico da vida, próprio da história política, com suas ações
individuais e mudanças rápidas, que tinham sido enfatizadas pela histoire
événementielle às custas de um conhecimento "mais profundo". Quaisquer
que sejam os nomes dados pelos annalistes a esses três tipos de mudança -
Jacques Le Goff, por exemplo, chama-os de estruturas imóveis, móveis e
altamente móveis - , os historiadores descobriram serem os ritmos interliga-
dos um valioso esquema conceitual. O entendimento nuançado da estrutura
temporal da vida mostrou-se uma resposta poderosa a qualquer estrutura-
lismo a-histórico.
O amor de Braudel pela geografia inspirou, mas não dominou, mui-
tos trabalhos que também respondiam ao chamado da história total com
escopo regional. Neles, o tom geográfico foi aliado à análise demográfica.
A demografia estava perto de ser proeminente na Escola dos Annales, pois
ela também apresentava conjonctures. Uma nova visão a respeito da po-
pulação como um todo, dado seu crescimento mundial, também ajudaria.
Aobra pioneira de Jean Meuvret foi notada, e a demografia desenvolveu-
-se como uma disciplina sofisticada. As reconstituições de família de Louis
Henry e uma série sobre a "dem ografia e as sociedades", patrocinadas pela
Sexta Seçâo, são provas disso. Dentre as histórias regionais desse novo tipo,
pode-se destacar Beauvais et leBeauvaisis (1960), de Pierre Goubert,"
O segundo maior trabalho de Braudel, Civilização material, economia e
capitalismo (1967),'4 foi levemente estruturado de acordo com os ritmos
de mudança. Apresentou uma massa de dados úteis e interessantes, cuja
estrutura, porém, era pouco dinâmica ou sistemática. Pode-se dizer que foi
um dos estímulos ao surgimento da micro-história ou da história da estru-
tura da vida cotidiana (que deu título à tradução para o inglês do trabalho
de Braudel) .

13 P. Goubert, BeaUl'ais et le Beallvaisis de 16 0 0 à 173 0 . Contribution à l'histoire sociale de la


Frallce du X V II ' siecle. Paris: SEVPEN) 1960.
14 F. Braudel, Civil ísat íon niat érieúe et capitalísme. Paris: Armand Colin, 196 7 [ed. bras.:
CiL,iliza ção material) economia e capitalismo) trad. Te ima Costa. São Paulo: Mati ns Fon -
tes, 1995-96 , 3 v.].

BREISACH 375
A atenção com as estruturas econômicas foi facilitada por um importante
trabalho de interpretação econômica da história feito nos anos 1930 por Fran-
çois Simiand e Ernest Labrousse. Ambos estavam preocupados com os desen-
volvimentos de longo prazo. Sirniand encontrou neles uma mudança rítmica
de uma fase A expansiva para uma fase B contrativa. Labrousse ligou as alte-
rações dos preços às agitações sociais da França. Em suas investigações do
desenvolvimento econômico que precedeu a Revolução Francesa, ele utilizou
a ferramenta analítica de efeito multiplicador (desenvolvida então por John
Maynard Keynes) para avaliar a economia francesa. Uma ênfase fortemente
quantitativa marcou os primeiros trabalhos dos annalistes, como os de Em-
manuel Le Roy Ladurie. Para Braudel, os padrões de desenvolvimento eco-
nômico eram as conjonctures mais importantes. Já o estudo massivo de Pierre
e Huguette Chaunu, Séville et l'Atlantique) 1504-1650 (1955-59),15 de muitas for-
mas, representava a síntese de muitas dessas abordagens (história serial).
De importância considerável foi a reafirmação do papel da consciência
pela afirmação das estruturas psicológicas. Com a preferência pelas estrutu-
ras de larga escala) a psicologia dos indivíduos foi julgada insuficiente para
explicar os fenômenos sociais. Febvre, que ficara impressionado com o es-
tudo de L évy-Bruhl sobre a "mentalidade primitiva", explorou o fenômeno
psicológico em suas manifestações coletivas. O conceito-chave mentalité
dizia respeito às estruturas mentais que definiam um conjunto de pensa-
mentos e conceitos à disposição de um grupo em determinada época, deli-
mitando as possibilidades do que poderia ser pensado e compreendido em
uma cultura, em certo tempo. Depois de 1950, apareceu uma série de estu-
dos baseados nas variações do conceito de mentalité: os estudos de Gabriel
Le Bras sobre a mente religiosa; as análises de Jacques Le Goff dos conceitos
de tempo e purgatório no contexto da igreja medieval; o trabalho de Robert
Mandrou sobre a "Bíblíoth êque bleue" (uma série popular de cordéis) ; e
os estudos de Philippe Ariês, um acadêmico com afinidade com os Annales,
mas não ligado a eles, sobre a percepção da infância e da morte. Relaciona-
dos a esses trabalhos) havia os estudos quantitativos sobre livros) letramento
e tradição literária (François Furet, Adeline Daumard e Jacques Ozouf) e
sobre imaginação cultural (Reger Chartier).

15 Pierre e Huguette Chaunu, Séville et I'Atlantique, 1504-1650 . Paris: Armand Colin, 1955-59.

376 A ESCO LA DOS ANNALES


Uma grande deficiência da historiografia dos Annales, que contradiz seu
ideal de uma história total) era a redução radical do papel de tudo que fosse
político. Essa negligência quanto aos estudos do poder e das relações de
poder advinha do ressentimento da dominação anterior da história política
e da desconfiança da política com sua inevitável ênfase na volição humana.
Historiadores marxistas têm sido os mais agudos críticos desse mundo ilu-
sório) que ignora o fenômeno do poder e a existência de um objetivo claro
para seu desenvolvimento. Ainda que nunca completamente ausente da es-
crita dos annalistes, o aspecto político tem recebido maior atenção nos tra-
balhos do medievalista Philippe Wolff que tentou integrar a política à rede
de funcionamento da sociedade) e de Bernard Guenée, que ousou construir
uma história do Estado.
É necessário afirmar que) depois de 1970) o uso da expressão "Escola dos
Annales" tornou-se) no máximo) um dispositivo didático, pois a imagina-
ção criativa de seus acadêmicos dissolveu qualquer possibilidade de coesão.
A grande síntese, tão difícil em uma história total, não foi alcançada e foi
trocada por um vasto panorama da vida no passado. Um acadêmico tipifi-
cou o desenvolvimento da Escola dos Annales: Emmanuel Le Roy Ladurie.
Brilhante e produtivo) ele buscou, sozinho) a história total em livros sobre
camponeses do Languedoc (com tom geográfico) econômico e demográ-
fico), sobre a história do clima (uma geografia histórica comparativa), uma
história do Carnaval em Romans (uma exploração do Significado simbólico
e a importância dos costumes) com um uso limitado do conceito de menta-
lité e um retorno à narrativa) e a história de Montaillou (uma micro-história
de uma aldeia herética).
Apesar de a historiografia francesa ter assumido um caráter definitivo de
ciência social) ela tem, em seus grandes trabalhos, se recusado a encarar o
ser humano como prisioneiro de condições externas. É verdade que o real
equilíbrio entre o indivíduo, de um lado, e o coletivo, junto com as forças
da natureza) de outro, continua a ser precário, e o perigo de que o indiví-
duo seja preso em estruturas de imenso poder permanece. No entanto, há
indicações na mudança da forma de alguns trabalhos dos annalistes - uma
retomada definitiva de uma apresentação quase narrativa - de que o status
dos indivíduos está sendo um pouco elevado: pelo menos, a história como
ofício ainda sobrevive na França. É sintomático que apenas alguns indiví-
duos talentosos, e não as cooperativas de acadêmicos atarefados, tenham

BREI8ACH 377
produzido trabalhos que excitaram a imaginação e esclareceram muito d _
que era desconhecido sobre o passado.
A diversidade da Escola dos Annales se espelhou em suas múltiplas in-
fluências sobre a historiografia de outros países. Poucas historiografias n-.:.
cionais não mostram as marcas da escola.

Publicado or iginalm ent e como "The Annales School". in Ern st Breisach. Historiogn -
phy Ancient, Medi eval & Modem . Chicago: Chicago Universlty Press, 1994, pp. 37C- i f.
Tradução de Bruno Gam barotto.

378 A ESCOLA DOS ANNALES


..

Alguns historiadores consideravam traçar o curso da historiografia, de Clio .


à cliometria, como um esforço nostálgico, semelhante a um vasculhar sem
sentido entre empoeiradas quinquilharias. Eles tentaram redefinir e reestm-
turar a história sem retroceder muito, não indo além das últimas décadas,
aparentemente sem dar-se conta de que negavam os próprios frutos da abor-
dagem histórica que, agindo assim, procuravam defender. As dificuldades
encontradas para traçar o curso da historiografia podem explicar, mas não
justificar, essa negligência. Mais acur ada e substanciosamente que qualquer
outro recurso, a história da historiografia pode ajudar a defin ir os deveres
da historiografia atual, demonstrar o papel essencial do historiador e acabar
com as dúvidas presentes sobre a utilidade e a viabilidade da história.
Após uma revisão de sua longa carreira, a historiografia emerge como
um esforço inextricavelmente ligado à cultura ocidental. Seu propósito tem
sido compreendido de muitas formas: guardiã da memória coletiva, fonte
de entretenimento, mestra, campo de investigação científica. Não obstante,
subjacente a essas diversas formas e intenções da historiografia existe uma
preocupação fundamental. Em todos os períodos, os historiadores têm
sido convocados - em face de transformações irresistíveis - a estabelecer o
nexo entre o passado, o presente e as expectativas para o futuro. Essa tarefa
atribuiu-lhes um papel central na luta perene, especialmente importante na
cultura ocidental, entre as duas dimensões fundamentais da existência hu-

380 EPi LOGO: HISTORIOGRAFIA NA NOVA VIRADA DE SECULO


.ma: a mudança e a continuidade. A história da historiografia representa,
portanto, não apenas uma lista de interpretações históricas - organizadas
aunológica ou tipologicamente -}mas uma história cujo enredo é formado
pdo curso da própria cultura ocidental. O vigor excepcional da historiogra-
ia do Ocidente tem origem no fato de que, nessa cultura, mudança e con-
Iiouidade precisam ser reconciliadas a fim de determinar um complexo e
perene equilíbrio e reequilíbrio das exigências entre a ordem e a liberdade
~ana. Em outras sociedades, esse equilíbrio, uma vez estabelecido e, na
maioria dos casos, em favor da ordem, mudou pouco. Os historiadores do
Ocidente, por sua vez, têm de produzir uma grande quantidade de sínteses
do passado, do presente e do futuro, criando imagens - entre outras - das
cidades-Estado gregas, do ideal romano, da comunidade cristã, da nação e
do lluminismo. Desde a década de 1880, a procura de tal síntese tem-nos
levado a buscar uma Nova História apropriada para o período moderno.
Agora, depois de muitas tentativas, alguns historiadores frustraram-se pela
dificuldade de alcançar o objetívo, um ãfrustração a que expectativas exage-
radas contribuiram significativamente.
Nas três primeiras décadas posteriores a 1945, a historiografia foi tanto
restringida quanto favorecida pelo desenvolvimento da cultura ocidental.
Beneficiou-se das memórias de grandes eventos e mudanças no passado
imediato e da consciência da grande luta histórica em andamento no pe-
ríodo, a Guerra Fria. Nesses anos, a história como ofício adquiriu muita
força e vitalidade; encontrou, contudo, fortes sentimentos a-históricos. Nos
países democráticos da Europa e na América, um crescente bem-estar evo-
cou a convicção de que o desenvolvimento humano estava alcançando um
patamar intemporal de prazer e conforto. O "D écimo Estágio idealizado
por Condorcet parecia próximo quando o indivíduo racional pôde encai-
xar-se} sem atrito, em uma ordem benigna e uma síntese criativa entre o pas-
sado reavaliado}o presente conhecido e um futuro incerto que se tornava
supérfluo. O passado como registro da experiência humana coletiva não era
mais visto como se oferecesse uma oportunidade insuperável de estudar as
dinâmicas da vida humana. O que ainda havia para ser dominado na vida
humana poderia ser estudado de diferentes formas. O passado permane-
cia como uma plataforma abandonada do destino humano - uma peça de
museu, um banco de dados ou uma fonte de histórias interessantes e diver-
tidas. Pelo menos nos países democráticos, a histo riografia floresceu como

BREI8 ACH 381


um empreendimento acadêmico livre e pluralista. Seus trabalhos) conrz
raramente chegavam ao público) em parte porque não havia interesse, .....~
sobretudo porque a função da historiografia de reconciliar a mudan ça I': •
continuidade parecia ter se tornado supérflua diante do conceito de _. _
a continuidade do bem-estar parecia assegurada pela completa realiz2r.-
da visão ideal. O pensamento histórico encontrou um clima ainda mes
amistoso nos países comunistas. Tendo declarado o fim da "velh a" oroec
os comunistas da União Soviética reduziram a historiografia à descri ção I:
passado "ru im", do triunfo do "novo homem soviético" e da luta de ou t..
povos "não libertados': Nesse caso, o futuro chegara e trouxera consigo u;;._
ordem social intemporalmente válida) à qual) por definição, o indivíduo
adequaria sem atrito.
O mundo humano parecia não estar mais sujeito a mudanças fundam
tais) sendo) em essência) intemporal. Acadêmicos comunistas constru írac
uma escolástica marxista para a exegese repetida de um desenvolvirn erc
que) como percebiam) já havia alcançado seu êxito. Cientistas sociais no Ck -
dente democrático tentavam encontrar as dimensões atemporais da vid a L
mana e interpretaram os fenômenos humanos em termos de um eq uilíbri
não direcional de forças) redes estruturais e funci onais e com portament
condicionados. Nesse mundo a-histórico) visto como se fosse in teirame nte
manipulável e passível de construção) estudos dos fenômenos humano s e~
contraram sua verdadeira justificativa no desenvolvimento de tecnologizs
sociais) econômicas e políticas apropriadas.
Naquele período) os historiadores pagaram o preço por não estarem en-
tre os acadêmicos que tentaram transformar seus resultados de pesquisa -
conquistados pela investigação das condições presentes - em tecnologias
para prevenção do crime) enfrentamento dos problemas pessoais) dese n-
volvimento de economias) ajuste do comportamento humano à vontade
manipulação do poder político, reconstrução de sociedades) popularizando,
então) seus achados em livros) panfletos e colunas em jornais e revistas. O ~
historiadores raramente se envolveram nesses empreendimentos, pois mu i-
tos deles perderam a noção de seu papel público e) além disso) sua disciplina

I
I
não é passível de ser convertida em uma tecnologia. Muitos historiadores
chegaram a concordar com George Macaulay Trevelyan quando afirmou
que a história não deveria tentar se parecer com a tecnologia porque "ela não
I
I
tem utilidade prática como as ciências físicas. Ninguém pode) por meio de

I
382 EPí l OGO: H ISTORIOGRA FIA N A NOVA VIR ADA DE SÉCULO
ro nhecimento da história, ainda que profundo, inventar uma máquina
_;X1r, iluminar uma cidade, curar o câncer ou fazer o trigo crescer perto
.A.. tico"' Ele poderia ter incluído: ou modelar um a sociedade perfeita. Os
.oriadores não poderiam juntar-se à celebração do triunfo da técnica so-
~ .2 ') interp retações fundamentais porque seu estudo do passado os fez não
reconhecer que a vida humana era muito mais complexa do que os mo-
..-.l' assumidos nas ciências sociais, mas, acima de tudo, quanto era ilusória
-:'; ação da mudança fundamental. A experi ência humana do passado - às
êS bem recente - contradiz a afirmação de que o destino humano é uma

=I! -: tição sem fim do mesmo roteiro com diferentes atores e diferente cen á-
ou de que suas mudan ças fundamentais chegaram miraculosamente ao
~.. no século xx.

Assim, nos ano s 1970, a ilusão de uma era atemporal da técnica e da tec-
. ')!ogia começou a se desfazer. A ordem comunista}em vez de se conduzir
. pe rfei ção, mo strou muitas característica s desagrad áveis da "velha ordem",
.• depois de 1989, começou a se desintegrar. Ao redor do globo, as confi-
'Drações sociais} econ ômicas e políticas passaram a enfrentar tensões cres-
.::"iltes: sociedades industriais experimentaram graves pr oblemas ecol ógicos,
ociedades afluentes foram acometidas de téd io existencial: genocídios! ter-
rorismo e novo s despotismos continuavam a existir; e o mundo inteiro con -
aontou-se com as incertezas da era nuclear. Quando o futuro não pôde mais
er percebido como um presente mais afinado ou um estado de perfeição! a
2..!~ rmação de que a modernidade e a tradição têm pouco a dizer uma a outra
«'.mbém perdeu muito de seu poder de convicção. Na medida em que as ex-
plicações com característica estática e caráter tecnológico se enfraqueciam!
2. historiografia podia retomar sua influência e sua força. De fato! as mesmas

dificuldades sugeriram que a cultura do Ocidente havia chegado a um ponto


decisivo, sendo os historiadores convocados para ajudar na formulação de
uma compreensão apropriada da mudança e da continuidade. O mundo
emergente não era tão novo a ponto de desafiar o entendimento construído
com base no passado. E a história da historiografia ofereceu um esplêndido
registro de como os seres humanos refletiram sobre o desenvolvimento de

George M. T revelyan, C/io, a lvIuse and Other Essays Litera,.y and Pedestrian. Lon-
dres/Nova York: Longmans/Green Co., 1913, p. 14 3.

BREI5 ACH 383


sua própria condição. A característica central dessa condição permane .
mesma: a temporalidade da vida humana, e com ela sua natureza históri
Ironicamente, naquele ponto os historiadores começaram a su .
dúvidas sobre sua habilidade de fornecer respostas - dúvidas que estav
conectadas com decepções recorrentes acerca da agora centenária busca
uma Nova História. Essa busca mostrou duas vertentes principais: um a
tentava aproximar a historiografia, o máximo possível, das ciências, e o
que se esforçava para distinguir totalmente o mundo humano do natu
procurava entendê-lo nesses termos. A primeira começava pela afirmaçã o -
uma possível certeza, uma verdade definitiva, relacionada aos relatos his
cos, à maneira das ciências naturais. Da investigação objetíva, com a máxima
separação entre o observador e a realidade observada, esperava-se a prods-
ção de conhecimento cumulativo do tipo factual e a revelação de elementos
e processos da história.
Os primeiros historiadores "cient íficos", que se haviam desfeito das ta-
dicionais forças de ordenação transcendentes (Deus, razão ou espírito num-
díal), logo consideraram a história dos acontecimentos e dos indivíduos
como fonte insuficiente para a construção de uma história científica. Por
décadas, com os extremos da metodologia positivista modificados, algumas
histórias estruturais da sociedade tornaram-se as mais proeminentes histó-
rias científicas. Elas foram vistas como uma resposta adequada à busca por
uma historiografia que permitisse generalizações em larga escala (ou mesmo
a instituição de leis, para alguns historiadores) refletindo as forças e os pa-
drões estruturais básicos da realidade. O lado positivo foi um conhecimento
mais amplo das estruturas e das forças políticas, econômicas e sociais que
moldam a vida humana. No entanto} em vário s graus essa concepção de his-
toriografia negava ao mundo humano uma existência separada do mundo
da natureza e das necessidades básicas. Se levada ao extremo, culmina num
paradoxo: quanto mais a rede de forças impessoais determinantes se adensa
- em nome de um ainda mais rigoroso conhecimento científico} menor se
torna o espaço deixado para a esperança original de fazer do conhecimento
histórico um dos instrumentos de domínio da vida humana. A razão refle-
xiva, fonte da criatividade} perde toda a autonomia na medida em que os
seres humanos se tornam parte de uma rede impessoal de forças anônimas.
O discurso recente sobre o fim da história e o desconstrucionismo tem suas
raízes nesse ponto.

384 EPí lOG O: HISTOR IOGRAFI A NA NOVA VIRADA DE SÉCUL O


Contra essa concepção de história, outros historiadores defendem um
ponto de vista que enfatiza a impossibilidade de separar cognitivamente o
abservador da realidade observada, e propõem a imersão dos historiado-
~ na vida que eles analisam e interpretam. Esses acadêmicos ressaltaram o
caráter contingente do mundo humano - impossível de ser compreendido .
por leis e estruturas quase "naturais" - e o papel da consciência racional, das
intenções e dos atos da vontade. Tais tentativas de evitar sistemas "cientí-
licos" da história, ao mesmo tempo preservando a habilidade de produzir
mais do que uma história descritiva de miríades de fenômenos, continua-
ram ao longo de decênios. Elas exploraram o poder modelador de ideias e
conceitos não transcendentes. Ainda assim, os críticos sempre apontaram o
risco'de subjetivismo nessa jornada em busca das verdades históricas, já que
da não dispõe de um paradigma de referência sólido que sirva de base para
~ avaliação de relatos históricos. Como resposta, as estruturas mentais que
forneceram estabilidade temporária a um mundo conceitualmente cons-
truído se destacaram, como a Weltanschauung, o clima de opinião, o Zeitgeist
e, mais recentemente, a mentalité. Nas últimas três décadas, outros acadêmi-
cos encontraram um mundo humano moldado por estruturas linguísticas e
retóricas que, contudo, têm uma ligação difusa, muitas vezes ausente, com
a vida humana. As muitas contribuições dessa abordagem não poderiam es-
conder que ela própria, se levada a seu extremo, terminaria em um paradoxo.
Quanto mais radical a contingência estipulada se toma, mais a historiografia
toma a forma de uma mera construção pelo historiador. Com um relaciona-
mento bem definido entre os conceitos retóricos e linguísticos e a realidade
ausente, os relatos históricos se aproximam dos gêneros narrativos e da fic-
ção. A razão reflexiva, como ligação criativa com a realidade, não encontra
lugar legítimo em quaisquer dessas teorias.
Não obstante, o reconhecimento desses paradoxos não oferece razão
para anunciar o inescapável fim da historiografia, em um relativismo deses -
perançado. A história da historiografia mostra os desafios e os fracassos ini-
ciais do pirronismo. Em seu lugar, os historiadores podem continuar a usar
procedimentos enriquecidos pela filosofia e processos de busca da verdade
em seus métodos aparentemente difíceis e geralmente ecléticos de "fazer
história". Pois eles têm à disposição um precioso recurso. Por pelo menos
quatro séculos, gerações de acadêmicos desenvolveram uma metodologia
histórica - testando, retestando e absorvendo elementos de outras discipli-

BREI8ACH 385
nas - até hoje -, de tal forma que esses métodos possam atuar como urct
barreira contra o conto fantasioso, a distorção tendenciosa e o erro hon es,
e como um instrumento suficientemente confiável para a busca da verdad,
Mesmo a atual e reconhecida onipresença da imaginação criativa em to d ~.
as fases da busca da verdade histórica - o que Maurice Mandelbaum chan:...
de "fonte do relativismo" - não anula a habilidade da historiografia de F ê
zer resultados úteis - úteis no sentido de serem suficientemente pr óxim c
aos processos da vida ao ponto de oferecer conhecimento com alto vaia;
de verdade. A presença da imaginação deixa intacta a necessidade de um;
base factual criticamente assegurada tanto quanto a dos requisitos de h.•
bilidade, trabalho artesanal e integridade. Apenas se os historiadores ( 0 '
tarem com tal base para o trabalho historiográfico) existirá uma dist ân cls
adequada entre as fantasias dos visionários}fanáticos e propagandistas e c
I
trabalho dos historiadores.
II A segunda tarefa do historiador}nesse sentido}é criar modelos con cei
tuais integrativos que reflitam as experiências e as mudanças do século XÁ.
Na época em que vivemos} a visão de história como progresso} por mu ito
tempo garantidora de certezas e continuidades, está sendo questionad a on
mesmo completamente rejeitada por alguns acadêmicos. Para lidar com essa
tendência} a história da historiografia oferece mais uma vez uma perspective
fundamental: teorias interpretativas da história constituídas por acadêmicos
fornecendo ideias inovadoras} e esquemas interpretativos da história} interli-
gados à vida das sociedades} são de uma natureza diferente} mas intrincavel-
mente conectados. O senso dominante da história de dada sociedade, que
dificilmente forma um todo sistemático, muda pelo resultado de ser testada
repetidamente no curso da vida coletiva. Nesse processo de transformações
muito lentas} interpretações da história feitas por acadêmicos têm agido
como úteis vigilantes da fraqueza} das contradições e de possíveis enrique-
cimentos no sentido coletivo da história. Todas as vezes em que a interlo-
cução entre a teoria historiográfica e a práxis coletiva foi rompida} a vida
promoveu correções ainda mais drásticas. O comunismo oferece um ótimo
exemplo de esquema explicativo da história que interrompeu novos enten-
dimentos no desenvolvimento humano e persistiu fundamentando seu en-
tendimento histórico numa compreensão da história segundo um modelo
interpretativo congelado. E muitas outras teorias da história, que possuíam
grande distância da vida real} tiveram vida curta, pois trabalhavam com de-

386 EPílOGO: HISTORIOGRAFIA NA NOVA VIRADA DE SÉCULO


ta inições muito simplificadas da condição humana. A distância correspon-
o, dente do sentido de história testado e adotado por uma sociedade diminuiu
e. leU impacto nelas.

.s Nesse caso, também, o diagnóstico é mais fácil do que o remédio ou a


a cnra, Os historiadores que lidam com o progresso já não o entendem como
i- ~ proposição teórica de alguns acadêmicos norte-americanos e europeus do
S século XVIII, mas como parte do passado. Esse progresso, em sua realidade
r científica, tecnológica, industrial e económica, não corresponde às esperan-
i ças exorbitantes e aos clamores de muitos de seus defensores. Ainda que
1- ii. vida humana tenha se beneficiado dele enormemente, o mundo racional

1- previsto com seus corolários - sociedades profundamente pacíficas e mo-


rais) com respeito aos direitos humanos) pessoas totalmente racionais e um
senso predominante de felicidade - emergiu somente de modo imperfeito.
Aquelas forças consideradas "irracionais" ainda mantêm muito de seu po-
der desestabilizador. A discrepância entre a esperança e a realidade incitou
os historiadores a dar voz a reservas e objeções quanto à dominância e à
pretensa acuidade da visão de progresso da história. Aqueles que desejavam
banir o conceito de progresso de vez o fizeram porque viram-no como uma
solução para falar somente de sucessos e vencedores, esconder os que sofre-
ram ou foram derrotados) negligenciar a ampla gama de experiências da vida
cotidiana e ignorar o valor de outras culturas.
Contudo, modificar a ideia de progresso na história é uma alternativa
melhor do que negá-la. A história mundial manifesta por intermédio de seus
fatos um forte e significativo elemento de progresso e a visão de progresso
que permeou todos os aspectos da cultura ocidental tomam uma negação
do progresso algo incorreto e impossível. Cada vez jnais, de várias formas,
mesmo os argumentos oferecidos por oponentes ao conceito acabam tendo
alguma ligação com a tradição do progresso. Assim) os argumentos em favor
de maior atenção aos direitos humanos e à emancipação dos desafortuna-
dos recaem sobre a própria dinâmica do progresso) e o pedido de respeito à
autonomia de outras culturas depende de um desenvolvimento que enfra-
quece as paixões brutas e promove a racionalidade. Mesmo os acadêmicos
dos Annales, pouco dados a uma admiração do progresso, fomentaram uma
ligação indireta com ele: alguns por meio do marxismo, outros por meio de
uma visão de desenvolvimento em direção ao humanisme historique. Isso não
obriga os historiadores a serem fiéis servidores de uma visão de progresso da

BREISACH 387
história, mas os alerta a não tratar o conceito de progresso, em sua rea~
ção da história ocidental, como uma ilusão ou um grande engano.
Em seu próprio trabalho de revisão historiográfica, os historiadores un.
de reconhecer a predileção progressista de sua sociedade. Mesmo os ~
dêmicos que clamam mais ardentemente pela liberdade de valores apo~
pelo menos um valor: a liberdade de explorar o passado e formular interpm!
tações sem restrições, uma liberdade oferecida apenas em Estados ao meDOl
minimamente democráticos. Os Estados modernos totalitários garantirasa
aos historiadores o privilégio menor de citar e escrever notas de rodapé se·
gundo as regras, prescrevendo a eles o que importa: seus temas de pesquisa
suas abordagens e interpretações. Uma historiografia relativamente livre de
valores só pode existir enquanto os indivíduos forem livres para investigill
e formular suas próprias conclusões. Assim, paradoxalmente, o objetivo de
manter uma neutralidade de valores só pode ser preservado se os historiado
res contemporâneos defenderem o conceito de uma sociedade democr ática
ela própria um fenômeno hi stórico e carregado de valores. Qualquer novo
papel público do historiador deverá estar baseado nessa visão.
Nesta outra virada de século, os historiadores encaram uma série de ta-
refas complexas. Dentre elas, a descoberta de um papel público apropriado
para a história, a consecução de um denominador comum sobre o papel da
imaginação criativa na historiografia, sobre um equilíbrio apropriado entre
os indivíduos livres e uma ordem determinada para os relatos históricos, e
o reconhecimento de uma história verdadeiramente global, sem a erosão in-
devida de tradições nacionais. Essas são as tarefas mais desafiadoras. Porém
em vez de se desesperar, os historiadores deveriam comemorar, pois a ilusão
de uma atemporalidade já não existe, e eles mais uma vez são convocados a
assumir o papel-chave na interpretação. E a tarefa reafirma o que a história
da historiografia mostra tão claramente: nenhuma outra disciplina corres-
ponde tão bem quanto a história às necessidades peculíares.dos seres huma-
nos, entre os quais a temporalidade da vida distribui os papéis de emigrantes
do passado, habitantes do presente e imigrantes do futuro.

Pub lic ado original ment e como "Hit or iography at t he New Turn of Centu ries", ln
Ernst Breisach, Hist oriography : Ancient , Med ieval & Modem . Chicago: Chicag o Unl-
versity Press, 1994, pp. 404 - 1O.Tradu ção de Bruno Gam barotto.

388 EPILOGO . HI STORIOGRA FI A. N'" NOV'" Vi RADA Di: SÉ CULO


A way a lone a lasta loved theriverrun ...
James Joyce

MINHA ÉPOCA

A história excentricamente contada nestes volumes chega enfim à "minha


época", de modo que a história se torna para mim mais abertamente auto-
biográfica, e, como Finnegans Wake, meu fim se liga a meu ponto de partida,
já que este volume cobre o período de meu próprio aprendizado, de minha
docência e de meu ofício de escritor desde o começo. Segundo meus regis-
tros de juventude, minha leitura séria de história (depois dos livros de Oz, de
ciência popular e de muitos clássicos do romance) teve início com History of
ModernEurope, de Ferdinand Schevill, Outline ofHistory, de Herbert George
Wells, Religion and Rise of Capitalism, de Richard Henry Tawney, Study of
History (abreviado), de Toynbee, e History of the World, de cujo autor não
me lembro. Quando deixei Elgin, Illinois, para ir a Harvard, lembro-me de
escolher para ler no trem OfTime and the River, de Thomas Wolfe, por causa
de seu relato da viagem de trem de Eugene Gant para Cambridge e sua reação
descontrolada diante das prateleiras da Biblioteca Widener, explodindo de
ansiedade diante de milhares de volumes, e da anedota sobre Ben Jonson -

390 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECCÃO


"Outros homens leem livros, ele lê bibliotecas" -, ainda que isso "nada ti-
vesse a ver com a erudição, nada a ver com as honras acadêmicas, nada a ver
com um aprendizado formal',' A leitura de Proust,Joyce, Mann e Kafka (na
mesma sequência que Norman Mailer seguira alguns anos antes) pode ter
refinado meu gosto, mas ainda assim eu permanecia sob o encantamento da
"orgia de livros" de Wolfe, embora o enfoque fosse mais acadêmico, à medida
que abandonava minhas ambições de seguir o percurso desses dois incansá-
veis aventureiros literários.

Afora a leitura séria, minha educação inicial em história europeia foi levada a
cabo no college com os vinte volumes da "Langer Series ",que organiza o câ-
none norte-americano formado antes, durante e depois da Segunda Guerra
Mundial. Minhas lembranças de Harvard remontam aos últimos anos do
triunvirato que se aposentou de uma só vez: Frederick Merk, discípulo de
FrederickJackson Turner e professor do famoso curso sobre "Vaqueiros e
índios" ("O movimento em direção ao Oeste"); Arthur SchlesingerJr., que
ainda conduzia seu trabalho inovador em história social; Samuel Eliot Mo-
rison, que ainda vestia seu uniforme em classe, trancava a porta antes de
começar suas palestras e caminhava pela Mass. Avenue para dar palestras
em separado para as "meninas" do Radcli.ffe; e também Arthur Schlesinger
Jr. e Oscar Handlin, cuja filha seria mais tarde minha amiga e colega. Em
história antiga havia Sterling Dow e Mason Hammond; em história russa,
Michael Karpovich (que certa vez encenou uma sessão-piada da Interna-
cional Comunista ao estilo do serviço bizantino, enfatizando fatores de
continuidade em face da violenta revolução secular) e Martin Malia (que
deu no meio de seu curso um minicurso de Kremlinologia uma semana de-
pois da morte de St álin): e em literatura Perry Miller, Howard Mumford
Jones, Douglas Bush, Harry Levin, Walter Jackson Bate e Albert Guerard.
Contudo, eu estava mais inclinado à história europeia, ou melhor, "H istó-
ria e Lit ,", e tive a sorte de ouvir, entre outros, William Langer, Sidney Fay
(saído de sua aposentadoria para terminar o curso quando Langer retornou
a Washington), sobre o século XIX, H. Stuart Hughes e Carl Schorske; tam-
bém Helen Cam e Bryce Lyon sobre a Idade Média (o último oferecendo

Thomas Wolfe, OfTime and the River, II , VII, "Young Paustu s",

KELLEY 391
visões da historiografia medieval, especialmente a que concerne a Pirenne,
que era o mentor de seu mentor, Carl Stephenson) j Crane Brinton sobre o
iluminismo (entre outras coisas), Donald McKay sobre a França moderna,
David Owen sobre a história modema inglesa, e especialmente Myron Gil-
more, que me levou posteriormente, como tantos outros, à história do Re-
nascimento e à historiografia.
Historiograficamente, portanto, venho da década de 1950, quando duas
ortodoxias pareciam prevalecer, uma a tendência dominante da história
acadêmica, com ênfase política, institucional e diplomática, e a outra a his-
tória marxista, que focava a base material da sociedade, se não a promessa
revolucionária. Depois do college fui levado à Alemanha pelo serviço militar,
seguindo James Conant, que deixou a presidência de Harvard para se tor-
nar alto comissário dos Estados Unidos, em 1953. Tendo cumprido em 1955
meus deveres militares (e guarnecido a primeira instalação nuclear na Eu-
ropa), para a pós-graduação em Columbia, onde não encampei plenamente
nenhuma dessas linhas, ainda que me inclinasse à pesquisa em arquivos e à
teoria social e à filosofia da história pós-marxista. Segui as convenções pro-
fissionais ao ponto de me voltar à história legal para chegar ao pensamento
social e à realidade social, embora meu tipo especial de viragem linguística,
por assim dizer, tenha conferido a esse percurso uma reviravolta pouco orto-
doxa. A opção radical me parecia mais um impedimento do que uma ajuda
ao entendimento hist órico, nem meus amigos marxistas de Nova York e de-
pois de Rochester desfizeram minhas dúvidas. Seriam minha depressão pós-
-militar ou o compromisso mantido com a literatura e a crítica que me dei-
xaram fora das barricadas intelectuais? Ainda menos do que pela agenda da
nova esquerda, eu era atraído pelas "novas" histórias econômica e social, ou
pelas aventuras da psico-história (a despeito de uma fascinação juvenil por
Freud e pela psicanálise vicária através da experiência de amigos), embora
meus"olhos estivessem mais tarde abertos à história das mulheres, graças a
algumas colegas, incluindo Renate Bridenthal e especialmente minha futura
mulher) Bonnie Smith.
Como bolsista da Fulbright em Paris no fim dos anos 1950, assisti ao se-
minário de Fernand Braudel, mas seu enfoque econômico e no comércio
do Mediterrâneo no período não me interessou, como qualquer coisa tão
próxima à "nova história" quanto o trabalho de Roland Mousnier (a cujas
aulas também assisti) ou o trabalho sobre os preços espanhóis de Earl Ha-

392 CI RCUNS PECÇÃO E PROSPE CÇÃO


milton (posteriormente um colega em SUNY Binghamton).' Aquela altura
já estava envolvido no estudo da historiografia, como dois de meus colegas
na França: Orest Ranum, que trabalhava então com Mousnier, posterior-
mente mudando para o campo de Braudel, e que mais tarde escreveu um
ótimo livro sobre a escrita histórica do século XVII francês ; e especialmente
Samuel Kinser, que terminava na época sua tese sobre o historiador do sé-
culo xvrjacques-Auguste de Thou e que se juntou a mim na fantasia acerca
de um amplo trabalho historiográfico que tomasse o lugar da grande com-
pilação de Fueter, que é uma das raízes remotas de meu projeto atuaI. Sob
essa aspiração, tinha ainda ligação com outros, como Eric Cochrane e Max
Fisch, mas a necessidade bibliográfica para tal projeto parecia um obstáculo
mesmo naquela era pré-eletrônica de cartões de 4 x 6 cm.
A partir dos anos 1960 a "nova" história econômica, social e militar apa -
receu em cena e atraiu muitos seguidores entre meus colegas e estudantes,
como deu ensejo a movimentos ideológicos, especialmente nas esquerdas
próximas e distantes e entre mulheres, negros, minorias e grupos associados
de "defesa", que atuavam para expandir, popularízar, democratizar, globalizar
e polarizar o estudo histórico de muitas formas, ainda que meu interesse
continuasse circunscrito à avaliação do significado dessas áreas para o(s)
projetofs) da historiografia; pois esses fenômenos também tinham seus pre-
cedentes e modelos em tipos anteriores de defesa, especialmente aquelas
formadas nos tempos de rivalidades raciais, religiosas e nacionais. A história
"de baixo para cima" era um espectro de esforços mais pontuais de desvendar
estruturas de poder e seus agentes muitas vezes malignos, e a micro-história
parecia-me um campo ainda remanescente e sem garra da história radical.
No que dizia respeito aos mundos não eurocêntricos (e não americanocên-
trícos), a estreita amizade com uma historiadora chinesa, Roxane Wittke, e
o casamento, no final dos anos 1970, com uma historiadora francesa que se
tornaria uma das principais estudiosas da história mundial e das mulheres
abriram meus olhos a algumas dessas regiões, embora minha perspectiva,

2 O ano de 1959 deve ter sido o auge da primeira história francesa modema, um a vez que
meus colegas bolsistas da Fulbright em Paris incluem Orest Ranum, Lionel Rothkrug e
Sam Kinser, que era então colaborador no campo da historiografia, antes de se voltar a
campos mais verdes.

KELLEY 393
ponto de vista e compromisso com conhecimentos locais me mantivessem
nas profundezas de meu mapa intelectual. Com uma formação não redimida
de origem operária}e pleno do tempo de fábrica atrás de mim} nunca fui
atraído pela história das classes oper árias: enviado bem cedo a uma igreja
fundamentalista, fui rapidamente dissuadido de causas dogmáticas} de es-
querda} direita} centro ou além; e tinha uma suspeita geral do Jellybismo
de Dickens [literatura lacrimejante de literatura] - "filantropia telescópica" -
especialmente fomentada nos pomares da academia. Nem fui alguma vez
atraído pelo s reducionismos da história política, social e econ ôrnica, e}en-
quanto a "nova" história cultural levava para longe esses projetas antiqua-
dos} todo esse movimento de autopromoção parecia muitas vezes um modo
desorganizado de preencher o vácuo intelectual deixado na esteira do mar-
xismo mudando as palavras} mas retendo a música ideológica e a esperança
do ativismo, ou pelo menos algum substituto acadêmico ou retórico} que
poderia permitir aos historiadores serem não apenas críticos} como parti-
cipantes potenciais. Mesmo assim, suponho} estava inclinado a reverter o
conselho do eixo central da décima primeira tese de Marx sobre Feuerbach,
de interpretar o mundo} mais do que mudá-lo - difícil o bastante de captar
corretamente mesmo a primeira} o que poucos da minha geração o fizeram}
como se evidenciá pela perspectiva dos anos 1990.
Meu campo inicial de interesse foi "Renascimento-Reforma', nos dias do
debate escolástico sobre a natureza (guid sit?) ou mesmo a existência (an
sit?) do Renascimento} sendo minha preferência explorar as continuidades
com a Idade Média. Meus pontos de partida foram definidos por dois de
meus mentores que, na época, dominavam o campo: a abordagem estri-
tamente acadêmica e de valores livres de Paul Kristeller derivava o huma-
nismo da Rena scença da faculdade das artes (studia humanitatisy, enquanto
o enfoque de Hans Baron estava no "humanismo cívico" (Bürgerhumanis-
mus) como um produto da "crise" do início do Renascimento italiano}com
encarnações posteriores rastreadas por John Pocock e outros. Minha pró-
pria ideia era combinar ou conciliar essas perspectivas rivais (Ranke versus
Burckhardt, na fórmula de Meinecke e Gilbert) e persegui-las em áreas do
conhecimento histórico} amplamente concebidas. De Baron divergia enfa-
tizando a importância da tradição legal - o que chamava de "humanismo
civil" -, enquanto me afastava de Kristeller explorando a lei civil como uma
disciplina humanista e em suas relações com a gramática, a retórica e, espe-

394 CIRCU NS PECCÀO E PROS PECCÀO


cialmente, a história, e também tentando desvelar as riquezas conceituais
ocultas nessas artes liberais. Em Columbia também aprendi com J. H. Ran-
dali, Walter Dom, Shepard Clough, Allan Nevins, Marjorie Nicholson, John
Mundy, Norman Cantor e Herbert Dean: e no fim me uni a Jack Hexter e
Dick Popkin em projetos de interesse comum.
Nos anos 1970 eu tomava o rumo da "história real" (em uma frase irônica
de meu mentor Garrett Mattingly, um historiador de arquivos por excelên-
ria), e de fato minha biografia do jurista e ideólogo huguenote e agente Fran-
çois Hotman era de certo modo inspirada pela própria vida de Catarina de
Aragão de Mattingly, baseada em seu Suplemento às Cartas e Documentos
de Henrique VIII. Sua posição em relação à história dura era atenuada, con-
tudo, por sua sensibilidade literária, reforçada por uma longa colaboração
com Bernard De Voto.' Meu próprio caminho era iluminado por uma longa
colaboração com três antigos acadêmicos - Ralph Giesey, Julian Frank-
lin e John Salmon -, os quais imaginava como três (outros) mosqueteiros
acompanhando minhas aventuras no XVI francês, que tiveram continuidade
em um estudo da Reforma francesa, perseguida em múltiplos níveis - so-
cial, institucional e intelectual.' Segui questões ideológicas em direção ao
período moderno, especialmente pela lei de propriedade, que era central à
Revolução Francesa e seu desfecho, e mais particularmente aos escritos de
Savigny, Marx e Proudhon.' Meu grande projeto nessa ligação, contudo, era
examinar a tradição legal do Ocidente como um contínuo de pensamento
e julgamento sobre estruturas sociais, valores e mudança." e aqui tenho me
beneficiado de vários períodos de refúgio acadêmico no Instituto de Estu-
dos Avançados, com o apoio, dentre outros, de Felix Gilbert, John Elliot e
Peter Paret, e contatos estimulantes com acadêmicos como Marshall Clagett,
Thomas Kuhn, Clifford Geertz, Morton White, Irving Lavin, Jonathan Israel,

Ver meu "Garrett Mattingly, Bernard De Voto and the Craft of History", Annals 01Scho-
larship, n. 2, 1981, pp. 15-29.
4 Donald R. Kelley, The Beginning oj Ideology: Consciousness and Society in the French Re-
jormation. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
Id., Historians and the Law in Postrevolutionary France. Princeton: Princeton University
Press, 1981.
6 Id., The Human Measure: Western Social Thought and the Legal Tradition. Cambridge
(MA): Harvard University Press, 1990.

KELLEY 395
Sebastian de Grazia, Robert Palmer} Lawrence Stone, Jerrold Seígel, Thee-
dare Rabb, Robert Darnton e Quentin Skinner,'
Meu estágio em docência foi feito} principalmente} na SUNY Binghamtoa,
onde Norman Cantor estava na cadeira do departamento de história, um
pouco antes de sua ambição tê-lo levado a outro lugar, e na Universidade
de Rochester, onde o departamento de história estava sob a controversa ~
derança de Eugene Genovese, que tinha uma carreira ainda mais viva. Em
ambas as instituições fiz amigos íntimos} especialmente Charles Freedeman
e Sanford Elwitt, mas minha verdadeira comunidade intelectual estava dis-
persa pelo mundo, o que era outro motivo, além da pesquisa} para minha
viagem pela Europa.

Nos anos 1980 eu havia feito da história intelectual meu retiro quando (não
contando as excursões ao meio selvagem dos estudos de Vico) fui eleito edi-
tor do Journal of History of Ideas (no qual publicara meu primeiro artigo) e
transferido logo depois para a Rutgers.' Desde os tempos de Arthur Lovejoy
esse havia sido um campo interdisciplinar} embora cada vez mais suplantado
por periódicos mais especializados sobre história da filosofia, literatura, arte,
música, ciências humanas e naturais e historiografia. Continuava a perseguir
interesses interdisciplinares de outra forma, mais especialmente em um se-
minário que dava na Biblioteca Folger nos anos 1990 sobre um velho tema
que me havia sido apresentado anos antes por Paul Kristeller, a saber, a clas-
sificação do conhecimento - cuja consequência, além de um volume publi-
cado, foi a formação de uma Sociedade Internacional da História Intelectual
encabeçada por Constance Blackwell,? Nos anos recentes a história intelec-

7 EIliot e Skinner mudaram-se, desde então, de volta à Inglaterra, onde se tomaram pro-
fessores régios de história em Oxford e Cambridge, respectivamente.
g Donald R Kelley (org.), The History of Ideas: Canon and Variations. Rochester: Univer-
sity ofRochester Press, 1990.
9 Id., History and Disciplines: The Reclassification ofKnowledge in Barly Modern Burope.
Rochester: University ofRochester Press, 1997. Inspirado por Constance Blackwell,
o seminário incluiu Ann Blair, Ulrich Schneider, Martin Mulsow, Peter Miller, Ann
Moyer, Paula Findlen e Heíkkí Mikkeli, bem como visitantes como]. B. Schnee-
wind, Donald Verene, Anthony Pagden, Anthony Grafton, Nicholas Jardine e Lon-
da Schiebinger.

396 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


tual foi reorientada pela teoria linguística e literária e pelo construtivismo,
bem como pela desconstrução) pelo pós-estruturalismo e) em especial) pela
hermenêutica. Como diretor, sou cético quanto às exigências recorrentes e,
a bem da verdade, tentei retomar as mais profundas raízes da história do
pensamento e seus contextos em um estudo recente da "descendência das
ideias'." Provavelmente Lovejoy não teria ligado para essa (alguém poderia
dizer antífilos ófica) reavaliação) muito embora pense que a expansão e a co-
lonização internacional desse campo o teriam agradado.
Tento) pelo menos como uma exigência profissional, caminhar com a
época) mas neste começo de terceiro milênio (ainda seguindo a cronolo-
gia cristã de Beda programada nos computadores do mundo) continuo a
suspeitar da novidade) ainda que as trocas interdisciplinares sejam mais in-
tensas do que nunca e as aplicações de inovações tecnológicas tenham mo-
dificado os procedimentos de investigação. O contraste entre a micro e a
macro-história não está nos princípios e de fato faz pouco mais do que dar
reconhecimento a antigas práticas de história universal e particular) ou local.
Tampouco) a princípio, a proliferação dos estudos culturais, ou da "vida co-
tidiana" (Alltagsgeschichte, histoire quotidienne), expandiu os horizontes das
culturas alta e baixa (espiritual e material). A "história global" tomou a his-
tória mundial, sobretudo) uma presença) mas sua celebração tem quase sem-
pre negligenciado a grande tradição baseada no pensamento ocidental, que
remonta ao Antigo Regime e, antes, à antiguidade cristã e pagã. Ademais) as
opções de uma perspectiva global continuam as mesmas: a grande narrativa
atualizada e secularizada de uma humanidade putativamente unificada ; uma
estrutura biológica ou evolutiva, na qual experiências como o nascimento,
a morte, a doença e a produção de alimentos representam os mais baixos
denominadores comuns; e estruturas artificiais, especialmente as baseadas
na economia (marxismo, modernização ou teorias de sistemas globais).
A história mundial poderia do mesmo modo acomodar projetos micro-his-
tóricos, como os estudos globais recentes do bacalhau, café, chá) sal, cerveja)
carvão, noz-moscada e perfume, mas estes também são artificiais segundo
os objetivos da narrativa histórica) não diferentes dos velhos e fortuitos re-

10 Id., lhe Descent of l deas: The History of lntellectual H istory . Londres: Ashgate Pub Ltd,
2 0 02.

KE LLEY 397
positórios da curiosidade. Contudo, tais perspectivas globais, na med ida em
que (como a história das "ideias" universais) podem permitir estudos com-
parativos e conjecturais, todas transcendem o conhecimento local e dessa
forma a disciplina da investigação estritamente histórica.
Mas a história da história sempre foi minha maior preocupação. Minha
introdução ao tema ocorreu, como para a maioria dos estudantes de Har-
vard, através do Idea of History de Collingwood (1946), ainda que poucos
tivessem qualquer ideia da tradições de saber que eram subjacentes a este
grande estudo (do mito, Heródoto, Tucídides e Políbio, aos historiadores
medievai e renascentistas e ao histericismo, incluindo Vico, Herder, Win-
delband, Ricker t, Simrnel, Dilthey, Me yer, Spengler, Bergson e, especi al-
mente, Croce ) e se contentassem em aceitar essa epistemol ogia ingênua que
se baseava no velho - e rom ântico - princípio hermenêutico das "rerníni .
cências da experiência passada", o paradigma de Hercule Poirot como in-
vestigador histórico e o objetivo do auto conhecimento humano. Através de
Collingwood e Meinecke também encontrei debates sobre o "histericismo",
novo e antigo; e a bu sca das raízes, ou fragmentos, do historicismo tornou-
-se um objetivo central em meus estudos de historiografia europeia no Re-
nascimento. Esses interesses foram refor çados por contatos frutuosos com
acadêmicos ao redor do mundo, incluindo Hans -Georg Gadamer, Arnaldo
Momigliano, Reinhart Koselleck, Paolo Gro si, J6m Rüsen, H ans Tro je,
Georg Iggers, Richard Popkin, Charles Schmidt, lsaiah Berlin, Giorgio
Tagliacozzo, Robert Kingdon, Nanc y Roelker, Donald Verene, Peter Munz,
Quentin Skinner, Anthony Pagden, Peter Burke, Ulrich Schneider, Martin
Mulsow, Jonathan Israel e, especialmente, J G. A. Pocock, cujas trilhas pal-
milhei, muitas vezes inadvertidamente ou por acidente.
O estudo da própria historiografia, associado ainda com o método his-
tórico, havia se estabelecido há muito tempo como campo quando iniciei
minha pós -graduação em 1955, e foi mais e mais se aproximando de preocu-
pações teóricas, sempre incluindo a filosofia, mas também as ciências sociais
e a crítica literária. Também manteve seus laços com uma erudição pesada,
como, entre outros, no estudo de Pocock sobre "a constituição antiga", na
história do início da modernidade italiana de Eric Cochrane, na escrita his-
tórica inglesa de Antonia Gransden, nos Antigos e Modernos de Joseph Le-
vine, na história da historiografia alemã de Georg Iggers e Horst Blanke, e
emJoachim Knape ao tratar do termo "Historie" e seus campos semânticos,

398 CIRCUNSP ECÇÃO E PROSP ECÇÃO


sem contar as velhas autoridades de Fueter, Harry Elmer Barnes e James
Westfall1hompson. Na França houve uma guinada para a abordagem quan-
titativa na história profissional, como nos trabalhos de Charles Carbonell
e Piro der Boer - respondendo à avalanche de literatura histórica dos anos
recentes , cujo reflexo também se vê na edição de trabalhos e correspondên-
cia de grandes acadêmicos, conferências internacionais, periódicos especia-
lizados como History and Theory, a quadrilíngue Storia della storiographia,
e periódicos virtuais, volumes de artigos compilados, bibliografias e, mais
recentemente, de modo mais global e variado, grandes livros de referência
sobre história e historiadores. Meu primeiro entusiasmo acadêmico, que
inicialmente parecia produto pioneiro, é hoje como um floco de neve em
uma tempestade bibliográfica e teórica - a trajetória de Heródoto a Herder,
Huizinga e ao joyceano HCE ("Here Comes Everybody").
Meu primeiro pensamento foi mudar o foco da história como a clássica
descrição das ações passadas (narratio rerum gestarum, geschehene Begebe-
nheiien; l'histoire événementielle) para produtos mais perenes da atividade
cultural humana, e assim me voltei aos resíduos de história preservados na
linguagem e no direito, tornando-me ciente apenas posteriormente de que
seguia uma trilha já aberta por Vico em seu caminho para um projeto mais
ambicioso, e sendo a seguir atraído a esse campo por Giorgio Tagliacozzo.
Se o objeto de minha grande narrativa ("história") era polivalente ao ex-
tremo, o enredo era bastante simples: ou seja, a tradição ocidental da his-
tória, como se desenvolveu, sob o signo de Heródoto, da arte ao gênero, à
disciplina, ao ofício e à "ciência" - e então de volta à arte? Em meus dois
livros anteriores sobre as "faces" e as "fortunas" da história, havia trazido
o enredo quase a meu próprio tempo - pelo menos até o tempo de meus
mentores que serviram na Segunda Guerra Mundial." Digo a "estória", ainda
que, evidentemente, tenha consciência de que qualquer coerência que a
história da história tenha derive de seu sentido de tradição - ou da quebra
consciente dessa tradição - e minha escolha de autores tenha sido pautada
pela base desse processo autosseletivo que jaz sob o cânone da historiografia

11 Id ., Facesoj History: Historical Inquiryfrom Herodotus to Herder. New Haven: Yale Uni-
versity Pres s, 1998, e Fortunes ojHistory : Historicallnquiry fram Herder to Huizinga. New
Ha ven: Yale University Press, 2003.

KELLEY 399
ocidental tal como as coletâneas interpretativas do tempo de Bodin a Fueter
o vêm progressivamente moldando. De fato (para invocar um clichê do pós-
-modernismo), não há "grande narrativa", pois existem tantas histórias, com
tantos enredos e protagonistas, e a acumulação de livros, artigos e resenhas
tem multiplicado as "faces" da história, complicado sua "fortuna", aberto
fronteiras e, pelo menos da perspectiva do novo milênio, produzido um es-
tado presente de fragmentação.
Eu era um jovem (de fato ante literam) devoto do "giro linguístico", es-
tudante de teoria crítica literária, ainda que menos inclinado às fontes de-
rivativas da moda francesa do que aos originais alemães. Lendo Nietzsche,
colocava-me no caminho da "interp retação" e sua insatisfação e do ponto
de vista da hermenêutica pós-romântica, moderna, tal como formulada pos -
teriormente por Heidegger e Gadamer. Meu ponto de partida tornou-se o
horizonte estrutural fenomenológico da experiência, sem esquecer o aviso
de Nietzsche de que "além desse horizonte permanecem homens, paixões,
doutrinas e prop ósitos';" Não obstante, a atenção precisava ainda ser dedi-
cada ao ponto de vista autoral, com a investigação histórica sendo levada
à fronteira cultural, definida por encontros com culturas e linguagens nada
familiares. Isso pode ser oposto à pressão da história mundial que tentou
rejeitar centrismos - ego-, etno-, americo- e eurocentrismo - , mas, ainda
que nunca quisesse ser um historiador nacional, nunca acreditei que o histo-
riador pudesse ser um observador onísciente, isto é, pudesse, sob a preten-
são de evitar os vieses ou preconceitos e finalmente atingir a "objetividade",
escapar a sua situação cultural e tomar a perspectiva de uma estrela distante,
exceto talvez filosoficamente, metaforicamente, conjecturalmente ou para
fins pedagógicos; e para a história ou para a investigação histórica prefiro evi-
tar essa falácia. Como na narrativa joyceana e nas implicações da hermenêu-
tica, a "objetívidade" histórica pode ser abordada apenas pela multiplicação
dos "pontos de vista" particulares.
Mas, mesmo com ajuda disciplinar, como pode a interpretação ser tra-
balhada a partir do centro de um círculo cultural particular? Para mim a
hermenêutica não significa a ideia romântica ou collingwoodiana de empa-

12 Friedrich Nietzsche, On theAdvantage and Disadvantage of History for Life, trad. Peter
Preuss. Indianapolis: Hackett Pub Co., 1980, p. 11.

400 CIRCUNS PECÇÃO E PROSPECÇÃO


tia, ou de adivinhação dos pensamentos em retrospectiva, mas a ciência do
que Nietzsche chama de "o caráter interpretativo de tudo que acontece'i" A
-mtrodução de sentido", Nietzsche completa, não é uma questão de explica-
ção a-histórica ou racional, mas antes "em muitos casos uma nova interpre-
tação sobre uma antiga que se tomou incompreensível, que é ela própria
apenas um signo':'4 Como Paul Ricoeur apontou, "tomar próprio a alguém
o que antes era estranho permanece o objetivo último da hermenêutica";
ou como Gadamer escreveu (e como eu citei antes), aparentemente ainda
abrindo caminho para uma grande narrativa, "a história é, por assim dizer,
um grande livro escuro, o trabalho compilado do espírito humano, escrito
em línguas do passado, o texto que precisamos tentar compreender"; e ne-
nhum esforço interdisciplinar permitirá aos historiadores evitar esse desa-
fio. Essa mensagem, expandida por Heidegger e Gadamer a partir de uma
fórmula histórica na hermenêutica filosófica, fundou uma audiência pós-
-modema, especialmente entre teóricos da literatura e historiadores inte-
lectuais. Tampouco acredito que as sereias da quantificação e da tecnologia
pós-modema, que prometem um tipo diferente de conhecimento, podem
nos livrar desse fardo.
Concluindo, e para completar meu círculo ego-histórico - minha "ego-
-histoire", na expressão de Pierre Nora -, a história é ainda uma forma de
investigação humana que busca sentido, mas esse sentido, como Gadamer
colocou, não pode ser simplesmente o de uma era passada, de um "país es-
trangeiro" que seja o passado, mas apenas um sentido construído em um
momento cultural presente e em um contexto cultural local. A hermenêu-
tica é um novo tipo de ceticismo - "a forma mais importante de ceticismo
hoje em dia", diz Odo Marquardt - e não há como escapar a suas implica-
ções para os problemas interpretativos dos historiadores modernos." Apren-
demos com nossos ancestrais de ofício, com a experiência da tradição histo-
riográfica, a falar de renascimento (humanistas), de ressurreição (Michelet),

13 Kurt Mueller-Vollmer (org.), 'IheHermeneutics Reader. Oxford, 1986.


14 F. Nietzsche, 'IheWill to Power, trad. Walter Kaufmann e RJ. Hollingdale. Nova York,
1967, p. 327 [ed, bras .: Vontade depotência, trad. Mário Ferreira dos Santos. Petrópolis:
Vozes, 2011].
15 Odo Marquardt, Farewell to Matters of Principie, trad . alemã. Nova York, 1981, p. 11.

KELL EY 401
de restauração (antiquários modernos) ou de revivescência (Collingwoc u
el claro) de "revisão" (quase todo jovem historiador em certo ponto) i mas
essas são metáforas para uma operação menos conjectural que emprega UIT~
retórica de alteridade que estabelece um relacionamento entre nós - autor .:
leitor - e um "outro" cujo comportamento nunca podemos trazer de volte. _
vida e cujas ideias nunca podemos de fato "repensar" em nossos horizontes
linguísticos e culturais. A despeito da manipulação e da evasão pós-mo der
nista permanecemos parte de uma tradição de interpretação, de uma bus ca
por autcconhecimento, que nos leva) através do uso linguístico herdado) o:'
volta a Heródoto e seus predecessores poéticos."

o GIRO LINGuíSTICO

o que talvez seja mais notável sobre os estudos históricos (e das ciências hu-
manas em geral) no último quarto do século XX é o giro linguístico) ou o giro
literário) vivido por muitos acadêmicos engajados na investigação histórica.
Em sua forma mais elementar) significa um retorno à narrativa no sentido da
concepção de Macaulay e Trevelyan (e da redescoberta de Lawrence Stone)
da história como uma arte e o pedido de Allan N evins (que tinha formação
jornalística) não histórica), repetido muitas vezes desde então) por um es-
forço de historiadores profissionais para buscar uma leitura popular. I? Essa
postura foi apresentada de maneira mais sofisticada por Peter Gay, que fez
comentários sobre alguns poucos historiadores do século XIX em termos de
estilo) transformando a famosa frase deBuífon (le style est l'homme même)
em uma hipótese de que "o estilo é o historiador" e antecipando a ênfase
ulterior na retórica e na "representação") como o fez Jack H. Hexter," Gib-
bon era capaz de equilibrar o estudo profundo das fontes com uma visão

16 Ver meu artigo "Between History and System" in Gianna Pomata e Nancy G. Siraisi
(orgs.) I Historia: Empiricismand Erudition in Ear/y Modern Europe. Cambridge (MA):
MIT Press, 20051 pp. 211-37.
17 Lawrence Stone, "lhe Revival ofNarrative: Reflections on a New Old History". Past
and Present, n. 85, 19791 pp. 3-24; Allan N evins, The Gateway to History. Nova York, 1938.
18 Peter GaYI Stylein History. Nova York, 1974, p. 2171 e ver Jack H. Hexter, "lhe Rhetoric
of History", in DoingHistory. Londres.aç-n, pp. 15-16.

402 CIRCUNSPECCÃO E PROSPECCÃO


anpla, quase global, a escrita de uma prosa de virtuose, mas o que Linda
Orr chamou de a "vingança da literatura" tem para muitos resultado na ên-
fase jornalística na produção de longas narrativas e, marginalmente pelo me-
DOS, na tentação da imitação e do plágio, que forma a segunda parte da velha
piada atribuída à p rática historiográfica convencional ("a história repete a si
mesma, e os historiadores, uns aos outros").
Uma consequência ainda mais notável desse giro literário - e linguístico -
rem sido a invasão da teoria literária, marcada pela emigração de historiado-
res como Hayden White, Dominick LaCapra e Hans Kellner da história, e
~ imigração de acadêmicos da literatura como Jonathan Culler, Frank An-
kersmít e (sob a bandeira do "novo histericismo") Steven Greenblatt para
a história. Todos esses autores escrevem sob re "hist ória", mas o mundo que
eles habitam é o da representação, dos textos impressos e das tradições inter-
textuais subjacentes derivativas da "nova retórica" e mapeadas por pioneiros
como Kenneth Burke, que, dentre outras coisas em sua mente, dissolveu a
história, "sem origem ou telos", em formas e crítica literárias." Essa postura
retórica situa os historiadores, bem como seus argumentos morais e causais,
em um meio em prosa que constitui a "realidade" e os conecta, como uma
comunidade profissional, com leitores aos quais se endereçam ou não. Daí
que os retoricistas e os críticos literários comandam a área que os historia-
dores semp re acreditaram que fosse sua - e o mesmo vale para os filósofos,
pelo menos em suas formas escritas, enquanto mais uma vez os críticos da
"escritura" assumem o comando do campo do sentido. Um esforço ousado
de reduzir a hi stória a suas encarnações narrativas é o estudo da lógica nar-
rativa de Ankersmit, que é totalmente divorciado da investigação histórica,
que tem a ver com pesquisa e os "fatos'?" De tal ponto de vista a estrutura
conceituai do próprio "hi ste ricism o" era o produto não de uma perspectiva

19 Kenneth Burke, Attitudes ioward History. Boston, 1937, e A Rhetoric of Motives. Nova
York, 1950 ; também Robert We ss, Kenneth Burke: Rhetoríe Subjeetivity,Postmodernism.
Cambridg e: Cambridge University Press, 1996, e Charles Perelman e L. Olbrechts-
-Tyteca, lh e N ew Rhetorie: A Treatise on Argumentation. Notre Dame: University of
Notre Dame Press, 1969; também FrankAnkersmit, HistoricalRepresentation. Stanford:
Stanford University Press, 2001.
20 F. Ankersmit, NarrativeLogic, a SemaniicAnalysis of theHistorian'sLanguage. H aia, 1983,
resenhada por mim , ARR, 10l, 1996, p. 447, e ver seu Historieal Represeniation, op. cit.

KELLEY 403
heurística, mas da escolha e da manipulação da terminologia, dos topoi, do
tempo verbal e das ligações entre sujeito e predicado.
O exemplo mais celebrado desse giro literário (e, para os historiadores,
expressão do giro linguístico) é Metahistory de Hayden White, hoje um clás-
sico da interpretação da historiografia do século XIX baseado na formação de
um cânone literário (não diferentemente de Great Tradiiion, de F. R. Leavis)
julgado segundo uma concepção mais "formalista" e elaborada de estilo do
que a de Gay. O livro de White busca sentido através de categorias literárias
tomadas, via Croce e Northrop Frye, da crítica literária clássica e da retórica,
e aplicadas à estrutura literária de obras de Michelet, Ranke, Burckhardt,
Marx e outros. O que preocupa White é o conhecimento histórico, especial-
mente através da "estrutura profunda" meta-histórica, intuída, da represen-
tação historiográfica tal como se configura em bem conhecidos trabalhos -
o preexistente "conteúdo" das "formas'." Ele vai além da distinção clássica
e croceana entre crônica e história para sentidos mais profundos baseados
em modos de "enredo", "argumento" e "implicação ideol ógica', inerentes à
linguagem literária empregada por esses autores ao tratar "eventos " de outra
forma nunca problematizados (as disputas de acadêmicos profissionais são
irrelevantes para esses significados mais elevados) . Para White, historiado-
res "formistas" [formist] como Herder, Niebuhr e Mommsen aplicam seus
argumentos às descrições vívidas de acontecimentos: historiadores "organi-
cistas" como Treitschke, Stubbs e Maitland, à coerência e às leis da história
como um proceSSOj historiadores "mecanicistas" como Tocqueville, Buckle,
Marx e Taine, a agentes extra-hist óricos, e historiadores "contextu alistas"
como Heródoto, Burckhardt e Huizinga, a uma perspectiva combinatória de
fenômenos relativos ao momento histórico particular. Segundo o esquema
neoescolástico de White, essas modalidades, que podem aparecer combina-
das em qualquer autor em particular, também estão associadas a quatro incli-
nações ideológicas (anarquista, conservador, radical e liberal), quatro modos
de enredo (romântico, trágico, cômico e satírico) e quatro tropos básicos
(metáfora, metonímia, sinédoque e ironia), que - os três primeiros, de todo

21 Hayden White, Metahistory: The Historical Imagination in theNineteenth-Century Europe.


Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1973, e 'Ihe Context of the Form: Narrative
Discourseand Historical Representation. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1987.

404 CI RCUN SPE CÇÃO E PROS PECÇ ÃO


modo - introduzem a linguagem figurativa à expressão da realidade histórica.
Seguindo Barthes, Hayden White argumenta que o resultado da escrita his-
tórica imaginativa nessas categorias não é uma "representação" secundária}
mas a "constituição" primária de um campo histórico.
Esta é a estrutura formalista em que White ilumina com riqueza a his-
toriografia do século XIX} como uma extraordinária recepção internacional
da geração passada e da seguinte!' O problema que White deliberadamente
evita, ou do qual escapa, é aquele elemento de fundação do historicismo,
que é a fonte material (de modo algum neutra) à qual os historiadores se cir-
cunscrevem. Para White, por exemplo, Michelet é um "realista" escrevendo
em modo metafórico, tomando a perspectiva de seu tempo de progresso so-
cial (e nacional) como uma realidade e tentando expressá-la através de um
processo emocional de identificação e revitalização. O que Michelet pro-
curou não foi a autópsia, mas a "ressurreição" literal da história. Não quero
entrar em polêrnicas com a interpretação de White, nem me aventurar no
parque de diversões lotado dos estudos de Michelet, onde seus entusiastas
textualistas e psicanalistas se divertem juntos, gostaria, contudo, de lembrar
os leitores da dimensão heurística das criações de Michelet. Claro que ele
queria ser autor celebrado, um valoroso sucessor de Descartes, Voltaire e
Rousseau, e a consciência da Nação entre outras coisas, mas também escre-
veu partindo de uma familiaridade extraordinária com fontes de arquivos de
história francesa - ainda que seja verdade que elas próprias possam ser vis-
tas como um tipo de literatura imaginativa, especialmente para o período re-
volucionário. Em 1830, pouco depois das Trois Glorieuses que marcaram para
ele o início de uma nova era, Michelet foi designado arquivista chefe dos
Archives Nationales: e por vinte anos trabalhou naquelas sagradas "catacum-
bas de manuscritos" quase todos os dias. Aqui estava o cadáver da História
ao qual Michelet queria dar um sopro de vida: aqui, as vozes dos heróis e
das vítimas do passado francês: le bonDieu estdans ledétail. Michelet tomou
a substância de sua narrativa de ruínas e fragmentos nacionais, ainda que
fosse um Homem de Letras suficientemente formado para se submeter às
modas do Ammerkungswissenschaft (notas de rodapé) crítica historiográfica
etc.). O que ele fez das fontes, ele que foi um dos primeiros a utilizá-las sis-

22 Ver artigos compilados em Storiadella storiografia, n. 24 (1993) e n. 2S (1994).

KELLEY 405
tematicamente? Temos estudos biográficos, psicobiográficos e literários dr
Michelet, mas nenhum que eu conheça, incluindo a análise "meta-histórica"
de White, examina sua prática heurística.
Observações similares são ainda mais apropriadas ao caso de Ranke,
cuja grande pretensão à fama (sem dúvida exagerada) baseava-se em seu
uso pioneiro de materiais de arquivo, especialmente de Veneza. O comen-
tário sempre lembrado de Ranke sobre descrever a história "com o ela real-
mente foi" (wie es eigentlich gewesen) quase nunca é avaliado, pois, afora ser
um velho e pisado topos da retórica herdado da tradição clássica (Luciano:
"colocar os fatos " etc.}, a frase, entendida em seu contexto, não pretende ser
um mero princípio epistemológico, como as palavras subsequentes deixam
claro: "M as onde obter as fontes para tal investigação? A base do presente
trabalho [História das nações latinas e teut õnicas J, as fontes desse material.
são memóri as, diários, cartas, relatos diplomáticos e narrativas originais
de testemunhas [ ... J" - outro eco de Luciano (e Tucídides) e das "artes
da história" da Renascença. Ranke queria dizer que tais fontes - de infor-
mação privada, não de conhecimento público - eram de outra ordem, não
dos relatos seguidos acriticamente por historiadores como Guicciardini e
Sleidan, que Ranke criticou com dureza. Para ele o modo como as coisas
realmente aconteceram era o modo como homens de poder e influência as
julgaram ser ; e assim ele era um prisioneiro de suas fontes tanto quanto da
linguagem e da herança filosófica e religiosa. Mais uma vez, contudo, essa
realidade era particular, não (no que diz respeito à nêmese de Ranke, He-
gel) geral: der liebe Gatt wahnt in derEinzelheit - Deus (se não o dem ônío)
está nos detalhes. Por fim, deveríamos conseguir captar essa realidade de
primeira ordem corretamente - ainda que as referências luteranas de Ranke
o conduzissem à crença de que fosse capaz de discernir do me smo modo
paradigmas ma is amplos.
Burckhardt é um caso diferente, em que, contudo, as questões heurísticas
ocupam uma po sição central. Foi em uma reação mais ou menos consciente
à história rankeana que Burckhardt se voltou às belas artes e às linhas estéti-
cas de investigação e a um diferente nível de realidade histórica - Kulturges-
chichte. Sem dúvida, a realização meta-histórica de Burckhardt, como as de
Michelet e Ranke, pode ser expressa em termos literários, mas sua filosofia da
história implícita estava baseada mais consciente e metodologicamente em
sua escolha de fontes, ligada por sua vez a noções do que interessava à inves-

406 CIRCUNS PECÇÃO E PROSPECÇÃO


1iipção histórica. Como White nota) Burckhardt queria escapar aos "ismos"
leSOantes de seu tempo) e seu desgosto bem como sua nostalgia o levaram
para longe das excrescências da sociedade industrial) de volta aos fragmen-
1DlS da "velha cultura da Europa" - e a mais amplas que stões de como con-

Érir sentido histórico a essas fontes. O contraste entre Ranke e Burckhardt


1m} sido colocado muitas vezes em termos políticos e filosóficos (aos quais

"Dite teria acrescentado os liter ários): mas suas posturas heurísticas suge-
mIl uma diferença ainda maior. Para Ranke todas as eras poderiam ser iguais

perante Deus (unm ittelbar zum Goti, como os Estados Germânicos haviam
sido unmittelbar z um Reich)) mas para ele) também) cada uma dessas idades
era) a princípio) passível de descrição, e elas todas constituíam uma história
aniversal determinável. Sobre tais questões, Burckhardt era não apenas um
pessimista e um elitista, mas também um relativista (que considero difícil de
conciliar com a classificação de "realista" feita por White). "Para cada olhar,
talvez', Burckhardt inicia seu mais famoso livro) "as linhas gerais de uma civi-
lização apresentem uma figura diferente :' Tudo isso depende de o que se pro-
cura, e de que fontes são.escolhidas - e apenas de modo secundário, parece-
-me, de uma forma de expressão literária. Parafraseando Burckhardt, de fato)
poderia sugerir que "para cada olhar" as linhas gerais de uma dada história
narrativa também apresentam uma diferente figuraj isso porque a figura de-
pende irreversivelmente da heurística.
Dominick LaCapra não tem sido menos influente do que White nas dis-
cussões recentes da teoria histórica, que leva ainda mais adiante das ques-
tões convencionais da historiografia. De certa forma ) ele ainda está travando
a velha batalha contra a história ingênua, objetivista, "científica", ainda que
a bem da verdade ele o tenha feito valendo-se das novas ferramentas deri -
vadas da filosofia continental (sobretudo francesa) tanto quanto da teoria
literária." A estratégia de LaCapra tem sido insistir primeiro no caráter dia-
lógico da investigação histórica e no lugar legítimo das "interpretações do
historiador" em no ssos diálogos com os mortos e segundo sua distinção -
que vem de Heidegger - entre aspectos "documentários" e "trabalhados"
dos textos, o último designando as leituras literalistas em busca dos fatos do

23 Dominick LaCapra, Rethinking Inteilectual History: Texts, Contexts, Language. Ithaca:


Cornell Univ ersity Pre ss, 1983, e publicaç ões ulteriores.

KELLEY 407
senhor Gradgrind e do professor Ranke (pelo menos tal como vistos pelo.
olhos dos acadêmicos anglófonos) e o primeiro sugerindo uma dimensâ:
heideggeriana da Arte e suas origens meta-históricas. Esses argumentos W :-
respondem bastante a uma perspectiva crítica da história depois do fim de-
antigos ideais de objetividade, "história total", e o rankeanismo vulgar d:
Wiss enschaft. Do ponto de vista do trabalho do historiador, contudo, as fC':-
mulações de LaCapra deixam algo a desejar - e de alguns modos parecer=.
nos encorajar a deixar a caça dos historiadores e lançar nossas fichas na cri-
tica literária (e "cultural"), como LaCapra faz com bastante frequência.
Seguindo LaCapra (aonde não estou certo de que LaCapra tenha real-
mente ido), Kellner parece negar o status de narrativa a "arquivos ou m o-
numentos do passado" - ainda que tenha sido precisamente nos arquivos
que Natalie Davis encontrou um veio rico de "ficção" e onde há, na minha
experiência, uma "estrutura profunda" da escrita hist órica.':' Para aceitar,
como Kellner, que a narrativa "é um produto de formas culturais complexas
e convenções linguísticas profundamente sedimentadas que têm tradicio-
nalmente sido chamadas de narrativa', não deveriam implicar que ela seja
reserva exclusiva de artistas literários ou acadêmicos altamente instruídos -
esse seria o verdadeiro "con ceito de erudição" de Vico e um princípio do
mais desabonador para o entendimento das "fontes" e assim da história em
qualquer sentido. O "retorn o da literatura" tem lembrado os historiadores
do papel essencial da imaginação na reconstrução histórica e no sentido
meta-histórico, mas por fim não pode haver nenhuma "história imaginada"
(ainda que seja um oxímoro útil) , pelo menos não sem notas de rodapé e
bibliografia, não mais do que pode haver uma "história elaborada" ou uma
"hi stória lembrada". Só pode haver narrativas ou argumentos ou conjuntos
menos formais de informação derivados da leitura das fontes - palavras, por
fim, sobre palavras. Não obstante, enquanto o juízo histórico pode muito
bem se aproximar da imaginação, do senso comum e da experiência - in-
cluindo não apenas a experiência irrefletida da vida, mas aquilo que Gada-
mer chamou de "exp eriência da tradição" que a formação histórica sup osta-
mente oferece - , ele está sempre circunscrito pelas fontes que são acessíveis

24 Hans Kellner , Lan guage and H istorical R epresentation: Getting the Story Crooked. Madi-
son : University ofWiscon sin Press, 1989.

408 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


e legíveis, muito embora elas não possam prometer acesso às profundezas
~ realidade. Contudo, é essa confiança nas fontes, e a deferência a elas, que
preserva uma conexão entre a historiografia e o velho problema do saber
histórico daquela "terra estrangeira" que é o passado.
Parece curioso (deixemos de lado os filósofos da história) que a teoria
dahistória nos primeiros tempos tivesse o empenho, se não o controle, de
historiadores formados pela prática (mais notavelmente Droysen, Lam-
precht, Meinecke, Burckhardt, Huizinga, Febvre, Bloch, Braudel, Duby e
te Goff), enquanto a geração passada e a atual têm tantas vezes se esqui-
ndo desse aprendizado prático - quando não o repudiado - j e enquanto
ísso produz perspectivas novas do entendimento histórico, também evade
essencialmente o primeiro passo em tomar em mãos um passado remoto,
que é o engajamento nas fontes, vestígios e fragmentos de comportamento
humano em um tempo de outro modo esquecido. Essa crítica pode ser igno-
rada como algo que segue um modelo ultrapassado de convenção profissio-
nalbaseado no Quellenforschung e no Quellenkritik, documents pour servir à ...
etc., mas esse nível de pesquisa introduz questões epistemológicas que não
sobrevivem à transmissão das páginas impressas da historiografia. A textua-
lização radical da história tem reflexo no primeiro livro de Ankersmit sobre
a "lógica narrativa", que permanece na superfície da "representação", reifica a
"linguagem do historiador" e elimina a pesquisa exceto como "filosofia da
pesquisa". "Este livro é sobre fontes históricas", proclamava Kellner na intro-
dução a um livro subintitulado provocativamente Gettingthe Story Crooked,
mas ele usa o termo em um sentido literário .associado com "origens" e "ori-
ginalidade", e não especificamente segundo "arquivos" gerais, que são parte
de um material "documentário" que LaCapra queria substituir pelo "traba-
lho" literário - e assim pela crítica literária. No livro de Kellner não há, a
bem da verdade, nenhum vestígio do tipo de problemática heurística a qual
me refiro até aqui, mas apenas um relato sobre as leituras do autor e, com a
assistência de ideias retóricas pós-White, uma busca de "sentidos" não pre-
tendidos ou desconhecidos em fontes "secundárias". Como Ankersmit, Kell-
ner hipostasiou o giro linguístico sem jamais ter olhado para trás, e assim
desaparece a questão da "realidade", ou pelo menos seus primeiros vestígios
acessíveis.Através da hermenêutica e da fenomenologia Heidegger também
realizou um giro linguístico, mas ele não omitia o retorno ao "ser", acolhido,
mas não substituído pela linguagem.

KELLEY 409
Seria agradável talvez pensar qu e as obras históricas de Michelet e Rar
poderiam ser lid as do mesmo modo e no s m esmos termos que as obras
rárias de Balzac ou Mann, e de fato os pr im eiros autores têm sido lidos , ~
amb as as linhas de inte rpretação. Contudo, os escritos imparciais de Mi ch-
(e os de R anke, ainda mais imparciais) foram muito mai s governados e i
pirado s pela "experiência da tr adi ção " que eles perseguiam ob sessivam er .
talvez ingenuamen te, e com descaso em relação à literatura. Po r vinte ai
M ichelet gastou boa parte de seu tempo em arquivos nacionais em co m ~
nhi a daqueles que ele chamava "Messíeureles moris", cujos testemunhos e r,~ no
essen ciais a seu proj eto de "ressurreição" e de "biografizar a história': A mei
cam inho de sua History of France os envolvim entos políticos de Mi chelet e
sua arrogância fizeram-no p erder sua cadeira na universidade e seu aces,
aos arquivos, o qu e era outra forma de morte: "Suspensão", escreveu suc iru..
mente, "sepultamento".'; Ma s seu orgulho não o abandonou e ele, evid ente-
mente) continuou escrevendo) a partir das fontes sempre que possíveL
É uma pena que os debates sobre a heurística sejam polarizados e discuti-
dos em um nível tão baixo e animoso - de um lado) figuras como Elton, Rim-
melfarb, Handlin e o grupo de Hunt-jacob-Appleby, cheios de verdades; de
outro) críticos literários condescendentes como Ankersmit, LaCapra e KeIl-
ner. Esse debate promotor de carreiras também opôs um "velho historicismo"
estereotipado a um "novo historicismo" sociável que cobre uma variedade
de práticas literárias e uma miscelânea de visões postas em uma retórica da
inovação que nega) em níveis ep istemológico e ideológico, a possibilidade
de uma simples "história unitária" e volta-se) em seu lugar) a um novo tipo de
anedotismo." Essa "contra-história") como Catherine Gallagher e Stephen
Greenblatt a chamam, justifica a "prática" sem teoria) a "representação" sem
uma base heurística e a incoerência em nome de uma rica diversidade e de
uma curiosidade histórica expansiva como "um a rebelião social no estudo da
cultura"; aproximando-se de argumentos filosóficos e antropológicos) bem
como literários) históricos e artístico-históricos) e admitindo dívidas em
particular para com E. P. Thompson) Raymond Williams e Clifford Geertz,

25 Journal, II, 152.


26 Catherine Gallagher e Stephen Greenblatt, Practicing New Historicism. Chi cago: Univer-
sity of Chicago Press, 2000.

410 CIRCU N SPECÇÃO E PROSPECÇÃO


sem esquecer Michel Foucault, é essencialmente uma licença de pesca para
experimentos interpretativos em micro-história. As Grandes Hi stórias são,
com efeito, a ficção dos vencedores, enquanto as anedotas do novo histo-
rismo, como a velha "nova história social", tentam captar "os corpos reais e as
vozes vivas" (Ranke atualizado e democratizado) dos perdidos, esquecidos,
oprimidos, do feminino, do homossexual, dos pessoas de cor e de outras
formas de alteridade, aspectos de um proletariado cultural obliterado na
narrativa da história dominante. A história é vista não apenas de baixo para
cima, mas também de fora para dentro, ainda que geralmente através de uma
grade anedotista ou de intervenção interpretativa.
No fim do último milênio a filosofia da história também fez o seu "giro
linguístico" em direção à teoria literária e em associação com tópicos mui-
tas vezes relegados à rubrica caótica do "p ós-m odern o': Uma compilação
recente divulgada como uma "nova filosofia da história", reunindo seis aca-
dêmicos da literatura, quatro historiadores (historiadores intelectuais, ou
seja, que nunca, talvez, tenham descido à confusão escura de um arquivo)
e um filósofo apenas, leva em conta um número de temas estranho à velha
tradição da filosofia da história, especialmente "representação", "ironia" e o
que Robert Berkhofer chama "a grande História'."
O primeiro desses tópicos, a noção de representação, foi herdada na
tradição literária da "arte da história" dos tempos antigos. Acadêmicos que
chegaram tarde à teoria da história parecem estar descobrindo continuada-
mente sempre o óbvio, como a perspectiva de que não há observação sem
um observador, nenhuma estória sem um contador de estórias, perspectivas
sem um ponto de vista e, assim, história sem um historiador. O "construti-
vismo" é o termo corrente que colige essas noções e as alça a um nível teó-
rico que privilegia a Representação em detrimento da Realidade e que, para
acadêmicos da literatura, gera literatura e imaginação criativa tanto quanto
regras críticas ao estudo histórico. Isso havia sido a implicação do que Ann
Rigney chama "o projeto romântico", ou seja, a "nouvelle histoire" de Thierry
e Míchelet, e o resultado tem sido minar a congruência entre a narrativa e

27 Em FrankAnkersmit e Hans Kellner (orgs.), A New Philosophy of History. Chicago: Uni-


versity of Chicago Press, 1995, e ver Robert Berkhofer, Beyond the Great Story:History as
Text and Discourse. Cambridge (MA), 1995.

KELL EY 411
o mundo que ela descreve, e assim reforçar a mudança da história polítíca,
que se pauta pela cronologia e pelos registros irrefletidos dos eventos, para
a história cultural, que tem uma postura imaginativa, sintética e literária, ou
pictórica, diante da evidência hist órica," A retórica - onde textualistas e lin-
guistas se encontram - é de muitas formas a chave para a nova filosofia da
história, e aqui Kellner invoca não somente Vico, Nietzsche e White, mas
também os antigos sofistas, que ele chama de "os primeiros relativistas cul-
turais, os primeiros historícistas a seu modo" Essa retórica rejeita não apenas
o mentalmente elevado platonismo, mas também o realismo vulgar da his-
tória rankeana, e entende, em seu lugar, no campo do discurso e da inter-
pretação, não do argumento abstrato, da "pesquisa avançada" e da busca por
um sentido final. Na tradição clássica a história era virtualmente relacionada
à retórica, que ali preservava seus laços com a verdade, e nunca pôde aco-
modar a ideia de verdade absoluta no sentido de uma só história necessária
sobre o passado. Há muito tempo, Vann lembra, J. H. Hexter remodelou a
fórmula conhecida de Ranke, wíeeseígentlích gewesen, como "a história mais
provável que se p.ossa sustentar mediante evidência extrínseca relevante':
A nova filosofia da história estende essa afirmação cautelosa questionando
noções não somente de relevância, mas também de evidência extrínseca, e
segue sugerindo que esses elementos estão igualmente no domínio da ima-
ginação histórica criativa.
A ironia, que é também um conceito romântico (com antecedentes clás-
sicos), é um tropo suscitado, ou ressuscitado, quando a coruja de Hegel co-
meça a levantar voo. A ironia traz a autoconsciência e um distanciamento
entre presente e passado - entre o eu e o outro - especialmente no ato da es-
crita, e como tal é quase uma forma de consciência histórica, ainda que sem
uma aceitação temporal de tempo perdido e encontrado. Para muitos desses
autores a maior manifestação da ironia é a restauração do sujeito, do "eu' na
linha de frente ", nas palavras de Carrard, discutindo a retórica centrada no
ego- (ou no nós) da Escola dos Annales. " Sob a influência annaliste (ela pró-

28 Ann Rigncy, The Rhetoric ofRepresentation: 'Ihree N arrative Histories of the French Revo-
lution. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
19 Ver seu Poetics of New History: French Historical Discourse from Braudel to Chartier. Bal-
timore:Johns Hopkins University Press, 1991.

412 CIRCUNSP ECÇÃO E PRO S PECCÃO


pria influenciada pelos modos de escrita de Michelet), o "eu" dos historiado-
res já não precisa se esconder atrás da voz passiva para organizar uma objeti-
ridade espúria, mas pode entrar no processo de investigação e interpretação
histórica. Isso é equivalente à prática de historiadores como Heródoto e Tito
Lívío, que não apenas falavam de eventos acontecendo, mas também de sua
crença neles e de seu julgamento sobre eles. O sentido, em outras palavras,
já não surge do registro de autoridade, que não disponha, todavia, de cor ou
emoção; antes ele nos é representado por uma voz autoral, de forma similar,
talvez, àquela pela qual Trollope e Tolstói contam aos leitores os sentidos de
suas criações, ou àquela com que o titereiro lhackeray salta de trás da cortina
para mostrar à audiência o aparato de seu pequeno espetáculo. Se isso é iro-
nia, talvez ela seja um pouco pesada, mas pelo menos não é fraudulenta como
podem ser as narrativas que falam em voz passiva, sub specie aeternitais - ou
unmittelbar zum Gott [direto de Deus JJ nas palavras de Ranke.
Robert Berkhofer, em seu livro recente e em seu ensaio sobre A New
Philosophy of Hisiory, discute essas questões nos termos literários de "voz"
e "ponto de vista': Quem pode falar do ponto de partida de, em favor de ou
em nome de uma raça, classe ou gênero - para não dizer da própria história?
A história tem sido dominada por "pontos de vista hegemónicos", Berkho-
fer assinala (para não dizer vozes ensurdecedoras) J e esse é um dos alvos
da nova filosofia da história (tanto quanto, mais uma vez, a "nova história"
do período romântico) para tornar visíveis os pontos de vista escondidos,
as vozes suprimidas, de atores e vítimas de fora da "Grande História" que
gerações de historiadores procuraramJ pelo menos até o "fim" de tal histó-
ria, como Francis Fukuyama anunciou. A solução para o relativismo impli-
cada por essa crítica jaz de algum modo, Berkhofer pensaJ na representação
da polivocalidade - ou seja, dialogismo e múltiplos pontos de vista (um
Rashomon ou um modelo joyceano de narrativa histórica?) para satisfazer
as pressões pós-modernas de multiculturalismo e as vozes que se levantam
pedindo para que sejam escutadas sobre as linhas oficiais da história linear.
Como Berkhofer, Allan Megill também se opõe às grandes narrativas
como as representadas na superfície da l'histoire événemeniielle." Megill vai

30 A. Megill, "'Grand Narrative' and the Discipline of History", in F. Ankersmit e H. Kell-


ner (orgs.), A New Philosophy ofHistory, op. cit., pp. 151-730

KELLEY 413
ao encalço do argumento pós-moderno de Lyotard e de fato o segue até •
fim, negando mesmo a possibilidade de uma narrativa unificada e univera-
lista ao longo das linhas simples de qualquer ponto de vista ideológico, se;.
conservador, liberal ou radical: "é impossível e mesmo indesejável", Megi1I
acredita, "h omogeneizar ou sintetizar a diversidade", a diJférance de Derrida,
que o fim do século XX nos revelou. Na base dessa crítica ao projeto m0-
dernista, Megill registra algumas regras um tanto quanto universais sobre
como evitar as mentiras da História como História Única: a saber, rejeita
qualquer noção de um único método ou objeto autorizados, opera em ter-
mos interdisciplinares, reconhece os aspectos ficcionais da escrita história
e, por fim e paradoxalmente (parafraseando o "historicizar sempre!" - hoje
superado ou talvez desacreditado - de Frederic jameson), "Teorizar sem-
pre!" Mas - questão perene - como transformar essa teoria em prática his-
toriográfica? E que tal (perto de chegar à ll~ tese de Marx sobre Feuerbach)
"Sem pre inquirir!"? Pois alguma história, de qualquer ponto de vista, está
. sempre apenas começando.

AVENTURAS NO TEMPO E NO ESPAÇO

A despeito de hábitos e continuidades, o estudo da história se tornou algo


bem diferente do pequeno e confortável campo que parecia ser em meados
do século XX, e isso especialmente por causa das mudanças demográficas e
geracionais, ainda que essas estejam, evidentemente, ligadas a correntes cul-
turais, sociais e políticas mais amplas do desfecho do que se tem chamado
"Guerra dos Trinta e Um Anos". Os horizontes chicago-, americo- e euro-
cêntricos (a despeito do que esteja pela frente) que eu esperava cruzar meio
século atrás recuaram mais rápido do que meu conhecimento pessoal ou de
qualquer outro pudesse ter a esperança de alcançar ou mesmo apreciar} com
exceção de alguma retrospectiva imaginária. Olhar ao redor é mais difícil do
que olhar para trás, mas parece estar chegando ao fim essa investigação com
um breve circunspecto do estado atual do campo - visto antes como euro-
centricamente e por meio das mais notórias línguas ocidentais e categorias
pelas qu ais a "história" tem sido definida.
Uma tarefa básica da erudição histórica tem sido sempre sondar o pas-
sado profundo - a "arqueologia" a respeito da razão por que Tucídides}ao

414 CIRCUN SPECÇÃO E PROSPECÇÃO


contrário de Heródoto, era tão cético. Minha primeira introdução à história
mtiga na escola começava com a região entre os rios Tigre e Eufrates, ainda
que supostamente destacada da velha história bíblica que ainda sustentava
~ fé da parte fundamentalista da minha família e que de fato eu aprendi
mnemonicamente na escola bíblica (ainda que Herder houvesse transcen-
dido o paroquialismo um século e meio antes). Perto do fim do século pas-
sado, a despeito da resistência dos criacionistas e obscurantistas de plantão,
~ figura havia se modificado radicalmente através de achados paleontológi-
cos e arqueológicos, técnicas de pesquisa de DNA acrescidas à datação de ra-
diocarbono (suplantando a velha dendrocronologia) e crescente consenso
sobre a localização das origens do homem na África - exacerbada pelas
controvérsias que cercavam as provocativas publicações de Martin Bernal
e seus cr íticos,"
A principal consequência disso tem sido uma nova (neo-herderiana)
forma de história conjectural que minimiza a importância do "milagre grego"
e, pelo exame de restos materiais, procura traçar o caminho da humanidade
do sul da África à Ásia e Austrolásia, Europa e América ao longo de deze-
nas de milhares de anos através de uma mistura discutível de assentamentos
pacíficos e conquista militar. Um resultado secundário é a vasta expansão
da história global, com mapeamentos em larga escala e sondagens minucio-
sas em contatos entre culturas, gênero, raça, tecnologia, ecologia, questões
de fronteiras e estudos coloniais e pós -coloniais muitas vezes tendenciosos,
que como tantas vezes antes buscam outras disciplinas para fundamentar o
entendimento histórico. Que ainda não exista uma "gran de narrativa", isso
se deve menos às ideias da "Pós-modernidade" que à expansão dos horizon-
tes e à fragmentação da pesquisa interdisciplinar e das teorias competitivas.

31 Ver, por exemplo, Clive Gamble, T imewalkers., lh e Prehistory of Global Civilízation.


Camb ridge (MA), 1994; Peter James , Centuries oj Dorkness. New Brunswick: Rutgers
University Press, 1993; Steven Mithen, lhe Prehistory of theMind: lhe Cognitive Origins
of Art, Religion, and Science. Londres: Thames & Hudson, 1996; Jared Diamond, Guns,
Germs, and Steel: lhe Fates oj Human Societies. Nova York:W. W. Norton, 1997; também
Martin BernaI, BlackAthena Writes Back. Durham: Duke University Press Books, 200l,
com cumprimentos para Walker Burkert, lh e OrientalizingRevolution: Near Eastem
Injluence on Greek Culture in the EarlyArchaicAge, trad. Margaret C. Pinder e Walter
Burkert. Cambridge (MA): Harvard University Press, 1992.

KELLEY 415
Desde Cícero e antes, a história tem sido associada e mesmo identificada
com a memória, mas também com a imaginação; e a introdução da egop-
sicologia e do "psicologismo" na investigação histórica convida à confusão.
Esse é um dos legados do trabalho pioneiro de Halbwachs sobre a memória
coletiva, no surgimento da marca de razão sociológica de Durkheim. Esse
trabalho tem dado uma base material mais específica ao movimento enca-
beçado por Pierre Nora sobre "os lugares da memória", que se expandiu da
França para outras tradições nacionais. Tentativas de ler as fontes escritas
com vistas à cultura oral prosseguem com crescente audácia e engenhosi-
dade, com exemplos arbitrários, como o fundamento de Jan Assmann ao re-
cuperar vestígios da civilização egípcia no Ocidente, o trabalho de Gordon
Shrimpton sobre a historiografia antiga como uma forma de comemoração
pública e transmitida (e de julgamento da "verdade"), o exame filosófico
feito por Janet Coleman da memória antiga e medieval, a jornada "da me-
mória ao texto escrito" de Michael T. Clanchy, o estudo de Patrick Geary
dos nomes medievais e de outros sinais de lembrança refletidos nos regis-
tros e nas histórias, o trabalho de Mary Carruthers sobre as artes medievais
da memória e os hábitos de leitura, a exploração do letramento medieval e
da comunicação escrita, por Rosamond McKitterick, e a ênfase de Elisabeth
van Houts no contexto cultural da historiografia medieval." Os estudos da
memória também fizeram seu caminho pelas histórias política, diplomática
e militar recentes, sem mencionar o Holocausto, as perspectivas revisionis-
tas do nazismo e do comunismo, e a mudança da ideia de Europa.v Ainda

32 Go rdon S. Shrírnpton, History and Memory in Ancient Grcece.lvlo ntreal: McGill-Q\Jeen"


Un iversity Press, 1997; J an Assmann, Moses theEgyptian: Tlte A-Iemoryof Egypt in Westem
MonoOJeism . Cambridge (MA): Harvard University Press, 1997j J anet Co leman, Anciem
and MedievalMemories: Studies in the Reconstl1/ctioll of the PastoCam bridge: Camb ridge
Uníversity Pr ess.j çça: Patrick). Geary, Phantoms oj Remembrance: Memory and Üblivion
at theEnd of th»First Millellrlilllll. Princeton: P rinceton University Press, 1994i Mar)' Caro-
thers , Tlle Book ofMemory: A Study ofMemory in Medieval Culiure. Cam bridge : Cambrid-
ge University Press, 1990; Rosamond McKitterick, -nlC Carolingians and the Writtell Word.
Cam bridge: Cam bri dge University Press, 1989, e id.(org.), 'Ihe Usesof Literacy in Early
Medieval Europe.Cambridge: Cambri dge University Press, 1990, e Van H out s, Memory and
GenderinMedieval ElIrope. To ron to : University ofToronto Press, 1999.
33 Jan-Werner Müller (org.), MemoryandPowerin Post-War Europe: Studies in the Presence
of the PastoCambridge: Cambridge University Press, 2 0 02.

416 CIRCUNSP ECÇÃO E PROSPECÇÃO


assim a memória coletiva, que é tanto análoga à psicologia individual (e pro-
funda), permanece uma forma de história conjectural, mais valiosa para a
síntese do que para a análise.
As velhas especialidades, incluindo as histórias política, institucional,
eclesiástica e social, continuam pelos canais cavados séculos antes, ainda
que a paisagem mude de tempos em tempos, enquanto a história cultural
se espraia por todas as direções para acomodar a vida moderna (e pós-mo-
dema). Uma tendência da investigação histórica, ainda que à disposição d~
pensadores acadêmicos há dois séculos ou mais, parece ter se tomado uma
premissa da escrita da história, e isso é (para adotar uma fórmula atual) a
substituição da realidade pela "representação" e a admissão do historiador
nos campos de ação e criação. ''Algo aconteceu" (na frase de Panofsky), mas
não existe na consciência humana até que tenha sido registrado e inter-
pretado, se não explicado." Daí que a "questão da objetividade", há muito
deixada de lado como algo irrelevante ou mal formulado por acadêmicos
europeus, ainda marca presença nos círculos acadêmicos norte-americanos
para sancionar uma compilação e crítica histórica recente e para ser levada
a sério por algumas lideranças do ofício histórico." Como os físicos, os eco-
nomistas há muito entenderam que o ato de observar e formular (e comu-
nicar) causa distúrbios ao campo que se observa, de modo que o obser-
vador não é uma parte - não objetiva - do processo. Os historiadores não
precisam chegar a esse ponto, mas eles têm voltado a atenção, muitos deles,
dos crus e inacessíveis fatos da ação política para o segundo grau de uma
expressão política essencializada e uma "cultura política': E daqui o passo
é pequeno do texto ao contexto, da criação cultural à construção cultural,
que pode suprir condições e mesmo explicações para, digamos, trabalhos
de arte e descobertas científicas tanto quanto para a ação política. É ver-
dade que os acadêmicos muitas vezes tentaram manter um pé na base social

34 D. R. Kelley, "Something Happened: Panofsky and Cultural H istory", in Irving Lavin


(org.), Meaningin theVisualArts: Views from the Outside, A Centenn ial Commemoration
ofErwinPanofsky (1892-1968). Princeton: Princeton University Press, 1995, pp. 113-21.
35 Peter Novick, That NobleDream:'Ihe "Objectivity Q;lestion" and theAmericanHistorical
Profession. Cambridge: Cambridge University Press, 1988,e AlIan Megill (org.), Rethin-
kingObjectivity. Durham: Duke University Press Books, 1994.

KELLEY 417
dando enfoque a "práticas" (fantasma da "práxis" marxista) - "historia": •
res não fazem literatura" - , mas a tela de interpretação e julgamento critic
permanece em seu lugar,"
Não obstante, essa mudança de dimensão é) sobretudo, uma questão c:
retórica e tema, e a pesquisa continua a enfocar fenômenos sociais - ou s;:-c
representações de fenômenos sociais -, da nacionalidade aos espet ácuk .
públicos e ao cotidiano. A distância entre o mundo e o local - macro- e IL
cro-história - é maior do que nunca) com poucas maneiras de desfazer S L~,­
separação; e o ganho nas esferas geográfica e cultural tem sido de muitas fe'-
mas compensado por um estreitamento da perspectiva, de modo que nerr,
os profissionais de história mundial, nem historiadores da cultura po ssar.-
manipular uma perspectiva profunda em suas próprias fontes e práticas. Nc
que diz respeito à historiografia, a tendência tem sido uns poucos críticos ;;
teóricos autorizados enfocarem as modas e opiniões contemporâneas) CO:T1
outros artesãos e artesãs da história sendo recolhidos, na melhor das hipó-
teses, às bibliografias, que nos dias de hoje significam a lixeira da disciplina.
Na história intelectual tem havido uma pronunciada viragem das dou-
trinas e das escolas à recepção, interpretação (e tradução) e transmissão
dos autores aos leitores, e assim uma retomada dos campos modernos de.
retórica e da hermen êutica." Juntamente com essa consciência da dist ância
entre a mensagem concebida e enviada e a mensagem recebida tem apar e-
cido um interesse renovado na questão da verdade e suas várias facetas - ou
melhor, "o que se passa por verdade" em contextos particulares." Outro

36 Ver Roger Chartier, On theEdge of the Cliff History, Language and Pradices, trad. Lydia
G. Cochrane. Baltimore:Johns Hopkins University Press,1997, pp. 19, 26; e C. Gallagher
e S. Greenblatt. PraaicingNew Hisioricism, op. cito
37 Ver, por exemplo, Kathy Eden, Hermeneutics and the Rhetoric Tradition: Chapters in
theAncientLegacyand Its Humanist Reception. New Haven: Yale University Press, 1997;
Ruth Morse, Truth and Convention in theMiddleAges: Rhetoric, Representation and &a-
lity. Cambridge: Cambridge University Press, 1991; e Rita Copeland, Rhetoric, Herme-
neutics, and Translation in the Middle Ages: Academic Traditions and Ve~nacular Texts.
Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
38 Marcel Détienne, 'Ihe Masters of Truth in Archaic Greece, trad. Janet Uoyd. Nova York,
1996, e Christopher Gill e T. P. Wisemen (orgs.), Lies and Fiction in the Ancient World.
Austin : University ofTexas Pre ss, 1993.

418 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


do de evitar a reivindicação de obj etividade ou acesso direto a um fen ô-
-eno particular é de sign ar a investiga ção como "a cultura de (o que quer
: _:: seja)", e exemplos dessa prática são incontáveis (ou pelo menos conti-
uam a se acumular na web todos os dias). "A cultura é uma da s duas ou três
oalavras m ais complicadas da língua in glesa", escreveu cert a ve z R aymond
.i lliams, e é claro que o me smo vale p ara outras línguas. De fato, a "cultura"
~ urna monstruo sidade semânti ca - or a laudatória, ora ofensiva. Ide alista
:- materialist a, alta e b aixa, mi cro scópica e global, exclusiva e exp ans iva, e,
-, J século passad o, a "cultura" se torn ou tão am orfa que de safia qu alquer
I efin i çâo, exceto como uma forma muitas ve zes sup érflu a - ainda que para
muitos in evitáve l - de indicar con texto s hum anos e conexões com outros
:'~ n ô m e no s indeterminados e aleatórios. Um dos b enefícios colaterais tem
sido con cede r a "cultura" a minorias perseguidas e despo ssuíd as como tra-
b alhado res, escr avos ou víti mas do domínio sov iético, ademais de fazê-la,
corno William s, uma espécie de revolu ção moderna."
Sob o contínuo impulso da antrop ologia (seguin do Vico, Heyne, Her-
d er e os críticos do racionali smo kantiano) , os hi storiadores son da m os
paradigm as cultura is subj acentes às civilizações refletidos na s fontes artís-
ticas, literárias e filosófic as e conduzidos como modelo s educacionais, com
uma ênfase na diferença e n a "alteridade" - o Outro, remoto no espaço e
no tempo ou n ão, filo soficamente antecipado pelo A ndersein de Hegel. "
O interesse no estranho, ou b árbaro, é tão antigo qu anto a própria arte oci-
dent al da h istória, como se evidencia pela perspectiva dos cit as em Heró -
do to. Para François Hartog, o logos cita de Heródoto não poderia revelar
as tribos "reais" refletidas na evidência arqueológica extern a, m as apenas os
"n óm ades imaginários" que satisfaziam as necessidades culturais do s atenien -
ses, e ele perseguiu a qu estão em contextos poéticos ain da mais antigos." As
representações modernas da alteridade, como no s primeiro s exploradores

39 Raymo nd Williams, Tlie Long Revotution. H armond sworth: Chatto & W indus, 1961.
40 S. C. Hu mph reys, A nthropology and the Greeks. Londres, 1978.
41 Fra nçois Ha rt og, The M irror of Herodotus: 'Ihe Representation of the Other in the W ri-
ting of History . Berkeley: University of California Pr ess, 1988, e Memories of Odysseus:
Frontier T alesfrom An cient Crcece, Chicago: University of Chicago Pre ss, 20 01, amb os
traduzidos porJ anet Lloyd.

~ E L LE Y 419
da América, têm sido vistas do mesmo modo como projeções de um "ni:J5-
cultural fixado tentando construir um sentido etnográfico do estranho "eles:
A busca de Outros culturais é um passatempo popular dos primeiros modes-
nistas, ainda que mais uma vez a primazia da representação sobre o encoe-
tro direto é aparente no reconhecimento de uma retórica convencional da
alteridade designada para celebrar o maravilhoso, o excêntrico e o sem ~
cedentes. Lorraine Daston e Katherine Park forneceram um levantamento
das "maravilhas" da natureza - milagres, monstros, prodígios} curiosidades.
relíquias, erros e brincadeiras da natureza - que desafiam a "ciência normal",
mas também expandem os horizontes dos aspectos imaginativos terrificae-
tes do conhecimento."
Se a história precisa confiar na conjectura e.na imaginação para sondar
o passado, ambas são igualmente necessárias para conceitualizar os espaços
da atividade humana, que, mais do que o tempo, oferecem um convite para
que se solicitem outras ciências humanas, mais estáticas, para seu auxílio,"
Outra área controversa do espaço histórico é a "esfera pública", que, no sur-
gimento da brilhante Habilitationsschift de Jürgen Habermas, de 1962, tem
sido longamente debatida não apenas por teóricos sociais e políticos, mas
também por historiadores, especialmente dix-huitiémistes," Essa análise
clássica de Habermas é hoje um produto já datado da Escola de Frankfurt.
uma forma revisionista de marxismo, e designado como parte de um ramo
datado da "transição do feudalismo ao capitalismo" que não tem sido igno-
rado por críticos e admiradores. Para Habermas a "opinião pública" (oifentli-
che Meinnung, opinion publique) é uma criação da nova "esfera pública" que

4 2 Lorraine Daston e Katherine Park, Wonders and the Order of Nature, 1150-1750 . Nova
York: Zone Books, 1998,
43 Ver Theodore M. Porter e Dorothy Ross (orgs.), TheCambridge History ojScience, v. VIII:
'IheModem Social Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
44 Jürgen Habermas, The Structural Transformation in the Public Sphere:An Inquiry into a
Category ofBourgeois Society, trad. Thomas Burger. Cambridge ( MA): MIT Press, 1989;
Craig Calhoun (org .), Hab ermas and the PublicSphere. Cambridge (MA): MIT Press,
1992; Peter Uwe Hohendahl, "Critícal Theory, Public Sphere, and CuIture: Jürgen Ha-
bermas and His Crit ics", in 'Ihe lnstitution of Criticism, trad. Marc Silverman. Ithaca:
Comell University Press, 1982; eJames Van Horn MeIton, TheRise of the Publicin En-
lightenment Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 20 01.

420 CI RCuNSP ECCÃO E PROSP ECCÃO


acompanha a "nova ordem social" do capitalismo, na qual "notícias" tornam-
-se uma mercadoria e a "publicidade" uma força não apenas para a ilustração,
mas também para a ideologia revolucionária e para a ação política. É um
lugar-comum da teoria marxista e hegeliana que a "sociedade civil" seja um
snbproduto da economia de mercado; mas, enquanto isso é razoável para
um contexto moderno inicial, trata-se de uma identificação crua e míope
na longa perspectiva do discurso e da ação política, especialmente do que
se tem chamado de humanismo "cívico" - e "civil'." O "hum ani sm o cívico"
é a formulação em inglês de Hans Baron para Bürgerhumanismus, um termo
que originalmente poderia ter sido traduzido como "humanismo burguês",
salvo por Baron ter querido enfatizar os aspectos clássicos e republicanos de
longa duração do conceito."
Em sua análise Habermas reconhece um amplo conjunto de veículos
sociais de opinião pública na sociedade civil, incluindo associações, salões,
cafés, galerias de arte, teatros e, especialmente, o jornalismo; e reconhece o
aparecimento inicial desses fen ômenos.'? Não obstante, para ele essas coisas
estão sempre atadas ao fenômeno do capitalismo "emergente", e seu foco
se fixa no período pré-revolucionário, quando a opinião pública parecia se
erguer a um nível político. De fato, contudo, ainda que a expressão "opinião
pública" tenha aparecido no século XVIII, o fenômeno, ante literam, tem
antecedentes mais remotos, retomando a antiguidade na forma do direito
"público" que se opõe ao "privado" e recorrente através da história euro-
peia. Mais fundamentalmente, público versus privado (ius publicum versus
iusprivatum), a república versus a propriedade privada (respublica versus res

45 Donald R. Kelley, "Civil Science in the Renaissance : ]urisprudence Italian Style".


Historical Journal, 22, 1979, pp. 777-97j "Civil Science in the Renaissance: ]urisprudence
in the French Manner", History of European Ideas, 2,1981 , pp. 261-76; "Civil Science in
the Renaissance : The Problem ofInterpretation", in A. Pagden (org.) , 'Ihe Languagesof
Politicai Theory in Early Modern Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 1987,
pp. 57-78.
46 Hans Baron, ln Search of Florentine Civic Humanism : Essays on the Transition from
Medieval to Modern Thought [195s]. Princeton: Princeton University Press, 1966, de-
dicado a]aegerj ] aeger, Paideia: TheIdeais of GreekCulture, v. I, trad . Gilbert Highet.
Nova York, 1945, p. 436 , "humanismo político".
47 James Van Horn Melton, The Rise of thePublic iII theEnlightenmeni Europe, op. cito

" ELLE'( 421


privata)} soberania versus pátrio poder são as polaridades estabelecidas lU
tradição do direito romano e nas manifestações modernas.
A perspectiva recortada e politizada de Habermas negligencia o fato de
que as origens históricas da "opinião pública" e da "esfera pública" são pré-
-modernas (e de fato pré-medievais) e uma função da cultura de elite} como
ilustrada pelo estudo de Erich Auerbach da linguagem literária e seu pú-
blico (Publikum) na antiguidade tardia e na Idade Média} que para ele eram
precondição de uma "vida cultural e social comum em nosso planeta';"
Rosamond McKitterick mostra uma extensão subestimada do letramento
e da cultura escrita no período carolíngio} enfatizando seu papel na troa.
intercultural, ainda que sem levantar conclusões sobre o nível teórico do
trabalho de Habermas.r' Outros indícios medievais da esfera pública} que
se configurava} foram recentemente compilados por Sophia Menache, que
escreve a respeito de um "processo de formulação da opinião"} do papel
do rumor} dos sermões} dos veículos escritos e orais que correspondiam
às "notícias"} o significado das peregrinações e das viagens e (o que é mais
impressionante) a propagação das heresias no fim do período medieval.?
Centrais para a formação da opinião pública moderna são as redes de co-
municação produzidas pela Igreja e pelo Estado} incluindo a disputa de sis-
temas legais baseados nas fontes e procedimentos do direito romano} civil
e canónico, e a literatura polêmica dos "publícistas" (Publizistik)originadas
na querela das Investiduras e no conflito entre Bonifácio VIII e Filipe IV?
Essencial) também} era a profissão de jurista} uma comunidade internacio-
nal de profissionais que constituíam uma "república de juristas" (respublica
jurisconsultorum) e contribuíam para o .que Meinecke chama uma "cultura
de oficiais"> Deve-se lembrar também que os advogados} que contribuíam
tão fortemente para o movimento humanista na Itália e para o saber secular
pela Europa} também formavam uma parcela significativa da República das

48 Erich Auerbach, Literary Languageand Its PublicLate Latin Antiquity in the Middle Age,.
trad. Ralph Manheim. Nova York: Pantheon Books, 1965.
49 Rosamond Mckítterick, The Carolingians and the Written Word) op. cit., e ido (org.), Tn:
Uses of Literacy in Ear/yMedievalEurope, op. cito
50 Sophia Menache, The Vox Dei: Communication in the Middle Ages. Nova York, 1990.
51 R. Scholz, Die Publizistik zur Zeit Philippe des Schônen und Bonifaz VIII. Stuttgart, 1903 .
52 G. A. di Cennaro, Respublica jurisconsultorum_ Nápoles) 1752.

422 CIRCU,\iSP ECCACJ E RRCSRESCAo


Letras, que foi reforçada também pela universidade na Baixa Idade Média e
pelo movimento humanista,v
Outro fator de importância para a emergência da opinião pública e de
mna esfera pública foi a tradição antiga e especialmente ciceroniana da re-
IÓrica forense, que - em particular contraste com a filosofia - enfatizava e
celebrava as virtudes da "ciência civil" e a força persuasiva da oratória p ú-
blica.H Isso representa a dimensão retórica do "humanismo cívico", nascido
Da política violenta das cidades-estado italianas, mas estendido também a

outras partes da esfera pública europeia. Segundo Melanchthon, "é pela elo-
quência [oratio] que [direitos, religiões, casamentos legítimos e outros laços
da sociedade humana] são mantidos em comunídades'í» Mas, se a retórica
contribuiu para a solidariedade social e para as formas públicas de virtude,
ela poderia também, quando divorciada da verdade, produzir revoluções e
desordem pública. "A retórica é uma ferramenta inventada para manipular o
populacho e os baderneiros [ ... ] em Estados doentes [ ... ] como em Atenas,
Rodes e Roma [ ... ], onde as coisas iam de mal a pior e quando as tempesta-
des das guerras civis as agítavam.?" Isso era o lado obscuro da esfera pública,
que também atraiu os historiadores modernos.
O que colocou a República das Letras no mapa, além da itinera acadê-
mica e da correspondência erudita, foi o extraordinário aumento de livros
impressos e periódicos nos séculos XVI e XVII. Entender as fundações his-
tóricas da esfera pública é útil para lembrar a mais do que debatida porém
pouco entendida tese de Elizabeth Eisenstein sobre a imprensa como agente

S3 Rob erto Wei ss, TheDawn ofHum anism in Italy. Londres: s.n., 1947, e Donald R. Kelley,
RenaissaneeHumanism. Boston, 1997.
54 Ver o artigo clássico de Hans Baron, "lhe Memory of Cícero's Roman Civic Spírít in
the Medieval enturies and in the Florentine Renaissance", in ln Seareh ofFlorentine Civie
Humanism,v. I, op . cit., pp. 94-133.
SS Citado por Brian Vickers, ln DefenseofRheioric. Oxford: Oxford University Press, 1998,
p.194·
56 Citado por Mare Fumaroli em James 1: Murphey (org.) J RenaissanceEloquenee. Berke-
ley: University of California Press , 1983, p. 255i e ver M. Fumaroli, L'Agede l'éloquence:
Bh étorioue et "res /iteraria" dela Renaissanee au seuii de l'époque classique. Paris: Librairie
DroZ,1980 .

KELLEY 423
de mudança," No século XVI a imprensa havia se transformado em rede c:.
mercial tanto quanto em arte de uma elite intelectual. A arte tipográfica eD
uma fonte de esclarecimento e subversão, de saber humanista e de protes1D
popular: e foi ao mesmo tempo promovida e reprimida pelo saber huma-
nista e pelo protesto popular, e foi ao mesmo tempo promovida e reprimida
pelo Estado. Desde os humanistas da Renascença, reforçada pela visão dr
Bacon, a chegada do livro impresso fascina historiadores, e esse fenômeno
tem sido engrandecido pelo trabalho de Lucien Febvre, Henri Jean Martia
e Elizabeth Eisenstein, seguidos por uma nova geração de bibliófilos histó-
ricos, incluindo Roger Chartier, Robert Darnton, Carlo Ginzburg, Anthony
Grafton, Ann Blair, Jacob SoU e Adrien Johns. Nascida da ciência biblio-
gráfica e biblioteconômica, a história do livro passa pela história cultural
e intelectual para se tornar uma disciplina própria, ocupada do Ietramento,
das práticas de leitura, da autoria, da publicação e da recepção. O alerta de
Chartier, escrevendo à sombra de Foucault, é que o estudo dos textos não
deve ser confundido com o estudo dos pensamentos e das ações que estão
subjacentes a esses textos, mas que também seja o resultado da experiência e
da cultura histórica que toca ao livro em suas muitas formas, impressas e di-
gitais. Não obstante, permanece verdadeiro que a história do livro e seus de-
rivados em periódicos permaneçam ligados a eventos maiores, incluindo a
Reforma, a Nova Ciência, a Revolução Francesa e as disputas de um caráter
doutrinal ou público - ainda que não, é claro, como fatores especificamente
"causais" seguidos pelos argumentos de Eisenstein."
O livro impresso é apenas um aspecto de um campo mais amplo que se-
ria posteriormente chamado de moedia, da qual a parte mais conspícua é o
jornalismo, popular e letrado) que é quase tão antigo quanto o livro impresso
e que também produziu uma nova disciplina, ou subdisciplina, que é a his-
tória do jornalismo, que pode remontar aos tempos medievais." Há alguns

57 Elizabeth Eisenstein, lhe Printing Press as an Agent of Change. Cambridge: Cambridge


University Press, 1979, 2 v.
58 Ver Sandra L. Hindman, Printing the Written World: lhe Social History ofBook.s, circa
1450-1520 Ithaca: Cornell University Press, 1991.
S9 Sophia Menache, lhe Vox Dei: Communication in the Middle Ages. Nova York, 1990;
e ver Brendan Dooley, "From Literary Criticism to Systems Theory in Early Modem
Joumalism History", Journal of the History ofIdeas, 51, 1990, pp. 461-86.

424 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


mos examinei uma fase posterior do jornalismo no contexto da: propaganda
das guerras civis francesas) e mais recentemente houve uma exploração mais
ostensiva do jornalismo do século XVIII) especialmente por Robert Darnton,
Jeremy Popkin, Jack Censer e Nina Gelbart." O mesmo pode-se dizer do
estudo do jornalismo erudito) uma área negligenciada e recentemente explo-
rada por Françoise Waquet como fundamento da República das Letras e da
cultura política." Originalmente inteligência política) entretenimento popu-
lar e "notícias", o jornalismo se tornou não apenas uma fonte fácil de infor-
mação para os historiadores) mas também uma dimensão crucial da história
cultural) especialmente como fator decisivo na emergência da opinião pú-
blica) na formação de identidades sociais) conflitos de classe, manipulação
política) na promoção da guerra e na construção e invenção da nação. Desde
o início a invenção da impressão parecia um presente ambivalente - mira-
culoso e maldito - e é possível que a circulação de notícias no século XVII
tenha contribuído não apenas para a parcialidade do conhecimento como
para a suspeita e o ceticismo." De várias formas as duas faces do jornalismo)
a positiva e a negativa) têm persistido até os dias de hoje.
A história do livro é um campo em expansão no início deste milénio, a des-
peito das previsões e extrapolações catastróficas de peritos em bibliotecono-
mia sobre seu desaparecimento nos excessos da tecnologia eletrônica. Como
o livro foi celebrado na primeira era do boom da informação) o mesmo se dá,
em outra chave) em um tempo de "sobrecarga de informação', que marca o re-
sultado de longa duração da revolução tipográfica e os problemas da comuni-
cação moderna." Enquanto refreia a profecia) Marshall McLuhan invocou há
mais de uma geração o espetáculo de uma "nova era elétrica'l?' Essa é a época

60 Donald R. Kelley, The Beginningof Ideology: Consciousness and Society in the French
Reforrnation. Cambridge: Cambridge University Press, 1981,pp. :).13-52j Jack Censer, 'Ihe
French Press in theAge ofEnlightenrnent. Londres: Routledge, 1994.
61 Françoise Waquet, Le Modelefrançais et l'Iialiesavante (1660-1750). Roma: École Fran-
çaise de Rorne, 1989.
62 Brendan Dooley, TheSocial HistoryofSkeptícisrn: Experíence andDoubt in EarlyModern
Culture. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1999.
63 Ver os artigos de Ann Blair e outros no Journal of the HistoryofIdeas, 64, n, 2, 2003.
64 Marshall McLuhan, TheGutenberg Galaxy. Toronto: University ofToronto Press, 1962,
P·27 8.

KELLEY 425
em que vivemos e oferece} segundo um comentador} dois pesadelos, um e.
que tudo se perde e o segundo em que tudo se guarda - tudo, ou seja, exceID
pela sabedoria que a perspectiva história traz. Como a tipografia produziu tu.
sentido de história no Ocidente (uma hipérbole comum entre os historiado-
res do livro e da mídía), a nova tecnologia da informação poderia criar um
ambiente em que a história se toma impossível, irrelevante ou inútil, à medida
que desaparece no solvente universal da linguagem do computador.
O outro lado do espaço público é a esfera privada, o mundo doméstico e
o lugar do eu e do sujeito, onde padrões sociais são formados pelas relações
familiares} a vida em casa, a idade, a intimidade, a sexualidade, a criação de
crianças} a doença, a morte e o luto. Na história tradicional esse era o campo
das mulheres} e também da história das mulheres, ainda que com a onipre-
sença do gênero nos estudos culturais recentes, essa visão hostil mudou. Em
todo caso a conclusão tem sido reforçar a orientação da história como vida
e investigação - como campo da experiência e como campo da interpreta-
ção e da representação. Do tempo de Herder e do fim da vida de Ranke, os
historiadores têm se oposto às convenções idealistas dos filósofos, e no sé-
culo xx esse problema aparece em oposição à postura espiritualista da fe-
nomenologia, como é evidente na intencionalidade de Husserl e no Dasein
de Heidegger, especialmente na viragem da atenção de Merleau-Ponty da
mente (a alma) para o corpo como loeus e encarnação da percepção, da ex-
periência, do subjetivismo, do "estar-no-mundo" e da "filosofia da vida~6:;
Os historiadores, como sempre} chegaram atrasados para esclarecer com
mais detalhe essa virada epistemológica e colocá-la em um contexto cultural

o FIM DA HISTÓRIA

A história está sempre aberta a questões, mas alguns historiadores, espe-


cialmente os seduzidos pela teoria} preferem a clausura. Se no fim da fi-
losofia está a ideologia, e no fim da ideologia (na ausência de Revolução)

65 Maurice Merleau-Ponty, Phenomenology ofPerception, trad. Colin Smith. Londres: Rou-


tledge & Kegan Paul, 1962, pp. 67 ss. [ed, bras.: Fenomenologia da percepção, 3~ ed., trad.
Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 2006].

426 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


está a passividade, o que é o fim da história? Dizer "democracia libe ral" é
restaurar a ideologia, se não a filosofia, mas de fato a miopia infecta todos
esses julgamentos, partindo de nossa perspectiva, já que muitas questões
permanecem. A ideia de um fim da história pertence à filosofia ou à teolo-
gia da história, não à investigação histórica. É parte da tradição medieval
religiosa do milenarismo e da profecia apocalíptica convocada ao serviço
do ativismo social, especialmente no despertar da Reforma." Ainda as-
sim, pensamos antropomorficamente em termos de idades e estágios,
gênese e corrupção, vida e morte, e podemos muito bem nos perguntar
onde estamos na trajetória evolutiva que os historiadores têm visto, ima-
ginado ou debatido.
Os historiadores há muito são fascinados pela periodização, especial-
mente pela convenção antiga-medieval-moderna," e esforços para escapar
a essa trindade secular apenas a têm reforçado - referindo-me aqui à nova
reivindicação de uma identidade além da história, a saber, o pós-moder-
nismo. O termo foi primeiramente associado ao pessimismo spengleriano,
como no trabalho de 1917 de Rudolf Pannwitz sobre a "crise da cultura
europeia", ligando Nietzsche e seu übermensch ao niilismo, à decadência
e ao que Pannwitz chamou de "humanidade pós-moderna" (postmodernen
Menschen).68Desde então a palavra se espalhou por discursos literários, ar-
tísticos e arquitetônicos, tornando-se uma parte irrecusável do jargão his-
tórico e filosófico corrente na geração passada. Como um crítico alemão
apontou, "A palavra 'pós-m odern o' pertence à rede de 'pós-' conceitos e
modos de pensar" - e assim, a uma nova espécie de "ismo" para os jovens
jogarem na cara dos velhos, ou a esquerda jogar na cara da direita," Pode-
mos falar em giro "p ós-moderno', segundo a frase de Steven Seidman? Seria
ela uma virada de alguma maneira humana? O pós-modernismo supõe-se

66 Ver, por exemplo, Norman Cohn, lhe Pursuit of theMilIenium. Londres, 1957, e Kathari-
ne R. Firth, lhe Apoca/yptic Tradition in Reformation Britain, 1530-1645. Oxford: Oxford
University Press , 1979.
67 Ver KrzysztofPomian, L'Ordre du temps. Paris: Gallimard, 1984; Donald R. Kelley,
"Periodization in the West" (no prelo).
68 Pannwitz, DieKrisis dereurop ãischen Ku/tur. Nümberg, 1917, p. 674.
69 Albrecht Wellman, Zur Dia/ektik vonModerne und Postmoderne. Frankfurt: Suhrkamp,
1985, p. 4 8.

KELLEY 427
acima, ou além, do processo da história (a despeito da implicação temporal
do afixo "pós-"). A cronologia se torna irrelevante: nas palavras de Lyotard-
que definiu a "condição pós-moderna", mas não a localizou no tempo - ·0
ensaio (Montaígne) é pós-moderno, e o fragmento (o Athenaeum [dos
Sch1egeIJ) é moderno'." O pós-modernismo é um começo, podemos dizes;
que é definido como um fim: uma categoria histórica que procura a negr
ção da história. É uma espécie de vida da mente depois da morte do sujeito
e o fim das metanarrativas confortantes que costumavam dar sentido - um
único e estável sentido - à vida humana.
Muitos autores empregaram o termo entre o tempo de Pannwitz e o de
Toynbee, que o usou (com um ponto de interrogação) para nomear o pe-
ríodo que se seguiu à era moderna, começando em 1875, no qual Toynbee
pensou abrir um novo capítulo na história de no ssa civilização. Seu argu-
mento, formulado em 1934, era que o industrialismo e o nacionalismo ope-
raram a construção de grandes potências antes de 1875 e então se voltaram
contra elas depois, mas o termo "p ós-m oderno" não apareceu até a versão
abreviada de seu Study of History em 1946j e os usos atuais do termo têm
crescido logaritmicamente. "O que nós chamamos de pós-modernidade?",
pergunta Foucault, "não estou atualizado,"" Para essa questão não há "nós",
e a minha opinião certamente é a de uma minoria. No meu modo de ver,
o pó s-modernismo é um produto dos excessos do modernismo, e é difícil
estabelecer uma linha (ou encontrar um ponto de viragem) entre os dois,
especialmente enquanto o primeiro resiste às definições de tipo historiei-
zante sugeridas pela primeira parte do próprio termo. Como São Paulo, o
pós-modernismo é todas as coisas para todos os homens (e mulheres), e
assim o ex-marxista Seidman, na base de uma guinada pessoal, associa-o à
liberação homossexual - e enquanto puder ser um termo útil e irresistível
para sugerir os problemas do mundo nos primeiros anos deste milênio, ele

7 0 J ean-François Lyotard, lhePostmodernExplained. Minneapolis: University ofMinneso-


ta Pres s, \992, p. \5.
71 Michel Foucault, "Structuralism and Poststructuralisrn", Telos, 55, \983, p. 204. De fato
estou atualizado - pelo menos con sultei a web e encontrei mais de 5\ milentradas para o
termo "pós -moderno") e mais de \O mil para "virada pós-modema" - um pouco demais)
penso eu, para con stituir ainda uma novidade.

428 CIRCUNSP ECÇÃO E PROSPE CÇÃO


define uma viragem apenas no sentido mais genérico e subjetivo, ou} antes}
múltiplas viragens para uma era pós-marxista, pós-darwinista, p ós-nietzs-
chíana, pós-freudiana, pós-histórica e mesmo pós-humana."
Para os historiadores, o pós-modernismo é um processo de desconstru-
ção} de minar funda ções, e de negação das metanarrativas; mas, quanto a
isso, ele parece menos um ponto de partida do que uma extensão radical de
tais linhas modernistas e antifundadoras de pensamento, como a destrui-
ção da metafísica de Heidegger}o princípio de complementaridade de Niels
Bohr} o indeterminismo de Werner Heisenberg, a filosofia do "como se" de
Hans Vaihinger, a crítica da metalógica de Kurt Gôdel e as novas modas no
que se tem chamado de "nova revolução científica" de caos e complexidade."
Nessa perspectiva geral o pós-modernismo pode de fato ser visto como uma
continuação do aspecto negativo do projeto iluminista - e o que um filósofo
moderno chama de "projeto moderno de rigor" de Descartes a Nietzsche -J
ou seja; ceticismo, crítica e metacrítica, que cada geração aceita sempre
novamente." Com a razão chegada a seu termo, a viragem é para a imagi-
nação, ou para a história; memória e emoções exauridas} a mudança é para
a ciência; positivismo ineficiente, para as ciências humanas; modernismo
esgotado} para o pós-modernismo - e então o que vem depois? Para onde
podemos nos voltar? Cada geração tem sua viragem, ou retorno, ou fuga} ou
combate, ou superação} e quem sabe onde e quando o próximo ponto de
viragem aparecerá, ou quem terá o crédito por ele? Nós chegamos ao fim,
e agora ao começo, de um milénio, e talvez este seja um ponto de inflexão
também} mas do quê para o quê não estamos em posição de dizer, ainda que
continuemos a perguntar.
a que parece claro é que esta geração viu o fim das ideologias geradas
e então desacreditadas pelas guerras mundiais da primeira metade do sé-
culo passado [século :xx]. a
comunismo e o fascismo ambos tiveram

72 Ver Katherine Hayles, ChaosBound: Order/y Disorder in Contemporary Literatureand


Science. Ithaca: Cornell University Press, 1990 .
73 Ver Michel Waldrop, Compiexit»: 'IheEmerging Science at the Edge of Orderand Chaos.
Nova York: Simon & Schuster. rçça.
74 PatrickMadigan, TheModernProject to Rigor: Descartes to Nietzsche. Lanham, Maryland:
University Press of America, 1986.

KELLEY 429
profundas raízes e foram dominados por personalidades patológicas que
impuseram uma agenda pessoal em um programa político e social: e os his-
toriadores}mesmo aqueles não ligados à historiografia contemporânea, têm
de manobrar entre esses extremos} deixando para trás um vasto apanhado
de literatura contaminada adequada apenas para se tomar material de exame
e diagn óstico." Como a erudição medievalista na Alemanha foi infectada
pelos excessos do nacionalismo anacr ónico e do racismo} a historiografia
da França revolucionária experimentou uma revisão de esquerda à luz da
revolução russa} e é claro que os historiadores do século xx (histoire contem-
poraine, Zeitgeschichte) foram pegos pelos redemoinhos da ideologia e dos
revisionismos do pós-guerra que moveram profissionais dentro e fora do
serviço público. O que sobrevive} é claro}são os nacionalismos que colorem
e distorcem os globalismos do período que sucede a desagregação do Im-
pério Soviético} a formação da União Europeia e o surgimento do que boa
parte do mundo reconhece como um novo imperialismo norte-americano.
A impressão de Daniel Bell é a de que o "fim da ideologia" parece ainda mais
apropriado do que durante a Guerra Fria.
A história é sempre passado (como de fato é sua escrita}, mas ela tem
um fim? No campo imaginário do pós-modernismo a resposta é talvez
sim (mas com a pergunta seguinte) para quemj ), é de fato mais do que um
fim, por enquanto a grande narrativa imaginada não apenas não termina (a
implicação do argumento de Lyotard) como não existe} as mininarrativas
fragmentárias construídas em contextos particulares e de pontos de vista
particulares devem todas acabar e ser suplantadas - e suplantadas} de fato}
por outra guinada da "história" Assim} se pós-moderno e pós-humano} por
que não "pó s-hist ória", um termo e conceito que de fato apareceu} ou reapa-
receu, no fim de nosso mil énio?" Este parece marcar um fim das guinadas}
mas há uma história para a pós-história também. Durante o período nazista

75 Ver François Furet, ThePassing of an Illusion : 'IheIdea of Communism in the Twentieth


Century, trad. Deborah Furet. Chicago: University of Chicago Press, 1999.
76 Lutz Níethammer, Posthistorie: Has History Come to an End?, trad. Patrick Camiller.
Londres: Routledge, 1992j Francis Fukuyama, The End of History and the Last Man.
Nova York: Free Press, 1992, e "lhe End ofHistory, Five Years Later", History and
'Iheory, n. 34, 1995, número temático, pp. 27-43 ; ver também Gianni Vattimo, The End of
Modernity, trad.Jon R Snyder. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1988.

430 CIRCUNSPECCÀO E PROSPECCÀO


Arnold Gehlen dizia ter tomado o termo "posihistoire" de Antoine Cournot,
que (ainda que a palavra não aparecesse em seu trabalho) na década de 1860
avaliou o período moderno tardio transformado pela ciência e pela razão
secular. Gehlen associou "p ós-história" à extrema secularização e à queda do
idealismo alemão, uma tendência que ele pretendia reverter, e de fato no fim
do século esse neologismo (como "pós-moderno" em sua primeira acepção)
roi muitas vezes associado com decadência e decl ínio." Mais recentemente
ele adquiriu uma aparência mais positiva e realmente progressista) muito
embora mesmo assim no fim do milênio "pós-história" parece pouco mais
do que um topos desenvolvido para evocar a qualidade especial do presente
momento e talvez a irrelevância de antigas perspectivas históricas e do velho
historicismo. Depois de 1989 Francis Fukuyama pontificou o "fim da histó-
ria', e então comentou ironicamente o "fim da história cinco anos depois",
ainda que estivesse apenas repetindo um lugar-comum de Hegel) que viu
seu tempo como "o último estágio da história) de nosso mundo, de nosso
tempo'; " Mas como T. S. Eliot escreveu, "em nosso fim está nosso começo".
Mas quem é o "nós" que jaz sob "nosso" fim e começo? Teríamos "nós"
envolvido o "outro" com quem compartilhamos "nosso" globo? O primeiro
volume deste trabalho começou com o conceito das duas faces dos dois
grandes historiadores fundadores, Heródoto e Tucídides, e abordando o
fim podemos retomar essa distinção simbólica, esse tempo para representar
a diferença entre a história primeira e a contemporânea - e também entre
história local e global (nacional ou étnica). No apêndice bibliográfico de seu
Method of History, Jean Bodin distinguia, na ordem descendente das histó-
rias que Ieern, os historiadores universais) os "geografistoriadores universais "
e os historiadores de religiões (ou superstições) particulares e nações, do
Oriente e do Ocidente, seguidas de biografias, e parece-me que essas catego-
rias, concebidas pela pedagogia histórica do século XVIII, ainda têm funcio-
nalidade, assim como o lógico descende do geral ao particular. A princípio,
a "história universal " (historia katholike, denominação cunhada por Políbio)

77 L. Niethammer, Posthistorie, op. cit., e G. Vattimo, lhe End ofModernity, op. cit.
78 Georg Wilhelm Friedrich Hegel, lhe Philosophy of History, trad. J. Sibree. Nova York:
Dover, 1944, p. 442 [ed . bras .: Filosofia da hist ôria, 2~ ed., trad . Maria Rodrigues e Hans
Harden. Brasília: UNB , 2008].

KE LLEY 431
foi concebida como a soma das histórias nacional ou especial, ou mais re-
centemente civilizações, e depois a humanidade heterogênea foi concebida
em diferentes organizações formais e informais do imperial (Roma e seus
êmulos) ao ecumênico e aos modernos "sistemas mundiais"; mas em uma
era de globalismo, "metageografia" e história ecológica, os acadêmicos ten-
tam dar a ela uma forma mais específica, como é usual com a ajuda de outras
disciplinas e métodos e com a atenção a fenômenos internacionais como
migração, comércio, doenças e trocas culturais.
O espaço histórico se expandiu enormemente com a abertura de fron-
teiras extraterrestres, e o mesmo pode-se dizer sobre o tempo, com o sur-
gimento e o desenvolvimento retrospectivo da pré-história; mas aqui a
"última fronteira" permanece o futuro, e aqui a rejeição de Tucídides à "ar-
queologia" e o foco em eventos contemporâneos e próximos da contempo-
raneidade entram em questão - muito embora "escrever à sombra do ama-
nhã", nas palavras de Huizinga, leva o historiador a confrontar o futuro, e a
"futurologia" ainda não tem sido aceita entre as ciências auxiliares da história.
A história corrente é definida em termos não apenas de tempo, como de uti-
lidade, "interesse" e relevância prática (na tradição da "história pragmática"
de Políbío}, visto que os estágios iniciais da experi ência humana oferecem,
na melhor das hipóteses, um tipo reflexivo de sabedoria ou consolação, se
não de pessimismo e desespero. Para a descoberta científica poderia haver
um "papel para a história", como argumentou Thomas Kuhn, mas para as
estratégias sociais e políticas a história parece menos imediatamente rele-
vante. Mas como se pode interpretar a história contemporânea de modo
geral exceto por projeções do passado ou recursos artificiais a outras disci-
plinas e à teoria? Um modo é descer aos estreitos horizontes da memória ou
da autobiografia e estender a visão histórica especulativamente a uma visão
do mundo, como Winston Churchill (que, como alguém apontou, escreveu
sua autobiografia e a chamou de The World Crisis), mas isso é uma perspec-
tiva negada à maioria dos humanos, exceto na ficção, à qual de fato muitos
historiadores têm recorrido como forma superior de invocar a experiência
do passado.
Na medida em que os horizontes geográficos se expandem, surge o de-
sejo de uma história mundial sintética acima do nível de evolução biológica
conjectural e da abstração demográfica. O globalismo se pauta por conexões
e encontros, mas não por qualquer tipo de unidade que possa dar forma às

432 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


narrativas dos historiadores, ainda que localize um campo em que outras
ciências humanas possam operar, e sugere generalizações que permeiam a
política convencional e as categorias econômicas. A história global pode ser
um "campo de estudo inteligfvel", como diz Toynbee, mas apenas de pers-
pectivas parciais oferecidas por disciplinas particulares e, talvez, estudos de
áreas, com métodos comparativos sendo ligados não à própria história, mas
a essas disciplinas (eis por que faço objeções ao termo enganoso "história
comparativa"). De outro modo a história em escala global pode ser con-
jectural ou filosófica em modelos essencialmente obsoletos que na melhor
das hipóteses têm valor pedagógico. Não é o relativismo, o ceticismo ou o
pós-modernismo, mas a admissão da humildade intelectual em face de um
pandem ónio cambiante de Estados, economias, sociedades e culturas que
faz com que os historiadores se voltem à rejeição de uma única "grande nar-
rativa" e os inclina à noção de um número infinito de histórias que possam
ser contadas sobre o passado humano de diferentes pontos de vista e con-
textos culturais.
Perguntar sobre o futuro é perguntar à questão pós-moderna sobre o que
vem depois do fim? Algo estranho, sem dúvida, porque não apenas o pas-
sado mas também o futuro é um "país estrangeiro', e até mais, a despeito dos
esforços de projeção, previsão e extrapolação do familiar. Tendo a seguir as
velhas convenções historiográficas, segundo as quais sem nenhum vestígio
não há história, mas a pré-história desfigura isso de algum modo, e assim
minha resposta a essa pergunta - o que vem depois? - só pode ser "m ais
história", e julgando a partir do que chamo de "minha época', que é quase
passada, isso será sem dúvida estrangeiro. Contudo esse estranhamento será
também posto em perspectiva, alocado em contextos linguísticos, domes-
ticado filosoficamente, absorvido em narrativas históricas e dissolvido na-
quele poderoso reagente que as pessoas chamam historicismo - e então, em
grande parte, esquecido no oblívio que cresce juntamente com a sobrecarga
de informação que nos inunda agora em uma escala logarítmica, criando a
partir da fragmentação as novas ciências do caos e da complexidade e multi-
plicando as faces da história em nossos horizontes culturais que cedem, com
a história ainda vista (segundo o lugar -comum antigo) como em um espelho,
mas o espelho retrovisor de um carro em alta velocidade.
O que a Europa viveu depois do annus mirabilis de 1989 e o colapso do
comunismo foi um tipo de rebalcanização, com o ressurgimento de movi-

KELLEY 433
mentos e historiografias nacionais na Pol ónia, na Tchecoslováquia (dua s ;:~~
díções), Hungria} Romênia e Iugoslávia}com a última fragmentada dep l _
da morte de Tito em 1980.79 O falso universalismo criado pela sovíetízaç.e
da escrita histórica foi suplantado pela livre investigação em tradições naci ~
nais, com o estilo de pesquisa do Ocidente e a crítica encorajada pelos coe
tatos internacionais e conferências e o renascimento de velhos debates sob rt
mitos nacionais} por exemplo} a noção das conexões dos romenos com ~
antigos dácios do Império Romano} que fazem retomar a filologia crític a. o
a arqueologia. Mas historiograficamente esse não é o trabalho costumeiro
pois os historiadores também precisam confrontar as experiências traum án -
cas mais recentes criadas pelo fascismo} pelo comunismo soviético} pelo Ho-
locausto e por outros fenômenos xenófobos do século passado [século xx
que geraram todos os movimentos posteriores de "revisão':
O globalismo no início do terceiro milênio tem muitas implicações qu ~
afetam a prática e a teoria da história} começando pelo anacronismo do Es
tado nacional e a ideia de ordem internacional que o abarca em um mundo
sem fronteiras no qual o meio ambiente e os conflitos étnicos não mais figu-
ram como um mero pano de fundo." Não obstante} os conflitos étnicos são
complicados pelo crescimento populacional} especialmente em áreas urb a-
nas, pelas migrações "empur radas" ou "puxadas" pelos interesses econ ôrni-
cos e pela manipulação política; e os velhos ideais da democracia liberal do
Ocidente e o papel do direito se tornam ainda mais remotos no contexto
atual. O mundo está encolhendo e se expandindo ao mesmo tempo, tor-
nando parte da vida cotidiana não apenas a viagem e a troca de informação,
mas o imperialismo cultural e o terror. Esses e outros fatores nos trouxeram -
a nós e aos "outros" -} pelo marco de uma mídia que tudo abrange} um tipo
de homogeneização cultural e} também} um fim à possibilidade de grandes
narrativas e de um entendimento histórico unificado.
Assim, o problema do conhecimento tomou uma forma diversa neste
novo milênio - o problema do conhecimento no sentido não da epistemolo-

79 Ver os seis artigos em "Historiography of the 'Countries ofEastem Europe'", American


Historical Review, n. 97} 1992.
80 Ver, por exemplo, Patrick O'Meara et al., Globalization and the Challenges of a New Cen-
tury. Bloomington: Indiana University Press, 2002.

434 CIRC UN SP ECÇÃO E PROS PECÇÃO


pa (cuja história moderna foi traçada há um século por Ernst Cassírer), mas
_es da questão da organização e controle do conhecimento: como preser-
ar, arranjar, restaurar} comunicar} transmitir e interpretar a acumulação de
dldos que supera a memória humana uma vez que registros têm sido manti-
dos. Claro que persigo esse problema no contexto da "galáxia de Gutenberg"
(corn o Marshall McLuhan a chamou há quarenta anos); mas mais urgente
boje em dia é outra revolução em andamento} que é a dos textos eletr ônicos,
DOS quais} para a estupefação de alguns de nós} algumas práticas medievais

de hipertexto e códice são restauradas. "Onde"}perguntava T. S. Eliot, "está


~ sabedoria que perdemos no conhecimento?" Ou} para refazer a questão}
como nós podemos extrair sabedoria da superfluidez crescente e ampla do
conhecimento que cai sobre nós? O fetichismo do livro está profundamente
cravado na tradição ocidental: "Abençoado é aquele que leu" é a primeira
mensagem da Revelação [apocalipse] de São João} e muitos bibliotecários
e autores em busca de audiência fazem eco a essa prece. Entretanto} como
diz Salomão} "de se fazer muitos livros não há fim", e o provérbio foi repetido
na idade da imprensa por Sancho Pança} pensando em seu pobre senhor
enlouquecido} para quem os livros substituíam a realidade. Disso procede
a primazia da interpretação} e como Montaigne escreveu} "há mais trabalho
em interpretar interpretações do que em interpretar coisas, e mais livros so-
bre livros do que sobre outro objeto; nós não fazemos mais do que glosar
uns aos outros". Se isso é verdade para os cânones da filosofia e da literatura}
quanto mais é para os historiadores} 'que se mantêm repetindo e revisando
uns aos outros?
Como é costume} nossos apuros epistemológicos provocam sempre mais
questões. Devemos desistir de nossas memórias em nome da falsa precisão}
de caprichos e do acaso do uso da tecnologia? Devemos} no tempo de uma
virada pós-linguística} compactar nossas questões - e curvar nossas respos-
tas a ela - na linguagem dos computadores? O que acontecerá com a nar-
rativa? Ela será tomada pelas formas ficcionais} que de fato, sob o impulso
jornalístico, já estão sobrepujando a escrita histórica. A hipossimplificação
tomará o lugar da hiperssimplificação como a principalmentira dos histo-
riadores? E como os leitores se relacionarão com isso? Pode ser que a cul-
tura impressa}que criou o sentido moderno de história, esteja agora} através
de seus excessos e das extensões eletrônicas, produzindo uma reação pós-
-moderna à história em uma modalidade academicamente fora de moda - a

KELLEY 435
história baseada na leitura de livros antigos e na escrita de novos. Esse é UOI
modo de a história chegar a um fim}não com estrondo ou sussurro}mas
com uma rendição sem reflexão à sobrecarga de informação? Mas mesmo
então} como Hans Blumenberg pergunta sobre os esforços para a extirpação
do mito} "e se ainda houver alguma coisa a dizer} depois de tudO?,:81

PROSPECÇÃO

Assim} pela última vez} o que é a história? Minha resposta de inspiração her-
menêutica e antropológica tem sido sempre: a história é o que os historiado-
res fazem - têm feito ~ e isso me levou (euro- e egocentricamente) de Acton
a Vico, à arte renascentista e à ciência moderna da história}e a várias "n ovas
histórias", e daí para trás, em uma mais ampla perspectiva} a um largo pano-
rama de modos antigos e medievais de investigação e mais recentemente aos
herdeiros modernos e pós-modernos desse legado complexo} contraditório,
formado de inúmeras camadas} com todos os seus diferentes objetivos, mé-
todos, perspectivas e contextos. Ao fim dessa peregrinação} penso sobre a
reflexão de Rilke:

Vivo minha vida em órbitas crescentes


Que se movimentam pelas coisas do mundo.
Talvez eu nunca alcance a última
Mas será essa minha tentativa."

Assim} depois dessas reflexões} o que é a história? Para mim} a resposta ainda
está em processo de elaboração.
Mas e a historiografia em suas últimas modalidades? Para alguns ela
ainda está em "crise"} ainda que os argumentos para isso sejam meros lu-

81 Hans Blum enberg, Work onMyth, trad. Rob ert M. Wallace. Cambridge (MA) : MIT Press,
1985, p. 636j e ver Joseph Mali, Mythistory: TheMaking ofModem Historiography. Chica-
go: University of Chicago Press, 2003.

82 Rainer Maria Rilke, Selected Poems ofRainer Maria Rilke, trad. Robert Bly. No va York:
Harper Perennial, 1981, p. 13.

436 CIRCUNS PECÇÃO E PROSP ECÇÃO


~s-comuns - um topos presentista que sugere miopia mais do que pers-
83
pectiva. Se nada mais, as condições atuais agem para liberar os jovens his-
tnriadores de tais constrições ideológicas ou metodológicas em nome do
pluralismo e da liberdade em relação às "grandes narrativas", ainda que com
o interesse da autoindulgência, de interpretações desoneradas, distração
com coisas triviais e de uma investigação histórica afastada de suas antigas
autoridades e de seus hábitos literários. No momento dessa rendição con-
fusa e comercial ao caos moderno e pós-moderno o estudo da história no
terceiro milénio perdeu sua inocência. Por "perda da inocência" entendo
não a força de desilusão da experiência, mas antes ideias conquistadas atra-
vés do contato com outras linhas de investigação, e por outras linhas de
investigação quero dizer não as ciências sociais, mas, sobretudo, as huma-
nidades, especialmente a filosofia, a teoria literária e a história da ciência.
Os historiadores aprenderam, a bem da verdade, pela economia, pela socio-
logia, pela ciência política e pela antrop ologia, mas de muitas formas esses
contatos serviram para reforçar, mais do que para criticar, as premissas do
trabalho acadêmico convencional em história. É, sobretudo, a partir das hu-
manidades que os historiadores chegaram a compreender os fundamentos
e os melhores pontos de seus projetos e a descartar algumas de suas ilusões,
e acordaram de seus sonhos profissionais, ainda que "nobres".
Não estou invocando aqui nenhuma das inovações celebradas da escrita
histórica atual, como o "novo historicismo" ou a "n ova história cultural",
nem pretendo exumar queixas sobre a primazia da política e da história das
guerras. Tais lamentos - tópicas aborrecidas da querela entre Antigos e Mo-
dernos de hoje em dia - são tão desgastados quanto as tradições da historio-
grafia ocidental: e nós dificilmente precisamos do ímpeto da antropologia
para dirigir nossa atenção aos aspectos cultural e privado de nossas vidas.
O que quero fazer, em lugar disso, na conclusão dessas reflexões ego-histó-
ricas é rever algumas ideias elementares que por ora deveríamos compreen-
der e tornar axiomas de nosso ofício acadêmico tanto na prática quanto na
teoria. Em certo grau posso até exagerar, já que cada um desses termos, ou

83 Gérard Noiriel, Sur la "Crise" de I'histoire. Paris, 1996j e ver Lutz Raph ael, Geschichts-
wissenschaft im Zeitalter der Extreme: Theorien, Methoden, Tendenzen von 1990 bis zur
Gegenwart. Munique: Beck, 2003.

KELLEY 437
conceitos}qu e ch amo à baila repres entam um a espécie de taquigrafia histo-
riográfica mais do que simplificada; o ponto é qu e nós faríamo s bem em [ ç.
conhecer seu caráter problemático e} acima de tudo}ficcion al. Com eço com
um texto de um velho e memorável clássico, 1066 and All Tliat: "A hist ória
não é o qu e você pensou. É o que você pode lembrar': Esse é um ótimo c n-
selho para estu dant es, ma s para escritores da história ele pode ser alterado
par a: "A história não é aquilo que aconteceu. É o que você pode descobrir -
respeito': D eixe-m e elaborar sobre essa afirmação algumas outras afirma çõ es
sob re o ofício da história.

1. Não existe "passado". Esse é um oxímoro gramatical. H avia um passa-


do} nós pressupomos} mas o estudo da história é levado adiante em
um eterno presente (que imediatamente se torna um pas sado). Aqui
é óbvio que estamos nas garras da estrutura temporal de nossa lingua-
gem}e ainda mais que os historiadores têm há muito empregado essa
estrutura em uma retórica designada para expressar tal passado. O pas-
sado que avistamos e debatemos está posto no limite de um presente
sempre evanescente entre dois loei inacessíveis. Na prática esse ponto
pode não suportar um exame mais detalhado dos historiadores}mas
deve ficar satisfeito com acontecimentos imaginados - lembrados ou
antecipados - da miríade de pontos de vista cambiáveis. O próprio
tempo humano} Paul Ricceur sugere} não é psicológico}mas um a cria-
ção da narrativa hist órica."
2. Não existem 'f atos". Existiam fatos }sem d úvida, mas tudo que temos
são su as recopilações, registras ou vest ígios, e mais uma vez essas
evidências serão vistas de modo diferente por diferentes historia-
dores. Isso não é um argumento profundamente epistemológico}
pois se nós podemos muitas vezes estabelecer que um evento em
p articular aconteceu de fato}sua p resença histórica permanece um
produto da imputação humana. Na floresta a árvore n ão cai sem um
observador, o fato é sem sentido} a bem da verdade não existe} sem
a apreensão humana.

84 Paul Ricceur, Tempset r écit, 1. I. Paris: Seuil, 1983 [ed, bras. : Tempo e narrativa} v. 1, trad.
Claudi a Berliner. São Paulo: WMF-Martins Fontes, 2 01 0] .

438 CI RCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


3. Não existe "contexto"; Não existe base social ou clima cultural, mas
somente trabalhos, textos, obras de arte, artefatos etc., nos quais os
historiadores veem similaridades e a partir dos quais constroem cate-
gorias de julgamento para localizar epifenômenos zeitgeistlich e volk-
geistlich; mas como Burckhardt dizia do Renascimento, eles surgem de
modo diferente para cada olho - e, como a experiência mostra, serão
discutidos infinitamente por acadêmicos com diferentes formações e
pontos de vista.
4. Não pode haver "explicação" histórica. A explicação é uma questão de
causas designadas, e em um sentido estrito e lógico ela é idêntica à pre-
visão exceto pela posição da seta do tempo," Como .Isaiah Berlin e Paul
Veyne argumentaram, tudo que o historiador pode tentar é retrodizer;
mas em ambos os casos o esforço de explicação requer algum tipo de
reducionismo - algo é realmente alguma outra coisa - ou uma seleção
de fatores causais que estão ligados a um ponto de vista particular; e
isso parece não corresponder a um ideal de explicação.
S, Não existe "verdade" histórica. Mesmo como acadêmicos, vivemos e
aprendemos em nossos próprios e estreitos horizontes. Como Barry
Allen dizia dos filósofos, "não podemos falar a verdade; as palavras não
podem imitar o que o mundo é; a linguagem impõe sujeitos e predi-
cados em um mundo que não possui unidades estáveis e permanentes
correspondentes a esses termos';" Quão menos podem os historiado-
res falar a verdade do mundo quefoi - e das línguas queforam?
6. Não existe "memória" histórica ou cultural. Se nós não podemos confiar
em nossas próprias recopilações, quão menos ainda poderíamos iden-
tificar a história com a memória exceto como um dispositivo retórico
que explora a analogia entre essa faculdade e os processos tangíveis de
transmissão institucional e cultural? Se a autobiografia é um esforço da
imaginação, quão mais é a tentativa de reconstruir um processo histó-
rico coletivo? De fato o termo "reconstruir" é ele próprio um tipo de

8S Alan Garfinkel, Forms of Explanation: Rethinking the Questions in Social Theory. New
Haven: Yale University Press, 1981.
86 Barry Allen, Truth in Philosophy. Cambridge (MA): Harvard University Press, 1993,
pp. 46-47.

KELLEY 439
retórica que camufla o trabalho histórico do que é mais precisamente
trabalho da con strução imaginativa.
7. Não existe "história". Quero dizer não apenas passado algum , rr
nenhuma experiência coleti va compartilh ada pel a espécie hu mar
exceto sua existência em um meio ambiente hostil no interior de insu
tu ições de parente sco. A história não pode "dizer" exceto através de un
ventriloquia humana) e (para invocar a crítica pós-moderna de Lyotai ~
não pode existir "metanarrativa" que capture "a natureza e o destin o c
homem". Tais metanarrativas que temos) é claro - fund amentadas r
todo tipo de ideologia e utopia - ) apen as como estruturas para a hist
ria humana) elas cedo ou tarde) creio, malogram.

Esses comentários podem parecer sintomas do "mal" do ceticismo de H u rne


recorrendo em um a forma particularmente virulenta e levando a um relan-
vismo radical e ao que E. D. Hirsch chamou de "ateísmo conceitual" Se d~
fosse um filósofo) provavelm ente admitiria as acusações e daria boas-vindas
às consequências: se isso é Relativismo, então façamos o que pudermos com
ele. Sou um historiador) entretanto) e tenho outras questões; e assim par.;
fins práticos devo recusar todos os pontos citados e conduzir um a requalih-
cação dessas afirmações.

1. Existe um passado) portanto - mas esse passado toma a forma não de


uma tradição ou de um legado) mas de uma convenção literária que
diz respeito aos registres, testemunhos e artefatos sobreviventes}e de
um gênero literário que reúne} arranja e expressa esse material através
de dispositivos de linguagem e especialmente a partir do uso do tem-
po passado e dos conectivos convencionais. O passado é o Ding an
sich do historiador.
2. Existem fatos - mas estes não são os noumena da historiografia con-
vencional} mas as inferências estabelecidas} intercambiáveis e consen-
tidas por historiadores específicos e que sempre passam por rever ifi-
cação e revisão - e ainda acrescentaria que muito de nosso estoque
de verdades históricas recebidas poderia ser revisto à luz de como os
"fatos" são definidos.
3. Existe também contexto) ou melhor) existem numerosos contextos -
mas estes são necessariamente construídos pelos acadêmicos a partir

440 CIR CU NS PECÇÃO E PROSPECÇÃO


de pontos de vista particulares; e eles podem tomar as mais diversas for-
mas, diacrônicas e sincr ônicas, do mesmo modo que existem comuni-
dades de atares e autores que deixaram muitos vestígios para a interpre-
tação dos historiadores. Mas tais contextos, quando não são os clichês
da historiográfica convencional, são sempre o trabalho de assemhlages -
ou hricolages - imaginativas de evidências reunidas necessariamente a
partir de textos.
4. Existe explicação - mas ela toma a forma limitada e reflexiva da inter-
pretação, e aqui o modelo é o da tradução mais do que dos trabalhos de
um brinquedo mecânico. A insistência de Nietzsche no "caráter inter-
pretativo de tudo que acontece" poderia ser uma regra mesmo para o
mais resistente realista dentre os historiadores.
S. Existe a verdade - mas não a altíssima verdade que, como Nietzsche
dizia, tem sido "a mentira acrescida" por certos filósofos, é a verda-
de humana das aparências. Que o assim chamado "mundo verdadei-
ro" por trás dessas aparências seja inútil, como Nietzsche ensinou, é
uma dura lição que nem todo historiador aprendeu, mas que através
da reflexão e da autocrítica, caso surja somente da progressão infinita
de revisionismos, deveria se tomar evidente. Que nós precisemos nos
contentar com o "qu e se passa por verdade", como Allen diz, parece
uma regra mais apropriada para os historiadores, se não para os teólo-
gos e filósofos.
6. Existe a memória cultural - mas ela é o vestígio de inumeráveis tra-
ços cujo significado pode ou não ser recuperado, e assim toma-se
instável e imperfeita. É também o reposit ório de muitas cria ções
míticas que transcendem e talvez violem os padrões convencionais
do estudo histórico.
7. E assim também existe a história - mas apenas em formas particulares
que representam pontos de vista particulares e sínteses derivativas des-
sas formas.

Maior o grau da lente, menos confiável a figura. A biografia é suficiente-


mente conjectural, a história dos grupos é quase metafórica, com as nações
entramos no campo do direito, da política e da guerraj e para a humanidade
ainda perscrutamos e especulamos. A história universal tem sido perseguida
há dois mil êníos, mas, enquanto emprega ostensivamente a evidência hist ó-

KELLEY 441
rica e conclusões, ela reside em uma fundação mítica e meta-histórica q_:
muito transcende os horizontes do estudo histórico e chega perto da ..~ _
t ópsia" em que se pautava a investigação de Heródoto. A história perman-:: :r
conhecimento "local" - et tout le rest est littérature (se não "história" em u:-
sentido pejorativo). Contudo, como Heródoto estamos livres para entrar r
mundo do mito, da conjectura e da especulação, de modo que, como di-' e
Certeau, "a história é provavelmente nosso mito" - talvez mesmo) con rrr
Hans Blumenberg e os sonhos filosóficos, nosso "último mito'."

Publ icado originalm ent e como "Circunspe ct and Prospect", in Donald Reed Keil"
Fron tiers of Histo ry : His torica l Inquiry in t he Twent ieth Centu ry . New Haven: Vii ~
Univers ity Press, 2006, pp. 206- 42.Tradução de Bruno Gamb arotto.

87 Michel de Certeau, lhe Writing of History, trad. Tom Conley. Nova York, 1988, p. 21
[ed. orig.: L'Écriture de l'hisioire. Paris: Gallimard, 1975; ed. bras .: A escrita da história,
trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011]j e cf H.
Blumenberg, Work on Myth, op. cito

442 CIRCUNSPECÇÃO E PROSPECÇÃO


MILÊNIO

E seainda houvesse algo a dizer, apesar detudo?


Hans Blumenberg

Assim, minha trilogia sobre a investigação histórica ao longo das épocas chega
ao fim: Faces of History colocava a história da historiografia ocidental em ampla
perspectiva e a fazia retomar até o século XVIIIj Fortunes of History seguiu no
encalço de uma narrativa que se tomava cada vez mais complexa à medida que
caminhávamos do iluminismo à Primeira Guerra Mundial, e Frontiers"ofHistory
examina de modo mais pessoal, partindo da própria auto avaliação do autor e
seu "ponto de vista', o período que se estende daquela época à primeira década
do novo rnilênio. "Um homem empreende a construção de seu próprio mundo',
Borges escreveu. "Com o passar dos anos, ele povoa um espaço com imagens de
províncias, reinos, montanhas, baías, navios, ilhas, peixes, salas, instrumentos,
estrelas, cavalos e indivíduos. Pouco tempo antes de morrer, descobre que o la-
birinto paciente de linhas traça os contorn os de seu próprio rosto:"

1 J orge Luis Borges, Collected Fictions, tra d. Andrew Hu rley. Nova York: Penguin Books,
1998, p. 32 7.

444 CONCLUs Ao
Não que minha construção seja original, pois ela não está baseada no
8IIldo, mas em histórias ensaiadas muitas vezes antes com padrões recor-
IImtes, se não constantes. No início do terceiro milênio da Era Cristã (se-
JUOdo o esquema cronológico herdado do Venerável Beda}, como tantas
lIrZeS antes, a história escrita se equilibra entre dois polos - entre a fragmen-

tIÇão e a síntese, entre a análise e a narrativa, entre a pesquisa e a conjectura,


entre a visão de unidade mundial e a crescente balcaniza ção, entre o bos-
que e as árvores. Por um lado, existe a busca mais ampla de alguma forma
de grande narrativa (para adotar um clichê pós-modernista), nacional ou
global, e por outro a miríade de pequenas vozes e pequenos problemas de
grupos particulares e atividades que iluminam e ressoam em nossos hori-
zontes. A alternância está entre ordem e caos, e é ainda mais complicada
pela intrusão de ideologias, que tanto desorientam os acadêmicos quanto
dão direção e coerência, pelo menos temporariamente, a suas investigações
e interpretações. No período inicial do século, o fascismo e o comunismo,
tanto quanto a democracia liberal, competiam por atenção e Significados .
históricos de longa duração; hoje em dia, a escolha retoma interesses religio-
sos, nacionais e étnicos, ainda que se lancem contra pressões econômicas e
políticas, deixando historiadores formados nas realidades de outrora à cata
de padrões e detalhes narrativos.
Os problemas mais perturbadores e os maiores imperativos deste início
de século XXI são muito semelhantes aos que Heródoto encarou nos mea-
dos do primeiro milênio a.c., e esses são os mistérios do espaço e tempo
humanos além dos horizontes da experiência local. Heródoto não poderia
começar a abarcar essas dimensões estranhas senão pela analogia e pela ima-
ginação, mas mesmo os mais eruditos e viajados historiadores modernos
não conseguem trazer à tona muito mais do que uma fração mínima da ma-
téria histórica. Além de um ponto de partida norte-americano e próprio ao
século xx, fui capaz de alguns poucos e frágeis avanços em língua s estrangei-
ras justapostos a, ou quase o sobrepujando, meu mundo anglófono no que
diz respeito ao "país estrangeiro" que é o passado. Confrontando o problema
e o imperativo da história global, não sou capaz de fazer contato com mais
do que a humanidade que alcanço por viagens e virtualmente com ninguém
que esteja fora das áreas civilizadas interligadas pelo transporte. No que diz
respeito ao saber do passado humano que se reconhece pela tecnologia da
imprensa e pelas coleções de museu que estão além de minha zona cultural,

KELLEY 445
vejo -me em consulta a dicionário s, enciclopédias e compêndios de h istorio-
grafia, que são, em sum a, bibliografias qu e fornecem listas de au tor es, text
e outro s vestíg ios do comportam ento human o no passad o - e esses, é elai
na s principais línguas europeias. A consulta à int ernet só pode suplem en t
tal p esquisa (ou isso é o que parece a alguém da minha ger ação). Exist ere
muitos trabalhos clássic os em muitas línguas, certamente, m as poucos Ir _
du zid os ou abs orv id os p ela hi st ori ografia dominante, para a qu al o mund
inteiro é a Cí tia, se não Marte. D e qualquer forma, a impressão é que a hi sro-
ria, que na sceu em "listas" está ret omando ess e gên ero antigo.
Em rel ação à Europa Ocidental, o caso, à p arte das insti tuições ec o nó-
m icas e das ações além da esfer a p olít ica, continu a a ser o de co nsolidar e
exp andir os Estad os nacionais tomando o espaç o, ou assum indo o poder, de
min orias marginalizadas, en qu anto na Europ a Central e Oriental (um a re-
gião o u du as?) , o problem a tem sido de peq ue nas naci onalidades, sujeitas
a gr andes poderes, que comb ate m e se sob rep õem umas às outras, d e "im
p érios" de signados oficialm ente o u não.' Outro problema er a a ausê ncia de
correlação entre identidades étni cas e n acionais, como no caso do s muçul-
man os do s Balcãs, que er am reconhecidos como grup o religio so apenas De
Sérvi a e na Cro ácia.' De qualquer form a, os Est ados menores já não querem
ser as "arraias-m iúdas", com o colo cava Traian Sto ian ovich, mas também as
"águias ", os "ursos" e os "le ôes'':' A última da s estruturas imperiais, a União
Soviética, carregou consigo uma visão de história que acompanhou o comu-
nismo internacional, mas essa visão não so b reviveu a 1989, exce to em áreas
de de scontentamento social. Começando como fantasma, o comunismo era
um cadáv er, uma Babel estilhaçada; e mais uma vez o na cionalismo em vá-

2 Jenó Szúcs, Les Trois Europes. Paris: L'Harrnattan, 1985, com pr efácio de Braud el.
3 Francine Friedman, The Bosnian M uslims: Denial of a Nation. Boulder: Westview Press,
1996, eJean Forward, EndangeredPeoples ofEurope:Struggles to Surviveand Thrive. West-
port : Greenwood, 2 001.
4 Traian Stoianovic h, BetweenEast and W est: The Balkans and the Mediierranean Worlds,
v. IV. No va Rochelle: A. D. Caratzas, 1995, p. 84j e ver Ben edict Andersen, Imagined
Communities. Londres: Ver so, 1983j Eric Hobsbawm e Terence Range r (orgs.), 'lhe In-
vention of Tradiiion. Cambridge: Cambridge University Pres s, 1983, e Mikul ás Teich e
Roy Porter (orgs.), The Na iional QJ<estion in Europe in Historical Contexto Camb ridge :
Cambridge University Press, 199 3.

446 CC N CLUS 40
- , ~ formas veio a dominar a cena na Europa Oriental (ainda mais violenta-
- ente nos Bálcãs, mas também no Báltico), na África e na América Latina.
=:.: m a independência política assegurada, os Estados menores puderam
, car nos avanços sociais e ideológicos através da historiografia à moda oci-
~ ental e da construção de tradições nacionais - ainda em um modo profis-
-.mal e crítico que evitava os excessos partidários e românticos, mantendo-
, ~ abertos à ideia de uma comunidade global.
O modelo ocidental de historiografia nacional tem sido imitado, ou to-
mado por baliza, por muitas tradições culturais de vários níveis de realização
:- olítica. Rússia, China, Índia, Japão, Coreia, Vietnã , Indonésia, o mundo is-
ãrnico, a Turquia e outros grupos linguísticos, tanto quanto as áreas angló-
;'o nas do Canadá, a Austrália , a Nova Zelândia, a África do Sul e a Polinésia,
i ~ m tradições historiográficas que geralmente seguem o modelo progressivo,
. orneçando pela interpretação de mitos, crônicas, poemas e registres, a iden-
ríficação de fundadores intelectuais, geralmente associados a ressurgimentos
nacionais nos séculos XIX e XX , o estabelecimento de métodos científicos
muitas vezes invocando a figura paternal de Ranke), o ensino universitário,
as distorções das ideologias oficial e subversiva , controvérsias revisionistas,
especialmente sobre as origens, continuidade, periodização, a participação
parcíal na pesquisa internacional e publicações e esforços de encontrar um
iugar na história globats O padrão se repete em outros grupos, ainda que de
maneiras menos centradas, como nos Estados da Ásia Central, que muitas
vezes se veem carentes de fontes para construções de tradições independen-
tes de China ou Rússia, ou África, sobre as quais um autor recente pergunta,
"Qual história, para que Ãfricai'" Essa pergunta pode ser dirigida a todos os
continentes, que se veem envolvidos em problemas com a nova disciplina

5 Ver, por exemplo, W. G. Beasley e E. G. Pulleyblank (orgs.), Hisiorians 01China and


[apan. Oxford: Oxford University Press, 1961; S. P. Sens (org.), Historians and Historio-
graphyin Modem lndia. Calcutá: Institute ofHistorical Studies, 1973; H. A J . KIooster.
lndoniêrs Schrijventum Geschiedenis. Dordrecht, 1985; Sopedjatmoko (org.), An Introduc-
tion to Indonesian Historiography. Ithaca: ComeU University Press, 1985.
6 BogumilJewsiewieki e David Newbury (orgs.) , AfricanHistoriographies. Beverly Hills:
SAGE Publications, 1986, e Steven Feierman, "Africa in History: lhe End ofUniversal
Narratíve", in Gyan Prakash (org.), Afier Colonization: ImperialHistory and Postcolonial
Developments. Princeton: Princeton Uníversity Press, 1995, 40fE

KELLEY 447
da "metageografia'" O fator moldante final certamente permanece a idenlii-
cação e o emprego de fontes materiais.
A história é um capricho de povos sedentários e organizados: grupol
migratórios e de diáspora veem dificuldade de estabelecer suas raízes e -..
ventar" suas nações. É extraordinário considerar o alcance e a quantidade
de grupos linguísticos e nacionalidades potenciais em nossa ideia global dr
realidade. Estima-se que existem mais de 4 mil línguas distintas} distribui-
das em famílias (ainda que os relacionamentos permaneçam muitas vezes
problemáticos no estado presente da linguística histórica, um campo de
não muita credibilidade hoje em dia), e - ainda que as línguas morram em
uma média comparável às espécies biológicas - a questão é se isso signí-
fica que há um número potencial ou incipiente ou interpolado}bem como
em disputa}de historiografias." Quando o mapa linguístico é desenhado, os
contornos e histórias adjuntas são, no mais das vezes, confundidos, respon-
dendo poucas vezes à interpretação geral}exceto talvez a um evolucionismo
vulgar transplantado" - e, em termos humanos, simplificação Significaelimi-
nação de interesse na construção conjectural. Esse é o outro lado da moeda
globalista, e ela representa um desafio crescente às velhas convenções da
narrativa histórica.
Então, o que vem depois? A história aponta ao passado, mas ocupa um
contínuo que está ligado ao futuro, e o futuro, ainda que inacessível, pode
ser antecipado e muitas vezes esperado. Ainda que a história tenha uma es-
trutura horizontal e partilhe de um ponto de vista, é óbvio que ela foi ra-
dicalmente globalizada nas duas últimas gerações (ainda que fundada em
um esforço anterior) e está se acostumando ao que não é familiar. Contudo,
os efeitos dessa globaliza ção são muito mais quantitativos que conceituais,
por causa da necessidade de acomodar povos de centenas de continentes

7 M artin W. Lewis e Kãren E. Wigen, TheMyth of Continents: A Critique ofMetageography.


Berkeley: University of California Pres s, 1997.
8 Bernard Comrie (o rg.), 'Ihe World's Major Languages. Nova York, 1990, p. 2.j George
L. Campbell (org.), Concise Compendium ofth e World's Language. Londres: Routledge,
1995j e Meic Stephens, Linguistic Minorities in Western Europe. Llandysul, Gal es: Intl
Learning Systems, 1976.
9 John McWhorter, ThePower ofBabel: A NaturalHistory ofLanguage. Nova York: Harper
Per ennial, 2.003.

448 CONCLUSÃO
talando milhares de línguas, incluindo os que migram ou estão em díáspora,
110 que, em uma reminiscência de nossa terra achatada do passado, nós po-
demos chamar de quatro cantos do mundo." Os materiais da história do
mesmo modo se transformaram quantitativamente, à medida que foram
dispostos em linha e reunidos em categorias plausíveis e em elementos dis-
cerníveis não de sentido, mas de informação, que velhos historiadores po-
dem reorganizar da maneira que achem adequado, com ou sem enredo, mas
ainda segundo um cânone interpretativo formado a partir de línguas ainda
não (a despeito das maravilhas da tradução mecânica) acomodadas às per-
mutas eletrônicas. Esse é um mundo que se torna familiar para alguns, mas
verdadeiramente estranho para outros, mesmo que livros convencionais,
bibliotecas e editores ainda deem aval às nossas práticas de saber histórico,
pelo menos até agora.
O presente também está se tornando um país estrangeiro e ainda, en-
quanto passa} convida à investigação de Heródoto tanto quanto à análise de
Tucídides. O que surge em nosso horizonte de expectativa? Um modo ainda
em voga de prover o futuro se dá pelo culto da novidade, que surgiu no iní-
cio dos tempos modernos e foi reforçado pela galáxia de Gutenberg e pelo
comércio e pela divulgação de livros, cartas} panfletos e periódicos. Somente
depois de passado o século XVI os pensadores puderam conceber a filosofia
não meramente como um legado a ser trabalhado e ensinado e como um
projeto que clamava por novos (e melhores) pontos de partida. Nova filoso-
fia} nova ciência} nova história e "novidades" simples eram todas os produtos
da expansão da cultura impressa e os arautos de nossos perigos históricos
atuais e de nosso pandemônio historiográfico. Para Michel de Certeau, a
história é "um deus fragmentado [ ... ]} falando sem parar - em todo lugar,
nas notícias, nas estatísticas} nos documentos, nas eleições [ ... ] formando
assim a teia retorcida de 'nossa' história'."
Um resultado da inovação foi a substituição ou a ocultação de velhos tra-
balhos por novos (e enriquecidos do jargão comercial}, resultando em ideias,

10 Ver, por exemplo, A. G. Hopkins (org.), Globalization inWorldHistory. Nova York: W. W.


Norton, 2002 ; John McWhorter, ThePowerofBabel: A NaturalHistoryofLanguage, op. cito
11 Michel de Certeau, Heterologies: Discourse on the Other, trad. Brian Massumi. Minnea-
polis: University ofMinnesota Press, 1986, p. 206.

KELLEY 449
argumentos e conclusões que precisam ser continuamente reafirmados como
novas descobertas - produzindo, nas palavras de Sorokin, sempre "novos Ce-
lombos", inadvertidamente plagiários e copiadores, empreendendo novas ~
gens de descobrimento que se fazem sempre esquecer. Por ora, deveríamos ter
aprendido melhor; tendo descartado as revoluções copernicana, darwniana e
freudiana, não deveríamos nos surpreender por termos sido marginalizados e
fragmentados em nome de um sentido de história profunda. Pensar no pre-
sente momento como o clímax da história é "um dos mais destrutivos hábitos
do pensamento moderno", escreve Foucault, que completa: "É preciso encon-
trar a humildade de admitir que o tempo de uma vida não é o momento único,
simples e revolucionário da história, em que tudo começa e termina'."
Contudo, não podemos evitar a renovação contínua, se não a singula-
ridade, de nossa perspectiva e tanto a impossibilidade de conhecer o su-
ficiente quanto as desvantagens de saber demais. Em um pequeno ensaio
publicado em 1939, Jorge Luis Borges imaginou uma instituição, a chamada
"Biblioteca Total", que era a um só tempo divina e diabólica, utópica e ab-
surda. Sua visão pode ter sido inspirada pela famosa hipótese de um grupo
de macacos que, com tempo suficiente, poderia afinal datilografar as obras
completas de Dickens; pois ele aponta em uma nota que, "rigorosam ente fa-
lando, um macaco imortal poderia bastar". Em todo caso, a Biblioteca Total
de Borges, transcendendo o esforço simiesco, poderia ser de "proporções
astronómicas" e incluir absolutamente "tudo", não apenas o catálogo da pró-
pria biblioteca em todas as línguas, mas também entradas de infinita diver-
sidade, como uma história detalhada do futuro, a enciclopédia que Novalis
pensou compilar, os paradoxos que o.bispo Berkeley não publicou, a prova
do teorema de Fermat} os capítulos não escritos de Edwin Drood e coisas
triviais, reais e possíveis, sem fim. Esse "h orro r subalterno", como Borges o
chama, pode assombrar a imaginação dos historiadores e dos poetas; nem é
qualquer tecnologia engenhosa que nos deixa escapar dessas visões bruxu-
leantes de o que o tempo esconde e de o que os hominídeos podem produ-
zir. Loucura e verdade são as filhas do tempo.
Os historiadores já não podem evitar a condição permanente de "sobre-
carga de informação", que (diferentemente da expansão das fontes históri-

12 Foucauli Live ( Int er views, 1966 -1984), trad.JohnJohnston. Nova York, 1989, p. 251.

450 CONCL USÃO


as no século XIX) é causa de alarme tanto quanto de celebraç ão." O centro
dainvestigação histórica científica" não está mais nos arquivos, mas nas no -
U

ns formas de tecnologia da informação, incluindo a passagem do registro


eletrônico, do armazenamento, da transmissão e da troca, que irão produzir
um declínio da preocupação com o juízo literário, o estilo e os padrões, e
um crescimento da repetição e da ofensa livresca do plágio, intencional ou
não. Desde os anos 1950 os acadêmicos celebraram a história quantitativa
- e, de modo ainda mais entusiasmado, na era do computador - , mas geral-
mente como uma maneira de abarcar a investigação histórica tradicional e
com nenhuma preocupação com os efeitos epistemológicos das novas tec-
nologias e mídias, às quais a percepção de Marshall McLuhan sobre o que
este chamava de "pós-Ietramento" ainda se aplica." Entre guerras e pazes,
as práticas tradicionais e a pesquisa e a escrita certamente permanecerão,
nas formas de livros de fôlego e palestras; a investigação histórica, contudo,
ficará cada vez mais afastada do ensino e da leitura. Alguns tópicos em
história mundial atrairão a pesquisa em fontes originais, mas amplas nar-
rativas de história nacional, internacional e comparativa passarão a confiar
nos crescentes estoques de materiais secundários, terciários ou quaterná-
rios, moldados pela conjectura e pela controvérsia para a recepção popular
e acadêmíca. Ou são essas apenas versões modernas ou pós-modernas ou
tecnologicamente aumentadas, do velho e conhecido desconforto, que a
informação não tem limites e os historiadores precisam trabalhar sempre
selecionando a partir de horizontes locais - intensificados talvez pelo mo-
delo balcânico da política?"
Com o marxismo e outras "metanarrativas" em declínio, não é surpreen-
dente que a busca de fontes econômicas de comportamento tenha se voltado
à cultura material circundante - como se evidencia pela proliferação de t ópi-

13 Michael E. Hobart e Zachary Schiffman, Information Ages: Literacy, Num eracy, and the
ComputerRevolution. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998, e sobre a "sobre-
carga de informação", ver os artigos reunidos por Ann Blair no [ournalof the History of
Ideas, 64, 2003, pp . 1-72.
14 Mar shall McLuhan, 'Ihe Gutenberg Galaxy: 'IheMaking of TypographicMan. Toronto :
University ofToronto Press, 1962, p. 46.
15 Ver Stephen G. Mestroví é, The Balkanizaiion of the West: The Confluence of Postmoder-
nism and Post Communism. Londres: Routledge, 1994.

KELLEY 451
cos trazidos pelos "estudos cultu rais': Para muitos historiadores, cansad o, -.
visada jornalística da política e seus porta-vo zes) mexericos e escândalo; _
"p olítica cultural" pare ce um alvo mais desafiador, se não mais tangível, c -
estru turas e polos de poder refletidos em criaç ões e manifestaçõe s, tanto r _
blicas quanto privad as. Algumas delas resultam da atenção dada à hi st ór-_
da s mulheres, é claro, entretanto, que existem raízes m ais profundas, cora
mostram alguns dos historiadores da cultura que chegam até o sé culo xv t
O que Katherine Hayle s diz sob re literatura, qu e esta não pode ser separ c.:: _
d a materialidade e dos meios de co mun icaçã o que a cercam, pode se ar-
car à própria hi st ória, especialmente quando ela p assa o foco das pala vr'-
às co isas, como os hi storiadores da arte têm feito h á gerações.16 Quanto _
"histó ria das ideias", h á muito colocada por alguns hi storiadores no cen r.:
da mudança histórica, ela tem sido relegada, explícita ou implicitamente, _
história do pensamento político, religioso e científico, bem como à literatur;
ou seja, às línguas dess as di sciplinas.
A busca de uma ciên cia que esteja além da s confusõ es e contradições d:
vida e da linguagem no no vo m ilênio continua, e as teorias do caos e da com-
plexidade parecem de fato ser os equivalentes so fisticad os da ciência estat ís
tica do século XIX - ain da buscando reduzir o conhecimento local à teoria
global e determinar regularidades, se não previ sõ es por trás do fluxo) me smo
que de modo não line ar e fragme ntá rio, segun do, talvez, os ditames do "p ós-
-modernismo cultural"," Para H ayle s, essa condição de "desordem ordenada
tem se produzido p ela suc essiva "desn aturalização" da linguagem, do con-
texto e do tempo, sujeitando -os à interpretação construcionista , sep arand o
o tempo da sequê ncia e da causalidade e antecipando a própria de snaturali-
zação do ser humano. Assim, a hi stória, em sua forma clássica, está reduzida
a histórias lo cais e lin eare s - talvez "complementares" - no interior de urna
estru tur a que mina sua form a temporal e a proj et a co m vistas a modos "sis-
temáticos" de entendimento e representação - qu e podem sugerir modo s dê

16 Katherine Hayle s, Writing Machines. Cambridge (MA): MIT Press, 20 02; e ver Geo rge
Kubler, 'Ihe Shape ofTime: Remarks on the History of Things. Ne w H aven: Yale Un iver-
sity Press, 196 2.
17 Ver, entre muitos outros, Kathe rine Hayles, Chaos Bound: Orderly Disorder in Contem-
poraryLiteratureand Science. Itha ca: Cornell Un iversity Press, 199 0, p. 266 .

4 5 2 CONCLUSÃO
construir pontes entre a micro e a macro-hist ória." Ainda assim muito disso
é levado em espírito de brincadeira - a "cultura da divers ão" pós-moderna -
que, como Huizinga apontou, é mais abarcadora que a seriedade, já que a
primeira inclui a segunda, e não vice -versa.
Em algumas áreas do estudo histórico, evidentemente, ainda se traba-
fila como usualmente. A história do livro impresso é uma linha muito ativa
de pesquisa, ao mesmo tempo que seu futuro na forma convencional está
sendo posto em questão pela "sobrecarga de informação" e pelas pressões
econômicas. Não que a quantidade de livros impressos vá decair em um
futuro próximo, especialmente no campo da historiografia, mas as dificul-
dades, geradas pelos dicursos quanto ao acesso à informação essencial, tor-
nam os velhos métodos de pesquisa cada vez mais ineficientes e irrelevantes.
A vida de estante dos livros impressos será drasticamente tolhida, e muito
embora a pesquisa bibliográfica vá ganhar facilidades, ela também será cad a
vez mais arbitrária devido aos intermediários técnicos entre escritores e lei-
tores. Haverá mudanças, também, no meio institucional, que irá tender não
mais à sala de aulas ou à mesa com caneta, máquina de escrever e papel,
mas ao espaço do computador para ler, escrever e retomar, com doce ironia,
às antigas técnicas dos papiros, à marginália hipertextual e às trocas ante-
riores à palavra impressa - deixando a cultura impressa sobretudo a uma
leitura pública mais ampla e ao mercado de manuais.
O impulso enciclopédico, contudo, continua, ao ponto de que parece-
mos ser levados a uma nova fase da Summa medieval, demonstrada pela pro-
liferação não apenas de manuais, mas também de dicionários, enciclopédias,
"com pêndios", comentários e produções semelhantes - muitas delas também
em rede. Sob essas condições não há mais muitas fontes originais para que
historiadores as explorem, apenas informação (não fatos individuais, mas
"dados" quantificáveis) e um aparato processado por técnicos, que adicio -
nam outro complicador à epistemologia histórica, enquanto pontos de vista
e vieses já se apresentam incrustados nas fontes em outro nível. Em termos
suficientemente gerais e por questões pedagógicas, isso talvez não faça di-
feren ça - e, de fato, em certo sentido isso é marca do progresso em relação

18 Arkady Plotnisky, Complementarity: Anti-Epistemology afterBohrand Derrida. Durham :


Du ke University Press Books, 1994.

K ~LL EY 453
ao impressionismo de outrora -, mas então onde estão as premissas para ~
qualificação histórica e a crítica que vá além dos lugares -comuns culturais
e das pré-estruturas ideológicas? A hegemonia da tecnologia dos computa-
dores ameaça transformar o próprio tecido do tempo humano) de tal modo
que, segundo Arno Borst, que invocava o acadêmico ligado às questões do
tempo J. T. Fraser, "a teia global do presente [ ... ] tem destruído mais e mais
a complexidade das ordens do passado e estreitou a escala de variações entre
o trabalho e o lazer, a velhice e a juventude, os desenvolvimentos biol ógicos,
intelectuais e sociais 'i" Nós estamos de fato "perdendo tempo':
O "p ós-m odern ism o" captura essas condições da erudição histórica
moderna? Esse termo, aceito amplamente e construído não menos am-
plamente e ainda sem mostrar sinais de envelhecimento, tornou-se um
guarda-chuva para modas intelectuais contemporâneas que queiram iden-
tificar algo além do mais que usado e intimidador rótulo de "modernismo",
mesmo em seus mais perversos excessos. De fato, o pós-modernismo segue
o padrão geracional comum de revolta contra a tradição, mas levanta seus
estandartes questionando as convenções do próprio tempo, elevando-se
acima dele. Isso se realiza através de estratégias retóricas que não podem
ser extraídas da linguagem ou da experiência histórica: e o efeito, se não o
objetivo, é privilegiar interpretações imaginativas e - cortando laços com
questões de cronologia e a autoridade da erudição histórica convencional
- elevar acadêmicos e escritores à posição de juízes, "críticos culturais" e
mesmo profetas." Para historiadores não teóricos, o pós-modernismo é
uma licença de pesca para alvos e opiniões exóticos, quando não uma nova
maneira de injetar vida em velhos objetos." Claro que não há nada de es-
pecialmente novo nisso - e ainda cabe aos historiadores a "historicização"
de tais esforços tanto quanto do rótulo (não chamo de conceito) de pós-
-modernismo. Há mais de um século Nietzsche profetizou "N osso novo in-

19 Arno Borst, TheOrdering of Time: From theAncient Computus to theModern Computer,


trad. Andrew Winnard. Chicago: University of Chicago Press, 1993, p. 129j eM. E. Ho-
bart e Z. Schiffman, Information Ages, op. cito
20 Ver Elizabeth Deeds Ermarth, Sequei to History: Postmodernism and the Crisis ofRepre-
sentationalTime. Princeton: Princeton University Press, 1992.
21 Ver Daniel Gordon (org.), Postmodernism and the Enlightenment: New Perspectives in
Eighteenth-Century French lntellectual History. Nova York: Routledge, 2001.

454 CONCLUSÃO
"~ito '~querendo dizer que "o mundo tornou-se mais uma vez infinito para
nós: tanto quanto não podemos rejeitar a possibilidade de que isso inclui
infinitas interpretações" - e o corolário segundo o qual "toda ação requer
esquecimento"." É isso um convite ou resignação em face da conjectura e
da opinião sem fim) uma antecipação da "teoria do caos" ou uma negação
de que possa haver algo assim?
Sob tais condições) qual será a utilidade da história? As prescrições an-
tigas para a verdade, o lucro e o prazer ainda se aplicam, mas em diferentes
formas na moderna sociedade de massa sob condições de mudança tecno-
lógica e a ameaça de balcanizaçâo, que pode ser de fato "interpretada" me-
diante a rubrica genérica total de "pós-modernismo". Mais tocante, talvez,
seja a pluralidade de perspectivas à disposição dos leitores modernos, isto é,
a multiplicidade de passados, históricos e pré-históricos) que livros impres-
sos trazem e que são elaborados na cultura eletrônica. O século XVIII viu
a emergência da hermenêutica moderna e o conceito de "ponto de vista",
que mais tarde seria incorporado ao método histórico e minou a noção de
uma única narrativa da experiência humana, fosse providencial ou secu-
lar. "Para cada olho", como Burckhardt começou seu grande livro sobre a
Renascença) "os contornos de uma civilização [Kultur] apresentam uma
figura diferente", e essa percepção impressionista tornou-se uma premissa
definidora da história pós-moderna. Contudo, a "cultura" também foi plu-
ralizada e fragmentada; um século antes de Burckhardt, os acadêmicos in-
vestigavam não só a alta cultura) mas a "cultura material", e as preocupações
não somente das elites dominantes) como a história das classes médias e
trabalhadoras e de grupos subalternos, mulheres, crianças, homossexuais)
idosos) deficientes, criminosos, animais) elementos da cultura material (in-
cluindo livros como mercadoria) e o meio ambiente, e assim a cadeia da
vida humana. A isso se deve acrescentar a experiência da "alteridade", en-
quanto os contatos com o Oriente e o novo mundo complicavam a história
eurocêntrica e minavam a velha narrativa de Adão (e Eva). Certamente, as
convenções da história universal - da velha estrutura bíblica para o evolu-
cionismo e as mais sofisticadas filosofias da história - muitas vezes associa-

22 Fried rich Nietzsche, On ihe Advantage and Disadvantage of Historyf or Life, trad. Peter
Preuss. Indianapolis : Hackett Pub CD., 198 0, p. 10.

KELL E"{ 455


das a profecias quase religiosas e visões utópicas continuaram a sustentar
grandes narrativas: mas as novas explorações no tempo e no espaço mais
uma vez minaram as visões de uma história unificada da humanidade, pas-
sado, presente ou futuro, e o neoevolucionismo tem embaçado a noção de
um moderno "nós" humano.
Outra condição herdada da erudição histórica moderna é a centralidade
do debate e da disputa. Claro que disputas acadêmicas são convencionais
nas escolas medievais e antigas da filosofia e da teologia, entretanto, elas fo-
ram intensificadas e institucionalizadas na era da troca impressa e do jorna-
lismo letrado da República das Letras, da literatura periódica, da crescente
prática de resenhar livros e da autopropaganda de autores. Isso fica sob a
rubrica de "crítica", a expansão da antiga ars critica, cuja forma moderna é a
teoria literária que invade a investigação histórica tanto quanto a interpreta-
ção literária. Um subproduto disso é o fenômeno que, no século passado ou
antes, ganhou o rótulo de "revisionismo" e gera a rinha entre escolas - mui-
tas vezes em forma de diferença geracional. Tal revisionismo tornou-se uma
fixação não apenas no pensamento social e religioso, mas também nos estu-
dos históricos - seguido hoje em dia (vocês não vão ficar surpresos de saber)
do "pós-revisionismo': O lado positivo desse padrão recorrente de disputas
é a tomada de consciência de que as realizações acadêmicas são o produto
não de rupturas mágicas individuais} mas antes de diálogo e cooperação no
estudo histórico}ainda que isso fique muitas vezes evidente apenas em re-
trospectiva. Nesse sentido, consideremos a proliferação e o enrijecimento
dos gêneros, das disciplinas e de suas respectivas histórias, tendo em mente
que disciplinas geram subdisciplinas, produzindo, por exemplo, não so-
mente a história da história como um ramo especial da literatura (por exem-
plo, a história da historiografia europeia, de Eduard Puerter} , mas também
(como no trabalho recente de Horst Blanke, dedicado a Fuerter) histórias da
história da história (Historiographiegeschichte, como os alemães o chamam).
Esse tipo de acumulação} prevista há muito tempo por Harry Elmer Bames,
sem dúvida produzirá um subgênero de ordem ainda mais baixa (a história
das histórias da história da história), e assim por diante, como o homenzi-
nho na caixa de aveia Quaker, que sugere que a história, ainda que nutritiva,
não tem mais do que um ponto vazio como fundação substancial.
O que parece certo é que continuarão a existir "novas histórias" em uma
ou outra área, e que essas novas histórias contarão com, pelo menos inadver-

456 CONCLUSÃO
tidamente, padrões antigos, talvez esquecidos, sem reconhecimento signifi-
cativo até que a historiografia revele constantes, continuidades e repetições.
Isso não significa dizer que não experimentaremos ou proclamaremos novi-
dades, pois o conhecimento histórico é sempre novo, e estamos sempre na
fronteira, olhando para a frente tanto quanto para trás. O historiador parti-
lha isso com o homem (e, agora é necessário acrescentar, com a mulher) em
geral, sobre o que Pope escreveu seu aforismo:

His knowledge measured to hisstateand place;


His time a momentJ and a point hisspace:"

Não precisamos mais, contudo, fingir movimento ao longo de um a só linha


em um bem mapeado espaço (a despeito dos esforços dos cartógrafos mo-
dem os), e a única constante é a curiosidade, que busca novos enigmas e ho-
rizontes. Heródoto, se não Tucídides, reconheceria essa condição.

Pub lica do originalm ent e como "Conclusic n" in Dona ld Reed Kel ley, Front iers of His -
tory : Historicol lnquiry in the Twent iet h Centu ry , New Haven: Yale University Press,
2006, pp. 243- 52.Tradução de Bru no Garnbarot t o.

23 "Seu conheàrnento medido por seu lugar e posse; / Seu tempo um momento, e um ponto
seu espaço". Essay onMan, pp. 71-72.

KELLEY 457
o valor e a extensão da influência de Marx sobre a historiografia moderna
são raramente negados} mesmo por aqueles que rejeitam seu pensamento
económico, político e filosófico: No entanto} é mais difícil especificar a na-
tureza exata do impacto e da influência de Marx sobre historiadores mar-
xistas posteriores ou sobre os historiadores em geral. Muitas vezes a teoria
da história de Marx (o "materialismo histórico") é reduzida a uma ênfase
geral na importância da luta de classes ou no papel do "fator económico';'
É impossível} no espaço aqui disponível} oferecer um balanço completo da

Karl Popper, The Open Society and its Enemies. Londres: Routledge, 1966, pp. 106-10j
Leszek Kolakowski, Main Currents of Marxism. Oxford, 1978, v. I, pp. 369-70, V. III,
p. 524j Gordon Leff, The Tyranny of Concepts, 2~ ed. Londres: Merlin Press, 1961, p. 7;
Stephen Henry Rigby, "Marxism and the Middle Ages", in A. Ryan et aI. (orgs.), After
the End of History. Londres: Collins & Brown, 1992, p. 14.
2 Eric Hobsbawm, "Karl Marx's Contribution to Hístoríography", in Robin Blackburn
(org.), Ideology in Social Science: Readings in Criticai Social Theory. Londres: Pantheon
Books, 1972. Como sugeriram, de forma perspicaz, os marxistas, o "determinismo eco-
nômico" não é um pecado exclusivo dos historiadores marxistas: Christopher Hill, So-
ciety and Puritanismo Londres, 1968, p. 21j E. P. Thompson, "The Moral Economy of the
English Crowd in the Eighteenth Century", Past and Present, n. 50, 1971, p. 78; Eugene
D. Genovese, ln Red andBlack. Nova York, 1972, p. 319.

RIGBY 459
historiografia marxista, o que seria quase o equivalente a escrever a história
do mundo. Em vez disso, este capítulo examina as principais afirmações de
Marx a respeito de estrutura social e de mudança histórica, explora como e
em que medida a produção histórica marxista difere da historiografia orto-
doxa e oferece um balanço geral da abordagem marxista.

o "MATERIALISMO HISTÓRICO" DE MARX E ENGELS

Um problema na especificação da influência de Marx sobre historiadores


posteriores é que os próprios Marx e Engels empregaram um grande número
de abordagens históricas diferentes e ofereceram várias interpretações histó-
ricas específicas não necessariamente compatíveis.' No geral, como mostrou
Fleischer, Marx e Engels trabalharam a partir' de pelo menos três grandes
perspectivas históricas: a antropogenética, a pragmatológica e a nomológica.
Em suas primeiras obras, Marx e Engels encararam a história de forma hege-
liana, ou antropogenética. Nelas a história é vista como o progresso dialético
geral por meio do qual a humanidade chega à sua completa autorrealízação,
passando por uma fase negativa necessária de auto alienação e atomização
social antes de chegar a uma comunidade completamente humana, livre e
racional.' Em suas obras de meados dos anos 1840, como A sagrada [amilia,
A condição da classe trabalhadora na Inglaterra e A ideologia alemã, Marx e
Engels mudaram para uma perspectiva "pragmatológica", mais alinhada a

3 Sobre a natureza contraditória da herança de Marx e Engels, ver Alvin Ward Gouldner,
TIre TwoMarxisms. Londres: Macmil!an, 1980.
4 K. Marx e F. Engels, ColIected Works, v. 1-6. Londres: Lawrence & Wishart, 1975-76, V.2,
p. 476, v. 3, pp. 172-74, 395,419-4 2,463-72,475-76,485,491-92, 499j H elmut Fleischer,
Marxism and History. Harmondsworth, 1975, pp . 12-16j Walter L. Adamson, "M arx's
Four Histories: An Approach to his Intellectual Developrnent", History and 'Iheory, n. 20,
19 81 j Marx and the Disillusionment of Marxism. Berkeley: Universi ty of California Press,

1985, cap. 1j Paul Til!ich, "M arx's View ofH ístory: A Study in the Hi story of the Philo so-
phy of History", in S. Diamond (org.), Culture in History. Nova York, 1970j S. H. Rigby,
Engels and the Formation of Marxism. Manchester: Manchester Universíty Press, ~992j
John Maguire, Marx's Paris Writings:An Analysis. Dublin: Gil! & Macmil!an, 1972j Phi-
lip J.Kain, "Marx, Method, Epist emology and Humanism: A Study in the Development
ofhis Thought". Sovietica 48, Dordrecht/Lancaster, 1986.

460 H ISTORIOGRAFIA MARXISTA


noções ortodoxas de ação histórica. Nelas a concepção antropogenética de
desenvolvimento social enquanto desdobramento lógico em direção a um
objetivo particular é substituída por uma visão na qual a história é vista como
"0 resultado) mais cego do que o resultado de qualquer tendência a um ob-

jetivo específico) das ações de indivíduos e grupos impulsionados por suas


necessidades no contexto das situações nas quais se encontram'.' Jon Elster
afirmou) inclusive) que as obras desse período são caracterizadas por um
individualismo metodológico (a crença de que todo fenômeno social é ex-
plicável "de maneiras que envolvem apenas indivíduos", suas características)
objetivos, crenças e aç ões), embora deva-se enfatizar que Marx e Engels sem-
pre insistiram em que "indivíduos vivos reais" eram eles próprios o produto
de "condições e relações históricas dadas'" Por último) embora sem jamais
abandonar explicitamente a perspectiva pragmatol ógica, as obras tardias de

5 H. Fleischer, Marxism andHistory, op. cít., p. 13j ver também K Marx e F. Engels, Collected
Works, op. cit., 1975-76, v. 4, pp . 93, 298, 583; v·5, pp. 36-37, 39-41,56-59, 88 j Collected Works,
v. 38.Londres, 1982, p. 12j Se1ectedWorks, v. 1.Moscou, 1962,p. 24 7 j S. H. Rigby, Engels and
theFormation ofMarxism, op. cit., pp. 47-63j Ted Benton, Phiwsophical Foundations ofthe
Three Sociologies. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1977,pp. 151-53j James Miller, History
andHumanExisience: From MarxtoMerleau-Ponty. Berkeley: University of California Press,
1979, pp. 29-32; Philip]. Kain, "Marx, Method, Epistemology and Humanism: A Study in the
Development ofhis Thought", op. cit., cap. 2.
6 K Marx e F. Engels, Collected Works, op. cit., 1975-76, v. 5, pp. 37, 39, 51-52, 76-78, 183, 215,
323,329,375-76,378-79,410,413,436 -38,442,464, 479-80 j Jon Elster, Making Sense of
Marx. Cambridge, 1985,pp. 5, 7, 109-10.Para disc~ssões a respeito de Elster, ver artigos
em Inquiry, 29, 1986,v. 29, pp . 3-77, e Theory and Society, n. 11, 1982, V. 11, pp . 483 -539 j c ver
Alex Callinicos, MakingHistory :Agency, Structure and Change in Social Theory. Cambrid-
ge, 1987- Alan Carling apresenta o individualismo metodológico de Elster como parte
central do su rgimento do "marxismo da escolha racional", que substituiu o estruturalis-
mo francês como paradigma dominante dentro do marxismo e que trabalha a partir do
pressuposto de que "os atores decidem o que fazer aplicando princípios de otimização a
um conjunto de alternativas para a a ção", A Carling, Social Division. Londres, 1991, p. 27.
Ver A. Carling, "Rational Choice Marxism", New LeftReview, n. 160, 1986j A Levine et al.,
"Marxism and Methodological Individualism", New Left Review, n. 162, 1987j A. Carling,
"ln Defence ofRational Choice: A Reply to Ellen Meiskins Wood". New Left Review 184,
1990; A Callinicos, "The Lirnits of 'Politicai Marxism '", New Left Review, n. 184, 1990j
E. M. Wood, "Explaining Evcrything or Nothing". N ew Left Review, n. 184, 1990; S. H.
Rigby, "Review of Carling 1991". Social History, n. 18,1993.

RIGBY 461
Marx e Engels) como O Capital (1867) e Anti-Dühring (1878)} também ado-
tam uma perspectiva "nomol ógica" segundo a qual o desenvolvimento hist ó..
rico é visto como análogo a processos naturais que se desenrolam de acordo
com "leis internas ocultas" cuja revelação cabe ao historiador.' Nelas a ênfase
na ação humana} típica da perspectiva pragmatol ógíca, é substituída por um,"!
abordagem estruturalista que vê o desenvolvimento da formação econ ómica
da sociedade como "um processo de história natural" e pela qual os ind iví-
duos são apresentados como "a personificação de categorias econ ómicas, os
portadores de interesses e relações de classes particulares'" Essa perspectiva
foi generalizada por marxistas posteriores no sistema filosófico do "materia
lismo dial ético' , mas devemos chamar a atenção para o fato de que tal mate-
rialismo dialético não era nem cronológica nem logicamente anterior à teoria

7 H. Fleischer, Marxism and History, op. cit., p. 13; Leonard Krieger, "Marx and Engels as
Historians", Journal ofthe Historyoj Ideas 14, 1953, pp. 386-87, 403j K. Marx e F. Engels,
Selected Works, op. cit., 1962, p. 246j Selected Works, v. II. Moscou, 1949, pp. 153,354-55; K.
Marx, Capital, 3 v. Hannondsworth, 1976-81, 1, pp . 90-93, 101-02, 928-30j F. Engels, Herr
Eugen Dühríng's Revolution in Science. Londres, s. d., pp. 15, 147-61, 209-10, 305; K. Marx
e F. Engels, Selected Correspondence. Moscou, 1975, pp. 442, 445j David McLellan, Karl
Marx: His Lifeand Thought. St. Albans, 1976, p. 423. George Lichtheim, Marxism:An His-
torical and Criticai Study, 2~ ed. rev. Londres, 1964, pp . 236, 243j S. H. Rigby, Engels and
the Formation of Marxism, op. cit., pp. 187-95j P. J. Kain, "Marx, Method, Epistemology
and Humanism, op. cit., cap. 3 e pp. 419-86 . Essa ênfase na história enquanto processo
regulado por leis foi a base da historiografia marxista soviética. Ver Edward Acton, Re-
thinkingthe Russian Revolution. Londres: Bloomsbury Academic, 1990, cap. 2 e 3.
8 K. Marx, Capital, op. cit., 1976, v. II, p. 92j Louis Althusser e Étienne Balibar, Reading
Capital. Londres, 1975, p. 180; Vai Burris, "lhe Neo-Marxist Synthesis ofMarx and We-
ber on Class", in N. WIley (org.), TheMarx WeberDebate. Newbury Park, 1987. O de-
bate entre Miliband e Poulantzas a respeito da natureza classista do Estado capitalista
oferece um exemplo clássico do confronto entre as concepções pragmatológica e es-
truturalista de ação. Ver Ralph Miliband, The State in Capitalism Society. Londres, 1973j
N. Poulantzas, "lhe Problem of the Capitalist State", in Blackburn (org.). Ideology in
Social Science: Readings in Criticai Social Theory. Londres, 1972 e E. Laclau, Politícs and
Ideology in Marxist Theory. Londres, 1979, cap. 2. Ver também Ralph Miliband, Class
Power and StatePower. Londres, 1983, p. 26. A ênfase pragmatológica na ação formou a
base do ataque de E. P. lhompson às noções estruturalistas de classe. Ver E. M. Wood,
"E. P. Thompson and his Critics". Studies in Politicai Economy, n. 9, 1982, e as referências
na nota 147.

462 H ISTORIOGRA FIA MA RXISTA


social empírica desenvolvida por Marx e Engels em meados dos anos 1840:
o materialismo histórico não é uma "aplicação" do materialismo dial ético,?
Mesmo em suas análises de conjunturas históricas particulares, era
inevitável, uma vez que escreveram por um longo período de tempo e em
circunstâncias históricas e gêneros literários variados, que Marx e Engels
produzissem um leque de interpretações históricas diferentes e mesmo con-
traditórias. Há, por exemplo, um contraste entre a explicação da transição
do feudalismo ao capitalismo oferecida em obras como A ideologia alemã
(1845-46) e o Manifesto comunista (1848) , no qual Marx e Engels enfocam o
crescimento das cidades, do comércio e de uma burguesia urbana, e a ênfase
crescente na transformação da agricultura e na expropriação dos produtores
camponeses dos Grundrisse (1857-58) e de O capital:"
No entanto, apesar da herança muitas vezes ambígua e contraditória le-
gada por Marx e Engels a marxistas posteriores, e mesmo apesar de, como
veremos, os historiadores marxistas recorrentemente discordarem violen-
tamente entre si a respeito de assuntos específicos, é possível identificar
uma escola de historiografia marxista distintiva. Se, como afirmou Edward

9 J. St álin, Dialectical and Historical Materialism. Moscou, 1951, p. 5; A. Dorpalen, Ger-


man Historyin MarxistPerspective: TheEast GermanApproach. Londres, 1985, pp. 35-45;
M. Cornforth, 'Ihe Open Philosophy and the Open Society. Londres, 1968, p. 126; Scott
Meikle, Essentialism in the Thought of Karl Marx. Londres: Open Court, 1985, p. I; Be-
nedetto Croce, Historical Materialism and theEconomics of KarlMarx. N ew Brunswick,
1981, pp. 3, 7-9; R. Hilferding, "The Materialist Conceptíon of History", in T. Bottomore
(org.), Modem Interpretations ofMarx. Oxford, 1981; K. Korsch, Karl Marx. Londres,
1938, pp. 51-52, 168-71; S. H. Rigby, Engelsand theFormation ofMarxism, op. cit., cap. 6-8;
Z. A. Jordan, TheEvolution ofDialedi calMaterialism. Londres, 1967, p. 297. O fato de o
materialismo histórico não exigirlogicament e o materialismo dialético não impediu que
marxistas identificassem um "progresso dialético da história " em operação em eventos
como a Revolução Francesa. Ver Georges Lefebvre, The Fren chRevolutionfrom 1793 to
1799. Lond res, 1967, p. 360.
10 K. Marx e F. Engels, CollededWorks, op. cit., v. 5, pp . 32, 64-74; V. 6, pp. 485-90 ; K. Marx,
Grundrisse, Harmondsworth, 1974, pp. 506, s08-l2, 589; Marx, Capital, op . cit., 1976-81,
vr, cap. 26-32; vrn, cap. 20; ver G. E. Mumy, "T own and Country in Adam Smíth's
The Wealth of Nations", Science and Society, n. 42, 1978-79; R. Brenner, "The Origins
ofCapitalist Development: A Critique of Neo-Smithian Marxism". New Left Review,
n. 104, jul.-ago. 1977, pp. 27, 33-38; R. H. Hilton et. al., The Transitionfrom Feudalism to
Capitalismo Londres, 1976, p. 23.

RIGBY 463
Palmer Thompson," a metodologia e a epistemologia do materialismo his-
tórico não é diferente do procedimento histórico ortodoxo de formular hi-
póteses que podem ser testadas por evidências empíricas) os historiadores
marxistas podem ser distinguidos de seus colegas não marxistas por seu vo-
cabulário e conceitos comuns) e seu conjunto compartilhado de interesses)
questões) hipóteses e ênfases históricos.
Em A ideologia alemã (escrita com Engels em 1845-46) e no "Prefácio" de
Contribuição à crítica da economia política (1859), Marx ofereceu uma explica-
ção abrangente da estrutura social e da mudança histórica. Para Marx) toda
vida social é baseada na produção material necessária à satisfação das necessi-
dades de subsistência humana. Esse processo envolve a transformação de ma-
téria-prima específica por meio de instrumentos de produção) da força de tra-
balho humana e do conhecimento científico e tecnológico) no interior de uma
divisão técnica do trabalho específica, isto é) por meio das "forças produtivas"
da sociedade!' Um nível particular de desenvolvimento dessas forças produti-
vas forma a base para "relações de produção" específicas, isto é) relações entre
pessoas (como no caso da relação de classe entre um empregador e seus em-
pregados), ou entre pessoas e forças produtivas (como no caso de uma fábrica
que é propriedade do empregador). Essas relações de produção, ou relações de
propriedade) determinam o acesso das pessoas às forças produtivas (por exem-
plo) o acesso do trabalhador assalariado às forças produtivas depende de ele ser
empregado pelo capitalista) e aos produtos do processo de trabalho (na forma
de salário, no caso do trabalhador, ou como propriedade daqueles produtos
que são vendidos com lucro) no caso do empregador) .]3
Apesar de a terminologia do próprio Marx não ser consistente) os marxis-
tas se referem a uma combinação de relações de produção específicas com
um nível (ou níveis) específicos de desenvolvimento das forças produtivas

11 E. P. Thompson, TnePoverty ofTheory. Londres, 1978, p. 236.

12 K. Marx e F. Engels , Collected Works, op. cit., 1975-76, v. 5, pp. 41-42; K. Marx, A Con-
tribuiion to the Critique ofPoliticalEconorny. Londres, 1971, pp. 19-23; K. Marx, Capital,
op. cit., v. I, pp . 284-90; K. Marx, Grundrisse. Harmondsworth, 1974, pp. 56o, 699; John
McMurtry, The Structure of Marx's World View. Princeton, 1978, p. 55; G. A Cohen,
KarlMarx's Theory ofHistory: A Defence. Oxford, 1978, p. 32.
13 R. Hilferding, "The Materialist Conception of Hístory", op. cit., 1981, p. 127; G. A. Cohen,
KarlMarx's Theory of History: A Defence, op. cit., p. 3.

464 H ISTORIOGRAF IA MA RXISTA


como um "modo de produção", cada modo de produção definido por suas
relações de produção (feudal, capitalista etc.)." Para os marxistas, as rela-
ções de classe dos modos de produção baseadas na propriedade privada (em
oposição à propriedade comunitária do comunismo primitivo) são necessa-
riamente "baseadas na exploração", uma vez que envolvem a apropriação de
formas específicas de "trabalho excedente" dos produtores por uma classe
de não produtores, como na apropriação da renda da terra dos camponeses
pelo senhor feudal." Tal exploração gera inevitavelmente conflitos de classe,
uma vez que os produtores procuram limitar o nível de exploração enquanto
os não produtores procuram maximizá-lo. "
Marx e Engels frequentemente afirmaram que as relações de produção de
uma sociedade "correspondiam" ao nível de desenvolvimento atingido por

14 R. Mishra, "T echn ology and Social Strueture in Marx's lheory - An Exploratory Analy-
sís". Science and Society, n. 43, 1979. Para o uso variado do próprio Marx do termo "modo
de produção", ver K Marx e F. Engels, Selected Correspondence, op. cit., 1975, v. 5, pp. 43,
53; Collected Works, op. cit., 1976,v. 6, p. 175. K Marx, A Contribution to the Critique of
PoliticaiEconomy, op. cit., p. 203; K Marx, Capital, op. cit., v. I, pp. 196, SoS; v. 3, 373,734,
753,755,759, 1019-21;K Marx:, 'Iheories ofSurplus Value, 3 v. Londres, 1968, pp. 429-30.
IS K Marx, Capital, op. cit., v. I, pp. 313, 324-2S, 34S-48j V. III, pp. 763-6S, 917-S0j K. Marx
e F. Engels, Selected Correspondence, op. cit., v. 5, p. 409. O conceito de exploração tem
sido assunto de um debate extremamente abstrato entre teóricos marxistas. Ver J. E.
Roerner, A General'IheoryofExploitation and C/ass. Cambridge (MA), 1982j S. Lukes,
Marxism and Morality. Oxford, 198s; e M. Cohen et aI. (orgs.), Marx, Justice and His-
tory. Princeton, 1980. Para orientação bibliográfica ver N. Geras, "lhe Controversy
about Marx and justice", New Left Review, 150;1985, e Carling, SocialDivi sion, op. cit.,
1991, cap. S e 6. Se, como Croce e Roemer enfatizaram, a noção de exploração envolve
implicitamente o con ceito de algum arranjo social alternativo, não baseado na explo-
ração, o conceito supostamente objetivo, cuja existência seria mensurável, de "explora-
ção " se torna uma ideia mais problemática do que os próprios Marx e Engels se deram
conta. Ver B. Croce, HistoricalMaterialism and the Economics of Karl Marx, op. cít.,
p. 127; J. E. Roemer "What is exploitation?" Reply to ]effrey Reima". Philosophy and
PublicA.ffairs, n. 18,1989;G. Dalton, "H ow Exactly are Pea sants 'exploited'?". American
Anthropologist, n. 76, 1974 (e ver o debate subsequente, em Am ericanAnthropologist,
v. 77-79); S. H . Rigby, Engels and the Formation ofMarxism, op. cit., pp. 214-19.
16 K. Marx e F. Engels, Collected Works, op . cit., 1975-76, v. 6, pp. 482-8Sj Selected Corres-
pondence, op. cit., p. 307; K. Marx, Capital, op. cit., v. I, pp. 344, SS3-S4, 699-700j G. E. M.
de Ste. Croíx, "Class in Marx's Conception ofHistory, Ancient and Modem". New Left
Review, n. 146, 1984,pp. 99-100.

RIGBY 465
suas forças produtivas," uma afirmaç ão que ilustraram para cad a estágio _
desenvolvim ento histó rico, do modo de produção do comunismo primiri
ao capitalista," passando pelo antigo asiático" e feudal." Na me dida em c _
a sociedade adquire no vas forças produtivas, uma tendência trans-h ist ór _
que Marx e Engels praticamente pr essupuseram," atinge-se ao fim um _
tágio n o qu al suas relações de produção se tornam defasadas em rela ção
suas forças produtivas em desenvolvimento e se tornam seus grilhões. P.~
que as forças produtivas possam cont inuar a se desenvolver) as relações de r:
dução antiquadas são colocadas de lado e novas relações de produção surg;:-:-
um processo acompanhado por revolução social, tal como as revoluçõe s bl:!:'-
guesas que marcaram o triunfo da classe capitalista sobre a aristocracia feudal,>

17 K Marx e F. Engels, Col/eetedWorks, op . cit., 1975-76, v.5 , pp . 35-36, 4 3, 59-60 , 63, 81-82, 89. 2 ' •
K Marx, Grundrisse, op. cit., p. 89i K Ma rx, A Contriouiionto the CritiqueofPolitical EcollO';.
op. cit ., 1971, pp. 20, 220j K Marx, Capital, op. cit., v. I, pp. 286, 352j idoWage Laborand Capit:'
M oscou, 1970, p. 2Sj K. M arx, The Poveny ofPhilosophy. Mos cou, 1973, pp. 95, 106-07, 156- ~­
161, 171i K Ma rx e F. Engels, Se/eeted Correspondence, op . cít., 1975, pp. 356-441 j J. M clvlurt ry,
The StructureofM arx's WorldVicw, op . cít., cap. 8i S. H. Rigby, Mar:dsm and History: A Cnn-
cal lntroduction. Mancheste r, 1987, cap. 3; A. W. Wood, Karllvlarx. Lon dres, 1981, pp. 68-79.
IS K. M arx e F. En gels, Col/eetedWorks, op . cit., 1975-76, V. 5, pp. 32-33; K. M arx, Grundrissc,
op. cit., 1974, p. 4 9 6; F . Engels, The Origin of the Family, Private Property and the Statô,
Moscou, 196 5, pp. 20-28.
19 K. Marx 1969, p. 384 ; K. Ma rx, Grundrisse, op. cit., pp. 277, 699.
20 K. M arx e F. Engels, Col/eeted Works, op. cit., 1975-76 , V.5, p p. 33, 159i F. Engels, Herr El"
gen Diihring's Revolution ;nScience, op. ci t., pp. 182-83; F. En gels, The Origin of the Family,
Private Property and the State, op. cit ., p p. 157-6 0.
21 K. Marx, Capital, op. cit., V.1, pp. 173, 4 79; id., TheRevolutionsOf1948. O rg. D . Fembach.
H armondsworth, 1973, pp . 83, 30 4- 06.
22 K. Marx e F. En gels, Col/eeted Works, op. cit., v. 5, pp . 74- 75i K. M arx, Capital, op. cit., v. 3.
pp. 929 -30 .
23 K. Marx e F. Engel s, Collected Works, op . cit., 1975-76, v. 5, pp . 52-53, 82-83, 89 i K. Marx,
A Contribuiion to the Critique of Politicai Eeonomy, op. cit ., pp. 20-21 j K. M arx, The
Poverty of Philosophy, op . cit., 1973, pp . 96 , 107, 157i G. A. Co he n, Karl Marx's Theory of
History: A Deje nce, op . cit., p. 3 1j W . H . Shaw, Ma rx's Theory of H istory, Londres, 1978,
p. 65i J. McMurtry, The Structure of Marx 's World \/iew, op . cit., p. 65.
24 K. M arx e F. En gels, ColIected Works, op. cit., 1975- 76, v. 5, pp. 33-34, 52, 74, 82 j v. 6,
pp . 212, 33i K. Ma rx, TIu Poverty of Philosophy, op. cit., 1973, pp . 10 6- 0 7; K. Ma rx, Gnl1l -
drisse, op. cit., p . 540i K. M arx e F. En gels, The Communist Manifesto. H arm ondsworth,
196 7, p. 85i K. Marx, The Revolutions of 184 8, D. Fernbach (org.) . H armondsworth, 19 73,

466 H ISTORi OGRA FIA M A RXIS TA


Se as forças produtivas da sociedade são o fundamento de suas relações
de produção} então, por sua vez} essas relações de produção formam a "base
econ ómica" de sua "superestrutura" legal} política e ideol ógica." O Estado
e as formas de consciência social são "determinados" ou "criados" por suas
relações de produção ou} de forma mais geral, por seu modo de produção.
O Estado e a ideologia} por assim dizer} "b rotam das"} "correspondem a"}
"refletem"} "ecoam" ou "expressam" relações sociais." Mais especificamente,
o Estado normalmente serve para defender o poder e os interesses comuns
dos proprietários," enquanto formas específicas de consciência social são
determinadas pelos interesses e pela posição de classes sociais particulares."

pp. 19 2-93j id., A Contribution to the Critique ofPoliticalEconomy, op . cit., 1971, p. 21j id.,
Capital, op. cit., v. I, p. 875, v. III, pp. 449-52, 1023 -24j F. Engels, Herr Eugen Dvhring's
Revolution in Science, op. cit., p. 300j lhe Origin of the Family, PrivateProperty and the
State, op. cit., p. 6 j id., "Introduction", in Socialism: Utopianand Scientific. Moscou, 1978,
pp. 19-24j M. Bertrand, Le Marxisme et l'histoire. Paris, 1979, pp. 71-72, 185-86j F. Furet,
Marx and the Prendi Revolution. Chicago, 1988, cap. 2j M. Lowy, "The Poetry of th e
Past': Marx and the French Revolution". New LeftReview, n. 177, 1989.
25 K Marx, A Contribution to the Critique ofPoliticai Economy, op. cit., pp. 20-21; K Marx e
F. Engels, Collected Works, op . cit., 1975-76, v. 5, pp. 53, 55, 57, 89, 329, 355-56, 373. A me-
táfora da base e superestrutura também está implícita nas críticas de Marx e Engels
à "inversão" hegeliana entre consciência humana e atividade social. Ver, por exemplo,
K Ma rx e F. Engels, CoIlected Works, op. cit., 1975-76, v. 5, pp. 30, 36, 61, 107-09, 126, 159.
26 K Marx, Capital, op. cit., v. I, p. 95 j id., lh eFirstlnternational andAfter. D. Fembach (org.).
Harmondsworth, 1974, p. 156; id., lhe Revolution,s of 1848, op. cit.; id., Surveysfram Exile,
Harmondsworth, 1973, p. 250; K Marx e F. Engels, Collected Works, op. cit., 1975-76, v. 5,
pp. 36, 52, 59, 90, 193, 196, 250, 356}410, 420, 463i id., Selected Correspondence, op. cit., p. 400.
27 K Marx e F. Engels, Collected Works, op . cit., 1975-76, v. 5, pp. 52, 90 , 92, 329, 355-56, 359,
361; F. Engels, lhe Origin ofthe Family, PrivatePropertyand the State, op. cit., 1968, p. 168j
K Marx, lhe Class Struggles in France, 1848 to 18S0. Moscou, 1972, pp. 28, 30 , 32, 35, 81,
102, 121-23j K Marx, lhe Poverty of Philosophy, op . cit., p. 137i K Marx e F. Engels, lhe

CommunistManifesto, op . cit., pp . 85, 100, 137; K Marx, lhe Revolutions of 1848 , op. cít.,
p. 261; K Marx, lhe Eighteenth Brumaire ofLouisBonaparte. Mo scou, 1972, p. 105.
28 K Marx, A Contributionto the Critique of Politicai Economy, op. cit., pp . 20-21j K Marx,
lhe Povertyof Philasophy, op. cit., pp. 95, 100, 109; K Marx e F. Engels, CoIlected Warks,
op. cit., 1975-76, v. 5, pp . 36-37, 74, 159, 183, 250, 438, 462j K. Marx, Grundrisse, op . cit.,
p. 540 j K Marx e F. Engels, Seleaed Correspondence, op. cit., p. 401j F. Engels, HerrEugen
Dvhring's Revolution in Science, op. cit., p. 23; K. Marx, lheEighteenth Brumaireof Louis
Bonaparte, op. cit., pp. 37-38, 40 j id., lhe ClassStruggles in France, op. cit., 1972, pp. 33, 48.

RIGBY 467
Marx e Engels, assim, oferecem um modelo de estrutura social em tris
camadas (as forças produtivas; as relações de produção; e a superestrutum
política e ideológica), e fornecem uma "explicação funcional" das relações
entre esses três níveis. Uma explicação funcionalista é aquela que explica a
existência de um arranjo ou processo particular em termos de seus efeit05
benéficos para alguma outra coisa, como quando o pescoço longo da girafar
explicado por suas vantagens para sua sobrevivência e reprodução ou quando
a dança da chuva dos índios Hopi é explicada por sua tendência a promover
coesão social." Para Marx, as relações de produção da sociedade são exp5-
cadas de forma funcionalista pelo desenvolvimento das forças produtivas:
"para que " a sociedade não seja: privada dos benefícios do crescimento das
forças produtivas, as relações de produção correspondentes ao novo nível de
desenvolvimento da produtividade social devem ser criadas." Da mesma ror
neira, o marxismo oferece uma explicação funcional da superestrutura polí-
tica e ideológica em termos de seus benefícios para as relações de classe da
sociedade que o Estado e a ideologia ajudam a estabilizar e legitimar,"

HISTORIOGRAFIA MARXISTA

De acordo com a herança teórica legada por Marx e Engels, os historiado-


res marxistas tenderam a concentrar sua atenção em determinados temas
centrais: na identificação do crescimento, ou da falta de crescimento, das
forças produtivas da sociedade; na caracterização de sociedades particula-
res em termos de suas relações de produção dominantes; na exploração do
alcance e da natureza do conflito de classe; na explicação da crise de modos

29 S. H. Rigby, Marxism and History: A CriticaiIntroduction, op. cit., cap. 6. Sobre explica-
ção funcionalista em Marx, ver A. Giddens, Central Problemsin Social Theory. Londres,
1979, especialmente pp . 210-14, e G. A. Cohen, KarlMarx's Theory ofHístory: A Defence,
op . cit., esp. cap. 9 e 10. Para explica ção fun cionalista em geral, ver R. K Merton, Social
Theory and Social Structure. Glencoe, 1962, pp . 19-84.
30 K Marx, ThePoverty of Philosophy, op. cit., P: 197; id., A Coniribution to the Critique of
Politicai Economy, op . cit., p. 21.
31 Ver referências a Estado e ideologia acima, e G. A Cohen, KarlMarx's Theory ofHístory:
A Defence, op. cit., pp. 216-80.

468 HI STORIOGRAFI A MA RXISTA


de produção particulares e as transições entre eles, e no estabelecimento de
relações entre relações de classe e poder político e ideologias sociais.
De todas as teorias históricas de Marx, é sua defesa da primazia social das
forças produtivas que - apesar da defesa de teóricos marxistas de Kautsky a
Plekhanov, passando por Lênin, Trótski, Bukharin e Stálín, a Cohen, Loone,
Shaw, Callinicos e Sayer" - provou-se menos produtiva para historiado-
res marxistas de gerações posteriores," Isso não surpreende, uma vez que
mesmo nas obras de Marx e Engels há um contraste entre seus enunciados
gerais, programáticos, tais como o "Prefácio de 1859", e suas análises reais de
períodos históricos específicos. Os primeiros tendem a enfatizar a primazia
das forças produtivas da sociedade inexoravelmente em desenvolvimento,
os últimos reconhecem que, sob o impacto de relações particulares de pro-
dução, as forças produtivas da sociedade podem estagnar ou mesmo regredir,
e assim davam maior importância ao papel das relações e lutas de classe na
realização da mudança social." De fato, alguns marxistas, que relutam em

32 K Kautsky, Ethics and theMaterialist Conception of History, 4~ ed., Chicago, s. d., pp.120-
-37,144-45,161-71;id., TheMaterialistConception ofHistory. New Haven, 1988, pp. XXXVIII-IX,
227; G. V. Plekhanov, The Development of the Monist Conception of History. Moscou, 1972,
pp. 123-33, 147,159-72,216-18,262;id., Fundamental Problems ofMarxism. Londres, 1969,pp.
49,62,64; Lênin, The 'Ihree Sources and Componeni Parts ofMarxism. Moscou, 1969, pp. 7,
21-3; Trótski, Marxism inourTime. Nova York, 1970, p. 9; id., ThePermanent Revolution and
Results andProspects. Londres, 1971, p.169; Bukharin, HistoricalMaterialism. Nova York, 1969,
pp. 120,134, 140, 249, 257; J. Stálin, Dialectical and Historical Materialism, op. cit., pp. 33-
56; G. A Cohen, Karl Marx's Theory of History: A Defence, op. cit., cap. 6; id., History,
Labourand Freedom. Oxford, 1988, cap. 1,5, 6, 8, 9; E. Loone, SovietMarxism andAnaly-
tical Philosophies ofHistory. Londres, 1992,p. 163;W. H. Shaw, Marx's Theory of History,
op. cit., cap. 2, id., '''The Handmill Gives you the Feudal Lord' : Marx's Technological
Determinism", Historyand Theory, n. 18, 1979. Ver também A Callinicos, Making His-
tory: Agency, Structure and Change in Social Theory, op. cit., 1987,pp. 91-95; D. Sayer, The
Violence ofAbstraction. Oxford, 1987,pp. 31-35.
33 Para a tentativa do arqueólogo V. G. Childe de aplicar essa abordagem ao desenvolvi-
mento histórico, ver V. G. Childe, History. Londres, 1947, especialmente cap. 2 e 7; id.,
Man MakesHimself. Londres, 1941,p. 6; id., What Happened in History. Harmondsworth,
1954, pp. 23-26; S. Green, Prehistorian: A Biography of V. Gordon Chi/de. Bradford-on-
-Avon, 1981, esp. pp. 78-83.
34 K. Marx, A Contributlon to the Critique ofPoliticai Economy, op . cit., 1971, pp . 20-21; R. W .
Miller, "Social and Political Theory: Class, State and Revolution", in T. Carver (org.),

RIGBY 469
colocar em Marx o fardo de visõe s que eles me smo s não podem aceu
taram até me sm o neg ar que Marx tivesse jam ais afirmado a prim azia
das forças produtivas, para começo de con ver sa,"
Longe de enfatizar uma tendência inexor ável à expansão e dese..
menta das forças produtivas, historiadores mar xistas levaram a sério 2. ~~
tênci a de Marx segundo a qu al é errado aplicar a todos os modos de pro":
as leis de desenvolvimento própri as da sociedade capitalista. Diferenterr..
do capitalismo, onde há uma tendência poderosa, inclusive sem prece de-
históricos, ao desenvolvimento das forças produtivas, todos os mod os ~
-capitalistas de produção eram, como afirmou o próprio Marx , inerenterne
con servadores." Na pr ática, é o controle que as relações de produção da
ciedade exercem sobre as forças produtivas e as lutas de classe que resultam ~
relações particulares de produção, mais do que o desenvolvimento aut ónomo
das forças produtivas, que ocupam lugar de destaque nas análises de mudanca
e crise no int erior, e as transições entre modos particulares de produ ção."

The Cambridge Companion to Marx. C ambridge, 1991j W. L. Adarnson, "Review of


Cohen 1978". History and 'Iheory, n. 19, 1980, pp. 186-204 ; S. H. Rigby, Marxism and
History: A Criticai Introduction, op . cit ., pp. 28-55, 144-60 j C. Katz, From Feudalism to
Capitalism: Marxian Theoriesof Class Struggle and Social Change. Nova York, 1989, pp .
3-4, 17 3-83 j P. Lekas, Marx on ClassicalAntiquity: Problems of HistoricalMethodology.
Brighton, 1988, pp . lOS-06, 138, 153 e cap. 9, passím, Para um a tentativa de conciliar essas
duas abordagens, ver R. W. Miller, "Pro ductive forces and the force s of change", The
Philosophical Review, n. 9, 1981j id., AnalyzingMarx. Princeton, 1984.
3S J. Saville, Marxism and History. Hull, 1974j CiBettelhelm, 'Ihe Class Struggles in the
USSR, 1917-23. Hassocks , 1976, p. 23j J. S. Cohen, KarlMarx's 'Iheory of History:A Defence,
op. cit. , p. 31j N . Rosenberg, "M arx as a Student of Technology", in L. Levidow e B.
Young ( orgs.), Science, Technology and theLabourProcesso Londres, 1981j A Levin e, "lhe
German Historical School ofLaw and the Origins ofHistorical Materíalism ". Journal of
theHistoryof Ideas, n. 48, 1987. T. McCarthy (Marx and the Proletariat. Westport, Ont,
1978, P: 24), ape sar de não ser marxista, também rejeita a interpretação "determ inista
tecnológica" de Marx.
36 F. Engels, HerrEugen Dvhring's Revolution in Science, op. cit .: K. Marx, Capital, op. cit.,
V. 1, pp. 101, 617 j E. M . Wood, Democracy against CapitalismoRenewingHistorical Mate-

rialism. Cambridge, 1995,pp. 4, 110-27j A Callinicos, Theories andNarratives: Reflections


on thePhilosophyofHistory. Cambridge, 1995, pp .101-02.
37 R. Hilferding, "lhe Materialist Conception of History", op. cit., pp . 127- 28j S. Hook,
Towardsthe UnderstandingofKarl Marx. Londres, 1934, cap. 12j M. Dobb, "H ist orical

470 H ISTOR IOGRAF IA MARX ISTA


Assim, para Walbank, é precisamente o fracasso do desenvolvimento das
forças produtivas que subjazem ao declínio do Império Romano. O nível
das forças produtivas ao fim do Império era essencialmente o mesmo que
havia sido no mundo grego. No entanto, a partir do século II de, um Impé-
rio na defensiva enfrentou os custos crescentes de manter suas fronteiras,
custear sua burocracia, alimentar Roma, e assim por diante. Uma vez que
o Império parou de expandir, o exército deixou de ser uma fonte de lucro
para o Estado e passou a ser um fardo que a população tinha de sustentar: o
resultado inevitável da Pax Romana foi a legalização da extorsão. No curto
prazo, como sob o fascismo moderno, governantes como Diocleciano (284-
-305) lançaram mão do aprofundamento do controle e da regulação estatais,
numa tentativa de manter um sistema social em crise. No longo prazo, essa
estrutura política cada vez mais pesada no topo} sem uma base econ ómica
própria adequada, estava condenada ao fracasso. A chave desse fracasso
do desenvolvimento das forças produtivas foi a prevalência de relações de
produção baseadas na escravidão, que privava os escravos do incentivo à
inovação, induzia o desprezo por toda forma de trabalho entre as classes
proprietárias e reduzia boa parte da população ao limite da subsistência, di-
minuindo assim a demanda total e limitando as possibilidades de uma eco-

Materialism and the Role ofthe Economic Factor". History, n. 36, 1951; L. Althusser e
E. Balibar, ReadingCapital, op. cit., 1975, p. 235; B. Hindess e P. Q Hirst, Pre-capiialist
Modes of Production. Londres, 1975, pp . 9-12; R. H . Hilton et aI. The Transitionfrom
Feudalism to Capitalism, op. cit., p. 115; "Feudalism in Europe: Problems for Historical
Materialists". New Left Review, n. 147, 1984, p. 88; R. Brenner, "Agrar ían Class Struc-
ture and Economic Development in Pr é-industrial Europe". Past and Present, n. 70,
1976; P. Dockês, Medieval Slavery and Liberation. Londres, 1982, p. 182; LJoshua, La
Facecach ée du ]"10yell Ãge. Montreal, 1988, esp. pp. 361-68; S. H. Rigby, Marxism aliei
History:A Criticai lntroduction, op. cit., cap. 8;]. Larrain, A Reconstructioll ofHistorical
Materialism. Londres, 1986, pp. 82-89; E. M. Wood, "Rational Choice Marxism: Is the
Game Worth the Candle?". New Left Review, 1989, pp. 59-60; C. Katz, FromFeudalism
to Capitalism: Marxian Theories of Class Struggle and SocialChange, op. cit., pp. 173-83;
Z.A.Jordan, TheEvolution ofDial ecticalMaterialism, op . cit., p. 94í]. S. Cohen, "Re-
view ofG. A. Cohen 1978". [ournal ofPhilosophy, n. 79, 1982; A. Levine e E. O. Wright,
"Ration ality and Class Struggle". New Left Review, n. 123, 1980; A. A. Smith, "Two Theo-
ries ofHistorical Materialism". Theory and Society, n. 13, 1984; E. D. Genovese, ln Red
and Black, op . cit., p. 324 .

RIGBY 471
no mia de escala." Assim, apesar de os historiadores sob regimes stalic
serem obrigados a explicar o fim do Império Romano a partir da lei IJ -
sal da expansão das forças produtivas," a maioria das análises mar xista
mundo antigo enfatizaram o fracasso do desenvolvimento das força s P'
tivas e ofereceram uma explicação histórica específica de tal estagnação
regressão em termos das relações de produção da sociedade."
A explicação de Robert Brenner da crise do feudalismo também rejeiIa
qualquer tendência ao desenvolvimento inerente às forças produtivas e ~
senta as relações sociais feudais como um freio poderoso ao crescimento tia
produtividade social. Para Brenner, as relações de produção feudais eotR
camponeses e senhores inibiam a inovação agrícola, gerando a tendência ~
superpopulação, o declínio dos padrões de vida e a crise demográfica qur
historiadores malthusianos e neorricardianos veem como típicos do Cm-
dalismo. Diferentemente do capitalismo, que não apenas permite mas, por-
meio da competição no mercado, encoraja o avanço produtivo, o feudalismo
oferecia pouco estímulo ao investimento ou à inovação. De um lado, os cam-
poneses não dispunham de recursos ou incentivos para inovar. De outro, 05
senhores feudais, com os poderes de coerção extraeconômicos da servidão
e da propriedade senhorial disponíveis em seu favor, eram capazes de au-
mentar sua parcela do produto social ao alargar sua parcela da produção
total, por meio do aumento de aluguéis, arrendamentos e taxas de permis-
são de uso da terra, em vez de aumentos no investimento em produtividade.
Nos termos de Marx, recorriam ao trabalho excedente "absoluto" em vez de
"relativo"," Da mesma maneira, para Genovese, as "contradições imanentes'

38 F. W. W albank, TheDecline oftheRomanEmpire in theWest. Londres, 1946, p. 22j id., The


Al<fu/ Revolution. Liverpool, 1969, pp. 40-80, 109-lOj F. Engels, TheOrigin of the Family,
Prillate Property cmd the State, op. cit., p . 14S.
39 P. Oliva, Pannonia and the OnseiofCrisis in the RomanEmpire. Praga, 1962,pp . 171ss.j D.
R. Gandy, Marx andHistory. Austin, 1979,p. 29.
40 Ver também D. Konstan, "M arxisrn and Roman S\avery". Arethusa, n. 8, 1975, p. 149.
41 R. Brenner, "Agrarian C\ass Structure and Economic Development in Pre-industria\
Europe", op. cít., 1976j id., "The Agrarian Roots ofEuropean Capitalism". Past and Pre-
sent, n. 97, 1982, pp . 16-17, 24-41, 48-so j id., "The Orígins of Capitalist Development",
op . cit., pp . 42-46; id., "Bourgeois Revolution and Transition to Capítalism", in A. L.
Beíer, D. Cannadine e]. M. Rosenheim (orgs.), TheFirstModem Society. Cambridge,

472 HISTORIOGRAFIA MARXISTA,


da economia do Sul escravista significavam que a região estava também des-
tinada à crise: a baixa produtividade do trabalho, a falta de formação de ca-
pital, o mercado interno limitado e as restriçõe s que impunha à vitalidade da
burguesia mercantil e industrial retardaram o desenvolvimento econômico
e abriram caminho para a secessão política e, ao fim, para a derrota militar,"
Os historiadores marxistas veem a tendência em direção ao avanço das
forças produtivas como característica do capitalismo, mas abandonaram a
ideia de que essa expansão é uma lei histórica universal e enfatizaram, em
vez disso) a necessidade de identificar as tendências e leis históricas espe-
cíficas dos modos de produção pré-capitalistas." Como observou Perry
Andersen." "as forças produtivas normalmente estagnam e retrocedem no
interior das relações de produção existentes", ao contrário da imagem de
forças produtivas vigorosas irrompendo triunfalmente através das relações
de produção retrógradas. "As relações de produção geralmente mudam an-
tes das forças produtivas na época de transição) e não vice-versa," O que
resta das afirmações de Marx é a ideia de que cada modo de produção está
destinado à crise por intermédio de suas próprias tendências inerentes e)
particular) da crise que emerge do choque de forças produtivas com as rela-
ções de produção.v São tais problemas internos e fatores causais endógenos,

1989, pp. 288-90 . Ver tamb émR, H . Hilton, 'Ihe English Peasantry in the LaterMiddle
Ages. Oxford, 1975, cap.10j e C. Wi ckham, Barly Medieval Italy:CentralPowerand Local
Society, 400-1000. Londres, 1981, pp. 92-93. P ara a distinção de Marx entre valor exce-
dente "abs olu to" e "relativo", ver K Marx, Capital, op . cit., v. I, pp. 64 3-72. A respeito
da crise do feudalismo, ver também E. Kominsky, "Evolution offeudal rent in England
from the eleventh century to the fifteenth century", Past and Preseni, n. 7, 1955; C. Dyer,
Standards of Living in the Later MiddleAges. Cambridge, 1989, pp. 6-7, I09-40j G. Boi s,
Crise def éodalisme. Paris; 1976. Para uma crítica a Bois, ver R. Brenner, "Th e Agrarian
Roots ofEuropean Capitalism", op . cit., pp. 41-60.
42 E. D. Genovese, ThePoliticai Economy of Slavery. Nova York, 1965, pp. 3, 8-9, 43-61,158.
43 R. Brenner, "Th e Origins of Capitalist Development: A Critique ofNeo-Sm ith ian Mar-
xism ", op . cit., pp. 31-38, 52j W. Kula, An Economie Theory of the Feudal System. Londres,
1976, pp. 54-56, l07-11j E. M. Wood, "M arxisrn and the Course ofHistory". N ew Left
Review, n. 147, 1984,pp. 97-98, 101.
44 Perry Anderson, Passages from Antiquity to Feudalism. Londres, 1977,p. 204.
45 E. M. Wood, Democracy against Capitalism, op . cit., pp. 122-40. Para Hobsbawm ("The
crisis of the seventeenth century", in T. Aston (org.), Crisis in Europe, 1560-1660 . Lon-

RIGBY 473
e não forças externas, que criam crise social e transição. O Império Romano,
por exemplo, não entrou em colapso por causa das invasões bárbaras, mas
por causa de suas próprias contradições internas." Paul Sweezy se revelou
um marxista um pouco incomum quando procurou uma explicação para
a dissolução do feudalismo e para a transição ao capitalismo em "causas
externas ao sistema",tais como o desenvolvimento das cidades e do comér-
cio." A maioria dos marxistas preferiu encontrar algum impulso interno
primário à transição, tal como a ineficiência do modo feudal e sua tendên-
cia inerente à crise, ou os efeitos da luta de classes feudal."

dr es, 1965) , esse agrilhoamento subjazia à "crise geral" do século XVII, "a última fase" da
transição do feudalismo ao capitalismo.
46 J. S. Cohen, "Th e Achievements ofEconorníc History: The Marxist School". Journal of
EconomicHistory, n. 38, 1978, pp. 29-57, KarlMarx's 'Iheory ofHistory:A Dejence, op. cit.,
1978, pp . 30-31; E. O. Wright et al., Reconstructing Marxism. Londres, 1992, pp. 57 -58j K
Marx e F. Engels, Collected Works, op. cit., 1975-76, v. 5, pp. 32, 83-85j P. Dock ês, Medieval
Slavery and Liberation, op. cit., p. 159.
47 P. Sweezy, "A Critique", in R. H. Hilton et alolhe Transitionfrom Feudalism to Capita-
lism, op . cit, 1976j R. H. Hilton et al., lhe Transition from Feudalism to Capitalism, op. cit.,
p. U5j M . Dobb, Studies in theDevelopmentofCapitalism. Londres, 1963, pp. 39-6 7, 124-26j
R. Brenner, "The Origins of Capitalist Development: A Critique of Neo-Sm ithian
Marxisrn", op. cit., pp. 38- 53j id ., "Agrarian Class Structure and Economic Develop-
ment in Pre-industrial Europe", op. cit., pp. 31-32. De maneira paradoxal, os que re-
jeitam o papel das cidades e do comércio como motores primários d a transição ao
capitalismo também tendem a negar seu st atu s externo em relação ao feudalismo. Ver
F. Merrington, "Th e Transition from Feudalism to Capítalísm", in R. H. Hilton et al.,
lhe Transitionfrom Feudalism to Capitalism, op. cit., 1976j id., Class ConjIict and the Cri-
sisof Feudalism. Londres, 1985, cap. 13j id., English and French Towns in FeudalSociety.
Cambridge, 1992, em especial cap. 1 e 2j A B. H ibbert, "Th e Origíns of the Medieval
Town Patriciate", in P. Abrams e E.AWrigley (orgs.), Towns in Societies. Cambridge,
1978, pp. 91-104. Para tentativas de reconciliar a ênfase de Sweezy no papel da s cidad es
e do comércio na transição ao capitalismo com aqueles que enfatizam o papel int egral
da s cidades no interior da sociedade feudal, ver I. Katznelson, Marxism and the City.
Oxford, 1992, pp. 161-63, 175-91, e J. Torras, "Class Struggle in Catalonia: A Note on
Brenner", Review, n. 4, 1980.
48 A. Callínícos, 'Iheories and Narratives: RejIections on ihe Philosophy of History, op. cit.,
pp. u6-i5, argumenta que mesmo conflitos interssocietários, tais como a competição
militar, podem ser relacionados ao padrão do desenvolvimento econ ómico e a relações
de classe internas da sociedade.

474 HISTORiOGRA FIA MA RXISTA


Tendo abandonado a defesa de Marx da primazia das forças produtivas,
os marxistas deram pouca atenção, naturalmente, à afirmação de Marx de
que as sociedades deviam ser classificadas em termos de suas forças produ-
tivas características e se concentraram, como sugeriu o próprio Marx, na ta-
refa de distinguir as sociedades em termos de suas relações de produç ão."
Isso não é o mesmo que dizer que os historiadores marxistas necessaria-
mente concordaram com Marx e Engels ou entre si a respeito da natureza
das relações de classe de sociedades específicas ." A própria existência de
um modo "asiático" de produção, no qual o Estado possui o monopólio da
terra e os camponeses entregam trabalho excedente na forma de impostos,
revelou-se extremamente controversa," No início dos anos 1930, o conceito
do modo asiático foi eliminado do cânone teórico do marxismo soviéti co, e
mais recentemente Hindess e Hirst o declararam teoricamente incoerente."
Para Godelíer, o modo asiático representa uma forma da transição do co-
munismo primitivo à sociedade de classes, enquanto o próprio Marx achava
por bem aplicar o termo à Índia dos Moguls, uma sociedade que Godelier
caracteriza como uma forma de feudalismo. Certamente, uma vez que os de-
fensores desse conceito viram relações de produção "asiáticas" em socieda-

4 9 K. Marx, Capital, op. cit., v.• , pp. 286, 325i v. 2, p. 120.


50 A natureza das relações de classe da União Soviética e outras sociedades de socialismo
de Estado se revelou um tópico particularmente polêmico. Ver P. Bellis, Marxism and
tlu: USSR. Londres, 1979, para um levantamento das posições .
S. K. Marx, Capital, op. cit., v. 1lI, p. 927. Para Marx e Engels , a respeito do modo asiático ,
ver S. Avineri (org.), KarlMm'x on Colorlialism and Modemization. Nov a York, 1964 i L.
Krader, The Asiaiic Mode of Production. Assen, Países Baixos, 1975; P. Andersen, Linea-
ges of theAbsolutist State. Londres, 1979, pp. 4 73-83i E. Hobsbawm (org.), Pre-capitalist
Modesof Production. Londres, 1964 , pp . 32-38; M. Sawer, "lhe Concept of the Asiatic
Mode ofProduction and C ontem porary Marxism ", in S. Avineri (org.), Varieties of
Marxism. l h e Hague, 1977i H. Lub asz, "Marx's Conception ofthe Asiatic Mode of Pro-
duction", Economy and Society, n. 13, 1984 i S. H. Rigby, Marxism and History: A Criticai
lntroduction, op. cit., pp. 221-24; Engels and lhe Formation ofMarxism, op. cit., pp. 196-97.
A visão de Marx é complicada pela falsa questão de sua definição do modo asiático cm
termos da provisão de irrigação agrícola pelo Estado. Ver K. Marx, Surveys jrom Exile,
op . cit., p. 303.
52 S. P. Dunn, TheFaliandRiseof theAsiaticMode of Produdion. Londres, 1982i B. Hindess
e P. Q, Hirst, Pre-capiialist Modes ojProduction, op. cit., 1975, cap. 4.

RIGBY 475
des africanas ou pré-colombianas, e uma vez que o monopólio da te.
Estado nã o pode ser encontrado de forma alguma em todas as scc ieé
asiática s pr é-industri ais, "asiático" talvez não seja o melhor termo p 2.~'~
modo de produ ção."
Outro tópico controverso entre historiadores marxistas são as re - -
de classe e os modo s de produção dominantes no mund o antigo. T'
cionalmente, ape sar das re ferências de Marx e Engels à propried ad- -
vel (m ercadoria) d as antigas cidades-Estado, os marxist as enfatizaraz
escravid ão enquanto base das relaçõe s de classe do mundo antigo e, c
na análi se de Walb ank, como o ob stáculo principal ao avanço produrí
A. W Wood desafiou essa abordagem baseado no fato de que a mai or ~ :.:
da população do mu ndo anti go era de camponeses e de artes ãos ind c ~ _
dentes, e não de escravos." N o entanto, De Ste. Croix, em uma tentsti
am biciosa de mo strar a utilidad e do m arxismo para o estudo do mu ndo ~
tigo, afirm a que a questão central da cara cterização da natureza das relac óe
de classe no mundo antigo não é simplesmente a das ocupações da m aioria
da população}mas a da form a dominante de trabalho excedente da Q U 2._ .
classe de proprietários obtinha su a renda.v' Seu argum ento enfrenta d .

53 M. Godeli er, Perspectives in Marxist Anthropology. Cambridge, 1977, pp. 64, 116-17; iii-
"lhe Asiatic Mode of Production", in A M. Bailey e J. R. Llobera (orgs.), The Asiatic
Mode ofProduction. Londres. r çêr, pp. 264- 67.
54 K Marx e F. Engels, Collected Works, op. cít., 1975-76, v. 5, pp. 32-33, 84, 89; K. Marx, Ca-
pital, op. cit.,v. 3, pp. 449-50j F. Engels, The Origin of the Family, PrivateProperty and tM
State, op. cit., pp. 145-4 7; F. W.Walbank, 'IheDecline oftheRomanEmpire in the West, op.
cít., pp. 24-2 7; TheAwful Revolution, op. cit., 1969, pp. 42-47, 104; P. Andersen, Passages
from Antiquity to Feudalism, op. cit., p. 22.
55 A W. Wood, Karl Marx, op. cito Ver também R. H. Hilton, Bond MenMade Free. Lon-
dres, 1977, p. 10; K Marx, Capital, op. cit., v. 3, p. 942.
56 G. E. M . de Ste. Croix, "Karl Marx and the Histo ry of Classical Antiquity". Arethusa
8, 1975, p. 16 (toda a edição de 1975 de A rethusa é dedicada à qu estão do marxismo e
o mundo antigo); id., "Class in Marx's Con ception of His tory, Ancient and Modem",
op. cit., p. I07j íd., The Class Struggle in the AncÚnt Greek World. Londres, 1981, espe-
cialmente pp. 52, 54 , 1I3, 173, 179 . Para críticas, ver R. Browning, "lhe Class Struggle
inAncicnt Greece ". Past and Preseni, n. uoo, 1981; P. Anderson, "Class Strugglc in the
Ancient Wo rld". History Workshop, n. 16, 1983; P. A Brunt, "AMarxist View ofRoman
Histo ry", Journal of Roman History, n. 72, 1982. Bois afirma que , no sentido em que a

476 HI STORIOGRAFIA M ARXISTA


problemas principais. Em primeiro lugar) não é claro que os escravos eram
a maior fonte de trabalho excedente na antiguidade, a prevalência da forma
de escravidão na qual o escravo é propriedade pessoal do senhor) mesmo
na Atenas antiga) parece ter sido bastante limitada no tempo e no espaço."
Em segundo lugar) como defenderam Hindess e Hirst, não é necessário
identificar a unidade econômica subjacente à antiguidade. A unidade cultu-
ral do mundo antigo era perfeitamente compatível com uma variedade de
relações de produção) da escravidão e servidão à apropriação do trabalho
excedente por direito de cidadania,"
As relações sociais feudais se revelaram menos controversas.v No en-
tanto) os marxistas se dividiram a respeito de aceitar ou não a afirmação
de Marx de que sob o feudalismo os camponeses possuíam os meios de
produção, e portanto de sua própria subsistência, o que significava que o
trabalho excedente na forma de renda da terra só podia ser extraído por
meios extraeconômicos, pelos poderes legais, políticos e de coerção dos
senhores encarnados na servidão e no senhorio. Nessa perspectiva, a ser-
vidão e a coerção extraeconômica tornam-se características definidoras do
modo feudal." Outros marxistas, por outro lado, argumentaram que, uma

escravidão era a forma de exploração dominante, se não a forma principal de produ-


ção, "a sociedade dos francos permaneceu uma sociedade baseada na escravidão" até
o fim do século x, apesar de esses serem escravos assentados em posses. G. Bois, The
Transformation of the Year Gne Thousand. Manchester, 1992.,pp. 19-24, 157-58.
57 B. D. Shaw, "lhe Anatomy of the Vampire Bat", Economy and Society, n. 13, 1984j C.
Wickham, "Marx, Sherlock Holmes and Late Roman Commerce", Journal of Roman
Siudies, n. 78, 1988, pp. 183-93j E. M. Wood, Peasant, Citizen and Slave. Londres, 1989,
pp. 1-2, 39-40, 64-68, 78-80.
58 B. Hindess e P. Q Hirst, Pre-capitalist Modes of Production, op. cit., 1975, pp. 85-86j id.,
Mode of Production and SocialFormation. Londres, 1977, pp. 40-41. Essa unidade cul-
tural sobre diversas bases econômicas colocaria, é claro, problemas para a metáfora da
base e superestrutura.
59 Para uma análise brilhante das dinâmicas de curto e longo prazo do feudalismo, ver
W. Kula, An Economie Theory of the FeudalSystem, op. cito
60 K Marx, Capital, op. cit., v. 3, p. 926j M. Dobb, "Prorn Feudalism to Capitalism", in
R. H. Hilton et al., The Transitionfrom Feudalism to Capitalism, op. cit., pp. 165-66j R. H.
Hilton, Class Conflictand the Crisis ofFeudalism, op. cit., p. 123j P. Andersen, Passages
from Antiquity to Feudalism, op. cit., pp. 147-48j R. Brenner, Merchants and Revolution:

RIGBY 477
vez que a propriedade na forma de terra pressupõe o monopólio de certas
pessoas sobre certas partes do globo e a exclusão de outros} o pagamento de
aluguel pelos camponeses deveria ser visto como um resultado de sua sepa-
ração dos meios de produção e a servidão} no lugar de ser uma característica
definidora constitutiva universal do feudalismo}exige uma explicação his-
toricamente específica."
A análise de Marx do capitalismo em termos da teoria do valor trabalho
foi alvo de muita crítica} mesmo daqueles que são simpáticos à sua perspec-
tiva geral." Os marxistas preservaram a distinção de Marx entre o período
de "rnanufatura", que para ele prevaleceu de meados do século XVI ao final
do XVIII, e a era do capitalismo industrial que o sucedeu. No primeiro} a
produção se baseia ainda na manufatura, mas os artesãos independentes
são substituídos por diversos trabalhadores assalariados concentrados em
uma única oficina. No início} os trabalhadores ainda produzem um pro-
duto inteiro, apesar de agora trabalharem sob a supervisão de um único
capitalista (a submissão "formal" do trabalho ao capital) e de haver, ao fim,
uma tendência a que a concentração da produção seja acompanhada pela
intensificação da divisão do trabalho por processos. Essa submissão "real"
do trabalho ao capital alcança sua forma extrema com a mecanização e a

Commercial Change, PoliticaI Conflid and London's OverseasTraders, 1550-z653. Cam-


bridge, 199 3, p. 651.
61 B. Hindess e P. Q Hirst, Pre-capitalist Modes of Produdion, op . cit., 1975, pp. 236-37; J.
E. Martin, Feudalism to CapitalismoLondres, 1983, pp . 16-17. Para uma ênfase empírica
na importância de camponeses livres na Inglaterra medieval, ver E. Kominsky, Studies
in the AgrarianHistory of England. Oxford, 1956, pp. 92-94, e R H. Hilton, A Medieval
Society. Londres, 1967, pp. 140- 43 . M. Barg, "The Social Structure ofManorial Freehol-
ders: An Analysis ofthe Hundred Rolls of 1279". Agricultural HistoryReview, n. 39, 1991,
mostra que muitos posseiros eram não camponeses que provavelmente sublocavam
frequentemente sua terra.
62 E. von Bõhm-Bawerk, KarlMarx and the Close ofhis System. P. Sweezy (org .). Londres,
1975; J. Robinson, Economic Philosophy. Londres, 1962, pp. 34-46; íd., An Essay on Mar-
xian Economics. Londres, 1966, P: 17; L Steedman, "Value, Price and Profit ", N ew Lefi
Review, n. 90 , 1975; id., Marx afier Srciffa. Londres, 1977; L Steedman et al., 'Ihe Value
Controversy. Londres, 1981.

478 HiSTORIOGRAFIA MA RXISTA


redução do trabalhador a um "apêndice da máquina". Em outras palavras,
um modo específico de produção é definido por suas relações de produção
invariantes, mas tais relações podem ser compatíveis com uma variedade
de formas de forças produtivas." Mais recentemente, marxistas enfatiza-
ram que na era do capitalismo pré-industrial, o "p utting out" de matérias-
-primas para trabalhadores rurais, a assim chamada "proto índustrialízação',
era mais comum do que a manufatura centralizada." Ademais, a industria-
lização propriamente dita é vista agora como um desenvolvimento muito
mais recente. Apenas na era da construção de ferrovias, a partir de meados
do século XIX , a industrialização se espalhou para além da indústria têx-
til, a área de ruptura inicial no período de 1780-1800. Mesmo após 1850, a
mecanização, particularmente em economias de baixos salários, progrediu
apenas lentamente."
Para os marxistas, todos esses modos de produção são baseados na apro-
priação de trabalho excedente pelas classes de proprietários, um processo
que gera inevitavelmente conflitos de classe, em que os proprietários entram
em conflito com os produtores. De Ste. Croix'" lembra-nos, de forma útil,
que o conflito de classe não é apenas o produto das ações de escravos, cam-
poneses e trabalhadores, mas que medidas tomadas pela classe dominante
em seus próprios interesses são também formas de luta de classes: o locaute
do empregador é um exemplo de conflito de classe tanto quanto as greves
dos trabalhadores. No entanto, na prática, a historiografia marxista tendeu
a concentrar sua atenção em movimentos sociais populares e em formas de

63 K. Marx, Capital, op. cit., v. 1, pp. 429, 445 -48 , 453, 456, 480-81, 492 , 590.
64 P. Kriedte et al., Industrialization beforeIndustrialization. Cambridge, 1981, pp. 1-11. Para
críticas, ver P. Hudson, "Proto-industrialisation: 1he Case of the West Riding Wool
Textile Industry in the Eighteenth and Early Nineteenth Centuríes", HistoryWorkshop,
n. 12, 1981; D. C. Coleman, "Proto-índustríalízatíon: A Concept too Many", Economic
History Review, 2~ ser., n. 36, 1983.
65 E. Hobsbawm, TheAgeofRevolution, 1789-1848, Nova York, 1962, pp. 45-46; id., lndusiry
andEmpire. Harmondsworth, 1969, pp. 68-72, 109-10; R. Samuel, "The Workshop ofthe
World: Steam Power and Hand Technology in Mid-Victorian Britain", History Work-
shop, n. 3, 1977.
66 De Ste. Croix, TheCiass Struggle in theAncient GreekWorld, op. cit., p. 44.

RIGBY 479
agitação. A respeito do período medieval) Hilton", Dyer" e Razi" criticam
os historiadores que veem as relações sociais feudais em termos de consen-
sos e argumentam que conflitos de classe eram a consequência inevitável das
relações sociais medievais tanto nas cidades quanto no campo. De maneira se-
melhante, Christopher Hi1l7 0 argumentou que a hostilidade de classe era um
"simples fato" do mundo social da Inglaterra dos séculos XVI e XVII. Mesmo no
sul dos Estados Unidos, que prescindia das rebeliões de escravos encontradas
no Brasil e no Caribe e onde os escravos eram vistos como submetidos à bru-
talização ou subjugados por meio de subornos, os capatazes e os proprietários
de plantations não detinham poder absoluto, já que os escravos sulistas exibiam
de fato "uma impressionante resistência coletiva aos seus senhores': O "pater-
nalismo" dos senhores de escravo não significava apenas obediência dos escra-
vos, mas envolvia um conjunto negociado de práticas que tinham que levar em
conta a habilidade dos escravos de frustrar os desejos de seus senhores,"

67 R. H. Hilton, Class Conflict and the Crisis ofFeudalism, op. cit., pp. 7, 9,11, 17; id., Bond
Men Made Free, op. cit., 1977, passim: id., The English Peasantry in the LaterMiddleAges.
Oxford, 1975,cap. 4; id., A Medieval Society, op. cit., pp. 154-61; íd., "Unjust Taxation and
Popular Resistance", New Left Review, n. 180, 1990, pp. 183-84; id., English and French
Towns in FeudalSociety, op. cít., cap. 6j C. Dyer C"A Redistribution ofIncomes in Fif-
teenth-Century England?", in R. H. Hilton Carg.), Peasants, Knightsand Heretics. Cam-
bridge/Nova York, 1981; id., "Small-town Conflict in the Later Middle Ages: Events at
Shipston-on-Stour". UrbanHistory, n. 19,1992.
68 C. Dyer, "A Redistribution of Incomes in Fifteenth-Century England", op. cit.; id.,
"Small-town Conflit in the Later Middle Ages", op. cit., 1992.
69 Z. Razi, "lhe Toronto School's Reconstitution ofMedieval Peasant Society: A Critical
View", Past and Preseni, n. 85, 1979j id., "lhe Struggles Between the Abbots of Haleso-
wen and lheir Tenants in the Thirteenth and Fourteenth Centuries", in T. H. Aston et
alo Corgs.), Social Re1ations and Ideas. Cambridge, 1983.
70 Christopher Hill, Change and Continuityin Seventeenth Century England. Londres, 1974,
p.181; id., The Century ofRevolution, 1603-1714. Londres, 1974.
71 H. J. Kaye, "Totality: Its Application to Historical and Social Analysis by Wallerstein and
Genovese". Historical Reflections/Réflexions Historioues, n. 6,1979, pp. 413-14; E. D. Ge-
novese, Roll, Jordan, Roll: The World the Slaves Made. Nova York, 1974, pp. 3-7, 585-660;
íd., FromRebellion to Revolution. Baton Rouge, 1979, pp. XVI, XVII, 4-42. Para o Caribe,
ver C. L. R.James, The Black[acobins. Nova York, 1969; R. Blackburn, The Overthrow of
Colonial Slavery, 1776-1848. Londres, 1988,pp. 161-260;S. Campbell, "Carníval, Calypso
and Class Struggle in Nineteenth-Century Trinidad". HistoryWorkshop, n. 26, 1988.

480 HISTORIOGRAFIA MARXISTA


Naturalmente) boa parte da historiografia marxista se ocupou da emer-
gência do movimento operário sob o capitalismo moderno. Por um lado)
os marxistas se interessaram em mostrar que o papel histórico que Marx e
Engels atribuíram ao proletariado não era apenas projeção de fantasias oti-
mistas. Assim) John Foster identificou a existência de uma consciência revo-
lucionária entre a classe trabalhadora de üldham nas décadas de 1830 e 1840)
quando a "vanguarda revolucionária" da comunidade guiou os trabalhado-
res de uma defesa por meio dos sindicatos dos padrões de vida à percepção
de que era necessária uma "mudança total do sistema social"," Da mesma
forma) Tim Mason defendeu a ideia de que) mesmo após os nazistas terem
esmagado o movimento operário alemão, as ações da classe trabalhadora,
ou a ameaça de tais ações, podiam forçar os empregadores a ceder e, mesmo
após a deflagração da guerra) desorganizar a atividade econômica. Por outro
lado) dada a ausência da revolução nos países de capitalismo avançado, os
marxistas procuraram algum fator para explicar o fracasso do proletariado
em cumprir o seu papel histórico mundiaL A emergência de uma "aristo-
cracia operária") que "implantou respostas acomodatícias ao capitalismo e
subsequentemente as transmitiu ao resto do movimento de classe', é um dos
candidatos favoritos a esse posto."

72 J. Foster, Class Struggle andtheIndustrial Revolution. Londres, 1974, pp. 6-7, 74, 99-100. Para
críticas da esquerda e da direita, ver G. S. Jones, Languages 01Class: Studies in English Wor-
kingClass Cuiture, 1832-1982. Londres, 1987, pp. 62-75, e E. Musson, "Class Struggle and the
Labour Aristocracy, 1830-60". Social History, n.r, 1976, com uma resposta de J. Foster, "Some
Comments on 'Class Struggle and the Labour Aristocracy, 1830-60"'. Social History, n.r, 1976.
73 Tim Mason, "The Workers' opposition in Nazi Gennany". History Workshop, n. 11, 1981;
F. Engels, lhe Condition 01the Working Class in England. Londres, 1969, pp. 30-35j V. L
Lênin, Imperialism, the HighestStage 01Capitalismo Moscou, 1966, pp. 99-102; id., Impe-
rialism and the Split in Socialismo Moscou, 1966, pp. 8-17j E. Hobsbawm, Labouring Men.
Londres, 1964, cap. 15j id., "Lenin and the 'Aristocracy of Labour'". Marxism Today, juL
1970j J. Foster, Class Struggle and theIndustrial Revolution. Londres, 1974, pp. 203-04, 228-
29,237-38,246,254; R. Gray, lhe LabourAristocracy in Victorian Edinburgh. Oxford, 1976,
pp. 1-4, 184-90j G. Crossick, An ArtisanElitein Vidorian Society. Londres, 1980, pp. 14-20,
199-211, 251-54j R. Gray, lhe Aristocracy 01 Labour in Nineteenth-Century Britain, C.1850-
1900. Basíngstoke, 1981.Para críticas da tese da aristocracia operária, ver H. F. Moorhouse,
"lhe Marxist Theory of the Labour Aristocracy". Social History, n. 3, 1978, e E. Musson,
"Class Struggle and the Labour Aristocracy, 1830-60". Social History, n. 1, 1976.

RIGBY 481
No geral, no entanto, a historiografia marxista das lutas populares tem
sido abertamente celebratória, procurando, como na famosa formulação de
E. P. Thompson, resgatar o tecelão manual "obsoleto', o artesão "utópico" e
o seguidor "desiludido" de Joanna Southcott "da gigantesca condescendên-
cia da posteridade'l> Assim, para Rodney Hilton, os valores modernos de
igualdade, liberdade e autonomia são uma contribuição à história mundial
não da burguesia, mas têm sua origem na resistência camponesa à domina-
ção feudal." George Rudé criticou os historiadores que veem a "multidão",
a forma típica do protesto popular no século XVIII e início do XIX, como
uma turba irracional composta de indivíduos à margem da sociedade. Os
participantes dos distúrbios de "Swing" na Inglaterra ou os parisienses que
invadiram a Bastilha se revelaram principalmente trabalhadores e artesão
respeitáveis, com domicílio e ocupação fixOS. 76 Igualmente, para Thomp-
son, os distúrbios por escassez de comida do século XVIII não eram sim-
plesmente uma de sculpa para o crime ou uma reação instintiva à fome, mas

74 E. P. Thompson, TheMaking of theEnglish WorkingC/ass [1963]. H annondsworth, 1972,


p. 13. Para as raízes dessa abordagem em uma trad ição de "história popular" radical e do
populismo do Partido Comunista, ver R. Samuel, "British Marxist Historians", NewLefi
Review, n. 120, 1980, pp. 37-39, e B. Schwarz, "The people ' in Hi sto ry: The Communist
Party Historians' Group", in R. Johnson et ai. (orgs. ), Making Histories. Londres, 1982.,
pp. 55-56, 71. Para uma versão inicial dessa abordagem, ver A. L. Morton, A People's
History ofEngland. Londres, 1938, cujas realizações são elogiadas em H. J. Kaye, TheEdu-
cation ofDesire: Marxistsand the WritingofHistory. Londres, 1992, cap. 5. Historiadores
marxistas tenderam assim a negligenciar forinas políticas populares que desaprovam,
tais como o patriotismo, mesmo onde o patriotismo forneceu uma linguagem para a
oposição política radical.Ver H. Cunningham, "The Language ofPatriotism, 1750-1914".
HistoryWorkshop, n. 12, 1981, pp. 8-9.
75 R. H. Hilton, BondMenMadeFree, op. cit., 1977, p. 235; "Fcudalism in Europe : Problems
for Historical Materialists", op . cit., pp. 97-98 ; H. J. Kaye, "Acts of Re-appropriation:
Rodney Hilton as Robin Hood", PeasantStudies, n. 12, 1985, p. 19.
76 G. Rudé, The Crowd in theFrenchRevolution. Oxford, 1959, pp. 2-5, 186-89, 232; id., Wilkes
and Liberty. Oxford, 1965, pp. 179-84; id., 'Ihe Crowd in History, 1730-1848. Nova York,
1964, pp. 5-7, 258-60; id., Europe in the Eighteenth Century. Londres, 1974, pp. 28-30;
E. Hobsbawm e G. Rudé, CaptainSwing. Harmondsworth, 1973, pp. 209 -11; H.J. Kayc,
TheEducation ofD esire: Marxists and the WritingofHistory, op. cit., pp . 36-38. Para uma
crítica simpática de Rudé , ver R. J. Holton, "The Crowd in History: Some Problems of
Theory and Method", Social History, n. 3, 1978.

482 HI STORIOGRAFIA MARXI STA


uma "forma altamente complexa de ação política direta, disciplinada e com
objetivos claros" em sua defesa de uma "economia moral dos pobres" contra
a economia política emergente do mercado,"
No entanto, o interesse marxista pela luta de classes não é simplesmente
produto de um compromisso com uma "história vista de baixo" e de uma
crença política no valor da experiência e das lutas da massa da população.
Na verdade, os marxistas têm argumentado que a luta de classes não tem
apenas interesse para nós hoje, mas foi também decisiva para a determina-
ção da mudança social no passado. Assim, Brian Manning argumenta que,
enquanto a maioria das análises da Guerra Civil inglesa tem sido dominada
pela aristocracia e pela pequena nobreza, foram na verdade as "classes inter-
mediárias" que expressaram sua consciência de classe pelo puritanismo, e
cujas queixas e ações foram a "principal força por trás dos eventos". O medo
de protestos sociais e movimentos populares, por exemplo, foi decisivo na
divisão da elite inglesa dominante no período de 1640-42, o que permitiu
que Carlos I superasse seu isolamento político e criasse um partido realista,
fazendo da guerra civil uma possibilidade prática." De maneira mais am-
pla, historiadores marxistas tais como Hílton," Brenner" e Martin" usam
a perspectiva de classe para criticar a ortodoxia histórica dominante que
explica a mudança social pré-industrial em termos do aumento e da dimi-

77 E. P. Thompson, "The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Cen-
tury ", op. cit., pp . 76-79, 131-36.
78 E. M. Wood, Democracy against Capitalismo Renewing Historical Materialism, op. cit., pp.
52-53, 108-11j B. Manning, TheEnglish People and theEnglish Revoluiion 1640-49. Londres,
1976j ido (org.), Politics, Religion and theEnglish CivilWar. Londres, 1973, pp. 76,80,82,
122-23; id., "The Outbreak of the English Civil War", in R. H. Parry (org.), The English
CivilWar andAfier. Londres, 1970. Ver também D. Montgomery, The Fali of the House
ofLabour. Cambridge, 1987, pp. 1, 7, para uma ênfase no papel do conflito de classes na
formação da América modema.
79 R. H. Hilton, 'IheDecline ofSerjdom in Medieval England. Londres, 1969, pp. 32-43, 57.
80 R. Brenner, "Agrarían Class Structure and Economic Development in Pre-industrial
Europe", op. cit., pp. 47-75.
81 J. E. Martin, Feudalismto Capitalism, op. cit., pp. 56-57j ver também C. Dyer, nA Red is-
tribution ofIncomes in Fifteenth-Century England?", in R. H. Hilton (org.), Peasants,
Knights and Hereiics, op. cit., 1981, p. 194; S. H. Rigby, English Society in theLaterMiddle
Ages: Class,Statusanil Gender. Basingstoke, 1995, pp. 124-44.

RIGBY 483
nuição da população. Em vez disso, argumentam que foram os diversos re-
sultados das lutas entre camponeses e senhores o que determinou o rumo
de desenvolvimento social e econômico em regiões específicas da Europa
no fim da Idade Média e no início da modernidade: servidão no Leste eu-
ropeu, um campesinato independente e absolutismo na França, capitalismo
agrário na Inglaterra."
Um exemplo clássico da defesa marxista da importância histórica da luta
de classes é a interpretação de Marx e Engels de eventos como a Guerra Ci-
vil inglesa e a Revolução Francesa como "revoluções burguesas', movimen-
tos por meio dos quais, com sua destruição das relações feudais de proprie-
dade, a burguesia criou uma nova ordem social. Os historiadores marxistas
procuraram defender as explicações de Marx e Engels para tais movimentos.
Christopher Hill, por exemplo, argumentou que a Guerra Civil inglesa foi
não apenas um conflito constitucional ou uma disputa religiosa, mas

uma guerra de classes,na qual o despotismo de Carlos I foi defendido pelas


forças reacionárias da igreja estabelecida e dos senhores feudais. O parla-
mento derrotou o rei porque podia apelar para o apoio entusiasmado das
classesmercantis e industriais, urbanas e rurais, à pequena nobreza progres-
sista e a massas mais amplas da população sempre que eram capazes de, pela
livre discussão, entender os verdadeiros motivos da luta.

Em uma sociedade ainda essencialmente feudal, a revolução era essencial


para pavimentar o caminho para o completo desenvolvimento do capitalis-
mo." Historiadores como Lefebvre, Soboul, Rudé e Hobsbawm ofereceram

82 C. Lis e H. Soly, Poverty and Capitalism inPre-Industrial Europe. Brighton, 1982, pp. 97-1°4.
83 C. Hill, The English Revolution, 1640. Londres, 1940, pp. 9, 25, 29-30; id., Reformation
to Industrial Revolution. Harmondsworth, 1969, pp. 132-34; íd., Puritanism and Revolu-
tion. Londres, 1958, pp. 154-55; 1947h, pp. 11-16j id., "lhe Bourgeois Revolution in Soviet
Scholarship", New Left Review, n. 155,1986, p. 111. Ver também M. Dobb, Studiesin the
Development of Capitalism, op. cit., pp. 161-76; id., "Frorn Feudalism to Capítalísm", op.
cit., 1976, pp. 62-64; B. Manning, "lhe Nobles, the People and the Constitution", in T .
Aston (org.), Crisis in Europe, 1560-1660, op. cit., pp. 252-54. Trabalhando com uma defi-
nição geral semelhante de revolução burguesa, modelada na experiência francesa, Perry
Anderson considerou a Guerra Civil inglesa"a revolução burguesa menos pura de todos

484 HISTORIOGRAFIA MARXISTA


uma interpretação semelhante da Revolução Francesa, como "conflito de
classes sociais", ou o produto de um descompasso entre a preeminência so-
cial, política e legal tradicional da aristocracia e do clero e a nova realidade do
poder econômico da burguesia. Foi esta última, uma "nova força social em
ascensão" baseada na expansão de indústria, comércio e finan ças, cujos inte-
resses foram contemplados pela revolução, mesmo que, como argumentou
Engels, o radicalismo dos movimentos populares de artesãos e camponeses
tenha impulsionado a revolução até a completa destruição do feudalismo."
Em contrapartida, a fraqueza da burguesia russa, sua confiança no Estado cza-
rista e a importância do capital estrangeiro no desenvolvimento econ ómico,
combinadas
\
à alta concentração da classe trabalhadora industrial, resultaram
na incapacidade dessa burguesia de liderar sua própria revolução e no fato de
essa revolução não se restringir a objetivos burgueses, mas se tornar perma-
nente e proceder imediatamente em direção a objetivos socialistas."
A fascinação marxista com as grandes revoluções históricas tem sido
inevitavelmente acompanhada por um interesse social pela "sup erestrutura"
da política, do Estado e da ideologia. De fato, apesar das afirmações marxis-

os principais países europeus" (P . Andersen, English Questions. Londres, 1992,pp. 6, 17) .


Ver, no entanto, E. P. Thompson, 'IhePoverty ofTheory, op. cit, p. 47.
84 G. Lefebvre, lhe Coming ofthe French Revolution. Princeton, 1969,pp . 1-3; id., lhe French
Revoluiionfrom its Origins to 1793. Nova York, 1962, pp . XVII-XVIII, 115-16; id., lhe French
Revolution from 1793 to 1799, op. cit., 1967, p . 360 j A. Soboul, 'IheFrench Revolution, 1787-
-1799. Londres, 1974, pp. 3-9, 21,110, 553-62j id., A Short Historyof the French Revolution.
Berkeley, 1977, p . l j id., Comprendre la Révolution. Paris, 1981, pp. 25, 29, 71, 73; id., La
Civilisaiion et la Révolution Française, v. 2. Paris, 1978, pp. 50-53, 63-69 j G. McLennan,
Marxism and theMethodologies ofHistory. Londres, 1981, cap. 9j G. Rud é, Revolutionary
Europe, 1783-1815. Londres, 1964, pp . 71-7 2j Europe in the Eighteenth Century, op. cit., pp .
314-15; íd., Paris and London in the Eighteenth Century. Londres, 1974, pp . 63-81j id., 'Ihe
French Revolution. Londres, 1989, pp . 1-10j E. Hobsbawm, 'IheAge of Revolution, 1789-
1848, op. cit., pp. 77 -86 j id., Echoes of the Marseillaise: Two CenturiesLook Back on the
French Revolution. Londres, 1990, pp . X-XI, 6-15. Furet (Interpreting theFrenchRevolution.
Cambridge, 1981, pp . 81-131) oferece uma critica das in terp retações m arxistas da Revo-
lução Francesa. Para outras críticas da posição marxista e orientação bibliográfica geral,
ver T. C. W. Blanning, lhe French Revolution: Aristocrats versus Bourgeois? Londres, 1987.
85 L. Trótski, 1905. Harmondsworth, 1973j idolhe History oftheRussian Revolution, 3 V. Lon-
dres, 1967, V. 1, cap. 1; L Deutscher, lh e PropheiArmed, Trotsky: 1879-1921. Oxford,1954,
pp. 148-63; M . Liebman, lhe Russian Revolution. Nova York, 1970, pp . 29-33.

RIGBY 485
tas tradicionais do papel determinante do modo de produção da sociedade,
muitos dos historiadores marxistas mais eminentes, tais como Christopher
Hill, são mais conhecidos por suas análises de mudanças religiosas e políticas
do que por suas contribuições originais à história económica." Certamente,
dado esse interesse pela "superestrutura" da sociedade, seria errado retratar
a historiografia marxista simplesmente como "história vista de baixo': Afinal
de contas, Hill elaborou não apenas análíses simpáticas dos Diggers [escava-
dores] e de outras seitas radicais da Guerra Civil inglesa, como uma biogra-
fia de Oliver Cromwell e um estudo dos problemas econ ômicos da Igreja
anglicana e de como suas tentativas de resolver tais problemas contribuíram
para a aliança entre ambos os lados na Guerra Civi1. 87
Como vimos, Marx e Engels descreveram o Estado e a consciência social
como uma superestrutura que corresponde à base econ ómica da sociedade.
Em geral, viram o Estado como o instrumento dos proprietários, o meio pelo
qual a classe economicamente dominante se toma a classe politicamente do-
minante. Marx e Engels, no entanto, também argumentaram que o Estado po-
dia, em determinados períodos, atingir um certo grau de independência em
relação à classe proprietária dominante. Esse era o caso, em particular, daque-
les períodos nos quais duas classes rivais neutralizavam uma à outra, como
nos Estados absolutistas do início da era modema europeia, cujos governan-
tes usavam a burguesia emergente como contrapeso contra a nobreza feudal.
No entanto, apesar de o Estado gozar de autonomia social anormal durante
tais períodos, essa autonomia é ela própria socialmente determinada,"

86 R Johnson, "Edward Thompson, Eugene Genovesc and Socialist-Humanist History", His-


toryWorkshop, n. 6, 1978, pp. 80-81 Cver, no entanto, E. P. Thompson, ThePoverty ofTheory,
op. cit., p. 396, n. 168; K. McClelland, "Some Comments on Richard Johnson, 'Edward
Thompson, Eugene Genovese and Socialist-Humanist History". History Workshop, n. 7,
1979, p. 104; H. J. Kaye, TheBritish MarxistHistorians. Cambridge, 1984, pp. 2.1-2.2.). A histo-
riografia marxista compartilha essa concentração na superestrutura com o marxismo ociden-
tal em geral. Ver P. Anderson, Considerations onWestern Marxism. Londres, 1976, p. 75.
87 C. Hill, God's Englishman: Oliver Cromwell and the English Revolution. Harmondsworth,
1972.; id., The World Turned UpsideDown. Harmondsworth, 1975; ido(org.), Winstanley:
The Law of Freedom. Harmondsworth, 1973; id., Economic Problems Dfthe Church. Lon-
dres, 1956, pp. XI, 340- 4 6.
88 K. Ma rx e F. Engels, Collected Works, op . cit., 1975-76, v. 5, pp . 90 , 9 2., 195, 20 0 , 36 1; K.
Marx, The Revo lutions Df 184 8, op. cit., 1973, p. 2.16; K. M arx e F. Eng els, T/Je Coml1l!l1l ist

4 8 6 HI STOPI OGR,il,Fi,:' M ARX!2T A


Que o Estado é um "Estado de classe, o Estado da 'classe dominante", é
um lugar-comum da teoria social e da historiografia marxistas." Assim, en-
quanto historiadores da constituição e do direito colocaram grande ênfase
no desenvolvimento da autoridade pública na Inglaterra medieval, se com-
parado à importânci a continuada das jurisdições privadas na Europa con-
tinental, Hilto n argumenta que seria um erro ver isso como um indicador
da neutralidad e social do Estado. Na Inglaterra, um baronato [baronageJ
politicamente sofisticado não buscou independência local da Coroa: em
vez disso, procurou controlar a Coroa por meio do conselho real e do par-
lamento enquanto, no nível local, os funcionários e os juízes reais eram
recrutados entre aristocracia e pequena nobreza e muitos tribunais locais
eram submetidos ao controle senhorial. A aplicação da lei e a garantia da
ordem "nunca foi um ato puramente neutro de governo, especialmente
quando o poder para tanto estava exclusivamente nas mãos de uma classe
social", Importava "não tanto o que dizia a lei, mas quem a administrava,
e no interesse de quem':9 Para Hill, o Estado sob os Tudor e nos primei-
0

ros Stuart era "o principal apoiador da classe proprietária", que se via
diante da ameaça de desordem popular," Num espírito similar Anderson
até mesmo questionou as afirmações de Marx e Engels a respeito da au-
tonomia dos Estados absolutistas do início da modernidade da Europa
Ocidental. Tais Estados eram não o produto do equilíbrio de classes entre
aristocracia e burguesia, mas antes forneciam uma "carapuça política" para
a nobreza, que, com o declínio da servidão, havia perdido muito de sua in-

íl"lallifesto, op. cit., p. 10 2; id., Selected Correspondance, op. cit., 1975, p. 166; F. Engels,
Germany: RCVO/rl tiOIl and Counter-Revolution. Londres, 196 9, pp. 21-23, 33; K. Marx, The
CivilWar in France. Peking, 1970, pp. 65-66, 72, 137, 16 2, 165,167; TheEiglltccntil Brumaire
of Louts Bonaparte, op. cit., pp. 39, 88 -91, 103-05,11 2-13; F. Engels, nJC Origin ofthe Family,
Pri~'ll tc Property ali/i the State, op. cit., pp. 168· 69; J. Elster, Making SenseofMarx, op. cit.,
cap. 7; H. Draper, KarlMarx's TheoryofRevolution. Nova York, 1977, pp. 327-29 , 417-54.
89 R. Miliband, Marxism and Poliiies. Oxford, 1979, p. 74 ; G. Therborn, What Does the Ru-
Ung Class Do When it Rules? Londres, 1980, p. 132.
90 R. H. Hilton, AMedievalSociety, op. cit., pp. 218-19,240-41; BondMenMadeFree, op. cit.,
p.lSI.
91 C. Hill, Changeand Continuity in Seventeenih CenturyEngland. Londres, 1974, pp. 186-87;
id., "A Comrnent ", in Hilton et al., 'Ihe Transitionfrom Feudalism to Capitalism, op. cit.,
1976, pp. 118-21.

RIGBY 487
fluência local e dependia crescentemente da extraç ão centralizada de exce-
dente dos camponeses na forma de impostos."
Apesar dessa ênfase no Estado como um Estado de classe; E. P. Thomp-
son advertiu contra a tentação de ver a política e o direito em termos sim-
plesmente instrumentais, como se fosse uma conspiração dos ricos . O direito,
certamente, funcionava como a ideologia central de legitimação na Ingla-
terra do século XVIII e, de uma perspectiva mais prática, reforçava relações
de classe contemporâneas que favoreceram a classe dominante, como mos-
trou o estudo do próprio Thompson do BlackAct [Lei Negra] de 1723, que,
em resposta a distúrbios nas florestas do sul da Inglaterra, criou mais de cin-
quenta novos crimes capitais. Mas, ironicamente, a fim de desempenhar tais
funções, a lei teve de "mostrar-se independente de manipulações grosseiras".
Ao fazê-lo}ajudou a encorajar a ideia do "inglês livre por nascimento" que go-
zava de igualdade perante a lei e de proteção em relação ao absolutismo, uma
concepção que se tornou parte central da retórica do radicalismo plebeu."
Assim como os marxistas abordaram o Estado e o direito em termos de
classes sociais, também interpretaram formas particulares de consciência social,
de ideologias religiosas a programas políticos e teorias econ ómicas, em termos

92 P. And erson, Lineages of tire Absolutist Statc, op. cit., p. 1. Ver tamb ém V. G. Kiern an,

"Foreígn Merc enar ies and Absolute Mcnarchy", in T. Aston ( org.), Crisis iII Europe,
1560-1660, op. cit., pp. 117, 150. Para out ras interpre tações marxistas do absolutismo, ver
G. M. Littlejohn, "An Introduction to Lublinska ya". ECOIIOIIIY and Society, n, I, 1972;
A. D. Lublinskaya, "The Contcmporary Bou rgeo ís Conception of Absolut e Monar-
chy". Ecollonzy and Society, n. I, 1972; id., Frencli Absoiutism: The Crucial PIJasc,1620-1629.
Cambridge, 1968 (c riticado por D. Parker, "The Social Foundation of French Absolu -
tism, 1610-30 ". Past and Present, n. 53,1971) ; B. Porshnev, Les Soulêvements populaires
en Fra nce de 1623 à 1648. Paris, 1963, pp. 43,563 (trechos da obra de Porshn ev estão tra-
duzidos em P.J. Coveney (org.), Franze in Crisis 1620-1675. Londres, 1977, pp. 78-135) ;
D. Parker, "French Absolut ism, th e English State and the Utili ty of the Base-Supcrs-
tructure Model ". Social History, n. IS, 1990; R. Miliband, Class Power and State Power,
op. cit., pp. 56-62; R. Brenner, "Agrarian Class Structur e and Economic Development
in Pre-industrial Europe", op. cit., pp. 68-72; id., "The Agrarian Roots ofEuropean Ca-
pitalísm", op. cit., pp. 77-83.
93 E. P. Thompson, WIJ igs and Hunters, Londres, 1975, pp . 158-69; ver também D. Hay,
"Property, Authori ty and the Criminal Law", in D. Hay (org.), Albion'sFatal Tree: Crime
and Society iII Eighteellth-Cell/ury England. Nova York, 1975.

4 8 8 HISTORIOG RAFIA MAR XISTA


desde necessidades} interesses e experiências de grupos sociais particulares.
Como formularam Marx e Engels} não existe uma história das ideias}apenas a
história dos indivíduos socialmente específicos que produzem tais ideias." Os
marxistas} portanto} criticaram os historiadores que concebem uma ideologia
religiosa tal como o puritanismo como "um fenômeno exclusivamente reli-
gioso" adotado segundo "gosto e escolha" pessoais," Em vez disso} procuraram
identificar a base social e o apelo específico de classe de teologias particulares.
O protestantismo} particularmente em sua forma calvinista, é visto como uma
expressão dos interesses da burguesia que "surgiu quando surgiu porque era a
religião mais adequada para estimular a iniciativa capitalista e implementar a
disciplina do trabalho'l" Hill argumentou que a explicação social de crenças
religiosas não significa que tais crenças sejam simplesmente um disfarce cínico
de interesses escusos. O protestantismo era} afinal de contas} um sistema de
pensamento pelo qual pessoas se dispunham a matar e a morrer. Mesmo assim}

para compreender o puritanismo devemos entender as necessidades} espe-


ranças} temores e aspirações de artesãos} pequenos funcionários} fidalgos}
ministros e suas esposas devotas} que apoiavam suas doutrinas ... Parecia
apontar o caminho para o paraíso porque os ajudava a viver na terra."

94 K Marx e F. Engels} Collected Works, op. cit., v. 5, pp. 36-37, 154, 183, 250; K Marx, lhe
Eighteenth Brumaire ojLouisBonaparte, op. cit., p. 37.
95 P. Collinson, lhe Religion ofProtestants. Oxford; 1982, p. 241j id., "Englísh Puritanism".
Historical Association Pamphlet, n. 106, 1983, pp. 5-6.
96 F. Engels, lhe Peasani War in Germany. Londres, 1965, pp. 41-42j 19-20j K Marx, Capital,
op. cit., v. 1, pp. 387, 882j id., Grundrisse, op. cit., p. 232j G. A Cohen, KarlMarx's Theory
ofHistory:A Defence, op. cit., p. 279.
97 C. Hill, lhe English Revolution, 1640, op. cit., pp. 44-45j Puritanism and Revoluiion, op.
cit., p. 21j Change and Continuity in Seventeenth Century EnglandJ op. cit., pp. 82, 89j Re-
formation to IndustrialRevolution, op. cit., pp. 131, 142, 145, 494-95. E. Fromm, diferen-
temente de C. Hill, argumenta que, enquanto o protestantismo era uma resposta às
ansiedades sociais produzidas pela ascensão do capitalismo, era no geral uma resposta
conservadora e que, como afirmou Weber, o estimulo do protestantismo ao capitalismo
era uma consequência não intencional de suas doutrinas. Ver E. Fromm, lhe Fear of
Freedom. Londres, 1975, pp. 53, 62, 68, 74, 78, 86-88j M. Weber, lhe Protestant Ethicand
the Spiritof Capitalismo Londres, 1976, p. 90.

RIGBY 489
Apesar de Marx usar a metáfora das ideias enquanto "reflexos" do ser social,
a teoria marxista da ideologia não significa que as ideias são simplesmente
um produto passivo de condições sociais." Hill argumenta, ao contrário,
que o puritanismo era uma força histórica ativa, que facilitou a transição de
uma sociedade na qual a pobreza não era mais vista como uma condição
sagrada mas como um sinal de que o pobre não estava entre os eleitos [teo-
ria da predestinação], e na qual o pecado da avareza havia se transformado
na virtude da parcimônia. De maneira semelhante, a eclosão da Revolução
Inglesa "não poderia ter acontecido" sem os ideais e os novos sistemas de
pensamento exigidos para que homens se dispusessem a arriscar suas vidas
pela criação de uma nova ordem. Para 'Hill, não apenas a fé individualista
do calvinismo como a ciência de Sir Francis Bacon, a história de Sir Walter
Ralegh e a interpretação do direito oferecida por Sir Edward Coke ajudaram
a pavimentar o caminho para a revolu ção."
A abordagem marxista da ideologia não exige que os "rep resentantes"
intelectuais de uma classe específica sejam eles mesmos membros daquela
classe,'?" apesar de os marxistas terem, eventualmente, adotado essa visão
de perspectivas ideológicas específicas,'? ' Em vez disso, formas particulares
de ideologia atraem grupos específicos e tais grupos interpretam tradições
intelectuais, religiosas ou culturais em sua maneira socialmente específica.
É por isso que a insistência puritana na fé interior se mostrou útil para uma
variedade de grupos sociais em sua resistência a diversas formas de autori-
dade tradicional, para a pequena nobreza rebelde da Escócia ou da Hungria

98 H .J. Kaye (org.), History, Classesand Naiion Staies: Selected Writings ofV. C. Kiernan.
Cambridge, 1988, p. 37. A herança da metáfora problemática do reflexo combinada à
consciência do papel histórico po sitivo das ideias levou alguns marxistas a até mesmo
afirmar a existência de "reflexos atívos". Ver M. Dobb, "H istorical Materialism and the
Role ofthe Economic Factor", op. cit ., p. 4i E.John, "Some Questions on the Materialist
lnterpretation ofHistory". History, n. 38, 1953, p. 4 .
99 C. Hill, Puritanism and Revolution, op. cit., p. 215i id., 'IheIntellectual Origins oftheEnglish
Revolution. Londres, 1972, pp. 1-3.
100 A Hauser, "Propaganda, Art and Ideology", in L Mészaros (org.), Aspects ofHistory and
Class Consciousness. Londres, 1971, pp. 137-38.
101 A. Howkins, "Edwardian Liberalism and Industrial Unrest: A Class View of the Decline
ofLiberalism", History Workshop, n. 4, 1977, pp. 158-59.

490 HISTORIOGRAFIA MAR XIS TA


assim como para a classe média inglesa, podia ser utilizada para justificar
a ordem social e a disciplina ou oferecer as bases para um individualismo
radical. Da mesma maneira) conceitos como "D eus", ''Anticristo'' e o "jugo
normando" tinham sentido muito diverso para os diferentes grupos sociais
da Inglaterra do início da época moderna,"?
Nessa perspectiva) mesmo obras de arte podem ser vistas como ex-
pressão de formas particulares de existência social. Lucien Goldmann,
por exemplo) elaborou uma sociologia da literatura na qual os textos lite-
rários são vistos como a materialização de "visões de mundo" particulares
que, por sua vez) são expres são dos interesses e posição de grupos sociais
específicos, dos quais as classes econômicas são os mais importantes. As-
sim a filosofia de Pascal e o teatro de Racine expressam a visão trágica da
vida de um grupo particular em uma época particular: a Noblesse de robe
do século XVU! OJ Para Hilton, as baladas que celebram os feitos de Robin
Hood, o "bandido social" por excelência) guerrilheiro da justiça em defesa
dos pobres e oprimidos, expressavam as aspirações sociais dos camponeses
ingleses no século e meio de insatisfação endêmica no mundo rural que
precedeu a revolta de 1381.104 Mesmo os poemas de Andrew Marvell, que
à primeira vista parecem ter pouca relação com a época em que Marvell

102 K. Marx, The Eighteenth Brumaire ofLou is Bonaparte, op.cit., pp. 40-41; C. Hill, Purita-
nism and Revolution, op. cit., p. 92; id., Change and Continuity in Seventeenth Century En-
gland, op. cit., p. 99; id., Antichristin Seventeentn CenturyEngland. Londres, 1971, p. 101;
id., "God and the English Revolution". History Workshop, n. 17, 1984, pp. 19-20.
103 D. Laurenson e A. Swingewood, The Sociology of Literature. Londres, 1972, pp. 63-77;
D. Forgacs, "Marxist Literary Theorie s", in A. Jefferson e D. Robey (o rgs.), Modem Lii e-
raryTheory. Londres, 1986, pp. 183-87; L. Goldmann, Racine. Cambridge, 1972; M. Evans,
Lucien Goldmann. An Introduction. Brighton, 1981, cap. 3.
104 R. H. Hilton (org.), Peasants, Knights and Heretics, op. cit., pp. 221, 232-35; id., BondMen
MadeFreei op. cit., p. 211; id., "Robin des Bois". L'Histoire, n. 38, 1980; P. R. Coss, "Aspects
of Cultural Diffusion in Medie val England ". Pastand Preseni, n. 108, 1985. Para urna crí-
tica de Hilton, que situa as balada s em um contexto social diferente, ver J. C. Holt, "The
Origins and Audience of the Bal1ads of Robin Hood", in R. H. Hilton (org.), Peasants,
Knights and Heretics, op. cit., e RobinHood. Londres, 1989, especialmente cap. 6. Para a
resposta de Hilton, ver sua resenha do livro de Holt no TimesLiterary Supplement, 11 de
junho de 1982. Para o conceit o do "b andido social", ver E. Hobsbawm, Primitive Rebels.
Manchester, 1971, cap. 2, e Bandits. Harmondsworth, 1982, especialm ente caps. 1 e 3.

RIGBY 491
viveu, podem ser mais bem entendidos quando vistos no contexto político
de sua época, para não mencionar as obras de um participante ativo da Re-
volução Inglesa tal como John Milton,'?'
Às vezes os próprios comentários de Marx parecem presumir que ideo-
logias são apenas fraudes cínicas elaboradas para defender interesses par-
ticulares.'?" No entanto, em outras passagens, o próprio Marx negou que
esse fosse o caso. Como disse, a respeito da pequena burguesia francesa de
meados do século XIX, as classes tendem a acreditar que as condições so-
ciais que lhes são favoráveis são também as mais apropriadas para a socie-
dade como um todo."? No entanto, Marx e Engels acreditavam que as clas-
ses proprietárias propagariam ideologias que ajudam a justificar e manter
seu poder e seus privilégios: as relações sociais feudais eram apresentadas
como se estabelecidas por vontade divina, ou o capitalismo como a expres-
são da natureza humana ou de "leis naturais invioláveis"'" Marx e Engels
chegaram mesmo a afirmar que "as ideias predominantes em cada época
foram sempre as ideias da classe dominante",109 apesar de essa afirmação po-
der ser interpretada de duas maneiras diferentes. Em primeiro lugar, em sua
versão mais fraca, significa apenas que as ideias da classe dominante são as
ideias oficiais da época, em vez de que tais ideias são amplamente aceitas
naquela sociedade. Afinal, Marx e Engels eram altamente críticos dos pen-
sadores que acreditavam que "o domínio de certa classe é apenas o domínio

105 C. Hill, Puritanism and Revolution, op. cit., pp. 324-25 ; id., Milton and the English Revo-
lution. Londres, 1977, p. 4.
106 K Marx, The Eighteenth Brumaire of LouisBonaparte, op. cit., pp. 97-98 .
107 K Marx e F. Engels, Collected Works, op. cit., 1975-76, v. 5, pp. 290, 410-14; K Marx, The
Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte, op. cit., p. 40. C. Hill afirma que a concepção
que vê as ideias como irrelevantes para a história ou como formas de hipocrisia ou racio-
nalização deve mais aos historiadores da escola de Namier do que às obras de Marx. Ver
C. Hill, The IntellectualOrigins of theElIglishRevolution. Londres, 1972, p. 3, e R. Brenner,
Merchantsand Revolution: CommercíalChange, PoliticaiConflict and London's Overseas
Traders, l550-lÓ53, op. cit., p. 645 .
108 F. Engels, HerrEugen Dühríllg's Revolution in Scíence, op. cit., p. 353; K Marx, 'Ihe Civil
War iII France. Pekíng, 1970, pp. 100-02; Collected Works, op. cit., 1975-76, v. 5, p. 154; F.
Engels, The Peasallt War in Germany, op. cit., pp. 41-42; K Marx, Grundrisse, op. cit., pp.
85-87; ThePovertyofPhilosophy, op. cit., pp. lOS-06.
109 K Marx e F. En gels, Collected Works, op . cít., 1975-76 , v. 5, p. 59.

492 HISTORIO GRAFIA MAR XISTA


de certas ideias'?" Dessa maneira, apesar de a doutrina social da harmonia
essencial e interdependência mútua das ordens sociais ter sido um lugar-
-comum ao longo da Idade Média, Hilton argumenta que a disposição dos
camponeses de resistir à exploração feudal era no geral imune à exortação
clerical e a justificações da "ordem existente em termos de uma harmonia
celestialmente sancionada': De fato, como argumentaram Marx e Engels,
era precisamente nos períodos em que a classe dominante se via ameaçada,
como no fim da Idade Média, que a ideologia da classe dominante se ex-
pressava de maneira mais enérgica."
Em segundo lugar, em sua interpretação menos qualificada, a afirma-
ção de Marx e Engels de que as ideias dominantes da época são as ideias
da classe dominante pode ser usada como uma explicação das classes de
produtores de se levantar contra seus exploradores. Nessa perspectiva, é a
existência de uma ideologia dominante, hegemônica, que previne o conflito
social que deveria do contrário resultar. A ideologia funciona, assim, para
esconder contradições sociais no interesse da classe dominante;" Como
Althusser'" formulou, nenhuma classe dominante pode deter o poder por
um longo período exclusivamente por meio do Aparato Repressivo Estatal
"sem ao mesmo tempo exercer sua hegemonia sobre e no Aparato Ideológico
Estatal ': Suas concepções foram antecipadas, como sugere Hill, por Francis
Bacon, para quem haveria tensão social perpétua "exceto se se mantiver os
homens na linha pela força da oração assim como a lei o faz pela puníção'l'"
Na Idade Média, a Igreja funcionava como o aparato ideológico estatal prin-
cipal, sua teologia santificando e justificando a sociedade feudal, e subordi-

CollectedWorks, v. 38, op. cit., p. 78.


110 Id., ibíd., pp . 52, 60-61 ,292;
III K Marx e F. Engel s, Selected Correspondence, op. cit., v. 5, pp. 413-14; R. H. Hilton; Class
Conflict and the Crisis ofFeudalism, op. cit., pp. 251-52; id., BondMenMade Free, op . cit .,
1977, pp. 53-55; "Feudalísm in Europe: Problems for Historical Materialists", op. cit., p. 92.
112 N . Abercrombie et al., 'IheDominant ldeology Thesis. Londres, 1980, cap. 1;J. Larrain, 'Ihe
Concept of Ideology. Londres, 1979, pp. 60-63, 210.
113 L. Althusser, Leninand Philosophy and OtherEssays. Londres, 1971, p. 139 .
114 C. Hill, Reformation to IndustrialRevolution, op. cit., pp . 111-12; A Bergesen, "lhe Rise
of Semiotic Marxism ", Sociological Perspectives, n. 36, 1993; ver também E. D. Genovese,
Roll,Jordan, Roll: The World the SlavesMade, op. cit., pp. 597, 658 .

RIGBY 493
nando o indivíduo ao sistema social." Da mesma maneira, na Inglaterra dos
Tudor e nos primeiros Stuart,

era dever da igreja abrandar o amargor do ódio de classe,manter as ordens


inferiores apaziguadas e subordinadas, enfatizar, contra os fatos econômi-
cos que tão visivelmente a dividiam, as considerações religiosas que uniam
uma sociedade hierárquica, consolar os desesperados'"

mesmo que não fosse sempre bem-sucedida nessa tarefa. Quando E. P.


Thompson'" sustentou que o radicalismo crescente da população inglesa
significava que em 1816 "o povo inglês era seguro apenas pela força", Perry
Anderson'" respondeu que a repressão militar, em si mesma, era insuficiente
para manter o ancien regime inglês. A emergência de um nacionalismo con-
trarrevolucionário, gerado ao longo dos vinte anos de guerra contra a Re-
volução Francesa e os regimes que a sucederam, que substituiu a religião
enquanto forma dominante de discurso ideológico, foi também crucial para
a estabilidade social.

A TRADiÇÃO MARXISTA: UMA AVALIAÇÃO

A influência do marxismo tem sido crucial para lembrar aos historiadores,


muitas vezes presos às minúcias de estudos locais e às dificuldades de suas
fontes, da necessidade de estudar processos de mudança social de longo
prazo, examinar crises e conflitos sociais e não apenas reprodução funcional,
estar ciente do impacto histórico da luta de classes e ver as instituições políti-
cas e as formas de consciência social em seu contexto social mais amplo. No
entanto, apesar das muitas contribuições positivas para o desenvolvimento

115 L. Althusser,Lenin and Philosophy and Other Essays, op. cit., pp. 143-53j A. Gurevich,
Categories ofMedieval Culture. Londres, 1985, pp. 10, 299-301.
116 C. Hill,Change and Continuity in Seventeenth CenturyEngland, op. cit., p. 189; id., The
Century ofRevolution, 1603-1714, op. cit., p. 189.
117 E. P. Thompson, TheMaking of the English Working Class, op. cit., p. 663.
118 Perry Anderson, ArgumentswithinEnglish Marxism. Londres, 1980, pp. 37-38.

494 HISTORIOGRAFIA MARXISTA


da historiografia moderna, o marxismo pode ser criticado em diversas fren-
tes. Uma linha de crítica da historiografia marxista é o ataque empírico a
suas afirmações hist óricas específicas. Por exemplo, a interpretação marxista
da Guerra Civil inglesa e da Revolução Francesa enquanto revoluções bur-
guesas recebeu muitas críticas. Não é claro que, na Inglaterra de Carlos I ,
uma aristocracia feudal hostil ao capitalismo tenha sido confrontada por
uma burguesia em ascensão. Pelo contrário, mesmo historiadores marxi stas
como Brenner e Neale enfatizaram que a transformação interna das classes
proprietárias de terras era a chave para a transição para o capitalismo agrá-
rio."?Na França, historiadores "revisionistas" questionaram se a aristocracia
e a burguesia do século XVIII eram classes econômicas com interesses de
classe claramente opostos e negaram que a Revolução tenha conduzido a
uma ruptura decisiva no desenvolvimento econômico francês, seja no curto
ou no longo prazo.?" Muitos marxistas, por consequência, abandonaram ou
modificaram a explicação marxista tradicional das revoluções burguesas. Hill
agora interpreta a Guerra Civil como uma revolução burguesa não no sen-
tido de que foi liderada pelos capitalistas contra aristocratas feudais mas por-
que "seu resultado foi o estabelecimento de condições muito mais favoráveis
ao desenvolvimento do capitalismo do que aquelas que prevaleciam antes de
1640':m Brenner desconfia até mesmo dessa asserção, afirmando que, antes

119 R. S. N eale, Writing Marxisf History. Oxford, 19Bs, p. 8Sj R. Brenner, Merchants and Re-
volution: Commercial Change, PoliticaiConflict and London's OverseasTraders, 1550-1653,
op. cít., pp. 640-43, 648-49. Para uma pesquisa ampla, ver A. L. Hughes, 'Ihe Causesof
theEnglish CivilWar. Basingstoke, 1991, p. 3.
120 Sobr e o debate ver T. C. W. Blanning, 'IheFrenchRevolution: Aristocrats versus Bourgeoisi
Londres, 1987, e G. Lewis, TheFrench Revolution: Rethinking theDebate. Londres, 1993.
121 C. Hill, A Bourgeois Revolution", in]. G. A. Pocock (o rg.), Three British Revolutions:
U

1641,1688,1776. Princeton, 1980, pp. uo-n: H.]. Kaye, TheBritishMarxist Historians, op.
cit., p. 116. Como disse Hobsbawm sobre a Revolução Francesa, ela foi uma revolução
burguesa, "apesar de que ninguém pretendia que fosse" (E. Hobsbawm, Echoes of the
Marseillaise: Two CenturiesLookBack on theFrencn Revolution, op. cít., p. Bj ver também
A. L. Morton, "Pilgrim 's Progress, a Cornmemoration". History Workshop, n. S, 1978,
p. 4) . Callíni cos, portanto, define revoluções burguesas como aquelas que "promovem
o capitalismo ", e não as que são feitas de maneira consciente por capitalistas. A Revolu-
ção Francesa foi, ele acredita, "levada a cabo pela liderança burguesa", mas, em geral, é
"excepcional que a classe capitalista tenha o papel de liderança em revoluções burguesas"

RIGBY 495
de constituir o ponto de inflexão decisivo na transição para o capitalismo, ~
Revoluçã o foi o reflexo político do fato de qu e a sociedade já era capitalista."
Marxi stas como Régine Robin e Althusser levantaram dúvidas sem elhante ,
a respeito da existência de um conflito de classe inerente entre nobreza e bur-
guesia na França do século XVIII. A dificuldade de identificar um a burguesia
capitali sta na França pré-revolucionária levou Comninel a admitir que a vali-
dade da interpretação mar xista tradicional da Revolução Francesa havia sido
"explodida'l'" D e forma mais geral}Woodu 4 argum enta que o con ceito de re-
volução burguesa "esconde tanto quanto revela ... A fórmula no s diz pouco .õ
respeito das causas dessas revolu ções ou a respeito das forças sociais qu e as
geraram': A ênfase marxista é crescenteme nte na longue durée da transição do
capitalismo mais do que na suposta ruptura da revolução burguesa. "

(A. Call inicos, "Bourgeois Revo lu tion an d H ist orical Ma terialism", ln iernationai 50-
cialism, n. 4 3, 1989, pp. 122-25) . Mooers também tenta reabilitar a ideia da Revolução
Francesa com o uma revolução burguesa em termos das consequênc ias benéficas que
ela gero u p ara o d ese nvo lvime nto d o capitalism o agrário (c. Mooers, Tne Making 0.1
Bourgeois Europe. Lon d res, 1981, pp . 2-3, 61, 64-72,1 76) .
122 R. Bren ner, "Dob b on the Transition from Feu dalism to Capitalism", Cambridge[ournal
of Economics 2, 1978j id., "Bou rgeoís Revolutio n an d T ransition to C apitalism", op. cit.,
1989, pp. 296- 304.
123 M . Gre no n e R. Robin , "A Propos de la po lémique sur l'anc ien régime et la Révolu tion :
pour une pr oblém atiqu e de la tra nsi tion", La Pens ée, n. 167, 1976 , citado em T . C. "\T.
Blanning, The French Revolution:A ristocrats versus Bourgeois ?, op. cit., p . 16j L. Althusser,
Politics and History: Mo ntesquieu}Rousseau, Hegel and M arx. Lo ndres, 1972, pp . 99-106j
G. Comninel, Rethinking the French Revolution. Lond res, 1987, pp . 3, 19-20, 180, 195, 203,
2 05j R. Price, A Concise History of France. Cambridge, 1993, p. 82. A visão orto doxa é

defen dida por P. McGarr, "The Gr eat French Revolution ". ln ternational Socialism, n. 43,
1989. Se ne m mes mo a França é vista com o tendo sofrido um a revo lução burguesa clás-
sica, segue-se que não se pode mais explicar o curso específico da história moderna da
Alemanh a em termos do fato de ela não ter passado por tal revol ução. Ver D. Black-
bourn e G. Eley, The Peculiarities of German H istoT)'. Oxford, 1984, pp . 7- 21, 39-43, SI-59,
167-76, 287-88.
124 E. M . Woo d, The Pristive Culture of Capitalismo Londres, 1991, p . 160.
125 P. Co rrigan e D. Sayer, The Great Arch: English State Formation as Cultural Revolution.
Oxford, 1985, pp. 85-86 ; R. Brenn er, Merchants and Revolution: Commercial Challge, Po-
liticai Conjlict and London 's Overseas Traders, 1550-1653, op . cit., pp . 648 -49i T. C. W.
Blann ing, The French Revolution: Aristocrats versus Bourgeois?, op. cit., p. 16.

496 HISTORIOGRAFIA MARXISTA


No entanto) essas críticas empíricas dificilmente são capazes de abalar
as fundações da historiografia marxista. Afinal) os historiadores marxistas
frequentemente discordam entre si a respeito de questões empíricas espe-
cíficas. Oponentes do materialismo histórico têm sido) assim} obrigados a
elaborar uma crítica metodológica mais abrangente da teoria social de Marx.
Quatro questões teóricas principais emergiram recentemente: a legitimi-
dade da explicação funcional, a natureza limitada da concepção marxista de
ser social, a "interpenetração" de base e superestrutura, e o problema do
pluralismo) isto é) da "interação" entre a assim chamada base e a superestru-
tura. Discutiremos cada uma abaixo.
Em primeiro lugar) como vimos) as principais afirmações da teoria social
de Marx) que o nível das forças produtivas explica a natureza das relações de
produção da sociedade e que a natureza das relações de produção da socie-
dade determina a natureza de sua superestrutura política e ideológica} são
ambas exemplos de "explicação funcional'i'" Para certos autores) explica-
ções funcionais) embora sejam a norma na teoria da evolução biológica) são
inválidas nas ciências sociais) uma alegação que invalidaria automaticamente
o materialismo histórico."? No entanto) como mostrado pelo exemplo das

126 G.A Cohen, KarlMarx's Theory ofHistory: A Defence, op. cit., caps. 9}10; id., "Functional
Explanation: Replyto Elster". Politicai Studies, n. 28}1980, pp. 129-30j id., "Functional Ex-
planatíon, Consequence Explanation and Marxism". Inquiry, n. 25, 1982} p. 30; id., "Reply
to Elster on 'Marxism, Functionalist and Game Theory'''. Theory andSociety, n. n, 1982, p.
486j P. van Parijs, MarxismRecycled. Cambridge.aoçj, pp. 7, 29·
127 A Giddens, A Contemporary Critique ofHistoricalMaterialism. Londres, 1981, pp. 17, 215j
id., Central Problems in Social Theory, op. cít., pp. 7, uo-ry, 2U-14j id., Studiesin Social
andPoliticai Theory. Londres, 1979, pp. 17, 25j J.Elster, Ulysses and the Sirens. Cambridge,
1979, cap. 1j P. Halfpenny, "A Refutation ofHistorical Materialism". Social Science Infor-
mation, n. 22,1983. O artigo de Halfpenny está incluído em P. Wetherly (org.), Marx's
Theory ofHistory: The Contemporary Debate. Aldershot, 1992, junto com diversos outros
artigos sobre explicação funcional e marxismo. Para explicação funcional e as ciências
biológicas, ver H. G. Frankfort e B. Poole, "FunctionalAnalysis in Biology". British[our-
nalfor the Philosophy of Science, n. 17, 1966-67. Um problema particular é que; ao passo
que a teoria da evolução especifica o "mecanismo de feedback" [retroalímentação, retor-
no] (variação genética aleatória e a sobrevivência do mais apto) que permite explicar
o desenvolvimento evolucionário de uma espécie particular em termos de seus efeitos
funcionais, cientistas sociais (sejam marxistas ou não) não dispõem de um mecanismo

RIGBY 497
análises do mercado da escola de Chicago, em termos muito parecidos aos
usados por biólogos para explicar a evolução natural, explicações funcionais
não são, perse, inválidas nas ciências sociais. " Sua pertinência em qualquer
exemplo particular só pode, assim, ser avaliada empiricamente, e o materia-
lismo histórico não é inerentemente invalidado por seu uso.??
Em segundo lugar, mesmo que aceitemos que o ser social pode ser de-
finido independentemente da consciência social, de maneira a podermos
dizer que o primeiro determina o último, o marxismo tem sido criticado por
identificar ser social e posição de classe. Sociólogos da tradição weberiana
argumentaram, assim, que a classe econômica é apenas um fundamento
possível para "exclusão social " e que outras formas de exclusão, como raça,
gênero, status e ordem, que não são absolutamente redutíveis a desigualda-
des de classe, podem ser igualmente importantes. Existe assim uma diversi-
dade de formas e fundamentos do poder social (económico, político e ideo-
lógico), e não se pode pressupor que nenhum deles tenha primazia social

de f eedback equivalente e universalmente válido . Como resultado, é mai s fácil explicar


por qu e determinados arranjos sociais fun cionais persistem do que explicar sua origem.
Ver J. Elster, "Coh en on Marx's Theory ofHistory". PoliticaiStudies, n. 28, 1980, pp . 126-
27; id., SourCrapes. Cambridge, 1983, pp . 103-07; id., Ulysses and the Sirens, op . cit., p. 34;
G. Á Cohen, "Function al Explanation: Reply to Elster", op. cit., p. 131j id., KarlMarx's
Theory of History: A Defence, op . cit., pp . 269-70; id., "Forces and Rel ations of Produc-
tion", in B. M athews ( org.), Marx: A Hundred Years on. Londres, 1983, pp . 119, 24; P.
Sztompka, Systems and Funciion. Nova York, 1964, pp. 140, ISO, 151j W. W.lsajiw, Cau-
sation and Functionalism in Sociology. Londres, 1968, p. 127. Para tentativas de ofe re cer
ao marxismo e às ciências sociais um mecanismo de f eedback, ver G. Á Cohen, Karl
Marx's Theory ofHistory:A Defence, op. cit., p.152; Á L. Stinchcombe, "M ert on' s Theory
ofSocial Structure", in L. Á Coser ( org.), lhe Idea of Social Structure. Nova York, 1975,
p. 29j P. van Parijs, "Fu nctionalist M arxism Rchabilitated". Theory and Society, n.rr, 1982,
pp. 503-04 j J. Torrance, "Reproductíon and Development: a Case for a 'D arwi n ían' Me-
chanism in Marx's Theory of History", Politicai Studies, n. 33, 1985,pp . 388-89; Bertram,
"Intern ational Competition in Historical Materialism". New Left Review, n. 183, 1990.
128 J. EIster, Ulysses and the Sirens, op. cit., pp. 31-32j G. A. Cohen, Karl Marx's Theoryof
History: A Defence, op. cit., pp. 287-88.
129 S. H. Rigby, Marxism and History: A Criticai Introduction, op. cit., p. 90j íd., Engels and
the Formaiion ofMarxism, op. cit., p. 184; T . T ãnn sj ó, "Methodologícal índividualism".
lnquiry, n. 33, 1990.

498 HISTORIOGRAF IA MA RXISTA


automática, universal ou necessária,'> Não que os marxistas tenham igno-
rado tais desigualdades não baseadas na classe social. Pelo contrário, os pró -
prios Marx e Engels distinguiram os estamentos e as ordens de sociedades
pré-capitalistas das classes econôrnicas do capitalismo.?' ao mesmo tempo
que teóricos sociais marxistas elaboraram diversos estudos de desigualda-
des não baseadas em classe, em especial as de gênero. I32 O problema é, antes,

130 M . Weber, Economyand society. 2 v. Berkeley, 1978, v. 1,p. S77, v. II, p. 926; G. Neuwirth,
"A Weberian Outline of a Theory of Community: Its Application to the 'Dark Ghet-
to ". British [ournal of Sociology, n. 20, 1969; R. Murphy, Social Closure. Oxford, 1988j
R. Collins, ConJIict Sociology. Nova York, 1975; F. Parkin ( org.), The Social Analysis of
Class Structure. Londres, 1974, pp. 1-18; id., Marxism and Class Theory. Londres, 1979j
id ., "Social Stratífication", in T. Bottomore e R. Ni sbet (orgs.), A History of Sociological
An alysis. Londres, 1979; id., Max Weber. Londres, 1982, pp. 100-02j W. C. Runciman,
"Th e Three Dimensions ofSocial Inequality", in A. Béteille (org.), Social Inequality. Har-
mondsworth, 1969j id., "T owards a Theory ofSocial Stratification", in F. Parkin (org.),
The SocialAnalysis of Class Sirudure, op. cit., pp . SS-61j id., A Treatise on Social Theory,
3 v. Cambridge, 1983-89, pp. 2-24j M. Mann, 'Ihe Sources of SocialPower, v. 1. Cambridge,
1986; A. Giddens, A Contemporary Critique of HistoricalMat erialism, op. cit., Para res-
postas de autores marxistas, ver G. Mackenzie, "Review ofParkin 1979a", British[ournal
of Sociology, n. 31, 1980, pp. 582-84j J. M. Barbalet, "Social Closure in Class Analysis: A
C ritique ofParkin". Sociology, n.16, 1982jWright, "Gíddens's C ritique ofMarxísrn". N ew
Left Review, n. 138, 1983; C. Wickham, ." Historical Materialism, Historical Sociology".
N ew Left Review, n. 171,1988 (sobre Mann): id., "Systactic Structures: Social Theory for
Historians". Past and Present, n. 132, 1991(sobre Runciman).
131 K Marx e F. Engels, Selected Correspondence, op. cit., v. 5, pp . 69, 73, 89-90j M. Godelier,
TheMental and theMat erial. Londres, 1988, pp . 24S-S2.
132 Ver, por exemplo, C. M íddleton, "The Sexual Division ofLabour in Feudal England".
N ew Left Review, n. 113-14, 1979j id. , "Peasants, Patriarchy and the Feudal Mode of
Production in England". Sociological Review, n. 29, 1981j id. , "W o m en's Labour an d
the Transition to Pre-industrial Capitalísm ", in L. Charles e L. Duffin (orgs.) , Wom en
and Work in Pre-industrialEngland. Londres, 1985j R. H . Hilton, ClassConjlict and the
Crisis of Feudalism, op . cit., caps. 15 e 16j id., TheEnglish Peasantry in the LaterMiddle
Ages, op. cit., cap. 6j E. Hobsbawm, The Age of Empire, 1875-1914. Londres, 1989, cap.
8. Muitas explicações marxistas das desigualdades de gênero são um debate implícito
ou explícito com F. Engels, The Origin of the Famiiy, Private Property and the State,
op. cito Para uma avaliação da abordagem de Engels, ver artigos em]. Sayers et al.,
Engels Revisited. Londres, 1987j S. Coontz e P. Henderson, Women's Work and M en's
Property. Londres, 1986; S. H. Rigby, Engels and the Formation of Marxism, op. cit.,
pp. 198-204j L. Voge1, Marxism and the Oppression ofWomen. Londres, 1983, cap . 6j

RIGBY 499
como argumentaram historiadoras e sociólogas feministas, que os marxis-
tas tenderam a oferecer explicações funcionais das relações sociais patriar-
cais em termos de seus benefícios para a reprodução de modos particulares
de produç ão.'> O patriarcado é, assim, considerado secundário e derivado
do modo de produção da sociedade em vez de ser apresentado como uma
forma de desigualdade social autônoma.?" ou mesmo, como alguns prefe-
rem vê-lo, como se embutidos no modo de produção da sociedade como
uma de suas características definidoras. "
Em terceiro lugar, muitas das críticas ao materialismo histórico se con-
centraram na questão da interpenetração de base e superestrutura, ou seja,

M. Bloch, Marxism and Anthropology. Oxford, 1983, pp. 66, 75-76; Godelier, TheM en-
tal and theMaterial, op. cit., p. 103.
133 C. Middleton, "Peasants, Patriarchy and the Feudal Mode ofProduction in England ", op.
cit., pp . 151-52; O. Adamson et al., "Women's Oppression under Capitalísm". Revoluiio-
nary Communist, n. 5, 1976; M. Gimenez, "Marxist and non-Marxíst Elements in Engels'
Views on the Oppression of Wornen", inJ. Sayers et al., Engels Revisited, op. cit., p. 48;
M. Barrett, Women's Oppression Today. Londres, 1984, pp. 132-33; C. Cockbum, "1he Re-
lations ofTechnology: What Implications for 1heories ofSex and Class", in R. Crornp-
ton e M. Mann (org s.), Genderand Stratification. Cambridge, 1986, pp. 81-82.
134 S. de Beauvoir, The Second Sexo Harmondsworth, 1974, p. 87j S. Firestone, TheDialectic
of Sexo Londres, 1979, p. ISj K Millett, Sexual Politics. Londres, 1985, p. 38j C. Delphy,
Close to Home. Londres, 1984, pp. 38-39, 74-7S j R. McDonough e R. Harrison, "Patriar-
chy and Relations of Productíon", in A Kuhn e A. Wolpe (orgs.), FeminismandMateria-
lism. Londres, 1978, pp. 31-32; A. Davin, "Feminism and Labour H istory", in R. Samuel
(org.), People' s History and Socialist Theory. Londres, 1981, p. 180.
135 H. Hartmann, "1he Unhappy Marriage of Marxism and Feminism: Towards a More
Progressive Union", in L. Sargent (org.), Women and Revolution: A Discussion of the
Unhappy Marriage ofMarxism and Feminism. Londres, 1981, pp. 10-11,17-19, 29; C. Mid-
dleton, "Sexual Inequality and Stratification Theory", in F. Parkin (org.), The Social
Analysis of Class Structure, op. cit., 1974j C. Middleton, "Patriarchal Exploitation and
the Rise ofEnglish Cap ítalism ", in E. Gamarnikow, D. Morgan,J. Purvis e D. Taylor-
son (orgs.), Gender, Class and Work. Londres, 1983, pp. 13-14j Z. Eisenstein, "D evelo-
ping a 1heory ofCapitalist Patriarchy and Socialist Ferninism", in Z. Eisenstein (org.),
Capiialist Patriarchy and the Case for Socialist Feminism. Nova York, 1979, pp. 5, 28j W.
Seccombe, "Marxísm and Demography", New Left Review, n. 137, 1983, p. 19; J. Heam,
"Gender: Biology, Nature and Capitalísm", in T . Carver (org.), The Cambridge Compa-
nionto Marx, op. cít., p. 239j E. Fox-Genovese, "Placing Women's History in History".
New LeftReview, n. 133, 1982, p. IS.

500 HIS TORIOGRAFIA MAR XISTA


se o ser social pode ser definido à parte (e assim apresentado como a base)
da consciência social, da política e das relações jurídicas.?" Como vimos, o
modelo de Marx de estrutura social pressupõe que o estado, a lei e as formas
de consciência social "correspondem" à forma assumida por suas relações
de produção. Críticos como Acton, Plamenatz, Leff e Lukes rebateram tais
afirmações com o argumento de que os assim chamados fenômenos "supe-
restruturais" tais como política e ideias não refletem meramente a base eco-
nômica da sociedade ou apenas interagem com ela, eles são na verdade uma
parte constitutiva da "base" econômica da sociedade. Mas, se a distinção en-
tre base e superestrutura é insustentável, não se pode legitimamente derivar
a última da primeira: não se pode dizer que x produz y se y é na verdade
parte de X!37 Além disso, se é impossível localizar algum nível puramente
econômico da sociedade, separado da política, direito e formas de consciên-
cia social, segue -se que o conceito de base econômica é simplesmente uma
abstração analítica. Abstrair um conceito da realidade e então inverter esse
processo e apresentar essa abstração como a base da realidade parece ser um
exemplo clássico do procedimento que os próprios Marx e Engels acerta-

136 Ironicamente, o próprio Engels defendia em suas obras filosóficas a noção de interpe-
netração dialética, ao mesmo tempo que adotava uma noção mais limit ada de interação
entre base e superestrutura em sua defesa do materialismo histórico . Ver F. Engels, Herr
Eugen Dühring's Revolution in Science, op. cit., pp. 28-29; id., Dialedics ofNature. Moscou,
1964, pp. 17, 93, 214-S4, 264; K Marx e F. Engels, Selected Correspondence, op. cit., pp.
394-9S, 399, 401, 442; F.Jakubowski, Ideology andSuperstructure in HistoricalMaterialism.
Londres, 1976, p. 38; S. H. Rigby, Engels and the Formation ofMarxism, op. cit.,pp. 112-13,
126-27,13 2-34.
137 H. B. Acton, TheIllusion ofthe Epoch. Londres, 19S5, pp. 164-6 8, 177, 2S8;]. P. Plamenatz,
Man and Society: A Criticai Examination of SomeImportant Social and Politicai Theories
from Machiavelli to Marx, 2 v. Londres, 1963, pp. 283-89, 34S; G. Leff The Tyranny of
Concepts, op. cit., pp. 144-S1; R. Wolder, "Rousseau and Marx", in D. Miller e L. Síeden-
top (orgs.), TheNature of Politicai Theory. Oxford, 1983, pp. 231-37; A W. Wood, Karl
Marx, op. cit.; S. Lukes, "Can the Base be Distinguished from the Superstructure?",
in D. Miller e L. Siedentop (orgs.), TheNature of Politicai Theory, op. cit., pp. 103-19.
Graham distingue utilmente duas leituras separadas da posição de Acton e Plamenatz.
A primeira é que base e superestnitura são conceitualmente inseparáveis; a segunda é
que, mesmo que as duas possam ser distinguidas, coexistem e interagem, o que mina a
afirmação de prioridade da assim chamada base.

RIGBY 501
damente condenam como "idealista" quando deles lançam mão os hegelia-
nos. Ironicamente, o que se apresenta como a mais materialista das análises
da sociedade se revela, em uma ironia verdadeiramente dial ética, seu exato
oposto: puro idealismo.?"
Em resposta, certos marxistas tentaram oferecer uma defesa da distinção
marxista "tradicionalista" entre a base econômica e a superestrutura política
e ideol ógica.v" No entanto, defesas tradicionalistas como essas da distin-
ção entre base e estrutura geralmente parecem menos do que convincentes,
mesmo para aqueles no interior da tradição marxista. Afinal, Marx e maneis-
tas posteriores aceitaram explicitamente a existência dessa interpenetraç ãn'v
quando, por exemplo, apresentam as relações de produção do modo asiático
de produção e das sociedades feudal e antiga como constituídas por meio
de coerção "extraecon ômi ca'i'" e veem o próprio Estado como o principal

138 K M arx e F. Engels, Se/ectedCorrespondence, op. cit., p. 434; K Marx e F. Engels, Col-
lected Works, op. cít., 1975-76, v. 4, pp. 7; 59-60, 82, 159,192; v. 5, pp. 29, 36-37, 44 -45, 55,
57,59-62,128-34,144-45,159-60,168,176, 236,269, 274-75, 282, 287, 419, 434; S. H. Rigby,
Engelsand the Formation ofMarxísm, op . cit., pp. 174- 75·
139 G. A. Cohen, "Being, Consciousness and Roles: On the Foundation ofHistorical Mate-
rialism", in C. Abramsky e B. J.Williams (orgs.), Essays in HonourofE. H. Carro Londres,
1974, p. 88; íd., "On some Criticism ofHistorical Materialism", Proceedings of the Aris-
tote/ian Society, n. 44 (suplemento), 1970, pp. 121-24; id., Karl Mar x's Theory of History:
A Dejence, op. cit., p. 223; id ., Hisiory, Labour and Freedom. Oxford, 1988, caps . 2 e 3;
C. Lowe, "Cohen and Lukes on Rights and Power". PoliticaIStudies, n. 33, 1985.
140 K Kautsky, TheMaterialist Conception ofHistory, op. cit., pp. 228-30; R. Hilferding, "The
Materialist Conception ofHisto ry", op. cit., p . 131; E. D . Genovese, l n Red and Black, op.
cit., pp. 21, 32-33, 323-24.
141 K Marx, Capital, op. cit., V. 3, pp. 926-27; Leka s, Marx on Classical Ant iquity: Problems
of Historical M etllOdology, op . cit., pp . 3, 81, 153, cap . 8; R. H . H ilton, Class COllflict and
the Crisis of Feudalism, op . cit., p . 123; "Feudalism in Europe: Pro blems for H istor ical
Materialists", op . cit., pp. 85-86; R. S. Gottlieb, "Feudalism and Hi storical Materialism;
a Critique and a Synthesis". Science and Society, n. 48, 1984, pp . 4, 36; J. M. Bak, "Serfs
and Serfdom: Wo rds and Things". Review, n. 4, 1980, pp. 13-14; S. Amin, Unequal DL'VelO-
pment. Hassocks, 1976, pp. 13-21; B. H indess e P. Q Hirst, Pre-capiialisi ModesofProduc -
tiOll, op . cit., pp . 82-91; J. Given, "lhe Economic Consequence of the English Conquest
ofGwynedd". Speculum, n. 64,1984, p. II ; C. Wickham, 111eMountainsand the City: 111e
Tuscall Ape/lllilles iII the Barl)'ldiddleAges. Oxford, 1988, p. 76.

502 HISTORIOGRAFIA MA RXISTA


extrator de trabalho excedente em diversas sociedades pr é-capitalistas.':" Al-
guns marxistas chegaram a argumentar que} longe da concepção como uma
"totalidade org ânica", na qual as partes da sociedade são interdependentes e
mutuamente dependentes} constituindo um desafio ao marxismo}é o próprio
materialismo histórico que (pelo inenos nas interpretações mais fortes) ofe-
rece precisamente esse modelo de estrutura social.v' A noção da sociedade
como uma totalidade orgânica é} em certos aspectos} atraente (contanto que
não dissolva toda distinção analítica e afirmações causais) . O problema com
tal holismo} pelo menos de uma perspectiva marxista}é simplesmente que é
mais difícil ver o que ela tem de especificamente marxista.'?"

142 C. Wickham, "lhe Uniqueness of the East", in ] , Baechl er et aL (orgs.), Europe and the
Rise of Capitalismo Oxford, 1978, p. 72j id., "lhe Other Transition: From the Ancient
World to Feudalism". Past and Preseni, n. 103,1984,pp. 9, 20, 27-28; R. Brenner, "Agrarian
Class Structure and Econornic Development in Pre-industrial Europe", op. cit., 1976, pp.
68-69; P. Anderson, Lineages oftheAbsolutist Staie, op. cit., cap.lj De Ste. Croix, "Class in
Marx's Conception of Hístory, Ancient and Modem", op. cit., pp . IOS-06j]. Given, "lhe
Econornic Consequences of the English Conquest of Gwynedd", op. cit., p. 44 .
143 Para aqueles que preferem a metáfora da sociedade como uma totalidade ou uma totali-
dade org ânica, em op osição a base e superestrutura, ver M. Rader, Marx's lnterpretation
of History. Nova York, 1979,cap. 2; M. Jay, Marxism and Totality. Cambridge, 1984j A.
Gram sci, Selectionsfrom the PrisonNotebooks. ~ Hoare e G. N. Smith (orgs.). Londres,
1977, p. 377j F. Jakubowski, ldeology and Superstructure in HistoricalMaterialism, op. cit.,
pp. 102-03j G. Luk ács, History and Class Consciousness. Londres, 1974; K Korsch, Karl
Ma rx, op . cít., p. 241j L. Althusser e E. Balibar, Reading Capital, op . cit., p. 98j S. Hall,
"Re-thinking the Base and Superstructure Metaphor", in J. Blcomfield (org.), Ciass, Har-
mony and Party. Londres, 1977j H .]. Kaye, "Totality: its Application to Historical and
Social Analysis by Wallerstein and Genovese", op. cit., pp. 405-19; id., The BritishMarxist
Historians, op . cit., pp . 56-57, 107, n6-17, 159, 220; E. D. Genovese, ln Red and Black, op.
cit., pp. 322-23j C. Hill, Puritanism and Revolution, op. cit., p. 39 j]. S. Cohen, "lhe Ach íe-
vernents ofEconornic History: lhe Marxist School", op. cit., p. 31; D. Sayer, 'IheViolence
ofAbstraction, op. cit., p. 14Sj M. Ryan, Marxism and Deconstrudion. Baltimore, 1986,pp.
83-87,98-100 ; P. Corrigan e D . Sayer, 'IheGreatArch: English State Formation asCultural
Revolution, op . cit., p. 2; B. Ollman, Alienation. Cambridge, 1972, p. 15; G. Williams , "ln
Defence ofHistory". History Worlcshop, n. 7, 1979, p. n8j S. Clarke, "Socialist Humanism
and the Critique of Economism", HistoryWorlcshop, n. 8, 1979.
144 R. Williams, "Base and Superstructure in Marxist Cultural Theory". New LeftReview, n. 82,
1973, p. 7 j S. H . Rigby, "Making History". Historyof European Ideas, n. 12, 1990, p. 829 j
G. Hellman, "Historical Materialism ", in]. Mepham e D. HilIeI-Ruben (orgs. ), lssues

RIGBY 503
Uma resposta provavelmente mais útil para o problema da interpenetra-
ção de base e superestrutura é a reformulação de Godelier da metáfora de
Marx) de base e superestrutura em uma afirmação da primazia das relações
de produção da sociedade) concebida no sentido mais amplo) em relação
àqueles aspectos políticos}jurídicos e ideológicos que não são elementos
constitutivos das relações de classe. A base da sociedade) assim}inclui aque-
les aspectos políticos e jurídicos} tais como os poderes senhoriais, na socie-
dade medieval) que são elementos definidores de relaçõe s de classe coevas.
São essas relações ) definidas de maneira ampla} que constituem a base para
aqueles elementos jurídicos} políticos e ideológicos residuais que formam a
superestrutura social. Base e superestrutura não mais são vistas como insti-
tuições separadas) mas definidas por suas diferentes [unç õesr»
Em quarto e último lugar) se a abordagem de Godelier oferece uma res-
posta àqueles críticos que levantaram o problema da interpenetração de
base e superestrutura, o materialismo histórico enfrenta dificuldades ainda
maiores quando confrontado com a questão muito mais direta da interação
de base e superestrutura. Desde A ideologia alemã) Marx e Engels se refe-
riram à "a ção recíproca" de forças produtivas) relações de classe) política
e ideologia) mas) uma vez que descrevem a superestrutura da sociedade
como a "expressão" ou o "reflexo" de sua base económica, seus críticos po-
diam facilmente acusá-los de apresentar o fato r econômico como o único
fator determinante e de ignorar o papel histórico ativo desempenhado pela
política e pelas ideias. Desde as famosas cartas de Engels dos anos 1890 so-
bre o materialismo) os marxistas se veem assim obrigados a rejeitar a acusa-
ção de reducionismo econômico e a reconhecer a "interação dial ética" que
ocorre entre base e superestrutura (seja definida no sentido tradicional ou
no de Godelier) "46

in Marxist PlJilosoplJy, v. 1. Brighton, 1979, pp . 148-50, 161; V. G. Kiernan, "P roblerns of


Marxist History". New LeftReview, n. 161, 1987. p. 107; G. McLennan, "Richard J ohnson
and his critics: T owards a C onstruc tive Debate". History WorkslJop, n. 8, 1979, p. 161.
145 M. Godelier, "Infrastructures, Society and History". New Left Revifl<', n. m., 1978; 'Ihe
A1ental and the Material, op . cit., caps. 3-6; A. W. Wood, KarlMarx, op . cit., p. 79.
146 K. Marx e F. Engel s, Collected Works, op. cit., 1975-76, v. 5, pp . 40, 52-53. K. Marx. e F. En -
gels, Selected Correspondence, op . cit., pp . 390 -402, 433-35, 441 -4 3; S. H . Rigby, Engels and
the Forl1lation Df ll'farxisl1l, op. cit., pp. 165-6 9; K. Kautsky, TIre Materialist Conception Df

504 HISTORIOGRAF IA MAR XI STA


o problema é como reconhecer a consciência do papel ativo da política
e as ideias sem abandonar a primazia do modo de produção da sociedade
que é, afinal, o postulado que distingue a teoria marxista enquanto teoria
do mundo social e da história. O dilema pode ser visto na versão estrutura-
lista do materialismo histórico, de Louis Althusser. Ironicamente, enquanto
sua teoria foi atacada por E. P. Thompson por seu reducionismo econômico,
seria mais correto dizer que a teoria de Althusser na verdade tem como fun-
dação (pelo menos enquanto uma forma de marxismo) seu reconhecimento
da interação complexa envolvida na explicação histórica. Longe de reduzir
a sociedade a seu modo de produção, Althusser redefiniu o modo de pro-
dução a fim de incluir níveis (ou práticas) econômicos, políticos e ideoló-
gicos, cada qual sendo "relativamente autônomo" e possuindo sua própria
cronologia de desenvolvimento. Em vez de postular uma determinação em
via de mão única da política e da ideologia pela economia, Althusser argu-
menta que relações de produção específicas podem pressupor elementos da
"superestrutura" jurídica, política e ideológica como condição de sua exis-
tência."? Muitos historiadores e teóricos sociais estariam dispostos a aceitar

History, op. cit., pp. 229, 232-33; A Gramsci, Se!ections from the Prison Notebooks, op. cit.,
pp. 407, 437; E. D. Genovese, InR.edandBlack, op. cit., p. 322; E. Loone, SovietMarxism
andAnalyticalPhilosophies ofHisiory, op. cit., pp. 164-65. Marxistas preocupados em re-
jeitar as acusações de reducionismo ainda hoje apelam para as cartas de Engels. Ver R. H.
Hilton, "Unjust Taxation and Popular Resistance", op. cit., p. 178; E. P. Thompson, The
Poverty of 'Iheory, op. cit., p. 261; S. Delany, Medieval Literary Politícs. Manchester, 1990,
p. 43; N. Kirk, "Hístory, Language, Ideas and Post-Modernism: A Materialist Víew",
Social History, n. 19, 1994, pp. 222, 227-28.
147 T. Lovell, Pictures ofReality: Aesthetícs, Politics and Pleasure. Londres, 1980, pp. 27-28;
E. P. Thompson, The Poverty of Theory, op. cít., pp. 254, 355, 360; L. Althusser e E. Ba-
libar, ReadingCapital, op. cit., pp. 97, 100, 104-05, 177-78, 183, 187, 220-24; L. Althusser,
For Marx. Londres, 1977, pp. 96-101, 113; N. Gordy, "Reading Althusser: Time and
the Social Whole". History and Theory, n. 22, 1983. Althuss,er é apresentado como um
antirreducionista em R. Blackburn e G. S.Jones, "Louis Althusser and the Struggle
for Marxism", in D. Howard e K E. KIare (orgs.), 'Ihe Unknown Dimension: European
Marxism since Lenin. Nova York, 1972, pp. 369-74; S. Hall, "Re-thinking the Base and
Superstructure Metaphor", op. cit., Bennett, Formalism and Marxism. Londres, 1979,
pp. 40-41; P. Anderson, Arguments within English Marxism, op. cit., pp. 66-77; P. Q
Hirst, Marxism and Historical Writing. Londres, 1985, pp. 22-23; A. Milner, "Conside-
rations ofEnglish Marxism". Labour History, n. 41, 1981, p. 8. Existe hoje uma enorme

RIGBY 505
essa visão. Mais uma vez, no entanto, é simplesmente difícil ver o que há.
de distintamente marxista nela . Em outras palavras, o problema do reducio-
nismo não pode ser resolvido de forma simples pelo recurso ao conceito da
"autonomia relativa" do Estado e da ídeologia '" (mesmo que qualificada por
uma determinação pelo econ ómico "em última instância'T':" Tampouco
seria uma solução simplesmente abandonar a metáfora de base e superes-
trutura, talvez por culpar Engels mais do que o próprio Marx.?" Não é a me-
táfora de base e superestrutura o problema, mas antes a ideia que ela procura
expressar, isto é, a afirmação de uma hierarquia de elementos sociais ou de
assimetrias causais que deram ao marxismo sua especificidade e identidade
à parte enquanto uma forma de teoria social. "

literatura a respeito de Althusser, para a qual G. Elliot, Althusser: TheDetourofTheory.


Londres, 1987, é um ponto de partida útil. Para críticas a Althusser, ver S. Clarke et
al., One-Dimensional Marxism. Londres, 1980j N. Geras, "Althusser's Marxism: An
Assessment", in G. S. Jones et al. Western Marxism: A CriticaI Reader. Londres, 1978j
A. Glucksmann, "A Ventriloquist Structuralísm", in G. S.Jones et al., op. cit.j Hindess
e Hirst, Mode of Production and SocialFormation, op . cít., S. H . Rigby, Marxism and
History:A Criticallntroduction, op . cit., pp . 194 -98 .
148 R. Miliband, Class Power and State Power, op. cít., pp. 56-62j T . Bennett, Formalism and
Marxism, op. cit ., pp . 40-41j L. Althusser e E. Balibar, ReadingCapital, op. cit., pp. 100-
-oi: T. Eagleton, Ideology. Londres, 1991, p. 153j R. William s, "Base and Superstructure in
Marxist Cultural Theory", op. cit., pp . 12-13, 32-33.
14 9 K Marx e F. Engels, Selected Correspondence, op. cit., pp . 393-96, 399, 401 , 441j K Kautsky,
TheMaterialist Conception of History, op. cit., pp. XLII, 3-4, 227, 232-33. Como na famo sa
colocação de A1thusser: "Do primeiro ao último momento, a hora solitária da última
inst ância não chega jamais". No entanto, Althusser desenvolveu uma leitura própria
da determinação da última instância pelo nível económico, que para ele atribuía aos
outros níveis sociais sua efetividade específica. Assim, no modo de produção feudal , o
nível económico "determina" qu e o nível político seja "dominante" (Althusser e Balibar,
ReadingCapital, op. cit., pp. 97, 117-18, 220-24). Para uma crítica, ver Hindess e Hirst,
Mode ofProduction and Social Formation, op. cit., 1977, pp. 55-56.
150 L. Colletti, FromRousseau to Lenin. Londres, 1972, p. 6Sj Rader, Marx's Interpretation
of History, op. cit., pp. xx, 70, 75-76, 78, 82, 181, 183-84 j E. P. Thompson, ThePoverty of
Theory, op. cit., pp. 79 -85, 119-121j D. Sayer, 'Ihe Violence ofAbstraction, op. cit., pp. 91-92,
148j E. D. Genovese, 'IheWorldthe Slaveholders Made. Nova York (repr, Londres, 1970),
1969, p. IXj H.J. Kaye, TheBritish Marxist Historians, op. cit., pp. 117, 191-92,205,234.
151 K Korsch, Karl Marx, op. cit., 1938, pp. 225, 230j T . Lovell, Pictures of Reality : Aesthe-
ties, Polities and Pleasurc, op. cit., p. 28 j N. Geras, "Seven Types ofObloquy: Travesties

506 HISTORIOGRAFIA MAR XISTA


Assim, ao rejeitar o reducionismo, os teóricos marxistas constantemente
deslizam em direção a um pluralismo implícito que mata o marxismo pela
força de mil qualificações. Essa tendência é ainda mais explícita na análise
histórica complexa oferecida por historiadores marxistas. A explicação de
Brenner, por exemplo, de por que os camponeses do Leste europeu foram
submetidos à servidão no fim da Idade Média e no começo da era moderna,
quando os camponeses do Ocidente conquistavam sua liberdade, recusa
argumentos em termos de mudanças populacionais e oferece no lugar
uma análise que é explicitamente baseada em uma afirmação marxista da
primazia da luta de classes. Ele argumenta que foi a força da comunidade
camponesa do Ocidente europeu que lhes permitiu resistir às ofensivas se-
nhoriais do fim da Idade Média e assim conquistar sua liberdade, enquanto
a fraqueza das comunidades camponesas no Leste europeu a fazia incapaz
de se opor à pressão dos senhores, abrindo assim o caminho para a servidão.
O problema é que, quando procura explicar por que a comunidade campo-
nesa era mais fraca no Oriente do que no Ocidente, Brenner lista uma série
de fatores que não podem ser reduzidos a expressões da estrutura de classes
ou da luta de classes, tais como a ausência de terras de propriedade comum
no leste, a prevalência ali de métodos individualistas de plantio em vez de
um sistema altamente desenvolvido de terras comuns, o tamanho pequeno
das aldeias do leste, a ausência de aldeias divididas entre diferentes senho-
res, os efeitos da conquista política e o surgimento de formas particulares
de Estado. O resultado da luta de classes deixa assim de ser simplesmente

of M arxísm", in R. Miliband et aI. ( orgs.) , The Socialist Register. Londres, 1990, pp. 9-11;
P. Anderson, Arguments wiihin EnglishMarxism, op . cit., pp. 66, 81j E. D . G enovese, ln
RedandBlack, op . cít., 1972, pp. 19, 323; id., TheWorld theSlaveholders Make, op . cit., 1969,
p. IX; J. Haldon, "Th e Ottoman State and the Questions of State Autonomy: Compara-
tive Perspectives". [ournal ofPeasantStudies, n.18 , 1991, p. 28; K. M cDonneIl e K. Robins ,
"M arxist Cultural The ory : The Althusserian Smokescreen", in S. Clarke et al., On e-Dim en-
sional Marxism, op. cito,p . 215; A W. Wood, KarlMarx, op. cit, pp. 64-6 5; R. W. Miller,
"Social and PoliticaI Theory: Cla ss, State and Revolution", op. cit, p. 101;E. D. Genovese ,
ln RedandBlack, op. cito, 1972,p . 324; P. van Parijs , "From Contradiction to Catastrophe".
New LeftReview, n. 115, 1979, pp. 87, 91;V. G. Kiernan, "Problems ofMarxist Hístory", op.
cit., p. 107; E. Hobsbawm, "M arx and Hi story". New LeftRevielv, n. 143,1984, pp . 44-46;
E. O. Wright et al., Reconsiructing Marxism. Londres, 1992, caps. 3 e 6.

RIGBY 507
uma explicação e se torna, ele mesmo, algo a ser explicado em termos de di-
versos fatores." Há um pluralismo semelhante em funcionamento na aná-
lise de Brenner de como uma forte propriedade camponesa e o Estado ab-
solutista nos primórdios da era moderna na França se desenvolveram "em
dependência mútua", o que sugere que o absolutismo era mais do que sim-
plesmente "expressão" de mudança social, como Brenner também afirma,
mas era ele próprio um agente ativo de tal mudança. "
Esse pluralismo tampouco é exclusivo da obra de Brenner. Na verdade,
ele pode ser visto na explicação de Corrigan e Sayer'>' sobre por que o ca-
pitalismo triunfou primeiro na Inglaterra em termos da "singularidade do
processo de formação e das forma s do Estado inglês" e na tentativa de Ge-
novese '" de encontrar a quadratura do círculo na estratégia de afirmar que
a superestrutura social é "gerada" pela base do modo de produção mas que
ela também se desenvolve segundo uma lógica própria e reage, por sua vez,
à base. De maneira semelhante, Parker, em um ensaio explicitamente diri-
gido à defesa da metáfora da base e superestrutura, argumenta que o mo-
tor da mudança histórica no início da era moderna não se encontra na luta
de classes ou em qualquer aspecto da economia, "mas nas atividades do
Estado", em particular, "a ascensão do Estado absolutista sob a pressão da
guerra e de antagonismos relígiosos '?" Na prática, tais análises nos apresen-
tam uma multiplicidade de forças em interação, uma "variedade infinita de

152 R. Brenner, "Agrarian Class Stru cture and Economic Development in Pre-industrial
Europe", op. cit., pp. 57-60; id., "lhe Agrariari. Roots of European Capitalism", op. cít.,
pp. 72-76. Guy Bois reclama do pluralismo implícito de Brenner em "Against the Neo-
-Malthusian Ortodoxy." Past and Present, n. 79, 1978, p. 67.
153 R. Brenner, "Agrarian Class Structure and Economic Development in Pre-industrial
Europe ", op. cit., p. 71; id., "lhe Agrarian Roots ofEuropean Cap ítalisrn", op. cit., p. 81.
154 P. Corrigan e D. Sayer, The Great Arch:English State Formation as Cultural Revolution,
op. cit., p. 85.
155 E. D. Genovese, ln Red and Black, op. cít., 1972, pp. 322-23.
156 D. Parker, "French Absolutism, the English State and the Utility of the Base-Supers-
tructure Model", op. cit., pp. 287, 297-98; id., TheMaking ofFrenchAbsolutism. Londres,
1983, pp. 60-64, 74 , 147-49. Parker recomenda a aplicação, à Europa oriental, da análise
de P. Anderson da ascensão do absolutismo do Leste europeu em termos de rivalidade
internacional (D . Parker, TheMakingofFrench Absolutism, op. cit., pp. 297-98; P. Ander-
son, Lineages of theAbsolutistState, op. cit., pp. 195-202, 212-16).

508 H ISTO RIOGRA FIA M AR XIS TA


fatores locais'i'" que conjuntamente resultam em um quadro histórico par-
ticular) um retrato da história que é familiar à historiografia não marxista e
à sociologia weberíana.s" mas que se encaixa mal nas afirmações marxistas
da primazia da base econ ómica (mesmo quando redefinida nos termos de
Godelier). Como disse Kitching, em comentário à alta qualidade da histo-
riografia marxista: "O engajamento com uma prática profissional mais so-
fisticada do que sua teorização muito provavelmente acaba tendo de aceitar
uma falta de habilidade adquirida tanto de reconhecer como de expressar
aquela sofisticação formal ou explícitamente'l'"
A ameaça que tal pluralismo representa para o marxismo não pode ser
evitada simplesmente por transformar o materialismo histórico) de uma
afirmação da primazia de um nível "econ ómico" estreitamente definido) em
uma afirmação de uma "determ inação de classe" mais amplamente conce-
bida.'?" O pluralismo analítico tampouco está implícito apenas na tradição

157 J. Haldon, "lhe Ottoman State and the Questions of State Autonomy: Comparative
Perspectives", op. cit., pp. 88-89.Essa variedade de fatores locais pode ser vista no trata-
mento do papel do s "h omens ilustres" na história, onde a ênfase de historiadores mar-
xistas no papel indispensável de determinados indivíduos contrasta com a afirmação
(impossível de ser verificada) de Engels de que "se Napoleão não tivesse existido, outro
indivíduo teria ocupado seu lugar" (K.Marx e F. Engels, Selected Correspondence, op. cit.,
p. 442j L D eutscher, The ProphetArmed, Trotsky:1879-1921, p. VIlj op . cit., M. Rodinson,
Mohammed. Harmondsworth, 1973, pp. IX-X, 298).
158 M. Bailey, A Marginal Economy? Cambridge, 1989, pp. 1, 321-22j P. Glennie, "lhe T ran -
sition from Feudalism to Capitalism as a Problem for Historical Geography". Journal of
HistoricalGeography, n. 13, 1987, p. 300 j id., "ln Search of Agrarian Capitalism: Manorial
Land Markets and the Acquisition ofLand in the Lea Valley, c. 1450-1560". Continuity
and Change, n.15, 1988, pp. 33-36;R.J. Holton, 'Ihe TransitionfromFeudalism to Capita-
lism. Basingstoke, 1985, pp. 220-21.
159 G. Kitching, Karl Marx and the Philosophy of Praxis. Londres, 1988, p. 225;J. Breuilly
("lhe Making ofthe German Working Class ", Archivfür Sozialgeschichte, n. 27, 1987) le-
vanta uma questão semelhante a respeito das análises marxistas pluralistas da formação
da classe trabalhadora alemã de jürgen Kocka e Hartmut Zwahr .
160 E. M. Wood, Democraey against Capitalismo Renewing HistoricalMaterialism. Cambridge,
1995, p. 175; E. D. Genovese, The World the Slaveholders Made, op. cit., 1969, pp. IX, 19,
103j id., ln Red and Black, op. cit., pp. 323-24j H .J. Kaye, "T otalíty: Its Application to His-

torical and Social Analysis by Wallerstein and Genovese", op. cit., pp. 415-19 j S. Clarke,
"Socíalíst Humanism and the Critique of Econornism", op. cit., p. 144j G. Williams, "ln

RIGBY 509
marxista que en!~tiza o papel !~ndamental das relações de produção e da
luta de classes em vez das forças produtivas." Na verdade, esse pluralismo é
um problema insolúvel para toda versão do marxismo que rejeita o reducio-
nismo e que procura explicar a mudança histórica em termos da interação
de uma multiplicidade de forças históricas,"? Como argumentaram filósofos
na tradição de John Stuart Mill, é impossível afirmar a primazia explicativa
objetiva de qualquer um dos múltiplos fatores que resultam em um evento
particular. Causas têm existência objetiva no mundo real) mas qual delas
escolhemos enfatizar e qual assumimos como dada dependerá de nossos
propósitos subjetivos, do conhecimento que atribuímos ao público a que
nos dirigimos) ou em alguma nova peça do quebra-cabeça histórico que
identificamos e ao qual queremos chamar a atenção.r" Nessa perspectiva,

Defence of History", op. cit, p. 118j H.J. Kaye, TheBritish Marxist Historians, op. cit.,
pp. 232-41j E. P. Thompson, TheMaking of the English Working Class, op. cit., pp. 9-11j
id., ThePoverty ofTheory, op. cit., pp. 85, 298-99. Quando a classe se torna um fenômeno
econômico, social, político, psicológico e cultural (E. D. Genovese, ln Red and Black,
op. cit" 1972, pp. 323-24), há o perigo de esse conceito "se transformar em sinônimo da
própria estrutura social, eventualmente se mascarando de uma de suas partes principais"
(F. Parkin, Marxism and Class Theory, op. cit., p. 8).
161 G. McLennan, "The Historical Materialism Debate". Radical Philosophy, n. 50, 1980,
pp. 39-40j id., Marxism,Pluralism and Beyond. Cambridge, 1989, pp. 70-77.
162 L. Johnston, Marxism, Class Analysis and Socialist Pluralismo Londres, 1986, pp. 8, 50,
66-67, 69, 80-81, 122. Uma vez que "reducionísmo" é uma expressão depreciativa que
ninguém aplica a si próprio, isso Significa, na verdade, todas as formas de marxismo.
Afinal, mesmo Stálin, em seu Materialismo dialético e histórico, enfatizava a influência
"recíproca" da superestrutura social sobre a base econômica e argumentava que, longe
de negar o papel do Estado e da ideologia na história, o marxismo "enfatiza o papel
importante e a relevância desses fatores na vida da sociedade" a. Stálin, Dialectical and
Historical Materialism, op. cito, pp. 26-97).
163 J. S. Mill, A System of Logic. Londres, 1970, pp. 214-17; J. Hospers, An lntroduction to
Philosophical Analysis. Londres, 1973, pp. 292-96j A. Ryan, J. S. Mil/. Londres, 1974, pp.
74-79j J. Skorupski, John Stuart Mil/. Londres, 1989, pp. 175-57j A. Ryan, ThePhilosophy
ofJohn StuartMil/. Londres, 1987, pp. 41-50; H. L. A. Hart e T. Honoré, Causation in the
Law. Oxford, 1985, pp. XXXIII, 15-22, 28, 33-37; G. Ryle, The Conceptof Mind. Londres,
1963, pp. 50, 88-9, 113-14; W. G. Runciman, A Treatise on Social Theory, op. cit., p. 193;
S. Gorovitz, "Causaljudgernents and Causal Explanations". Journal ofPhilosophy, n. 62,
1965, pp. 701-02j P. Veyne, Writing History. Manchester, 1984, pp. 91-92, 101; F. Dretske,
"Contrastive Staternents". Philosophical Review, n. 81, 1972j P. Gardiner, TheNature of

510 HISTORIOGRAFIA MARXISTA


não é apenas a afirmação marxista da primazia do aspecto econômico que
está condenada, mas qualquer tentativa de atribuir, na explicação histórica,
primazia objetiva. Em outras palavras, seja qual for a nossa teoria explícita,
não podemos evitar, na prática, o pluralismo. É exatamente isso que permite
que a peça do quebra-cabeça descoberta pela historiografia marxista seja tão
facilmente incorporada à história ortodoxa. Como sugere a alta qualidade
da produção histórica marxista, os marxistas evitaram facilmente a Cila do
reducionismo, sobre a qual seus críticos a veem fundada. No entanto, esse
perigo só pode ser evitado ao preço de ser dragado pelo Caríbdis do plura-
lismo. Argumentei aqui que não existe maneira pela qual o marxismo possa
navegar, de forma bem-sucedida, entre esses dois destinos.

Publi cado orig inalmente como "Marxist Histori ography", in Michael Bentley (org) ,
Compa nion to Historiography. Londr eslN ova York: Routled ge, 1997, pp. 889-915.
Tradução de Joaquim Toledo Jr.

HistoricalExplanation. Oxford, 1961,pp . 10-U, 99-U2j W . Dray, Laws and Explanations


in History. Oxford, 1957, pp . 98-101j H . Putnam, Meaning and ihe Moral Sciences, op.
cit., pp. 41-44; id., Philosophical Papers, v. 3. Cambridge, 1983, pp. 2U-15j A. Garfinkel,
Forms ofExplanation. N ew Haven CCT), 1981, pp . 3-5, 21-34, 138-45, 156-74j P. Anderson
et al., Philosophy and the Human Sciences. Beckenham, 1986, p. 171j M. Brodbeck, "Ex-
planation, Prediction and 'Imperfect Knowledge' ", in H. Fe igl e G. Maxwell (orgs.),
Minnesota Siudies in the Philosophy of Science, v. 3. Minneapolis, 1962, p. 239j F. L. Will,
InductionandJustification. Londres, 1974, pp . 24, 273-75j R. F. Atkínson, Knowledge and
Explanation in History. Londres, 1989, pp. 159-64 j A. Heller, A Theory of History. Lon-
dres , 1982, pp. 159-60; C. B. McCullagh, Justifying Historical Descriptions. Cambridge,
1984, pp . 208-uj K Popper, ThePovertyofHistoricism. Londres, 1969, p.151j M. Scriven,
"Causes, Connections and Conditions in Hi story", in W . H . Dray (org.), Philosophical
Analysis and History. Nova York, 1966, pp. 254-58;S. H. Rigby, Engels and theFormation
ofMa rxism, op. cit., pp . 177-82j id., English Societyin theLaterMiddleAges: Class,Status
and Gender, op . cít., pp. 141-43j id., "H isto rical Causation: Is One Thing More Impor-
tant than Another?". History, n. 80, 1995.

RIGBY 511
Em 1972, o professor Hexter publicou um amplo e bem divulgado artigo in-
titulado "Fernand Braudel and the Monde Braudellien .. .'~ em que analisava
O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II (1949), do mes-
tre dos Annales, desde a concepção tripartite do tempo -longa, média e curta
duração - que o próprio Braudel havia definido: Incluído depois no livro On
Historians, o artigo - a que não faltava espírito critico - foi considerado por
Braudel, em carta a Hexter, como o estudo que melhor entendera a sua figura.'
Nas exposições habituais sobre o que "longa duração" significava para
Braudel, os autores costumam se concentrar nas estruturas geo-históricas,

Agradeço pelas observações e sugestões dos professores José Andrés-Gallego, Luis de


Llera, Charles-Olivier Carbonell, Bronislaw Geremek,Jõrn Rüsen e a todos os partici-
pantes do curso, em especial aD.Jesús Carrasco. Este trabalho não teria sido realizado
sem o apoio do dr. Fernando de Meer e de Pia d'Ors Lois.
::. CE]. H. Hexter, "Femand Braudel and theMonde Braudellien...".[ournalofModem His-
tory [doravante JMH], n. 44, 1972, pp. 480-539. Incluído em On Historians: Reappraisals
of Someof the Makers ofModem History. Cambridge: Harvard University Press, 1979i a
menção à carta de Braudel está na página 10. [N. o.: Ver texto de Braudel no volume 1
desta antologia.]

GORTÁZAR 513
demográficas e econômicas. Contudo) o próprio Braudel, em uma de suas
mais importantes peças teóricas (o artigo sobre longa duração) publicado
em 1958 nos Annales], lembrava que também era possível perceber o tempo
longo no que denominava "o imenso campo do cultural": a prolongação da
civilização latina do Baixo Império até os séculos XIII e XIV) estudada por
Curtius: a "ferramenta mental" dos europeus) tal como a demonstra Fébvre
em seu Rabelais, a permanência de um espaço pictórico "geométrico" do
Renascimento até o início do nosso século [século xx], destacada por Fran-
castel, Estes são alguns exemplos desse longo tempo "cultural" que o próprio
Braudel assinala no artigo citado.'
Nestas páginas gostaria de sublinhar como) a meu ver) essa forma de his-
toriar denominada "histoire nouvelle" é um fenômeno cultural em que, além
de conjunturas e acontecimentos) de tempos médios e tempos curtos) pode-
-se observar a conformação e a longa vida de uma estrutura de tipo intelec-
tual. Prefiro usar este termo) "estrutura', ou a expressão "fenômeno de longa
duração") tão inusitados nos estudos de história da historiografia) porque a
conceitualização dominante hoje - baseada no conceito de paradigma - não
me parece aplicável às ciências humanas e sociais) ao menos no sentido que
Kuhn deu ao termo e às expressões a ele vinculadas (mudança de paradigma,
ciência normal etc.), Com Hollinger, Veit-Brause, entre outros/ acredito

] Fernand Braudel, "Histoire et sciences sociales. La Longue Durée", inAnnales: Économies;


Sociétés, Civilisations [doravante AE5C], n. I], 1958, pp. 725-53; id., La Historiay las Ciencias
Sociales, trad.]osefina Gómez Mendoza. Madri: Alianza, 1968, pp. 60-106. [N. o.: O famo-
so artigo de Braudel foi recolhido em Ecritssur l'histoire. Paris: Flammarion, 1969.]
4 Cf. D. A. Hollinger, "T. S. Kuhn's 'lheory of Science and its lmplications for History",
American HistoricalReview [doravante AHR], n. 78, 1973, pp. 370-93; L Veit- Brause, "Pa-
radigms, Schools, Traditions. Conceptualizing Shifts and Changes in the History of
Historiography". Storia della Storiografia [doravante 55], n. 17, 1990, pp. 50-65; G. G.
Iggers, New Directionsin European Historiography. Middletown: Wesleyan University
Press, 1975. Hollinger cita M. Masterman: "The Nature of a Paradigm", in L Lakatos e
A. Musgrave (orgs.), Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge: Cambridge
University Press, 1970, pp. 58-59 [ed. bras.: A críticae o desenvolvimento do conhecimen-
to, trad. Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1974]. Masterman encontra 21
significados distintos para o termo. O próprio Kuhn, na segunda edição de sua obra,
distingue dois sentidos do termo "paradigma": 1) a "matriz disciplinar" consiste "na
constelação completa de crenças, valores, técnicas etc.", compartilhados por uma co-

514 A "NOVA I-'!STÓRIA" UMA ESTRUTURA DE LONGA DURAÇÃO


que a aplicação da filosofia da ciência de Kuhn à história, proposta pela pri-
meira vez por Iggers, é pouco útil. Como é possível - do ponto de vista da
teoria de Kuhn - entender que durante dezenas de anos tenham coexis-
tido a "história tradicional" (a qual, por sinal, ninguém explica em que con-
siste), a historiografia moderna e a "pós-m oderna"? Essa situação ocorreu
depois de uma mudança de paradigma no campo da física? Concepções de
mundo, tradições intelectuais, escolas de pensamento, gerações, são alguns
dos instrumentos que seria preciso empregar para chegar a uma teoria das
mudanças historiográficas, que levasse em conta, ao mesmo tempo, a coe-
xistência, durante longos períodos de tempo, de diferentes tipos de história}
ou mesmo confrontados entre si, que estivesse mais conforme com a natu-
reza específica do modo e do progresso do conhecer próprio das ciências
humanas e sociais.
Antes de continuar, e para evitar interpretações equivocadas, preciso fa-
zer uma advertência: este não é um ensaio de história da historiografia con-
temporânea. Para a compreensão da mudança historiográfica é preciso con-
siderar dois fatores básicos sobre os quais não vou falar (o contexto histórico
e a prática historiográfica), mesmo sendo dois dos três apoios do tripé (e,
provavelmente, os mais decisivos) sobre o qual se assentam os alicerces da
evolução de nossa disciplina. Vou me referir, sobretudo, à terceira de ssas
pautas - a influência, maior ou menor, reconhecida ou não, direta ou me-
diada, de diversas formas do pensamento filosófico sobre os historiadores
e, em particular, sobre os criadores de novas escolas historiográficas, novas
formas de entender nosso ofício, seu objeto, método e técnicas.

II

Antes de mais nada, é necessário estabelecer o que é a "nova história". A per-


gunta não é ociosa porque, ao longo dos séculos, e particularmente no no sso,
essa expressão ou outras sin ônirnas têm sido empregadas em diferentes

munidade, inclu in do 2) os exempiars, as puzzle- solutions concretas que) empregadas


com o m odel os ou exempl os, po dem substituir regras explícitas com o base p ara a solu-
ção dos puzzles resta ntes da "ciência nor mal".

GORTk ZAR 515


momentos e contextos. Os historiadores renascentistas já se consideravam
"novaiores" em relação aos velhos cronistas medievais. Nos últimos anos do
século XVI, um grupo de intelectuais franceses, em particular da Popelini êre,
propôs a "ideia de uma história perfeita", em completa contradição com o
modo de fazer história desde Heródoto até então . No século XVIII, a mesma
sensação consciente de romper com a forma "tradicional" de fazer história é
expressa por Muratori, Voltaire, Gibbon, Hume, Juan Pablo Jones, entre tan-
tos outros. Quase simultaneamente, Schlõzer, seus colegas e discípulos em
Gõttingen apresentavam conscientemente as bases do que viria a ser, com
Niebuhr, Ranke e sua escola, a primeira formulação de uma história científica.
Desde o final do século XIX e início do xx, encontramos propostas
a favor de uma nova história, das mais diversas procedências. O alemão
Karl Lamprecht, por exemplo, em sua acirrada polêmica (a "Methodens-
treit" por excelência) em face do tipo de história desenvolvido por Ranke
e seus discípulos, empregava habitualmente (como mostrou Weintraub)
o adjetivo "novas" para descrever suas ideias. Um de seus ensaios mais
polêmicos, publicado em 1896, intitula-se Alte und neue Richtungen in der
Geschichtssenschaft. Precisamente uma resenha da História da Alemanha
de Lamprecht na American Historical Review intitulava-se "Peatures of the
New History'" Nos Estados Unidos, porém, o termo só seria empregado
como uma etiqueta para denominar um movimento historiográfico espe-
cífico, quando, em 1912, James Harvey Robinson publicou um livro com

5 Cf. K Weintraub, Visions of Culture: Guizotj Burckhardi,Lamprecht, Huizinga, Ortega


y Gasset. Chicago: University of Chicago Press, 1966 , p. 163. A obra mais recente sobre
Lamprecht é a de L. Schom-Schutte, KarlLamprecht. Kulturgeschichtschreibung zwischen
Wissenschaft undPolitik. Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1986. Como bem mostra
G. Iggers, em The German Conception of History: The National Tradition of Historical
Thoughtfrom Herder to the Present, 2~ ed. Middletown: Harper & Row, 1983, p. 129, a
obra de J. Burckhardt, distante tanto de Ranke como de Hegel , influiu muito sobre as
primeiras opções de Lamprecht.
6 E. W. Dow, "Peatures ofthe New H istory: Apropos ofLamprecht's 'Deutsche Geschich-
te", AHR, n. 3, 1887-98. Pouco depois, em dezembro de 1900, Edward Eggleston intitulou
seu presidential address, dirigido aos membros da Arnerican Historical Association, The
New History, ver E. Breisach, "Two New Histories: An Exploratory Cornparison", in
B. P. Dauenhauer (org.), At the Nexus of Philosophy and History, Athens: University of
Georgia Press, 1987, p. 138.

516 A - NOVA HISTORII>-, U MA ESTR UTUR A DE LON GI> DU RAÇÃO


esse título? Meio século depois, de novo nos Estados Unidos, foram sur-
gindo escolas já tão conhecidas por nós - e tão originalmente designadas
como New EconomicHistory, New Politicai History, New Social History etc.
Na França, o filósofo Henri Berr, um dos mestres da Escola dos Annales, nos
últimos anos do século XIX e primeiros do xx, empregaria profusamente a ex-
pressão. Em uma de suas primeiras publicações, um breve artigo publicado em
1890 na La Nouvelle Revue falava da necessidade de "unenouvelle histoire", "une
nouvelle science de l'histoire", cujas características comentaremos mais adiante.
Uma vez que essa "nova história" foi materializada na tarefa da "síntese histórica',
para a qual Berr fundaria uma revista em 1900, isso permite constatar até que
ponto a necessidade de uma "nova história" e o emprego da mesma termino-
logia estavam fundidos entre os historiadores franceses do início do' século xx.
Em 1904, a Revue deSynthese Historique bancou uma de suas "enquétes", dedicada
ao ensino superior da história, cujos resultados foram resumidos por Síegel,"
Segundo esse historiador norte-americano, "alguns dos catedráticos de
história escreveram com grande entusiasmo sobre o aparecimento de uma
'nova história' nas universidades francesas. Para a grande maioria, tudo que
era novo no estudo histórico poderia ser subsumido na 'história econômica
e social. Um professor de Caen considerava que já chegara o momento de
uma nova 'história integral'. Outros limitavam-se a explicar que os cursos de
história deveriam ser profundamente renovados para que pudessem expres-
sar uma concepção mais 'total' do passado'l?

7 J. H. Robinson, TheNew History: Essays lllustratingtheModem Historical Outlook. Nova


York: The Macmillan Company, 1912; D. Gross, "The New History: ANote ofReapprai-
sal". Historyand 'Iheory [doravante HT], n.13, 1974,pp. 53-58. M. Kraus e D. D.]oyce, em
'IheWritingofAmericanHistory. Nonnan: University of Oklahoma Press, 1985, chamam
a atenção para a influência das ideias de Lamprecht sobre Robinson (p. 150) e ressaltam
que as diversas newhistories nascidas nos Estados Unidos nos anos 1950estavam ligadas,
de várias maneiras, à New History de Robinson (p. 388).
8 M. Siegel, "Henri Berr 's Revue de Synthêse Historiou e", HT, n. 9, 1970, pp. 322-34 e, em
particular, pp. 322-23. Siegel publicou também, em 1983, um magnífico ensaio sobre o
tema em Au Berceau desAnnales, que citaremos mais adiante. B. Arcangeli eM. Platania
são autoras de importante antologia comentada sobre a revista de Berr: Metodo storico
escienzesociali: La Revue de Synthêse Historique (1900-1930). Roma: Bulzoní .a çêi .
9 Cf. M. Siegel, "H enri Berr 's...", op. cit., pp. 329-31. No br eve ensaio sobre "La Nouvelle
H istoire" (na enciclopédia La NouvelleHistoire. Paris: Retz, 1978 [ed. bras. : A história

GORTÁZAR 517
Não é de estranhar, portanto, que a expressão ainda se empregue, atual-
mente, num sentido bem amplo, para se referir a qualquer aproximação,
pretensa ou verdadeiramente "nova", da investigação histórica. É o caso,
por exemplo, do polêmico livro de Gertrude Himmelfarb, The New History
and the Old. Não é de estranhar que muitos autores tenham feito mala-
1O

barismos para distinguir, dentro da "nova história", tipos de investigação


sensivelmente diferentes entre si. Assim, Femand Braudel, num colóquio
celebrado em sua homenagem, um mês antes de seu falecimento em no-
vembro de 1985, atribuindo à sua obra o termo tantas vezes citado} deno-
minava - não sem ironia - de "nouvelle nouvelle histoire" a história praticada
por Le Roy Ladurie e outros 'd iscípulos seus. Na mesma linha, uma "old
historian", como a citada Himmelfarb, começava um artigo sobre a "N ew
History" com o seguinte comentário: "Quando esse tema me foi proposto,
pensava que sabia o que significava a 'nova história'. Agora, não estou tão
segura. As variedades da nova história proliferaram tão rapidamente [ ... ] e
nossa disciplina, em seu conjunto, foi tão além da velha 'nova história' que é
difícil reprimir a tentação de falar da 'nova nova história"'.]á em 1979} Law-
rence Stone, em artigo muitas vezes citado, falava de uma New Old History
para referir-se aos primeiros exemplos da hoje denominada historiografia
pós-modema. Ainda julgo que as expressões reduplicativas de Braudel e
Himmelfarb são mais adequadas,"

nova, trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1990 ], dirigida pelo próprio
Le Goff,J. Revel e R. Chartier),]acques Le Goff afirma que existe urna "hisioirenouvelle"
e que um de seus pioneiros, Henri BeIT, já empregava o termo em 1930 (o grifo é meu).
Faz isso no torno 50, p. 19, da Revuede Synthêse Historique, para referir-se ao movimento
da N ew History, iniciado em 1912, nos Estados Unidos, e, em particular, para falar de
H. E. Bames, que, em 1919, publicara Psyehology and History (Nova York: The Century
Company) e apresentara novamente o movimento em sua obra TheNew Historyand the
Social Sciences (Nova York: The Century Cornpany), publicada em 1925.
10 Cf. G. Himmelfarb, TheNew Historyand the Old. Cambridge: Belknap Press (H arvard
University Press}, 1987.
11 UneLeçon d'hisioire deFernand Braudel: Ch âteauvallon, Journées Fernand Braudel, 18, 19
et 20 oetobre 1985. Paris: Arthaud/Flammarion, 1986, pp. 221-22 [ed, bras.: Uma lição de
história de Fernand Braudel, trad. Lucy Magalhães. Rio de]aneiro: Zahar, 1989] (corno
é sabido, essa observação de Braudel não se resume a um mero sarcasmo ocasional:
nest a mesma obra, p. 162, Braudel afirma que entre ele e seus "discípulos", seus suces-

518 A " N OVA H ISTÓRIA", U MA EST RUTU RA DE LON GA DU RAÇÃO


Nos anos I970} alguns dos historiadores da terceira geração dos Annales
voltaram a empregar} sistematicamente} o velho termo "nouvelle histoire". Na
apresentação do livro Paire de l'histoire, dirigido por Le Goff e Nora e pu-
blicado em I974} foi cunhada - mais uma vez - a expressão: ''A linguística e
as matemáticas vivas são chamadas modernas. O epíteto é recusado à histó-
ria, já que} tradicionalmente} designa um período e não um tipo de história.
Contudo} existe}paralelamente, uma história nova': Afinal} em que consiste a
novidade? Os citados autores respondem referindo-se a três processos: no-
vosproblemas obrigam a repensar a própria história; novas abordagens mo-
dificam} enriquecem e revolucionam setores tradicionais da hist ória: novos
objetos aparecem} enfim} no campo epistemológico da hist ória,"
Mas quem são os autores de tão cruciais transformações? Em 1978 foi
publicada} sob a direção de Le Goff Chartier e Revel, uma enciclopédia in-
titulada precisamente La Nouvelle Histoire» O próprio Le Goff - já membro'
da direção da revista Annales- encarregou-se de explicar aos leitores} em um
amplo artigo} o desenvolvimento e as características da "nouvelle histoire''"
Como e onde nasceu essa nova forma de historiar? Segundo Le Goff
entre os precursores da nova história estariam: Voltaire} que já definira o
projeto, Chateaubriand, cujos Études historiques, de I83I} contêm um ver-
dadeiro manifesto do que deveria ser a história nova: Guizot e a civilização
como objeto de História: Michelet, profeta da história nova: e} enfim} o
economista e sociólogo François Simiand, aniquilador dos objetos e mé-
todos da história tradicional. Porém - como todos sabemos - foi só com

sares}existe, certamente, uma grande, profunda ruptura; nesse sentido, como escreveu
F. Dosse, Braude! acabou sendo e vendo a si próprio como "um homem solitário": ef.
Dos se, L'Histoire en miettes: Des "Annales" à la "nouvelle histoire". Paris: La D écouverte,
1987 [ed. bras .: A história em migalhas: Dos Anna!es à Nova História, trad. Dulce Olive-
ria Amarante dos Santos, ed. rev. Bauru (sr-). Edusc, 2003]); G. Himmelfarb, "Some
Reflections on the New Hístory". AHR, n. 94, 19891 pp. 661-70; L. Stone, "lhe Revival
ofNarrative: Reflections on a New Old History". Past and Present [doravante pp], n. 85,
1979, pp. 3-24 [nesta antologia, pp. 8-36].
12 J. Le Gofl'.e P. Nora (orgs.), Paire del'histoire. Paris: Gallimard/NRF, 1974, 3 v. [ed, bras.:
História: Novosproblemas, trad. 'Iheo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995].
13 J. Le Goff, J. Revel e R. Chartier (orgs.}, La Nouvelle Histoire, op. cit.
14 J. Le Goff, "La Nouvelle Histoire", in ibid., pp. 210-39 [nesta antologia, V.1, pp. 128-76] .

GORTÁZAR 519
a fundação, em 1929, dos Annales d'Histoire Économique et Sociale, por Lu-
cien Febvre e Marc Bloch, que começa a tradição da nova história. De certa
forma, ela foi "refundada", em 1946 - depois da morte de Marc Bloch -,
com a incorporação de Fernand Braudel ao comitê diretivo dos Annales, o
qual, além de apresentar ao grupo sua " chefd'oeuvre", inspirou - juntamente
com Lucien Febvre (este até 1956) e as principais figuras que seriam mais
tarde chamadas de "terceira geração dos Annales" - a linha da revista, e os
trabalhos da Sexta Seção da EPHE (fundada em 1947 e redenominada EHE5S
em 1975) e da Maison des Sciences de l'Homme, principais meios institu-
cionais que teve à sua disposição.
Em breves parágrafos de seu ensaio, Le Goff parece estranhar algo que
os leitores também devem ter estranhado: "Parece que a nova história é,
essencialmente, uma história francesa': E continua: "e, em grande parte, é
isso o que ocorre". Ele aventa duas hipóteses para explicar o tão estranho
fenômeno: a primeira é que a história desempenhou, na França, desde o sé-
culo XIX, um papel dominante e pioneiro entre as ciências humanas ou so-
ciais; e a segunda, a França é a única das grandes nações modernas com uma
tradição historiográfica antiga, contínua e afastada da esterilizante influência
da filosofia e do direito. No entanto, Le Goff, querendo evitar o erro em que
já havia incorrido, assegura que isso não pode levar a uma concepção "ridi-
culamente nacionalista" da "histoire nouvelle". Não é possível esquecer a con-
tribuição à gênese dessa história de estrangeiros como Pirenne ou Huizinga,
sem falar de Marx, mas, sobretudo, é preciso lembrar que a "histoirenouvelle"
também se faz fora da França, de forma brilhante e pioneira. Em seguida, Le
Goff cita uma série de revistas e historiadores os quais nem sempre foram
"aprendizes" dos franceses.
Acabamos de ver como, para Le Goff, Marx desempenha um papel im-
portante na gênese da "nouvelle histoire". Mas que relações a historiografia
marxista mantém com a história nova? Le Goff observa semelhanças em
pontos essenciais - a periodização marxista não passa de uma teoria da
longa duração, há concordância quanto à importância das estruturas da his-
tória - e uma diferença fundamental no que se refere a historiadores marxis-
tas que postulam um tosco primado do econômico na explicação histórica e
que creem em um modelo de história linear, "evolucionista': Em conclusão,
a resposta à questão parece afirmativa: Le Goff afirma que Pierre Vilar pro-
vou, em suas obras, que é possível ser, ao mesmo tempo, discípulo de Marx

520 A "N OVA HI STÓRIA", UMA ESTRUTURA DE LONGA DURAÇÃO


e de Lucien Febvre. Os confrontos já apontados devem levar ao aprofunda-
mento, em seus trabalhos, os "historiadores da história nova, marxistas ou
não marxistas':
Enfim, para Le Goff, entre outros, a "história nova" parece incluir tudo
que não é "tradicional", que não é "século XIX", tudo que permitiu à nossa
disciplina avançar no século xx. Nem sequer os britânicos, sempre tão
tradicionais, resistiram à tentação de falar - mas só em 1977 e dois anos
depois já viam as coisas de outro modo - do aparecimento e do triunfo da
New History»
Não me parece injusto nem exagerado afirmar que, assim definida, a ex-
pressão "nouvelle histoire" (ou "new history", "nueva historia" etc.), além de
pouco original, favorece a confusão, contém pouco poder explicativo e, em
alguns casos, possui um inconfundível ranço de propaganda. Contudo, subs-
tituir uma expressão internacionalmente tão difundida é inútil; algo como
se quiséssemos deixar de falar "Novo Mundo" para nos referirmos à Amé-
rica, por mais que saibamos que ele é tão antigo quanto o Velho. Com base
no princípio de que é preciso diferenciar correntes ou escolas - todas elas
"novas" na historiografia contemporânea -, mas que - e é esse o principal
argumento do meu ensaio - a "nouvelle histoire" constitui um fenômeno
cultural de longa duração, marcado por toda uma série de traços comuns
a tais correntes ou escolas, utilizarei - como tenho feito há anos - a expres-
são à qual estamos dando tantas voltas empregando-a no plural: "as novas
hístórías'." Não é uma estratégia linguística brilhante, eu sei, mas é algo me-
nos confuso do que a usual.

IS Cf. L. Stone, "H istory and the Social Sciences in the Twentieth Century", em C. Delzell
(org.), 'Ihe Future ofHistory: Essays in the VanderbiltUniversity Centennial Symposium.
Nashville: Vanderbilt University Press, 1977, p. 20, incluído em Stone, ThePastand the
Present Revisiied, Londres/Nova York: Routledge & Kegan Paul, 1987, pp. 3-44. Stone
cita os números extraordinários do Time Literary Supplement, 7-IV, 28-VIl e 8-IX, de
1966, sobre os New Ways in History como o ponto de ruptura da New History no seu
país (cf p.lS).
16 I. Olábarri, "La recepción en Espana de la 'revolución historiográfica' dei siglo xx", in V.
Vásquez de Pra da, I. Olábarri e A Floristán Imízcoz (orgs.), La historiografía enOcciden-
te desde 1945. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1985, pp. 87-109.

GORTÁZAR 521
I II

As principais "n ovas histórias" que produziram uma verdadeira revolução


na prática historiográfica no último meio século são, a meu ver, as seguin-
tes: a Escola dos Annales e a historiografia marxista (em particular a fran-
cesa, a britânica e a polonesa), a que já nos referimos; a "social scientific
history" norte-americana: e, por último, a "Gesellschaftsgeschichte" alemã,
também, com frequência, denominada "Escola de Bielefeld". Como ve-
rão, trata-se das mesmas escolas ou tendências a que se refere o professor
Rüsen ao falar do terceiro impulso racionalizador no processo de moder-
nização do pensamento histórico, com o acréscimo de amplo número de
historiadores norte-americanos que consideram sua tarefa "social scienti-
fie': É necessário dizer também que, não só nos países citados, como em
muitos outros - especialmente os euro-americanos - , foram e são produ-
zidos apartes relevantes à ciência histórica, tão interessantes, ou mais, que
os anteriores, mas menos conhecidos, seja pelo menor tamanho do grupo
em questão, seja pela ausência de estratégia adequada à obtenção de po-
der acadêmico ou favor dos meios de comunicação.'?Reduzir, por exemplo,
a "histoire nouvelle", na França, aos homens dos Annales - no passado ou
no presente - é algo totalmente contrário à realidade. O mito dos Annales
deve ser rapidamente "desinflado', especialmente fora da França. É em paí-
ses como o nosso - e não na França - que muitos ainda identificam Anna-
les com inovação, com cientificidade, com o presente e o futuro da história.
Estes caem, consciente ou inconscientemente, nas redes propagandísticas
de Le Goff et alii.

IV

Embora a revolução da prática historiográfica, provocada pelo fazer das


"novas histórias" aconteça a partir de 1945 (no caso da Alemanha, só nos

17 Sobre essas estratégias, estudadas num caso de espetacular triunfo como é o da Escola
dos A nnales, ver H. Coutau-Bégarie, Le Ph énom êne "NouvelleH istoire": strat égie et idéo-
logie des nouveaux historiens. Paris: Economica, 1983J e a bibliografia citada por ele.

522 A "N OVA HISTÓRIA", UMA ESTRUTURA DE LONGA DURACÀO


anos 1960), todas elas têm precedentes diretos mais antigos, que, por sua
vez, derivam de postulados teóricos formulados ainda mais cedo. Desse
ponto de vista - e é um ponto de vista que me interessa ressaltar -} a "nova
forma" de entender a história remonta ao primeiro terço do século XIX e
ainda hoje - apesar da influência do pensamento pós-moderno - mantém
sua fecundidade. É nesse sentido que falo da longa duração dessa "estru-
tura intelectual':
Contudo, como é natural, as afirmações anteriores nada valem se não
podem ser comprovadas. Por razões de espaço} terei de abreviar esse pro-
cesso de demonstração, que já tinha desenvolvido extensamente no caso
da Escola dos Annales, devido ao caráter implícito e eclético de seus postu-
lados filosóficos (que existem, embora Febvre, Bloch e Braudel os neguem:
nesse caso, é preciso procurar explicar os aspectos de sua atividade e ín-
dole intelectuais que ficam na sombra; como se pode ver, temos mais um
exemplo a favor dos pontos de vista enunciados pelo professor Rüsen em
um dos atuais debates sobre o desconstrucionismo). Essa teoria da história
implícita e nem sempre coerente exige maiores explicações que as necessá-
rias para entender as bases de outras "novas histórias". Quanto a isso, não
poderei alongar-me tanto quanto gostaria. Oxalá o próximo colóquio seja
uma boa ocasião para fazê-lo.
No extremo oposto - no que se refere à complexidade da análise -
está a historiografia marxista. Seus postulados teóricos, por definição,
são formulados por Marx entre os anos 1830 e 1880. Alguns escritos de
Marx são considerados por alguns autores propriamente historiográfi-
cos; na virada do século, suas ideias influenciaram os trabalhos de per-
sonalidades tão distintas como Karl Lamprecht eJeanJaurés; depois da
Revolução de Outubro} o marxismo-Ieninismo tornou-se can ónico para
os historiadores soviéticos e o ofício de historiador foi estreitamente
controlado pelo Partido; a partir dos anos 1930 e à margem da abun-
dante história feita para a maior glória do comunismo, diversos neomar-
xismos floresceram na França, Grã-Bretanha, Itália e, praticamente} em
todos os países euro-americanos. Há anos (num artigo já clássico, de
ampla repercussão), Hobsbawm definiu o mínimo denominador co-
mum da historiografia marxista: primeiro, a base analítica de qualquer
investigação histórica deve ser o processo da produção social; segundo,
a investigação sobre os modos de produção exige o isolamento do sis-

GORTÁZAR 523
tema dominante de relações dentro da sociedade - um sistema hierár-
quico, conflitivo e em perpétua mudança."
A "social scientific history", anglo-saxã e, em particular, norte-americana,
tem um precedente claro no programa enunciado por James Harvey Ro-
binson, no citado livro The New History, que, aliás, não se restringiu a um
simples programa. Até a Segunda Guerra Mundial, os "progressive histo-
rians", estudados, entre outros, por Hofstadter (homens como Beard, Tur-
ner, Becker, Parríngton), ocuparam importante lugar na historiografia dos
Estados Unidos." Novamente, desde os anos 1950, o neopos ítívismo, o
funcionalismo e o behaviorismo influenciaram um número crescente de
acadêmicos que se consideravam - e se consideram - "social-scieniiiic his-
torians". A autodefinição consciente de boa parte dos historiadores norte-
-americanos como "cientistas sociais", e sua decorrente separação dos que
continuam considerando-se "hum anistas", não se atenuou desde aquela
época, muito pelo contrário. No final da década de 1960, George H. Nadel,
diretor da revista History and Theory, escrevia, ao anunciar um próximo
colóquio sobre "História e Ciência Social": "a abertura de novas linhas,
o desenvolvimento de novas técnicas de investigação histórica (muitas
delas oriundas das ciências sociais) chegaram tão longe que é legítimo
questionar se a noção de 'história' como uma disciplina ainda tem algum
sentido, tal a variedade dos significados a ela atribuídos". Na mesma época,
quando o governo dos Estados Unidos iniciou uma pesquisa sobre o Es-
tado, as necessidades e perspectivas de futuro das diferentes disciplinas
científicas, as diferenças entre os historiadores "hum ani stas" e aqueles
que se consideravam "cientistas sociais" eram tão agudas que não foi pos-
sível apresentar um único relatório; David Landes e Charles Tilly dirigi-
ram o relatório encomendado pelo Behavorial and Social Sciences Survey
Cornmittee, publicado em 1971, em cujas primeiras páginas indicavam o

18 E. J. Hobsbawm, "Frorn Social History to the History of Society". Daedalus, n. I, v. 100,


1971, pp. 20-45·
19 R. Hofstadter, Los historiadores progresistas: Turner, Beard, Parrington [1968J, trad.
Eduardo J. Prieto. Buenos Aires: Paidós, 1970j C. Crowe, "lhe Emergence of Progres-
sive Hístory", Journal of the History of Ideas [doravante JHIJ, n. 27, jan.-mar. 1966; M.
Kraus e D. D.Joyce, 'IheWriting... , op . cít., pp . 239-71.

524 A " NOVA H ISTÓRIA", U M A EST RUT URA DE LONGA DU RAÇÃO


seu propósito: "Procuramos mostrar o estado daquela parte da história
que é, ou quereria ser, uma ciência social [ ... ]': História como ciência
social que foi definida, páginas depois, pelas seguintes características: 1) a
abordagem científico-social é orien tada para a solução de problemas. As-
sume que existem uniformidades na conduta humana que transcend em o
tempo e o espaço e que o historiador, como cien tista social, escolhe seus
problemas para descob rir, verificar ou ilumin ar tais uniformidades. O oh-
jetivo é exp or enunciados gerais de conteúdo uficientemen te específico
para permitir a anal ogia e a previsão; 2) diferenteme nte do historiador
humanista, o cientista soc ial define seus termos, estabelece suas hipóteses,
classifica seus postulados [ ... ] e estipula os critérios de prova. Se possível,
formula suas hipóteses em forma de um modelo explicativo, de preferên-
cia em linguagem matemática e construído de tal forma que os critérios
de prova possam ser mensuráveis; 3) a quantificação é absolutamente ne-
cessária, sempre que possível; 4) ao contrário do historiador "humanista",
o historiador "cientista social" não se interessa pelo estilo, pela história
como literatura."
Por último, apesar de o historicismo hermenêutico - fundador da his-
tória entendida como ciência - ter dominado, de forma quase absoluta, o
mundo germânico até os anos 1960, os fundadores da "Gesellschaftsges-
chichte" (a chamada "Escola de Bielefeld") puderam encontrar, na tradição
intelectual alemã, a base para seu projeto: em alguns dos pontos de vista de
Lamprecht e Breysig, derrotados na "Methodenstreit" dos últimos anos do
século XIX; ou no que se refere a historiadores que trabalharam durante a
República de Weimar, como Eckart Kehr, que morreu cedo, e, acima de tudo,
à obra de Marx e daqueles que, como Otto Hintze e Max Weber, deram, no
primeiro terço do século xx, passos importantíssimos para, com base na tra-
dição hermenêutica, dar conta dos fenômenos coletivos.

20 G. H. Nagel, citado por C. Vann Woodward, "H istory and the Third Culture". [oumal
of ContemporaryHistory [doravante leR], n. 2, V.3, abr o196 8, p. 24 ; D. Lande s e C. Tilly
(o rgs.), History asSocial Sciencc. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1971, pp. $- 21.

GORTÃZA R 525
v

Do mesmo modo que um erro, de tão repetido, pode considerar-se já "clás-


sico", é conceituar Leopold von Ranke como um historiador "sem ideias";
igualmente} é quase tão "clássico" o equívoco (alimentado pelos seus pró-
prios protagonistas) de pensar que os fundadores dos Annales, opostos a
todo intento da filosofia da história, nada deviam ao pensamento especula-
tivo anterior ou coevo, equívoco favorecido pelo fato de que Febvre e Bloch
não se remetem claramente a um ou vários pensadores muito conhecidos,
citando-os como seus mestres, ao mesmo tempo que mantêm um diálogo
contínuo com diversos especialistas em outras ciências humanas e sociais:
sociólogos como Durkeim, Halbwachs ou Mauss, psicólogos como Blon-
deI, antropólogos como Lévy-Bruhl, geógrafos como Vidalla Blache e seus
discípulos, economistas como Simiand ou partidários da síntese histórica
como Berr. O que em geral se esquece - e trata-se de um esquecimento que
impede a compreensão - é que todos os intelectuais citados - e tantos ou-
tros que os fundadores dos Annales raras vezes citam como influência - ba-
searam suas obras em princípios filosóficos muito precisos, mais ou menos
generalizados em sua época.
Como para Mastrogregori," parecetamb ém a mim evidente que, ao fun-
dar, em 1929} os ARES} Lucien Febvre e Marc Bloch eram portadores de uma
verdadeira teoria da história, enriquecida ao longo de toda a sua vida . Se-
guramente} não se tratava de uma teoria sistemática ou sistematizada: em
parte - se se der crédito aos mais autorizados conhecedores de seus pensa-
mentos - por sua aversão (devida tanto a razões intelectuais como nacio-
nalistas) à filosofia da história alemã. Outra razão, certamente, deve-se ao
fato de que a teoria foi construída mais por meio de leituras de obras das
ciências sociais do que de obras propriamente filosóficas (ainda há muitos
pontos obscuros em relação a esse assunto). Em todo caso, o resultado é
uma teoria da história mais implícita que explícita, com certo grau de ecle-
tismo e - como manifestaram Cedronio, Burguiere e Mastrogregori, nos

21 M. Mastrogregori, II genio dello storieo : Le considerazioni sulla storia di Mare Bloeh


e Lucien Febvre e la tradizione metodologica franeese. Nápoles: Edizioni Scientifiche
Italiane, 1987, pp. 24-28 [nesta antologia, v. 1, pp. 408-32 ].

526 A " NOVA HISTÓRIA", UMA ESTRUTURA DE LONGA DURACÃO


últimos anos " - não consensual entre os dois fundadores da revista. Tudo
isso explica a razão pela qual o "terceiro homem" dos Annales, Femand Brau-
del, constituísse - com o mesmo método - seu próprio caminho e que as
gerações seguintes só pudessem falar de um "espírito dos Annales", o que
esconde profundas diferenças] não só políticas e ideológicas como teóricas
e metodológicas. A meu ver}são dois os postulados da teoria annaliste. Deles}
deriva o conjunto do sistema - um sistema} insisto} não racionalizado for-
malmente por eles próprios e no qual não faltam fissuras, primeiro} a consti-
tuição do objeto de investigação pelo historiador: segundo} a necessidade de
elaborar uma história global.
Contrariamente à convicção da historiografia "tradicional"} não have-
ria uma realidade histórica} naturalmente oferecida ao historiador. Como
todo cientista} o historiador também deve fazer sua "escolha"} o que não
significa nem arbitrariedade nem mera "recoleç ão", mas a construção
científica do documento} cuja análise deve permitir a reconstituição e a
explicação do passado. Lucien Febvre - que}nos anos 192o} refletiu muito
sobre as novas orientações da filosofia da ciência" - concluiu} em sua aula
inaugural do College de Prance, em 1933: "O assassinato de Henrique IV
por Cavillac, um fato? [ ... ] Algo dado? Em absoluto} algo criado pelo his-
toriador} muitas vezes. Algo inventado e fabricado} com ajuda de hipó-
teses e conjecturas} por meio de um trabalho delicado e apaixonante'i'"
Convém ressaltar também} nesse ponto} que autores como o alemão

22 M. Cedronio, "Profilo delle 'An n ales' attraverso le pagine delle 'An n ales'", in M. Cedro-
nio , F. Diaz e C. Russo , Storíografiafrancesedi ieri edi oggí. Nápoles: Guida, 1977, pp . 18-
-30; A. Burguíêre: "His tory of mentality in the Annales". Comparatíve Siudiesin Society
and Hístory [doravante CSSH ], n. 24, 1982, pp . 4 24 -37, e "La Notion des 'm en talités' chez
M. Bloch et L. Febvre: Deux conceptíons, deuxfiliations", Revue deSynth êse, n. 104,1983,
pp . 333-4 8; M. Mastrogregori, II genío dello storico, op. cito
23 O próprio Febvre recordaria, em 1952, a Semana de Síntese (organizada por H . Berr)
dedicada, em 1933, a no çõe s de ciência e lei científica, como uma das mai s rica s de ssas
"sema nas" anuais que Berr organizava, com base no Centro Internacional de Síntese, e
ressaltaria que, naquela ocasião, o grande avanço da física modema fizer a verdadeiros
estragos em seus preconceitos (e nos de todos os assist entes) e lhe mostrara a harmonia
fundamental entre os diferentes sab eres humanos. Cf. L. Febvre, Combatspour l'histoíre,
2~ ed. Paris: Armand Colin, 19651pp. 341-42 .
24 L. Febvre, Combatspour I'histoire, op . cit., p. 7.

GORTÁZAR 527
Oexle e a italiana Cedronio descobrem uma "matriz kantiana" no pensa-
mento dos fundadores dos Annales."
Diretamente relacionada com esse postulado está outra série de afirma-
ções frequentes dos fundadores dos Annales, como: a história que é proble-
mática e não "automática" i a exigência de formalização da linguagem histo-
rio~áfica; a necessidade de pesquisas coletivas com base em questionário
minucioso, como peça fundamental do método histórico; e, por fim, a per-
manente relação dialética entre o presente e o passado."
O segundo postulado - como dizíamos - propõe a necessidade de uma
história total} expressa com esse termo pela primeira vez (que eu saiba) em
uma carta de Marc Bloch a Henri Pirenne em 1932.'7 Total, totalitária - como

25 O. G. Oexle, "M arc Bloch et la critique de la raison hístoríque", in H . Atsma e A Bur-


guíêre (orgs.), Mare Bloeh aujourd'hui: Histoire comparée et seiences sociales. Paris: Edi-
tions de I'École des Hautes Études en Sciences Socíales, 1990, pp. 419-33j M. Cedronío,
"Profilo delle 'Annales' attraverso le pagine delle 'Annales'", in M. Cedronío, F. Diaz e C.
Russo , Storiograjia franeese.di ieri e di oggi, op. cit., pp. 18, 64-66.
26 Relaciona-se com este último ponto o profundo interesse dos ARES pelo contemporâ-
neo, pelo imediato, que desaparecerá depois, nOSAESC. Uma última e útil contribuição
a respeito é a de Bertrand Müller, "Problêmes contemporains et 'hommes d'action'
a l' origine des Annales. Une correspondence entre Lucien Febvre et Albert Thomas
(1928-1930)". Vingtieme Siêde, n. 35, jul.-set. 1992, pp. 78-91. A Thomas) antigo condis-
cípulo de Febvre, foi uma figura importante dentro da S.F.I.O. e o primeiro diretor da
Organização Internacional do Trabalho. Febvre se refere a ele em Combats..., op. cit .,
pp. 348-52 (artigo publicado originalmente nos ARES em 1932)j o também historiador
Paul Mantoux, "Albert Thomas historien", na obra coletiva Albert Thomasvivant, un
grandcitoyen du monde: Études,témoignages, souvenirs. Genebra: Atar, 1957, pp. 77-98j e
B. W. Schaper, Albert Thomas, trente ansderéformisme social. Assen: Van Gorcum, 1959,
em particular os capítulos dedicados à sua formação na École Normale Supérieure e à
sua obra histórica.
27 Carta de Bloch, 20 fev. 1932, por motivo da publicação do último tomo de Histoire de
Belgique, de H. Pirenne: "M ais uma vez, o senhor nos dá a melhor lição de método [...].
Não é uma história económica, ou política, ou religiosa, é simplesmente história, histó-
ria total", B. Lyon, HenriPirenne: A Biographieal and Intellectual Study. Gand: E. Story-
-Scíentía, 1974, p. 364. Recentemente, Bryce e Mary Lyon editaram toda a correspon-
dência conservada entre Bloch, Fehvre e Pirenne: B. e M. Lyon, 'Ihe Birth of Annales
History: TheLetters of LucienFebvre and Mare Bloeh to Henri Pirenne (1921-1935). Bruxe-
las: Académie Royale de Belgique, 1991.

528 A " N OVA H ISTÓR IA", UM A ESTR UT UR A DE LON GA DU RAÇÃO


a denominariam Febvre e Bloch na segunda metade dos anos 193018 - , global,
termo preferido por Braudel e empregado a partir de 1958 tanto por influên-
cia do pensamento de Mauss, Meyerson e Gurvitch como por sua discor-
dância em relação à "história total" marxista de Pierre Vilar e por seu receio
de que uma "história total", concebida como "histoire-siruciure", deixasse as
pessoas fora de cena." A expressão muda, mas a ideia é a mesma.
A história "total" ou "global" é, sem dúvida, o achado mais popular e
difundido dos homens da escola francesa, porque nela se vê a manifesta-
ção - que só em parte é fruto do trabalho dos annalistes - da verdadeira ex-
plosão que, na prática historiográfica, marcou o desenvolvimento de nossa
disciplina nos últimos anos: no tempo, no espaço, nos diversos setores que
distinguimos na vida das sociedades humanas, a história anexa novos terri-
tórios a cada dia. Contudo, como é sabido, na intenção de Febvre, Bloch e
Braudel a história global significava muito mais que isso: tratava-se de resti-
tuir a globalidade dos fenômenos humanos, de captar, em um mesmo movi-
mento, a totalidade do social, de atingir o que poderíamos chamar "conjunto
dos conjuntos". Decorre daí que Febvre, em um texto de 1929, se inscreveu
entre "os teóricos da Zusammenhang, ou seja, a interdependência de todos
os tipos de fatos"," a ínter-relação orgânica entre os diversos componentes e
planos de uma sociedade em movimento.
Se o editorial fundador da revista não falava da história total ou global,
toda a sua atenção centrava-se na estratégia que era necessário seguir para
fazê-la possível: trata-se - constava ali - de acabar com o cisma que desde o

28 Ver L. Febvre, "Reflections sur l'histoire des techniques". Annalesd'Histoire Économi-


que et SociaIe [doravante ARES J, n. 7, 1935, pp . 538-545, inclu ído em Pour une histoire a
pari entiêre, Paris: SEVPEN, 1962, pp . 659-64; L. Febvre e M. Bloch, "Sur les routes de
l'entr'aíde ", ARES, 1937,p. 75; cito por L. Allegra e A. T orre, La Ilascitadella storia sociale
in Francia: Dalla Comune alleAnnales. Turim: Einaudi,19 77.
29 T. Stoianovich, French HistoricaI Method: The Annales Paradigm. Ithaca: Cornell Uni-
versity Press, 1976, pp. 108-15, 118-22, 131-32.
30 O texto de Febvre, extraido do artigo "Une Question mal pos ée,les origines de la Refor-
me française et le probl ême de causes de la Reforme". RevueHistorique [doravante RH J,
n. 161, 1929, sendo incluído no seu Au Coeur religieux du XVI' siêcle. Paris: SEVPEN, 1957,
pp. 24-25, continua discutindo "essa interdependência dos fatos de todo tipo em que
insistimos tanto e, não sem razão, nostempos heroicos dascontrovérsias entre historiadores
eSOciólogos (grifo meuj mais adiante ficará mais clara essa alusão "histórica" de Febvre).

GORTÁZA R 529
início do século separa a história dos especialistas em ciências sociais e, em
particular, dos sociólogos; trata-se - ainda que respeitando a "legítima espe-
cialização" - de derrubar os muros entre as diversas disciplinas e instaurar
uma comunidade das ciências humanas e sociais.
Outras ideias reiteradamente expostas por Febvre e Bloch, associadas
ao segundo postulado, são: o combate contra o primado da história poli-
tica, que impede de levar em conta e explicar a totalidade; a ampliação do
campo do documento histórico ao mesmo tempo que a do território do
historiador; mais, a caracterização da história como ciência social, como a
ciência das sociedades humanas no passado; a busca de generalizações, re-
gularidades e, inclusive, "leis', entendidas em termos probabilísticos (assim
como as entendia a filosofia da ciência naqueles anos), que tornariam
possível certo grau de previsão do futuro (um dos capítulos do projeto da
Apologia que Bloch não chegou a escrever); o interesse especial pelo com-
ponente coletivo das realidades humanas, visto que não existe ciência sem
o geral; na mesma linha, a preferência pela longa duração (já patente no
Bloch de Les Rois thaumaturges e de Les Caracteres originaux); finalmente, o
emprego sistemático do método comparado e das séries estatísticas (histó-
ria quantitativa, desde os anos 1960).
Esse programa tão resumidamente exposto seria fruto da genialidade dos
historiadores franceses que casualmente se encontraram, depois da Grande
Guerra, na Universidade de Estrasburgo? Revel e Chartier são taxativos: "o
programa fora traçado, muito antes do nascimento formal dos Annales, pelo
sociólogo François Simiand, em artigo publicado, em 1903, sob o título: 'Me-
thode historique et science sociale'" (que, significativamente, voltaria a ser
publicado nos Annales, em 1960): nele, trata-se de mostrar "a identidade do
objeto (os fatos sociais) e de método que deve permitir alinhar a prática dos
historiadores com a dos sociólogos, economistas ou geógrafos no interior de
uma ciência social unificada no modelo da sociologia': É - concluem Revel
e Chartier - o programa que se encontra nas origens dos Annales, em 1929,
porém proposto por historiadores que colocaram, no centro do dispositivo,
a história no lugar da sociologia, " Essa modificação final do programa - falo

31 J. Revel e R. Ch artier, "Annales", inJ. Le Goff,J. Revel e R. Chartier (orgs.), La Nou-


velle Histoire, op. cit., p. 30. Publicado em 1903 na Revuede SyntheseHistorique, ° artigo

530 A "N OVA HISTÓRIA", UM A EST RUTUR A DE LON GA DURA ÇÃO


eu, agora - não o modificou significativamente (salvo, é claro, do ponto de
vista da capacidade convocatória, dos recursos humanos e econômicos, de
uma ou outra disciplina).
Não se pode esquecer, ainda, que Simiand era discípulo direto de Dur-
kheim, o mestre da sociologia francesa, o qual, segundo Morazé, Febvre
reconhecia como seu próprio mestre." Contudo - como afirma Simon" -
"Durkheim não só instituiu a sociologia como disciplina acadêmica, mas

"clássico" de Simiand foi republicado pelos AESC (n, IS, 1960, pp. 83-119) "para que os jo-
vens historiadores possam medir o caminho percorrido em meio século e compreender
melhor esse diálogo da história com as ciências sociais que continua sendo o objetivo
e a razão de ser de nossa revist a". Nele , Sirniand impugnava a teoria da Zasammenhang
tal como a propunham os historiadores Seignobos e H auser, porque limitavam seus
estudos a ape nas uma so ciedade, e o caso ún ico não é cientificamente explicável; por
outro lado, mostrava-se partid ário de um plano de inve stigação analítica e comparativa.
Sobre a controvérsia, ver M. Reb érioux, "Le Débat de 1903: historiens et soc íologues",
in O. C. Carbonell e G. Livet (orgs.),Au Berceau desAnnales. Toulouse: Presses del'rar,
1983, pp. 219-30 . Para um contexto mais amplo, em que aparecem outras chaves para o
entendimento da form ação do programa do s Annales, ver W. R. Keylor, Academy and
Community: TheFoundation of the French H istorical Profession. Cambridge (MA) : Har-
vard Uni versity Pre ss, 1975; L. Allegra e A. Torre, La nascita dellastoria socialein Francia,
op. cit.; M. Mastrogregori, II geniodello storico, op. cit., pp . 29-124j G. Gemelli, "T ra due
crisi: la formazione del metodo delle scienze storico-sociali nella Francia reppublicana".
Atti della Academia delle Scienze del1'Istituto di Bologna, n. 66, 1977-78, pp. 165-236.
32 C. Morazé, "lhe Appli cation of the Social Sciences to Hi sto ry". JCH, n. 2, v. 3, abr o1968,
p. 208. Para conhecer a obra e o pensamento de Simiand é de grande utilidade aextensa
antologia selecionada e apresentada por M. Cedronio: François Simiand. méthode histo-
riqueet science sociale. Paris: Éditions des Archives Co ntemporaines, 1987 [ed. bras.: Mé-
todo histórico e ciência social, trad.José Leonardo do Nascimento. Bauru: Edusc, 2003].
33 W . M. Simon, European Positivism in the Nineteenth Century: An Essay in Intellectual His-
tory. Ithaca: Comell University Press, 1963, pp . 144-46. A mais ampl a e detalhada, dentre
as biografi as recentes de Durkheim, é a de S. Lukes, ÉmileDurkheim. Su viday su obra:
estudio histórico-crítico [ed. original inglesa, 1974 J, trad. Alberto Cardín Gara y e Isabel
Martínez. Madri: Centro de Investigaciones Sociológicas, 1984 j ver também E. A. Tiyc-
kian, "Ém ile Durkheim", in T. Bottomore e R. Nisbet (orgs.). Historiadeipensamiento
sociológico [1978J, trad. L. Wolfson, L. Espinosa e A. Bignami. Buenos Aires: Arnorror-
tu , 1988, pp. 218-72 [ed. bras.: História da análise sociológica, trad. Waltensir Dutra. Rio
de Janeiro: Zahar, 1980]. Também: R. A. Nisbet, Émile Durkheim. Englewood Cliffs:
Prentice-Hallrc õg.

GORTÁZ A R 531
o fez como descendente direto de Comte" Isso não quer dizer - precisa
Simon - que a influência de Comte fosse a única ou necessariamente a
dominante em Durkheim: a de seu próprio mestre, Émile Boutroux, e a
da trad ição neocrítica da qual derivava - que, por sua vez, tem certas afini-
dades com o positivismo comtiano>' - naturalmente tiveram maior pesoj
mas Durkheim via Comte ao mesmo tempo mais ou menos como funda-
dor da disciplina que ele estava inaugurando oficialmente. Mais porque
Durkheim começou a seguir Comte em questões tais como o sujeito e
o método da disciplina (derivadas, é claro, da classificação comtiana das
ciências) e, inclusive, em assuntos mais concretos, como a visão do social
como algo distinto da natureza econômica da organização do trabalho ou
da natureza da própria sociedade, ponto em que defendia Comte contra
Spencer, menos porque atribuía a Saint-Simon as ideias fundamentais que
constituíram a "ciência da socíología'l" A necessária e sempre difícil rela-

34 Sobre a teoria do conhecimento em Cornte, ver].]. Sanguínetí, Augusto Comte: Curso


defilosofia positiva. Madri: Magisterio Espaãol, 1987. C. Bougle, um dos mais importan-
tes discípulos de Durkheim, considerava, em artigo de 1930, que a filosofia durkheimia-
na não era mais que "kan tismo revisado e completado pelo comtismo", Cf. F. Mügica,
"Análisis filosófico dei concepto de socialización en Durkheim". Revista Espaiiola de Pe-
dagogia, n. 7, v. 158, out.-dez. 1982, p. 137. Durkheimianos de primeira linh a (com muita
influência sobre Pebvre), como Halbwachs ou Lévy-Bruhl, consideravam Comte como
me stre nos anos 1920-30. CE]. H. Cra íg, "H albwachs à Strasbourg", Revue Françaisede
Sociotogie, n. 20, 1979, p. 279.
35 Simon continua: "M as, no pensamento de Durkheím ocorreu alguma mudança: ele pas-
sou a se distanciar cada vez mais de Comte. Começou a repudiar a 'm etafisica po sitiva'
e a se autodefinir como 'racionalista ' mais que 'p ositivista' j sua obra fundamental, As
regras do método sociológico (publicada em 1895), criti cava Comte de forma quase total
(criticava inclusive a aplicação do método histórico à sociologia). Contudo, Durkheim
continuou recomendando Cours de philosophie positive, de Comte, consid erando-o
como a melhor iniciação possível ao estudo da sociologia. Também declarou que os
estudos sociológicos recentes realizados na França sob sua direção ' derivavam díreta-
mente de Comte e insistia, como Comte, cm buscar resultados práticos em seus estudos
acadêmicos'. Um Comte que, como vimos, considerava que o método da sociologia, o
método dos métodos, era o método hist órico: um Comte cujo sistema, como nota San-
guíneti (Augusto Comie, op. cit., pp. 28-29), 'não implica uma consideração analítica das
coisas pois desde seu nascimento manteve uma perspectiva de totalidade que cresceria
poderosamente com o tempo".

532 A " NOVA HI STÓRIA". UM A ESTRUT URA OE LONGA DURAÇÃO


ção entre sociólogos e historiadores, a mesma a que Febvre aludia em 1929,
passou por um de seus momentos-chave no início do século xx, quando
Durkheim começou a desenvolver seu trabalho sociológico em nítida opo-
sição - exposta por Simiand no artigo citado - a historiadores tradicionais,
tendo sua origem no vinculo original entre sociologia e história, forjado
por Comte,"
O artigo de Simiand, como vimos, foi publicado na Revue de Synth êse
Hisiorioue, fundada em 1900 por Henri Berr, .primeiro "chefe" e sempre
aliado de Lucien Febvre e Marc Bloch. Pela proximidade com ambos, es-
pecialmente Febvre (pouco mais velho que Bloch}, convém dedicar alguns
momentos a seu pensamento e obra.
Discípulo - como Durkheim - de Boutroux, Berr dedicou seu primeiro
livro importante a tentar resolver uma das principais preocupações do seu
mestre, a crescente especialização do conhecimento, e os métodos para
combater tal tendência. O principal deles, tal como o exposto em L'Avenir
de laphilosophie: Esquisse d'une synthêse des connaissancesfondées sur l'histoire
(1899) e que, anos depois, pôs em andamento o seu projeto em La Synihêse
en histoire (1912), era precisamente a síntese histórica: uma "nouvelle histoire"
que substituiria as "filosofias metafísicas da história" e que - mais que a
sociologia - teria uma função de liderança entre as ciências sociais. Uma
"doutrina suprema da vida" estava sendo forjada, e o papel da história era,
nem mais nem menos, o de tomar possível essa nova fase sintética do mero
conhecimento científico: algo que não poderia ser fruto nem do conheci-
mento empírico nem da metafísica, que devia ser banida; como Durkheim
e como Bergson, Berr é produto do neokantismo francês. Reler Berr, hoje,
pressupõe transladar-se para um universo mental completamente distinto
do nosso, no qual, no entanto, descobrem-se, com nitidez, alguns dos prin-
cípios que marcarão toda a vida intelectual de Febvre.
Com base nessas ideias centrais, desenvolveu-se a vida de sua Revue de
Synth êse Historique, foro interdisciplinar e internacional (além de Berr, es-

36 Sobre o pensamento de Comte, além da bibliografia citada, ver J.M. Petit Sullá, Filosofia,
políticay religión enAugusto Comte. Barcelona: Acervo, 1978; J.J. Sanguíneti, Augusto
Comte, op. cit.; e o artigo revisionista de W. Schmaus, "A Reappraisal of Comte's Three-
-State Law". HT, n. 21, 1982, pp. 248-66.

GORTÁZAR 533
creveram na revista: Bóutroux, Lamprecht, Lacombe, Xénopol, Durkheim,
Rickert, Croce, Simiand e Mantoux), especialmente nos primeiros anos
do século xx. Para Berr, era necessário criar uma "nouvelle histoire" sem re-
tornar aos antigos "erro s" das antigas filosofias da história; era necessário
construir uma ponte entre o presente e o passado; buscar sempre a unidade
e a integração do conhecimento; era necessário, enfim, nada menos que
uma ciência da "realidade total" da unidade humanidade, convertendo as
demais ciências sociais em auxiliares da história. Como Siegel conclui, "no
característico sabor francês de seus pontos de vista, percebe-se o eco da
ilustração) de Augusto Comte e do positivismo) de Renan, de Taine, Fus-
tel de Coulanges e Émile Durkheim" Nesse sentido, pode-se dizer que Berr
serviu à Terceira República ao oferecer à França do século XX uma concep-
ção de ciência e de história dinâmicas e unificadas) intimamente ligadas à
tradição intelectual francesa." Seus esforços não foram em vão) tal como
escrevia Lucien Febvre em 1925) na própria Revue: "éram os um grupo de
jovens historiadores da École Normale que começávamos a considerar ba-
nais nossos estudos e quase pensávamos em abandoná-los quando, em 1900,
nosso interesse pela história voltou a florescer com o aparecimento da Revue
de Synthese Historique':38 Sua influência sobre o movimento dos Annales foi
decisiva, como afirma Siegel, citando Braudel; nos anos 1920 era como se ti-
vesse produzido uma espécie de "revolta" dos mais jovens do "gru po': Além
disso, Berr sentia que o "círculo familiar " do movimento de síntese estava
seriamente deteriorado por causa do aparecimento dos ARES; mesmo assim,
"ao menos no nível filosófico" - conclui Siegel -) "o programa dos Annales

37 M. Siegel, "He nri Berr 's Revue de Synthêse Historic ue", HT, n. 9, 1970 ) pp. 333-34 . Sobre
Berr, ver também Siegel, "H enri Berr et la Revue de Synthêse Hisioriou e", in C. O. Carbo-
nell e G. Livet (o rgs.), Au berceau..., op. cit., pp . 20 5- 18j sobre sua influência no espírito
interdisciplinar da "recup erada" Univ ersidade de Estr asburgo, cf. J . H . Craíg, "Ha lb-
wachs à Strasbourg", op. cit ., p. 276 ; o testemunho de Febvre, "Hommage a Henri Berr:
de la Revue de Synthêse auxAnnales", foi publicado em AESC, n. 7, 1952, e incluído em
Combats..., op. cit., pp. 339-42. Além de L'Avenir e suas contribuiçõe s à Revue, é funda-
mental, para entender o pensamento de Berr, seu livro La síntesis en historia: su relaci6n
conla historia general, trad.José Almoina. México: Uteha, 1961, publi cado pela primeira
vez em 1912 e com uma segunda edição francesa de 1952.
38 Citado por M. Siegel, "H enri Berr 's...", op. cit., p. 328.

534 A." NOVA. \-\\ST6 RIA.". UMA. ESTRUTU R A DE LONG A.O\JR A.CÃO
mantém-se fiel ao paradigma sintético e interdisciplinar que foi a força mo-
triz da carreira de Henri Berr">
Será que não pode ser encontrado nenhum historiador entre os mestres
dos fundadores dos Annales? Todos conhecemos a dura crítica de Febvre
e Bloch em relação aos historiadores "historicizantes" (expressão que to-
mariam de Berr), também em relação à "histoirie événemeniielle" e à histó-
ria "positiviste'l'" Sabemos que a historiografia "no poder" sempre é mais
duramente criticada - inclusive caricaturada - por aqueles que propõem
uma nova fórmula que deve triunfar sobre a anterior (aqueles que, às ve-
zes, recorrem aos "avós" como autoridades contra os "pais"). Sabemos que
Febvre e) principalmente, Bloch (ao fim e ao cabo, filho de um conhecido
historiador da Antiguidade) sentiram-se sempre muito agradecidos a alguns

39 Id ., ibid. , pp. 213-14; a sugestão de Braudel, feita em conversa pessoal com Siegel (22-
VI-1978). Talvez Berr fosse - como R. Aron também dizia a Síegel, loc. cit. - "um em-
presário da erudição mais que um historiador-filósofo de primeira linha ", mas é bem
conhecida a influência que, na história intelectual, esse tipo de figura pode chegar a
adquirir.
40 O professor Carbonell talvez tenha sido o primeiro a manifestar o equívoco criado pelo
uso da expressão "história positivista" para referir-se a um tipo de história - a represen-
tada, na França, pela geraçào dos fundado res da RevueHistorique- muito afastada dos
princípios do positivismo com tiano e daqueles historiadores dos mais diversos países
( Buckle, os irmão s Adams, Larnprecht ou o teórico Bourdeau) que seguiram sua dou-
trina. Nem Fustel de Coulanges (um dos mestres de Durkhe ím), nem Renan, sequer
Taine seriam positivistas no sentido comtiano do termo. Para evitar a confusão, Car-
bonell prefere - ao referir-se aos historiad ores tão difamados pelos annalistes - evitar
o emprego da expressão "história positivista" e substituí-Ia por "escola metódica" ou
"história posi tiva". Cf. C. O. CarboneJl, Histoire et historiens: une muiation idéologioue
eles hisioriens[cançats (1865' 1885) . Toulouse: Privat, 1976, pp. 299-315, 401 -02, 406-08j
"L'Histoire dite positiviste en Fran ce ", Romalltisme, n. 21-22, 1978, pp. 173-185; "Histoi-
re narrative et histoire structurelle dans I'historiographie positiviste du XIX e sí êcle", 5S,
n. 10, 1986, pp. 153"61. Encont ramos a mesma advertência em E. Breisach, Historiography:
Allciellt, Medieval, & Modem . Chicago : University of Chicago Press, 1983, p. 276. É inte -
ressante notar que Carbonell, depois de insistir sobre a pouca influência de Taine sobre
a historiografia francesa (s ua "história experimentar, form ula da em 1866, per manece
uma quimera sem continuidade), ressalta a an tecipaçã o, por Taine, do estruturalismo
ou, ao menos, da teoria febvriana da Zusammenhang, e que seu resumo da teoria posi-
tivista da historiografia de Bordeau ( 1888) convida claramente à busca de paralelismos
com as ideias dos homens dos Annales.

GORTÁZAR 535
de seus professores. Porém, só consideraram um deles como mestre" (como
também Braudel, ainda que apenas o conhecera pessoalmente): refiro-me,
como é notório, ao historiador belga Henri Pirenne, autor de Les Villes du
Moyen Age, de Histoire de I'Europe, de Mahomet et Charlemagne, de Histoire
de Belgique, um dos grandes nomes, sem dúvida, da ciência histórica mun-
dial durante o primeiro terço do século xx."
Pirenne - permitam-me insistir - também era um "historiador sem
ideias"? A esse respeito, existe uma consideração que paira acima de qual-
quer outra: apesar de Pirenne ter aprendido muito com os melhores histo-
riadores belgas, franceses e alemães nos seus anos de formação, quem mais
influenciou sua atitude diante da história e respectiva metodologia foi Karl
Lamprecht, o protagonista - no último decênio do século XIX - do "Metho-

41 Cf. L. Febvre, "Henri Pirenne à travers deux de ses oeuvres", ampla resenha crítica in-
cluída em seus Combate, repletos} como em Pourunehistoire à part eniiére, de referências
ao historiador belga. Para mais informações sobre Marc Bloch e Pirenne, cf Carole
Fink, MareBloeh: A LifeinHistory, Cambridge: Cambridge University Press, 1989; sobre
Braudel e Pirenne, cf UneLeçon..., op. cit., pp. 64-6S; e P. Braudel, "Les Origines inteIlec-
tueIles de Femand Braudel: un témoignage". AESC, n. 47,1922, p. 247. É fundamental a
já citada biografia de B. Lyon: HenriPirenne..., assim como a correspondência, também
citada, publicada por B. eM. Lyon, entre H. Pirenne, L. Febvre e M. Bloch. É interessan-
te a contribuição de R. Demoulin, "Henri Pirenne et les Annales", in O. C. CarboneIl e
G. Livest (orgs.),Au bereeau..., op. cit., pp. 271-77. Em 1938, Febvre escreveu que Pirenne
era "um mestre da história viva"; em 1932, Bloch,para quem Pirenne era não só seu mes-
tre, mas modelo de sua própria obra, denominou'Pirenne, nos ARES, de "um historiador
integral". A revista Annales teria sido dirigida por Pirenne se ele não tivesse recusado a
proposta de Febvre e Bloch por causa de suas múltiplas ocupações.
42 A bibliografia sobre Pirenne é abundante, mas a obra mais importante é, sem dúvida, a
citada biografia de B. Lyon: Henri Pirenne... Vale a pena consultar a rigorosa síntese de
um de seus mais valiosos e conhecidos discípulos) F. L. Ganshof, "Pírenne (Henri)".
Biographie nationale publiée par l'Académie Royale de Sciences, deLettres et des BeauxArts,
n. 30) 19S9, pp. 671-723. Ver também a breve biografia da medievalista inglesa - e grande
amiga de Marc Bloch - Eileen Power, Modem Historians and the Study ofHistory:Essays
and Papers. Londres: Odhams Press, 19S5} pp. 96-108. Vai muito além do que o título
sugere, servindo de contraste em relação à obra de Lyon e da maior parte dos estudos
dedicados a Pirenne, o artigo de J. Dhondt: "Henri Pirenne, historien des institutions
urbaínes", Annali della Fondazione Italianaper la StoriaAmministrativa,n. 3, 1968} pp. 81-
-129. O autor, também belga, é muito crítico à obra de Pirenne.

536 A "NOVA HISTÓRIA", UMA ESTRUTURA DE LONGA DURAÇM


denstreit" por excelência ("Lamprechtstreit", chamaram-na outros). Foi ele
quem quis - sem êxito em seu próprio país - sub stituir o modo rankiano
de historiar.
Desprezando a história política, que considerava muito restrita e pouco
representativa do processo histórico total, já que acreditava que os historia-
dores só poderiam entender o passado investigando a atividade e o pensa-
mento humano em seu conjunto, seu Kulturgeschichte (algumas bases deste
livro já estão indicadas em Burckhardt) constituía um primeiro esboço da
história total." A história era uma ciência e, como tal, deveria interessar-se
pelas generalizações, com a redução de percepções empíricas a conceitos, e
assim substituir o método descritivo pelo método genético. Certamente, a
dimensão individual não podia ser entendida pela ciência, mas uma ampla
área da atividade social podia ser compreendida por meio de um método
"coletivo', já que - segundo Lamprecht - na sociedade existe uma "continui-
dade ininterrupta de desenvolvimento" que não surge das ações livres dos
indivíduos. Como em Durkheim e em Berr, essas forças coletivas de caráter
econômico e social só poderiam ser conhecidas pelo estudo da consciência
coletiva, da psicologia social.
Com base nessas premissas, Karl Lamprecht foi um dos primeiros his-
toriadores profissionais a utilizar conceitos da metodologia das ciências so-
ciais, da economia, da sociologia e, especialmente, da psicologia. De fato, seu
pensamento foi muito influenciado po r Marx, Comte, Wundt, entre outros.

43 Sobre a vida, a obra e o pensamento histórico deLamprecht, ver a bibliografia citada na


nota 8, além das páginas que Iggers dedica a ele em 'Ihe German Conception ofHistory,
op . cít., e Lyon, na biografia sobre Pirenne. Demoulin, em seu breve e substancioso
trabalho já citado na nota 41, trata adequadamente da influência de Lamprecht sobre
Pírenne, para isso é fundamental ainda consultar B. Lyon, "lhe Letters ofHenri Pirenne
to Karl Lamprecht (1894-1915)". Bul1etin de la Commission Royale d'Histoire, n. 2, v. 132,
1966, pp. 161-231, que, depois de um estudo preliminar, transcreve as 32 cartas conserva-
das, de um total de 180-200, as quais, segundo o autor, Pirenne teria escrito a Lampre cht.
As cartas de Lamprecht a Pirenne, cerca de ISO, todas conservadas, ainda não foram
publicadas. Q1e eu saiba, nenhum annaliste das primeiras gerações colocou Lamprecht
na lista de seus antecessores. Apenas F. Braudel o elogia no artigo escrito para a Ency-
clopédieFrançaise. Paris: Société de Gestion de l'Encyclopédie Française, t. xx, 1959, in-
titulado "L' apport de l'Histoire des Civilisatíons" e incluído no volume La historiay las
ciencias sociales, op. cit., p. 133.

GORTÃZAR 537
Para Lamprecht, as forças históricas coletivas determinavam, em grande
parte) os destinos individuais) embora ele não ignorasse o papel do indi ví-
duo na história. Nesse sentido) mesmo afirmando que a ciência era única,
considerava que o historiador não poderia estabelecer "leis sociais" simila-
res em rigidez às leis das ciências naturais. Apesar de tudo, a "lei" não era
a única forma do "típico", e mesmo que o historiador fosse obrigado a ob-
servar regularidades na história, o papel da liberdade individual o impedia
de cair numa visão monista e determinista. Na busca de tais regularidades,
eram fundamentais os estudos comparativos entre as distintas nações que
constituíam os objetos primários de estudo do historiador.
Muito influenciado por essas ideias) mas sendo um homem de persona-
lidade muito definida e cuja técnica era mais depurada que a de Lamprecht
(cujos erros factuais e lucubrações sem fundamento explicam, em parte) por
que seus pontos de vista só tinham seguidores em seu país), Pirenne não acei-
tou Lamprecht por completo. Em carta de 1931) escrita a Heinrich Sproen-
berg - o único historiador alemão com quem teve contato depois da Grande
Guerra -) Pirenne reconhecia a influência fundamental de Lamprecht sobre
ele) mas afirmava que nunca se interessara por essa espécie de filosofia da
cultura baseada na distinção de diversas fases ou graus de desenvolvimento
psicossocial pela qual Lamprecht ficou tão conhecido e foi tão atacado. r'
Contudo) da reelaboração e do amadurecimento das ideias de Lamprecht
surgiram conceitos e diretrizes para a prática historiográfica que não podiam
deixar de despertar o interesse de Febvre e Bloch: assim) no prólogo do pri-
meiro tomo de Histoire de Belgique) afirmava que seu método consistia em
repudiar a história entendida como uma cadeia de biografias) como simples
cronologia) um relato de guerra e política) e, ao contrário, procurava mos-
trar a história como a totalidade de esforços e desenvolvimentos coletivos
de um povo) como trama inter-relacionada de fenômenos coletivos. Sempre
considerou a síntese como a verdadeira finalidade de toda investigação. Par-
ticularmente depois de seu cativeiro na Alemanha entre 1916 e 1918) Pirenne
insistiu na necessidade de empregar o método comparativo para evitar os
nacionalismos e escrever sempre a história de um ponto de vista universal:
manteve seu interesse em entrelaçar as demais ciências sociais e explicar os

44 Cf. B. Lyon, Henri Pirenne, op . cit., pp . 379-80.

538 A ";\IOVA HISTÓRIA", UM A ESTRu TURA DE LON GA DURAC ÃO


fenômenos coletivos, particularmente os econômico-sociais, mas conferiu
maior importância tanto ao papel dos indivíduos como ao do acaso. Sempre
sustentou que o historiador deveria contemplar a história em sua totalidade,
que só havia a ciência do geral, que a história tinha como objeto o estudo do
desenvolvimento das sociedades humanas no espaço e no tempo. Enfim) vale
mencionar as palavras) em elogio póstumo a ele, de Marc Bloch: sentia-se
honrado em considerá-lo "meu mestre (porque fora) um perfeito cidadão do
mundo [com uma] compreensão total do homem':45
Concluindo) creio que é possível afirmar que) apesar de diversos autores
terem destacado - com mais ou menos fundamento - a influência sobre
Febvre e Bloch do vitalismo de Henri Bergson) da hermenêutica de Dilthey
e até de Max Weber) entre outros (fator que favoreceria o caráter eclético da
teoria da h istória dos fundadores dos Annales a que já me referi), acumu-
lam-se evidências que apontam todas a uma única direção: a que nos con-
duz - por muitos que sejam os relevos desse percurso) por abundantes que
sejam os matizes a introduzir) e devem ser introduzidos com mais espaço
do que permitem estas páginas - ao positivismo comtiano e) de forma mais
geral, às diversas correntes cientificistas do século XIX, que consideravam
que não existia diferença essencial entre nosso modo de conhecer a natu-
reza e nosso modo de conhecer o homem) precisamente porque) por sua
vez, também não existia diferença essencial entre o modo de ser da natureza
e o modo de ser do homem.
Com isso não quero) é claro) provar que da filosofia de Comte e outras
similares decorrem) necessariamente) a sociologia de Durkheim, o pensa-
mento de Berr, a história de Lamprecht e Pirenne e) portanto, a história an-
naliste. Limito-me, simplesmente) a sustentar que) no contexto histórico em
que vivem e na própria prática historiográfica) os historiadores se veem in-
fluenciados - em maior ou menor grau - por doutrinas filosóficas explícitas
ou por implícitas "Weltanschauungen". Aplico essa minha convicção ao caso
de Lucien Febvre e Marc Bloch, dois historiadores especialmente ab ertos -
Febvre em particular - à "teoria","

45 Id., ibid., pp . 396-97.


4 6 F. T essitore, "La storiografia come scíenza", 55, n. I, 1982, pp . 48- 82) aplica com sucesso
esse pont o de vista aos historiadores frances es ( Fustel de Coulanges, Ta ine) e italianos

GOr:;:-ÂZAR 539
VI

Mas a pergunta fundamental - para a nossa exposição - ainda está sem res-
posta: existe um marco de postulados comuns às diversas "novas histórias" a
que me referi (Annales, marxismo, história-ciência social norte-americana,
Escola de Bielefeld)? O professor Rüsen responde afirmativamente, assegu-
rando que o novo elemento de racionalidade comum a esses movimentos é
o uso de construções teóricas para a interpretação histórica. Aliás, não fal-
taram, nos últimos anos, historiadores que abordaram, de diversas formas,
esse mesmo ponto.
Assim, Bernard Bailyn distinguiu" três tendências generalizadas na his-
toriografia atual, que teriam por objetivo, respectivamente, a fusão de acon-
tecimentos manifestos e latentes, quando se trata de entender o passado; a
descrição de esferas de amplo alcance, de sistemas organizados em núcleos
e periferias; e, por último, as descrições dos estados internos da mente e de
suas relações com as circunstâncias e fatos internos. Para o interesse contem-
porâneo por esses três tipos de preocupações teriam contribuído a Escola
dos Annales, a historiografia marxista, a construção de Toynbee e de muitos
historiadores europeus e americanos. Algumas ideias deles já aparecem em
Burckhardt, Lamprecht ou na "New History" norte-americana.

(Villari) que, pretendendo fazer da história uma ciência, influenciados pelo pensamento
de Comte, recusam, ao mesmo tempo, sua filosofia da história e criticam aqueles que,
como Bruckle, mais que fazer história pretendem seguir Comte em sua filosofia da his-
tória. Entre filosofia positivista e historiografia positivista produz-se, assim, uma relação
muito similar à que existe entre a filosofia hegeliana e a história rankiana. Tessitore con-
sidera incorretas as posições daqueles que acreditam haver infidelidade da historiogra-
fia positivista em relação aos princípios teóricos e metodológicos do positivismo ou as
daqueles que negam que, a rigor, exista uma historiografia positivista. Tessitore afirma-
com razão - "que seria preciso concluir, então, que não existe também uma historiografia
idealista que corresponda, com precisão, aos princípios do idealismo filosófico [...]. Cla-
ramente, o historiador é quem sabe construir e interpretar o ocorrido sem 'empacotá-lo'
num esquema prévio. Contudo, isso não significa que não existam distinções ou diferen-
ças, até radicais, entre uma e outra historiografia. Por exemplo", conclui, "qualquer que
seja a 'imaginação simpatética' demonstrada por Taine em suas obras, nem por isso estas
deixam de ser grandes exemplos de historiografia e de historiografia positivista" (p. 86).
47 Em "lhe Challenge ofModem Historiography". AHR, n. 87, 1982, pp. 1-24.

540 A "NOVA HISTÓRIA", UMA ESTRUTURA DE LONGA DURAÇÃO


Alguns anos antes, Lawrence Stone descrevia a "New History" como fruto
sobretudo da crescente relação entre história e ciências sociais, que tinha
seus perigos e podia até levar a uma divisão da história como disciplina aca-
d êmica." Segundo Stone, para a "N ew History" confluiriam - nos últimos
cinquenta anos - vários grupos que se enredavam em verdadeira "guerra ci-
vil" contra os "oldhistorians", os annalistes franceses, o grupo de historiadores
britânicos da Past and Present (a revista inglesa nascida em 1952 "com ambi-
ções e objetivos semelhantes aos dos Annales" e que começaria a ter grande
êxito de público a partir de 1960), e, nos Estados Unidos, houve uma verda-
deira enchente de novas revistas, todas na mesma direção.? A "New History" ,
organizada em torno dessas novas revistas "novas", tem, segundo Stone, as
seguintes características em comum: 1) organiza seu material de forma anali-
. tica, não de forma narrativa: 2) tem mais interesse em causas e consequências
do que no porquê e no como, 3) tem interesse em novos problemas, em par-
ticular em três áreas, ligadas entre si, na relação entre o homem e a sociedade
no passado : a base material da existência humana (demografia, geografia e
ecologia, tecnolo gia, economia), a história social (inversa e em constante ex-
pansão) e "um novo tipo de história sociocult ural, preoc upada basicamente
com os problemas de comunicação e cultura dos meios populare "i 4) tem
interesse nas massas e não nas ações das elites. A partir desses princípios
comuns foram privilegiados determinados âmbitos da História (ciência, de-
mografia, mudança social, mentalidades, história urbana, história da família),
com novos candidatos que querem passar ao primeiro plano (nova história
política, psico-história, nova história econ ómica), aos quais se exigiu a ado-
ção de numerosas novas técnicas, tomadas de empréstimo às ciências sociais
(a prosopografia, a história local ou a quantificação, entre elas).

48 L. Stone, "History and the Social Sciences ... ", in Charles Delzell (org.), TheFutureof
History, op. cít.,pp. 3-42.
49 Stone cita concretamente: ComparativeStudies in Society and History;Journal of Inierdis-
ciplinary History;Journal ofSocial History; Computers and Humaniiies, Historical Methods
N ewsletter; The History of Childhood Q!Jarterly; 'IheJournal ofPsycho-History e 'IheFamily
in Historical Perspective Newsletter. Desde 1975, o número de "novas" revistas continuou
crescendo, dentro e fora dos Estados Un idos . Para saber mais sobre esse assunto, além
de muitos outros, é de grande utilidade a obra de M. F. Stieg, The Origin andDevelopment
of Scholarly Historical Periodicals. Tuscaloosa : University of Alabama Press, 1986.

GORTÁZA R 541
Só quatro anos depois, Stone constatava - em artigo que teve ampla di-
vulgação (e alguma oposição) - que os "new historians" já não faziam o que
vinham fazendo no último meio século. Falaremos disso mais adiante. Agora,
interessa-nos a nova e sintética apresentação que Stone faz da "New History"
em seu artigo." Para ele, a primeira "história científica" foi a formulada por
Ranke no século XIX e buscava, por meio de estudo crítico de documen-
tos dos arquivos públicos, estabelecer, definitivamente, os fatos da história
política. Nos últimos trinta anos - continua Stone -, apareceram três tipos
de história científica muito diferentes do anterior, baseados não em novos
dados, mas em novos métodos ou novos modelos: o modelo marxista, o
ecológico-demográfico dos Annales e o "cliométrico" norte-americano. Os
três - conclui Stone - coincidem em parte, mas são suficientemente distin-
tos, sobretudo para quem os põe em prática, para justificar a criação dessa
tipologia tripartite.
Como é sabido, nem Bailyn nem Stone são historiadores da historiogra-
fia. Ambos, como tantos historiadores em momentos de crise - aparente ou
real-, "reinterpretaram', em seus já citados ensaios, a evolução historiográ-
fica contemporânea, ao mesmo tempo que buscam e oferecem novos cami-
nhos. Contrariamente, foi um conhecido especialista na história da nossa
disciplina, Ernst Breisach, quem, em 1987, propôs uma comparação explo-
ratória entre "duas Novas Histórias": a "N ew History" norte-americana do
primeiro terço do século xx e a "nouvelle histoire", nascida da tradição dos
Annales.51 Menos ambicioso e mais bem fundamentado nos dados disponí-
veis, o ensaio de Breisach, além de muito útil, marca um modelo de trabalho
ainda pouco desenvolvido.
De minha parte, com base no elenco de "novas histórias" coletado no
início e na advertência quanto ao caráter provisório da tentativa que exige
muitos estudos monográficos e comparados ao mesmo tempo, na linha de
Breisach, creio que os seguintes são alguns dos elementos básicos comuns
a essas "novas hi st órias", pelos quais podemos considerá-las um fenômeno
intelectual de longa duração.

SO L. Stone, "Th e Re vival of Narra tive ", op . cit., pp. 74-96 [nes ta an tologia, pp . 8-36].
51 E. Breisach, "Two N ew H istories", em B. P. Dauenhauer (o rg.) , At the Nex lIs af Philoso-
plIy and Hist01Y, op . cit., pp . 133-S6.

542 A "N OVi' f-!ISTÓRIA". U tv'P, ESTR UTUR,ó DE LO,' 1G,ó DU RACAO
o primeiro deles sem dúvida é que todas as "novas histórias" consideram
nossa disciplina como uma ciência no sentido forte da palavra, isto é, uma
ciência similar às chamadas ciências sociais, que, por sua vez, nos poucos sé-
culos - em alguns casos, decênios - que têm de vida, sempre se espelharam
nas ciências naturais.
Todas elas também coincidem na necessidade de uma prática interdisci-
plinar real, de uma relação permanente com as demais ciências sociais, com
as quais partilham um mesmo objeto - as sociedades humanas -, ainda que
de perspectivas diferentes.
O afã totalizador de seu objeto é especialmente intenso entre os anna-
listes e os historiadores marxistas, mas, também para a Escola de Bíelefeld,
sua "história da sociedade" equivale à totalidade da história. As mesmas as-
pirações estão presentes no neopositivismo, no funcionalismo e no beha-
viorismo, que tanto influenciaram a "social-saentijic history", "made in uSA',
apesar de ali não existir um centro de coordenação de esforços em busca da
unidade das ciências sociais e da explicação da totalidade social."
Todas as "novas histórias" interessam-se, prioritariamente, pelos fenô-
menos coletivos, na tentativa de explicar as manifestações históricas da di-
mensão social do homem, mesmo que não anulem totalmente o papel cria-
dor do indivíduo. Nesse sentido, e referindo-se concretamente aos Annales,
1hrevor-Roper qualificava a filosofia profunda do movimento como um tipo
de determinismo social limitado pelo reconhecimento de uma vitalidade
humana independente,"

52 Esp ecialmente interessante e significativo, nessa linha, é o livro de L. Benson, Toward


the Scientific Study ofHistory: Se/ected Essays. Filadélfi a: Lippincott, 1972. Mai s impor-
tant e ainda, por seus efeito s sobr e a comunidade historiográfica norte-americana, foi a
constituição da Social Science History Association à margem da centenária e poderosa
American Historical Assoc íat íon, O s estatutos podem ser encontrados em seu órgão
de expre ssão, Social Science History, n. 6, inverno de 1982, pp. 3-8. Sobre sua situação e
influência nos últimos anos, ef.]. M. Kous ser, "The State ofSocial Science Hi storyin th e
Late 1980s", Historical Methods, n. 22, inverno de 1989, pp. 13-20. Menos otimista é A. G.
Bogue, "Systematic Revisionism and a Gcneration ofFerment in American History".
JCH, n. 21,1986, pp. 135-62.
53 Cf. H. Threvor-Roper, "Fern and Braudel, th e Annales and the Mediterranean", JMH, n.
44,19 72, pp. 469 e 471.

GORTÃZ AR 543
A concepção annaliste da Zusammenhang corresponde à preocupação
marxista com a relação entre a infraestrutura e a superestrutura e com
a união de todos os fatores na única "história da sociedade" de WeWer e
Kocka, os fundadores da Escola de Bielefeld, e explica a atração de todas
as "novas histórias" pelo estruturalismo dos anos 1960 e 1970. Aqui tam-
bém a história ciência-social norte-americana fica em segundo plano - se
não na teoria, de fat0 54 - , tanto pelo altíssimo grau de especialização (e con-
sequente fragmentação) por ela alcançado como pela falta de uma "escola-
com suficiente potência para agregar um número significativo dos milhares
de historiadores do país.
Com base na concepção de história como ciência, no sentido forte da
palavra, nos quatro casos pretende-se estabelecer não leis, mas generaliza-
ções, regularidades, enunciados gerais de conteúdo específico para que a
analogia (via método comparado) e até certa capacidade de fazer previsões
sejam poss íveis,"
Em todas as "novas histórias" é fundamental a dialética presente-pas-
sado, com projeção por meio da previsão, se não da predição, em relação ao
futuro. Cada presente escreve seu passado, levando em conta as perspecti-
vas de seu futuro.
Todas elas admitem o relativismo moral e cultural, mas não o cognitivo.
A afirmação do relativismo está ligada à visão historicista do homem, que se
pode resumir na consideração do homem, da humanidade, como um perpé-
tuo fluxo. O historicismo é inerente ao marxismo, ao positivismo, e desem-
penha papel importante entre os estudiosos dos Annales, que, por isso, es-
tão convencidos de que a história deve ser a rainha das ciências do homem/"

54 Nesse ponto, Lee Benson, em Towardthe Scientific Study ofHistory, op. cit., é muito cla-
ro: "a história é uma ciência social, centrada na conduta humana do passado para, assim,
contribuir para um estudo onicompreensivo da conduta humana, passada e presente"
(o grifo é meu). É preciso notar que Benson era) nos anos 1960 e 1970, um historiador
prestigiado e influente, com quem muitos outros social-scientific historians norte-ame-
ricanos concordavam.
55 Cf. D. Landes e C. Tilly, History asSocial Science, op. cit., pp. 5-21.
56 Já me referi ao componente historicista dos Annales no artigo "En torno al objeto y
carácter de la ciencia histórica", Anuario Filosófico, Pamplona, n. 17, 1984, pp . 157-72.
A reiteração de testemunhos não deixa lugar a dúvidas. No artigo "Lucien Febvre et

544 A " NOVA H ISTÓRIA", UM A ESTR UTURA DE LON GA DU RAÇÃO


A Escola de Bielefeld é "anti-historicista" enquanto recusa totalmente a forma
peculiar com a qual a escola histórica alemã adotou e manteve o historicismo
durante um século e meio; contudo} nela não há - como também não há nos
historiadores cientistas sociais norte-americanos - uma clara afirmação da
natureza humana comum a todos os homens} de todos os tempos; ao con-
trário} sua posição seria oposta a isso. Em suma} cientificismo e historicismo
não se opõem} necessariamente}mas tendem a estar inextricavelmente uni -
dos} como ocorre no s casos do pensamento de Marx e de Comte. "
Do ponto de vista gnos íológico, todas as novas histórias são pós-kan-
tianas e} portanto) de alguma forma) coincidem em que de alguma maneira
o conhecimento "constitu i" a realidade estudada. Como exemplo de uma
entre tantas incoerências internas do pensamento moderno) isso não os im-
pede de crer na possibilidade de um conhecimento "verdadeiro" e "ob jetívo",
mesmo que a verdade não seja a verdade das coisas e a "objet ívídade" não
possa ser entendida como possibilidade de alcançar a realidade do passado
"wieeseigentlich gew esen'~ como diria Ranke.
Por último} todas as novas histórias são histórias "modernas', no sentido
de que) de maneira explícita ou por filosofia subjacente) interpretam o pas -
sado com base na "ideologia da emancipação" e no conceito de progresso

l'histoire vivante" (RH, 1957, pp. 2-17), Moraz é observa que Febvre estava, fundamental-
mente, atraído pelas mudanças}pela ide ia de que o homem (apenas o homem) é ação,
de que o homem define o tempo (cf p. 8), de que "viver é mudar ", o que - comenta
Morazé - implicava uma revolução intelectual, uma no va classificação das ciên cias na
qual a história deveria estar no topo. O objetivo foi alcançado depois de 1945: por isso -
conclui Morazé - o Febvre dos anos 1950, instalado no centro do forte, er a um Febvre
vencedor (cf. p. 17). No entanto, seu historicismo não é absoluto, já que tanto Febvre
como Blo ch e Braudel acreditavam em fatores de universalidade próprios da natureza
humana. Acreditavam em uma natureza humana imutável, vista no marco ma is amplo
do mundo físico. Cf. M. Cedronío, "P rofilo delle 'Ann ales' attraverso le pagine delle
'Annales'", in M. C edronio, F. Diaz e C. Ru sso, Storiografia francesedi ieri e di oggi, op. cit.,
pp. 3-7, 15-17, 19, 40, 69, e F. Dosse, L'Histoire en mieties, op. cit ., p. 16. Como o próprio
Dosse demonstrou (op. cit., pp . 180 ss.) , a influência de Foucault tomou mais extrema
a perspectiva historicista das principais figuras da terceira geração dos Annales, embora
existam exceções, como é o caso de Delumeau (pp. 2.05-06).
57 Para um desenvolvimento fundamentado e com apoio bibliográfico dessas afirmações,
ver o meu "En tomo ai objeto...", op. cit.

GORTÁZAR 545
nascidos com a Ilustração. Essa é uma característica evidente na historiogra-
fia marxista, na "Escola de Bielefeld" (muito influenciada pelos pensadores
da Escola de Frankfurt, em particular Jürgen Habermas), na "social-scientific
history" (interessada, como vimos, na previsão dos fatos sociais ou, como
no caso de Benson, em "ajudar o desenvolvimento de leis gerais da conduta
humana que permitam aos seres humanos identificar as vias de a ção alter-
nativas que possam seguir, em tipos específicos de situações, assim como
fazer escolhas racionais, entre diversas opções, para conseguir os melhores
resultados possíveis") e também na Escola dos Annales: como demonstrou
Breisach, embora houvesse grande distância entre a cândida e absoluta
crença no progresso do gênero humano da "NewHistory" estadunidense do
começo do século e as posições dos annalistes, tanto em Febvre como em
Braudel, encontram-se intermitentes afirmações ancoradas na ideia do pro-
gresso, por mais matizadas que sejam, e por mais firme que, na teoria, seja a
recusa da história teleológica pela Escola dos Annaies."

VII

Atualmente, todas as "novas histórias" que, como vimos, são histórias "mo-
dernas" parecem em crise, como se a própria modernidade agonizasse. Nos
três últimos lustros, como em tantos outros âmbitos e disciplinas, surgiu
uma historiografia pós -moderna. Entretanto, como há pouco tempo desta-
cou o professor Ballesteros," é preciso analisar o que se entende por pós-
-modernidade - e, em nosso caso, o que Se entende por história pós-mo-
derna. Mesmo que a bibliografia sobre o pós-moderno seja abundante e que
a polêmica sobre o caráter e a validade da historiografia pós-moderna tenha
chegado aos últimos números de revistas como History and Theory e Past
and Presentf" também é certo que ainda não podemos facilmente diagnos-

58 CE. E. Breisach, "Two New Histories", in B. P. Dauenhauer (org.), At theNexus ofPhi/cr


sophyand History, op. cit., pp. 148-55.
59 J. Ballesteros, Postmodernidad: decadencia o resisiencia. Madri: Tecnos, 1989.
60 F. R. Ankersmit, "Hístoríography and Postmodernism". HT, n. 28, 1989, pp. 137-53j P.
Zagorin, "Historiography and Postmodernism: Reconsiderations". HT, n. 29, 1990,

546 A " NOVA HISTÓRiA", UM A ESTRUTURA DE LONGA DURAÇÃO


ticar, com precisão, em que consiste a pós-modernidade. É lógico que seja
assim. Em primeiro lugar, porque acabamos de mergulhar nela, em segundo,
porque não há consenso sobre em que consiste a era da modernidade, ele-
mento de contraste necessário para definir a pós-modemidadej e, enfim,
porque, ao tentar projetar ou inventar o futuro nesse momento de transição,
deparamos com posições diametralmente opostas. A primeira seria a daque-
les que se "instalam" na pós-modernidade do "pensiero debole" e da cultura
"light", que o próprio Ballesteros denominou "pós-modernidade como de-
cadência': A outra seria a daqueles que, considerando o período como uma
nova transição ou mesmo o último e paradoxal estertor da modernidade,
querem trabalhar para que ocorra o deslanchar de um novo projeto histó-
rico, em escala universal, que tal projeto retomaria os valores positivos da
era moderna e eliminaria seus defeitos "constitucionais': É o que Ballesteros
denomina "pós-modernidade como resistência" (expressão que não me pa-
rece muito felíz)."

pp. 263-74, seguido de "Reply to Professor Zagorin", de Ankersmit, na s pp . 275-96


do mesmo volume; L. Stone, "History and Postmodernism". PP, n. 131, maio 1991, pp.
217-18. Comentários críticos de P.Joyc e e C. Kelly na mesma revista, n. 133, novo1991,
pp . 204-09 e 20 9-13. Réplic a de L. Stone e ponto de vista de G. M. Spiegel - muito
elogiado por Stone em sua primeira no ta - no n. 135, mai. 1992, pp. 189-94 e 194-208.
61 J. Ballesteros, Postmodernidad, op. cit., pp . 85 ss., considera que o pós-e struturalismo
francês , representado por figuras como Barthes, Derrida, Baudrillard, Deleuze, Fou-
cau lt e Lyota rd - maior divulgador do term o pós-mod ern idade - , é, na rea lidade ,
um movimento moderno tardio e não pós-moderno, fruto do "ceticismo quanto
às po ssibilidades de ' mudar o mundo ', produzido p elo duplo fracas so: do M aio
Francês e da Primavera de Praga" (p . 88). Essa interpretação é a mesm a que a de A.
Huyssen, em Afier the Great Divide: Modernism, Mas s Culture, Postmodernism. Bloo-
mington: Indiana Uni versity Pres s, 1986, e F. Jameson, "Postmodern idad y socie-
dad de consumo", in H. Poster (org.), La postmodernidad [ 1983 J, trad.Jordi Fibla.
Barcelona: Kair ós, 1985, pp. 165- 86. Sobre a influência do pós -estruturalismo sobre
a histor iografia, ver também D. Attridge, G. Kennington e R. Young ( orgs.), Posto
-siructuralism and the question ofhistory. Cambridge / Nova York: Camb ridge Uni-
versity Press, 1987. Ballestero s defende, ao mesmo tempo, a convi cção de que nos
encontramos no iníci o de uma nova era, a pós-moderna. Esta se definiria pela recusa
da violên cia (simbolizada por Gandhi), pelo ecumenismo (no sentido de uni ver-
salismo), pel a reformulação completa das relaçõ es Norte-Sul, pelo neofeminismo ,
pelo movimento ecologista e pela defesa dos direitos humanos como inalienáveis.

GORTÁZAR 547
Também os diagnósticos em tomo do impacto da pós-modernidade so-
bre a historiografia são muito diversos, e, sem dúvida, as posições diante da
nova situação são contraditórias: a tal ponto que, se dizem que nossa dis-
ciplina está em uma crise como não se conhecia nos últimos cem anos, eu
me atreveria a olhar para trás e afirmar que a história, hoje, sofre uma crise
que nunca existiu desde sua própria constituição como disciplina científica,
pelos fundadores da escola histórica alemã, ou, pelo menos, desde o apare-
cimento dos postulados teóricos dessas "novas histórias" de longa duração,
às quais acabo de me referir.
Apesar da complexidade do problema, atrever-me-ia a reduzir a dois os
pilares básicos da historiografia que habitualmente chamamos "pós-mo-
dema": primeiro, as implicações que resultaram do chamado "giro linguís-
tico" e, em particular, do "giro desconstrucionista" dos últimos quinze anos;
segundo, a crescente fragmentação do objeto de estudo, unida, em muitos
casos, à consciência do fim do projeto universalista da ilustração, fim ao qual
Lyotard se referiu como "metanarrativas"." Sobre o primeiro, nos falará o
professor Hexter. Por isso, limitar-me-ei a dizer algumas palavras sobre o
contexto histórico-filosófico que, nos anos 1970, levou ao chamado "giro
linguístico" ou "giro desconstrucionista" na cultura euro-americana e sobre
como isso afetou os historiadores dos Annales.
Como vimos - embora centrando-nos, por oportunidade, na durante de-
cênios tão influente e sempre escorregadia "Escola dos Annales" - , as "novas
histórias" que constituíram, tomadas em conjunto, a vanguarda historiográ-
fica do século xx têm suas raízes em filosofias da ciência e da história nitida-
mente "modernas": a crítica kantiana do conhecimento, o positivismo e suas
sequelas no século xx, o marxismo, o estruturalismo. Desde o século XIX,
porém, uma série de pensadores levaram o princípio que fundamenta a fi-

Nessa mesma linha de considera çõe s, ver a excelente análise de A Llano, La nueva
sensibilidad. Madri: Espasa Calpe, 1988. Entendida nesse sentido , nã o existe uma
caracterização da historiografia pós-moderna, emb ora abundem muitos exemplos
de obras que poderiam ser incluídas nela.
62 J .-F. Lyotard, La condición postmoderna: informe sobre el saber [1979J, trad. Mariano
Antolín Rato . Madri : Cátedra, 1984 [ed, bras .: A condiçãopós-moderna, trad. Ricardo
Co rrêa Barbosa, .s~ ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998].

548 A " NOVA HISTÓRIA", UMA EST RUTURA DE LONGA DU RAÇÃO


losofia moderna - o primado da vontade e não da razão) como se costuma
pensar - ao extremo. O primeiro deles, sem dúvida, foi Nietzsche.
O "giro linguístico" do pensamento contemporâneo procede, concreta-
mente, de uma filosofia que reduz o pensamento à linguagem e a linguagem
a um sistema de signos sem sujeito nem significações que vão além da pró -
pria linguagem. Muitos anos depois (como costuma acontecer na relação
entre filosofia e história}, boa parte de nossa profissão assume, atualmente,
as ideias de Nietzsche, de Wittgenstein, da filosofia analítica) de Foucault e
de Derrida e demais representantes do pós-estruturalismo. Conclui-se assim
uma evolução que se iniciara quando Descartes postulou - por um ato de
vontade - como primeiro princípio do filosofar "a razão cuja força põe os ob-
jetos de pensamento. Se a força da razão é fundamento e primeiro princípio,
o conhecimento não procede da realidade - como a filosofia clássica sempre
pensou -, mas da razão que suscita o pensamento'l"
Depois de tantos sistemas aparentemente perfeitos e fechados (Kant, He-
gel, Marx) Comte), Nietzsche iniciou a andança que deveria levar às últimas
consequências do "giro racionalista', raiz da modernidade: por sucessivos e
puros atos de vontade, a razão absoluta e espiritual é substituída pela dial é-
tica das forças de produção ou postula-se a redução da razão e da realidade à
linguagein, e desta ao universo de alguns signos que só pertencem a si mes-
mos e que não são produtores de sentido. Ainda que de forma mais intuitiva
que demonstrativa - não há tempo para outra coisa -, é preciso lembrar que
o chamado pensamento pós-moderno (precisamente o desconstrucionismo
pós-estruturalista) não revisa nem supera a filosofia moderna, apenas a leva
a suas últimas consequ ências.v

63 R. Yepes, Qué es eso de lafilosofía : De P/atón a hoy. Barcelona: Drac, 1989, pp. 48-49'
O autor, em su a interpretação de Descartes e de toda a filosofia moderna, parte do
estudo do "vo lun tarism o cartesiano" de L. Polo em Evidencia y realidad en Descartes.
Madri: Ríalp, 1963. Ver também R. Yepes, "Leon ardo Polo y la historia de la filosofia" .
Anuario Filosófico, n. 25, 1992, pp. 101-24.
64 Além da análise de Ballesteros, já citado, é significativo que o próprio Lyotard fale do
"pós-moderno escondido no moderno", que 1. Hassan (The Postmodern Tum : Essays in
Modem Theory and Culture. Columbus: Ohio State University Press, 1987) insista no fato
de que o moderno e o pós-moderno não estão separados por uma cortina de aço nem por
uma muralha chinesa. Como observa Lützeler, "certam ente cada elemento pós-moderno

GORTÁZAR 549
Por outro lado} não se pode deixar de observar uma relação entre o "giro
linguístico" pós-moderno e a epistemologia dos fundadores daquela "nou-
velle histoire" que quisemos estudar com mais apuro - e que} no entanto}não
diferia} essencialmente} da de Comte, como vimos. Febvre e Bloch falavam,
nos anos 1920 e 1930} da "constru ção do objeto pelo historiador", como ocor-
ria - asseguravam - com os demais cientistas. Isso não os impedia de afirmar}
sem embaraço} que o propósito último do historiador era alcançar a verdade
("dilexitveritatem" foi a escolha de Bloch para seu epitáfio).
Depois de muitas vicissitudes e} sem dúvida} não sem relação com o auge
do pensamento pós-moderno} nos últimos anos as figuras mais represen-
tativas dos Annales só têm levado às últimas consequências o pensamento
dos "pais fundadores ". Em artigo de 1990} André Burguiere afirma que a re-
volução silenciosa dos Annales consistira na substituição da arte da narração
pela ciência da interpretação. Já que não podemos acumular mais testemu-
nhos} recorramos ao editorial- intitulado "Tentons l'expérience" - que abre
o número seis, de 1989, da revista, dedicado monograficamente à busca de
soluções para o que os annalistes chamam" un tournant critique" da história
e das ciências sociais. "Com o todo discurso científico", afirma o editorial, "a
história só produz comentários, modelos de inteligibilidade [ ... J. A história
inventa seus problemas, constrói seus objetos. É o próprio desenvolvimento
da investigação, são os procedimentos da experimentação que constroem e
tornam inteligível o objeto da história. Por isso é necessário, no que se refere
aos métodos, dedicar atenção particular ao papel que o observador e seus
instrumentos desempenham na elaboração da análisef'"
Corno se vê, muitos passos foram dados no'caminho iniciado por Bloch
e sobretudo por Febvre: mas não se nega, abertamente, a existência de uma
realidade que transcende o sujeito cognoscente. Para Lawrence Stone, ainda

não é um contramovimento do moderno. Conceitos mediadores como 'desenvolvime n-


to ' e 'transform ação' são mais út eis que um pensam ento 'oposicional' na hora de analisar
o pós-moderno. Diferenças entre o moderno e o pós-moderno podem ser vistas como
movimentos de um estado a outro [..,J". "lhe Dis cussion of Narration in the Po stmo-
dern Context", em G. Brude-Fírnau e K.J. MacHardy (orgs.), Factand Fiction: German
Historyand Literature, 1848-1924. Tübingen: Francke Verlag, 1990, pp. 57-59.
65 A. Burgui êre, "D e la comprehension en histoire", AESC, n. 45, 1990, p. 125i Les Annales,
"T entons l' exp érienc e". AES C, n. 44, nov.-dez. 1989, pp. 1 320-21.

550 A 'NOVA HISTÓRIA", UMA ESTR UTURA DE LONGA DURAÇ AO


vivo, iniciador do último debate sobre "História e pós-modernidade", bas-
taria essa posição para considerar que a história como disciplina científica
ainda não foi apagada do mapa. É notável que a esmagadora maioria dos
"new historians" que ainda estão ativos, mesmo admitindo o interesse pela
micro-história - da qual falaremos mais adiante - e as grandes dificuldades -
para não dizer impossibilidade - de alcançar a "história global", recuse total-
mente o giro desconstrucionista do pensamento pós-moderno."

VIII

Assim como nesse ponto - relativamente ao hoje tão citado "giro linguístico"
ou "desconstru cionísta" da cultura e, portanto, também da historiografia -, a
corrente seguiu na linha em que sempre esteve o periódico [Annales] , e a se-
gunda das características da chamada "historiografia pós-moderna" parece
chocar-se frontalmente com a aspiração "modern a" ao entendimento da to-
talidade. Hoje, temos diante dos olhos uma história fragmentada, uma "his-
tória em migalhas" como a qualificou Desse." ''A história", de que nos fala o
professor Rüsen como um ideal da Ilustração (se bem que, na perspectiva
do que antes era denominado "história sagrada" e ho je "história da salvação',
remonta ao aparecimento do judaísmo), a história - ressalta - explodiu nas
nossas mãos.
Esse foi um fenômeno devido, de certa forma, simplesmente ao cresci-
mento e consequente divisão de trabalho em nossa disciplina, o que deter-
mina, em muitos casos, que tenha desaparecido qualquer laço de união en-
tre historiadores que tratam de temas distintos para épocas e países também
distintos. Parece-me suficiente um único exemplo significativo: segundo
Philip Curtin (em sua contribuição ao volume lhe Past Before Us, coorde-

66 Ver, entre outros, P. Zagorin, "Historiography and postmodernism: Recon siderations".


HT, n. 29, 1990, pp. 263-74; J. M. Kousser, "Must Historian Regress ?An Answer to Lee
Benson", Historical Methods, n.19, 1986j E. Monkonnen, "lhe Challenge ofQuantitative
H ístory", HistoricalMethods, n. 17, 1984; R. W. Foge! e G. R. Elton, Which Road to the
Past?Two Views ofHistory. New Haven : Yale University Press, 1983.
67 F. Dosse, L'Histoire en mieties, op. cito

GORTÁZ AR 551
nado por Michael Kammen), em meados dos anos 1950, nos Estados Unidos,
existiam menos do que meia dúzia de especialistas em história da África;
em 1980, eram, aproximadamente, seiscentos," Como Novick afirma, a pro-
dução historiográfica supera o historiador a tal ponto que, de fato, toma-se
impossível- um empenho quixotesco - a síntese," tantas vezes proclamada
nos últimos anos - com razão - como o principal desafio da historiografia
atual" e sem a qual a já escassa relação entre o historiador profissional e o
público culto - com que lheodore Hamerow" tanto se preocupa - pode
acabar desaparecendo totalmente.
Um segundo fator desse "esmigalhamento" da história foi, sem dúvida,
o efeito da crise que afetou todas as grandes concepções pretensamente
científicas do mundo e do homem desenvolvidas nos últimos duzentos
anos. A ele une-se a ausência de uma filosofia amplamente aceita que jus-
tifique o caráter histórico da natureza humana, da universalidade e do des-
tino comum do gênero humano. Essa crise, por sua vez, está ligada à crise
de valores e ideias da modernidade, que não foram substituídos por outros
valores e ideias, mas que - embora haja exceções - deram lugar a um ceti-
cismo generalizado.

68 P. Curtin, "African Hístory", em M. Kammen (org.), The PastBefore Us: Contemporary


Historical Writingin the United States. Ithaca : Cornell University Press, 1980, pp. 114-15.
Muitas outras contribuições do mesmo volume tratam da fragmentação (Morríson, ao
tratar dos medievalistas), da ausência de uma problématique comum (Darnton, em seu
exame da situação da história intel ectual e cultural), da frágil convicção de pertencer a
um projeto coletivo (Maíer, tratando da historiografia das relações internacionais).
69 Cf. P. Novick, That NobleDream. The"Objectivity Q}testion" and theAmerican Historical
Profession. Cambridge: Cambridge University Press, 1988, pp. 577-92.
70 B. Bailyn, "lhe Challenge ...", op. cít., T. K. Rabb, "T oward the Future, Coherence, Syn-
thesis and Quality in History". [ournalof Interdisciplinary History, n. u , 1981, pp . 315-32;
P. Burke, "Overt ure: lhe New H istory, its Past and its Future", in P. Burke (org.), New
Perspectives on Hisiorical Writing. University Park: Penn sylvania State University Press,
1992, pp. 18-20 [ed. bras.: A escrita da história: Novasperspectivas, trad. Magda Lopes. São
Paulo: Unesp, 2001].
71 Cf. T. S. Hamerow, Rejlections on History and Historians. Madison: University ofWis-
consin Press, 1987 [nesta antologia, pp. 291-339]. Do mesmo autor, "lhe Bureaucratiza-
tion ofHistory". AHR, n. 94, 1989, pp. 654-60.

552 A "N OVA H ISTÓRIA". UM A ESTR UTUR A DE LON GA DURAÇÃ O


IX

o aparecimento da historiografia "p ós-m oderna', o conjunto de mudanças


na natureza do discurso histórico que Stone acreditou detectar em 1979 e
para o qual utilizou, na época, a taquigráfica code-word "retorno da narrativa",
supõe o fim da "nova história" de longa duração que vimos comentando?
As críticas que esse difundidíssimo artigo suscitou foram de vários tipos e
proced ências," Acredito que várias delas estejam bem fundamentadas, mas -
para efeito destas considerações - interessa-me aludir a duas apenas. A pri-
meira é que, embora Stone tivesse razão ao diagnosticar o aparecimento de
uma nova forma de fazer história em meados dos anos 1970, por outro lado
parecia esquecer (com a perspectiva da última década as coisas se tornaram
mais claras) que, simultaneamente a essa "new new history" (como a chama
Himmelfarb) e à "nouvelle nouvelle histoire" (como a denominava Braudel),
continuou e continua praticando-se, de forma relevante, a "new history", sim-
plesmente (além, é claro, da "oui" ou "tradiiional history").
Outra segunda crítica baseia-se no caráter aparentemente contraditório
de um tipo ou outro de história devido, talvez, a um parágrafo já famoso
do citado artigo de Stone, que, sem dúvida, tem muito de retórico." Isso

72 L. Stone, "1he Revival ofNarrative", op. cito As primei ras críticas apareceram nos núme-
ros seguintes da revista: E.]. Hobsbawm, "The RevivalofNarrative: Some Comments",
n. 86, fev. 1980, pp, 3-8; P. Abrams, "History, Sociology, Historical Sociology". PP, n.
PP,
87, maio 1980, pp. 3-16. Pouco depois, Abrams publicou seu Historical Sociology. Shepton
Mallet: Open Books, 1982.
73 Já sintetizamos a apresentação da New History feita por Stone em 1976. Seu artigo de
1979 parece uma contestação dialética à sua análise anterior, ao dizer: "Está claro que
uma única palavra como 'narrativa', especialmente quando, como neste caso, tem his-
tó ria tão complicada por trás, é inadequada para des crever o que na realidade é um
amplo conj unto de mudanças na nature za do discu rso histórico. Existem sinais de mu -
dan ça em relação ao problema central da hist ória, das circunstâncias que rodeiam o
homem, e ao homem e suas circunstâncias; nos problemas estudados, dos econ ómicos
e demográficos aos culturais e emo cion ais; nas principais fontes de influência, da so-
ciologia, a economia e a demografia à ant ropologia e psicologia; no sujeito objeto de
estudo, do grupo ao indivíduo; nos modelos explicativos de mudança histórica, dos
monocausaís e estratificados aos interconectados e multica usaís, na metodologia, da
quantificação de grupos ao exemplo do individual; na organização, do analítico ao des-

GORTÃZA R 553
porque a narração e a conceitualização, em história, não se excluem, necessi-
tam-se mutuamente: o mesmo ocorre com a descrição e a an álise: o modelo
de explicação da mudança histórica interconectado e multicausal já era pra-
ticado por muitos dos historiadores dos Annales e "new historians", em geral,
antes de 1979 etc.
O mesmo Stone publicou, em maio de 1991, uma breve nota sobre "His-
toriografia e pós-modernidade", em que considerava que a linguística, de
Saussure a Derrida, a antropologia simbólica de Geertz e a escola norte-
-americana de historiadores da literatura, encabeçada por Greenblatt - os
chamados "new historicists" -, colocavam em questão as próprias bases
da ciência histórica e teriam provocado, sobretudo na França e na Amé-
rica do Norte, uma grande crise de autoconfiança. Um ano depois, em
breve artigo que parece encerrar a polêmica gerada pela sua primeira nota,
Stone reconhece, implicitamente, que a tal nota poderia ter motivado in-
terpretações errôneas. Falava dos méritos do "giro linguístico" e da antro-
pologia de seu amigo Geertz. Concluía afirmando que - salvo nos raros
casos dos que mantêm a tese de que o gênero histórico se restringe a uma
criação completamente subjetiva do historiador - existia uma plataforma
comum à maioria dos historiadores de sua geração ("new historians") e
aos "p ós-m odernos'." .
Existem, portanto, razões para pensar que entre o que denominamos
"historiografia moderna" e a "histori ografia pós-moderna" (como Stone,
utilizo esses termos como code-words), entre a "macro-história" e a "micro-
-história", a oposição não é total e, em certos aspectos, existe continuidade
entre uma e outra. Bastará para demonstrá-lo ter em conta algumas realida-
des concretas da história que se escreve atualmente.

critivo, na conceptualização da função do historiador, da científica à literária. Mudan-


ças tão multifacetadas em conteúdo, objetivo, método e estilo do fazer historiográfico,
todos se produzindo ao mesmo tempo, possuem claras afinidades afetivas entre si: to-
das encaixam claramente entre si. Nenhuma única palavra é adequada para referir-se
a todas elas, e por isso, por hora, o termo 'narrativa' terá de servir como uma palavra-
-chave taquigráfica para o que está acontecendo", op . cit., pp . 23-24. .
74 Cf. L. Stone, "History and Postmodernism", e artigos citados na n. 60.

554 A " NOVA HISTÓRIA", UMA ESTRUTU RA DE LONGA DURACÃO


x

Em primeiro lugar} discorramos sobre a "história global" dos Annales. Como


explicamos no início} nenhum historiador produziu, até agora} uma história
global} e é difícil que algum dia se consiga fazê-la, ao menos o que chama-
remos de sua primeira versão. O exemplo de antonomásia da história total -
O Mediterrâneo de Fernand Braudel- não alcançou seu objetivo, como mani-
festaram, entre muitos outros, Bernard Bailyn, que viu o problema imediata-
mente, eJack Hexter, a cuja luminosa análise nos referimos no in ício,"
A história total busca a descrição e a explicação de uma estrutura ("a
estrutura das estruturas") em que cada uma das peças explique e seja ex-
plicada pelas demais sem que, teoricamente (como afirmaria de fato Lévi-
-Strauss), ocorram mudanças temporais entre elas. A explicação de uma
totalidade social submetida a mudanças temporais é muito difícil, tanto
teórica como praticamente."
Em todo caso} o desafio da história total pareceu abandonado, antes} pe-
los próprios annalistes, porque os anseios de fazer uma história científica os
levaram a parcelar a realidade histórica para estudá-la com os métodos das
correspondentes ciências sociais. O cada vez mais estreito contato entre
história social e sociologia, entre história e teoria econ ômica, entre história
politica e politologia - a que já se referia Pierre Léon, no livro-homenagem

7S B. Bailyn, "Braudel's Geohistory: A Reconsideration", [ournalof Economic History, n. 11,


1951,pp. 277-82; J. H. Hexter, "Fernand Braudel .. . ", op. cito
76 Falou-se, em muitas ocasiões ( e com fundamento in re), do "pré-est rut uralismo"
de L. Febvre e M. Bloch. Cf. M. Cedronio, "Profilo delle 'Ann ales'...", in M. Cedro-
n ío, F. Diaz e C. Russo, Storiografia francese di ieri e di oggi, op . cit., pp . 31-38 e 57-59
(Bloch): H. D . Mann, Lucien Febvre: La penseévivante d'une historien. Paris: Armand
Colin, 1971, pp . 125-49. Sobre a apa rente aporia a que conduz a rela ção estrutura-
-tempo e sobre o singular "estru tur alismo" de Braudel, e suas diferenças em rela ção
a L évi-Strauss, Althusser e Foucault, ver M. Cedronio, "Profilo delle 'Annales'...", in
M. Cedronio, F. Dia z e C. Russo, Storiografia francese di ieri e di oggi, op. cit., pp . 40-
-72; T. Stoianovich, French Historical..., op. cit., pp. 112-16j F. Dosse, L'Histoire..., op.
cit., pp. 108-18 j do me smo autor, Histoire du structuralisme. Pari s: La Découverte, 2 v.,
1991-92 [ed. bras.: História do estruturalismo, trad. Álvaro Cabral. Campinas/ São Pau-
lo: Unicamp /Ensaios, 1993-94].

GORTÁZAR 555
a Femand Braudel, publicado em 197377 - , toma cada vez mais altas as fron-
teiras entre as especialidades dos diversos setores históricos e distancia, cada
vez mais, a perspectiva de uma história total científica. François Furet foi dos
primeiros a perceber isso. A história quantitativa - escrevia em 1971 - precisa
de séries de fatos homogêneos para poder trabalhar com rigor, e, mesmo
sendo verdade que é possível interpretar um subsistema ou um sistema
pela conjugação e comparação de diversas séries) faltam-nos, hoje, elemen-
tos para uma análise do que se poderia chamar o "sistema dos sistemas": a
realidade global." Raymond Aron chegava à mesma conclusão: na falta de
uma teoria sobre a coordenação entre os diversos setores (política, cultura,
economia etc.) que distinguimos na realidade social, é impossível dar uma
explicação científica da totalidade,"
Encerrava-se assim - partindo dos próprios Annales - a possibilidade da
história global? Para Braudel, até 1985 a lição dos Annales (com maiúscula)
consistia em incorporar todas as ciências humanas e sociais) sendo conver-
tidas em ciências auxiliares da história, como única estratégia possível para
alcançar o objetivo da "história global'~ tal como era entendida pelos fim-
dadores dos Annales.80 Para Braudel, a história global não se confundia com
a história universal, mas no horizonte de suas esperanças incluía a possibi-
lidade (mais ainda, a necessidade) de escrever uma história global univer-
sal. O caminho para consegui-lo teria de ser, concretamente, a elaboração
de uma história comparada das civilizações. Febvre e Bloch pensavam da
mesma forma, e, de fato, dirigiram ou projetaram obras importantes de his-
tória universal.
No entanto, a "história global" e a "história universal" não são termos
homônimos nem na linguagem de Febvre, Bloch ou Braudel. Basta lembrar
a definição que já demos de "história global'~ mas devemos comprovar isso
na prática historiográfica dos fundadores dos Annales.

77 P. Léon, "H istoire économique et histoire social en France: probl érnes et perspectives",
in Mélanges en l'honneur deFernand Braudel. Toulouse: Privar, v. II, 1973, pp. 3°3-15.
78 F. Furet, "L'H istoire quantitative et la construction de fait hístoríque". AESC, n. 26, 1971,
pp. 63-75; incluído em seu L'Atelierde l'histoire. Paris: Flammarion, 1982.
79 R. Aron, "Postface ", em]. Dumoulin e D. Moisi (orgs.), lhe Historian beiween the Eth-
nologist and the Futurologist. Paris: Mouton, 1973.
80 UneLeçon d'histoire..., pp. 162-63 e 221-22.

556 A "N OVA HI STÓRIA", UM A ESTRUTU RA DE LO GA DURAÇÃO


Talvez por influência - como insinuou Irsigler" - da Landesgeschichte
alemã, o pré-annaliste Henri Berr escolheu a região como marco para sua
"síntese histórica" (ideal muito parecido com o da história global). Nessa li-
nha, estão as primeiras publicações, nos anexos à revista de Berr, de L. Feb-
vre (sobre o Pranche-Comt é), de M. Bloch (sobre "L'lle de France") e a tese
de doutoramento de Febvre (uma história "sintética" do Franche-Comté no
século XVI). Essa tese é, provavelmente, a obra mais importante produzida
por um membro do grupo da Revue de Synthese Historique antes de 1914.81
Ainda nessa mesma linha, é muito conhecida a escolha da região ou da
comarca como marco geográfico da "h istória global", promovida por Brau-
del nos anos 1950. Entre outros, são bons exemplos as teses de Le Roy Ladu-
rie sobre o Languedoc, a de Goubert sobre Beauvais e sua comarca ou a de
Baehrel sobre a Provença,"
Dois annalistes de primeira linha começaram a produzir, na França, o que
hoje denominamos "micro -história": Duby com seu Le Dimanche de Bouvi-
nes, publicado em 1973, e Le Roy Ladurie com Montaillou, datado de 1975.84
Esse novo marco geográfico local- caso de Montaillou - ou a "thick descrip-
tion" de uma batalha - caso de Bouvines - significavam a ruptura completa
com o ideal da "história global"? Le Goff o nega completamente: o Montail-

81 F. Irsigler, "Zu den gemeinsamen Wurzeln von 'hísto íre régionale comparative' und
'vergleichender Landesgeschichte' in Frankreich und Deutschland", in H. Atsma e A.
Burguiêre (orgs.), Mare Bloeh auiourd'hui, op . cit., pp. 73-85.
82 L. Febvre, Le Franehe-Comté. Paris: Cerf 1905, co1."Les Régions de la France", t. IV, pu -
blicação da Revuede Synthêse Historique. Na m esma cole ção, M . Bloch, L'Íie-de-Erance
(Ies pays autour de Paris). Paris: Cerf 1913. A tese de doutoramento de Febvre: Philippe
II et le Franche-Comt é: la crise de 1567, sesorigines et sesconséquences. Étude d'histoire poli-

tique, religieuse et sociale. Paris: H. Champion, 1911.


83 P. Goubert, Beauvais et le Beauvaisis de 1600 à 17 30. Contribution à l'histoire sociale de
la France du XVII" siêcle. Paris: SEVPEN, 1960,2 v.; R. Baehrel, Une Croissance: La Basse-
-Provenee rurale,fin xvr siecle, 1789. Paris: SEVPEN, 1961; E. Le Roy Ladurie, Les Paysans
du Languedoe. Paris: Flammarion, 1966, 2 v.
84 G. Duby, Le Dimanehe de Bouvines, 27 juillet 1214. Paris: Gallimard, 1973 [ed. bras.: O do-
mingo de Bouvines: 27 de julho de 1214, trad. Maria Cristina Frias. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1993]; Le Roy Ladurie, Moniaillou, vil/age occitan de 1294 à 1324. Paris: Gallimard,
1975 [ed, bras. : Montaillou, povoado occitânieo: 1294-1324, trad. Maria Lucia Ma chado. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997] .

GORTÁZAR 557
lou de Le Roy Ladurie "manifesta muito bem", ressalta, "o desejo totalizante
da história nova':8s
É certo que nem Le Dimanchede Bouvines, de Duby, nem Montaillou, de
Le Roy Ladurie, levaram a revista Annales a formular, de forma rigorosa, a
relação entre a nova perspectiva dessas obras e a tradição da escola. É como
se desde meados dos anos 1960 até o final dos anos 1980 o aporte teórico e a
função de liderança da revista estivessem esgotados." Só em 1988 um breve
editorial intitulado "Hístoire et sciences sociales. Un tournant critique?" pa-
receu soar o alarme, ao que denominou "o tempo das incertezas", para que,
em trabalho coletivo, os métodos do historiador fossem repensados e novas
alianças interdisciplinares procuradas,"
Embora o "cerrar fileiras" continuasse, já em 1989 os Annales dedicaram
um número monográfico a oferecer respostas àquelas incertezas, no editorial,
ficava claro o que significava para eles a aproximação micro-histórica: não
deve existir oposição entre macro e micro-história, pois as duas respondem
a diferentes escalas de análise - complementares e não opostas entre si -, se-
lecionadas de acordo com o tipo e as condições da investigação. Assim se
consegue - concluem - um enriquecimento dos modelos históricos, única
maneira de reconhecer a complexidade dos processos sociais,"
Um segundo testemunho de como os atuais annalistes compreendem o
ideal da "história global" encontra-se no primeiro número da revista de 1992.
No artigo "Os Annales vistos de Moscou", o soviético Bessmertny - ainda

85 J. Le Goff, "La Nouvelle Histoire", in Le Goff et aI. Corgs.), La Nouvelle Histoire, op.
cit., p. 212. A essa "hist ória local ", entendida como forma de fazer "história total", re-
feriram-se, entre outros, L. Stone, "H istory and the Social Sciences in the Twentieth
Century", in Charles Delzell (org.), TheFuture ofHistory, op . cit ., p. 26, e M.Aymard,
"H ístoire e cornparaison", in H. Astma e B. Burgui êre Corgs.), Marc Bloch ..., op. cit. ,
pp. 274-75·
86 Foram anos em que a "Escola dos Annales" - se é que alguma vez existiu como tal -
mal podia manter algumas marcas de identidade, como assinalou Furet no prefácio ao
seu l/Atelier..., op . cito Sobre a "desintegração do paradigma dos Annales" - que acon-
teceu, como também comenta Furet, no momento do apogeu -, ver L. Hunt, "French
History in the Last Twenty Years: lhe Rise and Fall of Annales Paradigm". JCH, n. 21 ,
1986, pp. 209 -24 .
87 "H istoire et sciences sociales. Un tournant critique?". AESC, n. 43, 1988, pp . 291-93.
88 "T entons l'experience". AESC, n. 44, 1989, pp. 1317-23, especialmente p. 1323.

558 A " NOVA HISTÓRIA". UM A ESTR UTU RA DE LON GA DURA ÇÃO


o era quando escreveu o artigo - manifesta sua grande inquietação com o
que ele considera a renúncia dos Annales ao programa da história global que,
durante muito tempo, identificara a revista. Em nome do comitê de direção,
Bernard Lepetit e Jacques Revel respondem que não se trata de uma censura
nova, pois já era frequente nos anos 1970. Explicam algumas das razões da
transformação: o crescimento e a diversificação da área do historiador levam
à afirmação de especialidades mais definidas, com pouca comunicação entre
si, os grandes paradigmas que unificavam, até então, as ciências sociais estão
fortemente "abalados': Na atual perspectiva da incerteza sobre o nosso futuro,
é normal que se difunda a convicção de que um projeto de inteligibilidade
total da dimensão social não tenha - provisoriamente (o grifo é meu) - futuro.
Referindo-se ao editorial de 1989, Lepetit e Revel dão uma resposta mais di-
reta à questão: os Annales- afirmam - não abandonam o projeto de uma his-
tória global, mas o reformulam. Já não pensam nele em termos de extensão
e acumulação, mas em termos de aprofundamento. Seja qual for o nível da
análise - asseguram - é o complexo conjunto das interações sociais o que é
preciso captar sempre. Contudo, precisamente por essa razão, a acumulação
de resultados não pode ser pensada como um procedimento simples, que
pudesse se contentar com a justaposição ou a sorna."
É evidente que essa "segunda versão" da história global é sensivelmente
diferente da "primeira versão". Entre outros motivos porque, pela via da
micro-história, a síntese é impossível, e mais impossível ainda, se isso for
cabível, a história universal. No entanto - parece-me -, existe um núcleo
conceituaI comum que permite seguir falando de história global. Porém se
à sensível diferença entre a "história global" na versão de Braudel e a de-
fendida pelos atuais annalistes se acrescenta o mencionado crescimento dos
germes do relativismo moral e cognitivo já fixados no pensamento de Feb-
vre e Bloch, é difícil refutar a afirmação de que os postulados dos Annales
esfumam-se e ficam submetidos à crítica pós-estruturalista. Como o estão
a "social-scientific hisiory" norte-americana, a "Gesellschaftsgeschichte" alemã
(envolvida, numa nova "Methodenstreit", com a "Alltagsgeschichte") e a histo-
riografia marxista.

89 Y. Bessrnertny, "Les Annalesvues de Moscou". AESC, n. 47, 1992, pp. 245-59j B. Lepetit e
J. Revel, "L'Exp érimentation contre l' arbitraire", AESC, n. 4 7, 1992, pp . 261-65.

GORTÀZA R 559
XI

Um segundo ponto a ser assinalado nesta análise da continuidade entre


"macro-hístória" e "micro-história" é que as principais formas de fazer micro-
-história, hoje, não são pós-modernas, do ponto de vista gnosiológico : não
são obras desconstrucionistas. Não o são as micro-histórias dos annalistes.
Essa outra forma de micro-história, praticada por alguns historiadores anglo-
-saxões especializados na história cultural da Europa moderna, também re-
cusa a redução da história à pura linguagem e subjetividade. Nesse sentido, é
muito interessante a resposta de Natalie Zemon Davis às duras críticas feitas
por Finlay ao seu conhecido livro lhe Return of Martin Guerre:" Por último,
onde a micro-históría se tornou escola e apostou em uma forma específica
do fazer histórico foi na Itália, no grupo de historiadores marxistas ligado à
revista Quaderni Storici, e como consequência - assim o explicam - do debate
político e cultural dos anos 1970. Em recente escrito (que considero a melhor
exposição das bases intelectuais da micro-história italiana), Giovanni Levi
afirma, de forma taxativa) que "a investigação histórica não é uma atividade
puramente retórica ou estética" e que um dos aportes específicos de sua es-
cola à "new history" consiste) rigorosamente, em "refutar o relativismo) o irra-
cionalismo e a redução do trabalho do historiador a uma atividade puramente
retórica de interpretação dos textos e não dos próprios acontecimentos'l"

90 N. Z. Davies, 'IheReturn ofMartinGuerre. Cambridge (MA) : Harvard University Press, 1983


[ed. bras.: O retorno deMartin Guerre, trad. Denise Bottmann, Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987]. A edição francesa é de 1982,a espanhola, de 1984. R. Finlay, "lhe Refashioning of
Martin Guerre". AHR, n. 93, 1988, pp . 553-71,seguida da réplica de Davis ("On the Lame",
pp. 572-603). A meu ver, a réplica é muito convincente e manifesta um "m étier d'hisioren"
excepcionalmente praticado. 'IheGreat CatMassacre andotherEpisodes in French Cultural
History. Nova York: Basic Books, 1984 [ed, bras.: O grande massacre degatos eoutros episódios
da história culturalfrancesa, trad. Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1986J, de Robert
Darnton, originou uma pol êmíca ainda mais ampla, centrada em boa parte no status da his-
tória das mentalidades e demonstrando que a obra de Damton também não se afastava da
forma tradicional de história, embora suas interpretações fossem discutíveis. Ver os artigos
de R Chartier,]MH, n. 57,1985, pp. 682-85; P. Benedict e G. Levi, Quaderni Storici, n. 58,1985,
pp . 257-77j R Darnton, JMH, n. 58, 1986, pp. 218-34j LaCapra, JMH, n. 80, 1988,pp. 95-112;
Femández, JMH, n. 6o, 1988, pp. 113-27j e H. Mah, History Workshop, n. 31, 1991.
91 G. Leví, "O n Mícrohistory", in P. Burke (org.), New Perspectives ... , op. cit., pp. 93-113j

560 A " NOVA HISTÓRIA" UMA ESTRUTURA DE LONGA DURAÇÃO


Nã o se pode esq uecer, em terceiro lugar, que a "macro-hist ória" conti-
nuou sendo praticada, intensamente, no s anos 1980 e con tin ua ain da hoje,
não só po r inércia. Na décad a de 1990, aume ntou a p rática da histór ia com-
parada , que Le Goff, não há muito tempo, considerava o único meio de fazer
uma verdadeira histó ria geral," tamb ém nessa década, a sociologia histórica
recebeu novo impulso de algumas de suas pri ncipais figuras (P olanyi, Ei-
ens tadt, Bendix, Perry Andersen, Wallerstein, Barrington Moore) e mé-
todos. O mais importante deles é o método comparativo, apresentado, em
1984, por Theda Skocpol (na Espanha, cinco anos depois, por Santos j uli á).
Também a histó ria sociológica se desenvolveu mu ito, sem pre lo uvad a em
títulos significa tivos como o livro de Ti1ly - Big Structures, Large Processes,
Huge Comparisons - , que Olivier Zunz apresentava, em 1985, em obra cole-
tiva similar e co nvergen te em relação à de Skocpol."

citações literárias da pp. 94-95. No mesmo sentido - e abrangendo a concepção da his-


tória global dos annalistes amais - ver também "L'His toire au ras du sol", prólogo de
J. Revel à tradução francesa de um dos principais livros de G. Levi: LePouvoir au village.
Hisioire d'un exorcistedanslePiémontduxvtr siec/e [1985], trad. Monique Aymard. Paris :
Gallimard, 1989 [ed, bras.: A herança imaterial: trajetória de um exorcista noPiemonte do
século XVII, tr ad. Cynthia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000], e E. Muir e G. Ruggiero (orgs.), Microhistory and theLostPeoples ofEurope, trad .
Eren Branch. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1991, pp. VIl-XXVIII. Contudo,
essa recusa do relativismo e da redução do trabalho do historiador a uma atividade re-
tórica não deixa de ser um puro ato de voluntarismo, não fundam entado racionalmente,
por parte de um grupo de "pós-marxistas" sem opção teóri ca alternativa.
92 J. Le Goff, "L'App étit de l'h isto íre", in P. Nora (org.), Essaisd'ego-histoire. Pa ris: Gal-
lirnard, 1987, pp. 200, 221 [ed. port.: Ensaios de ego-história, trad. A. C. Cunha. Lisboa:
Edi ções 70, 1987].
93 T. Skocpol (org.) , Vision andMethodin Historical Sociology, Cambridge/Nova York: Cam-
bridge University Press, 1984i O. Zunz (org.), RelivingthePast: 'IheWorlds ofSocial History.
Chapei Hill: UniversityofNorth Carolina Press, 1985. Por ocasião da publicação de ambo s
os livros, a revista SocialScienceHistory dedicou ao assunto cinco importantes artigos de M.
A. Schwarz, T . Skocpol, O. Zunz , L. L. Cornell e W . G. Roy no n. 1, v. 11, primavera de 1987.
O livro de C. Tilly, Grandes esiruduras, procesos amplios, comparaciones enormes (trad. Ana
Balbás. Madri: Alíanza, 1991), foi publi cado nos Estados Unidos, originalmente, em 1984.
Uma boa introdução espanhola: a de S.Juliá, Historia social, sociología histórica. Madri:
Siglo XXI, 1989. Ver também o artigo de V. Bonn ell: "The Uses ofTheory: Concept s and
Comparison in Historical Sociology". CSSH, n. 22, 1980, pp. 15Ó- 73.

GORTÀZAR 561
Não se trata apenas - e isso é o mais significativo - de estarmos presen-
dando a coexistência - dentro de uma espécie de "guerra fria" historiográ-
fica - de "macro e micro-história". Em um de seus últimos artigos;" N. Z.
Davis, depois de estabelecer nítida oposição entre (e aqui observamos uma
nova estratégia linguística) a "classic social history" e a "newer social history",
admite que levou as diferenças ao extremo por razões retóricas, mas que
existem, claramente, "muitos cruzamentos entre ambas". M. Bloch - co-
menta - já estava produzindo "história social mais nova" em 1927, com Les
Rois thaumaturges. Le Carnaval de Romans, de Le Roy Ladurie, já estava es-
boçado em seu Les Paysans du Languedoc. William Sewell redigiu seu newer
livro sobre a linguagem do trabalho na França ao mesmo tempo que escre-
via um livro "clássico" sobre Marselha no século XIX. Lynn Hunt utiliza os
dois enfoques em Politics, Culiure, and Class in the French Revolution, e ela
também - conclui - fez o mesmo em Sacred and the Body Social in Sixteenth-
-Ceniury Lyon." O artigo conclui com uma defesa, não da compatibilidade,
mas da complementaridade dos dois tipos de análise, e instigando a procu-
rar modos de exposição ou narração que possam dar expressão efetiva às
"interações e tensões entre o grande e o pequeno, entre o social e o cultural"
(no sentido antropológico do termo)."
Não há dúvida de que existem notáveis diferenças entre a historiografia
moderna e a pós-moderna, entre macro-história e micro-história (sempre
entendidas como code-words), que ficarão evidentes no transcorrer desses
trabalhos. No entanto, não podemos ignorar os elementos de continui-
dade entre ambas. Como já comentamos, as coincidências entre os postu-
lados de uma e outra são praticamente totais no caso dos últimos Annales
e da "micro-história" italiana, em cujas peculiaridades se vê uma forma
de "new history", uma conjuntura da estrutura de longa duração que é a
"nouvelle histoire". Quanto às outras manifestações da historiografia pós-
-moderna, é importante ressaltar que todas elas também são partidárias da
interdisciplinaridade; que - em outra escala e com outros fins - buscam
inter-relacionar fatores de ordem distinta; que partilham o relativismo

94 N. Z. Davis, "lhe Shapes of Social History", 55} n. 17, 1990, pp. 28-34.
9S Id., ibid., p. 29: ali está a referência bibliográfica completa das obras citadas.
96 u, ibld., pp . 33-34.

562 A " N OVA HI STÓRIA", UMA ESTR UTU RA DE LON GA DURAÇÃO


moral e cultural da "new history", à qual acrescentam um certo grau de re-
lativismo cognitivo: que alternam constantemente passado com presente,
que são fortemente historicistas e, sem dúvida, partem de uma gnosiolo-
gia pós-kantiana." Precisamente esse conjunto de características próprias
à "new history", acentuadas ao máximo na historiografia pós-moderna, in-
dica que, se estamos diante do fim da "nova história" de longa duração
(uma historiografia baseada nos princípios da modernidade), isso se deve,
sobretudo, ao fato de que, diante da crise da modernidade, uma parte da
intelectualidade ocidental optou por levaraqueles princípios às últimas
consequências, enfoque que resultou no que já denominamos, com o pro-
fessor Ballesteros, de pós-modernidade como decadência.

XII

É certo que, diante do influxo da filosofia pós-moderna, a partir aproximada-


mente de 1975, a profissão adotou atitudes muito diferentes. Há os que em-
barcaram no carro do "pós-modern o" até chegar, como é - segundo afirma
L. Stone - o caso do último livro de Schama, ao esquecimento deliberado
do princípio da realidade, "a deliberada supressão da diferença entre os re-
gistros de arquivo e a ficção" que suporia - ainda segundo Stone - a morte
da nossa disciplina." Também é certo que outro grupo de historiadores,

97 O "sejamos todos neokantianos " de Fou cault, ao apre sentar o livro de Cassirer (La
Q!âll:willc Litt éraire, n. 8, 1966, p. 3), po de ser estendido, como vemos, a quase toda s
as form as de II CIV history e de IIC IV Il elV history, cf. M . Cedronio, "Profilo delle 'Annales'
attraverso le pagine delle 'An nales", in M. Cedronio, F. Diaz e C. Russo, StoriogmJia
franccse di ieri e di oggi, op. cit., pp . 64-65.
98 S. Scham a, Dead Certainties(Unwarranted Speculations). Nova York: Knopf, 1991. A po s-
tura de tone (que conclui sua nota afirmando que sua única obje çâo às implicações
do /illguistic tUnl reside nas afirma ções de que não existe realidade externa, de que tudo
é criação subjetiva do historiador, de que é a linguagem que cria o sentido que , por
sua vez, cria no ssa imagem do real; tudo que elimina a diferenç a entre fato e ficção,
converte o trabalho do hist oriador em algo completamente inútil, mas "todos, exceto
talvez Scham a, est ão abandonando essa posição"). Em sua segunda nota sobre "His tory
and Postmoderni sm", PP, n. 135, maio 1992, pp . 192-94, Stone procura reforçar sua pró -
pria opinião "remetendo às fortes objeções a esse novo modelo de hist ória", feitas po r

GORTÀZA R 563
entre os quais se destaca, por sua elegante beligerância, Gertrude Himmel-
farb, não faz distinção entre a "new history" e a historiografia p ós-moderna,
opondo-se a ambas com argumentos que, apesar de serem, muitas vezes,
argumentos "ad hominem", não deixam de ser atraentes. Há vinte anos - es-
crevia a citada autora em 1989 99 - , um dos grandes mestres da "riova histó-
ria" pôde afirmar com segurança: "O historiador do amanhã precisará ser
capaz de programar um computador para sobreviver"; "a história que não
seja quantificável não pode se considerar científica'l'" Seis anos depois de fa-
zer tais afirmações, dois anos depois de tê-las reimpresso e, paradoxalmente,
quatro anos depois de aparecerem numa tradução inglesa, Le Roy Ladurie
publicou outro livro, que está muito longe desse tipo de história científica,
quantitativa, além do que se pode imaginar. Seu Montaillou foi imediata-
mente aclamado como um clássico da história das mentalidades. As sim tam-
bém ocorreu com outras variedades da "nova história':
Para Himmelfarb, o processo de fragmentação e desconstrução da histó-
ria não procede apenas dos desconstrucionistas confessos ("new new histo-
rians"), mas também de muitos dos "novos historiadores sociais"!" Segundo
ela, a essencial distinção entre "a história de sempre" e qualquer tipo de nova
história refere-se ao diferente tipo de relação com o passado de cada uma.
A nova história - explica - coloca-se fora da opinião recebida - a opinião
dos contemporâneos e dos historiadores tradicionais - , e está predisposta a

G. Wood na critica ao livro de Schama, publicada no NewYork ReviewofBooks, 27 jun,


1992, pp. 12-16. A meu ver, ao contrário, Simon Schama afronta alguns dos problemas
mais difíceis com que o historiador depara e - ainda que seja possível discutir a validade
dos procedimentos escolhidos num livro que é claramente "experimental" - investiga
e escreve sempre enquanto historiador. Ver minha recensão em J. P. Fusi (org.), La
historia en elçz. Madri: Marcial Pons, 1993.
99 G. Hímmelfarb, "Some Reflections...", op. cit., p. 661.
100 E. Le Roy Ladurie, The Terriiory of the Historian [1975], trad . Ben e Siân Reynolds. Has-
socks: Harvester, 1979, pp. 6, 15.
101 Um historiador de distinta formação, Martin Jay, entende também o descon strueionis-
W
mo em sentido mais amplo que o habitual. O que ele denomina "desintegrai textualism
incluiria o textualismo desconstrueionista propriamente dito além dos enfoques her-
menêuticos de Gadamer, Stanley Fish e Clifford Geertz, cf "The Textual Approach to
Intelleetual Hístory", in G. Brude-Firnau e K.J. MacHardy (orgs .), Factand Fiction, op.
cit., pp. 77-86.

564 A " NOVA HI STÓRIA", UMA ESTR UTURA DE LONG A DUR ACÃO
considerá-la falsa. A história tradicional trabalha partindo da opinião rece-
bida, tentando compreendê-la tal como o fizeram os contemporâneos, para
descobrir por que pensavam o que pensavam, por que tais convicções lhes
pareciam dignas de ser sustentadas, para obter, em suma, uma interp retação
irrefutável de suas experi ências,'?'
No entanto, entre essas duas atitudes extremas (qualificativo queJ neste
caso, não quer conotar um juízo de valor) estão outras duas: a primeira, a
daqueles que continuam trabalhando independentemente do que digam fi-
lósofos e teóricos da história ("objetivistas empíricos", como os chamaria
Novick), sem a consciência, talvez, de que muito provavelmente a linha de
trabalho que desenvolvem não teria vindo à luz, nem se entenderia plena-
mente, sem que conhecessem o pensamento de algum "teórico" anterior a
seu próprio acesso à vida científica. Por fim, estão os que apenas recebem
criticamente as novidades e incorporam a seu acervo o que lhes parece inte-
ressante para seu trabalho, enquanto recusam posições extremas que, a seu
ver, levam à destruição da história.
Essa última postura é, em minha opinião, a mais construtiva. Entre-
tanto, quando se leem artigos mais recentes de Stone, Hollinger, MacHardy,
Burke, Spiegel, Chartier, Burgui êre, Levi, Ginzburg e um longo et cetera, a
sensação passada pelo conjunto é a da recusa (voltando à terminologia de
Ballesteros) da "pós-modernidade como decadência" desde a modernidade:
precisamente no pensamento da modernidade (de Descartes a Habermas,
"o último ilustrado") estão as raízes da "pós-moderni dade decadente" que
eles recusam.

102 "A nova história", conclui Himmelfarb, "tem muito que ensinar à tradicional, mas essa
é uma lição que a história tradicional pode ensinar à nova." G. Himmelfarb, "Some
Reflections...", op. cít., pp. 669 -70. Além do caso de Le Roy Ladurie, Himmelfarb cita
alguns outros para terminar com uma observação que - no que se refere à relação en -
tre história e outras disciplinas humanísticas e sociais - parece-me acertada: "foi dito
que J quando uma ideia morre na França, rebrota na Améric a; poder-se-ia acrescentar que ,
quando uma teoria toma-se ultrapassada em outras disciplinas, é tardiamente adotada
pelos historiadores".

GORTÀZ AR 565
XIII

Para superar verdadeiramente a modernidade, é necessário dispor de uma


teoria do conhecimento que permita chegar ao mundo real e a esse conhe-
cimento do ser que é a metafísica e, com tais pressupostos, recuperar, por
meio da antropologia, uma concepção unitária do homem,"? Apenas por
essa via será possível atingir uma organização de saberes que não converta
a prática da interdisciplinaridade nessa contradição "in terminis" que é a
"história interdisciplinar" (e foi esse o título escolhido por nada mais nada
menos que o MIT para sua revista), o que seria "a ciência interdisciplinar do
homem e da sociedade", distinguindo adequadamente entre o tipo de co-
nhecimento próprio da filosofia e o das ciências humanas e sociais; que as-
sinale as semelhanças e as dessemelhanças entre o estatuto epistemológico
das humanidades e o das ciências sociais; que defina, enfim, o objeto formal
próprio de cada uma das ciências humanas e sociais, para que o trabalho de
uma complemente o das demais, sem confusionismos nem duplicações.
Ài; vezes, parece que está tudo por fazer, que não se encontrou uma forma
adequada de síntese dos saberes, nem do conjunto das ciências humanas e
sociais, sequer da especificidade da história. Não obstante, parece-me que a
história das ciências humanas e sociais demonstra o caráter cumulativo do
saber de todas as ciências que se ocupam do homem, apesar de que, durante
longos períodos de tempo, o marco conceítual e o metodológico no qual se
movem, a Weltanschauung que anima o trabalho dos investigadores, sejam
profundamente errôneos ou simplesmente superficiais.
Como quase todas as ciências do homem e da sociedade, a história se
constituiu como ciência independente (pelos fundadores da escola histórica
alemã, no início do século XIX), convertendo uma dimensão inerente à natu-
reza humana - a historicidade - na própria essência do homem. Ainda que,

103 Concordo com Charles Morazé (La Logique de l'histoire; Paris: Gallimard, 1967, pp. 28-
-29 [ed, bras.: Lógica da história, trad. Maria Yedda Linhares. São Paulo : Difel,197oJ)
em que a antropologia é "a disciplina central de todas as ciências do homem" e que "o
caminho que conduz a um tratado de antropologia geral passa por uma antropologia
histórica ".

566 A "NOVA HISTÓRIA' , UMA ESTRU TURA DE LONGA OURAÇÃO


como mostrou Iggers,104 a ideia central do historicismo (a atitude de quem
busca na história a via de acesso à realidade do homem) não se limita em
absoluto à escola histórica alemã, o termo citado - historicismo -, com algu-
mas variantes/ osse aplicou de maneira particular a Ranke e aos demais funda-
dores da referida escola. Mas tanto a escola histórica alemã - a primeira "his-
tória científica", como vimos mais acima, como considerava Stone - como as
"novas histórias" e a historiografia "pós-modema-decadente" coincidem na
consideração do homem, da Humanidade, como um processo contínuo de
mudança sem nenhuma base de sustentação (ou) pelo menos, sem uma base
de sustentação que possa fundamentar-se racionalmente): é a tese que com
uma expressão afortunada Ortega y Gasset sintetizou: "o homem não tem
natureza, tem [ ... ] história': Ou o que é o mesmo: o que a natureza é para as
coisas} a história é para o homem.r"
Como vemos} tanto o historicismo hermenêutico rankeano - que, nes-
tas páginas} não pude detalhar - como "as novas histórias" e a historiografia
"pós-modem a-decadente" fundamentam-se em urna ou outra variante da fi-
losofia moderna} que ou morreu ou se encontra em estado pré-agônico. Daí
que o trabalho mais difícil que nos aguarda em um futuro próximo não seja
o de abrir a cada dia novas frentes de investigação: mais urgente é a tarefa de
reajustar e reclassificar esse "inventário das diferenças" que} segundo Paul

104 Ver, além do seu já clássico livro The German Conception of History, op. cit., o esclare-
cedor artigo "H istoricism (a Comrnent) ". 55, n. 10,1986, pp. 131-44. Ver também meu
artigo "En tomo ai objeto.. ", citado na nota 56.
105 No lúcido artigo de L. Krieger (autor de um m agistral livro sobre Ranke: The Meaning
of H istory, Chicago: University of Chicago Press, 1977), "Elements ofEarly Historicism
Experien ce, Theory and History in Ranke". HT, n. 4 (Beiheft 14), 1975,pp.1-l4, definem -
-se as diferenças entre earlyhistoricism ou liistorism de Ranke e o historicismo do último
terço do século XIX e o primeiro do xx. Foi empregada a dicotomia "histori cismo objeti-
vo - historicismo subjetivo" para referir-se a esses dois momentos e posições, e também
se falou do "historicismo hermen êutico" da escola histórica alemã para distingui-lo dos
de Comte, Marx e seus seguidores nos séculos XIX e xx.
106 J. Ortega y Gasset, Historia comosistema, 2~ ed. Madri: Revista de Occidente, 1942, p. 63.
É como se todas as ciências positivas do homem e da sociedade, ao desligar-se do tronco
comum da filosofia, tivessem nascido cada uma com seu "pecado original" característi-
co: hist ória-hístoric ísmo, economia-economicismo, psicologia-psicologismo, sociolo-
gia-sociologismo...

GORTÁZAR 567
Veyne, constitui o objeto de nossa disciplina,"? algo que só pode ser feito na
perspectiva filosófica já apontada. Na mesma perspectiva, e com o mesmo
empenho de "recuperação e reclassificação" de todo o conhecido, teremos
de nos confrontar novamente com o objetivo de escrever História universal,
algo que, contra o que crê Lyotard e como bem assinalou Momigliano, não
procede da ilustração, mas que "é uma expressão essencial de nossa dupla
herança judaica e grega~108
Como Sir Herbert Butterfield escreveu há mais de três décadas, "nas
ciências naturais, o mundo ocidental foi muito além do que a Grécia ou a
China antigas poderiam ter imaginado, mas o Ocidente também é único no
desenvolvimento que deu à história e ao pensamento histórico. Ambas as
conquistas pertencem aos últimos trezentos anos aproximadamente e ne-
nhuma das duas pode ser entendida simplesmente por meio de buscas num
passado mais remoto; são mais o resultado dos próprios empenhos do ho-
mem moderno com a experiência. Se é preciso entender a nós mesmos e
a nosso próprio mundo intelectual, ambos imponentes aspectos de nossa
civilização - o pensamento histórico e o científico - têm de ser estudados
ao mesmo tempo. Nesse sentido, a História da História pode ser correlativa
à História da Ciência, e o estudo da Revolução Historiográfica poderia ser
paralelo ao estudo da 'Revolução Científica?" A obra, publicada em 1681,De
Re Diplomatica, do maurista Mabillon, foi tachada de verdadeira "revolução
copernicana" Marc Bloch, em sua Apologia da história, considera esse ano
"verdadeiramente uma grande data na história do espírito humano" e com-

107 P. Veyne, L'Inveniaire desdifférences: Leçon inaugurale au College deFrance. Paris: Seuil,
1976 [ed. bras.: O inventário das diferenças, trad. Sônia Salzestein. São Paulo: Brasilien-
se, 1983].
108 A. Momigliano, "Two Types ofUniversal Hi stories: The Cases ofE. A. Freeman and
Max Weber". JMH, n. 58, 1986, p. 235.
109 H . Butterfield, "The Hi story ofthe Writing ofHístory", Comité Intemational des Scien-
ces H istoriques, XI e Congres Intemational des Sciences H istoriques, Estocolmo, 21-28
ago.1960. Rapports, Gõteborg /Estocolmo /Uppsala, n.j, 1960, p. 27. Ver também - em-
bora seja um texto distinto - seu "The History ofHístoriography", em Man on HisPast:
lhe Study of the Historyof Historical Scholarship. Londres: Cambridge University Press,
1969, pp . 1-31.

568 A "N OVA H ISTÓRIA", U M A ESTR UTU RA DE LONGA DU RAÇÃO


para o espírito dos eruditos do século XVII com o da filosofia cartesiana."
Também Chaunu vê) "n a mutação) por volta de 1688) de todas as ciências
auxiliares da história', uma "fase crítica [ ... ] totalizadora) paralela à revolu-
ção científica"?'
A "revolução historiográfica" de que fala Butterfield - assim como a para-
lela "revolução científica" - não teria sido possível sem os pressupostos es-
pirituais e intelectuais da civilização europeia e sem a progressiva ampliação
(no espaço e no tempo) do mundo que tinha diante dos olhos. Essa "revo-
lução historiográfica") de longos antecedentes) era apenas uma exigência do
sentido linear e progressivo do tempo e do desenvolvimento da consciência
histórica da cristandade europeia.

110 M . Bloch, Apologie pour l'histoire ou M étier d'historien, 5~ed. Paris: Armand Colín, 1964,
pp. 36-38 [ed. bras.: Apologia da história ou O ofício de historiador, trad. André Telles.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001]. A geração de Mabillon, Papebroeck, Richard Si-
mon e Spinoza é - afirma Bloch - a geração que nasce no momento em que aparece o
Discours de la m éthode. Certamente, não é que Mabillon seja um cartesiano. Mas, "p ara
que uma filosofia impregne toda uma época, não é necessário que atue exatamente
segundo sua letra, nem que a maior parte dos espíritos esteja sujeita a sua influência
por uma espécie de osmose, frequen tem en te de forma semi-inconscíente", A crítica
do testemunho histórico assemelha-se à ciência cartesiana porque faz da crença tábua
rasa: porque só procede à derrubada implacável dos valores antigos se for para chegar a
novas certezas (ou grandes probabilidades), devidamente provadas, porque a idei a que
a in spira supõe uma mudança quase total de antigas concepções sob re a dúvida que - é
possível avaliar agora - , dirigida racionalmente, pode se converter em instrumento de
conhecimento. "É uma ideia cujo aparecimento ocorre em momento muito preciso da
história do pensamento."
III P. Chaunu, Historia, ciencia social: la duración, elespacio y el hombre en la época moderna
[1974 ], trad. Isaac González. Madri: Encuentro, 1986, p. 77 [ed. bras.: A história como
ciênciasocial: A duração, o espaço e o homemna época moderna, trad. Fernando Ferro. Rio
de Janeiro: Zahar, 1976]. O verdadeiro "giro copernícano", obra dos "antiquários" do
último terço do século XVII, adquire mais importância se for considerada a opinião dos
filósofos do século sobre a história: o próprio Descartes teria planejado (1648) "escrever
um tratado sobre erudição que teria sido certamente" - comenta Chaunu - "um tratado
contra a erudição": ainda em 1694, Bernard Lamy, discípulo de Malebranche, escrevia:
"a história é um monte de bobagens sobre os homens e suas virtudes. O que aconte-
ce com uma pessoa que engole, sem digerir, todas essas coisas considerando-as juízos
fundamentados? Causam em seu espírito uma espécie de indigestão". CE. P. Chaunu,
Historia, cienciasocial, op . cít., pp. 71-74.

GORTÁZAR 569
Hoje, nem o homem ocidental, nem tampouco os homens de outras lati-
tudes - como os melan ésios'" estudados por Tromph que combinaram sua
cosmogonia e sua tradição histórica oral com a visão linear e universalista
transmitida pela cultura ocidental - podem viver sem uma explicação glo-
bal de seu passado que dê sentido ao presente e promova o discernimento
quanto aos caminhos do futuro. A historiografia pós-moderna pode ser uma
saudável cura para ambições intelectuais excessivas ou mal digeridas, desde
as de Hegel, Comte ou Marx até as de Febvre, Braudel, WehlerJ Benson ou
Vilar: contudo, se arrancássemos da mente dos historiadores "pós-moder-
nos" todo o sentido de evolução do mundo (dos "mundos", se preferirem)
e de nosso lugar nele (neles), se amputássemos toda sua consciência histó-
rica, fruto da prolongada experiência universalista da cultura europeia, eles
não poderiam sequer entender o sentido de suas próprias obras oUJ simples-
menteJ não poderiam escrevê-las.
A "nova história", a história como a ciência do homem, as "novas hist órias",
de Ranke até Schama, têm um fundo comum evidente, porque partem da
mesma matriz epistemológica cujo esgotamento os pós-modernos demonstra-
ram, sem poder superá-la. No entanto, se todas as versões de nossa disciplina,
entendida como uma ciência ao longo dos últimos duzentos anos, convergem
em pontos fundamentais (que, em sua medida, deram lastro ao avanço de uma
comunidade historiográfica que trabalhou, ao longo desses dois século s, com
denodo e obteve consideráveis êxitos parciais, que não podemos desperdiçar),
isso significaria, a rigor, que hoje só contamos com uma forma - uma velha
forma de muitas faces - de entender a história como ciência? Dado que ne-
nhuma dessas faces nos satisfaz, a solução estaria no retorno a uma tradição
historiográfica de ainda mais longa duração - de Heródoto e Tucídides no sé-
culo v aC até Voltaire e Gibbon no século XVIII - J que entende a história como
um gênero literário destinado, principalmente, à educação moral e cívica?
Sem de sdenhar a história como manifestação da razão prática, minha res-
posta não pode ser positiva. Nossa disciplina é uma ci ência, não tanto por
seu método - como muitos dos defensores da "old history" ou história tradi-
cional podem ter pensado - mas, principalmente, por seu objeto: a descrição

112 G. W. Tromph, "Macrohistory and Acculturation: Between Myth and History in Mo -


dem Melanesian Adjustments and Ancient Gnostíc ísrn". CSSH , n. 31, 1989J pp, 621-48.

570 A " NOVA HISTÓRIA", UMA ESTRUTURA DE LONGA DURAÇÃO


e explicação da mudança temporal. Em um dos melhores ensaios escritos por
historiadores no último terço do século xx, François Furet, além de definir,
com finura, essa "história tradicional", baseado nos dois conceitos-chave de
"fato" e de "narração", e de assinalar com agudeza as aporias da história anna-
liste e o espelhismo que supõe estabelecer uma relação automática entre mais
uma "nova história" e a mera ampliação do campo historiográfico, chega a
algumas conclusões "de uso pessoal" que - somadas às de Paul Veyne'" -,
parece-me, apontam para um bom rumo, e por isso coleto-as para que sirvam
como conclusão destas páginas.
Para Furet, "a história, inclusive a história acadêmica, não é e nunca será
uma disciplina exata, no sentido em que se fala das ciências exatas " (afir-
mação não contraditória com a que fiz nas linhas anteriores). "As únicas
regras do ofício são as regras de procedimento elaboradas pelos eruditos
europeus entre os séculos XVI e XIX, e continuam sendo essenciais e in-
dispensáveis, mas não definem uma ciência, e sim um ofício: estabelecer
um fato 'verdadeiro' em sua complexidade é uma coisa; procurar a lei que
regula seu aparecimento ou existência, outra:' Essas regras do método his-
tórico - que possibilitam distinguir entre a boa e a má história - servem de
base para todos os tipos imagináveis de história, da mais narrativa à mais
conceitual. As preferências de Furet (não muito diferentes das de Veyne) o
inclinam a uma "história intelectualista, que construa explicitamente seus
dados com base em questões conceitualmente elaboradas", de forma que

113 CE. P. Veyne, Cómo se escribe la historia: ensayo de epistemología [1971], trad. Mariano
Muâoz Alonso. Madri: Fragua, 1972. Em 1976, apareceu uma versão abreviada, com o
acréscimo de um ensaio denominado Foucaultrevolutionnel'histoire, traduzido para o
espanhol: Foucaultrevoluciona la historia, trad. Joaquina Aguil ar. Madri: Alianza, 1984
[ed. bras .: Como se escreve a hist ôria; Foucaultrevoluciona a história, trad. Alda Baltar e
Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília: UNB, 1982]j R. Aron, "Comment l'historien écrit
l'épistémologie: À propos du livre de Paul Veyne". ARSC, n. 26, 1971, pp. 919-1354j M .
Certeau, "U n e épistemologie de transition". ARSC, n. 26, 1972, pp. 1317-27j P. Veyne,
"L' H istoire conceptualisante", inJ. Le Goff e P. Nora (orgs.), Faire de I'histoire, op. cit.,
t. I, pp. 62-92j do me smo autor, o já citado L 'Inventaire des différences; F. Hartog, "Paul
Veyne naturaliste: I'histoire est un herbíer". ARSC, n. 33, 1978, pp. 326-30j A. Morales
Moya, "Notas críticas a la epistemología histórica de Paul Veyne", Revista de Filosofía,
Madri, 2~ serie, n. 9, jul.-dez. 1986, pp. 159-8oj do mesmo autor, "La epistemologia histó-
rica de Paul Veyne ", Arbor, n. 487, t.125, jul. 1986, pp. 79-95.

GO RTÁZAR 571
possa evitar a ilusão cíentificísta (como a história narrativa deve evitar o
"post hoc: propter hoc").
Quanto às ciências sociais, a história - afinna Furet - constitui uma
forma de conhecimento especialmente valiosa porque) ao tratar da ação hu-
mana no nível em que mais se manifesta sua liberdade de ação, é o melhor
antídoto contra simplificações abusivas e o rigor ilusório inerente à noção
de uma "ciência da sociedade"; um antídoto que se torna ainda melhor ao
descartar as prevenções tradicionais contra as hipóteses e as ideias, algumas
delas tomadas das ciências sociais, podendo, assim, avaliar seu poder expli-
cativo. Por outro lado, a história nunca perdeu de vista o fato de que parte
de sua curiosidade está ancorada no presente, e a explícita discussão de sua
relação com o presente é um exercício intelectual que lhe permite entender
sua própria "objetividade" Aceita os limites da objetividade histórica para
abandonar, com clareza, a falácia do "fazer reviver" a história ou a tentação
de 'simplesmente contar uma história. Por último, utiliza a experiência do
presente para entender o problema central da análise histórica que é o pro-
blema da mudança e a interpretação dessa mudança.v'
Ofício e conceitualização, consciência das limitações do conhecimento
"objetivo" do passado e paixão por descrever e explicar a mudança do ho-
mem no tempo: são, a meu juízo, pontos de partida lúcidos e atraentes para
entender melhor nosso trabalho e começar a sair do "impasse" em que, há
quase duas décadas, parece estar nossa disciplina.

Publicado originalmente como "La nueva hist or ia, una est ructu ra de larga dura-
ción", in José Andrés-Gall ego (org.), New histo ry, nouvel1e histoire: Hacia una nueva
hist or ia. Madri : Editorial Actas , 1993, pp. 29-8 1.Tradução de Maria Elena Ort iz.

114 C[ F. Fure t, "Pr éface" ao seu L'A telier de l'histoire, op. cit., pp. 5-34 ; parc ialme nte vertido
para o inglês em "Beyond the Annales", JAIR} n. 55, 198.)} pp. 389 -410 .

572 A " NOVA HISTÓRIA", UM A ESTRUTUR A DE LONGA DURACÃO


ERLBND ROGNE: Gostaria de sugerir que começássemos com uma abertura
que deve ser bastante tradicional: com um par de questões sobre o seu de-
senvolvimento acadêmico: Encontramo-nos em Roma, e foi aqui também
que você publicou os seus primeiros ensaios nos anos 1950. Seria interes-
sante ouvir de onde veio esse interesse pela filosofia continental, principal-
mente se considerarmos que os pensamentos italiano e alemão não eram
tidos em alta estima na historiografia americana daquela época.

HAYDEN WHITE : Bem, vim a Roma com uma bolsa da Fundação Full-
bright para escrever minha tese de doutorado sobre história eclesiástica
medieval, sobre as reformas gregorianas da Igreja no século XI e no início
do século XII. O motivo para eu estar trabalhando com história medieval,
e em especial com a Igreja, era que a Igreja Católica Romana era algo a
respeito do qual eu não sabia absolutamente nada na época em que entrei
na universidade. Achei espantoso que uma instituição fundamentada em
um milagre, que é algo que por definição não pode ser compreendido a
não ser pela fé, pudesse preservar-se e exercer dominação até mesmo sobre

Esta entrevista foi realizada em Rom a, Itália, em setemb ro de 2 00 7 . T rechos dela foram
publicados em ARR-IdéIJistorisk tidsskrift 19 J n. +, 2007, pp. 104 - 11.

574 o OBJ ETIVO DA i NTERPRETACÃO


monarcas e outros poderes políticos por mais de mil anos. Então eu estava
interessado naquele tema, e foi isso que despertou meu interesse pela his-
tória intelectual, pela história das ideias. E depois passei a me interessar
pela questão de como são possíveis as crenças, e em especial uma crença
que começa com a aceitação de um milagre. Eu me considero eminente-
mente racional, e por isso a irracionalidade me interessa. Parece patoló-
gico, embora eu saiba que não é o caso. A maior parte de nossa criatividade
como seres humanos, aprendi com Giambattista Vico, é resultado do erro
criativo e da combinação de emoções ou paixões com a racionalidade ou
a razão. Mas, quando eu era mais jovem, tinha mais certeza das coisas do
que tenho agora.
Então, vim a Roma. Era 1953, e vim para passar dois anos. Aqui, co-
nheci Mario Praz, que publicava então uma revista chamada English Mis-
cellany. Sempre tive interesse por R. G. Collinwood, Arnold Toynbee e
filosofia da história, mesmo quando estava trabalhando como medieva-
lista, e Praz disse que seria bem-vindo algo sobre esses assuntos. Então
publiquei trabalhos sobre Collinwood, Toynbee e Christopher Dawson,
um filósofo da história católico romano bem conhecido na época. Em ge-
ral, a cultura europeia me interessava mais do que a americana, porque
esta era muito puritana.

ER : Em um sentido moral ou científico?

HW: Sob todos os aspectos. A cultura americana é superficial porque existe


nela uma crença de extração calvinista no destino e na predestinação. Esse
é um dos pressupostos fundamentais da sociedade americana. Ela é ineren-
temente antitradicionalista, bastante racionalista, de uma maneira que o
catolicismo romano não é. A ideia de que é possível romper todas as co-
nexões com as raízes da tradição cristã, de que é possível retornar, como
acreditavam os protestantes, a uma forma mais original de cristianismo e
abandonar completamente 1500 anos de tradição, me parecia a base de um
tipo peculiar de pensamento revolucionário que se pode encontrar, certa-
mente, na Europa, mas que era especialmente intenso nos Estados Unidos.
Mas, ao mesmo tempo, a sociedade americana se orgulhava da quebra com
o seu passado imediato. É uma sociedade muito conservadora e até mesmo
reacionária. Então há aí um paradoxo.

WHI TE E ROGN E 575


Era isso o que provavelmente, como percebo agora mas não percebia en-
tão, subjazia ao meu interesse pela filosofia da história. A filosofia da história
lida com a relação entre passado e presente. Creio que a história, enquanto
disciplina, pressupõe a ideia de que há uma cisão ou lacuna entre o presente e
o passado que exige uma disciplina especial para preenchê-la. É um problema
filosófico. Nos tempos antigos, não havia o sentido de uma distinção entre o
passado e o presente; eram distintosj eram contínuos. No pensamento he-
braico antigo, o passado está imediatamente presente em cada momento, na
forma da Aliança. Abraão, Moi sés e Elias estão todos sempre presentes para
os judeus, então não há nenhum problema técnico na compreensão da rela-
ção entre passado e presente. (Há um problema moral, porque estamos sem-
pre nos distanciando da Aliança, mas essa é outra questão.) Essa é uma das
razões pelas quais os hebreus antigos não desenvolveram uma história. A his-
tória pressupõe algum tipo de cisão, ou lacuna, entre passado e presente que
exige uma forma de consciência especial para preenchê-la, e essa é a suposta
tarefa da ciência da história. Toda cultura se interessa pelo passado, mas o
estudo histórico científico do passado é bastante diferente das concepções
de outras culturas sobre as relações entre o passado e o presente. O estudo
científico do passado é apenas uma de várias maneiras possíveis de estudá-lo.

ER: Nos parágrafos finais de seu ensaio sobre Christopher Dawson há uma
referência a KarlJaspers e Gabriel Marcel. Vir para a Itália e descobrir o exis-
tencialismo e outras tradições continentais foi também uma influência?

HW: É claro.Jean-Paul Sartre foi um de meus heróis intelectuais} e toda a tra-


dição existencialista, mais em sua versão francesa do que na variação alemã,
heideggeriana, apesar de mais tarde eu ter me interessado pela obra de Hei-
degger. Há uma versão alemã do existencialismo que vem de Karl L õwith,
mas ela é mais fenomenológica do que a de Sartre. O existencialismo, ao
lado do marxismo, me parecia} na minha juventude, a única maneira possí-
vel de encarar a condição humana. O marxismo explica o lado material, e o
existencialismo, o psicológico. Em outras palavras, creio que a noção exis-
tencialista de situação que exige escolha e compromisso ou renúncia é uma
noção humana por excelência. Penso que isso deve ser levado em conta em
relação à grande influência de Sartre sobre Maurice Merleau-Ponty, que é
outro pensador importante em minha carreira.

576 o OBJ ETIV O DA INT ERPR ETAÇÃO


Então sim, Sartre foi muito importante para mim. Mas eu conhecia Jas-
pers e Marcel e a filosofia continental dos ensinamentos de meu amado pro-
fessor, William J. Bossombrook. Quando entrei para a universidade, fiquei
sob sua tutela. Arthur Danto e eu éramos da mesma classe na Universidade
Estadual Wayne, e éramos seus alunos .

ER: Se voltarmos aos Estados Unidos, então, Peter Novick descreveu a histo-
riografia americana, em uma fórmula que ficou famosa, como um século de
defesa e crítica "daquele nobre sonho" da objetividade. Você reconhece esse
cenário, olhando retrospectivamente para o início de sua carreira? Você con-
segue ver-se nesse enredo, por assim dizer?

HW: Bom, como historiador, enquanto escrevia sobre a história institu-


cional da Igreja, fui influenciado principalmente por Max Weber e por
concepções weberianas de liderança e instituições, e assim por diante. En-
tão eu estava comprometido com a ideia de que a história não era tanto
questão de objetividade, uma vez que era uma disciplina no sentido do
termo alemão Wissenschaft. Ainda, sendo um existencialista, eu não podia
acreditar na ideia de objetividade no estudo das coisas humanas. Acho
que é possível ser objetivo e ter uma ideia muito sistemática do que isso
significa no estudo da natureza física, no estudo de átomos e processos
químicos, e assim por diante. Mas quando Max Weber falava da objetíví-
dade referia-se à espécie a que se chega quando se adota uma profissão ou
uma disciplina.
Então, não me preocupo muito com a "questão da objetívidade', a qual
penso novamente remete a essa confusão calvinista e protestante entre ser
objetivo e agir corretamente. Veja,pessoas que querem objetividade querem
ser corretas a qualquer custo, e creio que isso está ligado a questões de salva-
ção pessoal, de inspiração protestante. Assim como a condição de eleito por
Deus supostamente se manifesta, segundo Weber, no sucesso na vida mun-
dana, também para um acadêmico o fato de estar certo é sinal de sua salva-
ção. Mas não acho que estar correto, ou certo, ainda não seja tudo. Nunca
senti que o mais importante fosse encontrar a verdade sobre o passado. An-
tes, é descobrir o que é real, mais do que o que é verdade. Então desconfio
das pessoas que estão interessadas na verdade a qualquer custo. Há o tempo
da verdade e o tempo da ilusão - isso é Nietzsche.

WHITE E ROGNE 577


ER: Você já mencionou a dimensão existencialista de sua obra. Agora, o es-
truturalismo e o pós-estruturalismo são muitas vezes interpretados como
uma ênfase no sistema, ou na linguagem, ou no discurso, ao custo de reduzir
a importância do sujeito, ou do livre-arbítrio, ou mesmo da história. Mas eu
sempre li seu trabalho como uma procura de um meio-termo no qual seja
possível preservar a importância da liberdade humana. Mesmo quando você
discute teoria da linguagem, e escreve sobre o texto, parece negociar entre
liberdade e falta de liberdade.

HW: Ou entre a estrutura e o evento. É, concordo com você. Parece-me que a


vida humana não é possível sem estrutura, mas tampouco o é a vida pessoal
sem o evento, sem as situações de escolha. O que a sociedade faz é estabele-
cer limites às nossas escolhas, à nossa capacidade de escolher. Esses limites
podem ser abertos - espero sempre que eles sejam o mais abertos possí-
veis - ou podem ser fechados. Então em um certo sentido a possibilidade
de escolha pode ser determinada pela situação, mas a escolha está necessa-
riamente presente, inclusive a escolha de rejeitar a estrutura da situação, a
escolha revolucionária. E para mim isso não tem fundamento em conceitos
transcendentais, acho que tem a ver com a condição humana. Se estamos
em uma situação, temos que fazer escolhas o tempo todo.
Isso remete a Aristóteles. O que me impressionou na leitura da Ética
quando eu ainda era jovem foi a ideia de que é impossível para nós desem-
penhar de forma adequada todos os papéis que a sociedade nos atribui sem
prejudicar outros papéis. Qualquer escolha que fizermos com nossa capa-
cidade, digamos, de professores será em detrimento de outro papel que
estamos tentando desempenhar. É por isso que o romance clássico do sé-
culo XIX lida o tempo todo com os conflitos entre amor e trabalho, profissão
e paixão. Somos postos nessas situações de escolha pela própria natureza
da sociedade. A sociedade diz que devemos desempenhar todos os nossos
papéis adequadamente, mas os papéis que nos são atribuídos são contradi-
tórios uns em relação aos outros. Então, penso que vivemos em contradição.
Por isso a tentativa de viver uma vida consistente é inautêntica.
É por isso que, em ética, sou um situacionista. Creio que o nosso sen-
timento de obrigação, responsabilidade, e assim por diante, depende da
situação em que estamos. Minha situação não é a mesma que a sua, ainda
que nesse momento estejamos aparentemente na mesma situação. Mas

578 o OBJ ET IVO DA INTE RPRETAÇÃO


você traz consigo compromissos de um tipo que são pertinentes para a
maneira como você lidaria com essa situação) e eles são diferentes dos
meus. Então há diferenças) negociações) e o que esperamos é que a todo
indivíduo seja oferecido o leque mais amplo possível de escolhas - até
o ponto em que temos de nos perguntar se queremos permanecer no
sistema ou nos opor a ele. Isso é o político) e quando fazemos política.
A ética situacionista renuncia a toda fala sobre autenticidade) sobre ser a
mesma pessoa em toda situação) e fala muito mais sobre desempenhar um
papel de forma adequada.

ER: Nos decênios de 1960 e 1970 parecia) para muitos) ser um problema arti-
cular esta forma de visão da sociedade e da humanidade e)ao mesmo tempo,
:manter a visão estruturalista ou pós-estruturalista da linguagem. Você se viu
tendo de negociar entre essas duas posições mesmo quando lidando com
questões teóricas relativas à linguagem - como um distanciamento de seus
sistemas fechados?

HW: Não) penso que não. É interessante a forma como você coloca a questão.
O que o estruturalismo me ensinou foi que a situação é sempre estruturada.
E assim como a linguagem, é desde sempre estruturada arbitrariamente) ou
é estruturada para a vantagem de certos grupos na totalidade. As próprias
regras são também instituídas arbitrariamente. Elas também possibilitam a
comunicação. Mas uma das regras do uso da linguagem e da condição social
é que os homens não só podem viver segundo regras) mas eles as podem
transformar) e podem distinguir entre atividades governadas por regras e
atividades que alteram regras. Existem situações cuja pressão é forçar-nos
a chegar a uma mesma e única conclusão a respeito do que fazer. Mas na
realidade estamos carregados de todas as outras obrigações) de maneira que
é sempre necessário pensar dialeticamente.
Penso que o estruturalismo é fundamentalmente crítico das sociedades
altamente estruturadas. Ele tenta explicar como são possíveis e como fun-
cionam os sistemas sociais) mas atrás dessas questões sempre esteve o pro-
blema da mudança dos sistemas sociais. E foi com isso que o pós-estrutura-
lismo lidou: como os ruídos no sistema se acumulam a ponto de explodi-lo?
É disso que tratam Jacques Derrida, Michel Poucault, Roland Barthes eJac-
ques Lacan. O pós-estruturalismo é um suplemento) ou complemento) ne-

WHITE E ROGNE 579


cessário, ao estruturalismo. E ele se esgotou depois de um período de quase
trinta anos, como acontece com todo sistema.
O estruturalismo surge justamente no período anterior à e durante
a Segunda Guerra Mundial, em um ponto no qual a sociedade capitalista
havia atingido um período de hiperestruturação por causa da guerra. Toda
sociedade interrompe qualquer forma de individualismo em tempos de
guerra. Transforma-se em estado de exceção, para usar a expressão de Gior-
gio Agambem. Diz-se: "Certo, vocês possuíam todas essas liberdades e di-
reitos, mas não podemos mais nos dar ao luxo de mantê-los. Os terroristas
estão prestes a nos atacar ': Assim como o presidente George W. Bush tem
tentado restringir os direitos dos americanos, alegando que a ameaça terro-
rista exige que se abra mão deles, que seriam luxos (quero deixar claro que
eu não penso que sejam).
Então o estruturalismo, com Claude Lévi-Strauss e pessoas dessa cepa,
como sociólogos weberianos de antes da guerra, realmente fornece a so-
lução para a questão de como pessoas como Adolph Eichmann, que se
consideravam simplesmente pessoas comuns fazendo seu trabalho, tenham
feito o que fizeram. Como foi possível? Elas estavam tão completamente
assimiladas ao sistema que perderam toda consciência de que havia uma
opção à realização de tais atos. Eu penso que o estruturalismo trata real-
mente da natureza da sociedade capitalista avançada, uma sociedade que
se torna cada vez mais estruturada e mais determinante da natureza das es-
colhas dos indivíduos, enquanto ao mesmo tempo lhes fornece a sensação
de que suas escolhas são livres! Dizem que é um mercado aberto, quando
na verdade a publicidade condiciona de tal forma o indivíduo que a escolha
desaparece! O estruturalismo explica como essa máquina terrível da socie-
dade capitalista avançada, que é responsável pela destruição de toda a ecos-
fera, é possível. E o pós-estruturalismo explica como é possível opor-se a
essa máquina. É assim que vejo. EJ por falar nisso, eu penso que as versões
francesas do estruturalismo e do pós-estruturalismo devem tudo a Sartre e
sua tentativa de combinar o existencialismo com concepções marxistas da
história e da sociedade.
Outra pessoa que realmente teve uma profunda influência sobre mim foi
Roland Barthes. Penso que Barthes foi um dos escritores e críticos mais in-
ventivos da geração francesa do pós-guerra. Foi sob sua inspiração que me
voltei não tanto para a linguística quanto para a teoria do discurso, e passei

580 o OBJ ET IVO DA I NTER PRETAÇÃO


a ver a história como discurso mais do que como disciplina. Eu diria que
isso foi bastante libertador para mim) como sei que foi libertador para ou-
tros. O discurso tem a ver com a produção de significado pela combinação
e por meio do que Georg Lukács chamou de composição. A pesquisa é uma
parte necessária das regras do jogo da historiografia profissional - limita as
possibilidades - mas ainda assim a recompensa é nenhuma se ela não se des-
tilar em um discurso. E o discurso pode tanto ser uma narrativa como uma
obra estrutural. Mas uma vez que comecemos a ver as ciências humanas, e as
ciências sociais em geral, como discurso, perceberemos que essas possuem
suas funções na autoprodução do homem em resposta a diferentes situações
ao longo do tempo e do espaço.

ER: Barthes e outros pós-estruturalistas eram às vezes bastante críticos da


narrativa e das possibilidades do discurso. Mas é sedutor ler a sua obra tam-
bém como uma tentativa de definir as regras para um discurso genuíno.

HW: É, eu entendo o que você quer dizer. Fiquei muito impressionado, mui-
tos anos atrás, pela ideia de Bertolt Brecht de que a coerência narrativa e
o relato são aristotélicos; que pressupõem o tipo de tema e o tipo de subs-
tância que Aristóteles pressupunha em sua discussão sobre indivíduos. Fer-
nand Braudel ataca a narrativa porque, diz, ela não é portadora de ideologia;
ela é ideologia. E eu estava interessado na noção de Barthes segundo a qual
história e mito têm muito em comum, porque ambos usam narrativa. En-
tão passei a suspeitar da narrativa, e foi isso que me conduziu ao estudo da
teoria literária e a procurar modelos em obras literárias. Penso que os pós-
-estruturalistas, ao atacarem o estruturalismo, também atacaram a narrativa,
enquanto forma de discurso estruturada que funciona na direção do fecha-
mento mais do que da abertura e da obra aberta.
Mas, quanto mais lia Paul Ricoeur e outros, mais me dava conta de que há
muito mais a ser dito sobre a narrativa, e que existem muitas variedades de
narrativas. A narrativa modernista, como na obra de Gertrude Stein, ainda
é narrativa, mas gera uma obra aberta. Veja, ela não exige que o autor exclua
todo o resto e coloque ali sua marca, transformando o leitor em um receptor
passivo. Quando lemos Virginia Woolf ou Proust e escritores de sua cepa, a
natureza fragmentária das passagens permite que o leitor participe. E isso se
torna uma espécie de instrução sobre como construir sentido.

WHIT E E ROGN E 581


Foi por isso que voltei para a narrativa, e com ela para a ideia de que a
lógica da narrativa não é a lógica do silogismo. Ela é tropológica, e pode-
-se estudar tropos e acompanhar de forma adequada mesmo a narrativa
mais desarticulada, reproduzindo na própria mente o tipo de alterações
que nunca são lógicas. Em uma narrativa modernista, começos e fins estão
desarticulados um do outro, quando no romance realista do século XIX os
começos e os fins são vinculados um em relação ao outro. Então, sim, vol-
tei para a ideia de que a narrativa é um modo de discurso que é adequado a
determinadas situações mas não a outras. Se se quiser enfatizar a mudança
na continuidade, pode-se fazê-lo pela narrativa. Mas, e então, existem dife-
rentes modalidades.

ER: Você distinguiu, em algumas ocasiões, entre o ato de narrativizar e o


ato de narrar...

HW: É, você está certo. De fato, isso é verdade. Quando se impôs uma vi-
são narrativizada do mundo sobre o mundo, eu chamo de narrativização.
O modernismo abandona a narrativa interna do realismo do século XIX,
mas isso não significa que abandone a narração. A narração é o ato de
falar. Agora, existe um sentido em que isso é verdadeiro: sempre que fa-
lamos em primeira pessoa sobre algo no mundo enquanto uma forma de
existência em terceira pessoa, estamos narrando. Mas narrativizar é outra
coisa. A desconstrução, ou, eu diria, o pós-estruturalismo, desnarrativiza
o mito, a história, e assim por diante e nesse sentido é o complemento da
narrativização.

ER: Eu gostaria agora de trazer para a discussão dois outros aspectos espe-
cíficos de seu trabalho, nomeadamente, sua preferência pelo modernismo
como modelo para a historiografia, por um lado, e o tema do sublime, por
outro - a consciência histórica sublime da qual você tratou em 1982 em
"Apolítica da interpretação histórica: disciplina e des-ublimação" Esses são
dois temas interligados, mas desenvolvidos no entanto separadamente nos
seus ensaios.

HW: Bem, fico feliz por você ter inserido uma data aí, porque sempre tenho
que lembrar às pessoas que escrevo há cerca de cinquenta anos, e o que

582 o OBJETIVO DA INTERPRETAÇÃO


escrevi cinquenta anos atrás pode não ser consistente com o que penso hoje,
porque mudei de ideia.
Em primeiro lugar, admiro a escrita modernista porque ela é experimen-
tal. Questiona a doutrina do estilo) a noção estética de estilo que sugere exis-
tir um estilo apropriado) um estilo elegante que é próprio da pessoa de bom
gosto. Ela questiona toda a estética do gosto.
Em segundo lugar) o modernismo nasce da constatação de que não vi-
vemos mais em um mundo dotado de uma essência ou uma substância. Em
outras palavras) o modernismo nasce do sentimento da morte da substân-
cia no sentido aristotélico - a ideia de que por trás das aparências há algum
princípio organizador que dota as aparências de sentido e identidade. Da
mesma forma) a concepção cristã da alma é que a alma define o indivíduo
e combina corpo e espírito de maneira específica, em uma certa identidade.
Toda doutrina moderna do individualismo e toda a questão da identidade
são desafiadas pelo fim da substância. Com isso quero dizer exatamente o
que Heidegger queria dizer: o fim da metafísica, ou da religião. A religião
ensina que nós todos somos dotados dessa substância preciosa, que é libe-
rada com a morte) ou sobrevive à morte) se você é um cristão. A ontologia
sugere) como no caso de Espinosa, que existe uma substância-mundo da
qual são feitos os indivíduos. Todos partilhamos dessa substância de uma
forma ou de outra, mas ela é individuada. Abandonando o aristotelismo e
a visão de mundo aristotélica, de Galileu a Newton passando por Lavoisier
e Darwin) as ciências materialistas) modernas, abandonaram a doutrina da
substância) que está para a metafísica assim como a doutrina da alma ou do
espírito está para o cristianismo.
Penso que o modernismo nasce disso. O modernismo literário - não
o modernismo de Habermas, que é algo diferente - é despedaçado) está
agonizante devido à perda do sentido da existência de algo que liga coisas
e pessoas numa unidade. Isso desapareceu. E surge então a noção freudiana
de que a psiquê não é uma persona unificada) nem mesmo a do indivíduo
mais heroico, ela é conflituosa, é o local onde o desejo encontra a frustra-
ção) repressão, elaborações secundárias de todo tipo) e assim por diante.
Freud destrói) para minha satisfação, a doutrina do caráter novecentista, a
ideia segundo a qual nascemos com determinado caráter que nos é dado
por nossos pais e ancestrais. É verdade que temos agora uma herança gené-
tica, mas ela não é uma substância) é uma variável, e assim por diante.

WHITE E ROGNE 583


Dessa maneira o modernismo na escrita literária questiona inerente-
mente e desestabiliza diretamente a concepção idealista de arte, do ob-
jeto artístico como algo transcendental, como algo pelo menos espiritual,
que é um mundo que não é o outro do espírito. Eu não acredito nisso.
Penso que a arte é mais outra atividade humana. Graças a Deus nós a
temos, mas não é algo que deva ser reverenciado. Aí está a atração que o
modernismo exerce sobre mim. Veja você como isso é consistente com o
modo existencialista de pensar, e eu penso que o existencialismo é a filo-
sofia modernista. A fenomenologia e o existencialismo. A fenomenologia
afirma: não procuramos mais os noumena, intuimos um mundo de apa-
rências. Nietzsche afirma: não há nada por trás das aparências, as- coisas
são apenas aquilo que parecem ser. E é isso que subjaz à experimentação
modernista. Pense em Marcel Duchamp, que colocou objetos prontos
no museu e os chamou de arte. Não há arte substantiva. Há diferentes
artefatos, e alguns são mais valorizados do que outros. Não existe beleza
inerente, não existe bondade inerente, nem verdade inerente - todas es-
sas noções estão descartadas.
O que temos, então, na escrita modernista, é a descoberta das profunde-
zas por trás das coisas, não como significado, mas como caos, como sublime,
como aquele com o qual você se confronta quando regride às incapacidades
da mente de apreender as condições de sua existência. É por isso que o ato
de escrever no modernismo se transforma crescentemente no fracasso do
escritor, o fracasso do escritor em fazer aquilo que havia sido tradicional-
mente encarregado de fazer. Considere uma obra como À la recherche du
temps perdu, de Proust, um livro em cinco volumes sobre como ele veio a
escrever este livro.
Essa espécie de regressão-eu explica o terceiro aspecto que me interessa
no modernismo, nomeadamente, a ironia como base para viver uma vida
que é inescapavelmente contraditória, a menos que você decida nada fa-
zer, o que neste caso é quase não viver, certo? É esse modernismo que vejo
como uma resposta ao modernismo iluminista de Habermas, que conduziu
à hiperestruturação do mundo do capitalismo tardio.

ER:Habermas descreve o mundo moderno segundo a própria modernidade,


enquanto o modernismo cultural e o pós-modernismo seriam reações a essa
própria modernidade.

584 o OBJETIVO DA INTERPRETACÃO


HW: Sim} mas respostas} e não reações. Reação sugere um efeito mecânico}
enquanto na arte você obtém respostas) e não simples reações. As pessoas)
nas sociedades modernas) muitas vezes reagem fazendo aquilo que os pu-
blicitários lhes dizem que devem fazer) ou aquilo que o Estado lhes diz que
devem fazer} ou o que o governo ou as empresas lhes dizem que devem fazer.
O artista responde} tentando dotar essas situações de um significado. A forma
pela qual você faz isso é pela simbolização) e é isso que a arte modernista
faz. São símbolos sem substância. Os românticos ainda acreditavam que o
símbolo estava de alguma forma fundado em algo mais elevado) mais belo e
assim por diante. O modernismo retém vários temas românticos} mas sem a
crença na beleza como uma substância. De fato) a escrita modernista como
a de Virginia Woolf e outros descobre que há uma grande parcela de feiura
na vida) mesmo nas formas mais belas} como em O retrato de Dorian Gray
de Oscar Wilde.
O sublime subjaz à estética modernista. Pense na poesia de Ezra Pound,
na celebração do fragmento como uma forma poética) no abandono da rima
e de muitas outras características formais na poesia. E pense no colapso da
distinção entre poesia e prosa que encontramos nos grandes escritores mo-
dernistas. Agora) tudo isso torna a estética modernista mais parecida com a
estética do sublime do que com a estética do belo.

ER: No antigo sentido do século XVIII?

HW: Sim. Mas a doutrina do sublime em Edmund Burke e em Immanuel


Kant tem como intenção domesticá-lo) ao 'afirmar que ele aparece como
uma elevação moral. Na presença da grandiosidade da natureza} nos tor-
namos conscientes de nossa irrelevância enquanto indivíduos. Desperta
nossa humildade) e assim por diante) faz você ter pensamentos piedosos.
Mas penso que o sublime dos modernistas tende mais para o demoníaco
e para o diabólico no sentido literal do termo "diabolismo". As palavras
"diabo" e "diabólico" vêm da palavra grega diabolein, que significa atirar al-
guma coisa no caminho de alguém. Então vejo o sublime diabólico como
algo que nos bloqueia sem oferecer nenhum alívio. Kant) ao contrário) vê
o sublime como algo que se volta contra nós e nos força a reconhecer que
existe algo maior) mais grandioso do que nós) algo que finalmente é incom-
preensível. Penso que o sublime modernista nos oferece a ideia de que há

WHITE E ROGNE 585


algo maior do que nós) mas que não é mais grandioso, que não é transcen-
dental. É o abismo.
Assim, o artista modernista se torna alguém que ataca o falso idealismo,
o idealismo formalista, e se torna interessado pela forma em si. Forma que
é seu próprio conteúdo. Ao fim e ao cabo, os seres humanos são dotados de
um poder plástico, um poder de dar forma. E assim, o sentido, para a esté-
tica modernista, é a forma em si. Onde quer que haja forma ou padrão, po-
demos estar certos de que o homem está presente. Os seres humanos criam
coisas que são colocadas ao lado da natureza e que são infinitamente mais
belas, infinitamente mais atraentes à inteligência, do que a natureza crua.
Para mim, é disso que trata a história das ideias, esse processo em diferen-
tes culturas e diferentes sociedades, de dar forma ao que de outra maneira
seria ou a natureza crua ou a ausência de forma. A natureza não precisa da
descoberta da lei da gravidade, ou da lei da atr ação dos corpos, mas os seres
humanos sim.

ER:A essência da história também se perde no modernismo. Quero dizer


com isso que já não é possível acreditar em um sentido transcendente na,
nem em uma direção para a) história.

HW: É verdade, e é por isso que cabe às pessoas que estudam a história) mai s
do que simplesmente o passado) dotá-la de sentido. E os historiadores o fa-
zem por simbolização, segundo o leque ou o repertório de símbolos que têm
à sua disposição para produzir sua própria versão da história. Agora) o que
penso estar errado na escrita profissional dá História é que ela não enfrenta
mais esse desafio. Os grandes historiados) Maquiavel, Vico, Burckhardt -
Ranke! - o enfrentaram. Seus escritos históricos eram uma forma, penso eu,
de dotar sentido à hist ória: eles julgam o ter encontrado. Não Burckhardt,
mas Ranke pensou que tinha achado esse sentido. Mas você sabe) essa é uma
ilusão necessária característica de um certo tipo de artista. Portanto, minha
visão é que a historiografia profissional moderna recusa a tarefa atribuída
ao historiador após a morte da religião, após a metafísica ter-se tornado im-
possível, quando tudo que restou é a história. Quando queremos fazer a per-
gunta que Kant disse ser a quarta questão, "o que é o homemi", "was ist der
Mensch" , tudo que temos é a história! Os grandes historiadores foram os
que tentaram dar ao tempo alguma espécie de forma ou coerência. Tanto o

586 o OBJ ETIV O DA I TER PRE TACÃO


tempo vivido quanto o tempo abstrato. É por isso que sempre me interessei
pela obra de Paul Rícoeur, ainda que eu não concorde com muita coisa que
ele escreveu. Quer dizer, ele ainda ansiava por um sentido religioso. Ele era
um homem muito religioso, você sabe.

ER: Achoque você escreveu um artigo em History and Theory muito tocante
quando ele faleceu ...

HW: Oh! Ele era um intelectual muito generoso. Lia de tudo. Não sei como
encontrava tempo para escrever. E lia tudo de forma muito cuidadosa. Ele é
um dos grandes sintetizadores. Tenho um grande respeito por ele, e penso
que as nossas diferenças têm a ver com as diferenças entre as nossas cultu-
ras, nossa Bildung. Mas eu gostava muito dele, também, enquanto pessoa,
porque era um homem de muita sagacidade. Ricceur era dotado de uma
ironia muito sagaz, e tinha a serenidade de alguém que tem fé. Ele aceitava
todas as espécies de pontos de vista, porque sabia que toda fé é dotada de
fundamentos. Então ele podia levar em consideração as ideias mais malucas
sem se transtornar. Sabe, ele não era como esses fanáticos que querem er-
radicar o erro. Ele estava interessado na intensidade das nossas convicções,
fossem elas diferentes das dele ou não.

ER: Numa leitura existencialista, quando confrontamos o abismo, surge


a opção de assumir a responsabilidade e agir de forma especificamente
humana. E por vezes você retratou a consciência histórica sublime como
uma intuição que conduz ao comportamento ético, a um mundo existen-
cial de responsabilidade.

HW: Bem, na medida em que somos confrontados pelo sublime e expe-


rimentamos o pensamento nietzschiano de olhar por trás das aparên-
cias e não encontrar nada, podemos ou retroceder e nos desesperar, ou
podemos, como diria o existencialista, tentar fazer algo de nós mesmos.
A noção de que a humanidade é algo que se faz a si mesma está por trás
de tudo isso. Ela apenas pode fazer-se a si mesma ao fazer o seu próprio
mundo, e ela coloca seu mundo acima e contra o mundo da natureza
tanto como proteção quanto 'como barreira. Isso envolve riscos, como
podemos ver agora. A humanidade se diferenciou da natureza ao preço

WHITE E ROGNE 587


da destruição do nosso mundo. E isso é trágico, ou irônico, dependendo
de como olharmos.
Aliás, eu já não faço pesquisa da mesma maneira que fiz para a minha
tese de doutorado e para meu livro sobre Meta-história. Eu escrevo muito
sobre tópicos que outras pessoas colocam para mim. Escrevo em resposta a
situações. Então a forma ensaio se torna pertinente. Quando escrevi aquele
artigo sobre "A política da interpretação histórica', a revista Criticai Inquiry
estava preparando um número especial sobre a política da interpretação, e
eles perguntaram o que seria isso do ponto de vista da história. A história é
uma atividade interpretativa, qualé sua política? Agora o que impressiona
quando olhamos para os fundamentos da história enquanto disciplina é que,
até o século XIX, a história era uma atividade amadora. Qualquer um po-
dia praticá-la. Não era nem mesmo ensinada na universidade: as universi-
dades ensinavam antiguidades, mas não ensinavam história. Foi apenas no
século XIX que a história se transformou em uma disciplina e foi inserida
no currículo, nas décadas de 1830 e 1840. E sua função, principalmente, era
servir ao Estado e fornecer uma genealogia para o estado-nação, porque em
toda a Europa, quando as nações estavam em formação, havia resistência à
ideia de centralização, segundo a qual caberia aos soberanos impor-se às di-
ferentes identidades nacionais com o objetivo de transformar, digamos, bur-
gúndios em franceses.
Então os historiadores profissionais foram empregados pelo Estado nas
universidades, e as universidades eram todas administradas pelo Estado, ser-
viam ao Estado, Se havia diversidade política no eleitorado, elas serviam a
um ou a outro partido - sob o disfarce da objetividade, ou, se não da objeti-
vidade, pelo menos da neutralidade. E sob o disfarce da intenção de mostrar
como a ideologia havia distorcido a história da nação para a vantagem de um
ou outro partido político. Então em "A política da interpretação histórica"
indaguei qual fundamento ontológico permitia a esses historiadores pensar,
de boa-fé, que estavam apenas contando a história como ela de fato aconte-
ceu, quando ao mesmo tempo serviam ao Estado ao castrar ou neutralizar
ideologias abertas tais como o marxismo, ou o comunismo, ou o socialismo,
ou até mesmo o anarquismo, e agiam como se não houvesse nenhum com-
ponente ideológico em suas próprias obras!
Foi isso que me levou ao debate sobre o sublime. Eu tinha a impressão de
que a história, ao tornar-se disciplina, queria mostrar que o desenvolvimento

588 o OBJE T IVO DA INTERPRETAÇÃO


da na ção era uma coisa bela, motivo de orgulho. Erradicaria toda violência,
garantindo que qualquer pessoa que fosse destruída em um genocídio ou
em um pogrom ou numa cruzada o tivesse merecido. A história mostraria
que as coisas são exatamente do jeito que deveriam ser. Essa história parecia
ter sido implementada a fim de destruir o tipo de visão do passado que al-
guém como Walter Benjamin tinha, como nada além de uma fábula bárbara
posando de civilização, mas tão destrutiva quanto criativa.

ER: Você nunca mais tratou do sublime depois de <tA política da interpreta-
ção histórica"...

HW: Bem, François Lyotard tratou disso ao final de Le Dijférend, assim como
Frank Ankersrnit. Mas a ideia não é minha, afinal de contas. Eu realmente
a coloquei em um contexto político naquele momento, um momento no
qual , como você sabe, o Ocidente estava se autocongratulando pela vitó-
ria sobre o comunismo. Todo aquele debate sobre o fracasso da esquerda
europeia me interessou muito. Nunca tivemos uma esquerda nos Estados
Unidos: tivemos um centro e uma direita. Mas eu sempre estive politica-
mente à esquerda, e acho que precisamos abrir as perspectivas mais do que
apoiar a doxa.

ER: Tanto Ankersmit quanto Lyotard utilizaram o termo de maneiras distin-


tas da sua. Ankersmit escreve sobre o qu~ chama de experiência histórica su-
blime, e tem sido uma tendência na última década trabalhar com conceitos
como "experiência" e "presença" para descrever a história e a compreensão
da história. Você acha que essa é uma abordagem fecunda?

HW: Bem, isso me interessa muito. Antes de mais nada, eu posso entender
que o que experimentamos é mais uma perda da presença do que uma perda
de sentido. Era isso que Eelco Runia tinha em mente quando escreveu o
artigo "Presença" em History and Theory. Mas a ideia de que a experiência de
um fenômeno passado seria possível - uma experiência da presença do pas-
sado - só pode ser uma ilusão. É uma contradição em termos. Porque, por
definição, o passado já se foi, é o que já não está presente, certo?
Mas seria possível ter a ilusão da presença, e é isso que Ankersmit, penso,
tem em mente. Ankersmit já não fala sobre ter experiência da história: ele

WHITE E ROGN E 589


tem uma experiência sobre a história) da historicalidade. O exemplo que ofe-
rece é a sua visita ao museu do Holocausto em Jerusalém, o Yad Vashem. Ele
diz que o que mais o impressionou foi o memorial às crianças assassinadas)
e não a exibição da história do Holocausto no interior do museu. A exibi-
ção era uma tentativa de oferecer uma experiência da história) mas ela não
o tocou. O memorial às crianças mortas, diz ele, foi uma experiência sobre a
história. Você pode ver a força do argumento.

ER: Claudio Fogu tem uma abordagem um pouco diferente da de Ankers-


mito Ele afirma que existia uma distinção no fascismo italiano entre o his-
torieal [história enquanto narrativa] e historie [história enquanto evento].
Segundo essa última noção, a história não é entendida como um intervalo
de tempo a ser estudado, mas) em lugar disso, como o fato de ser um ob-
jeto histórico.

HW: A encenação da própria historicalidade, como na Mostra deila Rivolu-


zione Fascista. É, penso que é verdade. Penso que é uma distinção muito boa.
Ele) pelo que me lembro, diz que a distinção é desenvolvida por Giovanni
Gentile, e eu penso que havia muito, no fascismo italiano, de encenação deli-
berada dos eventos eomo sefossem história) quando na verdade eram bastante
irrelevantes no palco mundial. Quer dizer) um evento histórico é um que
muda a história) certo? Então o que se deve fazer é viver por um dia, vestir o
n
uniforme fascista) e marchar no desfile e ouvir a Duce, e por um momento
vive-se historicamente. Mas quem pode viver historicamente? Ninguém-
até Napoleão se entediava de vez em quando. Mas isso corresponderia) você
sabe) à concepção de Runia de presença. Acho que essa concepção provavel-
mente satisfaz uma necessidade, mas para mim parece apenas estética bar-
roca. Quer dizer, teatral.
Isso dito, penso que é importante que os historiadores investiguem o
tema da presença e a forma como ela pode mudar nossa maneira de pensar
sobre a história. É importante que o façam pelas razões que apresentei no
início: em nossa época, os intelectuais esclarecidos não podem recair nem
na religião nem na ontologia. Tudo que restou foi a arte. E arte modernista
e p ós-modernístasignifica experimentação, o surreal. O surrealismo é a arte
da presença, e o que faz é invocar a presença) exatamente pela violação das
expectativas normais.

590 o OBJ ET IVO DA INT ERPRE TAÇÃO


ER: Em um ensaio de 1996} você escreveu a respeito de algo que chama de
"O evento modernista", e eu me pergunto se o ataque ao World Trade Center
pode ser um exemplo do que você tinha em mente. Há um site americano
chamado "Cro nologia completa do 11 de Setembro"} que tenta agrupar todos
os fatos relativos ao tema e colocá-los em uma linha do tempo. E essa linha,
atualmente, retrocede até 1973} com mais de 5 mil "eventos': Então temos
todo esse material à disposição} mas ainda assim o evento mesmo parece mal
compreendido. Quero dizer, não se chega de fato à verdade ou ao significado
do que aconteceu.

HW: Não}não se chega à verdade. Como disse L évi-Strauss em um ensaio


famoso} quanto mais informação temos} menos compreensão podemos
ter da situação. Quanto maior a compreensão} menor é a quantidade de
dados recobertos pela teoria. Mas suponhamos que vemos o 11 de Setem-
bro não como algo a respeito do qual queremos a verdade} mas de cuja
realidade queremos saber. Então quanto mais eventos tivermos, melhor)
porque essa realidade é altamente complexa. Não se pode contar uma his-
tória simples a seu respeito. Queremos as questões em aberto. Queremos
criar um arquivo) por assim dizer, que permita uma ampla variedade de in-
terpretações) todas igualmente plausíveis. Porque o objetivo da interpre-
tação é criar perplexidade em face ao real- não esclarecê-lo. Pessoas que
querem a verdade querem ser capazes de embrulhar os eventos e guardá-
-los em arquivos.
Moisés Maim ônides, o grande sábio judeu do século XIII} disse que o
sentido de interpretar a Bíblia era aumentar a quantidade de interpretações
possíveis) não diminuí-las. A Bíblia relata as ações de Deus) e elas eram in-
compreensíveis para os humanos. Os homens têm de conferir-lhes sentido}
mas para tanto precis am mostrar como a realidade é realmente muito com-
plicada! O desejo pelo simples é o que orienta a maioria da pesquisa em his -
tória. Dizem: "Vamos atrás da história verdadeira! ". Mas não há uma única
história verdadeira!
Wolfgang Ernst escreveu recentemente um ensaio no qual ado tau uma
atitude diante do passado muito mais parecida com a do arqueólogo do que
com a do historiador} neste sentido: ele quer agrupar todos os fragmentos
da verdade a fim de criar um arquivo que não se reduz a uma única histó-
ria. O próprio arquivo pode ser redigido) assim como no caso daquela linha

WHITE E ROGN E 591


do tempo. Claro, as pessoas que a estão elaborando têm a esperança de que
tudo se cristalizará, de alguma forma, quando os fatos forem numerosos o
suficiente. Mas a realidade não é assim: não há nada por trás da realidade!
Então é por isso que nós niilistas, como diria Nietzsche, vemos a revolução
da informação como algo bem-vindo. O evento modernista é precisamente
aquele evento que desmente a concepção convencional da história como
apenas o conjunto dos evento s que podem ser explicados.
Estou escrevendo agora um artigo intitulado "O evento histórico': 2

Começa apresentando o 11 de Setembro e o Holocausto como eventos mo-


dernistas e se desenvolve a partir daí. É uma ideia simplória, não é mesmo?,
que em determinadas ocasiões na história existem eventos que ninguém
poderia ter antecipado. Se formos escrever a história desses eventos, como
se originaram e quais foram suas consequências, não podemos usar os mes-
mos princípios de explicação que usamos para outros tipos de eventos. Em
outras palavras, um evento genuinamente novo seria aquele para o qual não
poderíamos utilizar os princípios de explicação com os quais nos acostuma-
mos ao lidar com os eventos para os quais acreditávamos sermos capazes de
oferecer uma explicação.

ER: Aqueles ligeiramente mais inclinados ao essencialísmo diriam que você


pressupõe então que não apenas a realidade "muda" corn o avanço da histó-
ria, nos proporcionando novas experiências, mas a percepção do que a pró-
pria realidade também mudou. E isso eles dificilmente aceitariam.

HW: Sim, um filósofo que encontrei há alguns anos me perguntou se era


po ssível que, em um universo em evolução, os padrões de mudança mu-
dem - que as leis que governam a mudança em nosso mundo mudem elas
mesmas. De tal maneira que a mudança pareceria algo monstruoso, impen-
sável. Quando o compositor alemão Karlheinz Stockhausen chamou o 11 de
Setembro de "grande obra de arte", as pessoas foram muito duras com ele.
Mas se você quer saber o que seria uma obra de arte sublime, esse seria um
exemplo - as fotos do 11 de Setembro, não o evento.

2 "O evento histórico", di.fferences:A Journal of Feminisi Cultural Studies 19, n. 2 , 2008, pp. 9-34 .

592 o OBJ ETI VO DA INT ERPR ETACÃO


ER:o que você acha que os historiadores teriam que fazer para lidar com
eventos dessa ordem?

HW: Bem, eu não estou muito preocupado com a disciplina. Estou


muito mais interessado pela forma como escritores criativos, literários;
têm lidado com a história. Uma das coisas a respeito da produção li-
terária pós-modernista que me interessa é que boa parte dela trata da
história. Quer dizer, Don DeLillo, Thomas Pynchon, Philip Roth - to -
dos têm escrito romances históricos. O romance histórico voltou. Mas é
um novo tipo de romance histórico, porque todos esses escritores estão
lidando com eventos modernistas e utilizam técnicas modernistas para
representá-los. Pense no trabalho de Kurt Vonnegut e seu tratamento
do bombardeio de Dresden. Pense em Submundo, de Don DeLillo, que
é uma crítica do capitalismo enquanto sistema de produção de lixo. O
romance é sobre lixo e o tratamento do lixo produzido, e da impossi-
bilidade de dar um destino adequado ao lixo do capitalismo avançado.
Onde colocar o lixo tóxico, que continuará sendo tóxico por milhares
de anos, sem que o planeta seja destruído? Pense em Austerlitz, de W. G.
Sebald, um livro fenomenal. Veja, precisamos da imaginação para preen-
cher a lacuna entre o passado e o presente. E eu acho que uma das coisas
que precisamos fazer, então, é mostrar quão enganadora e difícil é essa
tarefa. É essa a questão de que trata Austerlitz. Quer dizer, no fim, ele
continua sua pesquisa!

ER: Em sua opinião, essa é uma forma também particularmente responsável


de lidar com a história?

HW: Acho mais responsável do que esta falsa clareza. Acho mais responsá-
vel porqu e transfere o ónu s ao leitor. Peguntaram uma vez a mim e a Eric
Hob sbawm o que seria pre ciso para que a história nos oferecesse alguma
compreensão do futu ro. Eu disse: "Mais imagina ção!", e Hobsbawm disse:
"Não, mais racion alidade". Imaginação em excesso levou ao nazismo. Ele é
um homem do Iluminismo.

ER: Você toma o partido da imaginação no pensamento histórico.

WHITE E ROGNE 593


HW: Bem) acho que antes de ela se tornar uma disciplina profissional) isso
era tudo que tínhamos.

ER: E com esses autores modernistas ou pós-modernistas de que falávamos,


estamos voltando àquela maneira de lidar com a história.

HW: É, e Sebald é um bom exemplo.

Oslo) Noruega .

Pub licado origina lment e como "The Aim of Int erpret at ion is t o Creat e Perplexity in
t he Face of th e Real: Hayden Whit e in Conversat ion wit h Erlend Rogne". Hist ory and
Theory, n. 48. Malden (MA): Wesleyan Universit y, fev. 2009, pp. 63- 75. Tradução de
Joaquim Toledo J r.

594 o OBj ETIVO DA I NT ERPRETAÇÂO


SOBRE OS AUTORES
LAWRENCE STONE (1919-99)
Realizou sua formação nas décadas de 1930 e 1940 na Charterhouse School,
na Sorbonne e na Universidade de Oxford. Nessa última instituição foi
lecturer no University College entre 1947 e 1963. Encerrou sua carreira no
Institute of Advanced Studies da Universidade de Princeton, onde deu
aulas entre 1963 e 1990. Com Eric Hobsbawm, E. P. Thompson e Christo-
pher Hill) fez parte da geração que renovou a historiografia social britânica.
Em sua obra, agregou à história social conhecimentos da demografia e da
antropologia. Escreveu) entre outros) lhe Crisis of the Aristocracy, 1558-1641
(1965), lhe Family, Sex andMarriage in EnglandJ 1500-1800 (1977) e) durante
a década de 1990) uma série de trabalhos sobre os padrões de divórcio na
Inglaterra da Era Moderna.

HERVÉMARTIN
Professor aposentado da Universidade de Rennes II, especializou-se no
estudo da vida religiosa medieval. Publicou) entre outros, Les Ordres men-
dianis en Bretagne (v. 1230-v. 1530). Pauvreté volontaire et prédicaiion à lafin
du Moyen Âge (1975), Le Métier de prédicateur en France à lafin du Moyen
Âge (1988)) além de Mentalités m édi évales, xr '-xv' siêcle e Mentalités m édi éva-
les II. Représentations collectives du XI ' au xv' siêde (1996-2001).

GUYBOURDÉ
Formado em história) especializou-se em história da América Latina. Publi-
cou) entre outros, Urbanisation et imigration en Am érique Latine: Buenos Ai-
res, XIx' et xx: siêdes (1974), La Défaite du FrontPopulaire (197 7) e La Classe
ouvriêre argentine, 1929-69 (1984-1987) .

HERVÉ COUTAU-BÉGARIE (1956-2012)


Formou-se no Institut d'Études Politiques de Bordeaux e na Escola Na-
cional de Administração. Foi membro da École Pratique des Hautes Étu-
des e professor do Institut Catholique d'Études Superieures, Fundou o
Institut de Stratégie Comparée, foi autor de vários estudos sobre histó-
ria naval e, no campo da história intelectual) de Le Ph énom êne "N ouvelle
Histoire", Stratégie et idéologie des nouveaux historiens (1983) e L'CEuvre de
Georges Dum ézil (1998).

597
GEORGE HUPPERT
Professor de história moderna na University ofIllinois at Chicago. Publicou
entre outros, lhe Idea of Perfect History: Hisiorical Erudition and Historicat
Phílosophy in Renaíssance France (1970) , Les Bourgeois Geniilshommes - A li
Essay on the Definítion of Elites in Renaissance Fran ce (1977), After the Blacl:
Death: A Socíal Hístory of Early Modem Europe (1986) e TIu Style of Paris:
Renaissance Ongins of the French Enlighienment (1999).

LUTZ RAPHAEL
Professor na Universidade de Trier. Fez estudos de história) roman ística,
sociologia e filosofia, em Münster e Paris, entre 1974 e 1984. Especialista
em história do trabalho, notabilizou-se também pelas suas contribuições à
história institucional da historiografia. Publicou, entre outros, Geschichts-
wissenschaft ím Zeítalter der Extreme (2003), Ideen aisgesellschaftlíche Gestal-
tungskraft im Europa der Neuzeit: Beitrãgefür eine erneuerte Geístesgeschíchte
( 2006) . Organizou) juntamente com Ilaria Porciani, o Atlas of theInstituiion s
ofEuropean Historíography 1800-2005 (2006).

GÉRARD NOIRIEL
Membro da École des Hautes Études en Sciences Sociales, especializou-se
em história do trabalho e da imigração, além de epistemologia do conhe-
cimento histórico. Até 1980, foi membro militante do Partido Comunista
Francês, do qual se desligou após uma série de críticas. Publicou, entre ou -
tros, Longwy) immigrés et prolétaíres ( 1880-1980) (1984 ), Le Creuset françaís.
Hístoíre de l'immigration (xnc-xx< siêdes} (1988) , Construction des nationali-
t és et immigration dans la France contemporaine (1997), Les Fils maudits de
la Républíque. L'avenír des inteiiectuels en France (2005 ) e Immigration, anii-
s émitisme et racisme en Prance (xix -xx' si êd es}: Discours publics, humiliations
prívées (2007).

GERTRUDE HIMMELFARB
Professora emérita da Universidade de Nova York. Formou-se pelo Brooklin
College em 1942 e obte ve o doutorado em 1950, na Univer sidade de Chicago,
especializando-se no estudo da era vit oriana. Editou coletâneas de autores
como Lord Acton, John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville. Publicou, en-
tre outros, Lord Acton: A Study of Conscíence and Polítícs (1952), Víetorian

598
Minds (1968), On Liberty and Liberalism: The Case ofJohn Stuart Mill (1974),
The Idea ofPoverty: Englandin the EarlyIndustrial Age (1984)J Marriage and
Morais Among the Victorians (1986), Poverty and Compassion: TheMoralIma-
gination of the Late Victorians (1991) e The Roads to Modernity: 'Ihe British)
Prench, andAmericanEnlightenments (2004).

LEONARD KRIEGER (1918-90)


Professor nas Universidades de Yale (1946-62), Columbia (1969-72) e Chi-
cago (1962-69 e 1972-88») formou-se na Rutgers University e era especialista
em história do pensamento político e social alemão na Era Modema, notada-
mente do historicismo. Publicou) entre outros, 'Ihe German Idea of Freedom
(1957)J Politics of Discretion (1965)J Kings and Philosophers, 1689-1789 (1970),
An Essay on the Theory ofEnlightened Despotism (1975) J Ranke: The Meaning of
History (1977) e Times Reasons: Philosophies ofHistory Old and New (1989).

BRONISLAW GEREMEK (1932-2008)


Formou-se na Universidade de Varsóvia em 1954. Foi aluno da École Prati-
que des Hautes Études entre 1956-58 e doutorou-se pela Academia Polonesa
de Ci ências, onde lecionou de 1955 a 1985. Quando faleceu, era professor
do Colégio Europeu em Florença. Em paralelo a sua carreira acadêmica, foi
militante do Partido dos Trabalhadores Unidos da Polónia, rompendo com
o regime após a invasão da Tchecoslováquia pelos países-membros do Pacto
de Varsóvia. A partir de então, toma-se uma das personalidades mais co-
nhecidas da oposição, junta-se ao movimento Solidariedade e chega a ser
preso em 1983. Com a redemocratização, foi eleito para a Câmara Baixa do
Parlamento polonês entre 1989 e 2001. De 1997 a 2000J foi ministro de Re -
lações Exteriores eJ em 2004, deputado no Parlamento Europeu. Sua obra,
centrada no estudo da cultura popular da Europa modema, foi traduzida
para várias línguas. Em português, foram publicados Osfilhos de Caim - Va-
gabundos e miseráveis na literatura europeia (1400-1700) (1989) eA piedade e a
forca - História da miséria e da caridade na Europa (1986).

CHARLES-OLIVIER CARBONELL (1930-2013)


Formou-se na Universidade de Toulouse. Lecionou em Dax e depois na Uni-
versidade de Toulouse II - Le Mirail. De 1977 a 1998, foi professor na Univer-
sidade de Montpellier III. De 1982 a 1992J foi editor da revista internacional

599
Storia della storiografia. Publicou, entre outros, Histoire et historiens, une
mutation idéologique des historiens jrançais, 1865-1885 (1976)} Les Temps de
l'Europe, em dois volumes (1993)} Les Sciences historiques d'Hérodote ti nos
jours (1994), De l'Europe: identités, m émoires et mémoire (1996) e Une histoire
européenne de I'Europe, em dois volumes (1999). Em português, foi publi-
cado Historiografia (1981).

THEonORES.HAMEROW
Formou-se no City College de Nova York e nas universidades de Columbia e
Yale.Viveu sua infância na Alemanha entre 1921-24 e na Polônia entre 1924-30.
Especialista em história da Alemanha} notadamente dos séculos XIX e xx, foi
professor na Universidade de Illinois, Chicago (1952-58) e na de Wisconsin
(1958-91). Publicou, entre outros, Restauraiion, Revolution, Reaction (1958),
The Social Foundations of German Uniiication, 1858-1871 (1969)} The Age ofBis-
marck (1973), lhe Birth of a New Europe: State and Society in the Nineteenth
Century (1983)} Reflections on History and Historians (1987)} On the Road to
the Wolfs Lair: German Resistance to Hitler (1999) e Why We Watched: Europe,
America, and theHolocaust (2008).

GEORG G. IGGERS
Foi professor na Universidade de Buffalo (1965-97) e especialista em história
da historiografia} notadamente do historismo alemão. Com seus pais, emi-
grou da Alemanha em 1938 para os Estados Unidos. Formou-se pelas uni-
versidades de Richmond e Chicago, onde obteve o doutorado em 1951. De
1950 a 1963, foi docente em Little Rock e Nova Orleans, em col1eges para afro-
-americanos, onde se engajou na luta pelas igualdades civis. Publicou, entre
outros, lhe Cult of Authority. lhe Politicai Philosophy of the Saint-simonians.
A Chapter in the Intel1ectual History of Totalitarianism (1958), lhe German
Conception of History. lhe National Tradition of Historical lhought from Her-
der to the Present (1968)} New Directions in European Historiography (1975),
Marxismus und Geschichtswissenschaft heute (1995), Geschichtswissenschaft im
20. Jahrhundert. Ein kritischer überblick im internationalen Zusammenhang
(1996) e A Global History of Modem Historiography (2008). Com Wilma A.
Iggers, publicou a autobiografia Zwei Seiten der Geschichte. Lebensbericht aus
unruhigen Zeiten (2002).

600
ERNST BREISACH
Professor na Western Michigan University, obteve o doutorado em 1946 pela
Universidade de Viena. Publicou, entre outros, Introduction to Modern Exis-
tentialism (1960) JCaterina Sforza. A Renaissance Virago (1968) JRenaissance
Europe (1973)J Historiography: Ancieni, MedievalJ 140dern (1983), American
ProgressiveHistory: An ExperimentinModernization (1993) e On theFuture of
History: The Postmodernist Challenge and Its Aftermath (2003).

DONALD REED KELLEY


Professor na Rutgers University, formou-se na Universidade de Harvard e
obteve o doutorado na de Columbia. Publicou, entre outros, Foundations of
Modern Historical Scholarship: Language, Law, and History in the French Re-
naissance (1970) JHistory, Law and the Human Sciences - Medieval and Renais-
sancePerspectives (1984) JThe WritingofHistory and the Study ofLaw (1997) e
Faces ofHistory: Historical Inquiryfrom Herodotus to Herder (2005).

IGNACIO OLÁBARRI GORTÁZAR


Professor na Universidade de Navarra, formou-se em direito e doutorou-se
em história pela mesma instituição. Foi professor na Universidade de Múr-
cia (1978-79) e na do País Basco (1982-83). Publicou, entre outros, Relaciones
laborales en Vizcaya (1890-1936) (1978) JLucha de clases o conjlicto de intereses?
(1991). Organizou com Francisco Xavier Caspistegui o volume The Strength
of History at the Doors of theNew Millenium: History and the Other Social and
Human Sciences Alongxx" Century, 1899-2002 (2002).

HAYDEN WHITE
Foi professor de literatura comparada na Universidade de Stanford e atual-
mente é professor emérito da Universidade da Califórnia, Santa Cruz. Autor
de, entre outros, Meta-história. A imaginação histórica na Europa do século XIX
(1973)JTrópicos do discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura (1978) JThe Con-
tent of the Form: Narrative Discourse and Historical Representation (1987)J Fi-
gural realismo Studies in the Mimesis Effect (1999) e The Fiction of Narrative:
Essays on History, Literature and Theory (2010). .

601
SOBRE OS ORGANIZADORES
FERNANDO ANTONIO NOVAIS
Graduou-se em história pela Faculdade de Filosofia} Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo. Entre 1958 e 1964 foi um dos integrantes do semi-
nário Marx} que reuniu} entre outros intelectuais}José Arthur Giannotti, Fer-
nando Henrique Cardoso} Paul Singer, Bento Prado Jr. e Roberto Schwarz.
Defendida em 1973 e publicada em 1979} sua tese de doutorado} Portugal e
Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1S0S)} lançou as bases para uma
nova compreensão do período e da dinâmica entre metrópole e colônia. Foi
organizador geral dos quatro volumes da coleção História da vidaprivada no
Brasil (1997-98). Foi professor no departamento de história da Faculdade
de Filosofia} Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Em
1986, transferiu-se para o Instituto de Economia da Universidade de Campi-
nas. Lecionou também na Universidade do Texas} no Instituto de Estudos da
America Latina (Paris) e nas universidades de Louvain, Coimbra e Lisboa.
Em 2005} a Cosac Naify reuniu seus ensaios e resenhas no volume Aproxima-
ções - Estudos de história e historiografia.

ROGERIO FORASTIERI DA SILVA


Graduou-se em ciências sociais pela Faculdade de Filosofia} Ciências e Le-
tras da Universidade de São Paulo em 1969. Dedicou-se ao magistério de
história no ensino médio. Foi aluno de Fernando Antonio Novais durante
a graduação (1966), integrou a sua primeira turma de pós-graduação (1974),
obtendo o título de mestre com a dissertação posteriormente publicada sob
o título de Colônia e nativismo: A história como biografia da nação (1997). Le-
cionou na Faculdade de Filosofia} Ciências e Letras da Universidade Esta-
dual Paulista} campus de Assis. Desde então tem desenvolvido pesquisas em
historiografia. Integrou a última turma de doutorado de Fernando Antonio
Navais na Universidade de São Paulo (1994)} defendendo a tese posterior-
mente publicada sob o título História da historiografia: capítulos para uma
história das histórias da historiografia (2001).

603
íNDICE ONOMÁSTICO
A Bardet,Jean-Pierre 64, 66n
Abrams, Philip 474n, 553n Bames, Harry Elmer 321-23, 325n, 331, 332n,
Acton, Lord 436, 462n, 501,50lll, 696 399, 456, 518n
Adler, Alfred 331 Baroja, Julio Caro 275
Adorno, Theodor 364, 365n, 366 Baron, Hans 394, 421, 42lll, 423n
Agambem, Gíorgío 580 Barthes, Roland 133, 255, 255n, 405, 547n,
Agulhou, Maurice 68, 184, 184n, 355,355n 579-81
Allen, Barry 439, 439n, 441 Bate, WalterJackson 391
Althusser, Louis 462n, 47lll, 493, 493n, Battifol, M. Louis 135n
494n , 496, 496n, 503n , 505, 505-06n, Baudelaire, Charles 360
555n Beard, Charles E.9n, 95n, 189, 204, 241,
Andersen, Perry 189,473, 473n, 475-77n, 24m, 524, 524n
4 84- 86n, 48 7, 4 88n , 494, 494n, 503n, Becker, Carl 187, 188n, 205, 205n, 241, 24Ill,
505n, 507-08n, 511n, 561 524
Andrés-Gallego, José 270n, 278, 290, 513n, Beer, Samuel 315
572 Béjin, André 82, 82n
Ankersmit, Frank R. 363, 363n, 4°3, 403n, Bell, Daniel 430
4°9-10, 4 1lll, 4 13n, 54 6-47n, 589 Benda, M . 174
Appleby, Joyce 410 Bendix, Reinhard 561
Aquino, São Tomás de 219n Bentham, Jeremy 209
Arendt, Hanah 218n Bergson, Henri 398, 533,539
Arles, Phillipe 25, 25n, 43, 74n, 89n, 100, Berkeley (bispo de ) 450
lOS, 105n , 106, 353,353n, 376 Berkhofer, Robert 233n, 252n, 411, 411n, 413
Aristóteles 23, 218-19, 218-19n, 226, 578, 581 Berlin, Isaiah 184, 318,321,398, 439
Aron,Jean-Paul 43, 58, 58n, 61, 90, 9111 Berlioz, Jacques 282
Aron, Raymond 83, 83n, 104, 104n, 106-07, Bernal, Martin 415,415n
106n, 535n, 556, 556n, 57Ill Berque,Jacques 131
Assman,Jan 416, 416n Berr, Henri 43-44, 82n, 95-96, 197n, 242-45,
Aulard, Alphonse 57 243n , 245-46n, 247, 342, 368, 517, 517-
Aydelotte, William O. 252n, 303, 305n 18n, 526, 527n, 533, 534-35, 534-35n, 537,
Aymard, Maurice 71, 7Ill, 80, Sm, 558n, 539,557
56 m Besançon, Alain 41, 76, 76n
Bessmertny, Yuri 558, 559n
8 Bismarck, Otto von 224-25
Bacon, Francis 424, 490, 49 3 Blackwell, Constance 396, 396n
Baechler,Jean 106n , 503n, Blair, An 396n, 424, 425n, 45Ill
Baehrel, René 349n, 557, 557n Blanke,Horst398,456
Bailyn, Bernard 23, 188n, 540, 542, 552n, Bloch, Marc 39, 44, 46 -47, 49, 59, 75, 78, 80,
555,555n, 83,88-89,96-9 7,101-03,112,115-16,120,
Ballesteros,]. 546, 54 6n, 547, 547n, 549n, 122-23,131-32,135, 135n, 137-38, 146, 149,
563,5 65 153, 155-56, 155n, 158,159n, 165, 167-73,
Balzac, Honoré de 30, 410 167n, 169-73n, 175-76n, 176-78, 180-81,
Bancroft, George 190 188, 198, 198n, 242, 245-49 , 246n, 248n,

605
254, 259, 263, 281, 287}342-53, 34 2n, 34 4- -37, 536-37n , 543n, 545n , 54 6, 553, 555-56,
45n, 350n , 356-57, 368-7°, 369-7 m, 4 °9, 555-56n, 559, 570, 581
500n, 520, 523, 526, 526-29n, 528-30, 533, Bre cht, Bertold 581
535, 536n , 538-39, 545n, 550, 555n, 556-57, Brei sach , Ernst 152, 152n, 378, 388, 516n,
557-58n, 559, 562, 568, 569n 535n, 54 2, 542n, 546,546n
Blondel, Françoi s 526 Brejnev, Leonid 45
Bluche, Françoi s 68 Brenner, Robert 18n, 463n, 471-74n, 472,
Blumenberg, Hans 436, 436n, 44 2, 442n, 477 n , 4 83,4 83n, 488n, 492n,495,495'
444 -96n , 503n, 507-08, 508n
Bodin,]ean 4°0,431 Breysig, Kurt 525
Bo er, Pim d er 399 Brídenbaugh, Carl 308 -10, 312n
Boer, W. Den 39, 51 Bridenthal, R enate 392
Bogue, Allan G. 21On, 252n, 303, 305n, Brinton, Crane 302, 392
543n Brown, Peter 26, 26n
Bois}Guy 49-50, 49n, 113n, 473n, 476-nn, Brunner, Otto 273
508n Buffon, Georges Louis Leclerc (con d e de )
Bois.jean-Pierre 67 4 °2
Bonaparte, N apoleão 187,278, 509n, 590 Bukharin, Nikolai 469, 46 9n
Bonifácio VIII 4 22 Burckhardt.jacob 149, 186, 189, 237-38,
Bonte, Pierre 280 238n, 36o, 394, 4°4, 4° 6-°7, 4°9, 439,
Borges,]orge Lui s 444, 444n, 450 455, 516n, 537, 54 0, 586
Borkenau, Franz 127 Burguier e, André 39, 40, 42 -43, 45-4 6, 53,
Borst, Arno 454, 454n 67, 67n , 77, 87n , 105n, 114}114-15n, 159,
Bossombrook, William J. 577 159-60n, 168n, 172n, 280-81, 283-84}354,
Boswell, James 320 526-27,55°, 550n, 557-s8n} 565
Bouglé, Céle stin 175n Burke, Keneth 403, 403 n
Bourdieu, Pierre 40 , 86, 86n , çm Burke, Peter 119-20n, 121, 12m, 130, 13°-3m,
Bourgeois, Émile 71, 7m 189, 247n, 257n , 259-60n, 34 m, 369n,
Boutroux, Émile 532-34 398, 552,5 60,5 65
Bouvier, J ean 355,355n Burke, Edmund 585
Braudel, Fern an d 15,15n, 40-46, 49, 52, 64, Bush, Douglas 391
67-68, 7° -73, 7m , n n, 75-82} 77- 78n, Bush, George "v.580
80 -8m, 84- 87, 84n, 89-91,89n , 96, 98-99 , Butterfield, Herbert 20 7, 207n, 226, 226n ,
98n}101-02, 101n, 105-06, 111 -12, 115-16, 568
115n, 120-21, 123, 126, 128-29}128n, 132, Byrd, William 320
134-39, 138n, 143, 146, 146n, 149, 151, 153,
159n, 178, 183, 186n, 188, 188-89 n, 190, C
197n, 198-200, 198-199n, 245n, 249 n, Calhoun, John C. 225
254-55}257-63, 257-6m , 270, 273-74, Cam , Helen 391
281, 284-86, 284 -85n, 289-90, 346 -49, Cantor, Norman 395-96
347 n , 349n, 351,356-57}374 -76, 374-75n} Capet, Hugues 69
392-93, 4 °9, 412n}446n, 513-14, 513-14 n, Carb onell, Charle s-Oliver 399, 513n, 53m,
518-20, 518-19n, 523, 529, 534, 535n, 536- 535-36n

606
Carême, Ant onin 58 Co m te, Auguste 52, 361, 532, 532n, 533, 533n,
Carl ing , Alan 461, 46 In, 465n 534, 537,539-4 0, 545, 549-50, 56 7n, 570
Carlos I 483, 484, 495 C onant, James 392
Carlos v 294 Condorcet, m arqu ês de 365, 365n, 381
Carlyle, Thomas 322 C ontamine, Philippe 88
Carrard, Phillippe 412 C orrigan, Philip 496, 5°3, 508, 508n
Carruthers, M ary 416, 416n Coulanges, Fu stel de 38, 534, 535n, 539n
Cassirer, Ern st 435, 533 n Co urnot, Antoine 431
Cavillac, Michel 527 Co utau-B égarie, H erv é 86, 91,117, lS8n,
Ced ronio , Ma rina 526, 527-28n, 528, 53In, 192n, 206n, 522n
545 n, 555n, 563n Craig, Gor do n 221, 22In
Censer,Jack 425, 425n Cro ce, Benedetto ..p , 241, 398, 404, 463n,
Certeau, Michel de 41, 43, 48, 159n, 262, 4 65n, 534
262n, 442, 442n, 449, 449 n, 57In Cr oix, Alain 53
Ch agall, Marc 132 Cro mwe ll, Oli ver 486, 486n
Ch amboredon, Jean- Claude 174n Crouze t, Denis 67
Chartier, Roge r 38, 43, 45, 376, 412n, 418n) Crouzet, François 84, 85n
4 24, 518-19n, 530, 530n, 560n, 565 Crozie r, M iche l 85, 85n
Chateaubriand, Fran çois-Ren ê de 44, 519 Culler, Jo nathan 40 3
Chatelus, Pierre 111, 11m Curtin, Philip 551, 552n
Chaunu, Huguette 376, 376n Curtius, Ernst Robert 514
Chaunu, Pierre 64, 65, 65n, 67n, So, 81,82,
89, 90n, 91, 97-98, 98n, 99, 112, 114, 114n, D
254, 261, 263, 263n, 352n,353,353n , 374, Danet , Amand 62
376, 376n, 569, 569n D anto, Arthur 233n, 577
Chesne aux, Jean 42 Darnton, Robert 9n, 16n, 28, 29n, 35n, 221,
Chevalier, Louis 103, 104, 355, 355n 22m, 334-35, 337, 396, 424-25, 552n, 560n
Cícero 416 Da ston, Lorrain e 420, 420n
Cip olla, Carl° M. 28, 28n, 196 D aumard, Adeline 130n, 355, 355n, 376
Cl agett, Marshall 395 D avis, Natalie Zemon 9, 29, 29n, 288, 316-
Clanchy, Michael T. 416 -17, 318n, 363, 363n, 408, 56o, 560n, 562,
Clio 61, 86, 114n, 194, 288, 380, 383n 562n
Clough, Shepard 395 D awson, Christopher 575-76
Clóvis 69, 72 Day, John 120, 206n
C obb, Richard 31, 3In, 34-35, 188n De Gaulle, Ch arles 41
Cochrane, Eri c 393, 398 D e Voto, Bernard 395, 395n
Cohen, Gerald Allan 484n, 46 6n, 468n) Dean, Herbert 395
469, 46 9n, 470- 7In, 489n, 49 7n, 49Sn, Degler, Carl 194, 194n, 225, 225n
50 2n D eleuz e, Gill es 547n
Coke, Edward 49 0 DeLillo, Don 593
Coleman,Janet 416, 416n D elumeau, Je an 26, 26n, 53, 61, 545n
Collingwood, Robin Ge orge 398, 402 D errida, Jacques 261-62, 265n, 365,414,
Cornninel, George 496, 496n 453n, 547n, 549,554, 579

607
Descartes, René 83n, 40 5, 4 29, 4 29n, 549, Ellul,Jacques 94, 94n, 107, 107n, no
549n , 565, 569n Elst er.jon 461, 46m, 487n, 497-98n
Détienne, Marcel 288, 418n Elton, Geoffrey R . 31-32, jm, 190n, 211,
Dewey, John 95 21m, 212-13, 410, 55m
Dickens, Charles 30, 394, 450 Elwitt, Sanford 396
Dilthey, Wilhelm 149, 398, 539 Engels, Friedrich 217, 460-66, 460-67n,
Diocleciano 471 4 68-69 , 47 0n, 472n, 474-75n , 475-76,
Dion, Roger 131 4 81, 48m, 484 -87, 4 86-8 7n, 489, 489n,
Dom, Walter 395 492-93, 492-93n , 49 8n, 499, 499 -502n,
Dosse, François 70, 70n, 84, 84n, 87n, 282, 501, 504, 504-06n, 506, 509n, 5nn
282n, 286, 286n, 519n, 545n, 551, 55m , Engerman, Stanle y 20n, 48
sssn Erbe, Mich ael u çn, 125n, 128n
Dostoiévski, Fiódor 360 Erikson, Erik H. 327-31,328n, 332n
Douglas, Mary 23 Ernst, Wolfang 591
Dow, Sterling 391 Étiemble, Ren é 42
Dray, William 232-33n, 233, 5nn Evan s-Pritchard, Edward Evan 23, 288
Drood, Edwin 450
Droysen ,]ohan Gustav jaa, 344n, 361, F
36m , 4 09 Fau connet, Paul 175n
Duby, Georges 27, 27n, 4 2, 45, 53, 60, 68- Fay, Sidney 391
-70, 68n, 70n, 82n, 99, no, um, 112, 151, Febvre, Lucien 22, 32, 33, 39-41, 43-44,
281,287-88, 34 6, 353, 353n, 357,371, 409, 46-47, 49,59,71,75,78,80-81, 8m, 83,
557-58, 557n 85-86, 89, 95n, 96-97, 100-03, 105, n z,
Duchamp, M arc el 584 115-16,1 21-39, 125n, 128n, 138n, 146, 149,
Dumézil, George 43, 86, 93, 94, 100, 107, 153, 155-56, 158,159n, 161-62,162n, 165-79,
107n, 131, 695 167n, 169-76n, 179n, 188, 242, 245-49,
Dumont, Louis 107, 107n 246-49n, 252, 254, 258-59, 261-63, 261-
Dumoulin, Olivier 87, 87n, 160, 168, 168n, -62n, 271-72, 284-85, 290, 342-46, 344-
172, 18m, 284n, 556 -45 n, 348-51, 356-57, 368-71, 36 9-70n, 374,
Dupront, Alphonse 90, 100 376, 409 , 4 24, 514, 520-21, 523,526-34,
Durkheim, Émile 79n, 83, 109, 174, 245, 526-29n, 532n, 534n, 535, 536n, 538-39,
343, 416, 531-34, 531-32n, 535n, 537, 539 544-45 n , 546, 550, 555n, 556-57,557n, 570
Duverger, Maurice 69 Féis, Hebert 301
Fermat, Pierre de 450
E Ferro, Marc 40-41, 43, 45, 59-60, 60n, 68,
Eggleston, Edward 516n 68n, izon, 223, 223n, 355,356
Eichman n, Adolph 580 Feuerbach, Ludwig 394, 414
Eísenstadt, S. N. 561 Filipe IV 422
Eisenstein, Elizab eth 4 23-24, 4 24n Findlen, Paul a 396n
Eliade, Mircea 94, 94n, 100, 131 Finlay, Robert S60, s60n
Elias 576 Fisch, Max 393
Elias, Nobert 25, 25n, 154, 154n, 163n, 281 Fish, Stanley S64n
Ellíot, John 395, 396n , 506 Pleíscher, Helmut 460, 460-62n

608
Fogu, Claudio 590 Gelbart, Nina 425
Fossier, Robert 53 Gel1ner, Ernest 93, 930
Foster,John 481, 481ll Genovese, Eugene 217, 218o, 396, 459, 471ll,
Foucault, Michel ij, 42, 1590, 1790, 230, 472,4730,4800,4860,4930,5°00,5°2-
262-66, 264-650, 276, 348,365-66, 411, -030, 505-100, 6540
4 24, 4 28, 4 280, 450, 45° 0, 545, 549, Gentile, Giovanni 590
5550, 5630, 571ll, 579 Geremek, Bronislaw 139,269-77,2700,
Fox-Geoovese, Elisabeth 217, 2180,5000 5130
Francastel, Pierre 514 Gernet, Louis 131
Franklin, Julian 395 Gibbon, Edward 9-10,516,570
Fraser,]. T. 454 Giesey, Ralph 395
Freedeman, Charles 396 Gilbert, Felix 9, 2630, 3520, 394, 395
Freud, Sigmund 127, 133, 226, 322-23,331, Gille, Bertrand 100
392,5 83 Gillispie, Charles 9
Friedberg, Erhardt 85, 850 Gilmore, Myron 392
Friedmann, Georges 41, 96, 124, 136-37 Ginzburg, Carlo 27, 270, 33,28o, 424
Fromm, Erich 4890 Glénísson, Jean 103,1030
Fueter, Eduard 393, 399-400 Gõdel, Kurt 429
Fukuyama, Francis 359, 3590, 413, 430-31 Godelier, Maurice 475, 4760, 499-5000,
Furet, François 170, 38, 41-43, 52-54, 540, 5°4, 504n, 509
66, 68, 76, 770, 78-79, 780, 850, 1040, Goldmann, Lucíen 132, 491, 491ll
106-07, 1060, 114,1140,1300, 2°4, 2040, Goody, Jack 281, 283
2060, 223,2240, 226, 2270, 254, 261-63, Gortázar, Ign ácio Olábarri 27°0, 512-71
2630, 280-81, 286, 2860, 290, 3520, 356, Goubert, Pierre 15,15n, 42, 70, 75, 114,
3560, 376, 4300, 4670, 4850, 556, 5580, 1140, 337, 3390, 34 6, 349 0 , 375,3750,
571-72,57 20 557,557n
Furtado, Celso 40 Gouesse, jean-Marie 40
Goy,Joseph 42
G Grafton, Anthooy 3960, 424
Gadamer, Haos-Georg 398, 400-01, 5640 Gramsci, Antonio 209, 5030, 505n
Galilei, Galileu 33, 133, 583 Gransden, Antonia 398
Gallagher, Catherine 410, 4100, 4180 Grazia, Sebastian de 396
Gandhí, Mahatma 547 Green.john Richard 187
Gant, Eugeoe 390 Greenblatt, Steven 403, 410, 4100, 4180,
Garraty, john A. 326, 3280 554
Gatterer,Johan Christoph 2930 Grenier, Fernand 1700
Gaxotte, Pierre 71 Guenée, Bernard 377
Gay, Peter 402, 4020, 404 Guerard, Albert 391
Geary, Patrick 416, 4160 Guicciardini, Francesco 406
Geertz, Clifford 22-23, 220, 395, 410, 554, Guízot, François 44, 190, 287, 5160, 519
564 0 Gurevích, Aaron 356, 3560, 4940
GeW,Jürgeo 135 Gutenberg.johanes 425, 435, 449 , 451
Gehlen, Arnold 431 Guyot, Raymond 168

609
H Hilton, Rodney H oward 463, 47m , 473n,
Haberm as, J ürge n 420, 420 n, 546 474n, 4i 6 -i Sn , 48o, 480n , 482-83, 482-
H albwachs, Ma ur ice 1i2, 1i 2n, 416, 526, -83n , 487n, 491, 49 m , 493, 493n, 49 9n,
532n 502,505n
H alfpenny, Pete r 4 9i n Himmelfarb, G ertrude 185-22i, 518,518-
Hamerow, Th eodore S. 291-339, 552, 552n -19n, 553, 564, 564- 65n
H amilton, Earl]. 45, 2i 3, 301 Hindess, Barry 4illl, 4i 5, 475n, 4i7, 4ii-
H ammond, Mason 391 -78n, 502n, 506n
H andlin, O scar 3°9 , 312n, 330, 332n, 339, Hintze, Otto 525
339n, 391, 410 Hir sch, E. D. 440
H ansen, M arcus Lee 302 Hirst, P. Q 4i m, 4i5 , 475n, 4i7, 4i7-78n,
H arrington, James 21, 311 502n, 505-06n
H artog, François 83, 419, 419n, Sim Hitler, Adolph 31, jin , 330, 332n
H auser, Arnold 49 0n, 53111 H obsbawm, Eric 28, 28n, 35, 189,1 96, 19i n,
H auser, H enri 345n 224, 224n, 25m , 296, 30m, 319, 321n,
H ayes, Gile s 222 4 4 6n, 459n, 4i 3n, 475n, 479n, 481-82n,
H ayles, Katherine 429n 4 84, 4 85n, 49m, 495n, 499n, 507n, 523,
H eat on , Herbert 33i , 339n 524n, 553n, 593
H egel, Friedrich 47, 80,213,229, 231, 361, Hofstadter, Richard 226, 524, 524n
4 12,419, 431, 43111, 496n, 516n, 570 Hollinger, D. A. 514, 514n, 565
H eidegger, M artin 265, 364, 400-01, 40 i , H oIt,]. C. 49111
4° 9, 426, 4 29, 583 H omans, Geo rge 315
H eisenberg, Werne r 429 Homero 30
H eller, Cl em ens i 9, 511n H ooke, Rob ert 320
H empel, Carl 232, 232n Horkh eimer, Max 364, 365n
H enrique III 69-iO Hotrnan, François 395
H enrique IV 52i Houts, Elisabeth van 416, 416n
H enrique VIII 395 Hughes, H enry Stu art 243, 300-01, 30111,
H enry, Loui s 66, 375 324- 25 ,3 27, 328n, 391
H erder,Johan Gottfríed 398-99, 399n, 404, Huizinga, Johan 149, 235n, 242, 344 n,
415, 426, 516n 399, 399n, 404, 4° 9, 432, 453, 516n,
Herlihy, D avid 306, 308n 520
Heródoto 137, 282-83, 398-99, 4°2, 4°4, Hume, D avid 440, 516
4 13, 4 15, 4 19,43 1, 44 2, 445, 44 9, 45i , Hunt, Lynn 410, 558n, 562
516,570 Husserl, Edmund Gustav Albrecht 426
H erzen, Alexandre 360
H exter, Jack 98, 98n, 101, 10m, 188n, 259-
-60 n, 395, 4° 2, 402 n, 412,513, 513n, 548, Iggers, Georg G. 21On, 246 n, 250n, 262n,
555, 555n 398, 514ll, 515, 516n , 537n, 567
Heyne, Christian Gottlob 419 Institorís, Heinrich 62
Hill , Christopher 459, 48o, 480n, 484, Irsigler, Franz 55i, 557n
4 84n , 486, 486n , 487, 48in, 489 -90, Israel, Jo nathan 395, 398
4 89- 95n, 493, 495, 503n Izard, Michel z.So

610
J Kierkegaard, Seren 36o, 360n
Jacob, Margaret 410 Kingdon, Robert 398
Jameson, Frederic 414, 547n Kin ser, Samuel 188-89n, 393, 393n
Jardine, Nicholas 396n Kitching, Gavin 5°9, 509 n
Ja spers, Karl 576-77 Kna pe. joachírn 398
j aur és, Jea n 523 Kock a, Jürgen 5°911, 544
Jay, Martin 503n, 564n Kolak ows ki, Leszek 275, 459n
Jefferso n, Thomas 325-26, 329-30 Ko selleck, Reinhart 255n, 262n, 348, 34 8n,
j ohns, Adrien 424 39 8
J oh n son, Alvin S. 246-48n Kousser, J. M organ 210n, 307, 308n, 543,
Johnson, Rich ard 48m, 4 86n 55m
J olas, Tina 58 Koyr é, Ale xan dre 133
J oli ot-Curie, Fré déric 175n Kra cau er, Siegfried IS0, 151ll
J on es, Gar eth Stedm an 4 81ll, 505-06n KriegeI, Ann ie 4 2, 74, 75n, 82, 8211
j ones, H oward M u mford 391 Kristeller, Paul 394 , 396
Jo ne s,J uan Pab lo 516 Kubler, Geo rge 272, 452n
J onson, Ben 390 Kuhn, Th omas 101,10m , 432, 514, 514n, 515
Jordan, Dav id P. 25, 25n, 46 3n, 471ll Kupferm an, Fred 68
J osé II 325
J oyce, Davis D. 517n, 524n L
Joyce,James 391, 399-4 00, 413 La B1ache , Pau l Vidal de 343, 374, 526
Joyce , P. 547n Labrou sse, Ernest 4 1,49, 54, 68, 7811, 102,
Julia , D omin iq ue 43 112, 114 , u6, 125, 143, 146, 149, 181-83, 272,
Juliá, San to s 561, 561ll 351, 35m, 376
Jung, C arl Gu stav 331 Lacan, J acq ues 261, 579
J ünger, Ernst 360 LaCapra, D om inick 4 ° 3, 4° 7, 407n, 4 08-
10, 56011
K Lacombe, Pa ul 198n , 272, 534
Kafka, Franz 226, 391 Lacouture, Jean 90
Kam men, Michae l 16n , 35n, 19411, 210n , Ladurie, Emmanu el Le Roy 12,12n, 15,
221ll, 308n, 335, 337n, 552, 552n 15n , 21, ain , 27, 27n, 28, 32, 32n, 35, 35n,
Kant, Immanu eI 372, 419, 528, 532n, 533, 39n , 4 0-43, 45, 51, 51ll,53, 64, 69, 69n,
545, 54 8-49 ,563, 563n, 585-86 75-76, 82n, 97, 9711, 98, 9811, 99-100, 100-
Karady, V. 79n , 83 -oin, 112, U2n, 114, 114n, 120, 126,
Karpovich, M ichael 391 151, 192n, 196, 20 611, 254, 261-62, 26311,
Kautsky, Karl 469, 469n, som, 504n, 506n 274, 277, 287,294, 295n, 299, 301ll,
Kehr, Eckart 525 30 6, 30 8n , 34 6-4 8, 349n, 352, 352n, 354,
Kelln er, H an s 363n, 403, 40 8, 408n, 409- 376-77, 518, 557, 557n , 558, 562, 564,
-ro, 4 un, 412, 4 13n 56 4-65n
Kelly, C. 547n Lamprecht, Karl 95, 102, 186-87, 241, 272,
Kcrnpe, M argery 217 34 2, 4 ° 9, 516, 516-17n, 523, 525, 534, 535n,
Kenyo n,Joh n 32, 32n 536-37, 537n , 538-4 0
Keynes, J oh n Maynard 376 Lamy, Bernard 56911

611
Landes, David S. 2S2n, 310,312n,31Sn, 524, Lucas, Colin 195n
525n, 544n Luciano 406
Langer, William L. 323-24, 325n, 326, 328, Luís VI169
328n, 332n, 391 Luís XIV70, 90, 294
Langlois, Charles-Victor 48, 101, 106, 167n, Luís XVI25,325
176n, 368, 368n Lukács, Georg 503n, 581
Laslett, Peter 154, 273 Lukes,S. 465n, 501,som, 53m
Lavin, Irving 395, 417n Lutero, Martin 328-29, 350
Lavisse, Ernest 62, 69, 162 Lützeler, Paul Michael 549n
Lavoisier, Antoine 583 Lyon, Bryce 29, 29n, 39m, 528n, 536-38n
Le Bras, Gabriel 376 Lyon, M. 528n, 536n
Le Goff,Jacques 29n, 38n, 40-44, 44n, 45- Lyotard,Jean-François 365, 414, 428, 4280,
-49, 49n, 53,56, 58n, 59, 61,67, 67n, 74, 430,440, 547n, 54 8, 548-49n, 568, 589
81, 82n, çin, 96-98n, 113, 113n, 114,114n,
115, 115n, 116, 132, 176n, 195n, 206n, 21On, M
250n, 262, 262n, 280-82, 299, 30m, 346, Mabillon,Jean 62, 568, 569n,
34 8, 348n, 353,353n, 357,375-76, 4°9, Macauley, Thomas Babington 189
518n, 519, 519n, 520-22, 530n, 557,558n, MacHardy, K. J. 550n, 564n, 565
561,56m, 57m Magno, Carlos 69, 72, 536
Lebrun, Jean 94n Maier, David P. 552n
Lebrun, François 53, 67n, 68, 68n Mailer, Norman 391
Lefebvre, Georges 182, 463n, 484, 48sn Maim ônides, Moisés 591
Letf, Gordon 459n, 501,som MaIaurie,Jean 80n
L ênin, Vladimir Ilitch 217, 326, 365, 469, Malebranche, Nicolas 569n
469n, 48m, 523n Malia, Martin 76n, 391
Léon, Pierre 555,556n Malinowski, Bronislaw 14, I4n, 127
Lepetit, Bernard 182n, 354, 559, 559n Mandelbaum, Maurice 204n, 386
Levi, Giovanni 56o, 560-6m, 565 Mandrou, Robert 25n, 40, 132, 346, 353,
Levin, Harry 391 353n, 376
Levine, A. 46m, 470-7m Mann, Hans-Dieter 555n
Levine,Joseph 398 Mann, Michael 499n, soon
L évi-Strauss, Claude 132, 255-56, 256n, 257, Mann, Thomas 391, 410
257n, 258, 260-61, 285-86, 350, 372, 555, Mannheím, Karl 236, 241
555n, 580, 591 Manning, Brian 483, 483-84n
L évy-Bruhl, Lucien 175n, 350, 376, 526, Mantoux, Paul 528n, 534
532n Mao Tsé-Tung 46
Lincoln, Abraham 326 Maquiavel, Niccol õ 18, 211, 586
Lívio, Tito 413 Marcel, Gabriel 576-77
Lombard, Maurice 275 Marcuse, Herbert 365
Loon~E.469,469n,505n Marquardt, üdo 401, 40m
Lopez, Robert 120 Marrou, Henrí-Irénée 39, 47
Lovejoy, Arthur 396-97 Martel, Charles 72
L õwith , Karl 576 Martin, HenriJean 424

612
Martin, John E. 478n , 483, 483n Michelet,Jules 44, 51-52, 76, 139, 171, 190,
Marvell, Andrew 491 255, 270,293,401,4°4-06, 4 1O- U, 413,519
Marx, Karl n-rz, 17, 38, 46-47, 49-50,73,76, Mikkeli, Heikki 396n
83, 86, 94 , U3, u 6, 124, 126-27, 131, 136-37, Miliband, Ralph 46211, 487-88n, 506-o7n
149, 151-52, 182,187, 189, 193,206n, 208, Miliukov, Pavel zxa
217-18,253,270-71, 274, 325,34 1, 351,356- Mill,John Stuart 510,510n
57,3 61, 365, 377, 382, 387, 392, 394- Miller, D. som
-95, 397, 404, 414, 418, 420-21, 428-29, Miller,James 46m
451,458-5u , 520 -23, 525, 529, 537,540, Miller, Perry 391
542-46, 548-49, 559-60, 56m, 567n, 570, Miller, Peter 391, 396n
576, 58o, 588 Miller, R. H. 469-70n, 507n
Marzocchi, René 79 Millet, Hélene 49
Mason, Tim 481, 48m Millett, K. 500n
M astrogregori, Massimo 526, 526-27n, 53m Milsky, C. 41
Mathiez, Albert 57 Milton, John 492
M attingly, Catarina de Aragão de 395 Mitterrand, François 223
Mattingly, Garrett 395 Mornigliano, Arnaldo 398, 568, s68n
Mauss , M arcel 54, 109, 151, 175n, 282, 288, Mornrnsen, Theodore 293, 404
350,52 6,5 29 Monnerot, Jules 112, ujn
Mazlísh, Bruce 253n, 324, 325n Monod, Gabriel 94n, 165, 167
Mazon, Brig itte 79n, So, 80n, 8sn, 87, 87n, Montaigne, Michel de 137, 428, 435
88 Moore, Bar rington 315, 561
M cIlwain, Charles Howard 338, 339n Morazé, Ch arles 96, 136-37, 355,35Sn, 531,
McKay, Donald 392 S3m, 54sn, s66n
McKitterick, Rosamond 416, 416n , 422, Morineau, Míchel a s, 45n, 46
4 22n Morison, Samuel Eliot 391
McLuhan, M arshall 425, 425n, 435, 451, Mousnier, Roland 371, 392-93
45ill M oyer, Ann 396
Megíll, Allan 264-65n, 413, 413n, 414, 417n Müller, Bertrand 160n, 169, 169n, 174n,
Meillet, Antoine 79 528n
Meinecke, Friedrich 230, 234, 234-35n, 236, Müll er, J an-Werner 416n
236n, 237, 237n, 238, 238n, 241-42, 394, Mulsow, Martin 396n, 398
398, 409 , 422 Mumford Jones, Howard 391
Melanchthon, Philipp 423 Mundy,John 395
M enache, Sophia 422, 422n, 424n Munz, Peter 398
Merk, Frederick 391 Muratorí, Ludovico Antonio 516
Merleau-Ponty, Maurice 426, 42 6n, 576
Merton, Robert K. 22, 46 8n N
Meuvret, Jean 41,375 NadeI, G eorge H. 524
Meyer, Donald B. 328 Namier, Lewis 32, 226, 492n
Meyer, Eduard 398 N apoleão III 278
Meyerhoff, Hans 324, 325n Neale, R . S. 495, 495n
M eyerson, Ignace 529 Nelville, Sylas 320

613
Ne vins, All an 338, 339n, 395, 402 , 402n Pégu y, C harles 91, 370n
Newto n , Isaac 133, 372, 583 Pep ys, Sam ue l 320
Nichols, Roy 210n Perroy, Ed ouard 131
Nicholson, Marjorie 395 P étain, Philip p e 68
Nieb uh r, R einhold 178, 404, 516 Piaget, Je an 110n , 256, 256n
Nietzsch e, Fr iedrich 193, 226, 36o, 364, Pirenne, H enri 44, 131, 287, 392, 520, 528,
4° °, 4 00n , 4 01, 40 m , 412, 427, 429, 441, 528n , 536, 536n, 537-39
454, 455n, 549 n , 577, 584, 59 2 Plam enatz, john Petrov 501, 50 m
Nisbe t, R ob ert 200 , 200n, 499 n, 53m Pl atâo 23, 74, 133
No ra, Pi erre 42-43, 47-4 8, 58n, 67n, 82n, 88, Plekhanov, G ueorgui Valentin ovich 469 ,
90, 90-9 m , 97-98n, 113-14n, 166n , 184n, 4 69 n
195, 195-96n, 206n, 2100, 250n, 262, 262n, Pocock. john G.A 24, 148, 148n, 394, 398,
356n , 40 1, 416,519, 519n , 56m , 57m 495n
Novalís 450 Poirot , H ercu le 398
Novick, Peter 362n, 363, 364 n, 4170, 552, Polan yi, Karl 281, 288, 561
5520,565,5 77 Políb io 398, 431-32
Pope, Ale xand er 457
o Popkin, D ick 395
Oakes h ott, Michael 193 Po pkin, J eremy 425
Occam, Guillaume de 82 Popkin, Richard 398
Orr, Linda 4 03 Popp er, Karl 94n, 232, 2330, 277, 459n , 511n
Ortega y Gasset, J osé 567, 567n Po tte r, David 210n
O wen, D avid 392 Po ulant zas, Nicos 462n
O zou f,Jacq ues 17n, 376 Pound , Ez ra 585
Ozouf, Mona 42, 57-58, 355, 355n Po uss ou, j can-P ierre 64, 66
Pr az, Mario 575
p Prescott, William H . 293
Padover, Saul K. 325-26, 328n Prost, Antoin e 52, 176, 176 n
Pag de n, Anthony 148n, 396n, 398, 42m Pr oudhon , Pi erre-Joseph
Pages, Ge or ges 89 Pro ust, Marcel 391, 581, 584
Palmer, R ob ert 396 Pync h o n, Th omas 593
Pan nwitz, Rud olf 427, 427n, 4 28
Pano fsky, Erw in 417 R
Paret , Peter 395 Rabb, Theodo re çn, 2100 , 396, 552n
Park, Kathe rine 420, 420n R abelais, François 128, 350-51
Parker, D. 4 88n, 508, 50 8n Ra cine , J ean 133, 491
Par ker, Harold T. 21On, 250n, 262n R alegh, Wa lte r 490
Parkin, F. 499-500n , 510n Randall,]. H . 385
Parki ns o n, Cyril N orthcote 80 Ranke, Leop old von 11, 125, 145, 189, 229,
Parkman, Fran cis 190, 293 237-38,2 93, 341,344, 346,361 -63, 394,
Pascal, Blais e 491 40 4, 406-08,410-13,4 26, 447,516,516n,
Passeron, J ean- Cl aude 166n 526, 54 2, 545, 56 7, 56 7n, 570, 586,
Patlagean , Évelyne 288 R anum, Orest 393, 393n

614
Ratzel, Friedrich 343 Sartre, Jean-Paul 84, 256, 260-61, 576-77, 580
Razi, Z. 480, 480n Saussure, Ferdinand de 371,554
Reelus, Elisée 139 Savigny, Friedrich Carl von 395
Renan, Ernst 534, 535n Sayer, Derek 469, 469n, 496n, 503n, 506n,
Renaudet, Augustin 89, 89n 508,508n
Renouvin, Pierre 89, 89n Sayers,J.499-500n
Revel,Jacques 38n, 39-40, 42-43, 45-46, 77, Schama, Simon 31, 3m, 563, 563-64ll, 570
115, 115n, 159n, 179, 179n, 354, 518n, 519, Schevill, Ferdinand 390
519n, 530, 530n, 559, 559n, 56m Schiebinger, Londa 396
Richet, Denis 40, 42 SchJesingerJ~,J\rthur391
Rickert, Henrichjçê, 5H Schlõzer, Ludwig von 293, 293n, 302, 305n,
Ricceur, Paul 47, 401, 438, 438n, 581, 587 516
Rigney, Ann 411, 412n Schmídl, Fritz 331, 332n
Rilke, Rainer Maria 436, 436n Schrnidt, Charles 398
Ritter, Carl 343 Schrnitt, Carl ioên, 360
Robespierre, Maxirnilien François Marie Schrnitt,Jean-Claude 43, 45, 54, 59, UO, 282
Isidore de 365 Schnapp, A. 43
Robin, R égíne 496, 496n, Schneewind,J. B. 396n
Robins, K. 507n Schneider, Ulrich 396n, 398
Robinson, James Harvey çn, 95n, 186-87, Schorske, Carl çn, 391
187n, 189, 204, 241, 24m, 322, 337, 478n, Schõttler, Peter izõn, 129,129n
516, 517n, 524 Schulín, Ernst 142
Roche, Daniel 43, I80n, 183, 183 Sebald, W. G.593 -94
RoeIker, Nancy 398 Segalen, Martine 42
Roemer,John 465n Seidman, Steven 427-28
Roosevelt, Franklin 197 Seigel,]errold 396
Roques, Mario 79 Seígnobos, Charles, Robert William 48,
Rothkrug, Lionel j çjn 101,106,164,167, 167n, 168, 174-75, 175n,
Rougerie,Jacques 42 176, 176n, 177,179-80, 183, 284, 345, 368,
Roupnel, Gaston 374 368n,53In
Rud é, George 28n, 482, 48m, 484, 485n Sêneca 219n
Runia, David T. 590 Se~ell,VVilIiam562
Rüsen,Jõrn 344, 398, 513n, 522- 23, 54 0, 551 Shaw, George Bernard 477n
Russell, Bertrand 32n, 200 Shaw, W. H. 466n, 469, 469n
Russell, Conrad 32 Shorter, Edward 306, 308n
Shotwell.james Thomson 322
S Shrimpton, Gordon 416, 416n
Sahlins,Marshall288 Siegel,Jerry 5l7, 517n, 5H, 5H-35n
Ste. Croix, G. E. M. de 465n, 476, 476n, Siegfried, André 176
479, 479 n, 503n Simiand, François 43-45, 49, 172n, 175n,
Saint-Exupéry, Antoine de 138 179, 179n, 180, 180n, 181-82, 198n, 249,
Salmon, John 395 263,272,343, 343n, 376, 519, 526, 530-31,
Salomão 435 53In,533-34

615
Simmel, Georg 398 Tarde, Gabriel 75
Simon, Richard 569n Tawney, Richard Henry 390
Simon, W. M. 531, 532n Tessitore,Joe 539-40n
Skinner, Quentin 23,396n, 398 1hierry, Augustín ion, 109ll, 190, 411
Skocpol, Theda 561,56m Thom, René Frédéric 274
Sleidan, Johann 406 Thomas, Keith 29, 29ll
Smith,J\.i\.471n Thompson, Edward Palmer 28, 28n, 35, 67,
Smith, Bonnie 392 189, 196, 274, 277, 4 10, 459ll, 462ll, 464,
Smith, G. N. 503n 464ll, 482, 482-83ll, 485-86n, 488, 488ll,
Soboul, Albert 484, 485n 494-95, 505, 505-06ll, SlOn
Soll,Jacob 424 Thompson, James Westfall399
Sorokím, Pitirim 315 Thou, jacques-Auguste de 393
Sot, MiChel282 Tilly, Charles 79, 79ll, 186, 186n, 252n, 315,
Southcott,Joanna 482 315n, 318ll, 524, 525n, 544n, 561,56m
Spengler, Oswald 361,36m, 398, 427 Tilly, Richard 32m
Spiegel, G. M. 547n, 565 Tocqueville, Alexis de 21,311, 404
Spinoza, Baruch 569n Todd, Ernmanuel e.z, 75, 75ll
Sprenger,Jacques 62 Tolstói, Live 413
Sproenberg, Heinrich 538 Torres, Félix 74, 74n, 90, 90n
Stálin,Joseph 326,391, 463n, 469, 469n, Toubert, Pierre 53-54
472,5 1On Toulmin, Stephen 147, 147n
Stearn s, Peter 197n, 203, 206n Touraine, Alain 41
Stein, Gertrude 581 Tours, Gregório de 322
Stephenson, Carl 392 Toynbee, Arnold ], 47, 230, 238, 238n, 239,
Stockhausen, Karlheinz 592 239n, 240, 242, 361,36m, 390, 428, 433,
Stoianovich, Traian 77, 77n, 188n, 196n, 54°,575
206n, 342n, 446, 446n, 529n , 555n Trevelyan, George Macauley 192,206-07,
Stone, Lawrence 29n, 75, 75n, 186, 196, 204, 207n, 217ll, 272, 382, 383n, 402
204n, 220-21, 22m, 262n, 276, 298, 30m, Trevor-Roper, Hugh 31, 3m , 33, 33n, 35, 115,
310-11, 312n,315, 318n, 319-2°, 32m, 329, 115n
332n, 333-34,336-37n, 338, 339n, 396, Trexler, Richard 41
402, 402n, 518, 519n, 52m, 541, 54m, 542, Troeltsch, Ernst 236
542n, 547, 550, 553,553n, 554, 554n, 558n, Trollope, Anthony 413
563, 563n, 565, 567 Tromph, G. W. 570, 570n
Sweezy, Paul 474, 474n, 478 Tr ótski, Leon 469, 469n, 485n
Syagrius 72 Tucídides 9-10, 398, 406, 414, 431-32, 449,
Syrnons, J. A 31, 3m 457,57°
Turner, FrederickJackson 95, 322, 391, 524
T Turner, Victor 23
Tácito 9
Thackeray, William Makepeace 413 V
Tagliacozzo, Giorgio 398-99 Vaihinger, Hans 429
Tapié, Victor-Lucien 89 Valensi, Lucette 13m, 288

616
Varga, Lucie 126n, 127-28 Windelband, Wilhelm 398
Veít-Brause, Irrnline 514, 514n Wittke, Roxane 393
Velay, Louis 79 Wolfe, Thomas 390-91, 39m
Verene, Donald 396n, 398 Wolfesperger, Alain 107, 107n
Veyne, Paul 54, 82n, 83,114,114n, 439, 410n, Wolff, Philippe 377
568, 568n, 571, 57ill Wood, A. W. 466, 476, 476n, som, S04n,
Vian, Boris 149 S07n
Víco, Giambattista 47,2°3,396,398-99, Wood, E. M. 461-62n, 470-7111, 473n, 477n,
4 08, 4 12, 4 19, 43 6, 575,586 483n,496,496n,509n
Vídal-Naquet, Pierre 288 Wood, G. 564n
Vilar, Pierre 41, 49, 49n, 125n, 206n, 520, Woodward, Comer Vann 319, 32m, S2sn
529,57° Woolf, Virginia S81, S8S
Villari, Pasquale 540n Wundt, Wihelm S37
Vílle, Georges 41 Xénopol, Alexandru Dimitrie S34
Vives, Jaime Vicens 8m, 273n
Voisin de la Popelíniêre, Lancelot Szn Z
Voltaire 44, 51,405, 516,519, 570 Zeldin, Theodore 2sn, 19S
Vonnegut,Kurt 593 Zeller, Gaston 89
Vovelle, Michel aj, 353,353n Zunz, Olivier S61, s6m
Zwahr, Hartmut S09n
W Zysberg, André 67
Wachtel, Nathan 59
Waelder, Robert 329, 332n
Waite, Robert G. L. 330, 332n
walbank, Frank William 471, 472n, 476,
476n
Wallerstein, Immanuel Szn, 480n, 503n,
509n, 561
Waquet, François 425, 425n
Weber, Max 22,95,102,169,253,276,341,
343, 462n, 4 89n, 498, 499n, 5°9, 525,
539, 568, 577, 580
Wehler, Hans-Ulrich 253-54n, 544, 570
Weintraub, Jerry 242n, 516, 516n
Wells, Hebert George 187,187n, 188, 188n,
39°
Werth, Léon 138
White, Hayden ion, 235n, 24m, 264n, 4°3,
4°4, 4 04 n, 405-07, 4°9, 412
White, Morton 395
Wilde, Oscar 585
Williams, Raymond 410, 419, 419n, 503n,
506n

617
BIBLIOGRAFIA GERAL
VOLUME 1 - PROPOSTAS E DESDOBRAMENTOS

INTRODUÇÃO

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© Cosac Naify, 2013
© Femando Antonio Novais, 2013
© Rogerio Forastieri da Silva, 2013

Coordenacao editorial MILTON OHATA


Assistencia edito r ial LlVIA LI MA
Prep aracao CL.A.UDIA AGNELLI, JULIA BUSSIUS e JULIA PASSOS
Revisao MARIA FERNANDA ALVARES e CEcILIA RAMOS
fndice onornastico ELOAH PINA PEREIRA
Projeto grafico MARIA CAROLINA SAMPAIO
Composicao GABRIELLY SILVA
Pro ducao grafica B.A.RBARAALMEIDA

Nesta edi~aoJ respeitou-se 0 novoAcordo Ortografico da Lingua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)


(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nova hist6ria em perspectiva volume 2/


organizacao e introducao
Fcmando Antoino Novais e Rogerio Forastieri da Silva
Sao Paulo : Cosac Naify, 2013/
Varies auto res; varios tradutorcs; bibliografia
736 pp.

ISBN 978-85-405-0464-6

1. Hist6ria - Teoria. 2. Historiografia I. Novais, Fernando A.


n. Silva, Rogcr io Forasticri da

13-0 6817 CDD907·2

fn dice para catalogo sistematico :


I. Hist6ria c historiografia 90 7.2

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